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GRAZIELA OLIVEIRA | RJ

Internacional

Tito Traversa

ParaclimbA histórica cidade de Jaca (Espanha) reu-niu nos dias 29 e 30 de janeiro osescaladores nos Pirineus. O evento, quenão parou de crescer desde a sua cria-ção, traz um programa intenso de ativi-dades para os dois dias, com uma gran-de concorrência. ”Os prêmios em dinhei-ro, camisetas, lanches e várias outraspremiações são alguns dos ganchos uti-lizados na publicidade. Mas, sobretudo,pela novidade do VII Encontro Internacio-nal de Escaladores nos Pirineus é a in-clusão do Open Paraclimbing, uma com-petição destinada aos praticantes porta-

dores de necessidades especiais. A or-ganização do Open Paraclimbing ficousob a tutela de Manuel Suarez, guia demontanha e gestor do grupo paraclimbingde Aragão. A idéia foi acomodar qualquerescalador portador de necessidade es-pecial, seja ela visual, mental ou física. Oevento tem o formato de top rope, exigin-do o uso do capacete. O campeonato pre-miou os vencedores Urko Carmona,Ricardo Perez, Óscar Domínguez e CeperoManuel.

10b na infânciaO italiano Tito Claudio Traversa, 9 anosencadenou o seu primeiro 10b (8b) em

Paraclimbing

Castillon, França e se tornou o escaladormais jovem a mandar uma via nessa difi-culdade do alto dos seus 1,35m de altura!Ondra havia realizado o feito aos 11 anosde idade.

A aventureira do Ano - 2010A montanhista Edurne Pasaban recebeu oprêmio Aventureira do Ano da NationalGeographic, ela reuniu no currículo 14montanhas acima de oito mil metros.

Nova rota no Pilar CasarottoO escalador brasileiro Sérgio Tartari, juntocom os argentinos Luciano Fiorenza eJimmy Heredia abriram Al Abordaje! umavia de 25 enfiadas e grau 6b A2 no pilarcolado ao Fitz Roy.“São mais de 1000m de excelentes

fissuras”, comentou Fiorenza após a con-quista.

Errata: Dreamtime diferente do que foi co-locado na coluna passada é umproblema em Cresciano, Suíça.

Pilar Casarotto colado a direita do Fitz Roy

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ASSESSORIA DE IMPRENSA FEMERJ | RJ

Janeiro de 2011 foi um mês muito triste para o montanhismo. Além daschuvas que devastaram a região serrana do estado do Rio de Janeiro, localque conta com muitos pontos para a prática do montanhismo, entre elesSalinas (Friburgo) e Serra dos Órgãos (Teresópolis), esse mês ainda teste-munhou a morte de Bernardo Collares, montanhista, presidente da Femerj(Federação de Esportes de Montanha do Rio de Janeiro) e vice-presidente daCBME (Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada).A morte de Bernardo foi muito sentida pela comunidade de montanhistas detodo o Brasil, pois, além de um excelente montanhista, Collares era umapessoa muito empenhada em difundir e defender o esporte. Com a experiên-cia adquirida nos 10 anos à frente da Femerj, sua atuação serviu como exem-plo e inspiração para todas as outras organizações ligadas ao montanhismosurgidas desde então.Entretanto, mais do que simplesmente respeitado, Bernardo era muito que-rido pela comunidade de montanha em todo o Brasil, o que pode ser teste-munhado por conta de todas as homenagens realizadas em diversos cantosdo país no dia 15 de janeiro.O Rio de Janeiro, cidade de Bernardo, não poderia ficar de fora e nesse dia asmontanhas da Urca (Babilônia, Morro da Urca e Pão de Açúcar) foram invadi-das por dezenas de cordadas cujos participantes reuniram-se posteriormen-te na Praça General Tibúrcio para uma série de homenagens que tiveraminício com os presentes fixando, no monumento do local, fotos antigas tira-das junto com Bernardo. Na ocasião, muitos subiram as escadas do monu-mento para proferir palavras em homenagem a ele. Além disso, mais de setepick-ups com donativos para as vítimas das chuvas foram lotadas.A Associação de Escaladores do Rio Grande do Norte (AERN) ocupou diver-sas vias de Serra Caiada, principal setor de escalada no estado, quando oDiretor Técnico falou sobre a importância de Bernardo para a organização doesporte no Nordeste e sobre a sua passagem por lá em 2005.No Paraná, a convocação foi para uma invasão no complexo do Anhangava e,em São Paulo, a Associação Fernão Dias de Montanhismo escalou as viasdo Baú e realizou uma bonita homenagem no cume do Bauzinho.Em Feira de Santana/BA, o Clube Baiano também ocupou as vias de MonteAlto em homenagem a Bernardo e o mesmo ocorreu em Caeté, Minas Ge-rais, onde, apesar da chuva, a Pedra Branca foi subida no mesmo espírito.Ainda em Minas Gerais, na Serra do Lenheiro, local bastante frequentado porBernardo, além das escaladas, foi conquistada a via “Um minuto de silêncio”em sua homenagem. Essa conquista, inclusive, é apenas uma das muitasque estão sendo realizadas em homenagem ao “Eterno Presidente”, nomede outro projeto, assim como “Cabeção”, outro apelido de Bernardo.Apesar de, evidentemente, uma certa dose de tristeza e melancolia estarempresentes em todas essas homenagens, Bernardo é o maior exemplo queuma pessoa generosa e comprometida com seus ideais pode continuar vivae presente muito tempo depois de sua morte.

Montanhistas prestamhomenagem aBernardo Collares

Guia de TrilhasCarretera Australtraz a Patagônia chilena ao Brasil

A Carretera Austral é uma importante via deacesso e circulação por grande parte daPatagônia chilena. Até a década de 70, essaimensa região encontrava-se isolada eacessível apenas por barcos ou eventuaistrilhas vindas da ArgentinaTuristas do mundo todo visitam a Patagôniachilena em busca de aventura ao longo deseus 1.200 km aproximados de extensão.Diversos livros de referência indicam esseroteiro como “uma das maiores aventurasde contato com a natureza disponíveis noplaneta”. E não há exagero algum nessaafirmação.

O Guia de Trilhas Carretera Austral, escritopor Guilherme Cavallari e publicado pelaKalapalo Editora, apresenta o mapeamentocompleto e minucioso desse roteiro. Esse

inclusive é um fato inédito no mercado editorial mundial, já que não existem livros ouguias de viagem com esse trajeto mapeado em tamanho detalhe.

O livro traz a Carretera Austral dividida em trechos de, no máximo, 130 km minuciosa-mente descritos em fotos coloridas, gráficos de altimetria, indicações de hospeda-gem, alimentação e abastecimento, contatos locais, explicações sobre história, cultu-ra e, principalmente, possibilidades de aventura. O mapeamento foi desenvolvidopara cicloturistas, aventureiros que se deslocam em bicicletas, mas serve perfeita-mente para turistas de carro ou moto.

À venda em livrarias, lojas especializadas em aventura e lojas de bike em todo o paíse pelo site da Kalapalo Editora (www.kalapalo.com.br)

Guia de Trilhas Carretera AustralFormato 21 x 15 cm136 páginas coloridas - R$ 39,00www.kalapalo.com.br

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on theesportiva

Existem locais para a prática da esca-lada que são considerados mágicos ouindispensáveis dentro do imenso circui-to de points espalhados pelo globo afo-ra, mas que você só entende o porquede tal denominação após estar presen-te e experimentando de tal magia. E umdesses locais que, com certeza, nãopode passar em branco para qualquerescalador é São Bento do Sapucaí. Eapesar de ser esta mais uma matériaentre tantas já escritas sobre São Ben-to do Sapucaí , a mesma traz um pontode vista sobre a constante evolução queSão Bento presencia e de como a co-munidade local reage perante esta evo-lução.Desde o dia que conheci São Bento doSapucaí, houve alguma atração por estacidade que atinge não só quem escalae fica deslumbrado com tamanhaimponência do conjunto da Pedra doBaú, mas também em todos visitantesou turistas que visitam a cidade, umaatração que é manifestada em uma sen-sação de ter encontrado um cantinhopara passar o resto da vida, e que nomeu caso e de muitos outros “forastei-ros”, se converteu em um sonho a serperseguido com afinco. Existem na Eu-ropa cidades que possuem as mesmas

características de São Bento do Sapucaí, onde as montanhas e a escalada vi-vem em parceria com a comunidade lo-cal e a mesma vive em função do turis-mo de aventura e da escalada. Porém,ainda que cidades como Chamonix , naFrança, e Arco, na Itália, tenham sido oberço da escalada mundial, existe algoque todo brasileiro que vive no exteriorsente falta, que é a família e os amigos,e do bom e velho arroz com feijão, en-tão, porque não conciliar tudo isso coma simplicidade de uma cidade típica dointerior com os encantos que São Ben-to do Sapucaí oferece de mais comple-to para todos os estilos de escalada?Desde o boulder até as grandes pare-des, São Bento do Sapucaí atende todoo tipo de escalador e nível e vem evolu-indo e sendo apresentada ao circuito daescalada mundial como um dos exce-lentes locais a serem visitados porescaladores de qualquer nacionalidade.Uma simples visita turística até o com-plexo do Baú já é por si um contato coma rocha, e uma caminhada até qualquerum dos seus cumes é presenteada comum visual tremendo e uma experiêncialeve, mas que marca um passo preten-dente a um contato mais profundo coma escalada.

Desde a primeira ascensão da Pedrado Baú, realizada por visionários locaise movidos pelo encanto que as monta-nhas exercem sobre nós humanos, aescalada em São Bento esteve emconstante evolução, sendo explorada afundo a vasta superfície vertical do com-plexo do Baú onde hoje existem viasde grande imponência até mesmo paraos escaladores que dominam e modali-dade de vias longas.Dentro da escalada esportiva, existemhoje muitos points e setores que tam-bém foram explorados e que sofreramuma adaptação sobre graus e estilosimpulsionados por novas gerações quetratam de “devorar” as vias existentes eproporcionando uma evolução não só nograu, mas na quantidade e qualidadede vias existentes na região.Já no boulder, esta modalidade semprepassou como uma forma mais simplesde se manter escalando quando as con-dições não eram favoráveis a enfrentaroutras escaladas, mas nunca passouem branco.O boulder sempre esteve presente nahistória da escalada em SBS, mas sem-pre foi considerado na escalada como“partes “ou “pedaços” de rocha que sesoltaram das paredes existentes e que

eram encontrados nas trilhas de aces-so às vias.Mas foi por volta de 2000 que o boulderse desenvolveu e passou a ser visitadoe explorado por mais uma gama deescaladores aficionados pela modalida-de, com a idealização e realização doprimeiro BLOX em 2001 (evento organi-zado pela Montanhismus), em que hou-ve uma enorme repercussão e a realiza-ção de outras edições posteriores, pro-vando que a evolução está aí, estampa-da em publicações de vários meios decomunicação, com ascensõesmarcantes não só para SBS, mas parao esporte nacional e reconhecido inter-nacionalmente como um excelente pointpara a modalidade.

Lugar incrívelSão Bento do Sapucaí conta com umagama de points e setores imensa para oboulder, sendo impossível visitar todosem um fim de semana. Conta com umaquantidade e qualidade que variam deV0 a V14 e com linhas de altíssimo graude dificuldade, concentradas todas emuma só região, e que recebe hoje umaquantidade significativa de escaladoresde outras cidades, estados e países.Como toda evolução vem acompanhada

de alguns inconvenientes, São Bento doSapucaí e sua evolução não são exce-ção, e sendo este assunto sempre ex-tremamente polêmico e não existindo ummanual de normas concretizadas, regu-lamentadas e divulgadas, a conduta doescalador perante a escalada na regiãodepende muito de um bom senso quemuitas vezes é esquecido e que acabapor trazer problemas mais sérios e quetravam tal evolução. Portanto este textonão pretende passar uma lista de regrase posturas para com a escalada local,até porque isto já foi imensamente dis-cutido, servindo de palco para discus-sões e intrigas homéricas, mas vem paraservir como um alerta e tentar passar umpouco do ponto de vista local, de como aescalada e os escaladores é vista pelacomunidade nativa da região.O ritmo de uma cidade do interior nãoacompanha o ritmo dos visitantes deoutras cidades, principalmente dos gran-des centros como São Paulo, que estáa menos de 200 km de distância de SBS,mas recebe uma quantidade enorme devisitantes, turistas e escaladores, o quepode gerar conflitos de tempo e espaço.No que diz respeito ao tempo, o visitantetem que se ajustar ao ritmo e estilo devida local, e não o contrário. No que serefere a escalada, este tempo vem acom-panhado de um ritmo frenético na lutacontra o relógio para tentar mandar ouencadenar aquele projeto sonhado, que

por sua vez pode ser visto com estra-nheza por moradores locais ao testemu-nhar gritos e alguns palavrões no mo-mento da empolgação, ou por muitasvezes, levar a escalada até horas da noiteou até mesmo da madrugada, tentandoaproveitar ao máximo do “tempo” dispo-nível para escalar, mas esquecendo quese trata de uma região habitada em suamaioria por produtores rurais que tem emseu ritmo e “tempo”a hora de descansopara poder levantar muito cedo e cuidarde seu afazeres.E no que diz respeito ao espaço, prati-camente 100% dos points de escaladaem São Bento estão em terras particu-lares, frequentada constantemente poruma legião de pessoas carregando mo-chilas pesadas ou colchões nas costas,sendo esta frequência possível graças aacordos de ambas as partes,escaladores X proprietários. Infelizmen-te determinados acordos foram desres-peitados e como consequência o pointproibido de acessar, fato comum ultima-mente, não percebendo que as terraspara os habitantes locais é uma exten-são de seus quintais, delimitados porcercas e porteiras que, normalmente,nenhum de nós gostaria do fato de queem pleno fim de semana com sua famí-lia em casa, ter que abrir e dar passa-gem em seu quintal para os “seres car-regadores de peso das costas”.Morando nesta cidade há um ano e meio,não posso me considerar um “local”, atéporque não nasci aqui, mas umas ob-servações mais profundas de como as

Elis

eu F

rech

ou

coisas e as pessoas funcionam em cadapoint de escalada visitado, sempre foi pri-oridade antes de simplesmente chegar,entrar, passar, escalar e ir embora semao menos pedir licença e ser educadopara com a comunidade local, princípiosbásicos de uma boa convivência e quepodem trazer benefícios ouconsequências a cada ato individual oucoletivo tomado. Trocar São Paulo porSBS foi também fazer uma troca de esti-lo de vida e se adaptar ao estilo localleva muito tempo. Ou seja, para quemvem de fora somente para um final desemana é praticamente impossíveldesvincular dos hábitos “fast Climb” dosgrandes centros, muito menos enxergara vida local com outro olhos. Estar pre-sente nos points de escalada, abrindo econquistando novos boulders ultimamen-te é estar em contato com proprietáriosdos mesmos blocos, e o que para elesantes não passava de uma pedra no meiode sua plantação, agora é um local paraa prática do esporte. Essa relaçãoproprietério X escalador tem que ser de-licada e respeitosa. Com uma aproxima-ção mais cautelosa, consigo ver que aprópria visão dos proprietários locais temmudado, uma visão mais ampla, desdeque respeitados. E para quem duranteanos ou a vida toda foi acostumados a

ver em suas terras e estradas somentegado, cavalos e veículos para trabalho,estar em contato com veículos novos,pessoas diferentes e uma onda impulsi-onada pelo turismo e esportes pratica-dos, leva mais tempo ainda nesta fasede adaptação, mas que em sua grandemaioria a simplicidade local é que ga-rante uma boa aceitação desta “invasão”vertical. Cabe a nós, da comunidade“climber” desprender algum tempo evisualizar por outro ângulo tudo o que en-volve os points de escalada pelo mundoafora.Viver em São Bento do Sapucaí é a rea-lização de um sonho, o de poder viverem um local cercado de escalada e daescalada, calmo e tranquilo, mas maisdo que isso, com a possibilidade de en-xergar como a vida pode ser levada deuma forma mais simples e em um ritmomais adequado ao da escalada e em suaplenitude, levando o esporte até os lo-cais de uma forma que possa haver umconvívio mútuo e ainda poder contribuirpara a evolução constante do esporte noBrasil, algo que já bem visto até pelosgrandes nomes do boulder mundial, masque depende de todos os frequentadoresde todos os points do Brasil estarematentos sobre tais condutas.

Tiago Balen no IV BloX, evento que abriu e desenvolveuvários points de escalada na região.

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�O Cam hook da Leeperfunciona em fendashorizontais, verticais enagativas (como na foto).Este é o tamanho médio,mas há um menor e doismaiores para fendas largas.�Skyhook Grappling daBlack Diamond.

“Fundamos a CBME inicialmente parater um “chapéu” mais representativo nahora em que precisássemos conversarcom um Ministério ou o COB (ComitêOlímpico Brasileiro), por exemplo. Melembro claramente do BernardoCollares, presidente da FEMERJ, mefazendo a “proposta indecente”: “se vocêtopar ser o presidente eu topo ser o vice!”Bom, isso foi em 2003, a CBME foi ofici-almente fundada em agosto de 2004 eestamos aí até hoje.”O texto acima fez parte de uma entrevis-ta minha ao site Wilo Montanhas, emmeados de 2007. Essa passagem re-sume em poucas linhas a história re-cente dos bastidores da organização domontanhismo brasileiro.Conheci o Bernardo pela internet, noFórum Interclubes e na lista HangOn em1999. E no calor dos debates sobre éti-ca, técnica e organização domontanhismo, descobri um cara queconcordava comigo em quase tudo.Nada mais natural que ficarmos amigos,até mesmo antes de nos conhecermospessoalmente.E quando isso aconteceu, num fim desemana em São Bento do Sapucaí edepois em muitos finais de semana noRio, em Salinas, Andradas,Cipó, sem-pre escalando, nossa amizade se soli-dificou ao ponto de não precisarmosmuitas explicações para nos entender-mos sobre quaisquer assuntos, atémesmo os mais complexos.Quem acompanhou sua trajetória na es-calada sabe que o acidente que o sepa-rou de nós aconteceu numa escaladaque era seu limite atual. O elástico esta-va esticado ao máximo. Embora issonão sirva de consolo, provavelmenteseria uma opção que ele escolheria, seisso fosse possível.A perda para o montanhismo brasileiroé irreparável. Com o passar do temposaberemos da real importância doBernardo na organização do nosso es-porte. Ponderado, sensato, defensor daética, foi a figura central de todas as arti-culações do movimento deinstitucionalização do montanhismo noBrasil, desde o Fórum Interclubes, em1999, passando pela fundação daFEMERJ em 2000, apoiando e inspiran-do os fundadores das demais Federa-ções e participando diretamente da fun-dação da CBME em 2004 e de todas assuas ações subseqüentes até hoje.Perdi um grande amigo. Estou triste,muito triste.Adeus Bernardo, um grande e últimoabraço.

Dia de semana, dia de trabalho, calor in-tenso de verão carioca. Volto do almoço edou uma passadinha no gabinete antesde uma reunião que me consumiria a tar-de inteira, e apenas por vício dou umaespiadela no correio eletrônico, onde,como sempre, diversas mensagens no-vas já me aguardavam, mas uma logochamou a minha atenção. Com letrasmaiúsculas, seu título era: “PATAGÔNIAURGENTE”. Lembrei-me que muitos ami-gos haviam viajado para lá nesta tempo-rada e o coração começou a bater forte.Quando a abri e li o seu conteúdo, come-cei a tremer todo. Não tinha mais reunião,não tinha mais trabalho, não tinha maisnada. O indizível havia acontecido. OBernardo havia morrido no Fitz Roy!Embora a mensagem começasse afir-mando a sua morte, abaixo era dito queesta era, na verdade, uma suposição de-vido às circunstâncias, porém feita por nin-guém menos do que a Comissão de Res-gate de El Chaltén, a pequenina cidadeaos pés das fantásticas torres graníticasdo sul da Patagônia argentina que a cadaano atraem, como as lâmpadas a cadanoite atraem as mariposas, centenas deescaladores de todas as nacionalidadesem busca das aventuras de suas vidas.Chegaram a esta sombria conclusão achefe da equipe, Carolina Codó;resgatistas voluntários, dentre os quais umdos mais experientes escaladores do pla-neta e profundo conhecedor das condiçõeslocais, Rolando Garibotti; e guias euro-peus da UIAGM. Não havia dúvidas, pormais que eu e todos que o conheciamquiséssemos que elas existissem...

O acidenteQuatro dias antes ele partira de El Chalténpara tentar repetir a longa via Afanassieff,

na face oeste da montanha – a mais bati-da pelos furiosos ventos patagônicos - emcompanhia de Kika Bradford, e no primei-ro dia fizeram um progresso excepcionaldevido ao tempo favorável e ao conheci-mento prévio da parte inferior da escala-da, adquirido em uma tentativa fracassa-da no ano anterior. No dia seguinte conti-nuaram evoluindo bem, superando asprincipais dificuldades e fazendo um se-gundo bivaque a cerca de 400 metros dotopo. O objetivo era fazer cume no dia se-guinte e rapelar pela via Franco-Argentina,bem mais curta e vertical e, portanto, mui-to mais adequada à descida, mas um for-te nevoeiro matinal os levou a, prudente-mente, tomar a difícil decisão de descer,não só pela frustração como, também, porsaberem da complexidade da tarefa, commilhões de pontos onde a corda poderiaagarrar.Só que logo no quinto rapel, quando Kikajá havia descido e preparava a ancoragemseguinte, as peças nas quais a corda úni-ca pela qual rapelavam estava montadasaíram e ele voou. Nestas circunstâncias,o esperado era que ele caísse até a baseda montanha, ou ao menos até um pontobem mais abaixo, levando consigo asduas cordas (a outra estava dobrada atrásdo seu pescoço), deixando-a em uma si-tuação verdadeiramente desesperadora,mas o destino deu uma colher de chá: acorda passou por trás de uma pedra e,assim, Kika, no reflexo, foi capaz de travá-la com as mãos. Além disso, a segundacorda parou a exatos 60 metros abaixo,permitindo que fosse recuperada por elamais tarde. O problema é que na queda,que foi de uns 15 ou 20 metros, ele bateucom violência na parede e provavelmentequebrou a bacia e teve uma hemorragiainterna. Ela imagina que tenha sido isto

ou coisa ainda pior, como uma fratura decoluna, mas saber a lesão exata éirrelevante, pois, seja como for, o fato éque ele não conseguia se mexer. Quandoenfim recobrou a consciência, Bernardosofria dores lancinantes, e disse a ela quenão se achava capaz de chegar sequer aodia seguinte sem um resgate de helicóp-tero... Por isso ele próprio pediu que eladescesse imediatamente para buscar aju-da, e que lembrasse a todos que todas asdecisões naquela escalada, assim comoem todas as outras que haviam feito jun-tos, tinham sido tomadas de comum acor-do.Kika o estabilizou como pode, deixou comele o único saco de dormir que possuíam,assim como água e alguma comida, edespediu-se prometendo descer o maisrápido que pudesse, mas não semlembrá-lo de que obviamente só no diaseguinte é que conseguiria dar o alarme.O momento de uma despedida comoessa é, sem dúvida, um dos mais inten-sos pelos qual qualquer pessoa poderiapassar, mas para dar ao menos umachance ao amigo, e ela própria ter a opor-tunidade de sobreviver, Kika manteve ofoco em cada procedimento técnico erapelou sob neve intermitente até ao anoi-tecer, bivacando, ainda sob neve e ventomuito forte, no mesmo ponto onde haviampassado a primeira noite. No dia seguin-te, sempre sob um vento gelado implacá-vel, continuou descendo e chegou de voltaà base da via em torno das 15h30m,exausta física e emocionalmente, masainda havia o glaciar a ser cruzado de vol-ta à segurança da moraina.Ela deixou para trás todo o equipamentosupérfluo, levando consigo apenas o ne-cessário para tentar se safar caso caísseem uma greta, mas tudo acabou dando

certo e, perto do final do dia, encontrou oseu namorado argentino e um amigo, quehaviam ido até lá para ver se estava tudobem. Eles passaram um rádio para ElChaltén, avisando do acontecido e a es-coltaram até um pequeno refúgio a duashoras de onde se deixa o carro, onde pas-saram a noite. Foi então que a Comissãode Resgate local se reuniu, juntamentecom uma série de experientesescaladores que se ofereceram como vo-luntários, caso um resgate fosse possí-vel, mas juntos concluíram pela sua im-possibilidade, pois mesmo uma equipemuito forte, em condições favoráveis, le-varia três dias para chegar até lá com umamaca rígida, indispensável naquela situa-ção, e simplesmente não havia janela detempo bom para isso... Por outro lado, nãohavia helicóptero disponível na região na-quele momento e, mesmo se houvesse,provavelmente não poderia levantar voo,pois o vento não permitiria. Nosso amigoquerido estava condenado. O único con-solo que restava a todos é que era poucoprovável que ele tivesse resistido até mes-mo à primeira noite, desgastado como es-tava pela escalada, apresentando lesõestão sérias, sem conseguir sequer se me-xer em um saco de dormir molhado, deita-do em um minúsculo platô exposto aosventos mais inclementes de uma regiãoinclemente e debaixo de uma nevasca! Elepróprio, aliás, pressentira esta possibili-dade...No dia seguinte ela retornou a El Chaltén,e foi apenas no início da tarde deste quin-to dia desde a sua partida para a monta-nha é que eu recebi a terrível notícia doocorrido. Infelizmente esta não era exata-mente uma novidade para mim, já queBernardo era o quinto amigo que perdiaescalando, mas foi decerto, a perda mais

devastadora destas todas, pois éramosmuito próximos pelas escaladas que fize-mos juntos e pelas causas às quais nosdedicamos lado a lado.

O amigoConheci Bernardo Collares Arantes noClube Excursionista Carioca (CEC) em al-gum momento dos anos 90, não me re-cordo exatamente quando. Nós nos en-contrávamos nas reuniões e nos eventossociais do clube, mas no início não éra-mos parceiros habituais de cordada. Eutinha uma série de projetos em mente eele ainda não havia se convertido noescalador compulsivo que viria a ser, massempre nos demos muito bem e não ha-via como ser diferente: Bernardo era umtipo bem-humorado, com um sorriso fácile largo e sempre disposto a ajudar quemdele precisasse.Com o passar do tempo, no entanto,Bernardo foi se envolvendo cada vez maisseriamente com a escalada, ajudado pelofato de ter um emprego absolutamenteperfeito para isso: trabalhava com o tio emum cartório no Centro do Rio, ganhandopor produtividade. Não tinha obrigação decomparecimento, nem horário rígido; setrabalhasse, ganhava, se não, não. Sim-ples assim. Igualmente simples era a suavida doméstica, pois, solteiro convicto,morava em um pequeno apartamento nobairro do Flamengo, que por falta de apti-dão de seu dono para as lides domésti-cas era conhecido como “o muquifo”. Omesmo já não se podia dizer de sua movi-mentada vida amorosa, uma novela palpi-tante e pouco repetitiva, repleta de cenaseletrizantes e tramas paralelas que acom-panhávamos estupefatos à distância, masque apenas parecia fazer com que asmulheres ficassem cada vez mais apaixo-nadas por ele...Embora praticasse escalada esportivacom frequência, e fosse figura fácil nomurinho da Limite Vertical, seu maior inte-resse eram as vias tradicionais, em mó-vel ou em grampos, de preferência asmais longas e comprometidas – um ca-minho que inevitavelmente o levaria a ElChaltén. Fizemos portanto algumas boasescaladas juntos, das quais eu destaca-ria a conquista de duas imensas monta-nhas virgens, o Pontão Maior de Águia Bran-ca, no Espírito Santo, e o Pontão Médio deMantena, em Minas Gerais, ambas em2001. Na primeira subimos em estilo alpi-no uma via de 530 m de extensão deixan-do apenas um grampo pelo caminho, se-guindo um óbvio sistema de chaminésempoleirado sobre um costão descomu-nal. Chegamos ao cume no final do dia,sob chuvisco onde estávamos e fortestemporais ao redor, rapelamos noite aden-tro e acabamos bivacando sob chuva finasentados em um minúsculo platô inclina-do, mas o dia seguinte amanheceu me-lhor e a descida pode ser concluída semsobressaltos. Fomos recebidos com fes-ta pela população da região, que abateuum novilho para comemorar o nosso feitocom um churrasco, e ele adorava contar ahistória da cara das pessoas quando eudisse que não comia carne vermelha e desuas infrutíferas tentativas em me fazerabrir uma exceção, mesmo eu garantindoque compensaria com cerveja a ausênciadaquelas proteínas. No final, um peixinhosurgido não sei de onde resolveu oimpasse. Pura aventura, puro comprome-timento e, depois, pura diversão – tudo o

que buscávamos! Em Mantena, como écomum acontecer nestes casos, gasta-mos o primeiro dia apenas abrindo comfacão a trilha até a base da montanha, seishoras de trabalho duríssimo, parte debai-xo de um violento temporal de raios e elequase sendo picado por uma cobrapeçonhenta. No segundo dia, subimos ra-pidamente por uma via toda em móvel,batendo apenas um grampo no cume, pararapel. O nome da via, Cobra Criada, reme-tia à jararacuçu da véspera. Nesta mes-ma viagem ainda tentaríamos subir o Pãode Açúcar de Águia Branca, onde fomosdetidos por outra forte tempestade de ve-rão, e fizemos a primeira repetição da Pe-dra do Dedo, em Cristalina (Nova Venécia– ES), 41 anos após a sua conquista porum grupo do CERJ.Destaquei estas duas porque elas repre-sentam bem o espírito livre que gostáva-mos de desfrutar nas nossas viagens deescalada, descomprometidos com as obri-gações da vida (eu havia juntado dinheiro,pedido licença sem vencimentos e estavahá quase um ano sem trabalhar à época),mas absolutamente comprometidos coma aventura e com o estilo de nossas vias.E esta era outra característica que nos uniabastante: o respeito às tradições e a éticado nosso esporte, traço de sua formaçãoque o levaria a uma posição de absolutodestaque no cenário da escalada brasi-leira.

O eterno presidenteSua paixão pela escalada era tanta queele sempre achou natural dedicar umaparte crescente do seu tempo ao desen-volvimento e à organização do esporte.Primeiro, contribuindo voluntariamentecom os cursos básicos e de guia do CECque, como os demais clubes de escala-da, são até hoje um case sociológico no-tavelmente bem-sucedido de trabalho co-letivo desinteressado em prol de um obje-tivo comum. Aos poucos, porém, seuenvolvimento foi se tornando maior cadavez maior com a defesa de princípios éti-cos hoje plenamente consolidados namaior parte do país, como o chamado di-reito autoral, a utilização de equipamen-tos móveis sempre que possível, a manu-tenção da integridade da rocha (rejeição aagarras cavadas ou de plástico) e aos prin-cípios de mínimo impacto sobre a fauna ea flora nativas das montanhas. Representando o CEC, ele já participavaativamente do Fórum Interclubes,colegiado informal criado em 1996 pelosclubes e escolas profissionais de escala-da do Rio de Janeiro para discutir os pro-blemas do esporte, que então derivavaperigosamente para um cenário de anar-quia. A Interclubes, com era então chama-da, foi tão exitosa em seus objetivos que,quatro anos após a sua constituição, sen-tiu-se a necessidade de que ela viesse aser formalizada para melhor representaros interesses dos montanhistas peranteos órgão públicos e a sociedade de umamaneira geral. Assim, em 2000, foi funda-da a Federação de Montanhismo do Riode Janeiro (FEMERJ), sendo Bernardo elei-to o seu segundo presidente, em 2002. Foi então revelado ao mundo, o nossomundo, um verdadeiro talento para a or-ganização do esporte, primeiro em nívellocal, e depois em nível nacional com aconsequente fundação da ConfederaçãoBrasileira de Montanhismo e Escalada(CBME), da qual era o vice-presidente.

Bernardo, como dito acima, era um de-fensor intransigente dos valores éticosda escalada, porém fazia isso com umahabilidade inigualável, buscando sem-pre, em primeiro lugar, o diálogo e a con-ciliação. Ele costurou, com fino faro polí-tico, uma unidade que foi capaz de tiraro montanhismo da marginalidade ecolocá-lo em um elevado patamar derespeitabilidade perante os órgãos pú-blicos, em especial aqueles responsá-veis pela gestão das unidades de con-servação.Isto era de fato muito necessário, poissuperado (ao menos no RJ) o debateético, as questões de acesso a áreasde caminhada e escalada passaram ater uma primazia absoluta em sua agen-da, e ele empreendeu uma verdadeiracruzada de reuniões, debates e semi-nários em defesa do direito à livre práti-ca do nosso esporte, muitas vezes comevidente prejuízo ao seu trabalho e aoseu sustento e, claro, a mais escaladas!Isso o tornou uma liderança importantenão apenas no cenário por si só já bemamplo do montanhismo, mas tambémjunto aos demais praticantes de espor-tes de aventura e ao segmento do turis-mo de aventura.Ao mesmo tempo, participava ativamen-te de diversas listas de discussão virtu-ais de montanhismo em todo o país, porperceber a importância que isso signifi-cava em termos de divulgação e conso-lidação de ideias e ideais, e para nossoespanto ainda conseguia tempo paradar uma escapada quase diária paraescalar na Urca! Aliás, um dos seus pas-satempos preferidos era escalar duran-te a semana e ligar de lá para algumamigo preso a um escritório para zoá-lo, sendo que nenhum de nós perdia asraríssimas chances de lhe dar o troco...Por sua habilidade, dedicação, carismae liderança, foi reeleito sucessivas ve-zes para a presidência da FEMERJ, sen-do, portanto, o nosso eterno presidente,eterno enquanto durou.

ConclusãoA morte de Bernardo nos deixou todosum pouco órfãos, mas se há uma formade honrarmos a sua memória é nãopermitirmos desmoronar o seu inesti-mável legado. Ele não nos perdoaria poristo. Assim, apesar da dor, a FEMERJestá se recompondo e no final destemês uma chapa parcialmente renovadadeve assumir a sua direção e tocar obarco a partir do ponto onde ele o dei-xou, defendendo nossos interesses comempenho e responsabilidade, como elefazia. Tarefa parcialmente facilitada por-que o acúmulo é grande e muitas liçõesimportantes foram aprendidas no longocaminho desde a sua fundação.Seu corpo não pode ser resgatado doFitz Roy, pois, no ponto onde se encon-tra, o risco de um acidente para osresgatistas, fossem estes pela pedra oupelo ar, seriam imensos, e um desastreque ceifasse mais vidas poderia geraruma reação muito forte contrária ao es-porte – algo pelo que ele também nãonos perdoaria. Então, devido à sua ou-sadia e ao seu comprometimento, nabusca pelos seus sonhos, por lá eledeve permanecer. Uma sepultura gran-diosa para um grande montanhista.Adeus, amigo, e muito obrigado por tudo.

SILVÉRIO NERY | SP

Uma grande perdapara o montanhismo

“A morte de Bernardo nos deixou todos um pouco órfãos, mas se há uma forma de honrar-mos a sua memória é não permitirmos desmoronar o seu inestimável legado. Ele não nosperdoaria por isto.”

Elis

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rech

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�Humberto numa das novas rotas nosetor do Labirinto de Igatú�Jorginho no setor Tocaia de Lençóis�Henrique Gironha escala uma desuas novas rotas em Lençóis.

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on the rocks

No inicio da década de 90 quando conhe-ci a Chapada Diamantina, a mineração dediamantes nas cidades de Andaraí, Len-çóis, Mucugê e Palmeiras era umaindustria com motores enormes no leitodos rios virando tudo ao avesso.Cruzar asmontanhas do Parque Nacional commochilas pesadas não era tarefa fácil...Porém a compensação vinha ao encon-trar animais selvagens,cachoeiras e biva-ques alucinantes.Nesta época. foram poucos escaladoresque vieram se aventurar por aqui, e o po-tencial deste lugar para a escalada per-manecia adormecidoFoi as margens da BR 242, nas paredesdo Pai Inácio, que provavelmente foramabertas as primeiras vias com proteçõesmóveis. Mas a prática da escalada em ro-cha na Bahia,teve inicio de fato na cidadede Lençóis no final da década de 90, quan-do tive a oportunidade de escalar pela pri-meira vez e talvez abrir as primeiras rotas.Agora morando no povoado de Igatú, mu-nicípio de Andaraí,tive o privilégio de equi-par o campo escola da vila, hoje são 8setores, todos estabelecidos e prontospara a prática da escalada tradicional eesportiva. No povoado de Igatú,o visitantepode contar com uma infra estrutura con-fortável de restaurantes,bares,casas detemporada, pousadas,camping e o Abrigode Montanha Serra Alta, que além de ficarpróximo a maioria dos setores fica a al-guns metros das melhores cachoeiras dovilarejo. Novos vales com florestas de ar-vores seculares, com paredes de ate 100metros estão sendo preparadas para osvisitantes, com pequenas expedições e tra-vessias pelo vale do Paraguaçu, o trekkingé garantido!Hoje no Parque da ChapadaDiamantina,temos escaladas em locaisremotos com psicoblocs,banhos decachoeiras,piscinas naturais.Também emcidades como Mucugê,Ibicoara e Palmei-ras (Vale do Capão) o aventureiro podecontar com um número razoável de vias ecentenas de projetos para serem conquis-tados, com uma galera que esta semprepronta para novas aventuras!

Parque Nacional Chapada DiamantinaA área do Parque Nacional é muito exten-

sa, tendo muitas histórias interessantespara se descobrir em suas cidades,vilase povoados.Para conhecer o Parque alémdo transporte público e o carro, pode-sefazer o circuito de volta ao parquepedalando,por trilhas, de mula e até voan-do! Ao chegar as cidades maiores, procu-re guias em associações e agênciascredenciadas para evitar transtornos. Afi-nal experiência fazdiferença!Lembre-se:que lanterna,agasalho,sos ecapacete são indispensáveis a qualquermontanhista que se preze! Pode parecerque aqui só faz calor, mas o frio, nas regi-ões mais altas é uma constante.Meus sinceros agradecimento ao informa-tivo de montanha Mountain Voices, que acada ano vem mostrando sua força no Nor-deste e aos meus parceiros de aventurascom disposição para encarar o nosso “ser-tão” tropical.

Betas para o viajante:Ônibus Partindo de Salvador:Andaraí, Igatú,Ibicoara e MucugêViação Águia Branca 0800 725-1211www.aguiabranca.com.brLençóis e Palmeiras/Vale do CapãoReal expresso 0800 600-1115www.realexpresso.com.br

Rio de Contas (sul da Chapada)Viação Novo Horizonte (71) 3450-2224/5557www.novohorizonte.com.brVia aérea (Salvador-BA)Vôos com saídas regulares com destino ao ae-roporto Horacio deMatos,próximo a Lençóis.Trip linhas Aéreas 0300-789-8747www.voetrip.com.br

Aeroporto Internacional Dep.Luis E. Magalhães(Salvador-BA)55 (71)3204-1010

[email protected] ou Letícia(75) 3335-7016

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on the rocks

Texto: Luciana Maes

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ricia

Man

zi

Não mais que umas semanas antesdeste relato, havíamos escalado vária ou-tras rotas grade V com tempo suficientepra tomar umas cervejas (quentes!) emnosso camping, quando estávamos “ins-talados” em Black Canyon of Gunninson.Mas agora o cenário era outro, California,Yosemite Valley. Começo do verão de2009, isto quer dizer que turistas, car-ros, trailers, Rangers, ursos e claroescaladores não vão te deixar em paz(sem falar das chuvas!), um exemplo eraque todos os dias na recepção do “CampIV”, muito antes das 9.00hs da manhã(horário em que o guarda Ranger apare-ce) já havia uma enorme fila para adqui-rir uma vaga no camping que, devo dizeraqui, era limitadíssimo e ainda,por serverão, cada pessoa pode registrar-se porapenas sete (isso mesmo!!! Sete!!!) diasdurante todo o verão. Isso nos obrigou afazer um “cambalacho” onde apenas umse registrara com a barraca e outro per-manecia ilegal no camping, sem dar ban-deira aos Rangers, resultando num tem-po legal de duas semanas (de tempo ile-gal ficamos mais duas!!!).Já aclimatizados com o granito, nossapróxima meta era o Half Dome, na maisfamosa de suas vias, a RegularNorthwest Face Route de graduação VI5.9 C1 ou 5.12. Compartilhávamos amesma idéia de não “haullear” a merdatoda pra cima, sem bivysack, semportaledge, sem cordas fixas (apenasuma de 60 metros, que aumenta o graude comprometimento), sem haulbag,apenas um rack de friends e stoppers,

um litro d´água (pros dois!!!), umanoraque e disposição pra escalar as23 enfiadas no melhor estilo BlackCanyon: “a rope, a rack and the shirton your back”. A estratégia foi de fazera aproximação de tarde, bivacar nabase, despertar e escalar, sem maiscomplicações e já sabíamos por ou-tros escaladores que havia uma peque-na fonte de água na base. A melhor enão mais segura trilha de aproxima-ção, fica subindo pelo “slabs” partindode Mirror Lake, não vacile, pois alémde ser vertical é comum nas partesmais perigosas estar bem molhada,deve levar de uma a duas horas, nãosei, tínhamos toda a tarde e pegamosuma chuva de granizo, que nos fezperder o humor e o dia seguinte prasecar as roupas; lá estávamos, todo odia na base do Half Dome, com as rou-pas estiradas ao sol, não pude acredi-tar nessa comédia.

EsperaBom, mais uma noite na base, semproblemas, noite estrelada, ótimobivaque....mas não durma demais! Le-vantamos às 8.00 hrs.Já havia umadupla escalando, duas cordadas ou trêsacima, “haulleando” dois bags (comose um não bastasse pra ancorar emcada uma das cordadas!!!); e desdelogo nos deixaram passar. Escalamosaté a cordada 9, sem problemas, mui-to rápido; sempre alternando as guia-das com Mike; alcançamos a “Robbinstraverse”; uma sequência de bolts a

qual escalei em A1 seguida de um pên-dulo onde a travessia continua em livre.Depois de mais uma enfiada, chegamosa um pequeno platô onde começa asequência de chaminés; Mike, sempreinconfortável em chaminés, me deu depresente pra guiar as mais longas; elassão intimidadoras à primeira vista mastranquilas e divertidas quando dentro de-las; apenas peças pequenas e médias;mas não conte com isso, as chaminéssão um verdadeiro “runout” que levamuitos metros sem proteção (está aí arazão da repulsa de Mike às chaminés!).Depois da enfiada 17, chamada DoubleCrack que se escala por boas fissuras,chegamos ao Big Sand Ledge; ótimoplatô pra camping com direito a sala ecozinha (sem exageros!).E como não estávamos lá pra passear,segue-se escalando pelo famosa Zig-Zag Cracks, divididas em três cordadasmas possível em duas longas, como fi-zemos; são as mais expostas na mi-nha opinião e que escalamos a maiorparte em livre e alguns em simultâneo,nas muitas nuts lá abandonados; nos-so objetivo era sair de lá. Ao terminar,nos encontramos na também famosacordada da Thank God Ledge, uma tra-vessia “caminhando” para a esquerdanum platô de meio metro de largura noinicio e ficando mais estreito no meio;formando 90° com a parede um pouconegativa às suas costas, que dava aimpressão de te empurrar nos seus 15maté alcançar uma chaminé de meio cor-po, um pouco negativa e bem curta. Não

me lembro bem dos detalhes das ulti-mas enfiadas depois do Thank GodLedge, uma nevoa densa e branca haviachegado de repente, mas que se seguiaderivando pra esquerda em muitos boltse fissuras pequenas do tamanho de um“camalot C3” cor roxa. Uma grande ale-gria nos contagiou ao ter apenas blocospor trepar nos últimos metros da via; al-cançamos o cume se me lembro às20.00hs, nada mal pra uma entrada àvista numa das mais famosas vias emYosemite Valley.Um lindo e estranho por do sol por entreas nuvens escuras, deixou uma fina tiraavermelhada no horizonte. Logo, Mikefoi correndo até a beirada do cume paraque eu sacasse uma foto antes de es-curecer.A descida é bem obvia, por uma, pode-se dizer, via ferrata, até a trilha que dáascesso à Muir Trail, mas desviamos devolta a base para dormir e resgatar nos-sos sacos de dormir.Levamos um jogo de camalots até o 4,um jogo de aliens offset, um jogo decamalot C3 (insubstituíveis!), nuts, umacorda de 60 metros de 9 mm, se bemme lembro e nada mais; talvez, para ga-nhar tempo, um par de jumares vai bempara quem vem de segundo nas enfia-das mais expostas e verticais. Para maisinformações e detalhes da via, consulteo site supertopo.com ou, estando por láno “Camp IV” perguntando aosescaladores locais, como nós fizemosantes de entrar na via.

Escalar um grade VI em apenas algumas horas do dia, pareceu prepotência minha e demeu parceiro de escalada Mike Schuwey.

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montanhismo

Patagônia para mim é sinônimo de aven-tura.Desde 2004, quando fiz pela primeira veztrekking em Torres del Paine, fui fisgado.De lá pra cá visitei a Patagônia quase to-dos os verões, tanto na Argentina quantono Chile.Muitas dessas viagens terminarampublicadas nos meus livros, como os ro-teiros de trekking em Torres del Paine, ElChaltén e na Ilha Navarino – todos pre-sentes na coleção Guia de Trilhas Trekking.No verão de 2010/11 eu não inventei histó-ria, voltei à Patagônia, dessa vez paramapear toda a extensão da Carretera Aus-tral, no Chile, incluindo também os princi-pais roteiros de trekking em parques e re-servas nacionais ao longo do caminho.Uma idéia bastante ousada, já que nãoexistia livro algum, seja em inglês ou es-panhol, com o mapeamento dessa estra-da e dessa região em uma forma realmentedetalhada. Minha proposta era produzir umlivro multiesporte que falasse de mountainbike, off Road, escalada em rocha,montanhismo, canoagem, rafting e pescaesportiva, onde a Carretera Austral seria aespinha dorsal de uma “super aventura”,completa e complexa, capaz de satisfazeraos gostos mais exigentes. Mas, ao mes-mo tempo, eu queria que fosse um roteiroacessível a praticamente qualquer um,mesmo que estivesse começando agorana aventura. Para completar, meu limitede tempo para a viagem era de 60 dias.Infelizmente, por conta desse limite detempo, eu não poderia percorrer aCarretera Austral de bike, meu transportefavorito, então fomos de carro – eu e mi-nha mulher, Adriana Braga. Levamosbikes, todo o equipo de trekking e acam-pamento, material de escalada, grampõese piolets, comida liofilizada e até nossosremos de fibra de carbono para caiaques.Estaríamos prontos para o que pintasse!Partimos de São Paulo no final de novem-bro e, passada uma semana, estávamosem Puerto Montt, marco zero da CarreteraAustral. Mesmo depois de pesquisar naInternet, ler diversos livros e guias de via-gem, conversar com conhecidos e ami-gos, participar de fóruns on-line e até tro-car correspondência com eventuais con-tatos locais que descobrimos, chegamosa Puerto Montt com mais dúvidas que res-postas. Não sabíamos, por exemplo, exa-tamente que trechos da Carretera Australainda estavam interditados devido à erup-ção do Vulcão Chaitén, ocorrida em 2008;ou quais serviços de balsa e barco funcio-navam e quando; ou quais roteiros detrekking da nossa lista ainda existiam; ousequer onde exatamente encontraríamoscombustível para abastecer o carro ao lon-go do percurso.De cara, descobrimos que deveríamos ter

reservado passagem no navio de trans-porte que conecta Puerto Montt a Chaitén...A bagaça estava lotada! Resultado: per-demos três dias nessa desinformação.Ou melhor, ganhamos três dias para pe-dalar em torno do Lago Llanquihue – oequivalente chileno ao Lago NahuelHuapi, na Argentina, inclusive com a “pri-ma chilena de Bariloche”, Puerto Varas. Écomo diz o ditado: “uma vez no inferno,abrace o diabo!”.No primeiro trecho do mapeamento fomosde Puerto Montt a Hornopirén, parandodois dias em Cochamó, destino conheci-do entre os escaladores do mundo todocomo o “Yosemite sul-americano”.Paredões de granito puro, esbranquiçado,com vias de 1.200 m verticais e quase to-das em livre. Mapeei o trekking de aproxi-mação até o fundo do vale do RioCochamó, onde os paredões formam umanfiteatro monumental e de tirar o fôlego.Esse trekking de 20 quilômetros, ida evolta, acompanha todo o tempo as águasverde-esmeralda e cristalinas do RioCochamó, com praias naturais de areiasbrancas exigindo um mergulho... Mas temque ter coragem, a temperatura do rio nãodeve chegar aos 10°C.

No fundo do vale há um simpático refú-gio, de propriedade de um casal deescaladores, Daniel e Silvina – ele norte-americano e ela argentina. Na aconche-gante cabana de madeira nunca falta umachaleira cheia de água sobre o fogão alenha, para o mate dos anfitriões e visi-tantes. O camping que eles dirigem ficano gramado de um antigo pasto, cercadode montanhas rochosas. É acordar, sairda barraca e amarrar a cadeirinha à pri-meira corda que aparecer.Nessa região, próximo de Puerto Montt,visitamos o Parque Nacional AlerceAndino e mapeamos um roteiro detrekking de 2 a 4 dias de duração, depen-dendo do ânimo de cada um. Esse par-que existe para preservar gigantescasárvores de 4.000 anos de idade, 60 metrosde altura e 6 metros de largura,ameaçadas de extinção pela indústriamadeireira. O alerce tem uma madeiramaciça e quase indestrutível, muito usa-da na construção civil e naval. Ao longo daCarretera Austral é possível encontrar ca-sas e igrejas centenárias feitas dessamadeira, ainda sólidas e firmes, como sefossem de concreto novo.No parque o clima estava perfeito, sem

uma nuvem no céu apesar da região sermuito úmida nessa época do ano. As tri-lhas, porém, estavam ainda obstruídaspelas agruras do inverno, com árvorescaídas, galhos atravessados e eventuaisdesmoronamentos. A temporada de verãoainda não havia começado e a adminis-tração do parque não havia reorganizadoos caminhos. Fizemos inclusive um rela-tório final ao guarda-parque no final daexcursão, para ajudar no trabalho de ma-nutenção dos caminhos.Mesmo no auge do verão os parques ereservas nacionais em torno da CarreteraAustral recebem um fluxo muito pequenode turistas, muito diferente de Torres delPaine, por exemplo, que chegam a ter 300mil turistas no verão. No final tivemos oparque todo só para nós e não fizemospouco caso disso, nadamos pelados nosrios e lagoas, passamos um dia extra sórelaxando, tomando sol e ouvindo a mata,exploramos alguns caminhos interditados.Pode-se dizer que a Carretera Austral co-meça de verdade depois de Chaitén, aces-sível pelo Chile apenas por mar. Passadaessa cidade devastada pela erupção vul-cânica, quanto mais ao sul nos deslocá-vamos, mais isolados nos sentíamos,

menos pessoas encontrávamos na es-trada, mais sentíamos a Patagônia aonosso redor.Mapeamos um desvio na Carretera Aus-tral que chega até Futaleufu, uma vilazinhaacolhedora e turística às margens do RioFutaleufu, considerado um dos cinco me-lhores do mundo para rafting. Com a tem-porada de verão ainda não havia começa-do, o volume de água do “Futa” estavaduas vezes e meia superior ao recomen-dável para descidas comerciais. Uma re-presa em território argentino regula essavazão de água e o decorrente humor dosremadores chilenos. No camping ondeestávamos acampados, um grupo de gui-as resolveu fazer um treino e faltava umremador no bote. Sem saber no que esta-va me metendo, pulei pra dentro.Nosso capitão era um italiano com expe-riência no Quênia, EUA, Suíça e Nepal.Os remadores eram todos guias profissi-onais. O único café-com-leite no bote eraeu. As ondas de refluxo, redemoinhos eos paredões de água nas curvas do riotinham o tamanho de carros, ônibus ecasas. Os comandos de remo eram dotipo: “tudo pra direita ou a gente morre!”,“esquerda, p*** que pariu!”, “se alguémcair na água aqui, f**eu!”, e assim por di-ante, ora em inglês, ora e espanhol e even-tualmente em italiano mesmo. Em deter-minado momento nos chocamos comuma pedra meio submersa e quase tro-camos de lugar em pleno ar – quem esta-va na direita foi para a esquerda e vice eversa –, nosso capitão aterrissou de carano meio do bote e demorou alguns se-gundos para se recompor. No final da des-cida, o remo de madeira que eu usei ficoucom as minhas impressões digitais es-culpidas nele. Nunca passei tanto medona vida! E não vejo a hora de repetir adose...Mais ao sul, aos pés do Cerro Castillo –uma imponente montanha de rocha ne-gra e de aparência podre, todadespedaçada e pintada de neve, que lem-bra muito um castelo – tentamos fazeruma travessia em trekking de quatro dias.

Um roteiro tradicional. Chuviscava quan-do começamos a caminhada. Quantomais penetrávamos os vales fechados,pior o tempo ficava. Depois do meio dia achuva começou a cair forte e montamosacampamento, no final da tarde, debaixode muita água. No dia seguinte a chuvanão diminuiu e decidimos descansar nabarraca, afinal estávamos na Patagônia eo sol poderia aparecer a qualquer instan-te, ou não. Acordamos na madrugada dasegunda noite com muito frio. Olhei o ter-mômetro e fazia 5°C dentro da barraca.Lá fora estava - 5°C. Era o primeiro dia deverão.Pela manhã a neve caia em baldes. Nofim do dia havia 30 centímetros de nevepara todo lado. O paso logo adiante denós, único trecho mais técnico da traves-sia, estava fechado por muita neve, gelopodre e neblina. Esperamos mais um dia.Mais neve e mais chuva. No quarto dia,com o suprimento de comida defasado,abortamos a travessia e voltamos para oinício da trilha, para a Carretera Austral,para pedir carona de volta à Villa CerroCastillo e ao nosso carro. Na neve em voltada nossa barraca encontramos pegadasde huemules (um cervo andino em riscode extinção), raposas e pumas. Era 24 dedezembro e uma deliciosa ceia de Natalnos esperava na pousadinha familiaronde nos hospedávamos. Afoguei minhafrustração em garrafas de excelente Merlotchileno e terminei tão grogue que caí dacama na hora que fui dormir, rachando obico e feliz da vida.Mais ao sul, em Puerto Río Tranquilo, visi-tamos umas lindas formações rochosasno grande Lago General Carrera conheci-das como Capillas de Mármol (capelasde mármore). Fomos de caiaque oceâni-co duplo, eu e Adriana em um barco e osdois guias em outro. Navegamos por den-tro das rochas, que lembram cogumelosgigantes brotando do fundo do lago. Coma ponta dos remos e dos dedos, tocáva-mos a superfície áspera e fria da rocha,listrada de branco e cinza. O famigeradovento patagônico vinha em lufadas e che-

gava a empurrar a pá dos nossos remospara baixo, para a água, como se houves-se um peixe de dez quilos amarrado a elas.Só conseguíamos remar quando o ventotomava fôlego. Não havia perigo sério, ape-nas um possível banho gelado, mas fize-mos bastante força e confirmamos a re-gra: na Patagônia quem manda é aPatagônia.Em Cochrane – última cidade ao sul daCarretera Austral com alguma estruturaurbana – mapeamos um trekking de qua-tro dias dentro da Reserva NacionalTamango. A região é criadouro dehuemules e conseguimos ver e fotografarvários. Não havia outros turistas na reser-va e, novamente, as trilhas ainda não esta-vam prontas para a temporada de verão.Os bosques de árvores centenárias, co-bertas por musgos como gigantescas tei-as de aranha, pareciam ilustrações de con-tos de Edgar Allan Poe. O silêncio chegavaa incomodar. Na parte alta da reserva, ondecaminhei sozinho por 14 horas consecuti-vas e ininterruptas, senti presença de umpuma que devia estar me seguindo. O guar-da-parque havia me alertado para umapuma e dois filhotes que rondavam a área.Infelizmente (ou felizmente) não vi os bi-chos, mas sentia fortes arrepiospremonitórios na nuca e, de vez em quan-do, um cheiro azedo de urina felina no ar.Caminhei todo o tempo com a máquinafotográfica em punho. Se o bicho me co-messe eu pelo menos tiraria sua foto, emclose.Terminamos esse trekking a tempo de co-memorar o Ano Novo em um chalé á beirado Rio Cochrane, com a lareira acesa, co-mida caseira, mais Merlot chileno e umacama quentinha de lençóis limpos paracompletar. Quem consegue imaginar umReveillon melhor?A Carretera Austral termina na VillaO’Higgins – meia dúzia de ruas, uma pou-sada e um aeródromo – de onde é possí-vel atravessar por barco e trilhas de cava-los do Chile para a Argentina, até El Chalténe algumas das montanhas mais famosasdo mundo – Cerro Torre e Monte Fitz Roy.Mas como estávamos de carro, simples-mente fizemos meia volta e retraçamostoda a Carretera Austral de volta até PuertoMontt.Em exatos 59 dias de viagem, consegui-mos mapear 1.689 quilômetros de estra-das da rede Carretera Austral, sendo 80%de terra e cascalho, mais cinco roteiros detrekking somando 102 quilômetros de tri-lhas, uma viagem extra de bike de 163 qui-lômetros em torno do Lago Llnaquihue e oprojeto se concretizou. Consegui publicar,agora em janeiro de 2011, o Guia de Tri-lhas Carretera Austral, com 136 páginas,sete mapas e 184 fotos coloridas.Missão cumprida?De jeito nenhum.Se você me perguntar, não fiquei satisfei-to... Faltou fazer a Carretera Austral de bike,que é como ela deve ser feita. Então sereiobrigado a voltar lá e fazer tudo de novo,dessa vez no pedal... Aí aproveito para ter-minar o trekking do Cerro Castillo, explorara região do Vale Chacabuco – onde umaorganização preservacionista internacionalestá organizando o Parque Patagonia –,voltar a Cochamó com tempo de escalarum pouco, repetir o rafting no Futaleufu...Enfim, mais um verão na Patagônia.Mas, cá entre nós, será que algum dia agente consegue ficar satisfeito de aventu-ra?

�O Birdbeak da marca A5 é um micro piton que pode serusado como hook se a colocação for boa e não necessitarmartelar.�Cliff Talon da Black Diamond, que tem três formas deuso: duas para agarras e uma para buraco de talhadeira.Este é um cliff bem estável se a superfície for plana.

Carretera Australuma estrada para a aventuraO que passa pela sua cabeça quando alguém diz: “vou pra Patagônia”?A imagem que imediatamente me vem à mente é roupa molhada de suor e chuva, rosto queimado desol, unhas encardidas, cabelos desgrenhados pelo vento, botas sujas de barro, olhos brilhantese um sutil sorriso tatuado no rosto.

GUILHERME CAVALLARI | SP

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montanhismo

Neste verão, Alessandra e eu fizemosuma longa viagem pelo Norte e CentroOeste do Brasil, para visitar algumasregiões específicas, e Carolina noMaranhão era a principal delas. Lá foicriado um dos mais novos parques doPaís, com formações planas em formade mesas e grandes cachoeiras deáguas cristalinas. Bem, infelizmente arealidade mostrou-se mais modesta doque nossas expectativas, como vocêverá a seguir.

A História de CarolinaAs maneiras mais rápidas de lá chegarsão por Araguaína (100 km) ou Impera-triz (200 km), cidades de porte médioem Tocantins e no Piauí, onde existemaeroportos e cujo acesso a Carolina éfeito por bom asfalto. Em ambos os tra-jetos, você terá de cruzar o RioTocantins, no primeiro caso por umabalsa que chega diretamente na cidadee, no segundo, por uma ponte em Es-treito, onde está sendo terminada umausina hidrelétrica.Carolina é uma pequena vila de 20 milhabitantes e um certo aspectodepressivo, talvez explicado por sua his-tória curiosa. Fundada por criadores degado da Bahia e Piauí, era nos iníciosdo século XX um importante elo fluvial eaéreo, devido à proximidade com oTocantins e à instalação de aeroporto.A cidade tornou-se rica e culta, comusina elétrica, indústria, cinema, hospi-tal e escola, até que nos anos de 1960o declínio dos transportes fluvial e aé-reo e a passagem da Belém-Brasília porEstreito, distante 100 km, desviassedefinitivamente de lá o fluxo do comér-cio e, portanto, do progresso.À semelhança de Parati e Minas No-vas, Carolina não soube compensar amudança da rota comercial e entrou emdecadência, tendo hoje apenas 2/3 dapopulação de 30 anos atrás. É uma vilaestranha, com avenidas muito largas,grandes praças vazias, casario pobre epouca ocupação, que lhe dão um ar tris-te e desanimado.

A Chapada das MesasNo fim de 2005, foi criado o Parque Na-cional da Chapada das Mesas, abarcan-do alguns municípios do Sul do

Maranhão, o principal dos quais sendoCarolina. Os objetivos declarados paraa criação desta unidade de 160 mil haforam a defesa do cerrado, das nascen-tes e, em especial, das cachoeiras. Diz-se que o cerrado da região é o maispreservado do Brasil, talvez devido à po-breza do solo e à fragmentação fundiária.Como nenhum ocupan-te foi indenizado, a áreaé ainda ocupada por fa-zendas de gado de por-te médio, pertencentesem sua maioria a peque-nos fazendeiros. Quemsabe por causa disto te-nha havido pouca oposi-ção local à criação doParque. Sua integridadepode vir a ser ameaçadapelo enchimento do lagoda UHE de Estreito, quedeve afetar o Rio Fari-nha, sua principal atra-ção.

Adentrando o ParqueA entrada para o Parque fica a 30 kmde Carolina por asfalto. Ele tem um es-tranho dente, num vale entre duas ser-ras paralelas, que faz com que o PN sócomece após mais 30 km de estradaem areião. Este ponto é assinalado ape-nas por uma placa, quando você deveabandonar o rumo leste e seguir à es-querda a norte. Quando estive lá, a es-trada era razoável, se bem que o areiãofundo exija veículo com tração.O Parque apresenta vegetação de cer-rado e campo sujo, sem grande apelovisual. Não tem nenhuma estrutura, ca-rece de sinalização e tem um único fun-cionário. Os tabuleiros em forma demesas são pouco atraentes: compos-tos por antigos arenitos um tanto hete-rogêneos e recobertos por vegetação,não apresentam belos perfis definidos.Nesta integração entre rocha e planta,eles se parecem um pouco com a natu-reza criada no filme Avatar. Mas forameles que deram o nome ao Parque.É bom lembrar que lá não existe ne-nhuma chapada, como a de Diamantinaou dos Veadeiros, pois a altitude nãopassa dos 250 metros, as terras sendoportanto de planície. E que, também,suas serras em tabuleiro estão longede terem a regularidade das mesas.O clima é também irregular, com a rápi-

da formação de chuvas das mais fortesque conheci.Vale aqui uma observação. Devido àinternet, o mundo está se tornando mui-to visual. Suas imagens podem nos in-duzir a visões sedutoras. Os panoramasque vimos antes da viagem nos fizeramimaginar um Parque repleto de mesas

em arenito estriado, comperfis sugestivos. Sincera-mente, elas de forma algu-ma existem no Parque e,fora dele, são poucas e nemtão belas.Voltando ao nosso percur-so, na extremidade norte doParque, depois de mais 15km de areião, corre o RioFarinha, com duas esplên-didas cachoeiras, Prata eSão Romão. São grandesvolumes de água e alturasinteressantes, da ordem de20 metros. Apesar de algu-

mas pedras curiosas, com a da Igreja ea da Figura, estas quedas me parece-ram as únicas reais atrações do Parque.Suspeito que, para preservá-las, não se-ria necessária uma unidade tão grande.Entretanto, há hoje a prática da criaçãode áreas verdes interligadas, para prote-ção da natureza. Apesar de seu aspectosofrido, o cerrado tem uma faunadiversificada, com onças, veados, antase emas. A riqueza da flora é surpreen-dente, com inúmeras palmáceas(babaçu, macaúba, buriti, tucumã) e ár-vores (mangabeira, pequi, murici,angelim), cujos frutos costumam sermedicinais ou alimentícios.

O Morro do ChapéuMas existem fora do Parque bonitos lo-cais na região, em especial ligados àságuas. Não deixe de conhecer a impres-sionante Pedra Caída em Carolina, ondeo rio jorra por dentro de uma câmara, se-melhante a um cilindro oblongo de pe-dra, ao qual você chegará dentro d´águapor um estreito cânion rio acima. Pare-ce uma visão encantada de sonho - nãoé só maravilhosa, é também comovente.Há ainda os cristalinos Poço Azul e En-canto Azul a 70 km, no município deRiachão - são passeios muito popularesna região, ou seja, prepare-se para en-contrar bastante gente (não pudemosvisitá-los). E ainda o cênico Portal daChapada, que ao por do sol pode ser con-templado do mirante de uma bonita pe-

BELAS PEDRAS XLINeste artivo, descrevoa visita ao sul doMaranhão, num dos maisrecentes Parques Naci-onais brasileiros, umáspero cenário de ser-ras areníticas e vege-tação de cerrado. Aolongo de grandes dis-tâncias, conheci es-plêndidas cachoeiras esubi ao topo do Morrodo Chapéu, o mais im-pressionante dos tabu-leiros da região.

dra em arenito à beira da rodovia, numarápida subida, na volta de algum pas-seio.De todas as formações, chama a aten-ção o Morro do Chapéu, com 505m,este sim um tabuleiro regular. Há naregião duas mesas mais elevadas, aTorre da Lua (555m) e a Serra da Malí-cia (525m). Entretanto, o Morro do Cha-péu impressiona pelo visual imponentee o grande tamanho, que parece ame-açador, emergindo acima dos camposplanos, sob a luz escura da sua vege-tação de encosta. Senti que seria umadessas montanhas inacessíveis einglórias.Entretanto, foi relativamente fácil che-gar até o morro: seguindo 6 km pelaEstrada do Marajá, que sai do asfalto,tomamos a esquerda num curral e se-guimos na sua direção por mais 4 km,até a sombra de uma mangueira. Aestrada foi sempre plana e atravessoualgumas áreas úmidas, mas não foi detodo má. Entretanto, exige veículo altocom tração, pois foi usada em recenteRally do Sertão.A aproximação a pé foi curta, atraves-sando em diagonal uma área de matarala de ainda pouca declividade. A tri-lha a seguir é bastante clara e muitoíngreme, pois não contorna a parede,subindo sempre reta, na direção leste.Muitos trechos exigiram pequenasescalaminhadas entre muitas rochas epedras soltas.Na minha experiência, não é usual umcaminho tão direto, mas ele mostrou-se eficiente em poupar muita volta etempo. Se você não se impressionarcom sua verticalidade, em cerca de 1½ horas desde a saída, os 350 metrosda parede poderão ser superados. Ocalor úmido tornou bem dura esta su-bida: no verão, você chegaráencharcado lá em cima, como se ti-vesse mergulhado num riacho. Comovivo no Sudeste, onde as altitudes sãobem maiores, pareceu estranho tantoesforço para conquistar apenas 500metros de altitude.O Morro do Chapéu é bem plano, cor-rendo no sentido norte-sul por cerca de1 ½ km, com trechos estreitos, de tal-vez 100 m de largura. Devido à falta deelevações significativas, a vista de seucume é apenas panorâmica. Porém, al-gumas formações são bem peculiares,como o Portal da Chapada, o Morro doTamanduá e o Prato Fino, cada qualcom seu formato diferente. Lá longe, ocasario de Carolina e o espelho doTocantins também podem ser vistos.A volta exige cautela, devido àdeclividade da trilha escorregadia. Ape-sar do tamanho da montanha, poderáser feita em 1 hora. Se você tiver saídocedo, procure compensar o calor nasmuitas águas próximas, em especialnos banhos das esplêndidas cachoei-ras da Pedra Caída. Apesar do seu fá-cil acesso, à beira do asfalto, é a prin-cipal atração de Carolina.

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118Capa: Bernardo CollaresFoto: Eliseu Frechou

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