raquel gomes biltes garcia

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PROGRAMAS DE ACÇÃO SOBRE ESTIMULAÇÃO COGNITIVA DE IDOSOS E FORMAÇÃO EM EXERCÍCIO DE PROFISSIONAISMestrado em Gerontologia Social Raquel Gomes Biltes Garcia Trabalho realizado sob orientação da Professora Doutora Sidalina Almeida Relatório de Estágio apresentado ao Instituto Superior de Serviço Social do Porto para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção de grau de Mestre em Gerontologia Social Porto, 2014

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PROGRAMAS DE ACÇÃO SOBRE ESTIMULAÇÃO COGNITIVA DEIDOSOS E FORMAÇÃO EM EXERCÍCIO DE PROFISSIONAIS

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  • PROGRAMAS DE ACO SOBRE ESTIMULAO COGNITIVA DE

    IDOSOS E FORMAO EM EXERCCIO DE PROFISSIONAIS

    Mestrado em Gerontologia Social

    Raquel Gomes Biltes Garcia

    Trabalho realizado sob orientao da Professora Doutora Sidalina

    Almeida

    Relatrio de Estgio apresentado ao Instituto Superior de Servio

    Social do Porto para cumprimento dos requisitos necessrios

    obteno de grau de Mestre em Gerontologia Social

    Porto, 2014

  • 1

    Resumo: Sob o ttulo Programas de aco sobre estimulao cognitiva e formao em

    exerccio em lar de idosos, este relatrio explicita o trabalho realizado ao longo de um estgio

    no mbito do Mestrado em Gerontologia Social que decorreu entre Dezembro de 2012 e Julho

    de 2013, num Lar de Idosos de uma Instituio Particular de Solidariedade Social. Optmos

    pela metodologia de projecto para atender ao diagnstico, e nele destacamos a importncia

    das hipteses tericas que transformmos em hipteses operacionais, execuo dos

    programas de aco e avaliao dos resultados. A observao participante e o dirio de

    campo foram ferramentas que usmos para transcrever a nossa prtica.

    Para os residentes foi realizado um conjunto de 16 sesses de estimulao cognitiva

    enquadradas na animao sociocultural. Para o pessoal auxiliar apresentaram-se 3 aces de

    formao em exerccio que permitiram adquirir competncias e treinar conhecimentos para

    um melhor desempenho das suas funes.

    Relativamente aos resultados da estimulao cognitiva, parece-nos ter confirmado as

    hipteses operacionais: atravs da estimulao cognitiva os residentes so capazes de manter

    nveis de auto-estima e estabelecer relaes de proximidade interpessoais, so capazes de se

    envolver e participar na escolha do tema e no desenvolvimento das sesses. Sobre os

    resultados das aces de formao aos funcionrios, apesar do seu nmero limitado, os

    funcionrios foram capazes de equacionar novos comportamentos de forma a melhorar as

    relaes empticas com os residentes bem como presenciar o reconhecimento do seu

    trabalho pelas chefias.

    Palavras-Chave: Lar de Idosos; Envelhecimento; Estimulao cognitiva; Formao em exerccio

    Abstract: Under the title Action programs about elderly cognitive stimulation and

    professionals job training, this report testifies the work done during a Master in Social

    Gerontology internship held between December 2012 and July 2013 in a nursing home of a

    private institution of social solidarity. In order to do the diagnosis, to transform the theoretical

    into operational hypotheses, to execute the action programs and to evaluate outcomes, we

    opted by the project methodology. Participant observation and field notes were significant

    tools that we used to transcribe our practice.

    For the elderly we set 16 sessions of cognitive stimulation within the sociocultural animation.

    For the staff we did 3 job training exercises in order to acquire skills and knowledge training for

    better performance their duties.

    Regarding the results of cognitive stimulation, we seem to have confirmed the operational

    hypotheses: through cognitive stimulation, the elderly are able to maintain levels of self-

    esteem and establish close interpersonal relationships, are also able to engage and participate

    in themes choice and in sessions development. About the job training results, despite the

    limited number of exercises, the staff was able to equate new behaviors in order to improve

    the empathic relationships with elderly as well as witness the leaderships recognition about

    their work.

    Key words: Nursing home; Aging; Cognitive Stimulation; Job training

  • 2

    Rsum: Sous le titre Programmes d'action sur stimulation cognitive des personnes ges et formation des professionnels, ce rapport de stage tmoigne le travail accompli entre

    Dcembre 2012 et Juillet 2013 au cours d'une Matrise en Grontologie Sociale. Pour faire le

    diagnostic, transformer les hypothses thoriques en hypothses oprationnelles, excuter les

    programmes d'action et valuer les rsultats, nous avons opte par la mthodologie du projet.

    Observation participante et notes du terrain sont t des outils importants que nous avons

    utilis pour transcrire notre pratique.

    Pour les personnes ges nous avons fait 16 sessions de stimulation cognitive dans l'animation

    socioculturelle. Pour le personnel, nous avons fait 3 exercices de formation professionnelle

    afin quils acquerraient des bonnes comptences pour mieux excuter leurs fonctions.

    Concernant les rsultats sur la stimulation cognitive, nous pensons avoir confirme les hypothses oprationnelles: travers de la stimulation cognitive, les personnes ges sont capables de maintenir les niveaux d'estime de soi et tablir des relations interpersonnelles troites, sont aussi capables de s'engager et participer dans le choix des thmes et dans le dveloppement des sessions. props des rsultats sur la formation professionnelle, malgr le nombre limit d'exercices, le personnel a t capable d'assimiler de nouveaux comportements afin d'amliorer les relations empathiques avec les personnes ges ainsi que tmoigner la reconnaissance de leur travail par la direction.

    Mots-cls : Institution de soins aux personnes ges; Vieillissement; Stimulation cognitive;

    Formation professionnelle

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    Aos meus avs e aos meus pais por serem a minha estrutura e pelos valores que me

    transmitiram.

    minha orientadora de estgio, Professora Doutora Sidalina Almeida por me ter aguentado

    as frias e me ter dado apoio na construo deste relatrio.

    directora tcnica da instituio onde estagiei, que sempre me apoiou e confiou no meu

    desempenho.

    Aos residentes da mesma instituio, por me terem deixado entrar nas suas vidas.

  • 4

    INDICE

    Introduo .6

    PRIMEIRA PARTE

    1. Envelhecimento em Portugal: a caracterizao do fenmeno social e a identificao dos

    domnios de vulnerabilidade social..10

    2. A resposta social Lar de idosos face vulnerabilidade social associada ao processo de

    envelhecimento.23

    2.1 Contextualizao histrica.23

    2.2 Aspectos legais..24

    3. Diagnstico...27

    3.1. Percurso metodolgico..28

    3.2 Misso do lar e principais linhas de poltica organizativa30

    3.3 Caracterizao global dos residentes.33

    3.4 Identificao das actividades em curso.35

    3.4.1 Autonomia: a tomada de deciso39

    3.4.2 Relaes com o exterior: o convvio com indivduos pertencentes a outras

    geraes.....42

    3.4.3 A excessiva regulamentao do quotidiano...43

    3.4.4 As relaes entre profissionais e idosos.44

    3.5 Caracterizao global dos recursos humanos..46

    4. Das hipteses tericas s hipteses operacionais - a construo do plano de

    interveno e dos seus programas de aco...48

  • 5

    SEGUNDA PARTE

    5. Planificao, implementao e anlise crtica dos programas de aco..51

    5.1 Contribuies da animao sociocultural em lares de idosos.51

    5.2 Consideraes pragmticas sobre a estimulao cognitiva de idosos..52

    5.3 Programa de aco I - Actividades de estimulao cognitiva e de enriquecimento

    cultural ..53

    5.3.1 Planeamento e implementao..53

    5.3.2 Anlise crtica dos resultados....67

    5.4Consideraes sobre os programas de formao em exerccio para auxiliares de

    lar. 69

    5.5 Programa de aco II - Formao em exerccio aos auxiliares de lar.71

    5.5.1 Planeamento e implementao...73

    5.5.2 Anlise crtica dos resultados.79

    Consideraes finais.81

    Bibliografia..88

    Anexos...92

  • 6

    Introduo

    No mbito da 6 edio do Mestrado em Gerontologia Social do Instituto Superior de Servio

    Social do Porto (ISSSP) realizmos um estgio que decorreu entre Dezembro de 2012 e Julho

    de 2013 numa Estrutura Residencial para Idosos, de uma Instituio Particular de

    Solidariedade Social do distrito do Porto.

    A elaborao deste documento pretende relatar o trabalho desenvolvido ao longo desse

    estgio cujos objetivos passaram por:

    - Aprofundar competncias orientadas para o desempenho de actividades profissionais na rea

    de especializao;

    - Exercitar a capacidade de investir a teoria na prtica atravs da formulao de um modelo de

    interveno assente na leitura interdisciplinar de um dado fenmeno/ problema social, na

    delimitao de objectos de estudo e de interveno, na traduo de hipteses tericas em

    hipteses operacionais e na construo e implementao de um programa de aces;

    - Desenvolver a capacidade reflexiva atravs da elaborao de um relatrio final que integre o

    processo de avaliao de todo o trabalho terico e prtico implementado;

    - Melhorar a empregabilidade e competitividade do aluno no mercado de emprego.

    O ttulo escolhido para relatrio - Programas de aco sobre estimulao cognitiva de idosos

    e formao em exerccio de profissionais o espelho daquilo que vivencimos ao longo dos

    oito meses de estgio.

    Para intervir, primeiro preciso conhecer. Guerra (2002, p.52) diz-nos que em qualquer

    contexto de interveno, qualquer aco que se pretenda de base cientfica inclui

    necessariamente uma dinmica de investigao-aco, na medida em que este tipo de

    processo, ao insistir nos processos de conhecimento do sistema de aco concreto, impede a

    rotinizao e a repetio de receitas de aco importadas de outros contextos. As

    metodologias de investigao-aco permitem, em simultneo, a produo de conhecimentos

    sobre a realidade, a inovao no sentido da singularidade de cada caso, a produo de

    mudanas sociais e, ainda, a formao de competncias dos intervenientes () a

    investigao-aco parte sempre do terreno (o campo do real) que inicia a problematizao e

    pretende voltar ao terreno para a resoluo do problemas identificados. A relao entre teoria

    (j concebida e, pelo menos, parcialmente organizada a partir de problemas semelhantes) e

    terreno pode ser indutiva ou malevel.

    Sendo que as metodologias de investigao contemplam vrios tipos de abordagens, optmos

    pela metodologia de projecto, sobre a qual Guerra (ibidem, p.126) afirma um projecto a

    expresso de um desejo, de uma vontade, de uma inteno mas tambm a expresso de

    uma necessidade, de uma situao a que se pretende responder () a primeira fase da

    construo do projecto a emergncia de uma vontade colectiva de mudana e a constatao

  • 7

    de recursos (humanos, materiais e simblicos, etc.), capazes de fornecer a energia suficiente

    para a montagem do projecto. A necessidade de colaborao na animao sociocultural

    atravs da estimulao cognitiva dos residentes, a tentativa de implementar um programa de

    formao em exerccio dirigido equipa operacional e o apoio psicolgico, sustentado na

    nossa formao de base enquanto psicloga, a alguns residentes mais vulnerveis (que, por

    razes de ordem tica e deontolgica, no o referimos neste relatrio), constituram-se como

    elementos fundamentais nesta primeira fase.

    A autora (ibidem, p.127) continua a segunda fase, na qual se baseia todo o percurso do

    projecto, a anlise da situao e a realizao do diagnstico. No nosso contexto, analisando

    a situao e face s sugestes da directora, encontrmos as seguintes possibilidades

    explicativas: a ausncia de animadora sociocultural oficial, a ausncia de formao profissional

    dos funcionrios, a total ausncia de apoio psicolgico. Para a realizao do diagnstico,

    fizemos observao participante, anlise documental de alguns documentos da instituio

    (regulamento interno, guia de integrao do residente e manual de acolhimento, plano anual

    das actividades, etc). O preenchimento de 8 instrumentos do Sistema de Avaliao

    Multidimensional de Equipamentos Sociais - Lares de Idosos (SAMES Lar) ajudou-nos ainda a

    percepcionar um conjunto de realidades inerentes ao funcionamento especfico desta

    instituio.

    Guerra (ibidem, p.127) refere ainda a terceira fase pode ento ser considerada como o

    desenho do plano de aco e, finalmente, a quarta fase refere-se concretizao, ao

    acompanhamento e avaliao do projecto. Os eixos de aco a que nos propusemos dar

    resposta foram ento a implementao de sesses de estimulao cognitiva e a organizao

    de um programa de formao em exerccio dirigido equipa operacional.

    Para a consecuo da quarta fase, delineamos hipteses tericas e operacionais:

    1)Hiptese terica A falta de actividades de animao sociocultural com enfse na

    estimulao cognitiva contribui para a apatia dos idosos, para sentimentos pouco

    valorizadores de si e uma auto-proteco negativa.

    Hiptese operacional - A estimulao cognitiva dos idosos essencial para que eles

    mantenham nveis funcionais de auto-estima e estabeleam relaes de proximidade

    interpessoais.

    2)Hiptese terica - Regras rgidas de funcionamento interno so inibidoras de

    autonomia e de participao dos idosos no dia-a-dia do lar, contribuindo para a inexistncia de

    relaes fortes no interior do lar e com o meio envolvente.

    Hiptese operacional Apelar participao dos idosos nas sesses de estimulao cognitiva

    atravs de sugestes no planeamento e no desenvolvimento das mesmas, contribui para

    desbloquear sentimentos de pertena e de compromisso social.

    3) Hiptese terica A falta de motivao laboral da equipa operacional est associada

    a lacunas na formao dos funcionrios, que se traduzem em ausncia de conhecimentos

  • 8

    tericos que os impedem de identificar outras necessidades dos idosos que no sejam aquelas

    que esto relacionadas com a manuteno da vida biolgica aos residentes.

    Hiptese operacional As sesses de formao contnua so fundamentais para a aquisio de

    novos conhecimentos, para o debate e aprendizagem de boas prticas concernentes

    melhoria das relaes empticas com os residentes.

    4)Hiptese terica - A falta de motivao laboral est tambm associada a baixos

    salrios, a conflitos de classes profissionais e sensao de pouco reconhecimento pelas

    chefias (direco tcnica/ conselho de administrao).

    Hiptese operacional Para alm da partilha de emoes e sentimentos e da renovao de

    conhecimentos, as sesses de formao contnua so fundamentais para a coeso grupal, para

    a resoluo de conflitos e para desmistificar a falta de reconhecimento das chefias.

    Para a avaliao que fizemos das sesses de estimulao cognitiva e das aces de formaes

    usmos as notas do dirio de campo que, de forma sistematizada, fomos escrevendo ao longo

    do estgio e se constituram como apoio fundamental enquanto anlise crtica dos

    resultados.

    importante ainda referir que a metodologia de projecto um processo contnuo,

    sistemtico, adaptado e cclico. A plasticidade entre as fases fundamental para que se o

    projecto se possa desenvolver de forma integrada.

    Cabe aqui uma pequena nota sobre o interesse pessoal que tivemos em fazer estgio

    curricular. Esta escolha resultou do nosso interesse sobre o modo de funcionamento de um lar

    de idosos. Ter tido contacto anterior enquanto bolseira de investigao, com uma instituio

    que prestava servios nas valncias de centro de dia e servio de apoio domicilirio,

    aproximaram-nos desta outra resposta social de prestao de servios aos idosos.

    As expectativas iniciais deste estgio eram sobretudo a curiosidade e o questionamento sobre

    como que a nossa formao inicial de base (enquanto psicloga) se podia conjugar com a

    rea da Gerontologia Social. Potenciar a estimulao cognitiva enquanto ferramenta ao servio

    da animao sociocultural foi tambm um desafio.

    Pretendemos dar a conhecer a nossa interveno na instituio e, para isso, numa primeira

    parte introdutria deste relatrio primeiro captulo - abordamos no s alguns indicadores

    nacionais do fenmeno do envelhecimento demogrfico em Portugal, atravs de dados dos

    Censos da populao divulgados pelos Instituto Nacional de Estatstica (INE) e organizados pelo

    Pordata, mas tambm os problemas que esto associados ao envelhecimento da populao,

    nomeadamente, os aspectos da vulnerabilidade social dos idosos no plano econmico, social e

    simblico, sem esquecer o interesse da Psicologia relativamente a esta rea. Ainda nesta

    primeira parte - segundo captulo direccionamos a nossa reflexo para a resposta social lar

    de idosos, apoiando-nos no s na legislao que regulamenta o funcionamento daquele tipo

    de instituies, mas tambm nas investigaes de alguns autores que analisam em que que

    se traduz efectivamente o tipo de servios prestados aos idosos no mbito dos lares, realando

    o desfasamento existente entre a lgica intencional e a lgica objectiva.

  • 9

    No terceiro captulo, mais vocacionado para o diagnstico e para fundamentar as hipteses

    tericas decorrentes da construo de uma problemtica, apresentamos alguns dados

    recolhidos atravs da observao participante (registada em dirio de campo) e dos

    documentos internos consultados, para dar conta da situao real do lar onde estagimos.

    No quarto captulo, traduzimos as hipteses tericas em hipteses operacionais e tecemos

    algumas notas sobre a construo do plano de interveno e dos programas de aco.

    J no quinto captulo e relativamente nossa interveno apresentamos e analisamos os dois

    programas de aco que desenvolvemos. O primeiro diz respeito vertente da estimulao

    cognitiva dos residentes, inserida na animao sociocultural. J o segundo programa

    destinado formao interna dos profissionais. A preparao das aces, sustentadas em

    pesquisa bibliogrfica e respectiva realizao, so descritas da forma intensa. Ainda neste

    captulo analisamos criticamente os resultados dos dois programas.

    Finalizamos o relatrio com as consideraes finais, atravs das quais tentamos reflectir um

    percurso baseado nas expectativas iniciais, nas experincias vivenciadas, destacando as

    aprendizagens conseguidas e as dificuldades encontradas. Perspectivamos ainda nesse espao

    novos desenvolvimentos e potencialidades.

  • 10

    PRIMEIRA PARTE

    1. Envelhecimento em Portugal: a caracterizao do fenmeno social e a identificao dos

    domnios de vulnerabilidade social: econmico, relacional e simblico

    Para a elaborao deste trabalho, elegemos como prioridade o envelhecimento em lares de

    idosos. Contudo, para um estudo mais completo da temtica necessrio abarcar o fenmeno

    do envelhecimento de forma mais global. Como diz Guerra 2002,p.126) a propsito do

    diagnstico, o conhecimento cientfico dos fenmenos sociais e a capacidade de definir

    intervenes que atinjam as causas dos fenmenos e no a sua manifestao aparente e este

    sempre definido como a identificao dos nveis de no correspondncia entre o que est (a

    situao presente) e o que deveria estar (a situao desejada) (ibidem, p.132). Para melhor

    caracterizar o fenmeno do envelhecimento em Portugal dos idosos das classes populares,

    convm no esquecer que as condies de vida da grande maioria daqueles que nasceram nos

    anos 20, 30 e 40 do sec. XX no foram, de todo, as mais favorveis pobreza, trabalho infantil,

    m nutrio, baixa escolaridade, baixos salrios, condies precrias de emprego, habitao,

    conforto e higiene.

    Serra (1997, p.4) diz-nos que em 1900 () o moderado crescimento urbano, exceptuando o

    caso de Lisboa, acentuava a ruralidade predominante em todo o territrio. A agricultura

    ocupava 65% da populao activa () os principais sectores industriais eram os txteis e

    lanifcios () as principais exportaes industriais eram as conservas de peixe, os algodes, a

    cortia e as alimentares. A observao da organizao industrial revela um predomnio da

    pequena unidade (exceptuando casos como o dos tabacos), a elevada participao de mo-de-

    obra e o baixo nvel de formao especializada e at de formao escolar bsica dos

    operrios.

    Apesar do progresso significativo na rea da sade (medicina, enfermagem, investigao

    cientifica), do aumento da esperana mdia de vida aos 65 anos - dados do site do Pordata

    indicam que em 2011 se podia esperar viver mais 18,8 anos por oposio aos 13,5 anos em

    1970 - da melhoria de condies de trabalho e de reforma ao longo do sc. XX, que

    contribuem muitssimo para a melhoria da qualidade de vida dos idosos - registam-se, desde

    os anos 80, baixas taxas de natalidade. Dados da mesma fonte, indicam que a taxa bruta de

    natalidade em 1980 era de 16,2% e em 2012 registava o valor de 8,5% e que a taxa de

    fecundidade geral era de 66,9% em 1980 e de 36,3% em 2012 - o que conduz ao efeito de

    duplo envelhecimento demogrfico. Em termos sociolgicos, este conceito define-se pelo

    aumento da proporo das pessoas idosas na populao total e a diminuio da taxa de

    natalidade das sociedades ditas desenvolvidas. O problema surge quando as baixas taxas de

    natalidade no conseguem acompanhar o aumento do nmero de idosos. A pirmide etria

    tem ento uma forma oval, (em vez de triangular) e um dos resultados prticos mais srios do

    duplo envelhecimento que com a diminuio das taxas de reposio, a populao em idade

    activa cada vez menor.

    Portugal um dos pases da Unio Europeia que est a envelhecer mais depressa: em trinta

    anos, a percentagem de portugueses idosos passou de 11% para 17,5%. Mantendo-se esta

    tendncia, segundo o INE, num documento publicado em 2009 e intitulado Projeces de

    populao residente em Portugal 2008-2060 (2009, p.9), manter-se- a tendncia de

  • 11

    envelhecimento demogrfico, resultado da reduo da percentagem de populao jovem e do

    aumento da proporo de populao idosa, sendo expectvel o aumento do ndice de

    envelhecimento demogrfico e o decrscimo do ndice de sustentabilidade potencial.

    Igualmente, os resultados evidenciam uma reduo expectvel dos efectivos populacionais em

    idade activa, em particular nas faixas etrias mais jovens, contribuindo para o envelhecimento

    demogrfico da populao em idade activa.

    Mais frente o documento indica quanto populao idosa, com 65 ou mais anos de idade,

    qualquer que seja o cenrio considerado, a sua proporo face ao total de efectivos

    aumentar de forma significativa, passando de 17,4% em 2008 para 32,3% no cenrio central,

    30,7% no cenrio elevado, 35,5% no cenrio baixo e 36,1% no cenrio sem migraes, em

    2060. Para o aumento da percentagem da populao idosa contribuir sobretudo o aumento

    da proporo da populao mais idosa, com 80 e mais anos de idade, em qualquer dos

    cenrios, passando de 4,2% do total da populao em 2008 para 13,3% no cenrio central

    (mais do que o triplo), 12,7% no cenrio elevado, 15,0% no cenrio baixo e 15,8% no cenrio

    sem migraes, em 2060 (ibidem, p.26). Podemos, portanto concordar que

    independentemente do cenrio considerado, o ndice de envelhecimento da populao

    aumentar e no cenrio central este indicador evolui de 114 idosos por cada 100 jovens em

    2007 para 271 idosos por cada 100 jovens em 2060 (...) no cenrio elevado () onde o valor

    para 2060 seria de 231 idosos por cada 100 jovens (sensivelmente o dobro do valor inicial) ()

    no cenrio baixo, 348 idosos por cada 100 jovens, ou seja sensivelmente o triplo do valor

    inicial (ibidem, p.29). Estas previses traduzem uma tendncia de decrscimo do ndice de

    dependncia de jovens e de aumento do ndice de dependncia de idosos (ibidem, p.30).

    Segundo outro documento do mesmo organismo - Destaque, informao comunicao

    social - publicado em 2012 e relativo aos resultados pre-definitivos do Censos de 2011, a

    populao idosa (com 65 ou mais anos) em Portugal de 2,023 milhes de pessoas,

    representando cerca de 19% da populao total. Na ltima dcada o nmero de idosos cresceu

    cerca de 19% (2012, p.1).

    Na mesma fonte -nos dito que mais de um milho e duzentos mil idosos vivem s ou na

    companhia de outros idosos (ibidem, p.1) e na ltima dcada, o nmero de pessoas idosas a

    viver sozinhas (400 964) ou a residir exclusivamente com outras pessoas com 65 ou mais anos

    (804 577) aumentou cerca de 28%, tendo passado de 942 594 em 2001, para 1 205 541 em

    2011 (ibidem, p.2).

    Este documento informa-nos ainda que em Portugal, um quinto dos alojamentos habitado

    por pessoas idosas, representando cerca de 20% do total de alojamentos ocupados, o que

    representa um acrscimo de 28,3% nos ltimos dez anos (ibidem, p.5) e em particular, o

    nmero de alojamentos familiares habitados por uma s pessoa idosa de 400 964, o que

    significa 10% do total de alojamentos do Pas e um aumento de cerca de 29%, ao longo da

    ltima dcada (ibidem, p.5).

  • 12

    Quadro Resumo. Populao residente com 65 ou mais anos e n de alojamentos familiares ocupados,

    2001 e 2011 (retirado do documento Destaque, informao comunicao social, INE, 2012)

    Portugal 2001 2011 Evoluo 2001-2011

    (%)

    Populao residente

    (total)

    10356117 10561614 2,0

    Populao c/65 ou mais

    anos que vive

    exclusivamente c/

    indivduos c/65 ou mais

    anos

    631033 804577 27,5

    Populao c/ 65 ou mais

    anos que vive sozinha

    311561 400964 28,7

    N de alojamentos

    familiares ocupados (total)

    3578548 3997378 11,7

    N de alojamentos

    familiares ocupados

    exclusivamente por

    indivduos c/ 65 ou mais

    anos

    310504 396887 27,8

    N de alojamentos

    familiares ocupados c/ um

    individuo c/65 ou mais

    anos

    311561 400964 28,7

    J o site do Pordata diz-nos que, em 2012, o ndice de envelhecimento (quociente entre o

    nmero de pessoas com 65 ou mais anos e o nmero de pessoas entre os 0 e os 14 anos) de

    129,4%. Em 1960 este indicador situava-se nos 27,3%. assustador como em 52 anos este

    ndice aumentou aproximadamente 4,75 vezes mais. Em 2001, este ndice era de 101,6%.

    Em 2012, o ndice de dependncia dos idosos (quociente entre o numero de pessoas com 65

    ou mais anos e o numero de pessoas com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos),

    de 29,1%. Em 2001, este ndice era de 24,4%.

    Em 2012, o ndice de longevidade (quociente entre o numero de pessoas com 75 ou mais anos

    e o numero de pessoas com 65 ou mais anos) era de 48,7. Em 2001, este ndice situava-se nos

    41,9%.

    Ralha & Barbosa (2013, p.563) referem que o Departamento Estatstico da Unio Europeia

    (Eurostat) prev que em 2050 Portugal atingir o elevado valor de 31,9% de idosos, ocupando

    o quarto lugar no ranking europeu.

  • 13

    Se o fenmeno de envelhecimento demogrfico transformou o grupo dos idosos em grupo

    maioritrio to s pela expressividade da sua densidade populacional, o mesmo no se pode

    dizer da importncia atribuda quer pela sociedade civil, quer pelas autoridades governativas

    ao seu estatuto, ao apoio na sua emancipao, autonomia, independncia e capacitao, nas

    redes de solidariedade intergeracional e de interconhecimento.

    Villaverde Cabral et al (2013, p.12) argumentam que o problema colocado pelo

    envelhecimento ao conjunto da sociedade no se resume ao seu custo. O problema,

    porventura maior, o do lugar da velhice na sociedade.

    Para melhor compreender-se o lugar atribudo aos idosos na sociedade actual, consideramos,

    partilhando o olhar de Figueiredo (2010, p.4) que o envelhecimento um fenmeno

    biolgico, psicolgico e social que atinge o ser humano na plenitude da sua existncia,

    modificando a sua relao com o tempo, o seu relacionamento com os outros e com a sua

    prpria histria. O relacionamento do idoso com o mundo caracteriza-se pelas dificuldades

    adaptativas, tanto emocionais quanto fisiolgicas, destacando-se a performance ocupacional e

    social, o pragmatismo, a dificuldade para aceitar o novo, as alteraes na escala de valores e a

    disposio geral para o relacionamento objectual. Para alm destas constataes, atrevemo-

    nos a acrescentar que a velhice tambm a fase mais madura da vida do ser humano e a mais

    plena de experincias adquiridas, que foram laborais, psicolgicas e sociais, positivas e

    negativas.

    Ao considerar o ser humano como biopsicossocial, acreditamos que a socializao se faz ao

    longo da vida e o individuo, ao relacionar-se com outros, est em constante aprendizagem.

    em interaco social que os gostos, (para alm de serem objecto de transformao), so

    apreendidos e discutidos tudo o que faz uma personalidade (da linguagem inteligncia

    critica, das competncias conscincia moral) encontra a raiz no no genoma, mas nas

    relaes sociais de que cada um se apropria sua maneira no decurso da sua vida (Sve,

    2001). Assim se explica porque que idosos com baixo poder cultural e econmico que nunca

    frequentaram concertos, museus ou a universidade, possam, se lhes for dada a oportunidade,

    aprender a gostar de msica, de pintura, de histria, etc.

    Quando atendemos aos aspectos sociais do envelhecimento podemos convocar o conceito de

    envelhecimento activo que, como Villaverde Cabral et al (2013, p.12) defendem, no devemos

    aceitar a excluso ou a marginalizao dos idosos, ou ainda definir a velhice como uma

    condio social de dependncia. Aos grupos idosos assiste o direito efectivo de representao

    e de participao social e poltica. Reposicionar o idoso no conjunto do sistema de relaes

    inter-geracionais constitui um imperativo democrtico e um desafio poltico que as sociedades

    envelhecidas enfrentam.

    O conceito de envelhecimento activo definido pela Organizao Mundial de Sade (OMS)

    como processo de optimizao das oportunidades para a sade, participao e segurana,

    para melhorar a qualidade de vida das pessoas que envelhecem (WHO, 2002, p. 12). Este

    conceito deve ser compreendido enquanto multidisciplinar com determinismos econmicos,

    sociais, comportamentais, pessoais, onde o ambiente fsico e os servios sociais e de sade

    tambm se devem envolver, e por conseguinte, deve ser compreendido no contexto da cultura

    e do gnero.

  • 14

    Como nos dizem Pal et al (2012, p.1) a interpretao do envelhecimento activo foca-se

    frequentemente na participao no mercado laboral ancorada numa abordagem econmica

    ou numa perspectiva fortemente orientada para a sade, ainda que a OMS tenha uma

    abordagem multidimensional e uma viso alargada da sade.

    Para Villaverde Cabral et al (2013, p.13) a definio avanada pela OCDE talvez a que tem

    um espectro mais amplo. Segundo esta organizao, o envelhecimento activo deve ser

    entendido como a capacidade de as pessoas que avanam em idade levarem uma vida

    produtiva na sociedade e na economia. Isto significa que as pessoas podem elas prprias

    determinar a forma como repartem o tempo de vida entre as actividades de aprendizagem, de

    trabalho, de lazer e de cuidados aos outros (OCDE, 1998: 92 cit. in ibidem). Mais frente os

    autores (ibidem, p.3) defendem o envelhecimento activo no se restringe ao mbito dos

    comportamentos promotores da sade; leva tambm em considerao os factores ambientais

    e pessoais que interagem com as condies de sade. As envolventes que enquadram o

    envelhecimento, como a famlia, a comunidade e a sociedade em que o processo ocorre,

    exercem um impacto enorme na forma como se envelhece.

    No Manual de Processos Chave da Estrutura Residencial para Idosos da Segurana Social (s/d,

    p. 2) constatamos a realidade mostra porm, que h um nmero considervel de pessoas

    idosas que no encontram uma resposta adequada nesse meio [natural de vida]. Na ausncia

    de resposta no seu meio natural de vida o familiar a pessoa idosa necessita de especiais

    empenho e competncia das respostas sociais para que as dimenses, fsica, psquica,

    intelectual, espiritual, emocional, cultural e social da vida de cada individuo possam por ele ser

    desenvolvidas sem limitaes dos seus direitos fundamentais a identidade e a autonomia.

    Torna-se, por isso, frequente a necessidade do recurso a essas respostas sociais, em que se

    inclui o alojamento em Estrutura Residencial, a ttulo temporrio ou permanente.

    Quando algum entra num lar de idosos ou em qualquer outra resposta social, j no participa

    no mercado laboral desde h alguns anos e na maioria dos casos as suas condies de sade

    no so as mais favorveis. Entra, portanto, em condies de fragilidade, ao contrrio daquilo

    que preconizam as vrias definies de envelhecimento activo, produtivo ou bem-

    sucedido.

    Valorizamos estes diferentes conceitos como medidas preventivas que devem ser

    consciencializadas ao longo da vida dos indivduos. Se se pretender aplicar estes conceitos ao

    envelhecimento num lar de idosos, o entendimento deve comear pela constatao que o

    processo de envelhecimento em lar que est longe de poder ser classificado como activo. No

    que diz respeito a estas questes e seguindo a proposta de Anne-Marie Guillemard (1972) que

    nos apresenta uma tipologia de modos de viver a reforma, consideramos que a maioria dos

    idosos que esto em lares vivem a reforma no registo do retraimento ou morte social. Neste

    tipo de reforma, o idoso preocupa-se apenas com a sua manuteno meramente biolgica,

    no convive nem tem ligaes afectivas com outros, o seu consumo de sobrevivncia e de

    manuteno das necessidades bsicas, no h preenchimento do tempo, apenas a espera pela

    actividade funcional seguinte.

    Almeida & Gros (2012, p.5) argumentam que decisores e especialistas () reconhecem que os

    grupos primrios j no assumem efectivamente a gesto da velhice na sociedade

  • 15

    contempornea e que o Estado e as instituies sociais devem lanar iniciativas para evitar que

    a paragem da actividade profissional provoque uma paralisia progressiva de toda a actividade

    social e conduza a uma ruptura do lao social. Prevenir a morte social, no sentido em que a

    existncia fica reduzida a actos quase reflexos destinados manuteno da sobrevivncia

    biolgica, largamente desprovidos de significado social (A.M. Guillemard, 1972 cit. in ibidem),

    um objectivo que passa estar na ordem do dia.

    Partilhamos aqui algumas das nossas inquietaes enquanto psiclogas e futuras profissionais

    na rea da Gerontologia Social: Como que se pode envelhecer activamente num lar de idosos

    quando h uma supremacia de actividades e rotinas pensadas apenas no sentido da

    manuteno da vida biolgica? Como que se pode repartir o tempo num lar se os

    residentes no so sequer autorizados escolher como querem preencher o tempo? Como que

    se enriquece os contactos e as trocas interpessoais se, a grande maioria dos idosos, apesar de

    dividir espaos comuns, no se conhece realmente?

    Segundo Almeida & Gros (2012, p.6) interessa reflectir acerca das reais oportunidades de

    integrao social de que usufruem os idosos, ou seja, da capacidade das organizaes para

    produzir dinmicas de relacionamento com potencial para prevenir ou corrigir o isolamento e

    a solido nas diversas fases do envelhecimento, a perda de interesse pelos problemas e

    temticas que esto no centro da vida das geraes mais novas e, finalmente, para substituir

    ou complementar os laos primrios, em particular, quando o estado de sade dos indivduos

    caracterizado pela fragilidade ou a dependncia (cf. Lalive dEpinay, 2003).

    Para Anne-Marie Guillemard (1972), ao alterar as condies da vida de lazer e de trabalho dos

    activos, intervindo a montante da velhice, poder-se- exercer uma aco de reforma profunda

    e eficaz () atravs de uma gesto mais adequada das relaes entre trabalho e no trabalho,

    entre natureza e cultura, que poderemos dar um contedo, um sentido autnomo a esta

    etapa da vida.

    Quando falamos dos idosos que esto institucionalizados, das polticas e dos

    equipamentos/estruturas dirigidas a esta populao alvo, tambm importante pensar nos

    meios de subsistncia que detm essa populao. Aqueles que tm reformas baixas, com

    certeza tero mais dificuldade para fazer face s suas necessidades e lista de prioridades:

    dados do Ministrio da Solidariedade e Segurana Social, divulgados na base de dados

    Pordata, indicam que, em 2011, quase 1,2 milhes de pensionistas de velhice do regime geral

    da Segurana Social (cerca de trs quartos do total) auferiam uma reforma entre 251 e 500

    euros [Em linha] [Consult. 25 Set. 2013] Disponvel em

    http://www.publico.pt/sociedade/noticia/dois-em-cada-tres-idosos-nao-tem-rendimentos-

    suficientes-para-pagar-o-lar-1588860.

    O salrio um dos factores que influencia a forma como se vive, as possibilidades e as

    experincias que se tem enquanto indivduo produtivo. O mesmo se pode dizer do valor da

    penso de reforma. No caso concreto, pode influenciar a escolha entre um Lar privado ou uma

    IPSS. Olhando para a percentagem de idosos com penses de reforma prximas ou abaixo do

    valor estabelecido para o limiar de pobreza, percebemos que para muitos a alternativa que

    tm para fazer face aos baixos rendimentos a vida no lar. Esta resposta social permite que as

  • 16

    pessoas possam ter asseguradas o que muitos autores designam de necessidades que

    permitem manter a vida biolgica: alimentao, hbitos de higiene, cuidados de sade.

    Se a imprevisibilidade e a indefinio da vida est na ordem do dia para qualquer faixa etria,

    para aqueles cujo intervalo se situa actualmente entre os 70 e os 90 anos e que tm as

    penses de reforma mais baixas - dados do Pordata indicam que o valor mnimo das penses

    de aposentao, reforma e invalidez era, em 2001 de 181.60 e em 2013 de 240; as

    penses de sobrevivncia eram em 2001 de 90.80 e em 2013 so de 120 - a sobrevivncia

    depende das respostas institucionais de apoio velhice mais do que quaisquer outras.

    Ainda de acordo com o Pordata, o nmero de pensionistas com reformas at aos 200 era em

    2001 de 35.749 mil idosos. Entre os 300-500 eram 28.429 mil. Em 2012, o nmero de idosos

    a receber at 200 baixou para os 34.259 mil mas o nmero daqueles que recebem entre 300

    e os 500 aumentou para os 40.303 mil. Percebe-se ento que muitos destes idosos precisem

    de estar num lar para poder sobreviver.

    Indissociavelmente ligada responsabilidade do Estado, da sociedade e das respostas sociais,

    est a prpria vulnerabilidade dos idosos. Esta vulnerabilidade tem mltiplos factores.

    Interessa-nos discutir a vertente econmica (penses de reforma), a relacional (redes de

    solidariedade e de vizinhana), a simblica (a identidade e o reconhecimento do seu estatuto e

    papel perante a sociedade).

    Relativamente primeira esfera, a econmica, por ns j apresentada, diz-nos Fernandes

    (1997, p.296) que a decomposio da vida social em classes de idades e a definio das

    prticas legtimas prprias a cada idade tm promovido o surgimento de grupos especializados

    no encargo de cada uma delas como o caso da Terceira Idade. O fenmeno consiste, no

    essencial, numa transferncia gradual de responsabilidade do nvel microssocial da famlia

    para o nvel macrossocial das instituies e organizaes pblicas.

    Mais adiante, a autora continua, as reformas constituem a primeira forma instituda de

    definio da velhice e a sua difuso vai contribuir para transformar profundamente a realidade

    social das geraes mais velhas, dando-lhes contornos novos de inactividade pensionada que

    simultaneamente lhes conferem uma identidade. A velhice, indissociavelmente ligada

    reforma, fica marcada pela ambivalncia de uma marginalizao social e desvalorizao

    econmica, em simultneo com o benefcio de um repouso remunerado. Tornada visvel e

    identificvel a velhice tornou-se objecto de ateno atravs de polticas sociais (ibidem).

    O trabalho, que tudo aquilo que organiza a vida at reforma, deixa de existir. A partir de

    uma certa idade h uma ruptura com o mundo do trabalho, com o mundo activo. O

    trabalhador passa a ser um inactivo - sou um ex- (qualquer coisa), no h definio

    identitria. Grande parte da nossa identidade enquanto indivduos depende do trabalho e

    quando se reformado isso posto em causa.

    Neste momento, em Portugal (e arriscamos dizer, na Europa), no h garantias nem para os

    actuais nem para os futuros reformados. Com a crise econmico-financeira europeia e mais

    concretamente a do nosso pas como pano de fundo e com os sucessivos cortes nos

    oramentos de Estado, neste ano (2014), os trabalhadores ver-se-o obrigados a trabalhar at

  • 17

    aos 66 anos, como nos informa o jornal Pblico on-line desde 2006, os trabalhadores tm de

    permanecer mais tempo no mercado de trabalho para alm dos 65 anos, de forma a evitarem

    corte no valor da sua penso, por via do factor de sustentabilidade. Mais frente, a noticia

    continua a partir do prximo ano, o Governo quer alterar a forma como calculado o factor

    de sustentabilidade e isso levar a que passe dos actuais 4,78% para 12%. Mas ao contrrio do

    que acontece agora, esse factor apenas se reflectir no aumento da idade da reforma e no

    ter qualquer efeito directo no valor da penso. [Em linha] [Consult. 30 Out. 2013] Disponvel

    em http://www.publico.pt/economia/noticia/governo-anuncia-idade-da-reforma-aos-66-anos-

    sem-dupla-penalizacao-1610103

    Tambm Lus Villalobos, num artigo de opinio do mesmo jornal, reage a questo que

    ningum fala dos que tm mais de 50, 55 ou 60 anos, e que, numa altura em que o

    desemprego est em mximos histricos (e vai demorar muito a descer), perderam o seu

    emprego. Os ltimos dados do INE mostram que no grupo de quem tem mais de 45 anos que

    h mais desemprego atinge 291 mil pessoas () o pas est a plantar ms sementes, e uma

    delas a de deixar um enorme vazio, com srias consequncias sociais, entre o momento em

    que uma pessoa perde o emprego sem esperanas de se manter activo e o momento em que

    se pode reformar. A teoria da idade de reforma est desfasada da realidade do mercado de

    trabalho. O desafio, muitas vezes impossvel, no trabalhar mais anos. conseguir manter

    um emprego at reforma. [Em linha] [Consult. 30 Out. 2013] Disponvel em

    http://www.publico.pt/economia/noticia/antes-da-reforma-e-preciso-um-trabalho-1610548

    No que diz respeito vulnerabilidade pessoal e relacional, Fonseca (2004, p.104), argumenta

    que a idade biolgica constitui somente um indicador do processo de envelhecimento. De

    facto, as experincias e as vivncias ao longo da vida de cada ser so importantes para

    compreender o comportamento humano (do(a) idoso(a)). As mudanas fsicas, psicolgicas e

    sociais comuns nos idosos levam-nos a enfrentar perdas, diminuio do nvel de sade,

    afastamento do mercado de trabalho e diversas situaes desfavorveis no controlveis.

    Neste contexto, o idoso procura encontrar apoio na famlia, na vizinhana, nos amigos e nas

    instituies e a sua qualidade de vida depende das respostas que conseguir obter.

    A velhice um constructo social que depende do contexto onde o indivduo est inscrito e das

    experincias e oportunidades a que se teve acesso. Do ponto de vista biolgico um

    fenmeno nico, do ponto de vista social uma pluralidade de fenmenos. Tentar definir esta

    populao alvo apenas em termos cronolgicos um erro comum.

    Percursos de vida hetergenos resultam de diferentes experincias ao longo da vida dos

    indivduos e essas experincias dependem das oportunidades a que o indivduo acedeu

    (educao familiar e acesso escola; socializao em diversos grupos primrios e

    secundrios; trabalho e emprego; acesso cultura e ao lazer; organizao dos tempos livres;

    escolhas e prioridades; organizao da sua prpria famlia; organizao da entrada na reforma

    e a estruturao do seu quotidiano).

    Ter ou no familiares, ou vizinhos prximos, j no uma questo. Mesmo quando h

    retaguarda familiar ou vizinhana, so muitas vezes as instituies que cuidam e se

    responsabilizam (referncia tambm figura jurdica da curatela ou tutela constante no

    cdigo civil) pelo idoso. O problema surge quando os servios tm fraca qualidade e os idosos

  • 18

    so negligenciados e/ou maltratados fsica ou psicologicamente. Para morrer de sozinhismo,

    de solido, basta ser abandonado ou negligenciado - em muitas circunstncias, as famlias,

    seja pelos valores, seja pelas suas prprias dificuldades e estilos de vida, no se constituem

    como um porto de abrigo, sendo parte significativa do problema e no da soluo produzindo

    cada vez mais situaes de solido e isolamento entre os velhos, com consequncias que tm

    feito manchetes, muitos velhos morrem de sozinhismo, de solido. [Em linha] [Consult. 30

    Out. 2013] Disponvel em http://www.publico.pt/sociedade/noticia/morrer-de-sozinhismo-o-

    direito-aos-avos-1589528

    Sabemos que o conceito de famlia mudou. Das grandes famlias do sc. XIX e incios do sc.

    XX, j s resta memria. As famlias de hoje tm outra nomenclatura e/ ou dimenso -

    nucleares, monoparentais, novas famlias - onde os avs parecem no ter lugar, ou s o tm

    enquanto so considerados teis.

    Santos Lus (1997, p.230-31) argumenta a diminuio da solidariedade baseada na famlia e

    nas relaes de vizinhana, em resultado do fenmeno urbano, o envelhecimento das

    populaes e a nuclearizao das famlias exige, em contrapartida, a institucionalizao da

    solidariedade ou, dito por outras palavras do apoio social pblico.

    Nas grandes cidades esta realidade parece-nos ser mais evidente. Existe pouca ou nenhuma

    retaguarda familiar, e essa, reage de duas formas: - ou empurra os idosos para as vrias

    respostas sociais centros de dia, centros de convvio, servios de apoio domicilirio, centros

    de noite, famlias de acolhimento, lares - ou retira-os dessas respostas porque a reforma dos

    avs sempre contribui para o oramento familiar quando o desemprego assola a famlia

    nuclear.

    Villaverde Cabral et al (2013, p.21) sustentam a hiptese de que o empobrecimento das

    relaes sociais e a falta de suportes relacionais, em resultado de redes precrias, esto

    associados a uma vida social pouco intensa, a qual, alm de no contribuir para a sociedade,

    conduz a um isolamento que se reflecte tambm no estado de sade fsica e mental dos

    indivduos.

    Os mesmos autores afirmam o isolamento social provocado por falta de contactos e de

    reconhecimento social est associado solido, depresso e at a doenas do foro mental

    (...) nesta perspectiva, as redes sociais afiguram-se como uma espcie de profilaxia do

    prprio processo de envelhecimento (ibidem, p.23).

    No caso de um lar, sabe-se que quem l vive so pessoas com maioritariamente 65 ou mais

    anos de idade, com percursos de vida heterogneos e idiossincrticos. O quadro de interaes

    sociais que a decorre, depende de um conjunto de factores: do modo como os profissionais

    so (des)informados, do conjunto de crenas, normas e valores de ambos os grupos

    (profissionais e residentes), das regras de convivncia e de cordialidade, das percepes que

    ambos os grupos tm de si prprios e dos outros

    Nos lares, os idosos acabam por ter que viver com outros idosos que no conheciam

    anteriormente e com os quais no tm nenhuma proximidade afectiva, eis porque numerosos

  • 19

    lares no so mais do que autnticos desertos de solido (Elias, 2001). A solido estar

    privado de pessoas com quem se tenha laos afectivos e se possa comunicar.

    Redondo et al (2011) propem que as as redes sociais devero ser consideradas quer como

    eventuais elementos explicativos das dificuldades de cada indivduo quer como recursos

    disponveis/facilitadores para uma eventual soluo de algumas das dificuldades

    apresentadas. Ora, quando o idoso autnomo entra num lar, h uma srie de despojamentos

    que fez priori fechou ou vendeu a casa, seleccionou os bens pessoais a levar, despediu-se

    (ou no) dos vizinhos e do bairro, dos familiares mais prximos, ainda que, na melhor das

    hipteses, possa continuar a receber visitas no novo espao. Quando o idoso semi-

    dependente ou dependente, algum (familiar ou no) encarrega-se destes procedimentos.

    Independentemente do estado de sade e de funcionalidade do individuo sempre um

    processo de desvinculao, que na maioria das vezes, no bem resolvido, levando a situaes

    de angstia, sofrimento e saudosismo muito fortes. Para amparar o idoso devem existir redes

    relacionais fortes, que o ajudem na adaptao ao novo espao.

    Durante o processo de desvinculao dos espaos anteriores, tempos e pessoas mais

    prximas, s redes primrias, definidas como redes de vizinhana, redes de parentesco, redes

    de amizade, redes de "companheirismo" (Redondo et al, 2011) e enquanto entidades

    colectivas, onde todos os membros se conhecem uns aos outros, constitudas sobre uma base

    afectiva ou de afinidades, entre os indivduos considerados, e no sobre uma base de relaes

    estritamente funcionais ou comandadas por estruturas sociais formais (ibidem) sobrepem-

    se as secundrias relaes estabelecidas a partir das instituies sociais e respondem a

    exigncias funcionais. Como os autores indicam as redes secundarias formais so redes

    formadas pelas instituies sociais e tm existncia oficial; apresentam-se estruturadas de

    uma forma precisa; tm como objectivos desempenhar funes especficas ou fornecer

    servios particulares (ibidem). Esta ltima definio abarca tambm os lares de idosos.

    Quando a solidariedade horizontal auto-organizao dos indivduos para a soluo dos

    problemas comuns(Laville, 2005 cit. in Redondo et al, 2011) e no caso concreto, a famlia

    como primeira prestadora de cuidados, de direitos e de proteco aos idosos - no mais

    possvel, (por dificuldades econmicas, indisponibilidade psicolgica e/ ou social) surge a

    solidariedade vertical que consiste na aco compensadora do Estado (ibidem). Os lares de

    idosos so ento caracterizados por redes sociais secundrias e solidariedades verticais, que

    do ponto de vista afectivo e social representam um retrocesso em relao a fases anteriores

    da vida dos indivduos.

    Almeida & Gros (2012, p.7) constataram que o internamento decorre, pelo menos em parte,

    da inexistncia e do enfraquecimento dos laos familiares () H, pois, motivos para pensar

    que estar s, na sequncia da viuvez ou de no ter casado, um dos motivos fortes que levou

    os inquiridos a considerar que no podiam contar com cuidados familiares e que tinham de

    recorrer a uma organizao e a profissionais especializados para garantir a satisfao das suas

    necessidades face ao avanar da idade.

    Relativamente ao campo simblico, (este o mais subjectivo e o mais difcil de avaliar), tem

    que ver com o esteretipo do velho, reformado, idoso, snior, no activo que a sociedade

    ps moderna impe a quem tem 65 ou mais anos, uma vez ser aquela idade que dita quando

  • 20

    que a reforma deve comear. Para algum que trabalhou a vida toda, desde tenra idade, como

    aconteceu a muitos dos idosos nascidos nos anos 20, 30, 40, do sculo XX, um dilema ser

    considerado velho. Se por um lado, a reforma reflecte o descanso merecido, tambm

    subsiste o sentimento de desvalorizao pessoal que a sociedade lhe atribui.

    Ralha & Barbosa (2013, p.563) consideram tambm as representaes de velhice,

    envelhecimento e idoso/velho que se encontram enraizadas em esteretipos e preconceitos

    (Farinha & Marinho, 2003) e mais frente continuam se at ao sculo XIX, o idoso era

    reconhecido pelo seu saber e experincia acumulados, detendo a memria colectiva, evocada

    e transmitida oralmente, hoje, na sociedade moderna, este aparece extremamente associado

    a conservadorismo, falta de vitalidade e falta de dinamismo (Faria & Marinho, 2003), assim

    como a custos (reforma) e doena. Tem vindo a perder no s o poder econmico e social,

    como o valor simblico (Messina, 2003) que levava tantas outras geraes a consult-lo

    sempre que tinham uma deciso a tomar (Blessmann, 2004).

    As autoras defendem Caldas e Thomaz (2010) reforam a ideia de Campedelli (2009) de que

    as imagens sociais e individuais da velhice esto ligadas por um movimento constante de

    criao que responsvel pela configurao da identidade do idoso, sendo que este ultimo

    apropria-se das caractersticas da imagem social que lhe imposta, apresentando-se ao

    mundo de acordo com as expectativas que este depositou nele (Couto, Koller, Novo, e Soares,

    2009), gerando-se uma identificao mtua (2013,p. 564). Da o sentimento de peso e

    inutilidade que advm do papel de velho, que conduzem ao estreitamento afectivo e ao

    isolamento social (Gis, 2003) caractersticas pelas quais o idoso conhecido, formando-se um

    ciclo vicioso, em que a sociedade, partida discriminante, refora por si mesma, a

    considerao negativa do idoso. Ao desacredit-lo e retirar-lhe a possibilidade de exercer uma

    actividade remunerada, ativa e participativa est tambm a extrair-lhe qualidade de vida,

    autonomia e contribuio (Moreno, 2007) (ibidem).

    Osorio (2004, p. 253) alerta a transio para a denominada sociedade ps-industrial

    caracteriza-se pelas profundas transformaes e inovaes tecnolgicas que provocam

    mudanas radicais nos sectores produtivos (mudana de uma economia de produo de

    mercadorias para outra em que aumenta a criao de servios), o avano cientfico e a nova

    distribuio ocupacional obrigam a uma nova organizao do ciclo existencial e a uma

    distribuio diferente entre formao, trabalho e tempos livres. O que significa repensar o

    sistema educativo, no sentido de considerar que estes trs aspectos no so trs momentos da

    vida, mas que correspondem a necessidades presentes em todas as idades. Dentro deste

    mbito, a educao de adultos () pode supor, a nvel da terceira idade, no s uma questo

    de solidariedade para com os que acedem reforma laboral mas tambm uma

    oportunidade para recuperar para a sociedade a quantidade de sabedoria e as experincias

    que as geraes idosas representam e cuja actividade s decai se no se utilizar e no se fizer

    um exerccio adequado e constante adaptado s situaes das pessoas.

    Em qualquer caso e no mbito deste trabalho, para o idoso (autnomo), optar por uma

    qualquer resposta social , na maioria das vezes, um mal menor e raramente uma escolha.

    Para que esta fase da vida se torne menos penosa, cabe ao Estado, sociedade civil, s

  • 21

    instituies e aos tcnicos, ter como prioridade a criao de respostas sociais de qualidade,

    capazes de proporcionar bem-estar e qualidade de vida a quem delas necessita.

    Apesar do grande investimento feito na edificao das respostas sociais para os idosos, a

    aposta nas redes de solidariedade, o apoio concreto nas suas dificuldades ou a oferta de

    actividades ainda nos deixam muitas interrogaes e o facto de estarem acompanhados por

    outros idosos ou terem, atravs das mensalidades que pagam, acesso a bens de primeira

    necessidade (alimentao, cuidados de higiene, agua, luz, gs) no colmata a possibilidade de

    se sentirem ss ou desamparados. Ser ento necessrio que os tcnicos se responsabilizem

    cada vez mais na melhoria contnua do bem-estar fsico, psicolgico e social da sua populao

    alvo.

    Um dos campos cientficos que se tem dedicado ultimamente ao estudo do envelhecimento e

    s suas consequncias o da Psicologia.

    Para Figueiredo (2010, p.5) o interesse da Psicologia sobre o envelhecimento relativamente

    recente, visto que a expanso sistemtica da Gerontologia s ocorre no final da dcada de

    1950, principalmente em funo do rpido crescimento do nmero de pessoas idosas (Arajo

    e Carvalho, 2005 citado por Figueiredo, 2010). Iniciam-se em 1928 as primeiras pesquisas

    experimentais sobre a velhice, a respeito de tpicos como aprendizagem, memria e tempo de

    reaco. No entanto, at 1940, pouco se pesquisou sobre a vida adulta e velhice, considerando

    que at ento esta foi a poca de expanso e consolidao da Psicologia da infncia e da

    adolescncia (Baltes, 1995 cit. in Figueiredo, 2010). Apesar disso, segundo Baltes (1995, cit.

    in Figueiredo, 2010), a evoluo do campo da Psicologia do Envelhecimento, no sculo XX,

    acarretou tambm mudanas na Psicologia do Desenvolvimento, onde o ciclo de vida passou

    a ser considerado dinmico desde o nascimento at morte.

    Um psiclogo incontornvel Erik Erikson (1902-1994) e a sua teoria do Desenvolvimento

    Psicossocial formulada em 1963. A teoria composta por 8 estdios de desenvolvimento,

    entre os quais o perodo da vida adulta denominado de integridade do ego versus desespero,

    sendo que a integridade do ego caracterizada por factores intrnsecos velhice como

    dignidade, prudncia, sabedoria prtica e aceitao do modo de viver, enquanto o desespero

    seria possivelmente o medo da morte (Figueiredo, 2010, p.6).

    No lar de idosos onde estagimos, encontrmos mais pessoas com medo da morte do que

    bem resolvidas relativamente vida. Provavelmente, para ultrapassar este sentimento, a

    presena mais assdua de familiares seria favorvel. Se os familiares os visitassem mais vezes,

    se lhes disponibilizassem mais tempo e afecto, supomos que estes idosos estariam mais

    satisfeitos e mais apaziguados.

    Consideramos ser fundamental a formao interna dos funcionrios que lidam com esta faixa

    etria, no sentido da no infantilizao, da promoo do respeito, da valorizao do idoso,

    enquanto pessoa com direitos e deveres, com passado, presente e futuro, com experincias

    pessoais e idiossincrticas. Se estes valores e cuidados forem tidos, estamos convencidas que

    os residentes sentir-se-o mais estimados e a probabilidade desse reconhecimento ser

    recproco aumenta.

  • 22

    Para Figueiredo (2010, p.6), o estudo dos processos de envelhecimento introduz-se nas

    primeiras duas dcadas do seculo XXI, como uma prioridade cientfica indiscutvel, imprimindo

    uma viso de complementaridade, entre pelo menos dois sistemas: um biopsicolgico e outro

    socioeconmico e poltico.

    Ralha & Barbosa (2013, p.564) referem que a Psicologia Social tem procurado explorar os

    efeitos que as representaes associadas aos diferentes grupos etrios tm no modo como

    interagimos com estes, tornando-se fundamental falar de idadismo () forma de intolerncia

    relacionada com a idade, que pode dirigir-se a qualquer pessoa ao longo da sua vida () e tem

    a particularidade de tender a ocorrer de forma inconsciente, implcita e sem controlo ou

    inteno de prejudicar. O idadismo parece surgir da prevalncia de dois tipos de processos

    cognitivos na populao em geral: a supergeneralizao e a supersimplificao, que fazem a

    manuteno dos esteretipos existentes. De acordo com a Teoria da Modernizao, a reduo

    do status social do idoso, o aumento da expectativa de vida, a institucionalizao da reforma,

    os avanos tecnolgicos, a urbanizao e a educao pblica, so propulsores de idadismo. Por

    outro lado, segundo a Teoria da Identidade Social existe um vis intragrupo e uma tendncia

    para se manter uma imagem mais positiva do prprio grupo em comparao com outros, na

    busca de uma auto identidade positiva (Kite & Wagner, 2002). Todavia, no estudo de Freitas,

    Queiroz e Sousa (2010) os idosos procuraram marcar a diferena entre a sua experincia e a do

    velho em geral, numa perspectiva de que o velho sempre o outro vislumbrando a velhice

    como uma realidade incmoda (p.411) (ibidem). A este propsito, nas respostas sociais

    dirigidas a idosos tambm se verificam situaes de idadismo, seja por parte de funcionrios

    (nos comentrios que tecem) seja entre os prprios residentes que se auto e hetero

    distinguem entre saudveis e doentes, entre os que esto bem da cabea e os que esto

    mal da cabea ou malucos. Convm referir a propsito dos comentrios diferenciadores

    em relao ao grupo, uma citao de uma senhora de 101 anos, no lar onde estagimos, que

    dizia, em tom irnico, porque eu no estou nem sou velha.

    Mais frente, as autoras continuam, apesar do idadismo poder significar danos na qualidade

    de vida do idoso e perdas para a sociedade (ao nvel das suas contribuies e conhecimentos),

    h que considerar a capacidade de resilincia destes indivduos, que parece impedir a

    deteriorao do self, assim como a auto-relevncia atribuda aos esteretipos e o uso de

    estratgias de proteco (Ralha & Barbosa, 2013, p.564).

    Por tudo isto, evidente que o nosso pas est a envelhecer, que no h retrocesso possvel e

    que as respostas sociais de apoio aos idosos so cada vez mais procuradas.

    Almeida & Gros (2012, p.6) questionam que intervenes desenvolver no quadro dos lares e

    centros de dia a fim de ampliar a sua capacidade de resposta s necessidades relacionais e de

    reconhecimento dos idosos? Que servios implementar para que a manuteno dos indivduos

    no seu quadro de vida habitual no provoque uma paralisia de toda a actividade social, uma

    ruptura do lao social, em suma, uma reduo da existncia ao cumprimento dos actos

    destinados mera manuteno da vida biolgica?.

    No sentido de prestar servios de qualidade, a organizao destas respostas tem que ter em

    conta quatro vertentes fundamentais: a escolha dos espaos fsicos, a formao interna dos

    funcionrios e o envolvimento dos potenciais residentes e respectivas das famlias. Para alm

  • 23

    destes pressupostos, as respostas sociais devem ter em conta o desenvolvimento dos

    seguintes objectivos:

    - promover o seu bem-estar fsico e psicolgico;

    - apostar em redes de solidariedade fortes;

    - contribuir para sentimentos de pertena;

    - envolver os idosos na gesto do quotidiano dos servios;

    - desenvolver novas formas de vida mais comunitrias;

    No prximo captulo, veremos que tipo de condies (estruturais, de servio, relacionais e

    humanas), pode oferecer uma estrutura residencial para idosos, ou como vulgarmente

    conhecida, um lar de idosos. Destaque-se destas condies as que influenciam o trabalho dos

    profissionais que esto directamente envolvidos na prestao de servios aos idosos os

    auxiliares de aco directa.

    2. Resposta Social Lar de idosos face vulnerabilidade social associada ao processo de

    envelhecimento

    2.1 Contextualizao histrica

    No nosso pas os servios de cuidados para idosos so prestados pelo sector pblico, social ou

    privado. Os sectores pblicos e sociais regem-se mediante o princpio da subsidiariedade, e

    controlam a grande maioria da capacidade disponvel no mercado. Os seus servios so

    direccionados a idosos com escassos rendimentos. O lar onde foi desenvolvido o nosso estgio

    integra-se neste tipo de instituies.

    Tentando estabelecer uma linha cronolgica sobre este tipo de resposta social, referimos Reis,

    (s/d, p.20) que defende num primeiro momento a criao de lares para idosos surgiu como

    forma de responder s necessidades de acolhimento de pessoas sem retaguarda familiar ou

    que, pela fragilizao da sua sade, tornavam imprescindveis cuidados especializados ()

    assiste-se a um aumento exponencial da oferta de servios disponveis para os idosos em

    quantidade e em qualidade.

    Santos Lus (1997, p.230-31) diz-nos que a aco social legitimada por essa necessidade

    [institucionalizao da solidariedade] e constitui-se como a emanao institucional da

    solidariedade privada () embora constituindo uma obrigao do Estado, o exerccio da aco

    social efectuado tambm pelo sector privado, com especial preponderncia para as

    Instituies Particulares de Segurana Social, [como o caso da instituio em anlise]. O

    predomnio do sector privado (social) constitui uma originalidade portuguesa, tanto mais que

    tal situao no se integra nas recentes estratgias de privatizao dos servios pblicos mas,

    to somente, da posio assumida pela Administrao, com origem no Estado Novo, de

    assumir um papel meramente secundrio no apoio s situaes de pobreza e excluso social,

    na altura consideradas mais como questes de ordem pblica que de proteco social.

  • 24

    Rio (1997, p.164) constata at dcada de 60, no existiam estruturas especficas ou

    adaptadas a idosos. O apoio a idosos carenciados era efectuado atravs dos asilos e dos

    albergues, onde se concentravam situaes de indigncia, qualquer que fosse a origem ()

    apenas a 13 de Fevereiro de 1969, um aviso prvio da Assembleia Nacional faz emergir o

    problema do envelhecimento e da necessidade de uma poltica para a velhice, ressaltando do

    debate, () a sugesto de ser criada pelo Governo uma Comisso de Estudos dos Problemas

    da Velhice () em consequncia e por Resoluo do Conselho de Ministros do ms seguinte,

    foi de facto, criada uma Comisso para o estudo das questes que se prendiam com a situao

    social dos idosos, focalizando a sua ateno, particularmente, sobre problemas econmicos da

    velhice, alojamento e poltica habitacional, estruturao geronto-geriatrica, trabalho e

    ocupao dos idosos e ajuda domiciliria integral.

    Globalmente, a capacidade instalada total aumentou 68% com a existncia de mais 91300

    lugares, verificando-se que taxa de utilizao dos Lares de 95,3% (Folha informativa n8,

    Carta Social, 2012).

    Segundo este documento em 2011, 52% dos equipamentos que iniciaram a actividade

    pertencem a actividades no lucrativas enquanto 48% a actividades lucrativas () no perodo

    de 2005-2011, as respostas Residncia e Lar de Idosos registaram um aumento de cerca 34%.

    Em 2011, de realar o acrscimo de 5% e 3% nas respostas Residncias e Servio de Apoio

    Domicilirio traduzindo-se em mais de 3600 e 2400 novos lugares, respectivamente. A taxa de

    cobertura do conjunto das respostas sociais consideradas para esta populao alvo

    Residncia e Lar de Idosos, Centro de Dia e Servio de Apoio Domicilirio situa-se a 12,4% a

    nvel do Continente em 2011, superior em quatro dcimas em relao ao ano anterior. 86

    concelhos atingiram taxa de cobertura superior a 20%; 66% dos concelhos do total do

    Continente apresentam taxas de utilizao igual ou superior a 91% (ibidem, p.2).

    Apesar do aumento da oferta, segundo a Deco, que cita dados da Confederao Nacional da

    Instituies de Solidariedade representante de quase 2700 instituies , actualmente h

    cerca de dez mil pessoas espera de vaga num lar de idosos. A oferta, que dever aumentar

    nos prximos anos graas aos investimentos co-financiados pelo Estado e por fundos

    comunitrios, ainda no chega para a procura. [Em linha] [Consult. 25 Set. 2013] Disponvel em

    http://www.publico.pt/sociedade/noticia/um-em-cada-dez-idosos-espera-um-ano-para-ter-

    vaga-num-lar-1589162

    no incio da dcada de 80 que se realiza a cooperao com as I.P.S.S Instituies de

    Solidariedade Social (regulamentada por Decreto Lei e por Despacho Normativo), o que

    estimulou a criao e a remodelao dos servios e equipamentos que viessem responder s

    necessidades especficas dos idosos.

    2.2 Aspectos legais

    Quanto s normas reguladoras das condies de instalao e funcionamento dos lares para

    idosos o Despacho Normativo n 12/98, publicado no Dirio da Repblica, I Srie-B e o artigo

    n46 do Decreto-Lei n. 133-A/97, de 30 de Maio, vieram estabelecer as normas reguladoras

    das condies de instalao e funcionamento dos lares para idosos.

  • 25

    Segundo os autores do Ncleo de Documentao Tcnica e Divulgao (1996), o lar de idosos

    constitui uma resposta social desenvolvida em alojamento colectivo, de utilizao temporria

    ou permanente, para idosos em situao de maior risco de perda de independncia e/ou de

    autonomia. O site da Segurana Social qualifica esta resposta como sendo de alojamento

    colectivo, de utilizao temporria ou permanente, para idosos. E tem como objectivos

    proporcionar servios permanentes e adequados problemtica biopsicossocial das pessoas

    idosas; contribuir para a estimulao de um processo de envelhecimento activo; criar

    condies que permitam preservar e incentivar relao intrafamiliar; potenciar a integrao

    social.

    J mais recente, a portaria n67/2012 de 21 de Maro define 22 artigos orientadores sobre o

    objecto, o mbito da aplicao, os objectivos, os princpios de actuao, os destinatrios, a

    capacidade, a modalidade de alojamento, os servios, o processo individual [de cada utente], o

    contrato de prestao de servios [que se deve estabelecer entre a instituio e o utente], a

    direco tcnica [da instituio], o pessoal, o acesso informao, o regulamento interno, as

    condies de implantao, o edifcio, o acesso ao edifcio, as reas funcionais, a avaliao, a

    revogao e a entrada em vigor [da portaria] para alm dos anexos I e II sobre as medidas das

    reas funcionais das estruturas residenciais para pessoas idosas.

    Ao consultarmos o documento, percebemos que tem como objecto (artigo 1) definir as

    condies de organizao, funcionamento e instalao a que devem obedecer as estruturas

    residenciais para pessoas idosas e considera-se estrutura residencial para pessoas idosas, o

    estabelecimento para alojamento coletivo, de utilizao temporria ou permanente, em que

    sejam desenvolvidas atividades de apoio social e prestados cuidados de enfermagem.

    O Manual de Processos Chave da Estrutura Residencial para Idosos da Segurana Social (s/d,

    p.2) refere que a Estrutura Residencial constitui-se como uma Resposta Social, desenvolvida

    em equipamento, destinada a alojamento colectivo, num contexto de residncia assistida,

    para pessoas com idade correspondente a idade estabelecida para a reforma, ou outras em

    situao de maior risco de perda de independncia e/ou de autonomia que, por opo prpria,

    ou por inexistncia de retaguarda social, sem dependncias causadas por estado agravado de

    sade do qual decorra a necessidade de cuidados mdicos e paramdicos continuados ou

    intensivos, pretendem integrao em estrutura residencial, podendo aceder a servios de

    apoio biopsicossocial, orientados para a promoo da qualidade de vida e para a conduo de

    um envelhecimento sadio, autnomo, activo e plenamente integrado.

    No 3 artigo do decreto-lei n67/2012 concernente aos objectivos lemos que constituem objetivos da estrutura residencial, designadamente, os seguintes; a)Servios permanentes e adequados problemtica biopsicossocial das pessoas idosas; b) Contribuir para a estimulao de um processo de envelhecimento activo; c) Criar condies que permitam preservar e incentivar a relao intrafamiliar; d) Potenciar a integrao social.

    No Manual de Processos Chave da Estrutura Residencial para Idosos da Segurana Social (s/d,

    p.2) est definido que constituem-se como objectivos principais desta resposta:

    Promover qualidade de vida;

  • 26

    Proporcionar servios permanentes e adequados problemtica biopsicossocial das pessoas idosas;

    Contribuir para a estabilizao ou retardamento do processo de envelhecimento;

    Privilegiar a interaco com a famlia e/ou significativos e com a comunidade, no sentido de optimizar os nveis de actividade e de participao social;

    Promover estratgias de reforo da auto-estima, de valorizao e de autonomia pessoal e social, assegurando as condies de estabilidade necessrias para o reforo da sua capacidade autnoma para a organizao das actividades da vida diria.

    Relativamente aos servios no decreto-lei n 67/2012 [artigo 8] est escrito:

    1 - A estrutura residencial presta um conjunto de atividades e servios, designadamente:

    a) Alimentao adequada s necessidades dos residentes, respeitando as prescries

    mdicas;

    b) Cuidados de higiene pessoal;

    c) Tratamento de roupa;

    d) Higiene dos espaos;

    e) Atividades de animao sociocultural, ldico-recreativas e ocupacionais que visem

    contribuir para um clima de relacionamento saudvel entre os residentes e para a

    estimulao e manuteno das suas capacidades fsicas e psquicas;

    f) Apoio no desempenho das atividades da vida diria;

    g) Cuidados de enfermagem, bem como o acesso a cuidados de sade;

    h) Administrao de frmacos, quando prescritos.

    2 A estrutura residencial deve permitir:

    a) A convivncia social, atravs do relacionamento entre os residentes e destes com os

    familiares e amigos, com os cuidadores e com a prpria comunidade, de acordo com os seus

    interesses;

    b) A participao dos familiares ou representante legal, no apoio ao residente sempre

    que possvel e desde que este apoio contribua para um maior bem -estar e equilbrio

    psicoafetivo do residente.

    3 A estrutura residencial pode, ainda, disponibilizar outro tipo de servios, visando a

    melhoria da qualidade de vida do residente, nomeadamente, fisioterapia, hidroterapia,

    cuidados de imagem e transporte.

    4 A estrutura residencial deve ainda permitir a assistncia religiosa, sempre que o residente

    o solicite, ou, na incapacidade deste, a pedido dos seus familiares ou representante legal.

    No Manual de Processos Chave da Estrutura Residencial para Idosos da Segurana Social (s/d,

    p.3) so definidos os seguintes critrios de qualidade:

    Garantir o exerccio da cidadania e o acesso aos direitos humanos dos clientes, p.e., autonomia, privacidade, participao, confidencialidade, individualidade, dignidade, oportunidades de igualdade e no discriminao;

  • 27

    Respeitar as diferenas de gnero, socioeconmicas, religiosas, culturais, sexuais dos clientes e/ou pessoas prximas;

    Respeitar o projecto de vida definido por cada cliente, bem como os seus hbitos de vida, interesses, necessidades e expectativas;

    Transmitir e garantir aos clientes um clima de segurana afectiva, fsica e psquica durante a sua permanncia na Estrutura Residencial;

    Promover o envolvimento e o estabelecimento de uma parceria e articulao estreita com o cliente e/ou significativos, a fim de recolher a informao necessria sobre as necessidades, expectativas, capacidades e competncias, co-responsabilizando-os no desenvolvimento de actividades/aces no mbito dos servios prestados;

    Mobilizar a participao dos clientes na gesto da estrutura residencial, envolvendo-os no planeamento, monitorizao e avaliao das respectivas actividades;

    Desenvolver todas as relaes entre o cliente e os restantes intervenientes (colaboradores internos e externos, voluntrios, entre outros) com tica, respeito pelos direitos e deveres, profissionalismo, rigor e qualidade;

    Compreender a individualidade e personalidade de cada cliente, para criar um ambiente que facilite a interaco, a criatividade e a resoluo de problemas por parte destes.

    Para concluso deste captulo parece-nos oportuno citar ainda Antnio M. Fonseca que, no

    prefcio de Guedes (2012, p.12) afirma sobre os lares terem sido criados com o objectivo de

    reincorporar e integrar socialmente os mais velhos, () so hoje uma garantia de prestao de

    cuidados indispensveis manuteno de uma vida digna para muitos idosos (especialmente

    entre os mais desfavorecidos), e a maioria d um inestimvel contributo para a sade e bem-

    estar dos que a vivem (funo manifesta). Mas os lares de idosos correspondem tambm, na

    generalidade, a uma forma de regulao da velhice atravs da sua institucionalizao, isolando

    os mais velhos do contacto com tudo o resto: os outros, a comunidade, a vida como ela

    acontece (funo latente).

    Guedes (2012, p.32), segundo a perspectiva interaccionista de Goffman, lana um conjunto de

    questes como a responsabilizao no investimento e criao de laos fortes, que potenciem o

    surgimento de um sentido de vida em comunidade, na criao de mecanismos de ampla

    participao no quotidiano da instituio, no enriquecimento das experincias dos idosos.

    Acrescenta que para fazer avanar o pensamento e a aco, necessrio conhecer as rotinas

    institucionais para depois reflectir como produzir a mudana(ibidem). Fazendo jus a este

    princpio, passamos a apresentar, em termos gerais, o lar onde estagimos.

    3.DIAGNSTICO

    No mbito da metodologia de projecto o diagnstico da situao social deve assumir

    centralidade. Podemos considerar este relatrio como resultado de um estgio que colocou

    em prtica a metodologia de projecto, porque, como qualquer experincia de interveno

    social, alm do diagnstico (onde se pretende a identificao participada das situaes

    problema, a problematizao terica das mesmas e a caracterizao institucional dos

    organismos), exige uma proposta com objectivos de interveno e de avaliao.

    O diagnstico fundamental para a anlise das necessidades e dos problemas dos idosos que

    esto institucionalizados. tambm fundamental para a anlise dos obstculos que decorrem

  • 28

    dos modos de organizao e de funcionamento do lar de idosos e que impedem que, pelo seu

    trabalho, a organizao possa cumprir a misso para a qual foi criada. Este propsito tanto

    mais importante quanto percebemos que, muitas vezes, o trabalho no lar de idosos no est

    organizado em funo do conhecimento efectivo das necessidades sentidas pelos idosos e dos

    factores que esto na origem dos problemas por eles vividos.

    Em ltima instncia, a realizao do diagnstico fundamental para pensar a elaborao de

    estratgias de interveno mais ajustadas satisfao da diversidade de necessidades sentidas

    pelos idosos e ao combate aos problemas que eles vivem, quando esto institucionalizados em

    lar.

    Neste diagnstico, necessrio analisar a organizao formal no que se refere s estruturas,

    sistemas de comunicao e de controlo, rgos, regulamentos estabelecidos especialmente

    pela administrao. Parte-se do pressuposto de que a organizao, alm do aparato normativo

    e regulamentador que atrs apresentmos, tambm caracterizada pela informalidade e tal

    situao faz com que se eleja para estudo as relaes sociais desenvolvidas entre os actores no

    quotidiano da vida institucional. Faz, ento, sentido considerar a existncia quer do programa

    oficial da organizao, quer das presses das relaes interpessoais e das actividades efectivas

    realizadas no lar.

    , pois, necessrio saber reconhecer estas duas faces da realidade organizacional,

    compreender o contraste entre o explcito e o implcito, o discurso e a prtica, ter presente a

    pluralidade e a no coincidncia de objectivos que coexistem na organizao. Mais

    concretamente a anlise do lar enquanto organizao obriga-nos a distinguir a anlise da

    dimenso formal e a anlise da dimenso informal.

    A primeira diz respeito dimenso oficial de uma organizao (j atrs parcialmente

    apresentada), tratando-se da estrutura que imediatamente observvel e que pode ser

    analisada pelo recurso a documentos de fontes oficiais e outros documentos (estatutos,

    regulamentos, oramentos, etc.); a segunda corresponde ao funcionamento real da

    organizao independentemente daquilo que se encontra oficialmente estipulado, tratando-se

    da estrutura que no imediatamente observvel, sendo que para a sua anlise deve recorrer-

    se essencialmente observao de condutas individuais e de grupo em situao do

    quotidiano, mas tambm aos inquritos e s entrevistas e, ainda, anlise de documentos que

    podem incidir sobre diversas fontes: anncios, folhetos, actas de reunies, circulares, notas de

    servio, etc.

    3.1 Percurso metodolgico

    Quando estamos apostados em realizar um diagnstico social interessa mobilizar vrias

    tcnicas de investigao que permitam uma recolha de informao de forma aprofundada e

    que seja capaz de nos levar a apreender a complexidade de factores que esto na origem dos

    problemas identificados.

    Destaque-se que, em termos metodolgicos, fizemos observao participante, anlise

    documental de alguns documentos da instituio (regulamento interno, guia de integrao do

    residente e manual de acolhimento, plano anual das actividades, etc.).Procedemos ao

  • 29

    preenchimento de 8 instrumentos do Sistema de Avaliao Multidimensional de Equipamentos

    Sociais Lares de Idosos (SAMES Lar).

    Face ao descrito, optmos por uma investigao qualitativa, de cariz participante, descritiva e

    emprica porque o principal instrumento de pesquisa o prprio investigador e os principais

    procedimentos so a presena prolongada no contexto social em estudo e o contacto directo,

    em primeira mo, com as pessoas, as situaes e os acontecimentos (Firmino da Costa, 1986,

    p. 137).

    Neste relatrio, a observao participante e as notas de campo foram fundamentais para a

    recolha de informao. Como nos dizem Bogdan & Biklen (2003, p. 110) depois de regressar

    de cada observao, entrevista ou outra sesso de recolha de dados, o investigador escreve,

    preferencialmente num computador, o que aconteceu. Procede a uma descrio das pessoas,

    objectos, lugares, eventos, actividades e conversas. Adicionalmente, o investigador registar

    ideias, estratgias, reflexes e palpites assim como padres que emergem. Estas so as notas

    de campo o registo escrito daquilo que o investigador ouve, v, experiencia e pensa no

    decurso da recolha e reflexo dos dados num estudo qualitativo. () Em estudos que recorrem

    observao participante todos os dados recolhidos so considerados como notas de campo;

    este termo refere-se colectivamente a todos os dados recolhidos no decurso de um estudo

    deste tipo, incluindo notas de campo, transcries de entrevista, documentos oficiais,

    estatsticas oficiais, imagens e outro material. Aqui usamos este termo em sentido estrito ()

    as notas de campo fornecem a qualquer estudo uma marca pessoal que ajuda o investigador

    a manter o controlo relativamente ao desenvolvimento do projecto, a visualizar como a

    recolha de dados foi afectada pelos dados recolhidos e para manter-se alerta sobre como pode

    ter sido ele prprio influenciado pelos dados (ibidem, p.111).

    Os autores Guest, Namey & Mitchell (2013, p.75) defendem que a observao participante pe

    em contacto o investigador mais bsica das experincias humanas, descobrindo atravs da

    imerso e da participao os como e os porqus do comportamento humano num

    contexto particular. O desafio de aproveitar esta capacidade inata para a observao

    participante que quando ns somos observadores participantes num sentido mais formal

    devemos, no mnimo, sistematizar e organizar um processo inato fludo. Isto quer dizer no s

    participar num determinado contexto social mas tambm preencher o papel do investigador

    tirar notas, gravar vozes, sons e imagens; e fazer perguntas que esto destinadas a revelar o

    sentido oculto dos comportamentos. Mais, em muitos casos, estamos a tentar descobrir e

    analisar aspectos de situaes sociais que usam regras e normas que os participantes podem

    experienciar sem explicitamente falar delas, que operam em nveis automticos ou

    subconscientes ou esto ainda e oficialmente fora das discusses ou tabus. O resultado desta

    descoberta e sistematizao que ns no s participamos em algo mas tambm geramos

    dados que podem ser valiosos para adicionar nossa compreenso da experincia humana.

    Nas sesses de estimulao cognitiva, em grupo e sempre realizadas na sala de convvio,

    fazamo-nos acompanhar de um bloco de notas para recolher informao sobre as

    contribuies dos residentes. Apontvamos frases completas ou palavras-chave para depois

    incluir no dirio de campo. Fizemos isso s claras, para que os idosos percebessem que isso

    era importante para ns e que lhes atribuamos significado.

  • 30

    Nas aces de formao aos funcionrios no apontvamos nada porque no queramos

    contribuir mais ainda para o sentimento de avaliao externa. O registo das sesses em dirio

    de campo era, nas duas situaes, feito no gabinete ou em casa.

    As conversas formais e informais ou de acompanhamento foram igualmente objecto de registo

    no referido instrumento de recolha.

    Qualquer informao que contribusse para a melhoria do bem-estar dos residentes foi

    relatada directora tcnica, sem ferir susceptibilidades e sempre com um sentido tico e de

    confidencialidade muito rigoroso.

    Com estas contribuies, pode compreender-se a importncia destas tcnicas de investigao

    para a elaborao do relatrio. Como veremos mais frente, em muitas das descries que

    fizemos sobre os residentes, sobre as actividades de animao sociocultural, sobre os recursos

    humanos mas tambm sobre as actividades que desenvolvemos no mbito da estimulao

    cognitiva e no mbito das aces de formao em exerccio aos funcionrios da instituio,

    usmos a observao participante e o dirio de campo como ncoras para a nossa escrita e

    reflexo.

    Importa aqui referir que, relativamente aos instrumentos SAMES Lar preenchidos e que se

    inseriram no mbito do interesse do Instituto Superior de Servio Social do Porto (ISSSP), os

    seus resultados formais no foram tidos em conta no diagnstico para interveno nem para a

    elaborao deste relatrio. O seu preenchimento, num total de 174 inquritos, terminou

    aquando do terminus do nosso estgio. No entanto, durante esse mesmo perodo, o contacto

    tido com os residentes e com os funcionrios foi facilitado atravs desta tarefa e, sem dvida,

    ajudou no processo de conhecimento que esteve subjacente elaborao deste diagnstico.

    Assim, a programao das actividades por ns desenvolvida procurou responder s

    necessidades manifestadas pela orientadora local de estgio e por ns constatadas quer

    atravs de observao directa quer atravs de anlise documental.

    Debrucemo-nos agora sobre a instituio propriamente dita e as respectivas normas e regras

    de funcionamento.

    3.2 Misso do lar e principais linhas de poltica organizativa

    Sobre a misso da instituio, contida no manual de acolhimento ao utente, podemos referir

    6 pontos: receber pessoas idosas cuja problemtica biopsicossocial no seja passvel de outra

    resposta; o desenvolvimento normal do processo de envelhecimento, contribuindo para um

    envelhecimento com qualidade, evitando a deg