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RAIZES DA RAMALHADA Histórias da Serra Negra Rural A EDUCAÇÃO MARIA INEZ MASARO ALVES * Este texto foi extraído do livro “Raízes da Ramalhada – História da Serra Negra Rural”, lançado em Dezembro de 2012, resultado de um trabalho de pesquisa histórico- sociológica feito com a orientação do Centro de Memória da Unicamp. O funcionamento de uma escola é preocupação de toda vila, povoado, bairro, enfim, de todo agrupamento de pessoas que se preocupa com a educação das novas gerações. Na Ramalhada, não foi diferente. Depois de um curto período funcionando na entrada do bairro, onde ficava a propriedade da Família Chorfi, a escola passou a funcionar ao lado da capela. Durante os três anos de minha pesquisa, todos os esforços no intuito de descobrir a data da criação da escola do bairro, foram em vão. A primeira atitude foi procurar a Secretaria de Educação do Município, uma vez que a escola foi criada pela Prefeitura. Depois me dirigi à Diretoria de Ensino, sediada em Mogi Mirim, pois obtive informações de que a escola havia passado para o controle do Estado. Na sequência, entrei em contato, primeiramente com a direção da Escola Lourenço Franco de Oliveira, à qual era vinculada, onde fui informada pela direção que lá nada havia sobre a Escola da Ramalhada. Em seguida, procurei a Escola Nair de Almeida que, além de ser a mais próxima do bairro, ainda leva o nome de uma antiga professora da Ramalhada. Ansiosa por encontrar algum documento que registrasse os eventos escolares, com a autorização de seu diretor, Prof. Olavo Celso Kahn da Silveira, folheei todos os livros antigos do acervo da referida escola. Entretanto, tive frustradas todas minhas esperanças, pois em nenhuma dessas iniciativas obtive a informação desejada. Na Diretoria de Ensino consegui a data da vinculação da escola à EEPG Lourenço Franco de Oliveira como sendo 31 de janeiro de 1992, e a data de sua extinção em 02 de fevereiro de 1996 “Não tinha escola, a Júlia minha irmã, já tinha escola. O Alfredo, quem ensinou escrever foi a Terva(Etelvina), mulher dele. Só a comadre Júlia, daí abriu a aula aí, ela aprendeu, * Profa. Dra. Maria Inez Masaro Alves, pesquisadora colaboradora do Centro de Memória da Unicamp

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RAIZES DA RAMALHADA Histórias da Serra Negra Rural

A EDUCAÇÃO

MARIA INEZ MASARO ALVES∗∗∗∗

Este texto foi extraído do livro “Raízes da Ramalhada – História da Serra Negra

Rural”, lançado em Dezembro de 2012, resultado de um trabalho de pesquisa histórico-

sociológica feito com a orientação do Centro de Memória da Unicamp.

O funcionamento de uma escola é preocupação de toda vila, povoado, bairro, enfim,

de todo agrupamento de pessoas que se preocupa com a educação das novas gerações. Na

Ramalhada, não foi diferente. Depois de um curto período funcionando na entrada do bairro,

onde ficava a propriedade da Família Chorfi, a escola passou a funcionar ao lado da capela.

Durante os três anos de minha pesquisa, todos os esforços no intuito de descobrir a

data da criação da escola do bairro, foram em vão. A primeira atitude foi procurar a

Secretaria de Educação do Município, uma vez que a escola foi criada pela Prefeitura. Depois

me dirigi à Diretoria de Ensino, sediada em Mogi Mirim, pois obtive informações de que a

escola havia passado para o controle do Estado. Na sequência, entrei em contato,

primeiramente com a direção da Escola Lourenço Franco de Oliveira, à qual era vinculada,

onde fui informada pela direção que lá nada havia sobre a Escola da Ramalhada. Em seguida,

procurei a Escola Nair de Almeida que, além de ser a mais próxima do bairro, ainda leva o

nome de uma antiga professora da Ramalhada. Ansiosa por encontrar algum documento que

registrasse os eventos escolares, com a autorização de seu diretor, Prof. Olavo Celso Kahn da

Silveira, folheei todos os livros antigos do acervo da referida escola. Entretanto, tive

frustradas todas minhas esperanças, pois em nenhuma dessas iniciativas obtive a informação

desejada. Na Diretoria de Ensino consegui a data da vinculação da escola à EEPG Lourenço

Franco de Oliveira como sendo 31 de janeiro de 1992, e a data de sua extinção em 02 de

fevereiro de 1996

“Não tinha escola, a Júlia minha irmã, já tinha escola. O Alfredo, quem ensinou escrever foi a Terva(Etelvina), mulher dele. Só a comadre Júlia, daí abriu a aula aí, ela aprendeu, ∗ Profa. Dra. Maria Inez Masaro Alves, pesquisadora colaboradora do Centro de Memória da Unicamp

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minha irmã. Meu avô aprendeu a assinar sozinho. Meu pai nasceu na Ramalhada, é filho do “pai velho”, a gente chamava “pai velho” A.A.R. “Estudava aqui, prá baixo do ribeirão, lá onde era o Sérgio Beraldo, a Candica. Não tem o ribeirão? Era uma escolinha prá lá do ribeirão, ia daqui lá a pé. Quem dava aula era a Dona Nair Buava, deu aula muitos anos, morava aqui na Ramalhada, Fiz só o primeiro ano, eu tinha dez, doze anos. Faiz as conta, eu nasci em 1930, sete de setembro de 1930. Os Buava, tinha fazenda lá prá cima.” B.B.N. “ na cidade meu pai ia de cavalo, ele trabalhava no Fórum, era do jurado, o pai foi inspetor do bairro aqui, da Ramalhada. Tinha boa leitura era sabido. Tinha escola. Meu pai era estudado, aprendeu na cidade, o pai dele colocou ele no colégio. Meu pai era estudado. Eu tinha dois irmão que era bom, e dois não sabia quase nada.” J.O.R. “Minha mãe muito mal assinava o nome, meu pai sabia ler e escrever, tinha boa leitura. Só que a minha mãe não tinha cultura, mas prá passar ela prá trás, era meio difícil. Na escola que meu pai estudou eu não sei, mas deve ser por ali, ou dentro de alguma casa, porque naquele tempo não tinha escola, então sempre tinha uns mais sabidinho que dava aula, daí assim de noite prás pessoa adulta, e acho que foi ali que algum acabou aprendendo leitura.” R.O.R. “Meu pai morreu eu tinha 10 anos. Estudei na escola de Lindóia, a mãe levava eu às dez horas e buscava às quatro. Eu não repeti um ano na escola, primeiro, segundo, terceiro, quarto ano. Uma beleza! Queria estudá, minha mãe disse não, só tem escola em Bragança. Era doze contos de réis por mês, uma menina estudando longe, não deixo, você já não tem pai, vai prá lá tudo estranho, não deixo não. Aí cresci, com idadinha de quinze anos pôs eu no Corte e Costura em Lindóia, levava na segunda e buscava no sábado, posava lá na casa da Nenê Fiori, no largo da igreja, ela era responsável por tudo nóis....Aí já tinha escola aqui com a Nair de Almeida, a Lydia, a Cacilda estudaram com ela. A Nair era uma mulherzinha tão boa, morava com o genro do Valério, naquela casa lá embaixo.” E.A.R.

A Profa. Nair de Almeida está presente nas lembranças da maioria dos alunos que

passaram pela “escolinha”, como costumam dizer, do Bairro da Ramalhada. É a

consequência de longos anos de magistério na mesma escola. Pela data de seu nascimento, 13

de dezembro de 1917, e pelos depoimentos que a apontam como professora na Ramalhada no

final da década de quarenta, conclui-se que Nair, para os conceitos da época, não era mais tão

jovem. Obtive informações de que Nair de Almeida era professora leiga e que as dificuldades

de acesso ao trabalho, fizeram-na hospedar-se em casa de parentes, no caso, a tia Maria

Leme, Dona Lica, esposa de João de Oliveira Ramalho. Da década de quarenta até início da

década setenta, Nair de Almeida exerceu o magistério na Ramalhada e tornou-se referência

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para grande parte de nossos depoentes. Com muita razão tornou-se a Patrona da Escola das

Três Barras, para onde foi remanejada a maioria dos alunos da Ramalhada quando sua escola

foi extinta.

Profa. Nair de Almeida

“Estudei na escolinha da Dona Nair. Vou falar prá senhora, ela era brava, comigo não que eu era bão de estudo. Mas eu tinha dó do meu irmão, ele apanhava muito dela. Tinha vez dele se escondê no mato só de medo dela. Depois eu fui estudá nas Três Barras, eu tinha cabeça boa. Queria sê advogado, até a Dona Maria Inês, fia do Geraldo Faria, queria dá uma bolsa prá mim estudá, mais o pai não deixou. Tinha que trabaiá.” P.A.O.R.

“A escola era prá lá do ribeirão, bem prá lá do ribeirão, eu lembro da casa que tinha lá. Perto da Candica tem um ribeirão? Então, tinha aquela entrada, nóis ia prá Lindóia por ali, tinha uma casa lá, era ali. Até pouco tempo eu vi a fotografia da professora no meio das fotos da mãe, eu lembro da fotografia da professora, não era Nair era... Leonora! D.C.R.

Profa. Leonor Cetabolito

Quando todas as buscas se mostravam infrutíferas, contrariando muitos depoimentos

que apontavam Nair de Almeida como única professora até 1970, Dirce Ciolfi Ramalho nos

mostrou a foto da Profa. Leonor. A dedicatória, datada de 1939, foi escrita para o Sr. José

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Chorfi e Dona Rosa Chorfi, avós maternos de Dirce e proprietários das terras onde ficava a

escola. Não tivemos como decifrar, na assinatura, seu nome completo. Depois, por

informação de uma de nossas depoentes, Sra. Horacília Ramalho de Godoy, ficamos sabendo

que o nome completo era Leonor Cetabolito. O importante é a data, que nos dá a certeza de

que a primeira escola frequentada pelos Ramalho, aqui na Ramalhada, funcionava já na

década de 30.

Foi com o depoimento da Profa. Tereza Aparecida Foratto Saragiotto, que lecionou

no bairro no período de 1971 a 1972, que obtivemos os dados mais concretos sobre a escola.

“Quando comecei dar aula na Ramalhada, foi por concurso público municipal, tinha uma vaga só, peguei o primeiro lugar, começo de setenta e dois. Fiz o Curso Normal, magistério no Coriolano Burgos em Amparo, e depois faculdade em Ouro Fino.Tinha uns 25, 30 alunos. Antes de mim foi a Nair de Almeida. A Nair de Almeida se Prédio onde funcionava a “escolinha” aposentou naquela escola, era muito doente, epiléptica. Minha filha, Marisa Aparecida Saragiotto, deu aulas lá em oitenta e seis, já era Escola de Emergência, foi nomeada pelo Estado.

Naquela época só tinha a escola e a igrejinha, estava passando as torres de transmissão de energia elétrica, a estrada era horrível, não tinha venda, nada. Na escolinha não tinha banheiro, não tinha água, se as crianças tinham necessidades tinham que ir no mato. Cada aluno levava sua canequinha porque não tinha onde lavar. As aulas eram das oito ao meio-dia, primeiro, segundo e terceiro ano, a lousa era muito pequena, eu tinha que levar tudo

mimeografado. Não tive problema com aluno. Se faltavam era por doença. Ninguém abandonou a escola. As crianças levavam queijo, carne de porco, ovos, se um dava uma coisa o outro queria fazer melhor.” T.A.F.S

Através da Profa. Tereza Foratto Saragiotto ficamos

sabendo que a escola chamava-se Escola Mista Municipal do

Bairro da Ramalhada, depois passou a chamar-se Escola de

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Emergência do Bairro da Ramalhada e, finalmente, Escola Mista Estadual do Bairro da

Ramalhada que, em 31 de janeiro de 1992, passou a ser vinculada à EEPG Lourenço Franco

de Oliveira, sendo extinta em 02 de fevereiro de 1996. A alegação para a extinção foi a falta

de alunos. Com a extinção da escola os alunos residentes no bairro foram remanejados para a

Escola Nair de Almeida que funcionava nas Três Barras e para a Escola Profa. Tereza Foratto

Saragiotto Franca Franchi, no Bairro da Serra.

“Ia na escola pegada com a capela. Mais faiz muito tempo que não vou naquele lugar. Quem dava aula era um professor...ele chamava Benedito Pupo do Amaral, tinha apelido de Tico Pimenta.Não lembro quando estudei lá, eu tô com noventa, quando estudei lá eu era bem pequena, porque quando deu prá trabaiá um pouco, já tirou da escola, não é que nem hoje que os filhos tem tempo prá ir na escola, prá estudá, nosso tempo era curto, eles queria serviço. Meu neto Rodrigo feis Administração de Empresa, a Débora, neta, fez faculdade em Amparo e depois feis Unicamp, Pedagogia, na Unicamp foi onde arrumou o marido que é médico neurologista. “H.R.G.

Se muitos depoimentos levaram a crer que a escola, até 1970, teve uma única

professora, Profa. Nair de Almeida, parente dos Ramalho, através da família Leme

descobri, depois de muitas buscas, que antes de Nair de Almeida e depois da Profa.

Leonor, a escola foi designada ao Professor Benedito Pupo do Amaral, conhecido como

Tico Pimenta. Essa informação foi dada também pela Sra. Horacília Ramalho Godoy.

Talvez ainda apareçam outros. Temos que registrar, ainda, que na decada de sessenta,

quando a Profa. Nair de Almeida esteve afastada por licença médica, a escola esteve a

cargo da Profa. Alzira Sartorelli. Outros nomes de professoras ficaram na memória dos

seus alunos da Ramalhada como Aparecida, Dilma Ramalho, Clarissa, Bianca, Anette,

Marisa Aparecida Saragiotto entre outras.

“Quando eu estava lá, o Sr. Braz Brota, o prefeito, estava construindo o prédio da escola bem do lado, com galpãozinho, sala de aula, dois banheiros. Era da prefeitura. Era Escola Municipal do Bairro da Ramalhada, depois Escola de Emergência do Bairro da Ramalhada.

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O prédio da escola transformado em Mercado

A merenda, a prefeitura fornecia, eu levava todo dia daqui da cidade, passava lá onde é o postinho de saúde, pegava o latão de leite, as vezes era com pasta de amendoim, muito gostoso, aveia, groselha. As festas cívicas eram comemoradas e para comprovar que estivemos na escola, tínhamos que apresentar as fotos. Os examinadores iam do Lourenço, eu alfabetizava com a cartilha CaminhoSuave” . T.A.F.S.

Comemoração do Sete de Setembro-Dom Pedro “Nasci em 30 de abril de 1931, estudei no Grupo Escolar( Lourenço), vim quatro anos aí. Os professores do meu tempo, morreu tudo já, vinha a pé, doze quilômetros, vinha todo dia sozinho. Ali na boca da serra, saía os filho do Júlio Testa, lá, lá no Sarzani, os filhos do Chiquinho Sarzani lá da Cachoeira dos Sonhos.Os filho dele ia comigo, os filhos dele já morreu tudo, os que vinha comigo. Alí nóis saía junto, cedinho, depois ia embora junto, terminava a aula meio dia e meio, ia embora, duas , três horas chegava em casa. Não tinha merenda, tinha nada, a gente tinha que levá, levava bolo de fubá, todo dia, nóis era pobre, só levava bolo e dois dedos, três de banana, levava no borná, bornázinho de lado com livro, caderno. Eu tenho diploma aí, tirei em 1944. O diretor era Afrânio Feitosa, já morreu há muitos anos, a primeira professora, lembro, noooossa! Dona Ana Pinto da Cunha, braaava, que nem uma cobra!” N.P.G. “Eu fui na escola muito pouquinho, fui na escola do Mobral , mudei lá no Livramento, perto de Socorro eu fiz Mobral, aí quando fui morar na fazenda da turcada, do Antonio Jorge, fui no Mobral lá e tirei o diplominha, fiz o Mobral de noite, tinha uns cinquenta anos quase.” J.M. “Eu tive pouca escola, eu estudei um pouquinho que deu prá quebrar um galho, mas formado num fiquei. Não tinha merenda não, levava lanche, às vezes levava bolo, às vezes levava qualquer coisa frita prá comer, uma garrafinha de café, era uma hora da tarde o recreio.” R.R. “ Estudamos na escola na casinha do lado da capela até 3ª. Série. Aí parava, não tinha ônibus, aí ia prá roça. Quando foram fechar a escola fizemos abaixo-assinado, falaram que o governo tava gastando muito, era pouco aluno. Foi a

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Nair de Almeida que deu aula prá mim no primeiro ano.” I.O.F.

Alunos da Profa. Tereza Foratto “Mudamos para a cidade para a gente poder estudar, como de fato aconteceu. Minhas irmãs são professoras, eu fiz faculdade, Educação Física, tenho irmão que fez Contabilidade, todos estudaram. Estudei o primeiro ano aqui na escolinha, com a Dona Nair.” D.O.R.

“A professora era como se fosse a mãe da gente em casa. Se fizesse alguma coisa errada na escola, a professora batia na gente, e se viesse reclamar prá mãe, apanhava da mãe em casa também. Hoje em dia se acontecer isso a professora é chamada na delegacia, é demitida. A lei mudou muito, não sei se para melhor ou pior, mas a educação não está igual antigamente

Alunos da Profa. Dilma Ramalho não.” P.R.S. “Estudei na escolinha da Ramalhada. A minha professora foi a Dilma Ramalho, filha do Sebastião da Ramalhada que tem um sítio lá prá cima. Teve também a Maria Aparecida e a Clarissa. Com nove, deis anos eu ainda estava estudando, 85,86. A escola era boa. As professoras de antigamente ensinavam direito. Fazia a gente fazer as lições certas. Eu agradeço a eles porque eu sei bem as coisas, sei ler bem, sei escrever, entendeu? O que eu aprendi foi com eles, na escolinha aí. Fiz até terminar a quarta série. Funcionava onde é o mercadinho, onde é o barzinho. Aquele prédio era da prefeitura. Porque a prefeitura abandonou, o terreno era do Ito Batista, ele deu o terreno para fazer a escola, a prefeitura desapropriou, ficou para a escola, aí o que aconteceu: como eles tiraram a escola da Ramalhada que é uma coisa errada que fizeram, tiraram a escola da Ramalhada, que não ia funcionar mais, que as crianças iam para as Três Barras ou Vendão, aí tiraram a escola do bairro, aí ficou lá. O Ito desmanchou, vendeu pros parentes dele, ficou pro Ito de novo. Eles falaram que não tinha aluno, mas acho que tinha gente suficiente prá tocar a escola. É um erro muito grande, porque aqui no bairro tem muito mais que sessenta, setenta crianças que podia estar estudando aqui. Meu pai e minha mãe estudaram aqui na mesma escola que estudei, mas nem eles sabem quando começou. A professora foi a Nair de Almeida. A água prá escola a gente pegava lá no Kyrmair, a professora pedia e a gente ia buscá. Ah! era gostoso! A merenda vinha da cidade, da prefeitura. Vinha naqueles latão, às vezes era sopa, arroz doce, pão com doce, pão com manteiga, macarronada, sempre eu comia lá e a comida era boa.” M.R.

Pelas imagens registradas pela Profa. Dilma, podemos ver o interior da sala de aula

que funcionava no prédio construído pela prefeitura. Percebemos pelas fotos que a sala era

ampla, iluminada e confortável.

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A professora Dilma Ramalho, que nasceu na Ramalhada, filha de Sebastião Massani

Ramalho e Edméia Ramalho, lecionou no bairro no ano de 1989, pelo número de alunos que

aparecem na foto acima, percebe-se que a freqüência à escola era considerável, não

justificando a extinção da escola no início do ano de 1992.

“Estudei até terceiro ano aqui na escolinha com a dona Nair e a dona Alzira. A quarta série estudei no Lourenço e depois até a oitava no Jovino, depois não estudei mais. No meu tempo não tinha merenda, tinha que levar, minha mãe fazia bolo, chamava bolo de massa dura, minha mãe aprendeu a fazer com a vó dela, a vó Nhâna, muito gostoso.” A.R “Meus pais, Marcelo Ramalho, Ivana Aparecida Vieira Gonçalves Ramalho, nasci dia sete de maio de 1996. Até a quarta série estudei na Nair de Almeida,agora estudo em Lindóia, porque a escola lá é melhor. Minha mãe me leva até na Laje (bairro), de lá eu pego o ônibus. Vou no período da manhã, estou no nono ano, quero fazer faculdade de informática e tecnologia, Campinas, São Paulo, depois trabalhar prá fora. Se tiver oportunidade melhor, não vou ficar aqui” I.G.R. “Faço Nutrição na FIA (Faculdades Integradas de Amparo). Estou no segundo ano” T.C.B.P.

Os depoimentos dos descendentes dos Ramalho nos levaram à conclusão de que a

escola, o aprendizado, o conhecimento não eram prioridades para os pais da Ramalhada. O

principal era a existência de mão de obra, o braço forte para o trabalho, para a produção.

Sendo assim, com raras exceções, bastava aprender as primeiras letras, não justificando os

esforços necessários para encaminhar a prole para a escola na cidade ou bairros vizinhos,

muito menos custear os estudos para um filho mais dedicado e interessado. Pode-se notar,

por alguns depoimentos, que alguns sonhos se desfizeram: “queria ser advogado”, “não repeti

um ano na escola, uma beleza!” “queria estudar, minha mãe disse não”.

Um depoimento chamou a atenção por ser uma das raras exceções, quando o depoente

diz que a família mudou-se para a cidade para que os filhos pudessem estudar. Nesta família,

o pai era Ramalho e a mãe italiana. De fato, todos os filhos estudaram, todas as filhas

receberam diploma de magistério, e foram ou são professoras dedicadas. Uma delas foi

professora na Ramalhada. É italiano também o sobrenome dos proprietários das terras onde

existiu a primeira escolinha: Chiorfi é um fato a se destacar, pois entre os imigrantes

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italianos, a educação é uma necessidade primordial para seus filhos, pois através dela

vislumbram melhores condições de vida.

Outro destaque é o fechamento da escola que por tanto tempo funcionou no bairro.

Tendo começado a funcionar na década de trinta, quando a população era bastante restrita,

não se justifica ter fechado suas portas na década de noventa, simplesmente pela falta de

alunos. Nesta justificativa é relevante o fato da diminuição drástica do número de filhos por

casal, entretanto a população da Ramalhada vem crescendo consideravelmente. É só

acompanhar o trajeto do ônibus escolar que passa pelo bairro às sete da manhã, para se

surpreender com o número de crianças, acompanhadas de suas mães, que estão à espera de

transporte. Não sabemos se houve reivindicação da população para que a escola não fosse

fechada. Se houve foi incipiente, porque não alcançou seu intento.

A taxa de analfabetismo entre os mais velhos, no bairro é bastante alta. No ano de

2008 foi aberta uma classe, em período noturno, para a alfabetização de adultos, mas foi

fechada no final do mesmo ano. A alegação foi a de frequência muito baixa. A conclusão que

se tira, no caso da alfabetização de adultos, é de que a clientela não está interessada, não

percebe as limitações causadas por não ser instrumentalizado a utilizar os signos escritos. A

principal delas, para quem mora na zona rural é o impedimento para se adquirir a carteira

nacional de habilitação.

Nos contatos que tive com as famílias, pude notar que, na contemporaneidade,

embora não haja grande empenho para que os filhos estudem, existe espaço para a

escolaridade.

Os filhos, na tenra idade, vão para as creches, por necessidade das mães que

trabalham. Depois, até a quarta série é uma continuação lógica, mesmo porque a escola que

frequentam é em período integral, o que facilita a vida famíliar.

Minhas observações me fizeram crer que continuar os estudos no ensino médio é uma

opção do adolescente que, inserido no mercado de trabalho, vê a necessidade de continuar os

estudos para conseguir uma melhor remuneração, pois já começa a arcar com as próprias

despesas e a contribuir com os investimentos familiares. Encontramos jovens Ramalho, com

maior visão de futuro, que têm se dedicado aos livros e buscado um curso superior. Entre

eles encontramos fisioterapeutas, administradores de empresa, nutricionistas, agrônomos,

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pedagogos, licenciados em educação física e que almejam, inclusive, seguir pelas áreas

tecnológicas como a informática.