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Raiz & Fruto Informativo da Embrapa Mandioca e Fruticultura págs. 5 a 7 O pesquisador Eduardo Stuchi avalia experimentos na Fazenda Muriti, da empresa Citrosuco (SP) Materiais lançados e recomendados pela Embrapa chegam a produtores de diversas regiões do país Ano 27 N o 74 jul-dez 2015 Pela sustentabilidade da citricultura págs. 5 a 8 Foto: Walter Soares

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Page 1: Raiz & Fruto - Embrapa

Raiz & FrutoInformativo da Embrapa Mandioca e Fruticultura

págs. 5 a 7

O pesquisador Eduardo Stuchi avalia experimentos na Fazenda Muriti, da empresa Citrosuco (SP)

Materiais lançados e recomendados pela Embrapa chegam a produtores

de diversas regiões do país

Ano 27 No 74 jul-dez 2015

Pela sustentabilidade da citricultura

págs. 5 a 8

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Caros leitores,

A citricultura brasileira já passou por momentos difíceis no século passado em função de basear-se praticamente em apenas uma combinação de copa e porta-enxerto, que são as duas partes que compõem a planta de citros. Doenças dizimaram pomares pelo país afora. Para evitar que esse quadro se repita, a Embrapa vem investindo na diversificação de variedades. A reportagem de capa desta edição traz em detalhes o trabalho desenvolvido pelo Programa de Melhoramento Genético de Citros da Embrapa (PMG Citros) para fazer frente a esse desafio. Materiais já existentes (copas e porta-enxertos) e os que estão por vir agregam diversas vantagens, como eficiência produtiva, alta qualidade dos frutos, resistência a doenças e tolerância à seca, e prometem dar uma nova roupagem à citricultura do país, tornando-a mais sustentável.

Na página ao lado, o pesquisador Eliseu Alves, 85 anos, um dos fundadores e ex-presidente da Embrapa, que atua como assessor da Presidência da Empresa, faz um panorama da agricultura no país e fala sobre a formação da Embrapa e os desafios enfrentados.

Em Fruticultura, são duas reportagens. Uma que traz informações sobre o trabalho realizado para preservação das plantas do gênero Spondias (entre elas, o umbu), tão importantes para o Semiárido por sua resistência à seca; e outra que aborda a boa adaptação da cultura da bananeira ao sistema orgânico de produção.

Já em Mandioca, a matéria da página 9 é sobre a farinha colorida, inovação proposta pelo mesmo criador do beiju colorido, o pesquisador Joselito Motta. E a reportagem que fecha esta edição (pág. 12) é sobre a inauguração de mais uma unidade de multiplicação do projeto Reniva (Rede de multiplicação e transferência de manivas-semente de mandioca com qualidade genética e fitossanitária) na Bahia dentro do escopo de ações da Embrapa Mandioca e Fruticultura no Plano Brasil sem Miséria (Reniva PBSM). Dessa vez, os beneficiados são agricultores de diversas comunidades do município de Brotas de Macaúbas, região central do estado.

Boa leitura!

Raiz & Fruto é o informativo oficial da Embrapa Mandioca e Fruticultura, Unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Endereço: Rua Embrapa, s/n, Caixa postal 007 - CEP: 44.380-000 - Cruz das Almas (BA). PABX: (75) 3312-8048

- Fax: (75) 3312-8097. Chefe-geral Domingo Haroldo Reinhardt • Chefe adjunto de Transferência de Tecnologia Alberto Vilarinhos • Chefe adjunto de Pesquisa

& Desenvolvimento Aldo Vilar Trindade • Chefe adjunto de Administração Marcelo Amaral • Supervisora do Núcleo de Comunicação Organizacional (NCO)

Marcela Nascimento (Conrerp 3a 2079) • Jornalista responsável Léa Cunha (DRT-BA 1633) • Edição Alessandra Vale (Mtb-RJ 21215) • Reportagem Alessandra

Vale e Léa Cunha • Apoio Gabriela Nascimento (estagiária) • Projeto gráfico e Editoração eletrônica Alessandra Vale

EXPEDIENTE

EDITORIAL

AGENDA

Este espaço é dedicado a você, leitor. Envie sugestões e críticas. Sua opinião é muito importante para garantir a qualidade de nosso informativo. Pelo correio, escreva para: Núcleo de Comunicação Organizacional (NCO)Embrapa Mandioca e FruticulturaRua Embrapa s/n – Caixa postal 007 – Cruz das Almas/BA – CEP: 44.380-000Por e-mail, escreva para: [email protected]

Espaço do leitor

Os textos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. É livre a transcrição de matérias, com citação da fonte.

SHOW RURAL COOPAVELA Embrapa Mandioca e Fruticultu-ra vai participar de mais um Show Rural Coopavel, que em 2016 acon-tece de 1º a 5 de fevereiro, em Cas-cavel (PR). O evento contribui com o aprendizado de produtores rurais e a economia do campo reunindo as maiores empresas do agrone-gócio nacional e internacional. São mais de 210 mil visitantes buscando aumentar a produtividade de suas propriedades com o conhecimento e os negócios disponíveis no evento. A Unidade vai expor o abacaxi BRS Imperial, a banana BRS Princesa e técnicas relacionadas à multiplicação rápida de material propagativo de mandioca e processamento mínimo de mandioca.

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Trabalho pujanteFoto: W

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TECNOSHOW COMIGO A 14ª edição da TecnoShow Co-migo já tem data marcada: será realizada entre os dias 11 e 15 de abril de 2016, no município de Rio Verde (GO). A Embrapa Mandioca e Fruticultura vai apre-sentar as mesmas tecnologias le-vadas para a Coopavel. O evento reúne máquinas e equipamentos agropecuários, plots agrícolas, ani-mais das mais variadas espécies, palestras técnicas e econômicas e educação ambiental. A TecnoShow é uma vitrine de tecnologias para o homem do campo, seja ele pe-queno, médio ou grande produtor.

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ENTREVISTA

Ele chegou quieto, ficou compenetrado na primeira fileira até ser convidado para iniciar sua participação na Reunião Técnica Anual da Unidade, em novembro. Não demorou muito para deixar vir à tona seu lado descontraído, arrancando

risos da plateia, com suas respostas diretas e sem papas na língua. Eliseu Alves, ou simplesmente Dr. Eliseu, como todos a ele se referem, deixou mensagens valiosas ao comparar a Embrapa de hoje com a que ajudou a construir há mais de 40 anos. Segundo diretor-presidente da Empresa, o pesquisador, com 60 anos ininterruptos no serviço público, hoje assessor da Presidência da Embrapa, desenhou um panorama da dinâmica da agricultura brasileira ao longo das últimas quatro décadas e convocou todos nós a não descuidar do dia a dia. “Ganhar no presente para ter o amanhã.”

O sr. afirma que os resultados de pesquisa são a sus-tentabilidade da Embrapa. Fale sobre isso.Eliseu Alves – Começamos a palestra dizendo que o futuro da Embrapa é equivalente ao resultado de pesquisa que a Embra-pa produz. Em segundo lugar, mesmo que a Embrapa produza resultados, se não divulgar, o futuro vai ficar muito incerto. Isso aconteceu com a Ceplac [Comissão Executiva de Planejamento da Lavoura Cacaueira], com os institutos lá de São Paulo, que estão passando dificuldade porque não souberam divulgar os re-sultados de pesquisa. A Embrapa dá uma atenção muito grande à divulgação dos resultados de pesquisa e não faz baseada nos pesquisadores. Divulgar resultado de pesquisa é uma questão de profissionais nessa área. Então esses profissionais da área de comunicação estão muito bem integrados com os pesquisado-res, têm mestrado, doutorado, formação equivalente a dos pes-quisadores. Isso daí ajudou a Embrapa a ser o que é perante a opinião pública. Eles têm um papel muito importante, são parte do resultado de pesquisa. O resultado de pesquisa na Embrapa se cristaliza em muita coisa. Por exemplo, esse abacaxi gostoso que estou comendo agora [ele provou o BRS Imperial oferecido pelo pesquisador Davi Junghans], no fundo, tem muita coisa nele cristalizando o esforço de vários grupos aqui de dentro. Portan-to, resultados de pesquisa são a alma da Embrapa. E divulgar é tornar essa alma conhecida de todo mundo.

O sr. fez também um panorama da agricultura. Dis-se que a tecnologia comanda a agricultura, diferen-temente do que acontecia no passado, quando quem comandava eram a mão de obra e a terra. Avalie essa mudança.EA – Até 1950, a agricultura brasileira movia-se pela incorporação de novas áreas. Toda vez que a demanda crescia, a única forma de fazer a produção crescer era aumentar a área agricultada, a área em produção. Hoje em dia, isso mudou completamente. Praticamente a área cultivada do Brasil não está crescendo ou crescendo muito pouco. O que está crescendo é a produtivi-dade da terra. E esse crescimento da produtividade da terra só

RAIZ & FRUTO

pode se dar com tecnologia. Portanto, o crescimento da oferta de alimento que estamos abastecendo os brasileiros, o mercado internacional, isso tudo é fruto da engenhosidade da pesquisa e dos nossos agricultores que estão adotando a nova tecnologia.

Na formação da Embrapa, o sr. contou que, para en-frentar os desafios da época, focou em dois problemas fundamentais: formar um corpo técnico competente e centrar na pesquisa aplicada. Como foi esse início?EA – O governo militar criou a Embrapa para fazer pesquisa apli-cada, ou seja, tudo que a Embrapa fizesse teria que ter aplicação na sociedade brasileira e, sobretudo, entre os agricultores. O grande problema da pesquisa aplicada é a dispersão de esforços. Então, o problema número 1 que enfrentamos foi como ter uma organização que evitasse ao máximo a dispersão de esforços. E isso depois de a gente discutir muito, pensar muito, nós resolve-mos copiar e aplicar o modelo que estava sendo aplicado aqui na Bahia, na pesquisa em cacau, que era especializada. Resolvemos organizar a Embrapa em centros de produto, em centros de re-cursos, em centros temáticos, e a Embrapa foi organizada dessa forma, porque cada centro já tem um foco. O foco inicial está sendo dado pelo mandato do centro. Uma vez um pesquisador dentro daquele centro, eu costumava brincar, quando eu era presi-dente da Embrapa, que ele vai almoçar aquele problema, vai fazer lanche daquele problema, jantar aquele problema e sonhar com aquele problema de noite. O segundo grande problema que a Embrapa teve foi o seguinte: pesquisa é pesquisador. Logo, desde o início, entendemos que pesquisa era pesquisador, portanto, o Brasil teria de ter um corpo de pesquisadores da mesma qualida-de dos Estados Unidos, da Europa etc. Não havia pesquisadores no Brasil, por isso nós criamos, naquela época, um programa de pós-graduação em nível de mestrado e doutorado que ocupou 50% das vagas aqui do Brasil e mandamos 2 mil a 3 mil estudar nas universidades lá da América, da Europa, do Japão, Austrália etc. Diversificamos o máximo possível a formação de pessoas que vieram para a Embrapa. Daí nasceu a competência que vocês mostraram hoje aqui para mim.

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Passado, presente e futuro da Embrapa

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Foto: Alessandra Vale

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FRUTICULTURA

D as 18 espécies do gênero Spon-dias, como umbu-cajá, cajarana, ceriguela e umbuguela, várias são

pouco estudadas e sua produção é total-mente extrativista, ou seja, são coletadas diretamente da natureza e não cultivadas em pomares comerciais. Por conta disso, parte de um trabalho de pesquisa na Unida-de distribui mudas e ajuda a manter bancos de germoplasma dessas frutas.

A mais famosa é mesmo o umbu, fruto do umbuzeiro, planta tão importante para o sertanejo que foi citada pelo escritor Euclides da Cunha no livro “Os Sertões”, de 1902: “É a árvore sagrada do sertão. Sócia fiel das rápidas horas felizes e longos dias amargos dos vaqueiros. Representa o mais frisante exemplo de adaptação da flora sertaneja”. Mais que isso, em todo o mundo, o umbu só existe nesta região.

Todas as plantas do gênero Spondias têm crescimento lento, mas são tolerantes à seca e têm boa produtividade em locais sem irri-gação. Principalmente por essa característica, têm bastante importância para o Semiárido. “Mesmo com pequena chuva, o umbu pro-duz, garantindo uma renda para o pequeno produtor e, até mesmo, sua sobrevivência”, afirma o pesquisador Nelson Fonseca.

A resistência à seca tem explicação. “O umbuzeiro tem raízes túberas ou xilopódios [que armazenam água e nutrientes]. Hoje há plantas muito velhas no Semiárido que estão morrendo. Além disso, existem os produto-res que derrubam a caatinga, destruindo as plantas do umbuzeiro para a formação de pastos, a ocorrência de incêndios no período seco que matam a vegetação e as pequenas

Frutas nativas: boas opções para a agricultura familiar

plantas que nascem das sementes que são comidas pelos próprios animais que vivem no Semiárido. Tudo isso impede que os umbu-zeiros se renovem”, explica Nelson.

MultiplicaçãoHá uma carência para a formação de mu-

das selecionadas do gênero Spondias, pois existe pouco material propagativo seleciona-do. As plantas de umbuzeiro, por exemplo, são mais encontradas na zona rural, onde são atacadas pelos animais, que comem ramos, folhas e frutos. Já as de umbu-cajazeira estão em zonas urbanas, desaparecendo pela ação predatória do homem, que as destroem para ganhar mais espaço no quintal.

Apesar de ser possível a propagação das Spondias por sementes, o método ideal é por enxertia. A principal vantagem da muda enxertada está relacionada com a garantia de manutenção das características da planta propagada, o que não é possível na muda produzida por meio de semente.

De acordo com Nelson, os materiais se-lecionados de umbuzeiro e umbu-cajazeira, por exemplo, recebem o nome da pessoa, propriedade, comunidade ou município onde foi feita a coleta. “Não são variedades, pois ainda não foram lançados como variedades. São tipos diferentes originados de uma hibri-dação ou cruzamento natural e se destaca-ram quanto ao tamanho de frutos, paladar e percentagem de polpa, entre outras carac-terísticas. Coletamos esse material para fazer enxertia. A previsão é de que sejam lançadas cinco ou seis variedades de umbuzeiro e até 14 materiais de umbu-cajazeiras. Temos pro-pagado esse material, como se fosse uma va-

lidação”, explica. Ain-da não há data para lançamento porque depende de autori-zação do Conselho de Gestão do Pa-trimônio Genético (CGEN), órgão do Ministério do Meio Ambiente, já que diz respeito à biodiversi-dade brasileira.

PreservaçãoCom o objetivo de colaborar com a pre-

servação da espécie, a Embrapa Mandioca e Fruticultura, a Embrapa Semiárido (Petroli-na, PE) e a Empresa de Pesquisa Agropecu-ária de Minas Gerais – Epamig cederam, em 2006, para o campus do Instituto Federal de Educação em Guanambi (BA), mudas de umbuzeiros e umbu-cajazeiras.

“A Embrapa colocou em nosso institu-to uma coleção de 26 clones, totalizando 140 plantas. Dessas, 80 têm nove anos. Já estamos produzindo há quatro. As outras 60 fizeram cinco anos em novembro e vão iniciar a produção, ainda pequena, este ano. A grande importância do banco é a conser-vação desse material, já que ele tem uma variabilidade grande. É uma coleção com materiais da Bahia, Minas e Pernambuco, também considerados os melhores clones em tamanho. Isso é de fato um trabalho importante para a preservação da espécie na caatinga”, explica o engenheiro agrôno-mo Sergio Donato, professor do IF Baiano.

Segundo ele, o peso médio de um fruto de umbuzeiro é em torno de 18 gramas, mas os clones de umbu da coleção superam em muito esse valor. “O peso médio do clone MG-01, originado de Lontra [MG], são 98 gramas, mas existem outros também quase do mesmo tamanho. Quando se fala por aí de umbu ‘gigante’, todo mundo normalmente se refere a esse clone, ele é o mais difundi-do. O peso médio desse clone é 98, mas ele chega a 160 gramas”, complementa.

Para Donato, o umbuzeiro é uma cultu-ra de fácil manejo, por ser adaptada às con-dições ecológicas. “Se você pensar que no Semiárido outras plantas demandam água, trabalhar com o umbu é mais tranquilo. É lógico que você não vai só colocar a plan-ta e achar que ela vai sobreviver. No início ela não sobrevive. Mas, uma vez que pas-sa aquela fase inicial, a manutenção é mais fácil”, afirma. O professor destaca ainda o clone CP-47, com características exóticas, com apelo também ornamental, originado de São Gabriel (BA), cujos frutos pequenos e doces são dispostos em cachos, parecidos aos de uva, com até 25 frutos.

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5 RAIZ & FRUTO

CAPA

O produtor Fernando Herrera e o pesquisador Walter Soares avaliam

experimentos com vários porta-enxertos na Fazenda Aliança (BA)

Uma citricultura sustentável tem sua base na diversificação de variedades. Há quase três décadas,

o Programa de Melhoramento Genético de Citros da Embrapa (PMG Citros) realiza cruzamentos dirigidos à obtenção de novas variedades, principalmente porta-enxertos, que vêm sendo validadas em campo, junto ao setor produtivo, em uma complexa rede de experimentos distribuídos pelo país. Trabalhos mais avançados, que remontam ao início da década de 1970, têm permitido a disponibilização de novas variedades pela Embrapa, copas e porta-enxertos, que vêm sendo adotadas por empresas de grande porte e têm chegado também a pequenos e médios citricultores de várias regiões. Os materiais já existentes e os que estão por vir prometem dar uma nova cara à citricultura brasileira. Reúnem vantagens como alta eficiência produtiva, elevada qualidade de frutos, resistência a doenças e adaptação a ambientes sujeitos a estresse hídrico.

Há uma necessidade premente de se introduzir novas varie-dades no mercado. A produção das regiões Norte e Nordeste, por exemplo, que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), representa cerca de 12% da citricultura do país, fundamenta-se na combinação de uma variedade copa, a laran-jeira Pera, sobre uma variedade porta-enxerto, o limoeiro Cra-vo. Especialistas alertam que, caso esses pomares venham a ser acometidos por alguma doença que ataque especificamente essa combinação, a citricultura dessas regiões se veria comprometida. Em São Paulo, principal estado produtor de citros, com cerca de 80% da produção nacional de laranjas doces, a combinação laran-jeira Pera / limoeiro Cravo também predomina, embora outros porta-enxertos sejam utilizados.

O pesquisador Walter Soares, líder do PMG Citros, lembra mo-mentos difíceis da citricultura, como no início do século passado, em que os pomares de laranjeira Caipira, utilizada como porta-enxerto em todo o país, foram dizimados pela gomose de Phytophthora, do-ença fúngica que causa a podridão da planta na base do tronco e nas raízes. Daí entrou em cena a laranjeira Azeda, porta-enxerto resistente à gomose, porém altamente vulnerável ao vírus da tristeza dos citros, que, na década de 1950, acabou destruindo milhões de plantas. “Hoje o que ainda predomina no Brasil é o limoeiro Cravo, e essa história pode se repetir: a ocorrência da morte súbita dos citros, constata-da a partir do fim da década de 1990 no sul do Triângulo Mineiro e norte do estado de São Paulo, levou à eliminação desse limoeiro nessas regiões, felizmente não se espalhando pelo país. Esse incidente estimulou o uso do citrumelo Swingle como porta-enxerto, atual-mente muito disseminado em São Paulo”, acrescenta. O citrumelo é um híbrido de pomelo com Trifoliata, espécies relacionadas aos citros.

Novas variedadestornam citricultura brasileira mais sustentável

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Fotos: Walter Soares

O depoimento de Murilo Tumioto, gerente de produção da Fazenda Gavião, em Entre Rios (BA), parceira da Embrapa há mais de 30 anos na condução de pesquisas com citros e outras fruteiras, atesta essa preocupação. “A diversificação é muito importante, por-que a produção da Bahia e de Sergipe está toda em cima de um cavalo [porta-enxerto], que é o limoeiro Cravo, embora Sergipe ainda utilize, em menores proporções, o limoeiro Rugoso. Agora a Embrapa está disponibilizando a Sunki Tropical e os citrandarins Indio, Riverside e San Diego, além do Cravo Santa Cruz, porta--enxertos que vêm apresentando bons resultados, tornando mais sustentável a produção de citros aqui no Nordeste.” Os citranda-rins são híbridos de tangerina com Trifoliata.

Características dos materiaisEntre os cinco porta-enxertos já disponibilizados, a tangerineira

Sunki Tropical e o limoeiro Cravo Santa Cruz provieram de muta-ções espontâneas, identificadas no campo e selecionadas pelo PMG Citros. Já os citrandarins Indio, Riverside e San Diego são híbridos de tangerineira Sunki com Trifoliata obtidos pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda), introduzidos e selecio-nados pelo PMG Citros.

“A Sunki Tropical é uma mutação da tangerineira Sunki, com diversas características que a tornam um material superior e a distinguem dos clones convencionais de Sunki pelo elevadíssimo número de sementes por fruto, mais de 15, o que é muito im-portante para um bom porta-enxerto; resistência à gomose de Phytophthora, que a Sunki comum não tem; alta tolerância à seca, superior à da Sunki comum; poliembrionia [formação de mais de um embrião a partir de uma única semente] elevadíssima, próxi-ma a 100%, muito superior à da Sunki comum, o que permite a formação de porta-enxertos bastante uni-formes”, informa Walter.

Já o Cravo Santa Cruz originou-se do limoeiro Cravo Santa Bárbara, este in-troduzido na Embrapa a par tir do Ins-tituto Agronômico (IAC), do estado de São Paulo. “O que distingue o Cravo San-ta Cruz dos clones comuns de limoeiro Cravo é a poliembrionia relativamente mais elevada, que resulta em maior uni-formidade dos cavalinhos, e a formação de copas um pouco menores. Os citran-darins, por sua vez, têm elevado número de sementes por fruto, alta poliembrionia e resistência à gomose de Phytophthora”, afirma o pesquisador.

Um dos parceiros da Embrapa nessas pesquisas é Paulo Fer-nandes de Barros Neto, do grupo do citricultor José Matta, com sede em Monte Azul Paulista, interior de São Paulo, cujos pomares somam quase dois milhões de plantas. Paulo ressalta as qualidades da Sunki Tropical identificadas nas quadras de observação e nos telados de produção de mudas do grupo. “Ela tem uma vantagem muito grande na seleção de sementes. A Sunki comum dá três se-mentes por fruto e, após seleção das melhores, somente uma dá para aproveitamento. A Tropical dá de 15 a 20.” E acrescenta: “a Sunki Tropical se mostrou muito mais resistente em relação à go-mose de Phytophthora. Comparada à comum, quase não foi atingi-da pelo fungo”. Paulo salienta a importância de o setor produtivo atuar lado a lado com a pesquisa. “Nós aqui somos autossuficientes, produzimos mudas para consumo próprio. Abrimos espaço para esse tipo de pesquisa, não para comercializar as variedades, mas para a melhoria da citricultura do país.”

Já o produtor Roberto Shibata, da Fazenda Lagoa do Coco, em Rio Real (BA), ao comparar os citrandarins com o limoeiro Cravo, destaca a qualidade do fruto da laranja Pera e da tangerina Pie-monte. “Os três citrandarins têm peculiaridades que o Cravo não tem. Uma delas é a qualidade do fruto, principalmente para o fru-to de mesa. O Cravo é muito produtivo, mas a qualidade do fruto das laranjeiras e tangerineiras nele enxertadas é muito inferior à determinada pelos citrandarins.”

Variedades copaO PMG Citros há décadas realiza trabalhos de introdução e se-

leção de variedades copa e de obtenção destas mediante processos relacionados à embrionia nucelar (processo natural que permite, a partir da própria semente, a obtenção de indivíduos idênticos à

Exemplo de fruto com pouca semente da tangerina Page, introduzida dos EUA e selecionada pelo PMG Citros Experimento na Fazenda Gavião (BA) mostra plantas com portes diferentes em função dos porta-enxertos

Copa Hamlin enxertada no porta-enxerto Sunki Tropical. Quadra de

observação na Fazenda Maringá (SP), da Citrosuco

Essa linha mostra a

divisão entre o porta-enxerto (parte inferior,

relacionada ao sistema

radiculdar, que é a base da

planta) e a copa

Page 7: Raiz & Fruto - Embrapa

RAIZ & FRUTO 7

CAPA

Foto: Orlando Passos

Viveiro da Fazenda Maratá (BA) com mudas de porta-enxertos recomendados pela Embrapa

Walter na Fazenda Monte Verde (SP), da Citrosuco, onde foram instalados os híbridos do segundo ciclo de experimentos

planta-mãe), que têm possibilitado a liberação de diversos materiais, como a laranjeira Pera D6, utilizada em todo o Nordeste e Norte, e a limeira ácida Tahiti BRS Passos — que leva o nome do pes-quisador Orlando Passos, um dos precursores desse trabalho com citros, no então Instituto Agronômico do Leste (IAL), na década de 1950, que veio a se tornar a Embrapa Mandioca e Fruticultura. “Já houve a recomendação de mais de dez variedades de laranjeira doce, de duas tangerineiras e de diversos clones de Tahiti, o que é de extrema importância, levando-se em consideração que as va-riedades utilizadas hoje no país são restritas”, complementa Walter.

Um rol de variedades copa vem sendo incorporado pelo se-tor produtivo. A Fazenda Gavião, por exemplo, já exporta para a Europa as laranjeiras Natal, Rubi, Westin e Valência Tuxpan, além da Pera. “Em relação à Natal, clone CNPMF-112, nossos pomares têm três anos e meio. Ainda não começamos a colocar essa fruta no mercado interno. Ela está servindo para exportação e para a indústria”, conta Tumioto. Ele acrescenta que tem exportado, em média, de 300 a 400 contêineres por ano, com 27 toneladas de citros cada um. Walter ressalta que a Citricultura Maratá, no municí-pio de Rio Real (BA), cujos pomares abrangem mais de 1,5 milhão de plantas, também vem utilizando amplamente materiais, copas e porta-enxertos, recomendados pela Embrapa. “São exemplos de que estamos atuando de forma efetiva na diversificação de varie-dades”, diz o pesquisador.

Novos porta-enxertos híbridosUm trabalho de melhoramento genético de citros demanda

muitos anos para a obtenção de variedades porta-enxerto híbridas. Ao longo desses 27 anos de pesquisa, o PMG Citros vem gerando híbridos com grande potencial de uso pela citricultura. Mais de 300 indivíduos foram selecionados. Estima-se que nos próximos cinco anos devam ser disponibilizados para o mercado pelo menos cinco porta-enxertos híbridos, que trarão embutido outro valor agrega-do: redução do porte das plantas, adaptando-as a espaçamentos de plantio altamente adensados. “Ou seja, o que se produz hoje em três hectares poderá ser produzido em um hectare, reduzin-do substancialmente a área cultivada com citros no país, liberando áreas para outras culturas e usos. A colheita também será facilitada, diminuindo seus custos”, explica Walter.

O pesquisador destaca que as novas variedades de porta--enxertos, além da alta produtividade, vão agregar grande valor à qualidade do fruto. “Hoje não se fala em produção de frutos pura e simples. Se fala em produtividade e qualidade.” Afirmação que se

espelha na fala do diretor agrícola da empresa Citrosuco, Francis-co Groba Porto Netto. “O mercado consumidor hoje quer cada vez mais qualidade e diversificação. Então à medida que trabalhos como esse da Embrapa avançam, buscando, através de novos híbri-dos, agregar valor ao produto, diferenciando ou realçando atributos de qualidade, há maiores chances de se atingir a expectativa dos consumidores”, afirma Netto.

Uma vez selecionados, os híbridos promissores compõem uma rede nacional de experimentos. As principais características que se rastreiam nesses materiais, de acordo com Walter, além da citada redução do porte da planta, são: precocidade na produção de fru-tos, para que o retorno do capital investido ocorra rapidamente; alta eficiência produtiva; alta qualidade de frutos; e adaptação ao convívio com estresses bióticos e abióticos. O pesquisador pinça entre as metas primordiais do programa a busca da tolerância à seca. Fernando Herrera, proprietário do Viveiro Tamafe, em Bom Jesus da Lapa, primeiro viveiro produtor de mudas cítricas em ambiente protegido na Bahia, confirma essas características espe-radas de um bom porta-enxerto e, entre elas, também destaca a tolerância ao estresse hídrico. “Implantamos uma área de dois hectares para avaliar diferentes porta-enxertos em combinação com limeira ácida Tahiti, principalmente. Alguns já foram liberados pela Embrapa, outros ainda estão em teste. Tudo com a finalidade de termos mais opções em função das mudanças climáticas que estão acontecendo”.

Experimento na Fazenda Gavião (BA) mostra plantas com portes diferentes em função dos porta-enxertos

Foto: Rogério Ritzinger

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Rede de experimentos

Os experimentos do PMG Citros estão espalhados por todo o Brasil. Há interações com a Embrapa Tabuleiros Costeiros (Aracaju, SE), Embrapa Amazônia Ocidental (Manaus, AM), Embrapa Amazônia Oriental (Belém, PA), Embrapa Semiárido (Petrolina, PE) e Embrapa Clima Temperado (Pelotas, RS); com os campos avançados da Embrapa Mandioca e Fruticultura no interior paulista — em parceria com a Estação Experimental de Citricultura de Bebedouro (EECB) e com o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), em Araraquara — e no Mato Grosso, localizado na sede da Embrapa Agrossilvipastoril, em Sinop; além das parcerias com universidades e com um destacado elenco de citricultores.Vale citar que o Viveiro Tamafe tem contribuído para a introdução desses materiais em outras regiões do país, com o principal foco no Norte e Nordeste. “Temos mandado mudas dos diferentes porta-enxertos e variedades copa selecionados por esse programa para Rondônia, Pará, Rio Grande do Norte, Chapada Diamantina [BA], Espírito Santo, Goiás, Tocantins etc. O principal atrativo é a qualidade que a gente tem na fruta e a garantia da identidade genética dos materiais disponibilizados pela Embrapa”, informa Fernando Herrera.

Inicialmente, em razão do grande número de híbridos produzi-dos pelo PMG Citros, as avaliações se dão em São Paulo, em par-ceria com a Citrosuco, e em Sergipe, no Campo Experimental de Umbaúba, da Embrapa Tabuleiros Costeiros. Em meados da década de 2000, foram introduzidos na Fazenda Muriti, da Citrosuco, norte do estado de São Paulo, mais de 100 híbridos. Um novo ciclo de experimentos foi iniciado em 2015. São mais de 170 novos híbri-dos selecionados pelo PMG Citros que estão sendo introduzidos na Citrosuco, no interior paulista, dessa vez nas fazendas Monte Verde (Itapetininga) e São João (Onda Verde), e no Campo Expe-rimental de Umbaúba. “Este novo ciclo está explorando híbridos resultantes de cruzamentos com grande potencial de geração de bons porta-enxertos, valendo-se dos conhecimentos adquiridos nas hibridações inicialmente realizadas. Consequentemente, espera--se obter uma quantidade maior de materiais promissores”, estima Helton Carlos de Leão, gerente agrícola da Citrosuco.

Só nesse segundo ciclo, a Citrosuco destinou 20 hectares para os experimentos. Como enfatiza Walter, os altos investimentos

financeiros realizados por parceiros citricultores da iniciativa priva-da indica o grau de interesse nessa diversificação de materiais por parte do setor produtivo. “O PMG Citros não gasta praticamente nada nas avaliações. A única coisa que a gente faz é transferir o material. O programa conseguiu, junto à Embrapa, R$ 4 milhões para quatro anos. Um montante de recursos financeiros igual, ou até superior a isso, está sendo investido por parceiros, que arcam com os custos de implantação e de manutenção das quadras de observação e de validação agronômica, além de contribuir em re-lação às avaliações etc.”

O pesquisador explica que o material selecionado nesses am-bientes vem sendo introduzido em ensaios regionais pelo País, em combinação com diversas variedades copa e em íntima parceria com produtores. “Esse trabalho envolve várias Unidades de pesquisa da Embrapa, além de outras instituições, universidades, produtores etc.”

Tangerinas sem sementesO programa aposta também em uma nova linha de pesquisa: a

das tangerinas sem sementes, em uma parceria com o Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desen-volvimento – Cirad (França). Com base em acordo de cooperação técnica, o Cirad tem fornecido à Embrapa, desde 2013, cerca de 300 híbridos triploides por ano. Os indivíduos normais, diploides, têm dois conjuntos cromossômicos, um vindo do parental masculino e outro do feminino. Já os triploides têm dois conjuntos cromos-sômicos que vêm da mãe e um do pai. “Por serem triploides, são estéreis, não produzem sementes, o que é muito bom para uma fruta de mesa”, explica Walter, complementando que cruzamentos visando à obtenção de triploides produtores de frutos tipo tange-rina também estão sendo realizados na Bahia, na sede da Embrapa Mandioca e Fruticultura, em Cruz das Almas, e na Chapada Dia-mantina, em parceria com o grupo Hayashi.

A expectativa é que daqui a dez anos (em citricultura, as pes-quisas são de médio e longo prazo) a Embrapa lance junto com o Cirad as primeiras variedades triploides com adaptação às condi-ções de cultivo brasileiras. “Os citricultores terão opções para se desvincular da dependência da indústria. Vão poder fornecer frutos de alta qualidade para o mercado in natura e até para a exportação. É um impacto enorme que vamos dar à citricultura”, frisa Walter.

O pesquisador Orlando Passos

acompanha experimentos na

Fazenda Fruticultura Dois Irmãos, em Bom

Jesus da Lapa (BA)

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CAPA

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RAIZ & FRUTO 2 RAIZ & FRUTO

MANDIOCA

Há dez anos, numa Festa da Mandioca em Irará, no inte-rior da Bahia, o pesquisador Joselito Motta se deparou em uma das mesas de exposição com uma cesta de

beijus coloridos. Para quem não sabe, beiju nada mais é do que a tapioca que ficou mais tempo na frigideira, ou seja, mais torrada e crocante. Curioso, ele perguntou à agricultora como estavam co-loridos, já que os beijus ou tapiocas são tradicionalmente brancos. “A gente tingiu com anilina”, respondeu a agricultura. Daí, Joselito foi para casa, em Salvador, com uma ideia martelando na cabeça durante todo o caminho: por que não utilizar ingredientes naturais, como polpa de frutas ou extrato de hortaliças, para substituir a água utilizada na fabricação da iguaria e obter assim um beiju não só colorido, mas também enriquecido do ponto de vista nutricional?

Era uma sexta-feira, dia 9 de dezembro de 2005. Ele se enca-minhou direto para cozinha e começou a separar todas as frutas e hortaliças que havia na geladeira. Com a couve, obteve um caldo de coloração verde; com a beterraba, um líquido meio rosa; com a man-ga e o maracujá, tons diferentes de amarelo; e por aí foi misturando os líquidos com a fécula ou polvilho da mandioca. Surgiam assim os beijus coloridos, que ao longo desses anos vêm conquistando apre-ciadores por todo o Brasil. “Imediatamente imaginei que os beijus po-deriam ser úteis para a merenda escolar”, conta. E a ideia deu certo, tanto que os beijus começaram a fazer parte do cardápio de escolas de municípios do Recôncavo Baiano e de outros estados. Dono de uma mente criativa que não descansa nunca, Joselito começou a in-ventar tapiocas com cores de time de futebol. “Fiz a tapioca verde e branca, cores do Palmeiras. Com a beterraba e a couve, mais o branco natural da tapioca obtido com a mistura da fécula com água, consegui as cores do Fluminense. Já pensei em pó de café para fazer o preto do Flamengo, do Atlético Mineiro, do Corinthians, do Santos e do Vasco. E estou atrás do azul para fechar as cores do meu Bahia! Já saí investigando e me informaram que os índios se pintavam com o jenipapo verde que dá a cor azulada. Vamos ver se dá certo!”, brinca.

Depois do beiju, a farinha colorida

E agora Joselito comemora os dez anos do beiju lançando outra inovação: a farinha colorida. A apresentação foi feita na Expofeira Agro-pecuária do Amapá, evento realizado em parceria com técnicos do Instituto de Desenvolvimento Rural do Amapá (Rurap). “Com base nessa ideia do beiju, estimulamos os agricultores a desenvolver farinhas coloridas, utilizando beterraba, cenoura, couve etc. Não há alteração significativa do sabor, mas fica bem crocante e com um visual bem di-ferente, podendo também ser saborizada com alho, cebola e pimenta.” Como explica o pesquisador, depois de descascada e ralada para ir ao forno, a massa da mandioca tem de passar por uma prensagem rigo-rosa. Antes de chegar ao limite da prensagem, incorpora-se o líquido para obter a coloração desejada e prensa-se novamente. “A farinha colorida fez o maior sucesso no evento, que aconteceu no fim de 2015. Tudo que se fez foi vendido e consumido, não sobrou nada”, festeja.

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Os beijus coloridos são sucesso nos eventos. Joselito (à dir.) e o chefe-geral

Haroldo Reinhardt na Feira Internacional da Agropecuária – Fenagro, em Salvador

A boa aceitação pelo consumidor dos beijus e tapiocas coloridas (foto menor) estimulou a criação das farinhas coloridas

Foto: Léa Cunha

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Se existe uma cultura fácil de ser adaptada ao sistema orgânico de produção é a bananeira. “Cerca de

dois terços de toda a fitomassa da bana-neira retornam para o solo, ou seja, ela restitui quase 70% do que produz”, afirma Ana Lúcia Borges, pesquisadora da Embra-pa Mandioca e Fruticultura e representan-te da Empresa na Comissão de Produção Orgânica da Bahia, fórum composto por membros de entidades governamentais e não governamentais.

No Brasil, estima-se que apenas 0,5% da área colhida de banana esteja em mono-cultivo orgânico, ou seja, em torno de 2,4 mil hectares. De acordo com os dados de 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dentre todas as frutas produzidas no Brasil, a banana ocupa o se-gundo lugar em área colhida (aproximada-mente 485 mil hectares), produção (cerca de 6,9 milhões de toneladas) e consumo aparente por habitante (30 kg/ano).

Para ser considerado orgânico, o pro-dutor deve usar técnicas ambientalmente corretas e não pode utilizar agrotóxicos nem adubos químicos solúveis (que de-vem ser aplicados rigorosamente de acor-do com as instruções para que não haja excesso em relação à capacidade de ab-sorção das plantas e, a longo prazo, não tragam danos ao ecossistema).

RAIZ & FRUTO

No sistema orgânico, o produtor

deve usar técnicas ambientalmente

corretas e não pode utilizar agrotóxicos e adubos químicos

solúveis

Para ser regularizado, existem três opções: certificação por um Organismo da Avaliação da Conformidade Orgânica (OAC) credenciado junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), organização em grupo ou cadas-tramento junto ao Mapa para realizar a venda direta sem certificação. Além disso, pode seguir o sistema orgânico de produ-ção para a cultura da banana, organizado pela Embrapa, que está na segunda edi-ção. A publicação reúne informações téc-nicas sobre estabelecimento da cultura, preparo da área, seleção de variedades e mudas, práticas culturais, manejos de do-enças, nematoides, insetos e ácaros, além dos manejos na colheita e pós-colheita, com base nos regulamentos aprovados para a produção orgânica.

Fertilizantes, corretivos e inoculantes so-mente podem ser usados se permitidos pela Instrução Normativa 17 de 18 de junho de 2014, do Mapa. Os nutrientes podem ser supridos por meio de fontes orgânicas (adu-bos verdes, estercos animais, tortas vegetais ou cinzas) ou minerais naturais (calcários, fosfatos naturais e pós de rocha) ou da mis-tura das duas fontes.

O ideal é que o produtor aproveite re-síduos da sua propriedade (fitomassa da bananeira e outras culturas), para reduzir custos com transporte, e utilize coberturas

vegetais apropriadas para o ecossistema da região. “A agricultura orgânica é mais ade-quada e viável ao pequeno agricultor por-que ele pode usar tudo da sua área. Se ele tem um animal, até mesmo uma galinha, pode usar o esterco, fazer o composto e colocar na bananeira”, exemplifica a pes-quisadora. Outros resíduos que podem ser usados no composto são bagaço de laranja ou de cana-de-açúcar, cinzas de madeira, polpa de sisal, raspa de mandioca, torta de algodão, cacau ou mamona. Também exis-tem no mercado produtos certificados.

Conservação do solo Uma preocupação constante do pro-

dutor orgânico precisa ser com a conser-vação do solo, que deve ser mantido sem-pre coberto. Por isso, na fase de formação do bananal é recomendável o plantio de leguminosas e não leguminosas nas entre-linhas do bananal. “As plantas utilizadas como adubo verde devem ter crescimen-to inicial rápido, para abafar as plantas es-pontâneas e produzir grande quantidade de massa verde”, explica José Egídio Flori, pesquisador da Embrapa Semiárido (PE). Ao serem cortadas, as plantas de cober-tura devem ser deixadas sobre a terra. Esse material orgânico se decompõe, li-berando nitrogênio — principalmente as leguminosas — e outros nutrientes.

Bananeira se adapta bem ao sistema orgânico

Foto

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11 RAIZ & FRUTO

FRUTICULTURA

Bananeira se adapta bem ao sistema orgânico Nos experimentos em área de pro-

dutor, as leguminosas que trouxeram melhor resultado foram feijão-de-porco (Canavalia ensiformis), crotalária (Crota-laria juncea), guandu ou feijão-de-corda (Cajanus cajan) e cudzu tropical (Puera-ria phaseoloides). Perene e tolerante à sombra, o amendoim forrageiro (Arachis pintoi) deve ser usado apenas em regiões de boa pluviosidade ou em bananais ir-rigados. “O produtor pode consorciar a bananeira com uma cultura que ele pode vender também e ter uma renda a mais, como o guandu”, salienta Ana Lúcia.

Pragas e doençasDe acordo com a Instrução Norma-

tiva 17 do Mapa, nos sistemas orgânicos, deve-se priorizar a utilização de material adaptado às condições locais e tolerantes a pragas e doenças. “O grande problema do sistema orgânico é a mão de obra. No sistema convencional, se faz o monitora-mento para ver se precisa fazer o con-trole. No orgânico, tem que ser o tempo todo. Quando aparecer uma praga, o pro-dutor tem que retirar antes que alastre. A vistoria precisa ser constante”, alerta Ana Lúcia. Por isso, a melhor alternativa para o controle é a utilização de estratégias de manejo integrado de pragas (MIP).

“Não existem variedades de bananeira desenvolvidas especificamente para plan-tio em sistemas orgânicos de produção, mas as variedades utilizadas para o sis-tema convencional vêm sendo cultivadas com sucesso, adotando-se as práticas re-comendadas para o sistema orgânico. A Embrapa tem uma série de variedades resistentes, que permitem o cultivo sem a utilização de agrotóxicos”, esclarece.

Para verif icar o comportamento de oito variedades de bananeira no sistema orgânico, dois experimentos foram im-plantados em locais com condições e cli-mas distintos: no Perímetro Irrigado Pedra Branca, localizado nos municípios de Cura-çá e Abaré (BA), e outro na Unidade de Pesquisa de Produção Orgânica (UPPO), na área da Embrapa Mandioca e Fruticul-tura, em Cruz das Almas (BA). As varieda-

des foram Prata Anã, Pacovan, BRS Platina, BRS Princesa, BRS Japira, BRS Preciosa, BRS Vitória e Galil-18. No primeiro ciclo, destacaram-se, no ecossistema Semiárido, a bananeira BRS Preciosa e, no ecossiste-ma Mata Atlântica, a BRS Platina. No se-gundo ciclo, destacaram-se a BRS Princesa no Semiárido e a ‘Galil 18’ na Mata Atlân-tica. “A resistência a doenças importantes e a rusticidade, em especial, das varieda-des BRS Platina e BRS Princesa facilitam a adoção e o cultivo em áreas onde o uso de tecnologia ainda é incipiente”, confirma o pesquisador Edson Perito Amorim, líder do Programa de Melhoramento Genético de Bananas e Plátanos da Embrapa.

Em Pedra Branca, além do experimento de competição de variedades de bananeira na área do produtor João Conceição, foi conduzida, de 2010 a 2013, uma área com a cultivar Pacovan orgânica, cujo acompanha-

Ana Lúcia explica a estudantes as principais características do cultivo orgânico durante evento na Unidade. Abaixo, mais plantação de banana orgânica

mento foi feito por técnicos da assistência técnica Projetec, contratada pela Compa-nhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). “Na área de Pacovan, obtivemos bom re-sultado de produção, que foi em média de 23 t/ha. O desempenho de produção e qualidade dos frutos da bananeira orgâni-ca foi bom”, completa José Egídio.

O agricultor João Conceição, que já cultivava hortaliças orgânicas, teve bons resultados com a banana orgânica. “A produtividade foi muito boa. Eu segui to-das as recomendações do pessoal da Em-brapa e da assistência técnica porque eu acho que o produtor não pode fazer as coisas só da cabeça dele. Fiz até análise do solo. Só não pude ganhar mais porque não sou certificado e precisei vender as bananas para o atravessador junto com as convencionais”, salienta.

Foto: Jordane Magalhães

Foto: Ana Lúcia Borges

Page 12: Raiz & Fruto - Embrapa

E m outubro de 2014, agricultores de diversas comunidades do municí-pio de Brotas de Macaúbas, região

central da Bahia, se reuniram na sede da Associação dos Pequenos Produtores Ru-rais de Sumidouro (Asprus) para assistir à apresentação sobre o projeto Reniva (Rede de multiplicação e transferência de manivas-semente de mandioca com qua-lidade genética e fitossanitária) feita pela equipe da UD responsável pelas ações do projeto dentro do Plano Brasil sem Mi-séria (PBSM) no Território Velho Chico. Pouco mais de um ano depois, eles (cerca de 70 pessoas de dez comunidades) vol-taram ao mesmo local para participar da reunião que marcou o início efetivo do projeto, com a inauguração da unidade de multiplicação rápida de mandioca e o lançamento dos trabalhos práticos para a produção das mudas.

O desenvolvimento da mandiocultura na região compõe uma das linhas de atua-ção do programa de geração de renda das comunidades do município, uma das con-dicionantes ambientais da licença de ope-ração do Parque Eólico de Brotas de Ma-caúbas. A Statkraft — estatal norueguesa que em 2015 tornou-se a sócia-majoritária do parque — vem viabilizando a implan-tação do projeto com o fornecimento de assistência técnica e dos insumos neces-sários. Há, por exemplo, um técnico da empresa em tempo integral para atender às comunidades, além de consultores em atuação permanente com foco em quatro cadeias, sendo a da mandioca identifica-da em diagnóstico realizado com os pro-dutores como a que predomina nas dez comunidades.

A reunião do dia 15 de dezembro, me-diada pelo consultor Vladimir Oganauskas, que atua desde o início do programa de geração de renda, em 2011, foi aberta pelo presidente da associação, Lucilio Paes, que, em nome dos agricultores, agradeceu os investimentos realizados. Em seguida, o co-ordenador de Meio Ambiente da Statkraft, Angelo Paulo de Oliveira, reforçou a rela-ção de confiança entre os agricultores e a empresa, que tem o compromisso de trazer benefícios para as comunidades e aposta no Reniva para o aumento da pro-dutividade dos mandiocultores.

Depois foi a vez de o chefe adjunto de Transferência de Tecnologia, Carlos Estevão Cardoso, fazer uma retrospectiva de todo o trabalho realizado pela Embrapa na região, que remonta a 2006, quando realizou-se uma análise da adoção das variedades de mandio-ca Alagoana e Lagoão em Brotas de Macaú-bas. Com isso, expôs os principais problemas para adoção de variedades, entre os quais, a

baixa taxa de multiplicação. “Aí que entra o Reniva, que tem o objetivo de colocar à dis-posição dos produtores material de qualida-de genética e fitossanitária”, afirmou Estevão. Ele mostrou ainda os atores-chave, as fases do projeto e alguns números. Até agosto de 2015, o projeto contabiliza 30 municípios atingidos, 33 maniveiros instalados e mais de 529 mil mudas entregues.

O analista do STT Helton Fleck, res-ponsável pelas ações do Reniva PBSM, apresentou o trabalho realizado especi-ficamente na localidade de Sumidouro e como funciona o arranjo local, que envol-ve a Asprus, a Embrapa e a Statkraft. E o engenheiro agrônomo José Raimundo Ferreira, que atua na Unidade, tirou as dúvidas da plateia sobre a técnica de pro-pagação rápida. No dia anterior (14), ele já havia ministrado aos agricultores uma oficina sobre as técnicas, mostrando como funciona a produção nas câmaras de bro-tação e de enraizamento e no telado.

MANDIOCA

Reniva PBSM inaugura mais uma unidade de multiplicação na Bahia

12 RAIZ & FRUTO

Acima, os agricultores assistem à apresentação de José Raimundo durante a oficina sobre técnicas

de multiplicação rápida. Na foto menor, Estevão explica os objetivos

do Reniva. Ao lado, a equipe da Embrapa, da Statkraft, produtores e

consultores contratados

Foto: Helton Fleck

Fotos: Alessandra Vale

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Foto Alessandra Vale