r e s p o n s a b i l i d a d e p e n a l d e p e s s o a ... · ecológico ocasionado pelo...

28
RESPONSABILIDADE PENAL DE PESSOA JURÍDICA POR DANO AMBIENTAL PARECER Sérgio Salomão Schecaira Professor da FADUSP Responsabilidade Penal de Pessoa Jurídica por Dano Ambiental Possibilidade Lei 9.605/98: inconstitucionalidade: a) inexistência de sanção clara e específica para a pessoa jurídica: ofensa ao princípio da legalidade das penas; b) nãoregulamentação de processo penal próprio para as empresas: lesão ao princípio do devido processo legal Necessidade, no caso, de observância de requisitos típicos da Lei ambiental 16 Dr. Nilo Batista, ilustre advogado, Professor Titular de Direito Penal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, apresentoume cópia da denúncia do DD. Representante do Ministério Público Federal, datada de 02.03.2001, protocolizada em 06.03.2001, posteriormente aditada em 17.04.2001, e recebida pelo ilustre Juízo da 5ª Vara Federal de São João do Meriti/RJ. Na referida peça Ministerial, são arroladas 10 pessoas físicas, ao lado de uma pessoa jurídica, que teriam cometido ilícitos penais previstos na Lei 9.605/98. O culto causídico, que tanto contribuiu para o Direito Penal brasileiro, dá me a honra, agora, de indagar minha opinião sobre alguns temas suscitados no processo. Informame, ainda, que utilizará este parecer para instruir ação de mandado de segurança a ser impetrada junto ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Por uma questão de método, exporei sucintamente os fatos principais que geraram a discussão, em seguida fixarei os pontos sobre os quais estou sendo consultado e, afinal, em tópicos distintos, procurarei responder a cada qual dos quesitos propostos, não sem antes fazer um breve escorço histórico do assunto, bem como da própria empresa envolvida. OS FATOS PETROBRAS Petróleo Brasileiro S/A, pessoa jurídica com sede na Avenida República do Chile nº 65, Rio de Janeiro, CNPJ nº 33.000.167/000101, foi denunciada criminalmente por ter incorrido nas penas dos artigos 33, 40, 54, incisos IV e V, e 60 da Lei 9.605/98 c.c. o art. 13 § 2º, a e b, do Código Penal. Segundo a exordial do processo criminal, "em 18 de janeiro de 2000, a Baía de Guanabara foi afetada por desastre

Upload: others

Post on 21-Apr-2020

5 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

RESPONSABILIDADE PENAL DE PESSOA JURÍDICA POR DANOAMBIENTAL

PARECERSérgio Salomão Schecaira

Professor da FADUSPResponsabilidade Penal de Pessoa Jurídica por Dano Ambiental Possibilidade Lei 9.605/98:inconstitucionalidade: a) inexistência de sanção clara e específica para a pessoa jurídica: ofensa aoprincípio da legalidade das penas; b) nãoregulamentação de processo penal próprio para as empresas:lesão ao princípio do devido processo legal Necessidade, no caso, de observância de requisitostípicos da Lei ambiental 16Dr. Nilo Batista, ilustre advogado, Professor Titular de Direito Penal da Universidade Estadual do Riode Janeiro, apresentoume cópia da denúncia do DD. Representante do Ministério Público Federal,datada de 02.03.2001, protocolizada em 06.03.2001, posteriormente aditada em 17.04.2001, e recebidapelo ilustre Juízo da 5ª Vara Federal de São João do Meriti/RJ. Na referida peça Ministerial, sãoarroladas 10 pessoas físicas, ao lado de uma pessoa jurídica, que teriam cometido ilícitos penaisprevistos na Lei 9.605/98. O culto causídico, que tanto contribuiu para o Direito Penal brasileiro, dáme a honra, agora, de indagar minha opinião sobre alguns temas suscitados no processo. Informame,ainda, que utilizará este parecer para instruir ação de mandado de segurança a ser impetrada junto aoTribunal Regional Federal da 2ª Região.Por uma questão de método, exporei sucintamente os fatos principais que geraram a discussão, emseguida fixarei os pontos sobre os quais estou sendo consultado e, afinal, em tópicos distintos,procurarei responder a cada qual dos quesitos propostos, não sem antes fazer um breve escorçohistórico do assunto, bem como da própria empresa envolvida.OS FATOSPETROBRAS Petróleo Brasileiro S/A, pessoa jurídica com sede na Avenida República do Chile nº65, Rio de Janeiro, CNPJ nº 33.000.167/000101, foi denunciada criminalmente por ter incorrido naspenas dos artigos 33, 40, 54, incisos IV e V, e 60 da Lei 9.605/98 c.c. o art. 13 § 2º, a e b, do CódigoPenal. Segundo a exordial do processo criminal, "em 18 de janeiro de 2000, a Baía de Guanabara foiafetada por desastre

Page 2: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 146

ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enormequantidade de óleo MF 380 (fls. 195/199 e fls. 330 a 368). O acidente ocorreu em área entre a REDUC Refinaria Duque de Caxias e o Terminal Marítimo da Ilha d'Água, na Baía de Guanabara". Após oaditamento determinado pelo MM. Juízo da 5ª Vara Federal de São João do Meriti, o DD.Representante do Parquet acrescentou que o "referido desastre ecológico teve como causa primordial aausência de implantação, na prática, da política visando à proteção do meio ambiente, conforme laudoda CETESB (anexo 6, fls. 30 e 31), que indica que a ré tinha ciência da 'fragilidade no sistema dedetecção de vazamentos' desde o acidente de 1997, sem que houvesse adotado providênciaspertinentes, extraindose dos fatos narrados na denúncia que a citada empresa não investiu em sistemasefetivos de segurança, assumindo o risco de ocasionar sérios acidentes".Eis, em síntese, o que aflora da peça inaugural e dos próprios autos.DA CONSULTAQuatro são os pontos sobre os quais o meu pronunciamento é solicitado. Dois deles dizem respeito àconstitucionalidade de aspectos decorrentes da adoção pela Carta de 1988 da responsabilidade penaldas pessoas jurídicas. Ambos decorrem da defeituosa regulamentação da norma constitucional,prevista no art. 225, § 3º, e que foi levada a efeito pela Lei Federal 9.605/98. O primeiro aspectoaventado nos remete à inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da reserva legal. O segundo temasuscitado, a inconstitucionalidade da lei ordinária no que tange à inexistência de normasprocedimentais que autorizem um "devido processo legal". Duas outras questões, desta feita nãoabordando relações de contrariedade à Norma Constitucional, também são suscitadas. A primeira delasquestionando a possibilidade de prosseguimento da ação penal em face de a denúncia não ter desdelogo demonstrado o proveito obtido com o crime anunciado pela empresa acusada. A segundaquestão proposta pretende seja discutida a autoria da pessoa jurídica no que concerne à inexistência dedecisões colegiadas da empresa que autorizassem inferir tenha sido praticado qualquer ato conducenteà execução do delito referenciado na Denúncia do DD. Representante do Ministério Público e quepossa ser imputado à Pessoa Jurídica.Expostas as questões, ainda que sucintamente, passo a respondêlas:DAS RESPOSTAS APRESENTADAS1. ESCORçO HISTÓRICOA) O Petróleo no BrasilNão se sabe quando despertou a atenção do homem, mas o fato é que o petróleo, assim como o asfaltoe o betume, era conhecido desde os primórdios da civilização.Só no Século XVIII, porém, é que o petróleo começou a ser usado comercialmente, na indústriafarmacêutica e na iluminação. Como medicamento, serviu de tônico cardíaco e remédio para cálculosrenais, enquanto seu uso externo combatia dores, cãibras e outras moléstias. Até a metade do séculopassado, não havia ainda a idéia, ousada para a época, da perfuração de poços petrolíferos. Asprimeiras tentativas aconteceram nos Estados Unidos, com Edwin L. Drake. Lutou ele com diversasdificuldades técnicas, chegando mesmo a ser cognominado de "Drake, o louco". Após meses deperfuração, Drake

Page 3: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 147

encontra o petróleo, a 27 de agosto de 1859. Passados cinco anos, achavamse constituídas, nosEstados Unidos, nada menos que 543 companhias entregues ao novo e rendoso ramo de atividades.Na Europa floresceu, em paralelo à fase de Drake, uma reduzida indústria de petróleo, que sofreu adura competição do carvão, linhita, turfa e alcatrão matériasprimas então entendidas como nobres.Naquela época, as zonas urbanas usavam velas de cera, lâmpadas de óleo de baleia e iluminação porgás e carvão. Enquanto isso, no campo, o povo despertava com o sol e dormia ao escurecer por falta deiluminação noturna. Assim, as lâmpadas de querosene, por seu baixo preço, abriram novasperspectivas ao homem do campo, principalmente, permitindo que pudesse ler e escrever à noite.A invenção dos motores usando gasolina e diesel, no século passado, fez com que outros derivados, atéentão desprezados, passassem a ter novas aplicações. Assim, ao longo do tempo, o petróleo foi seimpondo como fonte de energia eficaz. Hoje, além de grande utilização dos seus derivados com oadvento da petroquímica, centenas de novos produtos foram surgindo, muitos deles diariamenteutilizados, como os plásticos, borrachas sintéticas, tintas, corantes, adesivos, solventes, detergentes,explosivos, produtos farmacêuticos, cosméticos, etc. Com isso, o petróleo, além de produzircombustível e energia, passou a ser imprescindível para a utilidade e comodidades da vida de hoje.Um dos principais fundamentos para justificar a riqueza de um país sempre tem sido relacionado comas riquezas minerais que seu solo contém. Quanto mais um país explorasse carvão, ferro e petróleo,melhores seriam suas condições econômicas e, conseqüentemente, maior liberdade e poder adquiririano contexto mundial. Entretanto, não era necessário apenas explorar as riquezas, mas sim o país delasusufruir. Afinal, durante o período colonial, o ouro do Brasil enriqueceu muitas nações, mas não a sipróprio. Por isso, a independência política transformavase em peçachave, pois ela tinha ligaçãoestreita com o desenvolvimento. Era necessário, portanto, libertar o país das amarras da dependênciaeconômica e viabilizar uma estrutura industrial capaz de assegurar o desenvolvimento do Brasil. E,paralelamente, tornavase necessário exercer, no plano interno, a democracia.A partir desse momento, iniciase no Brasil um processo de busca ao "ouro negro", fundamentado naexistência de petróleo no continente americano. Isso ocorreu devido ao fato de que praticamente todosos países da América já tinham extraído petróleo de seus territórios, menos o nosso.Iniciase, então, ampla campanha para o convencimento do povo brasileiro quanto à importância daexploração do petróleo, com inúmeros debates e palestras realizados por todo o Brasil.Em 27 de dezembro de 1931 é anunciada a criação da Companhia Petróleos Nacional, cuja subscriçãoalcançou, nos primeiros quatro dias, quase metade das ações. Utilizandose de um aparelhodenominado Romero que foi desenvolvido para localizar lençóis petrolíferos , fariam prospecção emAraquá, no município paulista de São Pedro. Se o resultado fosse positivo, levantarseia capital para aperfuração, e, se fosse negativo, extinguirseia a companhia. Após esse acontecimento, iniciase olançamento da cia. para explorar o petróleo de Alagoas, o ponto talvez no mundo onde supunhase existisse petróleo em maiores quantidades e melhores condições de exploração. Os primeiros

Page 4: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 148

resultados foram animadores, com divulgação por todo o Brasil. O importante era imitar osamericanos, mobilizando as riquezas do subsolo.Nesse período, o então Presidente do Brasil, Getúlio Vargas, foi informado sobre as manobrasrealizadas pela multinacional Standard Oil, que pretendia assenhorearse dos melhores lençóispetrolíferos brasileiros, através de sua filial argentina.Em junho de 1935, é lançada pela Companhia Editora Nacional a obra A Luta pelo Petróleo, de autoriade Monteiro Lobato, que denunciava a ineficiência do Serviço Geológico, órgão oficial encarregadodas pesquisas, a quem acusava de encampar internamente a política dos trustes internacionais para oBrasil: "Não tirar petróleo e não deixar que ninguém o tire".Nesse contexto, é criado um Código de Minas, que passou a impor uma série de embaraços para odesenvolvimento das companhias de petróleo. Esse Código tornou sem efeito os registros das jazidasefetuados de acordo com as regras anteriores e sobre cujas bases se haviam erguido as companhiasnacionais do setor , abalando seriamente a estrutura desses empreendimentos. Essa lei representavaum golpe de morte para o petróleo no país. Muitas foram as reclamações feitas ao Presidente GetúlioVargas devido aos entraves e burocracias do Ministério da Agricultura, que dificultavam as atividadesda Companhia Petróleo do Brasil; tais fatos denunciavam a interferência internacional visando aimpedir o Brasil de obter seu próprio petróleo.Em agosto de 1936, Monteiro Lobato lança o livro O Escândalo do Petróleo, onde torna público seudepoimento à Comissão de Inquérito sobre o Petróleo. Nesse momento, começam a surgir os primeirosideais nacionalistas e ao mesmo tempo nãoxenófobos. Assim, não se negava serem necessáriostécnica ou capital de outras nações. Porém, houve diversas denúncias da insuficiência empresarial dogoverno e sobre a política dos trustes, que detinham monopólio da venda de combustíveis no país eque se opunham à extração do petróleo brasileiro e ao surgimento de uma indústria nacional do setor.O golpe de 1937 surpreendeu todos os que participavam da campanha pelo petróleo. Até 1938, asexplorações eram realizadas sob o regime da livre iniciativa. Com a criação do Conselho Nacional doPetróleo, nesse mesmo ano, constatase de forma mais abrangente a nacionalização das riquezas dosubsolo brasileiro.Em 7 de julho de 1938, é realizada a assembléia de constituição da companhia matogrossense depetróleo. A divulgação dessa companhia frisou a importância dessa área de prospecção, informando ofato de que a região possuía a mesma estrutura e a mesma idade geológica da Bolívia, inferindo que opetróleo do seu subsolo deveria apresentar as características do óleo do país fronteiriço, tido como deexcelente qualidade.

Page 5: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 149

revogação do ato do Conselho Nacional do Petróleo, proibitivo do funcionamento das companhias aque se achava vinculado, com a pleiteada ruína de uma instituição nacional e a degradação moral dosseus membros. Em 17 de junho de 1941, Lobato é indultado, após três meses de detenção, e tem sualiberdade determinada pelo Tribunal de Segurança Nacional. O escritor sonhava que iria dar petróleoao Brasil, pois, nas suas próprias palavras, precisávamos de muito petróleo para fazer uma fogueiraimensa e acabar com os tribunais de exceção.O estabelecimento do monopólio estatal, durante o governo do Presidente Getúlio Vargas foi uma fasemarcante na história do petróleo brasileiro, pelo fato de a Petrobras (criada nesse período) ter nascidodo debate democrático, atendendo aos anseios do povo brasileiro e defendida por diversos partidospolíticos.Com sede na cidade do Rio de Janeiro, a Petrobras foi criada através da Lei nº 2.004, no dia 3 deoutubro de 1953, para executar as atividades do setor de petróleo no Brasil. Iniciou suas atividadescom o acervo do antigo Conselho Nacional do Petróleo. A história da Petrobras se confunde com aprópria história do petróleo brasileiro. É uma companhia integrada que atua na exploração, produção,refino, comercialização e transporte de petróleo e seus derivados no Brasil e no exterior, com umatrajetória de conquistas e reconhecimento internacional.Por ter sido a pioneira na indústria do petróleo no Brasil, enfrentou dificuldades pela falta de infraestrutura e de tecnologia avançadas. Nos anos 50 e 60, com o início das atividades no setor de petróleono país, a empresa precisou construir suas primeiras refinarias. Naquela época, com a necessidade dedotar o Brasil de uma infraestrutura adequada, o Governo brasileiro optou pela substituição daimportação e pelo incentivo à instalação de empresas estrangeiras no país.No início da década de 80, este modelo foi substituído pelo sistema de nacionalização. Além dasubstituição da importação de itens prioritários, passouse a buscar fornecedores alternativos e umamaior autonomia de decisão da empresa nos aspectos tecnológicos e industriais. A demanda pormateriais altamente sofisticados era crescente por conta da necessidade de extração de óleo e gás cadavez mais profunda, isso em um quadro mundial de falta de tecnologia disponível para tal fim.No final da mesma década, com a legislação que previa a modernização e o aumento dacompetitividade do parque industrial no Brasil, foram criados mecanismos de estímulo aodesenvolvimento tecnológico. O mercado interno, a esta altura, já atendia a 94% das necessidades daPetrobras.Ao longo da quatro décadas desde que foi criada, a Petrobras tornouse líder em distribuição dederivados no país, colocandose entre as 20 maiores empresas petrolíferas na avaliação internacional.A empresa é detentora da tecnologia mais avançada do mundo para a produção de petróleo em águasprofundas, além de pertencer a um grupo seleto de 16 países que produzem mais de 1 milhão de barrisde óleo por dia.A Petrobras possui unidades espalhadas por todo o Brasil, incluindo refinarias, áreas de exploração ede produção, dutos, terminais, gerências regionais e sua frota petroleira. Em 1997, com a entrada emvigor da Lei nº 9.478 em 06 de agosto, é iniciada uma nova fase da indústria do petróleo no Brasil. Háa flexibilização do monopólio e a empresa teve a necessidade de se preparar para a livre competição.

Page 6: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 150

O histórico da Petrobras, como dito acima, iniciouse em 1953, através da Lei nº 2.004, com umaprodução de 2.700 barris por dia. Em 1974, é descoberto óleo na Bacia de Campos. O Campo daGaroupa é a primeira descoberta, e se torna a maior província petrolífera do país e um ponto deaplicação para as tecnologias mais avançadas do mundo para a produção de petróleo no mar. Em 1981,os Campos de Garoupa, Namorado, Anchova, Pampo e Badejo entram em atividade, chegando a53,9% da produção marítima do país. Em 1988, com a entrada em vigor da Constituição Federal,consagrouse, no art. 177, o monopólio da União sobre a pesquisa e a lavra de jazidas. No ano de1997, o Governo regulamentou a Emenda Constitucional nº 09, de 09 de novembro de 1996. A novalei do petróleo abriu as atividades da indústria petrolífera à iniciativa privada. Com a lei, é criada,também, a Agência Nacional do Petróleo, encarregada de regular, contratar e fiscalizar as atividades dosetor. No ano de 1999, a empresa superou novo recorde de produção de petróleo em águas profundas,além de inaugurar a primeira etapa do Gasoduto Bolívia Brasil, que alavancou a demanda de gásnatural no país, abrindo a perspectiva de novos projetos que possibilitam a integração energética e dodesenvolvimento econômico do Mercosul.A Petrobras vem atuando em diversas áreas visando a minimizar os riscos ambientais e aumentar asegurança operacional de suas instalações. Atualmente, como a gestão ambiental é considerada umfator de diferenciação competitiva entre as empresas, os aspectos ambientais têm sido integrados nacompanhia. A Petrobras está investindo na gestão ambiental de tal forma que tem sido dada a ela amesma importância que se dá à produtividade da empresa. Esses investimentos podem ser verificadosatravés da criação de cooperativas de meio ambiente, do relacionamento e parcerias com organizaçõesambientais e do gerenciamento de risco operacional de dutos e equipamentos.Com o objetivo de operacionalizar a gestão ambiental, a empresa adotou a estratégia de certificar suasunidades pelas normas ISO 14001, BS 8800 e ISM Code. A empresa está atuando no tratamento deresíduos e recuperando áreas eventualmente comprometidas por suas atividades. Está aprimorandoprocessos produtivos para diminuir a geração de subprodutos indesejáveis, reciclandoosadequadamente, além de desenvolver sistemas que minimizem os efeitos de sua atividade. Por isso, aPetrobras obteve inúmeros certificados ambientais.Aos 48 anos de existência, e sempre voltada para os interesses do país, a Petrobras implantou umaindústria petrolífera reconhecida e respeitada em todo o mundo. É uma empresa que adota medidaspara garantir que o meio ambiente não seja prejudicado com a sua atividade e, por isso, diversoscertificados emitidos por organizações entidades nãogovernamentais lhe foram conferidos. APetrobras tem um grande significado para o país. Ela é um símbolo do nacionalismo brasileiro erepresenta a conjunção de esforços pela nacionalização da extração do petróleo, iniciada nos anos 20.B) A Evolução da Responsabilidade Penal das Pessoas JurídicasEncaradas sob diversos aspectos, as civilizações têm sempre oscilado entre tendências individualistas ecoletivistas. Nesse movimento pendular, algumas idéias orientadoras apresentam uma espécie derotatividade cíclica. Neste trabalho, não se tem como objetivo fazer uma digressão extensa de naturezasociológica ou um estudo de economia política, mas, sim, introduzir a problemática daresponsabilidade penal das

Page 7: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 151

pessoas jurídicas (ou coletivas) através das origens do instituto, para que possamos responder commaior precisão às questões suscitadas.Duas fases uma anterior e outra posterior ao Século XVIII podem ser observadas com uma certaclareza. Da Idade Antiga à Idade Média, predominaram as sanções coletivas impostas às tribos,comunas, cidades, vilas, famílias, etc. Após a Revolução Francesa, com o advento do liberalismo,surgido com o pensamento iluminista, a nova ideologia veio extinguir as sanções às corporações etodas as referências associadas às punições coletivas que pudessem pôr em risco as liberdadesindividuais. Os princípios individualistas e anticorporativos do movimento revolucionário fizeram comque a responsabilidade criminal das pessoas coletivas não mais se sustentasse. Porém, podese dizerque nenhuma dessas razões foi a verdadeira causa de tal mudança. Nas exatas palavras de João Castroe Sousa, a razão fundamental "encontrouse, antes, no fato de ter desaparecido a necessidade de puniras pessoas colectivas, pelo simples motivo de elas terem perdido o poderio que tinham obtido durantea Idade Média. Com efeito, na época do absolutismo, o Estado sentiu a necessidade de aplicar sançõesadequadas a essas colectividades, que cresciam dentro de si, ameaçando sua soberania" 17.Durante o Século XIX, o problema foi, sobretudo, tratado de uma forma dogmática, quase não seabrindo espaço para a discussão sobre a necessidade de punição, ou não, para entes coletivos. Nãoobstante, em dias atuais, podese constatar a retomada gradativa da responsabilidade penal de pessoasjurídicas. Este movimento pendular ora tendente a criminalizar coletividades observase não só naComunidade Econômica Européia, mas também pode ser verificado em outros países. O espíritoassociativo trouxe perspectivas diferentes de cooperação, além de algumas modalidades diversas decriminalidade não imaginadas no período mais romântico de ascensão do capitalismo 18; é essacriminalidade que ora alguns países pretendem coibir adotando a responsabilidade penal da pessoajurídica.A história recente da responsabilidade penal da pessoa jurídica é marcada por um movimentointernacional para responsabilização dos entes coletivos em diversas esferas. Nos principaiscongressos internacionais realizados neste século, o assunto é inevitavelmente discutido, sob váriosaspectos (criminalidade econômica, ecológica, crimes contra o consumidor, etc.), quase sempre sechegando a conclusões tendentes a admitir a responsabilização dos entes coletivos.Esta tendência fortaleceuse depois da I Guerra Mundial por duas razões: o Estado passou a ser maisintervencionista, regulando a produção e distribuição de produtos e serviços e prevendo punições maisgraves para as violações a essas determinações; as empresas passaram a ser, em alguns casos, em facedo seu poderio resultante da formação de grandes oligopólios, as principais violadoras dasdeterminações estatais. O reconhecimento da responsabilidade da pessoa jurídica passa a ter atençãodos juristas continentais europeus, não mais se circunscrevendo ao pensamento da Common Law. Aindustrialização na Inglaterra começou mais cedo do que no resto da Europa, enquanto

Page 8: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 152

que os EUA. têm a mais desenvolvida indústria do mundo. Não é, pois, de admirar nem a anterioridadenem a particularidade do tratamento dado às pessoas coletivas nos direitos desses países 19.O primeiro Congresso promovido pela Associação Internacional de Direito Penal, em Bruxelas, no anode 1926, fala em responsabilidade penal dos Estados por violações de normas internacionais esubmissão deles a penas e medidas de segurança. Mas somente no segundo Congresso, realizado emBucareste em 1929, é que, de forma mais enfática, o assunto é abordado, com a seguinte conclusão:"Constatando o crescimento contínuo e a importância das pessoas morais e reconhecendo que elasrepresentam forças sociais da vida moderna; considerando que o ordenamento legal de qualquersociedade pode ser lesado gravemente, quando a atividade das pessoas morais viola a lei penal, oCongresso emite o seguinte voto:1º) que se estabeleçam no direito interno medidas eficazes à defesa social contra as pessoas morais,nos casos de infrações perpetradas com o fim de satisfazer ao interesse coletivo de tais pessoas ourealizadas com meios proporcionados por elas e que engendram, assim, a sua responsabilidade;2º) que a imposição à pessoa moral de medidas de defesa social não deve excluir a eventualresponsabilidade penal individual, pela mesma infração, de pessoas físicas que administrem ou dirijamos interesses da pessoa moral, ou que tenham cometido a infração com meios proporcionados porestas." 20Mesmo assim, conforme se observa, a conclusão final é bastante prudente, e não permite concluir deforma absoluta pela responsabilização penal das pessoas jurídicas, mas somente por medidas eficazesde defesa social.Alguns anos mais tarde, no VI Congresso Internacional de Direito Penal de Roma, em 1953, uma dasconclusões quanto à criminalidade econômica é que "a repressão a estas infrações requer uma certaextensão da noção de autor e das formas de participação, bem como a faculdade de aplicar sançõespenais às pessoas jurídicas". Quatro anos mais tarde, no VII Congresso realizado em Atenas eseguindo a opinião dos Professores Paul Cornil, Jean Graven e Van Bemmelen, firmouse que ficaria acargo de cada país a fixação da responsabilidade da pessoa jurídica, estabelecendose, nessa hipótese, apena de multa 21.O Conselho da Europa, sensível a estes indicativos, adotou em sua reunião do Comitê de Ministros,realizada em 28 de setembro de 1977, para discussão de questões relativas à proteção do meioambiente, uma Resolução (7728) recomendando aos Estadosmembros o "reexame dos princípios daresponsabilidade penal com o fim, particularmente, de admitir a introdução da responsabilidade penalpara as corporações, públicas ou privadas".No XII Congresso Internacional de Direito Penal, realizado em Hamburgo, reconheceuse que "sendoos atentados graves contra o meio ambiente praticados em geral

Page 9: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 153

pelas pessoas morais (empresas privadas ou públicas), é necessário admitir sua responsabilidade penalou lhes impor o respeito ao meio ambiente através de ameaça das sanções civis e administrativas" 22.Particularmente importante para o estudo do tema foi o Congresso sobre Responsabilidade Penal daspessoas jurídicas em Direito Comunitário que teve lugar em Messina, de 30 de abril a 5 de maio de1979. O documento final desse encontro foi taxativo em recomendar a responsabilização das pessoasjurídicas, especialmente se a infração penal violar dispositivo de um Estadomembro da ComunidadeEconômica Européia (conforme itens 1 e 2). No tópico final do documento aprovado, afirmase que apena deve ser adaptada à natureza da pessoa jurídica, podendo ser multa, a privação de benefícios, ofechamento da empresa por tempo determinado ou mesmo seu encerramento definitivo.Mais recentemente, quando da realização do XV Congresso Internacional de Direito Penal, realizadono mês de setembro de 1994, no Rio de Janeiro, a comunidade jurídica internacional aprovou, porampla maioria de votos, algumas recomendações concernentes aos delitos cometidos contra o meioambiente (em um dos quatro grandes grupos temáticos realizados naquele colóquio), nos seguintestermos:"III RESPONSABILIDADE CRIMINAL DAS EMPRESAS PELOS DELITOS CONTRA OMEIO AMBIENTE:1. A conduta que suscita a imposição de sanções penais pode proceder de entidades jurídicas epúblicas, bem como de pessoas físicas.2. Os sistemas penais nacionais devem, sempre que possível no âmbito de sua respectiva constituiçãoou lei básica, prever uma série de sanções penais e de outras medidas adaptadas às entidades jurídicase públicas.3. Onde uma entidade jurídica privada ou uma entidade pública participar de uma atividade queimplique sério risco de dano ao meio ambiente, cumpre solicitar às autoridades responsáveis pelagerência e direção de tais entidades que exerçam a responsabilidade de supervisão de modo a evitar aocorrência do dano, devendo ser as mesmas criminalmente responsabilizadas na hipótese de que sériodano venha a resultar em conseqüência de sua falta de cumprimento adequado de tal responsabilidade.4. Não obstante a exigência usual de responsabilidade pessoal por infrações delituosas, a persecuçãode entidades jurídicas privadas por delitos contra o meio ambiente deve ser possível, ainda que aresponsabilidade pelo crime de que se trate não possa ser diretamente imputada a um elementohumano dessa entidade.5. Onde uma entidade jurídica privada for responsável por sério dano ao meio ambiente, deveria serpossível a persecução dessa entidade por crimes contra o meio ambiente, mesmo que o dano causadoresulte de um ato individual ou de omissão, ou ainda de atos cumulativos e/ou de omissões cometidosao longo do tempo.

Page 10: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 154

6. A imposição de sanções penais contra entidades jurídicas privadas não deve exonerar de culpa oselementos humanos dessas entidades envolvidos na perpetração de delitos contra o meio ambiente."Deste breve painel traçado, foi possível verificarse a evolução mais recente da responsabilidade penaldas pessoas jurídicas em nosso século. Observese, ademais, que nos últimos anos temse fortetendência padronizadora decorrente da globalização econômica, o que não é ignorado pelo direitopenal.O legislador constituinte não evitou a temática. Trouxe o assunto para o ordenamento ao declarar que:"A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá aresponsabilidade desta, sujeitandoa às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticadoscontra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular" (art. 173, § 5º).Também afirmou que: "As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão osinfratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente daobrigação de reparar os danos causados" (art. 225, § 3º).A responsabilidade penal da pessoa jurídica continua sendo tema polêmico e candente em direitopenal, particularmente na doutrina brasileira. O legislador constituinte reavivou a discussão do assuntoao editar os dois dispositivos acima citados. Não obstante existirem opiniões contrárias de juristas denomeada , a nosso juízo não resta dúvida de que nossa Constituição estabeleceu a responsabilidadepenal da pessoa jurídica.Os constitucionalistas, em sua grande maioria, reconhecem a consagração da responsabilidade daempresa na Carta Política de 1988.José Afonso da Silva afirma taxativamente: "Cabe invocar, aqui, a tal propósito, o disposto no art. 173,§ 5º, que prevê a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídicas, independente daresponsabilidade de seus dirigentes, sujeitandoas às punições compatíveis com sua natureza, nos atospraticados contra a ordem econômica, que tem como um de seus princípios a defesa do meioambiente" 23. Para o professor da Universidade de São Paulo, portanto, os dois dispositivos invocadosno início do capítulo têm entre si uma articulação orgânica, que impede possam ser examinadosseparadamente, por estarem em um mesmo contexto. Esta também é nossa opinião.Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins asseguram que "a atual Constituição rompeu com um dosprincípios que vigorava plenamente no nosso sistema jurídico, o de que a pessoa jurídica, a sociedade,enfim, não é passível de responsabilização penal. E o fez", segundo esses autores, "em mais de umpasso, ao encampar a punibilidade criminal das pessoas morais" 24. Não obstante discordarem dapostura do legislador maior, não deixam de reconhecer que a vontade do Texto Constitucional éincontroversa 25.

Page 11: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 155

Pinto Ferreira, em longos e alentados comentários à responsabilidade penal em matéria ambiental, comdestaque para o problema no âmbito do direito comparado e dos congressos internacionais, afirma"que a grande novidade da Constituição é a introdução da responsabilidade penal por danos causadosao meio ambiente, tanto para as pessoas físicas como para as jurídicas, o que não ocorria no textoconstitucional anterior, que só previa as primeiras. Tal responsabilidade tornouse viável na esfera decrimes ecológicos no texto constitucional vigente" 26. De igual teor sua abordagem sobre aresponsabilidade penal da empresa, no que concerne aos crimes econômicos. Na esteira dessepensamento, igual posição a de Walter Claudius Rothenburg, ao afirmar ser induvidosa a opção dolegislador constituinte pela responsabilidade penal da pessoa coletiva 27.Inúmeros penalistas e analistas do direito ambiental, na esteira dos autores acima citados, asseveramcom firmeza que a Constituição de 1988 consagrou a responsabilidade criminal da empresa. GilbertoPassos de Freitas, ao comentar o art. 225, § 3º, afirma: "Diante deste dispositivo, temse que não hámais o que se discutir a respeito da viabilidade de tal responsabilização. No dizer da Professora IvetteSenise Ferreira: 'Designando como infratores ecológicos as pessoas físicas ou jurídicas, o legisladorabriu caminho para um novo posicionamento do direito penal no futuro, com a abolição do princípioora vigente, segundo o qual societas delinquere non potest'. Realmente, como é sabido, a Constituiçãonão possui palavras ociosas ou inúteis. Já afirmava Rui Barbosa que: 'Não há, numa Constituiçãocláusulas, a que se deve atribuir meramente o valor moral, de conselhos, avisos ou lições. Todas têmforça imperativa de regras, ditadas pela soberania nacional ou popular aos seus órgãos'. Cabe, pois, aolegislador, disciplinar a matéria" 28.Édis Milaré igualmente afirma que a Constituição deu importante passo ao superar o caráter pessoal daresponsabilidade penal, de forma a alcançar também a pessoa jurídica como sujeito ativo do crimeecológico (art. 225, § 3º) 29.Paulo Affonso Leme Machado, ao analisar o dispositivo em foco, afirma taxativamente que olegislador constituinte adotou a responsabilidade penal da pessoa jurídica em matéria ambiental eadverte que o que importa é que a pena que venha a ser cominada à empresa seja realmente dissuasivacom relação à atividade agressora ao meio ambiente e que a pessoa física, cuja responsabilidade emconcurso se apurar, não seja isenta da pena adequada, em sua esfera pessoal 30.Paulo José da Costa Jr., em mais de uma oportunidade, mostrouse defensor da responsabilidade penalda pessoa coletiva. Em seu livro Direito Penal na Constituição, escrito em coautoria com Luiz VicenteCernicchiaro, embora critique a redação do dispositivo constitucional, afirma ter restado claro que ascondutas lesivas ao meio ambiente podem sujeitar os seus infratores, pessoas físicas ou jurídicas, asanções penais 31.

Page 12: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 156

Inúmeros outros autores desfrutam do mesmo pensamento. Mesmo aqueles, como José HenriquePierangelli, que se postam contrariamente à responsabilidade criminal das empresas, acabaram poradmitir que a Constituição de 1988 a consagrou 32, ainda que continuem com sua crítica aoreconhecimento de tal responsabilidade.2 DA INCONSTITUCIONALIDADE DAS SANÇÕES PREVISTAS NA LEI 9.605/98APLICÁVEIS àS PESSOAS JURÍDICASA consagração da Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas não exclui o reconhecimento deoutros princípios constitucionais fundantes do sistema punitivo. Ao contrário; com eles, aresponsabilidade penal das empresas se articula. Assim é que o princípio da legalidade há de serreconhecido e alcançar todo o ordenamento jurídico pátrio na esfera penal.O princípio da legalidade tem sua origem no ideário iluminista, tendo sido proposto por diversospensadores e filósofos como Cesare Bonnesana, o Marquês de Beccaria, e até mesmo por partidáriosdo absolutismo, como Thomas Hobbes. Como norma, no entanto, o princípio surgiu na Declaração deDireitos da Constituição NorteAmericana, ganhando importância universal quando inserido naDeclaração Francesa, oriunda da Revolução de 1789.As Constituições brasileiras não deixaram de prever o princípio da legalidade, chamado também dereserva legal. O texto atual define o princípio no art. 5º, XXXIX, sendo também prescrito no art. 1º doCódigo Penal que, literalmente, é tradução do enunciado de Feuerbach: nullum crimem, nulla poenasine praevia lege. Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.A Parte Geral dos códigos penais modernos tem a precípua função de delimitar as condições deeficácia das normas proibitivas. Estas surgem como conseqüência do princípio da legalidade e desegurança perante o Estado. A ordenação sistemática da construção legislativa penal se põe comopostulado básico que decorre do princípio do nullum crimen sine lege.É o princípio da legalidade a regra essencial, substancial de todo o ordenamento penal. É umaproposição constitutiva de ponto de partida de um sistema. No plano penal, o corolário do EstadoDemocrático de Direito é exatamente o princípio da legalidade: um valor do Direito PenalConstitucional.

Page 13: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 157

O Estado Democrático de Direito apóia seu direito penal no consenso dos cidadãos, já que a prevençãogeral não se pode almejar através de mera intimidação que supõe a ameaça de pena para os possíveisagentes de delito mas há que se ter em conta a consciência jurídica geral, mediante a afirmação devalores de toda a sociedade. Um direito penal democrático não deve prevenir com o medo, mas pondoa pena a serviço do sentimento jurídico de seu povo 33. Ele deve desenvolverse com estritaobservância e sujeição ao princípio da legalidade, consagrado pelo aforismo nullum crimen, nullapoena sine lege. O automatismo com que as legislações democráticas do Ocidente assumem essa regraessencial nos faz, por vezes, lembrar somente as garantias formais (criminal, jurisdicional e deexecução) que permeiam todo o sistema penal, passando por cima da material (exigência dedeterminação de proposições jurídicopenais).O princípio da legalidade se afirma em função da necessidade da garantia frente à ação do Estado, emface da existência de direitos fundamentais, e supõe não somente a satisfação de uma série denecessidades jurídicas, senão também a garantia derivada do princípio da divisão dos poderes de quesomente o Poder Legislativo, formado por representantes do povo, determinará que comportamentospossam ser qualificados como delitos e que penas devam ser impostas 34. Dessa forma, a legalidadeserá maculada não só quando houver uma retroatividade em prejuízo do agente do delito, mas tambémquando o Estado, invocando a via de urgência, instituir crimes por medidas provisórias, utilizarse datécnica das leis penais em branco, ou não apresentar claras penalizações decorrentes das condutascriminosas descritas na norma. A anterioridade da lei penal é uma garantia vigorante dos Estadosdemocráticos que, neste século, só foi maculada nos regimes ditatoriais.Todas as decorrências lógicas da legalidade devem ser entendidas não como mera característicafundamental das leis penais enquanto tais, mas como ponto de partida que governa toda atividaderepressiva do Estado em todas as suas manifestações, não somente nos estreitos limites da lei penalpositiva. Daí por que, afirmase que o princípio da legalidade não só apresenta característicasintrínsecas à lei penal (irretroatividade, clareza, proibição de analogia, etc.), mas também secorrelaciona com o princípio da separação de poderes, essencial ao conceito de Estado Democrático deDireito e fundamental à sua consecução. Neste sentido, merece destaque o pensamento de Luiz FlávioGomes: "A lei formal, que segue o procedimento legislativo e que emana do Poder Legislativo, é aúnica fonte formal do Direito Penal quando se trata de criar crimes ou definir penas ou medidas desegurança, bem assim do processo e da execução. Devemos falar em monopólio da lei, mas nãoqualquer lei formal do Legislativo. Estão terminantemente excluídos as medidas provisórias, leisdelegadas, decretos legislativos, regulamentos, portarias, etc." 35.O princípio da legalidade se desdobra em quatro decorrências lógicas: não se admite a edição de leisretroativas; proíbese o agravamento da punibilidade ou a simples punição pelo direitoconsuetudinário; afastase a admissibilidade de leis indeterminadas; descartase a idéia de analogia inmalam partem.

Page 14: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 158

A lei que institui o crime e a pena deve ser anterior ao fato que se quer punir. É necessária a existênciade uma tipologia de condutas humanas que ofendam bens jurídicos tutelados pelo Estado. A eficáciado princípio da legalidade está condicionada à técnica legislativa para a descrição de condutasproibidas. Deve o legislador procurar formar tipos observando que ao mesmo tempo não sejam vagos o que destruiria o próprio princípio sem perder de vista a generalização de condutas existentes. "Atécnica legislativa de formar tipos utilizandose de cláusulas gerais é de todo incompatível com oEstado de Direito. O princípio da legalidade implica que o fato constitutivo do delito se mostredescrito de modo diferenciado, isto é, exigese que a lei enuncie, mediante a indicação de diversoscaracteres da conduta delitiva, a matéria de proibição a fim de que os limites entre o lícito e o ilícitonão fiquem à mercê da decisão judicial. Do contrário, o legislador nada mais faria do que transferir suaincumbência ao juiz, sobrecarregandoo com tarefas que não lhe são afetas, porque próprias do PoderLegislativo" 36.A segunda decorrência lógica do princípio da legalidade concerne à inadmissibilidade da invocação dodireito consuetudinário para fundamentar a agravação da pena. O direito, quando não estivermelhorando a situação do agente do fato, pode tãosomente partir de leis escritas, evitandose, assim, areedição do que ocorria no direito medieval, com extremado arbítrio do juiz, que podia julgarconforme os costumes.Outro corolário do princípio da legalidade é a exigência de uma lei certa, com tipos legais que nãosejam indeterminados. Na realidade, o direito penal não admite cláusulas gerais ou conceitoscarecedores de preenchimento valorativo. Os elementos típicos devem ser objetivos e descritosconcretamente na lei, de tal forma que seu conteúdo de sentido e significação aflore do texto a partir deuma simples interpretação. A legalidade aqui entendida exclui, na criação das incriminações, a lei queadmita os tipos "abertos", ou seja, definições de infrações formuladas de uma maneira vaga que, naprática, possam nelas ser incluídos quaisquer atos.A última conseqüência doutrinária do princípio da legalidade é a proibição do emprego de analogia emrelação às normas incriminadoras que possam agravar a pena em hipóteses não previstas em lei,semelhantes às que estão mencionadas. Analogia, por ser uma forma de se suprir a lacuna da lei, supõea inexistência de uma norma legal específica. A exigência da lei prévia e estrita impede a aplicação daanalogia in malam partem.No que concerne à analogia, necessária se faz uma observação. Reina certa dúvida sobre a distinçãoentre analogia e interpretação analógica. Analogia é a forma de autointegração da ordem legal parasuprir lacunas, estendendo a aplicação da lei a casos que ela não regula e de que não cogita. Nainterpretação analógica, a vontade da lei cogita de contemplar o caso examinado, mas o seu texto dizmenos do que pretendido, não o compreendendo. Assim, o intérprete estende o sentido da lei até ocaso examinado. A diferença está na vontade da lei. A interpretação extensiva não faz senãoreconstruir a vontade existente para a relação jurídica, que só por inexata formulação parece à primeiravista excluída, enquanto, ao invés, a analogia se encontra em presença de uma lacuna, de um caso nãoprevisto, e procura superála por meio de casos afins. No dizer de Battaglini, a interpretação extensivapressupõe que o caso concreto, muito embora

Page 15: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 159

pareça à primeira vista excluído do âmbito do texto, possa todavia ser enquadrado no mesmo, emvirtude do princípio lex minus dixit quam voluit; a analogia, pelo contrário, pressupõe que o caso emtela não possa em hipótese alguma ser enquadrado dentro da norma existente. Assim, na interpretaçãoextensiva, há vontade de a lei prever o caso, mas o seu texto diz menos que o desejado estendese oseu sentido até o fato; na analogia, não há vontade de a lei regular o caso o intérprete amplia avoluntas legis até ele 37. Nas palavras sempre esclarecedoras de Nelson Hungria: "Na interpretaçãoextensiva, dáse a ampliação do sentido das palavras para acomodálo à própria vontade da lei; naanalogia, o que se amplia é a vontade mesma da lei, para resolver, por mera identidade de razão, umcaso não previsto, explícita ou implicitamente, pelo legislador. A analogia, portanto, não éinterpretação, mas criação ou formação de direito novo, isto é, aplicação da lei a casos de que esta nãocogita" 38. O clássico exemplo da interpretação analógica é a punição daquele que se casa muitas vezescom base no crime de bigamia. Evidentemente que o polígamo, antes de o ser, é bígamo.Todos os aspectos acima referidos quanto ao princípio da legalidade alcançam, à evidência, tanto adescrição da conduta típica (preceito primário) como também a atribuição das respectivas penas(preceito secundário). A cominação da pena pode ser especial ou geral. Especial, quandoabstratamente imposta no preceito secundário da norma incriminadora (Parte Especial do CódigoPenal ou legislação extravagante). Geral, quando prevista na Parte Geral do estatuto criminal. Noordenamento jurídico brasileiro, a imposição das penas restritivas de direito obedece ao critério geral.Nos termos desse sistema, o art. 43 do Código Penal apresenta o rol das penas restritivas de direitos, o44 arrola os casos em que são admissíveis e explica como se faz a substituição e os arts. 46, 47 e 48,respectivamente, enunciam os princípios de compreensão e aplicação de cada uma delas. Éimprescindível, pois, a cominação genérica (conteúdo legal da pena, caso de cabimento, requisitos,etc.) e o enunciado complementar explicativo (como se faz a substituição, conversão, etc.).Na Lei nº 9.605/98, diploma normativo que instituiu entre nós, no plano ordinário, a responsabilidadepenal da pessoa jurídica, todos os tipos proibitivos são absolutamente silentes no que concerne àresponsabilidade criminal da empresa. O Capítulo V da referida lei, ao dispor sobre os crimes contra omeio ambiente, em suas cinco seções, sempre estabeleceu penas privativas de liberdade ou multa. Emnenhum momento mencionou que esta ou aquela norma proibitiva deveria ser aplicada à pessoajurídica. Depreendese, pois, que a aplicação das penas às empresas farseá conforme os critériosespecificados nas Disposições Gerais do referido estatuto. O sistema de integração e aplicação danorma depende, pois, exclusivamente daquilo que foi estatuído nas normas permissivas. No entanto, oscritérios ensejadores da integração normativa não estão fixados na Parte Geral do estatuto ambiental.Vale dizer: o legislador não estatuiu a cominação específica e esqueceuse da genérica. Consultando aParte Geral (arts. 1º a 25) e a Parte Especial (arts. 29 a 69), não se encontram nem preceito secundário(comissão especial) e nem dispositivo genérico de cominação.Senão vejamos. Do artigo 1º ao 5º, a Lei faz considerações genéricas sobre a responsabilidade penal.Do artigo 6º ao 20 da Lei 9.605/98, o legislador ambiental

Page 16: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 160

estabeleceu os critérios de aplicação da pena para as pessoas físicas. Embora não tenha claramenteexposto este intento, tal objetivo aflora de leitura singela. Assim é que o art. 8º menciona a pena derecolhimento domiciliar (inc. V), evidentemente só possível de ser aplicada à pessoa física. Observeseque o art. 13 menciona claramente que o recolhimento domiciliar baseiase na "autodisciplina e sensode responsabilidade do condenado, que deverá, sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exerceratividade autorizada...". Da mesma forma a circunstância atenuante de "baixo grau de instrução ouescolaridade do agente" (art. 14, I) só é cabível ao ser humano. A circunstância agravante de praticar ainfração "no interesse da pessoa jurídica" (art. 15, II, p), à evidência, só é aplicável ao homem. Assim,as regras estatuídas nos artigos 6º a 20 só atingem as pessoas físicas. Diferentemente, as pessoasjurídicas estão alcançadas pelos dispositivos subseqüentes: artigos 21 a 24.Vejase, inicialmente, o disposto no art. 21: "As penas aplicáveis isolada, cumulativa oualternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o art. 3º, são:I multa;II restritivas de direitos;III prestação de serviços à comunidade.O art. 22 esclarece quais são as penas restritivas de direito.O art. 23 discorre sobre a prestação de serviços à comunidade da pessoa jurídica.O art. 24 fala da liquidação forçada da pessoa jurídica quando constituída ou utilizada,preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido na lei.Nada mais é dito sobre a aplicação da pena à pessoa jurídica.O primeiro aspecto a se destacar é o de que o legislador ambiental afastouse da sistemática do CódigoPenal no que concerne às penas restritivas de direito. É que o artigo 44 do estatuto repressivo brasileiroestabelece que as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade.Diferentemente, o legislador ambiental menciona a possibilidade de aplicação das penas de multa, dasrestritivas de direitos e da prestação de serviços à comunidade (art. 21) isolada, cumulativa oualternativamente (sic) às pessoas jurídicas. Assim, a prestação de serviços à comunidade deixa de serespécie da restrição de direitos (art. 43, IV, do CP) para ser pena autônoma que com ela pode secombinar em aplicação cumulativa.Porém, admitindose ad argumentandum que a prestação de serviços à comunidade fosse tal quais asrestrições de direitos para as pessoas jurídicas, penas alternativas e substitutivas das privativas deliberdade, onde estariam fixados os critérios de substitutividade? Se não há nos tipos proibitivos penascominadas às pessoas jurídicas e se a Parte Geral da Lei Ambiental também não os fixa, quais oscritérios para a penalização da pessoa jurídica? Não há que se buscarem na Parte Geral do CódigoPenal tais critérios por duas razões: em primeiro lugar, porque o legislador da Reforma de 84 nãopoderia prever a instituição da Responsabilidade Penal das Empresas, o que só ocorre, anos mais tarde,com a Constituição de 1988; em segundo lugar, porque o legislador ambiental afastouse dasistemática de substitutividade, prevista nos artigos 43 e seguintes do Código Penal.

Page 17: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 161

Assim, não há critérios de integração das penas restritivas de direitos e nem da prestação de serviços àcomunidade. Não há interpretação analógica ou extensiva a se fazer, pois isso pressuporia a existênciade norma intrasistêmica a ser tomada como paradigma da extensão. A "vontade da lei" só poderiaadvir de sua existência. Por outro lado, não se pode falar de analogia, pois estamos trabalhando com ascategorias epistemológicas do Direito Penal, que inadmitem a analogia (salvo in bonam partem). Diz obrocardo: nulla poena sine lege e a analogia é mecanismo de criar lei sem sua existência formal ematerial, cujos requisitos acima mencionamos.Observese, ademais, que tanto nas penas restritivas de direito quanto na prestação de serviços àcomunidade à pessoa jurídica existem dispositivos que desconsideram o tempo de pena previsto nostipos proibitivos. Ao fazerse um exame linear da Lei 9.605/98, notase que a mais alta das penasprivativas de liberdade prevista no mais grave dos crimes é de cinco anos. No entanto, o § 3º do art. 22da referida Lei estatui que a proibição de contratar com o Poder Público (uma das modalidades derestrição de direitos) não pode exceder o prazo de 10 anos. Isto significa que não há qualquer relaçãoentre as penas privativas de liberdade nos tipos proibitivos da Parte Especial e as restritivas de direitofixadas na Parte Geral (porém não houve criação de critério próprio de aplicação destas normasgerais). Vale dizer: as restrições de direito não são substitutivas das privativas de liberdade. Caberá aojuiz criar a lei por analogia? Se o fizer, deverá criar o prazo de sua incidência por analogia? Poderáantecipar o fim da pena por analogia ao dispositivo do Código Penal que prevê o LivramentoCondicional? Se assim é, o Direito Penal da Legalidade estaria substituído pelo direito penal daanalogia?Mais ainda. Dentre as prestações de serviços à comunidade há modalidades como a execução de obrasde recuperação de áreas degradadas e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas (art.23, incisos II e IV, respectivamente). Nem é bom mencionar a falta de técnica legislativa que prevêcomo um serviço à comunidade o pagamento de contribuição pecuniária a uma entidade ambiental. Aquestão que se busca desnudar é outra. Na primeira hipótese (recuperar a área degradada), o que sebusca é estabelecer o status quo ante independentemente do tempo que isto demore. Assim, se arecuperação da área degradada demorar oito anos, p. ex., ela superará em cinco anos a maior das penasprivativas de liberdade fixadas no art. 30 da Lei Ambiental. Superará em três anos a maior das penasfixadas no art. 40 da Lei Ambiental. Superará em quatro anos a maior das penas fixadas no art. 54 daLei Ambiental. Superará em sete anos e seis meses a maior das penas fixadas no art. 60 da LeiAmbiental (observese que estes são os tipos proibitivos invocados na denúncia). Certamente, talnorma não condiz com o princípio da legalidade. Na segunda hipótese (contribuição a entidadesambientais ou culturais públicas), a falta de lei é ainda mais aberrante. A pessoa jurídica ré estaria aotalante exclusivo da vontade do juiz na fixação do valor da contribuição a ser dada à entidadebeneficiária, sem qualquer relação de segurança jurídica. O corte de uma árvore poderia ensejarcontribuições vultosas por três anos a uma entidade ambientalista? Sim, isso aparentemente seriapossível. Porém, tal dispositivo está a ofender, flagrantemente, o art. 5º, XXXIX, da ConstituiçãoFederal. Tal inconformismo não é manifestação isolada, mas já foi expressada por muitos autores 39.

Page 18: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 162

Outro não é o argumento no que concerne à pena de multa. Não há qualquer regra para fixação damulta. No tipo proibitivo, temos apenas a expressão pena de multa. Não há valores fixados. Tambémnão há critérios para sua fixação na Lei Ambiental. Utilizar o critério do Código Penal percepção darenda mensal do condenado não é possível, pois a empresa tem um faturamento que em tudo e portudo é distinto da regra atribuível às pessoas físicas. Imaginese, por exemplo, que um juiz condene umhomem a pagar, em certo mês, um terço de seu salário a título de multa. Sem dúvida isso acarretarágrande desconforto e dificuldade ao condenado. Desconforto e dificuldade superáveis. Imaginese,agora, o mesmo um terço do faturamento mensal de uma empresa como a Petrobras. Deveria incidirsobre todas as coligadas da empresa? Alcançaria as subsidiárias estrangeiras? Se assim é, issosignificaria o inadimplemento de todos os contratos e salários, com conseqüências graves ao própriopaís. Não. Os critérios de fixação da multa não podem ser analógicos, pois tal teratologia, além deatingir a própria essência do Estado Democrático de Direito, estaria ferindo o bom senso. 40Tal perplexidade também assola grande parte da doutrina. Luís Paulo Sirvinskas, em seu Tutela Penalno Meio Ambiente, assevera: "Não constam nos tipos penais as penas aplicáveis às pessoas jurídicas,mas só às pessoas físicas. Assim, como aplicar as penas contidas na parte geral da lei às pessoasjurídicas? Como fazer a integração da parte geral à parte especial? Como fazer a dosimetria da pena?O legislador não estaria colocando nas mãos do juiz um poder que não lhe incumbe ao permitir fazer aintegração das penas contidas na parte geral à parte especial? O juiz não poderia impor a pena à pessoajurídica sem respeitar um patamar entre o mínimo e o máximo, podendo, inclusive, determinar ofechamento da empresa com conseqüências graves e irreversíveis à sociedade? A pessoa jurídica nãotem o direito de saber de antemão a pena aplicável entre um mínimo e um máximo, bem como os tipospenais atribuídos à pessoa jurídica? As penas atribuídas às pessoas jurídicas seriam substitutivas daspenas privativas de liberdade contidas na parte especial? Essa falta de integração não estaria ferindo oprincípio da legalidade e o princípio da proporcionalidade da pena?" 41.Da mesma forma a opinião do Desembargador Tupinambá Pinto de Azevedo ao dizer que: "Em nossopaís há um enunciado genérico: as pessoas jurídicas serão responsabilizadas civil, penal eadministrativamente, quando a infração, prevista na lei ambiental, for praticada por decisão de seurepresentante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da entidade.Seria preferível determinar, caso a

Page 19: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 163

caso, quais as infrações que poderão ser imputadas à pessoa jurídica, reservados alguns tipos àexclusiva responsabilidade da pessoa física, sem possibilidade de extensão. Entregar ao Juiz (e, antesdele, à polícia e ao Ministério Público), no caso concreto, o enquadramento típico por extensão,ameaça seriamente o princípio da legalidade" 42.Em um dos poucos casos já decididos no Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, Mandado deSegurança nº 349.440/8, julgado pela 3ª Câmara do TACRIMSP, em 01/02/2000, no voto vencedor doJuiz Carlos Bueno, depois de defender a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, assim assentou aquestão: "Ensina José Frederico Marques que além de seu significado político possui o princípio dalegalidade aspecto jurídico, uma vez que fixa os conteúdos das normas incriminadoras não permitindoque o ilícito penal seja estabelecido genericamente sem definição prévia da conduta punível edeterminações da sanctis juris aplicável (Tratado de Direito Penal. v. 1, p.132). A norma sem preceitoou sem sanção é inexistente. Nas precisas palavras de Aníbal Bruno: 'Como toda norma jurídica, anorma penal compreende o preceito e a sanção; o preceito, que contém o imperativo de proibição oucomando, e a sanção, que ameaça a vontade estatal de estender a determinados bens jurídicos aproteção penal, proibindo ou ordenando atos, em conformidade com essa proteção; na sanção,manifestase a coercibilidade do preceito que é uma das características da norma jurídica. São doistermos que prendem indissoluvelmente um ao outro, para integrar a unidade de conteúdo na norma deDireito' (Direito Penal. 1959, I, 180). É a consagração do princípio nullum crimen nulla poena sinelege, inserido no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, também no art. 1º do Código Penal".Com base nas ponderações acima tecidas, podemos afirmar: a falta de critério do legislador pararedação dos artigos 21 a 24 da Lei 9.605/98, que fala das penas aplicáveis à pessoa jurídica, fulminoude inconstitucionalidade as sanções previstas aos entes coletivos.3 DA INCONSTITUCIONALIDADE POR FALTA DO DEVIDO PROCESSO LEGALA nova ordem constitucional abriu as portas para a punição de um ente que, embora não pratique, porsi só, uma conduta delituosa, pode, por autoria mediata, ter contra si imputada uma conduta delituosa.A decorrência lógica do fato é a possibilidade de um processo criminal contra uma empresa, comnormas processuais que deverão ser igualmente adaptadas à sua nova condição de ré em processocriminal.A admissão da responsabilidade penal das pessoas morais, nos demais países que a adotaram, teveconseqüências também no plano procedimental, com adoção de novas normas que adaptaram oprocesso para acolher as modificações implementadas no ordenamento. Isso ocorre pela primeira vezna Holanda, no ano de 1976. Desde 1950, a responsabilidade penal da pessoa jurídica fora acolhida emnorma especial: a Lei de Delitos Econômicos, de 1950. Posteriormente, em 23/06/1976, com amodificação do Código Penal, toda a legislação passou a contemplar a responsabilidade coletiva, emface do que passou a dispor o art. 51 do novo CP. O mesmo ocorreu com o Código Processual Penal,que passou a ter um capítulo próprio com normas específicas para o processo contra a pessoa jurídica.Todos os países que inseriram a responsabilidade penal da pessoa jurídica em sua Parte Geral doCódigo Penal adotaram normas procedimentais gerais para

Page 20: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 164

as pessoas jurídicas. Também dessa forma, na França, foi necessária a modificação dos artigos 70641a 70646 do Código de Processo Penal (através da Lei de Adaptação de 15 de dezembro de 1992), parao ajuste da normas procedimentais ao Código Penal modificado 43.Nos países em que a responsabilidade penal dos entes morais foi inserida no ordenamento por normaextravagante, a própria lei fixou as adaptações procedimentais às pessoas jurídicas. Em Portugal, porexemplo, com o advento do DL 28/84, a chamada Lei de Delitos Econômicos, houve a adesão àresponsabilidade penal dos entes coletivos e a fixação de todas as normas adjetivas cabíveis ao caso.Basta que se vejam os artigos 42 a 51, que dispõem sobre as formas de processo, a adesão deassistentes, a liquidação da empresa, a forma de apreensão e venda de bens, as entidades encarregadasdo inquérito preliminar (nosso inquérito policial), etc. 44No Brasil, as únicas normas concernentes à ação e ao processo penal, trazidas com a Lei 9.605/98,foram normas genéricas e que não dizem respeito aos procedimentos específicos a serem adotadospara as pessoas jurídicas (conforme artigos 26 a 28).Logo em abril de 1998, antes mesmo de a Lei Ambiental entrar em vigor, ainda no período da vacatiolegis, a inexistência de normas procedimentais foi notada. Luiz Régis Prado já pontuava: "Em França,tomouse o cuidado de adaptar de modo expresso essa espécie de responsabilidade no âmbito dosistema tradicional. A chamada Lei de Adaptação (Lei nº 921336/1992) alterou inúmeros textos legaispara tornálos coerentes com o novo Código Penal, contendo inclusive disposições de processo penal,no intuito de uma harmonização processual, particularmente necessária com a previsão daresponsabilidade penal da pessoa jurídica" (...). "Ora, em nosso país, deuse o contrário, visto que olegislador de 1998, de forma simplista, nada mais fez do que enunciar a responsabilidade penal dapessoa jurídica, cominandolhe penas, sem lograr, contudo, instituíla. Isto significa não ser elapassível de aplicação concreta, pois, faltamlhe os instrumentos hábeis e indispensáveis para talpropósito" 45.Naquela mesma revista, tive eu, defensor da Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica, oportunidadede externar minha perplexidade quanto a esta lacuna processual: "Novamente pecou o legislador aonão estabelecer mecanismos mais concretos no plano procedimental. O Capítulo IV da lei é totalmentesilente no que concerne à ação e ao processo penal contra as empresas. Na recente legislação francesa,foi editada uma lei (Lei de Adaptação ao Código Penal, de 15.12.1992), com as modificaçõesnecessárias implantadas ao Código de Processo Penal. São normas básicas para efetivação da citaçãoda empresaré, que será feita sempre em nome do seu representante legal; para definição do domicílioda pessoa jurídica, para proteção pessoal quando a divulgação do nome do empresário citado (a fim depreserválo de eventuais ataques da opinião pública), etc. Sem tais medidas, dificilmente saberseá oprocedimento a ser implantado, decorrente de tantas especificidades deste novo processo" 46.

Page 21: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 165

Fernando Castelo Branco, em trabalho que lhe permitiu obter o título de Mestre em Direito ProcessualPenal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, releva inúmeras questões concernentes àfalta de normas procedimentais na Lei 9.605/98. Diz ele: "A norma infraconstitucional ambiental,promulgada 10 anos após o advento da Carta Magna, preocupouse, exclusivamente, com os aspectospenais da responsabilidade da pessoa jurídica, esquecendose da necessidade do due process of law, e,portanto, de que o direito penal não é meio de coação direta, dependendo da instrumentalidadeprocessual para realização da pretensão punitiva. Na oportuna colocação de René Ariel Dotti, 'oscorifeus e os propagandistas da capacidade criminal das pessoas coletivas ainda não se dedicaram aotrabalho de analisar as conseqüências desse projeto no quadro do processo penal'" 47. Mais adiante,ainda, assevera que "a aplicação analógica, pura e simples, do processo civil não pode, entretanto,solucionar todos os problemas havidos no processo penal. Essa prática, além de muitas vezes indevida,é perigosa, devido à natureza distinta dos ramos do direito" 48. Muitas questões traz o iminente autor.O princípio ético e liberal que instrui a lei processual brasileira, p. ex., outorga ao acusado a faculdadede mentir a fim de defenderse. O réu, diferentemente da testemunha ou do perito, não está obrigado adizer a verdade. Entretanto, no interrogatório da pessoa jurídica, realizado com a oitiva de seurepresentante legal ou até por preposto, estaria ele resguardado pelas garantias constitucionais daampla defesa ou figuraria como simples testemunha, sujeita ao cometimento de crime caso calasse oufaltasse com a verdade? 49 "Se realmente se deseja punir a pessoa jurídica na esfera criminal, éimprescindível que o legislador responda a essas e a outras perguntas, criando instrumentosnecessários para a reprimenda. Caso contrário, a responsabilização penal da pessoa jurídica seráapenas um simples devaneio" 50.De todas as indagações acima suscitadas, uma aflora com força implacável. Pode haver um processopenal democrático, com as garantias de que nos fala o mestre italiano Luigi Ferrajoli 51, sem umdevido processo legal?A Constituição Federal de 1988 fez insculpir no art. 5º, LIV, o princípio do devido processo legal.Significa tal princípio que o processo será desenvolvido absolutamente dentro dos parâmetros legais enão segundo a vontade das pessoas atuantes no processo. É uma garantia que implica a realizaçãoexatamente dos atos previstos e na sua ordem, para que ninguém seja pego de surpresa, bem como nãose proceda a qualquer outro processo, senão o previsto na lei para aquele caso.Sua origem remonta à Carta Magna inglesa, de 1215, em que se estabelecia a garantia de que aaplicação de sanção só poderia ser efetuada de acordo com a lei da terra (by the law of the land). Aexpressão foi posteriormente alterada, quando o Rei Eduardo III foi obrigado pelo parlamento a aceitarum Estatuto que se referia ao devido processo legal (due process of law). Tal garantia foi levada paraas colônias americanas e, posteriormente, foi incorporada pelo sistema constitucional dos EstadosUnidos da

Page 22: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 166

América, em 1791 (V Emenda) e em 1867 (XIV Emenda) e, a partir daí, trazida para todos os paísesdo civil law 52."A expressão 'devido processo legal' é versão ad litteram da expressão inglesa due process of law, cujatradução correta e correspondente em nossa língua deverá ser 'adequado processo jurídico'. Due, eminglês, é 'devido', 'próprio', 'adequado'. Seu antônimo é undue (= not just, not lawfull, as an undueproceeding; improper, not appropriate or suitable). Em vernáculo, teremos 'não devido', 'não justo','injusto'; ilegal (como, por exemplo, na frase: um processo ilegal, impróprio, inadequado; nãoapropriado ou seguível). Devido processo legal é aquele em que todas as formalidades legais sãoobservadas." 53Ressaltese, outrossim, que dois aspectos afloram do devido processo legal: um formal e outrosubstancial, na esteira do afirmado pela justiça americana. "O aspecto formal consiste na sujeição dequalquer questão que fira a liberdade ou os bens de uma pessoa ao crivo do Judiciário, por meio dojuiz natural, num processo contraditório, em que se assegure ao interessado ampla defesa. Osubstancial importa que as normas aplicadas quanto ao objeto do litígio não sejam desarrazoadas,portanto intrinsecamente injustas" 54.Importante destacar que tal princípio não se limita à determinação processual (procedural due process),mas é uma garantia substancial dos direitos oponíveis ao Estado (substantive due process). OdoneSanguiné, com muita argúcia, observa que "toda lei que não observar determinados critérios deelaboração legislativa, infringindo garantias fundamentais do indivíduo, será consideradainconstitucional por infringência deste princípio superior. Como se percebe, a sua enunciação no TextoConstitucional não é inútil; pelo contrário, ela tem permitido o florescer de toda uma construçãodoutrinária e jurisprudencial que tem procurado agasalhar o réu contra toda e qualquer sorte demedidas que o inferiorize ou o impeça de fazer valer as suas autênticas razões" 55.Tenhase em conta, como bem ressaltam Rogério Lauria Tucci et alii, "que o processo penal não podeapresentarse como singela ordenação de atos procedimentais, mas, sim, como um conjunto de atosque, inseridos num contexto predeterminado na legislação em vigor, se iniciam com o exercício dodireito à jurisdição e formam o denominado due process of law (devido processo legal) 56. Consectáriode tal princípio, ressalta o mestre, temse o direito à jurisdição ou à tutela jurisdicional; a estritaobservância da lei em vigor (ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão emvirtude de lei); direito ao contraditório e ampla defesa; direito a julgamento por juiz investido noexercício da jurisdição, competente e imparcial 57.Ada Pellegrini Grinover, após assinalar não ser o devido processo legal um direito subjetivo, mas umaefetiva garantia das partes e do processo, diz textualmente:

Page 23: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 167

"Garantias, e não direitos, porquanto são de índole assecuratória, e não meramente declaratória,visando a tutelar o exercício de outros direitos e guardando com estes uma relação deinstrumentalidade. Garantias, não apenas das partes, mas sobretudo da jurisdição: porque se, de umlado, é interesse dos litigantes a efetiva e plena possibilidade de sustentarem suas razões, deproduzirem suas provas, de influírem concretamente sobre a formação do convencimento do juiz; dooutro lado, essa efetiva e plena possibilidade constitui a própria garantia da regularidade do processo,da imparcialidade do juiz, da justiça das decisões" 58. E, em outro de seus trabalhos, secundada porAntonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, a festejada Professora Titular da USPnão deixa margens a dúvidas, em face da inobservância dos princípios constitucionais referentes aoprocesso penal: "Nessa dimensão garantidora das normas constitucionaisprocessuais, não sobraespaço para a mera irregularidade, sem sanção. A atipicidade constitucional, no quadro das garantias,importa sempre uma violação a preceitos maiores, relativos à observância dos direitos fundamentais ea normas de ordem pública" 59. E arremata, fazendo menção à ineficácia dos atos processuaisinconstitucionais como sendo atos juridicamente inexistentes e atos nulos: "Toda vez que houverinfringência a princípio ou norma constitucionalprocessual, que desempenhe função de garantia, aineficácia do ato praticado em violação à Lei Maior será a sanção que surgirá da própria Constituiçãoou dos princípios gerais do ordenamento" 60.Estribado no mais sólido pensamento doutrinário acima expendido, não há como se reconhecerconstitucionalidade no processo penal contra pessoas jurídicas com exclusiva base na Lei 9.605/98,por ofensa ao princípio constitucional do Devido Processo Legal.4 DA INÉPCIA DA DENÚNCIA QUANTO à AUTORIA DA EMPRESARé BEM COMO EMFACE DO INEXISTENTE PROVEITO PARA A PESSOA JURÍDICAA empresa por si mesma não comete atos delituosos. Ela o faz através de alguém, objetivamenteuma pessoa natural. Sempre através do homem é que o ato delituoso é praticado. Se se considerar quesó haverá a persecução penal contra a pessoa jurídica, se o ato for praticado em benefício da empresapor pessoa natural estreitamente ligada à pessoa jurídica, e com a ajuda do poderio desta última, não sedeixará de verificar a existência de um concurso de pessoas.O fato punível pode ser obra de um só ou de vários agentes. Evidente que só haverá concurso depessoas quando houver pluralidade de agentes concorrendo para a consecução do delito. A teoriapredominante a justificar a ação das pessoas nessa esfera é a do "domínio do fato". Segundo essecritério é autor aquele que domina finalmente a realização do fato delituoso; que tem capacidade parainterferir sobre o "se" e o "como" do delito; que tem poder de condução da ação para a realizaçãoconformadora do tipo.A idéia de coautoria encontra seu esteio na concepção da "divisão do trabalho". Há crimes que podemser praticados individualmente ou por mais de uma pessoa. Há, no entanto, aqueles que, por suanatureza de execução, pressupõem a existência de mais agentes para a coordenação dos atos queredundarão na prática da conduta típica. Portanto, ao lado do autor, temos o coautor, que é aquele queintervém na execução do

Page 24: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 168

delito, agindo como cotitular da decisão anteriormente engendrada, pois só assim pode ter domíniosobre o fato. Observa Maurach "que as ações praticadas em coautoria caracterizamse pelacircunstância de que todos os cooperadores concertam de tal maneira as suas ações orientadas para ummesmo resultado, visualizado antecipadamente por cada um deles, de tal sorte que o evento seapresenta como produto das atuações combinadas: coautoria é persecução, com divisão de trabalho,de um resultado em que cada um dos cooperadores, sem se reduzirem a um mero instrumento dosoutros hipótese de autoria mediata , resta titular do domínio do fato" 61. Quem não for partenecessária à consecução do delito, não tiver domínio funcional do fato, poderá situarse na esfera daparticipação (nas modalidades de instigação ou cumplicidade), mas não será coautor.Por participação entendese a cooperação em um delito, não alcançada pela coautoria. Naparticipação, o sujeito não pratica a ação típica, isto é, os atos executórios do crime, mas concorre dequalquer modo para a sua realização; conduzse para a formação do delito; acede sua conduta para opreenchimento da figura típica. Daí, se não se vislumbrar uma conduta típica e ilícita alheia, não sepode falar em participação penalmente relevante. A doutrina concebe basicamente duas formas departicipação: moral e material. Participação moral é o fato de incutir na mente do autor principal oânimo delituoso ou de reforçar o preexistente. É a instigação e o induzimento. Na participaçãomaterial, por sua vez, há cooperação na execução de um ato, há colaboração sem haver, no entanto,domínio funcional do fato. Nesta modalidade, verificase um auxílio não tipificado que fortalece odesígnio do agente ou propicia a lesão a um bem jurídico atingido pelo autor. É a cumplicidade.A doutrina normalmente estabelece alguns critérios para que se possa reconhecer a responsabilidadepenal da pessoa jurídica. João Castro e Sousa elenca quatro requisitos básicos para essereconhecimento em face de uma ação praticada através da pessoa natural, em face da coautoria dapessoa coletiva 62.Em primeiro lugar, a infração individual há de ser praticada no interesse da pessoa coletiva. Basta,aqui, tenha tido a infração o objetivo de ser útil à finalidade do ser coletivo. Ficam, pois, excluídastodas as infrações praticadas no interesse exclusivo do próprio agente, pois são de sua única eexclusiva responsabilidade.A infração individual não pode situarse fora da esfera da atividade da empresa. Isso significa dizerque estarão excluídas aquelas infrações que se situem além do domínio normal da atividade da pessoacoletiva, como aquelas que somente a pessoa física pode praticar na sua esfera individual (adultério,bigamia, etc.). Este segundo requisito restringe o leque das infrações que possam ser praticadas, pois aexigência precípua passa a ser a de que esteja dentro do domínio normal de atividade da empresa.Além disso, a infração cometida pela pessoa física deve ser praticada por alguém que se encontreestreitamente ligado à pessoa coletiva. É o empregado ou preposto, no exercício de suas funções, quecomete o crime para a empresa. O sistema americano fala em "executivo de nível médio" como oagente responsabilizado por um fato delituoso. Podese pensar em diretores ou executores (gerente, porexemplo) como pessoas

Page 25: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 169

responsáveis para agir em nome da empresa. Desse modo, havendo uma ligação permanente com aempresa, o que se caracteriza pela relação empregatícia, assim considerada em um sentido amplo,haverá confluência de interesses entre a pessoa física e a jurídica, beneficiária do ilícito.O último requisito a ser observado objetiva delimitar a abrangência da responsabilidade penal dapessoa jurídica. A prática da infração deve ter o auxílio do poderio da pessoa coletiva e ser praticadaem seu benefício. De fato, não bastam as características acima enumeradas; o que verdadeiramentecaracteriza e distingue as infrações das pessoas coletivas é o poderio que atrás delas se oculta,resultante da reunião de forças econômicas, o que vem a provocar que estas infrações tenham umvolume e intensidade superior a qualquer infração da criminalidade tradicional.A Lei 9.605/98, em linhas gerais, acolheu os requisitos sugeridos pela doutrina ao firmar, em seuartigo 3º, que: "As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmenteconforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seurepresentante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade".Tecnicamente, a questão é simples. A decisão do órgão colegiado da empresa ou de seus diretores érequisito essencial típico para que a ação penal possa prosperar contra a pessoa jurídica. É, pois,elemento necessário ao próprio recebimento da denúncia.O termo "tipo" exprime a idéia de "modelo", "esquema" e é utilizado em várias áreas de conhecimentopara separar e agrupar em classes objetos de estudo que apresentam coisas em comum. Foiinicialmente usado em direito penal como modelo abstrato de comportamento proibido. Ao ser usadocom essa acepção, identificou as condutas criminosas e, por via de conseqüência, descriminou os fatosnão delituosos. Vale dizer, o modelo serve para identificar o fato típico e o atípico. Nesse sentido, atipicidade enquanto técnica não é exclusividade dos chamados tipos penais incriminadores. Osconceitos acima expendidos alcançam também os institutos da Parte Geral. Observese, a propósito,que estes surgem como desdobramento lógico de um processo evolutivo oriundo no iluminismo, comobjetivo precípuo de assegurar a liberdade do cidadão. A Parte Geral nasce dos institutos da ParteEspecial, de uma natural tendência ordenadora característica do processo codificador que distinguiu oSéculo XVIII.Merece destaque a opinião de Reale Jr., quando afirma que: "Se a Parte Geral decorre do princípio dalegalidade, fixando diretrizes comuns de eficácia das normas incriminadoras, é evidente que, também,as estruturas normativas que a compõem devem estar revestidas de caráter típico, sendo um enunciadode dados elementares, cuja presença é de se verificar na realidade, constatandose a congruência doabstrato e do concreto" 63. E, mais adiante, conclui o Mestre: "As normas da Parte Geral paradesempenhar o papel em função do qual surgem nas codificações penais não poderiam estar isentas deestrutura típica, pois só assim alcançariam a sua primordial finalidade de revestir de maior garantia aaplicação da lei penal" 64.É inescondível o caráter típico de certos institutos da Parte Geral do Código Penal. Ao se falar emcrime consumado como aquele que reúne todos os elementos de sua definição legal (art. 14, I), o quese está fazendo é a reafirmação do tipo, previsto na Parte

Page 26: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 170

Especial. A desistência voluntária e o arrependimento eficaz, por sua vez, nada mais são do que a"destipificação" da tentativa, desde que o autor voluntariamente não pratique todos os atos deexecução necessários à consumação, ou não tenha o iter interrompido por circunstâncias alheias à suavontade. A inserção do § 2º ao art. 13, na Reforma de 84, estabelecendo quando é relevante a omissão(crimes comissivos por omissão, ou omissivos impróprios), nada mais é do que a tipificação do sujeitoativo próprio do delito.Destarte, a estrutura típica é própria a todos os institutos, da Parte Geral ou da Especial, não estandoexcluídos aqueles que concernem à aplicação da pena, que regram a aplicação das penas alternativas,etc. A legalidade, ponto de partida do Direito Penal Moderno, que se materializa através da técnica datipicidade, é ponto fundante e essencial do Estado Democrático de Direito e pode ser consideradocomo elemento garantidor do princípio básico da proteção dos bens jurídicos.Na Lei Ambiental, não poderia ser diferente. Se os mecanismos de implementação, bem como osrequisitos de admissibilidade, da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, não estão previstos nostipos proibitivos (do capítulo dos crimes em espécie), só poderiam estar na Parte Geral da referida Lei.Assim, há que se demonstrar, ab initio, a decisão da empresa no sentido de determinar atos ouprocedimentos conducentes às ações ou omissões que poderiam ter causado o vazamento entre aRefinaria Duque de Caxias e o Terminal Marítimo de Ilha d'Água.A nãodemonstração deste requisito, processualmente, tem o significado de falta da justa causa paraaceitarse a ação e permitir que venha prosperar. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, em tesedoutoral defendida na Universidade de São Paulo, recentemente publicada, na esteira de FredericoMarques assevera que: "Basta, portanto, que não se enquadre, em qualquer moldura legal (tipicidade),o fato narrado na acusação; ou que não se patenteie, de pronto, o interesse à prestação jurisdicionalinvocada, com o estabelecimento da necessária correlação entre o conteúdo desta e a situaçãoantijurídica noticiada na peça vestibular da ação penal; ou, ainda, que a acusação não tenha sidoformulada por quem seja, pela legislação em vigor, expressamente autorizado a fazêlo, ou sejadirigida contra quem, por variegados motivos, esteja livre de sofrêla para que se possa afirmar a faltade justa causa para a formação do processo criminal" 65.E logo adiante arremata: "Reafirmamos nós que a justa causa não constitui condição da ação, mas afalta de qualquer uma das apontadas condições implica falta de justa causa: se o fato narrado naacusação não se enquadrar no tipo legal; se a acusação não tiver sido formulada por quem tenhalegitimidade para fazêlo e em face de a quem deva o pedido ser feito; e, finalmente, se inexistir ointeresse de agir, faltará justa causa para a ação penal 66 (grifo nosso).Outra não foi a já citada decisão do Tribunal de Alçada Criminal (MS nº 349.440/8, Rel. FábioGouveia, j. em 01.02.2000, RJTACRIM 48/382), em voto vencedor, neste ponto, do Juiz Ciro Campos:"Em se tratando de crime ambiental, previsto na Lei nº 9.605/98, deve ser reconhecida a inépcia dadenúncia que não permite concluir que o delito foi cometido por decisão do representante legal oucontratual, ou de órgão colegiado da empresa acusada, pois a inicial deve imputar os fatos à pessoajurídica

Page 27: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 171

de forma completa e correta, de maneira a permitir o exercício da ampla defesa. Se a decisão não seenquadra na previsão do artigo 3º da Lei 9.605/98, não se pode deixar de lado o disposto nos incisos X,LIII, LIV, LV, LVII, LXI e LXVI do artigo 5º da Constituição Federal, que cuidam da responsabilidadepenal da pessoa física".Em face do exposto, entendese que o art. 3º da Lei 9.605/98 instituiu um requisito típico para apropositura da ação penal e sua inobservância constitui justa causa para obstar ao andamento doprocesso criminal contra pessoa jurídica.Da mesma maneira que um dos requisitos típicos é a decisão da empresa ter sido tomada por decisãode seu representante legal ou por algum de seus órgãos decisórios, também o benefício ou interesse daentidade tem que, ab initio, estar demonstrado.Tal requisito típico, contido na parte final do art. 3º da Lei 9.605/98, acolheu diversos reclamosdoutrinários que impediriam a inserção, no plano da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, daresponsabilidade objetiva, banida do Direito Penal desde a Reforma de 1984. Nunca é demaisreafirmar que não existe, mesmo no âmbito da responsabilidade penal coletiva, a responsabilidadeobjetiva. Cláusulas excludentes de culpa, como a inexigibilidade de conduta diversa, também podem e devem ser reconhecidas na esfera da responsabilidade das empresas. Da mesma forma podemoperar as causas excludentes da ilicitude, especialmente o estado de necessidade. Assim, a acolhidapela Lei 9.605/98 da necessidade de demonstrar o vínculo causal do interesse ou benefício da entidadetem o mesmo significado para o Direito Penal que o art. 13 de nosso estatuto repressivo, que afirma: Oresultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa.Considerase causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.Dentro da ação, a relação causal estabelece o vínculo entre o comportamento em sentido estrito e oresultado. Ela permite concluir se o fazer ou não fazer imputado ao agente foi ou não o que ocasionoua ocorrência típica, e este é o problema inicial de toda investigação que tenha por fim incluir o agenteno acontecer punível e fixar sua responsabilidade penal 67. A causalidade vem compreendida como ovínculo que prende o resultado à manifestação da vontade do agente, incorporandoo à estrutura daação entendida como uma unidade que se constitui, no seu aspecto externo, por aqueles doismomentos. Assim, quando se afirma que a pessoa jurídica não tem vontade pessoal no sentido éticoque Jorge de Figueiredo Dias atribui ao termo não deixa de ter razão. Porém, a responsabilidadesociológica da empresa, decorrente de sua formação surgida no seio da sociedade, há que ser tida comolegítima 68. Se os atos jurídicos não podem ser criados pela lei, mas apenas por ela reconhecidos, osignificado dessa assertiva é o de que a pessoa coletiva, enfeixando o espírito associativo, podepraticar atos, desde que tais atos, de alguma forma, lhe produzam benefícios ou possam produzilos.Silvina Bacigalupo, ao escrever o mais importante livro sobre o assunto na Espanha, afirma: "Esnecesario comprobar la existencia de una relación de causalidad entre el hecho de conexión y elenriquecimiento. Si efectivamente el enriquecimiento ha tenido lugar, éste deberá ser reconducible aohecho de conexión. En el caso en que se hubiese perseguido un enriquecimiento, entonces el hechodeberá según la representación

Page 28: R E S P O N S A B I L I D A D E P E N A L D E P E S S O A ... · ecológico ocasionado pelo rompimento de oleoduto da Petrobras e conseqüente vazamento de enorme quantidade de óleo

Revista de Estudos Criminais 8 Doutrina Página 172

del órgano o de la persona competente proporcionar una ventaja a la persona jurídica" 69 (grifo nosso).Qual o benefício poderia advir de um vazamento de óleo? A questão a ser respondida, em últimainstância, é exatamente esta. Imaginemos que a pessoa jurídica queira fazer uma investigaçãocientífica cujo objetivo é verificar a existência de petróleo no subsolo de área de proteção ambiental.Imaginese, ainda, que para que tais pesquisas sejam efetivadas seja necessário devastar parte de umavegetação de proteção ambiental. Imaginese, por fim, que a empresa não queira fazer os necessários ecustosos estudos de impacto ambiental, exigidos pelo ordenamento, que lhe permitiriam iniciar otrabalho. Caso venha, efetivamente, a devastar tal área de proteção ambiental, com o principal objetivode economizar tudo o quanto teria que gastar naquele empreendimento, estaria obtendo um benefícioou praticando um ato ilícito em seu interesse. Eis o benefício. Eis o vínculo causativo. Eis o nexo decausalidade. Porém, no caso em tela, qual o interesse da empresa em causar um vazamento de umduto, existente há anos? Seu interesse está em indenizar civilmente (como de fato deve fazêlo) todosos prejudicados? Seu interesse está em se submeter às pesadas multas administrativas dos órgãosgovernamentais? Evidente que tanto o benefício como um suposto interesse da entidade estãoexcluídos de qualquer análise meridiana dos fatos. Ademais, caberia ao representante do MinistérioPúblico, já na denúncia, se interesse ou benefício houvesse, têlo apontado. Assim como se mencionouno tópico anterior, em não se fazendo, devese reconhecer a ausência de um requisito básico para que aação possa prosperar.Em face do exposto, entendese que o art. 3º da Lei 9.605/98 aqui também instituiu um requisito típicopara a propositura da ação penal e sua inobservância constitui justa causa para obstar ao andamento doprocesso criminal contra a pessoa jurídica.5 NOTA CONCLUSIVADe tudo o quanto aqui se disse, não obstante ser um ardoroso defensor da Responsabilidade Penal daPessoa Jurídica, não posso deixar de reconhecer a existência de duas inconstitucionalidades na Lei9.605/98. Ela ofende a Constituição Federal de 1988 por contrariar o art. 5º, XXXIX, ao não descrevercom a necessária clareza quais as formas de aplicação das penas às pessoas jurídicas. Também ofendea Constituição por não estabelecer qualquer norma processual quanto ao necessário Devido ProcessoLegal para as empresas, contrariando seu art. 5º, LIV. Por fim, em duas oportunidades, não se observao cumprimento de dois requisitos típicos da Lei Ambiental: a decisão de seu colegiado ou de seurepresentante e o benefício ou interesse que tal decisão poderia trazer à empresa.Na esperança de haver respondido todos os quesitos que me foram apresentados, encerro este meuParecer.São Paulo, 12 de novembro de 2001.