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_____________________________________________________________________________________________________ Edição 6 – dezembro 2011 – ISSN 1809-8312 – www.tranz.org.br 1 revista de estudos transitivos do contemporâneo uma publicação do ...etc. Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ A nova mente da máquina da máquina universal de Turing à máquina plerômica de MD Aristides Alonso 1 Resumo: A máquina de Turing é uma máquina universal de computar, raciocinar, calcular, e de pensar. Segundo a hipótese de Turing-Church, qualquer máquina computacional é uma máquina de Turing, a qual, mesmo com todos os desdobramentos, permaneceu a mesma. Deleuze/Guattari propõem a máquina desejante. Daniel Dennett fala das máquinas de von Neumann e das máquinas joyceanas. E MD Magno, a partir de Freud, formula a máquina de revirão. Cotejo entre essas propostas, estabelecendo gradações e diferenças, com destaque para a máquina de revirão e sua resposta para o que seja pensamento, consciência e criação. Palavras-chave: máquina de Turing; máquinas desejantes; máquina de revirão Abstract: Turing machine is a universal, computing, calculating and thinking machine. According to Turing-Church hypothesis, any computing machine is a Turing machine. This machine has remained the same since its creation. Deleuze/Guattari proposed a desiring machine. Daniel Dennett refers to von Neumann machines and joycean machines. And MD Magno, in conformity to Freud, formulates the Revirão (reversal/return/loop) machine. Collation of these proposals, emphasizing the Revirão machine and its answers to the question of what are thinking, conscience and creation. Keywords: Turing machine; desiring machines; Revirão machine O título se refere tanto ao livro de Roger Penrose A mente nova do rei: computadores, mentes e as leis da física (The emperor’s new mind: concerning computers, minds and laws of physics) quanto ao conto de Hans Christian Andersen A nova roupa do rei (The emperor’s new clothes). Para a consideração de nossa questão, vamos partir de um filme antigo, mas exemplar. Blade Runner (1982), de Ridley Scott (1937-), um cult que mescla policial 1 Doutor em Letras (UFRJ). Pós-Doutor em Comunicação (UNL/Lisboa). Professor (UERJ e FACHA). Diretor da NovaMente. Pesquisador do “ETC: Estudos Transitivos do Contemporâneo” (Grupo de Pesquisa/CNPq). Coordenador do projeto de extensão TecMen: Tecnologias da Mente.

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Edição 6 – dezembro 2011 – ISSN 1809-8312 – www.tranz.org.br 1

revista de estudos transitivos do contemporâneo

uma publicação do ...etc.

Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ

A nova mente da máquina da máquina universal de Turing

à máquina plerômica de MD

Aristides Alonso1

Resumo: A máquina de Turing é uma máquina universal de computar, raciocinar, calcular, e de pensar. Segundo a hipótese de Turing-Church, qualquer máquina computacional é uma máquina de Turing, a qual, mesmo com todos os desdobramentos, permaneceu a mesma. Deleuze/Guattari propõem a máquina desejante. Daniel Dennett fala das máquinas de von Neumann e das máquinas joyceanas. E MD Magno, a partir de Freud, formula a máquina de revirão. Cotejo entre essas propostas, estabelecendo gradações e diferenças, com destaque para a máquina de revirão e sua resposta para o que seja pensamento, consciência e criação. Palavras-chave: máquina de Turing; máquinas desejantes; máquina de revirão Abstract: Turing machine is a universal, computing, calculating and thinking machine. According to Turing-Church hypothesis, any computing machine is a Turing machine. This machine has remained the same since its creation. Deleuze/Guattari proposed a desiring machine. Daniel Dennett refers to von Neumann machines and joycean machines. And MD Magno, in conformity to Freud, formulates the Revirão (reversal/return/loop) machine. Collation of these proposals, emphasizing the Revirão machine and its answers to the question of what are thinking, conscience and creation. Keywords: Turing machine; desiring machines; Revirão machine

O título se refere tanto ao livro de Roger Penrose A mente nova do rei:

computadores, mentes e as leis da física (The emperor’s new mind: concerning

computers, minds and laws of physics) quanto ao conto de Hans Christian Andersen

A nova roupa do rei (The emperor’s new clothes).

Para a consideração de nossa questão, vamos partir de um filme antigo, mas

exemplar. Blade Runner (1982), de Ridley Scott (1937-), um cult que mescla policial

1 Doutor em Letras (UFRJ). Pós-Doutor em Comunicação (UNL/Lisboa). Professor (UERJ e FACHA). Diretor da NovaMente. Pesquisador do “ETC: Estudos Transitivos do Contemporâneo” (Grupo de Pesquisa/CNPq). Coordenador do projeto de extensão TecMen: Tecnologias da Mente.

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ noir e ficção-científica em uma Los Angeles de 2019, começa com a seguinte

informação para o espectador:

No inicio do século XXI, a Tyrell Corporation criou os robôs da série Nexus

virtualmente idênticos aos seres humanos. Eram chamados de replicantes.

Os replicantes Nexus 6 eram mais ágeis e fortes e no mínimo tão

inteligentes quanto os engenheiros genéticos que os criaram. Eles eram

usados fora da Terra como escravos em tarefas perigosas da colonização

planetária. Após motim sangrento de um grupo de Nexus 6, os replicantes

foram declarados ilegais sob pena de morte. Policiais especiais, os blade

runners, tinham ordens de atirar para matar qualquer replicante. Isto não

era chamado execução, mas sim ‘aposentadoria’.

A trama do filme é relativamente simples2. Deckard (Harrison Ford) é caçador

andróides, destacado para “aposentar” um grupo de replicantes Nexus 6 que fugiram

do seu local de trabalho em outra galáxia e voltaram à Terra. Apesar de serem tão

ágeis, fortes e inteligentes quanto qualquer ser humano, eles têm apenas quatro anos

de vida e sob o comando do Roy Batty (Rutger Hauer), os Nexus 6 querem uma

sobrevida maior. Mas também há uma trama paralela: o envolvimento de Deckard

com Rachel (Sean Young), replicante, secretária de Tyrell, dono da Tyrell

Corporation, fabricante dos Nexus 6. Tyrell, em certo momento diz a Deckard: “Nossa

meta é o comércio. Nosso lema é ‘mais humanos que os humanos’”.

Blade Runner é um filme de caçada e busca, em que todos procuram

angustiadamente alguma coisa, uma aventura de homens e mulheres, humanos e

pós-humanos, em busca de identidade. É também um filme de ação que contém

reflexão sobre a distinção entre homens e máquinas. Deckard, por exemplo, é alguém

perdido, solitário, obrigado pelos dispositivos policiais e corporativos a “aposentar”

replicantes. E sua vida passada é obscura e esconde provavelmente algo

incriminador, pois é facilmente convencido pelo chefe de polícia de Los Angeles em

um jogo de chantagem e ameaças veladas ao espectador: “Conheço o jogo, meu

chapa. Se não topar, está acabado”. E o cenário dessa cidade futurista (2019, data já

bem próxima) – com um ecossistema devastado e marcada por constante chuva ácida

2 Destacamos outros filmes com temática semelhante: Metropólis (Fritz Lang), 2001 – Uma Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick), a trilogia Matrix (Irmãos Wachowski), 13º Andar (Joseph Rusnak), IA, Inteligência Artificial (Steven Spielberg), Eu, Robô (Alex Proyas) e Gattaca, A Experiência Genética (Andrew Niccol).

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ – é opressivo e aparentemente sem solução, e a única saída possível de que se fala no

filme é abandonar a Terra e viver nas colônias espaciais.

Os replicantes, que Deckard persegue, são muito semelhantes aos humanos,

em particular Roy Batty e Rachel, esta última sem programação fixa quanto ao tempo

de duração de sua vida, como qualquer um de nós.

Qual nosso interesse nesse filme? Os replicantes são máquinas, robôs,

artefatos industriais e, quanto à sua organização mental, máquinas de Turing,

conforme veremos a seguir. Toda a discussão que o filme promove está justamente

nessa questão: afinal, onde está a diferença entre a mente artificial dessas máquinas

e a mente dos humanos? Qual o limite das mentes artificiais das máquinas de Turing?

Ou ainda, quando atingido um determinado limiar, como o computador quântico,

por exemplo, haverá diferença ainda?

Nesse sentido, podemos considerar os replicantes como uma síntese da

tragédia humana. É o que a biotecnologia complexa de Blade Runner conseguiu

demonstrar. A morte de Tyrell é exemplar e retoma a antiga questão do Frankenstein

de Mary Shelley, na luta de morte entre criador e criatura. A cena do criador sendo

dilacerado pela própria criatura – o androide esmaga o cérebro de Tyrell – é uma das

mais marcantes do cinema do século 20, expressão máxima da rebelião contra o

despotismo do destino com o qual ele se depara. Em face de sua situação trágica

diante de uma vida fugaz e supérflua, Roy observa com angústia: “Eu vi coisas que

vocês nunca acreditariam. Naves de ataques em chamas perto da borda de Orion. Vi a

luz do farol cintilar no escuro, na Comporta Tannhauser. Todos esses momentos se

perderão no tempo como lágrimas na chuva”. O replicante Nexus 6 sente a angústia

da passagem do tempo, destacando a unicidade e fluidez da sua experiência singular

de vida. Conclui, dizendo: “É hora de morrer”. Tal qual qualquer um de nós poderia

dizer. Uma das questões básicas do filme Blade Runner é justamente a consideração

da mente das máquinas – as “spiritual machines” de Kurzweil (1948-) ou “máquinas

revirantes” de MD Magno (1938-) –, em analogia com a mente humana.

Como veremos a seguir, a máquina de Turing é uma máquina universal de

computar, raciocinar, calcular e mesmo de pensar. Segundo a hipótese de Church-

Turing, qualquer máquina computacional é uma máquina de Turing e, mesmo com

todos os desdobramentos posteriores quanto a essa competência, permaneceu a

mesma. Daniel Dennett (1942-) estabelece uma sequência entre as máquinas de

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Turing, as de von Neumann e as “joyceanas”. Fredkin e outros cientistas propõem a

“digital philosophy” e Wolfram, a “equivalência computacional”. Aproveitando-se de

referencial teórico da cibernética no âmbito da filosofia, Deleuze/Guattari fizeram a

crítica à psicanálise considerando as “máquinas desejantes”. MD Magno formula, a

partir de Freud, a máquina de revirão (máquina catóptrica ou máquina pulsional),

nosso tema básico neste artigo. A linha de raciocínio é no sentido de fazer um cotejo

entre esses vários tipos de máquina e estabelecer a diferença e a gradação entre elas,

com destaque para a máquina do revirão que encaminha uma resposta para o que

seja mente, pensamento e consciência, questão cara aos pesquisadores da cibernética,

da robótica, da IA, das neurociências e ciências cognitivas.

Isto porque, desde o início, o objetivo da construção dessas máquinas, mesmo

antes de Turing (veja-se, por exemplo, o trabalho de Pascal, Leibniz e Babbage), foi o

de simular a funcionalidade da mente humana. Neste breve cotejo, pretendemos, ao

considerar o trabalho de Turing e seus desdobramentos, refletir sobre a maneira

como a nova psicanálise considera a mente humana e outras formas de mente, sem

deixar de pensá-las também no âmbito das máquinas.

O que são máquinas ou gramáticas?

Uma máquina não é necessariamente um motor de um carro ou alguma coisa

pesada e ruidosa que transforma a matéria ao aplicar-lhe com violência uma força

mecânica. Rádios, tvs, celulares e computadores são máquinas que nos dão a ideia de

que uma máquina pode tratar da informação, isto é, transformar, de acordo com

regras muito precisas, uma mensagem de entrada em mensagem de saída. Mas as

frases de uma língua ou modos de comportamento social também são máquinas. O

tratamento típico da informação é o cálculo. No sentido matemático restrito, um

cálculo é um conjunto de operações aritméticas, entendendo-se por operação a ação

organizada, metódica, que visa à produção de um determinado efeito ou resultado. Se

as entidades matemáticas são adequadamente representadas por elementos físicos e

as regras de combinação bem determinadas, verificamos imediatamente a

possibilidade de mecanizar e de automatizar os cálculos. Os objetos sobre os quais

atuam os circuitos do computador são os impulsos elétricos. A presença de uma carga

elétrica representa o número 1 e sua falta, o número 0. Assim é possível representar

em um computador tudo o que se pode escrever-se em um alfabeto ou traduzir-se por

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ número e circuitos elétricos simples que jogam com a presença/ausência de carga

elétrica. Isto porque representam operadores matemáticos básicos que atuam sobre

números expressos na base 2 e podem efetuar cálculos elaborados e processar

informação.

A exigência do processamento automático da informação leva a informática a

elaborar algoritmos. Um algoritmo é uma sequência finita e ordenada de regras ou

instruções de operação com a finalidade de resolver uma classe de problemas. Assim,

as tarefas ou problemas a serem resolvidos são formalizados e essa formalização

necessita da explicitação de todos os seus aspectos. A menor alteração ou erro pode

comprometer toda a operação. Então, em informática, os termos máquina ou

autômato designam menos o dispositivo físico que efetua a transformação de uma

mensagem de entrada em uma mensagem de saída do que a estrutura lógica deste

dispositivo. Essa mesma máquina pode ser encarnada tanto por uma calculadora de

rodas dentadas, por uma lista de instruções que pode ser seguidas à risca por um

escravo humano extremamente obediente ou por um microcomputador.

Por um lado, para cada algoritmo de Markov, existe uma máquina de Turing

(capaz de escrever letras tomadas num alfabeto arbitrário) que pode simulá-lo. E por

outro, para cada máquina de Turing existe um algoritmo de Markov que a simula

(Doria, 1999, p. 224). Ou seja, há uma equivalência entre máquinas de Turing e

algoritmos de Markov, que podem produzir a mesma coisa. Isto quer dizer que a ideia

de gramáticas formais e máquinas de Turing também são equivalentes. Nesse mesmo

raciocínio, outros sistemas, como as linguagens canônicas de Post, as quais

influenciaram os algoritmos de Markov, que tentam formalizar a estrutura das

línguas e suas gramáticas são igualmente equivalentes às máquinas de Turing. Assim

também são sistemas equivalentes, tais como as funções recursivas parciais (de

Goedel e Kleene), o cálculo lambda de Church e, em nossos dias, os autômatos

celulares, como apresentados por Wolfram, por exemplo.

O que é máquina de Turing?

Em artigo de 1950, Computing machinery and intelligence, Alan Turing (1912-

1954) propôs a seguinte questão: “Podem as máquinas pensar?”. Podemos desdobrar

esta pergunta do seguinte modo: qual é a mente das máquinas? Qual é sua

equivalência mental? Como funcionam?

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Atualmente, o conceito de máquina de Turing, criado em 1936, figura na

matemática, na ciência da computação, nas ciências cognitivas, na biologia teórica, na

psicologia, na psicanálise e em outras áreas do conhecimento. O artigo acima

mencionado, que descreve o chamado “teste de Turing”, constitui a pedra angular da

teoria da inteligência artificial. Turing também produziu sozinho um plano bastante

avançado para a fabricação e uso de um computador eletrônico, do qual construiu

várias versões.

Segundo seu biógrafo Andrew Hodges (1949-), deitado na campina de uma

cidadezinha próxima a Cambridge, depois de sua costumeira corrida solitária, Turing

imaginou uma máquina capaz de executar os passos do problema lógico proposto por

David Hilbert (1862-1943) no Congresso Internacional de Matemática em Paris

(1900), no qual se perguntava como seria possível executar certas cadeias longas de

raciocínio. A maior parte dos pesquisadores admitia que a resposta teria a forma de

uma demonstração abstrata. Mas Turing gostava de realizar trabalhos “mais

concretos” como consertar bicicletas, rádios e construir artefatos de todo tipo e,

durante os meses seguintes, demonstrou que essa máquina imaginária seria capaz de

responder às perguntas propostas por Hilbert sobre como provar a verdade ou

falsidade de uma afirmação abstrata. Certamente precisaria de eletricidade, talvez de

uma forma ainda não imaginada, mas isso não o preocupava. Pelo contrário, ele

antecipava o que mais aquela máquina poderia fazer, pois anteviu que, teoricamente,

um dispositivo que conectasse essas cadeias lógicas poderia fazer praticamente

qualquer coisa (Hodges, 2001). Então, a máquina de Turing é primeiramente um

conceito.

O operador da máquina só precisaria escrever claramente as instruções a

serem seguidas, pois ela não teria de entender o significado daquelas instruções, mas

apenas executá-las. Assim demonstrou que praticamente qualquer ação imaginada,

seja somar números ou desenhar figuras, poderia ser traduzida em passos lógicos

simples que a máquina seria capaz de seguir. Quando alguns críticos de seu projeto

protestavam que essa máquina não era tão poderosa como ele queria acreditar, e

citavam tarefas que ela não poderia executar, ele simplesmente pedia que a

dividissem em passos separados e os descrevessem um a um, usando a mesma

linguagem lógica e clara. Então, passava essas instruções à máquina que as executava

fielmente, provando assim que estavam errados.

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Operacionalmente, a máquina de Turing – para ser considerada como

algoritmo, modelo formal de procedimento efetivo ou função computável –, deve

satisfazer às seguintes propriedades, entre outras: a) a descrição do algoritmo deve

ser finita; e b) deve consistir de passos discretos, executáveis mecanicamente e em

um tempo finito. O modelo proposto por Turing consiste basicamente de três partes:

a) uma fita, usada simultaneamente como dispositivo de entrada, saída e memória de

trabalho; b) unidade de controle, que reflete o estado corrente da máquina. Tem uma

unidade de leitura e gravação (cabeça da fita) a qual acessa uma célula da fita de cada

vez e movimenta-se para a esquerda ou direita; c) programa ou função de transição,

que comanda as leituras e gravações, o sentido de movimento da cabeça e define o

estado da máquina. A fita é finita à esquerda e infinita à direita, dividida em células

onde cada uma armazena um símbolo. Os símbolos podem pertencer ao alfabeto de

entrada, ao alfabeto auxiliar ou ainda, ser “branco” ou “marcador de início da fita”

(Menezes, 2002, p. 131-50).

Inicialmente a palavra a ser processada (ou seja, a informação de entrada para

a máquina) ocupa as células mais à esquerda, após o marcador de início da fita,

ficando as demais com “branco”. A unidade de controle possui um número finito e

predefinido de estados. A cabeça da fita lê o símbolo de uma célula de cada vez e

grava um novo símbolo. Após a leitura/gravação, a cabeça move uma célula para a

direita ou esquerda. O símbolo gravado e o sentido do movimento são definidos pelo

programa. O programa é a função que, dependendo do estado corrente da máquina e

do símbolo lido, determina o símbolo a ser gravado, o sentido do movimento da

cabeça e o novo estado. Trata-se, portanto, de uma proposta de definição formal da

noção intuitiva de algoritmo. Estamos tão acostumados com máquinas que executam

instruções que é difícil lembrar uma época em que isso não existia. Por exemplo,

esperamos automaticamente que o computador ou celular aceite nossos comandos

passados pelo teclado. Mas quando Turing era estudante, praticamente ninguém

podia imaginar uma máquina inerte capaz de realizar trabalho inteligente. Essa

“máquina universal”, que Turing descreveu em um artigo de 1937 publicado no

Proceedings of the London Mathematical Society, era autocontida e sem emoção e

quando recebia instruções corretas, começava a operar sozinha “eternamente”.

E nem necessitava de operador que entrasse em seu interior para alterá-la de

acordo com as tarefas, pois ele também começou a desenvolver o conceito de

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ software. Logo percebeu que esse aparelho não teria utilidade se tivesse de ser

construído a cada vez que recebesse um novo problema. Em vez disso, imaginou que

as partes internas da máquina poderiam se reorganizar conforme a necessidade. O

software poderia ser visto como parte do mecanismo do computador, mas estaria

sendo constantemente alterado e reconfigurado de uma forma e depois de outra.

Como sabemos, a realização física da máquina de Turing passou por muitas etapas

devido à dependência de soluções tecnológicas necessárias à sua implementação.

Por causa de seu trabalho sobre Hilbert, Turing foi convidado a passar algum

tempo em Princeton, onde conheceu John von Neumann (1903-1957), que viria a

fazer uma contribuição decisiva para o projeto de Turing. Em 1945, no First draft of a

report on the EDVAC, von Neumann propôs a construção de uma calculadora em que

os programas seriam registrados, do mesmo modo que os dados, em uma grande

memória, a qual a unidade aritmética e lógica da máquina poderia aceder

rapidamente. É na mesma época que também apresenta o modelo dos autômatos

celulares3. Ele reencontrava assim, de forma técnica, o mesmo princípio da fita da

máquina universal de Turing e definia, ao mesmo tempo, a arquitetura do

computador moderno. É o que se conhece hoje como a “arquitetura de von

Neumann”.

Máquinas universais de Turing

Em seu artigo On cumputable numbers with an application to the

Entscheidungproblem (1936), Turing resolveu a importante questão hilbertiana,

abriu novos caminhos na matemática da computabilidade, propiciou uma nova

análise da atividade mental e teve grande aplicabilidade prática: estabeleceu o

princípio do computador através do conceito de máquina universal de Turing. Essa

ideia é facilmente explicável, pois a especificação de qualquer máquina de Turing

3 Nos anos 1940, Stanislaw Ulam estudou o crescimento dos cristais no Laboratório Nacional de Los Alamos e, ao mesmo tempo, John von Neumann, colega de Ulam em Los Alamos, trabalhava em sistemas auto-replicativos e encontrava dificuldades para explicitar o seu modelo inicial de um robô que fosse capaz de se copiar sozinho a partir de um conjunto de peças separadas. Ulam sugeriu-lhe que se inspirasse em seus trabalhos, o que levou Von Neumann a conceber um modelo matemático abstrato para seu problema. O resultado foi o “copiador e construtor universal” (universal copier and constructor, em inglês), o primeiro autômato celular, baseado numa grelha com duas dimensões onde cada célula podia estar em um dos 29 estados. Cf.: http://pt.wikipedia.org/automato celular.

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ sendo dada por uma tabela de comportamento, torna-se uma tarefa mecânica de

verificar itens em um sistema formalizado. Então, uma máquina de Turing pode ser

projetada de modo a ter a propriedade de fazer – quando lhe é fornecida a tabela de

comportamento de outra máquina análoga – o que essa outra máquina teria feito.

Uma das razões para considerar a máquina de Turing como o mais geral

dispositivo de computação é o fato de os demais modelos e máquinas propostos –

bem como suas diversas modificações –, ter, no máximo, o mesmo poder

computacional da máquina de Turing. Por isso, ele a denominou máquina universal.

Diversos outros trabalhos como “máquina de Post” (fundamental para a

linguística de Chomsky) e “funções recursivas” de Kleene resultaram em conceitos

equivalentes ao de Turing. O fato de todos esses trabalhos independentes gerarem o

mesmo resultado em termos de capacidade de expressar computabilidade foi um

forte reforço para a conhecida hipótese de Turing-Church: “A capacidade de

computação representada pela máquina de Turing é o limite máximo que pode ser

atingido por qualquer dispositivo de computação” (Menezes, 2002, p. 139). Isto é,

essa hipótese afirma que qualquer outra forma de expressar algoritmos terá no

máximo a mesma capacidade computacional da máquina de Turing. Como a noção de

algoritmo ou função computável é intuitiva, a hipótese de Church não é

demonstrável.

Turing introduziu a máquina universal como uma ferramenta no argumento

para a apresentação de um número incomputável. Como tal, ela não era necessária

para sua conclusão relativa ao Entscheidungsproblem (o problema da parada). Mas

foi logo levado à possibilidade de sua construção prática. É essa máquina universal

que justifica atribuir-se a ele a invenção do princípio do computador e é difícil, em

nossos dias, pensar as máquinas de Turing sem pensar nelas como o computador e na

máquina universal como aquela na qual rodam os programas. Mas atenção! Embora

se empregue a expressão “máquina universal de Turing”, há um grande número de

outras máquinas com esta propriedade. Turing não estava considerando máquinas

computacionais de seu tempo, e sim modelizando a ação de mentes humanas. As

máquinas físicas viriam uma década mais tarde.

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Autômatos celulares, equivalência computacional e teoria quântica da informação

A cibernética bateu de frente com duas concepções humanistas surgidas na

modernidade e foi muito criticada por isso: 1. A ideia de uma separação clara entre

homem e máquina; e 2. A interioridade subjetiva própria do ser humano. Por essa

razão, nos anos 50 e 60 do século passado, ela assumiu ares de um Novo

Renascimento visto que acumulava descobertas técnicas e científicas de sua época. É

fato que essa crítica não é exclusiva, pois ela já pode ser verificada em Nietzsche,

Freud e Heidegger, mas é com a cibernética, mais do que com qualquer outro

modelo, que se fez a rejeição mais radical e sistemática da noção de autonomia do

sujeito ao mesmo tempo em que se forneceram as novas bases para entender o

homem e a cultura que ele produz.

A partir da ruptura com a tradicional dicotomia homem-máquina, Norbert

Wiener (1894-1964) propôs uma abordagem humano-mecânica da sociedade. A

modificação protética do corpo está no coração do projeto cibernético: “Modificamos

tão radicalmente nosso meio que devemos nos modificar a nós próprios para viver à

escala deste novo ambiente” (Wiener, 1973, p. 46). Seja para substituir um membro

amputado ou processar informação, as máquinas inteligentes são próteses, extensões

de nosso corpo. Assim como Freud já havia indicado em Mal-estar na civilização4,

Wiener também considerava a humanidade dependente de suas próteses. E, para

Miguel Nicolelis (1961-), à medida que primatas e seres humanos ganham

competência no uso de ferramentas artificiais, seus cérebros tendem a incorporar

esses artefatos como “verdadeiras extensões contínuas de seus corpos biológicos”5.

Em cada um de nós, esse órgão está trabalhando numa rotina frenética e permanente

4 “O homem, por assim dizer, tornou-se uma espécie de “Deus de prótese”. Quando faz uso de todos os seus órgãos auxiliares, ele é verdadeiramente magnífico; esses órgãos, porém, não cresceram nele e, às vezes, ainda lhe causam muitas dificuldades. Não obstante, ele tem o direito de se consolar pensando que esse desenvolvimento não chegará ao fim exatamente no ano de 1930 A.D. As épocas futuras trarão com elas novos e provavelmente inimagináveis grandes avanços nesse campo da civilização e aumentarão ainda mais a semelhança do homem com Deus. No interesse de nossa investigação, contudo, não esqueceremos que atualmente o homem não se sente feliz em seu papel de semelhante a Deus” (Freud [1930], 1978, p. 111). 5 Também remetemos à obra seminal de Marshall McLuhan, Os meios de comunicação como extensões do homem, que incorporou essa questão aos estudos da comunicação.

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ de assimilação de tudo o que nos cerca, com o objetivo de modelar nossa autoimagem

corpórea com base num incessante fluxo de informação:

[E]le não só exibe a capacidade de ser o mais sofisticado construtor de

ferramentas parido pelo processo de evolução natural, como também

expressa o mais voraz dos apetites por incorporar os objetos que são o fruto

de nosso inconfundível e incomparável desejo de criar. Devido a tal sina,

não resta ao cérebro outro caminho que não seja continuar a adicionar, por

toda a vida, nossas roupas, relógios, sapatos, carros, computadores, talheres

e quaisquer outros instrumentos que usamos no dia a dia a representações

neurais do corpo, que se expandem e contraem, dinamicamente a cada

instante de nossa existência (Nicolelis, 2011, p. 350).

Essa hibridização funcional entre mente e tecnologia, humano e mecânico,

deflagra uma interdependência sistêmica com mútua determinação. Verdadeiro

mutante, o “agente” cibernético deve ajustar-se permanentemente ao sistema

humano-mecânico em constante evolução e adquire assim as características de

“homem sem interior”, um processo voltado para “fora”, segundo Gregory Bateson

(1904-1980). Ou seja, sem dependência de um modelo de subjetividade encarnada e

responsável pelo processo de pensamento e produção de conhecimento.

A digital philosophy (filosofia digital) é uma das direções propostas por

matemáticos e físicos como Edward Fredkin (1934-), Konrad Zuse (1910-1995),

Stephen Wolfram (1959-) e Gregory Chaitin (1947-). Trata-se da pesquisa científica

de um universo, em última instância, também discreto e informacional, isto é,

computacional. Essa área do conhecimento nasceu da física digital (termo também

proposto por Fredkin), que pensa a física teórica a partir dos autômatos celulares.

Especificamente, a física digital trabalha com a hipótese de que o universo é um

completo autômato celular de Turing. Ou seja, uma interpretação contemporânea da

metafísica monista de Leibniz, que substitui as mônadas pela dimensão dos

autômatos celulares da física digital. Ele pretende resolver problemas relacionados à

filosofia da mente e da filosofia da física, em que a mente pode ser tratada

computacionalmente. Em um universo digital, existência e pensamento podem ser

equivalentes à computação. Então, a computabilidade é a base de uma física monista

e a “subjetividade”, em última instância, surge de e em uma universalidade

computacional.

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Por exemplo, para Chaitin, criador do número Ω, é muito provável que

estejamos vivendo em um mundo digital e “que Deus prefere ser capaz de copiar

coisas de modo exato quando é obrigado, mais do que obter o inevitável aumento de

ruído que acompanha o copiar analógico” (Chaitin, 2009, p. 144).

A ideia de uma ampla artificialidade é extensiva também à naturalização do

modelo cibernético a uma escala planetária, que abrange todo o ecossistema no qual a

natureza se torna um imenso sistema cibernético6. Hoje, essa ideia já está banalizada

– basta ver o filme Matrix, dos irmãos Andy e Larry Wachowski –, mas foi

surpreendente quando formulada pelo projeto cibernético. Nos anos 60, Zuse que

construiu os primeiros computadores eletromecânicos programáveis do mundo,

sugeriu que o universo estaria tendo lugar nas entranhas lógicas de um computador,

baseado na ideia de Von Neumann de “autômato celular”. Imaginemos um tabuleiro

de xadrez onde cada casa do tabuleiro é uma célula. Cada uma destas pode ser preta

ou branca. A cor pode mudar seguida por regras simples implantadas dentro de cada

uma delas. Estas regras são realizadas em todas as células ao mesmo tempo, toda vez

que um relógio bate. O tabuleiro é agora um autômato celular. Na esteira de Zuse, a

filosofia digital, de Fredkin, também supõe que o universo é computacional e afirma a

hipótese de que algum modelo de autômato celular pode ser programado para

funcionar como a física do universo. Ele, juntamente com Wolfram7 e Chaitin, tem

sido um dos mais notáveis promotores da ideia do Universo como um programa

computacional constituído de informação.

Fredkin supõe que o universo é um computador, ou melhor, que o universo é

uma simulação computacional. Todas as coisas que vemos, conhecemos e fazemos

são ilusões criadas pelo software de um computador gigantesco, como o holodeck da

nave Enterprise em Jornadas nas Estrelas: Nova Geração. Tudo o que se passa no

holodeck é gerado em outra parte da nave, assim como o computador que controla o

universo está em outro lugar. Esse computador que executa o programa para simular

nosso universo não pode estar em nosso universo, pois nosso mundo é o programa

que está sendo executado naquela máquina. Embora haja ainda muita discussão 6 Cf. GARDNER, James. O universo inteligente: inteligência artificial, extraterrestres e a mente emergente do cosmo. São Paulo: Cultrix, 2009. 7 O mais recente divulgador destes conceitos é Stephen Wolfram no livro A New Kind of Science (Um Novo Tipo de Ciência), onde desenvolve a ideia do universo como um programa de computador.

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ sobre as teses de Fredkin, o fato é que ele oferece novas ideias a respeito de como o

universo funciona e que pode ser descrito em termos de processamento de

informação.

Para ele, a natureza pode ser descrita em termos de processamento

informacional. Por exemplo, a semente do carvalho que já contém toda informação

necessária para fazer uma árvore, pois quando processada adequadamente o

resultado é um novo carvalho. O futuro acontece porque um processo computacional

qualquer transforma uma informação do presente em novas condições que

representam o instante do tempo seguinte. Ou seja, novamente se toma a informação

como base da realidade: o it from bit, de John Wheeler (1911-2008), conforme

veremos mais adiante.

Por sua vez, o projeto de Wolfram, apresentado em New Kind of Science

(NKS), busca ir além das modificações de paradigmas científicos regionais. Propõe

uma mudança na própria matriz, no próprio modo de se conceber a experiência

científica e consequentemente a ciência. A sua hipótese da equivalência

computacional (computational equivalence) propõe uma nova ciência baseada em

um tipo mais geral de leis (regras) que podem ser encarnadas em simples programas

de computador. Não há razão para pensar que sistemas como esses que vemos na

natureza seguem apenas as regras tradicionais da matemática. A experiência

cotidiana nos dá a ideia de que criar complexidade é algo difícil e que requer regras e

planos que seriam eles mesmos complexos. Mas no mundo dos programas

computacionais, esta intuição parece não proceder.

Wolfram toma uma série de programas simples de computador para ver como

funcionam e se comportam: apesar de regras simples, seus comportamentos estão

longe da simplicidade. Pensando em termos de programas, podemos até mesmo

abordar comportamentos muito complexos, uma vez que princípios universais

simples parecem determinar os comportamentos dos sistemas de modo geral. Da

mesma forma que as regras para qualquer sistema podem ser vistas como

correspondentes a um programa, também seu comportamento pode ser visto como

correspondente à computação.

Na base das descobertas de Wolfram está o princípio de equivalência

computacional. Isto é, onde quer que se veja comportamento que não é obviamente

simples, em qualquer sistema, há computação de sofisticação equivalente. Esse

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ princípio é tão amplo que se pode dizer que não tem precedentes na história dos

princípios científicos, pois aplica-se a fenômenos de qualquer tipo, seja natural ou

artificial. Suas implicações, além de amplas, são profundas para várias áreas do

saber. O princípio afirma que todos os processos, sejam eles produzidos pelos

esforços humanos ou ocorram espontaneamente na natureza, podem ser vistos como

resultados de computação.

O princípio de equivalência computacional assevera que, desde que vistos em

termos computacionais, há uma equivalência fundamental entre os vários tipos

diferentes de processos. Ou ainda, quase todos os processos que não são obviamente

simples podem ser vistos como computações de sofisticação equivalente. A NKS se

aplica à teoria do caos, teoria da complexidade, teoria da complexidade

computacional, cibernética, teorias dos sistemas dinâmicos, teoria evolutiva,

matemática experimental, geometria fractal, teoria geral de sistemas, nanotecnologia

(implementação de sistemas tecnológicos em escala atômica), dinâmica não-linear,

história, sociologia, economia, psicologia, psicanálise etc. Nenhum sistema pode levar

adiante computações explícitas que sejam mais sofisticadas do que aquelas feitas por

sistemas como autômatos celulares e máquinas de Turing.

Sistemas naturais operam como programas e seus comportamentos são

frequentemente complexos. A razão para que tal complexidade não seja vista em

artefatos humanos é que, ao construirmos esses aparelhos, tendemos a usar

programas que são especialmente escolhidos para provocar somente

comportamentos simples o bastante para que possamos prever que ele irá atingir os

propósitos desejados8.

8 “Pode-se pensar que – como no começo eu certamente o fiz –, se as regras para um programa são simples, então isso significa que seu comportamento também deverá ser correspondentemente simples. Nossa experiência cotidiana na construção das coisas tende a nos dar a impressão de que a criação de complexidade é algo difícil e exige regras ou planos que são eles próprios complexos. Mas a descoberta fundamental que eu fiz há 18 anos atrás é que, no mundo dos programas, tal intuição está longe de ser correta. Fiz o que, em certo sentido, é uma das experiências mais elementares que se possa imaginar em computação: peguei uma seqüência de programas simples e comecei a rodá-los para ver como se comportavam. E o que eu encontrei – para minha grande surpresa – foi que, apesar da simplicidade de suas regras, o comportamento do programa estava muitas vezes longe de ser simples. Na verdade, mesmo alguns dos programas mais simples que verifiquei tinham um comportamento que era tão complexo como qualquer coisa que eu já tivesse visto” (Wolfram, 2002, p. 2 [minha tradução]).

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ É no âmbito dessa digital philosophy que John Wheeler afirmou o “it from

bit”, o “it vem do bit”. Para ele, há uma analogia entre o modo como um computador

funciona e o modo como o universo funciona. O computador se baseia na lógica do

sim e não e talvez a mesma coisa aconteça com o universo. O universo – e tudo o que

ele contém (o it) – pode ser consequência de milhares de medidas que implicam

escolhas do tipo sim ou não (os bits) formulando uma abordagem para estudar o

universo em termos de informação; e quando uma ciência é encarada do ponto de

vista computacional, torna-se evidente que informação é mais do que simples

metáfora ou analogia. Muitos cientistas pensam hoje a informação como algo

concreto, como tempo, espaço, energia e matéria. E, nos termos de Wheeler, “tudo é

informação”.

Mas a teoria da informação clássica não é capaz de descrever a criptografia

quântica, por exemplo, pois para descrever esse fato foi necessária a criação de algo

que não existia até recentemente: a teoria quântica da informação. Essa nova teoria

nasceu na década de 90 do século passado e entre os criadores dessa nova forma de

conhecimento está Benjamin Schumacher (1962-), físico do Canyon College. Em

1992, ele apresentou o conceito de um bit de informação quântica, que ficou

conhecido como q-bit (ou qubit), que tornou possível o estudo quantitativo de

informação quântica, da mesma maneira que o bit tornou possível estudar

quantitativamente a informação no sentido clássico. É desse campo de conhecimento

que pode emergir uma máquina até mais poderosa do que aquela que Fredkin havia

imaginado: o computador quântico. Foi o que levou Feynman, por exemplo, a

afirmar que é possível simular um sistema quântico através de um computador

construído a partir de elementos quânticos: “Não estou falando de uma máquina de

Turing, mas de outro tipo de máquina” (Siegfried, 2000, p. 83). Mesmo que não

tenha dito que forma esta máquina teria, há a conjectura de uma máquina superior

ou mais abrangente do que a máquina de Turing. Essa é uma questão básica para

nossa pesquisa.

É a partir dessas referências que pretendemos comentar e cotejar a máquina

de revirão (Magno), como um modelo psicanalítico e lógico para pensar a mente para

homens, máquinas e para o próprio universo e que pode apontar para a questão

crucial que atravessa todo esse campo de conhecimento: a proposta de uma mente

topo de linha, limiar, a partir da qual todas as outras formas de mente, como na

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ escala sugerida por Kurzweil, podem ser pensadas. Vejamos, antes ainda,

aplicações do modelo das máquinas computacionais descritas acima em outras áreas

do conhecimento.

A linguística de Chomsky

A linguística também foi afetada pelas ideias que vinham de teoria da

informação e da cibernética debatidas nas Conferências Macy. A teoria chomskiana,

que teve início com Syntactic Structures (1957), vê a língua como “um espelho da

mente” e isso constitui uma das razões mais importantes para a sua opção de estudar

a língua. Essa hipótese de Noam Chomsky (1928-) foi decisiva para a chamada

“revolução cognitiva” moderna. Ela afirma que a faculdade da linguagem parece ser

uma propriedade real da espécie humana, e que varia muito pouco entre os humanos.

Considera também a “linguagem como um órgão”, um subsistema de um sistema

complexo e postula que esse dispositivo é comum a todos e seria o estágio inicial do

sistema linguístico, que recebe input da experiência e produz linguagem como

output, uma rede fixa conectada a um painel distributivo em que as chaves são

opções a serem determinadas pela experiência. Se essas chaves são ajustadas de uma

forma, temos uma língua e, de outra forma, temos outra língua. Desse modo, cada

língua tem uma quantidade de parâmetros e pequenas mudanças nas configurações

podem gerar uma grande variedade aparente de output, pois o efeito prolifera através

do sistema. Cada língua resulta da ação recíproca do estado inicial e do curso da

experiência.

Esse dispositivo está supostamente encaixado na arquitetura maior do cérebro

e interage com outros sistemas que impõem condições que têm que ser satisfeitas

para serem utilizáveis. Chomsky chama a esses processos de condições de legibilidade

que possibilitam que o sistema sensório motor leia instruções sobre o som e que os

aparatos articulatórios interpretem certas propriedades fonéticas e não outras. Esses

sistemas impõem condições de legibilidade aos processos gerativos da faculdade da

linguagem, que devem prover expressões com a forma fonética adequada. O mesmo

acontece com as “representações semânticas”. Afirma que, como a língua tem som e

significado, isso implica duas interfaces na mente, uma conceitual e outra sonora. É

bem conhecida a crítica feita à linguística gerativa acusando-a de tomar a faculdade

da linguagem humana de forma isolada, divorciada da semântica, das funções da

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ linguagem, e de outros aspectos humanos como o social, o biológico, o experiencial e

o cognitivo. Os defensores do modelo da gramática universal (GU), entretanto,

acreditam que o input recebido do ambiente não é suficiente para explicar a aquisição

de nenhuma língua, materna ou estrangeira, pois não é aceitável que se possa

adquirir conhecimento linguístico tão complexo, ou competência, com tão pouco

input. Chomsky define língua como

(...) um conjunto (finito ou infinito) de frases, cada uma finita no seu

tamanho e construída a partir de um conjunto finito de elementos. Todas as

línguas naturais (...) são línguas neste sentido, uma vez que cada língua

natural possui um número finito de fonemas (ou de letras no seu alfabeto) e

que cada frase pode representar-se como uma sequência finita desses

fonemas (ou letras), embora o número de frases seja infinito (Chomsky,

1980, p. 15).

Com os conhecidos exemplos, “1. Colorless green ideas sleep furiously; (2)

Furiously sleep ideas green colorless”, afirma que a ideia do que é gramatical não é de

base semântica, pois, apesar do exemplo 1 ser um nonsense, qualquer falante da

língua inglesa aceitaria a primeira frase como gramatical, mas o mesmo não

aconteceria com a segunda. Levanta, então, a hipótese de que teríamos um

mecanismo semelhante a uma função algorítmica computacional presente nos

diferentes estados internos: o primeiro deles seria o estado inicial (input) e o último o

estado final (output). A operação começa no estado inicial, percorre uma sequência

de estados (produzindo uma palavra em cada transição), e termina no estado final, de

modo análogo à máquina de Turing. A sequência de palavras produzida é a “frase”

(sentence). Cada máquina define então uma determinada língua, isto é, o conjunto de

frases que podem ser produzidas dessa forma. Qualquer língua que possa ser

produzida por um mecanismo desse tipo, é denominada língua de estado finito e

pode-se chamar esse mecanismo de gramática de estado finito. Chomsky demonstra

que são os processos de formação de frases são finitos e que a recursividade faz com

se produzam frases infinitamente. A gramática é assim um recurso gerador de frases

(= uma máquina) e propõe o estudo da gramática independente da semântica.

Então, sua proposta é de um estudo de estruturas básicas e suas regras de

transformação. Nasceu assim a gramática gerativa ou teoria transformacional que

considera a língua como constituída de autômatos computacionais e afirma que sua

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ teoria se baseia principalmente nas teses de Humbolt, que já declarava que “uma

língua “faz uso infinito de meios finitos” e de que “a gramática dessa língua deve

descrever os processos que tornam isso possível”.

Para ele, “uma gramática reflete o comportamento do falante que, a partir de

uma experiência de língua, finita e acidental, consegue produzir ou compreender um

número infinito de novas frases” (1980, p. 17). A distinção que Chomsky faz em

Syntactic Structure entre frases geradas pela gramática (a língua) e a amostra dos

enunciados produzidos, em condições normais de uso, pelos falantes de uma língua-

mãe (o corpus), desenvolve-se posteriormente com a dicotomia competência e

desempenho (Lyons, 1995, p. 38). Competência é definida como o conhecimento que

o falante-ouvinte possui de sua língua e desempenho como o uso efetivo da língua em

situações concretas. Ele associa essa dicotomia à langue e parole de Saussure, mas

rejeita o conceito de langue “como sendo meramente um inventário de itens” e adota

a concepção humboltiana de competência subjacente como um sistema de processos

gerativos. Assim, aproxima o conceito de aceitabilidade à performance e a

gramaticalidade à competência (Chomsky, 1980). Outro conceito importante é o de

dispositivo de aquisição de linguagem (DAL), que ultrapassa os propósitos deste

artigo e será retomado em outra ocasião.

Psicanálise, cibernética, estruturalismo e antropologia

Quer se trate das da realidade virtual (RV) e das redes, do ciborgue e seus

dispositivos bioinformáticos, deparamo-nos com a herança do modelo cibernético e

sua ideia genérica de controle de sistemas que dispensa a categoria de sujeito do

conhecimento, sobre a qual se assentou a ideia de homem moderno desde Descartes.

De Bateson a Lacan, de Lévi-Strauss a Sloterdijk, de Jakobson a Badiou, a ideia de

sujeito passa por sucessivas críticas, reformulações e abstrações que se encaminham

para seu progressivo desaparecimento. Apesar da complexidade em jogo no

pensamento desses autores, nota-se a permanência de um paradigma que passa do

estruturalismo à teoria dos sistemas, do pós-moderno ao pós-humano, do

ciberespaço à reconfiguração biotecnológica dos corpos, das neurociências à

inteligência artificial (IA) etc., no qual se constata a negação da herança humanista e

o exercício de uma lógica de dessubjetivação típica do modelo cibernético.

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ O pensamento de Roman Jakobson (1896-1982), em seu contato com a

cibernética e a teoria da informação9, ganhou a consistência necessária para firmar-

se e influenciar pensadores europeus como Claude Lévi-Strauss (1908-2009) e

Jacques Lacan (1901-1981). É por intermédio do estruturalismo que a cibernética

fixou-se de forma duradoura na Europa. Na época, representavam uma resposta

científica aos horrores da Segunda Guerra Mundial e na crescente suspeita de pós-

guerra que recaia sobre a ciência e a técnica ao mesmo tempo em que havia uma

perda de confiança no homem e nos ideais humanistas em vigor.

Em Tristes trópicos, Lévi-Strauss transformou a antropologia em entropologia

(entropia + logia), fazendo ressonância às propostas de Wiener – que descrevera seu

entendimento do homem como “náufragos num planeta condenado à morte”

(Wiener, 1973, p. 36-37) –, afirmando que “incumbe ao homem viver e lutar, pensar e

acreditar (...) sem jamais ser livre da certeza adversa de que não estava outrora na

terra e de que não o estará para sempre, e de que, com seu desaparecimento

inelutável da face do planeta, também ele condenado à morte, os seus labores, as suas

alegrias, as suas esperanças e as suas obras desaparecerão como se nunca tivesse

existido” (Lévi-Strauss, 2011, p. 670).

O estruturalismo, assim como a cibernética, destacou-se desde o início como

um pensamento de desconstrução e destruição da noção de sujeito. É no paradigma

da cibernética que Lévi-Strauss afirma seu modelo antropológico de “espírito sem

sujeito”, base de seu arcabouço teórico. Se Wiener suspeitava que seu modelo

dificilmente seria aplicado às ciências humanas, por outro lado Lévi-Strauss replicava

que a linguística estrutural estava em condições de sustentar essa exigência, pois,

segundo ele, a estrutura da linguagem pode ser descrita a partir de longas séries

estatísticas e se constitui como “objeto independente do observador”, segundo a

exigência da epistemologia clássica. Esse modelo, que se ancorava na linguística

estrutural de Saussure e na fonologia de Jakobson – influenciado pela fonologia de

Nikolay Trubetskoy (1890-1938) e pela teoria da informação de Shannon (os bits) –,

descreve a língua como unidades sonoras (os fonemas) estruturadas como códigos e 9 Segundo François Dosse, o sucesso do estruturalismo na França em muito se deveu ao encontro de Lévi-Strauss e Jakobson em Nova York em 1942, ao mesmo tempo que se dava também o encontro entre o estruturalismo e a cibernética na 5ª conferência Macy. Jakobson estava na primeira linha das discussões entre cibernética e teoria da informação (Dosse, 1993, v. 1, p. 75-81).

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ constituídas por leis invariáveis, à moda das ciências duras. A antropologia passa,

assim, a estudar os códigos culturais humanos, de modo a extrair deles leis gerais e

“estruturas universais”. O interesse de Saussure, Jakobson, Shannon e Wiener recai

sobre as relações e os sistemas e não sobre os referentes ou objetos. Quéré, por

exemplo, destaca as relações existentes entre o modelo informacional e o

estruturalismo: 1. Antecede a mensagem; 2. Delimita as balizas da comunicação; 3. É

independente dos conteúdos informativos; e 4. Está numa posição de exterioridade

em relação à fonte (emissor) (Queré apud Lafontaine, 2007, p. 89). É nesse sentido

que Saussure entendia que não é o falante que fala a língua, mas sim que é falado por

ela.

Foi a partir da teoria sobre o simbólico de Lévi-Strauss que Lacan recompôs a

psicanálise freudiana, afastando-a principalmente das referências biológicas e

afirmou que “[o] insconsciente não é o primordial, nem o instintivo, e, de elementar,

conhece apenas os elementos do significante” (Lacan, 1998, p. 526), lugar vazio das

trocas simbólicas. Mas é a partir do Seminário 2 [1954-55] que surgem na obra de

Lacan as marcas das teorias cibernéticas e informacionais. Com a noção de simbólico,

ele afirma que “a função simbólica constitui um universo no interior do qual tudo

aquilo que humano deve ordenar-se”10 (Lacan, 1985, p. 44) e acrescenta que “o

mundo simbólico é o mundo da máquina”11 (Lacan, 1985, p. 66) e, nesse mesmo

raciocínio, põe o homem como sujeito descentrado e lembra que as máquinas

também são feitas de discurso (informacional):

Concebido como pura ficção, o sujeito lacaniano só existe no horizonte da

ordem simbólica que o determina, que toma a forma de circuito cibernético.

Pelo menos é isto que Lacan defende quando afirma que o inconsciente é o

discurso do outro, não de um outro “abstrato”, mas sim o “o discurso do

circuito em que estou integrado (Lafontaine, 2007, p. 97).

10 “(...) A função simbólica não é nova como função, ela tem lineamentos em outros lugares que não na ordem humana, mas trata-se apenas de lineamentos. A ordem humana se caracteriza pelo seguinte – a função simbólica intervém em todos os momentos em todos os níveis de sua existência” (Lacan, 1985 [Seminário Livro 2], p. 44). 11 “A palavra é inicialmente este objeto de troca com o qual a gente se reconhece, e porque vocês disseram a senha, a gente não quebra a cara, etc. A circulação da palavra começa assim, e ela se infla a ponto de construir o mundo do símbolo que permite cálculos algébricos. A máquina é a estrutura como desvinculada da atividade do sujeito. O mundo simbólico é o mundo da máquina” (Lacan, 1985, p. 66).

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Esse “circuito integrado” a que ele se refere diz respeito ao circuito das “portas

cibernéticas”, cuja cadeia combinatória funciona independente de qualquer

subjetividade e Lacan define a cibernética como “uma ciência da sintaxe” (Lacan,

1985, p. 380). Se lembrarmos da primazia que a linguística estrutural dá à fonologia e

à sintaxe (e, por isso, do papel atribuído ao significante), compreende-se que o

simbólico, para Lacan, é uma transposição do modelo cibernético, uma verdadeira

encarnação maquínica do simbólico – muito diferente do imaginário – que ordena a

cultura humana. Para Lacan, o simbólico se impõe a partir do exterior, segundo as

mesmas combinações matemáticas apresentadas por Lévi-Strauss e, dessa forma,

concebe o ser humano unicamente em sua relação com o Outro, com o universo

simbólico da mediação. É claro que a psicanálise lacaniana não se restringe a isso, e o

próprio Lacan vai fazer ainda sucessivas viradas teóricas e clínicas, mas já se pode

medir até aqui o quanto essas articulações são sintomáticas das influências da

cibernética em seu pensamento.

Outro exemplo, na mesma linhagem da sintaxe importada da teoria da

informação é a lógica do significante (Dor, 1989), formulada a partir do signo

linguístico de Saussure, constituído de significado (conceito ou representação

psíquica) e significante (imagem acústica). Lacan retomou o conceito de significante

como elemento central de sua teoria, entendido como elemento significativo do

discurso que determina os atos, palavras do “sujeito”. Essa noção foi construída a

partir de Saussure e Lévi-Strauss e posteriormente incluiu as articulações de

Jakobson sobre os dois eixos da linguagem (sintagma e paradigma), resumidos na

metáfora e na metonímia.

Além de tudo que já se falou sobre a lógica do significante em Lacan, podemos

acrescentar mais um aspecto: no movimento de representação do sujeito lacaniano de

um significante para outro significante, o movimento no sentido de atingimento do

objeto do desejo (objeto a), esse objeto se desloca metonimicamente para um

horizonte sempre inatingível. Parece estar em um processo perene de dissipação,

como algo que sempre escapa a qualquer movimento de apreensão. Esse é o sentido

entrópico do objeto a. Permanece ainda nessa lógica do significante algo que lembra

as bases da teoria da informação e seus fundamentos físicos. No processo mesmo de

produção da informação a partir da entropia, algo permanentemente se perde,

justamente aquilo que poderia fechar o circuito do processo informativo. Estamos no

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ vigor do modelo cibernético, informacional de base termodinâmica e do

entendimento da funcionalidade da mente a partir de um paradigma cibernético e

informacional.

Além dessas relações acima apresentadas entre a psicanálise desse momento e

a cibernética, podemos também destacar outros aspectos que também têm uma funda

relação como esse paradigma e sua ideia de artificialismo geral do universo: por

exemplo, a ideia de “desmontagem da pulsão” (Lacan, 1979, p. 153-64), quando dá

claro indicativo de que o circuito pulsional opera como uma máquina. Lacan,

juntamente com Freud, descarta as possibilidades de redução da ideia de pulsão a

qualquer sentido puramente biológico ou orgânico. Destaca que, quando Freud fala

de “investidos pulsionalmente”, destaca que a característica da pulsão é ser uma

konstante Kraft, uma força constante. E ele não a concebe como uma momentane

Stosskraft (no sentido de (força de) momento na cinemática, quem sabe referência a

uma força cinética):

A constância do impulso proíbe qualquer assimilação da pulsão a uma

função biológica, a qual tem sempre um ritmo. A primeira coisa que diz

Freud da pulsão é, se posso me exprimir assim, que ela não tem dia nem

noite, não tem primavera nem outono, que ela não tem subida nem descida.

É um força constante. Seria preciso levar em conta igualmente os textos e a

experiência (Lacan, 1979, p. 157)

Segundo Lacan, a pulsão se parece com uma montagem que, de saída, se

apresenta como não tendo “pé nem cabeça” – no sentido em que se fala de montagem

numa colagem surrealista.

Se aproximarmos os paradoxos que vimos de definir no nível do Drang ao

objeto, ao do fim da pulsão, creio que a imagem que nos vem mostraria a

marcha de um dínamo acoplado na tomada de gás, de onde sai uma pena de

pavão que vem fazer cócegas no ventre de uma bela mulher que lá está

incluída para a beleza da coisa. A coisa começa a se tornar interessante pelo

seguinte, que a pulsão define, segundo Freud, todas as formas pelas quais

se pode inverter tal mecanismo. Isto não quer dizer que se reverte o dínamo

– desenrolam-se seus fios, são eles que se tornam a pena de pavão, a

tomada do gás passa pela boca da moça e pelo meio sai um sobre de ave

(Lacan, 1979, p. 161).

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Lacan então articula um de seus raciocínios mais importantes sobre a pulsão:

“(...) a curva da terminação da sexualidade no ser vivo. Como espantar-se que seu

último termo seja a morte? Pois que a presença do sexo está ligada à morte” (Lacan,

1979, p. 168). Essa metáfora da curva, do arco, foi retirada de Heráclito: “Ao arco é

dado o nome da vida (Bios) e sua obra, é a morte” (Lacan 1979, p. 168). E Lacan

acrescenta: “O que a pulsão integra de saída em toda a sua existência, é uma dialética

do arco, diria mesmo do arco e da flecha. Por aí podemos situar seu lugar na

economia psíquica” (p. 168). Nessa trajetória, assim descrita, ressoa a tradição do

modelo termodinâmico e cibernético.

Máquinas desejantes

Na sequência do acima exposto, poderíamos tratar também de outras questões

ligadas à computação e à cibernética, mas que não cabem no espaço deste breve

artigo. Dando um salto, faremos aqui uma breve apresentação de questões propostas

por Deleuze e Guattari que tomaram o conceito de máquina como pensada a partir de

Turing e da cibernética, para articular aspectos fundamentais da mente segundo a

psicanálise – como o quadro pulsional descrito por Freud –, além da crítica

endereçada a uma estagnação da psicanálise em que havia recaído o legado freudiano

no final dos anos 60.

Do começo ao final do Anti-Édipo vemos a afirmação de que tudo é máquina,

de modo que na produção da realidade só há maquinações. Quando Deleuze e

Guattari empregam o termo máquina, a intenção parece ser a subversão do sentido

adquirido nas teses mecanicistas para pensar uma maquinaria que não só representa

o homem e a natureza, mas também como aquilo que os produz incessantemente.

Esses arranjos maquínicos funcionarão por si mesmos, dispensando a ação de

qualquer elemento transcendente para torná-los animados ou para designar-lhes

princípios e finalidades. E aí não se trata de metáfora da realidade, mas é a própria

realidade em sua produção por todos os domínios e escalas, em produção desejante

permanente. Para eles, o homem constitui uma só peça com a máquina ou constitui

uma só peça com outra coisa para constituir uma máquina, que pode ser um artefato,

um animal ou outros homens. Isso, desde que esse caráter seja comunicado por

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ recorrência ao conjunto de que faz parte em condições bem determinadas (Deleuze &

Guattari, 1972, p. 404).

Em toda parte são máquinas com seus acoplamentos e conexões. Uma

máquina órgão para uma máquina energia, sempre fluxos e cortes. Há

sempre uma máquina produtora de um fluxo e uma outra que lhe é ligada,

operando um corte, na extração de fluxo (o seio – a boca) como a primeira é

por sua vez ligada a uma outra, em relação à qual ela se comporta como

corte ou extração, a série binária é linear em todas as direções. O desejo não

cessa de efetuar acoplamentos de fluxos contínuos e de objetos parciais,

essencialmente fragmentários e fragmentados. O desejo faz escorrer,

escorre e corta. Fluxo de babas, esperma, urina, que são produzidos por

objetos parciais, constantemente cortados por outros objetos parciais, os

quais produzem outros fluxos, recortados por outros objetos parciais

(Deleuze e Guattari, 1976, p. 20).

Os autores efetuam análises críticas originais da psicanálise, e oferecem

propostas teóricas e práticas para os problemas que identificam no legado freudiano.

Pretendem conceber um inconsciente imanente e produtivo e o registro econômico

do inconsciente freudiano é valorizado nesse projeto.

Os conceitos de máquina desejante e corpo sem órgãos12, por exemplo,

articulam-se com a teoria das pulsões na retomada positiva e específica da teoria

freudiana através dos conceitos de máquina desejante e de corpo sem órgãos,

empreendimento vigoroso na investigação do inconsciente e do desejo, onde se busca

retomar linhas alternativas que nascem da própria psicanálise, mas que estavam

esquecidas. Dois princípios se destacam nessa leitura: 1. O inconsciente não é

representativo, mas produtivo (“o inconsciente não é um teatro, mas uma fábrica,

uma máquina de produzir”); 2. O inconsciente não se constitui no campo individual-

familiar, mas no campo social (“o inconsciente não delira sobre papai-mamãe, ele

delira sobre as raças, as tribos, os continentes, a história e a geografia, sempre um

campo social”). As afirmações de certo modo resumem o tipo de confronto que eles

estavam tendo com a psicanálise daquele momento.

12 Remetemos o leitor a O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia (Rio de Janeiro: Imago, 1972) e Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia (Rio de Janeiro: Editora 34, 1995-1997), obras seminais dos autores sobre essas questões.

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Em oposição à mecânica que concebe o inconsciente como um organismo,

constrói-se um modelo de fluxos livres e não codificados, com um funcionamento

maquínico que reconheça os aspectos moleculares marcados pelas dispersão e

interação autônomas de suas partículas na consideração de que os organismos são

máquinas que contém tal abundância de partes que devem ser comparados a peças

extremamente diferentes de máquinas distintas que se remetem umas às outras,

maquinando uma sobre as outras (1972, p. 296). E o motor das máquinas é o desejo:

“a máquina introduz-se no desejo, a máquina é desejante e o desejo maquinado”

(1972, p. 297). Empregando uma articulação que provém da cibernética, eles também

unificam as categorias de homem, natureza e máquina, onde o humano, o natural e o

maquínico são a mesma coisa, pois todos são processos de produção molecular. Já

não há nem homem nem natureza, mas unicamente um processo que os produz um

no outro, e liga as máquinas: tudo é máquina (1972, p. 8). Assim, o princípio

unificador de todos os seres encontra-se no próprio processo de composição e

fragmentação das máquinas desejantes. Trata-se de um processo infinito em que tudo

é produção de máquinas, resultado de outra produção de máquinas.

Nosso interesse neste artigo é o destacamento que Deleuze e Guatarri puderam

fazer sobre a psicanálise freudiana a partir de referências explícitas das máquinas de

Turing e da cibernética. Essa correlação pode ser importante para a articulação que

vem a seguir.

A mente-espelho da Nova Psicanálise

Segundo MD Magno13, uma das coisas que sempre chamou a atenção no

pensamento é o fato de, ao que quer que seja colocado para nossa mente, o contrário

também ser pensável ou exigível. Pensadores de diversas áreas se depararam com

essa qualidade básica do psiquismo, o qual, por outro lado, está configurado

mediante aparelhos de recalque, limitações e travamentos. Mesmo que pareçamos

13 Criador da Nova Psicanálise ou NovaMente, em 1986, na linhagem Freud-Lacan. É uma nova articulação da psicanálise a partir do conceito de pulsão (considerado como conceito fundamental) e suas consequências. Esse pensamento tem se mostrado à altura das complexas questões contemporâneas em múltiplos campos do conhecimento e coaduna-se com teorias científicas atuais e frequentemente demonstrou antecipá-las em pontos cruciais. Os Seminários e Falatórios de MD Magno estão sendo publicados desde 1977. Para maiores informações: www.novamente.org.br.

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ constantes, o que se passa em nossas mentes é um vale-tudo radical, pois, ao que

quer que se diga, com um pouco de esforço, é possível virar pelo avesso (Magno

[1999], p. 29).

A essa competência da mente e suas possibilidades, a nova psicanálise14

chama de revirão15, fundamentado no princípio de catoptria (do gr. katóptron =

espelho), princípio de base psicanalítica que afirma que o que quer que haja evoca seu

avesso ou enantiomorfo. Esta competência é dada e está disponível a qualquer

pessoa que dela faça uso. Destaca-se nessa articulação um desejo de simetria

absoluta como princípio primeiro e organizador de tudo que há em qualquer tempo e

lugar. Se essa simetria se produz ou não, não é a questão principal, pois isso depende

das condições de resistência das formações em jogo, pois o que se destaca é a simetria

como possibilidade constante e sempre em busca de sua efetivação (Magno, [1990],

v.1, p. 105). O funcionamento do princípio de catoptria é conjeturado para o Haver16,

donde sua aplicação aberta e genérica: o que quer que haja, em qualquer ordem de

havência, tem a propriedade de ser uma forma simetrizável ou reversível em seu

avesso, contrário ou oposto. Trata-se de catoptria radical, pois ao que quer que se

coloque, tem-se o avesso “em todos os sentidos e com várias possibilidades de

avessamento interno a esse processo: enantiomorfia total” ([1990], v.1, p. 106-107).

14 Ao final do texto, Pequeno Glossário da Nova Psicanálise, com definições dos conceitos aqui empregados. 15 O termo revirão foi cunhado a partir da criação de James Joyce, em Finnegans Wake, riverrun e da tradução que dele fizera Glauber Rocha no título de seu romance Riverão Sussuarana. Além do próprio verbo da língua portuguesa “revir”, que, segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, vem do latim “revenire” e significa “vir de novo”, “voltar”, “regressar”. 16 Haver: primeiramente, o Haver (forma substantivada) é concebido, em sentido cosmológico, como conjunto aberto do que HÁ – o que se chama universo ou multiverso, por exemplo –, em qualquer forma e disponibilidade com que se apresente. O que quer que haja, materialmente dado ou ficcionalmente construído, real ou virtual, manifesto ou latente, faz parte do Haver e suas possibilidades de mutações. Nele não há “fora”, o que quer que haja lhe pertence e isso que há se constitui como Um, único e singular. Mas esse Haver não é estático ou imóvel. Suas conformações estão em permanente agonística e metamorfose, pois o Haver é “movimento desejante puro: tudo que deseja é não-Haver” (Magno [1990], v. 1, p. 89). A causa desse movimento é a força básica suposta ao Haver é o que Freud nomeou como Pulsão [de morte] em Além do Princípio do Prazer (1920) (Magno [1992], 14) e (Alonso, 2010).

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ O que qualifica esse princípio é a catoptria, o puro espelho como modelo de

operação lógica de avessamento que estrutura os movimentos da mente e do Haver,

questão nuclear na obra de Magno17.

A máquina de revirão

Torna-se senso comum em nosso tempo o reconhecimento de que o homem é

um ser artificialista e tecnológico, um “deus de prótese”, como disse Freud em O

mal-estar na civilização. Cria o mundo mediante artifícios e artefatos, através de

operações de transformação ou metamorfose de tudo que o cerca. Ele tem

competência e desempenho (Chomsky) mental para tanto. As mutações que deixa no

planeta Terra, na Lua e, em breve, provavelmente em outros astros – desde a

domesticação do fogo às mais complexas naves espaciais –, dão prova dessa vocação

tecnológica. Nesse sentido, todas as formas de arte e de técnica atestam os mais

variados interesses que ultrapassam a utilidade imediata de qualquer aparelho ou

engenho e se constituem como extensões de sua mente e de seu corpo (McLuhan,

2005). Também pode-se verificar, cada vez mais, que não há barreira radical ou

heterogeneidade entre o que constrói artificialmente e o mundo natural e físico em

que vive.

Se a mente está aparelhada para operar essas transformações, é provável que

haja compatibilidade entre o sistema que nos constitui e aquele que podemos

transformar mediante novos artifícios. Todas as limitações e recalques com que nos

deparamos diariamente – naturais ou culturais – são efeitos de parcializações ou

fronteiras que, de algum modo, produzem a separação das coisas entre si, gerando a

relação “dentro / fora”, “eu / outro”, “inclusão / exclusão”, etc. Por outro lado, os

artifícios que fabricamos são possibilidades de dissolução de tais fronteiras, mas

posteriormente também eles se tornam novas formas de prisão e limitação. Não há a

prótese definitiva que possa resolver tudo de uma vez por todas.

17 Desde seus artigos O hífen na barra (1972), Gerúndio (1973) e de seu primeiro Seminário Senso contra censo: Da obra de arte (1976). Além de recorrer à tradição lacaniana de tomar o espelho como modelo estrutural do sujeito, ele se utiliza sistematicamente de outros autores para extrair um entendimento das propriedades reflexivas do espelho, no sentido de sua lógica e competência de reflexão. Sobretudo, das obras de Marcel Duchamp (Le Grand Verre e Etant Donnés), Fernando Pessoa, Lewis Caroll, Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas e Primeiras Estórias) e Velázquez, (o quadro As Meninas). Esses autores são referências constantes em sua produção.

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Como dissemos, a nova psicanálise apresenta uma hipótese para esta

habilidade de artificialização de nossa mente. Toda produção artística e tecnológica

feita pelo homem resulta de uma função de simetrização, a função catóptrica da

mente. Ela é concebida como máquina que espelha ou revira o que quer que se lhe

apresente, produzindo o arquivo infinito de artifícios (a cultura) com que a

humanidade convive há milhares de anos. Esse modelo destaca a função de reversão,

avessamento ou revirão de que o cérebro é capaz como sendo a função originária que

teria tornado possível o surgimento da linguagem, da arte, da técnica, da ordem

simbólica (com suas transcrições ou traduções culturais e comportamentais).

Sendo, antes de tudo, uma máquina de avessamento ou revirão, a mente é a

competência de articular as informações recebidas no regime de sua enantiose, isto é,

no regime de pura e simplesmente poder efetivar a função contrária do que

comparece. Por enantiose ou enantiomorfismo devemos entender a operação de

avessamento de toda e qualquer formação que nossa mente é capaz de sonhar ou

pensar, por ser sua competência fundamental a habilidade de propor uma formação

reversa.

A nova psicanálise designa como idioformação18 a qualquer formação do

Haver constituída primária e secundariamente com a eventual disponibilidade de ser

comovida pela hiperdeterminação, conceito que será comentado mais abaixo. O caso

conhecido é o homem, mas podem ser outras formações como os ETs, “máquinas

espirituais” (Kurzweil, 1999) ou qualquer outra que tenha tal competência e

desempenho. Magno chama de pessoa às idioformações do “nosso caso”, a “espécie

humana”. Pessoa é uma rede de formações em transa e que resistem a quaisquer

outras que lhe sobrevenham. Essa rede infinita organiza-se em polo com foco e

franja (Magno [2005], p. 106-115). O “ser humano” é caso de encarnação dessa

disponibilidade ao reviramento que há no Haver. Assim, não é a chamada “espécie

18 Magno [1995], p. 231: “Uma idioformação é uma (qualquer) formação que tenha disponível para si (mesmo que não aplicada hic et nunc) a hiperdeterminação. Então, essas coisas que chamam de gente, que se tem o hábito de, não sei por quê, chamar de Sujeito – pois não há aí Sujeito disponível o tempo todo –, são idioformações não porque são Sujeitos, ou subjetividades, mas porque são formações tão sintomáticas, tão limitadas quanto quaisquer outras mas tendo a disponibilidade eventual da hiperdeterminação – coisa que outras formações não têm. Chamo-as de idioformações pois parecem completamente idiotas quando não estão no exercício da hiperdeterminação. Assim fica melhor, pois se descola das pessoas, da história do tal Sujeito. Pode haver por aí outras idioformações desconhecidas por nós”.

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ humana” que qualifica o revirão, conforme veremos a seguir. Pelo contrário, é o

homem que é por ele qualificado. Pode-se se reconhecer que há pulsão, como revirão,

e que somos um caso de encarnação dessa ordem disponível ao reviramento –

tratando-se então de um caso de idioformação –, embora seja a única que

conhecemos até o momento.

Pessoa e hiperdeterminação

Conforme já vimos, quando se trata de “idioformação do nosso caso” (seres

humanos), a nova psicanálise chama de pessoa. Essa ideia, que resulta da concepção

da mente como espelho, pode nos dar uma noção da compatibilidade da tese

psicanalítica com as pesquisas da cibernética e da informática. No aparelho teórico

que estamos descrevendo, a pessoa é concebida como uma rede de formações

“naturais” e “culturais”, com vários níveis e em interações recíprocas, que se organiza

em polos que, por sua vez, se apresentam de modo focal e franjal19. É uma formação

complexa, com n componentes que se organizam em dada configuração, que também

pode estar gravitando em torno de outras formações e assim sucessivamente. E, como

todo polo, é um aglomerado de resistências a outras formações já constituídas e

também organizadas polarmente.

O que caracteriza a pessoa em sua singularidade é poder ser, ainda que

aprisionada em um grande conjunto de formações que a determinam e constituem,

afetada eventualmente pela hiperdeterminação: poder ser afetada pelo determinante

último e radical capaz de produzir eventos que suspendem as outras formas de

determinação em vigor e possibilitam o surgimento de formações originais e novas

19 “...ao considerar as formações, é preciso fazê-lo no sentido abrangente, pois isso é infinitamente grande para todos os lados e não sei quais são suas conexões. Lembram do que eu dizia do foco e da franja, e de que, até para se produzir um conhecimento, uma quantidade de coisas fica fora? Não só o campo é infinito de formações, pois não há como fazer a leitura dele todo, como cada uma das formações tem que ser pensada como formação de formações, não se sabe onde isso termina. A história da física, por exemplo, antigamente parava na ideia de átomo, mas foi crescendo: o átomo tomou outra característica e hoje temos a suposição, incomprovada ainda, de que há umas três ou quatro cordas mínimas como última formação das formações. Será? A infinitude, tanto na abrangência do campo como dentro de cada formação, é fractal. É o conceito de Mandelbrot, de que já falei aqui há anos: a coisa vai se expandindo para dentro e para fora. Pode-se até, com frequência, ter uma forma mínima que percebemos organizar todo o campo, mas aquilo é infinito no extensivo e no intensivo” (Magno [2000/2001], p. 481).

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ configurações no sistema. A HiperDeterminação, como Magno escreve, é a

possibilidade de ocorrência de neutralização no conjunto das forças que existem em

dada situação. Então, mesmo que determinada e oprimida pelo conjunto de

formações que a constituem, há para a pessoa a possibilidade de exasperação, de

atrito em um ponto limite que revira tudo pelo avesso (princípio de catoptria /

revirão) e repõe o jogo novamente, porque não há saída para “fora” desse sistema. É

o vigor máximo da função catóptrica. Dessa forma, é possível acontecer um ato de

criação para o vivido nessa experiência e a emergência de uma nova prótese, de uma

tecnologia, que facilite o manejo da realidade.

O único caso conhecido de pessoa até o momento, com mente revirante,

somos nós mesmos, mas talvez haja outras formações também complexas que sejam

afetadas pelo movimento hiperdeterminante e pelo reviramento – “extraterrestres”

(ETs), ou futuramente “máquinas espirituais” (Kurzweil, 1999) –, com mente

homóloga quanto à competência e performance.

Ray Kurzweil (1948-) chama de singularidade (2005, p. 9) o momento de

culminância da união entre nossa existência e os pensamento biológicos com a

tecnologia, o que resultará em um mundo ainda humano, mas que transcende nossas

raízes biológicas. Na pós-singularidade, não haverá distinção entre humano e

máquina ou entre realidade física e virtual. Se podemos supor que algo de humano

ainda vai restar neste mundo é o fato de pertencermos à espécie que busca ampliar

seu limite físico e mental para além do meio que a cerca. A hipótese de Kurzweil é

convergente com a de pessoa que a nova psicanálise está propondo para pensar nosso

tipo de mente. Ocasionalmente, somos capazes de atos radicais de criação em

qualquer campo do conhecimento, criação esta que resulta da mente revirante e

especular que portamos.

O algoritmo fundamental da psicanálise

Ao afirmar que o inconsciente é máquina de revirão, de avessamento, Magno

também considera que há função catóptrica como repetição de um “princípio

alucinatório” constitutivo da mente. Mente esta cuja base é sua competência de

indiferenciação, de neutralização das polaridades ou diferenças que comparecem

mediante a função catóptrica (que a tudo põe a possibilidade de avessamento). Os

travamentos e emperramentos desta função resultam do que Freud chamou de

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ resistência e recalque, os quais, de inúmeras maneiras, limitam o poder de

indiferenciar ou neutralizar qualquer formação que se apresente.

O ponto de partida do pensamento psicanalítico é a ideia de pulsão, pensada

originalmente por Freud ([1920]) como pulsão de morte e reformulada por Magno

como: Haver desejo de não-Haver (AÃ). Esse é o algoritmo fundamental da

psicanálise. É a mesma e única pulsão que ordena qualquer outra forma de pulsão

(de vida, de destruição, oral, anal, etc.) que tenha sido recortada por Freud ou outros

teóricos da psicanálise. Assim, a mente (que Há) é regida por um princípio de

catoptria que alucina sua extinção (não-Haver) como requisição (desejo) de simetria

absoluta, a qual, em última instância, por impossibilidade de concretização desse

gozo último, de Morte, impõe à própria máquina catóptrica sua reversão para o

mesmo lado do espelho. Note-se que, neste ponto, o espelho é tomado como limite

absoluto, sem qualquer possibilidade de avesso. Para efeitos didáticos, apresenta-se o

modelo do revirão mediante a lógica de avessamento da banda de Moebius20.

Vejamos abaixo sua esquematização:

Destaca-se aí a superfície unilátera da banda de Moebius desenhada segundo

o percurso longitudinal sobre ela, nomeado pelos matemáticos como oito interior21.

20 A hipótese do Revirão é apresentada formalmente pela primeira vez em (Magno [1982]). Cf. principalmente as seções: 10. Introdução à matemúsica-2 (A Chã Psicanálise ou o ICS da A a Z), p. 176-193; e 12. O halo, o alelo, p. 208-220. Cf. também a produção subsequente do autor, com destaque para [1999] e [2000/2001]. 21 Da banda de Moebius (ou contrabanda, como chama Lacan) a topologia também extrai a lógica do oito interior (ou oito dobrado ou invertido). É o percurso longitudinal sobre a superfície unilátera da banda a partir de um ponto qualquer, resultando uma dobradura (o anel superior do oito é dobrado no interior do anel inferior). Os dois anéis se superpõem e, no ponto em que lhes é comum, inscreve-se o ponto catóptrico, especular (também chamado, por Magno, de Real do Revirão ou ponto bífido), que inverte absolutamente tudo que passa por ele como se fosse um furo de passagem entre um anel e outro. Notamos, também, que, com o percurso em oito interior, atravessa-se duas vezes o mesmo ponto e decompõe-se a

2

22

Ã

A

x

-x

n

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Nele estão inscritas as diferenças x / -x, que podem ser indiferenciadas ou

neutralizadas no ponto terceiro n, onde estes pontos positivo (x) e negativo (-x) se

equivalem. O que interessa à psicanálise, além do terceiro ponto – lugar de

indiferenciação –, é principalmente a vontade de simetria (entre A e Ã), que está na

base do conceito de pulsão. Trata-se da função lógica do espelho: para além dos

avessamentos que opera (pois a mente é pura função de catoptria), há a função

alucinatória de uma vontade de simetria absoluta, que jamais comparece na

experiência, pois é uma simetria absolutamente impossível. É essa “polaridade” de

último grau – que está no esquema como sendo a “segunda potência do binário” (2²)

– que a fórmula Haver desejo de não-Haver descreve.

Esse é o trauma e/ou a condenação apontados por Freud, que comparece para

a mente propondo a simetria absoluta e a impossibilidade de atingi-la. É, portanto,

uma experiência de quebra de simetria que se coloca como início de tudo que há. E a

dissimetria que se produz em função dessa impossibilidade ressoa no Haver como as

clausuras e fronteiras das situações com que nos defrontamos cotidianamente das

mais variadas formas e maneiras. Mas é também sobre ela que se operam todas as

formas de artifício e técnica que nos caracterizam.

Certamente que essa capacidade especular do espelho plano é muito inferior à

catoptria cerebral, pois o princípio de catoptria põe um espelho absoluto, capaz de

qualquer tipo de avessamento ou reversão. A única reversão impossível é a da

simetria absoluta que, como vimos, é impossível e coincidiria com a extinção absoluta

que não há.

Ao tomar o conceito de pulsão como fundamental e de formular o princípio de

catoptria e o revirão, Magno refaz o projeto freudiano por inteiro em consonância

com as transformações que vêm ocorrendo desde o final dos anos 1980. A emergência

da nova psicanálise se deu na virada das transformações promovidas por Lacan e seu

retorno a Freud e o diálogo com as novas ciências da informação desde seus

antecedentes nos anos 1970.

Desde Senso contra senso: da obra de arte, etc. que podemos acompanhar o

percurso de MD Magno tanto pelo campo das matemáticas e formas de conhecimento

superfície em duas partes distintas. As partes pertencem à mesma formação e constituem uma única peça que se organiza a partir do ponto neutro e suas polarizações.

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ já incorporados à psicanálise por Lacan, quanto pela teoria da informação,

cibernética, teoria dos jogos, teoria dos sistemas, teoria do caos e pela nova biologia

que também estava pensando o ser vivo em termos de sistema e informação, como se

pode verificar nas obras de Jacques Monod (1971) e François Jacob (1983), a partir

do modelo que fora proposto por Erwin Schrödinger em O que é vida? Aspecto físico

da célula viva (1977), hoje obra clássica sobre o assunto. Em Hífen na barra e

Gerúndio, considera-se a máquina que está na base do funcionamento mental – e

mesmo do ser vivo – a partir da ideia de íntegron e os efeitos da entropia sobre

qualquer sistema vivo ou não.

Na apresentação do Pleroma (1986), há a descrição do HAVER e seu motu

perpetuo, a tão sonhada máquina que parece impossível de ser construída na física,

mas, para a psicanálise, ela está dada desde sempre: o modo de funcionamento

plerômico (pleno) do Haver. Nela se considera a entropia (segunda lei da

termodinâmica), entendida como o empuxo de não-Haver (pulsão de morte) sobre o

Haver, exercendo-se desde o momento da explosão, e paulatinamente vai eliminado

as diferenças no sentido da neutralização ou indiferenciação: “[M]inha tese é de que

Freud tinha talento, gênio inventivo, mas não tinha recursos do saber para lhe dar

um esquema mais adequado. .. [E]le não tinha cibernética, informática, a matemática

posterior, etc. , portanto ficou sem recurso” (Magno, [1986]1988, p. 186). E nas

sessões 3. É o que não pode ser que não e 4. K: no princípio era o fim, explora

minuciosamente as relações entre o modelo freudiano do psiquismo (os princípios de

prazer, nirvana, realidade) e o princípio de constância (konstante Kraft) em

correlação às leis da termodinâmica, em especial a 1ª e a 2ª e os mecanismo do

feedback propostos pela cibernética. E como bem sabemos, essas questões estão no

centro da recomposição promovida por Magno na psicanálise mediante a proposta do

revirão e suas consequências.

Posteriormente, há o diálogo com os conceitos de autopoiese (Maturana e

Varela), auto-organização, sistemas complexos (a complexidade), recursão, a “série

de das máquinas” propostas por Daniel Dennett, entre as quais Magno inclui a

máquina de MD: revirão (Revirão 2000/2001), que vamos considerar mais adiante

neste texto. É também o caso de Stephen Wolfram, em New Kind of Science (NKS),

em que desenvolve a ideia de von Neumann de autômatos celulares como formação

simples, capaz de produzir formações extremamente complexas e mesmo

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ estocásticas e aleatórias. Wolfram propõe o princípio de equivalência computacional

e Ed Fredkin considera que o Universo é um programa de computador. Para a nova

psicanálise, como há a ideia de homogeneidade do campo, tanto a hipótese de

Fredkin, em sua digital philosophy, como a de Wolfram, são perfeitamente

conjeturáveis e exequíveis.

Cérebro & mente

O Haver, com sua tendência catóptrica, sua vontade de movimento de uma

simetria radical (uma hipersimetria) – o simétrico de qualquer coisa seria seu avesso

absoluto –, esse Haver, em seu modo de funcionamento, independentemente de onde

possamos situá-lo, é o que Magno chama de cérebro ou mente. Não é o órgão que está

em nosso corpo, e sim a máquina que funciona entre as galáxias, na cabeça dos

homens ou onde quer que compareça, como uma potente máquina catóptrica e

articuladora com suas pequenas formações, sejam primárias ou secundárias, que

acontecem por uma fractalização radical na medida em que é impossível passar a

não-Haver. Sempre houve o sonho de reproduzir, de pro-duzir, esse mesmo aparelho

pensante novamente por outra maneira, outro tipo de artifício não tão espontâneo

quanto esse que nos produziu. Pesquisa-se um artifício que nós mesmos possamos

manejar de tal maneira que a reprodução das idioformações se tornasse um artifício

industrial. Isso tudo é tão natural ou tão artificial quanto qualquer natureza

justamente porque acontece dentro dela e são seus modos de produção que estão

sendo repetidos nos laboratórios de pesquisa.

A maior polêmica hoje é em torno da futura possibilidade de existência ou não

de alguma máquina que seja uma idioformação como nós. De modo geral, psicólogos

e filósofos contemporâneos procuram qual seja o modo lógico, ou o modo de

concepção, para fazer a inserção de uma máquina de pensamento dentro do hard, de

algum tipo de primário (= formações dadas, espontâneas, “naturais”) e assim cons-

truir uma máquina tão potente quanto a do artifício espontâneo que deu nesse

primata capaz de fazer a reviravolta para a “externalidade” como aconteceu neste

planeta. Há aqueles que acham que se vai construir a máquina idioformação,

enquanto outros acham que não é possível. A psicanálise tem que pensar a respeito

dessa questão na medida em que instalou no pensamento o conceito de pulsão e isso

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ tudo tem a ver com esse movimento pulsional e com a reflexão sobre a possibilidade

de ele vir a transbordar sua fonte espontânea que é o corpo de macaco que herdamos.

O cérebro não é um computador no sentido dos que já existem e o computador

ainda não é um cérebro, embora já tivesse sido chamado de cérebro eletrônico.

Segundo Kurzweil, é parecido com o cérebro de uma aranha, mas mesmo uma aranha

é mais inteligente do que computadores atuais. E há hoje pesquisas de todo tipo sbre

o cérebro com artifícios e aparelhos cada vez mais sofisticados na esperança de que se

possa encontrar inscrições que permitam compreender de que maneira funciona a

mente desta espécie.

Autômatos e marionetes

A partir da hipótese acima apresentada, a seguinte questão se coloca: qual é,

no limite, a possibilidade de supor alguma “liberdade” para as pessoas? Aceitamos ou

não sermos considerados uma marionete, um robô, um títere, em um palco? Haverá

alguma liberdade? De que tipo? Se houver – por mais complexos que sejam os

computadores e os mecanismos da tecnologia contemporânea –, nada parece levar à

construção de algo que tenha um horizonte de liberdade, de autonomia. Se não há

liberdade, então, só é preciso encontrar o mecanismo para construir a marionete que,

com uma aparência de autonomia, vai simplesmente apresentar grande

complexidade e, por isso mesmo, vai parecer que exibe e exerce liberdade.

As idioformações, onde quer que surjam dentro da máquina do Haver, dos

universos que estão disponíveis ou não à nossa observação, elas terão tendência a

virar pelo avesso, a não ficar mais imediatamente submetidas a processos evolutivos

como um pensamento darwiniano, e serão capazes de, elas mesmas, começarem a

produzir artefatos, artifícios de maneira a reinstalar a máquina de revirão no mundo

através de qualquer tipo de tecnologia. Onde quer que apareça uma idioformação, sua

tendência é reconhecer-se como tal. A tendência, então, será o entendimento cada vez

mais aproximado disso e o tesão de produção de engenhos (em inglês, engine) que

Magno coloca no mesmo nível do artifício, no mesmo nível da arte. É a tendência a

levar as idioformações à reprodução industrial de seu próprio modo de construção.

Uma vez conhecido bem o cérebro, conhecidas bem as máquinas computacionais,

mesmo num regime de pura binariedade (0,1), de máquina de Turing e suas

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ consequências, será possível construir uma máquina hiperdeterminada, uma

idioformação? E, além disso, está também em construção o computador quântico22 e

o computador cognitivo23 da IBM.

A série das máquinas

Em uma perspectiva darwinista, Daniel Dennett (1942-) faz a suposição de que

grande variedade de organismos foram criados espontaneamente às cegas no

processo evolutivo por recombinação e mutação de genes, que ele designa de modo

genérico como criaturas darwinistas. Posteriomente, aqueles que nasceram com

“reforçadores apropriados” são chamados de criaturas skinnerianas, pois já se

22 Um computador quântico é um dispositivo que executa cálculos fazendo uso direto de propriedades da mecânica quântica, tais como sobreposição e interferência. Teoricamente, computadores quânticos podem ser fabricados e o mais desenvolvido até o momento trabalha com poucos q-bits de informação. O principal ganho desses computadores é a possibilidade de resolver, em tempo eficiente, problemas que na computação clássica levariam tempo impraticável (exponencial no tamanho da entrada), como por exemplo, a fatoração em primos de números naturais. A redução do tempo de resolução deste problema possibilitaria a quebra da maioria dos sistemas de criptografia usados atualmente. Contudo, o computador quântico ofereceria um novo esquema de canal supostamente mais seguro. 23 O mundo da computação pode estar prestes a sofrer uma reviravolta graças ao "SyNAPSE", projeto para a elaboração de chips que simulam o comportamento do cérebro humano e que, no futuro poderá equipar computadores que “aprendam” com a experiência do utilizador. A parceria entre a IBM, as universidades de Columbia, Cornell, Califórnia e Wisconsin, nos EUA, e a DARPA (agência americana responsável pelo desenvolvimento de tecnologia com fins militares) tem como objetivo desenvolver computadores que possam simular as atividades cognitivas de sentir, perceber, interagir e reconhecer o que o cérebro pode fazer, algo que, até agora, tem sido dificultado pela arquitectura dos processadores comuns. Trata-se de um computador “cognitivo” que será capaz, por exemplo, de lançar um alerta de tsunami, depois de analisar informações de diferentes sensores marinhos e recolher dados sobre temperatura, pressão e altura das ondas. Além disso, poderá ter funções de menor relevo como ajudar a gerir estoques de produtos frescos graças ao “sentido do olfato”. Os membros deste projeto esperam conseguir mudar assim a forma como se utiliza os computadores, fazendo-os agir como um cérebro. Nesta nova arquitectura, são utilizados processadores digitais que funcionam como neurônios, nos quais as ligações internas simulam as que ocorrem entre as sinapses, as zonas de contato entre as células nervosas. Trata-se de uma abordagem completamente diferente da dos chips de silício com transístores que se utilizam atualmente. De acordo com a IBM, este novo tipo de computador vai consumir menos energia e ser mais compacto que os aparelhos atuais. Embora sejam programados da mesma forma, vão “aprender” com as experiências, encontrar correlações ou desenvolver hipóteses, tal como o cérebro humano. Até agora, já foram desenvolvidos dois protótipos do chip, que estão sendo testados. Os seus núcleos são formados com uma linha muito fina de silício, com diâmetro duas mil vezes inferior ao de um fio de cabelo. Estes chips possuem o equivalente a 256 “neurônios”. A IBM está testando dois tipos de estruturas para esses chips: uma com 262 mil “sinapses” programadas e outra com 66 mil (http://www.cienciahoje.pt/)

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ reconhece neles o “condicionamento operante” (Skinner) como uma extensão da

seleção darwiniana (Dennett, 1997, 80). E, embora não sejam os únicos, os seres

humanos são exemplos de criaturas popperianas, capazes de uma pré-seleção entre

os comportamentos ou ações possíveis e com a possibilidade de descartar os que são

estúpidos ou maléficos antes ainda de arriscar-se na “vida real”. Elas supostamente já

portam um mecanismo de “filtro interno” que deve conter muita informação sobre o

meio externo e seus padrões e regularidades, o que lhes permite fazer simulações

para facilitar a escolha. Essa sucessão de criaturas compõe a “torre evolutiva” do

surgimento de vida inteligente na Terra (Dennett, 1997).

Em Consciousness Explained (1991), Daniel Dennett apresenta uma sequência

de máquinas que supõe estarem conduzindo à fabricação ou produção de máquinas

pensantes, no sentido acima descrito. Essa série por ele descrita se constitui

primeiramente da máquina de Turing, o modelo universal da lógica computacional

clássica, seguida da máquina de Von Neumann (descrita no First Draft of a Report

on the EDVAC, cujo resultado efetivo foi o ENIAC), que já é uma realização do

modelo de Turing no sentido da computação contemporânea (a “arquitetura de von

Neumann). E a que ele chama de máquina joyceana, que seria o dispositivo de

“elucubração total”, bastante parecida com suas ideias de uma “teoria dos esboços

múltiplos (multiple drafts model). Mas mesmo se não se pode evocar o “realmente

experienciar” independentemente das precipitações das narrativas, essas narrativas

dão origem, elas sim, ao que Dennett chama uma linha do tempo, uma sequência de

acontecimentos do ponto de vista de um “observador”. Na teoria da máquina

joyceana, a consciência é resultado do paralelismo do processamento cerebral, isto é,

da consciência, com uma máquina virtual de funcionamento serial resultante da

máquina material (nosso cérebro) que possui um funcionamento paralelo. Por isso,

precisou fazer a pergunta “como a consciência se constituiria?, pois supõe que, só

fazendo a leitura desse maquinismo, poderá reproduzir a máquina com semelhança à

construção do cérebro e da consciência humanos. A hipótese de Dennett é de que o

cérebro, em sua função de consciência, marcharia como aparelho de múltiplos

esboços concomitantes, que dão a impressão de subjetividade, de eu-dade, de

consciência diante do mundo, afastando-se da ideia de sujeito de Descartes. Seria,

então, a multiplicidade concomitante de versões dentro da máquina cerebral que,

mesmo com a aparelhagem disponível e sua complexificação no nível da computação,

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ é capaz de nos permitir, no futuro, construir uma máquina com competência

homóloga à mente humana. Essa comparação é entre a mente humana e os processos

computacionais são algoritmos que realizam operações inteligentes e, de forma

semelhante, os processos cerebrais também aconteceriam como se uma grande

diversidade de algoritmos estivessem em ação para constituir o que reconhecemos

como comportamento. Então, a máquina joyceana seria aquela que, operando a

partir da máquina de Turing e a de Von Neumann, constituiria a múltipla visão –

bastante parecida, obviamente, com a escrita joyceana, pelo menos de Finnegans

Wake – capaz de vir a possibilitar a construção de uma máquina com consciência.

Para ele, biologia e psicologia são engenharias reversas, pois já temos o artefato e

estamos tentando descobrir como funciona e como está projetado. A inteligência

artificial está fazendo o movimento ao contrário, tentando construir o artefato a

partir do conhecimento disponível (Dennett, 1998). Essa é a aposta de Dennett na

I.A. forte.

Por via muito diferente, Magno faz a suposição de que é possível produzir a

idioformação artificiosa. À medida que as fronteiras forem cada vez mais

desmanchadas e não soubermos mais onde começam ou terminam quantidade e

qualidade, talvez possamos constituir máquinas – no sentido lógico, principalmente

– cada vez mais sofisticadas, macias, soft, de tal maneira que não será tão complicado

pensar na possibilidade da constituição de robôs pensantes ou revirantes, que podem

ser chamadas de criaturas freudianas.

Então, por que pensar que apenas a sequência de máquinas de Turing, de Von

Neumann e mesmo a joyceana, de Dennett, são as máquinas suficientes? Que

máquina, para além das de Turing, Von Neumann, joyceana, etc., pode se acrescentar

no seio dessa produção de modo a aumentar a possibilidade de conjectura dessas

construções? É nessa série que Magno acrescenta a máquina plerômica de MD, a

máquina de revirão24. Nenhum desses aparelhos de abordagem genética, biológica,

computacional, lógica é uma máquina que invoque a hiperdeterminação. Para além

dos acoplamentos e conexões complexas que já podem ser feitas no campo das

máquinas, é preciso ir mais longe. E se fosse possível construir uma máquina, um

robô, alguma coisa, que, para além de toda a complexidade opositiva e até com os

24 Cf. seção 2 de “Arte da fuga”: MD Turing: revirão. In: (Magno [2000/2001]).

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ recalques parciários que existem no Haver, etc., tivesse a possibilidade de revirão e,

portanto, de hiperdeterminação? Construído este aparelho, ele seria como nós, as

pessoas. Mas falta introduzir a máquina do revirão na sequência das de Turing, von

Neumann, joycena, etc. para se pensar a possibilidade de replicação dessa mente em

revirão.

A máquina do revirão e a hiperdeterminação

Sem o revirão, as máquinas não teriam liberdade, autonomia? Magno supõe

que a hiperdeterminação disponibiliza para a oportunidade de invocar o que quer

que haja disponível em dado momento em sua enantiose e que não se apresenta aqui

e agora como presença, isto é, em seu avesso. A máquina de revirão, se pudesse ser

instalada computacionalmente, seria um computador com a disponibilidade de, ao

que quer que se colocasse para ele, poder dizer não apenas não como também

enunciar um contrário. Enunciando um contrário, a plenitude plerômica comparece

como mera possibilidade.

Se há o Haver, então todas as possibilidades já estão nele e não há nada “fora”

dele. Portanto, sem a inclusão da hiperdeterminação para além da combinatória

computacional, não haveria possibilidade de surgimento de uma idioformação nem

na mais refinada tecnologia. Isto é, a emergência de uma máquina capaz de uma

desprogramação radical e com a chance de colher uma nova possibilidade de

existência, de um ato de criação e não ficasse apenas de uma repetição automática.

Calcular, computar e pensar

Voltamos ao começo deste artigo: as máquinas podem pensar? Depende de

como se define o verbo pensar. Se as máquinas raciocinam, calculam, efetuam, não

há a menor dúvida que sim, as coisas, os bichos, as pessoas pensam. Entretanto,

pensar para a psicanálise está para além de raciocinar, de meramente articular.

Pensar é com-siderar a hiperdeterminação diante de todas as sobredeterminações.

Isso parece que nenhum animal ou máquina pode fazer. Pensar inclui a referência

constante à hiperdeterminação, a referência constante à indiferenciação, a

reconhecer permanentemente que as transas das formações são meras transas das

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ formações e que isso termina aí e que EU, essa polarização que aqui está, escapa das

formações, quaisquer que sejam, porque tem acesso à hiperdeterminação, à condição

de escapar da sobredeterminação. Isso é pensar, fora disso não é pensar: é raciocinar,

calcular, computar. A complexidade da nossa cultura é de ordem secundária

(formações artificiais, próteses, criadas por nossa mente), uma máquina

computacional, mas isso não é pensar, é raciocinar ou calcular. Pensar é referir-se à

hiperdeterminação e manter-se na perplexidade diante das formações. Não adianta

cálculo algum, porque cálculo algum dará conta desse processo, que é da ordem do

evento, do acontecimento.

Considerações finais

Vejamos os seguintes passos e articulações que decorrem da exposição acima:

1. A questão em torno da máquina de calcular e computar é antiga em nossa cultura e

frequentemente confundida com pensar ou criar. A cultura ocidental é atravessada

por essa problemática desde seus primórdios. A máquina de Turing teve vários

antecedentes (o ábaco, Pascal (a Pascaline), Leibniz, Babbage (a máquina analítica)),

mas só ela formulou matematicamente a possibilidade da máquina universal que

pretende dar conta de toda e qualquer computabilidade possível.

2. O revirão de MD Magno, com as hipóteses do princípio de catoptria e da quebra

de simetria, se afirma como modelo pleno e suficiente para a descrição do

funcionamento da mente e do Haver por inteiro. A hiperdeterminação já descrita

acima é, em última análise, a competência máxima da mente. É a chance de criação e

emergência de novas formações no sistema, reconfigurando as possibilidades já

dadas. Só assim temos a suspensão do automatismo repetitivo das formações e

chance de evento e criação (a emergência da arte no seio do Haver). Pode-se falar

então em dois níveis de automatismo: a) o automatismo (discreto) das formações

primárias e secundárias, regidas por seus algoritmos constituintes, que podem ser

suspensos e revirados em algum momento (mesmo que dure milênios); b) o

automatismo plerômico (o Haver é um sistema/máquina auto-recursivo,

autorreferente e hiperdeterminado (cf. autopoiese de Maturana e Varela) com seu

motu perpetuo.

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3. Como fica a hipótese de Turing-Church dada a máquina catóptrica de MD Magno?

Lembremos que essa hipótese afirma que a capacidade de computação representada

pela máquina de Turing é o limite máximo que pode ser atingido por qualquer

dispositivo de computação (Menezes, 2002, p. 139), isto é, essa hipótese afirma que

qualquer outra forma de expressar algoritmos terá no máximo a mesma capacidade

computacional da máquina de Turing. Como a noção de algoritmo ou função

computável é intuitiva, a hipótese de Church não é demonstrável. Mas a

computabilidade de que aí se trata é da ordem do cálculo e da ordenação binária. A

máquina do revirão é uma máquina que tem a possibilidade de suspender e revirar

qualquer outro algoritmo já dado e proceder a uma reprogramação geral do sistema,

pois conta com a possibilidade de hiperdeterminação e avessamento (a suspensão de

qualquer determinismo já constituído em algoritmo e mecanismo de repetição),

capaz de reconfiguração geral de qualquer ordem sistêmica. Essa máquina

certamente extrapola os limites da máquina universal de Turing ao mesmo tempo

que a inclui como parte de seu modo de funcionamento. A máquina de revirão inclui

o que a máquina de Turing põe de lado como sendo da ordem do entrópico, caótico e

incomputável.

4. O filme Blade Runner (O caçador de andróides) – que aborda a possibilidade de

máquinas revirantes, máquinas espirituais, capazes de um ato radical de rebelião, a

“rebelião dos anjos” (Magno), semelhante a que podemos fazer – serviu de guia

quanto a questão da disponibilidade da competência de avessamento da mente de

que dispomos. Com diz o andróide Roy: “Nós não somos computadores. Nós somos

organismos vivos”. E requer para si e para os outros andróides tratamento

semelhante àquele dados aos humanos. Nesse filme, vemos abordada a questão da

possibilidade de emergência de idioformação, formação capaz de ser afetada pela

hiperdeterminação, e com competência de reviramento e indiferenciação. Essa é a

grandeza desse filme dirigido por Ridley Scott, que nos deixa o lembrete do

artificialismo absoluto da máquina do Haver.

Referências

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Glossário da Nova Psicanálise

(Organizado por: Paula de Oliveira Carvalho e Nívia Bittencourt)

ALEI – “Haver desejo de não-Haver” ou “Haver quer não-Haver” ou “Haver tesão de não-Haver” e estenografa-se A→Ã. É a máquina fundamental da clínica, que Freud chamou de Pulsão (de Morte), indicando o desejo de alcançar o Gozo Absoluto: extinguir-se, sumir radicalmente, seja no nível micro (homem), seja no macro (Haver). Arte – Tomando o radical ART no sentido etimológico de processo puro e simples de articulação, a Arte se generaliza para toda e qualquer operação de criação, de invenção, que resulte na produção do novo, para além das formações já dadas. Artifício – Tudo que há é artifício. Tudo se construiu por algum artifício, por uma articulação. Apresenta-se em dois níveis: Artifício Espontâneo e Artifício Industrial. Ver Artifício Espontâneo e Artifício Industrial. Artifício Espontâneo – Designa o modo de construção, mais resistente, das formações já dadas, presentes no Haver desde sempre. Inclui o que se chama de Natureza. Ver Artifício e Artifício Industrial. Artifício Industrial – Designa o modo de construção, mais maleável, das formações produzidas pelas Idioformações - que podem forçar a reversão do espontâneo, do já dado. Ver Artifício e Artifício Espontâneo. Ato Poético – Ato criativo, em que há a intervenção da Hiperdeterminação. Ver Criação. Binário – Referido à lógica da dualidade entre formações de polos opostos. Há dois binários: (a) o binário simples ou “interno” (entre formações modais do Haver que se opõem); e (b) o binário ao quadrado ou “externo”, elevado à segunda potência, (22), quando a massa homogênea do que há se opõe ao não-Haver desejado. Bipolaridade – Dualismo presente em toda e qualquer afetação psíquica, fazendo parte do Pathos humano. A bipolaridade funciona em qualquer situação e não apenas nas ditas nosologias. Ver Patologia. Cais Absoluto – Lugar extremo do Haver, onde o conjunto pleno do que há opõe-se ao que não-há. Lugar de máxima afetação e angústia, pois o não-Haver é requerido pelo Haver, mesmo não havendo. Lugar ao qual todos se vinculam absolutamente (e não entre si), lugar de Hiperdeterminação, de Vínculo Absoluto. (Metáfora poética retirada de Fernando Pessoa). Catoptria (Princípio de) – Do grego kátoptron: ‘luz’, ‘espelho’, ‘refletor’. Princípio de funcionamento dos espelhos produtores de reflexão, no sentido de absoluta reversão, enantiose ou Revirão. Emana da neutralidade do Haver e do psiquismo. Ver Revirão. Causa – O movimento do Haver em direção a não-Haver produz o excesso em vazio (pois não-Haver não há), que funciona, em seguida, como Causa do movimento pulsional. Comunicação – O ápice da comunicação ocorre no silêncio absoluto, na impossibilidade de dizer a experiência de Haver, mas vinculado absolutamente a ele. Nesse Vínculo Absoluto se fundamenta toda e qualquer comunicação, decorrente de transas e transes entre formações,

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ herdeiras de vinculações aos regimes Primário e Secundário. Sua teoria mais genérica é a Transformática. Criação – Criar é ultrapassar o que já está dado, reverter o que parecia irreversível. A partir da indiferenciação interna no Haver, sob o empuxo da Hiperdeterminação, o indiscernível se discerne e o achado de algo novo é acolhido pela primeira vez. Ver Arte. Criatividade – Simples re-combinatória de formações, sem recurso à HiperDeterminação. Contrapõe-se a Criação. Cultura – Em sentido genérico e abrangente, é o modo de existência da espécie humana. Em um de seus sentidos específicos, é vista como Neo-etologia. Enantiose ou enantiomorfismo – Possibilidade de reversão ao avesso absoluto, a partir da razão catóptrica ou razão enante-homórfica. Excesso – Só há excesso. Não existe falta. Em virtude do excesso, o Secundário é “inventado” por nós, ou melhor, secretado mediante nós, em decorrência da pressão do Originário. Formação –Toda e qualquer conjuntura destacável, desenhável, dentro do Haver, seja qual for a forma ou a materialidade de seus elementos ou dela mesma. O próprio Haver em sua plenitude é uma formação (aliás, de última instância), assim como o é o Revirão que se supõe funcionar no Haver. Formação do Haver – O que quer que se organize, o que quer que se forme, espontânea ou industrialmente, como modalização decorrente da fractalidade do Haver, seja da ordem de um ser vivo, de uma formação psíquica, qualquer coisa. As formações do Haver se movimentam no empuxo d’ALEI, como ressonância ou metáfora da impossibilidade última de Haver passar a não-Haver. Ver ALEI. Haver (A) – O conjunto aberto de tudo que há e que pode vir a haver. Inclui o chamado Universo. HiperDeterminação – Empuxo do não-Haver que, como o nome diz, é tão exterior ao Haver que nem há, mas nele se inscreve e se re-inscreve na espécie humana, como Causa. Exasperação da diferença entre a homogeneidade do Haver como Um e o não-Haver. Aplica-se sobre o aparelho de Revirão, para suspender as determinações primárias e as sobredeterminações secundárias. Homogeneidade – O Haver, em sua totalidade, é homogêneo no seu seio. O que dá a impressão de heterogeneidade são as fechaduras das formações, que impedem as transas dentro do Haver. IdioFormação – Uma (qualquer) formação que tenha disponível para si (mesmo que não aplicada hic et nunc) a Hiperdeterminação. O Haver e o Homem são exemplos de Idioformações. IdioFormação (Princípio de) – Idios: ‘mesmo’. O universo tem uma formação em reflexão, espelho, catoptria e, em última instância, produz algo que repete a sua reflexão. Repete-se a si mesmo. Ver Catoptria (Princípio de).

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Imanência – O fato de haver formações coloca uma imanência da qual não se sai nunca. A transcendência é colocada de direito, mas não há de fato. Indiferenciação (Indiferença) – Neutralização. Resultado da equivalência entre dois polos opostos, com superação da dualidade, revelando um terceiro lugar que sofre o empuxo da HiperDeterminação. Estado neutro do Real. Morte – ‘A Morte não há’, porque não há o gozo da morte. É impossível para qualquer um ter experiência de morte, sua ou de outro. O que existe são experiências de perda, castração. não-Haver (Ã) – Avesso radical do Haver. Designa o gozo absoluto requerido pela pulsão, o Impossível. É conjecturado, de direito, pela catoptria do Haver, mas de fato, ele não há. As IdioFormações, por sua constituição íntima, não podem não conjecturar o não-Haver em última instância, como Causa de desejo. NovaMente (ou Nova Psicanálise) – Aparelho clínico de simulação da suspensão dos recalques, criado em 1986, por MD Magno, na linhagem de Freud e Lacan. Trata-se de uma reedificação da psicanálise com base nos mais importantes achados desses dois mestres. Tem se mostrado à altura de orientar uma leitura da situação atual do mundo, sobretudo em seus aspectos de conhecimento. Coaduna-se com as teorias contemporâneas da cosmologia e da física, e demonstrou antecipá-las em diversos pontos cruciais. Originário (OR) (Nível ou Regime) (Recalque) – Fundamenta-se na axiomatização da ALEI. Designa a dissimetria radical do Haver e do psiquismo, decorrente da impossibilidade do Haver passar a não-Haver. Pessoa – IdioFormação do caso humano. Situada em determinado pólo, apresenta foco e franja e, em sua extensão máxima, abrange o Haver por inteiro. Ver IdioFormação e Haver. Ponto Bífido – Ponto neutro, com possibilidade (não de se orientar, mas) de ser direcionado ora para um lado ora para outro. Primário (Nível ou Regime) (Recalque) – Conjunto de formações que o Haver oferece espontaneamente. As formações materiais existentes no Haver. No primário de nosso corpo há dois níveis: autossoma (constituição biótica) e etossoma (conjunto dos comportamentos inerentes ao autossoma). Prótese – Invenção resultante de invocação da Hiperdeterminação. Pode ser psíquica, verbal, tecnológica, etc. Imita nossa originariedade, pois a prótese fundamental é o Originário. Ver Originário. Pulsão – Conceito fundamental da Nova Psicanálise que segue a última instância elaborada por Freud, a Pulsão de Morte. Inscreve-se no movimento da libido como tesão e estrutura-se como Revirão. O próprio movimento do que há como modo de funcionamento do Haver. Deste conceito se deduzem todos os outros: recalque, inconsciente, repetição, transferência, narcisismo, etc. Real – Ponto absolutamente neutro, indiferente, que não dá passagem para o não-Haver, porque ele não há. Comparece no Haver como marca do não-Haver, como inscrição do impossível. Ver Cais Absoluto.

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Recalque – Conceito que estrutura o pensamento psicanalítico. O que incide sobre as formações, embargando o movimento pleno da pulsão. O que quer que emperre o Revirão é fundação de Recalque. O que quer que não esteja comparecendo aqui e agora é da ordem do Recalque. Ver Recalque (Regimes ou Registros do). Recalque (Níveis ou Regimes de) – 1°) Primário – Regime das formações materiais que o Haver oferece espontaneamente, recalcantes do Revirão. No Primário de nosso corpo há dois níveis: autossoma (constituição biótica) e etossoma (conjunto dos comportamentos inerentes ao autossoma). 2°) Secundário – Regime secretado pelas Idioformações como imitação do modo de produção do Primário. Inclui o que se chama de simbólico e de cultura. 3°) Originário – Quebra de Simetria no Haver e no psiquismo, dada pela impossibilidade de o Haver passar a não-Haver. Competência que têm as Idioformações de reviramento radical do que quer que se apresente. Fundamenta-se na axiomatização da ALEI. Reificação – Processo progressivo/regressivo entre níveis, variando em três graus segundo sua intensidade. Primeiro grau (analogia): reificação branda que se dá no Secundário, por imitar o modo de construção do que estava no Primário, não sendo necessariamente recalcante. Segundo grau (metáfora): recalcamento. Terceiro grau (hipóstase): reificação do Secundário sobre o Primário, hiper-recalque, onde o que é proibido é tomado como impossível. Resistência – O Haver é resistência em estado puro, originária, pois não passa a não-Haver. Abaixo disso temos inúmeros níveis de resistência. As formações do Haver, às vezes, não resistem, perecem. Tudo que há se inclui na política, no jogo das resistências. A Nova Psicanálise supõe a vida como pura resistência à pulsão pelo não-Haver. Revirão – Máquina lógica tomada como exemplar dos movimentos do psiquismo e do Haver. Decorre d’ALEI e se presentifica para as Idioformações na possibilidade que têm de pensar, querer e mesmo produzir o avesso de tudo que lhes é apresentado. Secundário (Nível ou Regime) (Recalque) – Regime produzido pelas Idioformações enquanto referidas ao Primário (etossoma e autossoma), mas empuxadas pelo Originário, que é sua competência de reviramento radical do que quer que se lhes apresente. Inclui o que se chama de simbólico e cultura. Sexuação – Modos lógicos de estabelecimento de gozo. Concerne às modalidades de gozo decorrentes do Tesão do Haver pelo não-Haver. São quatro sexos: O Quarto sexo, é o Sexo Desistente, ou Sexo da Morte, que quer eliminar o Tesão completamente, mas não comparece por impossibilidade de entrar em funcionamento. O Terceiro Sexo é o Sexo Resistente que se põe como Um, o sexo do Haver, que simplesmente indica qual é o movimento do Tesão, sua afirmação diante da não existência da eliminação do Tesão. Quando o Haver se fractaliza diante da não havência do não-Haver, este Terceiro Sexo se modaliza em duas polaridades: Sexo Consistente, que imita o Um do sexo resistente e faz uma universalização; e Sexo Inconsistente, cujo modo de atingimento de gozo é na infinitização, sem designar fronteiras. Simetria – Aquilo que é desejado pelo Haver e pelo psiquismo, por imposição da catoptria, de acordo com ALEI: Haver desejo de não-Haver. Simetria, Quebra de – A fractalização do Haver diante de um espelho absoluto, por desejar seu avesso catóptrico e não conseguir atingi-lo. Ocorre pelo fato de não-Haver ser impossível. Inclui o que Freud chamou de castração e indicou como recalque originário (Urverdrangung).

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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Sobredeterminação – Imensa gama de elementos, de formações que determinam a vida da gente. Podem ser de nível Primário ou Secundário.