quimica da cerveja

7
a r o s A Química da Cerveja MANUEL PEREIRA GALVÃO* Sumariamente, a cerveja pode ser definida Como uma bebida alcoó- lica, produzida quando o mosto, urn extracto aquoso de malte e Itípulos, metabolisado fermentativamente por leveduras. Esta poderia ser uma definição de cerveja retirada de qualquer dicionário. Parece um pro- cesso simples, não é? Na realidade a produção de cerveja envolve hoje em dia um entendimento profundo da química e bioquímica das matéri- as primas, da levedura e de todas as variáveis de um complexo mas fasci- nante processo. Só assim é possível proporcionar aos consumidores uma tão grande diversidade de cervejas com diferentes aromas e gostos como a que existe por todo mundo onde esta bebida é consumi- da. A ciência e tecnologia cervejeiras cobrem um leque vasto de discipli- nas como a microbiologia, a bioquí- mica, a genética, a fisiologia micro- biana e a química. É dificil identifi- car todos os constituintes responsá- veis pelo gosto e aroma, ou seja pelas características organolépticas da cerveja. Ao longo dos anos têm sido caracterizadas várias vias de síntese química e bioquímica que levam â formação da maioria dos compostos capazes de estimular os receptores nervosos que se encon- tram nas cavidades bucal e nasal dos humanos e provocar as sensações que normalmente ternos quando be- bemos uma cerveja. Cerca de 800 compostos diferentes são actual- mente conhecidos na cerveja, sendo o seu contributo para as característi- cas globais da bebida variável. O cervejeiro procura com os co- nhecimentos actualmente disponí- veis condicionar ou estimular a pro- dução desses compostos com o ob- jectivo de produzir uma bebida com características próprias, que agrade aos consumidores, com urna quali- dade regular e que se mantenha inalterada ao longo do tempo. Isso conseguido por uma criteriosa esco- lha das matérias primas (água, malte e lúpulo), das estirpes de leveduras utilizadas e pela parametrização e controlo das inúmeras variáveis do processo produtivo. ;sikits A IMPORTÂNCIA DAS MATÉRIAS PRIMAS A A água é o principal componen- te da cerveja (aproximadamente 93%). É ela o suporte das combina- ções mais ou menos harmoniosas de todos os compostos químicos presen- tes nesta bebida. As características fí- sico-químicas da água influenciam propriedades da cerveja como o aroma, o gosto, a limpidez, a cor e a espuma. Foi a qualidade da água uti- lizada na produção de cerveja que tornou famosas algumas cidades ou locais como Pilsen, Burton-on-Trent, Dortmund, Munique, e Viena. A água utilizada na produção de cerve- ja deve fornecer apenas alguns mi- nerais úteis para o processo e deve ser desprovida de matéria orgânica e contaminação microbiológica. A pre- sença de alguns iões na água é rele- vante para as características da cer- veja produzida. O sulfato, SO42-, por exemplo contribui para um gosto seco e amargo, enquanto que o ião cloreto, Cl-, acima de determinado nível confere um gosto adocicado e mais encorpado. O excesso de sulfa- tos pode também influenciar a quan- tidade de compostos voláteis sulfura- dos produzidos durante a fermenta- ção, como o H25 e o SO2. Alguns Vies derivados do ferro, conferem ã cerveja um gosto metáli- IMPE'RMÍ.) - ' co, quando existem em teores supe- riores ao recomendado. No entanto, os iões ferric° e ferroso estão envoi- vidos na formação de compostos que conferem cor à cerveja e alguns sais de ferro têm uma influência positiva na espuma, embora lhe possam por vezes conferir uma cor acastanhada. A água pode também influenci- ar indirectamente as caracteristicas da cerveja. O pH tem extrema im- portancia na modulação da activida- de de certos enzimas presentes no malte, e no grau de extracção de vá- rios compostos presentes no malte e no lúpulo, durante a primeira etapa do processo produtivo, a produção do mosto. O MALTE 6 QUÍMICA • 65. 1997

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Trata dos processos químicos relativos a produção de cerveja.

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  • a r o s

    A Qumica da CervejaMANUEL PEREIRA GALVO*

    Sumariamente, a cerveja podeser definida Como uma bebida alco-lica, produzida quando o mosto, urnextracto aquoso de malte e Itpulos,

    metabolisado fermentativamentepor leveduras. Esta poderia ser umadefinio de cerveja retirada dequalquer dicionrio. Parece um pro-cesso simples, no ? Na realidade aproduo de cerveja envolve hojeem dia um entendimento profundoda qumica e bioqumica das matri-as primas, da levedura e de todas asvariveis de um complexo mas fasci-nante processo. S assim possvelproporcionar aos consumidores umato grande diversidade de cervejascom diferentes aromas e gostoscomo a que existe por todomundo onde esta bebida consumi-da. A cincia e tecnologia cervejeirascobrem um leque vasto de discipli-nas como a microbiologia, a bioqu-mica, a gentica, a fisiologia micro-biana e a qumica. dificil identifi-car todos os constituintes respons-veis pelo gosto e aroma, ou sejapelas caractersticas organolpticasda cerveja. Ao longo dos anos tmsido caracterizadas vrias vias desntese qumica e bioqumica quelevam formao da maioria doscompostos capazes de estimular osreceptores nervosos que se encon-tram nas cavidades bucal e nasal doshumanos e provocar as sensaesque normalmente ternos quando be-bemos uma cerveja. Cerca de 800compostos diferentes so actual-mente conhecidos na cerveja, sendoo seu contributo para as caractersti-cas globais da bebida varivel.

    O cervejeiro procura com os co-nhecimentos actualmente dispon-veis condicionar ou estimular a pro-duo desses compostos com o ob-jectivo de produzir uma bebida comcaractersticas prprias, que agradeaos consumidores, com urna quali-dade regular e que se mantenhainalterada ao longo do tempo. Issoconseguido por uma criteriosa esco-lha das matrias primas (gua, maltee lpulo), das estirpes de levedurasutilizadas e pela parametrizao econtrolo das inmeras variveis doprocesso produtivo.

    ;sikits

    A IMPORTNCIADAS MATRIAS PRIMAS

    A

    A gua o principal componen-te da cerveja (aproximadamente93%). ela o suporte das combina-es mais ou menos harmoniosas detodos os compostos qumicos presen-tes nesta bebida. As caractersticas f-sico-qumicas da gua influenciampropriedades da cerveja como oaroma, o gosto, a limpidez, a cor e aespuma. Foi a qualidade da gua uti-lizada na produo de cerveja quetornou famosas algumas cidades oulocais como Pilsen, Burton-on-Trent,Dortmund, Munique, e Viena. Agua utilizada na produo de cerve-ja deve fornecer apenas alguns mi-nerais teis para o processo e deveser desprovida de matria orgnica econtaminao microbiolgica. A pre-sena de alguns ies na gua rele-vante para as caractersticas da cer-veja produzida. O sulfato, SO42-, porexemplo contribui para um gostoseco e amargo, enquanto que o iocloreto, Cl-, acima de determinadonvel confere um gosto adocicado emais encorpado. O excesso de sulfa-tos pode tambm influenciar a quan-tidade de compostos volteis sulfura-dos produzidos durante a fermenta-o, como o H25 e o SO2.

    Alguns Vies derivados do ferro,conferem cerveja um gosto metli-

    IMPE'RM.)-

    '

    co, quando existem em teores supe-riores ao recomendado. No entanto,os ies ferric e ferroso esto envoi-vidos na formao de compostos queconferem cor cerveja e alguns saisde ferro tm uma influncia positivana espuma, embora lhe possam porvezes conferir uma cor acastanhada.

    A gua pode tambm influenci-ar indirectamente as caracteristicasda cerveja. O pH tem extrema im-portancia na modulao da activida-de de certos enzimas presentes nomalte, e no grau de extraco de v-rios compostos presentes no malte eno lpulo, durante a primeira etapado processo produtivo, a produodo mosto.

    O MALTE

    6 QUMICA 65. 1997

  • a r ti

    P-amilase

    O malte, cevada maltada aprincipal fonte de substncias quimi-cas com actividade sensorial (gustati-va ou olfactiva), encontradas na cer-veja, seja por via directa seja atravsdas transformaes que ocorrem du-rante a produo do mosto e a fer-mentao. No malte encontram-seuma multitude de compostos que in-cluem cidos gordos volteis, fura-nos, aldedos, cetonas, fem5is, prote-nas, glcidos, compostos sulfurosos,melanoidinas, polipptidos e polife-nis. Alguns destes compostos desa-parecero enquanto outros iro so-frer modificaes durante o processocervejeiro. Essas modificaes podemser qumicas, como por exemplo aoxidao ou a degradao trmica;ou bioqumicas, pela actuao da le-vedura.

    A fraco glicdica a predomi-nante na constituio do malte. Du-rante a produo de mosto, as mol-culas de amido presentes no malteso hidrolizadas enzimticamente etransformadas em polissacardeos,trissacardeos, dissacardeos e oses.Os primeiros sobrevivem at ao pro-duto final, sendo os principais res-ponsveis pela viscosidade e densida-de da cerveja, propriedades que serelacionam com o "corpo" da bebida.Os restantes glicidos, de menor graude polimerizao so metabolisadospela levedura durante a fermentaoem complexas vias de catabolismo ede anabolism.

    Um exemplo importante detransformao qumica de um com-posto presente no malte a forma-o do dimetilsulfureto (DMS) peladegradao trmica do aminocidoS-metilmetionina (SMM). O DMSum composto sulfurado que se esti-ver presente na cerveja em concen-

    a-amilase

    traes superiores a 30-40 ppb podeconferir-lhe um aroma bastante de-sagradvel.

    As protenas presentes no maltetm extrema importancia, pela fontede compostos azotados que constitu-em, essencial boa performance fer-mentativa das leveduras e tambmpelo aporte enzimtico fundamentalna fase de produo do mosto. Ospolipptidos so um dos principaisconstituintes da espuma da cerveja,ao serem adsorvidos superfcie dasbolhas de CO2 que se libertam nocopo. Os aminocidos participam naformao de compostos responsveispela cor da cerveja- as melanoidinas-, que se formam pela reaco dosprimeiros corn acares, pela acodo calor. Estas reaces receberam onome do qumico que primeiro iden-tificou as melanoidinas- Maillard.

    A fraco lpidica do malte(cerca de 3% da sua matria seca)no , na sua maior parte, solubiliza-

    da durante a fabricao do mosto.No entanto, a poro solubilizadaconstitui tambm uma potencialfonte de compostos organoleptica-mente activos. Alguns destes corn-postos podem posteriormente darorigem a produtos responsveis peladegradao do sabor e aroma da cer-veja ao longo do tempo. Nesta frac-o, so importantes na velocidadeda fermentao e no equilbrio entreos compostos aromticos das famliasdos lcoois e dos steres, os cidosgordos de cadeia longa (palmtico,esterico, oleic() e linoleico).

    O LPULO

    Desde os primrdios da produ-o de cerveja que se utilizam espe-ciarias e plantas aromticas para in-troduzir aromas especiais nesta bebi-da. Destas plantas, apenas o lpulo(Humulus lupulos L.) utilizado hojeem dia, numa escala comercial.

    O lpulo uma planta da fami-lia das Cannabinaceae. Apenas asplantas femininas do Lpulo produ-zem as inflorescncias, designadaspor cones, utilizados na industriacervejeira.

    a partir destes conesque extrada a fraco resinosaonde se encontram os compostosque iro conferir o gosto amargo cerveja, os cidos a. Este grupo decompostos sofre uma isomerizao

    Molcula de amilose - resduos de glucose ligados por ligaes a-1,4

    QUMICA 65 1997 7

  • Absoro dos Glcidos

    maltotriose

    permeasc

    maltose

    permcascmaltose malto nose

    glucose

    galactose + glucose

    melibiose

    glucose + frutose

    sacarose

    artigos

    durante a fase final da produo domosto, a ebulio, que os convertenos iso-a-cidos, que so muito maisamargos que os correspondentes ci-dos a.

    cidos a (humulonas)

    A LEVEDURA

    S pela aco da levedura sepode transformar o mosto (extractoaquoso do malte e do lpulo) emcerveja. A alterao fundamentalque este microorganismo desenca-deia a metabolizao dos tri, di emonossacardeos e a excreo de

    etanol e CO2, que constituem asbases de todo o espectro de aromas esabores da cerveja.

    Os glcidos assimilveis pela le-vedura so convertidos em glucoseque metabolisada pela via glicolticaa piruvato que, por sua vez converti-do em etanol e CO2, tendo como pro-duto intermedirio o acetaldedo.

    R = -CH2CH(CH3)2 - humulona- CH(CH3)2 - cohumulona- CHCH3CH2 CH3 - adhumolona

    lso-a-cidos (isohumulonas)

    A natureza aromtica dos l-pulos devida aos leos essenciaisque constituem cerca de 0,5 a 1,5% do peso dos cones. J foramidentificados mais de 200 compos-tos qumicos com aroma, perten-centes s famlias dos compostossulfurosos, dos terpenos, dos ste-res, dos teres, dos lcoois, das cc-tonas

    e dos cidos.

    Gama Influncia noComposto de concentraes aroma e gosto

    no Lpulo (% p/p) da cervejamirceno 0,2 - 0,6

    pinenos

    0,1 - 0,3aromtico

    cariofileno 0,003 - 0,005

    sabor

    tarnasceno 0,05 - 0,08 a terpenos

    humuleno 0,07 - 0,1

    steresoxigenados 0,08 - 0,15

    lpidos 2 - 4

    taninos 3 - 5

    aroma floral

    saboradstringente

    QUMICA 65. 1997

  • AMINOCIDOS

    glucose

    CO2

    METABOLISMO DOSGLLCIDOS

    NADH2

    NAD

    CO2Acetaldedo +

    --n D-gliceraldedo-3-fosfato

    I2 ADP 2 WeI I

    2 ATP 2 NADH2

    Pint% ato

    transaminases

    CETOCIDOScarboxilase

    ALDEDOS

    Ialcool destudrogenase

    LCOOISSUPERIORES

    lcoois Superiores Derivados de Aminocidos

    2 NADH2

    2 NAD-

    artigos

    Metabolismo dos GlcidosProduo de Etanol e CO2

    Bioqumica da Formao de lcoois Superiores

    Aminocido lcool superior lcool Concentrao Limiar deValina Isobutanol na cerveja percepo

    Treonina Propanol n-propanol 4 - 60 mg/I 800 mg/IIsoleucina 2-Meld -1 -butanol isobutanol 4 - 57 mg/I 200 mg/ILeucina 3-Meti I- 1 -butanol 3-metil-1 -butanol 25 - 133 mg/I 70 mg/I

    Fenilalanina Fen i letano I 2-feniletanol 5 - 102 mg/I 125 mg/I

    Etanol

    Sendo um organismo vivo, a le-vedura apresenta uma complexa eintrincada rede de vias metablicasresponsveis pela degradao de al-guns compostos qumicos e pela sn-tese de outros. Estirpes de leveduradiferentes produzem quantidades di-ferentes dos vrios compostos, quan-do fermentam um mosto com carac-tersticas idnticas.

    Os compostos produzidos pelalevedura pertencem na sua maioria aum dos seguintes grupos qumicos:

    lcoois - Para alm do etanolexiste um grande nmero de outroslcoois na cerveja. Estes lcoois, vul-garmente designados por lcoois su-periores constituem uma parte im-portante dos produtos formados du-rante a fermentao. So compostosextremamente aromticos e tm umpapel importante nas caractersticasorganolpticas da cerveja. A sua for-mao est relacionada com o meta-bolismo dos sacardeos presentes nomosto e com o metabolismo dosaminocidos, em particular com um

    produto intermdio desse metabolis-mo - os cetocidos. A estirpe de leve-dura escolhida para a fermentaodeterminante para os nveis finais delcoois superiores na cerveja.

    steres - A maioria dos steresencontrados na cerveja resulta dometabolismo da levedura. As reac-es de esterificao no enzimti-cas so em geral, insignificantes.Estes compostos so, conjuntamen-te com os lcoois superiores, res-ponsveis pelo "bouquet" de algu-mas cervejas. Os esteres so sinteti-zados a partir de um lcool e de umcido orgnico da famlia dos acil-CoA (compostos transportadores degrupos acuo, produtos intermdiosdo metabolismo dos cidos gordos).A sntese dos steres catalisadapelos enzimas da famlia das acetil-lcool transferases (AAT). O acil-CoA mais comum o acetil-CoA e oalcool mais abundante na cerveja

    o etanol. Da que o ster presenteem maior quantidade seja o acetatode etilo que apresenta um aroma asolvente ou verniz. Outro ster cornbastante influncia no aroma dacerveja o acetato de isoamilo, quese forma pela esterificao do 3-me-tilbutanol e do acetil-CoA. Estester possui um caracterstico aromaa banana, detectado quando os seusnveis ultrapassam o limiar de per-cepo olfactivo. Embora muitosfactores, entre os quais as variveisdo processo fermentativo, afectem asntese de steres, provavelmentea estirpe de levedura a principal res-ponsvel pela formao destes com-postos.

    ster Concentrao Limiar de

    na cerveja percepoAcetato de etilo 8 - 48 mg/I 33 mg/IHexanoato de etilo 0,1 - 1,5 mg/I 0,23 mg/Iacetato de isoamilo 0,8 - 6,6 mg/I 1,6 mg/Iacetato de isobutilo 0,03 - 0,25 mg/I 1,6 mg/I

    QUMICA 65 1997 9

  • Bioqumica da Formao dos steres

    MOSTO CERVEJA

    FONTE DECARBONO

    COMPOSTOSAZOTADOS

    ESTERES

    ALcools

    CLULA DE LEVEDURA

    artigos

    Compostos sulfurosos - Oenxofre um elemento extrema-mente importante na produo decerveja pelos compostos que podeformar e que contribuem significati-vamente para as caractersticas or-ganolpticas da bebida. Normal-mente os compostos sulfurosos noso desejveis, embora alguns tiposde cerveja sejam caracterizados por"vestgios" em alguns destes com-postos. Dentro deste grupo desta-cam-se o sulfureto de hidrognio, odimetilsulfureto, o dixido de enxo-fre e os tiis. Embora quantidadesvestigirias destes compostos sejamaceitveis ou at desejveis em al-guns tipos de cerveja, quando pre-sentes em excesso, eles podemtransmitir-lhe aromas desagrad-veis.

    Metionina(Aminocido)

    ss

    113C1 \ CH3 4

    Dimetilsulfureto

    Embora os compostos volteisde enxofre possam j existir nos I-pulos e nos maltes, durante a fer-mentao que a grande maioria seforma. Em condies normais de fer-mentao, o CO2 formado que se li-berta suficiente para os arrastarpara fora da cerveja, a medida queeles se vo formando.

    Formaodo Dimetilsulfureto DMS

    Limiarde percepo15 - 30 pg/I

    1 - 5 pg/I20 - 40 pg/I4 - 35 ng/I

    0,2 - 0,5 pg/I

    Dixiclo de enxotreSulfureto de hidrognio

    Dimetilsulfureto3-Metil-2-buteno-l-tiol

    Metanotiol

    MetionalICALORSH

    H3C

    Metanotiol

    Compostos com grupos car-bonito - A importncia destes com-postos reside no seu elevado potenci-al aromtico e na influncia que tmna estabilidade organolptica da cer-veja ao longo do seu tempo de vida.Quantidades excessivas de compos-tos carbonilados so caractersticasde cervejas "velhas" e oxidadas. Oefeito da presena de aldedos nacerveja pode traduzir-se por umaroma a "palha / erva" como se veri-fica para o propanal, o 2-metil buta-nal e o pentanal ou por um gosto a"papel / carto" como o conferidopelo 2-transnonenal e pelo furfural.

    O acetaldedo o aldedo pre-sente em maior quantidade na cer-veja. Este composto forma-se duran-te a fermentao, e um produto in-termdio na via de sntese do etanola partir dos sacardeos do mosto. Oacetaldedo formado pode ser reduzi-do a etanol ou oxidado a cido acti-co. Parte do acetaldedo excretadopela levedura pode tambm ser, nofinal da fermentao, reabsorvido ereduzido enzimaticamente a etanol.Quando presente em nveis superio-res ao limiar de percepo olfactiva,o acetaldedo pode conferir cervejaum aroma intenso a ma.

    Os compostos 2,3-butanodiona(comumente designado por diaceti-lo) e a 2,3-pentanodiona introduzemna cerveja um aroma e um gostodescritos muitas vezes como idnti-cos ao da manteiga de amendom, docaramelo ou do mel. Nos ltimosanos tem havido um grande interes-se relativamente aos factores que in-fluenciam a concentrao de diaceti-lo na cerveja bem como as tcnicasanalticas para a sua determinao.Estes dois compostos so vulgarmen-te designados por dicetonas vicinaispor apresentarem dois grupos carbo-nilo adjacentes.

    O diacetilo bem como a 2,3-pentanodiona so produzidos emgrande quantidade nas fases iniciaisda fermentao a partir de produtosintermdios do metabolismo dosaminocidos, respectivamente o a-acelactato e o a-acetohidroxibutira-

    Formao do Dimetilsulfureto DMS

    CALOR

    REACO DE EQUILIBRIO

    1 0 QUMICA 65 . 1997

  • artigos

    to, excretados pela levedura. A redu-o destes compostos s dicetonasrespectivas um processo no enzi-mtico que ocorre no exterior dasclulas. As dicetonas so ento reab-sorvidas pela levedura e reduzidasenzimaticamente a compostosmenos activos do ponto de vista or-ganolptico.

    Influncia das DicetonasVicinais no Aroma da Cerveja

    Limiarde percepo

    Diacetilo 0,15 - 0,20 mg/I

    2,3-pentanodiona 1,0 mg/I

    AS VARIVEIS DO PROCESSO

    BRASSAGEM(PRODUO DO MOSTO)

    durante a fase inicial do pro-cesso de brassagem que so extradosdo malte os sacardeos, as protenas emuitos outros compostos presentesno malte. Tanto os sacardeos comoas protenas so ento hidrolizadosenzimaticamente, de uma formacontrolada, tornando-os assimilveispela levedura. So vrios os enzimasresponsveis por estas reaces hi-drolticas (amilases, proteases, pepti-dases, etc.), cada um dos quais corn

    reaco qumicaexpontnea

    DIACETILO

    temperatura e pH ptimos de actua-o. O controlo destes dois parme-tros por isso crucial durante o pro-cesso.

    Aps a extraco e hidrlise, ascascas dos gros de malte so separa-das do mosto, por uma filtrao. Nafase final da brassagem, o mosto le-vado ebulio para inactivar todosos enzimas e precipitar algumas pro-tenas de elevada massa molecularque poderiam precipitar posterior-mente na cerveja turvando-a.

    tambm durante a ebulioque so extrados e isomerizados oscidos alfa do lpulo. Tambm esteprocesso muito dependente do pH,temperatura e tempo.

    Aps a ebulio, o mosto clari-ficado num processo onde so remo-vidos todos os colides precipitados,constituidos essencialmente por pro-tenas e alguns lpidos. A quantidadede slidos suspensos no mosto("trub"), que passa para a fermenta-o tem efeitos determinantes noaroma da cerveja produzida. Ao pro-mover a multiplicao celular, o"trub" altera os padres da fermenta-

    o. Produzem-se mais compostossulfurosos e mais compostos precur-sores de reaces oxidativas que ace-leram o processo de envelhecimentoda cerveja.

    FERMENTAO

    Foi j referido que as principaiscaractersticas organolpticas da cer-veja derivam do metabolismo da le-vedura durante o processo fermenta-tivo. Consequentemente, a composi-o do mosto e os parmetros doprocesso que afectam o desempenhofermentativo da levedura afectamtambm a qualidade da cerveja.Estes factores esto interrelacionadose torna-se dificil caracterizar a influ-ncia que cada um deles exerce iso-ladamente no perfil sensorial (orga-nolptico) do produto final.

    A Estirpe levuriana contribuide forma significativa para o carctermais ou menos aromtico da cerveja.Cada estirpe comporta-se de formadiferente para um dado conjunto decondies de fermentao. O tcnicocervejeiro tem que ter em considera-o o perffl aromtico produzido porcada estirpe (compostos sulfurosos,steres, lcoois, etc.), quando faz aseleco da levedura a utilizar naproduo de cerveja.

    Variaes na quantidade de c-lulas de levedura presente no inicioda fermentao, taxa de inoculao,traduzem-se em diferentes padresde crescimento, com influncia di-recta no aroma da cerveja alterandoas propores relativas de compostosvolteis. Um crescimento controladoem cada fermentao

    urna dasprincipais preocupaes do cervejei-ro, pois s assim se consegue garan-tir uma regularidade nas caractersti-cas do produto.

    A temperatura influenciaquantitativamente cada reaco bio-

    Bioqumica da formao do Diacetilo na Cerveja

    MOSTO \ CERVEJA

    cc-ACETOLACTATOPIRUVATO

    DIACETILOcc-ACETOLACTATO

    ACETONAVALINA

    2,3-BUTANODIOL

    CLULA DE LEVEDURA

    Enzima Substrato pH Optimo Temperaturaa - Am i lase Amido 5,5 - 6,0 55 - 65

    - Arni lase Amido 4,0 - 6,0 45 - 55 "CProteases Protenas 4,0 - 5,0

  • qumica do metabolismo da levedu-ra. Temperaturas mais altas acentu-am a velocidade de fermentao, aproduo de lcoois e promovem aconverso extracelular dos precurso-res das dicetonas vicinais.

    O oxignio dissolvido e o teorem cidos gordos saturados e insa-turados no mosto no inicio da fer-mentao influencia a actividademetablica das clulas da levedura,uma vez que o oxignio essencialpara a formao de compostos queparticipam na formao de novasclulas. O controlo da quantidadede oxignio dissolvido importantepara o crescimento uniforme da le-vedura e para a produo consisten-te de compostos organolepticamen-te activos.

    A geometria dos fermenta-dores tem tambm um papel im-portante na fermentao, devidoaos efeitos que a presso hidrostti-ca exerce sobre a quantidade deCO2, que permanece em soluo esobre as correntes de convexo quese geram durante a fermentao. Ataxa de crescimento da levedura e aproduo de compostos aromticosdecrescem sob as concentraes ele-vadas de CO2 dissolvido que exis-tem em tanques de geometria cilin-drica vertical. As diferenas queexistem nas caracteristicas da fer-mentao entre tanques verticais ehorizontais resultam de diferenasna agitao natural provocada pelalibertao do CO2 formado. Na pr-tica os tanques verticais no devemter uma altura superior a duas vezeso diametro.

    MATURAO

    A Maturao da cerveja diz res-peito fundamentalmente ao "fixar"das caractersticas organolpticas dabebida e sua estabilizao fsica(coloidal). No final da fermentao,existem na cerveja "jovem" muitossabores e aromas que devem ser eli-minados ou corrigidos. O processo dematurao reduz os nveis destescompostos produzindo um aroma eum sabor "mais limpos".

    A maturao normalmente le-vada a cabo aps a remoo damaior parte da levedura no final dafermentao, corn o arrefecimentoda cerveja at temperaturas prxi-mas dos 0C e a permanncia a essatemperatura durante um perodomais ou menos longo. Durante estafase, as clulas de levedura que per-manecem em contacto com a cervejareabsorvem as dicetonas vicinais econvertem-nas enzimaticamente emcompostos que no apresentam acti-vidade organolptica. A continua li-bertao de CO2 durante a matura-o, embora menos acentuada con-tribui tambm para eliminar o exces-so de alguns compostos volteis in-desejados.

    FILTRAO \ EMBALAGEM

    Aps a maturao necessrioque a cerveja seja filtrada para quese obtenha no final uma bebida comuma limpidez e um brilho cristali-nos. Durante esta fase do processoso feitos alguns ajustes nos nveisde CO2 dissolvido (carbonatao),to caracterstico na cerveja e dese-jado pelos consumidores.

    Na ltima fase de produofeito o acondicionamento. Este podeser feito em latas, garrafas ou barrise no menos importante do quequalquer uma das fases anterioresdo processo. Mesmo depois deacondicionada, a cerveja continua aser alvo de transformaes qumicasque podem em casos extremos levar deteriorao do aroma e gostobem como ao aparecimento de tur-vao. A maioria das alteraes quelevam ao envelhecimento da cerve-ja dentro da respectiva embalagemso devidas a processos de oxidaoqumica, que envolvem lcoois su-periores e melanoidinas. Os nveisde oxignio dissolvido na cervejaembalada so determinantes para asua estabilidade organolptica e fsi-ca. O oxignio desencadeia a forma-o de compostos altamente reacti-vos que levam no s ao apareci-mento de aldedos como formaode complexos entre protenas e po-

    lifenis que precipitam e turvam acerveja. Tambm a cor da cervejaaumenta com o tempo em conse-quncia de reaces de oxidaodos taninos. A cor do vidro das gar-rafas protege a bebida dos efeitos daluz que, em determinados compri-mentos de onda, desencadeia tam-bm algumas reaces que levamdegradao da bebida. Por forma aaumentar a estabilidade da bebida,o cervejeiro tem como principalpreocupao, durante o acondicio-namento, manter os nveis de oxi-gnio dissolvido to baixos quantopossvel. Consegue-se assim que acerveja chegue at aos consumido-res corn o gosto e o aroma frescosque a caracterizam.

    Apenas foram focados neste tra-balho alguns dos aspectos mais im-portantes do processo cervejeiro,com o objectivo de explicar as basesqumicas subjacentes s caractersti-cas desta bebida, clarificando as vri-as fases de um processo complexo efascinante em relao ao qual o co-nhecimento est constantemente aevoluir e provavelmente um dos queenvolvem hoje em dia mais investi-gao.

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo CENTRAL DE CER-VEJAS,S.A. a autorizao para publi-cao deste trabalho.

    * Centra/de Cervejas, S.A.Estrada de Alfarrobeira, Apartado 152626 Vialonga

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