química - cadernos temáticos - plásticos

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  • 8/14/2019 Qumica - Cadernos Temticos - Plsticos

    1/4Cadernos Temticos de Qumica Nova na Escola Edio especial Maio 2001

    Plsticos inteligentes

    Introduo

    Os polmeros convencionaisesto em praticamente tudo oque usamos hoje em dia: teci-

    dos, medicamentos, embalagens,meios de transporte, comunicaes,armazenamento de informaes etc.Existem em trs grandes classes;homopolmeros, copolmeros e blendas.Os homopolmeros so constitudos de

    um nico tipo demeros (unidades iguaisque se repetem ao longo da cadeiapolimrica) e os copolmeros socompostos de dois ou mais merosdiferentes. J as blendas so obtidaspela mistura de um ou mais homo oucopolmeros diferentes, produzindo umterceiro material polimrico com proprie-dades diferentes dos seus compo-nentes isolados. Assim, por exemplo, amistura do poli(p-oxi-fenileno) compoli(estireno) produz um plstico comalta resistncia ao impacto e grande

    transparncia, comercializado com o no-me de Noryl pela GE Plastics.

    E os plsticos inteligentes, o queos torna diferentes dos polmerossintticos convencionais? A resposta ,eles respondem a um determinadoestmulo de forma reprodutvel e espe-cfica. Assim, um estmulo eltrico po-der provocar mudana de cor (disposi-tivos eletrocrmicos), contrao commovimento mecnico (dispositivos

    eletromecnicos, msculos artificiais) ouuma reao de reduo ou oxidao(armazenamento qumico de energia -baterias ou capacitores). Um estmulocom luz poder provocar o apareci-mento de um potencialeltrico (clulas foto-eletroqumicas). Umestmulo com variaode acidez poder pro-vocar a mudana de

    cor (sensor de pH). Apresena de um certogs poder provocarmudana de conduti-vidade eltrica (sensor de gases). Umestmulo mecnico poder provocartambm mudana de condutividadeeltrica (sensor mecnico - balanas).

    O plstico inteligente mais antigo queconhecemos a borracha. Os nativossul e centro americanos conheciam-namuito antes da chegada de Colombo

    Amrica. Era chamada de cauchou e

    eles a extraam das seringueiras e faziambolas para se divertirem. Por que a bor-racha um material inteligente? Porquena forma vulcanizada ela volta suaforma original depois de ser deformadapor um esforo mecnico, ou seja ummaterial com memria. Um pedao deborracha se lembra da sua forma origi-nal, por isso pode ser chamado de inteli-gente. Alm disso, ao ser estimulada porum esforo mecnico, a borracha re-

    sponde com uma contrao de forma.S para lembrar, a vulcanizao umprocesso descoberto por Goodyear em1839 onde as molculas de poli(cis-isopreno) so interligadas por tomos

    de enxofre produzindoo que chamamos deborracha.

    A classe de plsti-cos inteligentes maisestudada atualmente

    constituda pelos cha-mados polmeros ele-troativos ou polme-ros condutores eletrni-

    cos, ou ainda polmeros conjugados.Aqui os chamaremos de polmeros ele-troativos porque eles podem ser oxida-dos ou reduzidos reversivelmente emprocessos qumicos ou eletroqumicos.Eles so constitudos de cadeias de to-mos de carbono com ligaes duplas(C=C) alternadas com ligaes simples(C-C), chamadas de ligaes duplas

    conjugadas. A estrutura prottipo destaclasse de materiais o poli(trans-aceti-leno), que contm somente tomos decarbono e de hidrognio (Figura 1a). Elefoi preparado pela primeira vez por Nattaem 1950, mas foi desprezado porqueera um material muito sensvel ao oxi-gnio do ar. Mais tarde o interesse nopoliacetileno se renovou devido pos-sibilidade de se obter um material100% conjugado que teria

    Marco-A De Paoli

    Neste artigo descreve-se esta classe de materiais mostrando a sua constituio qumica, dando algumasinformaes sobre a sua histria e forma de obteno. Descreve-se a razo pela qual eles so chamados deinteligentes. Discutem-se ainda as aplicaes mais importantes para estes materiais, ou seja, a montagemdos chamados dispositivos eletrocrmicos, eletromecnicos e fotoeletroqumicos.

    polmeros, dispositivos, plsticos

    O plstico inteligente mais

    antigo que conhecemos a

    borracha. Os nativos sul e

    centro americanos

    conheciam-na muito antes

    da chegada de Colombo Amrica e chamavam-na de

    cauchou

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    condutividade eltrica. Em 1967 o poli-acetileno foi obtido novamente, mas acondutividade ainda era muito baixa. Foiem 1977 que Shirakawa teve a idia deoxidar o poliacetileno com hexafluoretode arsnio, produzindo um materialorgnico com condutividade igual domercrio a temperatura ambiente. Dezanos mais tarde, Naarman e Theophilou,

    da BASF em Ludwigshafen, consegui-ram sintetizar um poliacetileno comcondutividade igual do cobre a tempe-ratura ambiente.

    O modelo de bandas prev para opoliacetileno a formao de uma bandasemi-preenchida, o que lhe daria umcomportamento metlico. No entanto, oTeorema de Peierls explica que a formatermodinamicamente mais estvel deum slido unidimensional aquela naqual o material se comporta como semi-condutor. Na verdade, esse o compor-tamento observado para o poliacetilenopuro. Experimentalmente se observaque as distncias interatmicas dasligaes C-C tm valores alternados,mais curtas e mais longas. Com istodeve haver um desdobramento dabanda semi-preenchida em uma bandade valncia totalmente ocupada e umabanda de conduo vazia, Figura 2,explicando o comportamento do polia-cetileno como de um semi-condutor. Aextraordinria idia de Shirakawa foi de

    reduzir ou oxidar o poliacetileno, demodo a produzir um material com umabanda de valncia ou de conduosemi-preenchidas e com comporta-mento metlico (Figura 2). Naarman eTheophilou conseguiram aumentarainda mais a condutividade eletrnicado poliacetileno porque produziramcadeias polimricas orientadas.

    O poliacetileno, no entanto, muitopouco estvel ao ambiente e reage rapi-damente com o oxignio do ar, oxidan-do-se. O interesse por ele foi diminuindo

    com o tempo. Mais ou menos na mesmapoca foram preparados outros polme-ros eletroativos usando compostos hete-rocclicos como monmeros, tais comoo pirrol, o tiofeno e seus derivados. Opolipirrol e o politiofeno, mostrados naFigura 1 (b e c, respectivamente), po-dem ser obtidos por polimerizaoqumica ou eletroqumica, produzindoem um caso filmes coloridos ou um pde cor escura. O mesmo Naarman da

    BASF de Ludwigshafenpatenteou um mtodoeletroqumico para pre-parar filmes de polipirrolde forma contnua em es-cala industrial.

    Uma outra classe depolmeros inteligentes constituda pela polianili-

    na e seus derivados.Com o monmero anili-na obtm-se um pol-mero eletroativo pela poli-merizao qumica oueletroqumica em meiofortemente cido. A estru-tura da unidade repetitivadeste polmero tambm mostrada na Figura 1d.O mais interessante que os primeiros relatosda polimerizao eletro-qumica da anilina datam de 1846. Emais, este trabalho j descrevia amudana de cor do material obtido coma aplicao de um potencial eltrico.Hoje em dia a polianilina j produzidaem escala industrial por diversas em-presas em todo o mundo.

    Estes materiais no passariam decuriosidades cientficas se no tivessemdespertado os pesquisadores para umasrie de aplicaes tecnolgicas ondeeles podem ser usados como alternativa

    a materiais tradicionais, com a vantagemde serem mais leves e possibilitarem amontagem de dispositivos flexveis. Aseguir descrevem-se algumas destasaplicaes.

    Aplicaes para os plsticos inteligentes

    Como podem-se utilizar as proprie-dades dos polmeros inteligentes naconstruo de dispositivos que pos-sam ser usados para uma determinadafinalidade? Como estes materiais soeletroativos, para us-los necessrio

    construir um cela eletroqumica de umcompartimento e dois eletrodos, comomostrado na Figura 3. Uma cela eletro-qumica constituda de dois eletrodos(eletrodo de trabalho e contra eletrodo)e um eletrlito como uma bateria decarro. No caso da cela da Figura 3,usam-se eletrodos sobre os quais osfilmes dos polmeros so depositadospor evaporao de uma soluo ou poreletrodeposio. No caso de disposi-

    tivos pticos, estes eletrodos podemser transparentes ou refletores. Oeletrodos transparentes mais usadoso as placas de vidro ou filmes dpoli(tereftalato de etileno) recobertocom uma camada bem fina de xidode estanho. Uma destas placas ser oeletrodo de trabalho e a outra o contra-eletrodo. Como nas outras celaeletroqumicas, este dispositivo deverter tambm um eletrlito para fechar ocircuito interno da cela. O eletrlito

    pode ser uma soluo de um sal dmodo a ter uma certa condutividadeinica. De um modo geral usam-sesolues ou gis contendo sais inorgnicos (por exemplo, as baterias seladas de carro usam gis). Mais recentemente, tem-se usado eletrlitos polimricos, ou seja, o complexo de um sainorgnico com um polmero. Opolmeros mais usados para esta finaldade so os derivados do poli(xidode etileno), como por exemplo opoli(xido de etileno-co-epicloridrina)

    Em nosso laboratrio, por exemplo

    Figura 1: Estrutura qumica dos plsticos inteligentes maicomuns. As partes assinaladas em azul representam aunidades repetitivas.

    Figura 2: Modelo de Bandas para o poliacetileno e seu processo de oxidao oreduo.

    Plsticos inteligentes

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    usamos um copolmero de xido de eti-leno e epicloridrina produzido pelaDaiso Co. Ltd. de Osaka, Japo. Deum modo geral esse copolmero usado para fazer guarnies de vidrosem automveis, mas se misturarmosa ele perclorato de ltio ou iodeto desdio em propores controladas,teremos um filme de um material quese comporta como eletrlito e pode serusado nos dispositivos montados comos polmeros eletroativos.

    Um dispositivo que muda sua corou sua transmitncia de luz em um cer-to comprimento de onda a partir de umestmulo eltrico chamado de dispo-sitivo eletrocrmico. Este dispositivopode ser usado para construir janelasde edificaes, de modo a controlar a

    quantidade de luz que entra em umcmodo, ou para construir mostrado-res pticos do tipo de displays. Podeser tambm um espelho retrovisor anti-ofuscante automtico, como os espe-lhos externos usados em alguns mode-

    los de automveis produzidos noBrasil. Estes espelhos escurecem auto-maticamente quando uma luz muitoforte incide sobre eles, pois o disposi-tivo eletrocrmico ativado por umafotoclula. Para construir o dispositivo necessrio combinar dois materiaiseletrocrmicos complementares depo-sitados em substratos transparentes e

    condutores. Os plsticos inteligentesmais comumente usados nestes dis-positivos so o polipirrol, o politiofenoou a polianilina. Um exemplo da varia-o espectral de um dispositivo destetipo mostrada na Figura 4. A curvacorrespondendo a maior transmissode luz na regio do visvel medidaquando os polmeros eletroativos estona sua forma clara (um est reduzidoe o outro est oxidado) e a outra curvacorresponde situao inversa. Estedispositivo foi montado usando comoeletrodos dois filmes de plstico trans-parente (poli(tereftalato de etileno, PET,o mesmo das garrafas de refrigerantes)recobertos com uma camada fina dexido de ndio dopado com estanho.Sobre um deles depositou-se um filmede um polmero derivado do poli(tio-feno) produzido pela Bayer como no-me de Baytron-P e sobre o outro umpolmero derivado do poli(pirrol). Umdeles torna-se escuro quando oxida-do e o outro escurece quando reduzi-

    do, deste modo eles possuem umaao complementar. Como eletrlito,no meio do dispositivo, usou-se um fil-me de poli(xido de etileno-co-epiclori-drina) complexado a perclorato de ltio.O ltio dissociado na forma de ctionsatua como condutor inico nesta clulaeletroqumica. Ao se aplicar umadiferena de potencial neste disposi-tivo observamos uma mudana datransmitncia de luz na regio do visvelde 20 para 70%. Esse um exemplode um dispositivo eletrocrmico total-

    mente plstico e flexvel.Estes plsticos tambm podem serusados em um dispositivo para conver-ter luz em energia eltrica, uma celafotoeletroqumica. Para isso precisocombinar um conjunto de polmeros naseguinte seqncia: eletrodo transpa-rente de poli(tereftalato de etileno)recoberto com InO2 (chamado de ITO/PET), um filme de poli(3-metiltiofeno),um filme de poli(epicloridrina-co-xido

    de etileno) contendo NaI e I2, um outroeletrodo de ITO/PET recoberto comuma finssima camada de platina. Opoli(3-metil tiofeno) um polmero quese comporta como um semi-condutorconvertendo a energia luminosa emcorrente eltrica que transportadapelos outros materiais. Essa cela paraconverso de energia fcil de montar

    e flexvel, como mostrado na Figura 5.A porcentagem de ftons convertidosem corrente eltrica baixa (0,8%) emcomparao com as fotoclulas desilcio, mas a sua facilidade de monta-gem e o baixo custo podero torn-lascompetitivas a mdio prazo. Por outrolado, possvel aumentar a conversousando um filme do Baytron-Pdepositado no segundo eletrodo deITO/PET. Com ele o rendimento da con-verso de luz em corrente eltricachega a 1,5%.

    Se misturarmos um polmero con-dutor eltrico com um polmero con-vencional isolante teremos uma mistu-ra binria, pois os dois materiais tmbaixa miscibilidade. Desta forma tera-mos partculas de material condutordistribudas em uma matriz isolante.Imaginemos agora que esta matriz iso-lante seja suficientemente macia paraser deformada at um ponto onde es-tas partculas entrem em contato.Quanto maior a presso, maior ser a

    condutividade da mistura. Usando esteprincpio a Bridgestone (tradicionalfabricante de pneus para veculos)desenvolveu um sensor para esteirastransportadoras que informa se asembalagens transportadas pela esteiracontm recipientes cheios de formaadequada, dispensando a inspeo vi-sual dos mesmos (Figura 6).

    Os LED de mltiplas cores so umaaplicao dos polmeros inteligentesque poder mudar as nossas vidas no

    Figura 3: Esquema de uma cela eletroqu-

    mica ou dispositivo: 1- eletrodos (vidro ouPET recoberto com xido de ndio), 2 - ele-trlito (lquido ou polimrico) e 3 e 4 - pol-meros eletroativos (dependendo da aplica-o, somente um eletrodo recoberto comum deles).

    Figura 5: Foto de um dispositivo fotoeletro-qumico totalmente de plstico. Este dis-positivo usado para converter luz em ele-tricidade.

    Figura 4: Curva de transmisso de luz emfuno do comprimento de onda para aforma transparente (linha tracejada) e paraa forma opaca (linha cheia) de um dispo-sitivo eletrocrmico totalmente plstico. Aslinhas verticais delimitam a regio espectraldo visvel.

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