questionamentos sobre a posi

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Andre Uniga Junior QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI<;:Ao DO TERAPEUTA, 0 MITO DE QUiRON E A ENCARNA<;:AO DE CRISTO. Monografia apresentada ao Curso de pos- graduayao Jato sensu da Universidade Tuiuti do Parana como requisito parcial para a obtenyao do titulo de especialista em Psicologia Clinica na abordagem junguiana Orientador: Netio Pereira da Silva CRP 08/0016 Curitiba Novembro/2005

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Page 1: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

Andre Uniga Junior

QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI<;:Ao DO TERAPEUTA, 0 MITODE QUiRON E A ENCARNA<;:AO DE CRISTO.

Monografia apresentada ao Curso de pos-graduayao Jato sensu da Universidade Tuiutido Parana como requisito parcial para aobtenyao do titulo de especialista emPsicologia Clinica na abordagem junguiana

Orientador: Netio Pereira da SilvaCRP 08/0016

CuritibaNovembro/2005

Page 2: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

Sl)JIARIO

1. INTRODUI;:Ao 1

2. A RELA<;:Ao TERAPEUTAIPACIENTE E AS NECESSIDADES DOTERAPEUTA 4

2.1 0 PROBLEMA DA CONTRA TRANSFER~NCIA... . 42.2 0 "OUVIR" DO TERAPEUTA... . 9

3. 0 MITO DE QUi RON E A FUN<;:Ao DE CURA DO TERAPEUTA ••..•.•••.123.1 A ESTORIA DO CENTAURO QUIRON.. . 123.2 OS OBJETIVOS DO TERAPEUTA... . 15

4. A ENCARNA<;:Ao DE CRISTO E 0 PAPEL DO TERAPEUTA •..•.•..•......264.1 AS RAZOES PARA A ENCARNA<;:AO... . 264.20 PAPEL DO TERAPEUTA NA ENCARNA<;:AO... . 314.3 AS TRIADES.. . 33

5. CONCLUsAo 35

6. BIBLIOGRAFIA 39

Page 3: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

Resumo

o objetivo da monografia e fazer uma assoeiayao entre tres temas quepermeiam 0 eotidiano elinieo: a relagao terapeuta/paeiente, 0 mite domedico ferido e a enearnayao de Cristo. Esses temas pontuam muito dasviveneias necessarias ao terapeuta para a realizayao dos atendimentos, 0que sera objeto de analise, 0 papel que devera desempenhar 0 terapeuta eas cuidados eontratransferenciais. 0 metodo utilizado sera 0 da psicologiaanalitiea, junta mente com 0 metodo interpretativo ou hermeneutico. Quantoaos resultados, demonstram que a trabalho de terapia pessoal do terapeutase torna necessaria para a realizagao dos atendimentos para que naoinfluencie nos conteudos do paciente. A eonclusao do trabalho aponta paraa relayao do mito do psic61ogo com 0 mito de Quiron, 0 saber "ouvir" doterapeuta e as prevengoes quanta as questoes contratransferenciais. Estassao algumas das situagoes do cotidiano do consult6rio, onde 0 terapeutadepara-se consigo mesma e com suas feridas, que podem estarpreviamente cicatrizadas ou nao.

Palavras - chaves: transferencia, Quiren, encarnagao, psicologia analitiea.

Page 4: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

1. INTRODUCAo

Antes mesmo de comegar a escrever a monografia sabre este tema,

mesma enquanto ainda naD passava de uma ideia para urn trabalho futuro,

comentava com algumas pessoas do meio junguiano sabre 0 interesse em

escrever uma monografia sabre a relayao terapeuta/paciente, a mito de Quiren e a

encarnac;:ao de Cristo. Em praticamente todas as vezes, ouvi comentiuios de como

seria dificil relacionar estes tres temas em torna de uma questao que e a relac;:ao

terapeuta/paciente, analisando e levantando questionamentos sobre 0 ponto de

vista do terapeuta.

Meu interesse par este tema, vern do fato da importancia e a interesse que

tenho pela area clinica e suas quest6es, sendo de necessidade permanente 0

monitoramento do terapeuta para as questoes contratransferenciais e a

manuten9ao do trabalho pessoal ao qual se propoe 0 terapeuta, a atenc;:ao ao

relato do paciente e 0 continuo estudo com relac;:ao a abordagem teorica usada

como pano de fundo no atendimento clinico, por exemplo.

Sem, no mini mo, 0 conhecimento das necessidades em estar se deparando

com estas questoes no cotldiano clinico, nao e possivel ser desenvolvido um

trabalho clinico com qualidade. Mas, dentro dos assuntos que tenho como base e

que chamo de necessidades permanentes do terapeuta, como conseguir

relacionar estes tres assuntos?

A ideia surgiu enquanto ouvia uma palestra a tres anos atras, quando 0 que

era debatido, em um determinado momento da apresentac;:ao, era sobre a

Page 5: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

encarna~o de Cristo, e comece; a assoc;ar a ideia, me deparando com a

questoes do cotidiano clinico. Tendo a mito de Quiron (au a mito do medico ferido)

como a Umita do psicologo", e relacianando com a questao terapeuta/paciente fai

questao de minutos. A leitura inicial de alguns livros, como as citadas na final da

trabalho, capacitaram-me a elabarar melhor as ideias do trabalho. A partir de

entao, foi s6 precise esperar a momenta certa para me desafiar a escrever sabre

tao dificil tematica.

Quanto propria mente a questao teorica, como ja dita anteriormente, a

rela9aO terapeutal paciente e questao de monitoramento permanente do

terapeuta, e pretendo me aprofundar neste assunto relacionando com os outros

dois temas partindo do ponta com rela<;ao a questianamentos sabre 0 papel do

terapeuta, e reafirmando algumas condutas necessarias ao terapeuta para realizar

o atendimento clinico. Questoes que rnuitas vezes percebi nao serem levadas

adiante por colegas de profissao, como por exemplo, 0 trabalho pessoal (fazer

analise ou psicoterapia), pois como ja dizia C.G.Jung: "(...) Eo que nao e possivel

levar um paciente alem do ponto em que estamos." (JUNG, 1.999, p. 75). "E ainda

e possivel citar urn trecho do livra uO Abuso do Poder na Psicoterapia", para

complementar a cita<;ao de Jung: "Nesse senti do e bastante verdade, como diz

Jung, que a analista s6 pode dar a seus pacientes aquila que possui".

(GUGGENBUHL-CRAIG, 2.004, p. 58), ou seja, nao e possivel extrair mais do

terapeuta do que 0 conhecimento e a vivencia do incansciente que ele tenha

obtido. No livre onde esta contida a cita<;ao aeirna, tambem e passivel encontrar

Page 6: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

outra, que aborda como Jung pensa com rela~ao ao trabalho pessoal do

psicoterapeuta, e como se relaciona com 0 atendimento de seus pacientes:

MMasqual a significado desta exig~ncia? Ela signifjca simplesmeme que 0medico tambem "esta em analiseti

, tanto quanto 0 paciente. Ele e parte integrante doprocesso pslquico do tratamento, tanto quanto este ultimo, razao por que tambem estaexposlo as influencias transformadoras. Na medida em que a medico se fecha a essainfluencia, ele tambem perde sua influencia sabre 0 paciente. E, na medida em queesta influencia e apenas inconsciente, abre-se uma lacuna em seu campo deconsciencia, que 0 impedira de ver 0 paciente corretamente. Em ambos os casas, 0resultado do tralamento esla comprometido" (JUNG, 1.999, p. 69).

Quanto ao mito de Quiron (ou mito do psic6logo), esta associado com a

ideia, principalmente, do trabalho de analise ou psicoterapia pelo qual 0 terapeuta

devera passar. E par tim, a encarnac;ao de Cristo, sendo 0 terceiro assunto

relacionado, pela questao de que Cristo teria side enviado a Terra por Deus, para

que este pudesse entender como se comportavam as homens. No processo

pSicoterapeutico, associ ado com a questao da encarna~ao, como e possivel

entender 0 que se passa com 0 inconsciente dos pacientes que atendemos, se

nao sabemos 0 que ocorre, com urn conhecimento minimo, em nosso proprio

inconsciente?

Tendo como base para transcorrer sabre estes tres assuntos, a vivencia da

pratica clinica, 0 problema encontrado que e proposto para ser respond ida neste

trabalho, e se a mito de Quiron e a encarnat;:ao de Cristo estao relacionados com

a relacao terapeuta/paciente?

Parto da hip6tese de que a rela(:1io e por consequencia 0 mito de Quiron e

a encarnat;:ao de Cristo se correlacionam na relayao terapeuta/paciente, embora

seja meu trabalho apresentar as fatos que me conduziram a tal questao.

Page 7: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

2. A RELACAo TERAPEUTA/PACIENTE E AS NECESSIDADESDO TERAPEUTA

2.10 PROBLEMA DA CONTRATRANSFERENCIA

A rela.yao terapeuta/paciente e tema de discussao e apontamentos em

varios outros trabalhos, principalmente quando levantadas quest6es quanta apostura, direitos e deveres e conteudos relatados em sessao, mas sempre

relacionando estes temas com 0 paciente.

Ve-se em varios textos e alguns livres e artigos, como par exemplo, no livra

de C.G.Jung, "A Pratica da Psicoterapia", em "A Experiencia Junguiana" de James

Hall, "A Busca do Simbolo" de Edward Whitmont, "Psicoterapia" de M.L.von Franz

e no artigo de C. Jess Groesbeck "A Imagem Arquetipica do Medico Ferido",

bastante citado neste trabalho, que questionam tambem as obrigac;oes, direitos e

deveres e necessidades do terapeuta no setting terapeutico, mas acredita-se que

proporcionalmente, questiona-se e debate-se mais a postura do paciente do que a

do terapeuta, e partindo do tato, que isto ocorra pel a hipotese de que levantar

quest5es sobre a outro seja mais facil do que olhar para si mesmo. Nao sao todos

que nao se questionam enquanto ocupam esta funC;ao, mas como em todos os

lugares ha tad os os tipos de profissionais, portanto ha tambem aqueles, na

profissao de psicologos, que ignoram a necessidade de se atentarem para suas

quest5es enquanto desempenham 0 papel de terapeuta.

Mas 0 papel (persona) que, os psicologos ocupam durante urn atendimento,

requer muita vivencia pratica, quanto ao processo psicoterapeutico de cada urn

Page 8: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

com seu pr6pria incansciente, a estudo da abordagem te6rica escalhida e a

aten~aa dedicada a cad a paciente atendido em cansult6ria.

Mas primeiramente, deve-se pensar que, quando um paciente faz a

primeiro cantata em busca do atendimento, au quando a paciente e encaminhado

para a sessao, a trabalho terapeutico de certa forma ja esta iniciado, pOis a

expectativa, a ideia, 0 deseja e principal mente as projeyoes feitas pelo paciente

quanto ao que ele espera do terapeuta que ira atende-Io, pode, dependendo do

caso, ja ser motivo de conversa, analise e questionamento para as primeiras

sessoes. Mas a preparac;ao do terapeuta quanta a aten~ao ao receber este novo

paciente, aten~ao quanta aa ouvi-Io e observa-Ia sao importantes, mas tambem se

considera importante a terapeuta se perguntar: Porque este paciente veia ate

mim? Talvez uma pergunta que alguns fayam, mas que deve ser pensada no

processo psicoterapeutico do terapeuta au ate individualmente ap6s a realiza~aa

de cada atendimento feito, mas que nao devesse deixar de refletir, em momenta

algum! Jung em "Mem6rias, Sonhos e Reflexoes" tem uma frase para este

momenta inicial do processo psicoterapeutica: "Enquanto medico, sempre me

pergunto que mensagem traz a doente. a que significa ele para mim? Se nada

significa, naa tenha um ponto de apoio. a medico s6 age ande e tocado." S6 a

ferido cura "". (JUNG, sid, p. 123).0 mitologema gregGdo medico ferido embasa a

frase citada acima, pais s6 e passivel para a medico "curar na medida do seu

pr6prio ferimento". (JUNG, 1.999, p. 111).

Esta frase de Jung mostra a quanta deva ser questionado a chegada de urn

paciente e a que isto traz de questionamentas para a terapeuta. A ultima parte da

Page 9: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

cita~ao acima que diz: "0 medico s6 age onde e tocadon, aponta para a

necessidade do terapeuta se conhecer como instrumento de trabalho terapeutico e

fazer a seu percurso de analise com outro profissional, para que possa se

conhecer melhor enquanto pessoa e tarnbern quanto profissional da area da

saude mental.

Em ambos as casas - tanto nas quest6es pessoais e profissionais - a

terapeuta, se bern analisado, ainda e passiveI de fazer contratransferencia de

suas quest6es, quanto mais a possibilidade sera possivel com urn terapeuta que

nao fa~a 0 seu trabalho pessoal, de fazer esta contratransferencia durante uma

sessao e nao perceber nem durante e nern ap6s a sessao a contratransferencia

feita e muito menos, sendo esta contratransferencia negativa, as conseqOencias

que este ata paden. trazer para a trabalha analitico. Partanta, a aten9ao do

terapeuta quanto as contratransferencias de seus conteudos tambem devera

existir, pois suas proje~6es ocorrem em qualquer rela'Yaoem que se vivencia,

inclusive a rela9ao com 0 paciente. 0 grafico abaixo dara uma amostra de como

as rela~6es entre terapeuta e paciente, ocorrem, levando em considera~o a

consciente e 0 inconsciente de ambos, e as atua~6es transferenciais e

contratransferenciais.

Page 10: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

ANALISTA PACIENTE

CONSCIENTE CONSCIENTE

INCONSCIENTE INCONSCIENTE

Grafico 1: Moslra as varias foonas de ocorrer a relacao terapeutalpaciente de fonna conscientee inconscienle

Portanto, aD olhar este graficQ, podera ficar urn pouco mais nitido, as mais

variadas formas em que as relac;:5es entre analista e paciente ocorrem, sendo

assim, as conseqOencias que poderao ocorrer casa 0 analista nao realize seu

trabalho de analise/psicoterapia. e tambem, ou talvez por conseqOencia, no casa

de naD realizar este trabalho, de nao perceber as contratransferemcias que

poderao estar envolvidas nesta relac;ao.

Para que um terapeuta possa realizar um trabalho de qualidade com a

paciente em atendimento, e necessaria fazer 0 seu processo de analise. Ha uma

Irase de Jung que expressa bem esta questao:

~A elapa da Iransfonnayao baseia-se nestes fatas que, para serem reconhecidos semequivoco, tiveram que ser objeto de abrangentes experiencias praticas que se estenderam peloquarto de seculo que precedeu esse reconhecimento. 0 proprio Freud, aderindo a ele, aceitouminha exigencia de que todo 0 terapeula fosse obrigaloriamente analisado~. (JUNG, 1.999, p.69).

Page 11: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

Quando esta regra e desrespeitada, Jung alerta para ° comprometimento

do trabalho analitico que podera ocorrer, pais tanto terapeuta quanta paciente,

estao em transforma9ao durante a processo analftico, e e de responsabilidade do

terapeuta ficar atento para as quest5es que surgem no setting terapeutico, sendo,

nao somente as questoes do paciente, mas tambem as questoes que ocorrem

consigo mesmo. Jung tem urn comentario para esta questao:

MNa reta9f1o medico-paciente existem fatores irracionais que produzemIransforma90es mUtuas. Ao final, sera decisiva a personalidade mais estavel e maisforte. Ja:vi muitos casos, em que 0 medico fei assimilado pete paciente, contrariandoloda teoria e qualquer praposta profissional e, na maiaria dos casos, mas nem sempre,em detrimento do medico." (JUNG,1.999, p. 69).

Desta forma, e evidente a importancia do monitoramento feito pelo

terapeuta de suas preprias quest5es e do cantata com seus conteudos

inconscientes, durante seu processo psicoterapeutico.

Ainda nesta questao, M.L. von Franz, faz recomenda90es quanta it aten9c3o

que devemos ter com nossas projec;oes contratransferenciais, principalmente no

setting terapeutico (temenos): "( ... ) na minha opiniao, torna absolutamente

necessaria que conscientemente percebamos mais a respeito de nossa verdadeira

natureza em vez de continuamente sobrecarregarmos as outros, de maneira

infantil, com nossas proje90es." (VON FRANZ,1.999, p. 290).

Fica nova mente reforc;a,da a hipetese da necessidade de todo terapeuta

fazer seu processo pSicoterapeutico, au seu processo de trabalho pessoal. Apes a

primeiro cantata e a reflexao sabre a cuidado do terapeuta quanta suas projec;6es

contratransferenciais, a pr6ximo passo a ser percebido pelo terapeuta e quanta a

Page 12: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

compreensao dele com rela9ao ao que e relatado em sessao, 0 que esta no

nomeado no subtitulo abaixo.

2.20 "OUVIR" DO TERAPEUTA

Muitas vezes e possivel que 0 terapeuta possa compreender 0 que e dito

pelo paciente por viuias razoes: quando determinada situa9ao ja foi vivenciada

pelo terapeuta e, portanto, ha uma experiemcia desta vivencia, quando 0 terapeuta

ja ouviu outros relatos com 0 conteudo parecido com 0 que e relatado, mas sem

perder a questao pessoal que envolve cada caso, ou quando 0 terapeuta

consegue relacionar 0 que e narrada a algum mito ou conto ja lido, bem como,

tambem, par alguma manifesta9ao arquetipica ja estudada ou reconhecida. Em

todas essas rela90es feitas com 0 conteudo dito pelo paciente e possivel que haja

uma boa compreensao do que e dito, pelo terapeuta, au seja, a mensagem

chegou ao seu destine com a inten9ao com que foi dita. Mas e quando a

mensagem nao chega ao terapeuta da forma com que 0 paciente quis dizer? E

responsabilidade do terapeuta nao haver percebido 0 que real mente 0 paciente

quis expressar?

No livro Psiquiatria Junguiana de Heinrich Karl Fierz, ha urn comentario

quanto as questoes levantadas acima: "0 medico buscara constantemente

compreender 0 paciente, realizando observa90es e compara90es de acordo com

seu treinamento. Constantemente tentara mostrar seu entendimento e, na medida

do possivel, comunica-Io ao paciente." (FIERZ,1.997, p. 239-240).

Page 13: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

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Portanto, Fierz determina que 0 treinamento da escuta do terapeuta podera

influenciar com relayao ao que e relatado em sessao, e a partir de entaD, quando

compreendida a mensagem, a terapeuta podera fazer uma devoluyao no sentido

de uma pontuaC;80, par exemplo, para que 0 paciente possa retletir e/au tomar

consciElncia de alguma situay30 ainda nao percebida.

Mas na frase de Fierz, ha uma mensagem que naD pode passar

despercebida que e "na medida do possivel", ou seja, que 0 terapeuta esta

prepense a nao compreender alguma mensagem que esteja sendo transmitida, ou

compreende-Ia de forma err6nea. Embora seja responsabilidade do terapeuta a

que oearre durante uma sessao analitica, a naD compreensao e urn acontecimento

perfeitamente comum, e que podera ser resolvido com uma pergunta como: "Pode

repetir 0 que voce acabou de dizer?" ou "Nao entendi 0 que voce quis dizer com

isto!", para que haja uma outra tentativa de compreensao. Este dialogo que deve

ocorrer entre terapeuta e paciente, tern de ser franco, pOis uma infla~ao de ego do

terapeuta em julgar-se "onisciente", pode ser a constelayao de um complexo. Jung

faz uma afirma~ao em seu livre "A Natureza da Psiquen, "Como, porem, tais

investiga~6es nao podiam se processar senao sob a forma de dialogo entre duas

pessoas, ao formular-se a teoria entram em considera~ao nao 56 os complexos de

um dos interlocutores, mas tambem os do outro". (JUNG, 2.000, p. 37).

Porem ha mensagens transmitidas pelo inconsciente do paciente, assim

como apresentadas no grafico 1, onde a percep~ao destas tambem e de

responsabilidade do terapeuta, e quanto a essa questao, Edward Whitmont faz urn

comentario em "A Busca do Simbolo":

Page 14: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

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~Ele (Jung) alertou as lerapeutas para nunca acredilarem que podem entender 0 que estaacontecendo no interior do paciente. Eles sempre devem estar abertos para ser ensinados, paraver as coisas de outro modo e para adaptar suas pre-concept;(Oes aquila que vern ao seuencontro." (WHITMONT, 1.999, p. 262).

Portanto, a treinamento aD qual se refere Fierz, vern de encontro ao

comentario de Whitmant sabre a compreensao do que ocorre no inconsciente do

paciente, e tambem quanta ao tato deste treinamento do terapeuta, este deve

estar atento ao que e dito - lembremos 0 comentario de Jung em "Memorias,

Sonhos e Reflex6es" sabre a transformac;ao que oeorre simultaneamente entre

terapeuta e paciente durante a sessao analitica para ouvir e adaptar as pre-

concepc;oes do terapeuta aos conteudos que ha na mensagem do que e dito pelo

paciente. Acredita-se que para que possa estar atento e pronto para ouvir e se

adaptar "aquilo que vem ao seu encontro" 0 treinamento pode responder bem a

esta necessidade, mas juntamente com 0 trabalho psicoterapeutico do terapeuta

em entrar em contato com seu inconsciente, tambem venha a auxiliar neste ouvir,

e adaptar ao que e relatado durante uma sessao analitica. Este ouvir e uma

habilidade, um instrumento basico de trabalho dos psic6logos, mas que deve ser

treinado, assim como ocorre com 0 trabalho analitico, pois atraves deste ouvir, 0

terapeuta esta suscetivel a cometer enganos, como por exemplo, ouvir 0 que

deseja ouvir, e nao a que realmente 0 paciente esta dizendo, e tambem, esta

suscetivel a fazer uma observac;ao com sabedoria, se estiver atento ao que erelatado nas sessoes, estando para isso, com a seu "ouvido atento",

Para finalizar este capitulo, urn comentario de Jung sabre a

responsabilidade do terapeuta em compreender e 0 que fazer com a questao

apresentada pel a paciente, no sentido de que objetivo se deve ter quanto a cura

Page 15: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

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deste paciente: "Em pSicoterapia, considero ate aconselhavel que 0 medico nao

tenha abjetivos demasiado precisos, pois dificilmente ele vai saber mais do que a

pr6pria natureza ou vontade de viver do paciente." (JUNG,1.999, p. 38-39).

Esta Irase de Jung vem para apontar sobre 0 que determina e quando, 0

processo de transformaC;8o da psique do paclente, embora S8 deva pensar que 0

processo de transformac;ao esta ocorrendo em ambos, 0 que aponta novamente

pata 0 continuo monitoramento do inconsciente do terapeuta em seu processo

psicoterapeutica.

3,0 MITO DE QUiRON E A FUN<;:AO DE CURA DO TERAPEUTA

3.1. A EST6RIA DO CENTAURO QUiRON

Antes de explicar a questao do porque 0 terapeuta deve passar por um

procesSD de entendimento e sobre as objetivos do terapeuta com rela<;ao aos

seus pacientes, e importante explicar quem foi Quiron, 0 Centaura. A relayao

deste assunto com esta figura rnitol6gica, e justificada pelo tato de que e feita aanalogia do mito de Quiron com 0 mito do psic610go.

Inicialmente, de forma mais abrangente passivel sera explicado quem foi e

o que fez Quiron, 0 Centauro. Segundo 0 texto sobre Quiron, do Dicionario de

Mitologia Grega e Romana de Pierre Grimal, diz 0 seguinte:

UQuiron e 0 mais celebre, 0 mais sensato e a mais sabia dos Centauros.mho do deus Crono e de Fllira, uma filha do Oceano (...) Quiron nascera imortal (...)educou Aquiles, Jasao, Asclepio, etc. 0 proprio Apolo tera recebido licOesde Quiron. 0seu ensino constava de musica, arte marcial, caca, moral e medicina.( ...) Aquando domassacre dos Centauros, levado a cabo por Herac/es, Quiron, embora estando do ladodo heroi, foi por ere fendo sem querer (...) mas as feridas feitas pelas flechas deHeracles eram incuraveis. Quiron afastou-se, entao, para sua gruta e sentiu vonlade de

Page 16: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

13

marrer, mas nao podia, porque era imortal. Par tim. Prometeu, que tinha nascidomortal, cedeu·lhe 0 seu direito a morte. E foi assim que Quiron pade encontrarrepouso." (GRIMAL, p. 403).

Ja no livro "Mitologia Grega", volume dois, de Junito de Souza Brandao, e

dito 0 seguinte sabre 0 centauro Quiren:

"Quirao, em grego Kheiron, nome que e, possivelmente, uma abreviatura deKheirurgos, uque trabalha ou age com as maos~, cirurgiao, pois que esse Centauro foium grande medico, que sabia muito bern compreender seus pacientes, por ser ummedico terido. Filho do deus Crono e de Fflira, pertencia a geracao divina dosOlimpicos. Pelo fata de Crono ter-se unida a Filira sob a forma de um caval0, 0Cenlauro possuia dupla natureza: eqOina e hum ana. Vivia numa gruta, no montePelion, e era urn genic benfazejo, amigo dos homens. Sabio, ensinava musica, arte daguerra e da caca, a moral, mas sohretudo, a medicina. Foi grande educador de her6is,entre outros, de Jasao, Peleu, AquiJes e Asch~pio. Quando do massacre dos Centaurospar Heracles, Quirao, que estava ao lado do her6i e era seu amigo, foi acidenlalmenteferido por uma f1echa envenenada do filho de Alcmena. 0 Centauro aplicou ungoentossabre 0 ferimenlo, mas este era incuravel. Recolhido a sua grula, Quirao desejoumorrer, mas nem isso conseguiu, por que era imortal. Por tim, Prometeu, que nasceramortal, cedeu-Ihe seu direito a morte e 0 Centauro pode entao descansar. Conta-seque Quirao subiu ao ceu sob a forma de constel~ do sagitario, uma vez que aflecha em latim sagitta a que se assimila 0 sagitario, eslabelece a sintese dinamica dohomem, voando atraves do conhecimento para sua transformayao, de ser animal emser espirilual."(BRANDAO,p.90).

E ainda, segundo 0 artigo escrito par C. Jen Groesbeck, sobre a "Imagem

Arquetipica do Medico Ferido" e publicado na Revista Junguiana volume 1, e dito

sobre 0 centauro Quiron: "A palavra Chiron e a raiz etimol6gica de cirurgia e

significa "com a mao" (do grego chirurgia "trabalho com as maos"). (GROESBECK,

p.75).

Em um texto, nao publicado, escrito pelo psic6logo junguiano Armando de

Oliveira e Silva, intitulado "As Feridas no Terapeuta a As Possibilidades Curativas

no Paciente", ele faz uma cita9ao quanto a situar quem foi Quiron:

"e. ao mesmo tempo tragico e ir6nico que Quirao tenha recebido sua fendaacidenlalmenle de Heracles. A ferida foi produzida por uma flecha que Heracles atirouem Elatos, urn outro centauro. A f1echa atingiu Quirao no joelho. Na necha haviaveneno da hidra e, em bora Heracles tenha tentado curar a ferida, ele falhou. Quiraotambem nao foi capaz de curar-se e passou a sofrer as dores de urna fenda incuraveLo cenlauro se refugiou em sua caverna, mas sendo imortal ele permaneceu em agonia,incapaz de morrer e par lermino ao seu sofrimenlo. Quirao se ofereceu para substituir

Page 17: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

14

Prometeus (que nascera mortal), e, ao aliviar 0 sofrimento de Prometeus. Quirao morre

e desce ao Hades' (OLIVEIRA, A. S., Algumas notas sobre as feridas noterapeuta e as possibilidades curativas no paciente. In: CONFER~NCIADE PSICOLOGIA ANALiTICA, 1.992, Maringa, p.2).

E por ultimo, no livro "Jung e a Educa,ao", Claudio Saiani, diz sobre Quiren,

o Centauro:

-Quirao, cUfador e professor, encerra lodos esses significados: ele luta contraa natureza ao colocar-se contra a morte e, como educador dos herois, participa daampliayao da consciencia. Sua pr6pria figura leriom6rfica. meio cavalo, meio homem,carrega as dois opostos, natureza animal e natureza espiritual. canferme sugereBrandao (1.987). Sua ·promocao a conslela~o· (Sagitario) real~ 0 ideal deespiritualizacao. Contudo, Quirao e urn sofredor: tern uma ferida incuravel e, no enlanlonao morre. Trata·se de uma figura tragica, para quem 0 proprio fato de ser imortal

aumenla 0 solrimen!o." (SAIANI,2.002, p. 141).

Segundo pode-se perceber apos ler todas estas cita,oes, 0 que elas tern

emcomum?

Quiron era um centauro, estudioso da medicina, passando este

conhecimento para outros seguidores, e detentor tambem do conhecimento de

outras artes, dos mais variados tipos. Outro ponto comum, e a questao da ferida

incuravel de Quiron, e este e 0 fato de maior importancia neste trabalho.

Acidentalmente ferido por uma f1echa com 0 veneno da Hidra de Lerna, onde

originou-se 0 ferimento incuravel, que por conseguinte gerou urn sofrimento

interminavel, pois Quiron era imortal. Oesta mesma forma, algumas feridas nos

sao causadas e sao incuraveis, nos fazendo. tambem, ter um sofrimento

interminavel.

Portanto, esta e a estoria usada como base para fazer a rela980 com a

postura e os objetivos do terapeuta, e tambem, usada como base para a vivencia

do mito do medico ferido, ou para 0 "mito do psicologo".

Page 18: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

IS

3.2. OS OBJETIVOS DO TERAPEUTA

Primeiramente, com relal):8o ao psic61ogo, este deve ter conhecimento

destas feridas, ou seja, torna-Ias conscientes atraves do processo da psicoterapia,

para que nao haja rnais sofrirnento, como quando a questao ainda estava,

plenamente, inconsciente. Mesma desta forma, naD pode-s8 dizer que se esta

livres da ferida au da sua cicatriz, 0 que faz com que possa-se viver melhor com

relav80 aquela questao elaborada, mas que esteja-se atento para

questionamentos que possam ser oriundos desta questao jei trabalhada.

Sabre este ass unto, C. Downing taz uma cita980 ande S8 refere ao livro

PSicologia da Transferencia de C.G.Jung:

"Mais tarde em a "psicorogia da Transferencia-, reafinno como e importante que 0terapeuta se rembre das vivencias dolorosas que, antes de mai5 nada, levaram-no a procurar umaterapia, e que tenha em mente que continua prepense a naves ferimentos~ (DOWNING,1.998,p.234).

Esta citac;:ao vern para reforc;:ar a atenc;:ao que 0 terapeuta deve ter com as

mensagens enviadas par seu inconsciente e a manutenc;:ao de processo

psicoterapeutico.

Portanto a mito de Quiron vem para apontar, simbolicamente, aos

psic6logos, a importancia do conhecimento de suas feridas.

C.G.Jung tambem faz citac;:ao ao centauro Quiren, mas fazendo a

correlac;:ao com 0 mito do curador ferido:

"Poderiamos dizer, sem muito exagero, que uma boa melade de cadatratamento que se aprofunda bastante consiste no auto-exame que 0 medico faz, paisapenas aquilo que eJepode corrigir em 5i mesmo pode Ihe dar a esperan~ de corrigirtambem no paciente. Nae h8 tamMm nenhum prejuizo no fato de 0 paciente ajuda-Ioou mesmo humilha-Io; e seu proprio ferimento que Ihe da a medida do seu poder de

Page 19: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

16

curar. Este, e nenhum outro, e 0 significado do milo gre90 do medicoferido".(SAIANI,2.002, p. 111, apud Sharp, 1993, p.53).

Ainda sabre 0 curador ferido, na Grecia antiga, existiam rituals de cura,

quando S8 envolvia a figura de urn deus no papel de curador. Assim como Quiron

tentava curar suas feridas, as moradores da Gracia antiga recorriam aos deuses

em busca de cura. "Jung fala ainda da importancia de os curadores se lembrarem

que eles tambem foram feridos para se protegerem dos perigos da infta9ao, do

risco de serem reduzidos a uma identificay80 com 0 arquetipo do

curador".(Downing, 1.998, p. 234). Ou seja, desta forma Jung lembra que na ferida,

existem riquezas ou algo a ser aprendido, para que 0 terapeuta naD venha a S8

identificar com 0 arquetipo do curador. Este cuidado serve para que sempre S8

lembre de que a ferida e 0 unico caminho para a cura.

Sabre as deuses 9re905:

~ocurador tendo tambem desempenha urn papel importante na mitologiagrega. Na tradi<;flo religiosa de cura da antiga Grecia, presumia-se que 0 deus quepode curar e 0 responsavel, antes de tudo, pelo infligir de padecimentos. Nessamedida, as sofredores devem tenlar descobrir que divindade foi of end ida e que ritualdevem ser efetuados, para poderem se purificar de suas maculas. A cura ritualbaseava-se em pressupostos homeop,Micos: 0 agente do sofrimento e 0 mesmo que 0da cura. Os gregos acreditavam tambem que as proprias drvindades teriam sofrido tudoaquilo que infligiam aos oulros" (DOWNING, 1.998, p. 234 e 235).

Sendo assim, como pode 0 psicologo propor questoes que conduzam a

reflexao do paciente sobre determinada ass unto, se ele mesmo nao sofreu a sua

ferida, au nao se questionau sabre suas questoes?

WA ligat;:aa com 0 nosso tema pode ficar ainda mais evidente se nos

lembrarmas que os gregos consideravam sinonimos pecado e ferimento".

(DOWNING,1.998, p. 235).

Page 20: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

17

Partindo da questao em trabalhar com as palavras pecado e ferimento, 0

psic6logo, assim como 0 centauro Quiron, 56 poderi~ obter a cura de seu

ferimento, a partir do momento que possa entender a causa, a origem deste

ferimento, ou seja, do "pecado" cometido para ser "punido" com esta ferimento.

Sem a compreensao da razao por ter sofrido tal puni98o, naD ha como

compreender 0 ferimento, e muito menes 0 caminho que deva S8r feito para a

obtenl'ao da cura.

Mas, porque 0 terapeuta deve ser consciente de suas feridas? Se 0

comentario acima sobre pecado e ferimento, e as varias ja citadas

"recomenda90es" da importancia do psic61ogo fazer 0 seu processo

pSicoterapeutico com Dutro psic61ogo,naD foram suficientes para a compreensao

da importfmcia de tornar consciente suas feridas, ou ainda se entao, tentar obter

uma resposta com outras perguntas: Uisto teria alguma rela9ao com 0

conhecimento e a participa~o nas feridas do paciente?" ou "porque necessita

experimenta-Ia cada vez de novo a fim de efetuar a cura?" (GROESBECK, p. 77).

Para 0 inicio de responder a estas questoes, Jung nos propoe a pensar sobre este

tema.

gPoderfamosdizer. sem grande exagero, que mais au menos, metade de cadatratamento em profundidade consisle no auto-exame do medico, porque ele soconsegue por em ordem no paciente aquilo que esta resolvido dentro de si mesmo.Nao e um engano quando se sente afelado e atingido pelo paciente:ele s6 vai curar namedida do seu proprio ferimento. Qual e 0 significado do mitologema grego do medicofendo, se nao juslamente isso?" (JUNG, 1.999, p. 111).

Ou como e feito tambem 0 mesmo questionamento e chega-se a uma

resposta muito parecida no texto do ja citado anteriormente psic6logo junguiano

Armando de Oliveira e Silva:

Page 21: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

18

Por que e que, para que aconlet;;a a cura, a medico deve conhecer suasproprias feridas e realmente vivencia-Ias cada vez de novo? Como procuramosdemonstrar atraves de urn exame detalhado da transferimcia que ocorre no processoanalitico e em oulros relacionamentos terapeuticos, se quando 0 proprio medico ecapaz de se Jigar e experimentar suas proprias feridas e doenyas, e confrontar aspoderosas imagens de natureza arquelipica do inconsciente, e que 0 paciente por suavez, pode passar pero mesmo processo. (OLIVEIRA, A S., Algumas natassobre as feridas no terapeuta e as possibilidades curativas no paciente./n:CONFER~NC/A DE PS/COLOG/A ANALiT/CA. 1.992, Maringa., p.5)

Sendo assim, ambos afirmam que 0 terapeuta 56 podera colaborar no

processo de cura do paciente, ate onde obteve a cura para sua pr6pria ferida.

Como atrav9s do processo de cura, a individuo vern a se diferenciar no seu

processo de individuac;ao, ou seja, caminhe em busca da sua totalidade, nao e

necessario que 0 terapeuta deva passar por todas as questoes que surgirem no

seu cotidiano clinico, mas que a partir do momento em que haja consciencia da

existencia das suas feridas, e que ja tenha percorrido "par dentro delas", e que

estas feridas nao sejam rnais a/go desconhecido na vida deste terapeuta, pois ja

ten~tornado consciemciaau semi-consciencia destas quest5es, mas sim, "urn lugar

que ja nao seja mais tao escuro, e que, portanto ja tenha side percorrido, ou seja,

esclarecido", possa-se auxiliar urn paciente nas diversas questoes que

aparecerem.

Um auxilio a que 0 terapeuta podera recorrer, sera "encarnar" na questao

do paciente, ou seja, tentar colocar-se no lugar do paciente, de uma certa forma,

tentar colocar-se no lugar do seu "espirito", e em tendo 0 terapeuta vivenciando

aquela situac;ao,pensar e sentir 0 que poderia ser feito, mas este e assunto para a

pr6ximo capitulo. Vo/tando a questao de Quiron e da importancia do terapeuta

conhecer suas pr6prias feridas, ha uma citac;ao bastante curiosa no artigo de

Page 22: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

19

Groesbeck sabre a agenda deste terapeuta e as conseqOencias de urn naD

questionamento da existencia da sua ferida.

"E importanle nolar como a agenda de certos medicos se enche de casos de urn uniee !ipo,ou somente de casas gravissimos. Nestes casas 0 medico tenta umanipular a cura"oesempennando urn papel inflado, mas no funda, buscando curar a SI mesmo; e tudo isso a uma

dislancia segura" (GROESBECK, p. 78).

Neste exemplo, Groesbeck Gita 0 caso de urn psic61ogo inconsciente de sua

questao, ou no caso de ja ter side detectado no seu processo psicoterapeutico a

existencia da questao e nao se acha 0 caminho para a obtenc;;ao da cura, da

compreensao. 0 exemplo da agenda, pode vir a ser urn born indicia de uma ferida

existente ou mal-analisada par este terapeuta, au simplesmente de 0 terapeuta se

questionar 0 porque desta situa9ao. Quando nenhurn destes avisos sao

"escutados", 0 terapeuta pode cair nesta ~armadilha do inconsciente" e como diz

na cita9ao, Wtenta manipular a cura", e neste caso ha um duplo engano: de

acreditar que esta curando 0 paciente e de nao se questionar sobre esta

"coincidencia" ocorrida na agenda e que pode estar apontando uma questao do

terapeuta. A atua9ao inflada deste terapeuta, que hipoteticamente, pode estar se

identificando com 0 arquetipo do curador, vern mascarar sua questao que deve ser

vivenciada em si mesmo, porem e vivenciada seguramente, contratransferenciada

no paciente.

"Da mesma forma, no medico aliva-se a seu lado inferior ferido, sua propriadoenca - psiquica, somaticas, au ambas - ainda nao resolvidas - ao enlrar em contatocom a pessoa enferma. Este outro p610 da imagem arquetipica e mais projetado sabreo paciente do que vivenciado no plano interior. (... ) Se isto de alguma forma naoocorrer, os problemas da sombra do medico podem ser ativados·. (GROESBECK,p. 77 e78).

Assim, a cita9ao acima vem a esclarecer a questao de uma nao percep9ao

do terapeuta na questao da agenda, par exemplo, ou de um conteudo onde haja

Page 23: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

20

resist€mcia do terapeuta em trabalhar no seu pr6prio processo psicoterapeutico,

embora haja Qutras formas de S8 perceber ests tipo de "mensagem do

inconsciente", podendo ser atraves de atos falhos, sonhos au lapsos, par exemplo.

Estes tambem sao indicios da passivel presen9a de complexos atuantes e que

deverao ser explorados para que possa ser dado ao paciente urn atendimento

mais segura e com qualidade, e desta forma, havendo seguram;a inclusive para 0

terapeuta.

Mas imagine-s8 uma situayc3:o em que 0 terapeuta inicie urn processo

contratransferencial com seu paciente par naD ter percebido au ter entrada em urn

processo de resistencia sabre urn determinado complexo, e que este complexo

seja 0 mesma ativado pelo paciente durante uma sessao e apresentado ao

terapeuta para que este possa auxilia-Io no processo de cura. Existe neste caso a

possibilidade de identifica,ao do terapeuta com a paciente e muito provavelmente

o trabalho estara comprometido. Tal fato teria sua possibilidade de ocorrencia

reduzida se a terapeuta fizesse um trabalho psicoterapeutico com outro psicologo.

Toma-se, por exemplo, 0 que ocorre no livre "Neutralidade Suspeita", quando 0

terapeuta, tornado pela curiosa estoria de seu paciente, vai investigar se 0 que e

relatado em sessao e realmente verdade, e, portanto e envolvido em uma trama

que acaba por envolver outros de seus pacientes tambem. Mas este e urn caso,

que embora a principio nao seja veridico, ocorre uma questao contratransferencial

muito forte e uma rna conduta etica, e possivelmente tambem tecnica, quando

existe uma recusa em fazer supervis6es e, portanto, pelo transcorrer do caso,

agindo de forma irregular com seus pacientes.

Page 24: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

21

Em ambos as casas, muito provavelmente, 0 terapeuta desconhecia a

existencia deste complexo. No livre, e citado que 0 terapeuta havia parada seu

processo de analise, e em supervisao, era recomendado que ele a re-iniciasse, 0

que nao e feita, ou seja, ha uma resistencia. Em ambos as casas, no exemplo da

identificac;ao, como no exemplo do livro "Neutralidade Suspeita", 0 terapeuta nao

havia S8 dado conta da existencia de sua propria ferida no inicio e mesma depois,

a desprezou colocando em risco sua pr6pria seguran<;a. Tambem, com 0 decorrer

da estoria, e contado que 0 terapeuta tambem parou com as supervis6es, 0 que,

por conseqOencia, aumentou a gravidade do casc. Portanto, e necessaria que no

minima, todD terapeuta possa e deva realizar 0 seu trabalho pessoal de

psicoterapia, para que, assim, possa estar atento aos complexos que podem estar

emergindo para a consciencia. Quanto a esta questao, Adolf Guggenbuhl-Graig,

faz uma citac;ao em seu livro "0 Abuso do Poder na Psicoterapia", com relaC;ao ao

que pode conter de desejo na alma dos analistas quanto aos seus pacientes, e

que ao mesmo tempo tambem pode servir de alerta para um interesse desmedido

par querer "resolver" as quest6es para seus pacientes a qualquer prec;o: "Em

algum canto da alma do analista existe urn bicho-papao que deseja 0 completo

dominio de seus pacientes". (GUGGENBUHL-CRAIG, 2.004, p. 56).

Mas enquanto 0 terapeuta buscar a cura para suas feridas, como ja visto,

sendo este urn fato imprescindivel, sobre os processos de cura no paciente e que

Jung faz um importante comentario: "Em psicoterapia, considero ate aconselhavel

que 0 medico nao tenha objetivos demasiados precisos, pois dificilmente ele vai

Page 25: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

22

saber mais do que a propria natureza ou vontade de viver do paciente". (JUNG,

1.999, p.38 e39).

Quanto a esta cital'aO, 0 medico pode manifestar um desejo muito grande

em ajudar 0 seu paciente na obtenc;:ao da cura para determinada ferida, mas ate

esta iniciativa deve ser tomada com cuidado, para que nao caia no erro de

sugestionar, inftuenciar ou de resolver a questao no lugar do paciente. Afinal, a

questao, 0 espal'o (setting) e 0 momento sao do paciente, sendo 0 terapeuta pago

para realizar urn trabalho analitico naquela hora e naquele local. Se ha este desejo

grande de cura, deve 0 terapeuta se perguntar se nao pod era estar buscando

curar-se a si proprio nesta, ou ate desta mesma ferida. Neste caso, ha a

necessidade de buscar seu proprio espac;o, ou seja. seu proprio processo

psicotarapeutico. Ainda nesta situal'ao, 0 terapeuta deve ter 0 cuidado de nao "dar

sua propria vida pelo paciente", sabendo trabalhar com uma margem de

seguranya, que pode ser 0 conhecimento da existencia de suas feridas

(questoes).

"Igualmente deve-se recordar que Esculapio foi morto par Zeus por estar

trazendo muitas pessoas de volta a vida (Graves). Tornou-se urn deus exatamente

por ser urn "medico final", ou seja. par ter dado a propria vida pela vida do

paciente!" (GROESBECK, p. 85). Mas quem de nos, psicologos, quer dar sua

propria vida pelo seu paciente? Pode-se julgar que alguns, que espera-se, nao

serem muitos. embora estes devam se questionar se podem estar identificados

com 0 arquetipo do curadorl

Page 26: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

2)

Nestes cases naD podemos esquecer da citac;:ao de Guggenbuhl, quando

S8 refere aD bicho-papao que pode existir no terapeuta, et par conseguinte, ler a

citac;:ao de Groesbeck quanta ao medico e 0 paciente interior na psique de cada

individuo: "Isto significa psicologicamente que nao somente 0 paciente tern urn

medico dentro de si mesma, mas tambem que existe urn paciente no interior do

medico." (GROESBECK, p. 77). Assim, naa h<i necessidade de nos identificarmas

com a arquetipo do curador, mas sim de estar trabalhando simultaneamente com

o curador interno do paciente e com a paciente interno existente dentro de cada

psic6logo. Esta e uma forma mais rica de trabalho, pois estara a paciente

vivenciando, a principia com 0 terapeuta, para depois poder vivenciar sDzinho,

sem auxilia, a busca para a compreensaa e para a cura de suas quest6es. Esta

pode ser uma forma eficiente, de nao tamar a paciente dependente de seu

terapeuta, precisanda estar em cantata com a terapeuta em cada passa au a cada

questaa que deva ser tamada na sua vida. "0 cantata entre a lad a individual e

caletiva, tambem padem ajudar a campreender a ferida e seu processa de cura."

(HOLLIS, p, 151).

Mesma com tuda a que fai camentada, existe terapeutas que realizam,

junta mente cam seus pacientes, pracessas de cura impressianantes, como no

casa descrita par Groesbeck e camentada par Meier:

"Meier explica porque a analista deve lidar intensivarnente com os elementosarquetipicos da Iransferencia. Oescreve lambern um caso famoso, publicado parRobert Lindner, urn analista que havia tratado urn fisico al6mico que tinha urn gravedeliria. a Iratamenlo moslrou-se ineficaz ale a momenta em que, finalrnente, Lindnerdisp6s-se a "entrar" no sistema delirante do paciente. a proprio Lindner passou aapresenlar sinlomas alarmantes, 0 que, oportunamente, liberou a paciente, que semoslrou capaz de se distanciar de seu sistema e a doen93 acabou par desaparecer.Meier descreve a conduta de Lindner como tendo "captado os conteudos do

Page 27: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

24

inconsciente cotetivQ, desviando as efeilos do paciente para si pr6prio··(GROESBECK, p. 83).

Inegavelmente e urn risco muito grande para 0 terapeuta passar par urn

processo destes, mas S8 ja houver sido feito urn 6timo trabalho psicoterapeutico

tendo como paciente 0 pSicoterapeuta e houver 0 conhecimento e a viVEmcia de

suas proprias feridas, e passivel, como no casa acima, a obtenc;:ao de uma "cura"

par tais metodos,

Outre case interessante cnde e apresentado sabre 0 curador e 0 paciente

interna na psique de cada urn, e no case de Jung e seu medico, quando Jung

passou por problemas cardiacos:

"( ... ) 0 medico pessoal de Jung, que 0 tralou de urn ataque do coracao, passoupar uma grande dificuldade por causa disso. Jung tinha lido urn alaque cardiaco;permaneceu inconscienle e leve uma serie de vis6es. Senlia com toda certeza queestava prestes a morrer; isso porque atingira a "forma primordial", urn estado deextrema exalta~o e ~di5ponibilidade para experimentar de tudo". Viu entao 0 seumedico, Dr. H. personificado tambern numa "forma primal" como urn "basileus (rei) deKos". Quer dizer, estava personificado como uma figura curadora associada ao templode Esculapio em Kos (0 medico fendo). Trazia da Terra a mensagem de que ainda naoera 0 momento de Jung morrer. Jung ficou zangado, sentindo que ja estava pronto parapartir. Oepois de muila lula finalmente Jung foi Irazido de volta e comeyou a serecobrar da doenca. Passou entao a temer pela vida do Dr. H., como se este devessemorrer em seu lugar, uma vez que na visao aparecera tambem sob uma "fonna pnmal",estado de completa prepa~ para a morte. No dia em que Jung deixou 0 leita, 0 Dr.H. caiu enfenno e nunca mais se recuperou! Jung tentara advertir 0 Dr. H., mas pareceque este nao admitiu discussao nenhuma a respeito. No caso, 0 medico-fendoarqueUpico tinha estado pronto para interceder por Jung e salvar-4hea vida. Poderia aDr. H. ter-se identificado tao profundamente com a necessidade de curar Jung e traze-10de voila a vida? Na visao, 0 Dr. H. e literalmente 0 medico Esculapio, rei de Kos.Esta de tal fonna identfficado com esta "T erceira Figura, a arqueUpica", que nao sepede diferenciar entre as figuras pessoal e transpessoal: (GROESBECK, p, 84 e85).

Para finalizar este capitulo, eo apresentada uma citaC;8o de Jung: "E

finalmente ele mesmo e 0 sujeito, ou melhor, 0 objeto do processo da

transforma9iio alquimista. Assim torna-se "maduro", ista e, evaluida." (JUNG,

1.991, p.17).

Page 28: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

25

Quante ao processo de cura que ocorria na caverna de Ouiran, e bem

descrito par Downing:

MApessoa executava 0 ritual sozinha; n<30se tralava de urn evento comunitario,como nos rilas associados aos QuIros deuses. Havia Ires dias de prepare ritual: jejum,banho e oferendas sacrificiais a Esculapio, a Apolo, a Mnem6sina (a mae das novemusas; lalvez as preces a ela dirigidas expressassem a esperanca do suplicante de serrecolhido) e a Tique (a Fortuna). Depois, vestida com rcupas comuns, a pessoa eraconduzida por urn therapaute a urna pequena camara de pedra, em que nao havia maisdo que urna plataforma de pedra onde dormir a kline (origem de nossa palavra clinica),espaco em que a pessoa poderia ser visitada de dia, durante 0 periodo da preparacao.o therapeute entao se retirava, deixando 0 paciente a s6s com seus sonhos e com 0deus. Oepois de oferecer uma prece a Temis (a ordem divina), a pessoa deitava-separa oormir, na esperanya de que 0 proprio deus Ihe aparecesse em sonhos:

(DOWNING, 1.998, p. 238).

Em outra citayao de Downing, ainda sobre os rituais de Esculapio: "No ritual

de Esculitpio, a epifania, 0 aparecimento do deus num sonho, era 0 proprio evento

curativo. Sua vinda assinalava a transi~o da doentya para 0 resgate da saude."

(DOWNING, 1.998, p. 238).

Desta forma, em outras culturas, como a babilonica, par exemplo, os rituais

de cura existiam de uma forma um pouco diferenciada do que na caverna de

Quiran, mas com 0 mesmo fundamento, de que quem praporciona a ferida e ao

mesmo tempo quem cura.

Quanta ao processo de cura do terapeuta, a ferida de Quiron e os rituais

ern sua caverna e os casos citados, mostra-se que hit uma diferenciac;ao, ou seja,

que carninhou em direc;ao da busca da sua compreensao interior, de sua

totalidade.

Page 29: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

26

4. A ENCARNACAo DE CRISTO E 0 PAPEL DO TERAPEUTA

4.1 AS RAZOES PARA A ENCARNA<;:Ao

Mas qual seria a verdadeira razao para ocerrer esta encarna-;;:ao, enquanto

evento hist6rico? A passivel resposta encontrada por Jung esta neste trecho

retirado do livro Resposta a J6, das Obras Coletadas de C.G.Jung:

"Para responder a esta pergunta, devemos alongar-nos urn pouco rnais. Como\limos anleriormente, pareee que Jave tern certa aversilrlo a recorfer ao seuconhecimento absolute, no confronto com a dinamica de sua onipolencia. Talvez aexemplo mais instrutivo a esle respeito e sua relacao com Satanas: e tal como ascoisas se apresentam, parece que Jave nao teve conhecimento das inteny6es de seufilho. Islo se deve ao fato de que Ele nao leva em consideracao a propria onisciencia. Epossivel explicar urn tata desta natureza porque Jave se achava de lal modo fascinadoe ocupado com os atos sucessivos de sua criacyao, que se esqueceu de que era

oniscienle" (JUNG, 2.001, p. 45).

Esta verdadeira razao para encarnayao, e sob 0 pento de vista de evento

est6rico, questiona a postura de Jave quanto a este evento. Sendo relacionado

este questionamento na relayao terapeuta/paciente, percebe-se que anecessidade do terapeuta em estar se reciclando em seus estudos, para que

exista uma maior possibilidade de estar preparado para as quest6es a serem

relacionadas com 0 que e relato em sessilo, e nao somente crer que seu

conhecimento ja existente baste para realizar qualquer tipo de atendimento. Mas,

alem disto, aponta ainda para 0 eterno questionamento ja tanto apontado neste

trabalho, que e a vigilancia do terapeuta com relac;ao ao seu inconsciente.

No livro A Interpreta9ao Psicol6gica do Dogma da Trindade, Jung comenta

sobre a encarnaC;ao vista no cristianismo primitiv~, como uma intuiyao do homem

em tentar compreender a sua estrutura total, que e um dos focos do processo

psicoterapeutico; "Ja no cristianismo primitive a ideia da Encarnayao derivara da

Page 30: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

27

concepc;ao do Christus in nobis. Assim, a totalidade inconsciente irrompera no

dominic psiquico da experiEmcia interior e conferira ao homem uma intuiC;80 de

sua estrutura total." (JUNG, 1.999, p. 283). Tornar 0 individuo mais proximo de se

conscientizar de sua totalidade e parte do processo de individuac;:ao.

Existem tambem outras razces para a encarnac;ao. Uma del as, Jung diz:

aSe Deus se revela e se converte num ser detenninado, isla e, numdeterminado Homem, entao as seus contrarios deveriam dissociar-se: de um lado 0Bern e do outro 0 Mal. Desnzeram-se asslm as oposlC;;oestatemes na OlVlnaaae quanooa Filho foi gerado, para manisfestarem-se depois na oposic;;ao Cristo - Diabo.K (JUNG,1.999, p. 63),

Dutra cita~o de Jung e ;~Por isso Lucifer foi quem melhor entendeu e quem melhor realizou a vontade

de Deus, rebelando-se contra Deus e tornando-se assim 0 principio de uma criaturaque se contrap5e a Deus, querendo 0 contrario. Porque assim 0 quis, Deus dotou 0homem, segundo G~nesis 3, da capacidade de querer 0 inverso do que Ele manda, Seassim nao fosse, Ele 0;30 teria criado mais do que uma maquina, e neste case aEncarnaCao e a RedenCao do mundo eslariam inleiramente fora de cogitac;:aoe aTrindade nao se teria revelado, pois todas as coisas continuariam sendo apenas 0Uno." (JUNG, 1.999, p. 85),

sendo aqui adicionada a questao de que a independemcia e 0 conhecimento de

sua propria psique, depende do paciente em seu trabalho analitico.

Par ultimo, uma outra razao e pelo tato da salvalYao do proprio Deus, como

diz Jung em "Interpretayao Psicologia do Dogma da Trindade"·

~Depoisde passar pelos sofrimentos do mundo, fazendo-se homem, Deus nosdeixou um Consolador, a terceira Pessoa da Trindade, a fim de que habitasse emmuitos individuos, precisamente naqueles que de nenhum modo gozavam daprerrogativa e da possibilidade de nao pecar. Por isso e que, no Paraclito, Deus seaproxima muito mais do homem real e de suas trevas do que no Filho. 0 Deusluminoso caminha pelo homem - ponte, a partir do lado diurno, enquanto a sombra deDeus 0 faz do lade notuma. Neste terrivel dilema, que am~ explodir 0 pobrerecipiente corn uma embriaguez e tremores inauditos, quem decidira? Provavelmente arevela~o de um Espirita Santo. vinda do prOpriohomem. Da mesma forma que arevelacao do homem se fez, outrara, a partir de Deus, assim tambem e passive! que,no momento em que 0 anel se fechar, Deus se revele a 5i proprio a partir do homem:(JUNG, 1.999, p. 67).

.,.. --......

(i';'~.) ..~

Page 31: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

28

Uma outra situa~o que tambem poderia ser razao para a encarnac;ao de

Cristo, est" contida no Antigo Testamento. Segundo 0 Antigo Testamento, a

encarna~o ja ocorria, mas de Qutras formas que naD atraves das personificac;oes

que eram, por exemplo, como cita 0 livra ~O Catecismo Holandes", a encarna~o

atraves da Palavra e da Sabedoria de Deus, como mostra uma frase ja conhecida:

"0 verbo se fez carne e habitou entre n6s..." (BiBLIA. Portugues. Biblia sagrada.

Tradu930 DOS ORIGINAlS mediante a versao dos Monges de Maredsous

(Belgica). 100 ed. Sao Paulo: Ave Maria, 1.995. Cap. 1, vers. 14 Evangelho de

Joao.), de forma que "sua manifestac;ao na Terra constitui a verdadeiro apogeu da

revela9ao divina". (Comissao central da CNBB, 1.969, p, 98).

Que Dutra razao haveria de ter para a encarna~o, senaa a forma

encontrada par Deus de poder estar presente fisicamente entre os homens? Das

mais variadas formas atrav8S dos tempos, Deus tentou S8 tazer presente na vida

do homem na Terra com a encarnac;;8o. Mas esta atitude divina teve

conseqOencias: "Quem Deus e, 0 que Deus e como Deus e e age: nos 0

descobrimos em Jesus" (Comissao central da CNBB, 1.969, p. 100); estas formas

divinas foram reveladas aos olhos humanos, na figura de Jesus. Talvez possa ser

esta a real razao para a encarnayao, revelar aos homens a dimensao de Deus na

forma humana e assim, nao deixar que 0 espirito divino ou cristao deixe-se

sucumbir par outras formas de religiao.

A encarnayao de Cristo, segundo a visaa religiosa, ocorreu na necessidade

de "Deus andar pel a Terra na "aparencia" de homem." (Comissao central da

CNBB, 1.969, p. 100). Segundo 0 Concllio de Calcedonia, em 451 D.C., fica

Page 32: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

29

definido que Deus e Jesus eram a mesma pessoa: "( ... ) na una e (mica pessoa de

Cristo, naD existe tao-somente a natureza divina completa, senao tambem a

natureza humana total".(Comissao central da CNBB, 1.969, p. 100).

Mas antes, fcram realizados dais Concilios anteriores para que S8

chegasse a esta conclusao. Niceia (325 D.C.) e Eleso (431 D.C.), nao Icram

suficientes para S8 dar uma definiyao exata desta questao.

E importante fazer 8sta referencia ao Cancilia de Calced6nia com 0 intuito

de deixar esclarecida a questao da encarnaC;8o, ja que hit duas personifica90es

distintas no conceito analitica (terapeuta/paciente), 0 que representa os papeis

diferentes em que Deus S8 apresenta ao homem. No contexte analitico, na psi que

de tanto terapeuta como de paciente, esta contido seu oposto, ou seja, hit urn

terapeuta interne no paciente, assim como ha um paciente interno no terapeuta, a

que ja foi discutido anteriarmente. Portanto, quanta ao que foi definido no Concilio

de Calced6nia e a exemplo dado, usando duas personifica90es diferentes

(terapeuta/paciente), ha uma diferen9a, mas usa este Concilio par ser a ultimo

realizado e ser 0 que define quanta Deus e Jesus serem a mesma pessoa.

A enCarna9aO e sua rela9ao no processo pSicoterapeutico, esta no fato de

que nao ha como nao haver um envolvimento do profissional com a que e relatado

em sessao pelo paciente, como se "realmente tivesse de encarnar" no que esta

sendo dito, buscando vivenciar este conteudo no momenta do relata, mas a

inconsciente e a consciente do terapeuta devem estar aptos a receber estas

infarma<;oes e poder trabalhar com elas, no sentido de articula-Ias e transforma-Ias

em quest6es a serem devolvidas para a paciente. Todo este cui dado e com a

Page 33: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

30

intuito de evitar contratransferemcias negativas que venham a influenciar e

prejudicar 0 processo psicoterapeutico.

o terapeuta serve de guia do paciente nos caminhos pelo inconsciente do

proprio paciente. Portanto para que nao haja confusao entre as inconscientes do

terapeuta e paciente. 0 terapeuta devera conhecer urna boa parte do seu pr6prio

inconsciente, ou seja, ja devera ter feito a entrada ou a "encarnaC;8o" no seu

proprio inconsciente para poder "encarnar" no inconsciente do paciente e guia-Io a

caminho de suas respostas de forma a naD influenciar nas decis6es, desde que

esteja visando a bern - estar e a integridade fisica e mental de quem esta sendo

atendido.

Mas retornando ao aspecto dinico da encarnaC;8o, e necessaria citar

tambem a que e passivel ocorrer quando a terapeuta nao desenvolve este

trabalho pessoal da sua analise ou terapia. Ja citado anteriormente, 0 exemplo

encontrado no livro "Neutralidade Suspeita", pode servir de exemplo ao que sera

exposto. A citayao e do livro "0 Abuso do Poder na Psicoterapia":

·Outra modalidade da sombra de charlatao do terapeuta e a ~vivencia vicariaft

Sob 0 pretexto de cura, muitas vezes 0 paciente e sugado e exaurido. Os pacientescontam muitas coisas, permitindo que 0 analista participe do drama. das tragedias ealegrias da vida deJes. E grande parte do que experimentam nao pode serexperimentado pelo analista de modo direto. Um jovem tala de seus namoros, umamulher de meia·idade das dificuldades e prazeres que sente com os filhos. Tomadasem conjunto, as experiencias dos pacientes de certos analistas constituem urn rico efascinante espectro da vida humana. Talvez 0 analista se absorva per completo notrabalho com seus pacientes, 0 que a primeira vista parece 6timo. Sua propria vidaprivada fica em segundo plano diante dos problemas e dificuldades das pessoas comquem trabalha. Mas isso pede levar a urn ponto em que os pacientes, par assim dizer,passam de fato a viver pelo analista, que espera que estes preencham 0 vazio criadopor sua perda de contata com a calor e a dinamisma da vida. 0 analista ja nao ternmais seus pr6prios amigos: as amizades e inimizades dos pacientes sao como quetambem was. Sua vida sexual pede ficar raquitica, encontrando substituto nosproblemas sexuais des pacientes. Tendo escolhido profissao tao exigente. ve-seimpedido de atingir uma posi{::aapoIitica influente; sua energia e investida tada naslutas pelo peder de urn paciente politico. Desse modo, a analista pouco a pouco deixa

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de viver uma vida propria, passando a contentar-se com a de seus pacientes'-(GUGGENBUHL-CRAIG, 2.004, p. 56-57).

Portanto, a vivencia vicaria, pode ser uma forma de urn efeito negativo

que esta encarnaC;Elo pode ter na vida de urn terapeuta que naD tenha

trabalhado suas quest6es em terapia au analise e, par conseqOencia, ser

atingido, diretamente, pelos conteudos que sao pertencentes ao seu paciente.

4.20 PAPEL DO TERAPEUTA NA ENCARNAt;AO

Como foi dito na introduyao sabre a encarnac;:ao de Cristo, ests assunto tern

o intuito de questionar a terapeuta, 0 quanta ele esta pronto para ouvir e buscar

compreender a relata do paciente durante a sessao.

Para que seja passive I manter esta postura, e recomendado que 0

terapeuta tenha feito 0 seu trabalho de analise pessoal para que possa diferenciar

o que e conteudo inconsciente do paciente e a que sao as conteudos

inconscientes do terapeuta, para que a possibilidade de contratransferencia seja

reduzida.

Na relac;:ao psicoterapeutica, 0 medico necessita compreender a situa9ao

vivida pelo paciente. Uma das formas de "encarna9ao" nesta rela9ao e quando 0

medico ja vivenciou, seja par idade ou par circunstancias da vida, aquilo que 0

paciente relata. Desta forma ha um p""-julgamento de que 0 medico compreenda

simbolicarnente a experiemcia de seu paciente. Mas, se for urn paciente de

sessenta anos e 0 medico tiver trinta anos, como fica a questao da encarna9aO?

Atraves de idade nao ha como "encarnar" e se ainda for situa9ao nao vivid a pelo

terapeuta? Nao pode perder 0 foco de que 0 atendimento psicoterapeutico da

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32

abordagem junguiana tern por principio analisar e interpretar 0 simb6lico, ou seja,

nao ha.a necessidade do terapeuta ter vivenciado a questao, ou ter uma idade

mais avan9ada que seu paciente para que possa assim encarnar na experiencia

vivenciada pelo paciente, sendo assim possivel fazer suas pontua96es, amllises e

interpreta90es, ou em uma segunda hip6tese, guiar 0 paciente por urn caminho

que aparentemente nao conhece. Oiz-se aparentemente, pois de inicio pode-se

usar do suporte da teoria para auxilia-Io, e a partir dar, poder chegar a urn "ponto

de luz", ou seja, um momenta que 0 terapeuta e paciente, juntos, tenham a

certeza de que algumas das situa96es iniciais de maior dificuldade do paciente

foram compreendidas, vivenciadas e internalizadas de forma a aprender com elas.

Portanto 0 "ponto de luz" e 0 momenta onde 0 terapeuta ja sente que nao caminha

mais no escuro com seu paciente.

Portanto, e necessario deixar claro que a encarna9ao na rela9ao

pSicoterapeutica e possivel, desde que haja dois principios: 0 trabalho pessoal de

terapia/analise do terapeuta e a transferencia. Estes dois principios tambem

somente se tornam validos se a encarnaryao do medico for pelo campo do

simb6lico, pois como diz Jung:

"Na relayao medico.paciente existem fatores irracionais que produzemtransforma90es mutuas, Ao final, sera decisiva a personalidade mais estlflvel e maisforte. JIfIvi muitos casos, em que 0 medico fei assimilado pelo paciente, contrariandotacla teoria e qualquer proposta profissional e, na maioria dos casas, mas nem sempre,em detrimento do medico." (JUNG, 1.999, p. 69),

ou seja, como ja citado anteriormente, e nao sem razao no capitulo referente a

relayao terapeuta/paciente, esta encarna9ao nao sendo feita pela via do simb61ico

Page 36: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

33

podera acarretar em grandes dificuldades, podendo ser em detrimento do

terapeuta.

Mas este e 0 principie da psicologia com relac;ao ao seu conceito de

contratransferencia pel a via negativa, na relac;ao terapeuta/paciente. Mas e quanta

aos aspectos religiosos, 0 quanta eles podem estar relacionados com a psicologia

e quanta eles podem contribuir em conhecimento para a area de estudo do

comportamento humano?

As respostas sao encontradas em dais livros das Obras Coletadas de

C.G.Jung e em urn livro chamado "0 Novo Catecismo: 0 Catecismo Holandes", e

neste poder basear as informac;oes dos livros junguianos, segundo as Concilios

realizados, e principalmente no Cancilia de Calcedonia em 471 D.C .. Mas antes,

sera citado sabre as triades religiosas ja existentes em outras civilizac;oes, para

servir de introdw;:ao apresenta9ao religiasa a questaa da encarna9ao.

4.3. AS TRiADES

Antes de relatar a Trindade - fato usado como base para explicar 0

processo de encarna9ao simb61ica feita pelo terapeuta -, e necessaria ir urn pouco

antes, na origem, que e na triade babil6nica. Jung cita:

"Parece Que Hamurabi 56 venera uma diade: Anu e Bel. mas ele proprio seassocia a eles na qualidade de soberano divino, ou seja, como 0 "mensageiro de Anu eBel-, e isto precisamente numa epoca em que 0 culto de Marduk seguiaaceleradamente para 0 seu apogeu. Hamurabi considera-se como 0 deus de urn novoeon. isla e. a eon da idade de Aries que entao se iniclava. e e justfficada a suspeita deque houve entao uma triade Anu - Bel - Hamurabi, pelo menos como sousentendue[subentendida[." (JUNG, 1.999, p. 3).

Page 37: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

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Esta e a primeira triade reli9i05a, que serviu como referencia para a

lorma~ao da Trindade, lormada por Pai - Filho - Espirito Santo. As triades, ja sao

umas formas de personificac;ao humana ao Deus Supremo, e nao ocorre diferente

na Trindade crista.

Portanto, esta personifica~ao tern uma inten~ao de Deus para ser leita.

Deus tern a necessidade de encarnar, pois hi! Sua necessidade de entender 0 que

S8 passa com 0 homem. Em Qutras tentativas ja feitas, atraves de Adao (que nao

haveria de dar certo, pois tambem era pai, da humanidade), e Abel (que solreu de

fratricidio) e, portanto morreu jovem. Mesma com a onisciencia, Deus naa

compreende a criatura, e a melhor compreensao que pode ter e vivenciando-Ia.

Ou seja, diante de outras tentativas de encarna~ao ja leitas e quanto aonisciencia que aparentemente Deus nao se permite confiar, mesma assim e feita

uma terceira tentativa, sendo em forma de personificac;ao. Mas em Memorias,

Sonhos e Reflexoes, Jung laz urn comentario interessante quanto a possibilidade

da encarnac;ao divina:

-~3ra esse Deus lomar-se homem e InOlsoensavel uma tonmdavel kenosis(esvaziamento) que reduza a totalidade divina a escala infinitesimal do homem; emesmo que isso aconteca. e dificil compreender como 0 homem nao explodiriadespedacado pela encarnacao. Por isso, a especulacao dogmalica precisou dolar 0Cristo de qualldades que 0 $tuam alem da condi~ humana habitual. Fafta-4he,antesde mais nada, a macula peccati (a mancha do pecado) e islo ja 0 faz urn homem -Deus ou um semi - Deus. A imagem crista de Deus nao pode, sem contradic;6es.encamar·se no homern empirico, abstracao feita de que 0 homem exterior parecepouco apIa para iOmece-ra representacao adequada de urn deus. (JUNG, sid, p.291-292).

Portanto, esta encarnayao parece impossivel, mas nao e 0 que ocorre com

a vinda de Cristo para a Terra.

Page 38: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

35

Fazendo uma relaC;2Io com a pSicologia junguiana. e como dizer que naD hit

sess5es terapeuticas sem as vivencias internas do terapeuta, serem usadas de

forma correta (nao - contratransferenciais) durante as sessoes, sendo impassivel

tazer uma sessa a psicoterapeutica 56 com a tearia. E 0 humane lidando com 0

humano, mas com 0 carater divino permeancto esta relayao, que e a presenc;a do

inconseiente.

5, CONCLUsAo

Agora que essas quest6es estao expostas e argumentadas pelas citac;6es

leitas de textos e palavras de C.G.Jung e p6s-junguianos,proponho-me a

apresentar a relal(80 entre as tres temas.

Qual a necessidade do terapeuta entender e vivenciar 0 processo de

encarnat;:ao? E 0 mito de Quiron, pode ser usado em que momenta? Qual a

necessidade do terapeuta em tazer terapia, baseado nos dais questionamentos

anteriores?

Pais bern, responderei as tres perguntas com 0 intuito de fazer a condusao

deste trabalho. A vivencia do processo de encarnaC;ao vern para apontar a quanta

do terapeuta ha no paciente e tambem 0 quanta hi! de paciente no terapeuta,

send a assim nao ha como separar-se demasiadamente. Protegendo-se com urn

escudo, de todas as informac;6es do que e relatado, a terapeuta jil tera vivenciado

ou estara vivenciando au podera despertar para comeC;ar a se questionar sobre as

temas relatadas pelo paciente, e que atinja a terapeuta como uma bomba, ou seja,

que este seja possuido e tornado par urn complexo, de forma a passar a fazer

Page 39: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

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quest6es contratransferenciais com a paciente em atendimento, sendo neste casa,

passivel apontar tambem 0 quanta ha de terapeuta no paciente tambem. Oesta

forma, a encarnac;:ao e par "entrar no relata" e nas demais vivencias que 0 papel

de terapeuta recomende, como par exemplo, com urn sonho com urn paciente e

como este poderia auxiliar no casa, tudo com 0 intuito de melhor compreende-Io.

"Entrar no relata" e ouvir com atenc;ao, estar preparado para ser conduzido aD

inconsciente deste paciente para "dar ouvidos" as manifestac;:5es de seus

complexos, estar atento as suas imagens arquetipicas que podem emergir do

inconsciente. Imaginando a que acabei de escrever, e para que possa ficar mais

claro qual a ideia que quere transmitir sobre a encarnaC;ao, e muito parecido 0

papel realizado pelo terapeuta quando conduz 0 paciente que esta sendo atendido

pelo inconsciente deste, sendo possivel fazer uma analogia com a "viagem de

Virgilio e Dante Alighieri pelo Inferno, Purgatorio e Paraiso", na Divina Comedia.

Virgilio, nestes momentos, servia como guia de Dante par caminhos

desconhecidos por ele, Dante. Novamente se faz presente a necessidade do

terapeuta de conhecer "estes caminhos", apontado aqui de forma simbolizada.

Nao e a toa, que Dante escolhe por Virgilio, exatamente por ser urn poeta

conhecido e que tinha conhecimento dos mais variados assuntos, al8m de que era

alguem que Dante confiava para acompanha-Io, ou seja, havia uma "transferencia"

nesta relac;ao.

E necessario 0 terapeuta ter a prudencia necessaria para nao se deixar

levar pelas manifestac;oes contratransferenciais negativas, afinal 0 contato e a

vivencia entre terapeuta e paciente e muito proxima. 0 mito de Quiren auxilia

Page 40: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

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quando a terapeuta tern que vivenciar suas pr6prias feridas para que possa ser

passivel servir de guia ou auxiliar 0 paciente da melhor forma na vivencia de suas

pr6prias feridas. Como jil disse, este pode ser considerado a "mito do psic6[ogo" I

e, portanto estar atento as questoes, mesmo ja tendo trabalhado em terapia ou

analise as quest6es mais dificeis, e necessaria, pois a inconseiente tern das

melhores e das rnais doloridas formas para S8 manifestar, com 0 intuito de revelar

quest6es ate entao naD percebidas.

Em ambos as casas, na encarnac;ao e no mito, sao apontados de forma

demasiada a necessidade do terapeuta em fazer sua analise e/au psicoterapia

para a vivencia e esclarecimento de suas quest6es inconscientes, atinal para

servir de guia do seu paciente pelo inconsciente dele e estar atento as suas

quest6es pessoais, ao meu entender, em se falando de psicoterapeuta, analista,

etc ... , so e possivel a partir do momento em que ha um questionamento e um

trabalho para vivenciar seu proprio inconsciente, na psicoterapia e/ou na analise.

Remeto-me a questao apontada anteriormente sobre a vivencia vicaria, onde 0

terapeuta, demasiadamente tomado pelas quest6es do paciente deixa de vivenciar

suas proprias. Vejo que esta seria uma forma de contratransferencia negativa,

pois as vivencias de uma pessoa pertencem a ela mesma e fazem parte do

momento psiquico, que pontuado pelo terapeuta, pod era ser muito litil quando de

momentos futuros que esta pessoa venha a enfrentar. 0 mito de Quiron torna 0

exemplo da vivencia vicari a ainda mais interessante, pais como e possivel

vivenciar sua propria ferida se a ferida do outro e que e vivid a?

Page 41: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

38

Portanto, tenho a expectativa de que tenha deixado da melhor forma

passivel, qual a rela~o que vejo nos tres temas - ja que a relac;a,o

terapeuta/paciente esta explicita no apontamento do terapeuta em tazer

terapialaniliise - e que este trabalho nao seja somente algo para ser lido ou

discutido, mas que possa ser aplicado na vivencia cotidiana do consultorio de

pSicoterapeutas e analistas das mais diversas linhas psicol6gicas, sendo este

consult6rio onde estes psicoterapeutas e analistas fayam as vezes de psicologos

ou pacientes.

Page 42: QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSI

39

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