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VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio de Janeiro, 19 a 22 de Julho de 2015 Realização: Unirio, UFRRJ e UFRJ 1 QUESTÃO AMBIENTAL E LUTAS SOCIAIS: caracterizando o movimento ambientalista e suas mudanças recentes. Juliana Gabriele Alves da Silva UFS Resumo: O presente artigo tem o objetivo de trabalhar o conceito e fundamentos da Questão Ambiental e as lutas sociais geradas, a partir do que caracteriza o movimento ambientalista e suas mudanças recentes. Analisa como as lutas sociais foram, também, a força motriz para dar visibilidade a Questão Ambiental. Faz um recorte para histórico e concepção dentro do movimento ambientalista brasileiro, onde percebe que devido à injusta formação sócio-histórica brasileira, é mais notória a presença do pensamento da “Justiça ambiental”, sendo difícil não percebê-lo e incorporá-lo. Palavra-Chave: Lutas sociais; Questão Ambiental; Movimento ambientalista; Abstract: This article aims to work the concept and fundamentals of Environmental Issues and social struggles generated from featuring the environmental movement and its recent changes . Analyzes how the social struggles were also the driving force to give visibility to Environmental Issues. Makes a cutout for historical and design within the Brazilian environmental movement , where realizes that due to unfair Brazilian socio- historical formation , is more clear the presence of the thought of "environmental justice," it is difficult not perceive it and incorporate it . Keyword : Social struggles; Environmental Issues; Environmental movement; 1. Introdução O homem, desde os primórdios, interage com a natureza modificando-a e, ao mesmo tempo, sendo modificado ao criar os meios para (re)produção da sua vida social e material. É nesse processo que o mesmo constitui a sua sociabilidade. No capitalismo, sistema baseado na propriedade privada dos meios de produção e apropriação privada do produto do trabalho produzido socialmente, o desenvolvimento das forças produtivas é intensificado e a relação com o meio ambiente é modificada. A relação com a natureza deixa de ser vista como forma de atender prioritariamente a reprodução do homem e passa a ser encarada como fornecedora de matéria-prima na produção de mercadorias para obtenção da mais-valia. A exploração e produção desenfreada para aquisição de lucros resultam em depredação e crescentes danos ambientais, sociais, políticos e econômicos, com significativas consequências para a humanidade. 2. Questão ambiental e sua (re)produção no capitalismo Para compreender mais profundamente as bases da Questão Ambiental, e como ela é gerada, não basta, entretanto, compreender esta relação ontologicamente fundante do mundo dos homens. É necessário analisar os fundamentos do capitalismo e como a

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VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio de Janeiro, 19 a 22 de Julho de 2015

Realização: Unirio, UFRRJ e UFRJ

1

QUESTÃO AMBIENTAL E LUTAS SOCIAIS: caracterizando o movimento

ambientalista e suas mudanças recentes.

Juliana Gabriele Alves da Silva – UFS

Resumo: O presente artigo tem o objetivo de trabalhar o conceito e fundamentos

da Questão Ambiental e as lutas sociais geradas, a partir do que caracteriza o

movimento ambientalista e suas mudanças recentes. Analisa como as lutas sociais

foram, também, a força motriz para dar visibilidade a Questão Ambiental. Faz um

recorte para histórico e concepção dentro do movimento ambientalista brasileiro, onde

percebe que devido à injusta formação sócio-histórica brasileira, é mais notória a

presença do pensamento da “Justiça ambiental”, sendo difícil não percebê-lo e

incorporá-lo.

Palavra-Chave: Lutas sociais; Questão Ambiental; Movimento ambientalista;

Abstract: This article aims to work the concept and fundamentals of

Environmental Issues and social struggles generated from featuring the environmental

movement and its recent changes . Analyzes how the social struggles were also the

driving force to give visibility to Environmental Issues. Makes a cutout for historical

and design within the Brazilian environmental movement , where realizes that due to

unfair Brazilian socio- historical formation , is more clear the presence of the thought of

"environmental justice," it is difficult not perceive it and incorporate it .

Keyword : Social struggles; Environmental Issues; Environmental movement;

1. Introdução

O homem, desde os primórdios, interage com a natureza modificando-a e, ao

mesmo tempo, sendo modificado ao criar os meios para (re)produção da sua vida social

e material. É nesse processo que o mesmo constitui a sua sociabilidade.

No capitalismo, sistema baseado na propriedade privada dos meios de produção

e apropriação privada do produto do trabalho produzido socialmente, o

desenvolvimento das forças produtivas é intensificado e a relação com o meio ambiente

é modificada. A relação com a natureza deixa de ser vista como forma de atender

prioritariamente a reprodução do homem e passa a ser encarada como fornecedora de

matéria-prima na produção de mercadorias para obtenção da mais-valia. A exploração e

produção desenfreada para aquisição de lucros resultam em depredação e crescentes

danos ambientais, sociais, políticos e econômicos, com significativas consequências

para a humanidade.

2. Questão ambiental e sua (re)produção no capitalismo

Para compreender mais profundamente as bases da Questão Ambiental, e como

ela é gerada, não basta, entretanto, compreender esta relação ontologicamente fundante

do mundo dos homens. É necessário analisar os fundamentos do capitalismo e como a

2

relação do homem com a natureza nesse sistema de produção, pois a Questão Ambiental

é própria desse Modo de produção. Foladori (2001, p. 45) afirma que

A análise da crise ambiental contemporânea deve partir das próprias

contradições no interior da sociedade humana, contradições que não são

biológicas, mas sociais, que não se baseiam na evolução ecológica em geral,

mas naquelas que se estabelecem entre classes e setores sociais em particular.

Partiremos da concepção e análise marxista do capitalismo, e da relação homem

x natureza e, assim, primeiro é necessário compreender o Modo de Produção

Capitalista. No modo de produção capitalista (MPC), que se sustenta à base da

exploração do trabalho e da produção de bens de consumo para realização da mais-

valia, a relação com o meio ambiente é modificada. Conforme afirma Foladori ( s/d, p.

17)

Enquanto a produção pré-capitalista de valores de uso tem seu limite na

satisfação das necessidades, a produção capitalista de mercadorias para

aumentar o lucro não tem nenhum limite. Esta diferença, tão simples e geral,

está na base do esgotamento dos recursos naturais a um ritmo nunca

suspeitado na história da humanidade; porém também está na base da

utilização irracional de qualquer forma de energia e/ou de materiais e seres

vivos

Nesse sistema, a relação com a natureza não se dá apenas para reprodução do

homem, mas serve como matéria-prima na produção de mercadorias para obtenção da

mais-valia. Segundo Marx (2009, p. 240) “Produção de mais-valia ou geração de

excedente é a lei absoluta desse modo de produção”. Este tem a sua forma de

reprodução ampliada, ou seja, é necessário que haja expansão tanto de produção, como

de consumo.

No processo de produção, uma parte da mais-valia obtida é apropriada pelo

capitalista e outra parte é reconvertida em capital para ampliar a produção de

mercadorias. (NETTO, 2010). É necessária essa conversão de mais-valia em capital

para que se realize a acumulação do capital, sem a qual não existe capitalismo.

Dentre os meios de produção necessários para a fabricação de mercadorias está a

matéria-prima, extraída de recursos naturais. Se afirmarmos que o capital, para se

reproduzir, necessita se ampliar e ampliar a sua produção, também é necessário que se

amplie a exploração dos recursos naturais, pois o objetivo não é explorar para a própria

subsistência ou para troca, e sim para realização da mais–valia e acumulação de mais

capital.

Enquanto resultado desse uso indiscriminado e exploração desenfreada dos

recursos naturais para produção de matéria-prima, e de objetos para consumo emerge a

Questão Ambiental1. Silva (2010, p. 67) a defina como

[...] um conjunto de deficiências na reprodução do sistema, o qual se origina

na indisponibilidade ou escassez de elementos do processo produtivo

advindos da natureza, tais como matérias-primas e energia e seus

desdobramentos ideopolíticos. Em outras palavras, trata-se da incapacidade

do planeta de prover, indefinidamente, os recursos necessários à reprodução

1 Alguns autores chamam de “Crise Ambiental” ou “Crise ecológica”.

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da vida, em condições históricas e sociais balizadas pelo alto nível de

produção e consumo.

Portanto, para se ampliar, criar novos mercados, e novas mercadorias, o

capitalismo também transforma a natureza em uma mercadoria, apropria-se

privadamente dela e a explora. A divisão desigual dos recursos naturais também é uma

das bases fundamentais tanto da reprodução do capital como da Questão Ambiental.

Foladori (2001, p. 165) afirma que

Toda a história do capitalismo é a apropriar-se de recursos naturais virgens

com o propósito de utilização privada. Quando se utilizam matérias-primas

dos ‘espaços coletivos’, está-se privatizando-os, já que reaparecem no

produto final vendido como propriedade privada no mercado. Assim é a

existência da propriedade privada que leva à depredação e à contaminação da

natureza.

Outros elementos também estão incluídos no processo de geração da questão

ambiental, como a “obsolescência programada” já que o capitalismo não produz

mercadorias de grande durabilidade, mas a produção é para “produtos descartáveis”,

criando assim a necessidade da obtenção de novos produtos similares ou mais

avançados tecnologicamente em um curto espaço de tempo. Este mecanismo é também

conhecido como “a sociedade dos descartáveis”.

É visível como o capitalismo domina todas as esferas da vida social (inclusive a

subjetiva), determinando-as pela esfera da produção. Foladori (2001, p. 168) afirma que

[...] o lucro como objetivo da produção capitalista obriga a produzir sempre

mais e mais variadas mercadorias e a utilizar todos os meios, desde a

propaganda e os atrativos financeiros até o vício, a droga e a violência, para

aumentar a demanda.

Simplificadamente, essa é a base do capitalismo, e a também da questão

ambiental, pois esse processo de exploração se dá, como já mencionado, em ritmo tão

desenfreado e sem controle, que a natureza é incapaz de se regenerar. Dito de outra

forma, em outros modos de produção havia a exploração dos recursos naturais e a

consequente degradação ambiental, mas no capitalismo essa se dá de modo em que a

velocidade de exploração é muito maior que a capacidade da natureza de se

autorregenerar. Como afirma Loureiro (2012, p. 23)

[...] a velocidade da produção e consumo de mercadorias que se expande pelo

mundo é incompatível com os tempos de recomposição da natureza,

principalmente em relação aos materiais considerados primários ao

desenvolvimento econômico (solo, água, cobertura vegetal, minérios, etc).

Como resultado desse processo de exploração e produção desenfreado para

obtenção de lucros desencadeia-se o desequilíbrio ambiental com depredação e danos

ambientais, sociais, políticos e econômicos, com significativas consequências para a

humanidade, como enchentes, desabamentos, nevascas, poluição dos recursos naturais,

a escassez dos mesmos, contaminação da população, os conflitos territoriais, entre

outros.

Esse debate da Questão Ambiental ganha força e destaque nas décadas de 1970 e

1980. Nesse período sua visibilidade é impulsionada, entre outros fatores, pela ação dos

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movimentos ambientalistas, que colocaram a temática na agenda das organizações e

movimentos sociais, denunciando a situação ambiental e as consequências

“catastróficas” para o planeta.

Mas nem só por afetar o meio ambiente e a população a Questão Ambiental

tornou-se visível. É incontestável que a mesma constitui-se num entrave para a

reprodução do sistema capitalista, por conta da escassez de matérias-primas importantes

para a produção de mercadorias no contexto da crise capitalista. Trata-se de uma crise

de superprodução, onde após a longa onda expansiva dos “anos dourados” inicia-se um

longo período de estagnação. Um elemento novo dessa crise é o fator ambiental que

também contribuiu para a mesma, sendo um de seus “detonadores” – refiro-me ao

“choque” e a crise da alta do preço do petróleo.

A ilusão da infinitude dos recursos naturais é desmascarada pela realidade

gerada pelo próprio capital. Silva (2010, p. 83) analisa que a “ideia de que o planeta

estaria caminhando para uma catástrofe de proporções irreversíveis se a degradação

ambiental não fosse controlada, imediatamente, adquire visibilidade indiscutível.”

Corroboro com a ideia de que a preocupação e urgência conferida ao debate da Questão

Ambiental se fazem predominantemente com o interesse na garantia de reservas de

recursos naturais suficientes para a produção. Isso se verifica também a partir dos

grandes investimentos em pesquisas com a finalidade de descobrir novas fontes de

energia, matéria-prima e novas tecnologias que sejam capazes de manter a reprodução

ampliada do capital e seu processo de valorização. A concepção de “desenvolvimento

sustentável”, que será abordada mais aprofundadamente no próximo item, reafirma essa

ideia: a “produção sustentável” tem a intencionalidade de amenizar os impactos

ambientais gerando, assim, um novo mercado, o de produtos sustentáveis, sem alterar a

lógica da produção e sem deixar de explorar os recursos naturais.

Entretanto, como veremos a seguir, também as lutas sociais em torno do debate

ambiental possibilitaram parte da visibilidade com que a questão tem sido tratada nos

dias atuais. Estas lutas e as propostas que emergiram de seu interior têm se modificado

sendo na atualidade não só permeadas pelo ideário do desenvolvimento sustentável, mas

também pelo caráter classista presente na concepção do movimento pela justiça

ambiental.

3. Lutas Sociais e as Principais Correntes do Movimento Ambientalista

A partir dos anos 1970, um dos períodos de crise cíclica do capital, evidencia-se

o que já abordei como “Questão Ambiental”. Os problemas ecológicos tomaram conta

da agenda mundial, tornando-se uma de suas principais pautas. Como afirma Silva

(2010), foi evidenciada a possibilidade de que houvesse uma catástrofe de grandes

proporções e escassez de matérias primas se não houvesse controle imediato da

degradação e exploração ambiental que ganham, assim, grande visibilidade. Silva

(2010, p. 118) complementa esse pensamento afirmando que

[...] para o capital, a “questão ambiental” se constitui numa problemática tão

somente na medida em que impede, ou cria obstáculos, às formas que

historicamente utilizou para apropriar-se da natureza, isto é, a propriedade

dos bens sociais e naturais e a sua transformação em mercadorias.

Portanto, como a “questão ambiental” também se constitui um entrave para a

reprodução do capital. Segundo Behrends (2011, p.16).

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Durante o século XX, o mundo viveu uma fase de crescimento, em que o

desmatamento e a despreocupação com o meio ambiente representavam o

desenvolvimento para o progresso. “Isso porque, a poluição era vista como

um mal necessário”. Com o grande avanço do descaso com a biodiversidade,

e os seus efeitos começando a atingir o homem, foi neste momento, na

década de 1970, que o mundo começou a se preocupar com danos causados

pela poluição.

Analisando a conjuntura da época, para além da crise capitalista identificamos

fatos que contribuíram para reforçar o debate da Questão Ambiental na sociedade. As

Conferências mundiais sobre o tema, por exemplo, passam a ser sistematicamente

realizadas e são consequências da preocupação com o meio ambiente que vinha

inquietando toda a sociedade. Destaco a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente, em Estocolmo, 1972. “Este evento, que marcou o ambientalismo mundial,

foi convocado em razão da necessidade de discutir temas ambientais que poderiam gerar

conflitos internacionais, a exemplo da poluição da água, do ar e do solo”. (SILVA,

2010, p. 167). O capital, nesse momento, necessita da intervenção estatal nesse

processo, de modo a atender as demandas sociais quanto à exploração ambiental e, ao

mesmo tempo, assegurar a continuidade da produção.

Além das conferências, avalia-se que um dos atores fundamentais nesse processo

de visibilidade da Questão Ambiental foram os movimentos ambientalistas que, através

de denúncias e lutas ambientais, buscaram debater e evidenciar para a sociedade que a

exploração desenfreada dos recursos naturais causa efeitos degradantes ao meio

ambiente atingindo a todos, especialmente os mais pobres.

É a partir dos anos 1970 que os propósitos e ações relativos ao ambiente

assumem um lugar específico como problemática, diferenciando-se das

iniciativas anteriores em termos de visibilidade como também pela

incorporação de novas dimensões – como a luta contra o uso dos agrotóxicos

– por exemplo –, demonstrando mudanças importantes nas bandeiras e ações

anteriores, bem como uma complexificação deste campo. É também a partir

das décadas de 1970 e 1980 do século XX que esta questão passa a ocupar

um lugar de crescente importância também para os países periféricos.

(SILVA, 2010, p.83)

Antes da Questão Ambiental ganhar destaque mundialmente já existiam ações e

movimentos de denúncias ambientais que pautavam o meio ambiente em torno de

diversas vertentes, sendo hegemonicamente a exploração da natureza associada a

progresso e desenvolvimento. Porém, foi no período de ascenso do debate que o

movimento também ganhou força.

O movimento ambientalista é classificado por diferentes autores como um dos

chamados “Novos Movimentos Sociais”. Os primeiros movimentos reuniram

principalmente setores da classe média, juntamente com ativistas, hippies, e outros

setores que não incorporavam, em seus debates, o recorte de classe associado aos efeitos

da questão ambiental. Havia (e ainda há) em muitos deles, o a visão que considera a

natureza acima do ser humano; uma visão romântica da mesma que compreende o meio

ambiente sem contemplar o homem como parte dele. Principalmente por conta disso o

movimento ambientalista se distanciava muitos das classes populares e ainda há uma

resistência de ser reconhecido enquanto um movimento social. Loureiro (2012, p. 47)

afirma que

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Por sua origem junto às classes médias européias e norte-americanas, o

movimento ambientalista é identificado, de forma mais imediata, com as

forças sociais que se configuram nesta fase de reorganização do capitalismo e

suas “bandeiras”: afirmação de valores “ecologicamente adequados”; da

diversidade cultural e de expressões; da tolerância; do zelo ao planeta. Tal

cenário propicia, portanto, que os chamados NMS [Novos Movimentos

Sociais] assumam o “ambiental” de início, como algo inerente às suas

finalidades, enquanto os MS [Movimentos Sociais], diante de suas históricas

lutas sociais, o fizeram posteriormente.

Martínez Alier (2011) considera que existem 03 principais correntes do

movimento ambientalista: o “culto ao silvestre”, o “evangelho da coeficiência” e “a

justiça ambiental e/ou ecologismo dos pobres”.

Quanto ao culto ao silvestre a sua “principal proposta política [...] consiste em

manter reservas naturais, denominadas parque nacionais ou naturais, ou algo

semelhante, livres da interferência humana.” (MARTÍNEZ ALIER, 2011, p. 24). Essa

corrente busca “a beleza do meio ambiente”, é baseada na biologia da conservação e

ganhou destaque a partir de 1960. Também podemos classificá-la como adepta da

perspectiva do “Mito da natureza intocável” (DIEGUES, 2001) – ou seja, não

compreende o homem como parte da natureza.

A segunda corrente é o “evangelho da coeficiencia”. O autor analisa que esta

[...] procede da primeira corrente, preocupada com a preservação da natureza,

[...] uma cronologia que se tornou plausível devido à rápida industrialização

dos Estados Unidos aos finais do século XIX. [...] Preocupada com os efeitos

do crescimento econômico, não só nas áreas de natureza original como

também na economia industrial, agrícola e urbana. Trata-se de uma corrente

aqui batizada como “credo – ou evangelho - da coeficiência.” Sua atenção

está direcionada para os impactos ambientais ou riscos à saúde decorrentes

das atividades industriais, da urbanização e também da agricultura moderna.

Essa segunda corrente do movimento ecologista se preocupa com a economia

na sua totalidade. [...] Acredita no “desenvolvimento sustentável”, na

“modernização ecológica” e na “boa utilização dos recursos.” (MARTÍNEZ

ALIER, 2011, p. 31 e 26).

O mesmo ator também afirma que essas duas correntes, sendo as principais, se

“casam” em alguns movimentos e “dormem juntas”. Uma das conquistas dessa corrente

foi colocar a expressão desenvolvimento sustentável em debate e como alternativa para

a sociedade naquele momento. Bernades e Ferreira (2009, p. 4) reforçam que,

Graças à influência dos movimentos ecológicos, a expressão

desenvolvimento sustentável ganhou extrema força nos discursos políticos do

mundo atual e interpretações variadas. Para alguns significa uma

racionalização da sociedade com a implantação de um desenvolvimento mais

limpo. Para outros, pode representar uma utopia romântica.

A terceira corrente identificada é “a justiça ambiental e/ou ecologismo dos

pobres” que vem crescendo em nível mundial e desafia as outras duas correntes

mediante o seu discurso de que os mais pobres não “paguem” e sofram mais pelos

danos ambientais causados pelo capitalismo. Esta vertente é caracterizada como

O movimento pela justiça ambiental, o ecologismo popular, o ecologismo

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dos pobres, nascidos de conflitos ambientais em nível local, regional,

nacional e global causados pelo crescimento econômico e pela desigualdade

social. Os exemplos são os conflitos pelo uso da água, pelo acesso às

florestas, a respeito das cargas de contaminação e o comércio ecológico

desigual, questões estudadas pela ecologia política. Em muitos contextos, os

atores de tais conflitos não utilizam um discurso ambientalista. Essa é uma

das razões pelas quais a terceira corrente do ecologismo não foi, até os anos

1980, plenamente identificada. (MARTÍNEZ ALIER, 2011, p. 39).

Esse movimento nasceu nos EUA, em 1987, a partir da luta travada por grupos

étnicos afetados pelo racismo ambiental, com base um estudo que denunciava a ligação

da degradação ambiental com o racismo ambiental. Esse estudo mostrava que a

localização das lixeiras coincidia com os locais de moradia das comunidades negras,

hispânicas e asiáticas.

Partindo da compreensão de que essas três correntes perpassam os movimentos

ambientalistas mundialmente, buscaremos caracterizá-los em nível mundial e depois

abordar suas especificidades no caso brasileiro.

Dentre movimentos e ações que perpassam a perspectiva do culto ao silvestre,

Martínez Alier (2011) menciona a Convenção da Biodiversidade no Rio de Janeiro em

1992, e a Lei de Espécies em perigo nos Estados Unidos, enquanto vitórias para essa

corrente de priorização da preservação sobre a mercantilização.

Atuando conforme a vertente do evangelho da coeficiência, o autor destaca os

movimentos: International Union for the Conservation of Nature (IUCN), o Worldwde

Fundo of Nature (WWF) e Nature Conservancy. A Rede WWF (antes conhecida como

Fundo Mundial para a Natureza) foi criada em 1961, “quando um pequeno grupo de

indivíduos apaixonados e comprometidos assinaram uma declaração que veio a ser

conhecida como o Manifesto de Morges”. (WWF, s/d). Os principais fundadores do

movimento foram o biólogo Julian Huxley e o ornitólogo e pintor Peter Scott. Com base

nas principais vitórias destacadas no site, analisase que as ações deste movimento são

voltadas para a conservação da natureza e preservação do habitat. Porém na década de

1970, por conta da crise mundial, as suas preocupações começaram a se estender para

além desse discurso, adotando também a perspectiva do desenvolvimento sustentável.

Este fato reafirma o que escreveu Martínez Alier (2011) sobre o “casamento” das duas

primeiras vertentes supramencionadas, sendo que a segunda complementa a primeira.

O autor ainda aborda outras organizações que dialogam com essas duas

vertentes: um movimento chamado Sierra Club, – este trabalhava na perspectiva da

preservação da natureza, mas também publicou livros sobre justiça ambiental – e outro

movimento, desmembrado deste primeiro, chamado “Amigos da Terra”, que nasceu em

1969, tendo como lema: “A terra pode sobreviver bem sem amigos, mas os humanos, se

quiserem sobreviver, devem aprender a ser amigos da terra”. (MARTÍNEZ ALIER,

2011, p. 25).

Ferreira (2008), que caracteriza essa segunda corrente – ou seja, a do “evangelho

da coeficiência” – como preservacionista, sinaliza que “dentro do movimento

preservacionista, foi criado na América do Norte, em 1872, o primeiro parque nacional

do mundo, o Parque Nacional de Yellowstone, uma área de 800 mil hectares, [...]

tornando-se modelo para outros países.” (FERREIRA, 2008, p. 18).

Conforme exemplificado acima, alguns movimentos podem perpassar várias

correntes, sendo, majoritariamente, de um campo. Um destes é o Greenpeace, um dos

maiores movimentos ambientalistas do mundo que, por essência, apresenta-se na

perspectiva do evangelho da coeficiência, mas pauta lutas em consonância com outras

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correntes também. Este movimento, conhecido como ecopacifista (uma das suas

características é não-violência), nasceu em 1972, em Vancouver, caracterizando-se

como um dos maiores responsáveis pela popularização da “Questão Ambiental” no

mundo. (BERNADES; FERREIRA, 2009). Esse movimento foi fundado por

“ecologistas, jornalistas e hippies”. (GREENPEACE, 2010). Segundo Martínez Alier

(2011, p. 39)

Trata-se de uma organização fundada há trinta anos com base na preocupação

com testes nucleares com finalidade bélica e preservação das baleias em

perigo de extinção. Do mesmo modo, também tem participado dos conflitos

de justiça ambiental [corrente esta muito forte nos Estados Unidos]. [...] teve

papel importante na Convenção da Basiléia, que proíbe a exportação de

resíduos tóxicos para a África e outros lugares. Tem respaldado e capacitado

dioxinas provenientes dos incineradores. Tem apoiado comunidades dos

mangues na resistência contra a carcinicultura.

O site do movimento cita algumas das principais vitórias ao longo da sua história.

Fazendo um recorte entre as décadas de 1970 a 1990, destaca-se o fim de testes

nucleares, operados pela França, no pacífico Sul, em 1974. A ação do grupo, ao navegar

rumo ao Pacífico Sul, deu visibilidade ao fato e, juntamente com a pressão pública,

levou à suspensão dos testes (GREENPEACE, 2011). Outra ação ocorreu em 1982, mas

iniciou-se na

[...] década de 1970, [quando] a população de baleia azul diminuiu

drasticamente para menos de seis mil em todo o mundo, conseqüência

direta da pesca baleeira agressiva. O fato chamou a atenção do Greenpeace,

que logo após sua fundação decidiu aderir à defesa das baleias. Em 1973 as

embarcações do Greenpeace iniciaram investidas contra barcos baleeiros.

Cenas de baleias mortas sendo içadas chocaram o mundo. Após 10 anos de

campanha, o Greenpeace conquistou sua maior vitória: em 1982 finalmente

a Comissão Baleeira Internacional anuncia a Moratória de Caça às

Baleias.  (GREENPEACE, 2011).

A terceira vitória mencionada foi em 1995, quando uma empresa de petróleo

solicitou permissão ao governo britânico para despejar uma instalação inteira, que não

tinha mais serventia, no Oceano Atlântico. O Greenpeace interviu com uma “invasão” à

plataforma e, denunciando o fato mundialmente, mobilizou a opinião pública, que

obrigou a empresa a recuar. Finalizando a década, em 1999, a instalação de várias

madeireiras malaias no Brasil, explorando ilegalmente os recursos do país, levou o

movimento a produzir um relatório denominado “À Margem da Lei”, onde fazia

denúncias sobre as práticas de tais empresas. Devido à repercussão internacional dessas

denúncias, as atividades destas empresas diminuíram e, anos após, suas operações

foram suspensas no Brasil.

Martínez Alier (2011) analisa que os grupos ambientalistas acima mencionados,

tanto do culto ao silvestre como do evangelho da coeficiência, não são tão poderosos

quanto os Estados e empresas, mas participam consideravelmente na governabilidade

ambiental internacional. Considera também que estes pautam, com urgência, a

implantação de políticas ambientais. O autor reforça que, Esses grupos não enfrentam diretamente o mundo capitalista em geral.

Também não contam com um grande plano ou esquema para o futuro da

humanidade e da natureza. Mais precisamente, voltam-se para aspectos

9

particulares, mobilizando-se contra aquelas empresas cujo comportamento é

singularmente ofensivo ao meio ambiente. Procuram minar o apoio prestado

pelo Banco Mundial e pelos bancos regionais a ele associados no tocante a

projetos de represamentos, de gás, petróleo e mineração. Nos dias de hoje,

exercem um papel proeminente na definição da agenda da política ambiental

mundial. (MARTÍNEZ ALIER, 2011, p. 266).

Fazendo uma reflexão sobre os dois maiores e principais movimentos

ambientalistas do mundo – por conta da maior visibilidade – o WWF e o Greenpeace, a

minha primeira indagação se refere à falta de concepção destes enquanto movimentos

sociais. O WWF se autodenomina como uma rede. Uma de suas principais

características é o trabalho com vários projetos financiados por entidades internacionais.

O Greenpeace concebe a si mesmo enquanto uma “uma organização global e

independente que atua para defender o ambiente e promover a paz, inspirando as

pessoas a mudarem atitudes e comportamentos.” (GREENPEACE, 2010 – Grifos

nossos). O mesmo não aceita doações de governos, empresas ou partidos políticos e os

valores em que baseiam suas ações são: independência, não violência, confronto

pacífico e engajamento. Uma característica deste movimento são suas ações de

denúncia, frequentemente pacíficas (não há enfrentamento), somadas à publicização do

fato em nível mundial, sensibilizando e chocando a sociedade que, ao repudiar tal fato,

leva a uma vitória na reivindicação.

A segunda reflexão que faço diante da busca por tal caracterização se refere à

insuficiência de elementos teóricos sistematizados sobre as contribuições do movimento

ambientalista para dar visibilidade à “Questão Ambiental”. Pondero a dificuldade em

encontrar fatos que auxiliam na caracterização dos mesmos, o que me leva a questionar

se realmente esses tiveram um papel de grande destaque nesse processo de visibilidade

da Questão Ambiental. Isso porque entre os autores consultados até aqui, notei que o

debate do movimento ambientalista é visivelmente secundarizado ante a divulgação de

grandes pesquisas e relatórios científicos. Dito de outro modo: o Relatório do Clube de

Roma ou Relatório Meadows e o Livro “Primavera Silenciosa”, da bióloga marinha

Rachel Carson, 1962 são tratados como os grandes feitos que deram visibilidade à

questão ambiental e, inclusive, como fatores que impulsionaram os movimentos

ambientalistas mundialmente quando em nossa percepção, o processo deveria ser

inverso.

Após caracterizar e refletir minimamente sobre o movimento ambientalista

mundial trago a discussão para a especificidade brasileira quanto ao surgimento deste

movimento no país. Pode-se dizer que os primeiros seus registros nesse sentido são da

década de 1970, no contexto de ditadura militar2. Como a repressão contra os

movimentos sociais, de um modo geral, era grande, este foi um dos impedimentos para

o movimento ambientalista crescesse no país. Gonçalves (2010) analisa que nesse

período, a burguesia nacional buscava o investimento estrangeiro para o

desenvolvimento do país não possuindo, portanto, a cultura de respeito e preservação da

natureza. O pensamento dominante à época baseava-se nos “tecnocratas brasileiros,

participantes de seminários e colóquios internacionais, [declarando] que ‘a pior poluição

é a da miséria’ e [tentando] atrair os capitais estrangeiros para o país”. (GONÇALVES,

2010, p. 15).

O autor ainda analisa que as movimentações ambientais no Brasil foram reflexos

2 No ano de 1971, a Rede WWF inicia seu trabalho no Brasil, “apoiando os primeiros estudos feitos sobre

um desconhecido primata ameaçado de extinção do Rio de Janeiro.” (WWF, s/d).

10

da pressão internacional para que houvesse exigências no investimento financeiro das

organizações no país, entre as quais a preocupação com o meio ambiente. Assim, o

Estado criou algumas instituições para gestão ambiental objetivando cumprir com essa

obrigação. Um exemplo de ação é a diversificação e multiplicação das unidades de

conservação no país, segundo Cunha e Coelho (2009), na década de 1970. Nota-se a

influência do culto ao silvestre mesclado com o evangelho da coeficiência nas políticas

ambientais do Brasil.

Essa é uma particularidade do movimento ambientalista brasileiro: os avanços

na legislação ambiental aconteceram antes da consolidação do movimento em nível

nacional. Isso porque nesse período já havia grupos que denunciavam a degradação

ambiental, mas estes não tinham força política, tanto por possuírem a trajetória ainda

incipiente de organização, quanto pelas condições gerais da repressão política inerentes

à ditadura. Bernandes e Ferreira (2009) classificam três períodos na história do

ambientalismo brasileiro:

uma primeira fase, denominada ambientalista (1974 a 1981), caracterizada

por movimentos de denúncia de degradação ambiental nas cidades e criação

de comunidades alternativas rurais; um segundo momento, de transição (1982

a 1985), foi marcado pela grande expansão quantitativa e qualitativa dos

movimentos da primeira fase; na terceira fase, a partir de 1986, a maioria do

movimento ecológico decidiu participar ativamente da arena parlamentar.

(VIOLA, 1987 apud BERNANDES; FERREIRA, 2009, p 37).

Passada a primeira fase, já abordada acima, o período caracterizado como segunda

fase pelos autores, abrange o final da ditadura militar e o processo de redemocratização

do país ampliando, portanto, as possibilidades de organização dos movimentos sociais

na sociedade brasileira.

Gonçalves (2010) analisa que nesse contexto marcado, entre outros

acontecimentos, pelo retorno dos exilados políticos ao país, estes trazem uma enorme

contribuição para o movimento nacional em face de muitas vivências junto aos

movimentos ambientalistas na Europa e em outros países. Thomas (2006) também

afirma que este se constituiu um período de amadurecimento e politização do

movimento ambientalista brasileiro como reflexo da conjuntura nacional. A autora

reforça que

São outros fatos que representam a politização do ambientalismo: a fundação

do Partido Verde em 1986 (primeiramente no RJ e em seguida em SC), o

primeiro encontro nacional de Entidades Ecologistas Autônomas (em

BH/MG), incluindo, pela primeira vez, o Norte, Nordeste e Centro-Oeste e,

por fim, a adoção da questão ambiental por outros partidos políticos, como o

Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT).

(THOMAS, 2006, p. 60).

Quanto à terceira fase do movimento ambientalista, além da participação dos

representantes na arena parlamentar, destaco outras conquistas derivadas dessa maior

politização do movimento, tais como a incorporação de pautas emergentes na sociedade

relacionadas à questão ambiental e o início dos trabalhos do Greenpeace no Brasil, no

ano de 1992 – mesmo ano em que o país sediou a ECO-92.

No Brasil, o debate mais politizado da questão ambiental é feito por alguns

movimentos. Entre eles destaca-se o movimento de Justiça Ambiental que surge no

Brasil enquanto Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) em 2001 como uma

11

articulação dos movimentos sociais, centrais sindicais, ONGs, entidades ambientalistas

e diversas organizações para construir e fazer denúncias relacionadas à (in)justiça

ambiental. Na “Declaração de lançamento da rede brasileira de justiça ambiental”

(2001), ficou esclarecido e definido o conceito de injustiça ambiental, enquanto

[...] o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista

econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do

desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais

discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às

populações marginalizadas e vulneráveis. (JUSTIÇA AMBIENTAL, 2001)

A mesma declaração traz, também, o conceito de justiça ambiental enquanto,

[...] um conceito aglutinador e mobilizador, por integrar as dimensões

ambiental, social e ética da sustentabilidade e do desenvolvimento,

freqüentemente dissociados nos discursos e nas práticas. Tal conceito

contribui para reverter a fragmentação e o isolamento de vários movimentos

sociais frente aos processos de globalização e restruturação produtiva que

provocam perda de soberania, desemprego, precarização do trabalho e

fragilização do movimento sindical e social como um todo. Justiça ambiental,

mais que uma expressão do campo do direito, assume-se como campo de

reflexão, mobilização e bandeira de luta de diversos sujeitos e entidades,

como sindicatos, associações de moradores, grupos de afetados por diversos

riscos (como as barragens e várias substâncias químicas), ambientalistas e

cientistas. (JUSTIÇA AMBIENTAL, 2001).

Para além da RBJA, o debate da justiça ambiental é hegemonicamente

incorporado entre os movimentos sociais campesinos (principalmente os que estão

reunidos na Via Campesina3) que pautam a temática ambiental, direta ou indiretamente.

Considera-se que neste campo os movimentos de maior destaque são o Movimento dos

Trabalhadores sem Terra (MST), MAB (Movimento dos Antigos por Barragens),

Movimentos indígenas e quilombolas. Estes trazem, em seu discurso, o debate da

(in)justiça ambiental, ao pautarem a socialização dos recursos naturais, ao questionarem

a função social da terra, a contaminação do solo por uso de agrotóxicos, etc, como

veremos adiante.

Analisamos que no país, esse debate adquire grande força política por conta da

particularidade de formação sócio-histórica da nossa nação. Esse é um país com grandes

riquezas e recursos naturais que, em sua maior parte, está concentrada nas mãos de

grandes latifúndios. Concordamos com Herculano (2008, p. 5) ao afirmar que

No caso do Brasil, portanto, o potencial político do movimento pela justiça

ambiental é enorme. O país é extremamente injusto em termos de distribuição

de renda e acesso aos recursos naturais [...]. Os vazamentos e acidentes na

indústria petrolífera e química, a morte de rios, lagos e baías, as doenças e

mortes causadas pelo uso de agrotóxicos e outros poluentes, a expulsão das

comunidades tradicionais pela destruição dos seus locais de vida e trabalho,

3 “A Via Campesina é um movimento internacional que coordena organizações camponesas de pequenos

e médios agricultores, trabalhadores agrícolas, mulheres rurais e comunidades indígenas e negras da Ásia,

África, América e Europa.” Disponível em: http://www.social.org.br/cartilhas/cartilha003/cartilha012.htm

Entre os movimentos que compõem a Via Campesina estão o MST, MAB, MAP, entre outros, e serão

melhor abordados no próximo capítulo.

12

tudo isso, e muito mais, configura uma situação constante de injustiça sócio-

ambiental no Brasil, que vão além da problemática de localização de

depósitos de rejeitos químicos e de incineradores da experiência norte-

americana.

No país é difícil discutir e defender a preservação ou conservação dos recursos

naturais e não conseguir visualizar os conflitos territoriais e a injustiça ambiental com a

população que vive nesses biomas. A injustiça, não apenas ambiental, mas

principalmente seus desdobramentos econômicos e políticos ocasionados pela

concentração da terra, riqueza e poder tem produzido permanentemente os conflitos

agrários que têm resultado em muitas mortes no campo4.

Um dos movimentos campesinos que visualizamos possuir, em seu interior, o

debate da justiça ambiental é o MAB. Esse movimento discute e pauta o modelo

energético brasileiro, mas sua luta está articulada com outros movimentos sociais tendo,

em seu horizonte, o projeto de sociedade socialista. A respeito do debate da justiça

ambiental no MAB, Benincá (2011, p. 287-288) afirma

Este é um tema ainda não abordado de forma objetiva pelo MAB, mas que se

revela central em face das múltiplas ocorrências de injustiças, violação de

direitos e impactos ambientais de que os atingidos por barragens são 'vítimas'

no processo de instauração dos projetos hidrelétricos. [...] [Mais a frente

explicita que] aos movimentos populares cabe, pois, a tarefa de desvelar para

a sociedade os custos ecológicos e sociais dos empreendimentos capitalistas e

as contradições insustentáveis que eles imprimem.

Contudo, percebemos que esse é um debate e novo desafio para o movimento que

reconhece sua importância e centralidade. Outro Movimento que também incorpora em

seu interior a discussão da questão ambiental e da justiça ambiental é o MST, que é

objeto desse estudo e será tratado de forma mais aprofundada aos longos dos próximos

capítulos.

4. Conclusão

Para finalizar esta etapa de nossa discussão temos algumas coisas a serem

sublinhadas e que são essenciais à continuidade da exposição. A primeira delas é que

visualizamos amplas possibilidades de expansão do movimento ambientalista no Brasil.

Compreendemos que a QA estimula e pode se articular com as lutas sociais por direitos

no país, pois os é bastante evidente o potencial que mobiliza em face da percepção dos

seus efeitos no cotidiano, especialmente da população mais pobre.

A segunda questão a sublinhar, em íntima relação com a primeira, é que

concordamos com a análise de que os efeitos da Questão Ambiental não são sentidos da

mesma forma pelas diversas classes sociais. Os mais pobres a sentem e sofrem muito

mais, reforçando a ideia de que há um recorte de classe social inerente a estas lutas.

Apesar das duas vertentes abordadas como hegemônicas no movimento ambientalista

não realizarem o debate do sujeito dentro desse processo e preocuparem-se apenas com

a natureza e, posteriormente, com o desenvolvimento do capitalismo de forma

sustentável, a concepção do movimento de Justiça Ambiental dialoga com nossa forma

4 Segundo o Relatório "Conflitos no Campo Brasil 2012” realizado pela Comissão Pastoral da Terra, em

2012 houve 36 assassinatos decorrentes de Conflitos no Campo.

13

de compreender a Questão Ambiental e seus efeitos perante a população.

O debate da Questão Ambiental e das lutas do movimento ambientalista traz

consigo, de modo intrínseco aos seus fundamentos, a mediação das classes sociais, ou

seja, uma divisão de classe quanto aos seus efeitos e consequências. Apesar do

movimento ambientalista historicamente ter sido alavancado por ativistas e setores da

classe média, não incorporando inicialmente o debate sobre as desigualdades sociais,

não se pode negar que estas ações ocorrem em meio a conflitos sociais mais amplos. Na

base desta compreensão está o fato de que os fundamentos da Questão Ambiental são

oriundos do Modo de Produção Capitalista, que divide a sociedade em classes sociais,

exploradores e exploradores. Ao falar sobre a categoria "conflitos ambientais" para os

movimentos sociais, Loureiro (2012. p. 51) afirma que

Esta qualifica e integra a ação organizada em defesa de justiça social e do

direito à vida emancipada, saudável e sustentável, uma vez que trata das

relações estabelecidas nos processos antagônicos de interesses que disputam

recursos naturais e buscam legitimar seus modos de vida.

Já se conseguiu avançar muito no que se refere ao movimento pela justiça

ambiental no Brasil e, como visto, as possibilidades de sua expansão são enormes.

Acredito que é preciso que os movimentos sociais consigam visualizar a possibilidade

da luta pela justiça ambiental associada às suas bandeiras especialmente às lutas do

campo, para que avancem nesse debate, aprofundando a pauta e compreendendo essa

luta enquanto uma ação estratégica para construção de um projeto societário alternativo.

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5. REFEREÊNCIAS

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