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QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU? Estudo da Recepção do conto Chapeuzinho Vermelho por alunos do Ensino Fundamental

Andréia Cristina CRUZ (PG – UEM)

ISBN: 978-85-99680-05-6

REFERÊNCIA: CRUZ, Andréia Cristina. Quem tem medo do lobo mau? Estudo da recepção do conto Chapeuzinho Vermelho por alunos do ensino fundamental. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 150-159.

1. INTRODUÇÃO

A Estética da Recepção provocou um deslocamento na maneira de pensar o

texto literário, propondo uma análise na qual fosse inserida a presença também do leitor. Apresenta duas orientações: de um lado, Hans Robert Jauss com o método histórico-sociológico e, de outro, Wolfgang Iser com a teoria do efeito. Ambas se complementam e não se concentram, exclusivamente, na significação e na mensagem do texto literário, mas, principalmente, em sua recepção e nos efeitos produzidos pela leitura, respectivamente.

O primeiro a falar sobre a estética da recepção foi o alemão Hans Robert Jauss, discípulo da hermenêutica de Gadamer e que apresenta um ponto de ligação com esta por acreditar na possibilidade de interpretação da obra literária pelo leitor.

No ensaio A História da Literatura como Provocação a Teoria Literária, Jauss contrapõe os dogmas marxistas e formalistas que não privilegiam o leitor no ato interpretativo do texto literário. Para o teórico, qualquer obra de arte literária só será efetiva, só será (re)criada ou “concretizada”, quando o leitor a legitimar como tal. Nesse sentido, tem-se um leitor real, de carne e osso, situado em um determinado momento histórico-social capaz de dialogar com o texto.

Entretanto, o próprio texto apresenta um plano organizacional que permite a entrada e a compreensão do leitor. Este eixo relaciona-se com as propostas desenvolvidas por Iser. Por meio da verificação desta organização interna do texto, é possível perceber as diversas maneiras de se interpretar o texto, o que Iser denomina de sistema perspectivístico.

Sendo assim, de acordo com Iser (1996), as interpretações de um texto podem variar, porque dependem da perspectiva adotada pelo leitor para acompanhar o texto, no

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caso da narrativa, por exemplo, ora pode ser a do narrador, a da personagem principal ou a de uma personagem secundária.

Iser (1996) verifica que na estrutura do texto há lacunas, vazios a serem preenchidos pelo leitor, por isso, a relação dialógica entre o texto e o leitor se faz tão importante. Estes vazios do texto são preenchidos por projeções, memórias e reflexões do próprio leitor, obrigando-o a reavaliar, questionar e explorar sua imaginação. No entanto, esta atividade do leitor é controlada pela estrutura do texto. A leitura do texto literário é, assim, o resultado da constituição de sentido de experiências anteriores do leitor, mas também da sua imaginação e do não-dito presente no texto.

O presente trabalho é o estudo das principais concepções da Estética da Recepção tendo como base Jauss – método histórico-sociológico. Realizou-se um trabalho de leitura do conto escrito Chapeuzinho Vermelho e a leitura cinematográfica da obra Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho, com intuito de observar a recepção das referidas obras, especialmente, no que dizia respeito aos horizontes de expectativas das crianças.

2. A LEITURA DO TEXTO LITERÁRIO

A Associação de Leitura do Brasil – ALB – discorre, em sua página na Internet, considerações a respeito da leitura. Salientando que, atualmente, a grande discussão a cerca da leitura no Brasil, não está mais direcionada a questão do material escrito e a divulgação deste material, mas como garantir que o acesso à leitura seja efetivo e significativo para a maioria da população.

Ler por ler, de maneira mecânica e automática, não significa que o sujeito está em contato com a cultura letrada e com a educação. Este vem sendo o grande problema a ser enfrentado pelos mediadores da leitura.

Ao pensar em leitura na escola, percebe-se que quando o sujeito tem contato com o meio letrado, mas não tem acesso ao mesmo é o reflexo de algumas práticas de leitura em que apenas se decodifica o código escrito, mas não se estabelece uma relação para a construção de sentidos do texto e do contexto. O leitor fica na superfície, não é questionado, nem questiona sobre as “verdades” apresentadas. Precisa dominar a decodificação do código e encontrar no próprio texto, de forma mecânica, elementos para a “interpretação”. O leitor não faz inferências no texto, nem se preocupa com as intenções ou finalidades do mesmo. Nesse sentido, é passivo diante do texto e suscetível a possíveis manipulações.

Compreende-se que a concepção de leitura presente nestas práticas é aquela em que o leitor é norteado ao sentido único do texto. É uma leitura avaliativa, pois o leitor precisa reproduzir exatamente o que lhe é solicitado. Esta concepção apresenta convicções de que a leitura não deve desenvolver a capacidade de compreensão do texto, mas a de interpretar o que já é pré-estabelecido por alguma autoridade. De acordo com Kleiman (1998: 22), neste tipo de leitura “a contribuição do aluno e sua experiência é dispensável, e a leitura torna-se uma avaliação do grau de proximidade ou de distância entre a leitura do aluno e a interpretação autorizada”.

Por outro lado, os estudos a respeito da leitura, a partir das décadas de sessenta e setenta, têm se apresentado de maneira diferente. De acordo com Batista e Galvão (1999), a partir desses estudos, o texto passa a ter outras dimensões além de si mesmo. A figura do leitor aparece como peça essencial na constituição do texto. E a leitura passa a ser a interação entre as representações existentes neste e os

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conhecimentos do leitor. Nesta visão, o sentido não está aprisionado ao texto, é criado no ato da leitura e pode ser diferenciado, de acordo com as condições sócio-econômico-culturais de cada leitor.

Esta concepção de leitura reflete que o importante não é apenas o texto, mas a relação com o texto. Ler é relacionar conhecimentos implícitos do sujeito com os representados no texto. Confrontar estes conhecimentos e ampliá-los.

Se compete também à escola tornar concreto o contato do leitor com o livro, então ela assume o papel de um dos mais importantes mediadores sociais. Para desempenhar essa função, o sistema de ensino deve promover um diálogo entre texto e receptor, pois a natureza da obra de arte é dialógica. No entanto, o resultado dessa relação depende do modo como a escola atua para desempenhar a sua tarefa, uma vez que ela pode propiciar ao leitor a oportunidade de tornar-se um conhecedor ou um consumidor de literatura.

A leitura do texto literário vista dessa forma corrobora com as elucidações da estética da recepção. A Estética da Recepção tem em vista o propósito de apresentar a leitura da literatura pautada na historicidade da obra de arte, do leitor e do complexo social mais amplo em que estão inseridos obra e leitor.

Sob esse ponto de vista, a estética da recepção toma como objeto de investigação o receptor. Isso exige a construção de uma nova concepção de leitor fundamentada não mais na visão marxista, que o concebe como parte integrante da estrutura social apresentada pela ficção, nem na visão formalista, que necessita dele apenas enquanto sujeito da percepção, capaz de, a partir das pistas textuais, diferenciar a forma e revelar o procedimento. O leitor, como afirma Jauss (1994:23) assume, então, “seu papel genuíno, imprescindível tanto para o conhecimento estético quanto para o conhecimento histórico: o papel de destinatário a quem, primordialmente, a obra literária visa”.

A recepção, assim, é compreendida, conforme explica Bordini e Aguiar (1983:83) “como uma concretização pertinente à estrutura da obra, tanto no momento de sua produção como de sua leitura, que pode ser estudada esteticamente”, considerando, assim, o leitor como um elemento também textualmente marcado na obra de arte literária.

Para Jauss (1994), privilegiar a recepção representa conceber o texto literário como um fato que não se limita à dimensão estética, pois também considera a social. Por conseguinte, desloca-se a concepção de literatura enquanto sistema de sentido fechado e definitivo para a de um sistema que se constrói por produção, recepção e comunicação, ou seja, por um relacionamento dinâmico entre autor, obra e leitor.

Nesse processo de interação, o leitor apresenta um horizonte de expectativas, composto pelo sistema de referências que resulta do conhecimento prévio que o leitor possui do gênero, da forma, da temática das obras já conhecidas/lidas, e da oposição entre as linguagens poética e pragmática:

na experiência literária que dá a conhecer pela primeira vez uma obra até então desconhecida há um “saber prévio” [...] a obra que surge não se apresenta como novidade absoluta num espaço vazio, mas, por intermédio de avisos, sinais visíveis, traços familiares ou indicações implícitas, predispõe seu público para recebê-la de uma maneira bastante definida [...] (JAUSS, 1994: 28).

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O sistema de referências, contudo, não se restringe apenas aos aspectos estéticos da obra, haja vista que no ato da leitura também entra em jogo a experiência de vida do leitor, porque entre a leitura de uma obra e o efeito pretendido, ocorre o processo da compreensão, exigindo do leitor não só a utilização do conhecimento filológico, mas de todo o seu conhecimento de mundo acumulado.

Em vista disso, o conjunto de referências é regido pelas convenções, elencadas por Zilberman, da seguinte forma:

- social, pois o indivíduo ocupa uma posição na hierarquia das

sociedades; - intelectual, porque ele detém uma visão de mundo compatível, na

maioria das vezes, com seu lugar no espectro social, mas que atinge após completar o ciclo de sua educação formal;

- ideológica, correspondente aos valores circulantes no meio, de que se imbuiu e dos quais não consegue fugir;

- lingüística, pois emprega um certo padrão expressivo, mais ou menos coincidente com a norma gramatical privilegiada, o que decorre tanto de sua educação, como do espaço social em que transita. ( ZILBERMAN, 1982:103)

A participação efetiva do leitor nesse processo comunicativo forma a

constituição do sentido e os elementos de indeterminação revelam condições favoráveis para a realização da comunicação, sobretudo, quando o leitor experimenta outro universo apresentado no texto literário:

Só quando o leitor produz na leitura o sentido do texto sob condições que não lhe são familiares (analogizing), mas sim estranhas, algo se formula nele que traz à luz uma camada de sua personalidade que sua consciência descrevera. Tal tomada de consciência, no entanto, se realiza através da interação entre texto e leitor; é por isso que sua análise ganha primazia. (ISER, 1996: 98, v.1)

No processo de realização da leitura literária, o horizonte de expectativas do leitor pode ser satisfeito ou quebrado por uma determinada obra. Dessa relação de satisfação ou ruptura de horizontes pode-se estabelecer a distância entre a expectativa do leitor e sua realização, denominada por Jauss (1994) de distância estética.

Ocorrendo a satisfação, a obra caracteriza-se como sendo “arte culinária” ou de mera diversão, isto é, literatura de massa, visto que não exige nenhuma mudança de horizonte, servindo apenas para reforçar as normas literárias e sociais em vigor. No caso da quebra de expectativas, pode vir a acontecer uma mudança de comportamentos e de normas ou mesmo uma rejeição por parte do público.

Em virtude dessas reações, tem-se a formulação do seguinte preceito teórico: somente a quebra ou a ruptura de expectativas será indicativa do valor estético de um texto. Tal postura, para Zilberman (1989:35), aproxima Jauss dos formalistas e estruturalistas, porque, de certo modo, esse critério adotado recupera o efeito de estranhamento da obra de arte literária proposto por tais teorias.

Mas Jauss defende que é possível, por outro lado, reconstruir os horizontes de expectativas em diferentes momentos históricos. Reconstruir tais horizontes em relação ao processo de produção/recepção, em épocas distintas, significa encontrar as perguntas para as quais o texto constitui uma ou mais respostas. Para Jauss

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(1994), a lógica da pergunta e da resposta é o mecanismo da hermenêutica que permite identificar o horizonte de expectativas do leitor e as questões inovadoras a que o texto apresenta uma ou mais respostas. Também mostrar como as compreensões variam no tempo. Dessa forma, o sentido de um texto é construído historicamente, descartando-se a idéia de sua atemporalidade.

Para a Estética da Recepção, assim, o valor de uma obra literária é

O desdobramento de um potencial de sentido virtualmente presente na obra, historicamente atualizado em sua recepção e concretizado na história do efeito, potencial este que se descortina ao juízo que compreende na medida em que, no encontro com a tradição, ele realize a “fusão dos horizontes” de forma controlada (JAUSS, 1994: 38)

Nesse sentido, as “grandes obras” são as que permanentemente provocam nos leitores, de diferentes momentos históricos, a formulação de novas indagações que os levem a se emanciparem em relação ao sistema de normas estéticas e sociais vigentes.

Para Jauss (1994), a função da literatura é o efeito libertador, fruto do seu caráter social. Na interação texto-leitor, este pode reconhecer-se no outro, rompendo, assim, o seu individualismo e, conseqüentemente, promovendo a ampliação dos seus horizontes e da sua visão de mundo, nas palavras de Jauss

A experiência da leitura logra libertá-lo das opressões e dos dilemas de sua práxis de vida, na medida em que o obriga a uma nova percepção das coisas. O horizonte de expectativas da literatura distingue-se daquele da práxis histórica pelo fato de não apenas conservar as experiências vividas, mas também antecipar possibilidades não concretizadas, expandir o espaço limitado do comportamento social, rumo a novos desejos, pretensões e objetivos, abrindo, assim, novos caminhos para a experiência futura. (JAUSS, 1994: 52)

Nesse sentido, a leitura do texto literário evidencia o papel social da mesma,

porque o leitor pode ampliar as possibilidades de amadurecimentos individual e intelectual e, por conseguinte, compreender melhor a si e ao mundo. 3. A LEITURA DO TEXTO LITERÁRIO NA ESCOLA

O ensino da literatura, atualmente, enfrenta alguns desafios. Bosi (1994), em Os estudos literários na Era dos Extremos discute que o mundo “moderno” evidencia algumas características que, eventualmente, podem dificultar o trabalho com o texto literário: a desmaterialização da literatura pela imagem visual, a transparência que nega a mediação, a substituição dos efeitos poéticos do significado e do significante pelos efeitos imediatos e especiais são algumas dessas características.

O estudo de Bosi(1994) sinaliza para o fato de que não se pode negar o advento da “cultura de massa”, produtora de adaptações e best sellers, pois é essa linguagem que, se por um lado, afasta os alunos da profundidade literária, por outro, é uma forma de representação que mimetiza a história social, que produz a arte catártica

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do homem contemporâneo e, por ser a linguagem que o representa é com ela que, primordialmente, estabelecerá diálogos e nela reconhecerá a presença do que satisfaz seus interesses e necessidades.

Por estar instituída essa situação, a escola precisa fazer um movimento paralelo, projetando o olhar do indivíduo para outra direção, mas sem lhe negar as linguagens que o estão “educando” fora do contexto escolar. Entretanto, a massificação total da literatura e de outras artes, precisa ser olhada com cuidado, não se pode negar o direito a uma prática profunda de leitura do texto literário, na qual o leitor não seja subvertido a ordem dominante que incita a alienação, mas consiga fugir à regra de como se lê atualmente (superficialmente e decodificando palavras). É preciso despertar no leitor atitudes de leitura que (re) mexam com seus conceitos já estabelecidos, instigando-o a reflexão.

Resistir a essa massificação não significa negá-la, mas sim, enxergá-la enquanto manifestação cultural de um período específico. Criando uma prática pedagógica que associe a cultura escolar e literária, a esses elementos de massa. Por meio de uma interação entre linguagens, pode-se promover interações entre a versão estética consagrada pelos tempos e a versão estética que consagra o tempo atual.

3.1 O cinema como recurso no ensino da Literatura

Em uma sociedade em que as imagens visuais são protagonistas das

atividades comunicativas é importante que a escola se utilize desse suporte no processo de ensino-aprendizagem, na formação do leitor e produtor de atos comunicativos eficientes. No entanto, essa utilização precisa ser feita de maneira séria, consciente, integrada ao planejamento pedagógico, promotora da intertextualidade, da ilustração, da análise, da reflexão, enfim, com fins didáticos claros e específicos.

O cinema é uma manifestação artística produzida pelo homem e como tal é capaz de revelar-lhe e provocar-lhe a consciência, desestruturar a cadência da objetividade e revelar as várias nuanças da existência humana.

Apesar dessa amplitude de possibilidade de utilização didática, ainda hoje, o cinema apresenta-se como objeto estranho em sala de aula, pois apesar de ter (dependendo da escolha feita pelo professor) as funções acima aludidas, não é entendido como fonte importante de conhecimento.

O advento do vídeo e do DVD e a conseqüente democratização do acesso às obras cinematográficas facilitou a utilização do cinema pelos professores. No entanto, este recurso vem sendo usado ora como um importante recurso pedagógico, ora sem fim pedagógico definido, ou seja, o filme não é apresentado com a intenção de promover um processo de ensino-aprendizagem, ele apenas substitui atos pedagógicos, como se fosse uma “caixa de ilusões” que hipnotiza com suas formas em movimento e seus sons encantatórios, e sugere a ilusão de que a construção do conhecimento está acontecendo.

Há, portanto, professores que, por falta de informação, empregam o filme em sala de aula apenas como entretenimento. Assim, a ausência de um planejamento pedagógico em que se inclui o filme, exclui a função didática do mesmo, gerando prejuízo ao processo educacional.

A exibição de filmes sem intuito educacional esclarecido, em um primeiro momento é bem aceita pelos alunos, pois eles sentem a aula como uma espécie de extensão de suas casas _ como algo prazeroso. Em um segundo momento, surte o efeito

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contrário, pois se começa a questionar a imprecisão da escola em desempenhar seu papel, que é ensinar, utilizando as várias linguagens e recursos comunicativos.

É importante salientar que o ensino do texto literário não pode ser visto como pretexto para se ensinar regras de linguagem, tampouco valores pré-estabelecidos por uma determinada parcela social. O ensino da literatura precisa assumir uma função ampla que é a de instigar no indivíduo a reflexão e o conhecimento de si mesmo e do mundo.

4. LEITURA CINEMATOGRÁFICA DO CONTO CHAPEUZINHO VERMELHO

O cinema se propõe como um elemento facilitador e como importante elemento de ilustração. Sua contribuição tem importância singular, já que ele concretiza e expõe figurativamente as visões que a sociedade tem do universo, convidando o sujeito a se posicionar em relação a ela. É função do professor, conhecer as finalidades desse elemento e utilizá-lo em sala de aula como recurso didático e não como “apoio pedagógico” sem objetivos específicos.

Outro aspecto a se considerar e refletir sobre a relação cinema X ensino de literatura é que alguns filmes são, equivocadamente, utilizados para cumprir a função de substituir a leitura, como é o caso das adaptações de obras consagradas da literatura. Ocorre que, pelo fato de muitos professores não utilizarem essas obras para deflagrar discussões em sala, acerca do processo de adaptação de uma obra literária para o cinema, da intertextualidade promovida por esse diálogo, da interpretação pessoal do texto feita pelo roteirista, que necessariamente filtra a produção do roteiro, assim como faz o diretor que medeiam a construção do filme e do olhar do expectador. Por não terem essas noções, os alunos preocupando-se com, apenas, a apreensão do enredo, imaginam que os filmes são reproduções literais dos textos literários e o assistem como subterfúgio da leitura densa, da construção de análises próprias e, sendo assim, ficam desprovidos tanto do conhecimento da própria obra literária, quanto do processo de adaptação cinematográfica.

No trabalho com este recurso é preciso, além de fazer uma apresentação inicial, juntamente com a exposição dos objetivos é interessante que o professor provoque o olhar do aluno, fazendo intervenções pontuais, pausando o filme no momento em que estiver proferindo o discurso, a fim de que o expectador realmente participe do momento de reflexão. É importante ressaltar que as intervenções precisam ser pontuais, elucidadoras e breves, para que o aluno não se disperse ou se desinteresse pela obra cinematográfica; intervenções recorrentes podem irritar e roubar o prazer da leitura pessoal. 5. COMO FOI A RECEPÇÃO DO CONTO CHAPEUZINHO VERMELHO?

Este trabalho foi desenvolvido com alunos da 4ª série, do período matutino de uma escola municipal do noroeste do Paraná, na disciplina Literatura infantil.

A proposta foi realizar uma leitura do conto de fadas Chapeuzinho Vermelho com as crianças, após a leitura, fazer algumas reflexões tanto da estrutura do texto como da temática e das situações vividas pelas personagens. Assim que dialogaram bastante com a obra clássica, foi proposto a leitura da obra cinematográfica Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho, observando as reações dos receptores em relação a transformação cultural das personagens e do próprio enredo da narrativa clássica.

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Para este trabalho, utilizou-se quatro etapas. A primeira sendo a leitura do conto em que o mediador de leitura leu, em voz alta, a história, mostrando as ilustrações do livro e interrompendo sempre que necessário para os comentários dos alunos. Nesse momento de leitura, embora a grande maioria já tivesse tido contato com a obra anteriormente, todos demonstraram interesse em ouvir o conto e participaram ativamente.

Após este primeiro momento, realizou-se, oralmente, uma leitura estrutural-interpretativa da obra, orientando-os por perguntas como: Quem são os personagens da história? Quem é a personagem principal? Por quê? Quem é o vilão da história? Por quê? Qual dos personagens da história é o mais esperto/sábio? Por quê? O que motivou a personagem principal a atravessar a floresta e levar doces para sua avó? Ela poderia ter encontrado uma outra maneira de chegar à casa da avó? Qual? Na sua opinião, qual foi a parte mais emocionante da história? Por quê? Você acha que poderia haver outro desfecho/final para a história? Qual? Se você pudesse ser um dos personagens da história que acabamos de ler, qual seria?

Esta discussão também foi bastante fervorosa, pois todos queriam dizer o que pensavam e é preciso deixar bem claro, antes de iniciar um trabalho desse tipo, as regras da atividade: falar um de cada vez, levantar o braço para falar, respeitar uma opinião diferente da sua, saber ouvir, dentre outras, para não parecer que a aula está sendo usada sem nenhum propósito e para que os alunos, de fato, consigam ouvir-se, compreender e vivenciar a obra.

Em outra aula, realizou-se a projeção do filme Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho. Antes de iniciar, porém, o mediador de leitura fez uma breve explicação de que aquele filme era uma releitura do conto Chapeuzinho Vermelho que já tinha sido lido e discutido anteriormente. Orientou que, ao assistirem ao filme, ficassem atentos às características de cada personagem e, principalmente, ao enredo, a história narrada no filme.

O filme conta a história do roubo de um livro de receitas e, por isso Chapeuzinho Vermelho, o Lobo Mau, o Lenhador e a Vovó estão sendo investigados pela polícia. O desfecho da história é a descoberta de que o verdadeiro larápio é o coelho, funcionário do “bondinho”, meio de transporte da floresta.

Os personagens do filme, são caracterizados da seguinte maneira: Chapeuzinho vermelho é uma menina super esclarecida que usa roupas da moda e ajuda a Vovó na entrega dos doces que faz. O Lobo Mau, não é tão mau, é um jornalista pacato que vive de suas matérias. O lenhador é um ator, muito ruim, por sinal, que se atrapalha todo em uma simples representação. A Vovó, por sua vez, é uma senhora que se sente na “melhor idade”, nos momentos de lazer, pratica esportes radicais.

Durante a apresentação do filme, percebeu-se que as crianças se sentiram desafiadas, porque todo o sistema de referências que os leitores possuíam do gênero, da forma, da temática da obra foi colocado em cheque, com personagens tão originais que, a todo tempo, os alunos tentavam compreender porque as personagens estavam agindo dessa ou daquela maneira.

Mesmo vendo que se questionavam entre si, o mediador de leitura não interrompeu, deixou que eles conhecessem e refletissem sobre a imagem daqueles clássicos personagens que se revestiam em uma roupagem totalmente nova.

Em relação à recepção, percebeu-se que os horizontes de expectativas dos leitores foram totalmente rompidos. Nenhuma das crianças imaginava que os personagens do filme assumiriam papéis tão diferenciados que os do conto. Nem tão

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pouco, esperavam que o enredo da narrativa se transformasse tão radicalmente. Isso ficou evidente, por meio dos comentários que faziam durante a apresentação do filme: “Essa Vovó, fala sério, hein! Ela é muito massa!”.

Após o filme, novamente levou-se à discussão a obra de arte. Agora, inevitavelmente, havia uma comparação entre o clássico e o “moderno”. Começou-se a discussão seguindo os mesmos parâmetros que as do conto com questionamentos tais como: Quem são os personagens do filme? Qual é a personagem principal? Quem é o vilão dessa história? Por quê? Qual dos personagens da história é o mais esperto/sábio? Por quê? Por que o coelho roubou o livro de receitas? O que você achou da atitude do coelho? Como as outras personagens conseguiram provar que eram inocentes? O que você achou da atitude delas? Em sua opinião, qual foi a parte mais emocionante da história? Por quê? Você acha que poderia haver outro desfecho/final para a história? Qual? Se você pudesse criar um filme recontando o conto Chapeuzinho Vermelho, como seria?

Nesse momento do trabalho, foi muito mais tranqüila a discussão, porque já haviam feito antes com o conto e também todos queriam ser ouvidos e, por isso ouviam atentamente os colegas.

Verificou-se que, por meio desta reflexão, pode-se restabelecer os horizontes de expectativas dos leitores do conto Chapeuzinho Vermelho e, de certa forma, ampliá-los, pois os alunos perceberam que o texto não é rígido, fechado, sem vida e que é possível dialogar com o mesmo de uma maneira bastante significativa. A participação efetiva dos leitores no ato da leitura constituiu sentidos para os textos lidos.

A personagem da versão cinematográfica que mais chamou atenção dos alunos foi a Vovó, segundo o que comentaram depois de terem assistido ao filme, devido ao fato de terem se identificado com ela, pois a ela mostrou gostar de coisas que eles também gostam A personagem Vovó, caracterizada dessa maneira, chamou-lhes tanto a atenção que contaram detalhes do que ela havia feito e preencheram muitos aspectos que não fora dito no filme – os espaços vazios – como acreditarem que próximo a casa da Vovó existe uma pista de skate.

Além disso, percebeu-se que o prazer era latente tanto na leitura do conto escrito como na leitura do conto cinematográfico. Isto porque, primeiramente a leitura realizada foi de encontro com as expectativas dos leitores para depois extrapolá-las.

Nesse jogo em que o leitor participa ativamente no ato da leitura sendo co-produtor da obra é um momento de prazer, pois estimula o imaginário. Dessa forma, O prazer não está pré-estabelecido no texto, mas surge no jogo entre leitor e texto, no espaço da leitura.

Para finalizar, ressalta-se a importância da realização de uma leitura significativa do texto literário que, por vezes, extrapole os horizontes de expectativas do leitor.

Na leitura, realizada, a qual se relata neste trabalho, ficou evidente que os horizontes foram rompidos levando os receptores da obra literária Chapeuzinho Vermelho (re) pensar sobre os próprios conceitos.

Sendo assim, mesmo dirigida a um público que variava entre dez e doze anos, o Conto de Fadas não foi rejeitado, pelo contrário, atualizou-se e concretizou-se novamente no ato da leitura. A versão cinematográfica foi um recurso utilizado pelo mediador da leitura para provocar as reflexões acerca da obra de arte literária.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ensinar, atualmente, seja literatura ou qualquer outra disciplina, requer a

percepção do mundo e das diversas linguagens que cercam o aluno fora da escola. A literatura institucionalizada precisa aconchegar o aluno e não afugentá-lo. Para isto, é necessário conhecer cada vez mais o universo do aluno e utiliza-lo como recurso no processo de ensino-aprendizagem.

Vale frisar que estas diferentes linguagens, o cinema, a internet ou qualquer outro meio tecnológico servem como um recurso, mas não substituem a função do mediador de leitura ou mesmo dos conteúdos escolares.

Diante do que foi discutido acima, podemos refletir, ainda, sobre o papel do mediador da leitura do texto literário. Este não pode apresentar-se como “o senhor das letras” que tudo sabe e que tudo conhece sobre literatura. Pelo contrário, deve ser um facilitador entre o diálogo do texto com o leitor e do leitor com o texto.

Outro fator importante é estar atento aos horizontes de expectativas que envolvem a obra. Criar situações de leitura em que o leitor efetivamente possa interagir com a obra (confirmando ou extrapolando os horizontes de expectativas) para, então, desfrutar do prazer e da fruição estética que a obra de arte literária proporciona.

REFERÊNCIAS

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BORDINI, Maria da Glória, AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura - a formação do leitor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.

BOSI, A. Os Estudos Literários na Era dos Extremos. Rio de Janeiro: São Paulo,1994.

ISER, Wolfgang. O ato de leitura: uma teoria do efeito estético. Tradução: Johannes Kretschmer. São Paulo: Ed. 34, 1996, v. 1.

ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. Tradução: Johannes Kretschmer. São Paulo: Ed. 34, 1999a, v. 2.

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KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura: teoria e prática. São Paulo: Pontes, 1998.

ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil e o leitor. In: ZILBERMAN, Regina; CADEMARTORI, Lígia Literatura infantil: autoritarismo e emancipação. 2. ed. São Paulo: Ática, 1982, p. 61-134.

ZILBERMAN, Regina. Estética da Recepção e História da Literatura. São Paulo, Ática, 1989.