quem tem medo de simone

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Há quem goste de dizer que O Segundo Sexo é um livro ultrapassado. Podemos nos perguntar,ultrapassado para quem? Não certamente para o Brasil, infelizmente, atrasado em tudo o quemais importa relativamente a gênero: questões como legalização do aborto, equiparaçãosalarial e, em um nível cotidiano, a desigualdade doméstica que faz pesar em escala privada asnaturalizações gritantes na escala pública. O Brasil é atrasado e está afundando cada vez maisno obscurantismo no que tange ao tema gênero, sobretudo quando surgem fatos como arecente retirada da questão das metas da educação nacional. Raça e classe social também sãoassuntos que precisam ser mantidos longe para a manutenção da miséria da educaçãobrasileira que contribui, por sua própria inanição, para uma cultura cada vez maisempobrecida no que se refere à reflexão que, na base de tudo, poderia orientar ações em outradireção. Ora, fazer feminismo hoje implica perceber os arranjos da dominação de gênero etodas as demais formas de dominação.

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  • 17/09/2015 Revista Cult Quem tem medo de Simone de Beauvoir - Revista Cult

    http://revistacult.uol.com.br/home/2015/07/quem-tem-medo-de-simone-de-beauvoir/ 1/5

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    Quem tem medo de Simone de Beauvoir

    Publicado tambm no Correio do Povo de Porto Alegre

    Se hoje em dia fizssemos uma resenha de O Segundo Sexo, livro publicado por Simone deBeauvoir em 1949, portanto, h mais de sessenta anos, ainda estaramos sendo atuais.

    H quem goste de dizer que O Segundo Sexo um livro ultrapassado. Podemos nos perguntar,ultrapassado para quem? No certamente para o Brasil, infelizmente, atrasado em tudo o quemais importa relativamente a gnero: questes como legalizao do aborto, equiparaosalarial e, em um nvel cotidiano, a desigualdade domstica que faz pesar em escala privada asnaturalizaes gritantes na escala pblica. O Brasil atrasado e est afundando cada vez maisno obscurantismo no que tange ao tema gnero, sobretudo quando surgem fatos como arecente retirada da questo das metas da educao nacional. Raa e classe social tambm soassuntos que precisam ser mantidos longe para a manuteno da misria da educaobrasileira que contribui, por sua prpria inanio, para uma cultura cada vez maisempobrecida no que se refere reflexo que, na base de tudo, poderia orientar aes em outradireo. Ora, fazer feminismo hoje implica perceber os arranjos da dominao de gnero etodas as demais formas de dominao.

    Neste cenrio, o contedo de O Segundo Sexo assusta. Salvo excees, as feministascomprometidas com a teoria para o qual o livro um clssico, ningum leu as duas mais dequinhentas pginas. Dizer que um clssico tambm pode ser pouco profcuo. Seria melhorque as pessoas tratassem O Segundo Sexo como auto-ajuda ou at como bula de remdio,perdessem o medo de Simone de Beauvoir, e o lessem de uma vez em favor da cultura. Eledeveria ser lido no por feministas apenas, mas por mulheres, homens e todos as pessoas que,de um modo ou de outro, esto marcados pela questo de gnero, porque se trata de um livrobsico, que nos ensina a pensar sobre as desigualdades e privilgios de gnero, aqueles queexperimentamos como os mais naturais sem perceber como nos marcam. Em palavras bemsimples: quem nunca se sentiu incomodada por ser marcada como mulher antes de ser umapessoa como qualquer outra?

    O livro de Simone de Beauvoir foi fundamental para colocar os pingos nos is dessa questo. Seo feminismo sempre foi a teoria que buscou legitimar a reivindicao de direitos para asmulheres, com Simone de Beauvoir ele se tornou a conscincia crtica e, ao mesmo tempo,transformadora da desigualdade de gnero. A frase ningum nasce mulher, mas se tornadesmascara a inveno histrica que fez padecer homens e mulheres sob esteretipos emnada relacionados sua auto-compreenso subjetiva. Com essa ideia comea o que muitoschamam de segunda onda do feminismo caracterizada justamente pela desmontagem daquesto de gnero.

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    A filsofa Simone de Beauvoir

    Quem defende ou elogia hoje a teoria queer, que realmente uma teoria riqussima, no se dconta de que no Brasil no chegamos nem bsica teoria feminista de Simone de Beauvoir quequestiona a condio feminina que permanece naturalizada entre ns nos estratos maisfundamentais da cultura. A naturalizao o que experimentamos no dia a dia quandovivemos dentro do binarismo homem-mulher considerando todas as formas que no seencaixem nesse padro heterossexual como inadequadas, seno como um erro da natureza.No que concerne ao gnero isso implica diviso do trabalho, dentro e fora de casa, e umsistema de preconceitos que converge com os privilgios masculinos.

    Simone de Beauvoir aposta na crtica do patriarcado enquanto analisa sua histria e maisainda, ela aposta na autocrtica da condio feminina e se afasta, por meio dela, da vitimizaocom que as mulheres, camuflando uma fragilidade totalmente fictcia, se protegeram doshomens. A vitimizao muitas vezes a estratgia de certos feminismos que no percebem suaarmadilha enquanto, ao mesmo tempo, reproduzem o patriarcado por meio de suasustentao. Com isso, Beauvoir no quer dizer que no existam vtimas, mas que a vtimafeminina forjada dentro do patriarcado. E que as posturas que no a superam, reproduzemaquilo que gostariam de negar. Assim, a diferena entre uma vtima concreta e aquilo quepodemos chamar de vtima ideolgica, o sujeito da proscrio, precisa ser desfeita, pois essaestrutura acaba por se reproduzir simbolicamente fazendo repetir-se o prprio sistema em que gerada. Para citar outros feministas, aqueles que publicaram a Dialtica do Esclarecimentodois anos antes de O Segundo Sexo, o proscrito desperta o desejo de proscrever. Em palavrasmais simples: uma mulher frgil desperta o desejo de fragilizar. Um vtima em potencial umconvite para a agresso. Por isso, cabe perguntar com Simone de Beauvoir, como a mulher fazo aprendizado da condio de frgil e de vtima? Se uma resposta j no pode se sustentar doponto de vista da natureza, que cultura essa que a inventa?

    O que se ganha a manuteno do poder na mo de homens, mas no s, na mo de todosaqueles que pregam a moral-violncia machista contra a qual devemos sustentar uma tico-poltica feminista que inclua todos as pessoas em um cenrio de direitos e de respeito singularidade para alm de marcaes.

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    Marcos Azeredo 2 meses atrs

    No li O Segundo Sexo, de Beauvoir, por isto no posso dar uma opinio, mas li

    A Mulher Desiludida, um livro de contos muito bens escritos, talvez um dos

    melhores livros de contos que eu j li, com contos bem caractersticos da poca

    que escreveu, os anos 60, poca em que a revoluo estava no ar, e mexeu

    com as estruturas das sociedades ocidentais. O bom dela que era de uma

    famlia rica conservadora burguesa, e que acabou se juntando ao seu

    companheiro por toda a vida, Jean-Paul Sartre, um dos maiores filsofos de

    todos os tempos, autor de Critique de la raison dialectique, 1960, alm do

    clssico L'tre ete le nant, 1943. Simone de Beauvoir foi fundamental na vida

    cultural francesa do sculo XX, marcando com qualidade o debate intelectual do

    seu tempo, mas o que no vejo com bons olhos so algumas feministas

    deturpando alguns conceitos como esta mulher atual, ela sempre valorizou os

    homens, sempre atuou ao lado de Sartre nas jornadas culturais e polticas do

    seu tempo. Colaborou com a revista fundada por Sartre Les Temps Modernes,

    um marco na histria do debate intelectual poltico e literrio do ano de 1945 at

    os agitados anos 60. Uma mulher brilhante, que infelizmente hoje em dia no

    existe mais este tipo de mulher, intelectual, engajada, parceira, preocupada com

    os destinos da humanidade, como disse uma ver o escritor Ernesto Sbato,

    autor de O Tnel: " O escritor no pode ficar alheio aos dramas da humanidade"

    E Simone foi isto, uma mulher

    corajosa, inteligentssima, uma mulher que marcou seu tempo, com dedicao e

    escreveu obras fundamentais para entender aqueles tempos de paixes

    ideolgicas intensas, merece ser sempre bem lembrada como uma mulher de

    atitude rara, sabia cativar o seu pblico, tinha charme e doura que s uma

    mulher sbia sabe fazer.

    1

    Responder

    Jorge Daros um ms atrs> Marcos Azeredo

    Fao minhas, tuas palavras, Marcos. Li quase todos os livros de Sartre e

    de Simone, dois cones da literatura, da filosofia e da poltica mundial.

    No sei de algum que mais influenciou nas mudanas sociais do que

    eles a partir da dcada de 60. Raras criaturas. Por uma feliz coincidncia

    estou lendo, pela segunda vez, o Tnel, do admirvel Ernesto Sabato.

    Parabns. Um abrao. Jorge Daros - Cricima - SC

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  • 17/09/2015 Revista Cult Quem tem medo de Simone de Beauvoir - Revista Cult

    http://revistacult.uol.com.br/home/2015/07/quem-tem-medo-de-simone-de-beauvoir/ 4/5

    Marcia Tiburi filsofa

    Marcia Tiburi graduada em filosofia e artes emestre e doutora em filosofia. Publicou div ersosliv ros de filosofia, entre eles As Mulheres e aFilosofia (Ed. Unisinos, 2002), Filosofia Cinza amelancolia e o corpo nas dobras da escrita(Escritos, 2004); Mulheres, Filosofia ou Coisas doGnero (EDUNISC, 2008), Filosofia em Comum(Ed. Record, 2008), Filosofia Brincante (Record,201 0), Olho de Vidro (Record 201 1 ), FilosofiaPop (Ed. Bregantini, 201 1 ) e Sociedade Fissurada(Record, 201 3). Publicou tambm romances:Magnlia (2005), A Mulher de Costas (2006) e OManto (2009), Era meu esse Rosto (Record, 201 2). autora ainda dos liv ros Dilogo/desenho,Dilogo/dana, Dilogo/Fotografia eDilogo/Cinema (ed. SENAC-SP).

    professora do programa de ps-graduao emEducao, Arte e Histria da Cultura daUniv ersidade Mackenzie e colunista da rev istaCult.

    EDIO 205

    EDIES ANTERIORES

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    http://revistacult.uol.com.br/home/2015/07/quem-tem-medo-de-simone-de-beauvoir/ 5/5

    TWITTER

    Leia um trecho de entrevista com a filsofa

    Judith Butler publicada na edio 205 da revista

    CULT. revistacult.uol.com.br/home/2015/09/t

    Revista Cult

    @revistacult

    Mostrar Resumo

    "a masculinidade: ela no pertence aos homens

    e ela circular". Marie-Hlne/Sam Bourcier, na

    @revistacult desse ms.

    Retweetado por Revista Cult

    natalie

    @natcatu

    Expandir

    Renan Quinalha analisa os avanos e bloqueios

    nas negociaes de paz entre as FARC e o

    governo colombiano. goo.gl/95Fj9w

    Revista Cult

    @revistacult

    Mostrar Resumo

    Em seu blog, a filsofa @marciatiburi escreve

    sobre o apagamento histrico dos povos

    indgenas brasileiros. goo.gl/E71UeF

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