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1 Quatro Capitais, Quatro Praças Cívicas Resumo Este artigo analisa as praças de caráter cívico das nossas novas capitais – Belo Horizonte, Goiânia, Brasília e Palmas –, no campo das idéias e das experiências urbanísticas brasileiras resultantes do saber erudito e forjadas entre o fim do século XIX e o momento atual. O estudo objetiva observar como o desempenho da configuração legitima diferentes conceitos, idéias e formulações – os quais permearam esse período de tempo – e correlacionar os atributos da forma-espaço das praças a maiores ou menores níveis de urbanidade/formalidade. A percepção das mudanças nos espaços públicos abertos produzidos nos leva a refletir sobre a construção, a circulação de idéias no campo do urbanismo, a interlocução entre países, e a transformação de modelos internacionais adaptados à realidade brasileira. É interessante, a partir dessa percepção, relacionar os atributos da forma-espaço das praças representantes de cada momento a uma dimensão fundamental do espaço público – aquela relacionada à intensidade de uso e ocupação pelas pessoas.

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Quatro Capitais, Quatro Praças Cívicas

Resumo

Este artigo analisa as praças de caráter cívico das nossas novas capitais – Belo Horizonte,

Goiânia, Brasília e Palmas –, no campo das idéias e das experiências urbanísticas brasileiras

resultantes do saber erudito e forjadas entre o fim do século XIX e o momento atual. O estudo

objetiva observar como o desempenho da configuração legitima diferentes conceitos, idéias e

formulações – os quais permearam esse período de tempo – e correlacionar os atributos da

forma-espaço das praças a maiores ou menores níveis de urbanidade/formalidade. A percepção

das mudanças nos espaços públicos abertos produzidos nos leva a refletir sobre a construção, a

circulação de idéias no campo do urbanismo, a interlocução entre países, e a transformação de

modelos internacionais adaptados à realidade brasileira. É interessante, a partir dessa percepção,

relacionar os atributos da forma-espaço das praças representantes de cada momento a uma

dimensão fundamental do espaço público – aquela relacionada à intensidade de uso e ocupação

pelas pessoas.

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1. Premissas

O estudo interpreta a configuração de praças cívicas brasileiras em quatro capitais – Belo

Horizonte (Praça da Liberdade), Goiânia (Praça Cívica), Brasília (Praça dos Três Poderes) e

Palmas (Praça dos Girassóis) –, investigando o confronto entre os conceitos subsidiadores das

correspondentes propostas urbanísticas e a forma-espaço resultante. Para o propósito, além da

abordagem historiográfica, são adotados procedimentos morfológicos que permitem interpretar as

relações entre os elementos componentes de tais estruturas urbanas.

Neste sentido, a análise ocorre tomando por base a ferramenta do mapa axial,

recomendada pela Teoria da Lógica Social do Espaço ou Sintaxe Espacial (HILLIER E HANSON,

1984; HILLIER, 1996), útil para descrever movimento e os diversos aspectos a ele relacionado,

como o uso e a ocupação do solo. Com base no mapa axial, desenhado a partir da geometria da

cidade simplificada em linhas correspondentes aos eixos de circulação (normalmente as vias de

veículos), é possível calcular a relação topológica entre elas e apurar, dentre outras coisas, a

medida de integração – que diz quão acessível é uma linha considerando-se todas as linhas do

sistema urbano1. As medidas obtidas pelo instrumental permitem a verificação dos

correspondentes graus de utilização do espaço urbano em relação à cidade como um todo,

tornando possível observar, quando correlacionadas com demais variáveis, o desempenho de

espaços públicos tão emblemáticos como os que aqui serão explorados.

1.1 Urbanidade e Formalidade

Ao falar de espaço público, remetemo-nos ao espaço da cidade que tem sido

necessariamente definido como um mecanismo para a geração de encontro – como destacamos

anteriormente. Então, o espaço público aberto representa um local em que o contato entre

pessoas se torna encontro, reunião, interação; ou seja, é um lugar onde as pessoas que estão

passando finalmente pausam e se aglomeram. Não obstante, alguns espaços podem aglomerar

mais pessoas que outras, apresentando maiores ou menores níveis de presença/ausência de

pessoas.

Para a discussão, a urbanidade2 é um conceito proposto por Holanda (2002) que nos

interessa a partir do momento em que nos propomos a analisar a presença/ausência de pessoas

no espaço público aberto. Fisicamente, a urbanidade caracteriza: a) minimizar espaços abertos

em prol dos ocupados; b) menores unidades de espaço aberto (ruas, praças); c) maior número de

1 Na Teoria da Sintaxe Espacial, o número de linhas que é preciso minimamente passar para se chegar de certa linha a outra qualquer do sistema caracteriza a acessibilidade topológica da linha ante ao sistema inteiro. As linhas de cor mais quente são as mais integradas, e as de cor mais fria são mais segregadas. 2 A palavra “urbanidade” é interessante para os fins a que o autor a propõe por comunicar simultaneamente idéias relativas ao espaço físico - e, portanto a padrões espaciais - e idéias relativas a comportamentos humanos - e, portanto à vida espacial e à vida social. “Urbanidade” obviamente se refere à cidade, enquanto realidade física, mas também à qualidade de “cortês, afável, relativo à negociação continuada entre interesses.” HOLANDA, 2002.

3

portas abrindo para lugares públicos (jamais paredes cegas); d) minimizar espaços segregados,

guetizados (becos sem saída, condomínios fechados) e efeitos panópticos pelos quais tudo se vê

e vigia.

O que é contrário à urbanidade apresenta-se como atributos ou variáveis que tendem à

formalidade3. Holanda (2002) esclarece, no entanto, que essas são tendências polares de um

modelo teórico e quando analisamos as variáveis indicativas de formalidade ou urbanidade, pode

haver conflito entre atributos de um mesmo espaço, alguns pertencendo ao paradigma da

formalidade, alguns ao paradigma da urbanidade.

Considerando-se as praças, podemos inferir que espaços maiores significam

historicamente mais formalidade. Grandes espaços implicam ocupação humana rotineira rarefeita,

são espaços onde a dimensão simbólica predomina. De maneira mais simples, as grandes

dimensões tendem a diminuir o número de usuários das praças, pois prejudicam o contato visual e

interpessoal. Em praças de dimensões muito extensas, a utilização cotidiana costuma ser

pequena e essas ficam vazias, podendo ser utilizadas em eventos de maior amplitude tendo sua

capacidade máxima atingida muitas vezes – em festas e comemorações especiais (e.g.,

Esplanada dos Ministérios, em Brasília).

Fachadas cegas – sem janelas e portas – são consideradas prejudiciais a uma cena

urbana animada e configuram também, um atributo de formalidade. As relações entre interior e

exterior diretas, concretas, instrumentais, são um atributo que acompanha, historicamente, um

sistema de encontros intenso, diário e secular no domínio público.4 Ou seja, a praça permeável –

sem barreiras físicas ou visuais, alimentada por portas de edifícios que se abrem pra ela, além

das janelas que proporcionam ver e ser visto –, tem grande potencial para vir a ser um lugar bem

utilizado.

As praças que têm um uso restrito (seja ele cívico, comercial, religioso ou lazer

exclusivamente) podem ser subutilizadas quando não estiver ocorrendo o uso para que foram

conformadas, mas caso tenham uma configuração que permita usos distintos pode cumprir melhor

seu papel social de espaço de encontros. Portanto, uma configuração que facilite a multiplicidade

de usos atesta maior urbanidade ao lugar.

Praças que estão em locais bem integrados dentro do tecido urbano de cada cidade,

conectadas a vias arteriais na maioria dos casos, apresentam um fator a mais que favorece a

urbanidade no nível global – que considera a praça dentro do sistema que é a cidade como um

todo. Caso estivessem em lugares segregados, poderiam funcionar como um privilégio para um

grupo restrito de usuários. Mas, estando bem integradas, permitem o acesso e o encontro de 3 “Formalidade” vem de “formal”, relativo a “forma”, mas de uma certa maneira: “que não é espontâneo; que se atém a fórmulas estabelecidas; convencional.” “Formalidade” também é uma “maneira expressa de proceder; aquilo que é de praxe, rotina”. HOLANDA, Op. cit. 4 Holanda (2002) ressalta que se mantivermos as janelas, mas eliminarmos as portas, teremos, por exemplo, um dos mais típicos atributos dos assustadores espaços urbanos desertificados de tantos esquemas modernistas através do mundo. HOLANDA, Op. cit.

4

diferentes pessoas e na diversidade tornam a vida urbana mais intensa, favorecendo a

urbanidade.

2. A praça

Uma revisão na literatura mostra que os estudos sobre as tipologias das praças podem

ser, de maneira geral, divididos em dois grupos: primeiro os que concentram seus estudos na

morfologia ou forma-espaço, e segundo, os que se direcionam para a investigação da mudança

dos usos ou função das praças5. Ambas as visões revelam características que acompanham o

desenvolvimento de novas tipologias em função de sua adequação às mudanças que ocorrem na

sociedade.

Caldeira (2007) analisa a trajetória da praça brasileira atrelada ao desenvolvimento dos

processos urbanísticos no nosso território, e propõe-se a investigar o caráter simbólico do espaço

praça nos diversos momentos de ruptura e mudança estrutural no desenho da cidade. A análise

da autora perpassa a apropriação pela sociedade de tal espaço e a concepção configuracional

das praças – em particular, a mudança da constituição espontânea do espaço (praça) para o

espaço projetado, visto como um objeto concebido a partir de um "modelo" de cidade.

Segundo Manuel Teixeira (2001) apud Caldeira (2007), no Brasil, as primeiras praças

geometrizadas surgem no século XVI, vinculadas a espaços religiosos, afirmando seu rigor formal

ao longo dos séculos XVII e XVIII. Paulatinamente, as praças recebem tratamento especial,

assumindo escalas compatíveis com sua importância simbólica e constituem pontos focais

urbanos, possibilitando maior riqueza de perspectivas a partir dos edifícios que as limitam.

Ilustrações 1 e 2 - O adro da Igreja São Francisco de Assis em João Pessoa e a Praça Marechal Deodoro,

em Porto Alegre, onde são lindeiros a Igreja Matriz, o Palácio Piratini, a Assembléia Legislativa e o Teatro

São Pedro. Fonte: ROBBA, 2002, p. 18 e 19.

Do século XVII adiante, a praça vai adquirindo o papel de gerador do traçado e passa a

ser concebida como “centro simbólico, funcional e formal da cidade” onde se implantavam os

principais edifícios institucionais da cidade – nomeadamente a Casa de Câmara e Cadeia, a Santa

Casa de Misericórdia, e a Igreja Matriz. Essas edificações importantes articulam-se à geração de

um espaço livre destinado à aglomeração popular e reunião cívica – essa estratégia, de certo

5 MELIK, 2008.

5

modo, revela uma intenção de controle, quando algumas funções administrativas se concentram

em locais específicos, conferindo às ruas as funções de ligação e acesso a esses pontos

principais. O padrão de configuração dessas praças dava-se então, a partir das edificações do seu

entorno, elas eram configuradas pelo casario ao seu redor. Podemos inferir que nesse momento

aparecem as primeiras composições espaciais que originam nossas praças cívicas.

O segundo momento de formação de nossas praças cívicas, segundo Caldeira (2007),

ocorre no período de consolidação das capitais estaduais, após a proclamação da República, com

a implantação do aparato político-institucional – Palácio do Governo, Palácio da Justiça,

Secretarias, Assembléias. Essas praças da República são espaços do poder republicano, quase

sempre se baseiam na estética francesa, explorando a composição cênica de jardins distribuídos

geometricamente com grandes perspectivas visuais. A Praça da Liberdade, na cidade de Belo

Horizonte é a praça mais importante desse período que se inicia no fim do século XIX, e, para

Caldeira (2007) ela constitui um espaço republicano que introduz novos princípios urbanísticos,

advindos do padrão paisagístico europeu e das práticas cotidianas burguesas, como a valorização

de espaços ajardinados.

Belo Horizonte (1987) já nasce moderna em fins do século XIX, definindo-se pela oposição

a uma cidade antiga, colonial, priorizando a higiene, a estética e a fluidez. Projetada pela

Comissão Construtora da Nova Capital, sob a direção de Aarão Reis, o plano da cidade denota

proximidade com o plano de Washington, com a reforma em Paris realizada por Haussmann e,

sobretudo, com o plano contemporâneo de La Plata – fundada em 1882 para ser capital da

Província de Buenos Aires, na Argentina6.

Ilustração 3 – Plano de Belo Horizonte (1987), executado pelo engenheiro Aarão Reis. Fonte: SICCA (1985)

apud MANSO, 2001, p.24.

6 Do plano de Haussmann, Reis aproveita a idéia dos extensos bulevares arborizados e a importância concebida aos parques e às praças ajardinadas. Com La Plata, o plano de Belo Horizonte tem muito em comum: o sistema de quadrículas cortado por vias diagonais e circundado por um bulevar – a Avenida do Contorno –, a importância das áreas verdes, os quarteirões com 120m de lado. O número de habitantes previstos para as duas cidades também era semelhante: 200mil em Belo Horizonte e 150 a 250mil em La Plata (LEME, 1999).

6

As teorias urbanas do séc. XIX apresentam-se como antecedentes da constituição de um

novo pensar7 sobre a cidade e de suas estruturas, como praças, vias e ruas e expõem várias

abordagens sobre o espaço da praça – todas amparadas na ruptura do conceito de espaço

urbano tradicional, a partir da introdução do conceito de espaço livre. Caldeira (2007) destaca que,

a partir dessa ruptura, observam-se duas tendências: uma voltada para a renovação da cidade

tradicional e a conservação da sua estrutura espacial, e outra, que defende o processo de tábula

rasa, propondo uma ruptura radical com a morfologia existente.

Na primeira tendência, procura-se recuperar o papel desempenhado pela praça como

espaço de destaque na estrutura urbana e de convivência, onde se concentravam as edificações

mais importantes. Esse conceito é desenvolvido por Camillo Sitte e aplicado na cidade jardim de

Ebenezer Howard. Já na segunda tendência, o espaço urbano se adéqua às demandas da

sociedade industrial e a praça aparece interligada à eficiência da circulação – desenvolvem-se os

rond-points e as praças-carrefours. A praça é tomada como lugar de passagem, voltada para o

embelezamento e ordenamento urbano – como na Ciudad Linear de Soria Y Mata, na Cité

Industrielle de Tony Garnier e na Ville Motorisée de Eugene Hénard.

Manso (2001) presume que na prática do urbanismo da nova capital de Goiás – Goiânia

(1933) houve um acúmulo de conceitos, teorias e exemplos. Em sua concepção, duas tradições

foram imbricadas com propriedade: a formal e a moderna, sendo que, os preceitos de Torny

Garnier se revelam desde sua concepção8. Attílio propôs um grande centro cívico, assim como o

de Belo Horizonte que concentra o palácio e todas as secretarias de Estado, mas com alguns

elementos presentes na proposta de Agache para o Rio, principalmente no que tange ao volume

dos edifícios como peças fundamentais na configuração da Praça Cívica (MANSO, 2001, p. 155).

Armando Augusto de Godoy, engenheiro que traçou diretrizes e modificações no anteprojeto de

urbanização de Goiânia após o afastamento de Attílio, também revelou estar em sintonia com os

movimentos urbanísticos do final do século XIX e início do século XX – suas propostas enfatizam

conceitos propostos por Howard e materializados por Unwin e Parker9.

7 Exemplos como a intervenção monumental na cidade de Paris, empreendida por Haussmann (1853-70), e o projeto de expansão da cidade de Barcelona, idealizado pelo engenheiro Ildefonso Cerdá (1859), consolidam princípios urbanísticos arraigados à crença de transformação social e construção de um novo mundo. 8 Foi no contexto das idéias do movimento City Beautiful e de Tony Garnier que o plano de Goiânia foi concebido, levando-se em consideração os valores institucionais, econômicos e políticos dominantes no Brasil na década de 1930. As marcas destas duas visões estão presentes nos traçados, nas perspectivas monumentais e no valor simbólico dos edifícios construídos nos pontos principais da cidade: no centro de negócios e das grandes funções comercias e terciárias, no centro administrativo e na praça principal (MANSO, 2001, p. 144). 9 Ao analisarmos as intervenções de Godoy, percebe-se sua filiação à urbanística orgânica – a utilização da perspectiva fechada, a variação de volumetria e a escala humana (MANSO, 2002, p. 226).

7

Ilustrações 4 e 5 – Desenho de anteprojeto do Plano Piloto de Goiânia, proposto em 1933 -1935. Plano

definitivo do núcleo inicial de Goiânia, proposto pela firma Coimbra Bueno & Cia. Ltda., em 1938. Fonte:

MANSO, 2001, p.221 e 222.

No séc. XX, a consolidação da urbanística moderna expõe gradativamente a

transformação do desenho da cidade. O conceito de espaço livre desenvolve-se notadamente

como ordenamento espacial, produzindo a dissolução do padrão de configuração10 que é

historicamente, origem e essência da praça – a contraposição do vazio ao cheio que o cerca e

delimita, pois os edifícios são os limites tridimensionais que conferem existência tridimensional à

praça. A praça que não era apenas superfície, mas sim um volume, transforma-se no vazio

isolado, ou seja, em superfícies caracterizadas por dimensões monumentais. Inicia-se um declínio

da sociabilidade nesses espaços e as praças começam a assumir o papel de vazios urbanos

articulados ao sistema viário que abrigam monumentos. Essa tendência é identificada nas

propostas de Walter Gropius e Le Corbusier.

A consolidação dos princípios modernistas, no Brasil, acontece em Brasília – cidade que

representa a concretização de uma espacialidade inovadora, fundamentada nos princípios da

cidade funcionalista. A Praça dos Três Poderes representa o espaço de maior conotação

simbólica da nova capital, e prioriza o vazio, tendência identificada nas praças do modernismo.

Lucio Costa idealiza a praça para abrigar os poderes principais da estrutura governamental – o

Legislativo, o Executivo e o Judiciário – cujo destaque é legitimado pelo caráter monumental.

Em Palmas, podemos falar de um “modernismo tardio” e perceber claramente muitos

princípios urbanísticos da cidade moderna – assim como em Brasília, prioriza-se a circulação do

10 TENÓRIO (2009) discute o conceito de praça, motivado pela constatação que ele se vem descolando cada vez mais da base material que lhe dá significado – ou seja, dos padrões de configuração que são sua essência desde a origem. Ela nos atenta para o perigo de tomar qualquer configuração por praça, que é suprimir da cidade espaços preciosos que favorecem a urbanidade.

8

automóvel. Porém, observamos também vários outros princípios11 que o plano diretor previa no

sentido de recuperar o caráter da cidade tradicional, mas que não foram executados na prática

(TRINDADE, 2009, p. 81). A Praça dos Girassóis, para seus idealizadores, deveria assumir o

papel de centro da cidade – assim como em Goiânia, o centro cívico é claramente demarcado na

paisagem urbana –, e para lá também foi direcionada toda a monumentalidade de uma praça que

abriga os principais edifícios públicos estaduais.

Ilustrações 6 e 7 – Projeto do Plano Piloto de Brasília apresentado por Lúcio Costa (1957). Fonte: Acervo

Arquivo Público do Distrito Federal. Ilustração – Projeto do Plano Piloto de Palmas apresentado pelo Grupo

Quatro (1990). Fonte: Revista Projeto nº146 – Edição Especial 13º Congresso. Outubro, 1991.

Em Belo Horizonte, Goiânia, Brasília e Palmas, a praça cívica aparece com diferentes

configurações assim como se diferencia em relevância das demais praças dessas cidades – pois,

sobrepõe-se ao caráter comum a todas as praças (de local em que o contato entre pessoas se

torna encontro, reunião, interação), o caráter de espaço cívico, advindo da função de locus do

poder administrativo. Cidades novas, planejadas para se tornarem sede do poder político e

administrativo, essas capitais estaduais e federal caracterizam-se pelo destaque que seus

planejadores deram aos espaços cívicos, sempre privilegiados na estrutura urbana. Cada uma

das praças cívicas dessas capitais novas caracteriza-se como uma manifestação de espacialidade

urbana – reflete uma forma de ocupação, organização e apropriação do espaço próprio da nossa

cultura urbana12.

11

O plano de Palmas, feito pelo Grupo Quatro, estabelece seu próprio paradigma baseado nos princípios: 1) uma rede de vias em grande escala, 2) preservação do meio ambiente natural, 3) um centro de cidade identificável, 4) parceria público-privada no desenvolvimento de projetos, 5) flexibilidade no uso do solo, 6) minimização dos impactos sobre o micro-clima, 7) custo da construção viável, 8) acessibilidade garantida para o lago, 9) promover o uso misto de modo a evitar a especialização de funções urbanas, e 10) transporte público eficiente e de baixo custo (TRINDADE, 2009, p. 68). 12 CALDEIRA, 2007.

9

Ilustração 8 – As superfícies da Praça da Liberdade, da Praça Cívica, da Praça dos Três Poderes e da

Praça dos Girassóis – todas as imagens são de satélite, a aproximadamente 2.940 pés de altura. Fonte:

Google Earth.

2.1 A Praça da Liberdade

Primeira cidade projetada após a Proclamação da República, a capital estadual mineira foi

fundada sob a prática da tábula rasa e em sua composição as praças foram concebidas como

peças fundamentais da paisagem, com especial destaque para a Praça Cívica. , idealizada como

uma acrópole moderna, no ponto mais alto, para ocupar lugar de destaque e abrigar o Palácio

Presidencial – residência do governador. Conforme Caldeira (2007), esse locus teve um

significado e uma apropriação diferenciada de outros espaços públicos, pois representou o centro

do poder político-administrativo, constituindo um cenário único na cidade.

Totalmente plana, a praça localizada no encontro das quatro avenidas principais e três

ruas secundárias, reproduz a Place Royale francesa, conta com dimensões monumentais (300m x

150m = 45.000m²) e dá destaque ao Palácio como monumento. A localização no seu entorno do

conjunto arquitetônico das Secretarias do Interior, das Finanças e da Agricultura iria legitimar a

vocação de centro cívico da cidade13 e também acabou por estabelecer o limite visual da praça,

reforçando o eixo voltado para o Palácio.

A Praça da Liberdade funciona desde o início não só como centro cívico, pois

também tinha a função de reproduzir o ambiente de encontro existente numa cidade consolidada

– o lugar dos acontecimentos urbanos oficiais e extra-oficiais, as principais manifestações,

paradas militares, retretas aos domingos, protestos populares e também lugar de uso cotidiano.

Conforme Caldeira (2007), a Praça da Liberdade divide com outros lugares da cidade, até hoje, o

status de espaço de encontro e lazer.

Vários atributos configuracionais contribuem para esse status de espaço bem utilizado. O

centro antigo da cidade caracteriza-se como uma área bem integrada. A distribuição dos valores

13 A Cidade Administrativa acaba de ser inaugurada em Belo Horizonte (março, 2010) com o propósito de reunir num mesmo local as secretarias estaduais e o palácio do governo. Projeto de Oscar Niemeyer, a Cidade Administrativa leva em conta discussões que vão além da estética e do tipo de arquitetura – Belo Horizonte, como várias outras cidades brasileiras, vive uma necessidade desesperada de salvar seu centro; por que, a esta altura, levar a sede do governo para um lugar a 20 quilômetros de distância? Também se teme pelo Palácio da Liberdade, em funcionamento desde 1987, que já sofreu ameaça de ser demolido e que não escapará a ser mais um “centro cultural” – nome que os governos dão aos edifícios que abandonam e em relação aos que não sabe o que fazer. GUZZO, J. R. Área de risco. Revista Veja, p. 134, 17 de março de 2010.

10

de integração da análise configuracional no mapa axial demonstra que as linhas convergentes na

praça são, em grande parte, incluídas neste núcleo de integração do assentamento. Além disso, a

praça pode ser depreendida por contraste ao cheio circundante – bem delimitada pelas

edificações limítrofes, possui portas voltadas para ela. E desse cheio que claramente define a

praça saem pessoas que alimentam esse espaço durante o dia.

Ilustração 9 – A – Mapa axial da cidade de Belo Horizonte, destacando a localização da praça. Crédito do

Mapa Axial: Ana Paula Barros e Valério Medeiros. B – Imagem de satélite da praça e seu entorno. Fonte:

11

Google Earth. C – planta de cheios e vazios do entorno imediato da praça. D – Vista da praça. Fonte:

http://i.olhares.com/data/big/139/1391262.jpgh, acessado em 21 de março de 2010. E – Representação da

praça em ROBBA e MACEDO, 2001, p. 69. F – Imagens da praça. Fonte: http://www.ouropreto-

ourtoworld.jor.br/Encontro%20bandas%20sesc0032.jpg,http://www.cultura.mg.gov.br/arquivos/Gabinete/Ima

ge/gab-circuito-cultural-2_materia.jpg, acessado em 21 de março de 2010.

2.2 A Praça Cívica

A cidade de Goiânia foi projetada para ser a nova capital do Estado de Goiás e, desde sua

concepção, apresentava um programa de funções administrativas bem definido. Para que sua

proposta fosse mais facilmente compreendida, Attílio Corrêa Lima contextualizou a importância de

Goiânia, política e economicamente, para a região e tirou partido do centro administrativo: esse

local teria um grande destaque, sendo de fácil localização por todos que estejam na cidade.

Assim, o traçado da cidade estabelecia um centro composto de Praça Cívica e três grandes

avenidas que convergem para aquela praça. O urbanista buscava “certa monumentalidade”14, e

afirmava, “guardando as devidas proporções, o efeito monumental procurado é o princípio clássico

adotado em Versailles, Karlsruhe e Washington” (LIMA, 1937). Os demais setores da cidade

foram organizados em um desenho de malhas ortogonais. O Setor Central original envolve a

Praça Cívica e as quadras imediatamente próximas.

A proposta de Attílio para o Centro Cívico organizava os edifícios em torno de uma grande

praça com obelisco, conhecida posteriormente por Praça Cívica:

[...] uma praça de caráter monumental, destacando-se no seu eixo de

simetria o Palácio do Governo. Sucedem-se escalonados, à direita

deste, a Secretaria Geral e o Palácio da Justiça; e, à esquerda, a

Câmara Estadual e a Prefeitura Municipal. No lado fronteiro ao

Palácio ficarão localizados os edifícios federais, como a Coletoria,

Juízo Federal, Juízo de Menores, etc. Os outros edifícios estaduais

ficam concentricamente na parte posterior aos acima descritos.

Abrimos exceção para o edifício do Correios e Telégrafos, que de

preferência, deve ser acessível ao grande público, por conseguinte,

deve estar no centro comercial da cidade. 15

Na convergência do Centro Cívico com as avenidas Araguaia, Goiás e Tocantins, os

edifícios foram sugeridos à maneira de Agache no seu plano pra o Rio: dispostos nos limites com

as avenidas e um grande pátio no interior das quadras, enfatizando o caráter de

monumentalidade. A Avenida Goiás com sua largura significativa, envolta em jardins e intensa

14 GONÇALVES (2002) expõe que o centro cívico projetado por Attílio com seu núcleo central para onde se convergiam três grandes avenidas, tipo “Pate d’oie” pode ser identificado não só com Versailles, Karlsruhe e Washington, que foram citadas pelo arquiteto, mas também é possível identificar um desenho semelhante em Chicago, Filadélfia, Camberra, no Plano Agache, Welwyn e Letchworth. 15 LIMA, 1942, apud GONÇALVES, 2002.

12

arborização, buscava ampliar esse caráter monumental, apesar de que a proposta de arborização

da avenida diminuiu o efeito que se pretendia alcançar.

Na implantação da cidade, o desenho de Attílio só permaneceu inalterado por completo

nos setores Central e Norte. A construtora Coimbra e Bueno e o engenheiro Armando Augusto de

Godoy, assumiram a reformulação do plano de Attílio quando o Palácio e a Secretaria Geral já

estavam em construção na Praça Cívica, o Grande Hotel já se erguia na Avenida Goiás e o

arruamento do Setor Central estava praticamente concluído. Mesmo assim, o traçado da Praça

Cívica foi alterado na Rua 82, ganhando a sua atual conformação, além disso, a implantação dos

edifícios dentro da praça também foi modificada: onde se localizavam o Palácio da Justiça e

Prefeitura no plano de Attílio, foram construídos fontes e jardins, aumentando o espaço livre.

Gonçalves (2002) ressalta que “tais mudanças na Praça Cívica se mostraram mais acertadas com

o tempo, haja vista que a perspectiva da praça com menor número de edifícios ampliou o caráter

de monumentalidade previsto por Attílio”. Para Manso (2002), na Praça Cívica, não são os

edifícios públicos que se revelam como monumentais, mas sim a organização dos jardins.

A identidade de centro monumental da Praça Cívica foi se perdendo à medida que a praça

foi sendo envolvida pela reprodução do sistema de “asterisco” iniciada por Godoy e que continuou

com o crescimento da cidade. Mais tarde, a ampliação das atividades burocráticas do Estado

implicou na construção de um anexo, por detrás do Palácio das Esmeraldas, com 12 pavimentos,

que funciona como um pano de fundo da praça impedindo perspectivas e estando completamente

fora de escala. Além disso, seu “vazio” central serve como estacionamento no dia-a-dia.

Entretanto, a praça continua sendo bem utilizada pelas pessoas diariamente e em eventos

especiais. Entre as linhas convergentes na praça, a maioria é bem integrada, isto é, mais de uma

linha está diretamente ligada às linhas mais integradas de todo o sistema. No entanto, é

interessante deixar claro que nenhuma relação foi estabelecida entre o número de linhas bem

integradas convergentes na praça e a proeminência esperada do espaço: na realidade, nós

podemos observar vários outros pontos de intersecção de linhas bem integradas ao sistema que,

na verdade, não correspondem a uma praça. O que mais contribui para sua urbanidade, além dos

seus limites inequívocos e das portas que dão para seu interior, é mesmo o intenso fluxo de

pedestres que cruzam a praça durante o horário comercial proveniente dos usos no entorno.

13

Ilustração 10 – A – Mapa axial da cidade de Goiânia, destacando a localização da praça. Crédito do Mapa

Axial: Leyla Alarcón/Valério Medeiros. B – Imagem de satélite da praça e seu entorno. Fonte: Google Earth.

C – planta de cheios e vazios do entorno imediato da praça. D – Vista da praça. Fonte:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pra%C3%A7a_C%C3%ADvica, acessado em 21 de março de 2010. E –

Representação da praça em ROBBA e MACEDO, 2001, p. 246. F – Imagens da praça. Fonte: Arquivo O

Popular e Arquivo pessoal da autora.

14

2.3 A Praça dos Três Poderes

Em Brasília, temos a ruptura com o modelo da praça ajardinada, a introdução dos

princípios modernistas na prática urbana brasileira, contribuindo para a mudança na estruturação

dos nossos espaços públicos urbanos. A cidade foi concebida em função de quatro escalas –

monumental, a escala residencial, a escala gregária e a escala bucólica – sendo a primeira

referente à dimensão urbana que abriga os centros cívico e administrativo da cidade, espaços

simbólicos e de representação de uma capital nacional.

É no eixo Monumental que a praça assume proporções de acrópole. Na composição do

Eixo Monumental, identificam-se espaços específicos do conjunto administrativo que são

colocados no projeto como um conjunto de praças: Praça dos Três Poderes, Praça dos Ministérios

Militares, Praça da Catedral e Praça Municipal (atual Praça do Buriti). No Relatório do Plano

Piloto, Lucio Costa explicou sua concepção para a disposição dos elementos que configurariam o

setor correspondente à administração do país:

Destacam-se no conjunto os edifícios destinados aos poderes

fundamentais que, sendo em número de três e autônomos,

encontraram no triângulo eqüilátero, vinculado à arquitetura da mais

remota antiguidade, a forma elementar apropriada para contê-los.

Criou-se então um terrapleno triangular, com arrimo de pedra à vista,

sobrelevado na campina circunvizinha a que se tem acesso pela

própria rampa da auto-estrada que conduz à residência e ao

aeroporto. Em cada ângulo dessa praça — Praça dos Três Poderes,

poderia chamar-se — localizou-se uma das casas, ficando as do

Governo e do Supremo Tribunal na base e a do Congresso no

vértice, com frente igualmente para uma ampla esplanada disposta

num segundo terrapleno, de forma retangular e nível mais alto, de

acordo com a topografia local, igualmente arrimado de pedras em

todo o seu perímetro. A aplicação em termos atuais, dessa técnica

oriental milenar dos terraplenos, garante a coesão do conjunto e lhe

confere uma ênfase monumental imprevista. 16

Segundo Schlee (2007), Lucio Costa apresenta uma proposta unitária, que nasce já pronta

e intensamente pensada e resolvida nos seus croquis originais. Schlee (2007) cita José Barki17

que analisa os estudos para a praça e propõe uma ordenação cronológica. Inicialmente ela

comparece como um simples triângulo eqüilátero com círculos em seus vértices (os três poderes)

que apenas tangencia o retângulo correspondente ao futuro setor ministerial. Quando a cidade

assumiu o partido cruciforme, um eixo de simetria axial (leste-oeste) foi definido e o vértice

superior da Praça engastou no retângulo da Esplanada (agora com os ministérios já perfilados).

16 COSTA, 1995. apud SCHLEE, 2007. 17 BARKI, 2006. apud SCHLEE, 2007.

15

Na seqüência de estudos e riscos, conforme José Barki (2006) apud. Schlee (2007), os

setores ao longo do eixo monumental aparecem mais desenvolvidos. A praça foi elevada e

cortada por uma via (a “rampa da auto-estrada” que leva ao Alvorada) e os diferentes terraplenos

definidos (inclusive aparece o muro de arrimo da Praça – o “crib-wall” – e o fórum de palmeiras

imperiais que configuram o atual Espaço Le Corbusier). Dessa forma, Lucio Costa resolveu

simultaneamente os problemas funcionais e técnicos, e as questões estéticas locais. Nas

perspectivas que acompanharam o item 9 do Relatório do Plano Piloto é possível visualizar os

diferentes partidos ou gabaritos das edificações a serem projetadas por Oscar Niemeyer.

Lucio Costa não propõe uma praça qualquer, assim como não propôs uma cidade qualquer

– a Praça dos Três Poderes representa o espaço de maior conotação simbólica da cidade capital,

sintetiza o ápice da composição urbana do eixo monumental. Caldeira (2007) defende que, a

relação entre espaço político e conjunto urbano é reinterpretada por Lúcio Costa no projeto da

Praça dos Três Poderes. O projeto reproduz uma estrutura típica de praça brasileira ao aglomerar

edifícios institucionais, porém, inserida no cenário modernista, introduzindo uma nova perspectiva

quanto ao uso da praça: nesse caso, o espaço da praça não possui a função primordial de

representar o espaço social da vida urbana. O modelo de praça modernista prioriza o vazio,

principalmente em seu sentido compositivo – a espacialidade do seu conjunto está longe de atuar

como espaço de permanência e de encontros sociais, no sentido tradicional da praça (CALDEIRA,

2007).

Holanda (2002) afirma que os conjuntos da Esplanada e do Eixo Monumental possuem

desempenho que tende à formalidade, e os atributos de sua idealização não configuram lugares

de permanência. O autor sugere qualificações interessantes em relação à Esplanada dos

Ministérios: seus atributos locais são responsáveis por sua identidade sintática, e a formalidade

predomina. Globalmente, o lugar é bem integrado – eixos muito integrados conectam a Esplanada

à cidade –, um atributo de urbanidade; no entanto, localmente, o lugar é fortemente segregado de

seu entorno – essa segregação geométrica faz despencar o desempenho do lugar do ponto de

vista da urbanidade. O seu conjunto não recebe a irrigação necessária (habitantes, usuários

cotidianos) para que o espaço possua vitalidade. Podemos dizer ainda, que, embora em

momentos de comemorações cívicas ou manifestações populares, esses espaços sejam

apropriados por uma multidão, essas atividades são pontuais e transitórias, não configurando um

uso contínuo/ cotidiano encontrado em outros sistemas espaciais.

16

Ilustração 11 – A – Mapa axial da cidade de Brasília, destacando a localização da praça. Crédito do Mapa

Axial: Grupo DIMPU/UnB. B – Imagem de satélite da praça e seu entorno. Fonte: Google Earth. C – planta

de cheios e vazios do entorno imediato da praça. D – Vista da praça. Fonte: Arquivo Secretaria de

Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Distrito Federal. E – Representação da praça em ROBBA e

MACEDO, 2001, p. 216. F – Imagem da praça. Fonte: 1º Prêmio FOTOARTE de Fotografia, Autor: Télio

Luiz Pacheco.

17

2.4 A Praça dos Girassóis

O marco inicial da nova capital do Tocantins é a Praça dos Girassóis, onde se localiza o

centro administrativo estadual e se cruzam as Avenidas Teotônio Segurado e Juscelino

Kubitschek. A praça foi planejada para acomodar os edifícios dos poderes representativos do

Estado do Tocantins: o Palácio do Araguaia, sede do Executivo; o Palácio João D’Abreu, sede do

Legislativo; e o Palácio Feliciano Machado Braga, sede do Judiciário. Nas bordas da praça ao

longo das Avenidas NS-1 e NS-2, em meio a áreas com tratamento paisagístico, estão as

secretarias de estado, a catedral, e os monumentos a Luiz Carlos Prestes e aos revolucionários

de 1935. As enormes dimensões da praça (quase 63 hectares, medindo 750x850 metros)18

enfatizam seu caráter monumental.

Na área que envolve a Praça dos Girassóis, os planejadores da cidade tinham a intenção

de criar um centro de cidade tradicional, o ponto de encontro de compras, de lazer e moradia,

concentrando no mesmo espaço urbano apartamentos residenciais (a partir do primeiro andar) e

serviços de banco, pequenas clínicas médicas, farmácias, butiques, escritórios, cinemas e

restaurantes. Os quarteirões em torno dessa grande praça central foram originalmente destinados

ao uso exclusivo do pedestre, com a praça rodeada de colunatas que abrigariam a vitrine das

lojas, cafés com espaço para sentar-se e também as entradas dos edifícios. As ruas ao redor

desses quarteirões serviriam apenas para o acesso ao estacionamento e para carga e descarga.

Infelizmente, um dos princípios originais de Palmas – evitar a especialização de funções –

foi abandonado durante a construção, quando esses quarteirões ao redor da praça foram

destinados exclusivamente ao uso comercial. As pistas para veículos e os estacionamentos

internos nunca foram construídos, nem a subdivisão dos quarteirões e a tipologia edilícia seguiram

a concepção original. Por causa das lacunas no sistema público de transporte e da ausência de

atrações de lazer e de residências, esses espaços do entorno da praça ficam desertos fora do

horário comercial e perigosos durante a noite.

Assim como a Praça dos Três Poderes, a Praça dos Girassóis é bem integrada

globalmente, porém, seus atributos locais – tais como suas dimensões exageradamente grandes,

a enorme superfície vazia e a falta de planos verticais limítrofes que potencializam a sensação de

que é ampla demais, os bolsões de estacionamentos e as vias de veículos em seu interior, as vias

arteriais ao seu redor que dificultam o acesso ao pedestre, poucas portas e janelas que dão para

esse espaço, a especialização do uso no seu entorno – caracterizam o espaço como um forte

exemplo de formalidade. A Praça dos Girassóis é mais voltada aos princípios de ordem simbólica

– que têm a ver com as funções de reprodução social –, e não aos princípios de ordem

instrumental – relacionados às funções de produção e troca cotidianas. A Praça dos Girassóis não

é um espaço de permanência assim como não apresenta a mesma vitalidade ou a utilização

cotidiana que foi intencionada pelos arquitetos na concepção desse espaço. 18 TRINDADE, 2009, p. 72.

18

Ilustração 12 – A – Mapa axial da cidade de Palmas, destacando a localização da praça. Crédito do Mapa

Axial: Valério Medeiros. B – Imagem de satélite da praça e seu entorno. Fonte: Google Earth. C – planta de

cheios e vazios do entorno imediato da praça. D – Vista da praça. Fonte:

www.skyscrapercity.com/showthread.php?p=11387614, acessado em 21 de março de 2010. E –

Representação da praça. Fonte: Revista Projeto nº146, outubro, 1991. F – Imagens da praça. Fontes:

http://www.oyo.com.br/atracoes/palmas/praca-dos-girassois/fotos-videos/2008120805182063158.jpg,

http://farm3.static.flickr.com/2291/3529949963_e3e5428f63.jpg?v=0, acessados em 21 de março de 2010.

19

3. Considerações Finais

Muitas cidades estão buscando a melhoria da qualidade de vida através do resgate de

seus espaços públicos – o prestígio desses espaços é evidente em muitas intervenções

contemporâneas e mesmo diante do enfraquecimento da vida pública (SENNETT, 1988), parece-

nos que eles continuam a ser utilizados. A despeito disso, sua utilização é no sentido de aumentar

a interação entre as pessoas, e não mais tanto como suporte para algumas atividades de nossa

sociedade – muitas delas, hoje, nós realizamos por detrás das portas. Enfim, a utilização dos

espaços públicos abertos tem por fim reunir a sociedade distanciada em muito pela interiorização

de muitas das suas atividades, que agora acontecem em lugares fechados e privados.

Apresentamos quatro capitais novas e quatro praças cívicas, concebidas primordialmente

para reunir os edifícios institucionais. São espaços abertos públicos que articulam sua função

simbólica e seu destaque na estrutura urbana, permanecendo preservados em suas

características principais. Avaliar o desempenho das praças como verdadeiros espaços de

interação entre as pessoas através de seus atributos configuracionais é bastante válido, pois

habilita-nos a bem avaliar seu desempenho em relação a uma dimensão fundamental – aquela

relacionada à intensidade de uso do espaço público pelas pessoas.

Holanda (2002) afirma que ao observar o conjunto de variáveis dos espaços abertos – tais

como sua integração global, suas dimensões físicas, a alimentação destes por portas e janelas,

etc. – pode haver contradições entre esses atributos, e alguns podem pertencer ao paradigma da

formalidade e outros ao paradigma da urbanidade. Essas duas tendências polares, formalidade e

urbanidade, apresentam-se simultaneamente nos espaços aqui analisados.

Entretanto, duas delas, apresentam maior urbanidade do que as outras. A Praça da

Liberdade e a Praça Cívica apresentam maior presença de pessoas em seu cotidiano – não só

nos deparamos com mais pessoas em movimento como também com maior permanência de

pessoas contemplando, conversando ou simplesmente passando o tempo nessas duas praças.

Percebemos a partir da análise que, globalmente, as praças cívicas de nossas novas capitais

apresentam boa integração – todas são conectadas ao tecido de suas cidades por um ou mais

eixos bem integrados. Podemos inferir, portanto, que os atributos locais das praças analisadas

são predominantemente responsáveis pela identidade sintática dessas praças – pela

predominância da urbanidade nas Praças da Liberdade e Praça Cívica, bem como pela forte

predominância da formalidade na Praça dos Três Poderes e na Praça dos Girassóis.

4. Referências Bibliográficas

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20

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