quase lÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (pmdb),...

177

Upload: lamcong

Post on 09-Dec-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos
Page 2: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

WLADIMIR POMAR

QUASE LÁLula, o susto das elites

Em memória de Maurício Nabor Meirelles,companheiro generoso que contribuiu

com a sua garra e seu talento para a beleza da campanha.

3a ediçãoSão Paulo, 2009

Page 3: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

Copyright©

Wladimir Ventura Torres Pomar

Produção e revisão dos originais da 1a ediçãoMarcos Soares

Coordenação editorialValter Pomar

CapaIsabel Carballo

Projeto gráficoCláudio Gonzalez

DiagramaçãoSandra Luiz Alves

1a edição: junho de 19902a edição: junho de 1990

3a edição: novembro de 2009

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode serreproduzida, sob qualquer forma, sem prévia autorização.

Page 4: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

Em primeiro lugar, dedico este livro aocompanheiro Lula, responsável maior pela

oportunidade de escrevê-lo. Mas quero dedicá-lotambém aos milhares e milhares de

companheiros anônimos, inclusive àqueles quetrabalharam no comitê nacional e nos comitês

estaduais e municipais da campanha, quederam o melhor do que tinham para

transformá-la na maior mobilização popularque o Brasil já conheceu. Eles não deram

entrevistas, em geral não foram notícia, nemtiveram sua imagem transmitida pela tevê. Sem

eles, porém, não teríamos chegado quase lá.

Page 5: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

Justificando a aventura de contar .............. 7

Um frio na espinha..................................... 91. Um sonho irreal ................................................ 92. O susto dos raivosos ....................................... 113. O susto dos nossos .......................................... 164. Vontade e realidade ........................................ 19

Descrenças e fatos .................................... 231. Uma longa história ......................................... 232. Desmentidos pelos fatos ................................. 263. Esmagando as esperanças ............................... 314. Falência de um projeto ................................... 345. As estrelas contestadoras ............................... 36

Estratégia para ganhar............................. 431. Momento favorável ......................................... 432. O PT faz alianças, quem diria? ........................ 463. Um programa das maiorias ............................. 50

O Império não perdoa .............................. 591. Interesses divididos ........................................ 592. O fim da trégua .............................................. 633. Collor: uma estratégia de combate ................. 724. No fundo do poço ........................................... 80

Índice

Page 6: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

Virando o jogo ......................................... 831. Final de novela ................................................ 832. Contra-ofensiva massiva .................................. 903. Vitória ............................................................ 974. Mídia, uma nave do Império.......................... 100

Armas desiguais ..................................... 1051. Compensando as fraquezas ........................... 1052. Um episódio de audácia ................................ 1133. Atrasados para a nova rodada ....................... 116

O Brasil já não é o mesmo...................... 1211. O Império joga sujo ...................................... 1212. As reservas estratégicas ................................ 1293. Nem todos despertaram................................ 1354. Mitos derrubados .......................................... 1425. O choro do sonho desfeito ............................ 1476. Um doce sabor de vitória .............................. 150

Créditos ................................................. 155

Anexo ..................................................... 157

Sobre o autor ......................................... 173

Page 7: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

7

QU

ASE

Justificando a aventura de contar

Como coordenador nacional da campanha LulaPresidente, tive a oportunidade de participar da maisséria e prolongada batalha que as classes trabalha-doras brasileiras já tiveram condições de travar pelaconquista do poder.

É muito provável que, passado bastante tempo dosresultados finais das eleições de 1989, grande partedos que se empenharam para que Lula fosse vitorio-so não se tenha dado conta das implicações da cam-panha e de suas conseqüências para a sociedade emque vivemos. Nem sempre é possível perceber as di-mensões do que estava em disputa, ou o verdadeiropânico que tomou conta das elites ao entenderem,subitamente, que o metalúrgico barbudo poderiatornar-se Presidente. E, embora haja uma certa cons-ciência da desigualdade das forças empenhadas nocombate, nem os melhores analistas conseguemchegar perto da verdadeira desproporção de recur-sos e meios entre as duas principais candidaturas.

Apesar de tudo, porém, Lula quase chegou lá.Fazendo das fraquezas força e potenciando ao máxi-

Page 8: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

8

QU

ASE

mo seus pontos fortes, desmentiu as previsões decientistas e analistas políticos, rompeu a barreirahistórica dos 10% do eleitorado a que tradicional-mente estava confinada a esquerda brasileira emseus melhores momentos e, pela primeira vez emtoda a história deste país, ameaçou o secular domí-nio exercido sobre a vida do Brasil pelos donos dodinheiro, das terras, da produção e do saber.

Vivi cada minuto dessa batalha de uma posiçãorelativamente privilegiada. É por isso que me aven-turo a contar um pouco do que presenciei, para quemuitas das experiências das quais participamos nocurso da campanha, positivas ou negativas, não sepercam no tempo. Mesmo porque essa não foi a pri-meira, nem será a última luta em que os trabalha-dores se empenham para conquistar uma nova so-ciedade. Assim, algumas das coisas que aqui vão es-critas podem ser úteis para o futuro.

Para facilitar a leitura, adoto neste texto o método da trans-

crição livre, sem aspas (a não ser em casos polêmicos), dos

trechos utilizados, indicando sempre a fonte e a data.

Page 9: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

9

QU

ASE

Um frio na espinha

1. Um sonho irreal

O Brasil é dominado, há séculos, por um Impériode potentados. Com o passar do tempo, mudaramas vestimentas e os paramentos, modificaram-se asformas de dominação. Mas a dominação mesma, essase manteve intocada e jamais ameaçada seriamen-te. Talvez por isso tenha se sedimentado nesse Im-pério a arrogância dos que sempre vencem. Acostu-maram-se a desprezar os dominados e os vencidos,subestimando suas lutas e projetos.

Talvez também por isso, ainda por cima respalda-do nas análises de renomados analistas políticos, oImpério nunca tenha levado a sério a possibilidadede o metalúrgico Luiz Inácio, o Lula, chegar ao se-gundo turno das eleições presidenciais e ameaçar, oque é pior, o candidato que se tornou o preferido doImpério.

Em março de 1989, a revista Veja vaticinava que,mesmo nas eleições de 1988 – quando o PT e o PDTconfeccionaram a mais larga votação que qualquer

A eleição é um longo e dolorosoaprendizado, aprendizado para a

democracia, caminho também, nessanossa América invertebrada, para o

purgatório. Houve também casosem que ela levou ao inferno.

Raymundo Faoro, IstoÉ Senhor,27 de dezembro de 1989

Page 10: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

10

QU

ASE

sigla de esquerda jamais obteve na história das elei-ções brasileiras –, a maior parte do eleitorado foi àsurnas dar seu apoio a candidatos conservadores.Dessa maneira, no momento em que Lula apareciabem nas pesquisas de preferência eleitoral, Veja pro-curava tranqüilizar o governador Newton Cardoso(PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possívelvitória do líder do PT causaria o caos a ser evitado aqualquer custo.

Na mesma linha raciocinava Armando Falcão, oantigo serviçal do regime militar, ex-ministro daJustiça de Geisel, que costumeiramente nada tinhaa declarar quando os jornalistas lhe perguntavamalguma coisa. Para ele, a nação não iria optar porum analfabeto, do mesmo modo que a Folha deS.Paulo, em novembro de 1988, considerava que aocandidato a Presidente pelo PT faltava expressãonacional. Carlos Castello Branco, em sua tradicio-nal coluna no Jornal do Brasil, apontava em marçoque a eleição de Lula continuava a ser uma previsãoprecipitada, enquanto Ricardo Fiúza, líder do PFL,augurava que Collor poderia levar já no primeiroturno.

E Julio Cesar Ribeiro, da Talent, uma empresa demarketing, lembrava na Folha de S.Paulo, em abril,que Lula não tinha chances por ter contra si o fatode ser de esquerda e lutar contra o conservadoris-mo do Brasil. Assim, com raras exceções, os cientis-tas e analistas políticos supunham que o candidatoda Frente Brasil Popular jamais ultrapassaria gene-rosos 12% das preferências e votos. Praticamentetoda a imprensa alimentava seu fracasso e, ao emba-

Page 11: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

11

QU

ASE

lo das pesquisas de opinião, afundava no sonho dever Lula eliminado na primeira rodada eleitoral.

Esse sonho virou quase certeza entre maio e se-tembro de 1989, período em que o candidato petistaalcançou os mais baixos índices de preferência elei-toral. Mesmo durante a fase dos grandes comícios,em outubro, os jornalistas que cobriam a campanhada Frente Brasil Popular ouviam com um toque dedescrença as previsões que fazíamos sobre seu cres-cimento. A revista Veja de 22 de novembro relembraque os pronunciamentos de Lula aos repórteres queo acompanhavam pelo país, confiante de que estariano segundo turno, chegavam a provocar risadas namaioria deles.

Entretanto, ao contrário de todas as descrenças,o operário venceu inimigos e aliados bons de voto emostrou que era irreal o sonho de vê-lo batido desdeo início. Abriu um horizonte novo para sua classeaos transformar-se no primeiro trabalhador com pos-sibilidades de chegar a Presidente da República doBrasil.

2. O susto dos raivosos

É verdade que alguns analistas mais sensatos ha-viam avisado ao Império os perigos que corria. NeyLima Figueiredo, expert em marketing político econhecido consultor da Febraban, sinalizava, no OEstado de S.Paulo, que a disputa presidencial iriaser uma leitura do estado de espírito do povo. Avisa-ra que se a inflação explodisse, se a corrupção conti-nuasse grassando, se os empresários continuassem

Page 12: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

12

QU

ASE

sem entender a gravidade da situação, a autoridadepública ficasse comprometida e os políticos do cen-tro não abrissem mão de seus projetos pessoais, se-ria certo dar Lula ou Brizola na cabeça.

O doutor Roberto Marinho, o todo-poderoso donoda Rede Globo, também não nutrira qualquer ilu-são. Desde abril empenhara sua palavra numa graveconvocação às elites, achando que ainda havia tem-po para reverter o quadro a favor do Império. Emnome do que chamou de maioria da população nãorepresentada na arena política, cobrou dos líderesdo PMDB e do PFL, isto é, dos responsáveis pela NovaRepública e pela transição conservadora, uma pro-posta séria e consistente que se materializasse numacandidatura de consenso, intérprete da vontade da-quela chamada maioria. O doutor Marinho, comotodo bom burguês, gostaria de falar por toda socie-dade. Porém, diante da realidade, contentava-se emchamar às falas os principais representantes políti-cos de sua classe em nome de uma suposta maioria.

O poderoso chefão da Globo exigia, em editorial,um candidato de renovação, que não se enredasseem manchas e combinações inaceitáveis, que não fu-gisse dos temas controversos nem usasse de subter-fúgios como sabedoria política e que possuísse umaabordagem moderna e otimista dos problemas brasi-leiros, devolvendo à nação o direito de sonhar com ofuturo. Mais do que tudo, o doutor Marinho queriaque esse candidato evitasse ao povo brasileiro a obri-gação de escolher entre o que chamava de projetocaudilhesco-populista (leia-se Brizola) e um outrosectário e meramente contestatório (leia-se Lula).

Page 13: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

13

QU

ASE

Na época em que publicou esse editorial em OGlobo, o doutor Marinho sonhava com a candidatu-ra de Quércia. Mas independentemente disso, tinhaclaro que o centro de seu ataque deveriam ser ascandidaturas de esquerda. Seu susto era tão veroque enviou ordens à sucursal da Rede Globo em NovaIorque para não cobrir a visita de Lula aos EstadosUnidos. Onde, porém, o susto dos raivosos se mos-trou com maior desfaçatez, ainda nesse período dedescrenças, foi em Paulo Francis. Para ele, verborrá-gico articulista da Folha de S.Paulo e comentaristada Rede Globo, Lula não seria eleito simplesmentepor ser pobre, já que pobre em geral não vota empobre. Não deixava por menos: se essa sua previsãosociológica de botequim furasse e Lula fosse eleito,então haveria golpe militar. Finalmente, como joga-dor de bicho que cerca o peru por todos os lados,vaticinava que se não houvesse golpe militar, entãohaveria guerra civil após a posse (Folha de S.Paulo, 6de maio).

Isso que era susto vira paranóia com os resulta-dos do primeiro turno. Formam-se três grandes gru-pos assustados e raivosos nas hostes do Império. Pri-meiro, o dos apavorados, que consideravam a vitóriade Lula a completa quebra de autoridade, a portaaberta para invasões e desapropriações arbitrárias,o fim da democracia (da sua, é claro!) e a marchabatida para a posse coletiva das propriedades. Nessegrupo despontam Mário Amato, presidente da Fiesp,que ameaça abandonar o Brasil juntamente com 800mil empresários, levando suas fortunas e capitais, eo tristemente famoso general Newton Cruz (aquele

Page 14: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

14

QU

ASE

do caso Baumgarten), que abre o jogo e afirma jáestar conspirando para desestabilizar o governo, casoLula vença.

O segundo grupo foi o dos atacados da síndromedo populismo, que previam na eleição de Lula aumen-tos salariais por decreto, congelamento de preços ecadeia para empresários a título de exemplo. Ironiaou não, com o governo Collor devem ter se submeti-do a tratamento intensivo para entender de onde veioo plano de estabilização econômica. O terceiro grupoera dos que sofriam da síndrome de obscurantismo,esperando da vitória lulista o confronto e não a nego-ciação externa, a renegociação compulsória da dívidainterna, a manutenção das reservas de mercadocartoriais, o acobertamento do inchaço de pessoal dogoverno, o choque heterodoxo com descaso pelo dé-ficit público e o fim das privatizações com o alarga-mento das vantagens para as estatais.

Um metalúrgico na Presidência da República,como indicavam as tendências eleitorais, era umaperspectiva além de todas as contas e paranóias. OConselho Superior de Orientação Política da Fiesp,outros agrupamentos de empresários, os mais altose os mais baixos escalões do Império e a imprensa,que a todos representa, abriram as baterias, sem pi-edade, na mais estridente, facciosa, suja e caluniosacampanha a que já se assistiu na história dos meiosde comunicação no Brasil.

Paulo Francis novamente deu o tom, chamando Lulade “besta quadrada” na edição da Folha de S.Paulo de23 de novembro. Na mesma data, O Estado de S.Paulo,tão cioso em buscar qualquer desvio legal nos desafe-

Page 15: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

15

QU

ASE

tos, não faz qualquer comentário sobre crime eleito-ral ao noticiar uma campanha de 27 grandes empre-sas comerciais contra Lula e seu programa de gover-no. O PT é acusado de pretender submeter a econo-mia aos ditames da ideologia, de causar a explosãodo dólar, dos juros e da inflação, assim como a quedadas bolsas de valores. Os grandes jornais se lançamnuma cruzada para demonstrar que Lula é um loboem pele de cordeiro, um extremista, retrógrado, ocaos, que tem ódio do Brasil e fome de poder. O ma-nifesto da seita Tradição, Família e Propriedade (TFP),publicado na Folha de S.Paulo de 29 de novembro,parece coisa de criança se comparado ao terrorismopsicológico montado pelos meios de comunicaçãosobre os riscos de Lula tornar-se presidente desta ter-ra descoberta por Cabral.

A histeria tomou conta do Império. Do sonho ir-real da descrença nas possibilidades de Lula passampara o pesadelo e começam a acreditar nas própriasalucinações. As invenções assacadas contra Lula pelomedíocre candidato do PTB, Affonso Camargo, ain-da em maio, acusando-o de partir para a radicaliza-ção, a violência e o quebra-quebra, ganham foros deveracidade, são repetidas sem parar por todos os quese agregaram, na sombra ou abertamente, à candi-datura do Império no segundo turno. A opinião pú-blica foi intoxicada por uma ofensiva permanentede intrigas e mentiras que jogaram no monturo qual-quer veleidade ética.

O susto dos raivosos fez com que perdessem qual-quer escrúpulo. A partir daí, Collor transformou-seno candidato ideal do Império.

Page 16: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

16

QU

ASE

3. O susto dos nossos

Mas não foram só os raivosos que se assustaramcom a possibilidade de Lula chegar à Presidência.Os nossos também, quando simplesmente não des-criam de que ele pudesse ter chances de ser eleito.

Caetano Veloso, na revista IstoÉ Senhor de 28 dejunho, acreditava difícil a vitória de Lula, enquantoo deputado Maurílio Ferreira Lima, do PMDB per-nambucano, que teve uma participação vigorosa nacampanha da Frente Brasil Popular, dizia ao Jornalde Brasília, em maio, que o candidato do PT nãoteria mais do que 10% a 11% do eleitorado nacional.Esse tipo de descrença influenciou, durante a cam-panha, muita gente boa. Mas não foi, sem dúvida, oque assustou aos nossos.

Estes perguntavam aos íntimos: e se Lula ganhar,como vai ser? Partiam do pressuposto de que o PTnão sabia fazer aliança (apesar da existência da Fren-te Brasil Popular). E de que, no fundo, o PT era sec-tário e exclusivista (apesar do vice de outro parti-do), não tendo jogo de cintura nem gente compe-tente em quantidade para governar. Apesar dos téc-nicos e intelectuais de primeiro time que estavamnos grupos de trabalho, tinham medo de que o go-verno Lula não fosse capaz de resolver o problemada governabilidade. Muito chegavam a exprimir aber-tamente a idéia de que o PT era muito bom na opo-sição, mas tinham dúvidas quanto a ter a mesmaperformance no governo.

É engraçado como os argumentos dos represen-tantes letrados e iletrados das elites penetram fun-

Page 17: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

17

QU

ASE

do. Como se pode acreditar, depois de tantos gover-nos calamitosos dirigidos pelos potentados do Im-pério, que estes têm capacidade para governar e ostrabalhadores não? Sem querer, esses argumentossão assimilados a tal ponto que muitos daqueles queapoiavam Lula acreditaram nas jogadas armadascontra o candidato do PT e da Frente Brasil Populare se assustaram com a possibilidade de serem verda-deiras as acusações.

Quantos não acreditaram que a subida do dólar edos juros se devia realmente ao crescimento de Lulanas pesquisas? Quantos não se convenceram de queLula no governo iria mesmo estatizar tudo? E quantosnão desistiram de votar no candidato-trabalhador porcrer que ele iria dar o calote na poupança ou tirar aterra dos pequenos proprietários?

Não foram poucos os que se deixaram abalar pe-las acusações levianas de que o senador Bisol, viceda chapa de Lula, seria corrupto. E uma faixa consi-derável da classe média acabou aceitando a acusa-ção de que o PT era composto por um bando depatrulheiros que não dava liberdade a ninguém. Oincidente com a atriz Marília Pêra, ocorrido no dia12 de setembro, durante a passeata que se deslocouda Praça da Sé para a Avenida Paulista, em São Pau-lo, talvez seja o que melhor ilustra essa situação. Aopassar em frente ao teatro em que aquela atriz re-presentava uma peça, na Avenida Brigadeiro LuísAntônio, a multidão vaiou e expressou em palavrassua discordância com a escolha eleitoral feita porela. Isso serviu para uma campanha orquestrada, emque aquela multidão foi acusada de agredir a atriz e

Page 18: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

18

QU

ASE

de realizar patrulhamento ideológico e político con-tra os adversários.

Inúmeros editoriais, matérias pagas e noticiáriosalimentaram durante dias e dias a onda de solidarie-dade à artista. Mesmo alguns intelectuais e artistascomprometidos com a candidatura Lula sentiram-se na obrigação de vir a público condenar a “violên-cia” contra Marília Pêra e exigir que os petistas secomportassem com civilidade. Nem se deram contade que o incidente servira somente como pretextopara introduzir uma cunha no setor artístico e inte-lectual, sem dúvida onde a candidatura Lula estavasolidamente enraizada, pelas propostas democráticase participativas que apresentava para a cultura. E,bem vistas as coisas, foram justamente os artistas eintelectuais que apoiavam Lula que passaram a serpatrulhados pela maciça campanha na imprensa.

O que aconteceu na realidade? Todos sabem queMarília Pêra fazia propaganda aberta de Collor emseu espetáculo teatral. Esse era um direito seu, de-mocrático, e ninguém podia impedir que ela o fizes-se. Entretanto, por que a multidão não tinha o mes-mo direito democrático de se manifestar contra aopção dela e a favor de outra alternativa? Por que épatrulhamento manifestar desagrado a alguém e nãoé patrulhamento a enxurrada de matérias contra osintelectuais e artistas petistas? Infelizmente, paraalguns a democracia só é boa quando lhes serve, masnão aos outros.

O susto dos nossos, mais do que o dos raivosos, éa prova provada do doloroso aprendizado da demo-cracia.

Page 19: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

19

QU

ASE

4. Vontade e realidade

O nosso aprendizado da eleição presidencial co-meçou no final de 1987, durante o 5o Encontro Na-cional do PT, em Brasília. Hoje, relendo os documen-tos sobre a candidatura Lula e a linha geral das alian-ças, discutidos e aprovados naquele Encontro, nosespantamos de que nossas previsões estivessem re-lativamente corretas. Mas também constatamos quenossa compreensão sobre o caráter da disputa queiríamos travar, sobre a natureza do governo que pre-tendíamos e sobre as possibilidades de nossa vitóriasofria de lacunas sérias.

Sobre as possibilidades de vitória, em especial,nossa descrença era considerável. Na primeira reu-nião da direção nacional, no início de 1988, convo-cada para estudar a estratégia da campanha, DjalmaBom (então um dos coordenadores da campanha) eeu apresentamos um texto no qual dizíamos explici-tamente que havia condições reais para ganhar eque este deveria ser o objetivo fundamental de nos-sa campanha. Argumentamos que não se tratavaapenas de marcar posição através de uma candida-tura própria ou de aproveitar as eleições para difun-dir o programa partidário, realizar a denúncia dasituação social e econômica vivida pelo país e acu-mular algumas forças para embates futuros. O mo-mento era favorável para fazer tudo isso na perspec-tiva de vencer e assumir o governo, definição quetinha implicações importantes nos demais disposi-tivos de nossa estratégia eleitoral, no programa degoverno e nas táticas que deveríamos adotar.

Page 20: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

20

QU

ASE

A maioria dos presentes foi muito educadaconosco, mas deu a entender que éramos triunfalis-tas e tínhamos objetivos ambiciosos demais paranossas forças. Reiterou que deveríamos evitar a ten-dência de apresentar nosso desejo como se fosse arealidade e nos lembrou que o inimigo jamais per-mitiria que chegássemos tão longe. Outros argumen-tos foram alinhados e alinhavados, com origens efundamentos distintos, mas todos para concluir quenão estavam dadas as condições para uma vitóriaeleitoral do Lula.

Na ocasião fiquei teimosamente entre a minoriaque acreditava nas condições favoráveis para um êxitoeleitoral. Mas confesso que alguns indicadores nãobatiam muito com essa análise. A candidatura Lulanão funcionou como instrumento de mobilizaçãopara a conquista das diretas em 1988, como pensá-vamos. A indiferença da população era angustiantee só mudou em novembro, no final da campanhaeleitoral municipal. Porém, mesmo nossas vitóriasnessas eleições, confirmando a tendência de cresci-mento da esquerda, não puderam ser consideradascomo testes decisivos para nossa hipótese, já quenão contavam com a aferição do fator principal: apreferência pelo próprio Lula.

Por tudo isso, quando voltamos a discutir a cam-panha Lula Presidente em dezembro de 1988, evita-mos colocar expressamente o objetivo ganhar no novodocumento sobre a nossa estratégia eleitoral. É ver-dade que essa perspectiva esta implícita no espíritodo texto. Afinal, os resultados das urnas haviam sina-lizado mais claramente que o PT e as forças de es-

Page 21: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

21

QU

ASE

querda estavam num momento favorável de sua tra-jetória. Mas é possível que tenhamos cometido umerro ao não haver dado maior transparência àqueleobjetivo, embora nossa estratégia fosse para ganhar.

No curso da campanha, a dúvida na vitória influiunegativamente na vontade de vários militantes e di-rigentes. A ação para mudar a realidade só funcionacom destemor quando existe clareza de qual é o ob-jetivo e confiança na viabilidade alcançá-lo. É prová-vel que agíssemos com mais afinco para resolver al-guns de nossos problemas estruturais se estivésse-mos mais convencidos de nossas possibilidades.

É verdade que quando as possibilidades não exis-tem, nossa simples vontade e determinação trans-formam-se em voluntarismo. Mas quando as condi-ções estão dadas, a vontade é instrumento funda-mental para transformar a realidade. Apesar de tudoo que realizamos, talvez tenha faltado uma pitadamaior dessa vontade em nossa ação. A tradição dedescrença na força dos trabalhadores e na sua capa-cidade ainda pesa consideravelmente nas mentes enos corações de muitos de nós.

Apesar disso e do fato de que o Império das elitesmais uma vez saiu vencedor, pela primeira vez nahistória do Brasil ele teve que se confrontar direta-mente com a esquerda unida e conquistou a vitóriapor uma reles diferença de 5%, ou quatro milhõesde votos num total de 82 milhões. Convenhamos,um grave motivo para dores de cabeça generaliza-das. Ou para um bom frio na espinha.

Page 22: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos
Page 23: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

23

QU

ASE

Descrenças e fatos

Ainda hoje há aqueles que ousamduvidar da capacidade de organização

política dos trabalhadores.Lula, 1a Convenção Nacional do PT, 1981

1. Uma longa história

As descrenças que cercaram a candidatura Lula àPresidência da República, mesmo aquelas delibera-damente induzidas para impedir que ampliasse suabase de sustentação, têm uma longa história. De pelomenos 10 anos, para não ir muito longe. Elas reve-lam o desprezo com que as elites do Império, as eli-tes proprietárias, dominantes e pensantes deste país,sempre encararam a capacidade dos trabalhadores.Vale a pena relembrá-las, mesmo de forma sucinta.

Quando a classe trabalhadora voltou a ocuparseu espaço na vida social, no final da década de70, e destacou Lula como liderança, poucos acre-ditaram que ela fosse capaz de enfrentar o embatecom a ditadura. Afinal, após o golpe militar de 1964os trabalhadores pareciam haver se conformadocom a realidade do Brasil Potência dos militares edesistido de lutar. Excetuando-se as escaramuçasde Osasco e Contagem, em 1968, os assalariadosindustriais não tiveram destaque nessa luta por um

Page 24: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

24

QU

ASE

longo período. As autoridades militares consegui-ram impingir dirigentes pelegos à maioria dos sin-dicatos e o Império parecia tranqüilo com seu flancotrabalhista.

Assim, quando pipocaram as operações tartaru-gas e, depois, as greves sob a liderança daquele tor-neiro-mecânico barbudo que presidia o Sindicato dosMetalúrgicos de São Bernardo do Campo, os donosdo dinheiro se assustaram um pouco, mas pensa-ram superar as dificuldades e evitar outros desdo-bramentos. Acostumados a tratar com os pelegosde plantão, não supunham estar tratando com umnovo tipo de sindicalista, nem que ele pudesse resis-tir a bons restaurantes, presentes e salões acarpeta-dos. Numa cuidadosa operação de marketing, elo-giaram o quanto puderam o espírito sindicalista e oapoliticismo do metalúrgico e tudo fizeram paraganhar as suas boas graças.

Também jamais acreditaram que a luta sindicalfizesse despertar a consciência política. Conforma-vam-se em aceitar, pelo menos por algum tempo,lideranças sindicais autênticas e independentes,desde que ficassem longe da política, essa coisa sujaque só eles, os barões do Império, consideravam-secapazes de manipular sem perder a honra. Por isso,sentiram-se traídos quando o metalúrgico Lula, quenão queria nada com política, descobriu que semfazer política os trabalhadores jamais conseguiriamalgo consistente – e resolveu fundar um partido, ain-da mais um partido de trabalhadores.

O sentimento da confiança traída transformou-sedepois na esperança de que os trabalhadores, os sin-

Page 25: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

25

QU

ASE

dicalistas e os intelectuais que haviam se jogado naempreitada de fundar o Partido dos Trabalhadoresnão conseguissem atender às exigências da legisla-ção para legalizar o partido. Descrentes eles própriose conhecedores da força da descrença, espalharama idéia de que o PT não conseguiria implantar-senacionalmente, pois era um fenômeno eminente-mente paulista e, pior, da região ao ABCD.

Mais tarde patrocinaram a idéia de que o partidoimplodiria em virtude das disputas internas. Acos-tumados a assistir e estimular as divisões na esquer-da, consideravam impossível que o novo partido, for-mado por sindicalistas sem experiência política emilitantes oriundos das mais diferentes experiênciasderrotadas de luta contra a ditadura militar, alémde ativistas religiosos, pudesse se sustentar nas per-nas. Por isso, difundir de forma amplificada qual-quer pendência interna do PT passou a ser um dospontos de pauta mais importantes da imprensa bur-guesa em todo o país. Alguns jornais, como o Jornalda Tarde, de São Paulo, e O Globo, especializaram-se em criar e difundir boatos a respeito de brigasintestinas do PT.

No episódio da escolha, pelo Congresso, de Tan-credo Neves para Presidente da República, previramo fim do PT por sua posição intransigente contra aida ao Colégio Eleitoral. O partido parecia remarcontra a corrente da enchente popular, que via emTancredo a solução de seus problemas e do país. Trêsdeputados negaram-se a cumprir a determinação doPT e foram expulsos. Outros filiados abandonaram opartido em solidariedade aos três. Parecia não haver

Page 26: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

26

QU

ASE

quem pudesse impedir a desagregação do Partidodos Trabalhadores.

Esse tipo de crença ou descrença repetiu-se naseleições de 1986. O Plano Cruzado fora preparado ealongado, entre outras coisas, para permitir umavitória avassaladora dos partidos do governo, o PMDBe o PFL, esses partidos que se parecem cada vez maiscom o PDS da Velha República, sempre por cima enas tetas do poder. Não era possível que o partido deLula, declaradamente contra o Plano Cruzado, pu-desse eleger bancadas consistentes para a Constitu-inte e as assembléias estaduais.

E nas eleições municipais de 1988 não davamqualquer crédito à possibilidade de o Partido dosTrabalhadores reconquistar sequer a Prefeitura deDiadema. Eleger prefeitos em algumas capitais e ci-dades importantes não passava, para a maioria dosanalistas políticos do Império, de um delírio petista.

Não é estranho, pois, que durante um largo perío-do as elites do Império tenham continuado a im-buir-se de suas descrenças em relação à capacidadedos trabalhadores e se enganado quanto às potencia-lidades da candidatura presidencial de Lula.

2. Desmentidos pelos fatos

Já faz parte da história o fato de que as greves dostrabalhadores do ABCD paulista colocaram a dita-dura contra a parede e aceleraram o processo deabertura política do regime militar. Aos trabalhado-res, fundamentalmente a eles, se deve a desmonta-gem dos planos de distensão lenta e gradual da dita-

Page 27: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

27

QU

ASE

dura, planos que pretendiam manter intocados osprivilégios e os mesmos grupos no poder.

É verdade que Lula não via inicialmente a relaçãoentre a luta dos trabalhadores por melhores condi-ções de vida e trabalho e a luta política, do mesmomodo que não relacionava a participação políticadesses trabalhadores com a criação de um partidoque fosse sua expressão de classe e os representassena disputa política. Em 1979 ele reconheceu que até1977 era um dirigente apolítico e só com as grevespôde sentir a necessidade de participação política.

Percebeu que os dois campos estavam muito liga-dos e, por isso, passou a considerar importante criartalvez não um, mas vários partidos políticos. E deci-diu participar de forma mais ativa no projeto de cons-trução de um partido dos trabalhadores.

O processo de construção do PT não foi fácil, masos fatos também desmentiram todas as previsões etodos os descrentes. Fundado oficialmente em 1980e com registro provisório, o PT enfrentou em 1982seu primeiro teste eleitoral. Apostando na perspecti-va de que trabalhador deveria votar em trabalhador,pretendia conseguir a porcentagem nacional dos vo-tos (5%) que lhe permitiria o registro definitivo. Ob-teve 3,1% dos votos e um perfil eleitoral muito dese-quilibrado: 88,8% dos seus eleitores na região Sudes-te; 2,0% na região Norte; 1,0% na região Centro-Oes-te; 4,2% no Sul; e 4,0% no Nordeste. Isso parecia vali-dar a incredulidade da burguesia. No entanto, o PTelegera o prefeito de Diadema e só não elegera o deSão Bernardo do Campo porque a sublegenda deumaior quociente eleitoral do PMDB. Ainda colocando

Page 28: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

28

QU

ASE

num plano muito secundário sua atuação parlamen-tar e com quase nenhuma experiência eleitoral, o PTdemonstrava potencialidade inesperada.

Evidentemente o PT enfrentava o problema dafusão, num único partido, de correntes de oposiçãocom experiências políticas muito variadas. Todas elaspossuíam, e em alguma medida ainda possuem, víci-os de origem, concepções ideológicas e políticas epráticas diferentes. Vistas as coisas somente por esseângulo, muito dificilmente elas conseguiriam unifi-car-se de forma mais consistente. Entretanto, emsua maioria, elas tinham em comum alguns pontosimportantes. Haviam enfrentado um mesmo inimi-go nas duras condições da ditadura militar e haviamsido derrotadas por ele de diferentes formas. Alémdisso, foram atraídas positivamente pelo despertarda luta dos trabalhadores e pela fundação do PT e sedispuseram a reavaliar sua experiência histórica apartir de suas derrotas e das novas condições en-frentadas pela classe trabalhadora brasileira.

Mais do que tudo, a presença no PT de um contin-gente maior de militantes oriundos dos movimen-tos sindical e popular fez com que grande parte des-sas correntes se desse conta de que as questões po-líticas não poderiam ser revolvidas por métodos ad-ministrativos. Seria necessária uma longa convivên-cia democrática, marcada por experimentações prá-ticas no movimento social e político, para superarvícios e concepções atrasadas e unificar posições quecorrespondessem às características do PT como par-tido de massas. Esse leito de vida democrática, aoqual a burguesia brasileira não se adapta, embora

Page 29: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

29

QU

ASE

viva enchendo a boca com a palavra democracia, temsido o fator determinante que permite ao PT umprocesso permanente e cada vez mais avançado deunificação política, convivendo ao mesmo tempo comuma constante luta interna de opiniões. No dia emque não existirem, dentro do PT, divergências deopinião e as condições para debatê-las, ele será umpartido morto. Este é mais um fato.

O PT também não acabou quando decidiu nãocomparecer ao Colégio Eleitoral e colocar-se contrao Plano Cruzado. É verdade que o plano do ministroFunaro reacendeu as esperanças da população e fezcom que grande parte do eleitorado acreditasse noque o governo e seus partidos de sustentação afir-mavam. Mesmo assim, o PT elegeu uma bancada de16 deputados constituintes e 39 deputados estadu-ais, dobrando a sua votação em relação a 1982: 6,2%dos votos válidos de todo o país.

Deve-se lembrar que, em 1986, o Partido dos Tra-balhadores foi obrigado a enfrentar, além do engo-do do Plano Cruzado, uma série de provocações quevisavam desestabilizá-lo e prejudicar seu desempe-nho nas urnas. Em abril, tentaram implicar o parti-do no assalto a uma agência bancária em Salvador;em julho, a Polícia Militar de São Paulo matou doisjovens trabalhadores em Leme e procurou incriminardeputados do PT como autores do assassinato; e,durante todo o ano, moveram uma campanha semtrégua contra a prefeitura petista de Fortaleza, elei-ta em 1985.

Mas foi nas eleições municipais de 1988 que oPartido dos Trabalhadores contrariou todas as previ-

Page 30: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

30

QU

ASE

sões e confirmou sua tendência de crescimento comopartido nacional de massas. Elegeu 36 prefeitos, in-cluindo os de capitais tão importantes como São Pau-lo, Porto Alegre e Vitória, e 1.050 vereadores. Tevevotação em mais de 80% dos municípios brasileiros econquistou 28,8% dos votos das 100 maiores cidadesdo Brasil. Comparativamente às eleições municipaisde 1985, o PT voltou a dobrar sua votação.

Esses fatos não só jogavam por terra o descréditoem relação ao PT. Mostravam que o Império burguês,ao desprezar os trabalhadores e o partido que mais seesforça em representar seus interesses, desconheciaa evolução interna da política petista, seu avanço emrelação a programas de governo e política de alian-ças. Desconhecia tanto o crescimento que pode sermedido pelo desempenho eleitoral, quanto aquelerelacionado com a integração nas lutas sociais e polí-ticas dos trabalhadores e do povo brasileiro.

No seu preconceito míope, o Império não mediuo significado real da participação do PT no processode unificação do movimento sindical através da fun-dação da CUT, em 1983, na luta pelas diretas, em1984, em todas as lutas reivindicatórias, democráti-cas e progressistas dos trabalhadores e demais ca-madas da população. Nem chegou a vislumbrar quetodos esses fatos representavam a demonstração realdo crescimento do Partido dos Trabalhadores, umpartido que, como dizia Lula em 1981, era “um me-nino que nasceu contra a descrença, a desesperançae o medo”.

Page 31: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

31

QU

ASE

3. Esmagando as esperanças

As elites do Império têm, em parte, razão em suasdescrenças. Durante quase 500 anos elas se acostu-maram a esmagar qualquer esperança de ascensãodos oprimidos.

Para implantar-se no Brasil, os conquistadores por-tugueses escravizaram e mataram milhões de índios.Alguns jesuítas, como o padre Antonio Vieira, denun-ciaram o massacre levado a cabo pelas festejadas en-tradas e bandeiras e calcularam em mais de 4 mi-lhões de nativos mortos de diferentes maneiras peloscolonizadores. Depois, para fazer funcionar seus en-genhos de cana-de-açúcar e suas criações de gado, ossenhores da terra importaram escravos africanos queeram dizimados no trabalho brutal dos eitos e forna-lhas. Quantos milhões de negros africanos adubaramo solo fértil do Brasil, assassinados no trabalho ou nopelourinho por um regime que durou quase quatroséculos, indo quase ao limiar deste século XX?

Mais tarde, já na República, os sentimentos pelodireito à terra e à vida dos lavradores pobres foi cons-tantemente esmagado pelos latifundiários. Canudos,a cidadela camponesa governada por Antonio Con-selheiro, na Bahia, no fim do século passado, não tevesobreviventes, não é mesmo? Quantos trabalhado-res rurais morreram assassinados por jagunços e pelapolícia em 100 anos de República? Quem se preocu-pou em contá-los, já que sempre valeram tão poucopara os poderosos?

Quem não se lembra como as reivindicações ope-rárias por melhores salários e condições de vida eram

Page 32: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

32

QU

ASE

tratadas como crimes e casos de polícia ainda hátão pouco tempo? Cada direito, cada reivindicação,cada avanço nas condições de trabalho e vida dostrabalhadores brasileiros foi arrancado com esfor-ço, suor e sangue. As elites do Império jamais con-cederam nada de bom grado, jamais fizeram qual-quer concessão, por menos que fosse, sem apelarpara a mentira, para o engodo e para a força bruta.

Mesmo quando brigaram entre si para viabilizarum ou outro projeto político de suas diferentes alas,como em 1891 (Floriano Peixoto), 1930 (InsurreiçãoLiberal), 1954 (Juscelino Kubitschek) ou em 1964(golpe militar), as elites sempre fizeram com que asclasses subalternas pagassem a conta por apoiar umdos lados. Elas, ao contrário se reconciliavam e conti-nuavam dividindo entre si os frutos da riqueza produ-zida pelos trabalhadores. Em particular após 1964,desenvolveram o mais persistente e torpe projeto deespoliação da terra e do homem brasileiros.

O processo iniciado com o golpe militar de 1964gerou profundas transformações na sociedade bra-sileira. Os governos militares abriram ainda mais asportas do Brasil ao capital estrangeiro. Garantiramaos empresários daqui e de fora as condições paraauferirem grandes lucros, arrochando os salários,mantendo baratas as matérias primas e construindocom o dinheiro público a infra-estrutura de energia,transportes e comunicações. Transformaram o Bra-sil num paraíso para as multinacionais que aqui seinstalaram.

O país se industrializou, dando ensejo à formaçãode uma vasta classe trabalhadora que passou a se

Page 33: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

33

QU

ASE

concentrar nos grandes centros. Milhões de peque-nos produtores rurais foram forçados a abandonarsuas terras próprias ou arrendadas e migrar para ascidades, tornando-se operários industriais ou bóias-frias. O campo também se modernizou. Máquinasagrícolas e novas culturas devoraram as pequenaspropriedades e fizeram crescer ainda mais o já imen-so latifúndio.

O Brasil hoje se orgulha de produzir quase tudoque a indústria pode fazer: carros, navios, aviões,foguetes... Orgulha-se também de possuir uma daselites mais ricas do mundo, ao lado dos donos dasmultinacionais. Antonio Ermírio de Moraes, da Vo-torantim, Amador Aguiar, do Bradesco, SebastiãoCamargo, da Camargo Correa, Roberto Marinho, daRede Globo, Olacyr de Moraes, da fazenda e bancoItamaraty e outros que nem gostam de aparecer sãodonos de fortunas de bilhões de dólares e vivem umavida que os mortais comuns não conseguem nemsonhar.

Mas os brasileiros se envergonham da miséria emque vive a maior parte de sua população. Oitentamilhões ou mais passam fome permanentemente,não têm moradia decente, não podem comprar qua-se nada porque não possuem poder aquisitivo. Ostrabalhadores que constróem e operam as fábricas,os navios, as máquinas, que produzem bens e ali-mentos, não têm chances de possuir quase nada doque produzem.

O Brasil Potência que os militares e seus tecno-cratas haviam prometido com seu projeto de moder-nização do país, fazendo o bolo da riqueza crescer

Page 34: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

34

QU

ASE

para depois dividí-lo entre todos, só trouxe sofrimen-tos à maioria. Para implantá-lo, acabaram com ademocracia, que já era pouca, impuseram a ditadu-ra, prenderam, torturaram e mataram opositores,proibiram greves, alastraram a corrupção e garanti-ram sua própria impunidade. O bolo cresceu, e mui-to, mas só uma minoria pôde comer dele, a minoriadas elites – a de sempre.

Para a maioria, nem migalhas sobravam. Na regiãodo ABCD paulista, por exemplo, onde se concentra-ram as principais indústrias de automóveis, implan-tou-se também uma das maiores concentrações defavelas do país. Mais de 40% da população local vege-ta nesses aglomerados, onde a violência urbana cau-sa dois homicídios diários, em média, mostrando umdos aspectos mais dolorosos da face podre do BrasilPotência legado pela ditadura militar.

4. Falência de um projeto

Diante dos resultados desastrosos da construçãodo Brasil Potência, o descontentamento se alastrou,apesar da repressão militar e policial. No início silen-ciosamente, procurando as brechas e recuos do pró-prio regime. Embora tivesse derrotado todas as ten-tativas de resistência armada, o sistema implantadopelos militares e pelo grande capital esgotava-se. Aseleições de 1974 foram a primeira grande oportuni-dade para que a crescente oposição popular e demo-crática impusesse uma derrota ao Império.

É preciso reconhecer que as elites tudo fizerampara montar um novo projeto que lhes permitisse

Page 35: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

35

QU

ASE

manter a situação que desfrutavam. Procuravamganhar tempo, conseguiram bilhões de dólares em-prestados para continuar expandindo a economia etentaram promover uma abertura política a maislenta, gradual e controlada possível, usando e abu-sando dos casuísmos. Mas só conseguiram aprofun-dar ainda mais a crise estrutural do país.

O indicador mais palpável do fracasso dessas eli-tes e de seu Império, com todos os empresários,militares e cientistas sociais que fazem parte dele,foi justamente a vitalidade com que os trabalhado-res voltaram à cena. Entre 1974 e 1976 eles haviamensaiado sua força nas operações tartarugas, exigin-do reposição salarial e negociando diretamente comos empresários. Em maio de 1978, 50 mil metalúr-gicos da indústria automobilística desafiaram aber-tamente a proibição ditatorial e o medo conformis-ta e entraram em greve. Conquistaram não apenasaumentos salariais, mas também a diminuição dajornada de trabalho para 44 horas semanais e o di-reito de constituir comissões de fábrica.

A partir daí o movimento dos trabalhadores ganhounovo alento e ultrapassou os limites das greves eco-nômicas por aumentos salariais. Exigiu liberdade eautonomia sindical e liberdades políticas, resistiu àsintervenções do governo militar em seus sindicatos eenfrentou a repressão aberta das forças políticas. Efoi mais longe, articulando uma participação políticamais ativa através da formação do Partido os Traba-lhadores e de sua ação para dar fim ao regime mili-tar, conquistar eleições diretas para a Presidência daRepública e eleger uma Constituinte.

Page 36: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

36

QU

ASE

O império, porém, não só fracassou em seu proje-to Brasil Potência como acumulou uma série de de-satinos na condução da transição para um novo pro-jeto. Não permitiu as eleições diretas e impôs aopovo a conciliação de cúpula, a “transição transa-da” do Colégio Eleitoral; montou o grande engododo Plano Cruzado para vencer as eleições constituin-tes de 1986 e impingiu um mandato de cinco anospara Sarney em troca de favores mesquinhos; sus-tentou o Centrão parlamentar como tropa de cho-que conservadora para impedir conquistas democrá-ticas e populares na Constituição; chegou a chamaraté o moderado senador Covas de incendiário ver-melho, por ter sido um dos que se opuseram ao aven-tureiro despreparado e reacionário Caiado, e impe-diu a reforma agrária, levando o país a um retroces-so em matéria de direito e política agrária.

Nessas condições, com um Império refratário amudanças, aos trabalhadores só restava o caminhode reconquistar, além do direito de greve e de mani-festação, o direito à cidadania. Cada vez mais ocu-param as ruas, as praças e os estádios. E fizerambrilhar com intensidade as estrelas que atestavam,mais do que tudo, o fracasso do Império e sua pró-pria força de classe: a liderança operária de massasLula e o Partido dos Trabalhadores.

5. As estrelas contestadoras

Filósofos antigos já haviam notado que a históriacria suas próprias necessidades e problemas e ospersonagens e instrumentos que devem suprí-los e

Page 37: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

37

QU

ASE

resolvê-los a favor de um ou outro segmento social.Às vezes destaca personalidades medíocres, em qual-quer dos lados, se não encontra alguém à altura.Lembremos do exemplo recente de Sarney, comorepresentante do Império, para levar a cabo a tran-sição do regime militar para o civil. Outras vezes,porém, a história encontra alguém talhado para en-frentar os desafios postos pela vida social. Assim foicom Winston Churchill, para a burguesia inglesa,ou com Ho Chi Min, para os trabalhadores vietna-mitas, durante a 2a Guerra Mundial.

Esse também é o caso de Lula, a quem coube de-sempenhar o papel maior de liderança de classe dostrabalhadores brasileiros neste momento histórico.Ele é fruto do processo de industrialização sofridopelo Brasil durante o período militar, processo queconcentrou na região Sudeste, em particular em SãoPaulo, mais da metade do produto industrial do país.Milhões de trabalhadores rurais foram expulsos desuas terras desde a década de 50, deslocando-se paraas cidades do Sul-Sudeste para atender a demandade mão-de-obra das empresas nacionais e estrangei-ras que se instalavam, beneficiadas por incentivosfiscais, creditícios e cambiais.

Esse processo subverteu completamente a rela-ção entre a população rural e a urbana. Na décadade 50, apenas 36% dos brasileiros viviam nos cen-tros urbanos. Em 1980, 70% encontravam-se nas ci-dades, contra 30% nas zonas rurais. E da populaçãoeconomicamente ativa das cidades, mais de 15% tra-balhavam nas indústrias, como Lula nos anos 60.

A classe trabalhadora sofreu, assim, uma profun-

Page 38: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

38

QU

ASE

da transformação. Grande parte dela, a maioria, ja-mais tivera contato com a vida fabril e com o movi-mento operário. Antes de meados dos anos 70 nun-ca passara pela experiência da greve e do enfrenta-mento com a repressão direta do poder de Estado.Assim, era baixo o seu nível médio de consciênciade classe. Seu despertar dependia da passagem poruma série de experiências de lutas imediatas.

Por outro lado, com as organizações políticas queprocuraram expressar seus interesses completamen-te destruídas pela repressão ditatorial, a classe tra-balhadora possuía como maior referência os sindi-catos. Nessas condições, a probabilidade maior eraque justamente daí surgisse uma nova liderança, umaliderança que tivesse, ao mesmo tempo, sensibilida-de para captar e entender os sentimentos desse tra-balhador urbano de perfil semi-rural, sabendo falarao seu coração, e dirigir a transformação objetiva daluta econômica dos trabalhadores em luta política,colocada na ordem do dia pela situação brasileira.

Não é estranho, assim, que Lula surja primeirocomo sindicalista avesso à política, expressando fiel-mente o sentimento e a mentalidade predominan-tes em sua classe. Ao projetar-se à frente das grevesdo ABCD, Lula é a demonstração viva da rupturacom o arrocho salarial e com o servilismo sindical,mas também com a oposição frouxa dos políticosconsentidos que diziam não concordar com o regi-me militar, mas se submetiam a seus planos ecronogramas. As lutas operárias e populares, as gre-ves e os confrontos com o regime, politizaram ostrabalhadores e conduziram Lula e parte conside-

Page 39: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

39

QU

ASE

rável da nova safra de sindicalistas a entender, rapi-damente, que política não é igual a politicagem.Daí a enfrentar o desafio de fundar e construir umpartido de trabalhadores foi um passo. Porque o Lulanecessário para a história de luta de libertação dostrabalhadores brasileiros é o Lula político-partidá-rio, o Lula que supõe a existência de um partidodos trabalhadores.

Evidentemente, Lula continuou mantendo suascaracterísticas pessoais básicas, especialmente suasensibilidade para sintonizar-se com os sentimentos,os humores, as aspirações e a disposição dos traba-lhadores. Mas, com o anúncio da criação do Partidodos Trabalhadores, em comício no Rio de Janeiro,em outubro de 1979, a estrela do Lula passa a con-fundir-se cada vez mais com a estrela do PT.

O Partido dos Trabalhadores é outro instrumentotalhado pela história para enfrentar os desafios co-locados ante os trabalhadores brasileiros. Ele surgetanto do fracasso do projeto Brasil Potência ideali-zado pelas elites, quanto do fracasso das diferentesresistências ao regime militar, armadas e não-arma-das, empreendidas na segunda metade dos anos 60e no início da década de 70. E surge, também, dasnovas formas de resistência democrática, popular eoperária que se forjam no período.

Aproveitando as brechas legais abertas pelo pró-prio regime militar, as lideranças sindicais e popula-res, que tinham consciência de que era preciso criarum partido de trabalhadores, agem com audáciaquando a ditadura se vê obrigada a realizar a refor-mulação partidária de 1979, na pretensão de dividir

Page 40: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

40

QU

ASE

a oposição em virtude dos resultados eleitorais de1974 em diante. É interessante notar como a manu-tenção do calendário eleitoral pelo regime militar,objetivando dar-lhe uma aparência democrática (in-crível como a burguesia “acredita” que eleição é iguala democracia), volta-se contra ele à medida que aoposição cresce. Nessas condições, a tentativa dedividir a oposição, até então aglutinada artificialmen-te no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), naverdade mais parece um tiro pela culatra: acelera adesagregação do regime, coloca na ordem do dia odireito à livre organização partidária e apressa a de-mocracia.

A formação do PT, assim como a do PDT em re-presália ao PTB fisiológico de Ivete Vargas, é umacunha na reformulação partidária pretendida pelosmilitares e representa de imediato um embaraço nosplanos de distensão e abertura do regime. Algo co-meçava a fugir-lhes do controle. Pior, não era algodentro de seu campo, como o Partido Popular (PP)de Tancredo Neves. Em particular no caso do PT, eraalgo incontrolável, que parecia não dar bola para ofato de que a ditadura ainda estava viva e que, desdeo seu nascimento, já afirmara abertamente, paraquem quisesse ouvir, que pretendia construir umanova sociedade, contra o capitalismo implantado peloregime dos militares.

O PT já nascia contestador e só poderia ter, emcontrapartida, má vontade, boicote e sabotagem. Emnovembro de 1981 o governo Figueiredo impõe umconjunto de novas regras eleitorais que determina ovoto vinculado em todos os níveis nas eleições de

Page 41: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

41

QU

ASE

1982. O mecanismo do voto vinculado tornava nulosos votos dados a legendas diferentes, obrigando oseleitores a votar para vereador, deputado estadual,deputado federal, senador e governador em candi-datos de um único partido. Com isso, o governo pre-tendia evitar a vitória da oposição, então formadapor mais de um partido, e inviabilizar a agremiaçãopartidária que estava fora das previsões dos estrate-gistas do Planalto, o PT.

Da esquerda tradicional e dos progressistas tam-bém surgiam restrições ao PT, acusando-o de divisio-nista e desmerecendo suas possibilidades de legali-zação. Não acreditavam que o partido fosse capaz deimplantar-se no número mínimo de nove estadosexigido pela legislação do regime, nem que pudesseconquistar a votação porcentual imposta. A cadapasso em sua consolidação o PT vê recrudesceremos ataques; a cada dificuldade, a cada derrota tem-porária, a cada erro, vê crescerem as vozes da des-crença e a difusão da idéia de que não teria futuro.

O PT atrai o ódio e o rancor das elites do Impérioe de seus representantes na imprensa, no parlamen-to, no Judiciário e no governo. Não por acaso, é lógi-co. Ao construir-se como partido e apresentar umprojeto alternativo de sociedade, socialista e demo-crático, o PT desfere um golpe de morte nas formastradicionais através das quais as elites mantinhamseu domínio. Já não lhes é possível obrigar os traba-lhadores e o povo a escolher entre dois projetos dealas diferentes do próprio Império: os oprimidospassam a ter a oportunidade de optar por um proje-to que represente verdadeiramente seus interesses.

Page 42: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

42

QU

ASE

A enganosa conciliação nacional tradicionalmen-te promovida pelas elites dominantes está em peri-go. Os trabalhadores possuem um partido seu, for-mado por centenas de milhares de Lulas, além doLula que sobressaiu ofuscando aos demais, mas fa-zendo renascer a esperança num projeto de socieda-de antagônico ao projeto capitalista. Esta é uma for-ça que tem raízes profundas nos interesses e aspira-ções populares e nacionais.

Page 43: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

43

QU

ASE

Estratégia para ganhar

A partir de um programa da classetrabalhadora para conquistar o poder,dirigir o país e iniciar a construção do

socialismo, o PT tem então que assumir umapolítica de alianças para o Brasil de hoje.

PT, 5o Encontro Nacional, dezembro de 1987

1. Momento favorável

O Partido dos Trabalhadores, em pouco menos de10 anos, passou por inúmeros testes. Sofreu derro-tas, superou adversidades, obteve vitórias e acumu-lou experiências e forças. Em 1988, com sua parti-cipação decisiva na Constituinte e as vitórias nas elei-ções municipais, sentiu ter chegado o momento dedisputar para valer o governo da República.

Havia motivos para pensar assim. O sentimento ea vontade de mudanças estavam arraigados na po-pulação. As forças de esquerda aumentavam sua ca-pacidade de captar esse sentimento e essa vontadede traduzi-los em programas de transformação so-cial. Capitalizaram a simpatia e o apoio popularesatravés de sua ação de combate à ditadura, da lutapelas eleições diretas e da denúncia das políticaseconômicas que penalizavam somente aos trabalha-dores e ao povo.

O PT, em particular, consolidava-se como partidonacional e como pólo à esquerda no movimento de

Page 44: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

44

QU

ASE

polarização política do país. Sua imagem de coerên-cia, combatividade, defensor dos interesses popula-res, socialista e democrático permitia-lhe não somen-te aprofundar sua integração com os setores popu-lares e democráticos organizados da sociedade, comotambém ampliar sua representação institucional,conquistando espaços cada vez maiores nos parla-mentos e nos governos municipais.

Em 1988 o PT estava implantado em cerca de trêsmil municípios do país, possuía mais de 600 milfiliados e um número de simpatizantes bem superior.Com algumas centenas de milhares de militantes,estava estreitamente vinculado ao movimento sindi-cal e participava ativamente dos mais importantesmovimentos populares. Em 13 estados da federaçãosustentava atividade parlamentar nas assembléiaslegislativas e conquistara três prefeituras (Diadema,Fortaleza e Vila Velha) com sua própria legenda, alémde mais um prefeito eleito pela legenda do PMDBque depois se filiou ao PT (Icapuí-CE).

Para contrapor-se a essa tendência de crescimen-to do PT e da esquerda, que vinha se configurandocada vez mais nitidamente desde as eleições de 1985,as elites apresentavam-se sem um projeto unifica-do. A Nova República projetada por Tancredo se en-redara nos compromissos com os setores conserva-dores e reacionários e na inépcia de Sarney, mergu-lhando o Império em conturbada crise econômicaaparentemente sem solução. Mais grave ainda: osdiferentes setores do poder econômico não conse-guiam juntar-se em torno de políticas capazes desuperar suas dificuldades, nem achar um candidato

Page 45: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

45

QU

ASE

que expressasse sua vontade coletiva. Nem as vitóriaspetistas em São Paulo, Porto Alegre, Vitória, Campi-nas e uma série de outras cidades importantes leva-ram as hostes do Império a unificar-se.

A perspectiva de uma vitória das esquerdas naseleições presidenciais, é verdade, fazia crescer omedo das elites e, em alguns casos, esse medo trans-formava-se em pânico. Para superar isso, o Impériobuscou desesperadamente um candidato salvador.Os estrategistas do presidente Sarney, entre outros,chegaram a empenhar-se para que o decrépito JânioQuadros fosse viabilizado como a solução procura-da. No entanto, nem Jânio foi o jeito. Como se viuno primeiro turno, as representações políticas dospotentados burgueses marcharam desunidas, comcandidatos diferentes, apesar de unificarem suas for-ças toda vez que foi preciso atacar as candidaturasde esquerda.

A tendência ascendente do PT e da esquerda, asdivisões internas do Império, os sentimentos e aspi-rações das grandes massas populares por mudanças– essas eram as condições objetivas que se apresen-tavam de modo mais geral para a disputa presiden-cial de 1989. Se ressaltarmos, ainda por cima, a fi-gura do Lula, com sua sinceridade, combatividade,comprometimento com sua classe e o poder de co-municação que firmou durante sua vida, concluímosque o momento era muito favorável para traçar umaestratégia de vitória.

Page 46: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

46

QU

ASE

2. O PT faz alianças, quem diria?

Mas não bastavam condições favoráveis. Emboraexistentes, sozinhas eles não garantiam nada. Asesquerdas e as forças progressistas mantinham-sedivididas entre diversos candidatos e seu projeto demudanças também não estava unificado. O PT, iso-lado, não tinha forças para vencer, por mais esfor-ços que fizesse para captar os sentimentos, aspira-ções e tendências eleitorais dos trabalhadores, dapopulação desorganizada de baixa renda e das clas-ses médias.

Como agravante das dificuldades, os possíveis alia-dos também não acreditavam na força e nas possibili-dades do PT. Os partidos socialistas e comunistas,que muitas vezes concorriam na mesma faixa políti-ca, além disso possuíam uma postura de oposição aoPT no movimento sindical e popular e nutriam dife-rentes percepções sobre a vontade e a capacidade doPT em unir-se a outras correntes partidárias. O PSB,por exemplo, criticava o PT por resistir a uma políti-ca de frente, priorizando seu fortalecimento partidá-rio ou, no caso de fazer coligações, impor a estas umrelacionamento autocrático e hegemônico.

O PCdoB e o PV mantinham reservas do mesmotipo, fora as rixas antigas que minavam o campo doentendimento, enquanto o PCB simplesmente nãoaceitava tratar de uma frente ou coligação que nãoincluísse o PDT, PSDB e PMDB e não deixasse emaberto o nome a ser escolhido para a cabeça da cha-pa. O PDT e Brizola, por seu turno, reclamavam queas elites estavam enchendo o balão do PT e festejan-

Page 47: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

47

QU

ASE

do-o mais do que os próprios petistas, de modo adesmerecer os pedetistas de forma deprimente. Essasituação, segundo declarações de Brizola no Jornaldo Brasil de 14 de dezembro de 1988, os obrigaria aquestionar Lula duramente durante a campanha, oque aliás fez no curso de quase todo o primeiro tur-no. Em 5 de abril de 1989, na Folha de S.Paulo,Brizola deu o mote dos ataques que desfecharia con-tra Lula, qualificando-o de ponta de um enormeiceberg, um novo Jânio Quadros que não seria bompara o país. Nessa mesma entrevista, atirou contra oPT, comparando-o aos nazistas, que eram muito ra-dicais na exploração do grevismo, no assembleísmoe nas vaias, mas eram da direita em guerra contra ademocracia.

Para o presidente do PDT, o PT não havia lançadoLula para vencer, mas fundamentalmente para der-rotar o próprio Brizola e abrir campo para a vitóriadas elites. Embora o tom das críticas de Lula e doPT a Brizola, durante a campanha, tenha-se manti-do em geral em nível bem mais ameno, somente nosegundo turno Brizola se deu conta de que o verda-deiro inimigo era outro.

Se com o PDT e Brizola a situação era essa, com oPSDB o quadro não era menos sombrio. Partido decentro, debatendo-se entre alas opostas, o PSDB nãoadmitia sequer conversar sobre a unificação em tor-no de Lula. A imagem que seus líderes tinham do PTsempre foi a pior possível. Radical, extremado, es-treito, sectário, atrasado, xiita – estes eram algunsdos adjetivos que mais circulavam entre os tucanosa respeito do PT.

Page 48: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

48

QU

ASE

No entanto, embora recebendo pedradas de to-dos os lados e enfrentando resistências internas devariados graus, o PT havia estabelecido, quem diria,uma política de alianças e já a tinha experimentadocom sucesso em algumas eleições municipais. Maisdo que isso, por considerar que havia condições fa-voráveis para vencer e de que não poderia fazê-losozinho, estava disposto a aplicar essa política demodo mais profundo nas eleições presidenciais.

Desde seu 5o Encontro Nacional, em dezembrode 1987, o PT não somente vinha reiterando suacrítica às experiências negativas da esquerda brasi-leira, ao atrelar os trabalhadores a diferentes seto-res da burguesia e descambar sua política de alian-ças para a colaboração de classes, como também em-penhava-se para superar o sectarismo e a intolerân-cia, que em nome do sentimento de independênciade classe e de oposição ao reformismo, impediamtanto a aplicação de uma política de alianças quan-to a discussão mesma do assunto.

Com base em sua próprias experiências na lutapelas diretas-já, nas táticas eleitorais de 1985 e 1986e em outras alianças pontuais estabelecidas em vá-rios momentos, o PT amadureceu a idéia de que alian-ças não são uma questão de princípio, mas que sódeveria fazê-las sustentado em princípios. Em ou-tras palavras, o PT não faz alianças com qualquerum tendo em vista objetivos imediatistas ou perso-nalistas. A linha geral de sua política de aliançasrepousa na unidade com setores sociais que se con-trapõem de diferentes maneiras à dominação do ca-pital e têm como perspectiva a transformação socia-lista da sociedade brasileira.

Page 49: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

49

QU

ASE

Evidentemente, uma política desse tipo é de lon-go prazo e demanda um complexo processo de alian-ças, acordos e coligações parciais com as forças po-líticas que, embora tenham divergências numa gamarazoável de questões, atuam no sentido daquela pers-pectiva geral (anticapitalista, socialista). Por isso éessencial para o PT e sua militância que as aliançasestejam sempre embasadas em programas de açãotransparentes, que exprimam a unidade concretaalcançada em cada momento da luta contra os ini-migos comuns.

Foi assim que, em 1988, o PT conseguiu estabele-cer coligações com outros partidos de esquerda eprogressistas em pelo menos dez capitais: com PCBem Rio Branco, Fortaleza, Vitória, Porto Alegre eSão Paulo; com o PCdoB em Vitória, Cuiabá, Natal eSão Paulo; com o PSB em Fortaleza, Vitória, Cuiabá,João Pessoa e Natal; com o PV em Rio Branco, For-taleza, Vitória e João Pessoa; com o PH em Vitória eNatal; com o PSDB em Vitória; e com o PDT emGoiânia e São Paulo (onde retirou a candidatura afavor da candidata do PT). Em Camboriú (SC), Ame-ricana (SP) e Baturité (CE), o PT indicou os vices dachapa, conjunta com o PDT.

De um modo ou de outro, todos os partidos deesquerda e progressistas realizaram experiências decoligação com o PT em algum lugar do país. O PT,por seu lado, avançou mais em sua compreensão quan-to à necessidade das alianças para vencer adversáriostão poderosos como as tradicionais elites do Império,sem que isso o coagisse a abrir mão de seus com-promissos fundamentais com os trabalhadores.

Page 50: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

50

QU

ASE

Nas eleições presidenciais de 1989 o PT traba-lhou, desde o início, para formar uma aliança emtorno de Lula, englobando PV, PSB, PCdoB, PCB,PDT, PSDB e setores progressistas do PMDB. Ao con-trário do que afirmaram os mais diferentes analis-tas políticos, em geral desconhecedores das políti-cas do PT, este se empenhou para que tal aliança oucoligação se materializasse desde o primeiro turno.O que não foi possível porque alguns desses parti-dos, com todo o direito, lançaram candidatos paradisputar seriamente o governo – casos do PDT ePSDB – ou para afirmar sua proposta própria para asociedade – caso do PCB.

A formação da Frente Brasil Popular, em aliançacom o PSB, PCdoB e PV (que depois a abandonou elançou candidato próprio por discordar da escolha docandidato a vice), constituiu porém o patamar inicialpara a política de frente da campanha presidencial. Aelaboração de um programa de governo, contemplan-do as aspirações da maioria da população e coincidin-do com os principais pontos programáticos das ou-tras forças de esquerda, completou o arcabouço ne-cessário para vencer no primeiro turno, ampliar asalianças e disputas para vencer no segundo.

3. Um programa das maiorias

Outra novidade positiva da campanha presidencialbrasileira de 1989 foi a inusitada importância ga-nha pelos programas de governo dos candidatos. Aspesquisas indicavam tanto o fato de o eleitorado vo-tar preferencialmente em nomes, não em partidos,

Page 51: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

51

QU

ASE

quanto o de exigir que o perfil do candidato idealcontemplasse suas propostas em relação aos princi-pais problemas percebidos pela população. Em ge-ral, mais de 30% dos entrevistados apontavam a ne-cessidade de os candidatos explicarem melhor seusprogramas de governo, detalhando seus planos paradar solução àqueles problemas.

No caso do programa de ação do governo Lula, aatitude dos adversários e da imprensa do Impériovariou. Até meados do ano, acusavam o PT e Lula denão possuírem um programa, mas tão somente umaplataforma de propostas genéricas. Ou, quando re-conheciam que o programa estava sendo elaborado,apontavam então para possíveis divergências queimpossibilitariam que ele fosse dado a público.

O PT, entretanto, desde cedo preocupou-se comque Lula apresentasse um programa de governo quecontemplasse as aspirações e os sonhos da maioriada população brasileira. Por isso mesmo, deveria serresultado de um amplo processo de discussão no PT,nos diversos partidos aliados à candidatura Lula ena sociedade. O método de elaboração do programaestava, portanto, associado a seu conteúdo demo-cratizante. Seria uma incoerência propor a demo-cratização da sociedade, de sua vida econômica esocial, do Estado e da riqueza, acabando com a mi-séria e as desigualdades mais gritantes, sem contarcom um mínimo de participação popular e debatedemocrático em torno das medidas que deveriamser adotadas como plano de governo.

A relativa morosidade com que operamos a prepa-ração do programa de governo do Lula tem, assim,

Page 52: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

52

QU

ASE

uma justificativa. Envolvemos algumas centenas deespecialistas e militantes na preparação do programa.E, através de grupos de trabalho, seminários, plenári-as e da difusão massiva dos textos preliminares, incor-poramos milhares de pessoas ao seu processo de ela-boração final. Mesmo assim, achamos que o tempo foicurto demais, não permitindo envolver maiores parce-las do povo no debate dos planos e medidas que deve-riam decidir seu futuro por vários anos.

Quando ficou evidente que a Frente possuía umprograma de ação para o governo, explicitado nasdiretrizes para sua elaboração, nas bases do progra-ma e nos 13 pontos do programa democrático e po-pular, difundido em algumas centenas de milharesde publicações e explicado didaticamente nos fascí-culos Brasil Urgente, tudo isso a partir de julho, oImpério, seus candidatos e seus meios de comunica-ção mudaram de atitude. A linha básica adotada,então, foi a da desqualificação. Na passagem do pri-meiro para o segundo turno, em particular, os 13pontos do programa de governo da Frente BrasilPopular sofreram um bombardeio constante.

O procedimento inicialmente adotado foi demons-trar que o programa de governo de Lula era “arcai-co”, estribado nas velhas fórmulas do estatismo, doconflito de classes e do calote seletivo. Faltava-lhe,conforme mais tarde declinou o editorialista de IstoÉSenhor, “modernidade”, uma perspectiva social-de-mocrática que não considerasse o Brasil uma imen-sa Nicarágua. Já que nesse ponto o editorialista con-cordava com o senador Roberto Campos – o mesmoeconomista que no início do regime militar, em 1964,

Page 53: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

53

QU

ASE

plantou as sementes dos frutos amargos que aindahoje estamos colhendo –, é bom recordar as recei-tas de modernidade que o senador sugeria para oBrasil na IstoÉ Senhor de 6 de dezembro de 1989:desestatização, capitalismo do povo e integração nomercado internacional.

Mas, afinal, essas não foram as mesmas receitasque o ilustre senador aplicou em 1964 e que, comas variações de praxe, vigiram durante os quase 20de militarismo? Se os mandatários do Império eramcontra a estatização, por que deixaram que a econo-mia fosse estatizada ainda mais? Seria bom que ex-plicassem ao povo que o fizeram para garantir a ins-talação e o funcionamento lucrativo das multinacio-nais e das empresas capitalistas brasileiras; que con-fessassem haver transformado o povo brasileiro nogrande financiador da industrialização que tornou oBrasil a oitava economia do mundo capitalista, atra-vés da aplicação dos recursos públicos nas obras deinfraestrutura; que reconhecessem que muitas dasestatizações praticadas pelos governos militares ser-viram, na realidade, para transferir dinheiro públicopara proprietários de empresas particulares falidas.

Todas essas operações colocavam o Estado e suasempresas a serviço do setor privado, consistiam naprivatização do Estado, na sua transformação emserviçal exclusivo dos interesses do poder econômi-co do Império. Por isso, a discussão em torno da de-sestatização, nos termos colocados pelo Império, nãopassa de escamoteação, embora não seja uma piadatão ridícula quanto a que se refere à modernidadedo seu capitalismo do povo.

Page 54: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

54

QU

ASE

Vivem na pobreza absoluta 80 milhões de brasilei-ros. Eles são a mercadoria mais típica desse capitalis-mo que o senador Campos diz ser do povo, talvezporque os obrigue a conviver compulsoriamente comsuas mazelas do dia a dia, não os abandonando paranada, nem mesmo quando os impede de trabalhar,colocando-os no desemprego e repetindo sem cessarque a miséria só existe porque eles não trabalham.

Esse tipo de “modernidade” realmente o PT e osdemais partidos da Frente Brasil Popular não se dis-punham a assumir. É certo que, ao contrário dasmentiras espalhadas, Lula não pretendia estatizar aeconomia além do que já estava. Em alguns casos,até, seria possível privatizar empresas estatais quenão se enquadravam na categoria de estratégicaspara o desenvolvimento nacional. Mas isso realmen-te não era o cerne da questão. Para nós, o essencialmesmo era, como ainda é, a reforma democráticadas estatais, colocando-as sob o controle da socie-dade, tanto na definição de suas metas quanto naverificação de seu funcionamento. Tratava-se demedida consistente para proteger o patrimônio pú-blico, mesmo no caso de privatização, liquidar comos excessos e as distorções existentes e colocar asempresas estatais realmente a serviço da sociedadee não de poderosos grupos econômicos. Com isso,seria revertido todo o mecanismo de privatizaçãodas estatais, num processo que chamamos de des-privatização do Estado.

Por outro lado, em certo sentido o programa degoverno de Lula trazia implícita a proposta de umcapitalismo do povo antagônico ao do senador Cam-

Page 55: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

55

QU

ASE

pos. Enquanto neste o capitalismo democratiza, ousocializa, a miséria, a fome, o desemprego, o salário,concentrando a riqueza nas mãos da minoria, no ca-pitalismo reformado do governo Lula o que se pre-tendia era democratizar o capital através de uma pro-funda redistribuição da renda. O novo modelo econô-mico projetado no programa da Frente Brasil Populardefinia mudanças no papel do Estado na economia, areforma do sistema financeiro, novas políticas regu-ladoras do funcionamento do capital nacional e es-trangeiro, tratamento diferenciado da dívida externae da dívida interna e reforma agrária. Tudo em fun-ção de descentralizar o capital, criando uma nova ló-gica de funcionamento cujo parâmetro principal pas-saria a ser o benefício do conjunto dos membros dasociedade, suas maiorias. Em outras palavras, a de-mocratização da propriedade e a socialização de seusbenefícios, rumando para uma sociedade bem dife-rente da atual, uma sociedade socialista.

Também ao contrário do que se propalava, o go-verno Lula não pensava em expulsar as empresas decapital estrangeiro, ou impedir sua entrada no país.O programa da Frente simplesmente não aceitava omodernismo, a bem da verdade já predominante nashostes do Império antes da implantação do regimemilitar, de abertura desregrada das portas do paísao capital estrangeiro. Embora já tenha amadureci-do entre nós a idéia de que não é possível fugir doprocesso de internacionalização crescente da eco-nomia, isso não significa que não se estabeleçamnormas de relacionamento com o capital estrangei-ro que garantam a soberania nacional e tragam al-

Page 56: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

56

QU

ASE

gum tipo de benefício para o conjunto da sociedade.Do jeito que está, o modernismo da integração aomercado internacional transforma o Brasil numa casada mãe Joana onde só lucram as multinacionais.

De qualquer modo, alguns se preocupavam com asacusações e sempre cobravam que fôssemos aindamais modernos, o que nos levava a desconfiar de pos-síveis arcaísmos escondidos num ou noutro ponto doprograma, o que afinal de contas seria até natural.Assim, ficamos aliviados quando o professor BresserPereira, em sucessivos artigos na revista IstoÉ Senhor,apontou que aqueles pontos atrasados situavam-se noradicalismo da retórica do PT e no apoio de setoresde trabalhadores que não tiveram condições de seintegrar nos ramos modernos da economia.

O ex-ministro Bresser afirmava não ter diferençastão grandes com o conteúdo do programa de gover-no de Lula, considerando-o moderno em muitos pon-tos, mas estimava não passarem de retórica radicalas propostas de rompimento com o FMI, manuten-ção integral do setor produtivo estatal e as ameaçasde estatização dos bancos privados. É lógico que nãoconcordamos com a parte final dessa avaliação. Oprofessor Bresser não se deu conta de quão distorcidaera essa visão do radicalismo retórico do PT, nemmesmo quando confirma não haver, nos 13 pontos doprograma democrático e popular, nada que se asse-melhe a qualquer proposta de implantação de umarepública sindicalista. O contrário, aliás, do que bra-dava nas mesmas páginas da IstoÉ Senhor de 6 dedezembro o antigo serviçal do general Figueiredo, SãidFarhat, acusando Lula de pretender que tal república

Page 57: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

57

QU

ASE

sindicalista fosse dirigida pela “pelegada desvairada”que iria virar o país pelo avesso.

Felizmente, o jurista Raymundo Faoro estava aten-to, e na edição seguinte mostrou que essa interpre-tação parva do programa do PT, transformada numainterrogação torta e demagógica, queria enxergarna participação ativa da sociedade civil, organizada,a democracia direta, hostil a todos os mecanismosrepresentativos. Com sua costumeira erudição his-tórica, o professor Faoro pôs em evidência o absur-do e a ignorância desse ataque à participação da so-ciedade civil na função política de corrigir, emendare fiscalizar o Congresso, a burocracia civil e militar,o Judiciário, enfim, as instituições. E mostrou que,afinal, é nessa participação que consiste a efetivida-de plena da democracia. Para completar, o professorFaoro indicava que essa tese do programa da FrenteBrasil Popular nada tinha de novo, sendo antiga demais de dois séculos, como parte da doutrina deMontesquieu e Tocqueville.

Estes dois velhos liberais, como disse o professor,são muito radicais para o Império dos potentadosbrasileiro. O conceito de democracia diz que todostêm as mesmas possibilidades, acesso à informaçãoe igualdade de oportunidades. Mas esse tipo de de-mocracia não existe no Brasil. Nestas condições,Bresser Pereira há de convir, qualquer retórica quereiterasse o compromisso de construir uma demo-cracia efetiva da maioria, que garantisse a mais am-pla participação popular nas decisões do governo edesse origem a um poder que fosse expressão davontade dos trabalhadores e do povo, haveria sem-

Page 58: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

58

QU

ASE

pre de soar como o grito radical mais lancinante aosouvidos moucos dessa minoria que se acostumou atudo ter e a nada ceder.

Passada a campanha, é justo reconhecer que fize-mos um programa das maiorias. Mas talvez não te-nhamos sido tão radicais quanto essas maiorias eseus ouvidos abertos esperavam que fossemos. Fo-mos radicais no conteúdo de nosso programa degoverno, mas tímidos e elitistas na forma de apre-sentá-lo. Se há alguma lição que Collor possa noster dado, é essa: possuía o apoio dos setores arcai-cos, tinha um programa de conteúdo conservador eretrógrado, mas pareceu moderno porque utilizouuma retórica populista que soou radical. Com issoganhou parte das maiorias que contemplávamos nonosso programa de governo.

Page 59: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

59

QU

ASE

O Império não perdoa

O fúrher é o executor da vontade dopovo, daquela vontade imanente

de auto-afirmação queé inerente a cada povo.

Otto Dietrich, chefe de imprensada Alemanha nazista

1. Interesses divididos

No início de 1989, Brizola e Lula encontravam-senuma posição privilegiada nas primeiras pesquisasde preferência eleitoral. Em janeiro, a pesquisaGallup feita para a revista IstoÉ Senhor apresentavaBrizola com 12,3%, Lula com 12,1% e Sílvio Santoscom 10,8%. Collor aparecia então com 6,5% das pre-ferências, na frente de Quércia com 2,8% e Covascom 2,5%. Na pesquisa Ibope de março, Collor des-pontou com 10%, em terceiro lugar, precedido deBrizola com 17% e Lula com 16%.

Nessa ocasião, apenas Brizola, Lula e Collor tinhamsuas candidaturas definidas, mas poucos acreditavamna seriedade da candidatura Collor e muitos, comovimos, duvidavam das possibilidades de Lula. Brizolaera o fantasma que atormentava o sono das elites,particularmente porque surgiam especulações de quepoderia unir suas forças às do metalúrgico, criando oque alguns chamavam de monstro Brizula. Esta pers-pectiva levou as hostes do Império a viverem um medo

Page 60: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

60

QU

ASE

permanente, o pesadelo constante de uma possívelvitória da esquerda. Em alguns momentos, esse medofez aumentar na mesma intensidade a angustianteprocura de alguém de confiança que pudesse unificá-las e livrá-las daquele pesadelo.

Enquanto, no Planalto, Jânio era visto como asalvação, outros setores imperiais definiam o perfilideal a buscar: uma pessoa de passado limpo, de caranova e preferentemente de fora do quadro político,oposicionista ferrenho, com experiência administra-tiva, se possível da região Sudeste... com não maisdo que 60 anos para evitar a síndrome de Tancredo.Este é, aliás, o perfil que a maioria dos eleitores pro-curava, conforme indicavam praticamente todas aspesquisas de opinião.

O problema é que todos os partidos pensavampossuir em seus quadros lideranças que se amolda-vam àquele perfil. O PMDB com 17 mil vereadores,dois mil prefeitos, 443 deputados estaduais, 199deputados federais, 34 senadores, 15 governadores,seis ministros, 2,8 milhões de funcionários públicossob sua gestão e administrando verbas públicas naordem de 43 bilhões de cruzados novos, possuía gen-te como Quércia, Arraes, Waldir Pires e outros a es-colher, considerando-se invencível, apesar do des-gaste de sua presença no governo Sarney. Mas haviatambém o doutor Ulysses, com mais de 70 anos, quepensava ter demonstrado sua vitalidade na condu-ção da Constituinte e, com isso, superado na opi-nião pública a síndrome de Tancredo.

Bem que se fizeram esforços para levar o doutorUlysses a perceber que o seu perfil não casava com o

Page 61: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

61

QU

ASE

perfil ideal. Até mesmo o poderoso doutor Marinho,da Globo, investiu na candidatura Quércia como al-ternativa de unificação das principais hostes do Im-pério. Mas o tríplice presidente (do PMDB, da Câ-mara e da Constituinte), Ulysses, não quis abrir mãode seu direito, talvez o último de sua vida, decandidatar-se à quarta Presidência, a da República.

O PFL, por seu lado, considerava-se com cacifeidêntico. Dono de uma das maiores bancadas doCongresso, administrando inúmeros municípios,com vários ministros no governo Sarney e homenspúblicos de projeção como Marco Maciel, AurelianoChaves, Hugo Napoleão, Jorge Bornhausen e outrosmais (até Sílvio Santos), via qualquer um desses en-quadrado facilmente no perfil de candidato ideal, aseu ver um centrista. Porém, como cada um supu-nha que o terno lhe caía melhor, a pendência foipara disputa na convenção e as chamadas bases dopartido decidiram que aquele perfil havia sido traça-do à imagem e semelhança do engenheiro AurelianoChaves. As bases também erram, que se há de fazer?

Tirando a enxurrada dos pequenos partidos dealuguel que lançaram nomes sem expressão real,havia ainda o PDS e o PTB no espectro conservador,apresentando os casos patológicos de Paulo Maluf eAffonso Camargo, sempre dispostos a sacrificar-se àmoldura de qualquer perfil.

E para não cometer uma completa injustiça, nãodevemos esquecer do homem que, à espera de quejuntos chegássemos lá, ameaçou atropelar na corri-da, mas não tinha estofo nem estrutura para o em-bate – Afif Domingos, do PL.

Page 62: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

62

QU

ASE

O fato é que, com todos esses candidatos, as for-ças conservadoras do Império (PFL, PDS, PTB, PDC,PL e parte majoritária do PMDB), que administramainda hoje cidades onde residem mais de 50% dosbrasileiros, (a população das cidades administradaspela esquerda – PT, PDT e PSB – compreende so-mente 27% do total), não conseguiram acertar seusponteiros para a unidade. Com certa razão, cadahoste raciocinava que as eleições em dois turnoshaviam sido pactuadas justamente para isso: definiro melhor de voto entre eles, na primeira rodada,para que na segunda se compusessem.

Mesmo com os indícios do crescimento da esquer-da, decidiram correr o risco. Afinal, Brizola era so-mente uma hipótese, mesmo assim longínqüa. Lulae Brizola concorrendo entre si, o mais provável eradar Covas se a esquerda chegasse lá. Isso, mais in-teresses personalistas e projetos políticos e econô-micos diferenciados, mantiveram as elites do Impé-rio divididas durante todo o curso da primeira roda-da. O processo de transição, afundando na crise ena desmoralização a maioria dos líderes e ideólogosdo Império deixou-lhes esse legado.

Mas deve-se reconhecer competência no Impérioao conseguir preservar da degradação os esteios outrincheiras fundamentais de seu sistema de domi-nação: os meios de coerção e os meios de comunica-ção, informação e reprodução ideológica. Foi o quepermitiu às elites, desunidas quanto ao melhor nomepara disputar e vencer o governo, não titubear emunir-se para atacar seus inimigos comuns.

Page 63: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

63

QU

ASE

2. O fim da trégua

Os meses imediatamente posteriores a novembrode 1988 permitiram uma certa trégua ao PT. As vi-tórias eleitorais do partido em grandes capitais comoSão Paulo, Porto Alegre e Vitória foram impactantes.Embora alguns falem da tática maquiavélica de des-tacar o alvo para melhor metralhá-lo, até a TV Glo-bo chegou ao ineditismo de preparar um programaGlobo Repórter simpático ao PT. Entretanto, já emfevereiro, a persistência de Lula em bons índices depreferência eleitoral mudou completamente o hu-mor do Império.

Fim da trégua. Lula e o PT passaram a ser bom-bardeados diariamente, de todos os lados e por to-dos os motivos. Em fevereiro mesmo O Globo “de-nunciou” a existência no PT de um Projeto Impacto,que serviria como senha básica para tentar levar Lulaà Presidência da República. Tal projeto, tão bem su-cedido às vésperas do 15 de novembro de 1988, se-gundo o escriba do doutor Roberto Marinho, consis-tiria em provocar novamente, no mês anterior àseleições (outubro de 1989), algo de grande intensi-dade dramática, como os incidentes em Volta Re-donda ou uma greve geral com objetivos de extensoimpacto popular.

Nossa desconfiança de que esse projeto realmen-te existia, não no PT, mas sim no quartel-generalparalelo do Império, montado no escritório do advo-gado Jorge Serpa, no Rio, confirmou-se na últimaquinzena da campanha com a guerra suja, de pro-funda intensidade dramática, lançada contra Lula.

Page 64: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

64

QU

ASE

Na primeira fase, porém, de fim de trégua e reiníciodas hostilidades, os ataques se voltaram primeiropara desenvolver a guerra de nervos e demonstrarque Lula e o PT eram financiados do exterior. O Es-tado de S.Paulo de 26 de fevereiro de 1989, por exem-plo, ao noticiar uma das viagens de Lula ao exterior,estampa a manchete “Lula está na Europa, atrás dedinheiro”.

Dois dias depois, O Globo tenta o golpe de mise-ricórdia, acusando os dirigentes petistas de daremtratos à bola para fazer entrar no país os recursosobtidos no exterior e explicar à Justiça Eleitoral suaorigem. O periódico do doutor Marinho chega à so-fisticação de calcular, não se sabe como, que a novaprevisão de gastos da campanha Lula seria de US$25 milhões, contra a estimativa anterior de US$ 6milhões. Obter a diferença, segundo a notícia, nãoseria o problema dos dirigentes do PT, mas sim comotrazê-la.

Esse tipo de guerra difamatória alcançou um deseus momentos mais grotescos com a nota que acolunista Joyce Pascowitch publicou na Folha deS.Paulo em 31 de março. Ela simplesmente contouque, logo após aterrissar em São Paulo, voltando doexterior, Lula teria sido convocado para uma reu-nião com empresários que coletam o lixo da cida-de. Eles teriam pedido ao presidenciável queagilizasse o pagamento dos US$ 30 milhões devidospela Prefeitura ao setor; em troca, dariam uma con-tribuição de US$ 3 milhões para sua campanha.

Uma semana após, sob a ameaça da direção dacampanha de Lula de processá-la por calúnia e difa-

Page 65: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

65

QU

ASE

mação, a colunista viu-se na constrangedora situa-ção de escrever: “Erramos. O presidenciável LuizInácio Lula da Silva não participou da reunião emque quatro empreiteiros do lixo em São Paulo deci-diram pedir seu auxílio para obter o pagamento dadívida que têm com a Prefeitura. A reunião, na pri-meira quinzena de março, decidiu enviar um emis-sário a Lula, ao contrário do que deu a entender anota ‘Coleta de luxo’ publicada quinta-feira passa-da nesta coluna”.

Esse foi o jornalismo que, como regra, tivemos deenfrentar durante toda a campanha. Mesmo quandonossa pressão conseguia fazer com que retificassemuma ou outra informação distorcida, sempre haviaum meio de ainda deixar ambigüidades, como a notaacima. Basta repassar a imprensa desse período, quefoi o inicial, para reunir um extenso dossiê de repor-tagens insinuando a descoberta de ações ilegais,documentos e apostilas sobre adestramento arma-do, danificação de equipamentos, falta de atendimen-to emergencial à população nos serviços chamadosessenciais em greve, atentados à bomba, ameaça deatentados, tudo imputado ao PT e à CUT.

Havia ainda o registro de boatos, dando conta deconversas conspiratórias na área da direita para dei-xar Lula ganhar e depois desestabilizá-lo. Ou as de-sinformações deliberadas em torno do programa degoverno de Lula, ora taxando-o de liberal, suposta-mente objetivando não assustar ao centro, ora qua-lificando-o de estatizante ou como algo demagógi-co, para ganhar apoio mas não ser aplicado caso aeleição de Lula se concretizasse.

Page 66: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

66

QU

ASE

Os ataques mais potentes dessa fase, porém, fo-ram desfechados contra o apoio às greves de traba-lhadores. Entre março e maio de 1989 foram publi-cadas reportagens sucessivas contra o movimentosindical, Lula e o PT. Primeiro, Lula foi acusado defugir da greve geral ao cumprir o roteiro de viagemao exterior, há muito planejado. É provável, naque-las circunstâncias, se houvesse adiado os compro-missos de viagem, que fosse acusado de ter perma-necido no Brasil para estimular a baderna. Aliás, éo que fez a revista Veja de 29 de março, quandoinsinuou que Lula não tinha noção do que estavadizendo ao considerar as ocupações de empresa boaforma de os operários conseguirem aumento de or-denados. Para ela, isso feria o direito de proprieda-de, um dos direito constitucionais elementares.

Veja chamava de baderneiras as greves da Man-nesmann, Belgo-Minera e Mafersa, onde os operá-rios ocuparam as instalações. Porém, viu-se obriga-da a reconhecer que naquelas empresas não foramdanificados quaisquer equipamentos. Assim, em lu-gar de ressaltar o fato de que as ocupações visavamjustamente evitar depredação do patrimônio, nummomento em que os patrões endureciam as negocia-ções e a direta realizava provocações e atentados, aimprensa, a exemplo de Veja, carregava no tom parademonstrar a existência de um pretenso clima deguerrilha.

A maior parte da imprensa usava termos idênti-cos para caracterizar a responsabilidade de Lula edo PT nos movimentos grevistas: “Lula voltou ao ABCe radicaliza discurso” (Jornal da Tarde, 26 de abril);

Page 67: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

67

QU

ASE

“nas greves mais importantes desde janeiro, o tomtem sido dado pelo setores mais radicais do PT” (OGlobo, 7 de maio); “ Lula quer greve longa, de maisde 60 dias” (Jornal da Tarde, 10 de maio); “escala-da violenta das greves”, “depredações e vandalismona Volkswagen apontam para o perigo da radicaliza-ção na onda grevista que percorre todo o país” (Veja,17 de maio).

A explosão de uma bomba de São João, mais co-nhecida como cabeça de negro, nas mãos do bancá-rio Antonio José dos Santos, em Recife, aumentou ahisteria contra Lula. Tudo era motivo para socavarsua candidatura. O governo editou a Medida Provi-sória no 50, propôs a regulamentação do Estado deDefesa e autorizou o Estado-Maior do Exército a con-vocar as Polícias Militares, alegando a produção deum oceano de greves, ao ritmo de uma a cada duashoras. Uma bomba de alto teor explosivo derrubou,em Volta Redonda, o monumento em homenagemaos operários mortos durante a invasão da CSN portropas do Exército, em novembro de 1988, e Sarneyfoi para a sua Conversa ao Pé do Rádio alertar opaís contra o terrorismo.

Parece piada, mas ele considerou que não era pos-sível que acontecesse “o que aconteceu no Recife,quando um ativista sindical colocou uma bomba emum banco particular, o que podia ter causado a mor-te de várias pessoas”, o que, aliás, foi consideradoimprocedente pela Justiça, que absolveu o bancá-rio. Quanto aos episódios de Volta Redonda achou,compungido, serem “lamentáveis”. Ou seja, umacabeça de negro era alto terrorismo que podia ma-

Page 68: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

68

QU

ASE

tar várias pessoas, mas os 30 kg de explosivos coloca-dos pela direita no atentado de Volta Redonda – capa-zes de não deixar “sequer um vestígio do automóvelusado no Riocentro”, conforme declaração do peritoCarlos Alberto Maulaz de Sã, da Polícia do Rio de Ja-neiro – não passariam de um ato lamentável.

A desproporção entre os casos é evidente paraqualquer leigo. Mesmo assim, isso não impediu queGilberto Dimenstein, na Folha de S.Paulo de 16 demaio, desenvolvesse o mesmo raciocínio absurdo deque “a bomba do PT é pior do que a do Riocentro”.Tudo porque o importante para o Império era jogarsujo e pesado para demonstrar que o PT era o parti-do da subversão revolucionária, responsável pelasgreves e atentados e valhacouto de minorias impa-trióticas que, conforme disse a Ordem do Dia dosministros militares da época do Dia da Vitória, em 8de maio, “enganam a classe operária, utilizando osagrado direito social – a greve – para intimidar asociedade e desarticular os meios de produção, qua-se sempre contra a vontade dos trabalhadores quedesejam manter as suas organizações em funciona-mento”.

Entretanto, os mesmos órgão de imprensa quetranscreveram as palavras duras dos ministros mili-tares noticiaram que Vicentinho, presidente do Sin-dicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campoe militante do PT, fora derrotado na assembléia dacategoria ao defender a aceitação da proposta de au-mento de 45%. Aí, não se viu nem ouviu dos meiosde comunicação nenhuma palavra, nenhum comen-tário, nenhuma comparação entre a realidade da

Page 69: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

69

QU

ASE

insatisfação da esmagadora maioria dos trabalhado-res com a intransigência patronal e a política eco-nômica do governo, de um lado, e as calúnias, inter-pretações mentirosas e distorcidas dos altos esca-lões governamentais sobre a ação de Lula e do PTnas greves, de outro lado.

O que realmente valia era o plano de desestabiliza-ção da candidatura Lula, a pretexto de manter a li-berdade e a ordem. A Folha de S.Paulo de 27 de mar-ço, em editorial, chegou ao cúmulo de cobrar do PTsua opção pública: ou democracia ou política queconduz à destruição da democracia. Que moral têma Folha de S.Paulo, qualquer órgão de imprensa e amaioria dos partidos políticos para cobrar do PT umaopção desse tipo? Por acaso, em algum momento desua história de 10 anos, o PT deixou de sustentarcom firmeza a defesa intransigente da democracia?

Ao contrário das diversas hostes do Império, queexigem democracia nos países socialistas mas não apraticam no Brasil, o PT tem sido coerente na co-brança de democracia nos outros países, em parti-cular nos socialistas, e na sociedade brasileira. Maisdo que isso, o PT é o único partido que não só cobrados outros, mas pratica a democracia internamen-te, mesmo que isso sirva como pretexto para a ten-tativa de ridicularizá-lo como partido de muitas reu-niões e poucas decisões.

Por tudo isso, os ataques à posição do PT e deLula diante das greves de trabalhadores foram umademonstração cabal de que em nenhum momentoLula e o PT vacilaram no compromisso democráticodos trabalhadores de lutarem livremente por suas

Page 70: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

70

QU

ASE

reivindicações, não só na Polônia, na União Soviéti-ca, na China, mas aqui também. Diante dos ataquesao movimento sindical, o PT adotou a linha do apoioirrestrito às greves decididas legitimamente, de de-núncia das provocações e de repúdio às aventuras emétodos de luta isolados.

O PT não se deixou levar pelas propostas do cha-mado pacto anti-terror, patrocinado pela Rede Glo-bo, em maio, com o apoio de Sarney e Roberto Frei-re, por considerar que era um pacto com os própriosterroristas, que impediria a opinião pública de dife-renciar os verdadeiros responsáveis pela onda deintranqüilidade que impuseram ao país. Preferiu, aocontrário, concentrar esforços na denúncia firme dosatentados terroristas e na articulação de uma cam-panha em defesa dos direitos e liberdades políticas,ao mesmo tempo mobilizando os trabalhadores e opovo para derrotar a Medida Provisória no 50 e ou-tras que visavam golpear a democracia.

O Império, porém, não descansava na busca denovos alvos no PT. Talvez, por essa razão, lendo osjornais do período de março a junho de 1989, qual-quer leitor medianamente atento terá a impressãode que praticamente todas as prefeituras brasileiras– mais de quatro mil – eram governadas por prefeitosdo PT. Nos jornais, nas rádios e nas tevês só apareci-am notícias das prefeituras petistas, na maioria dasvezes induzindo a população a pensar que nessas ci-dades, como dizia O Globo de 8 de março, ia-se cum-prindo o temeroso vaticínio de que se transforma-riam num espetáculo anti-turístico de imensas caver-nas e túneis inacabados, a exemplo de São Paulo.

Page 71: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

71

QU

ASE

Nesse mesmo período, o Império dá um exemplotransparente de sua disposição de utilizar os golpesmais baixos e sujos, mesmo em grande escala se issofosse necessário, para destruir a candidatura Lula eabrir espaço para que o candidato das elites commaior chance pudesse se projetar para vencer. Noinício de maio, a imprensa deu destaque ao fato deque Lula tinha uma filha, Lurian, fruto de um ro-mance com a enfermeira Miriam Cordeiro anteriora seu casamento atual.

Embora o nome de Lurian constasse das biogra-fias de Lula, nisso incluída a existente no Congressoe a publicada pela coordenação da campanha, a maiorparte da imprensa simplesmente ignorou esse fatoe procurou de todas as formas criar a impressão sen-sacionalista de que Lula havia se negado a reconhe-cer a filha por longo tempo. O candidato Paulo Maluf– como na Máfia, há sempre alguém do Império en-carregado de fazer algum tipo de trabalho sujo –por diversas vezes durante a campanha repetiu aversão caluniosa, apesar de o deputado Roberto Frei-re, candidato do PCB, afirmar para quem quisesseouvir que mais de dois anos antes sabia publicamen-te da existência de Lurian. O problema é que os ór-gãos de comunicação do Império não tinham inte-resse em ouvir isso. O que importava eram as decla-rações de Miriam Cordeiro acusando Lula de “nãodar à filha uma pensão mensal à altura dos rendi-mentos que recebe”, mais uma vez apesar das decla-rações em contrário da mãe e da irmã da própriaMiriam, as pessoas que realmente criaram Lurian.

Tal insistência dos grandes meios de comunica-

Page 72: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

72

QU

ASE

ção nesse assunto, às vezes fazendo-os descambarpara um tipo de imprensa que normalmente chama-mos de marrom (por coincidência o ex-candidatoMarronzinho é o tipo mais característico dessa li-nha de imprensa), não passou despercebida a JoséCavalcanti Filho, articulista da Folha de S.Paulo, queem sua matéria de 4 de maio lamentou que Lula ti-vesse se tornado vítima desse “sensacionalismo queem nome da liberdade de imprensa espalha ao ventosentimentos, relacionamentos afetivos, questões quesequer remotamente se referem a sua ação política”.

Porém, nem de longe essas tramas e golpes sujosse comparam aos empregados no final da campa-nha. Foram somente os primeiros indícios das “bai-xarias” que se tornaram marca registrada do Impé-rio e do candidato que se credenciou a representá-lo no segundo turno, marca que colocou à mostra averdadeira natureza da candidatura Collor e o que oBrasil deveria esperar dele caso fosse eleito.

3. Collor: uma estratégia de combate

A ofensiva de desestabilização do Império contraa candidatura Lula coincide, no tempo, com a defi-nição das demais candidaturas. Os violentos ataquescontra o PT e seu candidato o empurraram para ofundo do poço das preferências eleitorais, abriramespaço para que outros candidatos das elites des-pontassem e alimentaram a esperança de que a dis-puta final ocorresse entre dois candidatos das pró-prias elites, enterrando as possibilidades de umaalternativa de esquerda.

Page 73: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

73

QU

ASE

Entretanto, com mais rapidez do que a queda deLula, Fernando Collor de Mello dava um salto espe-tacular nas preferências eleitorais. No início de fe-vereiro ainda aparecia com 5% das intenções de voto.No fim de março passou para 9%, no final de abrilestava com 20% e a 2 de maio pulou para 32%. Emjunho alcançava mais de 40% e em agosto o Institu-to Gallup divulgou que o candidato do PRN tinha45% das preferências. A impressão de que poderiavencer com mais de 50% dos votos no primeiro tur-no parecia próxima de concretizar-se.

Collor aparecia, assim, como uma verdadeira navede combate do Império, credenciando-se para en-frentar e derrotar em grande estilo as candidaturasde esquerda. Mas a aceitação desse fato não foi tran-qüila, nem à direita nem à esquerda.

Embora Collor pertencesse a uma antiga famíliadas elites, proprietária, em Alagoas, da TV Gazeta(associada da Rede Globo), de 13 emissoras de rá-dio e do jornal Gazeta de Alagoas, a direita não olevava a sério e desconfiava dele. Em grande medidaCollor alimentava essa desconfiança ao recusar,embora apenas de público, o apoio dos empresáriose dos militares, ao chamar o general Ivan de Souza,chefe do SNI, de “generaleco de um serviço falido”e ao condenar as elites pela situação em que estavamergulhado o país.

Quando afirmava que sua candidatura aterroriza-va tanto a direita, por ser independente em relaçãoaos segmentos conservadores, quanto a esquerda,por praticar o discurso dela, ele estava exercitandoaspectos importantes de sua estratégia diversionista,

Page 74: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

74

QU

ASE

na qual a negação do apoio dos empresários e dosmilitares, o moralismo, a caça aos marajás e corrup-tos e o combate aos políticos e a Sarney constituíamas vigas mestras.

Somente atacando os empresários e Sarney pode-ria Collor encarnar o sentimento de indignação dapopulação brasileira, que deveria ver nele, confor-me declarou ao Jornal do Brasil de 14 de maio, al-guém que vai em seu nome à desforra, que vai res-taurar a dignidade e resgatar a honradez, o carátere a vergonha. Contraditoriamente, para sustentarsua campanha de estilo empresarial, Collor precisa-va do suporte dessas elites que atacava e repudiava.A costura desses apoios, em especial dos poderososgrupos econômicos formados por banqueiros, lati-fundiários, grupos agroindustriais e grandes empre-sários do setor de comunicação de massa, que pre-feriam ficar na sombra, foi fundamental para quepudesse manter-se à frente da disputa eleitoral a par-tir do momento em que o quadro das candidaturasse definiu.

À esquerda, a maioria dos petistas e demais mili-tantes da Frente Brasil Popular esperava que Collordespencasse nas pesquisas na medida em que fosseobrigado a participar dos debates e a verdadeira na-tureza de sua candidatura viesse à luz. Ainda emsetembro, na reunião do Diretório Nacional do PT,os companheiros do Rio Grande do Sul destacavama necessidade do combate intransigente a Brizola.Achavam que Collor estava em queda livre, abrindonovos horizontes na campanha e uma tendência àredistribuição dos votos. Pensavam que o Império

Page 75: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

75

QU

ASE

procurava um candidato mais confiável e que o PTdeveria ter postura clara de ataque a Brizola.

Como os companheiros de Minas Gerais estavammeio alarmados com a subida de Afif e o desloca-mento para ele dos votos de Collor, a onda para ba-ter em Brizola como adversário principal subiu mui-to e até ameaçou inundar a campanha. No final,porém, prevaleceu a opinião de que Collor, apesarda queda que experimentava então, ainda era o ad-versário contra quem o PT deveria polarizar priori-tariamente.

Essas dificuldades foram, de certo modo, compre-ensíveis. Realmente, em setembro, Collor entrou emqueda acentuada, voltando aos 32% das preferênciasque havia alcançado em maio. Isso levou muita gen-te que havia collorido a debandar. Na ocasião, o pró-prio Collor revelou haver sido vítima de pelo menosseis manobras destinadas a prejudicar sua campa-nha. Duas sob responsabilidade do doutor RobertoMarinho (será verdade?) e de Jorge Serpa (outra vezo estado-maior paralelo!), que tentaram promoverCovas após o discurso propondo o choque de capita-lismo e estavam por trás da ascensão de Afif; trêssob a batuta do incompetente Sarney, que tentaratransformar Jânio Quadros, Oscar Dias Corrêa eAntonio Ermírio de Moraes em candidatos; e umapor conta da FIESP, que teria direcionado os recur-sos do empresariado paulista para Maluf.

Era natural, assim, com o Império tentando jogarcom mais de um candidato, que tivéssemos dificul-dades em detectar com mais clareza o peso e a forçade cada um dos grupos econômicos e sociais que

Page 76: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

76

QU

ASE

estavam por trás dos candidatos. No caso de Collor,para piorar, nós o desprezamos por um longo tempo,considerando-o simples marionete da Rede Globo, edesprezamos também a necessidade de analisar commais acuidade os grupos que o sustentavam, a forçaque representavam e sua estratégia geral.

Apesar disso, havia clareza de que Collor tinhacomo público alvo de sua ação eleitoral as camadasde baixa renda, sem instrução, desempregadas ousemi-empregadas, socialmente desorganizada, assimcomo as classes médias baixas, todas moradoras nasperiferias dos centros urbanos e nas pequenas cida-des do interior, englobando mais de 70% do eleito-rado brasileiro. Collor jogava com o imaginário des-politizado dessa população, que procurava um heróique encarnasse a oposição a tudo que a irritava:marajás, funcionários públicos, Sarney, “classe polí-tica”, partidos, ricos, elites.

Muito acertadamente ele não se preocupava emganhar o apoio dos ricos e da classe média abastadae se jogava contra todas as manobras que significas-sem liquidar a possibilidade de uma disputa polari-zada no turno final. Ainda a 27 de março, no DiárioPopular, apostava numa polarização entre ele e Lula,quando esperava sair vitorioso porque as mudançasno Brasil não poderiam, segundo ele, ser feitas comos “métodos violentos” propostos pelo candidato doPT. A polarização e o medo desses métodos violen-tos que Lula nunca sugeriu eram as armas com queCollor contava para fazer com que os setores daselites, que não confiavam ou não simpatizavam comsua candidatura, votassem nele no segundo turno

Page 77: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

77

QU

ASE

em oposição à esquerda, por falta de alternativas.Para alcançar esse objetivo, a estratégia de Collor

sofreu quatro inflexões durante toda a campanha.No período anterior ao programa gratuito de tevê erádio, sempre embasado nas constantes pesquisasdo Instituto Vox Populi, seu discurso enfatizou o com-bate aos marajás, aos políticos e a Sarney. Dissimu-lava com maestria a natureza marajá e política de suacandidatura e procurava tornar-se intérprete do res-sentimento dos marginalizados e desfavorecidos, in-dignados com a situação vigente, com as impunida-des e as injustiças. Como apontou o professor Faoro,ele construía uma polaridade o povo e eu, eu e o povo,para negar os desacreditados partidos. E, como con-seqüência, encarnar o herói nacional. Essa opçãoestratégica levou-o a uma subida consistente naspesquisas eleitorais.

Ao ter início o horário gratuito, Collor aplicouuma outra variante, com o objetivo de ganhar as clas-ses médias intelectualizadas. Procurou acentuar suaspropostas de governo, mas a inconsistência delas esua falsa embalagem – hoje se sabe que essa percep-ção era verdadeira – fez com que iniciasse um pro-cesso de descenso, seja porque os setores médiosvisados não acreditavam nele, seja porque à popula-ção despolitizada não interessam propostas daqueletipo, a maioria incompreensível. Ou, ainda, porquea população começou a ver velhos caciques apoian-do o candidato que afirmava desprezá-los.

Só com a manobra envolvendo a candidatura Síl-vio Santos, que parecia devastadora para Collor, eleretoma sua variante inicial de ataques. Desanca

Page 78: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

78

QU

ASE

Sarney e parte para o confronto com seus concor-rentes na faixa da direita, em especial com Afif, paraestancar a sangria que estava sofrendo e parar a que-da, o que finalmente conseguiu, chegando à apura-ção do primeiro turno com 20 milhões de votos, ou29% do total.

No segundo turno, para colocar-se à altura do pro-grama da Frente Brasil Popular, Collor tentou retor-nar à estratégia das propostas e promessas aparen-temente viáveis e passar a imagem de estadista evencedor, o candidato dos 20 milhões de votos (qual-quer semelhança com Cyborg, o homem de US$ 6milhões, é mera coincidência). Ao mesmo tempo,mantém o sistema de comícios simbólicos que lhepropiciava visitas rápidas a grande número de pe-quenas cidades. Essa estratégia, porém, deixa-o nadefensiva, tendo em vista a maior consistência doprograma e das propostas de governo de Lula, o cres-cimento dos comícios da Frente e a aglutinação deinúmeras forças progressistas em torno da candida-tura Lula. Isso se reflete no primeiro debate em quese vê frente a frente com Lula e no estancamento deseus índices de preferência eleitoral.

Collor se vê, além disso, confrontado com a subi-da de Lula, que o ameaça seriamente. Nesse mo-mento, ele é obrigado, mais uma vez, a realizar umainflexão estratégica, numa das operações mais obs-curas de sua campanha. Tudo indica que o quartelgeneral paralelo do Império, montado no escritórioda Candelária do advogado Jorge Serpa, no Rio deJaneiro, que já vinha realizando uma série conside-rável de operações sujas, impõe ao comando oficial,

Page 79: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

79

QU

ASE

como principal, a linha dos boatos, mentiras e intri-gas, identificando Lula e o PT com greve, baderna,luta armada, comunismo, estatização e calote, en-quanto identificava a Collor como o combatente daresistência a tudo isso.

Qualquer que tenha sido o estado-maior a tomaressa decisão, não há dúvida de que o ex-governadorde Alagoas a aplicou com afinco, explorando os me-dos que as classes médias e os setores despolitizadosde baixa renda nutriam em relação aqueles símbo-los. Já então com o apoio explícito de todos os prin-cipais segmentos do Império, ele armou em seqüên-cia as principais armadilhas para vencer o adversá-rio à custa de qualquer coisa que fosse necessária.O suborno e a utilização de Miriam Cordeiro, a en-trevista no Programa Ferreira Neto e sua utilizaçãono horário gratuito, a estratégia da repetição cíni-ca de mentiras, mentiras e mais mentiras, a monta-gem que a TV Globo fez dos piores momentos deLula e melhores momentos de Collor no segundodebate e a utilização, mesmo parcial, do seqüestrodo empresário Abílio Diniz – tudo isso, e muito mais,fez parte do arsenal utilizado pelo Império e porCollor para derrubar o adversário Lula.

Está mais uma vez certo o professor Faoro quandodiz que o povo de Collor não é o povo organizado,mas o povo como agregado ocasional que lhe permi-ta construir uma autocracia eletiva. Acrescente-se aisso o terrorismo psicológico, a mentira, a violência eo marketing político e teremos as características ine-rentes a Collor e ao grupo que o sustenta. Qualquersemelhança com a história da década de 30 e primei-

Page 80: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

80

QU

ASE

ra metade da década de 40 na Alemanha e Itália é,mais uma vez, espera-se, mera coincidência.

4. No fundo do poço

Em maio, a sorte da candidatura Lula parecia se-lada. Depois de haver alcançado os 16% das prefe-rências eleitorais nas pesquisas do início do ano, emmaio despencara para 8% e continuava em queda.Mais adiante alguns institutos de pesquisa chega-ram a apontar 4,5% de intenção de votos para Lula,enquanto Brizola continuava estacionário nos 13%e Collor atingira mais de 40%. A ofensiva do Impé-rio, desqualificando as administrações petistas, re-lacionando greves e baderna, e baderna ao futurocaso Lula chegasse ao governo, e empregando varia-dos golpes sujos, parecia haver dado certo.

Diante desse quadro a direção do PT avaliou quea candidatura Lula havia se beneficiado, no iníciodo ano, de vários fatores favoráveis. A vitória eleito-ral do PT em diversos municípios importantes, odesgaste do governo Sarney, o agravamento da criseeconômica, a indefinição do PMDB e de outros par-tidos, com ausência de uma candidatura única decentro-direita, refletindo as divisões nas hostes doImpério, tudo isso permitira o avanço do PT na cons-trução de uma coligação em torno da candidaturapopular e tornara possível a Lula ocupar um razoá-vel espaço na mídia.

Entretanto, paralelamente a esses fatores favorá-veis, haviam persistido fatores negativos entre nós.O comitê político da campanha, que deveria respon-

Page 81: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

81

QU

ASE

sabilizar-se pelas decisões políticas mais gerais, nãoconseguia manter uma continuidade em seu traba-lho. As principais lideranças partidárias que compu-nham o comitê estavam envolvidas nas atividadesdas constituintes estaduais, ou diretamente com osmovimentos sociais, ou ainda no processo de prepa-ração e realização dos encontros ou convenções dosdiretórios municipais e estaduais do partido. A so-brecarga de trabalho dos dirigentes, já nessa época,era geral. Por essa mesma razão, a coordenaçãooperativa da campanha, que deveria montar a infra-estrutura e coordenar a execução prática das deci-sões políticas, continuava desestruturada e nemmesmo possuía sede até maio. Faltavam recursoshumanos e financeiros e a militância não se engajara.Dessa maneira, ainda por cima subestimando a bur-guesia e suas campanhas contra nós, não fomos ca-pazes de suportar a ofensiva geral desencadeada,iniciando-se a queda livre da candidatura.

Nessas condições, também, as críticas à coorde-nação nacional da campanha tornaram-se ácidas. Nareunião de junho com os coordenadores estaduais,alguns criticaram a ausência de Lula nos movimen-tos sociais e na greve geral, imputando a isso a que-da. Outros apontavam ambigüidade na candidatura,já que até o momento não se sabia se ela era do PTou da Frente Brasil Popular, levando a paralisaçãoda campanha. Os companheiros de Alagoas, em par-ticular, criticaram a direção nacional por não levarem conta a avaliação que tinham sobre Collor, nemas recomendações que haviam feito para ter cuida-do com o tipo de denúncia a fazer contra ele, o que

Page 82: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

82

QU

ASE

poderia transformá-lo em vítima capaz de capitali-zar a solidariedade dos eleitores.

Foi, para falar menos, uma reunião dura, mas de-cisiva para empreender as correções que o processoorganizativo demandava. Mesmo assim, quando se-tembro chegou a candidatura ainda ia mal. Persis-tiam dificuldades em mobilizar o partido, a militân-cia não se recuperara dos golpes desfechados con-tra nós e não se engajara como devia na campanha.Tão sério quanto isso era o fato de que havíamosperdido para Collor a faixa do eleitorado despoliti-zado, assim como a bandeira da moralização. Freireconquistara espaços na juventude e na intelectuali-dade às nossas custas e Brizola pregava o voto útil aseu favor para enfrentar o candidato da direita.

Nessa situação, o PT e sua candidatura patinavamno fundo do poço.

Page 83: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

83

QU

ASE

Virando o jogo

Precisamos, sobretudo, fazer de nossacampanha uma campanha massiva, capaz

de ajudar a fazer crescer o nível deconsciência política de nossa sociedade,

como única forma de garantir a vitória, deassegurar a posse e de garantir o governo.

Lula, Seminário PT: um projeto parao Brasil, abril de 1989

1. Final de novela

Verdade: a candidatura Lula patinava no fundo dopoço. Ou parecia patinar. A novela da escolha dovice, em particular, era angustiante. Comentaristase analistas políticos, interpretavam que a queda dacandidatura Lula provocava polêmica acalorada en-tre os que a apoiavam, em grande medida para ga-nhar espaço na disputa pelo lugar do vice na chapa.

Essa polêmica, tendo como centro a questão dovice, tanto dentro do PT quanto dentro da Frente BrasilPopular, durou mais de 60 dias. O PT, na perspectivade construir uma coligação mais sólida e disputar paravencer a campanha eleitoral, desde o início abrira mãode indicar o candidato a vice. Isso pelo menos é o quedecidira a direção nacional do partido, o que não im-pedia que internamente existissem agrupamentos defiliados, militantes e dirigentes que continuavam ad-vogando um vice oriundo das próprias fileiras. Às ve-zes as motivações eram diferentes, mas todas con-vergiam para o mesmo objetivo.

Page 84: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

84

QU

ASE

As dificuldades dos partidos da Frente em esco-lher um nome de projeção nacional, que comple-mentasse a candidatura Lula, alcançasse o consen-so dentro da Frente Brasil Popular e recebesse a con-sagração da militância petista eram, por outro lado,grandes e reais. Em tais condições era até naturalque alguns nomes do PT, como Benedita da Silva,despontassem com vitalidade. Deputada federal peloRio de Janeiro, Benedita apoiava a idéia de um can-didato de fora do PT, mas mesmo assim teve seunome lançado por companheiros que militam no mo-vimento negro e no movimento popular, angarioumuitos apoios e aparentou alguma chance até ju-nho. Mesmo entre os partidos da Frente ela suscita-va simpatias, mas a questão em jogo era cumprir oacerto de um candidato a vice de fora do PT paraampliar a Frente e sua base de sustentação.

Outros nomes petistas, como Paulo Freire, VirgílioGuimarães e Olívio Dutra, também afloraram no bojodas dificuldades encontradas pela Frente Brasil Po-pular para definir o candidato a vice. A direção nacio-nal do PT não só abrira mão de indicar essa candida-tura, como reiteradamente declarara aos outros par-tidos da Frente que cabia a eles tal indicação. Sóque, entre eles, quem se firmava paulatinamente erao PV, com a indicação de Fernando Gabeira.

Na verdade, o PV traçou como estratégia jogar onome de Gabeira na sociedade, como disputante davaga de vice na chapa de Lula, e fazer campanhadentro do próprio PT a favor de seu nome, na supo-sição de que, no frigir dos ovos, o que ia decidir mes-mo na escolha era o peso do PT. Embora alguns de

Page 85: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

85

QU

ASE

nós não concordassem com essa postura, em nenhummomento colocamos em pauta sua legitimidade e aachamos natural dentro das regras democráticas.

A estratégia do PV para garantir a indicação deGabeira teve um duplo movimento. Por um lado, afir-mou estar disposto a abrir mão de uma candidaturaprópria para fortalecer o PT e não fazer campanhapara indicar o vice de Lula, aceitando porém a vagase Gabeira fosse convidado. Por outro lado, deixavaclara sua posição de que o fortalecimento do PT vi-sava levá-lo a aproximar-se das posições que o PVconsiderava importantes e instava o PT a mantercoerência na hora da escolha do vice.

Na sua pretensão de orientar politicamente a cam-panha de Lula, os dirigentes do PV chegaram inclu-sive a fazer críticas públicas às posições de Lula e doPT. Alfredo Sirkis, que também é vereador no Rio deJaneiro, afirmou a O Povo, no dia 12 de maio, que aFrente Brasil Popular queria que Lula tivesse umapostura de maior distanciamento do movimento sin-dical, enquanto Carlos Minc, deputado estadual tam-bém pelo Rio de Janeiro, conclamava Lula, pelaspáginas do Jornal do Brasil de 13 de maio, a pararde agir como líder sindical nas portas de fábricas ede fazer críticas à Fiesp.

No momento em que Lula e o PT sofriam a violen-ta ofensiva contra o que a imprensa chamava degrevismo, aquelas críticas soaram como uma somaao lado de lá. E obrigaram Lula a reafirmar publica-mente que seu discurso não mudaria e que se tives-se que ficar contra os trabalhadores em greve paramelhorar seu desempenho eleitoral, preferia deixar

Page 86: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

86

QU

ASE

de ser candidato e ficar ao lado dos trabalhadores.Em reunião da Frente, o PV explicou e retificou

sua posição e o incidente foi considerado superado.Mas a questão do vice continuava. A imprensa en-trou firme na disputa, explorando toda e qualquerfissura, por mais insignificante que fosse. Gabeiraganhou espaços inimagináveis em outras circunstân-cias. Dirigentes do PT, como José Genoíno, tambémconseguiam espaços na mídia para declarar apoio aGabeira por supostamente incorporar uma temáti-ca moderna à candidatura Lula. O modernismo deGabeira, destinado a arejar mentes e práticas escle-rosadas na Frente e no PT, era a palavra de ordemchave para a conquista da indicação.

Notícias dando conta de que saíam da própria di-reção da campanha informações sobre a inviabilidadeda candidatura a vice de Fernando Gabeira na chapada Frente (ver, por exemplo, a Folha de S.Paulo de27 de maio), serviam, por sua vez, para minar a con-fiança das bases petistas na condução do processopela direção, ao mesmo tempo que Gabeira reafir-mava sua disposição de trabalhar pela vitória de Lulaqualquer que fosse o resultado obtido para a esco-lha do vice.

O PSB, por seu turno, reivindicava o direito deindicar o candidato a vice pela Frente. Primeiro lan-çou o nome de seu presidente, Jamil Haddad, ex-prefeito e senador pelo Rio de Janeiro, que encon-trou pequena receptividade dentro da Frente e me-nos ainda dentro do PT. Depois, apresentou AntonioHouaiss, intelectual de renome, um dos fundadoresdo partido e socialista de longa data. O PSB, entre-

Page 87: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

87

QU

ASE

tanto, negou-se por um longo período a apresentaro nome de seu candidato a candidato para disputana sociedade. E, quando o fez, com o nome deHouaiss, o de Gabeira já estava cristalizado em razoá-veis parcelas da militância do PT e na imprensa.

O PCdoB não reivindicava nenhum nome própriopara a disputa, mas desde o começo deixou evidentesua posição de que não aceitaria de modo algumoutro nome do PT para a chapa e que trabalhariapor alguém que considerasse capaz de ampliar a sus-tentação política da Frente. Durante um bom tem-po o PCdoB trabalhou por um nome suprapartidá-rio, apoiando os esforços para conseguir a aquies-cência do jurista Raymundo Faoro. Depois tentoualguém da ala progressista do PMDB, como Arraesou Jarbas Vasconcellos, chegando a aceitar a possi-bilidade Houaiss.

O PCdoB via em Gabeira uma indicação que res-tringiria a base de sustentação da candidatura Lula, oque levou o PV, em diversos momentos, a afirmar quesua indicação sofria vetos e que tais vetos não tinhampropriamente uma conotação política. Tratar-se-ia maisde preconceitos comportamentais. Finalmente, oPCdoB desenvolveu esforços para atrair o reitor daUniversidade de Brasília, Cristovam Buarque.

O problema é que não se chegava a acordo entreos partidos da Frente, esgotando-se os prazos para adecisão a respeito. A situação, confluiu para o 6o

Encontro Nacional do PT, no início de junho, queteria de escolher entre Gabeira e Houaiss, sem dei-xar de lado as propostas em torno de um nome petista.Na direção do PT havia consenso de que a escolha

Page 88: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

88

QU

ASE

deveria recair sobre alguém de fora do partido, masformaram-se praticamente três correntes, todas par-tindo do pressuposto de que a continuação da Frenteera fundamental para assegurar a vitória.

Uma corrente ponderável, representada por Plíniode Arruda Sampaio, Hélio Bicudo e Francisco Weffort,era contrária à aprovação do nome de Gabeira porconsiderar que ele prejudicava a continuidade da Fren-te e abriria enormes flancos aos ataques dos candida-tos adversários. Outra, defendida particularmente porJosé Dirceu, Luis Gushiken e José Genoíno, apostavana manutenção da Frente mesmo com o lançamen-to de Gabeira e trabalhava para ver seu nome apro-vado no 6o Encontro. Uma terceira, representada porEurides Mescolloto e Geraldo Magela, e na qual eume incluía, considerava que a escolha de Gabeira ouHouaiss levaria ao rompimento da Frente, sendonecessário que o Encontro delegasse ao DiretórioNacional a tarefa de buscar um terceiro nome quemantivesse a coligação.

Na reunião da Comissão Executiva Nacional, reali-zada no curso do próprio Encontro, venceu a propos-ta de levar ao plenário a disputa entre Houaiss e Ga-beira, caso ficasse descartada a preliminar da buscade um terceiro nome – como realmente aconteceu.O Encontro preferiu Gabeira por boa margem sobreHouaiss. Mas, para efeito de acerto posterior na Fren-te, essa escolha foi indicativa, e o Diretório Nacionalautorizado a negociar e até mesmo trocar o nomeescolhido. Na prática, deixou-se aberta a possibilida-de de manter unificada a Frente, se o escolhido peloPT encontrasse resistências intransponíveis.

Page 89: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

89

QU

ASE

A preferência do PT por Gabeira foi consideradainaceitável pelo PSB e PCdoB, ficando a Frente divi-dida em dois contra dois. Pelo acordo de constitui-ção da Frente, o PT, através do seu candidato, pode-ria dar a palavra final, desempatando a disputa. Masisso significaria, sem dúvida, a desagregação da alian-ça, o que se chocava com a idéia predominante noPT de que a Frente Brasil Popular era mais impor-tante do que o vice.

Para piorar as coisas, o discurso de Gabeira noEncontro do PT, logo após a sua escolha, foi no mí-nimo infeliz. Procurou explorar uma possível diver-gência entre a direção e as bases do PT, dizendo-sepreferido das bases apesar da restrição da direção, elançou-se na aventura de ditar a linha de campanhaque pretendia imprimir a partir daquele momento.Com isso, conseguiu de imediato colocar contra sinão só a grande parcela da direção que o apoiara nadisputa, como muitos daqueles militantes que ti-nham preferência por ele.

Nessa situação, depois de constatarmos não serpossível contar com Cristovam Buarque, o nome dosenador José Paulo Bisol, então do PSDB, ressurgiucomo viável. Ressurgiu é mesmo o termo, porqueele havia sido cogitado logo no início do processo esó não foi convidado porque a construção da Frenteestava dando seus primeiros passos naquele momen-to e havia dúvidas se o senador aceitaria deixar oPSDB. Sua indicação, na primeira semana de julho,colocou fim à novela da escolha do vice.

Não foi um final completamente feliz. Pareceumais um desses finais abruptos que caracterizam

Page 90: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

90

QU

ASE

algumas séries de tevê, onde alguém entra para dargancho a outra novela, como ocorreu com Bisol. Ouonde alguém sai antes para trabalhar em outra no-vela, como aconteceu com Gabeira e o PV. Abando-naram a Frente e lançaram candidatura própria, ape-sar de todas as juras anteriormente feitas de suadisposição de colar cartazes, distribuir boletins e par-ticipar dos mutirões da candidatura Lula, qualquerque fosse a escolha final. Parece até que não acredi-tavam na possibilidade de Lula sair dos baixos índi-ces que ostentava e resolveram salvar-se antes dodesastre imaginado. Verdade ou não, o resto todosconhecem.

2. Contra-ofensiva massiva

Durante o mês de junho os índices de Lula haviamcontinuado a cair e em julho estagnaram em tornode 6%. A coordenação da campanha teimava na li-nha de mobilizações, mas não eram raras as pres-sões para que fosse substituída pela presença con-centrada do Lula nos rádios e tevês, participando deprogramas de entrevistas e debates. Pouco adianta-va afirmar que havia indícios de recuperação e cres-cimento, quando as pesquisas simplesmente nãodavam qualquer sinal disso. Hoje fico me lembrandode que ninguém acreditava em pesquisa, mas na horado argumento eram elas que valiam.

Assim, corremos o sério risco de modificar a li-nha de mobilização massiva em função das pressõesquase insuportáveis que os resultados das pesquisasgeravam. O que salvou a continuidade da estratégia

Page 91: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

91

QU

ASE

traçada ainda em 1988 foi o roteiro anteriormentepreparado para o Nordeste e o Norte, onde os comí-cios fizeram aflorar um ânimo e uma disposição denovo tipo na militância e na população, apontandonitidamente para a ocorrência de um processo devirada.

Na realidade, havíamos iniciado esse processo nocomício de 13 de maio em São Bernardo do Campo,dentro do cronograma da campanha. Daí em diante,por todo o Brasil, houve um crescente envolvimentoda militância petista e da Frente Brasil Popular nocorpo-a-corpo com a população, politizando o deba-te e chamando os trabalhadores e o povo a mudar acara do Brasil. Essa não era nem poderia ser umalinha eventual de trabalho. A participação popularnão é, para nós, um mote propagandístico, utilizá-vel de acordo com as circunstâncias do momento.Acreditamos na força da mobilização popular, inclu-sive como forma de abrir espaço numa mídia nemsempre permeável a nossos fatos políticos.

No caso específico da disputa presidencial de1989, dada a extrema disparidade de meios mate-riais entre as diversas candidaturas do Império e anossa, a candidatura Lula só teria viabilidade de vi-tória se, realizados os passos políticos quanto à ela-boração programática e à costura das alianças, de-monstrasse um caráter massivo. O próprio processopara acertar as alianças dependia, em grande medi-da, da militância petista ser capaz de articular aimagem do Lula com idéias-força simples que esti-mulassem a espontaneidade, a iniciativa e a partici-pação populares em larga escala,dando-lhe uma vi-

Page 92: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

92

QU

ASE

sibilidade igual ou superior à da campanha das dire-tas-já em 1984.

No início da campanha, Lula era o único candida-to com uma estratégia definida de mobilização, coma programação de atos massivos e comícios. Os de-mais candidatos, conforme constatava em maio aFolha de S.Paulo, haviam programado um corpo-a-corpo com suas bases somente no começo da cam-panha, dedicando depois tempo integral para as apa-rições no rádio e TV. Comícios só com a garantia deplatéia razoável. Collor chegou a reconhecer quepercebera ser importante ir aos comícios para me-lhorar o ânimo na TV.

Nós, ao contrário, já antes do comício de 13 demaio realizávamos esforços, nem sempre bem suce-didos, para botar a campanha na rua e buscar o povocomo a base principal para sairmos das dificulda-des. Nossa militância inaugurou comitês popularesem centenas de cidades, lançou a candidatura Lulaem todo lugar onde houvesse oportunidade para issoe realizou plenárias com apoiadores e simpatizantespara discutir o engajamento na campanha. Formou-se, assim, a massa crítica para dar a virada.

O comício do dia 13 de maio não foi um grandecomício. Embora as coisas tenham transcorrido ra-zoavelmente (nem mesmo o telefonema avisando quehavia uma bomba sob o palanque chegou a prejudi-car o andamento do ato), não existia ainda um climade muita animação, nem muita disposição de luta.Chamou nossa atenção o fato de que compareceraquase tanta gente do interior quanto da capital e doABCD. A rigor, talvez não tenha contado com a pre-

Page 93: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

93

QU

ASE

sença de 20 mil pessoas, mas serviu para dar o ponta-pé a um processo que deveria se tornar irreversível.

Entre o 13 de maio em São Bernardo e o 17 desetembro na Praça da Sé, em São Paulo, Lula parti-cipou e falou em 53 comícios, para 300 mil pessoas,em 14 estados. Um comício a cada dois ou três dias,com a média de seis mil pessoas em cada um. Nãoera muito, mas foi o bastante para fazer com que osoutros candidatos mudassem suas previsões e estra-tégias e se lançassem à realização de comícios, ca-vando platéia de qualquer maneira.

A militância petista, embalada pela aceitação esimpatia crescente que a candidatura Lula desper-tava, passou a mostrar cada vez mais a garra e afibra que sempre a caracterizaram. Com criativida-de, produzia material de propaganda, vendia adesi-vos e broches, conseguia contribuições e abria espa-ços na própria imprensa que majoritariamente tra-balhava contra Lula. O comício de 60 mil pessoas,no dia 17 de setembro, na Praça da Sé, foi o primei-ro grande comício da campanha, apontando no sen-tido de que estávamos mesmo entrando numa novaetapa do jogo.

Mas esse era o sentimento da coordenação, da-queles que participavam das viagens com Lula e quenos mantinham informados, por dezenas de fios, dosnúmeros de cada comício, da animação ou desâni-mo da população presente, dos fatos pitorescos oudramáticos ocorridos, da combatividade ou frouxi-dão da militância e da organização quase sempredesorganizada da maioria dos atos, apesar do esfor-ço dos companheiros responsáveis. Isso porque no fim

Page 94: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

94

QU

ASE

de setembro Lula ainda se encontrava com índicesentre 7% e 8% nos principais institutos de pesquisa.É certo que uma leitura mais atenta das pesquisasnos fazia supor mudanças razoáveis no quadro eleito-ral. Collor despencara para 33% das preferências elei-torais, perdendo 5,7 milhões de intenções de votoem 30 dias; Brizola continuava estacionado nos 14%;Covas e Maluf não saíam do patamar de 6%, enquan-to Afif apresentava uma tendência de crescimento quenão correspondia ao seu desempenho.

Em grande medida, só Lula podia aferir com ra-zoável grau de acerto, através da linha de mobiliza-ção de sua campanha, o crescimento da receptividadee do apoio a sua candidatura. Depois da Sé, Lula foia Teresina, São Luís, Macapá, Belém e Santarém.Voltou a Fortaleza... Em um mês, até 17 de outubro,Lula percorreu 30 cidades, levando mais de 400 milpessoas às praças públicas para vê-lo e ouvi-lo. As-sim, num único mês, fazendo um comício por diapara uma média de 13 mil pessoas em cada um, reu-niu mais gente do que nos quatro meses anteriores.

Lula mesmo reconhece que o comício de Teresinafoi onde sentiu o clima de virada – na verdade, ele foiobrigado a fazer dois comícios seguidos na cidade,em virtude da enxurrada de pessoas participantes – eo salto no entusiasmo da população e da militância,de efeito contagiante, que a Rede Povo passou a apro-veitar muito bem como efeito multiplicador.

Essa linha mobilizadora intensificou-se entre 17de outubro e 12 de novembro, quando Lula realizou39 comícios, englobando um milhão e 400 mil pes-soas, uma média de mais de um comício por dia,

Page 95: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

95

QU

ASE

cada um reunindo mais de 35 mil pessoas. Foi a ar-rancada para colocar o Império na defensiva e ga-rantir o lugar no segundo turno.

Administrando sua escassez, a militância petistae da Frente Brasil Popular fez das tripas coração,criou fatos políticos e garantiu uma participaçãopopular cada vez mais ampla na campanha, não sóatravés dos comícios com Lula. Os comícios e atosrealizados com a participação de diferentes lideran-ças nacionais e estaduais do PT e da Frente conta-ram com uma presença da população que superouquase sempre as melhores previsões.

Mas a mobilização massiva não se expressou so-mente por meio dos comícios e grandes concentra-ções populares. Foram o trabalho conjugado da mi-litância e as mobilizações setoriais que permitirama participação ativa na campanha dos mais diferen-tes segmentos sociais. Foram inúmeros e diversifi-cados os encontros com sindicalistas, estudantes,mulheres, jovens, deficientes físicos, negros, inte-lectuais, favelados, categorias profissionais, artistas.Eles refletiram, em certa medida, a inserção das pro-postas da candidatura Lula nesses segmentos e suasesperanças e vontade de não se sentirem apenascomo objetos da ação do governo, mas também comosujeitos ativos das mudanças desejadas para a socie-dade brasileira.

Provavelmente por isso o processo de elaboraçãodo programa de ação de governo, o chamado PAG,tenha incorporado tanta gente. E talvez pelo mes-mo motivo não haja exemplo na história brasileirade uma participação tão ativa e engajada dos artis-

Page 96: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

96

QU

ASE

tas numa campanha eleitoral, como a que ocorreuna de Lula, contribuindo de forma decisiva para dar-lhe a feição alegre e bonita que assumiu. Aos artis-tas se deve ainda que o debate cultural tenha assu-mido a proporção que alcançou.

Entretanto na estratégia de mobilização massivanós cometemos erros que nos custaram caro, parti-cularmente no segundo turno, mesmo que nos con-sole a suposição de que eles foram causados ou agra-vados, em boa medida, por nossas dificuldades ma-teriais. Não conseguimos, por exemplo, trabalhar aspequenas e médias cidades do interior onde a pre-sença do candidato, até mesmo simbólica, seria es-sencial. Isso demandaria uma estratégia de visitas-relâmpago a um grande número de localidades nummesmo dia, a exemplo do que Collor fez, com umaestrutura de comícios e de transporte que não pos-suíamos. Por outro lado, isso poderia significar tam-bém uma mudança em nosso empenho de transfor-mar a campanha eleitoral num vasto debate políti-co, numa verdadeira revolução cultural, na qual opapel político e comunicador de Lula jogava um pa-pel essencial.

Lula teve um papel determinante na estratégiade mobilização, tanto no aspecto político de suaparticipação, quanto no que isso representou de es-forço físico, principalmente se levarmos em contaque até setembro ele se deslocava pelo Brasil quaseexclusivamente em aviões de carreira. Os númerosde sua participação são significativos: entre maio ejunho debateu em mais de 50 plenárias de militan-tes e fez quatro viagens ao exterior, num total de 50

Page 97: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

97

QU

ASE

dias de translados e contatos com governos e repre-sentantes políticos e sindicais. Até o final da campa-nha compareceu a mais de 40 programas de rádio etevê, concedeu inúmeras entrevistas exclusivas e co-letivas, participou das gravações dos programas derádio e tevê da campanha, esteve em todos os deba-tes entre os presidenciáveis e compareceu e falou emmais de 150 carreatas, passeatas e comícios.

A rigor, a cada dois dias entre janeiro e dezem-bro, ele participou de um comício. Esteve em 23capitais, sendo mais de uma vez em 14 delas; emmais de 50 cidades com mais de 100 mil habitantes;e em 40 cidades com população entre 20 mil e 100mil habitantes.

A contra-ofensiva massiva da campanha foi um dosfatores principais para fazer com que Lula se recu-perasse da queda sofrida desde o primeiro semestree, a partir do fim de outubro, entrasse em ascensão.Mas ainda havia armadilhas e obstáculos considerá-veis para chegar à vitória.

3. Vitória

Na reta final da campanha, o Império tentou ar-mar uma série de novas armadilhas. O caso Lubecae a tragédia da favela Nova República, em São Paulo,foram as principais. No debate entre os presidenciá-veis, na Rede Bandeirantes, no dia 16 de outubro, odesqualificado e petulante Ronaldo Caiado acusou aPrefeitura de São Paulo de haver praticado corrup-ção para aprovar o projeto Panamby, um projeto deconstrução de um complexo imobiliário, da empre-

Page 98: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

98

QU

ASE

sa Lubeca. E fez menção de mostrar dois chequesque teriam sido destinados à campanha de Lula.

Sem qualquer prova consistente, como demons-traram as investigações realizadas pela Polícia Civil(estadual), pela Promotoria Pública, pela Polícia Fe-deral e pela Câmara Municipal da cidade, a acusa-ção caluniosa ganhou, porém, as manchetes dos jor-nais, das rádios e das tevês, tentando mostrar que atransparência pregada pelo PT não existia.

No caso do desabamento da favela Nova Repúbli-ca, a ação dos candidatos direitistas e da imprensaorientou-se para demonstrar a incompetência do PTna administração pública, acusando a Prefeitura deSão Paulo de haver sido negligente na prevenção doacidente. Aliás, com ou sem motivos, as prefeituraspetistas estavam sempre voltando ao noticiário comoarma de luta contra a candidatura Lula.

Ataques e provocações de outros tipos foram enfren-tados na fase final pela campanha da Frente em todo opaís. Maluf, Camargo e Collor descambaram para oanticomunismo aberto e multiplicaram as provocaçõesdos seus cabos eleitorais contra militantes do PT eda Frente nos roteiros por onde Collor passava.

No entanto, apesar de tudo isso, apesar da trucu-lência da polícia e de alguns juízes eleitorais, comoos de João Pessoa e Recife, Lula chegou ao dia daseleições quase certo da classificação para o segundoturno. Por isso mesmo, a boca de urna do dia 15 denovembro transformou-se numa grande festa demo-crática que transbordou, nos dias seguintes, numcongraçamento da militância de todas as forças pro-gressistas.

Page 99: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

99

QU

ASE

Mas a angústia foi grande, principalmente peladisputa palmo a palmo com Brizola. Ainda em se-tembro o candidato do PDT aparecia como a alterna-tiva de esquerda a Collor. Embora estivesse estagna-do nos 14-15% das preferências eleitorais, ele traba-lhava com denodo para garantir sua ida ao segundoturno, quando esperava ter a seu lado, num palan-que igual ao das diretas-já, Lula, Covas, Miguel Arraese até Ulysses Guimarães. Jogou pesado na probabili-dade do voto útil, que chamou de voto de consciên-cia, direto, elaborado pelo eleitor, mesmo sem acor-do entre as cúpulas partidárias. E, no último debateentre os presidenciáveis, fez um apelo patético, emo-cionado, para que votassem em qualquer um, menosem Collor, o filhote predileto da ditadura.

Brizola mostrou toda a sua força no Rio de Janei-ro e no Rio Grande do Sul. No Rio conquistou maisde 50% dos votos e no Rio Grande do Sul alcançoumais de 60%. Mas, nos demais Estados, sua votaçãosó foi boa em Santa Catarina (25%) e razoável noCeará (18%), Paraná (14%) e Paraíba (13%). EmMinas Gerais e São Paulo, Estados decisivos em qual-quer disputa nacional, Brizola teve um desempe-nho abaixo do sofrível – menos de 4%.

Covas também contabilizou votos preciosos emSão Paulo, onde conseguiu 22% do eleitorado, e noCeará e Distrito Federal, onde obteve 17% dos vo-tos. Quanto a Collor, praticamente ganhou em to-dos os Estados, com exceção do Rio de Janeiro, RioGrande do Sul, Distrito Federal e Santa Catarina.

Entretanto, a formidável vitória, a vitória políti-ca, contra a lógica, contra as descrenças, contra os

Page 100: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

100

QU

ASE

temores arraigados, foi a de Lula. Repetindo velhoschavões, foi uma vitória do fraco contra o forte, dapobreza contra o poder econômico, da dignidadecontra a indignidade.

Em síntese, é assim que se podem avaliar os resul-tados obtidos por Lula no primeiro turno. Mais de11 milhões e 600 mil votos são a expressão mais legí-tima da força real de Lula e do PT, mesmo conside-rando-se a participação efetiva do PSB e do PCdoB.Colocaram à mostra, com bastante nitidez, os pon-tos fortes e fracos desse partido que só tem existên-cia de 10 anos, mas ousou disputar o poder contra oImpério, desafiando todo descrédito e desprezo.

São também esses resultados que melhor expri-mem as dificuldades e as potencialidades de cresci-mento do PT e de seus aliados da Frente Brasil Po-pular, o papel que essas alianças desempenharam eos efeitos da propaganda e da ação da militânciaengajada na campanha.

Lula obteve votações acima de 20% em Minas,Espírito Santo, na maioria dos estados do Nordeste(Bahia, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Nortee Piauí), assim como no Amazonas, Amapá e Distri-to Federal, onde foi o primeiro colocado. Em geral,mostrou crescimento acentuado na maioria dasgrandes cidades e capitais. Nas cidades médias epequenas, embora seja possível detectar certo cres-cimento em comparação com a votação do PT naseleições anteriores, a votação de Lula esteve abaixodas expectativas. O que aconteceu também em SãoPaulo, capital e Estado, e em algumas grandes cida-des onde o PT é governo – Porto Alegre, Vitória,

Page 101: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

101

QU

ASE

Campinas, Santos [ver quadro do desempenho nosestados e capitais].

Quadro do desempenhode Lula nos estados – 1o turno

Menos de 10%

RS 6,5

PR 7,8

AL 7,9

MT 9,7

MS 8,5

RR 9,7

TO 8,7

10% a 20%

SP 16,8

RJ 11,8

AC 16,4

CE 11,4

GO 15,7

MA 17,4

PA 18,2

SC 10,1

SE 16,0

BRASIL 16,1

Acima de 20%

MG 21,3

BA 22,3

AP 22,9

AM 20,0

DF 28,2

ES 20,8

PB 21,4

PE 20,6

PI 20,4

RN 21,4

Quadro do desempenhode Lula nas capitais – 1o turno

Menos de 10%

P. Alegre 6,4

Curitiba 9,9

B. Vista 9,8

10% a 20%

São Paulo 15,2

Rio 11,9

R. Branco 18,5

Maceió 10,5

Fortaleza 14,3

Vitória 19,9

Cuiabá 15,4

C. Grande 11,0

P. Velho 13,2

Florianópolis 11,7

Miracema 10,9

20 a 30%

Macapá 25,4

Manaus 20,8

Goiânia 23,4

São Luís 23,0

Belém 25,1

J. Pessoa 26,9

Natal 29,0

Aracaju 24,6

Acima de 30%

B.Horizonte 30,6

Salvador 39,3

Recife 38,1

Teresina 32,8

Page 102: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

102

QU

ASE

A votação dos setores organizados da sociedadeem Lula foi bastante representativa da inserção doPT e demais partidos da Frente, mas a votação dossetores de baixa renda, sem instrução e desorgani-zados, assim como de diversos segmentos da classemédia, em particular do interior, foi muito abaixodo esperado ou desejado. Não é verdade, porém, queesses setores tenham votado em Collor e nos ou-tros candidatos conservadores, como esperava a maio-ria dos analistas políticos.

Esses setores devem constituir 70% do eleitora-do brasileiro de 82 milhões de votantes. Ou seja,aproximadamente 56 milhões, número levementeinferior ao da soma dos 33 milhões de eleitores semi-analfabetos com os 30 milhões de votantes que cur-saram o primeiro grau. Collor teve realmente a ex-pectativa de conquistar o apoio completo desses se-tores ainda no primeiro turno e evitar a segundarodada. Chegou a expressar esse sonho quando al-cançou 45% das intenções de voto, em junho. Mas,no final, teve menos de 21 milhões de votos, o equi-valente a 28,5% dos votantes. Os candidatos con-servadores (Collor, Maluf, Afif, Ulysses etcétera) con-seguiram, no primeiro turno, cerca de 50% dos vo-tos, ficando praticamente empatados com os candi-datos de esquerda, o que significa que pelo menos20% daqueles setores despolitizados despertarampara os problemas da política.

4. Mídia, uma nave do Império

Para conquistar sua classificação para o segundo

Page 103: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

103

QU

ASE

turno, Lula teve que enfrentar máquinas poderosas.Mas, como se viu, elas estavam divididas e foi possí-vel batê-las, apesar dos recursos e meios materiaisque possuíam. Contaram com o apoio de meios decomunicação, chefes políticos e parcelas considerá-veis da máquina governamental. Empresários inves-tiram em um ou mais candidatos, fornecendo-lhesrecursos financeiros e materiais e apostando nosprivilégios do futuro. Collor, em especial, contou comuma sólida sustentação financeira, permitindo-lhe amontagem de uma máquina eleitoral completamenteprofissionalizada, empresarial.

Seu próprio comitê, para atender às exigênciaslegais, previra um gasto de 100 milhões de cruzadosnovos durante a campanha no primeiro turno. En-tretanto, é certo que apenas as pesquisas nacionaisde opinião que o Vox Populi realizou devem ter cus-tado bem mais do que isso, segundo sabe qualquerpessoa enfronhada no assunto.

Para cobrir o interior do modo que programou,visitando 10 a 12 cidades por dia, com equipes pre-cursoras, diversos conjuntos musicais, número cor-respondente de palanques e aparelhagens de som eiluminação, corpo de segurança e frota de jatinhose helicópteros, a campanha collorida gastou uma fá-bula nunca inferior a US$ 100 milhões de dólares.Sua infra-estrutura de comitês e seu sofisticado sis-tema computadorizado de coleta e análise de infor-mações, sua agência de edição e produção de notíciaspara jornais, rádios e tevês, além do disque-Collor,representaram um custo adicional que não se com-para ao de qualquer outro candidato.

Page 104: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

104

QU

ASE

Collor de Mello tinha, assim, uma estrutura decampanha incomparável. Muito mais importante,porém, para a execução de seu marketing político epara a disputa contra a esquerda, particularmentecontra Lula, foi o suporte escancarado da Rede Glo-bo. As emissoras do doutor Roberto Marinho se es-meraram em transformar o playboy em defensor evingador dos descamisados e em vender a imagemde Lula como extremista, incompetente e destrui-dor da sociedade brasileira.

No entanto, a Rede Globo foi apenas a ponte visí-vel do papel que a mídia desempenhou nessa cam-panha, não só a favor de Collor ou de algum outrocandidato conservador do Império, mas fundamen-talmente contra Lula, através de uma permanenteguerra de desgaste e destruição, tanto eletrônicaquanto impressa, de sua candidatura. Simples pro-gramas de auditório, nas tevês e nas rádios, a exem-plo dos programas de Paulo Barbosa, Afanásio Jazadji,Hebe Camargo e outros, transformaram-se em tribu-nais eleitorais permanentes de ataque à candidaturada Frente Brasil Popular, até mesmo ferindo a legisla-ção eleitoral. As rádios do interior, onde a fiscaliza-ção era ainda mais fraca, tornaram-se instrumentosde propaganda eleitoral contínua contra Lula.

O Império jogou o que pode na guerra da mídia.Um vasto rol de indignidades cerca a maioria das no-tícias publicadas, desde a sórdida campanha contra ochamado grevismo e contra as prefeituras petistas –incluindo-se aí o caso Lubeca e a exploração do desa-bamento da favela Nova República –, até as manipula-ções para aproveitar as dificuldades do PT na indica-

Page 105: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

105

QU

ASE

ção do vice e, depois de escolhido Bisol, para desmo-ralizar um homem público acima de tudo honesto.

Será bom relembrar como a imprensa falou emnepotismo para qualificar a nomeação de um sobri-nho da prefeita Luiza Erundina e de outro do secre-tário de Negócios Jurídicos da Prefeitura de São Pau-lo. Embora aquelas nomeações sejam passíveis decrítica, qualquer estudante de nível médio sabe quenepotismo significa o aproveitamento generalizadoda máquina pública para empregar parentes, do quenem de longe se tratava. Entretanto, mais impor-tante será comparar aquela campanha de meses emeses com as tímidas observações sobre a nomea-ção de parentes e parentes de parentes por Collor,após sua posse na Presidência.

Compare-se, também, a atitude da mídia, primei-ro promovendo Gabeira como a melhor opção paravice de Lula, depois explorando seu descontentamen-to por ter sido preterido e, por fim, simplesmenteesquecendo o candidato do PV à Presidência. SeGabeira era um fato político e representava o mo-derno na campanha eleitoral de 1989, por que dei-xou de ser notícia, por que nada mais do que faziarepercutiu como candidato a Presidente? Será por-que deixou de ser instrumento eficaz para a deses-tabilização da candidatura Lula pela imprensa?

Evidentemente, não se pode negar que, usandofartamente os recursos materiais com que contava,a campanha Collor realizou para o horário gratuitoprogramas de televisão e rádio bem feitos. Conse-guiu até inovar às vezes, como na vinheta em que osmuros da inflação, da corrupção, da miséria, dos

Page 106: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

106

QU

ASE

marajás, eram destruídos por dois aríetes que setransformavam nos dois eles de Collor.

Mas esses programas do horário gratuito fica-ram sempre a léguas de distância da importância edo enorme poder de influência exercido pelos meiosde comunicação do Império, na sua programaçãonormal de telejornais e revistas de circulação nacio-nal. Este aparato representou fator decisivo nessaeleição.

Não por acaso, já em curso a batalha do segundoturno, a revista IstoÉ Senhor pergunta no editorialda edição de 13 de dezembro: “Que pode esperar ocandidato Lula das tevês, dos jornais, das revistas?No máximo que uma ou outra reportagem, um ououtro artigo, apresentem corretamente os fatos eos comentem sem preconceito”. E talvez relembran-do o articulista Gilberto Dimenstein, da Folha deS.Paulo, que relacionou tráfico de influência nospaíses socialistas, inchamento da máquina estatalbrasileira e defesa petista do socialismo e da demo-cracia para chegar à absurda conclusão – transfor-mada em título de artigo – de que “PT estimula cor-rupção”, a mesma IstoÉ Senhor tenha concluído queinúmeros jornalistas, “servindo sempre e sempre opoder instituído”, “estimulam a ambigüidade e amentira”.

Page 107: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

107

QU

ASE

Armas desiguais

É fascinante ouvir-se os locutores ecomentaristas repetirem as mesmas frases

feitas, com o apoio de uma expressivaparcela da imprensa.

Hermano Alves, IstoÉ Senhor,28 de junho de 1989

1. Compensando as fraquezas

Lula não podia, é verdade, esperar nada dos jor-nais, rádios e tevês. Do mesmo modo, seria ilusãocontar com recursos materiais suficientes ou espe-rar que os empresários fossem acometidos de umafebre de bom senso e optassem contra o maior em-buste – o tempo dirá – que este país já conheceu.Lula contava basicamente com a militância e a sim-patia de grandes parcelas da população.

Nessas condições, realçar as qualidades da mili-tância engajada em sua vitória – sua garra, entusias-mo, combatividade e determinação – e transformara simpatia da população em participação ativa eramos instrumentos de que Lula podia se valer para com-pensar as fraquezas de sua campanha, que não erampoucas, e criar condições para disputar a vitória nosegundo turno. Inclusive ampliando suas alianças, oque se fazia com muita rapidez pela base e já eravisível nas comemorações pela vitória no primeiroturno. Militantes do PCB, PDT, PSDB, PV, PH e PMDB

Page 108: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

108

QU

ASE

se juntaram nas ruas aos militantes da Frente, gri-tando o já gasto mas nunca esquecido esquerda,unida, jamais será vencida e forçando as direçõespartidárias a se decidir.

Lula saltara, na primeira pesquisa de intenção devoto após os resultados do turno preliminar, para38% das preferências, mais do que dobrando seu ín-dice de votação. Só 11% o separavam do candidatodo Império e o número de indecisos poderia rever-ter completamente o quadro da disputa. Mas até aprimeira semana de dezembro a situação das alian-ças permanecia confusa, em parte pela ação da mídiade difundir a impressão de que Lula, o PT e a Frenteseriam incapazes de viabilizar a união com as forçassituadas à esquerda.

Por outro lado, era verdade que o PDT e Brizolaacusavam o PT de ter boas relações com a Rede Glo-bo e insistiam nas denúncias contra Bisol, criandouma situação constrangedora. Depois Brizola con-firmou seu apoio a Lula, mas negou-se a subir empalanque onde o candidato a vice estivesse. Dava,com isso, incentivo às especulações de que estariacozinhando Lula em água fria, na expectativa de queo metalúrgico perdesse feio e deixasse de constituirameaça política a ele, Brizola.

O PSDB, por sua vez, levantava objeções a um su-posto poder sindical proposto no programa de go-verno da Frente e também à reforma agrária, pressio-nando para que o programa fosse amaciado. Os jor-nais adotaram uma tática dúplice: alguns, como oJornal da Tarde, criticaram Lula por ser intransi-gente ao se negar negociar alguns pontos radicais

Page 109: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

109

QU

ASE

do programa com os partidos que se propunhamapoiá-lo; outros, como O Globo, acusaram Lula detrair seus eleitores ao trocar seu programa de gover-no pelo apoio do PDT e PSDB, acusação que foi re-petida insistentemente por Collor.

Apesar dessas dificuldades, a tendência das basesdos diversos partidos situados à esquerda, e até mes-mo do PMDB, levou a que se concretizasse a aliançaconsubstanciada no Movimento Lula Presidente. Senão foi exatamente o palanque das diretas-já, valeu-se de uma sustentação popular nacionalmente maisampla.

A campanha engrossou e ganhou uma consistên-cia popular que nenhuma outra campanha políticaapresentou no Brasil, mas não foi capaz de corrigircom a rapidez necessária as fraquezas estruturaisde que sofria desde o início. Era praticamente im-possível superar, em 30 dias, apesar de todo o afluxode apoios, o que não havíamos conseguido resolverem 10 meses.

Transformar a campanha presidencial no princi-pal eixo da atividade da militância petista, compre-endendo pelo menos duas centenas de milhares deativistas em todo o país, demandava uma série deajustes organizativos, das direções às bases. Aquelasprecisavam estabelecer relações adequadas entre asnovas demandas eleitorais e a continuidade das an-tigas atividades partidárias no movimento social, noparlamento e na vida interna do partido. As basestambém precisavam encaminhar sua atenção para aação eleitoral, sem perder de vista a criação de ca-nais ágeis e acessíveis de sua participação popular,

Page 110: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

110

QU

ASE

maneira de manter o vínculo com a população e ossetores organizados da sociedade. Comitês popula-res pró-Lula seriam as principais formas de organi-zação da campanha para garantir a desejada mobili-zação massiva.

Enfrentamos dificuldades sérias para realizar es-ses ajustes organizativos. A maioria dos dirigentesescolhidos para o comitê nacional eleitoral estavaenvolvida com atividades parlamentares e partidáriasdiversas e as reuniões do comitê dificilmente davamquórum. Para superar essa dificuldade, formamos umcomitê político mais reduzido, com sete membros,que também não funcionou pelos mesmos motivos.

Apenas a partir de junho-julho, depois de algu-mas discussões sérias com os coordenadores esta-duais da campanha e na Comissão Executiva Nacio-nal, ocorreu um processo em que a própria Executi-va se transformou paulatinamente na real direçãopolítica da campanha, colocando em desuso os co-mitês anteriores. Passou a tomar as decisões a res-peito das articulações para realizar as alianças, daelaboração do programa de ação do governo, da ati-vidade parlamentar, da análise da estratégia dos can-didatos, do planejamento dos fatos políticos e dacorreção da estratégia e das táticas da campanha.

É nesse mesmo período que membros da Execu-tiva e outros dirigentes partidários assumem respon-sabilidades na coordenação operativa ou executivada campanha, preenchendo lacunas que se mantive-ram por muito tempo e superando os problemas dadireção prática da propaganda, programa de tevê erádio, imprensa, finanças, mobilização, agenda, pla-

Page 111: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

111

QU

ASE

nejamento, análise das informações e fiscalização.Desse modo, para ser franco, somente em agostoconseguimos montar uma estrutura razoável de co-mando que, ainda cheia de deficiências materiais ehumanas, foi capaz de levar a campanha a um pontoque apenas alguns de nós imaginávamos possível.

Essa estrutura de campanha precisava combinareficiência com escassez de recursos, o que nem sem-pre é possível. Dizendo de outro modo, precisáva-mos ter uma estrutura operacional enxuta, de baixocusto, e competente o suficiente para responder àsdemandas efetivas da campanha. Ela teria que serformada, pois, por profissionais de gabarito, o queseria factível apenas se tais profissionais aceitassemtrabalhar com grande dose de voluntariado, isto é,salários abaixo do mercado, e se as demais necessi-dades de recursos humanos fossem completadas,sempre que possível, com voluntários.

Todos os setores ou departamentos de nossa es-trutura de campanha operaram desse modo, mas umdos exemplos mais significativos da diferença de re-cursos entre as estruturas das campanhas Lula eCollor pode ser observado nos setores de informa-ções dos dois candidatos. É público que Collor con-tratou por um alto preço os serviços profissionaisda CapSoft, uma empresa de consultoria e informá-tica que montou para ele uma central de computa-ção e um sistema programado de coleta de armaze-namento de dados que lhe permitia obter as infor-mações de que precisava de modo extremamenterápido e completo.

No comitê nacional da campanha Lula também

Page 112: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

112

QU

ASE

nos preocupamos em montar um setor desse tipo.Todo mundo sabe que hoje em dia, para acompa-nhar a conjuntura e suas mudanças, com o volumede informações que flui na sociedade, é essencial re-alizar um acompanhamento da imprensa (notícias,análises, comentários), das pesquisas de opinião edos boatos que, da maneira mais insólita, atraves-sam o tecido social. Mais do que isso, para compro-var a veracidade das informações detectadas naque-las diferentes fontes, é fundamental realizar pesqui-sas próprias de opinião. Collor, além de contar como acompanhamento da CapSoft, realizou pesquisasconstantes de opinião pública através do InstitutoVox Populi, empresa mineira de pesquisas, de pro-priedade de seu amigo Marcos Coimbra Filho.

Em nosso caso, esse trabalho contou fundamental-mente com a contribuição de voluntários, em virtudedos altos custos envolvidos. Não tivemos condições demontar um centro de processamento de dados ade-quado, nem de fornecer aos analistas uma infra-estru-tura de trabalho permanente, indispensável para qual-quer política de contra-propaganda e pronta resposta.Essas deficiências estruturais fizeram com que a coor-denação da campanha demorasse a responder e agirmais rapidamente diante de alguns ataques do Impé-rio. Causaram uma demora injustificável na análisedos resultados do primeiro turno e nos levaram anão adotar medidas mais eficazes no caso do seqües-tro de Abílio Diniz, no enfrentamento da linha deataque de Collor no último debate pela televisão ena desmontagem do sistema de boatos e intrigasnas duas últimas semanas da campanha.

Page 113: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

113

QU

ASE

As mesmas dificuldades nos impediram de reali-zar pesquisas de opinião próprias. Com muito esfor-ço, chegamos a realizar duas pesquisas limitadas aalgumas capitais e cidades do interior, quase total-mente baseadas no trabalho voluntário da militân-cia. Aliás, foi essa militância que permitiu que che-gássemos quase lá. A militância petista, com a qualmantivemos mais contato, deu um dos maiores exem-plos de garra, abnegação e criatividade que esse paísjá conheceu. Utilizando as mais diferentes formasde organização e mobilização, desde os blocos Lulano Carnaval, até os festivos comícios-monstros e asvastas festas populares em que se transformaram osdias de votação, a militância do PT integrou-se àmilitância dos demais partidos da Frente Brasil Po-pular e do Movimento Lula Presidente e deu à cam-panha uma dimensão que forçou todos os candida-tos a mudarem sua estratégia, mudando também aprópria conjuntura nacional.

Sem meios próprios de comunicação de massanem o apoio dos existentes, criamos a Rede Povo,nossa nave eletrônica de combate, uma das grandesresponsáveis pelo êxito da linha de mobilização epela transparência com que pudemos demonstrar adiferença radical entre a candidatura Lula e as de-mais. Setores do partido reclamavam do discurso deLula, exigindo que ele resgatasse as origens do PT,com uma campanha classista. A imprensa tambéminsinuou que o candidato da Frente Brasil Popularhavia mudado o discurso a partir de setembro. Naverdade, a linha geral do discurso de Lula não mu-dou durante a campanha. Ainda em maio, em plena

Page 114: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

114

QU

ASE

viagem aos Estados Unidos, diante dos empresáriosque compareceram ao almoço da Câmara de Comér-cio Brasil-Estados Unidos, ele prometeu “suspenderimediatamente o pagamento da dívida externa” e,logo depois, ao voltar ao Brasil, reafirmava seu apoioàs greves dos trabalhadores, sem titubear um mo-mento nessa postura. O que aconteceu, a partir desetembro, é que Lula foi sintonizando melhor seudiscurso, discurso que os cinco minutos do horáriogratuito amplificaram para milhões de telespecta-dores e ouvintes de rádio, dando-lhe uma visibilida-de que nossos abnegados jornalistas do setor de im-prensa não conseguiam, apesar dos esforços.

O eixo de nossos programas, como de toda a cam-panha, era a clara distinção da luta entre os pobres,representados por Lula, e os ricos, no segundo tur-no representados por Collor. Essa foi a polarizaçãoclarificada por nossa propaganda e nossa ação des-de o início da campanha, embora só tenha se torna-do evidente para milhões de brasileiros quando vi-ram na tevê as cenas contrastantes do carregadordo frigorífico, que jamais comia carne, e da mulherpasseando com o cachorrinho de raça, que comialegumes e carne, de galinha e de gado, duas vezesao dia.

Parodiando a própria televisão, utilizando sua lin-guagem nacional e uniforme, compreensível atual-mente para todas as camadas sociais, a equipe en-carregada da Rede Povo criou momentos de grandeimpacto. Fez a denúncia do envolvimento do coor-denador da campanha de Collor em Goiás no casodo arroz estragado que o candidato do PRN mostrara

Page 115: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

115

QU

ASE

dias antes, a revelação da negociata do processo deprivatização da Mafersa e a descoberta de parentesde Paulo Maluf entre os proprietários do terreno ater-rado que desmoronou e soterrou a favela Nova Repú-blica. As imagens dos comícios, num crescendo, fo-ram um instrumento poderoso para colocar aindamais gente nas ruas e fazer com que a campanha en-trasse em sua reta final num intenso ritmo de mobi-lização. As vinhetas puderam mostrar a criatividadealegre da equipe, demolindo criações do adversário.Quem não se lembra do movimento contrário dosaríetes, fazendo Collor “reconstruir” a miséria, a in-flação, a corrupção e os marajás; e do trem maria-fumaça, vencendo o trem collorido? Os clips, por suavez, difundiram a música que mais mexeu com oscorações e sentimentos de milhões de pessoas emtodo o Brasil e até em outros países latinos.

Nós podemos e devemos ser duros na crítica aosnossos erros e descaminhos durante a campanha,mas é verdade também que transformamos muitasde nossas fraquezas em força e demos às hostes doImpério uma lição de competência e combatividadeque elas não conheciam. E que, sem dúvida, não vãoesquecer.

2. Um episódio de audácia

Nem sempre é possível detectar os motivos quelevam ao conformismo com a nossa própria fraque-za ou às descrenças em nossas forças. Às vezes, umempresário descrê das possibilidades eleitorais doPT ou da potencialidade de luta de seus militantes

Page 116: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

116

QU

ASE

simplesmente por ignorância. Seus interesses declasse embotam seu raciocínio. Como ele não acre-dita na inteligência, operosidade e capacidade de tra-balho de seus operários, como os considera pregui-çosos e fracos para enfrentar a vida e disputar a duraconcorrência capitalista, transfere essa mesma des-crença para o Partido dos Trabalhadores quando co-meça a raciocinar em torno de suas propostas e ações.

Outras vezes, um escriba que disserta sobre asincapacidades do PT e de Lula o faz não por igno-rância, mas conscientemente. Sabe dos fatos, masprocura espraiar a desconfiança, fazê-la penetrarfundo no coração e na mente dos desfavorecidos elevá-los a uma escolha contrária a seus próprios in-teresses de classe. Quando Paulo Francis escreve deNoviorque, dizendo que antes admirava Lula porqueera um líder sindical autêntico, que enfrentava asfúrias da ditadura no ABC, pedindo melhores salá-rios e condições de trabalho, e não o habitual pelegotrabalhista ou comunista, mas que agora não o ad-mira mais porque um dia foi ao Morumbi e apren-deu a retórica vazia e tautológica de seus amigos,parecendo perdido para a classe operária, ele certa-mente está defendendo seus interesses (dele,Francis) com bastante lucidez. Ao demonstrar umafalsa admiração original por Lula, procura proteger-se com um cacife moral, para que os leitores confiemna suposta honestidade de sua afirmação atual.

Essas são descrenças e desconfianças do lado delá, tanto em relação ao nosso caráter quanto a nos-sas fraquezas. Em geral nós as desprezamos e luta-mos contra elas com as armas com que costuma-

Page 117: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

117

QU

ASE

mos enfrentar os inimigos. Às vezes, até mandando-os à putaqueospariu. Mas há outras desconfianças edescrenças, como a crença em nossa força reduzidae em nossas potencialidades limitadas ou a descren-ça em nossa vontade de vencer. É verdade que mui-tas dessas descrenças são o contraponto da superes-timação de nossa força, de nossa potencialidade eda idéia de que basta ter vontade para vencer que avitória virá. Por isso mesmo, decidir pelo avanço ésempre um ato de audácia política.

A decisão de publicar os fascículos Brasil Urgente,com os argumentos principais do programa de gover-no de Lula, navegou nesse fio de navalha entre a au-dácia e a aventura. A proposta surgiu de César Benja-min após o seminário de abril de 1989 com os inte-lectuais. Todos os que tiveram acesso ao projeto acha-ram-no muito bom. Ele previa tiragens quinzenais, apartir de junho, com venda em banca de 100 mil exem-plares de cada fascículo. Além de bom, audacioso.

Havia, porém, um problema. Ou melhor, dois. Aelaboração do programa de ação de governo andavaa um ritmo naturalmente lento, pelas dificuldadesem profissionalizar mais gente para trabalhar nele,ou pelos demorados debates e ajuste que sofria nasequipes partidárias e da Frente. Democracia faz bem,mas dá trabalho. Afora isso, inexistiam recursos fi-nanceiros para tocar um empreendimento editorialde tal porte.

Apenas em agosto ficou pronto o copião do pro-grama de governo. E dinheiro que era bom, nada.Alguns achavam que a edição dos fascículos seriaum importante instrumento de difusão de nossas

Page 118: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

118

QU

ASE

propostas para camadas mais amplas da população,desde que fosse bem feita e atraente. Outros tam-bém concordavam com isso, mas achavam que erapreferível utilizar os parcos recursos da campanhaem coisas mais imediatas e necessárias. Uns opina-vam que não tínhamos condições de vender mais de5 mil exemplares por fascículo, enquanto outrosapostavam em nossa capacidade de vender 50 mil.Havia aqueles que temiam que nos empenhássemosnum empreendimento de alto risco. No outro extre-mo, tínhamos os que apostavam na possibilidade deobter um empréstimo para realizar o projeto e pagá-lo com o próprio retorno das vendas.

Foi um parto complicado. Meio na base da pres-são venceu a última hipótese. Carlos Eduardo deCarvalho, César Benjamin, Gilberto Carvalho, PauloVanuchi e outros companheiros dedicaram-se fulltimea conseguir financiamento, editar os textos, impri-mir e distribuir os fascículos. No final das contas,foram vendidos 265 mil exemplares e pagas todas asdespesas. O saldo político foi difícil de quantificar.Bem que teve gente que não gostou de certas abor-dagens, mas isso ficou por conta da vida e da liber-dade de errar.

Acima de tudo, valeu a audácia contra a descrença.

3. Atrasados para a nova rodada

A luta era desigual em tudo. Até mesmo os resul-tados do primeiro turno consagraram uma demoraduplamente angustiante, tanto pela disputa comBrizola, quanto pela espera dos resultados. Enquanto

Page 119: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

119

QU

ASE

Collor já estava em campanha para o segundo turnodesde o dia 16 de novembro, a coordenação da cam-panha Lula procurava convencer os demais mem-bros do comitê político de que as projeções da equi-pe de estatística estavam corretas e indicavam nos-sa vitória. Foram cinco dias de expectativa, antesque tomássemos decisões para recolocar a máquinaem funcionamento para a nova rodada.

Mas não foi apenas aí que entramos atrasados.Como não acreditávamos realmente na possibilida-de de vencer, embora a nossa estratégia fosse cons-truída no sentido de colocar Lula no segundo turno,cometemos o erro de não delinear, como deve fazerqualquer estado-maior que se preze, os cenários pro-váveis da disputa do segundo turno, especialmenteaquele que teria Collor como adversário. Tivemosque correr atrás do prejuízo e traçar rapidamenteuma linha estratégica de combate, ao mesmo tem-po em que éramos obrigados a jogar os principaisdirigentes da campanha na costura de alianças ne-cessárias para enfrentar o novo quadro.

Com a polarização criada, que acertadamente es-perávamos que acontecesse, era fundamental isolarCollor de possíveis alianças na faixa da centro-es-querda e também do centro, mostrar a verdadeiranatureza direitista de sua candidatura e criar umcenário de crescimento da candidatura Lula. Sãoconhecidas as dificuldades que enfrentamos e o tem-po precioso que perdemos até consolidar a candida-tura Lula entre as forças progressistas e populares.Finalmente, fizemos surgir um amplo MovimentoLula Presidente, que desbordou os limites da Frente

Page 120: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

120

QU

ASE

Brasil Popular e abriu espaço para a participação damilitância do PDT, da parcela progressista da mili-tância do PSDB e PMDB e dos demais partidos deesquerda.

O PCB desde logo havia se integrado à campa-nha, assim como o PV. Com o PDT as coisas se arras-taram pelo menos até o primeiro debate, no dia 3 dedezembro. No PSDB, Montoro, Richa e TassoJeiressati trabalhavam contra a aliança de seu parti-do com a Frente Brasil Popular, espalhando boatossobre a decisão do PT de abrir seu programa paramudanças em troca da aliança e de oferecer cargosno governo a seus possíveis aliados e impedindo Co-vas de jogar seu peso no Movimento Lula Presidenteaté quase o comício do dia 12 de dezembro, em SãoPaulo. Dentro do próprio PT ocorriam vetos de dire-ções regionais a certos apoios recebidos por Lula,forçando a direção nacional a realizar gestões parasuperar alguns obstáculos ou, até mesmo, em várioscasos, para associar-se a resistências legítimas con-tra adesões nem sempre desejáveis.

De qualquer modo, no curto espaço de 15 diasaconteceram coisas inesperadas para a maioria doscomentaristas políticos. O afluxo de militantesbrizolistas, tucanos, do PCB, PV e mesmo de genteque votara em Ulysses e Aureliano aos comitês doPT e da Frente Brasil Popular era crescente, em bus-ca de material e de incorporação à campanha deLula. E chegou a tal ponto que diversos dirigenteschegaram a aventar a idéia de que deveríamos aban-donar os esforços para trazer Brizola e Covas a umaaliança com Lula, pois o que verdadeiramente iria

Page 121: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

121

QU

ASE

decidir as eleições era a imensa unidade pela baseque estava se formando naturalmente.

Felizmente soubemos nos livrar a tempo dessamiragem, já que a tendência de apoio das bases pro-gressistas do PDT, PSDB e PMDB só se consolidariacom o apoio explícito da direção daqueles partidos,em particular de suas lideranças mais expressivas.Por outro lado, sem essa aliança formal dificilmenteconseguiríamos sinalizar para a grande massa deindecisos que Lula era realmente o candidato dospobres, dos progressistas, das mudanças, o candida-to da grande união capaz de tirar o Brasil da crisesem sacrificar tanto o povo.

Apesar de tudo, a pesquisa da Toledo&Associados,feita entre os dias 24 e 27 de novembro e publicadaem 6 de dezembro, indicava que Collor estava com47,5% das preferências nas respostas estimuladaspor cartão, enquanto Lula contava com 37,7%. A di-ferença era de 9,8%. Lula mostrava-se forte nas gran-des cidades (48,3% contra 38,1% de Collor), entreos jovens de 16-17 anos (56,7% contra 32,9%), nafaixa etária de 18 a 29 anos (49% e 38,5%) e leve-mente na frente nos setores de maior instrução (1%a 2% mais). Mas Collor continuava com força naspequenas cidades (51,2% contra 39,8% de Lula),entre os mais velhos (mais de 50% contra menos de30%) e nos setores com menor instrução (51,8% a33,9%).

Entretanto, na pesquisa realizada 15 dias depois,aconteceu uma inversão muito grande na situação.Lula subiu 6,5 pontos nas respostas estimuladas porcartão, chegando a 44,2%, enquanto Collor caíra

Page 122: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

122

QU

ASE

2,5%, descendo para 44,7%. O empate era real, nãosomente técnico. Nossa estratégia de ampliar as alian-ças, apresentar a equipe de governo para demons-trar a governabilidade de Lula no poder e criar fatospolíticos, desmascarando a verdadeira natureza dacandidatura Collor, mostrava-se acertada. Os ajus-tes táticos que tínhamos conseguido realizar, man-tendo o formato básico dos programas da Rede Povo,fixando nossa linha de ataque nos compromissospolíticos de Collor, direcionando nossa atenção fun-damentalmente para o público despolitizado e man-tendo a linha de mobilização massiva – mas combi-nando-a com uma campanha de visitas domiciliares– permitiram que vencêssemos o primeiro debate,mantivéssemos Collor isolado e criássemos o cená-rio real de crescimento de Lula. A reorganização dosetor de imprensa, do setor de apoio jurídico e daequipe de mobilização, para não deixar nenhum ata-que sem resposta e manter os estados e municípiossob pressão, em especial para atuar junto aos seto-res despolitizados da população, complementavamos ajustes políticos no mesmo sentido.

É fato que, mesmo então, não chegamos a criaruma tendência irreversível de queda da candidaturaCollor. Mas realmente sério foi não termos sido ca-pazes de avaliar com rapidez a retomada de sua es-tratégia de confronto, num patamar ainda mais vio-lento e sem escrúpulos, sinalizado pelo próprio Col-lor, em IstoÉ Senhor de 29 de novembro, como umadas alternativas de sua ação.

Page 123: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

123

QU

ASE

O Brasil já não é o mesmo

Já o candidato Collor leva de saída,mesmo que não a queira, a vantagem do

medo: o medo que o sapo barbudoprovoca, pânicos às vezes, no inferno

das coortes miseráveis e no paraíso dadominação da ciranda financeira.

Editorial, IstoÉ Senhor,13 de dezembro de 1989

1. O Império joga sujo

Além da desproporção estrutural, Lula tinha a des-vantagem do medo, a desvantagem de opor consciên-cia e dignidade a qualquer ausência de ética e à men-tira. Às vezes, é preciso tempo e muita cabeçadapara que as pessoas possam distinguir uma coisa deoutra. Que o diga quem levou calote e perdeu oemprego com a recessão embutida no plano colloridode estabilização.

É verdade que Collor, embora tenha insinuado naentrevista a IstoÉ Senhor o tipo de campanha quedeveria marcar o segundo turno, procurou inicial-mente apresentar uma linha de ação que destacassea imagem do candidato vitorioso de 20 milhões devotos. Considerando-se praticamente eleito, esfor-çava-se para aparecer como o estadista grave e tran-qüilo, vestido condignamente e capaz de perdoar osadversários pelo bem do Brasil. Ao mesmo tempoem que acusava Lula de estar traindo seus eleitores,por supostamente trocar o programa de governo da

Page 124: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

124

QU

ASE

Frente Brasil Popular pelo apoio do PDT e PSDB,reafirmava sua disposição de não negociar o progra-ma do PRN, de cunho social-democrata, segundo ele,e procurava atrair o PSDB e setores progressistas doPMDB. Sem esquecer, é claro, de amarrar o suportecamuflado das elites que não o haviam apoiado noprimeiro turno.

Mas foi um curto período civilizado, porque ocor-reu o mesmo fenômeno do primeiro turno, quandoCollor pretendeu trabalhar principalmente com oque chamava de seu programa de governo. A facili-dade com que fazia promessas irrealizáveis, mesmoque com uma aparência técnica confiável, soava fal-samente e atrapalhava seu crescimento. Para piorar,adesões públicas de antigos políticos acusados, maisuma vez, de praticarem corrupção, como AntonioCarlos Magalhães e Roberto Cardoso Alves, minis-tros de Sarney, colocavam em perigo sua base desustentação popular e estagnavam ou faziam cair asintenções de voto em sua candidatura.

Tudo isso, comparado ao crescimento de Lula, fezcom que o desespero penetrasse fundo nas hostesdo Império. O comando oficial da campanha colloridaentrou em crise, na prática sendo substituído peloestado-maior secreto da Candelária, onde antes sóse tomavam as grandes decisões e aquelas relacio-nadas com a guerra suja.

Os grandes empresários de São Paulo, por sua vez,já haviam avisado que o único candidato que nãoqueriam ver no Planalto era Lula. Mas, com o empa-te detectado nas preferências eleitorais, tornava-seevidente que o candidato do Império não consegui-

Page 125: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

125

QU

ASE

ria vencer se a partida fosse jogada limpamente. Erapreciso jogar duro e sujo. Tirar o time light, social-democrata ou de centro-esquerda, que estava nocomando visível da candidatura Collor e colocar emseu lugar a turma da pesada, dark, direitista e com-pletamente desprovida de escrúpulos. Aliás, o esta-do-maior imperial da campanha Collor não precisouir muito longe: bastou dar uma olhada na própriafamília do candidato para notar que o irmão Leopoldoestava talhado para chefiar a operação de desmonteda candidatura Lula.

A linha principal de combate da candidatura Col-lor retomava com força o elemento mentira, a men-tira repetida à exaustão, para ser aceita como verda-de pelo amortecimento dos sentidos. A mentira asso-ciada à exploração dos temores da população caren-te, desinformada e despolitizada, numa escala jamaisexperimentada na história brasileira. As mentiras eos medos, as intrigas e os boatos, as provocações e ocinismo, tudo profissionalmente articulado, paraassociar Lula a imaturidade, calote, baderna, comu-nismo, luta armada, derramamento de sangue, rou-bo de propriedade, fim da religião, violência.

Jamais os meios de comunicação de massa se inte-graram de forma tão íntima para difundir as mesmascalúnias, as mesmas mentiras, os mesmos boatos, asmesmas intrigas. Adotaram fielmente o briefing dita-do pelo próprio Collor no Programa Ferreira Neto de11 de dezembro, na TV Record, com retransmissãoem cadeia nacional pelas emissoras que quisessem,aprofundando seu discurso em Vitória, no dia 8, ondejá apresentara o tom de sua nova estratégia.

Page 126: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

126

QU

ASE

O Departamento Nacional de Telecomunicações(Dentel) já havia feito um levantamento da progra-mação jornalística da Rede Globo entre 27 de no-vembro e 6 de dezembro, constatando que o candi-dato Collor ocupara 64,1% do tempo da coberturaeleitoral da emissora, contra apenas 35,9% para Lula.Num único programa sobre eleições, Collor teve 22minutos e Lula nada. O resto da imprensa seguiu oexemplo, mesmo aquela que se dizia neutra. Con-tam-se nos dedos as exceções. Manchetes, títulos,subtítulos e conteúdo das matérias se repetiam noSudeste, no Sul, na Amazônia e no Nordeste, numaintegração impecável.

Quem quer que hoje se dê ao trabalho de pesqui-sas a imprensa na época vai encontrá-la em qual-quer canto do país, dizendo que Lula era lobo empele de cordeiro, que uma professora foi convidadapor guerrilheiro a participar de atentado contraCollor, que o crescimento de Lula tinha feito o dó-lar e os juros subirem, que a vitória de Lula signifi-caria o caos, que a reforma urbana do programa daFrente Brasil significaria a ocupação de quartos dosque tivessem mais de um, a tomada de um carro dosque tivessem dois e que a reforma financeira do PTseria o fim da caderneta de poupança, pelo caloteda dívida. Isso para citar alguns exemplos menores.

Uma sórdida mentira utilizada por Collor contraLula no Programa Ferreira Neto foi repetida no de-bate do dia 14 de dezembro: a acusação de que umdos principais dirigentes petistas tinha pensamentonazista e chamara os nordestinos de sub-raça. ClausGermer, o dirigente acusado, é, no entanto, um re-

Page 127: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

127

QU

ASE

conhecido lutador pela democracia e um firme de-fensor dos trabalhadores rurais do Paraná. Ao con-trário de Collor, que não tem como esconder suacondição de filhote da ditadura, Claus esteve entreos combatentes que resistiram ao regime militar.De renomada competência profissional, ocupou ocargo de secretário de Agricultura do Paraná no go-verno Richa (PMDB), tendo suscitado o ódios doslatifundiários e políticos conservadores por sua açãoprática a favor da reforma agrária.

Aproveitando-se de uma palestra em que Clausdenunciara a política agrícola do governo Sarney echamava atenção para seus efeitos desastrosos – prin-cipalmente no Nordeste, onde a fome e a misériaintensas condenavam os lavradores a correr o peri-go de tornar-se uma sub-raça –, juntaram-se todosaqueles que queriam vê-lo longe da Secretaria deAgricultura, para uma campanha em que as pala-vras de Claus eram deturpadas e ele acusado peloque nunca dissera.

Ao demonstrar toda a sua indignação com o des-caso do governo em relação aos trabalhadores nor-destinos, o ex-secretário somente repetira com suaspróprias palavras a tese de Josué de Castro, em sua“Geografia da Fome”, na qual acusava as elites deestarem transformando a população nordestina numpovo raquítico, de alta mortalidade, através da fomecomo estado permanente de vida.

Na verdade, tudo aquilo que, antes, fazia parteapenas do receituário de boatos difundidos pelo co-mando central localizado na Candelária, ganhou di-mensão nova com o discurso de Collor em Vitória e

Page 128: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

128

QU

ASE

com sua entrevista no Ferreira Neto. As mentiras eintrigas saíram dos esgotos do Império e os jornais,rádios e tevês passaram a retransmiti-las com o avalde seu candidato, revestindo-as de uma credibilidadeque não tinham. E governadores, prefeitos, verea-dores e empresários, coordenando as redes de intri-ga nos estados, juntaram-se à guerra suja e transfor-maram os comícios colloridos em palanques que cadavez mais lembravam os da antiga Arena.

Deixaram a sombra e arregaçaram as mangas, naBahia, o governador Nilo Coelho e os senadores JutahyMagalhães, Rui Bacelar e Luís Viana, além do já cita-do Antonio Carlos Magalhães; no Rio Grande do Sul,Nelson Marchesan; em Pernambuco, Marco Maciel;em Santa Catarina, Jorge Bornhausen; no Pará, JarbasPassarinho; em São Paulo, Paulo Maluf. Todos saídosda Arena, suporte do regime militar, para o PDS, al-guns em trânsito para o PFL e PMDB.

Brigadas de mercenários, muitos dos quais ves-tindo camisetas do PT, percorriam favelas e bairrospobres ameaçando as pessoas com os boatos entãoamplamente difundidos por Collor e pela imprensa.Pastores protestantes e padres conservadores bra-davam aos céus contra a suposta intenção de Lulade fechar as igrejas e proibir os cultos religiosos.Empresários ameaçaram seus empregados de demis-são caso Lula vencesse. Em contrapartida, promete-ram um 14o salário caso perdesse. No Ceará foramdistribuídos panfletos representando Lula como ummonstro, o que na mente esclerosada dos reacioná-rios só pode ser relacionado a comunismo e marxis-mo. Em Brasília distribuíram um panfleto, citado

Page 129: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

129

QU

ASE

várias vezes por Collor, com as assinaturas de umafalsa juventude petista, pregando a luta armada.

Entre os dias 11 e 15 de dezembro a ofensiva dashostes reunidas do Império foi total. Novos inciden-tes como o de Caxias, no Rio Grande do Sul, prepa-rados pelos destacamentos de provocadores da cam-panha Collor, foram descobertos pela coordenaçãonacional da campanha Lula e precisaram ser evita-dos com redobrados esforços pelas coordenaçõesestaduais e locais. No dia 11, o dólar explode maisuma vez e a coordenação nacional recebe a informa-ção do seqüestro do empresário Abílio Diniz. No dia12, no programa noturno do PRN, a falsa enfermei-ra Miriam Cordeiro aparece no vídeo repetindo acu-sações que fizera em maio contra Lula e acrescen-tando outras, ainda mais absurdas, de racista e cor-ruptor, esta por supostamente haver oferecido di-nheiro para que ela abortasse a filha.

Ainda no dia 12, com a ajuda de policiais, o PRNconsegue montar uma armadilha para Juarez Soa-res, secretário de Esportes da Prefeitura de São Pau-lo, acusando-o de manter sociedade numa arapucade videopôquer.

No dia 14, ocorre o segundo e último debate en-tre Lula e Collor. Este foi, sem dúvida, o exemplomais cristalizado do uso da mentira, da intriga e docinismo como instrumento de mistificação das mas-sas. Collor mentiu o tempo todo, sem corar ou titu-bear diante de qualquer consideração ética. Repe-tiu praticamente todos os argumentos que apresen-tara no Programa Ferreira Neto, acusando Lula deprojetar o calote nas dívidas internas e externa, a

Page 130: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

130

QU

ASE

expropriação da terra agricultável, a luta armada e arevolução sangrenta, a mudança da política salarialpara prejudicar os trabalhadores, e por aí afora. Fin-gindo não saber que vive cometendo barbaridadescontra a língua portuguesa, apontou os erros gra-maticais de Lula e afirmou, vejam só, que ao contrá-rio do candidato da Frente, não podia dar-se sequerao luxo de comprar um aparelho de som!

No dia 15, a Rede Globo e outras emissoras pas-saram a divulgar uma pesquisa do Instituto Vox Populisobre quem supostamente vencera o debate e sobrequem apresentara “as melhores propostas”. O insti-tuto contratado por Collor, com base em pesquisastelefônicas restritas, bateu insistentemente na te-cla da vitória de seu cliente. Collor dava a vitória aCollor! Era muito despudor de uma só vez.

Mas não ficou por aí. No mesmo dia 15, o JornalNacional, da TV Globo, apresentou uma edição dodebate da véspera entre os presidenciáveis, na práti-ca mostrando apenas os piores momentos de Lula eselecionando a dedo as melhores intervenções deCollor. Mais tarde, no dia 18, os dirigentes dos prin-cipais institutos de pesquisa apontaram que aquelaedição influiu mais no ânimo dos eleitores do que opróprio debate. E o vice-presidente de operações daTV Globo, José Bonifácio Sobrinho, o Boni, reco-nheceu que a edição foi mais favorável a Collor porum erro de avaliação do departamento de jornalis-mo da emissora, segundo ele, ao apontar com umapitada de exagero a vantagem de Collor.

O mea-culpa de Boni levou o poderoso chefãoRoberto Marinho a fazer a observação sarcástica de

Page 131: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

131

QU

ASE

que seu principal executivo era muito bom de tevê,mas nada entendia de política. Hoje, após os desen-tendimentos que levaram à destituição de ArmandoNogueira e Alice Maria da direção do jornalismo daRede Globo e sua substituição por Alberico de Sou-za Cruz, sabemos toda a história daquela manipula-ção como arma decisiva da guerra suja que o Impé-rio lançou para derrotar Lula.

2. As reservas estratégicas

Muitas pessoas, dentro e fora do PT, consideramque o último debate foi decisivo para a derrota deLula na votação do dia 17 de dezembro. MauricioThomaz, um petista de Muzambinho, Minas Gerais,escreveu para a coordenação da campanha uma cartaque é a síntese do pensamento médio da militância:“Lula teria ganho o debate se discutisse a calúnia deCollor a propósito da filha. Não discutindo a questãoa insinuação caluniosa de Collor transformou-se emdenúncia para muitos eleitores, certamente. Collordeu uma arma para Lula e ele não usou. Foi um gran-de erro, embora compreensível e desculpável”.

Na mesma linha de raciocínio vai o companheiroÁlvaro Cerqueira, do diretório municipal do PT deMuriaé, Minas Gerais: “É importante que vocês levemem conta, pela nossa avaliação, que o último debatecausou enormes estragos no ânimo da militânciapetista, deu sobrevida aos colloridos e tirou-nos a vitó-ria... Duas horas e meia foram suficientes para fazerdesmoronar anos e anos de luta árdua... Nós ficamosaqui nos perguntando o que teria acontecido”.

Page 132: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

132

QU

ASE

O que teria acontecido? Aqui também variam asexplicações. A mais corriqueira é responsabilizar ocoordenador da agenda, Cezar Alvarez, por ter per-mitido uma sobrecarga de atividades nos dias queantecederam ao debate, deixando Lula cansado de-mais e não abrindo espaço para uma melhor prepa-ração. O próprio Lula já se referiu mais de uma vezao fato e não há dúvidas de que esse foi um erro, deresponsabilidade não apenas do Cezar Alvarez, masde toda a coordenação e inclusive daqueles que fazi-am pressão permanente para que Lula cobrisse umaou outra programação que consideravam politica-mente importante.

Mas isso não vem tanto ao caso. O que importasaber é se esse foi mesmo o erro decisivo. Na verda-de, se compararmos o primeiro e o segundo debatesentre Lula e Collor poderemos chegar à conclusãode que a diferença entre ambos existiu, mas não foitão grande. Até podemos reclamar de Lula não tercobrado o desafio sobre as prefeituras feito no deba-te anterior, não ter aproveitado, com a vivacidadeque o caracteriza, o lance do aparelho de som nemter desmascarado outras mentiras escrachadas, paramostrar a verdadeira face de Collor ante os teles-pectadores. O cansaço físico realmente parecia es-tar entorpecendo a rapidez de seu raciocínio. Mas arigor, Collor não sobrepujou Lula de modo decisivo.Então, por que esse segundo debate foi tão demolidorcontra nós quanto o primeiro foi para Collor?

Por vários motivos. Primeiro, porque a coordena-ção da campanha cometeu, aqui sim, um erro estra-tégico ao propor somente dois debates e, pior, ao

Page 133: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

133

QU

ASE

aceitar que o último fosse no dia 14 de dezembro,coincidindo com o programa final do horário gratui-to. Num pavoroso “cochilo de classe”, nós simples-mente esquecemos de que o horário gratuito acaba-va para nós, que não tínhamos meios de comunica-ção de massa, mas continuava para Collor. Ele tinhapraticamente todos, mas bastaria a Rede Globo.

Depois, nós permitimos que se criasse uma ex-pectativa exagerada no desempenho de Lula no de-bate, na suposição de que ele iria esmagar seu opo-nente. O próprio Lula alimentou essa expectativa,em constantes entrevistas e discursos. No últimocomício de Salvador, por exemplo, ele prometeu ba-ter no adversário até desmascará-lo inteiramentediante de 82 milhões de eleitores brasileiros. Essaexpectativa, ela sim, foi fatal para a militância. Odebate tomou a proporção de um naufrágio, fazen-do com que essa militância perdesse o ímpeto demobilização que tinha imprimido à campanha nosdias anteriores. Durante todo o dia 15, antes por-tanto da manipulação da Globo pelo Jornal Nacio-nal, a coordenação dedicou-se quase exclusivamen-te a levantar o astral dos comitês estaduais e muni-cipais e injetar novo ânimo nos militantes. Não épreciso ser estrategista militar para saber a influên-cia que a perda de ânimo pode ter sobre uma tropaem ofensiva.

Mas além disso é preciso reconhecer que a estra-tégia adotada para o debate também foi errada. Nóssabíamos que Collor bateria duro. Tínhamos infor-mações de que, se Lula conseguisse jogá-lo contraas cordas e ele sentisse o perigo de ser nocauteado,

Page 134: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

134

QU

ASE

iria para ações desesperadas de modo que os doisnaufragassem juntos. Já tínhamos lido o discursode Collor em Vitória e assistido à sua entrevista naTV Redord. Mesmo assim decidimos pela chamadalinha das Alagoas, concentrando nossos ataques nasmazelas de sua administração em Maceió e no esta-do. Esquecemos que, por mais falcatruas que eletenha cometido por lá, para o restante dos brasilei-ros isso não dizia muito e as acusações eram coloca-das em dúvida quando ele mostrava a votação queconquistara no primeiro turno.

A manipulação do debate pela Rede Globo, po-rém, evidenciara que o Império possuía reservas es-tratégicas de vulto para jogar contra nós, enquantotínhamos praticamente jogado tudo na batalha fi-nal. Nosso amplificador, a Rede Povo, saíra do ar;não tínhamos nem mesmo um jornal de penetraçãonacional; estávamos raspando o tacho em termos derecursos financeiros; e os que antes pareciam neu-tros diante do embate, como alguns jornais, toma-ram partido pelo lado de lá.

É estranho, por exemplo, como o Tribunal Supe-rior Eleitoral negou nosso direito de resposta à ma-nipulação da Rede Globo, embora no caso FerreiraNeto tenha concedido, o que permitiu a Plínio deArruda Sampaio demolir uma a uma as acusaçõesmentirosas feitas por Collor. Embora a Globo tenhaincorrido em evidente crime eleitoral, nosso pedidode resposta passou de juiz a juiz durante todo o dia16 para, avançada a noite, ser negado. Aí já era tar-de demais.

Também não tínhamos meios para enfrentar efi-

Page 135: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

135

QU

ASE

cazmente as brigadas mercenárias, contratadas porum bom dinheiro, responsáveis pela montagem deprovocações e incidentes do tipo de Caxias do Sul epela difusão de boatos e intrigas entre a populaçãomais pobre e despolitizada. Nossas equipes de acom-panhamento dos programas e noticiários de rádiose tevês ficaram assoberbadas com o volume da pro-paganda política veiculada em toda parte a favor deCollor, já depois do fim do horário gratuito, tornan-do quase impossível que o grupo de apoio jurídicoconseguisse solicitar a tempo os pedidos de respos-ta. E, mesmo que isso tivesse sido possível, dificil-mente teríamos conseguido, em tempo hábil, pro-duzir as respostas concedidas.

O caso do seqüestro do empresário Abílio Diniztalvez tenha sido o exemplo mais característico dotipo de arma suja que o Império dispunha como re-serva estratégica para jogar contra a candidaturaLula. Desde o dia seguinte ao seqüestro a coordena-ção passou noites sem sono, para confirmar a infor-mação de que o local do cativeiro já havia sido des-coberto mas seria dado a público apenas no sábadoanterior à eleição, para responsabilizar o PT e tirarqualquer chance de Lula vencer. Todo mundo emSão Paulo sabia do seqüestro, mas havia um acordocom os órgãos de imprensa para não divulgá-lo, afim de evitar que o empresário fosse assassinado.Nas diversas reuniões que tivemos para debater oassunto, Paulo Delgado chegou a sugerir que nãopoderíamos ir de Woodstock enquanto o inimigo vi-nha de Chicago, e que deveríamos botar a boca notrombone denunciando a trama.

Page 136: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

136

QU

ASE

Mas quem publicaria a denúncia que parecia tãofantasiosa e inverossímil? Além disso, mesmo que aimprensa tivesse conhecimento da informação so-bre o uso do seqüestro para implicar o PT, que chei-rava a paranóia, quem garante que ela daria o mes-mo volume a essa versão, contra a versão do Impé-rio? E se, feita a denúncia, o empresário fosse assas-sinado e o PT considerado culpado por ter dado va-zão às suas suspeitas, o efeito não seria da mesmaforma avassalador?

Tudo indica que o estado-maior imperial da cam-panha Collor não considerou necessário utilizar todoo poder de fogo que a manipulação do seqüestropermitiria. É provável que tenha considerado sufici-ente a manipulação do debate para modificar as ten-dências de intenção de voto e garantir a vitória.Mesmo assim, no dia 16 a Rede Gllobo – como grafouHerbert de Souza, o Betinho, num telegrama quepassou para a coordenação da campanha Lula – que-brou o acordo dos meios de comunicação e noticiouo seqüestro, com acusações implícitas ao PT.

O jornal O Rio Branco, do Acre, publicou em man-chete, no mesmo dia, “PT seqüestra Abílio Diniz”,enquanto Saulo Ramos, então ministro da Justiça,e Luiz Antonio Fleury, secretário de Segurança deSão Paulo, candidamente afirmavam, num momen-to em que ninguém perguntava sobre isso, que o PTnão estava envolvido. Mas no dia 17 os boqueiros deurna do PRN e dos partidos que apoiaram Collor nosegundo turno afirmavam taxativamente, em espe-cial em São Paulo, a cumplicidade do PT no ato cri-minoso.

Page 137: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

137

QU

ASE

De qualquer modo, foi nesse momento, mais doque em qualquer outro da campanha, que pudemosnos dar conta da brutal disparidade de meios entreas duas candidaturas. O Império tinha tudo: dinhei-ro, meios de comunicação, a parte principal do apa-relho de Estado, o poder de fato para desequilibrara disputa a seu favor, usando para isso as armas quefossem necessárias, por menos éticas e mais indig-nas que se apresentassem. Por isso, apenas quemnão vivia a roda-viva do comando da campanha Lulapode supor que ele se deixou intoxicar pelo triunfa-lismo, pelo clima do já ganhou, o que compromete-ria toda a tática até ali desenvolvida. As informaçõesa que tínhamos acesso por diferentes canais não nospermitiam viver tal clima. Ao contrário, toda vez quedetectávamos o surgimento desse triunfalismo entresetores da Frente, sempre o colocávamos entre asdiversas dificuldades que tínhamos que desmontar.Como afirmamos em telex a todos os comitês, “nos-so adversário e as forças que o apóiam vão tentar tudopara evitar a vitória de Lula”. Hoje sabemos que ten-taram e que tinham ainda o que jogar, caso achas-sem necessário.

3. Nem todos despertaram

A rigor, desde a Independência as elites do Impé-rio realizam eleições para fazer funcionar um siste-ma representativo que lhes permita apresentar umafachada de democracia. É verdade que, durante umlargo período, às eleições só podiam compareceraqueles que tivessem posses. Depois, à medida que

Page 138: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

138

QU

ASE

as elites iam sendo obrigadas a permitir o compare-cimento do povo às urnas, criavam ao mesmo tem-po mecanismos que lhes facultavam controlar facil-mente o resultado das eleições. O voto de cabresto,o clientelismo e os currais eleitorais, misturandocoação e aliciamento através de cabos eleitorais, sãofiguras tradicionais do panorama político brasileiro.

O uso dos meios de comunicação de massa veioacrescentar um novo ingrediente àqueles mecanis-mos. Conhecedoras da extensão do analfabetismo eda despolitização da maioria esmagadora da popula-ção brasileira, as elites investiram na desinformaçãomassiva para compensar o afluxo de grandes contin-gentes eleitorais, inclusive analfabetos e jovens en-tre 16 e 18 anos. Por esses meios o Império procu-rou manter como regiões de clientelismo arraigadoe como currais eleitorais o Nordeste, o Norte, o Cen-tro-Oeste, as pequenas cidades do interior e as áre-as rurais.

No embate de 1989, mais uma vez as eleições fo-ram vencidas pelo Império, por seu príncipe sem éti-ca e sem dignidade. Com o apoio financeiro e materi-al dos grandes empresários que ficaram na sombra ecom o concurso decisivo dos meios de comunicação.Collor construiu sua falsa imagem de caçador de ma-rajás, inimigo dos corruptos e dos políticos, adversá-rio de Sarney e salvador dos oprimidos e descamisa-dos. Dessa maneira, conseguiu 35 milhões de votos –43% do eleitorado ou 51% dos votos válidos.

Foi uma vitória eleitoral inconteste, quantitativa-mente irretorquível. Bem vistas as coisas, porém,foi uma vitória que apresenta problemas para o Im-

Page 139: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

139

QU

ASE

pério. Apesar de toda a propaganda apesar do esfor-ço concentrado das elites, apesar dos receios inten-samente explorados, apesar das mentiras, intrigas eboatos, houve um considerável despertar da popula-ção. A única vitória de que podem se vangloriar éque nem todos despertaram.

Não há dúvida de que tais setores ainda são majo-ritários na população brasileira, uma maioria silen-ciosa capaz de decidir uma eleição polarizada ou defazer pender os resultados de um confronto socialsério. O Jornal do Brasil de 11 de dezembro davaconta de que o SNI entregara ao presidente Sarneyo cruzamento de três pesquisas de opinião mostran-do que Collor não fora desestabilizado no interior, oque garantia sua vitória sobre Lula com diferençade 4 a 5 milhões de votos, isto é, 5% a 6%. Apesar deo Jornal do Brasil não acreditar que eleição fosse oforte do SNI, é evidente que dessa vez o general Ivanacertou na mosca. Mais: foi justamente aí que Lulaperdeu a eleição.

Desde a fase final da campanha do primeiro turnoa coordenação da campanha Lula fizera o diagnósti-co da fraca penetração da Frente Brasil Popular e deLula nessas camadas e conseguira traçar com bas-tante precisão o seu perfil social. Sabia que era aquelaparcela da população de baixa renda e pouca instru-ção – as chamadas classes C, D e E dos institutos depesquisa –, composta por trabalhadores na constru-ção civil e no comércio, por bóias-frias, desempre-gados e semi-empregados, em geral moradores nasperiferias dos centros urbanos e nas pequenas cida-des do interior.

Page 140: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

140

QU

ASE

Em geral vivem na pobreza e na miséria, mas têmmedo da luta e esperam sempre que alguém resolvaos problemas por elas. Muitos pobres viam em Lulaa criação de uma situação de conflito no Brasil e,por experiência histórica, sabiam que as conseqüên-cias piores dos conflitos sociais sempre acabam ca-indo sobre os pobres. Por isso, preferem, no máxi-mo, ficar como espectadores, abominando tudo quesimbolize seu envolvimento na luta: greve, baderna,rebeldia, luta armada – que trazem complicaçõescom as autoridades e a polícia.

Esses setores são, ao mesmo tempo, altamenteinfluenciados pelos valores de seus opostos na esca-la social: endeusam a propriedade que não possueme envergonham-se profundamente se não podempagar as dívidas que contraíram. Tudo isso, apesarde viverem no limiar da marginalidade. Desse modo,também têm impacto muito negativo na percepçãoatual desses estratos populacionais os símbolos docomunismo, que supostamente vai pintar de verme-lho a bandeira, tomar a propriedade dos particula-res e dividir de quem tem para dar a quem não tem,assim o do calote, de quem vai deixar de pagar o quedeve.

Lula, em grande parte, contrariava esses padrõesmentais, mesmo descontando as acusações simples-mente caluniosas. Ele oferecia luta para quem nãoqueria envolvimento; oferecia um companheiro paraquem, ao contrário, queria um salvador; apresenta-va-se para resolver em conjunto os problemas a quemqueria solução sem arriscar-se a participar. Nessascondições, era até natural que Collor, explorando

Page 141: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

141

QU

ASE

como explorou essas características, conseguisseganhar aquelas parcelas, como ganhou também ossetores da classe média, dos centros urbanos e dointerior, que enxergavam em Lula o sinal de que seupadrão de vida seria achatado.

O que não foi natural, o que desmentiu analistassérios e também calhordas do tipo Paulo Francis,que supunham que pobre não votava em pobre, foi amudança de mentalidade em parcelas muito impor-tantes dessas faixas da população. Elas conseguiramlivrar-se da influência da propaganda e da ação doImpério, rompendo com a negatividade daqueles sím-bolos com que eram empulhadas, perdendo o medode ser feliz e assumindo as conseqüências da lutapor uma nova sociedade.

Votaram em Lula 31 milhões de brasileiros ou 38%dos eleitores, o que corresponde a 47% dos votosválidos, uma diferença de 5% a 6% em relação aosvotos recebidos por Collor. Um voto que resistiu atodas as ameaças, a todas as provocações, a todas asmentiras, chantagens, boatos e intrigas. Um votoque veio dos grandes centros urbanos, onde estãoos setores mais organizados da sociedade, mas tam-bém dos antigos currais eleitorais, das áreas ondepredominava o sistema clientelista. E também dasprefeituras governadas pelo PT, em 14 das quais Lulavenceu.

Venceu, em particular, nos grandes centros ope-rários de São Bernardo, Santo André, Diadema,Ipatinga, João Monlevade e Timóteo, todos com pre-feitos petistas, assim como em Osasco e São Josédos Campos, com prefeitos colloridos. Venceu tam-

Page 142: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

142

QU

ASE

bém no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e noDistrito Federal, além de ficar praticamente empa-tado em Pernambuco e em Santa Catarina. A vota-ção no candidato da Frente Brasil Popular no Nor-deste foi uma verdadeira revolução cultural, comresultado superior a 40% na Bahia, Ceará, Paraíba,Rio Grande do Norte, além de Pernambuco [ver qua-dro do desempenho eleitoral de Lula no 2o turno nosestados e capitais].

Quadro do desempenho eleitoralde Lula nos estados – 2o turno

(Variação em relação ao 1o turno)

20% a 30%

AC 29,1 (+12,7)

PA 26,5 (+8,3)

RR 22,9 (+13,2)

AL 22,3 (+14,4)

MS 26,0 (+17,5)

TO 20,5 (+11,8)

30% a 40%

AP 34,4 (+11,9)

AM 31,9 (+11,9)

RO 35,0 (+11,9)

MA 35,2 (+17,8)

PI 38,7 (+18,3)

SE 31,4 (+15,4)

GO 30,1 (+14,4)

MT 32,1 (+22,4)

ES 38,4 (+17,6)

SP 39,4 (+22,6)

PR 30,9 (+23,1)

BRASIL 37,8 (+21,7)

Acima de 40%

BA 44,7 (+22,4)

CE 40,9 (+29,5)

PB 42,2 (+20,8)

PE 47,7 (+18,1)

RN 44,2 (+22,8)

MG 41,8 (+20,5)

SC 46,8 (+36,7)

DF 59,4 (+31,2)

RJ 69,8 (+58,0)

RS 64,6 (+58,1)

Page 143: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

143

QU

ASE

Metade do eleitorado brasileiro já não tem medode ser feliz. Já não foge da luta e de suas conseqüên-cias e está disposta a caminhar unida para transfor-mar a sociedade brasileira. O desafio maior é conti-nuar derrubando os mitos e fazer com que a outrametade desperte. Mesmo porque, só assim não ha-verá superioridade material que salve o Império,

Quadro do desempenho eleitoralde Lula nas capitais – 2o turno

20% a 30%

Boa Vista 23,4 (+13,6)

30% a 40%

Rio Branco 33,6 (+15,1)

Macapá 37,8 (+12,4)

Manaus 37,3 (+16,5)

Maceió 32,6 (+20,1)

C. Grande 33,9 (+22,9)

Acima de 40%

Belém 40,3 (+15,2)

P. Velho 40,2 (+27,0)

Aracaju 46,7 (+22,1)

Goiânia 45,2 (+21,8)

Cuiabá 46,6 (+31,2)

Miracema 43,6 (+32,7)

Vitória 45,5 (+25,6)

São Paulo 40,3 (+25,1)

Curitiba 41,0 (+31,1)

Salvador 68,4 (+29,1)

Fortaleza 58,6 (+44,3)

São Luís 53,0 (+30,0)

J. Pessoa 52,7 (+25,8)

Recife 63,3 (+25,2)

Teresina 57,1 (+24,3)

Natal 59,1 (+30,1)

B.Horizonte 64,2 (+33,6)

R.Janeiro 70,2 (+58,3)

P. Alegre 71,9 (+65,5)

Florianópolis 64,2 (+52,5)

Page 144: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

144

QU

ASE

quando novo confronto pelo poder se apresentarentre as forças conservadoras e as forças de esquer-da, democráticas, populares e progressistas.

4. Mitos derrubados

É verdade que apesar de todos os esforços, dasmobilizações massivas e do engajamento pleno damilitância, que nos momentos de pico da campanhadeve ter englobado cerca de dois milhões de pesso-as em todo o país, os resultados finais foram desfa-voráveis às forças populares e progressistas. Errosconjunturais, apontados no decorrer deste texto,constituíram as causas imediatas da derrota.

Entretanto, a análise dura dessas causas imedia-tas não deve encobrir o fato de que, dado o equilí-brio de forças no final do segundo turno, as reservasestratégicas do inimigo jogaram o papel decisivo noembate final. E que, no fundamental, foi a corretaestratégia que traçamos para a campanha que per-mitiu ao PT e seus aliados superar a extremadisparidade de meios, alcançar uma posiçãoimpensável para qualquer analista político e derru-bar mitos há muito arraigados na tradição políticabrasileira.

Vamos deixar de lado o mais tosco e grosseirodesses mitos, o de que pobre não vota em pobre,trabalhador não vota em trabalhador. Vamos direta-mente a outro, tão antigo e explorado pelas elitesdo Império quanto aquele: o de que as esquerdassão capazes de tudo, menos de se unir, mesmo nacadeia. Num curto espaço de tempo, superando atri-

Page 145: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

145

QU

ASE

tos antigos, aversões e preconceitos, as esquerdasconseguiram unificar-se em torno de Lula, criandoum novo patamar para a luta política no Brasil. Quemnão se lembra da concorrência sempre conflitanteentre o PCdoB e o PT? O PCdoB passou boa partedos últimos 10 anos tentando demonstrar que o PTera o principal inimigo dos trabalhadores, uma mis-tura informe de trotskistas, social-democratas, anar-quistas e outros bichos. De parte do PT, muitos mi-litantes enxergavam no PCdoB um inimigo irrecon-ciliável, não uma corrente do movimento operáriocom quem se tinha divergências, mesmo que algu-mas bastante profundas.

Através do projeto da candidatura Lula, com umprograma definido de mudanças, a convivência mili-tante de 10 meses de campanha não conseguiu su-perar as principais divergências, nem eliminar com-pletamente os preconceitos de lado a lado, mas in-troduziu uma positiva mudança de qualidade no re-lacionamento.

Se em relação ao PCdoB, assim como ao PCB, ha-via uma certa tradição de confronto, com o PSB issonão existia, a não ser de forma localizada. O mesmo,porém, não se podia dizer em relação o PDT. Brizola,em especial, sempre bateu duro no PT, tratando-ocomo uma espécie de filho desnaturado que o paideve tratar com rigor e até deserdar para servir deexemplo. A campanha eleitoral trouxe à tona todasas mágoas, ressentimentos e incompreensões do PDT.Ele, na realidade, deu chancela de verdade a muitasdas acusações que a direita fazia ao PT, como a dereceber ajuda financeira do exterior através do movi-

Page 146: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

146

QU

ASE

mento sindical, servir de instrumento da direita paraimpedir a vitória da esquerda representada por Brizola,e assim por diante. Várias dessas acusações, em par-ticular as assacadas contra Bisol, constituíram ins-trumentos importantes de ataque de Collor contraLula no último debate pela televisão.

É evidente que também no PT persistiam resis-tências, mágoas e ressentimentos em relação ao PDT.Ainda em setembro alguns setores do partido consi-deravam Brizola o alvo principal de nosso ataque.Mesmo assim, durante toda a campanha eleitoralperseveramos na decisão de considerar a direitacomo nosso inimigo principal, evitando ataques aBrizola. Nossa disputa com ele, tirando o excessopraticado num ou noutro lugar, manteve-se funda-mentalmente na linha de criticá-lo por não se dife-renciar claramente da direita e dos conservadores,com os quais chegava a estabelecer compromissos ealianças com vistas a ganhos eleitorais.

Essa linha de ação permitiu que superássemos osobstáculos que impediam a aliança com o PDT nosegundo turno, estabelecêssemos um relacionamen-to mais estreito nessa fase da campanha, desenvol-vêssemos um maior conhecimento mútuo e abrísse-mos um amplo campo de entendimento, para traba-lhar a consolidação de uma frente de esquerda maisperene no Brasil. Evidentemente, esse processo, queinclui ainda o PCB, PV e setores progressistas doPSDB e PMDB, não superou todos os obstáculos. Oprograma mínimo sobre o qual deve se assentar aunidade popular e progressista, embora tenha nos13 pontos do programa de governo da Frente Brasil

Page 147: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

147

QU

ASE

Popular e nos 12 pontos do programa de Brizola umabase inicial de negociação, ainda precisa ser debati-do mais intensa e extensamente entre as diversasforças políticas que compõem o arco à esquerda, parasuperar incompreensões, às vezes até semânticas, econsolidar um suporte programático comum a to-das elas.

Outro mito que nós derrubamos durante a cam-panha foi o de que não é possível fazer política comética e escrúpulos. Eram tantas as mazelas dos ad-versários que seria muito fácil baixar a campanha aonível da sarjeta. À medida que caíam nas nossas mãosdossiês de denúncias sobre os diferentes candidatosdas elites, chegou a crescer a tentação de mostrar averdadeira natureza de cada um, suas imagens far-santes de honestidade e probidade. No entanto,embora as evidências de veracidade fossem fortes,as provas não eram concludentes. Além disso, mui-tas diziam respeito à vida pessoal e não à atividadepolítica. Utilizá-las dessa maneira seria a tentativade criar condições de vitória no estilo do gangsteris-mo organizado, mas sem contribuir em nada paraelevar a consciência dos trabalhadores e consolidara democracia.

Lula, em especial, sempre foi muito coerente nes-sa linha de conduta. Mesmo em relação a Collor eleconstantemente afirmava que a crítica ao falso ca-çador de marajás deveria ser em cima de sua carrei-ra política e não no campo pessoal. Até quando oPRN subornou Miriam Cordeiro e desferiu ataquesimorais contra sua conduta pessoal, Lula manteve-se firme naquela posição. Essa foi uma contribuição

Page 148: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

148

QU

ASE

inestimável para o futuro da democracia brasileira,apesar de não haver mostrado resultados positivosde imediato.

Outro mito, longamente acalentado pelo Impérioe derrubado durante a disputa presidencial, é o deque as propostas da esquerda ficariam eternamenteconfinadas num patamar equivalente a 10% do elei-torado, já que o povo brasileiro é nitidamente con-servador. Ao contrário disso, pela primeira vez nahistória brasileira as elites dominantes tiveram queconfrontar-se com um projeto político, social e eco-nômico dos trabalhadores. Acostumado a apresen-tar no mercado político variações de um mesmo pro-jeto burguês, com embalagens diferentes para mis-tificar os interesses dos diversos segmentos sociais,o Império teve que engolir essa realidade: estava napraça, sem subterfúgios, uma proposta democráti-ca e popular que denunciava a selvageria do capita-lismo brasileiro e propunha uma nova sociedade que,através da concordância das maiorias, deveria mar-char para o socialismo.

Para o Império, porém, tal proposta era odiosanão somente pelo fato de desmistificar seu tradicio-nal engodo da conciliação nacional, de projetos queaparentemente beneficiavam a todas as classes esetores sociais. Era ainda mais odiosa porque amea-çava a hegemonia cultural e política secularmenteexercida pelas elites. E, além disso, porque tinhachances de vencer a disputa pelo governo, mesmosob as regras estabelecidas pelo próprio Império.

Isso foi um verdadeiro vendaval que sacudiu con-vicções, crenças e descrenças, por mais arraigadas

Page 149: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

149

QU

ASE

que estivessem, de todas as forças políticas. Na ba-talha decisiva de 17 de dezembro, a esquerda englo-bando seus vários matizes, perdeu mas conquistouquase metade dos votos. Uma parte considerável dosexplorados e oprimidos rompeu com o conservado-rismo que o Império sempre lhe impingiu, desco-brindo que pode ter um projeto que correspondaaos interesses das maiorias. E, que apesar de tudo,tem chances de conquistar o poder.

As elites do Império terão de fazer um imensoesforço para assimilar o fato de que não podem maiscontinuar espoliando os trabalhadores e o povo daforma como vinham fazendo até então. E tambémpara não se iludir com a sustentação que seu candi-dato preferido, para vencer, obteve de parcelas po-bres e despolitizadas. Afinal de contas, bem vistasas coisas, elas votaram por mudanças acreditandonum salvador da pátria. Mas Sassá Mutema não deucerto nem na televisão.

5. O choro do sonho desfeito

Perto do final do primeiro turno, demos corpo aalgo que estava previsto no organograma da coorde-nação nacional, mas não se concretizara ainda: aequipe de fiscalização. Não era apenas uma estrutu-ra de mobilização de militantes para fiscalizar a apu-ração das urnas, os boletins e os mapas eleitorais.Mais do que isso, estávamos tentando entrar na erada informática. Através da montagem de um siste-ma de entrada de dados nos computadores, em for-ma de boletins de urna processados por um progra-

Page 150: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

150

QU

ASE

ma de estimativas, obteríamos resultados com osquais a equipe e a direção poderiam ter controlesobre possíveis fraudes e fazer projeções da votaçãodos diferentes candidatos.

Para que esse sistema funcionasse, além dos gru-pos de estatísticas e do centro de processamento dedados era necessário possuir uma rede de contatosnos municípios e uma equipe central de contatostelefônicos, todos em linha para manter constanteo fluxo das informações. Todas essas equipes e gru-pos trabalharam 24 horas por dia, em revezamento.Foi isso que nos permitiu, no dia 17 de novembropela madrugada, dispor de uma projeção de nossavitória apertada sobre Brizola, projeção que se con-firmou somente no dia 20. No dia 18 de dezembro,também foi com o auxílio desse sistema que a coor-denação nacional teve a certeza da derrota.

Durante todo o segundo turno a equipe centralde contatos telefônicos reforçou o setor de mobili-zação, melhorando sensivelmente os contatos docomitê nacional com os estados e municípios. Foifundamentalmente por meio dessa equipe que con-seguimos manter a coordenação razoavelmente in-formada do que estava acontecendo na prática dacampanha em cada local e tomar uma série de me-didas para orientar o trabalho.

Os contatos com os municípios permitiram tam-bém o surgimento de uma linha de solidariedadeespecialmente entre os companheiros que trabalha-vam durante o fim da noite e as madrugadas, ocor-rendo vários fatos pitorescos. Um deles aconteceucom Valdete, companheira do PT de Curitiba, Paraná,

Page 151: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

151

QU

ASE

que na madrugada do dia 17 de novembro estava noplantão, transmitindo os números dos boletins deurna para o comitê nacional. Neste, quem recebia eanotava nas fichas era o Marcelo, um dos diversosplantonistas do horário. Minucioso, Marcelo se de-morava na conferência e pedia a repetição dos da-dos antes de seguir em frente. Por isso mesmo,Valdete se espantou um pouco quando, meio de cho-fre, ele interrompeu o fluxo das informações paradizer: “espera aí, Valdete, o chefe está aqui e vai fa-lar com você para dar uma força”.

No lugar do timbre macio do Marcelo, Valdete ou-viu uma voz rouca. “Como vai, companheira? Queroagradecer o esforço de vocês e pedir que continuemfirmes na fiscalização. A disputa está difícil e a gen-te não pode esmorecer um minuto. Um abraço emtodos os companheiros. Boa noite”.

Valdete não conseguiu dizer nada antes de voltara ouvir a voz do Marcelo. Pensou que era uma dastípicas brincadeiras de um horário como aquele: umae trinta da madrugada. “Valdete”, disse Marcelo, “nãoperca o rumo. Vamos conferir os números. Agoradobrado, porque não é toda hora que o Lula aparecepor aqui de madrugada para falar com a gente”. Sóentão reconheceu o dono da voz rouca. Foi uma ale-gria adicional à vitória do primeiro turno.

Por infelicidade, essa não foi a experiência que oPaulo Fontes, outro membro da equipe de contatosdo comitê nacional, viveu na noite do dia 18 de de-zembro, na contagem dos votos do segundo turno.O companheiro de Lençóis Paulista, em São Paulo,transmitia os dados das diversas urnas do município

Page 152: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

152

QU

ASE

e os resultados eram angustiosamente desfavoráveisa Lula. A cada boletim lido cresciam os comentáriosde dor e frustração do companheiro: “Não é possí-vel. Nós fizemos tudo direito. Trabalhamos duro.Onde é que a gente errou?”

Pouco adiantaram os esforços para animá-lo. Dolado de lá do fio o desespero foi crescendo até, juntocom o último boletim, explodir em soluços descon-trolados. Foi um choro sentido, o choro do sonhodesfeito.

6. Um doce sabor de vitória

As elites já não podem ter certeza de deter a he-gemonia sobre a sociedade brasileira. Grande parteda população, dos estratos sociais mais baixos e daschamadas classes médias, já não aceita sua influên-cia. Coloca em dúvida seus valores, questiona suadominação e quer mudar as relações que predomi-nam no país. É impressionante o espírito de vingan-ça dos pobres contra os ricos, que transparece mais,por paradoxal que seja, justamente naqueles que vo-taram no candidato do Império.

Isso obriga as elites a realizar uma disputa ideo-lógica e política para a qual não estavam acostuma-das. Não que tenham descurado disso, que tenhamdeixado de usar eficazmente os meios de comunica-ção e seus instrumentos de hegemonia e dominaçãoideológica. A escola, a universidade, a família, as igre-jas, a imprensa, as artes, sempre transmitiram, pre-dominantemente, a ideologia do conformismo, dosempre foi assim e sempre será, do uns mandam e

Page 153: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

153

QU

ASE

os outros obedecem e do governo tudo pode. Ouque tenham esquecido de usar, no momento certoem que se apresentou o perigo da perda da hegemo-nia e do poder político, o aparelho estatal coercitivopara esmagar a rebeldia dos de baixo. Não, nada dis-so foi esquecido.

Jamais como agora o poder e a influência dessesaparatos de transmissão ideológica e do Estado fo-ram tão poderosos, ou modernos, como gostam al-guns. Por outro lado, jamais a burguesia brasileirateve tantos frenesis de contentamento com as mu-danças que estão ocorrendo no leste socialista. Ouviveu tantos paroxismos de alegria como os decor-rentes da queda do Muro de Berlim e a introduçãoda economia de mercado naqueles países. Nem in-tensificou tanto como atualmente a campanhaanticomunista para contrapor-se à proposta socia-lista do PT.

O problema não é esse. Se fosse, o Império nãoestaria correndo o perigo de perder a hegemonia,nem seu candidato e agora presidente teria que apre-sentar-se, à revelia de parte considerável das elites,como vingador dos pobres. Nem teria que fingir rou-bar algumas das bandeiras que sempre pertenceramaos setores populares. Ou viver a contradição deaparentar uma postura contrária às elites, até mes-mo penalizando algumas das hostes do Império, paradar a impressão de que penaliza a toda a sociedadee, com isso, manter a aura de vingador dos descami-sados. Nem teria que se dispor a arrancar das elitesos anéis, se for necessário, para que não percam osdedos.

Page 154: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

154

QU

ASE

O problema, na realidade, é que os pobres – os debaixo, os explorados e oprimidos, os de baixa rendae sem instrução, os marginalizados, englobando amaioria da população brasileira, mais miserável doque os miseráveis da Índia –, mesmo não sabendodireito o que querem, já começam a descobrir o quenão querem. Já começam a não querer continuarconvivendo com antagonismos de riqueza e pobrezatão gritante num país que se considera a oitava eco-nomia do mundo capitalista.

Embora não tenhamos conseguido enfrentar acampanha anticomunista de forma ofensiva, nemdefendido nossa proposta socialista democrática coma nitidez necessária, para essa população pobre quevive sob o tacão do capitalismo este é muito maisnegativo do que qualquer símbolo distorcido do so-cialismo. O muro da miséria brasileira é de uma re-alidade muito mais pungente do que qualquer Murode Berlim.

Por isso, mesmo os que não despertaram, os queacreditaram nas mentiras, os que embarcaram naspromessas colloridas de uma vida melhor, os quepensaram ter sua poupança a salvo do calote com aderrota do Lula, todos esses, em sua grande maio-ria, querem satisfeita a sua ânsia de mudanças. Éverdade que, no governo Collor, serão feitas mudan-ças para manter tudo como antes. Mas não são asmudanças desejadas por essa massa de milhões. Elesnão querem simplesmente que novas elites suplan-tem as antigas, enquanto se mantém o mesmo pro-cesso de espoliação dos milhões e milhões de brasi-leiros que vegetam no limiar da miséria.

Page 155: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

155

QU

ASE

Collor aguçou demasiadamente as expectativas.Fez promessas e promessas, empenhou sua palavracom gestos marcantes que ninguém esquece. Comisso venceu. Mas ele próprio sabe que não é vinga-dor dos pobres e descamisados. Sabe os mil laços deinteresses que o ligam, umbilicalmente, aos capita-listas internacionais e a setores econômicos pode-rosos. Sabe que seus planos terão sempre que fingira proteção dos desprotegidos, mas na prática aten-derão aos mesmos interesses egoístas das hostes doImpério. Por isso, também terá que exercitar, cadavez mais, a arte da farsa e da macaquice, para man-ter a atenção popular desviada dos problemas reais,anestesiando-a com o circo presidencial, sem dar-lhe pão para comer.

Por tudo isto, ao rememorar a campanha, aorelembrar a garra da militância e o ânimo, a alegriae a esperança dos milhões de pobres que desperta-ram para a felicidade, em comparação com a apatiae o gesto mudo e envergonhado dos que deposita-ram seu voto em Collor, não precisamos chorar so-bre o leite derramado. Os que votaram em Lula per-deram, merecendo ter vencido. Mas ao perder obri-garam o Império a enrredar-se nas contradições queservirão para despertar a metade que ainda temmedo de ser feliz. Com nossa ajuda, é claro.

É isso que nos dá um doce sabor de vitória. E acerteza de que a esperança continua mais viva doque nunca.

Page 156: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos
Page 157: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

157

QU

ASE

Neste texto não estiveram presentes nem foramcitados com a ênfase merecida muitos dos que par-ticiparam da guerra que foi a campanha eleitoralde 1989. Nas novelas e programas de tevê, lacunasdesse tipo são supridas pela lista dos créditos queaparece no fecho, lista sempre extremamente mai-or do que a dos personagens. Infelizmente, não po-derei imitar a televisão, já que muito provavelmen-te a relação de todos os que deveriam ser citadosencheria mais páginas do que as deste livro.

De qualquer modo, para não cometer injustiçasdemasiadamente grandes, é fundamental relembrara participação, na coordenação nacional, do grupode apoio jurídico, dos companheiros que garantirama distribuição de material de propaganda para osestados e daqueles que conseguiram assegurar naadministração, um mínimo de funcionamento orde-nado no caos que parecia o comitê nacional. Vale apena reiterar o esforço de todos aqueles que trava-ram a guerra da mídia no setor de imprensa e dosque, nas equipes de rádio e tevê, souberam usar aomáximo sua criatividade para compensar a carênciade meios materiais. E citar, mais uma vez, o des-prendimento e a competência dos companheiros dainformática e da estatística, que nos fizeram ingres-

Créditos

Page 158: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

158

QU

ASE

sar meio a tapa num campo de suma importânciapara o PT.

Finalmente, seria necessário escrever outro livropara contar a odisséia que foi suprir a campanhados recursos financeiros e manter sob controle seufluxo para as despesas mais importantes. É certo quecampanhas como as coletas em porta de fábricas, avenda de material promocional, as contribuições naconta 13.000-1 e outras iniciativas foram fundamen-tais no processo de arrecadação. Mas a campanhaera um sorvedouro sem fim e de nada adiantariamos recursos obtidos se não houvesse uma adminis-tração competente deles. Paulo Okamoto, o coorde-nador das finanças, que o diga.

Page 159: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

159

QU

ASE

Avaliação da Campanha Eleitoral Presidencial

Esta avaliação é produto de discussões em duasreuniões da Comissão Executiva Nacional e na reu-nião do Diretório Nacional de 27 e 28 de janeiro de1990. Ela incorpora as avaliações feitas pela Coor-denação Nacional da Campanha e pelos estados apartir do texto inicial elaborado com base na expe-riência da CEN, do Comitê e do próprio companhei-ro Lula.

Introdução

Toda a avaliação das eleições de 1989 faltaria coma verdade caso desconhecesse a significativa vitóriapolítica do Partido dos Trabalhadores e da FrenteBrasil Popular com os resultados do 1º turno. Maisdo que uma vitória eleitoral, ela criou condições paraa disputa no 2o turno e a unificação de todo o cam-po democrático-popular e progressista em torno dacandidatura Lula.

Estas eleições foram marcadas por nossa partici-pação militante e politizada e principalmente pelamobilização popular. Foi destacado o papel e a par-ticipação dos movimentos sociais, sindical, popular,

Anexo

Page 160: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

160

QU

ASE

agrário, estudantil; das mulheres, negros, índios; daspessoas deficientes.

Não se via no país, desde a luta contra a ditadura,uma participação tão aberta na luta política, comofoi a dos intelectuais e artistas, particularmente no2o turno, em apoio a Lula. Também a Igreja progres-sista participou e apoiou abertamente desde o pri-meiro momento a candidatura Lula.

Pelo caráter da disputa e pela linha política denossa campanha, a sucessão presidencial ganhou asruas, envolvendo no debate político grandes parce-las da sociedade, em particular os setores organiza-dos, urbanos, apesar do sentido desmobilizador edespolitizante da candidatura Collor.

Desde a campanha das diretas, em 1984, o paísnão via mobilizações populares e comícios como osrealizados pela FBP e depois pelo Movimento LulaPresidente. Podemos afirmar, apesar de não termoseleito Lula presidente, que mudamos o quadro polí-tico do Brasil e colocamos a luta político-social emoutro patamar, mais avançado, mais definido ideolo-gicamente.

Apesar de seus erros e debilidades políticas e or-gânicas, em menos de dez anos de existência nossopartido deu uma demonstração de que está prepa-rado para disputar o governo do Brasil. Tem progra-ma, política de alianças, uma ampla base social e,principalmente, uma militância que sempre supe-rou os erros da direção e as debilidades materiais eorganizativas do partido.

Foi esta militância e particularmente o compa-nheiro Lula que no 2o turno desempenharam o pa-

Page 161: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

161

QU

ASE

pel principal para unificar o campo democrático,popular e progressista, ainda quando as direções dospartidos progressistas e de esquerda discutiam.

Destaque especial tem que ser dado à participa-ção do companheiro Lula nestas eleições, creden-ciando-se como a maior liderança política e populardo Brasil e principalmente como dirigente político.Em todos os momentos da campanha o companhei-ro Lula participou e atuou como dirigente partidá-rio, sempre articulado com a direção nacional e oComitê da Campanha.

Para a esquerda brasileira e os movimentos so-ciais o saldo destas eleições é surpreendente. Abre-se, pela primeira vez na história do Brasil, a possibi-lidade real de disputar o poder, construindo umapolítica de Frente e um programa comum.

Para nosso partido, depois de dez anos de constru-ção e apesar de todos os ataques e campanhas quesofreu, apresenta-se o desafio de ser o dirigente des-te processo político e ser capaz de criar uma alterna-tiva ao projeto das classes dominantes brasileiras queafundaram o país na transição conservadora da NovaRepública e agora o lançam na aventura Collor deMello. Este desafio só será vencido com um projetodemocrático de socialismo, uma organização parti-dária superior e um maior nível de politização, mobi-lização e organização da classe trabalhadora.

Por tudo isto o sentido desta avaliação tem queser positivo e visar as disputas políticas de 1990:oposição ao governo Collor, construção partidária,mobilizações sociais, disputa eleitoral para o Con-gresso Nacional, governos estaduais e assembléias

Page 162: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

162

QU

ASE

legislativas e embates das administrações munici-pais petistas.

É com este sentimento que chamamos toda amilitância a fazer uma avaliação das eleições de 89,rigorosa mas positiva, crítica mas generosa, objeti-va mas alegre. Que as lições de 89 sirvam para asvitórias de 90.

Causas gerais ou estruturais

Entre as causas gerais ou estruturais que contri-buíram para a vitória de Collor, não podemos deixarde chamar a atenção para o caráter da candidaturaCollor, planejada desde o seu início para projetar-secom a imagem de caçador de marajás, antipolítico efirme opositor a Sarney, com o objetivo de escondersua verdadeira natureza: garantir a continuidade docontrole do governo central pelas oligarquias e gru-pos econômicos que comandaram a transição con-servadora.

A imagem de caçador de marajás, inimigo da cor-rupção, dos usineiros e de Sarney, foi decisiva para avitória de Collor, principalmente por que visava o elei-torado que o elegeria. Este eleitorado de baixa ren-da, desorganizado, muitas vezes desempregado ousemi-empregado, morador das periferias dos grandescentros urbanos e do interior, que as pesquisas classi-ficam como C, D e E e que muitas vezes chamamosde “povão”, na verdade é um grande desafio estraté-gico para nosso partido e para toda a esquerda.

A Collor foi possível atingir este eleitorado gra-ças a uma organização e a um planejamento profis-

Page 163: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

163

QU

ASE

sionais de campanha eleitoral, incluindo mais de 100pesquisas de opinião. Sua estratégia básica, visandoatingir esse eleitorado C, D e E e as cidades peque-nas jamais foi abandonada em qualquer dos turnosda campanha. Basta analisar sua agenda, comícios,discursos e programas de rádio e TV. Collor não ti-nha hegemonia sobre os partidos e articulações po-líticas, mas possuía a hegemonia fundamental so-bre os valores comuns da ampla massa. É evidenteque esta estratégia só deu certo porque Collor con-tou com o apoio decisivo e estratégico da Rede Glo-bo e de setores importantes do grande empresariado.No 2o turno, quase toda a mídia do país, particular-mente as centenas de rádios e jornais do interior,deram suporte a Collor, permitindo-lhe combinar asua imagem primeiro com o discurso conservadore, depois, anticomunista.

Esse apoio decisivo do poder econômico e dosmeios de comunicação permitiu a Collor concen-trar sua ação na consolidação do eleitorado popular,desdenhando publicamente o apoio dos empresári-os, dos militares e de políticos comprometidos como governo Sarney, partindo do princípio, correto, deque teria o apoio das classes dominantes e da classemédia conservadora no 2o turno, por imposição doenfrentamento contra um candidato de esquerda.Para preservar o eleitorado das classes C, D e E e dointerior. Collor combinava a adesão conservadora daclasse média com o voto do povão, explorando ospreconceitos de classe contra Lula e os medos daclasse média. Na base do anticomunismo, da explo-ração da religiosidade e de sentimentos nacionais

Page 164: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

164

QU

ASE

inconscientes – a imagem da bandeira nacional –somava a maioria do eleitorado conservador do paíse criava as condições para unificar em torno de si,no 2o turno, a direita e todos os setores sociais te-merosos da esquerda.

Quanto ao PT e à esquerda, suas deficiências es-truturais ficaram evidenciadas na falta de um nívelmais elevado de organização, no pequeno enraiza-mento nos setores populares mais pobres da classetrabalhadora e nas cidades pequenas do interior, nainsuficiência de nossa rede de jornais e boletins, sim-plesmente ridícula frente ao poderio dos meios decomunicação à disposição das elites dominantes. Aausência de um jornal nacional foi desastrosa paranosso partido, A própria estrutura de direção denosso partido é artesanal e amadora, o que se reve-lou fatal na disputa do 2o turno, quando a tensão e arapidez dos ataques do adversário não encontraramna estrutura da direção do partido e da campanhameios materiais e condições de trabalho que otimi-zassem nossa capacidade de resposta rápida e cor-reta, independentemente dos erros políticos que co-metemos.

Causas particulares ou conjunturais

Apesar da vitória que significou para nosso parti-do obter quase 17% dos votos em nível nacional no1o turno, na coligação Frente Brasil Popular com oPSB e com o PCdoB, estava evidente que não havía-mos nos preparado para a possibilidade real de pas-sar para o 2o turno. Já no primeiro turno havíamos

Page 165: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

165

QU

ASE

enfrentado graves problemas com a demora na en-trada das direções e da estrutura do partido na cam-panha eleitoral, revelando que a própria experiên-cia de Comitês de Campanha à parte da direção par-tidária precisa ser reavaliada.

No segundo turno não fomos capazes de definiruma estratégia para a agenda e mesmo para a TV e orádio com rapidez e precisão. A direção política dopartido envolveu-se na articulação das alianças como PDT, PCB, PSDB e setores progressistas do PMDB,assim como dos setores sociais que haviam apoiadooutras candidaturas no 1o turno, demorando emencontrar uma linha de programação para a TV eparticularmente para a agenda do companheiro Lula,se bem que as indefinições do PSDB e as dificulda-des com o PDT também tenham sido responsáveispor estas falhas.

Nossa estrutura de direção mostrou-se débil eamadora nas respostas às necessidades do 2o turno.Demoramos a avaliar o perfil do voto no 1o turno eos objetivos político-eleitorais – de voto – no 2o tur-no, o que explica em parte os vaivéns da agenda enosso erro ao sobrecarregar a agenda do Lula às vés-peras do debate final.

Nossa política em relação ao rádio e à TV avançouconsideravelmente em comparação com as eleiçõesde 82,85, 86 e 88, inclusive porque nos beneficia-mos das experiências e avanços dos anos anteriores.Mesmo assim falhamos ao não dar ao rádio a impor-tância devida, particularmente para atingir o eleito-rado de baixa renda e as cidades do interior – e istofoi grave.

Page 166: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

166

QU

ASE

No caso da TV, apesar da disposição e integraçãoda equipe de TV com as direções políticas do PT eda FBP, faltou muitas vezes o acompanhamento po-lítico por parte dessas direções.

Por outra parte, se é verdade que, comparativa-mente ao PDT e PSDB, passamos para o 2o turnopor nossa estrutura partidária nacional, militante earticulada com os movimentos sociais mais organi-zados, entre outras causas, também é verdade que asfalhas existentes nessa estrutura partidária pesaramcomo fator conjuntural. Representaram insuficiên-cias graves no curso da campanha, em particular, nos-sa ausência nas cidades pequenas e no eleitorado debaixa renda e a falta de um jornal nacional.

Foram igualmente importantes e precisam serdestacadas as falhas da direção nacional do partidoe da campanha no final do 2o turno, particularmen-te nossa incapacidade em responder aos vários ata-ques do adversário. A direção dispersou-se em tare-fas específicas, falhando na estruturação de um co-mando central ou na organização da direção de talforma que ela fosse capaz de fazer a avaliação estra-tégica da campanha e do adversário sem cair noativismo e no tarefismo que caracterizaram o finalda campanha. Estes erros prejudicaram considera-velmente a preparação dos programas de TV, da li-nha política da campanha e do debate final.

Avaliamos mal a estratégica do adversário, depoisde sua derrota no debate de 4 de dezembro. Inicia-mos a última fase da campanha supondo que Collore sua equipe estavam em crise e perdidos quando naverdade eles superaram a crise com uma linha deataque que subestimamos durante todo o 2o turno.

Page 167: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

167

QU

ASE

Subestimamos o papel do anticomunismo, da ex-ploração do sentimento religioso de nosso povo, deseu sentimento nacional expresso em nossa bandei-ra e principalmente a exploração caluniosa que Col-lor fez de nosso programa econômico, propagandopor todo o país que expropriaríamos a propriedadeindividual dos cidadãos e sua poupança e estatizarí-amos toda a economia.

Falhamos ao não responder de forma mais globale articulada a esses ataques do adversário, seja nosprogramas de TV, seja na linha da propaganda, dodiscurso da campanha e particularmente no últimodebate.

Mais grave foi nossa incapacidade de capitalizar eexplorar ao máximo aquilo que para o PT é uma con-firmação de nossas avaliações sobre o socialismo eos regimes da Europa Oriental e mesmo da URSS.Nosso partido nasceu sob o signo do socialismo de-mocrático e do repúdio ao stalinismo e ao socialis-mo burocrático. Apoiou o Solidariedade na Polôniae não tem compromissos com a ortodoxia ou comos modelos de partido único, imprensa oficial e bu-rocratização do poder com a fusão do partido com oEstado. Sempre defendemos as liberdades e os di-reitos políticos e civis e foi por isso mesmo que nosopusemos firmemente à repressão dos novos man-darins de Pequim.

As mudanças na Europa Oriental e na URSS deve-riam ter sido expostas na campanha e especialmen-te na TV como uma verdadeira revolução popular,com todo o apoio do PT e da FBP. Nossas definiçõesideológicas, a subestimação do anticomunismo e,

Page 168: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

168

QU

ASE

em certo sentido, nossa aliança com o PCdoB noslevaram à defensiva. Não nos apresentamos com ni-tidez para a classe trabalhadora com relação a quetipo de socialismo defendemos para o Brasil.

Outra questão que precisa ser analisada em âm-bito nacional com mais atenção e espaço é a dasalianças no 2o turno. É evidente que ela foi, de ma-neira geral, correta. Entretanto, erramos ao deixarque fosse apresentada pela imprensa e por nossoadversário como uma aliança que nos levava a aban-donar o programa de governo da FBP e nos levava aabandonar o programa de governo da FBP e nossasdiferenças com os adversários do 1o turno, depoisaliados.

A linha de ataque que Brizola desenvolveu no 1o

turno contra a candidatura Lula acabou por dar ar-gumentos e credibilidade aos ataques de Collor anossa aliança com o PDT no 2o turno. O próprio com-portamento de Brizola com relação ao nosso vice,senador Bisol, criou condições para um ataque fron-tal de nosso adversário, que atingiu seu ponto altono último debate.

Ao lado de tudo isso, se é verdade que Brizola,Arraes e Roberto Freire nos apoiaram no 2o turnosem exigências ou condições, também é verdade quea posição do PSDB foi dúbia – particularmente emSão Paulo sua direção não entrou na campanha –,ficando a reboque das bases do PSDB em todo país emesmo de suas bancadas e lideranças intermediá-rias. O atenuante para esta posição é o caráter anti-petista conservador e anticomunista de parte do elei-torado do PSDB, amedrontado com o terrorismo

Page 169: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

169

QU

ASE

barato promovido por Collor e pela mídia de SãoPaulo, em especial os jornais da família Mesquita e oprograma Ferreira Neto.

É preciso também avaliar o peso das alianças re-gionais e locais no 2o turno, já que nem sempre sou-bemos articulá-las de acordo com nossos objetivoseleitorais e políticos nacionais.

Por fim, devemos sempre destacar e denunciar opapel relevante do apoio que Collor recebeu da di-reita conservadora, da Rede Globo e do poder eco-nômico na última semana. Foi este apoio que possi-bilitou sua campanha difamatória contra Lula e ouso da edição do debate pelo Jornal Nacional parareforçar uma imagem negativa do candidato do PT eda FBP. A exploração do episódio Miriam Cordeiro,do seqüestro do empresário Abílio Diniz e o apoioobtido por Collor da maioria dos meios de comuni-cação foi decisivo para reverter a tendência do elei-torado, particularmente dos indecisos e da classemédia.

O debate final merece uma avaliação à parte e par-ticular, mas fica registrado que erramos na estraté-gia de abordagem do adversário e a linha do debate,além de sobrecarregarmos a agenda do companheiroLula nas 48 horas que antecederam o evento.

Para concluir, é preciso avaliar o papel das prefei-turas na sucessão presidencial, sem desconsiderar ocerco, boicote e ataque da maioria da imprensa edas forças políticas às nossas administrações. Demaneira geral, não há evidência de que as adminis-trações municipais petistas tenham pesado de ma-neira determinante no voto do 1o turno ou que o

Page 170: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

170

QU

ASE

eleitorado tenha votado no 2o turno em função desua atitude frente a essa administração. Com exce-ção da cidade de São Paulo, onde se concentrou todoo ataque contra as administrações petistas, não pa-rece que estas foram um fator importante na deci-são do eleitorado, o que não exclui a análise do pa-pel que poderiam ter tido no crescimento da candi-datura Lula no 1o turno e mesmo na disputa do elei-torado de baixa renda das capitais e grandes cidadesque governamos, particularmente no estado de SãoPaulo.

O importante é não misturarmos a avaliação ne-cessária das administrações petistas e o balançopolítico em nível municipal com a discussão e avali-ação da campanha eleitoral e cairmos no simplismode atribuir o resultado eleitoral à questão munici-pal. Isto não pode, entretanto, fazer com que deixe-mos de considerar o nosso desempenho eleitoral nascidades onde dirigimos as prefeituras. É preciso le-var em conta que a votação de Lula, tanto no 1o quan-to no 2o turno, não foi boa nessas cidades, com asexceções conhecidas.

Esse fato deve nos levar a tentar analisar, nessascidades, os fatores particulares – desempenho dasprefeituras, organização e funcionamento do PT eatuação local do movimento sindical e popular – queinfluíram negativamente nos resultados eleitorais.Em alguns locais é inegável que o desempenho realou propagandeado da prefeitura teve efeitos negati-vos. Mas também é inegável que em outros o PT per-deu força em áreas e zonas específicas, comparati-vamente aos resultados de outras eleições, o que

Page 171: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

171

QU

ASE

indica erros e deficiências de construção partidária,organização e atuação política do partido.

Conclusão

Sem desconsiderar os erros políticos que come-temos e a derrota no campo eleitoral, é necessárioque nossa avaliação qualifique nossa participação nadisputa presidencial como importante vitória políti-ca. A partir de agora nossa referência histórica pas-sa a ser os 16% obtidos no 1o turno e nossa capaci-dade de reunificar o campo da esquerda, democráti-co e progressista, na luta contra a direita.

O que se coloca para o PT é dar-se conta do signi-ficado dessa capacidade, vencendo os novos desafiosque estão postos diante de si.

Diretório Nacional27 e 28 de janeiro de 1990

Page 172: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos
Page 173: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

173

QU

ASE

WLADIMIR POMAR nasceu em Belém do Pará, a 14de julho de 1936, filho de Pedro Pomar e Catarina Tor-res. Desde os cinco anos, conheceu a vida da clandes-tinidade, pela perseguição que a polícia do Estado Novode Vargas movia às atividades do Partido Comunistado Brasil (PCB), do qual seu pai era membro.

Começou a trabalhar aos doze anos, como aprendizde linotipista, ao mesmo tempo que fazia o ginásio.Depois trabalhou como repórter e redator nos jornaisTribuna Popular e Classe Operária. Foi colaborador dojornal Movimento, diretor do Correio Agropecuário,além de repórter e diretor editorial de Brasil Extra.

Adquiriu formação técnica e trabalhou como técni-co de planejamento e manutenção de máquinas pesa-das da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), emVolta Redonda (RJ) e Conselheiro Lafaiete (MG). Foiengenheiro de serviços da General Eletric, no setorde locomotivas, tendo trabalhado junto às estradas deferro Leopoldina (RJ) e Leste-Brasileira (BA). Tam-bém trabalhou como engenheiro de manutenção daCerâmica do Cariri.

SOBRE O AUTOR

Page 174: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

174

QU

ASE

Militante político desde 1949, quando ingressou noPCB, Wladimir Pomar atuou inicialmente no movimen-to estudantil secundarista. Em 1951, estudou ajusta-gem mecânica no Senai, trabalhou na Arno e partici-pou no movimento sindical metalúrgico.

Em 1962, fez parte do movimento que deu origemao PCdoB. Em 1964, foi preso na Bahia, por ação deresistência ao golpe militar. Solto no final deste ano,devido a habeas corpus, foi julgado e condenado à re-velia.

Depois de 1964, colaborou com a imprensa partidá-ria e desenvolveu suas atividades políticas principal-mente no interior de Goiás e do Ceará, aqui entre ossindicatos de trabalhadores rurais.

Viveu na clandestinamente até 1976, quando foipreso novamente. Desta vez, durante uma ação mili-tar que assassinou três dirigentes do PCdoB, no bair-ro da Lapa (SP), um dos quais seu pai.

Foi libertado pouco antes da Anistia, em 1979. Nestemesmo ano, desligou-se da direção do PCdoB e ingres-sou no Partido dos Trabalhadores.

Entre 1984 e 1990, integrou a executiva nacionaldo PT, onde foi responsável pela secretaria nacional deformação política, atividade que acumulou com a co-ordenação do Instituto Cajamar. Em 1986, participouda coordenação da campanha de Lula a deputado fe-deral constituinte. Durante as eleições presidenciaisde 1989, foi coordenador-geral da campanha Lula.

Wladimir Pomar é autor de diversos estudos e livrossobre a China, entre os quais O enigma chinês: capita-lismo ou socialismo (Alfa-ômega); China, o dragão doséculo XXI (Ática); A revolução chinesa (Unesp); Chi-

Page 175: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

175

QU

ASE

na: desfazendo mitos (Editora Página 13 & EditoraPublisher).

É autor, também, de uma trilogia sobre a teoria e aprática das tentativas de construção do socialismo, aolongo do século 20: Rasgando a cortina (Brasil Ur-gente), Miragem do mercado (Brasil urgente) e A ilu-são dos inocentes (Scritta).

Outra vertente de suas obras aborda a história doBrasil e da esquerda brasileira. É o caso de Araguaia,o partido e a guerrilha (Brasil Debates) e de PedroPomar: uma vida em vermelho (Xamã); Quase lá, Lulae o susto das elites (Brasil Urgente) e Um mundo aganhar (Viramundo); O Brasil em 1990 e Era Vargas:a modernização conservadora (Ática).

Nos últimos trinta anos, publicou e deu entrevistaspara diversos jornais e revistas, colaborando regular-mente com o Correio da Cidadania e com a revistaTeoria e Debate.

Grande parte de seus textos ainda não foi organiza-do para consultas, nem publicado em formato de livro.É o caso do romance inédito O nome da vida. No pre-lo, uma coletânea de seus textos políticos. Nos planosde médio prazo, um estudo sobre a dialética marxista.

Casado com Rachel, é pai de três filhos, avô de 11netos e 2 bisnetos.

Page 176: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

176

QU

ASE

Livros de Wladimir Pomar

Araguaia, o partido e a guerrilha. São Paulo: BrasilDebates, 1980.

O enigma chinês: capitalismo ou socialismo. São Pau-lo: Alfa-ômega, 1987.

Quase lá, Lula o susto das elites. São Paulo: BrasilUrgente, 1990.

Rasgando a cortina. São Paulo: Brasil Urgente, 1991.

A miragem do mercado. São Paulo: Brasil Urgente,1991.

A ilusão dos inocentes. São Paulo: Scritta, 1994.

O Brasil em 1990. São Paulo: Editora Ática, 1996.

China, o dragão do século XXI. São Paulo: EditoraÁtica, 1996.

Um mundo a ganhar: revolução democrática e socia-lista. São Paulo: Viramundo, 2002.

Pedro Pomar: uma vida em vermelho. São Paulo: Xamã,2003.

Era Vargas: a modernização conservadora. São Pau-lo: Editora Ática, 2004.

A revolução chinesa. São Paulo: Unesp, 2004.

Pedro Pomar: um comunista militante. São Paulo: Ex-pressão Popular, 2007.

China: desfazendo mitos. São Paulo: Editora Página13, 2009.

Page 177: QUASE LÁ5c912a4babb9d3d7cce1-6e2107136992060ccfd52e87c213fd32.r10.cf5.rackcdn.com/... · (PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível vitória do líder do PT causaria o caos

Neste livro, Wladimir Pomar é o narrador de um momento únicoda história política brasileira, em que pela primeira vez os de bai-xo, liderados por Lula, ameaçaram a hegemonia das elites repre-sentadas por Collor na segunda e definitiva rodada eleitoral.

Quase lá é uma análise política e ideológica da campanha eleito-ral de 1989, uma reflexão de classe, elaborada pelo coordenadornacional da campanha Lula Presidente. Na condição de quem vi-veu cada minuto da batalha de uma posição estrategicamente pri-vilegiada, Wladimir Pomar narra o ziguezague, erros e acertos dasforças envolvidas na disputa, tornando públicos aspectos e fatosque escaparam ou não chegaram ao conhecimento da imensa maio-ria dos eleitores e mesmo da militância petista.

O autor demonstra que o Império – o domínio dos muito ricos,das elites que tudo podiam – sofreu um abalo e viveu instantes depânico diante de uma virtual vitória de Lula. Demonstra, também,que apesar da vitória de Collor este país mudou e passou por umprocesso de politização sem precedentes. A esquerda, liderada peloPT e unida como nunca esteve, encostou o Império na parede.

As duas primeiras edições de Quase Lá foram publicadas em 1990.Esta terceira edição, comemorativa aos vinte anos da campanhade 1989, contribui para preparar o Partido dos Trabalhado-res e demais forças da esquerda partidária e social para as elei-ções presidenciais de 2010, momento igualmente decisivo na his-tória brasileira.