quarto de despejo

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QUARTO DE DESPEJO Diário de uma favelada Ana Paula Giffoni; Cássia Rodrigues; Juliana Raupp; Michel; Vinicius.

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Page 1: QUARTO DE DESPEJO

QUARTO DE DESPEJO

Diário de uma favelada

Ana Paula Giffoni; Cássia Rodrigues; Juliana Raupp; Michel;

Vinicius.

Page 2: QUARTO DE DESPEJO

O diário de Carolina Maria de Jesus

“Foram vendidos em torno de um milhão de exemplares em cerca de quatorze países. É uma das obras brasileiras mais vendidas, tendo sido traduzida em mais de treze línguas.”

Page 3: QUARTO DE DESPEJO

Sobre Carolina... Nasceu em 1914 na cidade

de Sacramento, pequena cidade do triângulo mineiro, de onde saiu em 1947, fugindo da pobreza da zona rural.

Perambulou pelo interior do Estado até chegar a São Paulo, onde trabalhou como doméstica em casa de pessoas importantes. Não se adaptando ao trabalho doméstico, Carolina mudou-se para favela do Canindé, passando a trabalhar como catadora de papel.

Page 4: QUARTO DE DESPEJO

Sobre Carolina... Alfabetizada até o 2º ano

primário, desenvolveu e cultivou o gosto pela leitura e o hábito de escrever. Tudo indica que deve ter tido acesso a algumas obras dos grandes autores brasileiros nas casas em que trabalhou.

Carolina dividia seu tempo entre as tarefas de catar papéis,  cuidar dos afazeres domésticos e a escrever o seu diário, onde registrava os fatos corriqueiros da favela.

Page 5: QUARTO DE DESPEJO

O diário...Cotidiano de

Carolina em 1955, 1958 e 1959.

A vida na extinta favela

do Canindé.

Pobreza.

A fome.

Page 6: QUARTO DE DESPEJO

Carolina Maria de Jesus

“A cinderela negra”.

Page 7: QUARTO DE DESPEJO

Entrevista

• Por que a senhora começou a escrever?

• Como surgiu seu interesse pela literatura?

• O que significou a literatura para sua vida?

• A senhora pensava em publicar o que escrevia? Como é que a senhora fazia e como foi que conseguiu a publicação afinal?

Page 8: QUARTO DE DESPEJO

• O que a senhora sentiu quando viu o livro Quarto de despejo pronto, encadernado, com seu texto em letras de imprensa?

• De onde veio à idéia para o título de seu livro?

• Ao que a senhora atribui o sucesso de público do seu Quarto de despejo?

• Depois da publicação, a senhora ficou famosa. Passou a freqüentar ambientes diferentes do da favela. Conheceu intelectuais, políticos, gente rica. Foi difícil seu contato com esse outro tipo de gente?

Page 9: QUARTO DE DESPEJO

• E o seu relacionamento com o pessoal da favela: mudou depois da fama?

• Mas foi bom mudar de vida, escapar da miséria e conhecer um mundo diferente daquele da favela?

• Em seu livro, a senhora, além de mostrar a realidade dos favelados, fala mal dos políticos, dos poderosos. A senhora, sendo pobre e desprotegida, não tinha medo de fazer essas denuncias e acusações?

Trechos extraído da entrevista que consta no fim da obra Quarto de despejo.

Page 10: QUARTO DE DESPEJO

(...)Mas eu já observei os nossos políticos. Para observá-los fui na assembléia. A sucursal do purgatório, porque a matriz é a sede do Serviço Social, no palácio do governo. Foi lá que eu vi ranger de dentes. Vi os pobres sair chorando. E as lagrimas dos pobres comove os poetas. Não comove os poetas de salão(...)

Visão de mundo de Carolina

Page 11: QUARTO DE DESPEJO

Juscelino esfola!

Adhemar rouba!

Jânio mata!

A câmara apóia!

E o provo paga!

Page 12: QUARTO DE DESPEJO

(...)mandei o José Carlos comprar 7 cruzeiros de pão. Dei-lhe uma cédula de 5 e 2 de alumínio, o dinheiro que está circulando no paíz. Fiquei nervosa quando contemplei o dinheiro de alumínio. O dinheiro devia ter mais valor que os gêneros. E no entretanto os gêneros tem mais valor que o dinheiro. 

Tenho nojo, tenho pavor

Do dinheiro de alumínio

O dinheiro sem valor

Dinheiro do Juscelino (...)

Page 13: QUARTO DE DESPEJO

(...) é horrível ver um filho comer e perguntar: “Tem mais? Esta

palavra “tem mais” fica oscilando dentro do cérebro de uma mãe

que olha as panela e não tem mais (...)

Page 14: QUARTO DE DESPEJO

(...) a fome era tanta que ele não poude deixar assar a carne.

Esquentou-a e comeu. Para não presenciar aquele quadro, saí pensando: faz de conta que eu não presenciei esta cena...no

outro dia encontraram o pretinho morto (...)

Page 15: QUARTO DE DESPEJO

(...) já que a barriga não fica vazia, tentei viver com ar. Comecei desmaiar.

Então eu resolvi trabalhar porque eu não quero desistir da vida.

 Quero ver como é que eu vou morrer. Ninguém deve alimentar a idéia de

suicídio (...)

Page 16: QUARTO DE DESPEJO

(...) outra mulher passou numa casa e pediu esmola. A dona da casa surgiu com um embrulho e deu-lhe. Ela não

quis abrir o embrulho perto das colegas, com receio que elas pedissem. Começou pensar. Será um pedaço de queijo? Será carne? Quando ela chegou em casa, a primeira coisa que fez, foi desfazer o

embrulho porque a curiosidade é amiga das mulheres. Quando desfez o

embrulho viu que eram ratos mortos (...)

Page 17: QUARTO DE DESPEJO

(...) O que me entristece é o suicídio do senhor Tomás. Coitado. Suicidou-

se porque cansou de sofrer com o custo da vida.

 Quando eu encontro algo no lixo que eu posso comer, eu como. Eu não tenho coragem de suicidar-

me(...)

Page 18: QUARTO DE DESPEJO

(...) hoje não temos nada para comer. Queria convidar os filhos

para suicidar-mos.

Desisti(...)

Page 19: QUARTO DE DESPEJO

Análises

• A trajetória de Carolina mostra uma visão colocada de lado pela população brasileira da época, principalmente durante o governo Juscelino Kubitschek;

• Muito se falava no país sobre o desenvolvimento, crescimento e industrialização de algumas regiões;

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• Trazer a história da luta cotidiana de uma mulher negra, pobre, semi-alfabetizada e desprovida de qualquer auxilio do Estado, causou um grande impacto na população brasileira da época.

• Critica a uma sociedade fechada que se autodesconhecia, com idéias muito enraizadas em relação às camadas pobres da população;

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• Esse impacto causado por Quarto de Despejo foi muito além das discussões sobre o texto, mas tornou o problema da favela um assunto público, discutido por técnicos e também por políticos.

 

• Em sua obra, Carolina além de mostrar a realidade dos favelados, também demonstrou grande revolta com relação aos políticos e poderosos da época, onde ela fazia constantes denúncias e acusações.

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• 16 de maio ... Eu quando estou com fome quero matar o Janio, quero enforcar o Adhemar e queimar o Juscelino. As dificuldades cortam o afeto do povo pelos políticos.

• 17 de agosto ... Quando fui almoçar fiquei nervosa porque não tinha mistura. Comecei ficar nervosa. Vi um jornal com o retrato da deputada Conceição da Costa Neves, rasguei e puis no fogo. Nas épocas eleitoraes ela diz que luta por nós.

Page 23: QUARTO DE DESPEJO

• O testemunho de Carolina tentava reproduzir a realidade de sua experiência. Através de seus escritos, ela contestava contra a pobreza urbana e a injustiça social. Era como uma da resposta da favela ao desenfreado desenvolvimento industrial.

Page 24: QUARTO DE DESPEJO

• Quarto de Despejo não é apenas a autobiografia de uma favelada catadora de papéis. É, também, um documento sobre a vida cotidiana de uma favela.

• A obra é uma seqüência de fatos ordenados cronologicamente, registrada sob a forma de diário e situada no tempo por meio de datas.

• Trata-se de uma narrativa linear, composta por reflexões da narradora que demonstram uma profunda sensibilidade e um senso crítico aguçado.

Page 25: QUARTO DE DESPEJO

• Carolina criou uma chamada orquestração discursiva (ANDRADE, 2008) que representou a complexidade daquilo que vivia: o mundo da oralidade, dos encontros e desencontros da favela em contradição com as notícias veiculadas pela imprensa escrita e com as leituras dos livros de poesia.

Page 26: QUARTO DE DESPEJO

• A estética fragmentada da obra decorre principalmente pelo uso contínuo das anotações próprias de um diário que, amparadas pela necessidade de contar o cotidiano, acabam por compor um texto repleto de pequenas partes, como uma colcha de retalhos ou um mosaico.

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• Ambiente: A autora descreve o ambiente físico por meio de detalhes, sem preocupação de fornecer uma visão geral.

Todas estas descrições utilizadas para reiterar as coisas que todo tempo narra, utilizando-as como suporte para mostrar como a miséria se apresentava na comunidade em que vivia.

Características

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• Foco narrativo: A obra apresenta uma narrativa em primeira pessoa e os fatos são apresentados sob a óptica da narradora. Esta, o mesmo tempo em que narra, tece considerações sobre o que percebe da vida.

• É uma visão unilateral, pessoal e, de certa forma, subjetiva, na medida em que a própria narradora é também protagonista. Podemos dizer então, que, ao lado do tempo exterior representado pelo registro cronológico dos acontecimentos, há um tempo interior representado pelos momentos de reflexão da narradora.

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• Personagens: As ‘pessoas’, ou melhor, as ‘figuras’ presentes na obra não foram criadas a partir da imaginação da narradora, ao contrário, foram pessoas que realmente existiram.

• São tantas as pessoas a quem Carolina se refere que seria impossível mencioná-las. Há que se destacar, porém, o senhor Manoel, amigo e, depois, seu amante, Orlando Lopes, o cobrador da luz, senhor Pinheiro, presidente do Centro Espírita, e o repórter Audálio Dantas.

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• Seus filhos, os inúmeros vizinhos e conhecidos, amigos e amantes, são personagens cuja força só pode ser definida pela função que exercem no texto: caixas de ressonância, repetidores e fornecedores de matéria verbal, matéria viva que compõe o universo de criação literária de Carolina de Jesus.

Page 31: QUARTO DE DESPEJO

• Em resumo, não é a forma de Quarto de despejo que garante a Carolina de

Jesus o caráter de literário que vemos em seu texto, mas a

singularidade formada na obra a partir da comunhão entre a forma, o

assunto e a linguagem.

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• O Diário e a pessoa;• Conservar a memória;• Sobreviver;• Desabafar;• Conhecer-se;• Resistir;• Pensar;• Escrever;

O Gênero Diário

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Linguagem na obra

• Estilo próprio e característico;

Eu chinguei o Chico de ordinário, cachorro...

Os pasteis é um acontecimento aqui em casa.

Outros trazia água do Serviço, nos garrafões.

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• Contraste entre linguagem culta e popular:

- Mulheres atrabiliarias- Historias do infausto Miguel Colona- A noite está tepida- Sinfonia Matinal- Sou rebotalho- Ablui as crianças- Aleitei-as (as crianças)- A vida ia ficar insípida

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• A linguagem na obra é pontilhada pelo lirismo, pelas metáforas, pelas comparações inusitadas:

- Parece que esse cigano quer hospedar-se no meu coração.

- Por isso que eu digo que a favela é o Gabinete do Diabos.

- As brisas suaves perpassam conduzindo o perfume das flores.

- A vida é igual um livro. Só depois de ter lido é que sabemos o que encerra.

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- A voz de pobre não tem poesia.

- Parece que eu vim ao mundo predestinada a catar. Só não cato a felicidade.

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•Fome:

- E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual – a fome.

- Vi os homens jogar sacos de arroz dentro do rio. Bacalhau, queijo, doces. Fiquei com inveja dos peixes que não trabalharam e passam bem.

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19 de maio Deixei o leito as 5 horas. Os pardais já estão iniciando a sua sinfonia matinal. As aves devem ser mais feliz que nós. Talvez entre elas reina amizade e igualdade. (...) O mundo das aves deve ser melhor do que dos favelados, que deitam e não dormem porque deitam-se sem comer.... O que o senhor Juscelino tem de aproveitavel é a voz. Parece um sabiá e a

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Sua voz é agradável aos ouvidos. E agora, o sabiá está residindo na gaiola de ouro que é o Catete. Cuidado sabiá, para não perder esta gaiola porque os gatos quando estão com fome contempla as aves nas gaiolas.E os favelados são os gatos. Tem fome.... Deixei de metidar quando ouvi a voz do padeiro:

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-Olha o pão doce, que está na hora do café!Mal sabe ele que na favela é a minoriaquem toma café. Os favelados comemquando arranjam o que comer. Todas asfamílias que residem na favela tem filhos.Aqui residia uma espanhola dona MariaPuerta. Ela comprou um terreno e começoua economisar para fazer a casa. Quandoterminou a construção da casa os filhos estavam fracos do pulmão. E são oitocrianças.

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... Havia pessoas que nos visitava e dizia:-Credo, para viver num lugar assim só os porcos. Isto aqui é o chiqueiro de São Paulo... Eu estou começando a perder o interesse pela existencia começo a revoltar. E a minha revolta é justa ... Lavei o assoalho porque estou esperando a visita de um futuro deputado e ele quer que eu faça

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Uns discursos para ela. Ele disse que pretendeconhecer a favela, que se for eleito há deabolir as favelas.... Contemplava extasiada o céu cor de anil. Eufiquei compreendendo que eu adoro meuBrasil. O meu olhar pousou nos arvoredos queexistem no início da rua Pedro Vicente. Asfolhas moviam-se. Pensei: elas estãoaplaudindo esse meu gesto de amor a minhapatria.(...) Toquei o carrinho e fui buscar mais papel.

A Vera ia sorrindo.

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E eu pensei no Casemiro de Abreu, que disse:

“Ri criança. A vida é bela”. Só se a vida era boa

naquele tempo. Porque agora a epoca está

apropriada para dizer: “Chora criança. A vida é

amarga”

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Relação entre Forma e Conteúdo na obra