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QUARTA TURMA
RECURSO ESPECIAL Nº 40.114-3 - SP
(Registro n!! 93.0029996-4)
Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro Recorrente: Carlos José Weigand - espólio Recorrido: Eugênio Barbosa Filho - espólio Advogados: Drs. Flávio Luiz Yarshell e outros, e José Hélio Borba e
outro
EMENTA: Indenização. Acidente aéreo. Morte do piloto da aeronave. Legitimidade de parte ativa e passiva. Ônus da sucumbência.
- O Espólio do piloto falecido está em juízo, como parte formal, pela comunidade dos herdeiros. Aplicação ao caso do princípio da instrumentalidade do processo, desde que a propositura da demanda pelo Espólio nenhum gravame causou ao réu.
- Legitimidade passiva do réu, por não evidenciada de modo hábil e cabal a transferência de titularidade da aeronave. Inaplicação ao caso do art. 620 do Código Civil. Pretensão de reexaminar-se o quadro probatório (Súmula nº 07-STJ).
- Vencido o autor num dos pedidos que formulou, os encargos da sucumbência hão de ser repartidos proporcionalmente (art. 21, caput, do CPC).
Recurso especial conhecido, em parte, e provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:
Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso em
parte e, nessa parte, dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar, Fontes de Alencar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 273
Brasília, 10 de dezembro de 1996 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro BARROS MONTEIRO, Relator.
Publicado no DJ de 29-09-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Cuida-se de ação de indenização proposta pelo Espólio de Eugênio Barbosa Filho contra Carlos José Weigand, substituído pelo seu Espólio no decorrer da lide. Segundo a inicial, Eugênio Barbosa Filho, piloto comercial, fora contratado em caráter autônomo para dirigir a aeronave "EMB 710 Carioca, número de série 710032, prefixo PTNBY", de propriedade do réu. No dia 20 de janeiro de 1989, ao pretender pousar em pista não homologada e deficiente (de terra e de pequeno comprimento), Eugênio sofreu um acidente em decorrência do qual veio a falecer, deixando dois filhos menores impúberes, Eugênio Barbosa Neto e Aguida Maria Barbosa. Pleiteou o autor a condenação do réu ao pagamento da indenização correspondente à parte fixa de 3.500 OTNs (art. 257 do Código Brasileiro de Aeronáutica) e ainda, atribuindo-lhe a culpa grave pelo evento, ao pagamento da pensão mensal a ser oportunamente fixada.
Contestando o pedido, o réu, além de outras questões, alegou ilegitimidade de parte ativa ad causam do Espólio-autor e, de outro lado, a sua
ilegitimidade de parte passiva, uma vez que ao tempo do acidente já não mais era o proprietário da aeronave.
O MM. Juiz de Direito, após repelir as referidas preliminares, julgou a ação procedente, em parte, para condenar o réu ao pagamento da quantia correspondente a 3.500 OTNs, mais as verbas de sucumbência.
O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve o decisório de 1 Q grau por seus fundamentos, havendo aduzido o seguinte:
"A argüida ilegitimidade ativa se encontra suficientemente repelida nas contra-razões do espólio recorrido.
Afastado o rigorismo formal do processo, e em se tratando de direitos hereditários, nada está mesmo a impedir que o espólioautor, por sua inventariante venha a juízo defender os interesses e pleitear os direitos dos herdeiros menores, estes devidamente habilitados no inventário.
As demais e o mérito a seguir serão reapreciadas e decididas.
Os elementos dos autos e a legislação trazida à colação pelo autor, e onde se funda a pretensão deduzida na exordial são suficientes para a completa solução da questão sub judice.
Os dispositivos do Código Brasileiro do Ar especificamente apontados pela douta Procuradoria de Justiça, em seu parecer de fls. 327/330, revelam que a aeronave
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acidentada pertence ao espólioréu, porquanto sua propriedade ainda não foi formalmente transferida, a gerar os efeitos pretendidos.
O recibo de fls. 68 não pode mesmo ser tido como documento particular, com fé pública e assinado pelas partes e testemunhas, requisitos estes necessários e legais ao reconhecimento de domínio na transferência de aeronaves por ato inter vivos (cf. arts. 72, II e 73, II do CBA).
Tanto assim é que a certidão de fls. 214/215 do DAC, à vista do disposto no art. 115, § 2Q do mesmo Código, não atesta a transferência do domínio.
Enfim, definida a permanência do apelante no pólo passivo da lide, ressaltando que a prova oral produzida em audiência é de todo insuficiente para afastar a legitimidade passiva, como exposto, a conseqüência lógico-legal é a manutenção de sua condenação, na forma do decidido.
Sim, porquanto não tendo o falecido explorador da aeronave acidentada contratado seguro, nos termos do art. 281 e seu inciso II do supra referido Código, com a finalidade de cobrir seus tripulantes de eventuais riscos, a responsabilidade indenizatória, como assentado pelo MM. Juiz, é inquestionável.
Por fim, tendo sido acolhido o pedido principal, aplica-se o disposto no § único do art. 21 do CPC" (fls. 340/342).
Rejeitados os declaratórios, o réu - Espólio de Carlos José Weigand -manifestou recurso especial com fulcro nas alíneas a e c do permissor constitucional. Insistindo na assertiva de ilegitimidade de parte ativa do Espólio autor que, segundo o recorrente, postula em nome próprio direito alheio, apontou em primeiro lugar negativa de vigência do art. 6Q do CPC. Ao depois, alegou negativa de aplicação do art. 620 do Código Civil, reiterando a preliminar de ilegitimidade para figurar no pólo passivo da demanda, pois antes do evento lesivo havia promovido a venda da aeronave acidentada a terceiro. Sustentou, no ponto, que a transmissão da proprie'dade do aparelho se operara com a simples tradição, independentemente do registro da venda no "Departamento de Aviação Civil -DAC". Como divergente, indicou aí um julgado oriundo da Suprema Corte (RTJ 113/850). Por último, asseverou negativa de vigência do art. 21 e § único do CPC: havendo o autor formulado dois pedidos e tendo somente um deles sido acolhido, a sucumbência devia ter sido repartida proporcionalmente.
Oferecidas as contra-razões, o apelo extremo foi admitido na origem pela letra a.
O parecer da Subprocuradoria Geral da República é pelo não conhecimento.
E o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): A condena-
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ção imposta pelas instâncias ordinárias (a parte fixa de 3.500 OTN s - art. 257 do Código Brasileiro de Aeronáutica) prendeu-se à circunstância de haver o réu violado a sua obrigação de contratar o seguro para cobrir riscos futuros em relação aos tripulantes da aeronave. Conquanto não se cuide no caso propriamente de direitos hereditários, é de reconhecer-se aqui a legitimidade ativa do Espólio-autor, uma vez que, como parte formal, está ele em juízo pela comunidade dos herdeiros. Admitida a pretensão deduzida na peça inaugural, em parte, oportunamente se procederá ao partilhamento do quantum obtido e apurado.
Apega-se o réu - ora recorrente - ao aspecto puramente formal da questão concernente à legitimidade de parte, esquecido, porém, do caráter predominantemente instrumental do processo, a que a doutrina e a jurisprudência dão amplo e justo relevo nos dias atuais. O fato de figurar no pólo ativo da lide o Espólio do falecido piloto do avião, representado por sua inventariante, não acarreta ao réu gravame algum, pois, de qualquer forma, como acima assinalado, comparece ele a juízo em nome e por conta da comunidade dos herdeiros. A extinção do processo, sem conhecimento do mérito, pretendida pelo recorrente, é que sim viria contrariar os princípios da instrumentalidade, da economia e da celeridade processuais, importando aí na mera perda de tempo em face do alvitre de renovar-se a instância, apenas para o fim de alterar-se os nomes dos acio-
nantes, desde que a representação dos interessados continuaria tal como está neste litígio: permaneceria a viúva, mãe dos menores impúberes, Maria Anita Lourenço Martarelli Barbosa.
Por tais motivos, não se vê afronta alguma ao indigitado art. 6Q da lei processual civil.
2. A alegação de ilegitimidade de parte passiva, por igual, foi acertadamente rejeitada tanto pela r. sentença como pelo V. Acórdão.
O decisório de 1 Q grau, confirmado por seus fundamentos em sede de apelação, assentara que a aeronave era de propriedade do réu à época do evento. É que a simples comunicação de venda feita pelo recorrente em data posterior ao acidente não se credenciava, de forma hábil e idônea, a transferir a propriedade do aparelho a terceiro, como pretendido.
Bem ao reverso do que sustenta o Espólio demandado, a tradição do bem móvel não suplanta a necessidade do registro para o efeito de considerar-se operada a transferência a terceiro. As preceituações específicas constantes do Código Brasileiro de Aeronáutica evidenciam que a transferência de domínio só se concretiza através do registro a que aludiram as instâncias ordinárias. Confiram-se, a propósito, os textos dos arts. 72, inc. lI, 73, inc. lI, 106, § único (a aeronave é bem móvel registrável para efeito de transferência por ato entre vivos), 115, inc. IV, e § 2Q
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Não incide na espécie, portanto, o apontado art. 620 do Código Civil
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Brasileiro. De anotar-se, ademais, que a sentença e o Acórdão recorrido não chegaram a admitir, como assevera o Espólio recorrente, ter havido no caso a tradição da aeronave a terceiro. Trata-se aí de matéria de fato inserta pelo réu nas suas razões, que, por ausência de consideração na instância a quo, não podem ser objeto de análise na via angusta deste recurso especial à luz do que enuncia a Súmula n Q 07-STJ.
Inocorre, assim, a negativa de vigência da norma invocada do Código Civil e, de outro lado, não se aperfeiçoa o pretenso dissenso interpretativo em face de julgado oriundo do Excelso Pretório. As hipóteses postas em confronto são claramente distintas. Enquanto na espécie se cuida de questão concernente à propriedade de uma aeronave, regida por lei especial, o paradigma selecionado diz com veículo automotor envolvido em corriqueiro acidente de trânsito em via pública.
3. Por derradeiro, força reconhecer que ao recorrente assiste razão ao insurgir-se contra a repartição do encargos do sucumbimento.
A peça exordial encerra dois pedidos: a) a condenação da parte fixa prevista no art. 257 do Código Brasileiro de Aeronáutica; b) a condenação do réu a pagar o pensionamento mensal.
Apenas o primeiro deles mereceu acolhimento.
Incide na hipótese em exame, conseqüentemente, o disposto no art. 21, caput, do Código de Proces-
so Civil e não o seu parágrafo único. Não se pode afirmar que, vencido o autor no tocante à pensão mensal, tenha decaído de parte mínima do pedido.
Aplicando-se o direito à espécie (art. 257 do RISTJ), fica estabelecido que as custas processuais serão pagas meio a meio, cabendo aos litigantes responder cada qual pelos honorários dos respectivos advogados.
4. Ante o exposto, conheço, em parte, do recurso pela alínea a do admissivo constitucional e, nessa parte, dou-lhe provimento, para o fim de distribuir os ônus da sucumbência na forma acima aludida.
É como voto.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Sr. Presidente, acompanho o eminente Ministro-Relator, sem ficar comprometido com a tese de que o registro da transferência no DAC é indispensável para que ocorra a mudança do domínio da aeronave.
VOTO- VOGAL
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente, estou de acordo com o Eminente MinistroRelator relativamente às duas questões. Acentuo, quanto à legitimidade passiva, a falta de prova suficiente da transferência do domínio da aeronave, não registrada de acordo com o Código Brasileiro do Ar, e sem prova complementar capaz de con-
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vencer sobre a existência da alegada alienação.
VOTO-VOGAL
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Senhor Presidente, estou de acordo com o Ministro-Relator, adotando os acréscimos que foram apresentados pelos que também o acompanharam.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Acompanho o Sr. Ministro-Relator, com os acréscimos que foram trazidos nos votos que seguiram ao de S. Exa., reservando-me para, oportunamente, reexaminar o tema mais detidamente.
RECURSO ESPECIAL Nº 43.714 - RJ (Registro nº 94.0003253-6)
Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha Recorrente: Elevadores Otis S/A Recorrida: Companhia do Metropolitano do Rio de Janeiro Advogados: Drs. Paulo Roberto de Carvalho Rego e outros, e André Luiz
da Costa Santos
EMENTA: Processual Civil. Erro material inexistente e não reconhecido. Descabimento de agravo. Recurso especial. Divergência não configurada. Ausência de prequestionamento. Não conhecimento.
"Para que se configure o erro material não basta a simples inexatidão; impõe-se que dele resulte desacordo entre a vontade do juiz e a expressa na sentença" (Ag 53.892-RJ, do TFR, ReI. saudoso Min. Geraldo Sobral).
Não sendo reconhecida a existência de erro material, nem pelo juiz nem pelo Tribunal, o despacho que não o conhece não pode ser atacado por agravo de instrumento.
É imprescindível para a caracterização do dissídio jurisprudencial, por lógico, que os acórdãos ostentadores de díspares conclusões hajam sido proferidos em idênticas hipóteses, o que não ocorre no recurso em exame.
Impossível o acesso ao recurso especial se o tema nele inserto não foi objeto de debate na Corte de origem.
Recurso especial não conhecido.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro.
Brasília, 19 de junho de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Mi~s~oCESARASFORROCH~R~ lator.
Publicado no DJ de 08-09-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Julgada procedente ação ordinária ajuizada pela recorrente contra a recorrida, foi esta condenada ao pagamento da quantia equivalente a 58.778,29 BTN's.
Após a publicação da sentença, a vitoriosa recorrente, por entender que teria havido erro material ao ser indicado o índice de indexação, pediu a sua correção pela OTN, tendo o Juiz mantido a sua decisão, porque não teria havido nenhuma inexatidão material a ser corrigida.
Contra esse despacho a recorrente agravou, mas o ego Tribunal a quo não o conheceu, pela razão fundamental de que o inconformismo
da recorrente teria que ter sido veiculado através de apelação, já que na hipótese não se vislumbrava erro material, pois "o Dr. Juiz não recepcionou a estocada, assinalando o acerto do seu entendimento" (fls. 68). Aliás, contra outros aspectos da sentença foi interposta apelação.
Rejeitados os aclaratórios, foi ajuizado o recurso especial em exame com fincas nas letras a e c do permissor constitucional, por alegada violação aos arts. 162, §§ 1 º e 2º', 463, I, 469, I, e 522 do Código de Processo Civil, bem como pelo sugerido dissídio com os julgados que indica, ao argumento de que a inexatidão material pode ser corrigida a qualquer tempo e que a decisão que não a corrigiu seria agravável.
Devidamente respondido, o recurso foi admitido na origem,
Recebi o processo, por atribuição, em 1 º de fevereiro de 1996, e remeti-o para pauta no dia 2 de junho do ano seguinte.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): 1. Pelo dissídio o recurso não pode ser conhecido, pois são distintas as bases fáticas dos julgados confrontados.
A uma, porque o decidido na AR nº 71-RJ e na AC nº 274.333 foi transcrito apenas por sua ementa, que é insuficiente para demonstrar a dissidência, quando não se trata, como no caso, de notória divergência.
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A duas, porque a comprovação da divergência de referido aresto da ação rescisória não foi feita por certidões ou cópias autenticadas do acórdão colacionado, ou pela citação de repositório oficial autorizado ou credenciado em que o mesmo se ache publicado, já que o "Boletim daAASP", conquanto conceituado, não é repositório autorizado.
A três, porque todos os casos colacionados partiram do pressuposto de que teria havido erro material, o que não se afirmou no v. acórdão hostilizado.
Ora, o recurso especial só pode ser conhecido pela divergência pretoriana quando, por lógico, os acórdãos ostentadores de díspares conclusões hajam sido proferidos em idênticas hipóteses, o que não se vê no caso de que se cuida.
2. O recurso não pode ser conhecido pela alegada ofensa aos artigos 162, §§ 1 Q e 2Q
, 463, I, e 469, I, do Código de Processo Civil, pois as normas neles insertas não mereceram a mais mínima interpretação por parte do acórdão recorrido.
Para que a matéria objeto do apelo nobre reste prequestionada há necessidade tanto que seja levantada pela parte quando da impetração do recurso comum na Corte ordinária, quanto que seja por esta efetivamente debatida ao decidir a apelação.
Ausente o debate, inexistente o prequestionamento, por isso que obstaculizada a via de acesso ao apelo excepcional.
3. Analiso, agora, a sugerida violação ao art. 522 do Código de Processo Civil.
Todas as bem lançadas razões expostas pela recorrente partem da premissa de que, ao estabelecer o BTN como índice de indexação, o juiz prolator da sentença teria cometido erro material, pois teria sido a sua intenção a de ter fixado o índice da "OTN" como fator de correção.
Acontece que o magistrado singular quis mesmo estabelecer o BTN e não a OTN, por isso mesmo que o índice que restou fixado não foi fruto de seu manifesto equívoco ou engano, mas resultado de seu próprio convencimento.
Ora, "erro material é aquele perceptível primo ictu oculi e sem maior exame, a traduzir desacordo entre a vontade do juiz e a expressa na sentença" (REsp n Q 15.649-0/ SP, ReI. em. Min. Pádua Ribeiro), por isso é que "para que se configure o erro material não basta a simples inexatidão; impõe-se que dele resulte desacordo entre a vontade do juiz e a expressa na sentença" (Ag 53.892-RJ, do TFR, ReI. saudoso Min. Geraldo Sobral), ambos citados por Theotonio Negrão (28ª ed., notas n illl 12a. e 12b. ao art. 463).
No caso, como já afirmado, o índice consignado na sentença decorreu da afirmação consciente do juiz que a prolatou.
Sendo assim, ainda que possa ser censurado o índice adotado - o que admito apenas para dar sabor ao debate - não houve nenhum desacor-
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do entre a vontade do juiz e a expressa na sentença de sorte a que se pudesse afirmar ter havido erro material.
Com efeito, essa opção do magistrado, consagrada na sentença proferida, só poderia ser atacada por apelação e não por mero pedido de correção de inexatidão material.
E o despacho que o negar, não pode ser atacado por agravo de instrumento.
Este até pode servir de meio próprio para tanto. Mas somente para a hipótese de ter sido reconhecido o erro material e, ainda assim reconhecendo-o, o juiz entenda de não corrigi-lo ou, com maior razão, se o conserta.
Não fora assim, o processo transformar-se-ia em um caminhar inacabado pois bastaria à parte alegar ocorrência de erro material - cuja correção pode ser formulada a qualquer tempo, desde que não encer-
rado o feito -, para, a partir de sua negação, ensejar a propositura de uma série de recursos, reabrindo toda discussão sobre uma matéria cujo debate já se encerrara.
É certo que o erro material, naquele conceito acima exposto, pode ser corrigido a qualquer tempo. O erro material sim, mas não a decisão resultante da convicção consciente do magistrado, sobre a qual não se conforma uma das partes.
N a hipótese, não houve erro material, mas, como já reafirmado, uma opção fruto da convicção consciente do magistrado, que elegeu o BTN como indexador, o que despertou o inconformismo da parte, mas que deveria ser veiculado pelo recurso apelatório que, aliás, chegou a interpor, mas com a omissão do tema que ensejou o pedido de correção.
4. Diante de tais pressupostos, não conheço do recurso.
RECURSO ESPECIAL NQ 44.717 - DF
(Registro n Q 94.0005927-2)
Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
Recorrente: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
Recorrida: Vitorina Senhorinha de Jesus
Interessado: Francisco Luiz de Paiva
Advogado: Dr. Jorge Luiz de Moura Andrade
EMENTA: Processual Civil. Citação por edital. Requisitos. Finalidade da citação. Necessidade. Princípio da ampla defesa. Doutrina. Recurso provido.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 281
- Do edital de citação deve constar, em respeito ao princípio da ampla defesa, além dos requisitos inerentes ao próprio ato citatório (art. 232, CPC) e do prazo para contestar (art. 225-11, CPC), a finalidade para a qual está sendo o réu convocado a juízo, com referência sucinta da ação e seu pedido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, prosseguindo no julgamento, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, vencido o Ministro Cesar Asfor Rocha, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro e Ruy Rosado de Aguiar. O Ministro Fontes de Alencar não participou da votação por ter assumido o cargo de Coordenador-Geral da Justiça Federal. Ausente, justificadamente, o Ministro Bueno de Souza.
Brasília, 25 de junho de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 15-09-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Cuidase de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que entendeu ser dispensável no edital de citação constar um resumo do pedido ou da causa de pedir.
O recorrente, Ministério Público, aponta dissídio com aresto do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que reputou necessário constar do edital um breve relato da demanda.
Sem contra-razões, foi o recurso admitido na origem, merecendo parecer favorável da Subprocuradoria Geral da República.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): A questão é singela e concerne na necessidade ou não de constar do edital de citação um breve relato da causa, a respeito da finalidade daquele ato. Perquire-se, portanto, se além dos requisitos enumerados no art. 232, CPC, deve haver referência àqueles dispostos no art. 225, CPC, notadamente o prescrito no inciso II, que trata do motivo da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial.
O dissídio restou configurado. Antagônicas são as teses estampadas no acórdão recorrido e no paradigma, em relação ao mesmo tema acima referido.
E razão socorre o recorrente, tendo se equivocado data venia, a ego
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Turma Julgadora, que não se houve com o habitual acerto.
Com efeito, o referido art. 232 prescreve somente os requisitos essenciais ao ato citatório, de forma editalícia, não podendo ser abandonados os requisitos do próprio edital, delineados no art. 225, que igualmente devem estar presentes naquele tipo de comunicação oficial.
Assim, tem-se como indispensável para a validade da referida citação, haver no edital, ainda que de forma sucinta, alusão ao propósito do ato, ou seja, o porquê do réu estar sendo convocado para defenderse, quais os elementos principais da contenda, sua causa de pedir e seu pedido.
Moniz de Aragão, ao tratar dos requisitos da citação por edital, afirma:
"O texto enuncia os requisitos necessários à citação por edital, os quais não se confundem com os do próprio edital, isto é, com o seu conteúdo, que é o mesmo do mandado, incluída a franquia contida no art. 225, lI, de publicar-se apenas o 'fim da citação, com as especificações constantes da petição inicial' ... " (Comentários ao Código de Processo Civil, v. lI, 8i'! ed., Forense, 1995, n. 300, pág.317).
N a mesma linha, doutrina José Rubens Costa:
"O edital, apesar da omissão da lei, conterá os requisitos para a citação por mandado (art. 225),
sendo afixado na sede do juízo, com certificação, nos autos, pelo escrivão ou chefe de secretaria (inc. II do art. 232)" (Manual de Processo Civil, v. lI, Saraiva, 1995, n. 12.3.1, p. 283).
Ernane Fidélis, por sua vez, não discrepa de tal posicionamento, ao asseverar que o "que interessa, no caso, são os dados essenciais do processo: nome das partes, com a respectiva qualificação, o resumo do fundamento de fato e de direito, o pedido com suas especificações, inclusive cominação, se houver" (Manual de Direito Processual Civil, v. 1, 3i'! ed., Saraiva, 1994, n. 432, pág. 259).
É de salientar-se que tal procedimento, em ultima ratio, guarda respeito ao princípio constitucional da ampla defesa, uma vez que, ao ser o réu noticiado da existência de uma demanda judicial contra si, tem ele o direito de ser informado dos motivos que a causaram, ainda que seja para não responder à convocação, deixando prosseguir o feito à sua revelia.
Em face do exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento para anular o processo a partir da citação, inclusive, ensejando que outra seja realizada, nos termos da lei.
VOTO - VISTA
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Pedi vista dos autos para verificar a regularidade da citação feita por edital.
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Atendendo ao seu conteúdo e às peculiaridades do caso, estou acompanhando o em. Ministro-Relator, com a devida vênia.
É o voto.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Sr. Presidente, data venia, discordo dos votos de V. Exa. e do Sr. Ministro Barros Monteiro por duas razões. Primeira, porque o art. 225 do CPC, quando cuida de dizer o que deve ser obedecido na citação feita por mandado e exige sejam postas todas as especificações constantes da petição inicial, o faz
pela facilidade de reprodução da peça preambular, pois, uma vez que o oficial de justiça irá entregar pessoalmente à parte, não haverá custo se se acrescentar também uma cópia da petição inicial. Por isso, o art. 225 fala do "mandado" e não se reporta, em nenhum instante, à citação feita por edital. Segunda, porque dizer que alguma coisa com referência à petição inicial deve ser historiada no edital, além de encarecê-lo, importará, também, numa dificuldade para se saber qual a síntese que haverá de ser feita. A simplificação, ou o sumário do que está exposto na petição inicial será o bastante para atender a esse requisito contido no art. 225 do CPC.
RECURSO ESPECIAL Nº 57.991- SP
(Registro nº 94.0038667-2)
Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
Recorrente: Wilma Emília Sandini Raso
Recorridos: Geraldo Mantovani e cônjuge
Advogados: Drs. Paulo Hatsuzo Touma, e Hélio Ulpiano de Oliveira e outros
EMENTA: Civil. Negócio fiduciário. Transferência de propriedade de imóvel em garantia de dívida. Pedido de declaração de existência do pacto. Efeito natural de retorno ao estado anterior, com anulação da escritura. Prescrição. Incidência da norma do art. 177 e não do art. 178, § 9º, V, b, CC. Inexistência de ação anulatória e nem mesmo de simulação. Recurso desacolhido.
I - O negócio fiduciário, embora sem regramento determinado no direito positivo, se insere dentro da liberdade de contratar própria do direito privado e se caracteriza pela entrega fictícia
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de um bem, geralmente em garantia, com a condição de ser devolvido posteriormente.
II - Reconhecida a validade do negócio fiduciário, o retorno ao estado anterior é mero efeito da sua declaração de existência, pelo que o bem dado em garantia de débito deve retornar, normalmente, à propriedade do devedor.
IH - Inocorre, assim, qualquer pretensão desconstitutiva de contrato, mas sim declarativa de validade, o que afastaria a prescrição definida no art. 178, § 92 , V, b do Código Civil. E nem mesmo se trata de simulação, porque no negócio simulado há um distanciamento entre a vontade real e a vontade manifestada, inexistente no negócio fiduciário.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro e Ruy Rosado de Aguiar. Ausentes, justificadamente, o Ministro Bueno de Souza e, ocasionalmente, o Ministro Cesar Asfor Rocha.
Brasília, 19 de agosto de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.
Publicado no DJ de 29·09·97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Os recorridos firmaram com Costabile Raso, falecido marido da recorrente, negócio fiduciário pelo qual trans-
mitiram àquele um imóvel situado em Águas de Lindóia-SP, em garantia de dívida, com a promessa de devolução do mesmo após a quitação do débito.
Exigido o cumprimento do pacto frente à mulher e sucessora do morto, esta se recusou a tanto, pelo que aforaram os recorridos ação ordinária com vista à declaração de existência do negócio fiduciário, à declaração de ter ocorrido pagamento da dívida e à anulação da escritura e do correspondente registro do título no álbum imobiliário.
Em contestação, a recorrente alegou prescrição, nos termos do art. 178, § 99 , V, b do Código Civil, sustentando que, em se tratando de ação anulatória de contrato por simulação, o prazo do ajuizamento já teria se escoado.
O Juiz rejeitou a preliminar, bem como o Tribunal Justiça de São Paulo, entendendo este que não se tratava de ação anulatória, mas sim de pedido declaratório de existência de negócio fiduciário, sendo que o re-
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torno ao estado anterior seria mera conseqüência do acolhimento do pedido inicial.
Irresignada, a ré interpôs recurso especial alegando violação do art. 178, § 9Q
, V, b do Código Civil, insistindo na ocorrência de prescrição.
Contra-arrazoado, o recurso foi admitido na origem.
Em memorial, refere-se a recorrente ao Agravo n Q 152.302-SP, entre as mesmas partes e por ela interposto.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): Arecorrente persiste no seu entendimento segundo o qual teria ocorrido a prescrição, já que o objeto da demanda seria a anulação da escritura do imóvel em razão de simulação das partes envolvidas.
Incorreta a tese, todavia.
Os recorridos, relatando pormenorizadamente os antecedentes do contrato entabulado, mostraram que efetivamente firmaram um negócio fiduciário. Em garantia de dívida, transferiram para o falecido marido da recorrente o imóvel objeto dos autos, com o compromisso de ser-lhes devolvido após o pagamento do débito.
O negócio fiduciário, embora sem regramento determinado no direito positivo, se insere dentro da liberdade de contratar própria do direito privado e se caracteriza pela en-
trega fictícia de um bem, geralmente em garantia, com a condição de ser devolvido posteriormente.
José Carlos Moreira Alves, citando Goltz sustenta que o negócio fiduciário é formado por uma combinação de dois contratos. Diz ele:
"Mas foi Goltz que, oito anos mais tarde, trabalhando sobre a concepção de Regelsberger, deixou bem claro que o negócio fiduciário, em sua estrutura íntima, resulta da conjugação de dois contratos:
a) de contrato real positivo, em virtude do qual se dá a transferência normal do direito de propriedade ou de direito de crédito; e
b) de contrato obrigatório negativo, pelo qual nasce para o fiduciário a obrigação de, após utilizar-se de certa forma do direito que lhe foi transmitido, o restituir ao fiduciante ou o retransferir a terceiro" (Da Alienação Fiduciária em Garantia, 2ª ed., Forense, 1979, pág. 19).
Desta forma, o retorno ao status quo ante é simples conseqüência lógica da declaração de existência do negócio fiduciário, porque constitui característica inerente à sua essência. Reputado válido o contrato, a devolução do bem dado em garantia de débito deve retornar, normalmente, à propriedade do devedor.
Não há, portanto, que se falar em pretensão de anulação de contrato.
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Pelo contrário, o que se pretendeu foi o reconhecimento de sua efetiva ocorrência com produção de efeitos que são próprios à natureza do negócio. Assim, o prazo prescricional é o amplo do art. 177 do Código Civil e não aquele definido no art. 178, § 9º, V, b, do mesmo diploma legal.
É de salientar-se ainda que de negócio simulado também não se cuida. No negócio simulado há uma distância entre a vontade real e a vontade existente, o que se mostra ausente no fiduciário, que, por sua vez, se preocupa com a verdadeira expressão da vontade das partes.
Álvaro Villaça Azevedo, tratando exatamente do negócio fiduciário e do negócio simulado, com sua habitual segurança doutrinária expõe posição de civilistas tradicionais sobre o ponto, verbis:
"Muito clara é a lição de Beleza dos Santos quando procura demonstrar a diferença de que se cogita, deixando manifesto que nos atos fiduciários não há divergências entre a vontade real e a declarada, como sói acontecer nos simulados. A vontade existente nos primeiros objetiva a transmissão de um direito real ou de um crédito, com a ressalva de que o adquirente somente use o direito, que lhe foi transmitido, para determinado fim, sendo certo que não existe contradição alguma nesses atos, a não ser entre sua causa e efeitos, o que não acontece nos segundos.
Por outro lado, continua Beleza dos Santos, não se visa, pelo pacto fiduciário, a enganar ter-
ceiros, mas, pelo contrário, pois os efeitos deste só atingem as próprias partes contraentes, sendo que 'na simulação o acordo para simular é naturalmente secreto, enquanto que o pacto fiduciário pode ser e, até para alguns autores, como Tondury, deve ser público'.
Francesco Ferrara, de forma magistral, estabelece um paralelo entre o negócio fiduciário e o simulado, diferenciando-os da seguinte forma: 'O negócio simulado é um contrato fingido, não real; o negócio fiduciário é um negócio querido e existente. O negócio simulado efetiva-se para produzir uma aparência, um engano: o negócio fiduciário pretende suprir uma ordem jurídica deficiente ou evitar certas conseqüências fachenses que derivam dum negócio. O negócio simulado é um negócio único, vazio de consentimento: o negócio fiduciário é uma combinação de dois negócios sérios, um real e outro obrigatório, neutralizando-se em parte e tendo influência contrária" (Contratos Nominados ou Atípicos e Negócio Fiduciário, 3ª ed., Cejup, 1988, pág. 135).
Inocorreu, destarte, qualquer ofensa ao direito federal, agindo com o costumeiro acerto o ego Tribunal de origem.
Em face do exposto, não conheço do recurso.
Registro, finalmente, que o Agravo nº 152.302-SP, entre as mesmas partes e interposto pela ora recorrente, chegou a este Gabinete em
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julho pp., tendo sido desprovido em data de sete (7) do corrente.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Srs. Ministros, estou de acordo com o voto do Sr. Ministro-Relator, uma vez que não se operou realmente a prescrição no caso em virtude de ter ocorrido meramente um negócio fiduciário, como demonstrou o Eminente MinistroRelator.
VOTO-VOGAL
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente, também acompanho o Eminente Ministro-Relator. Com relação ao pedido meramente declaratório, se nisso se cifrasse a demanda, estaria em reconhecer a imprescritibilidade dessa ação, porque o direito formativo à declaração não tem pretensão que pudesse ser atingida pelo efeito do tempo.
RECURSO ESPECIAL NQ 60.616-0 - SP
(Registro n Q 95.0006551-7)
Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro
Recorrente: Encol S.A. Engenharia Comércio e Indústria
Recorridos: Acary Souza Bulle Oliveira e outros
Advogados: Drs. Valtécio Ferreira e outros, e Rosana de Oliveira Santos e outro
EMENTA: Incorporação. Promessa de venda e compra. Retardamento na entrega da unidade habitacional. Interpelação prévia da promitente-vendedora.
- A resolução do contrato, postulada por adquirente sob a assertiva de mau adimplemento, não depende da prévia interpelação prevista no art. 43, inc. VI, da Lei n Q 4.591, de 16.12.64, somente exigível para a finalidade de destituição do incorporador.
- Caso fortuito não caracterizado. Incidência, ademais, da Sumula n Q 07-STJ.
Recurso especial não conhecido.
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:
Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Fontes de Alencar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília, 12 de maio de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro BARROS MONTEIRO, Relator.
Publicado no DJ de 25-08-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: São duas ações de resolução de contrato; a primeira movida pelos compromissários-compradores sob alegação de atraso na entrega da unidade habitacional; a segunda proposta pela promitentevendedora ao fundamento de que, não obstante notificados, os compromissários-compradores deixaram de pagar parte do preço avençado, correspondente à parcela a ser financiada.
A sentença julgou procedente, em parte, a primeira demanda e improcedente a segunda. Declarada rescindida a promessa de venda e compra, condenou a construtora a de-
volver aos adquirentes a quantia que solveram por conta do preço, devidamente corrigida.
Ao negar provimento à apelação interposta pela incorporadora, o Tribunal de Justiça de São Paulo invocou as seguintes razões:
"Descartando-se a possibilidade da ocorrência de moras concomitantes, é de se verificar que a cessação dos pagamentos das prestações pelos promissários-compradores decorreu do atraso da entrega do apartamento no prazo convencionado, e se fez acompanhar da imediata distribuição da ação de rescisão de contrato - dies interpellat pro homine. A Construtora, por seu turno, e embora admitindo o atraso, sem razão invoca em seu prol as excludentes da força maior e do caso fortuito, além da necessidade de ser previamente notificada para promover o regular prosseguimento da obra. Mas a Construtora, sem dúvida, foi quem incorreu em mora, por isso se considerando ineficaz a notificação que endereçou aos promissárioscompradores.
O artigo 43, VI, da Lei n Q 4.591/ 64, concede a faculdade, aos adquirentes de unidade habitacional em construção, de fazer notificar o incorporador para dar prosseguimento à obra paralisada ou com o andamento atrasado, que poderá ser ou não exercitada. Não constitui providência obrigatória e não conflita, outrossim, com o disposto no artigo 1.092, parágrafo único, do Código Civil.
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Tocante ao caso fortuito, a semrazão da Construtora é manifesta, ainda que o seu Assistente Técnico tenha procurado vincular o atraso com o volume de precipitação pluviométrica extraordinária. Não se tratasse de fenômeno previsível, a ser sempre considerado, absolutamente, como afirmado pelo Perito, também não se pode vincular o atraso à intensidade das chuvas. Note-se que, seja por testemunhas seja documentalmente, nenhuma prova foi produzida sobre eventuais horas de trabalho perdidas durante o período, fato que, se ocorrido, com certeza seria anotado pelo encarregado da obra.
Ao incorporador descabe alegar força maior decorrente da implantação de plano econômico, de aplicação geral, mas que não foi suficiente para determinar a inadimplência dos adquirentes das unidades habitacionais. Se não, como justificar que os promissários-compradores continuaram a pagar as prestações, às quais, em última instância, irão integrar um caixa comum, de onde serão retirados os recursos necessários à edificação.
E, para levar avante empreendimento de porte, a Construtora deveria contar, também, com recursos próprios, pertinentes ao empenho, não podendo agora ser justificada pela ocorrência de fato a que deu causa.
Mantidos estoques de materiais para a realização da obra, os ingressos dos valores das presta-
ções seriam suficientes para levála avante, já que os custos da construção são arcados mesmo pelos adquirentes das unidades habitacionais (cf. Caio Mário da Silva Pereira, 'Condomínio e Incorporações', Forense, 3ª edição, 1977, pág. 279)" (fls. 394/395).
Daí o recurso especial manifestado pela "Encol S.A. Engenharia, Comércio e Indústria" com arrimo nas alíneas a e c do admissivo constitucional. Asseverou, de início, que o V. Acórdão, ao deixar de reconhecer à edição do denominado "Plano Collor" a qualificação de caso fortuito, ofendeu o disposto no art. 1.058 do Código Civil. Sustentou, de outro lado, ser imprescindível a prévia interpelação judicial, nos termos da art. 43 da Lei nº 4.591/64, que reputou contrariado. Acentuou que, além disso, não há previsão legal para a resolução do ajuste em face do atraso: desatendida a interpelação, a conseqüência é a destituição do incorporador. Por derradeiro, neste último tópico, apontou como divergente um aresto oriundo do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido na origem.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): 1. Tocante à ocorrência de caso fortuito, a recorrente cingiu-se a alegar, como tal, a edição do denominado "Plano Col-
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lor", sem refutar, conforme era de rigor, os argumentos expendidos pelo Eg. Colegiado a quo para repelir a argüição. A par de não se tratar de fato irresistível, como bem evidenciou o decisório recorrido, o exame da alegação a esta altura exigiria a reapreciação do conjunto probatório coligido, o que é defeso pela instância excepcional a teor do que enuncia a Súmula n Q 07 desta Corte.
2. A notificação judicial a que alude o art. 43, inc. VI, da Lei n Q 4.591/ 64, não constitui realmente medida obrigatória a cargo dos compromissários-compradores. É mera faculdade e, tal como decidido pelo Acórdão ora vergastado, não os inibe de intentar a ação de resolução contratual. O Prof. Caio Mário da Silva Pereira observa a propósito que, "realizada esta (a notificação), e decorrido o prazo de 30 dias sem que as obras se reiniciem ou o andamento readquira a normalidade, os interessados não precisam ir a juízo para resolver o contrato, porque a lei lhes oferece a faculdade de, pela sua vontade, destituírem o incorporador" (Condomínio e Incorporações, pág. 287, 7ª ed.).
É da jurisprudência desta Eg. Quarta Turma a diretriz de que "a resolução do contrato, postulada por adquirente alegando mau adimplemento, não depende da prévia in-
terpelação prevista no art. 43, VI da Lei 4.591, somente exigível para a destituição do incorporador" (REsp n Q 15.9211CE, relator Ministro Athos Carneiro). Tal orientação reiterou-se quando do julgamento do REsp n Q 109.821-SP, relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar.
Não bastal?se, a decisão recorrida anota que a cessação do pagamento das prestações pelos compromissários-compradores decorreu do atraso na entrega das unidades habitacionais no prazo convencionado, fazendo-se acompanhar do imediato ajuizamento da ação de resolução contratual. Invocável, no ponto, a norma inscrita no art. 960, caput, do Código Civil que, de sua vez, consubstancia a regra dies interpellat pro homine. Confiram-se nesse sentido os REsp's n JlE
9.860-0/PR (RSTJ voI. 36, pág. 336) e 42.847 -5/SP, ambos por mim relatados.
Vale acentuar, por derradeiro, que o conflito de julgados não é suscetível de consumar-se na espécie, eis que a recorrente não cuidou de cumprir as prescrições insertas no art. 255, § 2Q
, do RISTJ, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem as hipóteses confrontadas.
3. Ante o exposto, não conheço do recurso.
É o meu voto.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 291
RECURSO ESPECIAL N9 61.434 - SP
(Registro n 9 95.0008701-4)
Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha
Recorrente: Blanca Antônia Martin Escudero
Recorrida: Fundação Benéfico Docente Alfonso Martin Escudero
Advogados: Drs. Francisco Manoel Xavier de Albuquerque e outros, e Athos Gusmão Carneiro e outros
Sustentação Oral: Dr. Francisco Manoel Xavier de Albuquerque, pela recorrente e Dr. Arruda Alvim, pela recorrida
EMENTA: Direito Internacional Privado. Art. 10, § 2~ do Código Civil. Condição de herdeiro. Capacidade de suceder. Lei aplicável.
Capacidade para suceder não se confunde com qualidade de herdeiro.
Esta tem a ver com a ordem da vocação hereditária que consiste no fato de pertencer a pessoa que se apresenta como herdeiro a uma das categorias que, de um modo geral, são chamadas pela lei à sucessão, por isso haverá de ser aferida pela mesma lei competente para reger a sucessão do morto que, no Brasil, "obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto." (art. 10, caput, da LICC).
Resolvida a questão prejudicial de que determinada pessoa, segundo o domicílio que tinha o de cujus, é herdeira, cabe examinar se a pessoa indicada é capaz ou incapaz para receber a herança, solução que é fornecida pela lei do domicílio do herdeiro (art. 10, ~ 29 , da LICC).
Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, vencido, na totalidade, o Sr. Ministro
Sálvio de Figueiredo Teixeira e na preliminar, o Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar. O Sr. Ministro Fontes de Alencar conheceu do recurso e deu-lhe provimento em menor extensão.
Brasília, 17 de junho de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Mi-
292 R. Sup. Trib. Just., Brasília. a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
nistro CESARASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DJ de 08-09-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: A recorrente, Blanca Antônia Martin Escudero, nascida e domiciliada na Espanha, foi, em 16 dejulho de 1986, aos 45 (quarenta e cinco) anos de idade, por escritura pública de adoção simples celebrada naquele país, adotada por Alfonso Martin Escudero, nascido em 1901, de naturalidade foral catalã mas domiciliado no Brasil (Estado de São Paulo) desde 1955 até a sua morte, aqui ocorrida em 02 de março de 1990, não deixando cônjuge sobrevivente, pois viúvo desde 21 de julho de 1979, nem à evidência, ascendentes, nem nenhum descendente biológico, seja legítimo ou ilegítimo.
Em fevereiro de 1989, estando em Madrid, o falecido Alfonso fez seu testamento aberto, deixando todos os seus bens para a "Fundação Benéfico-Docente Alfonso Martin Escudero", ora recorrida, instituindo-a sua herdeira universal, deixando tocar, todavia, à recorrente (que também firmou o instrumento como testemunho), como legado, um apartamento, a ser comprado pela referida Fundação, além de uma pensão vitalícia bem como os objetos de menor monta ali indicados.
Com o óbito de Alfonso foi aberto na Comarca de São Paulo, que fora o seu último domicílio, o arrolamen-
to dos bens hereditários, com o pedido de que estes fossem adjudicados em favor da "Fundação Benéfico-Docente Alfonso Martin Escudero", que seria a sua herdeira universal.
É que a lei espanhola, vigente no tempo da adoção, não conferia a Blanca, cujo vínculo com o de cujus decorria apenas de adoção simples, nenhum direito sucessório sobre a herança do falecido, salvo, evidentemente, o legado decorrente do ato de última vontade, nada obstante, no momento da morte de Alfonso, já ser vigente a Lei n Q 21/87 que parificara naquele país todas as adoções, mas ressalvando as anteriormente instituídas, pelo que, quemjá tivera sido conferido com a adoção simples, só se constituiria herdeiro do adotante com a expressa manifestação deste, o que não ocorrera na espécie de que se trata.
Ingressando no feito, Blanca pleiteou o seu reconhecimento como herdeira necessária do de cujus, com direito à legitima, por força do editado no art. 10 da Lei de Introdução ao Código Civil, postulando ainda a modificação do rito da ação de arrolamento para inventário, em face do disposto nos arts. 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil, em tudo sendo atendida pelo digno Juiz processante, cujo decisório foi reformado, em sede de agravo de instrumento, pela ego Quinta Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, à consideração de que, em apertada síntese:
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 293
a) "o art. 10 da Lei de Introdução ao Código Civil, manda que a sucessão por morte obedeça à lei do país em que domiciliado o defunto, qualquer que seja a natureza e situação dos bens, e prevê ainda que a lei do domicílio do herdeiro ou legatário regule a capacidade de suceder." (fls. 1.635);
b) pelo direito espanhol, Blanca, conquanto seja filha adotiva de Alfonso, não seria sua herdeira necessária, porque a ela foi conferida apenas a adoção simples:
c) embora sendo certo que a Lei nº 21/87 dera paridade às adoções simples e plena, em razão do que ambas confeririam, ao adotado, a condição de herdeiro necessário, ressalvara, contudo, aquelas primeiras instituídas antes de sua vigência, salvo se tivesse havido posterior manifestação expressa em sentido contrário, inocorrente na hipótese dos autos;
d) ademais, a própria Blanca teria se conformado em receber apenas o legado, na medida em que também firmara o testamento aberto celebrado por Alfonso, que a brindou com o legado acima mencionado:
e) por fim, como o testamento foi posterior à adoção e à vigência da Lei nº 21/87, seria de inferirse que a vontade de Alfonso outra não seria senão a de deixar Blanca apenas como sua legatária.
Daí o recurso especial em exame, lançado com fincas nas letras a e c
do permissivo constitucional, por alegada violação ao art. 10 e ao seu § 2º, da LICC, e pela divergência com o julgado pelo colendo Supremo Tribunal Federal, em composição plenária, no RE nº 79.613-RJ, em 25/2/76.
Em suma, alega que o r. aresto hostilizado cometeu erros conceituais quando confundira vocação hereditária e qualidade de herdeiro (objeto do caput do art. 10), com capacidade para suceder (tratada pelo seu § 2º), que cuidariam de situações distintas.
Assim, no caso,já que Alfonso era domiciliado em São Paulo quando de seu desenlace, à luz da lei brasileira é que se deveria buscar a resposta para se saber se Blanca, ainda que tendo sido apenas simplesmente adotada na Espanha, seria ou não herdeira necessária de Alfonso.
A lei espanhola só serviria para aferir se Blanca, uma vez tida por herdeira pela lei brasileira, sofreria alguma restrição em sua capacidade para suceder. Como tal não ocorreria, seria de tê-la como herdeira necessária de Alfonso.
Em tempestiva resposta, a recorrida propugna, preliminarmente, pelo não conhecimento do recurso, visto que o v. aresto hostilizado teria um fundamento constitucional não atacado pela recorrente, que consistiria em ter dado pela não aplicação do art. 227, § 6º, da Constituição Federal.
No mérito, sustenta a manutenção do v. aresto objurgado.
294 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
Observo que, nos memonaIs, a recorrente postula ainda pelo não conhecimento do recurso especial em face de ter sido firmado por advogados que não teriam poderes para tanto, porque a procuração de fls. 1.661 lhes fora outorgada por N acim Gabriel Arida, que não estava legalmente habilitado a constituir advogado em nome da recorrente para defendê-la no presente feito, pois que só teria recebido poderes para representá-la na qualidade de inventariante, na gerência e administração dos bens do espólio.
A douta Subprocuradoria Geral da República opinou pelo não conhecimento do recurso.
Devo destacar, por fim, que o processo contém, além dos judiciosos provimentos judiciais j á reportados, onde cada julgador (eminentes Desembargadores Marco Cesar, Silveira Neto e Marcus Andrade e Juiz Waldir Sebastião de Nuevo Campos Jr.) esmerou-se nos fundamentos expostos, a excelência das razões, contra-razões e memoriais firmados pelos eminentes Advogados Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Cristóvão Colombo dos Reis Muller, Arruda Alvim, Athos Carneiro, Marcelo Ribeiro, José Luiz Clerot, Aluisio Xavier de Albuquerque, Humberto Barreto Filho e Xavier de Albuquerque, bem como os elucidativos pareceres elaborados por doutores do assunto, como os eminentes Professores Juan Bautista Dias Garcia (fls. 533/548), Maria Helena Diniz (fls. 105/156), Irineu Strenger (fls. 564/579), Caio Mário da Silva Pereira (fls. 1.566/1.593) e Cândi-
do Rangel Dinamarco (fls. 1.5961 1.614).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): A recorrida alega nos memoriais, vale dizer, nos estertores deste feito, que o recurso especial não poderia ser conhecido por ter sido firmado por advogados que não teriam recebido poderes para tanto, porquanto a procuração de fls. 1.661 lhes fora outorgada por N acim Gabriel Arida, que não estava legalmente habilitado a constituir advogado em nome da recorrente para defendê-la no presente processo, pois que só teria recebido poderes para representála na qualidade de inventariante, para gerência e administração dos bens do espólio.
Anotando, de passagem e data venia que por dever de lealdade processual esse tema deveria ter sido agitado quando da apresentação das contra-razões, e sem embargo disso, observo que se ali ficou registrado que Blanca se apresentava como inventariante do espólio, como reconhece a própria recorrida, concedendo os mais amplos e gerais poderes para o outorgado inclusive constituir advogado, evidentemente que a qualificação de herdeira, na espécie, está subsumida na sua condição de inventariante, pois esta, na hipótese, decorre daquela.
Ora, se por ter recebido tão amplíssimos poderes, pois outros mais
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não lhe poderiam ser concedidos, N acim Gabriel Arida poderia praticar todos os atos para defender os direitos da inventariante Blanca, certo é que também por eles poderia defender a sua condição de herdeira, sob pena de tornar rigorosamente inócuo o mandato recebido.
A adoção de entendimento contrário, data venia, demonstraria exacerbado apego a filigranas que não se compadeceriam com a sistemática adotada pela moderna processualística, que despreza a forma pela forma, dela extraindo o que de mais útil possa ter como mero instrumento para apreciação do conteúdo.
Assim, rejeito a primeira preliminar.
Melhor guarida não acolhe a recorrida quanto à alegação de que o recurso não poderia ser conhecido pela ausência de ataque a um fundamento constitucional, pela via do extraordinário, que serviria de sustentação ao v. aresto objurgado.
É que não foi pelo que dispõe o § 6Q do art. 227 da Constituição Federal que o r. acórdão hostilizado desacolheu a pretensão da recorrente.
Não. O fundamento de sustentação, no que tem de essencial para o deslinde da causa, foi único, qual seja o de que "o art. 10 da Lei de Introdução ao Código Civil, manda que a sucessão por morte obedeça à lei do país em que domiciliado o defunto, qualquer que seja a natureza e situação dos bens, e prevê ainda que a lei do domicílio do herdeiro ou legatário regule a capacidade de suceder." (fls. 1.635).
Assim, desacolho, também, essa segunda preliminar.
Devo de antemão adiantar que conheço do recurso pelo dissenso pretoriano posto que o r. acórdão arrolado como paradigma deu à questão da capacidade de suceder, ali cogitada, tratamento diferenciado da que foi conferida pelo v. aresto hostilizado, tendo sido bem atendidas as exigências regimentais e legais para configurar a divergência.
Quanto ao mérito, a discussão aqui instalada gira em torno da correta interpretação que se deve dar às normas contidas no caput do art. 10 e respectivo § 2Q da Lei de Introdução ao Código Civil.
A recorrida, tal como entendeu o r. aresto hostilizado, renega a possibilidade de a recorrente participar, como herdeira necessária, da sucessão de Alfonso j á que não dispunha da indispensável capacidade sucessória para tanto eis que a lei espanhola que, na sua visão, deve ser aplicada, por ser a do domicílio da herdeira, não lhe conferiria essa condição, pois vinculada se achava ao falecido apenas por laços de adoção simples, relação da qual, quando instituída, não decorria nenhum direito para suceder.
Já a recorrente extrai, desses mesmos dispositivos, outra compreensão, pois que a aferição da qualidade de herdeiro - e assim da vocação hereditária - haveria de ser processada à luz do comando expresso no caput do referido art. 10, que impõe obediência, no que tange a isso, à lei brasileira, pois aqui é que Alfonso era domiciliado desde 1955
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até o seu passamento, ocorrido em 1990.
Tais regras estão assim editadas:
"Art. 10. A sucessão por morte ou ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.
§ 2Q - A lei do domicílio do
herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder".
Assoma, da sua primeira leitura, a incômoda sensação de que esses dispositivos são antinômicos, configuradores de uma contradição incontornável.
A busca do saber se essas normas são ou não assim colisionais reclama uma reflexão mais demorada para que se possa, na sua essência - como observado pela Profa. Maria Helena Diniz - captar a plenitude do significado do que nelas se contém, superando-se a atrativa adoração fetichista pelo teor de suas literalidades.
N o que tem de mais nodular, a questão é de direito internacional privado, e reclama a que se dê a correta interpretação da expressão capacidade para suceder de que cuida o § 2Q do art. 10 acima reproduzido.
Thdo o que mais foi posto deve ser lançado na coluna das questões periféricas, pois encontrada a solução no que tange ao punctum saliens da causa, o que resta não se guinda a controvérsia.
De início observo que o Direito Brasileiro sempre adotou a teoria da unidade sucessória não só quando as questões decorrentes do falecimento envolvam pessoas e bens nacionais, senão também quando o hereditando for ou tiver herdeiros estrangeiros, ou deixar bens fora do Brasil.
Como leciona Oscar Tenório (in, "Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro", 2ª ed., Borsoi, 1955, Rio, pág. 342), "tem se mantido fiel o direito brasileiro à regra de que a sucessão se rege por lei única, seja qual for a natureza e a situação dos bens. É o princípio romano da universalidade sucessória, apoiado em que o patrimônio deixado pelo de cujus forma um todo, tem expressão una."
Por isso mesmo é que ao comentar o caput do art. 10 da LICC, destaca a necessidade "de filiar, a disposição em exame ao que estipula o art. 7Q da Lei de Introdução: - os direitos de família se regem pela lei pessoal. A caracterização mais acentuada do direito familiar é a personalidade das regras, em viva oposição à territorialidade. A sucessão é o desdobramento, ou, como diz Clóvis Beviláqua, uma face dos direitos de família. Coerentemente, pois, o artigo 10 da Lei de Introdução enuncia, como competente para reger a sucessão, a do defunto." (op. cit., pág. 345).
Por esse princípio dos bens da herança são considerados como um só todo, como uma só unidade, que se transmite por um só e mesmo ato aos herdeiros, "pois o patrimônio he-
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reditário constitui um todo; rege-se por uma só lei, as relações sucessórias, seja qual for o seu objeto, não se classificam entre as reais; consideram-se pessoais; subordinam-se à lei pessoal do falecido", como ensina Carlos Maximiliano (in, "Direito das Sucessões", V. lI, Freitas Bastos, SP, 2ª ed., 1943, pág. 584).
Evita-se, assim, a chamada fragmentação sucessória, que acarreta o grave inconveniente da aplicação de diversas leis à sucessão, que decorre quando se adota o princípio da territorialidade, em que os bens imóveis se sujeitam à lex rei sitae e os móveis à lei pessoal do de cujus, tão em voga sob o domínio do feudalismo, quando a terra era tomada em precípua consideração.
Esse princípio do universum ius defuncti, que prestigia o estatuto pessoal do falecido como definidor das linhas mestras a serem adotadas para a sua sucessão, tanto pode, por seu turno, prestigiar a sua lei nacional, como a lei do seu domicílio.
O Código Civil, no art. 14 da sua antiga Introdução, elegera a lei nacional como lei sucessória, quando extensivamente e no que interessa editava que "a sucessão legítima ou testamentária, a ordem da vocação hereditária, os direitos dos herdeiros e a validade intrínseca das disposições dos testamentos, qualquer que sej a a natureza dos bens e o país, onde se achem ... obedecerão à lei nacional do falecido ... ".
Com a lei introdutória atual, que determinou que "a sucessão por morte ... obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ... qualquer que seja a natureza e a situa-
ção dos bens", o direito brasileiro erigiu a lei do domicílio como lex sucessionis.
Todavia, essa modificação, conquanto nitidamente substancial, adstringiu-se, apenas a essa essencialidade a que ela se reporta.
Assim, o ensinamento que extraio da leitura que faço do texto de Oscar Tenório, é que "o âmbito de aplicação da lei do país em que era domiciliado o de cujus C .. ) abrange a sucessão legítima e a testamentária, a ordem de vocação hereditária, os direitos dos herdeiros, inclusive a quota reserva, e as disposições intrínsecas. C .. ) Somente não se rege pela lei do domicílio do de cujus a capacidade para suceder. Não se modificou, neste particular, o direito brasileiro, nos termos do artigo 14 da lei introdutória anterior." (op. cit., pág. 346).
Quanto à capacidade para suceder, como visto, o § 2º do art. 10, pontifica que é a lei do domicílio do herdeiro ou legatário que a regula.
Aliás, cumpre destacar, como salienta Oscar Tenório, que esse dispositivo contido na lei introdutória atual - que submete à lei do domicílio do herdeiro a regulação de sua capacidade para suceder - não importou em nenhuma inovação no direito brasileiro pois que assim também já ocorria sob a vigência da lei anterior, quando o seu art. 82 cuidava da regra geral da capacidade.
Nada obstante isso, o sistema da unidade sucessória não sofre nenhum abalo com a orientação fixada no art. 10, pelo seu caput - de que a lei do domicílio do falecido fixa
298 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
a devolução de sua sucessão - e pelo seu § 2º - de que a lei do domicílio do herdeiro, define a capacidade deste para suceder, como uma leitura desatenta com o espírito desarmado possa não fazer crer.
Assim, como antes, quando o art. 14 da antiga lei introdutória, no que interessa, editava que "a sucessão legítima ou testamentária, a ordem da vocação hereditária, os direitos dos herdeiros e a validade intrínseca das disposições dos testamentos, qualquer que seja a natureza dos bens e o país, onde se achem ... obedecerão à lei nacional do falecido ... ", também agora a ordem da vocação hereditária e os direitos dos herdeiros são definidos pela lei pessoal do defunto, com a diferença, apenas, de que a referência transmudou-se para a sua lei domiciliar.
É que capacidade para suceder não se confunde com qualidade de herdeiro.
Esta tem a ver com a ordem da vocação hereditária que consiste no fato de pertencer a pessoa que se apresenta como herdeiro a uma das categorias que, de um modo geral, são chamadas pela lei à sucessão, ou, no dizer de Sílvio Rodrigues, "é a relação preferencial, estabelecida pela lei, das pessoas que são chamadas a suceder o finado".
Com efeito, essa qualidade de herdeiro haverá de ser aferida pela mesma lei competente para reger a sucessão do morto que, no Brasil, "obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ... qualquer que seja a natureza e a situação dos bens", em face do pontificado no caput do art. 10 da LICC.
Portanto, na hipótese, já que Alfonso era domiciliado em São Paulo quando do seu desenlace, à luz da lei brasileira é que se deve buscar a resposta para se saber se Blanca, sendo sua filha adotiva, é ou não herdeira de Alfonso.
É inteiramente irrelevante, no caso, para aferir-se a sua qualidade de herdeira, para saber se ela está ou não incluída no elenco dos herdeiros que a lei brasileira estabelece como vocacionados para suceder, se a adoção foi simples ou plena, se houve ou não posterior parificação entre esses institutos, se a relação entre adotante e adotada envolve ou não reciprocidade de direitos sucessórios, se a adoção foi celebrada no Brasil, na Espanha ou mesmo em qualquer outro país, e se era ou não desejo do hereditando que a sua filha adotiva participasse de sua sucessão como sua herdeira necessária.
Não, tudo isso é absolutamente despiciendo para se concluir se Blanca era ou não herdeira necessária quando Alfonso faleceu pois que o único dado que efetivamente importa é saber se a lei brasileira, quando do desenlace de Alfonso, conferia ou não, ao filho adotivo, a qualidade de herdeiro.
Assim, ainda quando a filiação não era equiparada, em todos os seus gêneros e espécies, como ficou indubitavelmente a partir da Constituição Federal de 1988, diante do disposto no § 6º do seu art. 227, a relação de adoção, quando o adotante não tivesse filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, envolvia a de sucessão hereditária (art. 377, CC).
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Com efeito, a lei brasileira confere à Blanca, de há muito, a qualidade de herdeira.
Visto isso, vale dizer, vencida essa etapa, ou como assevera Oscar Tenório, "resolvida a questão prejudicial de que determinada pessoa, segundo o domicílio que tinha o de cujus, é herdeira, cabe examinar se a pessoa indicada é capaz ou incapaz para receber, solução que é fornecida pela lei do domicílio do herdeiro." (op. cit., pág. 360).
Ora, em nenhum momento a recorrida imputou qualquer outro empeço que pudesse desqualificar a recorrente como herdeira de Alfonso, senão a pretensão de afastá-la de sua sucessão tão-somente com o frágil argumento de que a lei espanhola não conferia direitos sucessórios a quem se vinculara apenas por laços de adoção simples.
Nenhuma referência à indignidade ou deserdação, ou a qualquer outro instituto que tivesse o condão para retirar a sua capacidade para suceder foi formulada.
Com efeito, incapacitada para suceder, Blanca não era, como não o é.
Aberto como foi o pórtico para conhecimento do recurso especial e ainda que vendo com reserva, data venia, o Enunciado nº 456 da Súmula do Pretório Excelso, tenho que, em razão das peculiaridades da causa, não há nenhum obstáculo para, aplicando-se o direito à espécie, dirimir de vez a controvérsia, evitando-se delongas dispensáveis, e assim o faço sobretudo por não haver, no caso, a mais mínima dúvida de que, ainda quando a filiação não era equiparada, em todos os
seus gêneros e espécies, ficou iniludivelmente a partir da Constituição Federal de 1988, diante do disposto pelo § 6º do seu art. 227, o filho adotivo, quando não concorria com filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos do adotante, era seu herdeiro (art. 377, CC), e, nesta hipótese, herdeiro necessário, pois para os efeitos da sucessão, aos filhos legítimos se equiparam os legitimados, os naturais reconhecidos e os adotivos (art. 1.605, CC).
Assim, Blanca é herdeira necessária de Alfonso, hipótese em que este não poderia dispor de mais da metade de seus bens, pois a outra tocará de pleno direito à Blanca (art. L 721, CC), razão pela qual as disposições de seu testamento, como excederam a metade disponível, devem ser reduzidas aos limites da legítima (art. 1.727, CC).
Assim, à Blanca tocará, por seu direito à legítima, a metade da herança, acrescida do legado que lhe foi instituído (art. 1.724, CC).
A par de tudo quanto já foi dito, tenho-me no dever de lançar um breve comentário a duas referências (apenas referências) feitas pelo v. aresto atacado: a primeira, atinente a que a própria Blanca teria se conformado em receber apenas o legado, só e só porque também firmara o testamento aberto celebrado por Alfonso, quando a brindou com o legado acima mencionado; a segunda, referente a que a vontade de Alfonso outra não seria senão a de deixar Blanca apenas como sua legatária, já que o seu testamento foi posterior à adoção e à vigência da Lei nº 21/87.
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Quanto à primeira, observo que a renúncia à herança não poder ser presumida, há de ser expressa, consoante o disposto na parte final do art. 1.581 do Código Civil, além do que não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva (art. 1.089, CC).
Quanto à segunda, nada obstante ser certo que "quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador" a transferência dos bens da hera~ça pode ocorrer, em certas circunstâncias, até contra a vontade expressa do testador quando, por exemplo, como no caso em desate, as disposições testamentárias excederem à metade da porção disponível haverão de ser reduzidas aos limites dela (art. 1.727, CC).
Diante de tais pressupostos, conheço do recurso por ambas as alíneas para lhe dar provimento, reconhecendo que BlancaAntônia Martin Escudero é herdeira necessária de Alfonso Martin Escudero, como sua filha adotiva que é, sendo-lhe destinado o percentual de cinqüenta por cento dos bens da herança, por conta da legítima, e mais o legado que lhe foi deixado por testamento, restaurando a decisão monocrática de primeiro grau, reconhecendo Blanca como herdeira necessária, pelo que lhe toca 50% da herança a título de legítima, acrescida essa porção do legado já referido, e devolvendo-lhe a inventariança.
VOTO- VISTA (PRELIMINAR)
o SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: 1. Estou de pleno acordo com o eminente Relator, quando repeliu a preliminar de irregularidade na representação da ora recorrente, pois os poderes que outorgara a N acim Gabriel Arida, na qualidade de inventariante do espólio de Alfonso Martin Escudero, para gerir e administrar todos os bens móveis e imóveis do acervo, compreendiam também o de defender seus interesses como herdeira, porquanto essa condição fora a causa de sua nomeação para a inventariança. Embora não se confundam as duas posições, e os interesses que delas decorram possam não ser os mesmos, a verdade é que se há de entender inserido no mandato que a pessoa física e inventariante concede ao seu procurador, com os mais amplos poderes para agir em relação ao espólio, também o de defender a própria qualidade da outorgante como herdeira. Não seria razoável exigir-lhe a prática de um novo ato, ou a escolha de outro mandatário, apenas porque no anterior instrumento não ficara explicitada a circunstância de também estar atuando na condição de herdeira.
2. A recorrida, ao pleitear sua admissão como herdeira, a fls. 58/59 dos autos do inventário, assim se manifestou:
"A requerente é herdeira necessária de seu pai Alfonso Martin Escudero, em conformidade
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 301
com a lei brasileira não somente respaldada pela Constituição Federal, como pela legislação contida no Código Civil Brasileiro." ... "Ressalte-se, também, que o inventariante, insiste em afirmar que a herdeira necessária é filha adotiva, por adoção simples, ignorando a legislação pátria. A Constituição Brasileira no seu artigo 227, parágrafo 62 , eliminou quaisquer diferenças quanto aos direitos entre filhos legítimos e adotados"."
o magistrado, ao admitir o seu pleito, a fls. 241, afirmou:
"Quando da lavratura do testamento, já estava em vigor a nossa atual Constituição Federal, que em seu artigo 227, parágrafo 62, equiparou as diversas espécies de filiação, inclusive, para fins de sucessão."
Do acórdão ora em exame, recolho:
"Em seu parecer de fls. 1.596 e seguintes, expõe o Desembargador Cândido Rangel Dinamarco a constitucionalidade da ressalva feita quanto ao regime da adoção simples e filiação natural.
E, em ponto à frente, lembra que o de cujus, ao adotar D. Blanca nos limites estreitos da adoção simples, negando-lhe a condição de herdeira necessária, ao testar prosseguiu nessa intenção, impondo a boa exegese atendimento à vontade do testador.
o professor Caio Mário da Silva Pereira, opinando às fls. 1.566 e seguintes, no mesmo sentido orientou suas conclusões, demonstrando, com clareza, as limitações para o caso da invocação do artigo 227, § 62, da Constituição Brasileira vigente, regulada a capacidade sucessória da recorrida pela lei espanhola, e nunca erigida D. Blanca à condição de herdeira do de cujus." (voto do Des. Marco Cesar, Relator) (fI. 1.636)
"A capacidade hereditária, que nasce do princípio constitucional que nivelou os filhos de qualquer origem, atinge apenas os domiciliados no Brasil.
As críticas que podem ser trazidas à Constituição Espanhola ou às leis que tratam da adoção e que não se ajustam com perfeição à Lei Maior da Espanha, por mais procedentes, distanciam-se da causa da agravada. Difícil entender que o juiz brasileiro possa afirmar ser inválida a doação feita em país estrangeiro, porque colide com as regras da nossa Carta Magna: e daí tirar conseqüências jurídicas de largo porte.
O art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil afasta a eficácia de atos jurídicas ou manifestações de vontade produzidas em outro país, mas somente quando "ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes".
Não se enquadra o fato agora examinado como desvirtuado, por meio de qualquer uma das lesões das acima mencionadas.
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Outrossim, no ato da adoção foram os interessados advertidos pelo notário das condições existentes e vigentes, inclusive no que diz respeito ao conteúdo do art. 180 do Código Civil local: não se pode esquecer que o falecido teve oportunidade de modificar a adoção por ela praticada em seus efeitos, valendo-se da legislação específica, inclusive ao tempo em que mandou elaborar seu testamento público. Nada alterou.
Impulsiona-se o julgador a acatar a vontade do testador, até porque a lei brasileira assim prescreve.
Interessante o apego ao disposto no art. 226, parágrafo 6Q
,
da Constituição Federal de 1988. Não se pode negar aos filhos igualdade. Nem por isso a regra é absoluta; basta lembrar o disposto no art. 5Q
, XXXI, da mesma Carta, quando haverá distinção entre filhos brasileiros e estrangeiros na sucessão de bens de estrangeiros, desde que situados no Brasil. A igualdade entre filhos, em tal hipótese, não será observada; os brasileiros receberão benefícios; e nenhuma palavra foi dedicada aos filhos estrangeiros.
Poder-se-ia dizer que o art. 226, § 6Q, está preocupado em estabelecer igualdade entre os filhos do casamento ou não, ou da adoção, e não a igualdade entre brasileiros e estrangeiros. Entretanto, se todos são iguais perante a lei, sem distinções, é a própria Carta Magna que diferencia o caso de herança de brasileiros,
excluindo dos favores legais os estrangeiros, mesmo que filhos do autor da herança.
Não se pode pretender igualdade, salutar, diga-se de passagem, levando-a às últimas conseqüências, quando o próprio constituinte impõe limites. Nem me parece que o intérprete da lei brasileira, no afã de dar a ela a mais larga aplicação, possa invadir questões que dizem com a constitucionalidade de leis estrangeiras, porque a soberania da Justiça Brasileira não caminha por tal tipo de estrada." (voto do Des. Silveira Neto) (fls. 1.645/1.646)
Apenas o terceiro juiz não se referiu ao texto constitucional, mas acompanhou os demais.
Por fim, observo que a recorrida, na sua petição de recurso de embargos declaratórios, depois de afirmar que pretendia interpor recurso extraordinário, renovou seu amparo na Constituição da República:
"Assim, mesmo que aplicável à espécie a lei espanhola - o que, insista-se, admite-se só para efeitos de argumentação -certo é que em face da proibição de distinção entre filhos de qualquer natureza, mesmo se adotivos (consagrada no artigo 227, parágrafo 6Q da Constituição Federal) e sendo essa proibição de ordem pública, inclusive constituindo garantia constitucional, afastado estaria o estatuto pessoal da herdeira, impondo-se por conseqüência a aplicação da lex fori." (fi. 1.666)
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Desses elementos extraio a idéia de que, desde seus primórdios, a causa foi colocada também em termos constitucionais, pois foi na Constituição da República que tanto a parte, como todos os que decidiram nos autos, encontraram fundamento para a sua pretensão ou suas decisões.
Tendo sido afirmado na decisão recorrida que o preceito constitucional, dispondo sobre a igualdade entre os filhos, garantia o direito pleiteado pela filha adotiva, a Câmara viu-se na contingência de examinar a incidência da norma constitucional, para afastá-la, no caso dos autos. Se não fosse assim, não teria como admitir que um filho, por ser adotivo, pudesse receber tratamento diferenciado, apenas por ter domicílio na Espanha.
Quero com isso dizer que o Tribunal, para examinar a possibilidade da aplicação da lei do domicílio do herdeiro, que estabelecia uma restrição à capacidade sucessória do filho adotivo, necessariamente teve de interpretar o dispositivo constitucional, para admitir que, nesse caso, há limitações para invocar-se o artigo 227, parágrafo 6º da Constituição da República. Por isso, o r. voto vencedor do Des. Silveira Neto consignou que a regra do artigo 226, parágrafo 6º, não é absoluta, "atinge apenas os domiciliados no Brasil", lembrando a distinção que faz, também em matéria sucessória, a mesma Constituição, no seu artigo 5º, XXXI.
Existe, portanto, no r. acórdão recorrido, um fundamento de nature-
za constitucional, que deveria ter sido atacado através de recurso extraordinário, pois a aceitação da tese de que a regra do artigo 227, § 6º da Constituição da República, assegura a igualdade absoluta entre os filhos, também para efeitos sucessórios e sem distinção quanto ao seu domicílio, significaria o afastamento de qualquer norma infraconstitucional que estabelecesse distinção quanto aos seus direitos. De outra parte, somente interpretação mais flexível do enunciado na Carta, assim como adotado no acórdão, poderia ensejar a conclusão de que, aos filhos com domicílio em outros Estados, era permitido tratamento desigual quanto ao reconhecimento dos seus direitos. Sendo assim, através de recurso extraordinário, a recorrente poderia obter decisão favorável e suficiente para atendimento de sua pretensão, uma vez reconhecido que o texto constitucional não admite a flexibilização que lhe atribuiu o r. Tribunal a quo.
Diz-se que o julgamento da causa poderia ter ficado no âmbito infraconstítucional, bastando para isso que se atribuísse ao conceito de capacidade sucessória o conteúdo que lhe atribui a recorrente, pelo que deixaria de incidir a norma do artigo 10, § 29 da LICC. Ocorre que não foi esse o caminho escolhido pelo Tribunal a quo, cujo julgado teve o desdobramento já referido: partiu da premissa de que a CR permite a diferenciação entre os filhos, examinou a regra do § 29 do art. 10, da LICC, estabeleceu em razão disso uma diferenciação que não pode-
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ria fazer sem antes vencer a questão maior da igualdade entre os filhos. E o julgado com essa fundamentação é que está agora submetido ao exame da Turma, que não pode, a meu ver, negar a existência de questão constitucional no julgado do ego Tribunal de São Paulo, o qual deveria ter sido atacado através de recurso apropriado.
Posto isso, com base no Súmula 283/STF, não conheço do recurso.
VOTO- VOGAL
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente, acompanho o Eminente Ministro-Relator, acentuando o fato de que, no caso, a aderente é uma empresa, não tendo sido afirmado nos autos que tenha sofrido dificuldade no exercício da sua defesa em Juízo.
VOTO- VISTA
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Duas questões prévias tomam a minha atenção. A primeira diz com a procuração de que se serve o representante da recorrente. A argüição correspondente rejeitou-a o relator; e também o 1 º vogal. Mesmamente a afasto eu. Não só pelo que disseram os eminentes julgadores, mas sobretudo porque a heterogeneidade da peça de fl. 1.658 se me afigura certa, pelo que não há dizer-se falto de poderes aquele que em nome da recorrente outorgou o mandado instrumentalizado à fl. 1.661.
A outra prende-se ao que se disse fundamento constitucional do acórdão de ataque isentado. O relator repeliu essa preliminar trazendo à tona o art. 10 da LICC e considerando que
"o fundamento de sustentação, no que tem de essencial para o deslinde da causa, foi único."
O em. Ministro Ruy Rosado de Aguiar não conheceu do recurso, com base na Súmula 283/STJ, por entender inegável a existência de questão constitucional no acórdão recorrido não enfrentada por recurso extraordinário.
Admito que numa primeira mirada não divisei fundamentação constitucional no acórdão da Corte paulista. Distingui apenas, então, fundamento de voto com tom de constitucionalismo.
A remirar a causa, porém, deparei com o que me sugeriu um fundamento constitucional da decisão recorrida. É que o acórdão adotado nos embargos declaratórios expõe o seguinte:
"Certo que os Juízes e Tribunais, em suas decisões, não estão obrigados a mencionar explicitamente todos os argumentos e textos do ordenamento jurídico citados pelas partes, devendo, ao invés, construir a peça rescisória dentro do que se revele pertinente o suficiente para fundamentar a conclusão, e a r. decisão embargada assim procedeu.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 305
Bem claro que nela a adoção de pareceres de ilustres juristas não se erigiu em argumento de autoridade, mas sim reportou-se à base jurídica de tais peças, nos pontos acolhidos, preferindo o v. acórdão não transcrevê-los, e ao citar os eméritos, não pecou por invocação genérica, sendo explícito em dizer no que se valia deles." (fI. 1.672)
Nada obstante, no corpo do acórdão a menção ao parecer do em. Professor Cândido Rangel Dinamarco não se apega ao direito constitucional brasileiro. A alusão ao parecer do também em. Professor Caio Mário da Silva Pereira, no que se refere a Constituição, não se me afigura a modo de fundamentação do decidir. No voto do segundo juiz da Corte estadual o móbil da manifestação não é a norma da Constituição da República, a que alude obiter dictum.
Esvaiu-se aquela sugestão de fundamento constitucional.
O mirar e o remirar a causa e vezes várias examiná-la e a reexaminar, tudo é próprio do juiz, para desfazimento de dúvidas no seu dizer.
Ainda que se tenha presente ao acórdão recorrido um fundamento constitucional, não creio deva ser obstado o conhecimento do recurso sob calor de falta de interposição do apelo extraordinário. É que faltaria ao soi-disant fundamento constitucional a perseidade reclamada pela Súmula 126 do STJ e pela Súmula 283 do STF, porquanto a recorrente não contende com outros filhos daquele de cuja sucessão se trata.
O relator, assinalando que capacidade para suceder e qualidade de herdeiro se não confundem, entendeu que
"essa qualidade de herdeiro haverá de ser aferida pela mesma lei competente para reger a sucessão do morto que, no Brasil, "obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ... qualquer que seja a natureza e a situação dos bens ," em face do pontificado no caput do art. 10 da LICC"
e concluiu:
"Com efeito, a lei brasileira confere à Blanca, de há muito, a qualidade de herdeiro."
E, passo avante, registrou:
"Nenhuma referência à indignidade ou deserdação, ou a qualquer outro instituto que tivesse o condão para retirar a sua capacidade para suceder foi formulada."
Finalmente, conheceu do recurso por ambas as alíneas e lhe deu provimento.
Adunam-se as expressões doutrinais que permeiam o voto de S. Exa. e o que escólio da obra do Prof. Luiz Ivani de Amorim Araújo:
"A sucessão -por morte (legítima ou testamentária) ou por ausência - rende-se à lex loei domicilii do de cujus .. .
................ (omissis) ............... .
306 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
A lei domiciliar do herdeiro ... ou do legatário .. , - regula a capacidade para suceder" (Introdução ao Direito Internacional Privado, págs. 83/84 - São Paulo: Ed. Rev. dos Tribunais, 1990)
Vale anotado o extremo de Amílcar de Castro que depois de discordar da posição de Espínola & Espínola
("a nova lei de Introdução, quando declara no art. 10, § 2Q
,
que a lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder considera não a capacidade para ter o direito de sucessor, mas a aptidão para exercer o direito de sucessor reconhecido pela Lei competente")
assim pontificou:
"A melhor doutrina ensina que a faculdade de haver a herança conjunto de qualidades requeridas para suceder, ou capacidade para suceder, deve ser regulada exclusivamente pelo direito que rege a sucessão (ius causae).
Pelo mesmo direito por que se aprecia a vocação hereditária é que se devem qualificar as pessoas chamadas a suceder."
E acresceu:
"Sem dúvida nenhuma ajurisprudência poderá consertar a lei ... " (Direito Internacional Privado, págs. 433/434, 3e ed. - Rio: Forense, 1977).
Dou provimento ao recurso nos termos do pedido conduzido no recurso especial que está nos autos.
VOTO- VISTA
o SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: 1. A raridade do tema em torno da verdadeira inteligência do art. 10, § 2Q
,
da Lei de Introdução, ainda não apreciada anteriormente neste Tri· bunal, a riqueza de ângulos levantados pelas partes em razões, memoriais e pareceres, a argüição de preliminares e a divergência já verificada nos votos proferidos, levaram-me a ter vista dos autos.
Nesse exame, colhi inicialmente da exposição lançada pelo Sr. Ministro-Relator:
"A recorrente, Blanca Antonia Martin Escudero, nascida e domiciliada na Espanha, foi, em 16 de julho de 1986, aos 45 (quarenta e cinco) anos de idade, por escritura pública de adoção simples celebrada naquele país, adotada por Alfonso Martin Escudero, nascido em 1901, de naturalidade foral catalã mas domiciliado no Brasil (Estado de São Paulo) desde 1955 até a sua morte, aqui ocorrida em 02 de março de 1990, não deixando cônjuge sobrevivente, pois viúvo desde 21 de julho de 1979, nem à evidência, ascendentes, nem nenhum descendente biológico, seja legítimo ou ilegítimo.
Em fevereiro de 1989, estando em Madrid, o falecido Alfonso fez
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seu testamento aberto, deixando todos os seus bens para a "Fundação Benéfico-Docente Alfonso Martin Escudero", ora recorrida, instituindo-a sua herdeira universal, deixando tocar, todavia, à recorrente (que também firmou o instrumento), como legado, um apartamento, a ser comprado pela referida Fundação, além de uma pensão vitalícia, bem como os objetos de menor monta ali indicados.
Com o óbito de Alfonso foi aberto na Comarca de São Paulo, que fora o seu último domicílio, o arrolamento dos bens hereditários, com o pedido de que estes fossem adjudicados em favor da "Fundação Benéfico-Docente Alfonso Martin Escudero", que seria a sua herdeira universal.
É que a lei espanhola, vigente no tempo da adoção, não conferia a Blanca, cujo vínculo com o de cujus decorria apenas de adoção simples, nenhum direito sucessório sobre a herança do falecido, salvo, evidentemente, o legado decorrente do ato de última vontade, nada obstante, no momento da morte de Alfonso, já viger a Lei nº 21/87 que parificara naquele país todas as adoções, mas ressalvando as anteriormente instituídas, pelo que, quem já tivera sido conferido com a adoção simples, só se constituiria herdeiro do adotante com a expressa manifestação deste, o que não ocorrera na espécie de que se trata.
Ingressando no feito, Blanca pleiteou o seu reconhecimento
como herdeira necessária do de cujus, com direito à legítima, por força do editado ao art. 10 da Lei de Introdução ao Código Civil, postulando ainda a modificação do rito da ação de arrolamento para inventário, em face do disposto nos arts. 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil, em tudo sendo atendida pelo digno Juiz processante, cujo decisório foi reformado, em sede de agravo de instrumento, pela ego Quinta Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, à consideração de que, em apertada síntese:
a) "o art. 10 da Lei de Introdução ao Código Civil, manda que a sucessão por morte obedeça à lei do país em que domiciliado o defunto, qualquer que seja a natureza e situação dos bens, e prevê ainda que a lei do domicílio do herdeiro ou legatário regule a capacidade de suceder." (fls. 1.635);
b) pelo direito espanhol, Blanca, conquanto seja filha adotiva de Alfonso, não seria sua herdeira necessária, porque a ela foi conferida apenas a adoção simples;
c) embora sendo certo que a Lei nº 21/87 dera paridade às adoções simples e plena, em razão do que ambas confeririam, ao adotado, a condição de herdeiro necessário, ressalvara, contudo, aquelas primeiras instituídas antes de sua vigência, salvo se tivesse havido
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posterior manifestação expressa em sentido contrário, inocorrente na hipótese dos autos;
d) ademais, a própria Blanca teria se conformado em receber apenas o legado, na medida em que também firmara o testamento aberto celebrado por Alfonso, que a brindou com o legado acima mencionado;
e) por fim, como o testamento foi posterior à adoção e à vigência da Lei n Q 21/87, seria de inferir-se que a vontade de Alfonso outra não seria senão a de deixar Blanca apenas como sua legatária".
Como se vê, a recorrente, filha adotiva por escritura passada em seu País de origem, em julho/86, pretende valer-se da lei brasileira, que confere, também para fins de herança, igualdade jurídica aos filhos, adotivos ou não, argumentando com o princípio da universalidade sucessória e enfatizando que, diversamente da conclusão a que chegou o ego Tribunal de Justiça de São Paulo, a expressão legal "capacidade para suceder" reclamaria exegese segundo a qual à lei espanhola somente incumbiria dizer da sua condição de filha adotiva e sua aptidão para herdar, cabendo à lei brasileira o mais em termos sucessórios, a saber, "se a adoção simples é fonte de vocação hereditária e se a vontade do testador pode prevalecer sobre a legítima do herdeiro necessário".
2. Antes do exame do mérito, no entanto, há duas preliminares a
apreciar, de não-conhecimento do especial. A primeira, por falha na representação postulatória da recorrente; a segunda, a propósito de fundamento constitucional não-impugnado no acórdão paulista.
3. Quanto àprimeira dessas preliminares, também a rejeito, acompanhando os votos já proferidos.
O instrumento de mandato outorgado pela recorrente (fls. 1.658) conferiu a N acim Gabriel Arida todos os poderes para gerir e administrar os bens do espólio, para o qual a recorrente tinha sido nomeada inventariante, constando até mesmo poderes para contratar advogado.
Certo é que a finalidade imediata do contrato seria a defesa dos negócios do espólio. Embora precípua, não era essa, porém, a fmalidade única, haja vista que o mandato poderia servir também para a defesa dos interesses pessoais da inventariante. Destarte, no ponto, ponho-me de acordo com o Sr. Ministro-Relator, na medida em que o Direito Processual contemporâneo não comporta tamanho rigor formal.
4. Passo, a seguir, ao exame da segunda preliminar.
Do voto do Relator do acórdão paulista (Des. Marco Cesar), extraio:
"Uma vez que, por disposição de vontade, BlancaAntonia Martin Escudero não foi instituída sucessora do de cujus, nem o é por direito de sangue, cumpre estabelecer se a adoção havida na Espanha serve à mesma para alçá-la a tal condição.
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o artigo 10, da Lei de Introdução ao Código Civil, manda que a sucessão por morte obedeça à lei do país em que domiciliado o defunto, qualquer que seja a natureza e situação dos bens, e prevê ainda que a lei do domicílio do herdeiro ou legatário regule a capacidade de suceder.
A confrontação entre o primeiro ponto (caput), e o segundo (§ 2 Q
), largamente estudada nos luminosos pareceres de fls. e fls., todavia pressupõe que se acerte desde logo se a adoção simples da recorrida pelo falecido Alfonso Martin Escudero, serviu a qualquer tempo para erigi-Ia à condição de herdeira.
A conclusão é negativa.
Faça-se referência ao parecer acostado nos autos da lavra do eminente Professor Irineu Strenger (fls. 569 e seguintes).
Existentes no direito espanhol, como já sucedeu no direito local, a adoção simples e a adoção plena, pela Lei n Q 21, do ano de 1987, vale dizer, após a adoção simples da recorrida pelo falecido, reduziu-se a adoção a uma única forma, mas tal lei, ao assim dispor, ressalvou que as adoções simples ou menos plenas subsistiriam com os efeitos que lhes reconhecesse a legislação anterior, sem prejuízo de que se pudesse levar a cabo a adoção regulada por aquela lei, se para isso se cumprissem os requisitos nela exigidos.
Garantiu a lei espanhola, pois, o ato jurídico perfeito, e em tais
termos deve ser acatada a situação estabelecida quando da adoção da recorrida, que não servia, como a adoção simples do anterior direito brasileiro, para erigila à condição de herdeira.
Em seu parecer de fls. 1.596 e seguintes, expõe o Desembargador Cândido Rangel Dinamarco a constitucionalidade da ressalva feita quanto ao regime da adoção simples e a filiação natural.
E, em ponto à frente, lembra que o de cujus, ao adotar Dª Blanca nos limites estreitos da adoção simples, negando-lhe a condição de herdeira necessária, ao testar prosseguiu nessa intenção, impondo a boa exegese atendimento à vontade do testador.
O Professor Caio Mário da Silva Pereira, opinando às fls. 1.566 e seguintes, no mesmo sentido orientou suas conclusões, demonstrando, com clareza, as limitações para o caso da invocação do artigo 227, § 6Q
, da Constituição brasileira vigente, regulada a capacidade sucessória da recorrida pela lei espanhola, e nunca erigida Dª Blanca à condição de herdeira do de cujus".
Da declaração de voto do Primeiro vogal (Des. Silveira Netto), colho:
"Forçoso, pois, concluir-se que embora a sucessão se faça segundo a lei brasileira para qualquer falecimento de pessoa domiciliada no Brasil, hipóteses destacadas na própria lei merecem tratamento diferenciado".
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"Ora, segundo o que está nos autos, ao tempo da adoção da agravada pelo falecido, esta poderia ser simples, limitando os direitos sucessórios. Modificada a lei espanhola, para permitir que houvesse adoção em medida mais ampla, abrindo capacidade sucessória, impunha ao adotante manifestação expressa a respeito; uma vez inexistente, não há que se beneficiar, no caso presente, a agravada com a igualdade constitucional assegurada na Constituição Brasileira aos filhos.
A capacidade hereditária, que nasce do princípio constitucional que nivelou os filhos de qualquer origem, atinge apenas os domiciliados no Brasil.
As críticas que podem ser trazidas à Constituição Espanhola ou às leis que tratam da adoção e que não se ajustam com perfeição à Lei Maior da Espanha, por mais procedentes, distanciam-se da causa da agravada. Difícil entender que o juiz brasileiro possa afirmar ser inválida a doação feita em país estrangeiro, porque colide com as regras da nossa Carta Magna; e daí tirar conseqüências jurídicas de largo porte.
O art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil afasta a eficácia de atos jurídicos ou manifestações de vontade produzidas em outro país, mas somente quando "ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes".
Não se enquadra o fato agora examinado como desvirtuado, por meio de qualquer uma das lesões das acima mencionadas.
Outrossim, no ato da adoção foram os interessados advertidos pelo notário das condições existentes e vigentes, inclusive no que diz respeito ao conteúdo do art. 180 do Código Civil local; não se pode esquecer que o falecido teve oportunidade de modificar a adoção por ela praticada em seus efeitos, valendo-se da legislação específica, inclusive ao tempo em que mandou elaborar seu testamento público. Nada alterou.
Impulsiona-se o julgador a acatar a vontade do testador, até porque a lei brasileira assim prescreve.
Interessante o apego ao disposto no art. 226, § 6º, da Constituição Federal de 1988. Não se pode negar aos filhos igualdade. Nem por isso a regra é absoluta; basta lembrar o disposto no art. 5º, XXXI da mesma carta, quando haverá distinção entre filhos brasileiros e estrangeiros na sucessão de bens de estrangeiros, desde que situados no Brasil. A igualdade entre filhos, em tal hipótese, não será observada; os brasileiros receberão benefícios; e nenhuma palavra foi dedicada aos filhos estrangeiros.
Poder-se-ia dizer que o art. 226, § 6º, está preocupado em estabelecer igualdade entre os filhos do casamento ou não, ou da adoção, e não a igualdade entre brasileiros e estrangeiros. En-
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tretanto, se todos são iguais perante a lei, sem distinções, e a própria Carta Magna que diferencia o caso de herança de brasileiros, excluindo dos favores legais os estrangeiros, mesmo que filhos do autor da herança.
Não se pode pretender igualdade, salutar, diga-se de passagem, levando-a às últimas conseqüências, quando o próprio constituinte impõe limites. Nem me parece que o intérprete da lei brasileira, no afã de dar a ela a mais larga aplicação, possa invadir questões que dizem com a constitucionalidade de leis estrangeiras, porque a soberania da Justiça Brasileira não caminha por tal tipo de estrada".
N a realidade, foi a própria recorrente que invocou a norma constitucional, que estaria a reconhecer os seus direitos, o que levou o Tribunal de origem a apreciá-lo e proclamar que o mesmo não a favorecia, louvando-se em parecer, além de arrimar-se no art. 5Q
, XXXI da Lei Maior.
Levando em linha de consideração tais manifestações, além do já constante no requerimento da recorrente (fls. 58/59) e no pronunciamento judicial de fls. 241 (admissão da recorrente na qualidade de herdeira), vê-se que presente, no desenrolar da causa, o fundamento constitucional em torno do art. 227, § 6Q
,
do texto de 1998. Assim, lastreouse o acórdão em fundamentos constitucional (não-aplicação do art. 227-§6Q
) e infraconstitucional (adoção da lei espanhola).
Bem ou mal, entendeu o Colegiado bandeirante que, mesmo que se aplicasse ao caso a lei brasileira, seria constitucional, sob o prisma do direito brasileiro, a ressalva feita pela Lei espanhola n Q 21, de 1987, que considerou válidos os efeitos das adoções anteriores à sua vigência, de acordo com as regras da época, o que, conseqüentemente, não conferiria à recorrente o status de herdeira necessária perante o nosso ordenamento jurídico.
Esse ponto, não cuidou a recorrente de impugnar, incidindo, em conseqüência, o Enunciado n 2 126 da Súmula deste Tribunal, segundo o qual
"É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário" .
Não se trata, como se vê com nitidez, de exigir-se a declaração de inconstitucionalidade da lei espanhola, mas da inteligência e do alcance do art. 227-§ 62 da nossa Constituição no caso concreto.
Argumenta a recorrente, por outro lado, que, mesmo que se admita o fundamento constitucional, não seria ele suficiente para os fins do referido verbete sumular, a saber, para sustentar as conclusões do acórdão recorrido, daí faltar-lhe interesse em recorrer extraordinariamente, enfatizando, mais, que, em qual-
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quer das hipóteses, de provimento ou não do especial, restaria prejudicado o eventual extraordinário.
O exame detido que fiz da espécie, todavia, não me levou a essa conclusão. Sendo dois os fundamentos, ambos suficientes, ultrapassando um, remanesceria o outro. Superado o fundamento infraconstitucional, pela incidência da lei brasileira, permaneceria o fundamento constitucional do acórdão guerreado, segundo o qual não-incidente na espécie a igualdade contemplada no art. 227-§ 69 da Constituição.
Daí o acerto, a meu juízo, do raciocínio desenvolvido no voto do Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar:
"Tendo sido afirmado na decisão recorrida, que o preceito constitucional, dispondo sobre a igualdade entre os filhos, garantia o direito pleiteado pela filha adotiva, a Câmara viu-se na contingência de examinar a incidência da norma constitucional, para afastála, no caso dos autos. Se não fosse assim, não teria como admitir que um filho, por ser adotivo, pudesse receber tratamento diferenciado, apenas por ter domicílio na Espanha.
Quero com isso dizer que o Tribunal, para examinar a possibilidade da aplicação da lei do domicílio do herdeiro, que estabelecia uma restrição à capacidade sucessória do filho adotivo, necessariamente teve de interpretar o dispositivo constitucional, para admitir que, nesse caso, há limitações para invocar-se o artigo
227, § 69 da Constituição da República. Por isso, o r. voto vencedor do Des. Silveira Neto consignou que a regra do artigo 227, § 69 , não é absoluta, "atinge apenas os domiciliados no Brasil", lembrando a distinção que faz, também em matéria sucessória, a mesma Constituição, no seu artigo 59, XXXI.
Existe, portanto, no r. acórdão recorrido, um fundamento de natureza constitucional, que deveria ter sido atacado através de recurso extraordinário, pois a aceitação da tese de que a regra do artigo 227, § 69 da Constituição da República, assegura a igualdade absoluta entre os filhos, também para efeitos sucessórios e sem distinção quanto ao seu domicílio, significaria o afastamento de qualquer norma infraconstitucional que estabelecesse distinção quanto aos seus direitos. De outra parte, somente interpretação mais flexível do enunciado na Carta, assim como adotado no acórdão, poderia ensejar a conclusão de que, aos filhos com domicílio em outros Estados, era permitido tratamento desigual quanto ao reconhecimento dos seus direitos. Sendo assim, através de recurso extraordinário, a recorrente poderia obter decisão favorável e suficiente para atendimento de sua pretensão, uma vez reconhecido que o texto constitucional não admite a flexibilização que lhe atribuiu o r. Tribunal a quo.
Diz-se que o julgamento da causa poderia ter ficado no âm-
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bito infraconstitucional, bastando para isso que se atribuísse ao conceito de capacidade sucessória o conteúdo que lhe atribui a recorrente, pelo que deixaria de incidir a norma do artigo 10, § 2Q
da LICC. Ocorre que, não foi esse o caminho escolhido pelo Tribunal a quo, cujo julgado teve o desdobramento já referido: partir da premissa de que a CR permite a diferenciação entre os filhos, examinou a regra do § 2Q do artigo 10, da LICC, estabelecendo em razão disso uma diferenciação que não poderia fazer sem antes vencer a questão maior da igualdade entre os filhos. E o julgado com essa fundamentação é que está agora submetido ao exame da Turma, que não pode, a meu ver, negar a existência de questão constitucional no julgado do ego Tribunal de São Paulo, o qual deveria ter sido atacado através de recurso apropriado".
Em face do exposto e em conclusão, com a mais respeitosa venia também não conheço do recurso.
VOTO- VISTA
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: 1. Tal como os votos precedentes, estou em rejeitar, Sr. Presidente, a preliminar de irregularidade da representação da ora recorrente. É que, outorgada por ela a procuração a N acim Gabriel Arida, na qualidade de inventariante do Espólio de Alfonso Martin Escudero, claro se afigura que os amplos
poderes conferidos ao mandatário compreendiam aqueles concernentes à defesa da sua qualidade de herdeira.
2. Não vislumbro, de outro lado, fundamento constitucional a sustentar o Acórdão recorrido, por si só suficiente, com vistas à incidência no caso da Súmula n Q 126 desta Casa.
Assim se enuncia o referido verbete sumular:
"É inadmissível recurso especial, quando o acórdao recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta extraordinário".
Em primeiro lugar, o voto do Relator, Desembargador Marco Cesar, arrimou-se na motivação substancial de que, adotada BlancaAntonia na Espanha pela forma da "adoção simples", desprovida de direitos legitimários, não foi ela erigida à condição de herdeira.
É certo que, em determinado ponto de seu pronunciamento, o Sr. Desembargador Relator se reporta ao parecer do Prof. Caio Mário da Silva Pereira acostado aos autos, o qual, na dicção empregada pelo douto prolator do voto, "orientou suas conclusões, demonstrando, com clareza, as limitações para o caso da invocação ao art. 227, § 6Q
, da Cons-tituição vigente ...... " (fls. 1.636). En-tretanto, a alusão feita ao texto da Lei Maior não se enreda com o fun-
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damento central daquele voto, tanto mais que essa mesma referência ao preceito da Constituição Federal é de conteúdo negativo, o que, aliás, pode ser confirmado pela leitura de excerto do supramencionado parecer do mestre mineiro que se encontra a fls. 1.590: "A Constituição Brasileira de 1988, no art. 227, § 6 Q
, equiparou todos os filhos (havidos ou não da relação de casamento e por ado(;ão). O princípio constitucional impressiona à primeira vista. A tentativa de decidir a pendência sob o império do art. 227, § 6Q
,
pode levar a equívoco, se não atentar em que, na sucessão de Alfonso Martin Escudero, ocorre o denominado 'fato anormal', deslocando o caso para o terreno do conflito de leis no espaço".
Inexiste, pois, no primeiro voto do julgamento da apelação, motivo de porte constitucional.
O 2Q Juiz, Desembargador Silveira Neto, acompanhou o Sr. Relator na conclusão, não reconhecendo em favor de Blanca Antonia a condição de herdeira. Pode admitir-se que este 2Q voto tenha fundamento de natureza constitucional, porquanto, ao referir-se à possibilidade de transformar-se, pela legislação espanhola, a "adoção simples" em adoção mais ampla, o eminente julgador anotou que se impunha ao adotante manifestação expressa a respeito, acrescentando: "uma vez inexistente, não há que se beneficiar, no caso presente, a agravada com a igualdade constitucional assegurada na Constituição Brasileira aos filhos. A capacidade hereditária, que nasce
do princípio constitucional que nivelou os filhos de qualquer origem, atinge apenas os domiciliados no Brasil" (fls. 1.644/1.645). S. Exa. ainda, em seguida, tratou da igualização dos filhos, asseverando que a regra não é absoluta mesmo em face da Constituição da República (art. 5Q
, inc. XXXI).
Já o 3 Q voto, da lavra do il. Desembargador Marcus Andrade, não contém fundamento constitucional autônomo. S. Exa. acentuou, em seu douto pronunciamento, que a "adoção simples", forma pela qual a ora recorrente foi adotada, permaneceu indene ainda que frente a dispositivos da Constituição Espanhola que se editaram posteriormente. Além de sustentada a inteireza da norma que instituíra a "adoção simples" (art. 180 do Código Civil Espanhol), o ilustre julgador ainda obtemperou a respeito: Ademais -e esse tópico se afigura fundamental- problemático o reconhecimento por Corte de Justiça Brasileira, da invalidade e ineficácia de lei estrangeira por inconstitucionalidade, quando nem os próprios Tribunais, mormente o constitucional, do País em que editada, dessa forma declararam, obstando a vigência" (fls. 1.651). S. Exa., em suma, deu provimento ao agravo por considerar aplicável à espécie o art. 10, § 2Q
,
da LICC, segundo o qual a lei do domicílio do herdeiro regula a capacidade para suceder. Sendo Blanca Antonia filha adotiva simples, sem direito legitimário, falta-lhe a capacidade de herdar.
O simples fato de haver um dos votos ventilado matéria de porte
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constitucional não significa que o Acórdão recorrido assim também se tenha expressado. Cumpre distinguir, como o faz José Carlos Barbosa Moreira, entre fundamentos de voto e fundamentos do julgado. A fundamentação do Acórdão será exclusivamente a vencedora, ou seja, aquela adotada pela maioria. Consoante advertência lançada pelo eminente Professor e Desembargador, "é intuitivo que nem todos os argumentos invocados pelos membros do corpo julgador se convertem em fundamentos da decisão colegiada: serão tais, exclusivamente, os aceitos pela maioria dos votantes" ("Distinção entre fundamento do Acórdão e fundamento do voto", Revista de Processo, voI. 1, abriljunho de 1976, pág. 304).
Por tais razões, afasto também a segunda preliminar.
3. A tônica dos votos proferidos no julgamento da apelação é a de que, adotada Blanca Antonia na Espanha pela forma da "adoção simples", sem direitos legitimários, não desfruta ela do status de herdeira. A Eg. Câmara fez incidir no caso a preceituação constante do art. 10, § 2 Q
, da Lei de Introdução ao Código Civil, e, conseqüentemente, aplicou a legislação espanhola, correspondente ao domicílio da herdeira, quanto à capacidade para suceder.
A locução "capacidade para suceder", inserta no supra aludido § 2Q
,
tem sentido ambíguo e, por isso mesmo, tem sido objeto de críticas veementes e acirrados debates acerca de seu exato alcance, tanto na doutrina nacional como na alieníge-
na. Cabe, portanto, antes de tudo, definir-se o conceito de "capacidade para suceder" a que se referiu o legislador brasileiro na lei colisionaI.
A decisão recorrida atribuiu à referida expressão um caráter demasiado restritivo, conforme, por sinal, se acha escrito e ressaltado no voto prolatado pelo il. 3Q Juiz, Desembargador Marcus Andrade: "é necessária a aptidão para assumir o direito de exercer, capacidade específica que lhe falta" (fls. 1.652). Não é outro o escólio emanado do emérito Prof. Caio Mário da Silva Pereira no supra aludido parecer, de cujos ensinamentos se serviram, em grande parte, os doutos julgadores de 2Q
grau para determinar a solução da lide. Assim é que a fls. 1.584 de seu parecer, o mestre de Minas leciona: "em qualquer caso, somente pode suceder o que tem capacidade. Esta não se confunde com aptidão genérica ou capacidade de direito, porém aquela que especificamente se relaciona com o fato de poder acudir ao chamamento". Mais adiante, o eminente parecerista conclui: "a determinação da capacidade ou incapacidade sucessória de BlancaAntonia decorre da 'adoção simples' que a beneficiou" (fls. 1.586).
Não é bem assim, porém. Segundo magistério de Maria Helena Diniz, "será preciso, ante a ambigüidade terminológica, distinguir, como fazem os alemães, a capacidade para ter direito à sucessão (Erbfiihigkeit), que se sujeita à lei do domicílio do auctor sucessionis,
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da capacidade de agir relativamente aos direitos sucessórios, ou seja, da aptidão para suceder ou para aceitar ou exercer direitos do sucessor (Erbrechtliche Handlungsfiihigheit), que se subordina à lei pessoal do herdeiro ou sucessível (LICC, art. 10, caput). Deveras, a capacidade para a situação de herdeiro ou para ter direitos sucessórios regese pela lei competente para regular a sucessão (LICC, art. 10, caput). Conseqüentemente, a extensão dos direitos sucessórios e a proporção resultante de determinado estado jurídico deverão submeter-se à lex domicilii do de cujus, logo tal capacidade não é inerente à pessoa do herdeiro ou legatário por ser conferida pela norma regular da sucessão. O art. 10, § 2 Q
, disciplina a 'aptidão para exercer o direito de suceder', reconhecido pela lei domiciliar do autor da herança e regido pela lei pessoal do herdeiro, e não 'a capacidade para ter direito de sucessor, que se rege pela lex domicilli do falecido" (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, pág. 269, ed. 1994).
N essa linha o voto que proferiu o saudoso Ministro Cunha Peixoto, quando da apreciação do RE n Q
79.613-RJ, trazido à colação pela recorrente como paradigma, in verbis:
"A solução do problema consiste, pois, na inteligência a ser dada à palavra capacidade existente no § 2Q do citado art. 10 e a fixação do que seja a vocação hereditária referida no caput do mesmo artigo.
UI - Em primeiro lugar, não é jurídico distorcer o conceito de capacidade, largamente difundido no direito, para dar-lhe em determinado dispositivo, outro sentido, ou melhor, o de 'qualidade de herdeiro', como quer o eminente mestre Amílcar de Castro (Direito Internacional Privado, voI. U, pág. 149).
Na verdade, como ensinam os doutores, a capacidade civil de uma pessoa é, de um lado, sua aptidão para ser sujeito de direitos ou obrigações, e, de outra parte, sua aptidão para exercer estes direitos e executar essas obrigações.
Portanto, não se pode confundir a capacidade para suceder com a ordem de vocação hereditária, regulada no capítulo das sucessões.
Por outro lado, é princípio de hermenêutica que se há dúvida sobre o verdadeiro sentido de um texto legal ou de uma palavra por ele empregada, deve-se adotar a inteligência que melhor se afine com o dispositivo da lei e a prática da vida, ou melhor, com seu sentido corrente na doutrina e no conceito do povo.
IV - Daí a quase totalidade dos doutores que versaram a matéria sustentar dever a vocação sucessória ser regida pela lei do domicílio do de cujus, pouco importando com a classificação do país do suscetível.
Ensinam Espínola e Espínola: "É a lei da sucessão que de-
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termina que pessoas devem recolher a herança, a título de sucessão legítima, na falta de testamento, precisa os herdeiros necessários, estabelece a quota disponível, fixa os quinhões hereditários, indica a ordem dos sucessíveis. Em primeiro lugar, compete à lei da sucessão indicar as pessoas que, por se encontrarem numa determinada relação de parentesco, devem ser chamadas à sucessão do de cujus" (A Lei de Introdução ao Código Civil, voI. IH, pág. 33, n Q 277).
Antes, à pág. 27, já haviam afirmado, não só aludindo, expressamente, ao § 2Q do art. 10, como dando exemplos, nada haver a capacidade para suceder com a vocação hereditária: "entendemos que a nova Lei de Introdução, quando declara, no art. 10, § 29 , que a lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder - considera, não as condições de que depende a situação de herdeiro em relação a uma determinada herança, não a capacidade para ter o direito de sucessor; mas, a aptidão para exercer o direito de sucessor reconhecido pela lei competente. Essa capacidade, que refere diretamente a uma determinada pessoa, indicada com o caráter de herdeiro pela lei da sucessão, apresenta dois aspectos: uma refere-se aos requisitos necessários para que exista a situação prevista; o outro visa a capacidade para exercer pessoalmente, diretamente, o direito de herdeiro. Quanto ao primeiro as-
pecto, suponhamos que a lei da sucessão, a lei do domicílio do de cujus atribua, aos filhos naturais reconhecidos, o mesmo direito à herança que compete aos filhos legítimos; um filho natural reconhecido, cuja lei pessoal seja diversa da do pai, terá o seu direito à sucessão reconhecido pela lei deste, pouco importando que a sua lei pessoal não admita semelhante equiparação. Mas, para isso, é necessário que se trate de um filho natural, reconhecido de conformidade com a lei competente".
No mesmo sentido Wilson Batalha: "não nos merece dúvida a que a capacidade para ser herdeiro consiste, na realidade, na própria qualidade de herdeiro. E a qualidade de herdeiro só pode decorrer da lei que rege a sucessão, tal como se viu a propósito da ordem da vocação hereditária. Tão absurda seria a aplicação, em tal matéria, da lei pessoal do herdeiro, que não se poderá atribuir ao texto legal, embora dubiamente redigido, tão estranho significado. As opiniões sustentadas por André Weiss (11, pág. 384) e Pacchioni (pág. 307) não resistem à crítica. A capacidade específica do gozo, comojá foi demonstrado, rege-se sempre, pela lei que rege a situação jurídica a que se refere. Nenhum motivo sério existe para que exceção se estabeleça a propósito do direito sucessório" (Tratado Elementar de Direito Internacional Privado, voI. 253, n Q 169).
318 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
Serpa Lopes, embora arrolado entre os que sustentam opinião diversa, pelo menos em uma passagem de sua obra - Lei de Introdução ao Código Civil- mostra que se afina com ponto de vista dos Espínola e de Batalha. De fato, escreveu ele à f. 58: "o art. 10 de nossa lei de introdução, porém, implica na preponderância da lei do domicílio do falecido para regular a vocação hereditária. São os herdeiros designados por essa lei os que deverão ser chamados à sucessão".
Haroldo Valadão, a seu turno, escreveu: "a aplicação geral da lei do domicílio do de cujus, Lei de Introdução, art. 10 compreende a sucessão legítima e a testamentária e, assim, tal lei determinará o quadro dos sucessíveis, a sucessibilidade objetiva e a sucessibilidade subjetiva (a capacidade de gozo, de direito, do herdeiro).
a capacidade de direito, de gozo, do herdeiro, de suceder, a sucessibilidade objetiva e subjetiva dependerá da lex sucessionis, hoje, no Brasil, a lei do domicílio do de cujus, enquanto a capacidade de fato, de o herdeiro praticar atos jurídicos, de receber, se submeterá à sua lei, hoje a do seu domicílio.
Só a capacidade para receber, de fato, é que fica para a lei pessoal do herdeiro" (Direito Internacional Privado, voI. II, pág. 213).
A afirmativa tem o apoio dos autores alienígenas. M. Poullet leciona: Mais alo si, de quelle releve le droit de succéder? Quel est le législateur compétent pour conférer ou retirer le droit de succéder? Logiquement, rationnellment ce ne peut être que le législateur compétent pour régler la succession. Nier, ditjustemnt M. Rolin, que la capacité de succéder soit régie par la loi qui gouverne la succession comme il r entend" (Droeit International Privé Belge, pág. 531, n Q 400).
Examinando o art. 744 do Código Espanhol que, como o brasileiro, estabelece que a capacidade para suceder por testamento e ab intestato se rege pela do herdeiro ou legatário, Manuel de Lasala Llamas, depois de observar que tal dispositivo provoca entre "los doctores y los prácticos alguna confusión y oscuridade", faz a distinção entre capacidade e vocação hereditária: "la distinción antedicha, entre la "c apacidad" personal deI heredero e lagatario, y "las "cualidades" exigidas para suceder, de la solución más cierta dentro deI sistema de la personalidade la "capacidad" propriamente dicha no puede regirse sino por el estatuto personal deI heredero o lagatario; los ilamientos de ciertas personas y, por consiguinte, las "cua!idades" exigidas para suceder, tocan exclusivamente a la lei deI de cujus; ésta es la competente para decidir por exemplo, se heredan los hijos legitimados, los naturales y los adoptivos y para determinar
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la quantia de sus derechos; ésta misma por tanto, la que nos dice se heredan e no los hijos concebidos y no nacidos" (Sistema Espanol de Derecho Civil Internacional e Interregional, Editorial Revista de Derecho Privado, Madri, s/d).
Ser ou não herdeiro é, pois, matéria de sucessão e não de capacidade" (RTJ voI. 84, págs. 515/ 517).
N o direito estrangeiro, prevalece idêntica orientação doutrinária. Segundo Werner Goldschmidt, citado por Oscar Tenório:
"Las cuestiones previas a la sucesion (como, por ejemplo, la validez de un matrimonio ou de una adopción e los efectos de fundar la vocación sucesoria deI cónyuge e deI hijo adoptivo y de sus descendientes matrimoniales o extramotrimoniales) se rigem por sus proprias leyes: la validez del matrimonio, verbigracia, por el Derecho deI Pais donde se celebró el matrimonio y la adopción conjuntamente por los Derechos domiciliarios de adoptante y de adoptado. Esta tesis es confirmada por el art. 3.286 C. Civ. que, aI someter la capacidad de suceder a la ley deI domicilio deI heredero en el momento de morir el causante, no hace sino aplicar a este supuestos los arts. 6, 7, 948 C. Civ. No se debe confundir con las cuestiones previas a la vocación sucesoria, esta misma que se rige invaliablemente por el estatuto sucesorio. (nossos os grifos).
Em otras palabras, una cosa es, si una persona es coyuge deI causante es ilamado a la sucesión y, en caso afirmativo, en qué proporción. Una cosa es si alguien es hijo adoptivo deI causante, y otra si un hijo adoptivo posue vocación sucesoria en la herencia deI padre adotante. Una cosa es si un ente (un ser humano, una agrupación de personas y bienes) posue en un momento dado capacidad de derecho, y otra si este ente es heredero en la sucesión de un determinado causante". (Parecer sobre "Sucessão - Universalidade - Domicílio do Defunto -Aplicação da Lei Brasileira", in Revista Forense, voI. 256, pág. 174)
Assim também em Portugal, consoante magistério do Professor Ferrer Correa, igualmente lembrado por Oscar Tenório:
"Note-se, porém, que pode levantar-se uma questão prévia: saber se existe e está validamente constituída aquela relação que, segundo o estatuto sucessório, fundamenta determinada pretensão hereditária - a filiação legítima ou ilegítima, o matrimônio, a adopção. Essa questão não se resolve pela lei do de cujus. A Lei do de cujus dirá, por exemplo, se a adopção é fonte de vocação sucessória; se o cônjuge do hereditando tem alguns direi tos sobre a herança (e quais) quando concorre com determinados parentes daqueles etc.
320 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
Mas o problema de saber se a adopção, o matrimônio, a filiação ilegítima estão validamente constituídos no caso concreto embora tenha interesse, e até um interesse decisivo, para resolução do problema do destino da herança, não é em si mesma uma questão de direito hereditário - e não pode resolver-se, por isso, pela lei da sucessão. Qual então a lei competente? É a lei reguladora da respectiva relação jurídica (da filiação, da adopção, do matrimônio), que tanto pode coincidir como não coincidir com o estatuto sucessório" (publicação citada, pág. 174).
Ora, o Acórdão vergastado confundiu qualidade de herdeiro com capacidade para suceder, tanto que, a despeito de os votos proferidos se reportarem ao art. 10, § 2Q
, da LICC, fazem eles - todos referência ao status de herdeira da recorrente Blanca Antonia, assim como o fizera ao final também o parecer exarado pelo em. Prof. Caio Mário ao asseverar que a adotada simples não tinha, ao abrir-se a sucessão de Alfonso, a condição de herdeira (fls. 1.592).
A qualidade de herdeiro, a vocação hereditária são conceitos que não se embaralham com o da "capacidade para suceder". As primeiras são reguladas pela lei do país em que era domiciliado o de cujus (art. 10, caput, da LICC). A última, pelo art. 10, § 2Q
, do mesmo estatuto legal.
Não se sustenta, por conseguinte, o decisum recorrido,já que apli-
cou indevidamente à hipótese sub judice o supra indigitado § 2Q do art. 10 da LICC. O artigo de lei federal a incidir no caso era simplesmente o caput do mesmo art. 10. Saber se a filha adotiva ostente ou não a qualidade de herdeiro é matéria que diz com a sucessão de Alfonso Martin Escudero. "Ser ou não herdeiro é matéria de sucessão e não de capacidade", como deixou claro o Ministro Cunha Peixoto em seu voto acima reproduzido.
Eis por que, Sr. Presidente, no caso em tela não tenho dúvidas em aderir ao entendimento manifestado pelo Sr. Ministro-Relator, de conformidade com o qual:
"Com efeito, essa qualidade de herdeiro haverá de ser aferida pela mesma lei competente para reger a sucessão do morto que, no Brasil, "obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ... qualquer que seja a natureza e a situação dos bens", em face do pontificado no caput do art. 10 da LICC.
Portanto, na hipótese, já que Alfonso era domiciliado em São Paulo quando de seu desenlace, à luz da lei brasileira é que se deve buscar a resposta para se saber se Blanca, sendo sua filha adotiva, é ou não herdeira de Alfonso.
É inteiramente irrelevante, no caso, para aferir-se a sua qualidade de herdeira, para saber se ela está ou não incluída no elenco dos herdeiros que a lei brasileira estabelece como vocaciona-
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dos para suceder, se a adoção foi simples ou plena, se houve ou não posterior parificação entre esses institutos, se a relação entre adotante e adotada envolve ou não reciprocidade de direitos sucessórios, se a adoção foi celebrada no Brasil, na Espanha ou mesmo em qualquer outro país, e se era ou não desejo do hereditando que a sua filha adotiva participasse de sua sucessão como sua herdeira necessária.
Não, tudo isso é absolutamente despiciendo para se concluir se Blanca era ou não herdeira necessária quando Alfonso faleceu pois que o único dado que efetivamente importa é saber se a lei brasileira, quando do desenlace de Alfonso, conferia ou não, ao filho adotivo, a qualidade de herdeiro".
Acompanhando, no mais, inclusive na sua conclusão, o lúcido e brilhante voto prolatado pelo eminente Ministro-Relator, somente tenho acrescentar que dois dos argumentos aflorados no decorrer do julgamento da apelação (aceitação do legado pela ora recorrente e necessidade de cumprimento da vontade manifestada pelo falecido Alfonso) permaneceram, cada qual, como fundamento isolado de voto (um expendido pelo Desembargador Marcus Andrade, outro pelo Desembargador Silveira Neto), não se erigindo, portanto, em fundamento de Acórdão.
4. Em face de todo o exposto, conheço do recurso por ambas as alí-
neas do permissor constitucional e a ele dou provimento.
É como voto.
VOTO (MÉRITO)
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Vencido quanto à preliminar, devo examinar o mérito.
Observei, no estudo que fiz, a intensidade das críticas lançadas ao preceito do § 22 do art. 10 da nossa Lei de Introdução ao Código CiviL Disposição semelhante já constou do projeto de Convenção votado na Conferência de Haia de 1900, retirado pela dificuldade na sua interpretação, especialmente por ser equívoco o termo "capacidade" (Serpa Lopes, Lei de Introdução, III 229). Costuma-se distinguir a capacidade de ter direitos na sucessão e a capacidade para agir relativamente ao exercício dos direitos sucessórios (Espínola e Espínola Fo., A Lei de Introdução ao CC, 2ª ed., 3/18). Essa distinção já vem do esboço de Teixeira de Freitas: "A capacidade civil é de direito ou de fato. Consiste a capacidade de direito no grau de aptidão de cada classe de pessoas para adquirir direitos, ou exercer por si ou por outrem atos que não lhe são proibidos. A capacidade de fato consiste na aptidão, ou grau de aptidão, das pessoas de existência visível para exercerem por si os atos da vida civil" (artigos 21 e 22). Também se diz que a capacidade pode ser gozo lato sensu (o fato de ser uma pessoa, do ponto de vista jurídico), ou de gozo stricto
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sensu (aptidão de o indivíduo se tornar sujeito passivo de direitos), ou capacidade de exercício (Serpa Lopes, op. cit., pág. 63 ou 67).
Referindo-se a Lei de Introdução à "capacidade para suceder" (art. 10, § 29), surge necessariamente o problema de definir a qual capacidade referiu-se o texto, sabendo-se que capacidade para suceder corresponde à possibilidade de adquirir a herança (Clóvis, CCB, v. 6/19), ou aos pressupostos para suceder (Pontes, Tratado, 55/11).
N esse ponto, penso que está com a razão a recorrente, pois a unanimidade da doutrina se coloca ao seu lado. Transcrevo, por ser suficientemente elucidativo, o parecer do Pro f. Oscar Tenório (Forense, 256/ 173-174):
"Haroldo Valladão ("Direito Internacional Privado", voI. II, pág. 213) distingue da seguinte forma: Acerca da capacidade do herdeiro, da sucessibilidade subjetiva, a doutrina certa que vem de Freitas quando considerou incapacidade especial do direito as proibições de dispor que a lei prevê para o testador, e foi exposta com a clareza e segurança habituais por Machado ViUela. O DIP, 149 e 153, é a de que a capacidade de direito, de gozo, do herdeiro de suceder, a sucessibilidade objetiva e subjetiva de Villela, o DIP, 148-9, dependerá da lex successionis, hoje, no Brasil, a lei do domicílio do de cujus, enquanto a capacidade de fato, de o herdeiro praticar atos jurídicos,
de receber, se submeterá à sua lei, hoje a do seu domicílio.
Verifica-se que, não obstante a diversidade de interpretação de nossos autores quanto ao § 29 do art. 10 da Lei de Introdução (Amílcar criticando, Batalha interpretando-a como capacidade de exercício, Valladão, como capacidade de fato), todos afirmam que a sucessibilidade do herdeiro é regida pela lei do domicílio do de cujus.
A posição do direito argentino é para nós especialmente interessante, uma vez que há dois dispositivos do seu CCivil que sejustapõem aos dois dispositivos de nossa Lei de Introdução de que vimos nos ocupando.
Reza o art. 3.283 do CCivil argentino:
(EI derecho de suceswn aI patrimonio deI difunto es regido por el derecho local deI domicilio que el difunto tenía a su muerte, sean los sucesores nacionales o extranjeros.)
E, logo em seguida, encontramos o art. 3.286 que diz:
(La capacidad para suceder es regida por la ley deI domicilio de la persona aI tiempo de la muerte deI autor de la sucesión.)
Cabível, pois, a mesma indagação que fizemos inicialmente, quanto ao art. 10 e o seu § 29 da Lei de Introdução: domicílio do
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defunto ou domicílio do herdeiro?
Werner Goldschmidt, o grande internacionalista argentino, escolhido pelo Hournal de Droit International (Clunet) para escrever o artigo correspondente ao direito internacional na América Latina para o número especial do centenário desta publicação (1 2
tomo de 1973), em seu "Derecho Internacional Privado" (Editorial El Derecho, 1974, Buenos Aires), diz na pág. 390 (Las cuestiones previas a la sucesion (como, por ejemplo, la validez de um matrimonio ou de una adopción a los efectos de fundar la vocación sucesoria deI cônyuge o deI hijo adoptivo y de sus descendientes matrimoniales o extramatrimoniales) se rigen por sus proprias leyes: la validez deI matrimonio, verbigracia, por el Derecho deI Pais donde se celebró el matrimonio y la adopción conjuntamente por los Derechos domiciliarios de adoptante y de adoptado. Esta tesis es confirmada por el art. 3.286 CCivil. No se debe confundir con las cuestiones previas a la vocación sucesoria, esta misma que se rige invaliablemente por el estatuto sucesorio. Em otras palabras, una cosa es, si una persona es coyuge del causante es ilamado a la sucesión y, en caso afirmativo, em qué proporción. Una cosa es si alguien es hijo adoptivo deI causante, y otra si un hijo adoptivo posue vocación sucesoria en la harencia deI padre adotante. Una cosa es si un ente (un ser humano, una agru-
pación de personas y bienes) posue en un momento dado capacidad de derecho, y otra si este ente es heredero en la sucesión de un determinado causante.
Em Portugal, o Professor Ferrer Correa assim pontificou em suas aulas na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra mimeografadas sob o título de "Lições de Direito Internacional Privado" (1963), na pág. 714: Dissemos que a regra da competência da lei nacional do hereditando se aplica a todas as formas de sucessão - e, desde logo, à sucessão legítima e legitimária.
É essa lei que, na falta de testamento indica as pessoas chamadas a suceder bem como o quinhão hereditário de cada uma. Por ela se resolverá a questão de saber se o cônjuge do hereditando, um filho natural ou adoptivo, um parente em 62 grau na linha colateral - é chamado à herança e em que medida. Bem assim se se verifica o direito de representação em favor de um certo parente do falecido.
Note-se, porém, que pode levantar-se uma questão prévia: saber se existe e está validamente constituída aquela relação que segundo o estatuto sucessório, fundamenta determinada pretensão hereditária - a filiação legítima ou ilegítima, o matrimônio, a adopção. Essa questão não se resolve pela lei do de cujus. A lei do de cujus dirá, por exemplo, se adopção é fonte de vocação sucessória; se o cônjuge do here-
324 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
ditando tem alguns direitos sobre a herança (e quais) quando concorre com determinados parentes daqueles etc.
Mas o problema de saber se a adopção, o matrimônio, a filiação ilegítima estão validamente constituídos no caso concreto embora tenha interesse, e até um interesse decisivo, para a resolução do problema do destino da herança, não é em si mesma uma questão de direito hereditário - e não pode resolver-se, por isso, pela lei da sucessão. Qual então a lei competente? E a lei reguladora da respectiva relação jurídica (da filiação, da adopção, do matrimônio), que tanto pode coincidir como não coincidir com o estatuto sucessório."
Quanto ao mais, acompanho o eminente relator.
É o voto.
VOTO - VISTA
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: 5. Passando ao exame do mérito tenho em primeiro lugar, por configurad~ a divergência. Sem embargo de não serem idênticas as situações fáticas dos acórdãos recorrido e paradigma, este oriundo do Supremo Tribunal Federal, evidencia-se antagonismo nas teses concernentes à interpretação do art. 10, § 2Q da Lei de Introdução. Ademais, consoante se tem afirmado nesta Corte sem a rigidez das amarras juris~rudenciais e regimentais do sistema an-
terior a 1988, não se mostra necessária a identidade absoluta das situações fáticas dos arestos em confronto, sendo suficiente a semelhança, desde que presentes diferentes interpretações sobre a mesma questão federal.
Melhor seria que o nosso sistema recursal, em se tratando de instância extraordinária, nela incluído o recurso especial, até mesmo por sobrevivência, seguisse o modelo hoje presente nos melhores ordenamentos jurídicos, de que é exemplo, no particular, o norte-americano, com o seu writ af certiorari, através do qual se realiza o prévio exame seletivo das questões de relevo a merecer apreciação em tal instância, racionalizando o mecanismo judicial, tornando a Justiça mais ágil e valorizando a entrega da prestação jurisdicional.
Enquanto, no entanto, persistir a anomalia do nosso atual sistema melhor que a instância extraordiná~ ria, com o poder criativo e evolutivo da jurisprudência, vá encontrando caminhos hábeis e razoáveis que pelo menos não inviabilizem a atuação do Judiciário em dar resposta às causas verdadeiramente relevantes que lhe são submetidas. Como já tive ensejo de assinalar (REsp 4.987-RJ, RSTJ 26/378), "o Superior Tribunal de Justiça, pela relevância da sua missão constitucional não pode deter-se em sutilezas d~ ordem formal que impeçam a apreciação das grandes teses jurídicas que estão a reclamar pronunciamento e orientação pretoriana".
No caso, os autos estão a espelhar, induvidosamente, uma dessas
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causas, nas quais se rivalizam o fundo e a forma, a substância dos argumentos e o talento dos seus expositores, com as luzes da doutrina e um precedente da Suprema Corte ricamente fundamentado.
6. Rememorando a situação fática, tem-se que a recorrente foi adotada pelo falecido na forma simples, sem qualquer direito sucessório. Posteriormente, quase três anos após a adoção, o adotante firmou testamento aberto, subscrito também pela filha, contemplando-a com um apartamento em Madri e uma pensão mensal vitalícia. Antes, porém, desse testamento, foi editada no Reino da Espanha lei que conferia direitos sucessórios aos filhos adotivos, ressalvando, todavia, as adoções efetuadas sob a égide do diploma normativo anterior, a não ser que o adotante, por vontade própria, viesse a modificar o regime, o que não ocorreu no caso de que se cuida.
7. Na espécie, como já exaustiva e superiormente anotado, toda a discórdia se centra na inteligência e no alcance que pode ou deve ter a norma do § 2Q do art. 10 da Lei de Introdução, segundo a qual a capacidade para suceder é regulada pela lei do domicílio do herdeiro, dispondo o caput desse artigo que a sucessão por morte é disciplinada pela lei do domicílio do de cujus, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.
Como se sabe, em matéria de direito sucessório o ordenamento positivo brasileiro tem acatado a regra, adotada nos melhores sistemas
jurídicos, de que a sucessão se rege por uma só lei, independentemente da situação e da qualidade dos bens envolvidos. Isso se deu tanto na revogada Lei de Introdução, quanto na atual, que faz prevalecer a lei do domicílio deste.
É de convir-se, entretanto, que as nossas leis de regência no tema têm contemplado exceções a esse princípio da universalidade, consoante parte final do caput do art. 14 do texto revogado e §§ 1 Q e 2Q do citado artigo 10 do hoje vigente.
A doutrina majoritária, ao comentar a expressão "capacidade para suceder", sustenta que não teria havido inovação com a instituição, pelo Decreto-Lei 4.657, de 4.9.1942, da "nova" Lei de Introdução. Afirma, em linha geral, que somente quanto à capacidade de fato se aplicaria a lei do domicílio do herdeiro, aplicando a lei do domicílio do de cujus para aferir a capacidade de direito ou a qualidade de herdeiro.
Tenho, no entanto, com respeitosa vênia, que não se pode negar a alteração ocorrida entre as leis de 1916 e de 1942. Com efeito, dizia a primeira, em seu art. 14:
"A sucessão legítima ou testamentária, a ordem da vocação hereditária, os direitos dos herdeiros e a validade intrínseca das disposições do testamento, qualquer que sej a a natureza dos bens e o país, onde se achem, guardado o disposto neste Código acerca das heranças vagas, abertas no Brasil, obedecerão à lei nacional
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do falecido; se este, porém, era casado com brasileira, ou tiver deixado filhos brasileiros, ficarão sujeitos à lei brasileira".
Na segunda, atual, expressa o texto:
"Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.
§ 1Q .......................................... .
§ 2Q A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder".
Como se vê, antes havia expressa referência à ordem da vocação hereditária e aos direitos dos herdeiros, o que não há atualmente. Destarte, ao prescrever o texto vigente que a lei do domicílio do herdeiro regula a capacidade para suceder, não se pode fazer qualquer distinção de capacidade de direito ou de fato, valendo o princípio segundo o qual onde o legislador não distingue não é dado ao intérprete fazê-lo (ubi lex non distinguit, nec interpress distinguere debet).
Em última análise, questiona-se, como se fez no paradigma, o que se há de entender na expressão "capacidade para suceder" constante do § 2Q do art. 10, LICC, sobretudo em face da ambigüidade do termo "capacidade" ali usado, qualificado de equívoco por Serpa Lopes.
Vê a recorrente uma nítida distinção entre ela e o instituto da vo-
cação hereditária, sendo este a "distribuição dos sucessíveis em classes das quais umas preferem às outras na adição da herança", segundo a conceituação de Clóvis, distinção igualmente acentuada no colacionado acórdão-padrão (RE 79.613-RJ, RTJ 84/491).
Amílcar de Castro, um dos mais precisos e rigorosos dos nossos juristas, com a autoridade que sempre se lhe reconheceu, anotou (Direito Internacional Privado, 4ê
ed., Forense, 1987, n. 235, pág. 456):
"Espínola & Espínola entendem que 'a nova Lei de Introdução, quando declara no art. 10, § 2Q
, que a lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder, considera não a capacidade para ter o direito de sucessor, mas a aptidão para exercer o direito de sucessor reconhecida pela lei competente'.
Deve discordar-se desta doutíssima opinião. Não se trata de capacidade propriamente dita, mas da qualidade de herdeiro. A expressão capacidade para suceder tem no art. 10, § 2Q
, da Lei de Introdução o mesmo sentido com que é empregada no art. 1.577 do Código Civil; e não se há de presumir, por essa redação, fosse empregada a palavra capacidade com sua significação própria, de capacidade de exercício, porque então seria inútil a disposição, já estando, como está, tão claramente escrito no art. 7Q da mesma Lei de Introdução ao Código
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Civil que o direito do país em que for domiciliada a pessoa determina sua capacidade. De resto, para que a pessoa possa exercer o direito de suceder é preciso, antes, que tenha esse direito. Sem têlo, como poderá exercê-lo? É tão expressiva a frase 'capacidade para suceder', que não pode deixar dúvida a respeito de ter sido inspirada na pior doutrina, antigamente pregada por Boullenois, e modernamente por Weiss e Pacchioni, com diferença apenas de que estes falam em ius patriae, enquanto a Lei de Introdução se refere a ius domicilii. A melhor doutrina ensina que a faculdade de haver a herança, conjunto de qualidades requeridas para suceder, ou capacidade para suceder, deve ser regulada exclusivamente pelo direito que rege a sucessão (ius causae). Pelo mesmo direito por que se aprecia a vocação hereditária é que se devem qualificar as pessoas chamadas a suceder. Em sentido contrário, supõe Weiss que a capacidade para suceder depende do direito que rege o herdeiro, porque a vontade do de cujus só pode governar a disposição dos bens, e não as condições exigidas para que a pessoa possa herdar. Entretanto, ninguém afirma que a vontade do de cujus possa atribuir a quem quer que seja a capacidade para suceder, e sim o que se sustenta é que a capacidade para suceder só pelo direito regulador da sucessão é atribuída ao herdeiro. Evidentemente, a qualidade de
herdeiro não é inerente à pessoa, sim qualidade que lhe é atribuída pelo direito regulador da sucessão: trata-se de condição requerida para suceder, questão preliminar, de condição jurídica, exigida para se exercer o direito de ser sucessor, ou de suceder".
Certo é que o admirável jurista, ao assim doutrinar, reconheceu que a jurisprudênci a poderia "consertar a lei". Tal colocação, entretanto, apenas reforça a conclusão a que chegara quanto à exegese do texto legal.
Outra, aliás, não foi a conclusão extraída pelo voto do saudoso Ministro Cordeiro Guerra, verbis:
"Bem sei que, assim concluindo, divirjo de ponderáveis e autorizados argumentos, inclusive do parecer da douta Procuradoria Geral da República, porém, não se me afigura possível aplicar, na inteligência do § 2Q do art. 10 da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, princípios e normas, que ele afastou, para excepcionar. Certo ou errado, doutrinariamente, como pensa Amílcar de Castro, o § 2Q do art. 10 da Lei de Introdução mandou regular a capacidade para suceder, do herdeiro, pela lei do seu domicílio e, a meu ver, não pode ele herdar quando a lei de seu domicílio não lhe dá esse direito".
E adiante:
"Estava concluído, assim, o meu voto, quando recebi o memorial
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das partes e neles encontrei parecer do Professor Rubens Santana, da Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre, e fiquei satisfeito, porque coincidente com o meu voto que já estava pronto.
O ilustre Professor gaúcho, apreciando a hipótese a pedido dos recorrentes, assim manifesta:
'Ilógico e injurídico seria falar em capacidade de herdeiro para quem não tem, pelo seu direito domiciliar, posição de herdeiro. Iria de encontro aos interesses da ordem púbica reconhecer, ao estrangeiro, capacidade de exercício de direito de sucessão sobre bens no território nacional, quando a sua lei domiciliar lhe nega essa condição'" .
Com suporte em tal pOSICIOnamento, aplicando-se a lei espanhola ao caso, a recorrente não pode ser considerada herdeira necessária do falecido, uma vez que a lei que equiparou os filhos adotivos a legítimos para efeitos sucessórios ressalvou as adoções ocorridas antes da sua vigência.
Assim, afigura-se impossível no caso concluir favoravelmente à recorrente, para quem a expressão "capacidade para suceder", constante do § 22 do art. 10 da Lei de Introdução, se refere somente à capacidade de fato (exercício), enquanto que a capacidade de direito (aquisição ou gozo) seria regulada pela lei do domicílio do falecido, no caso, a brasileira.
Com efeito, anteriormente à análise da lista da vocação hereditária, necessário que se avalie se a pessoa é ou não herdeira. Para tanto, somente pela lei do seu domicílio, que rege seu estado civil (lato sensu), é que se vai verificar a sua condição. Não sendo herdeira, em razão da lei espanhola não lhe conferir tal direito, descabe examinar se pela ordem de vocação da lei brasileira ela seria chamada à sucessão.
8. Assim posta a questão sob o prisma da interpretação sistemática, seria até mesmo de cogitar-se, em exegese teleológica, das razões que teriam levado o legislador brasileiro à adoção da imprecisa, ambígua e "equivocada" expressão, especialmente quando se reflete sobre as pretensões deduzidas na causa a que se refere o paradigma e na de que os autos tratam, considerando que em momento algum pelo contrário, o de cujus, como adotante, quis erigir a recorrente, que já contemplara satisfatoriamente com valiosos bens, como sua herdeira adotiva.
Fosse clara a dicção da lei brasileira, no sentido que lhe quer atribuir a recorrente, certamente o adotante, devidamente orientado por competentes profissionais, teria assumido outra postura.
Daí o relevo que na espécie ganha a intenção do de cujus adotante, a encontrar sustentação no art. 85 do Código Civil, que contempla e dita regra geral para a boa hermenêutica dos atos jurídicos, segundo a qual "nas declarações de von-
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tade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem".
9. Em conclusão, com renovada venia, no mérito também conheço do recurso, mas lhe nego provimento.
RECURSO ESPECIAL NQ 62.353 - RJ
(Registro n Q 95.0012751-2)
Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
Recorrente: Lydia Oliveira Luz
Recorrida: Caixa de Previdência dos Funcionários do Sistema Banerj -Previ
Advogados: Drs. Davi Moreira Ferreira, e Orlando Fernandes Neto e outros
EMENTA: Processual Civil. Ação rescisória. Decadência. Ajuizamento no prazo. Impossibilidade de citação. Ausência de culpa da autora. Falha da máquina judiciária. Termo inicial. Primeiro dia após o trânsito emjulgado da última decisão. Boa-fé do recorrente. Recurso especial inadmitido. Agravo interposto. Decisão monocrática negando-lhe seguimento. Dies a quo. Evoluçãojurisprudencial. Precedentes. Recurso provido.
I - Nos termos da jurisprudência sumulada desta Corte (Enunciado n. 106), o obstáculo da máquina judiciária não pode prejudicar a parte autora que ajuizou a ação rescisória no prazo e não teve culpa da citação não ter ocorrido tempestivamente.
II - Segundo entendimento que veio a prevalecer no Tribunal, o termo inicial para o prazo decadencial da ação rescisória é o primeiro dia após o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, salvo se se provar que o recurso foi interposto por má-fé do recorrente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo-
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Ausente, jus-
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tificadamente, o Ministro Bueno de Souza.
Brasília, 26 de agosto de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.
Publicado no DJ de 29-09-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Cuidase de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que manteve decisão monocrática de indeferimento da inicial de uma ação rescisória por decadência.
Entendeu o Colegiado de origem que a autora não teria diligenciado para evitar a consumação do prazo. Embora tenha ajuizado a ação em 5.5.92, e o trânsito em julgado do acórdão rescindendo ocorrido em 16.5.90, não cuidou ela de promover a citação dentro do prazo de dois anos, que teria se esgotado em 16.5.92.
Irresignada, a autora interpôs recurso especial alegando, além de dissídio, violação dos arts. 219, 220 e 263, CPC, sustentando que, por força de obstáculo judicial, foi impossível ordenar-se a citação dentro do prazo de dois anos, não se verificando qualquer inércia de sua parte.
Contra-arrazoado, foi o recurso admitido na origem, merecendo parecer favorável da Subprocuradoria Geral da República.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): 1. O acórdão rescindendo foi publicado no órgão oficial do Estado em 12 de março de 1990. Foram interpostos embargos declaratórios em 14 daquele mês e ano e da decisão dos embargos foram as partes intimadas em 11 de maio de 1990. Adveio recurso especial, que foi inadmitido pela Presidência do Tribunal fluminense, originando agravo (fls. 124), que restou desprovido por esta Corte, com decisão publicada em 9 de agosto de 1991.
Em primeiro lugar, no que concerne à consumação da decadência por não ter sido despachada a inicial antes dos dois anos para aforarse a rescisória, tenho que não houve com o costumeiro acerto o ego Colegiado.
Tomando-se como termo final do prazo o assentado pelo acórdão recorrido - 16 de maio de 1992 - não se pode afirmar que a autora se quedou inerte depois do ajuizamento da ação, que se deu em 5 de maio.
Pelo contrário.
Compulsando os autos, constatase que, embora tenha a inicial dado entrada no Tribunal naquele dia, ela somente foi distribuída para a em. Relatora em 3 de junho, tendo o processo passado por diversas seções, o que é atestado pelos doze carimbos existentes antes do despacho inicial.
Houve, portanto, falha do aparelho judiciário. A autora não diligen-
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ciou porque nada tinha a fazer enquanto o processo não chegasse às mãos da Relatora. Se não agiu com culpa, não pode ser penalizada com a declaração de perda do direito de ajuizar a rescisória.
Aliás, já é entendimento firme na jurisprudência desta Corte, consolidado no Enunciado de n. 106 de sua súmula, que, "proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência".
Desta forma, reputa-se caracterizada a violação do art. 219, CPC, prejudicada a análise das demais impugnações, inclusive o dissídio.
2. É de salientar-se, outrossim, que o termo a quo do prazo para o ajuizamento da rescisória fixado pelo Tribunal de origem também não se amolda à doutrina e à jurisprudência contemporâneas, preocupadas sobretudo com o prejuízo que pode advir ao jurisdicionado em razão da ineficiência da máquina estatal criada para a composição dos conflitos.
Não se justifica atribuir natureza jurídica declaratória ao juízo de admissibilidade negativo em tempos em que uma demanda pode levar até décadas para ser solucionada se porventura se esgotarem as instâncias. E é por isso que se tem admitido como marco de contagem do prazo decadencial da rescisória a decisão que inadmitiu o último recurso, desde que não haja má-fé do recorrente, funcionando como termo a quo o primeiro dia seguin-
te ao trânsito em julgado daquela decisão.
No REsp 299-RJ, julgado em 25.9.89 (RSTJ 4/1.554), esta Turma traçou as linhas gerais da discussão a respeito do prazo decadencial na rescisória.
Zl:
Ao proferir o voto de relator, adu-
"Três correntes doutrinárias versam a essência da questão posta à apreciação.
Por uma delas, o trânsito em julgado somente se dá após a última decisão, sendo irrelevante se o recurso foi ou não conhecido. Segundo outra corrente, o recurso inadmissível, ou tornado tal, não tem a virtude de empecer ao trânsito em julgado, que exsurgiria a partir da configuração da inadmissibilidade e não da decisão que a pronuncia, de natureza apenas declaratória (nesse sentido, Barbosa Moreira, "Comentários", Forense, n M 122 e 148; Pontes de Miranda, "Tratado da Ação Rescisória", 5ª edição). E, pela terceira exegese, a interposição de recurso extraordinário, mesmo inadmitido, obstaria a formação da coisa julgada, a afastar o dies a quo da decadência, salvo o caso de intempestividade.
Esse terceiro posicionamento, acrescente-se, mereceu reiteradamente, nos últimos anos, o prestígio do Supremo Tribunal Federal, do que são exemplos, como anotou o Dr. Paulo Gustavo Gonet Branco, ilustre Procurador
332 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
da República, em seu bem lançado parecer, dentre outros, os arestos coligidos pelo Ministério Público (AR 1.189, do Plenário -RTJ 112/989; RE 103.049 - RTJ 1211209), assim como os também colacionados no douto memorial dos Recorridos (RE 101.311 -RTJ 110/880, RE 108.727 - RTJ 117/1.361, RE 97.450 - RTJ 104/ 1.265), onde demonstrada a distinção nas decisões da Suprema Corte quando tempestivo e intempestivo o recurso.
No caso, arrimando-se na primeira das três teses, alegam os Recorrentes que não pode prosperar o entendimento segundo o qual a intempestividade do recurso extraordinário inadmitido não obstaria a formação da coisa julgada, enfatizando que ares iudicata somente poderia resultar da última decisão proferida no processo, mesmo porque carecedor seria da rescisória se não pudesse demonstrar, em seu ajuizamento, o trânsito em julgado. E trazem à colação arestos do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo (RT 554/258) e da Excelsa Corte (RTJ 84/684), este último com pequenos equívocos, mas fidedigno na tese esposada.
Em que pese versada com brilho, e até sustentada em antigos precedentes, não vejo como acolher, na tese, a douta argumentação.
A uma, porque a mesma superada foi jurisprudencialmente na própria Suprema Corte, como registrado, em se tratando de re-
curso inadmissível pela intempestividade.
A duas, porque a sua acolhida tornaria incerto e inseguro o direito, na medida em que, a qualquer tempo, após uma decisão trânsita em julgado, a parte vencida poderia manejar recurso manifestamente intempestivo apenas para obter o prazo bienal que o ensejasse ajuizar a rescisória, reavivando uma demanda já finda, em autêntico retorno aos tempos de antanho, anteriores à actio judicati, quando as ações se eternizavam, em prejuízo do interesse público.
O Direito busca a paz social e esta se alcança quando se tem a certeza jurídica, que advém da res iudicata. A propósito, em apontamentos à ação rescisória, recentemente tive a oportunidade de expressar que "a imutabilidade das decisões judiciais surgiu no mundo jurídico como um imperativo da própria sociedade para evitar o fenômeno da perpetuidade dos litígios, causa da intranqüilidade social que afastaria o fim primário do Direito, que é a paz social" (RJTJESP 116/ 8).
A três, porque o escopo do recurso especial, pela sua natureza de apelo excepcional, vinculado à "questão federal", não é o reexame da causa para aferir os eventuais direitos das partes em conflito, mas sim tutelar a autoridade e a unidade do direito infraconstitucional.
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A espécie, no entanto, a meu juízo, está a merecer exame especial, em decorrência de circunstâncias que a distinguem.
Com efeito, vê-se dos autos que, decididas as causas conexas em primeiro e segundo graus, interposto o extraordinário, foi o mesmo admitido por força de agravo, com suporte em norma regimental, "para melhor exame do caso", por determinação do relator, o saudoso Ministro Barros Monteiro (DJ de XI/72, pág. 7.725). Anos após, entretanto, o Supremo Tribunal Federal dele não conheceu, por maioria, relator o Ministro José Néri, ao fundamento de intempestividade, ao argumento central de que, na vigência o Código de Processo Civil anterior, se firmara a exegese de que o prazo corria em férias forenses em se tratando de recurso extraordinário, inaplicando-se o art. 26 do referido Código, que determinava a suspensão o prazo por superveniência de férias que absorvessem pelo menos a metade da sua duração.
Reconhecida essa intempestividade em dezembro de 1981, a rescisória foi ajuizada em setembro de 1983, tendo sido liminarmente indeferida sob o fundamento de que o trânsito em julgado, com a inadmissibilidade do extraordinário, retroagira a janeiro de 1972, quando decorrido o prazo recursal para a impugnação do acórdão (CPC, art. 467).
É contra esse entendimento que se batem os Recorrentes, sa-
lientando que o extraordinário fora inicialmente admitido e que o julgamento da intempestividade não se fez por unanimidade, acrescentando que não lhes era, até então, possível propor a rescisória à míngua de comprovação da coisa julgada.
Perfilhando-me na terceira das referidas correntes, pelas razões já assinaladas, não posso, no entanto, deixar de reconhecer que o caso concreto apresenta peculiaridades que recomendam o provimento do recurso para afastar a decadência reconhecida no egrégio Tribunal de origem.
Em primeiro lugar porque, não obstante alçado apenas para melhor exame, não se pode deixar de considerar que passou a existir uma expectativa de tempestividade do extraordinário, quase a configurar uma presunção, inclusive porque a inadmissibilidade, no Tribunal a quo, não decorrera de extemporaneidade do extraordinário.
Em segundo lugar, porque a intempestividade, declarada no Supremo quase um decênio após (XIlI1981), não se deu por unanimidade, sendo de aduzir-se que baseada em interpretação discutível e merecedora de críticas até mesmo naquele Excelso Pretório, como anotado pelo Ministro Clóvis Ramalhete, autor do voto vencido.
Em terceiro lugar, porque também a tese da retro ação do dies a quo do prazo bienal da decadência não é pacífica. Ao contrá-
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rio, como registrado, sobre a mesma existe dissenso.
Em quarto lugar, porque não demonstrada, nem sequer alegada, a má-fé dos Recorrentes, que se viram impossibilitados de ajuizar a rescisória enquanto pendente de julgamento o extraordinário já admitido para "melhor exame".
Em quinto e último lugar, porque, sem embargo de filiar-me à terceira das três linhas de hermenêutica na vexata quaestio, reconheço que circunstâncias especiais podem afastar a sua aplicação, sob pena de efetivarem-se situações que a consciência jurídica repudia, refletidas no brocardo summum jus summa injuria.
A melhor interpretação, proclamava Piragibe da Fonseca, em sua Introdução ao Estudo do Direito, "não é absolutamente aquela que se subordina servilmente às palavras da lei, ou que usa de raciocínios artificiais para enquadrar friamente os fatos em conceitos prefixados, mas aquela que se preocupa com a solução justa". Interpretar, já constava das Institutas (Gottlieb Heineccio, § 28), não é conhecer ou saber as palavras da lei, mas sim a sua força e o seu alcance.
"A lei, prelecionava o grande Amílcar de Castro, embora nunca ao arrepio do sistema jurídico, deve ser interpretada em termos hábeis e úteis. Com os olhos voltados, aduza-se com Recasens Siches, para a lógica do razoável.
Como já assinalei em outra oportunidade (cfr. RTJ 114/363, no relatório do RE 103.909), o magistrado não é amanuense da lei, com mera função de conferir fatos com dispositivos legais, aplicando textos com a insensibilidade das máquinas. A própria lei confere função singular ao magistrado, quando estabelece que, na sua aplicação, ojuiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum. Em outras palavras, a lei deve ser, nas mãos do seu aplicador, um instrumento de realização do bem social, porque o rigorismo na interpretação dos textos legais pode, muitas vezes, nos conduzir ao descompasso com a realidade, o que significaria o primeiro passo para uma injustiça.".
Posteriormente, no REsp 2.447-RS, julgado em 5.11.91 (RSTJ 28/ 312) a mesma Turma fixou orientação no sentido de se levar em consideração a boa-fé do recorrente, de modo que mesmo o recurso intempestivo faria com que o termo inicial da rescisória se deslocasse para a decisão que assim o declarasse. Sob o comando do Ministro Athos Carneiro, esse julgado ficou assim ementado:
"Mesmo se adotada a tese segundo a qual o início do prazo de decadência para a pretensão rescisória não é obstado pela interposição de recurso que venha a ser considerado intempestivo, ainda assim impende considerar a boa-fé do recorrente, naqueles casos especiais em que a própria in-
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tempestividade do recurso apresenta-se passível de fundada dúvida. Impossibilidade jurídica do ajuizamento de ação rescisória 'condicional' ou 'cautelar', interposta no biênio para ter andamento somente se o recurso pendente for tido por intempestivo.
A melhor aplicação da lei é a que se preocupa com a solução justa, não podendo o juiz esquecer que por vezes o rigorismo na exegese do texto legal ou na adoção da doutrina prevalecente pode resultar em injustiça conspícua".
É de considerar-se, por outro lado, que, em um sistema como o nosso, em que a admissibilidade dos recursos excepcionais se faz primeiramente pela Presidência do Tribunal de origem, que pode inclusive discutir meritoriamente o acerto ou não da Turma, se passou a entender de excessivo rigor considerar letra morta para tal desiderato a decisão que inadmite recursos extraordinário ou especial. Se o recorrente interpôs o recurso e se não agiu maliciosamente, tem ele a expectativa de ser o mesmo examinado nos Tribunais Superiores.
Outrossim, argumentou-se também que, tendo a rescisória por pressuposto geral o trânsito emjulgado da decisão, seria inviável admiti-la nos casos de recursos ainda pendentes.
Dentro desse raciocínio, passouse a adotar o posicionamento segundo o qual o acórdão que resolver os recursos excepcionais, mesmo que
seja para não conhecê-los por falta de pressuposto específico de admissibilidade recursal, tem como efeito deslocar o início do prazo decadencial para o dia seguinte ao seu trânsito em julgado. Neste sentido, os REsps 34.014-RJ (RSTJ 73/239), relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, e 21.751-CE (DJ 10.4.95), relator o Ministro Antônio Torreão Braz, desta Turma, e 18.691-RJ (DJ 28.11.94), da Primeira Turma, relatado pelo Ministro Demócrito Reinaldo, assim respectivamente ementados:
"- O prazo da decadência da ação rescisória começa a fluir do trânsito em julgado da decisão proferida no recurso extraordinário não conhecido".
"- Não corre o prazo para o exercício da ação rescisória se interposto recurso especial ou extraordinário, ainda que não venha a ser admitido".
"- A rescisória, dada a sua natureza, pressupõe o esgotamento de todos os prazos, para que a decisão rescindenda seja irrecorrível. O prazo para propositura da ação rescisória tem sua fluência contada a partir do trânsito em julgado da decisão proferida no último recurso interposto do acórdão rescindendo, in casu, do recurso extraordinário interposto".
A diferença do presente caso com os mencionados precedentes está em que o recurso especial interposto não chegou a esta Corte, tendo sido barrado no ego Tribunal esta-
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dual. Adveio agravo, que restou desprovido, no entanto, por decisão monocrática.
Embora tenha havido distinção, a conclusão a que se chega é a mesma: impossibilidade de se classificar a natureza jurídica do juízo de admissibilidade negativo como declaratória. O prazo somente deve fluir após o último dia que a parte dispunha para agravar "regimentalmente", conforme, aliás, já decidiu a Terceira Turma deste Tribunal, no REsp 13.415-RJ (DJ 29.6.92), de que foi relator o Ministro Nilson Naves, com a seguinte ementa:
"Ação rescisória. I - Trânsito em julgado da decisão rescindenda. 1. Quando interposto, em tempo, o recurso extraordinário (extraordinário, matéria constitucional ou especial, matéria infraconstitucional), não admitido, daí a interposição do respectivo agravo, tempestivamente, tal circunstância impede a formação da coisa
julgada. 2. Hipótese em que, não provido o agravo de instrumento, o trânsito em julgado somente ocorrera após esgotado o prazo para o subseqüente agravo regimental. II - Decadência. Intentada a ação no prazo de lei, a demora na citação, quando por motivo atribuível ao funcionamento da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de decadência, em casos dessa ordem, a demora não pode ser imputada ao autor. III - Recurso especial conhecido e provido".
Assim, o termo a quo teria sido 19 de agosto de 1991, com final em 19 de agosto de 1993. Ajuizada a ação em 5 de maio de 1992, impossível ter a autora como decaída do seu direito.
3. Em face do exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento para cassar o v. acórdão hostilizado e determinar o prosseguimento da rescisória, como de direito.
RECURSO ESPECIAL NQ 63.570 - SP
(Registro n Q 95.0017021-3)
Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrente: Bolsa de Mercadorias e de Futuros - BMF
Recorridos: Brascan Administração e Investimentos Ltda. e outros
Advogados: Elton Calixto e outros, e Roberto V. Calvo e outros
Sustentação Oral: Dr. Rubem Ferraz de Oliveira Lima, pela recorrente e Dr. Roberto Calvo, pela recorrida
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 337
EMENTA: Bolsa de mercadorias e futuros. Intervenção. Hedger.
As atividades da BM&F são objeto de auto-regulação. Reconhecida a inexistência de norma estatutária ou contratual que autorizasse a intervenção no mercado, atingindo a posição do hedger, descabe reapreciar a matéria em recurso especial.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o voto vista do Sr. Ministro Fontes de Alencar, por unanimidade, não conhecer do recurso. O Sr. Ministro Barros Monteiro acompanhou os voos anteriormente proferidos. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília, 23 de abril de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente em exercício. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DJ de 25-08-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Brascan Administração e Investimentos Ltda., Ticket Serviços, Comércio e Administração Ltda., Vereda S/A- Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários e
Boa Vista Itatiaia Companhia de Seguros propuseram ação ordinária contra a Bolsa Mercantil & de Futuros, objetivando a declaração da ilegalidade de deliberação da ré e sua condenação à quantia de NCz$ 1.574.215,66, correspondente ao prejuízo sofrido em virtude da mencionada deliberação, ao ordenar a liquidação compulsória de parte das posições que detinham no mercado de futuro de Ibovespa, com limite máximo de oscilação.
Contra a sentença de improcedência da ação, apelaram os autores e a ego 8ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por maioria de votos, negou provimento ao recurso.
Interpostos embargos de declaração, foram eles parcialmente recebidos para fixar a verba honorária em 15% do valor atribuído à causa.
Os autores interpuseram embargos infringentes e a mesma ego 8ª Câmara Civil, por maioria de votos, acolheu os embargos e julgou procedente a ação, invertendo os ônus da sucumbência.
Autores e ré ingressaram com embargos de declaração, tendo a ego Câmara rejeitado ambos os recursos.
338 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
Brascan Administração e Investimentos Ltda. e outras e Bolsa Mercantil & de Futuros, atualmente denominada Bolsa de Mercados & Futuros - BM&F, ingressaram, a primeira, com recurso especial, a segunda com recursos extraordinário e especial. No recurso das autoras (alínea a), alegou-se que os vv. arestos proferidos nos Embargos Infringentes n Q 137.293-1/0-03 e nos embargos de declaração, teriam afrontado o § 3Q
, do artigo 20, do CPC. A ré recorre pela alínea a, alegan
do violação aos artigos 165, 458, incisos II e III, 535, inciso II, do CPC, 159, 160, inciso I, 965 e 1.058, do Código Civil. Sustenta a recorrente: a) nulidade dos acórdãos proferidos nos embargos infringentes e nos declaratórios dele opostos, por falta de fundamentação legal (arts. 165, 458, II e 535, II, do CPC); b) ofensa aos artigos 159, 160, 1.058 e 965 do CC, matérias que teriam sido amplamente prequestionadas, embora inexistindo nos julgados referência expressa às disposições legais. Esclarece que, diante da insolvência do aplicador N aji N ahas, sem condições de liquidar posição compradora assumida, a Comissão de Valores Mobiliários (Deliberação 80-CVM, de 11 de junho de 1989) decretou o recesso das Bolsas de Valores no dia 12 de junho e suspendeu as negociações e liquidações no mercado de balcão e com índices representativos de carteira de ações, nesse mesmo dia. Em tal contexto, a BM&F, através do Ofício Circular 55/ 89, tomou as providências cabíveis que lhe competiam, no estrito cumprimento do seu dever legal, respei-
tando um fato do príncipe contra o qual não tinha meios de rebelar-se (art. 107, da CR anterior, 37, § 6Q
,
da CR/88 e artigos 159, 160, I e 1.058 do Código Civil). Diz, ainda, que "dentro de seu indispensável poder de auto-regulação do mercado, assentado na lei, a BM&F, buscando salvar o mercado como um todo e impedir reflexos danosos, em seu meio, de fortíssima crise então experimentada pela Bovespa, determinou, genericamente, que todos os detentores de posições vendidas reduzissem apenas pequeno percentual das posições que detinham, tãosó cerca de 15% das mesmas." Assim, o v. acórdão recorrido, ao considerar ilícita a intervenção da BM&F no mercado, ocorrida no exercício regular de seu direito de auto-regulação, teria contrariado o artigo 160, inciso I, do Código Civil.
Com as contra-razões, o Tribunal de origem admitiu o recurso extraordinário e parcialmente o especial ofertados pela BM&F, inadmitindo o recurso da Brascan e outras.
Ambas as partes manifestaram agravos de instrumento (nQJi 70.751-2/SP e 70.752-20/SP), improvido o das autoras e não conhecido o da ré.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. Não encontro nos vv. acórdãos recorridos, proferidos nos embargos infringentes e nos embargos declaratórios, os defeitos apontados pela recorrente.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 339
Ao julgar os embargos infringentes, a ego Câmara fundamentou suficientemente a sua decisão, expondo as razões de fato e de direito que justificavam a solução adotada, inclusive fazendo remissão ao longo e erudito voto vencido. Não estava obrigada a indicar dispositivo legal além daqueles referidos no relatório, nem o de analisar cada um dos argumentos apresentados pelas partes, senão os suficientes para chegar à sua conclusão. O certo é que foram enfrentadas as questões jurídicas submetidas a julgamento, permitindo às partes a interposição dos recursos cabíveis.
Inexistindo a omissão, não havia o que suprir através dos embargos declaratórios, e sua rejeição está longe de constituir nulidade processuaL
De outra parte, o tema da responsabilidade civil da Bolsa de Mercadorias & Futuros está bem definida e examinada nos julgados objeto deste recurso especial.
2. Interessa para a compreensão da causa reproduzir documentos que estão nos autos, descrevendo a natureza das operações realizadas, os fundamentos apresentados pelas partes e os dos julgados já proferidos:
a) Os autores descreveram as atividades da Bolsa de Mercadorias e Futuros:
"As autoras, assim como diversas outras pessoas físicas e
. jurídicas, são investidoras de recursos próprios no mercado de ações, tanto no mercado à
vista, quanto no mercado a futuro de índice.
As autoras operam contratos a futuro de índices na Bolsa Mercantil & de Futuros (doravante abreviadamente designada BM&F). O objeto de tais contratos, saliente-se, é o contrato a futuro de índice Bovespa (Ibovespa).
O índice BOVESPA mede a lucratividade de uma carteira teórica de ações composta pelos valores mobiliários mais representativos dentre os que são negociados na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). As autoras anexam, como doc. n Q 5, as especificações estipuladas pela BM&F do "conrato futuro de Ibovespa".
Conforme esclarece o anexo folheto editado pela BM&F (doc. 6), o mercado de ações é essencialmente um mercado de risco, risco esse que pode ser dividido em dois tipos:
a) risco não sistemático, ligado a acontecimentos que afetam um setor ou empresa isoladamente;
b) risco sistemático, atribuído a fatores, em geral macroeconômicos - tais como taxa de juros, política monetária, inflação e desempenho da economia -que afetam o mercado de ações como um todo.
O investidor, para se proteger do risco não sistemático,
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diversifica o seu patrimônio entre ações de setores/empresas diferentes, minimizando-o em relação àqueles que mantêm posições concentradas em poucas ações.
De outro lado, não há como possa o investidor, por maior que seja a sua carteira de ações, se proteger do risco sistemático, salvo se ele se utilizar do hedge.
É ainda a BM&F que esclarece no citado folheto (doc. nº 6):
" os participantes do mercado terão a oportunidade de reduzir ou eliminar o risco sistemático através de um instrumento moderno, flexível, de baixo custo.
Os detentores de ações poderão fazer hedge contra a desvalorização de sua carteira." (os destaques são nossos)
Através do hedging de venda, o investidor, ao adquirir ações de mercado à vista, pode defender-se do risco de queda do preço das ações, vendendo contratos Ibovespa a futuro na BM&F. Portanto, ao vender contratos de índice Bovespa no mercado futuro, o investidor utiliza-se de um instrumento que lhe oferece uma proteção, ou seguro, contra o chamado risco sistemático.
Para que seja bem compreendido o mecanismo de funci-
onamento do mercado, a futuro de índice quando se pratica o hedging de venda, como no ca-so dos autos, permitem-se às autoras exemplificar com números hipotéticos:
a) um investidor compra à vista, por 10, uma carteira das ações mais representativas dentre aquelas que compõem o índice Bovespa;
b) concomitantemente, vende a futuro um contrato de índice Bovespa pelo valor, por exemplo, de 15;
c) se o valor de sua carteira à vista cai de 1 ° para 8, ele estará perdendo 2; em compensação, para neutralizar essa perda, se o valor do contrato futuro cair de 15 para 12, ele estará ganhando 3, porque vendeu a futuro por 15 o que está valendo 12; com isso, garante a perda de 2 no mercado à vista e ainda ganha 1 como remuneração do capital aplicado naquele mercado;
d) ao contrário, se o valor de sua carteira à vista sobe de 10 para 13 e o contrato futuro de 15 para 17, ele estará lucrando 3 no mercado à vista e perdendo 2 no futuro, porque terá vendido o futuro por 15 o que vale no mercado 17.
Assim, no mercado futuro, sempre que há uma valoriza-
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ção, o investidor que vendeu a futuro perde, enquanto aquele que comprou a futuro ganha.
Olhando o reverso, sempre que há uma desvalorização do mercado, quem vendeu a futuro ganha, enquanto aquele que comprou a futuro perde.
N a verdade, porém, o investidor que está ganhando no hedging com a queda no mercado à vista não está apenas tendo lucro; está se protegendo contra a desvalorização da carteira à vista.
Exatamente em função de tais oscilações no mercado futuro, a BM&F efetiva os chamados ajustes diários, que são definidos como:
"equalização de todas as posições no mercado futuro, com base no preço de compensação do dia, e com a conseqüente movimentação diária de débitos e créditos nas contas dos Clientes/Operadores Especiais, de acordo com a variação negativa ou positiva no valor das posições por eles mantidas" (art. 1 Q, n Q 002, do Regulamento de Operações da BM&F -doc. 7).
Assim, a cada oscilação no mercado futuro, a BM&F exige do investidor que sofreu o prejuízo o respectivo ajuste, creditando-o aos que estiverem na outra ponta da operação. Disso resulta a movimentação
diária de lucros e preJulzos para as posições com saldo credor e devedor, respectivamente. Assim, se a cotação sobe, os vendedores pagam o seu prejuízo naquele dia e os compradores recebem o valor correspondente. Ao contrário, se a cotação desce, os compradores pagam o prejuízo daquele dia, e os vendedores recebem o valor correspondente.
De outro lado, se ocorre uma inadimplência de parte do investidor, seja qual for a posição em que ele se encontre, a BM&F deve determinar a liquidação compulsória daquele que não cumpriu com a sua obrigação, conforme dispõe o seu Regulamento (doc. n Q 7), verbis:
"Art. 69. Os Clientes considerados inadimplentes ficarão sujeitos às seguintes penalidades:
I - Liquidação de suas posições, em qualquer mercado, sob responsabilidade de Corretores de Mercadorias associadas da Bolsa, a critério destas;
Il-Divulgação, pela Bolsa, de sua condição de inadimplente, por solicitação da Corretora de Mercadorias."
Se ainda assim o comitente não honrar seus pagamentos, perante a BM&F responderá a Corretora de Mercadorias (art. 46 do Regulamento de Opera-
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ções - doc. 7), a qual, por isso, deve exigir de seus clientes garantias suficientes para operarem em Bolsa." (fls. 03/07)
b)Aré, de sua vez,justificou a sua determinação, ora posta em cheque pelas requerentes:
"Mas, será que a Ré poderia determinar o que determinou através do Ofício Circular 055/ 89-SG? Dentre as normas que as Autoras declararam conhecer há previsão para situações como as ora atacadas? É evidente que sim. Os Estatutos sociais e o Regulamento de Operações da Bolsa, que são anexados a estes autos em suas íntegras, prevêem essas situações.
As atribuições do Superintendente Geral estão regulamentadas e previstas no artigo 49 dos Estatutos Sociais, cuja íntegra as Autoras já declararam conhecer e aderiram expressamente. As posições detidas pelas autoras, também previstas no Regulamento de Operações, podiam ser reduzidas. Dispõem os artigos 52, 83, 85 e 86 do Regulamento de Operações:
"Art. 52 - A Bolsa, a seu critério, poderá estabelecer períodos de negociação, nos quais não sejam observados os limites de oscilação diária das cotações nos mercados futuros."
"Art. 83 - ...
§ p- ...
§ 2Q - Os detentores de
posições que excederem os limites que venham a ser estabelecidos, deverão enquadrar-se às novas condições no prazo que for determinado pela Bolsa, findo o qual as posições excedentes serão fechadas compulsoriamente."
"Art. 85 - No exercício de suas funções, o Superintendente Geral poderá:
I- ...
U - Estabelecer normas e procedimentos especiais para quaisquer operações a serem efetuadas em seus pregões;
Art. 86 - O Superintendente Geral, caso considere necessário, poderá ainda:
I- ...
U - Determinar a liquidação parcial ou total de posições em aberto, de Operador Especial, Corretora de Mercadorias ou Cliente."
Verifica-se, pelo exame das normas retro expostas, conhecidas e aceitas pelas Autoras como válidas para regular um mercado do qual participam, que não houve, por parte da Ré, qualquer atitude arbitrária ou ilegal em relação às Autoras ou aos contratos por elas mantidos. Ao contrário, o que
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fez a Ré foi regular, atividade inerente ao seu objeto social, as condições de operacionalização do mercado em um momento em que a falta dessa regulação, prevista em seus Estatutos, sem nenhuma infringência às disposições de ordem pública, poderia, aí sim, trazer sérios prejuízos ao mercado como um todo, inclusive às Autoras. Talvez, nessa hipótese, poderiam as mesmas se insurgir contra a Ré, mas nunca pelos atos até aqui praticados e ora atacados." (fls. 153/155)
c) A sentença de improcedência da ação considerou que:
"O núcleo de toda a questão reside na possibilidade jurídica de adoção, pela ré, de certa norma excepcional de liquidação de contratos e se a ela compete indenizar eventual prejuízo disso resultante. A resposta será encontrada no princípio da auto-regulamentação emergente do Estatuto Social da BM&F e das normas monovalentes por ela editadas para regramento das operações.
Assim é que, o Regulamento contém disposições atributivas de autonomia à acionada para desrespeitar limites de oscilação diária das cotações nos mercados futuros (art. 52), fechamento compulsório de posições (art. 83, § 22), tudo em prol da manutenção dos objetivos elencados no art. 22 do Estatuto.
Dentre as atribuições do Superintendente Geral, estatutariamente prevista (art. 49), detém ele o poder-dever de "estabelecer normas e procedimentos especiais para quaisquer operações a serem efetuadas em seus pregões" e de "determinar a liquidação parcial ou total de posições em aberto, de Operador Especial, Corretora de Mercadorias ou Cliente" (arts. 85, II e 86, II, do Regulamento de Operações).
Em virtude do conhecido "episódio N ahas, a Comissão de Valores Mobiliários decretou o recesso das Bolsas de Valores no dia 12 de junho/89, com a suspensão das negociações e liquidações no mercado de balcão, razão pela qual a Bovespa resolveu estabelecer um limite de oscilação diária de 10%, em caráter provisório, seguindo-lhe a ré os passos, através de Ofício Circular n 2
055/89-SG, subscrito pelo Superintendente Geral, dentro dos limites de sua competência.
Sem dúvida, a situação reinante era anômala, como amplamente divulgado, merecendo imediata tomada de posição, para o reequilíbrio do mercado bursátil. E isso foi feito genericamente, em benefício do sistema como um todo, e não para beneficiar alguns em detrimento de outros, o que resguarda o princípio da eqüitatividade.
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Todos os que operam no mercado de Bolsas conhecem suas normas e sabem dos riscos do negócio. As corretoras não podem a respeito alegar ignorância, porque inseridas no contexto; as investidoras, como as autoras, que contratam a intermediação, igualmente não as podem ignorar, pela natureza própria das operações escolhidas, como por força de cláusula contratual." (fls. 290/292)
d) o v. acórdão que manteve o juízo de improcedência, segue pelo mesmo diapasão:
"O problema que agora se coloca é o da legitimidade da intervenção da ré nas operações mencionadas. Tem ela competência para fazê-lo ou deveria deixar que o mercado se acalmasse? Em suma, qual o conteúdo jurídico da denominada auto-regulamentação? Quais seus limites?
Como assinala Fernando Albino de Oliveira, diante da insuficiência da legislação a propósito das operações e da Intervenção da Bolsa no mercado, durante muito tempo "praticou a auto-regulação, resolvendo, a partir de suas regras estatutárias e com base nos usos e costumes, as eventuais pendências entre as várias participantes e adaptando-se às mudanças de política econômica" (ob. cit., pág. 227). O ilustre autor aponta três intervenções do mercado futuro
e afirma que "não se pode negar que essas sucessivas intervenções criam um clima de insegurança nos participantes do mercado, que desconhecem o que pode ser determinado pelas autoridades monetárias, fazendo-o reticentes à abertura de novas posições" (idem, ibidem).
Não se pode negar, evidentemente, qualquer poder de polícia à Bolsa. Pode e deve ela intervir, por força de sua competência, uma vez que não é mera assistente privilegiada do que se passa sob seus olhos, quando depara com excesso de posições. Já L. G. Paes de Barros Leães afirma que cabe à Bolsa "fiscalizar a atuação de seus membros e as operações nelas realizadas" ("Mercado de Capitais" - Insider Trading, RT, 1982, pág. 134). Cabe à Bolsa, pois, baixar normas reguladoras de suas próprias atividades e das de terceiros que ali negociam fiscalizando seu cumprimento e, eventualmente, diante de comportamentos antijurídicos, impor as sanções correspondentes. É que não há norma sem sanção.
Em acórdão proferido no Recurso Extraordinário n Q 86.771, o então Min. Antônio Neder, no famoso caso Cepalma, firmou orientação que cabe à Bolsa de Valores "a competência fiscalizadora das operações bolsistas, quer no tocante à conduta das corretoras, quer
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no tocante ao cumprimento da lei por quaisquer sociedades que negociem seus títulos naquelas operações. É evidente que tal fiscalização deve ser exercida para evitar fraudes nas operações de bolsas e o conseqüente prejuízo das adquirentes de títulos" (in "Mercado de Capitais S/A - Jurisprudência", voI. 1, organizado por Nelson Eizirik e Aurélio Wander Bastos). O acórdão encontra-se na "Rev. Trim. de Jur.", voI. 89/565-574).
A regulação do mercado destina-se, como se vê, a evitar fraudes. É que não pode a Bolsa fiscalizar o ganho e a perda de cada qual, uma vez que o risco é da essência da compra e venda de ações e de mercadorias.
No caso de Bolsa de Valores, ao invés de intervenção do Estado, há o que se denomina de auto-regulação que advém da auto-regulamentação. Em relação às Bolsas de Valores, há auto-regulação advinda de texto de lei que defere à Comissão de Valores Mobiliários, a competência para a fiscalização das sociedades corretoras, nos termos do art. 17 da Lei n Q
6.385/76.
No caso dos autos, inexiste regulação advinda de lei. Cinge-se à regulação voluntária, isto é, advinda da adesão das corretoras à Bolsa Mercantil & de Futuros. Através de contrato, a corretora convenciona com
o cliente e a forma de participação no mercado acionário e afirma sujeitar-se à disciplina normativa da Bolsa. Evidente está que o Superintendente pode determinar uma série de providências, tal como advém dos arts. 85 e 86 do Regulamento.
Decorre de tal competência, que é ela deferida ao Superintendente sempre que houver interesse geral (ou público) envolvido. Nunca para resguardar qualquer interesse dos associados da Bolsa. Afirma Nelson Eizirik que "quando a Bolsa eventualmante atua, na esfera de seu poder normativo e disciplinar, protegendo os interesses de seus associados, em detrimento do interesse da generalidade dos participantes do mercado, há evidente desvio de finalidade da auto-regulação, tendo como resultado a ilegitimidade e ineficácia de tais atos contrários ao interesse público" (parecer - fls. 378).
Em seguida, afirma que "no caso das Bolsas de Futuros, a auto-regulação, exercida numa base corporativa e estatutária, deve promover, em primeiro lugar, a necessária liquidez aos contratos nelas transacionados, em mercado livre e aberto, assegurando aos hedgers a adequada contra os riscos provenientes da flutuação de preços no mercado à vista" (pág. 379)." (fls. 622/625)
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e) Porém, a decisão que ora está em exame, e que interessa para o deslinde do recurso especial, estabeleceu três enunciados:
1) a BM&F tem poder de auto-regulação;
lI) o regulamento da Bolsa permite a intervenção nas operações já realizadas;
lII) no caso, essa intervenção aconteceu fora do permitido pelo seu estatuto, de modo arbitrário e desnecessário.
No exame que fazem dos estatutos e do regulamento das operações da BM&F, tanto o voto vencido, como o parecer anexado aos autos, entendem que houve desvio de finalidade:
"As bolsas constituem associações civis, entidades de direito privado, cujos objetivos fundamentais são os de:
a) manter um local adequado à realização, entre seus associados, as Sociedades Corretoras, de transações com títulos e valores mobiliários (e Commodities, no caso das Bolsas de Mercadorias), estabelecendo e implementando sistemas de negociações que propiciem continuidade de preços e li quidez ao mercado;
b) preservar elevados padrões éticos de negociação para os seus associados, baixando normas reguladoras de suas atividades, fiscalizando seu
cumprimento e aplicando aos transgressores as penalidades cabíveis.
Daí considerarmos as Bolsas como entidades tipicamente auto-reguladoras. Por auto-regulação entende-se basicamente a normatização e fiscalização, por parte dos próprios membros do mercado, organizados em instituições ou associações privadas, de suas atividades, sempre com vistas à manutenção de elevados padrões éticos. No caso da autoregulação, portanto, ao invés de haver uma intervenção direta do Estado, disciplinando os negócios dos participantes do mercado, estes se autopoliciam (ou se "auto-regulam") no atendimento dos deveres legais e padrões éticos consensualmente aceitos e consagrados pela prática dos negócios (conformejá tivemos a oportunidade de analisar em: AutoRegulação: Perspectivas após o "Caso Cepalma", in Revista Brasileira de Mercado de Capitais, Rio, IBMEC, n Q 13, jan.labril de 1979; e Questões de Direito Societário e Mercado de Capitais, Rio, Forense, 1987, págs. 129 e seguintes).
A auto-regulação pode ser exercida por imposição legal ou de forma puramente voluntária. N o caso das Bolsas de Valores, a auto-regulação é exercida por imposição legal, sendo mesmo tais entidades, ainda que privadas e autônomas, consideradas "órgãos
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auxiliares" da Comissão de Valores Mobiliários no que tange à fiscalização das Sociedades Corretoras, nos termos do art. 17 da Lei 6.385/76. Já no caso das Bolsas de Mercadorias e de Futuros a auto-regulação é voluntária, na medida em que inexiste norma legal obrigando-as a fiscalizar seus associados. No caso, a autoregulação configura um sistema normativo corporativo, que, embora instaurado sem expressa imposição legal, reveste-se de certa eficácia jurídica uma vez que as normas baixadas pelas Bolsas são de caráter estatutário e consuetudinário. Na medida em que tais normas são baseadas em praxes uniformes e gerais seguidas no mercado, sua legitimidade promana de prática reiterada, devendo ser referendadas pelo direito positivo, dada a função interpretativa e integradora nos negócios jurídicos dos usos observados no comércio, a teor do art. 131 do Código Comercial (Luis Gastão Paes de Barros Leães, ob. cit., pág. 34).
As Bolsas, embora entidades de direito privado, desempenham funções de interesse público, relacionadas à manutenção de um mercado com continuidade de preços e apto a propiciar liquidez aos títulos nele transacionados, no qual os participantes devem observar elevados padrões éticos. Daí entendermos que as Bolsas constituem autênticos "órgãos de colaboração" com o poder público (Arnoldo Wald e Nelson Eizirik, O regime jurídico das bolsas
de valores e sua autonomia frente ao Estado, Revista de Direito Mercantil, n Q 61,jan./abril, 1986).
Daí decorre que a auto-regulação deve ser sempre exercida com vistas ao interesse público, nunca buscando apenas resguardar o interesse dos associados da Bolsa. Quando a Bolsa eventualmente atua, na esfera de seu poder normativo e disciplinar, protegendo os interesses de seus associados, em detrimento do interesse da generalidade dos participantes do mercado, há evidente desvio de finalidade da autoregulação, tendo como resultado a ilegitimidade e ineficácia de tais atos contrários ao interesse público.
Considera-se, em estudos teóricos sobre a regulação de mercados, que em tais casos a entidade auto-reguladora é "capturada" por seus associados, que utilizam o poder normativo - estatutário da entidade em benefício de seus próprios interesses. N esse sentido, vale notar que a chamada "teoria da captura" (cf. o nosso O papel do Estado na Regulação do Mercado de Capitais, Rio, IBMEC, 1977, págs. 43 e seguintes) ou "Teoria Econômica da Regulação" (George Stigler. The Theory of Economic Regulation in The Bell Journal ofEconomics and Management Science, N ew York, voI. 2, n Q 1, 1971; e Richard Posner, Theories ofEconomic Regulation, The Bell J ournal of Economics and Management Science, NewYork, voI. 5, n Q 2,1974) demonstra que muitas vezes a regu-
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lação estatal ou a auto-regulação exercida pelas Bolsas é estabelecida com vistas à proteção dos agentes econômicos mais poderosos, notadamente nos casos de normas jurídicas que impedem maior competição e que mantêm privilégios conhecidos ou permitem a cartelização por parte de empresasjá posicionadas no mercado.
No caso das Bolsas de Futuros, a auto-regulação, exercida numa base corporativa e estatutária, deve promover, em primeiro lugar, a necessária liquidez aos contratos nelas transacionados, em mercado livre e aberto, assegurando aos hedgers a adequada proteção contra os riscos provenientes da flutuação de preços no mercado à vista. Em segundo lugar, cabe às Bolsas disciplinar a conduta de seus associados, as Sociedades Corretoras, de tal sorte que mantenham elas, permanentemente, adequados padrões éticos e princípios eqüitativos de negociação, não lesando jamais os interesses dos investidores, seus clientes.
Nesse sentido o Estatuto Social da BM&F em seu art. 2Q dispõe que:
"Art. 2Q - A Bolsa tem por
objeto social:
I - organizar, prover o funcionamento e desenvolver um mercado livre e aberto, para negociação de mercadorias e ativos financeiros;
II - manter local adequado à realização de operações de compra e venda de mercadorias e ativos financeiros, especialmente organizado e fiscalizado pelos seus associados;
III - dotar, permanentemente, o referido local de todas as facilidades necessárias à pronta e eficiente realização e liquidação dessas operações;
IV - estabelecer e organizar sistemas de negociação que propiciem continuidade de preços e liquidez ao mercado;
V - estabelecer normas e princípios eqüitativos de negociação, preservando elevados padrões éticos, para as pessoas que nela atuem, direta ou indiretamente;
VI - regulamentar as transações e dirimir questões operacionais em que sejam interessados os seus associados;
VII - efetuar registro, compensação e liquidação das operações realizadas em seus pregões;
VIII - divulgar as operações realizadas, em seus pregões, com rapidez, amplitude e detalhes;
IX - fiscalizar os seus associados e as operações realizadas em seus pregões;
X - aplicar penalidade aos infratores das normas legais, regulamentares e operacionais;
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XI - conceder, aos seus associados, crédito operacional relacionado com o objeto social declarado;
XII - participar de outras sociedades ou associações e exercer atividades que não contrariem as disposições deste Estatuto e a legislação vigente."
Os objetivos básicos das normas de auto-regulação estão ligados, portanto, à manutenção de um mercado livre e aberto, dotado de permanente liquidez, e no qual as operações possam ser divulgadas com rapidez, em atenção ao princípio do full disclosure Ctransparência de informações).
Ademais, deve a auto-regulação evitar a manipulação no mercado, que compromete a liquidez, dada a artificialidade de preços sempre resultante da ação do manipulador. Numa situação de manipulação do mercado, as cotações a futuro comportam-se artificialmente, diminuindo a correlação entre os preços à vista e a futuro, e conseqüentemente dificultando o hedge, que consiste, conforme antes analisado em processo de transferência d~ riscos.
Os casos clássicos de manipulação nos mercados futuros são classificados como de corners ou squeezes. Configura-se o corner quando um investidor ou grupo de investidores alcança substancial controle sobre determinado contrato futuro, com o objetivo de
manipular os preços. Para tanto, ele adquire pesadas posições compradoras a futuro, sem que a oferta disponível no mercado à vista permita aos "vendidos" liquidar suas posições mediante a entrega dos bens objeto do contrato. Já a situação de squeeze ocorre quando os investidores com posições vendedoras não podem liquidar suas posições, exceto pagando preços excepcionalmente elevados, em conseqüência de alguma perturbação repentina ocorrida no processo de formação de preços no mercado futuro CAilton Coentro Filho, A regulação econômica dos mercados futuros: o caso dos contratos de índices e de taxas de juros, São Paulo, publicação da Bolsa Mercantil & de Futuros, janeiro de 1986).
V - Objetivos das normas auto-reguladoras que estabelecem limites de posições
Normalmente, no exercício de sua auto-regulação, as Bolsas de Futuros e de Mercadorias atribuem, a si próprias, mediante regras estatutárias, amplos poderes de normatização sobre os negócios realizados em seus recintos.
Pode-se mesmo dizer, analogicamente aos poderes exercidos pela Administração Pública na disciplina das atividades dos particulares, que as Bolsas detêm determinados poderes discricionários na regulação dos mercados.
O poder discricionário é aquele que permite ao agente a práti-
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ca de atos com liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e do modo de sua realização, na lição clássica de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, RT, 132 ed., 1987, pág. 127).
Evidentemente não se confunde o ato discricionário com o ato arbitrário. Com efeito, a discricionariedade consiste na permissão outorgada por lei à Administração para que esta escolha, entre as várias possibilidades de solução, aquela que melhor corresponda aos objetivos da lei. Se a Administração, no uso de seu poder discricionário, não atende ao fim legal, pratica abuso de poder (Victor Nunes Leal, in Revista de Direito Administrativo, nº 14, pág.66).
Comentando a afirmação acima, Hely Lopes Meirelles leciona que:
"Qual será, entretanto, o "fim legal" a que o jurista pátrio se refere? Bielsa e Bonnard nos respondem, quase com as mesmas palavras: o fim legal é o que vem expresso ou subentendido na lei. E na realidade assim é. A lei administrativa é sempre finalística: almeja um objetivo a ser atingido pela Administração, através de ato ou atos jurídicos que constituem meios para a consecução de tais fins. A atividade do administrador público -
vinculada ou discricionária -há de estar sempre dirigida para o fim legal, que, em última análise, colima o bem comum.
Discricionários, portanto, só podem ser os meios e os modos de administrar; nunca os fins a atingir. Em tema de fins - a lição é de Bonnard - não existe jamais, para a Administração, um poder discricionário. Porque não lhe é nunca deixado poder de livre apreciação quanto ao fim a alcançar. O fim é sempre imposto pelas leis e regulamentos, seja explícita, seja implicitamente." (ob. cit., pág. 129).
A legitimidade das determinações das Bolsas, como entidades auto-reguladoras, está igualmente condicionada ao atendimento das finalidades das suas regras. Assim, quando uma determinação da Bolsa, que atinge os interesses dos investidores, não está conforme os fins expressos ou implícitos nas suas regras estatutárias, tal determinação é evidentemente arbitrária, e, portanto, ilegal.
No contexto da auto-regulação dos mercados futuros, as Bolsas eventualmente baixam regras que estabelecem limites de posições. Tais regras, em circunstâncias excepcionais (uma vez que atingem negócios jurídicos j á firmados) podem ser aplicadas aos contratos em curso.
Nesse sentido, o Regulamento de Operações da BM&F, em seu art. 83, dispõe que:
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"Art. 83 - A Bolsa poderá estabelecer limites operacionais por Agentes de Compensação, Corretoras de Mercadorias, Operadores Especiais e Clientes, ou Grupo de Clientes que, segundo seu critério, estejam agindo em conjunto ou representando um mesmo interesse.
§ 1 Q - Os limites operacionais a que se refere o caput deste artigo, poderão compreender:
a) Todos os determinados mercados;
b) Contratos de mercadorias e ativos financeiros específicos.
§ 2Q - Os detentores de po
sições que excederem os limites que venham a ser estabelecidos, deverão enquadrar-se às novas condições no prazo que for determinado pela Bolsa, findo o qual as posições excedentes serão fechadas compulsoriamente.
§ 3Q - Durante o período de
enquadramento referido no parágrafo anterior, incidirão sobre as posições excedentes, margens adicionais que serão estabelecidas a critério da Bolsa".
E o art. 86 do mesmo Regulamento estabelece que:
"Art. 86 - O Superintendente Geral, caso considere necessário, poderá ainda:
I - Proibir, por prazo indeterminado, que Operador Especial, Corretora de Mercadorias e Cliente operem em quaisquer mercados, ou abram novas posições;
II - Determinar a liquidação parcial ou total de posições em aberto, de Operador Especial, Corretora de Mercadorias e Cliente."
Verificamos, portanto, que a BM&F pode estabelecer limites operacionais para seus associados e para os investidores. Uma vez estabelecidos tais limites, os detentores de posições que os excedam devem enquadrar-se às novas condições, no prazo fixado pela Bolsa, sob pena de terem suas posições excedentes liquidadas compulsoriamente. Com vistas a operacionalizar tal previsão regulamentar, é atribuído ao Superintendente Geral da Bolsa o poder de "determinar a liquidação parcial ou total das posições em aberto", de operador especial, Corretora ou investidor.
As normas acima podem ser invocadas, conforme se verifica, frente a contratos já celebrados (ou "posições em aberto"), daí devendo decorrer extrema cautela em sua aplicação, só justificável em circunstâncias excepcionais.
O poder da Bolsa na aplicação das normas acima é discricionário. Para não resvalar no arbítrio, deve ser conforme os fins das referidas disposições regulamentares.
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Não temos qualquer dúvida em afirmar que as disposições regulamentares que permitem à Bolsa estabelecer limites operacionais e determinar a liquidação total ou parcial de posições tem uma finalidade evidente: coibir a concentração excessiva, com a conseqüente manipulação de preços. Ou seja, são normas que se dirigem aos manipuladores do mercado, os quais, dada a concentração de posições em seu poder, podem ocasionar situações de corner ou de squeeze.
Conforme destaca o estudo publicado pela BM&F:
" ... ao constatarem tentativas de manipulação, as bolsas podem impor limites de posições mais restritivas, aumentar as exigências de margem e liquidar total ou parcialmente as posições dos investidores no mercado" (Ailton Coentro Filho, ob. cit., pág. 7 - os grifos são nossos).
A Bolsa Brasileria de Futuros - BBF, congênere da BM&P', dispõe, em seu Capítulo 18, sobre as "medidas de emergência", entre as quais está incluída a do "fechamento total ou parcial de posições de comitentes e/ou membros de mercado". Dado o seu caráter excepcional, nos termos do Regulamento de Operações da BBF tais medidas de emergência podem ser aplicadas nas hipóteses seguintes:
I - Número excessivo de posições em aberto.
II - Excessiva concentração das posições em aberto a nível de membros ou comitentes.
III - Excessivo grau de especulação no mercado que possa provocar risco considerável de não cumprimento das obrigações assumidas pelas partes contratantes.
IV - Iminência de situações de guerra, calamidade ou ameaça de hostilidades.
V - Introdução de medidas governamentais que possam afetar os preços ou o funcionamento do mercado.
Idêntica é a situação no direito norte-americano. Nos termos das normas contidas no Commodity Exchange Act, que manifestamente inspiraram as regras estatutárias das Bolsas de Futuros Brasileiras, a CFTC é dotada de emergency powers, que podem ser exercidos em casos de manipulação ou comers (Regulation ofthe Future Industry, in The Concise Handbook of Future Markets, cit., 5-27). Nesse sentido, a Seção 4ª do Commodity Exchange Act atribui à CFTC o poder de estabelecer limites de posições, sempre visando coibir a manipulação e a excessiva especulação no mercado.
Tais disposições excepcionais não se aplicam aos hedgers conforme a "Regulation § 1.3 (z) I"
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da CFTC, dado o objeto essencial dos mercados futuros de possibilitar a proteção contra os riscos da variação de preços. Considera-se, a propósito, que o risco de manipulação decorrente de posições concentradas, não existe quando o detentor de tais posições é um hedger. Nesse sentido, observa-se que:
"Position limits are subject to a number of special rules. The most important ofthese is that positions limits do not apply to "bona fide" hedging transactions. The danger populary associated with large positions are deemed not likely to arise if the person holding the position is a hedger" (Regulation of the Future Industry, in The Concise Handbook ofFuture Industry, cit., 5-27).
Há raríssimos exemplos, na experiência internacional, de aplicação de tais regras, dado o seu caráter excepcional. O mais notável deles foi o caso dos irmãos Hunt no mercado da prata, em 1979/80. No período de setembro de 79 a janeiro de 80, o preço da prata no mercado spot da Comex (uma das principais bolsas de mercadorias nos EUA) elevouse em cerca da 400%, alcançando US$ 49 a onça. Tal preço foi o resultado das substanciais aquisições de contratos de prata no mercado futuro por parte dos irmãos Hunt, que pretendiam deixar os vendedores em situação de corner. Visando precisamente coi-
bir a manipulação, a Comex restringiu os limites de posições dos manipuladores, forçando-os a liquidarem suas posições.
Se a Bolsa eventualmente determina a liquidação total ou parcial de posições de hedgers que estão atuando de boa-fé, que não estão promovendo qualquer manipulação, nem detêm posições que caracterizem indevida concentração, tal determinação evidentemente é contrária aos princípios da auto-regulação do mercado, caracterizando ato arbitrário, dado o desvio de finalidade nele verificado.
O desvio de finalidade, no caso, configura-se pela violação ideológica das regras da Bolsa, cujos objetivos não podem ser os de causar prejuízos indevidos aos hedgers de boa-fé. As regras que permitem a imposição de limites e a determinação de "fechamento" de posições tem um endereço certo e único: coibir a ação dos manipuladores. Ao aplicar tais regras contra os hedgers, a Bolsa comete ato arbitrário, no qual se caracteriza o desvio de finalidade, a violação moral de seus próprios regulamentos. Tal ato ilegal, ao causar prejuízos aos hedgers de boa-fé, gera à Bolsa, evidentemente, o dever de indenizálos".
"O problema que agora se coloca é o da legitimidade da intervenção da ré nas operações mencionadas. Tem ela competência para fazê-lo ou deveria deixar que o mercado se acalmasse? Em
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suma, qual o conteúdo jurídico da denominada auto-regulamentação? Quais seus limites?
Como assinala Fernando Albino de Oliveira, diante da insuficiência da legislação a propósito das operações e da intervenção da Bolsa no mercado, durante muito tempo "praticou a autoregulação, resolvendo, a partir de suas regras estatutárias e com base nos usos e costumes, as eventuais pendências entre os vários participantes e adaptando-se às mudanças de política econômica" (ob. cit., pág. 227). O ilustre autor aponta três intervenções do mercado futuro e afirma que "não se pode negar que essas sucessivas intervenções criam um clima de insegurança nos participantes do mercado, que desconhecem o que pode ser determinado pelas autoridades monetárias, fazendoo reticentes à abertura de novas posições" (idem, ibidem).
Não se pode negar, evidentemente, qualquer poder de polícia à Bolsa. Pode e deve ela intervir, por força de sua competência, uma vez que não é mera assistente privilegiada do que se passa sob seus olhos, quando depara com excesso de posições. Já L.G. Paes de Barros Leães afirma que cabe à Bolsa "fiscalizar a atuação de seus membros e as operações nelas realizadas" ("Mercado de Capitais" - "Insider Trading", RT, 1982, pág. 134). Cabe à Bolsa, pois, baixar normas reguladoras de suas próprias atividades e das de terceiros que ali
negociam, fiscalizando seu cumprimento e, eventualmente, diante de comportamentos antijurídicos, impor as sanções correspondentes. É que não há norma sem sanção.
Em acórdão proferido no Rercuso Extraordinário n Q 86.771, o então Min. Antônio N eder, no famoso caso Cepalma firmou orientação que cabe à Bolsa de Valores "a competência fiscalizadora das operações bolsistas, quer no tocante à conduta das corretoras, quer no tocante ao cumprimento da lei por quaisquer sociedades que negociem seus títulos naquelas operações. É evidente que tal fiscalização deve ser exercida para evitar fraudes nas operações de bolsas e o conseqüente prejuízo dos adquirentes de títulos." (in "Mercado de Capitais S/A - Jurisprudência", voI. I, organizado por Nelson Elzirik e Aurélio Wander Bastos). O acórdão encontra-se na "Rev. Trim. de Jur.", voI. 89/565-574.
A regulação do mercado destina-se, como se vê, a evitar fraudes. É que não pode a Bolsa fiscalizar o ganho e a perda de cada qual, uma vez que o risco é da essência da compra e venda de ações e de mercadorias.
No caso de Bolsa de Valores, ao invés de intervenção do Estado, há o que se denomina de autoregulação que advém da auto-regulamentação. Em relação às Bolsas de Valores, há auto-regulação advinda de texto de lei que defere à Comissão de Valores Mo-
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biliários, a competência para a fiscalização das sociedades corretoras, nos termos do art. 17 da Lei n Q 6.358/76.
N o caso dos autos, inexiste regulação advinda de lei. Cinge-se à regulação voluntária, isto é, advinda da adesão das corretoras à Bolsa Mercantil & de Futuros. Através de contrato, a corretora convenciona com o cliente a forma de participação no mercado acionário e afirma suj eitar-se à disciplina normativa da Bolsa. Evidente está que o Superintendente pode determinar uma série de providências, tal como advém dos arts. 85 e 86 do Regulamento.
Decorre de tal competência, que é ela deferida ao Superintendente sempre que houver interesse geral (ou público) envolvido. Nunca para resguardar qualquer interesse dos associados da Bolsa. Afirma Nelson Eizirik que "quando a Bolsa eventualmente atua, na esfera de seu poder normativo e disciplinar, protegendo os interesses de seus associados, em detrimento do interesse da generalidade dos participantes do mercado, há evidente desvio de finalidade da auto-regulação, tendo como resultado a ilegitimidade e ineficácia de tais atos contrários ao interesse público" (parecer - fl. 378).
Em seguida, afirma que "no caso das Bolsas de Futuros, a auto-regulação, exercida numa base corporativa e estatutária, deve promover, em primeiro lugar, a
necessária liquidez aos contratos nelas transacionados, em mercado livre e aberto, assegurando aos hedgers a adequada contra os riscos provenientes da flutuação de preços no mercado à vista" (pág. 379).
É com base neles que o v. acórdão assim julgou a causa:
"A questão está em saber se a intervenção no mercado promovida pela ré através de Ofício Circular 055/89 encontra justificativa perante as autoras, que se viram obrigadas a liquidar antecipada e prejudicialmente seus contratos de venda a futuro de Ibovespa.
A ré afirma seu poder e seu dever de intervenção em vista das condições anormais do mercado, quando do episódio Nagi Nahas, particularmente em vista da Deliberação n Q 80 da CVM, decretando o recesso das Bolsas de Valores no dia 12.06.89.
A razão está com as autoras.
Não se discute a existência do poder-dever de intervenção no mercado por parte da ré. Tem esta, pela própria natureza de sua atuação, o poder discricionário para regulamentar atividades e intervir nelas, se for o caso.
A discrição, contudo e como é sabido, não se confunde com o arbítrio, com a irresponsabilidade e a indenidade. Não há discrição, em favor de quem quer que seja, para a prática de ato precipitado e insensato que cause prejuízo a outrem.
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As autoras acautelaram-se através de operações de hedging quanto à posição de vendedor de contratos Ibovespa. Estavam elas, autoras, absolutamente adimplentes em relação a todos os seus contratos, que deveriam ser liquidados no momento próprio. Foram liquidados antecipadamente por força (é este o termo adequado) da intervenção da ré.
A entender o poder discricionário como quer a ré, era preciso que o investidor mais cauteloso buscasse alguma operação à semelhança do hedging, para se garantir não apenas dos azares do mercado, mas também da atuação arbitrária da própria Bolsa.
Veja-se que o tumulto verificou-se nas Bolsas de Valores, no ambiente do objeto mediato, indireto, dos contratos das autoras. Isto é, o tumulto poderia atingir o índice Bovespa, índice este que era o objeto dos contratos. As Bolsas de Valores podiam estar preocupadas. A preocupação da ré, que estava evidentemente mais distante do tumulto por isso que apenas admitia a negociação em torno dos índices daquelas Bolsas, não podia chegar ao ponto de fulminar contratos legítimos, corretos, em plena vigência. Ainda mais quando se nota que o recesso determinado das Bolsas de Valores determinado pela CVM foi de um só dia.
Ocorresse o tumulto do mercado de outra commodity, em razão de fenômeno natural, como geada, granizo, etc., por certo a ré
não iria impor a liquidação dos contratos dos hedgers, que se garantem contra fenômenos imprevistos, de qualquer natureza.
Na verdade, as autoras, como hedgers, cautelosas, inteiramente adimplentes, não podiam ser atropeladas pela ré em nome do que se passava na Bovespa, em recesso por um dia.
A causa direta, eficiente, do prejuízo suportado pelas autoras - conforme se vê dos docs. juntos à inicial - não foi a sorte ou o azar- foi o ato arbitrário e desneces~ário praticado pela ré, a qual, assim, tem o dever de indenizar.
Por tais motivos e adotados os fundamentos do v. voto vencido, bem como as conclusões do lúcido parecer do Dr. Nelson Eizirik, os embargos são recebidos, julgando-se procedente a ação e invertidos os ônus da sucumbência". (fls. 7141716)
3. Nesse contexto, para acolher as teses apresentadas pela recorrente deveria esta Turma interpretar a~ cláusulas estatutárias e examinar os fatos, assim como provados, para concluir que a regra estatutária e as cláusulas contratuais assumidas pelos participantes da operação permitiam a intervenção da administração da Bolsa, através do seu Superintendente, naquela situação vivenciada pela Bolsa, para adotar as providências impostas às autoras, determinando-lhes uma operação e fixando a oscilação dos preços. Somente com o exame dos
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fatos seria possível definir se houve negligência da Bolsa, em não impedir que um investidor assumisse posição compradora em níveis que não podia cumprir, e imprudência ao ordenar às autoras certo comportamento negociaI que lhes impediu de obter os lucros possíveis, mantida a liberdade de mercado. O v. acórdão recorrido entendeu que a Bolsa atuou indevidamente, em favor dos seus associados e em desfavor do hedger, cuja posição ficaria ainda mais desprotegida na medida em que a posição vendida servia, como ocorre com tal figura, para resguardá-lo de eventual prejuízo no mercado à vista.
4. Não há lei dispondo sobre as atividades de bolsas de futuros, razão pela qual suas operações são objeto de auto-regulação. Nesse ponto, observo inexistir, na auto-regulação da BM&F, regra que permita sua intervenção no mercado diante da iminência de grandes lucros e conseqüentes perdas, por força de queda na cotação do mercado à vista, com reflexos no mercado de futuros. Se pretendesse exercer esse papel, e intervir toda vez que se apresentasse uma situação de queda nas cotações, com possibilidade de perdas generalizadas, essa hipótese deveria ficar claramente estabelecida nos seus estatutos e no regulamento de operações, pois seria um marco definidor de toda a sua atividade. Isso, porém, penso eu, descaracterizaria a sua atual feição, que é a de uma atividade de risco, e eliminaria a segurança que o hedger nela procura, para compensar perdas no mercado à vista. Ainterven-
ção se explica para evitar o abuso na operação e há de ser eminentemente preventiva. Sendo excepcionalmente repressiva, há de recair sobre quem teve o comportamento indevido; para atingir um terceiro, que seguiu rigorosamente as regras do jogo, modificando contratos já celebrados, seria indispensável que tal possibilidade estivesse admitida pelas partes, como sendo uma das regras desse jogo.
5. No caso dos autos, o reconhecimento da existência de culpa da Bolsa, como afirmado no v. acórdão recorrido, leva necessariamente à sua responsabilização, pelo que inexistiu ofensa ao artigo 159 do CCivil. Se houve abuso, não incidiu o artigo 160, do mesmo diploma. Tudo está fundamentado, portanto, em matéria de fato, não reapreciável nesta instância (Súmula n 2 7).
Por tudo isso, não conheço do recurso.
É o voto.
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: A sentença de fls. 286/ 293 (22 voU dera pela improcedência da ação, que Brascan Administração e Investimentos Ltda. Ticket Serviços, Comércio e Administração Ltda., Vereda S/A - Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários e Boavista Itatiaia Companhia de Seguros moveram contra Bolsa Mercantil & de Futuros.
A Oitava Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, por
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maioria de votos, negou provimento a apelo manifestado pelas vencidas em primeiro grau (fls. 605/628 - 4Q vol.).
Ao apreciar embargos infringentes por aquela decisão provocados, a Oitava Câmara Civil do Tribunal também por pluralidade de votos, o~ acolheu,
"julgando-se procedente a ação e invertidos os ônus da sucumbência" (fls. 713 - 4Q vol.).
O recurso de que se ocupa a Corte é o de fls. 769/810 - 4Q vol., em que figuram a BM&F, como recorrente, e Brascan Administração e Investimentos Ltda. e outros, como recorridos. Fundado na alínea a do inciso III do art. 105 da Constituição Federal, traz ele a indicação de ofensa aos arts. 165, 458 II e 535 II, do Código de Processo'Ci~il, e d~ contrariedade aos arts. 159 160 I 965 e 1.058 do Código Civil Br;si~ leiro.
O eminente relator afastou, de início, a alegância de ofensa a dispositivos processuais. Adiante, consignou:
"No caso dos autos, o reconhecimento da existência de culpa da Bolsa, como afirmado no v. acórdão recorrido, leva necessariamente a sua responsabilização, pelo que inexistiu ofensa ao art. 159 do C. Civil. Se houve abuso não incidiu o art. 160, do mesm~ diploma. Tudo está fundamentado, portanto, em matéria de fato ,
não reapreciável nesta instância (Súmula n Q 07)".
Qual o relator, não diviso nos acórdãos tomados nos embargos infringentes e nos declaratórios os senões de que se os acoima; e adoto, a propósito, a fundamentação inaugural do seu voto.
Transcrevo do voto vencido quando da apelação, proporcionador dos embargos infringentes:
"A intervenção, em razão da liquidação antecipada, causou prejuízos descritos à fl. 16 dos autos, incontestados, em seu montante, pela ré.
................. (omissis) ............. .
O comportamento da ré caracteriza-se como antijurídico, dele tendo derivado dano às autoras que deve ser composto pela ré, n~ forma pleiteada na inicial" (fl. 627 - 4Q vol.).
Do voto norteador da decisão acolhedora dos embargos infringentes, reproduzo:
"A causa direta, eficiente, do prejuízo suportado pelas autoras - conforme se vê dos docs. juntos à inicial - não foi a sorte ou o azar; foi o ato arbitrário e desnecessário praticado pela ré, a qual, assim, tem o dever de indenizar.
Por tais motivos e adotados os fundamentos do v. voto vencido bem como as conclusões do lúci~
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do parecer do Dr. Nelson Eizirik, os embargos são recebidos, julgando-se procedente a ação e invertidos os ônus da sucumbência" (fl. 716 - 49 vol.).
Eis por que, acompanhando o em. relator, não conheço do recurso.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Sr. Presidente. Estou de acordo com o Sr. Ministor-Relator, porque entendo que, em substância, se trata de aplicação, no caso, da Súmula n 9 7 desta Casa.
RECURSO ESPECIAL N9 73.865 - RS
(Registro n9 95.0434932-3)
Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar
Recorrente: Caixa Econômica Federal - CEF
Advogados: Drs. Vera Lúcia Bicca Andujar e outros
Recorrido: Di Pinto Pancaro
Advogados: Drs. Nicolau Frederes e outros
EMENTA: Recurso especial.
- A parte não unânime da decisão em apelação não abre ensejo a recurso especial.
- Súmula n 9 83 do Superior Tribunal de Justiça.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.
Brasília, 10 de junho de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.
Publicado no DJ de 25-08-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Trata-se de ação promovida por Di Pinto Pancaro contra União Federal, Caixa Econômica Federal, Banco Bradesco S/A, Ban-
360 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
co Real S/A e Banco Meridional do Brasil S/A, objetivando diferença de correção monetária, em caderneta de poupança, relativa ao mês dejaneiro de 1989.
O Juiz Federal da Segunda Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul prolatou a sentença de fls. 132/141, com o seguinte dispositivo:
"Excluo da lide por manifesta ilegitimidade a União. Mantenho na lide a CEF na condição de banco depositário. Declino da competência em favor da Justiça Estadual para apreciação do litígio estabelecido entre as pessoas não abrangidas no art. 109, I, da C.F. Julgo improcedente a demanda".
A autora apelou (fls. 143/152). O Tribunal Regional Federal da Quarta Região deu parcial provimento ao recurso, e o acórdão correspondente recebeu o seguinte sumário:
"Processo Civil. Cadernetas de poupança. Ilegitimidade passiva da União Federal. Incompetência da Justiça Federal para causas entre particulares. Rendimentos de fevereiro de 1989. Variação do IPC. Correção monetária.
1. A União Federal não está legitimada passivamente para responder por diferenças de rendimentos objeto de contrato entre depositante e depositário, devendo figurar como partes apenas aqueles que participam do contrato de poupança.
2. É incompetente a Justiça Federal para as causas entre par-
ticulares, devendo o acionante litigar contra eles perante a Justiça comum.
3. Pelo ciclo mensal a que estão sujeitos, os depósitos de caderneta de poupança efetuados até 15.01.89 devem ter seus rendimentos calculados com base na variação do IPC.
4. Os reflexos e incidências deverão ser calculados a contar da data do crédito. A correção monetária deverá ser apurada como se os valores em caderneta de poupança estivessem até a data do ajuizamento da ação, e, a partir daí, nos termos da Lei n 9 6.899/ 81.
5. Apelação parcialmente provida" (fl. 181).
Caixa Econômica Federal manifestou recurso especial com fulcro no art. 105, lII, a e c da Constituição Federal, alegando ofensa aos arts. 19 , § 29 da Lei n 9 6.899/81 e 39
e 267, VI, do Código de Processo Civil; negativa de vigência do art. 17, da Lei n 9 7.730/89, e 19 , da Lei n 9 6.899/91, e dissídio jurisprudencial (fls. 184/196).
. O recurso foi admitido na origem (fls. 206/208).
VOTO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): O acórdão bem afastou a preliminar de ilegitimidade passiva da recorrente. Vale anotado que se firmou ajurisprudência desta Corte no sentido de que
R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 361
"a relação decorrente do contrato de caderneta de poupança estabelece-se entre o poupador e o agente financeiro".
Pacífico, também, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que o art. 17, da Lei nº 7.730/89 é inaplicável às contas de poupança com período trintidial iniciado até 15 de janeiro de 1989.
A incidência da correção monetária nos termos do voto da Juíza Tânia Escobar, não abre ensejo ao recurso especial, porquanto no ponto a deliberação não foi unânime.
Inapreciável é o dissídio jurisprudencial, porque superado o dissenso pretoriano (Súmula nº 983, do STJ).
Destarte, não conheço do presente recurso.
RECURSO ESPECIAL Nº 96.229 - AM
(Registro nº 96.0032169-8)
Relator Originário: O Sr. Ministro Barros Monteiro
Relator pl Acórdão: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha
Recorrente: Banco da Amazônia SI A - BASA
Recorrida: Indústria Bortolli Ltda.
Advogados: Drs. João Bosco de Albuquerque Toledano e outros, e José Marconi Moreira e outros
EMENTA: Processual civil. Citação. Instituição financeira. Gerente.
Pelas peculiaridades da espécie, tem-se por válida a citação feita em gerente de instituição financeira, em que a pretensão resistida posta em desate decorreu de atos por ele praticados.
Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, não conhecer
do recurso, vencido o Sr. MinistroRelator. Votaram com o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Fontes de Alencar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília, 01 de abril de 1997 (data do julgamento).
362 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro CESARASFOR ROCHA, Relator p/acórdão.
Publicado no DJ de 29-09-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Na ação ordinária de responsabilidade civil que lhe move "Indústrias Bortolli Ltda.", o "Banco da Amazônia S.A. - BASA" interpôs agravo de instrumento contra a decisão que lhe indeferiu o pedido de nulidade da citação, por efetuada na pessoa do gerente da agência de Manacapuru, que, além de não ser o seu representante legal, não tinha poderes para receber citação, nem havia participado dos atos ensejadores do litígio.
O Tribunal de Justiça do Amazonas negou provimento ao recurso com os seguintes fundamentos.
"Não assiste razão ao Agravante.
Com efeito, infere-se dos autos que a ação principal foi ajuizada no prazo legal, inexistindo, portanto, excesso de prazo da cautelar, motivo pelo qual não vislumbro a alegada 'caducidade' da medida, que inclusive transitou em julgado e, o Agravante apesar de regularmente citado não apresentou contestação, incorrendo em revelia e confissão sobre a matéria de fato, em conseqüência das quais o julgador monocrático estabeleceu as regras para a tu-
tela jurisdicional provocada, legitimando a Agência do BASA de Manacapuru para aquele ato e subseqüentes.
Também não lhe assiste razão quanto à argüição de nulidade da citação irregular.
Ora, em decorrência da revelia, a citação evidentemente teria que ser mesmo endereçada à Agência de Manacapuru, atendendo ao pedido inicial, além do fato da Diretoria Agravante estar sediada na cidade de Belém-PA, e a prática dos atos de negócios terem sido executados pela Agência local. Desse modo, desacolho a argüição da nulidade denunciada, por entender que não houve infringência aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Assim, incensurável se apresenta a r. decisão hostilizada, conheço do Agravo de Instrumento, mas nego-lhe provimento para manter por seus fundamentos a decisão agravada" (fls. 211).
O agravante, com fundamento no art. 535-1 e II do CPC, opôs embargos de declaração, requerendo manifestação expressa do Tribunal sobre peças trasladadas nos autos -as quais, segundo ele, comprovavam que a ação principal fora ajuizada além do prazo previsto no art. 806 do CPC e atestavam a inexistência do trânsito em julgado da sentença proferida na medida cautelar precedente. Pleiteou, também, que a origem debatesse sobre a possibilidade de seu estatuto (o qual desig-
R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 363
na seu representante legal) e das normas federais que disciplinam a citação serem modificados, ex officio, pelo Poder Judiciário. Finalmente, requereu que o Tribunal discutisse a validade da citação efetivada em pessoa sem poderes para recebê-la e que não tenha participado dos atos que originaram a ação, bem como a influência do decidido na ação cautelar em relação a ato irregular praticado no processo principal.
Rejeitaram-se os declaratórios.
Inconformado, o agravante manifestou o presente recurso especial com arrimo nas alíneas a e c do permissivo constitucional, apontando afronta aos arts. 5QCXXV e 93-IX da Constituição Federal, 19,29 , 12-VI, 125-1, 165, 215, 247, 535-1 e II e 458-II e III do CPC e 17 do CC, além de divergência jurisprudencial com julgados desta Corte e do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. Preliminarmente, alegando que o Tribunal a quo se recusou a debater os temas aventados nos embargos de declaração, requereu a decretação da nulidade do acórdão recorrido. No mérito, sustentando que o Poder Judiciário não pode modificar as disposições legais referentes à citação, insistiu na invalidade do ato citatório.
Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido na origem.
É o relatório.
VOTO (VENCIDO)
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): 1. Inocorren-
te no caso a alegada negativa de prestação jurisdicional.
Nos embargos declaratórios opostos, pretendeu o banco recorrente rediscutir o thema decidendum, para o que, como é sabido, não se presta a via eleita. Bem precisa e delineada encontrava-se a fundamentação expendida pelo julgado recorrido (fls. 211), pelo que prescindível era mesmo que o Eg. Tribunal de origem viesse a deduzir novas considerações sobre questões já decididas.
2. Tocante à questão de fundo ventilada no presente apelo excepcional, assiste, porém, razão ao ora recorrente.
N a ação ordinária de reparação de danos (ação principal), a citação do réu operou-se na pessoa do Gerente da Agência de Manacapuru, Wilhame Maia da Gama, que, por sinal, na realização do ato, se recusara a exarar a nota de ciente, por não dispor dos poderes para receber citação (fls. 34 vQ
).
Tanto a sentença como o V. Acórdão reportaram-se à antecedente medida cautelar requerida pela empresa autora, na qual aflorara a mesma questão incidente e ainda na qual se decretara a revelia da instituição bancária ante a ausência de contrariedade ao pedido inicial em tempo hábil. O Acórdão combatido aludiu, outrossim, ao fato de a Diretoria do banco achar-se sediada na cidade de Belém-PA e pela circunstãncia de terem sido os atos negociais em tela praticados pela agência local.
364 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
Assim considerando, o decisório ora recorrido negou aplicação aos arts. 12, n Q VI, e 215 do Código de Processo Civil e 17 do Código Civil, pois a citação há de fazer-se a quem represente legalmente a pessoa jurídica. Em mais de uma oportunidade tem esta Eg. Turma proclamado a inviabilidade da citação feita na pessoa do gerente sem poderes de representação. Confiram-se os julgados: REsp's n~ 6.607-MG; 7.088-RS; 20.071-8/RS; 22.487-5/ MG, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira; REsp n Q 1.253-RS, relator designado o Sr. Ministro Eduardo Ribeiro; REsp's n~ 5.061-MG; 7.082-RS e 9.109-SP, por mim relatados.
E. D. Moniz de Aragão lembra, a propósito do estatuído no art. 215, parágrafo 1 Q, do Código de Processo Civil, que "não basta que o citando não seja momentaneamente encontrado e tampouco que não o seja por ter domicílio certo e conhecido em outro lugar" (Comentários ao Código de Processo Civil, voI. II, pág. 236, 7e ed.).
Ora, no caso em apreciação, o banco réu possui inegavelmente domicílio certo e conhecido, sendo manifesta a circunstância de que o gerente da agência local não detém poderes de representação.
Não era, pois, a hipótese de aplicar-se o disposto no supramencionado art. 215, § 1 Q, da lei processual civil, nem mesmo a denominada teoria da aparência, reservada para casos especialíssimos em que deve ser empregada com a necessária cautela (REsp n Q 26.610-9/SP, relator Ministro Athos Carneiro).
Bem a propósito, vale salientar os fundamentos adotados pelo em. Ministro Eduardo Ribeiro em voto proferido no REsp n Q 1.253-RS, de que S. Exa. foi relator designado para lavrar o Acórdão, in verbis:
"Tenho dificuldade em aceitar, para ato de tal importância, entendimento que enseje dar-se por feita a citação quando, em verdade, não o foi em forma regular. Não se ignora que conseqüências graves podem advir da revelia, em nosso vigente direito processual. A contrapartida será a rigorosa observância das exigências legais, de maneira a que não se possa ter dúvida razoável de que o objetivo do ato foi alcançado.
O fato de alguém encontrar-se em situação tal que leve o Oficial à errônea convicção de que é representante da empresa não me parece bastante. E de todo em todo irrelevante a boa ou ma-fé daquele servidor. E não se evidenciando que a ré procurou deliberadamente enganá-lo, não se justifica pague ela pelo erro. As pessoas jurídicas são representadas por quem os estatutos determinem e não por aqueles que simplesmente tenham a aparência de para isso estarem autorizados".
Não releva que in casu tenha ocorrido incidente semelhante na medida cautelar intentada anteriormente à ação indenizatória e que, ali, tenha sido declarada a revelia do banco-réu. Claro está que, no referido feito cautelar, o Magistrado singular dera como legítima a
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 365
agência de Manacapuru para responder aos atos relativos àquele processo, inclusive os subseqüentes, "se houverem". A decisão ali havida não tinha como produzir efeitos em outra lide, ainda que instaurada entre as mesmas partes.
Não tendo o gerente da agência local poderes para receber citação, o julgado combatido efetivamente atentou contra as disposições insertas nos arts. 12, n 9 VI, e 215, do CPC, e 17 do Código Civil, acima mencionados. Apenas não é suscetível de configurar-se na espécie o dissídio interpretativo, eis que o recorrente se cingiu a transcrever as ementas dos arestos paradigmáticos, sem mencionar, como de rigor, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem as hipóteses confrontadas (arts. 541, § único, do CPC; 255, § 29 , do RISTJ).
Ante o exposto, conheço, em parte, do recurso pela alínea a do admissivo constitucional e, nessa parte, dou-lhe provimento, a fim de anular o processo a partir da citação, inclusive, determinando que o recorrente seja intimado desta decisão e a partir daí apresente a contestação que tiver, no prazo legal.
É o meu voto.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): Ousei, com o respeito devido, discordar do eminente Ministro Barros Monteiro, relator originário deste feito, tendo em conta as peculiaridades do caso.
A questão cuida de se saber da validade ou não da citação procedida na pessoa do gerente de agência bancária, originária de atos por ele executados, com a configuração de que a sede da instituição financeira situa-se em outra Comarca.
O eminente Relator, pelos judiciosos fundamentos integrantes de seu douto voto, concluiu que não.
Entendo, contudo, que sim e o faço com esteio no disposto no § 19
do art. 215 do Código de Processo Civil, que assim dispõe:
"Estando o réu ausente, a citação far-se-á na pessoa de seu mandatário, administrador ou gerente, quando a ação se originar de atos por eles praticados".
O comando aí contido objetiva facilitar o acesso à jurisdição, na medida em que possibilita ao autor ingressar em juízo para desembaraçar uma situação litigiosa na mesma localidade em que foram ocorrentes os atos que lhe deram ensejo.
Devo consignar, que a expressão réu ausente, não se contém nos estreitos limites do conceito expresso no Código Civil (art. 463).
É que, para essa hipótese, o § 19
do art. 215 do Código de Processo Civil não tem nenhuma aplicação, pois o art. 463 do Código Civil já estabelece que o ausente será representado por procurador ou por curador, e o art. 12, IV, do Código de Processo Civil, pontifica que a herança jacente ou vacante, decorrente da ausência, será representada por seu curador.
366 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
Por outro lado, a ausência do referido § 1 Q do art. 215 não se encarta nas hipóteses enumeradas pelo art. 231 do Código de Processo Civil, quando cuida da citação por edital.
Com efeito, essa outra hipótese de "ausência" cogitada neste feito não está subsumida nem no conceito de réu com paradeiro ignorado, incerto ou inacessível, nem no de réu desconhecido ou incerto.
Ao contrário, aqui se sabe iniludivelmente quem é o réu e onde ele pode ser encontrado.
Apenas quis o legislador, e em boa hora, facilitar o acesso à jurisdição, diminuindo as dificuldades para a ela se chegar tendo em conta a vastidão do território nacional, os elevados custos processuais e as conhecidas dificuldades para praticar atos judiciais fora da sede em que se desenvolva a causa, permitindo que as pessoas física e jurídica, quando não estiverem - presentes por si ou por quem os seus estatutos indicarem - na comarca em que se tenha desenrolada a ação, possam ser citadas por seu mandatário, administrador, feitor ou gerente, se estes lá estiverem e quando a ação se originar de atos por eles praticados.
Assim, o que o legislador processual quis, em verdade, e fê-lo, foi conferir fictamente a esses mandatário, administrador, feitor ou gerente, nas hipóteses acima cogitadas, poderes para receberem citação pelas pessoas que eles representaram, quando a ação se originar de atos por eles praticados.
N a hipótese, o r. aresto hostilizado asseverou que a pretensão resistida posta em desate, decorreu de atos negociais executados pela agência local de Manacapuru da instituição financeira, e a Diretoria da recorrente tem sede na cidade de Belém, Estado do Pará.
Verifica-se, destarte, que a situação em exame ajusta-se, com acurada harmonia, à hipótese prevista no referido § 1 Q do art. 215 do Código de Processo Civil.
Por tais pressupostos, não conheço do recurso.
VOTO- VOGAL
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente, o estabelecimento que abre filiais e instala sucursais em diversas cidades e, através dessas agências, realiza negócios por preposto lá estabelecido, autorizado a praticar atos da vida civil, recebe citação na pessoa desse preposto. Este, assim como age e se obriga do ponto de vista comercial e bancário, também há de estar habilitado a praticar atos e a se obrigar do ponto de vista processual. No mais, é uma questão de organização da empresa: teve estas condições para se instalar e se expandir; há de tê-las para receber oportuna comunicação do seu agente e assim exercer a sua defesa adequadamente.
Daí por que há de se aplicar, nessas hipóteses, a teoria da aparência, como foi feito em caso precedente julgado nesta mesma sessão.
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Por isso, peço vênia ao Eminente Ministro-Relator para acompanhar o Eminente Ministro Cesar Asfor Rocha e não conhecer do recurso.
VOTO-VOGAL
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Sr. Presidente, peço vênia ao Sr. Ministro-Relator para acompanhar o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Peço vênia ao Ministro-Relator para dele também divergir, em face do aspecto fático constante do relatório, ressaltado pelo Ministro Cesar Rocha, e da orientação que veio a ser adotada nesta Turma, de que incide a teoria da aparência em se cuidando de negócio envolvendo a própria agência bancária.
RECURSO ESPECIAL NQ 111.519 - RS
(Registro n Q 96.0067221-0)
Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar
Recorrente: Maria Luiza Berizzi
Advogados: Drs. Maria Otilia Diehl e outros
Recorrida: Caixa Econômica Federal - CEF
Advogados: Drs. Vera Bicca Andujar e outros
EMENTA: Poupança. Diferença de correção monetária.
- Súmula 43 do STJ.
- Recurso especial atendido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros
Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.
Brasília, 28 de abril de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.
Publicado no DJ de 10-11-97.
368 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FONTES E ALENCAR: Trata-se de ação ordinária promovida por Maria Luiza Berizzi contra a Caixa Econômica Federal objetivando complementação da correção monetária em caderneta de poupança referente ao mês de junho de 1987.
A sentença de fls. 48/54 repeliu a argüição de ilegitimidade passiva ad causam, rejeitou o pleito de denunciação da lide, e julgou improcedente a ação.
A Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, à unanimidade, deu parcial provimento ao apelo da demandada, nos termos expressos no acórdão de fls. 95/100.
A autora manifestou recurso especial (fls. 102/106) com fulcro no art. 105, lII, a e c, da Constituição Federal, dizendo que sua irresignação
"está sobre o marco inicial da correção monetária, incidente sobre o seu crédito, no sentido de que seja delimitado a partir da
data da lesão a seu patrimônio, ou seja, julho de 1987 e não somente a contar do ajuizamento do feito"
Afirma a recorrente que o acórdão violou a Lei 4.357/67 e a Lei 4.535/64; e alega dissídio jurisprudencial.
O recurso foi admitido à fl. 142.
VOTO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): A alegação genérica de violação das leis federais que a recorrente menciona é imprópria do recurso especial.
A discrepância de jurisprudência por demonstrada a tenho em relação ao precedente do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul.
Dessarte, e atento ao que na Súmula 43 do STJ se contém, do recurso conheço e provimento lhe dou, para que o valor devido seja corrigido
"desde julho de 1987 até a data do seu efetivo pagamento".
RECURSO ESPECIAL NQ 112.236 - RJ (Registro nQ 96.0069059-6)
Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar Recorrente: Banco Real S/A Recorrido: MFG Comercial de Presentes Ltda. Advogados: Vinicius Mari e outros, e Roberto Alves dos Reis e outros
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 369
EMENTA: Duplicata. Protesto. Cancelamento. Dano moral. Responsabilidade do banco.
- A jurisprudência predominante no STJ admite o cancelamento do protesto de duplicata sem causa.
- A responsabilidade pela indenização dos danos é do banco que levou o título sem causa ao cartório.
- A pessoa jurídica pode sofrer dano à sua honra objetiva.
Precedentes.
Recurso conhecido em parte, pela divergência, mas improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do recurso, mas lhe negar provimento. Votaram com o Relatar os Srs. Ministros Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha.
Brasília, 28 de abril de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DJ de 25-08-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Adoto O relatório do v. aresto de fls. 114/115, verbis:
"A empresa Meridional S/A Comércio e Indústria após emitir duplicatas frias contra a segun-
da apelante, (MFG Comercial de Presentes Ltda.), transacionou esses títulos simulados com o Banco Real S/A e Banco Noroeste S/A, que os levaram a protesto, causando danos materiais e morais à autora, conforme consta da inicial. O objetivo da presente ação é não só o cancelamento dos protestos desses títulos como ainda o ressarcimento dos danos sofridos pela autora.
A sentença (fls. 363/366) julgou improcedente o pedido por entender, o seu douto prolator, que o protesto foi legítimo posto que, em se tratando de cambiariforme, o endossante garante ao endossatário a legitin::idade do título e a esse não cabe verificá-la. Aduz que aos réus outra conduta não cabia, para conservar seus direitos, senão a que tiveram, e que a responsabilidade pela composição dos prejuízos é de quem ilegitimamente sacou as duplicatas.
Recorreu primeiramente o Banco Real S/A apenas contra a parte da sentença que o condenou a pagar honorários à denunciada, já que deu causa a que o Banco, em
370 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
sua defesa, a denunciasse à lide (fls. 368/372).
Recorreu também a autora (fls. 373/376) insistindo que os réus eram sabedores de que estavam diante de títulos simulados, que não correspondiam a qualquer compra e venda mercantil, pelo que indevido o protesto. Pede a reforma da sentença para o fim de ser julgado procedente o pedido."
A ego 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por votação majoritária, deu provimento parcial ao recurso de MFG Comercial de Presentes Ltda. e denegou o apelo do Banco Real S/A, contra o voto do em. Des. Relator, que negava provimento a ambos os recursos. Eis a ementa:
"Duplicata. Causa debendi inexistente. Nulidade do título. Inaplicação das regras do Direito Cartular.
Sendo título causal, não pode ser tida como duplicata a que é emitida sem efetiva correspondência a uma venda de mercadoria ou prestação de serviço, pressuposto econômico e legal para a sua existência. Saque sem causa, além de não produzir efeito no campo do direito cartular, em face da absoluta nulidade do título, caracteriza ainda ilícito penal. Conseqüentemente, não pode o suposto endossatário, mesmo que de boa-fé, invocar os princípios pertinentes ao endosso para excluir a sua responsabilida-
de pelo indevido protesto do falso título. Pode o endossatário de duplicata fria, ilaqueado em sua boa-fé, apenas voltar-se contra o falso sacador-endossante, jamais contra terceiro que não teve qualquer participação na fraude, por não serem aplicáveis ao fato decorrente de ilícito penal os princípios do direito cartular.
Responsabilidade civil. Dano moral à pessoa jurídica. Ressarcimento.
A pessoa jurídica, embora não seja titular de honra subjetiva, que se caracteriza pela dignidade, decoro e auto-estima, exclusiva do ser humano, é detentora de honra objetiva, fazendo jus à indenização por dano moral sempre que o seu bom nome, reputação ou imagem forem atingidos no meio comercial por algum ato ilícito.
Ademais, após a Constituição de 1988, a noção do dano moral não mais se restringe ao pretium doloris, abrangendo também qualquer ataque ao nome ou imagem da pessoa, física oujurídica, com vistas a resguardar a sua credibilidade e respeitabilidade.
Provimento parcial do segundo recurso." (f1. 113)
Opostos embargos infringentes, o ego 32 Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria, negou provimento ao recurso, em acórdão assim sumulado:
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 371
"Título de crédito. Duplicata. Nulidade por ausência de causa. Protesto e direito regressivo. Conseqüências do ato indevido. Responsabilidade civil. Ato ilícito. Protesto injusto. Pessoa jurídica, dano moral, abalo de crédito e ofensa ao bom nome comercial. Caráter, não apenas compensador da indenização, no seu aspecto patrimonial, mas também sancionador (punitivo) da injusta ofensa. Honra objetiva. Embargos rejeitados." (fi. 165)
o Banco Real S/A ingressou com recurso especial (alíneas a e c), alegando afronta aos artigos 13, § 4º, da Lei nº 5.474/68 e 160, I, do CC, bem como dissídio jurisprudencial. Sustenta: a) - necessidade do protesto para o exercício do direito de regresso contra endossantes e avalistas; b) - o banco endossatário não teve ciência de que o título era "frio", daí não lhe incumbir a responsabilidade pelos possíveis danos conseqüentes da cobrança; c) - afirma sua boa-fé; d) - diz que protestar os títulos nada mais foi que o exercício de um direito previsto em lei.
Com as contra-razões, o Tribunal de origem negou seguimento ao recurso especial por intempestivo.
Interposto agravo de instrumento, este foi por mim provido e processado como REsp.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. A duplicata é um título causal:
"Sendo então um título causal, a duplicata se distingue fundamentalmente dos cambiais, pois estas podem ser emitidas em virtude de qualquer relação fundamental, enquanto que a duplicata em virtude de uma compra e venda determinada.
Se a duplicata não corresponder a uma compra e venda, o emitente ou o aceitante serão passíveis de pena de detenção de um a cinco anos, além da multa equivalente a 20% sobre o valor da duplicata, de acordo com a nova redação dada ao art. 172 do Código Penal, pelo art. 26 da Lei nº 5.4 7 4." (Ayres Antonio Pereira Carollo, Duplicata da Origem à Atualidade, pág. 51)
2. Sendo assim, o protesto de duplicata sem causa, pelo banco-endossatário, pode ser sustado por ordem judicial, como ordinariamente tem sido decidido:
"Duplicata. Nulidade em virtude de derivar de negócio que não autoriza a emissão desse título.
Divergência não configurada com ocórdãos que afirmam, genericamente, resultar do aceite a abstração e desvinculação da causa, sem que estivesse em questão a invalidade original do título." (REsp 6.004-PR, 3" Turma, reI. o em. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 05/ 08/91)
"Direitos comercial e processual civil. Duplicata. Pretensão de declaração de nulidade. Banco endossatário. Ilegitimidade pas-
372 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
siva. Protesto. Cancelamento. Mas com ressalva de possibilidade de intentar ação de regresso. Recurso provido.
I - Não sendo oponíveis exceções de direito pessoal, existentes entre credor e devedor, a endossatária de boa-fé, instituição financeira que descontou o título, injustificável tê-la como parte no processo.
II - Declarada nula duplicata sem lastro, com sustação definitiva do pretenso protesto da mesma, faz-se necessário constar ressalva à endossatária da possibilidade de exercer seu direito de regresso contra endossantes e avalistas, uma vez que imprescindível o protesto para tal mister." (REsp 38.517 -MG, 4i! Turma, reI. o em. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 10/06/96)
"Comercial. Duplicata sem aceite. Protesto. Direito de regresso do endossatário.
I - A jurisprudência do STJ acolhe entendimento no sentido de que a duplicata sem aceite, posto que esvaziada de seu conteúdo causal, uma vez endossada, o endossatário, mesmo sem protesto, poderá exercer o direito de regresso, mormente quando, no título dado em garantia, firma-se também aval e avençase cláusula, dispensando-se o protesto.
II - Matéria de prova não se reexamina em especial (Súmula n Q 07/STJ).
III - Recurso não conhecido." (REsp 57.249-MG, 3i! Turma, reI.
o em. Min. Waldemar Zveiter, DJ 22/05/95)
3. Tem sido ressalvado o direito de o banco-endossatário agir contra o endossante:
"Tratando-se de duplicata não aceita que circula, a força cambiária do título pode ser exercida "somente contra quem se houver vinculado cambialmente" (REsp 10.542, da ego 3i! Turma, reI. em. Min. Eduardo Ribeiro).
Sendo assim, o sacado que não aceita a duplicata porque a dívida que ela representa já fora paga, pode obter do Juízo sentença que reconheça a ineficácia do título em relação a ele, ação essa que deve ser promovida tanto contra o sacador, responsável pela sua criação, como contra o Banco endossatário, que detém a posse do documento de dívida em razão de negócio cambiário estabelecido entre o sacador e o banco, através de endosso pleno. A pretensão do sacado é impedir a eventual cobrança do título e medidas outras que decorram da mora, como o protesto, pleito que deve ser ajuizado também contra o endossatário, pois é dele, como portador, o direito de exigir o pagamento:
- "Processo Civil. Direito comercial. Legitimidade passiva ad causam do endossatário de duplicata não aceita para as ações de inexistência de débito e de sustação de protesto. Agravo desprovido.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 373
Se a instituição financeira figura no título como endossatária, não se arreda sua legitimidade passiva para a ação declaratória de inexistência de débito e de sustação dos protestos, que levar a efeito juntamente com os outros integrantes da cadeia cambial." (AgRg no Agn9 37.132-RS, reI. em. Min. Sálvio de Figueiredo, 4ª Turma, DJU 06/09/93)
Para resguardar o direito do endossatário frente ao endossante, regulado no art. 13, parágrafo quarto, da Lei 5.474/68, basta fique explicitada a ressalva de que permanecia o direito de regresso do endossatário. Com isso se compõe tanto o direito do devedor-sacado, de não ser objeto de protesto pelo Oficial público (com os gravíssimos efeitos comerciais daí decorrentes, que não se limitam à simples relação cambial), em razão de uma dívida já paga, como o do endossatário, que não pode ficar desprotegido frente ao endossante e avalistas:
- "Comercial. Duplicata não aceita. Ausência de negócio subjacente. Endosso. Desconstituição do título. Efeitos cambiais entre endossante e endossatário. Ressalva.
Ressalvando os efeitos cambiais do endosso o acórdão que desconstitui o título não aceito, por falta de negócio subjacente, não contraria as regras, que autorizam o protesto da duplicata não aceita." (REsp
20.530-SP, reI. em. Min. Dias Trindade, 4ª Turma, DJU 08/ 11/93)
- "Protesto. Duplicata não aceita. Endosso.
Ressalvado o direto do banca endossatário, não viola a lei a sentença que julga procedente a ação anulatória de duplicatas não aceitas e torna definitiva a sustação do protesto." (REsp 15.772-RS, de minha relatoria, 4ª Turma, DJU 20/ 06/94)
Assim posta a questão, inexiste violação aos artigos de lei citados nas razões de recurso.
A divergência, sim, existe e ficou bem exposta nas razões de recurso, mas a mim parece melhor a orientação adotada no r. julgado da ego 3ª Turma, acima citado:
- "Duplicata não aceita -circulação.
Endossada a duplicata, aplicam-se as normas reguladoras das relações de natureza cambial, podendo o endossatário exercer todos os direitos emergentes do título. Isso, entretanto, contra quem se houver vinculado cambialmente. O sacado, só por sê-lo, não assume obrigação cambial que existirá caso lance seu aceite.
Protesto - Direito de regresso.
A posição do sacado que não aceitou não é afetadajuridicamente pelo protesto. Em vis-
374 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
ta, entretanto, das enormes conseqüências que o comércio empresta ao ato, admissível seja impedido aquele ato, com ressalva expressa do direito de regresso do endossatário." CREsp 10.542-SC, reI. em. Min. Eduardo Ribeiro, 3ª Turma, DJU 12.08.91)." CREsp 55.072-MG, 4ª Turma, de minha relatoria)
Legítimo, portanto, o comportamento do sacado, pois pelo dano que sofreu responde o banco que levou o título a protesto, com direito deste de ressarcir-se contra o endossante, criador do título sem causa.
4. Os precedentes desta 4ª Turma admitem o dano moral causado à pessoa jurídica:
"Quando se trata de pessoajurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, autoestima, etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto que a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor,
estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua.
Esta ofensa pode ter seu efeito limitado à diminuição do conceito público de que goza no seic da comunidade, sem repercussão direta e imediata sobre o seu patrimônio. Assim, embora a lição em sentido contrário de ilustres doutores CHoracio Roitman e Ramon Daniel Pizarro, EI Dano Moral y La Persona Juridica, RDPC, pág. 215) trata-se de verdadeiro dano extrapatrimonial, que existe e pode ser mensurado através de arbitramento. É certo, que, além disso, o dano à reputação da pessoa jurídica pode causar-lhe dano patrimonial, através do abalo de crédito, perda efetiva de chances de negócios e de celebração de contratos, diminuição de clientela, etc., donde concluo que as duas espécies de danos podem ser cumulativas, não excludentes.
Pierre Kayser, no seu clássico trabalho sobre os direitos da personalidade, observou:
"As pessoas morais são também investidas de direitos análogos aos direitos da personalidade. Elas são somente privadas dos direitos cuja existên-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 375
cia está ligada necessariamente à personalidade humana". (Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1971, v. 69, pág. 445).
E a moderna doutrina francesa recomenda a utilização da via indenizatória para a sua proteção:
"A proteção dos atributos morais da personalidade para a propositura de ação de responsabilidade não está reservada somente às pessoas físicas. Aos grupos personalizados tem sido admitido o uso dessa via para proteger seu direito ao nome ou para obter a condenação de autores de propostas escritas ou atos tendentes à ruína de sua reputação. A pessoa moral pode mesmo reivindicar a proteção, senão de sua vida privada, ao menos do segredo dos negócios." (Traité de Droit Civil, Viney, Les Obligations, La responsabilité, 1982, voI. lI, pág. 321).
No Brasil, está hoje assegurado constitucionalmente a indenizabilidade do dano moral à pessoa (art. 5Q
, X, da CR). Para dar efetiva aplicação ao preceito, pode ser utilizado a "regra exposta pelo art. 1.553 do CCivil, segundo o qual, 'nos casos não previstos neste capítulo, se fixará por arbitragem a indenização'. Esta disposição permite a inde-
nização dos danos morais e constitui uma cláusula geral dessa matéria" (Clóvis do Couto e Silva, "O Conceito de dano no Direito brasileiro e comparado", Rev. dos Tribunais, 667/7). O mesmo dano moral, de que pode ser vítima também a pessoajurídica, é reparável através da ação de indenização, avaliado o prejuízo por arbitramento.
No caso dos autos, a v. sentença, depois confirmada pelo v. acórdão, cujos fundamentos estão transcritos no relatório, além de admitir a existência de dano extrapatrimonial, também reconheceu a presença de dano patrimonial, diretamente derivada da conduta culposa do banco. Tanto por um fundamento, quanto pelo outro, cabível o deferimento do pedido indenizatório.
Isto posto, conhecendo do recurso pela divergência, nego-lhe provimento." (REsp 60.033-MG, 4ª Turma, de minha relatoria)
5. O tema sobre a existência dos prejuízos versa sobre matéria de fato, excluída desta via.
6. Posto isso, não conheço do recurso pela alínea a, por inexistência de violação à lei, mas conheço, em parte, pela divergência, que ficou bem demonstrada quanto à possibilidade do protesto, mas lhe nego provimento.
É o voto.
376 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
RECURSO ESPECIAL NQ 121.634 - MG
(Registro n Q 97.0014548-4)
Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar
Recorrentes: José Carlos Domingues Azevedo e cônjuge
Advogados: Drs. José Justiniano Ribeiro da Silva e outros
Recorrido: Banco do Estado de Minas Gerais S/A - BEMGE
Advogados: Drs. Carlos Peixoto de Mello e outros
EMENTA: Impenhorabilidade. Direito ao terminal telefônico.
- A impenhorabilidade estabelecida pela Lei n Q 8.009/90 alcança os móveis que guarnecem, sem exorbitância, a casa. No caso, tendo a penhora recaído sobre três bens da mesma natureza, apenas o direito ao uso de um terminal telefônico é impenhorável.
- Recurso atendido em parte.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento parcial. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.
Brasília, 17 de junho de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.
Publicado no DJ de 06-10-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Trata-se de recurso especial com fulcro no art. 105, III, a da Constituição Federal contra decisão proferida pela Segunda Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, de aresto assim ementado:
"Embargos do devedor. Penhora. Linha telefônica. Lei n Q 8.009/ 90. Inaplicabilidade. Recurso não provido.
1. O direito de uso de linha telefônica não se enquadra no conceito de bem de família instituído pela Lei n Q 8.009/90.
2. A impenhorabilidade referese aos bens primordiais para o funcionamento de uma residên-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 377
cia. A linha telefônica, embora útil, não se reveste de imprescindibilidade para as atividades normais do lar.
3. O direito de uso em questão só é impenhorável quando constituir instrumento de trabalho (art. 649, VI, do CPC).
4. Apelação conhecida e não provida" (fl. 40)
José Carlos Domingues Azevedo e sua mulher alegam violação do art. 1 Q da Lei n Q 8.009/90, além de dissídio jurisprudencial (fls. 46/56).
O recurso foi admitido na origem (fls. 64/65).
VOTO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): Firmou-se a jurisprudência de ambas as Turmas integrantes da Segunda Seção desta Corte no sentido da impenhorabilidade da linha telefônica que guarnece o imóvel residencial do executado, pois tal bem não pode ser considerado um adorno suntuoso, mas sim, um equipamento necessário ao lar.
N esta linha posicionou-se a Terceira Turma, em aresto da lavra do Ministro Eduardo Ribeiro, no REsp n Q 64.629, verbis:
"Impenhorabilidade. Lei n Q
8.009/90. Direito ao uso de terminal telefônico.
A impenhorabilidade compreende tudo o que, usualmente, se mantém em sua residência e não
apenas o indispensável para fazê-la habitável. Excluem-se apenas objetos e adornos suntuosos, além de veículos.
O direito ao uso de terminal telefônico há de entender-se como compreendido entre os equipamentos, não sendo, pois, passível de penhora".
De igual diretriz o REsp n. 74.163, por mim relatado nesta Turma:
"Terminal telefônico. Impenhorabilidade.
- O telefone que não é adorno, é alcançado pela impenhorabilidade estatuída pela Lei n Q
8.009/90.
Recurso conhecido, mas não atendido".
Todavia, a espécie diz com o direito ao uso de três terminais telefônicos (fls. 24 e 26 do apenso). Para o caso, o conselho de Horácio é apropriado:
"Est modus in rebus, sunt certi denique fines" (Sátiras, Livro I, 1.106).
Esta Corte j á deliberou que a impenhorabilidade estabelecida pela Lei n Q 8.009/90 alcança os bens móveis que, sem exorbitância, guarnecem a casa (REsp n Q 14.598, por mim relatado).
Posto isso, conheço do recurso mas lhe dou provimento em parte para afastar da constrição judicial uma das linhas telefônicas penhoradas.
378 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
RECURSO ESPECIAL Nº 123.550 - RJ
(Registro nº 97.0018002-6)
Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrentes: Alexandre Pastura Bouças e outros
Recorridos: Sind. Empreg. Empr. de Sego Privo e Capit. e Ag. Aut. Sego Privo e de Credo em Emp. de Prev. Privo Corro de Sego Privo e Corro de Fundos Públicos e Câmbio e de Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários do Estado do Rio de Janeiro e Sindicato das Empresas de Seguros Privados e Capitalização no Estado do Rio de Janeiro - SERJ
Advogados: Waldyr Versiani dos Santos, Maria Ines Câmara de Araújo e Ricardo Bechara Santos
EMENTA: Sindicato. Contribuição confederativa. Competência da Justiça do Trabalho.
Depois da edição da Lei 8.984/95, é da Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar as ações fundadas em convenção coletiva do trabalho.
A instituição da contribuição confederativa, prevista no art. 8º, inc. IV da CR, depende da deliberação da assembléia geral; porém, inserida em cláusula de acordo coletivo do trabalho, está preenchido o suporte de fato para a incidência da Lei 8.984/95.
Ação de inexigibilidade de cobrança de contribuição confederativa prevista em convenção coletiva julgada procedente pelo Juiz de Direito, ao tempo em que a competência era da Justiça Comum. O recurso, já agora na vigência da nova lei, deve ser apreciado pelo Tribunal Regional do Trabalho.
Precedentes.
Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhe-
cer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza.
Brasília, 12 de agosto de 1997 (data do julgamento).
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 379
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DJ de 22·09-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Adoto O relatório integrante da r. sentença de fls. 202/ 205, verbis:
"Alexandre Pastura Bouças e demais autores qualificados na inicial propuseram ação ordinária em face do Sindicato dos empregados em empresas de seguros privados e capitalização e de agentes autônomos de seguros privados e corretoras de fundos públicos e câmbio e de distribuidoras de títulos e valores mobiliários do Estado do Rio de J aneiro e Sindicato das empresas de seguros privados e capitalização do Estado do Rio de Janeiro, alegando, em síntese, que as cláusulas 45 e 36 do acordo coletivo celebrado entre os Réus, o primeiro na qualidade de Sindicato representativo dos Autores e o segundo como Sindicato patronal respectivo, instituíram percentuais de desconto do salário bruto dos Autores, a título de contribuição assistencial, e que, no tocante à primeira, o preceito constitucional que a instituiu não é auto-aplicável e necessita de regulamentação específica, e, no tocante à segunda, é arbitrária, ilegal e abusiva, admitida em Assembléia, não podendo aquelas cláusulas gerarem seus efeitos.
Regularmente citados, ofere.ceu o segundo Réu contestação de fls. 89/99, afirmando que a cláusula 35 e o § 1 º da cláusula 36 do mencionado acordo coletivo ditavam a responsabilidade exclusiva do primeiro Réu, pelo que requer a sua exclusão da lide, juntando os documentos de fls. 101 e seguintes.
Às fls. 128/138, vê-se a contestação do primeiro Réu, afirmando a incompetência deste Juízo, em razão do disposto no artigo 611 e 625 da CLT e artigo 114 da Constituição Federal; que os Autores são carecedores do direito de ação; que o inconformismo é intempestivo, bem como nada impede que os descontos sejam feitos de forma diversa para sócios e não sócios; que os Sindicatos têm direito a proceder ao desconto dos valores em questão, para atender seus objetivos sociais, não discordando os Autores das outras vantagens obtidas pelo Sindicato Réu na Convenção Coletiva em tela, acompanhando os documentos de fls. 140/158.
Às fls. 167/170, nova manifestação dos Autores, contrariando as preliminares e reprisando os argumentos contidos na inicial.
Em apenso, Medida Cautelar Inominada proposta pelos Autores, tendo a liminar sido deferida em razão do evidente periculum in mora.
Às fls. 1.643/1.644 petição dos Autores.
Às fls. 1.487 postularam Davi Saraiva da Silva e outros, sua in-
380 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
clusão no pólo ativo da demanda, o que foi deferido pelo Juízo, o mesmo ocorrendo em relação aos Autores de fls. 1.646 e seguintes.
Contestação do primeiro Réu repetindo os argumentos da ação ordinária, com documentos.
O segundo Réu contestou o pedido às fls. 1.590/1.600."
A sentença rejeitou as preliminares de incompetência absoluta, de carência de ação e de ilegitimidade e, no mérito, julgou procedente a ação ordinária, decretando a ilegalidade dos descontos e a invalidade do estabelecido nas cláusulas 35 e 36 do acordo coletivo de fls. 172/183, e também procedente a medida cautelar, consolidando a liminar. Condenou o primeiro réu a devolver os valores arrecadados dos autores e descontados de seus salários brutos, no prazo de 72 horas, acrescidos de juros e correção monetária a partir da data dos referidos descontos, condenando-o, ainda, ao pagamento das custas e honorários de 10% (dez por cento) sobre o valor que for apurado em execução, para efeito de devolução daqueles valores descontados. Quanto ao segundo réu, julgou parcialmente procedente a ação para condená-lo, apenas, ao pagamento das custas e honorários, que fixou em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa. Tocante à medida cautelar, impôs aos réus o pagamento das custas e honorários advocatícios.
Os réus apelaram e a ego 3ê Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por
votação majoritária, declinou de sua competência para a Justiça do Trabalho, reconhecida como competente para conhecer e julgar a lide. Eis a ementa:
"Ação Ordinária - Visando-se com a ação o reconhecimento e prevalência de direito frente a ato praticado e exigência feita com base em 'Convenção Coletivo de Trabalho' firmada entre Sindicatos de classe, por competente, no campo jurisdicional para dirimir a quaestio há de ser a Justiça do Trabalho, face o disposto no artigo 1 Q da Lei 8.984, de 07.02.95, de aplicação imediata e abrangente." (fl. 276)
Opostos embargos infringentes, o ego 1 Q Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro negou provimento ao recurso.
Os autores ingressaram com recursos extraordinário e especial, este por ambas as alíneas, alegando afronta aos artigos 114 da CR e 1 Q da Lei n Q 8.984/95, além de dissídio jurisprudencial. Sustentam que os acórdãos recorridos contrariaram os ditames da Lei 8.984/95, extrapolando "sem qualquer fundamento, a competência determinada no art. 114 da CR". E prosseguem: "O fato de ter sido a convenção pactuada entre sindicatos, não deixa caminho para a aplicação da Lei 8.984/ 95, porque o litígio não versa entre sindicatos e sim por parte de securitários que não aceitam aqueles descontos." Mencionam a Súmula 57/ STJ que confere à Justiça Comum
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 381
Estadual a competência para processar e julgar ação de cumprimento fundada em acordo ou convenção coletiva não homologados pela Justiça do Trabalho.
Com as contra-razões, o Tribunal de origem negou seguimento ao recurso extraordinário e admitiu o especial, subindo os autos a este ego STJ.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): I - Esta 42 Turma já assim decidiu o REsp 110.366/SP, versando sobre matéria assemelhada:
"1. Tem sido admitido, com predominância, que três são as espécies de contribuição devidas a sindicados: "São no mínimo três as espécies de contribuições hoje existentes no nosso ordenamento: (1) Contribuição Sindical, prevista em lei (arts. 578 e seguintes da CLT), de natureza panfiscal ("CLT Comentada", Eduardo Saad, p. 432), antigo imposto sin-
'\ dicaI, obrigatória para todos os que participam da categoria; (2) Contribuição Assistencial, estabelecida em dissídio, convenção ou acordo coletivos, cobrada para "custear a participação do sindicato nas negociações coletivas para obter novas condições de trabalho para a categoria e também da prestação de assistência, jurídica, médica e dentária" ("Contribuição Confederativa", Sérgio
Pinto Martins, pág. 125). A sua fonte é a convenção ou o acordo, não a lei, embora prevista no art. 513, e, da CLT; (3) Contribuição Confederativa, mencionada no art. 8Q
, inc. IV da CR, que é "prestação pecuniária, espontânea, fixada pela assembléia geral do sindicato, tendo por finalidade custear o sistema confederativo" (Martins, op. cit., pág. 114), isto é, destinada a custear as despesas gerais do sindicato, da federação e da confederação, sendo paga tanto pelos empregados como pelos empregadores, para o respectivo sistema. Além dessas, ainda podem ser referidas as contribuições de solidariedade (recebidas dos não associados do sindicato, pelo êxito que este obteve), a contribuição social (art. 149 da CR) e outra contribuição estatutária, porventura criada (art. 548, b, da CLT)." CEdc. CC 17.144-MG, 22 Seção, de minha relatoria).
"2. Naquele julgado, assim foi examinada a questão da competência:
"Tocante à cobrança das contribuições previstas em dissídios ou acordos coletivos, discutiu-se sobre a competência da Justiça do Trabalho, diante dos novos termos da Constituição (art. 114), que estendeu a competência da Justiça especializada para as ações originadas do cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. Predominou, porém, a tese da competência da Jus-
382 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
tiça Comum, para as ações fundadas em convenções ou acordos não homologados (RE 130.555-SP), sendo da Justiça do Trabalho quando homologados.
Com a superveniência da Lei 8.984/95, ficou resolvida a questão antiga: a ação para a cobrança da contribuição instituída em acordo ou convenção, com ou sem homologação é da competência da Justiça do Trabalho."
"3. No caso dos autos, tratase de contribuição confederativa que, embora dependente de autorização da assembléia geral, está prevista no acordo coletivo do trabalho, firmado entre as entidades sindicais de empregados e empregadores da categoria, conforme constou no item 23: "Contribuição confederativa. As empresas ficam obrigadas a descontar em folha de pagamento de todos os seus empregados, associados ou não, uma contribuição de 12% para custeio do sistema confederativo de que trata o art. 8Q
, inc. IV, da Constituição Federal, de conformidade com os critérios abaixo relacionados (fl. 23)".
Sendo assim, incide a regra do art. 1Q da Lei 8.984, de 7.2.95, do seguinte teor:
"Art. 1 Q - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios que tenham origem no cumprimento de
convenções coletivas de trabalho ou acordos coletivos de trabalho, mesmo quando ocorram entre sindicatos ou entre sindicato de trabalhadores e empregado~"(fl. 146)
"4. Ao tempo em que foi proferida a sentença, em 1994, a competência era da Justiça Estadual, porém, quando julgada a apelação, em 19 de março de 1996, já estava em vigor a nova lei e a competência se inseria no âmbito da Justiça do Trabalho, cabendo ao Tribunal Regional o julgamento do recurso interposto da sentença de procedência da ação, conforme tem sido reiteradamente decidido pela ego 2ª Seção, em situações assemelhadas:
"Competência. Conflito. Ação fundada no cumprimento de convenção coletiva de trabalho. Lei 8.984/95. Competência da Justiça do Trabalho. Sentença proferida pelo Juiz de Direito antes da vigência da lei. Tribunal de Justiça que se declara incompetente para conhecer dos recursos posto que já vigente aquela norma.
Remessa dos autos ao órgão de segundo grau da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar os recursos:
I - Com o advento da Lei 8.984/95, compete à Justiça do Trabalho processar ejulgar as ações concernentes ao cumprimento de cláusula re-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 383
ferente à convenção ou acordo coletivo de trabalho, mesmo que não tenha havido homologação;
II - Proferidas as sentenças pelo Juiz de Direito, antes da vigência da Lei 8.984/95, e declarada a incompetência ratione materiae do Tribunal de Justiça para conhecer dos recursos, posto que já vigente aquela norma, compete ao órgão de segundo grau da Justiça do Trabalho conhecer e julgar as impugnações recursais" (CC 15.472-SP, 2ª Seção, reI. o em. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 26/02/96).
"Conflito de competência. Sindicato. Lei nº 8.984/95. Competência recursal.
É do TRT a competência para julgar recurso de sentença pro-
ferida pelo Juiz de Direito, antes da vigência da Lei 8.984/95, em ação de cumprimento de acordo coletivo de trabalho." (CC 16.822-SP, 2ª Seção, de minha relatoria, DJ 02/09/96)
"Posto isso, conheço do recurso, por ambas as alíneas, pois reconheço violado o disposto no art. 1 º da Lei 8.984/95, e a divergência assim como exposta nas razões de recurso, e lhe dou provimento, para cassar o r. julgado e determinar a remessa dos autos ao ego TRT da respectiva Região, onde será renovado o julgamento do recurso."
II - Na espécie, o ego Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis declinou da competência para a Justiça do Trabalho, com o que decidiu em harmonia com a orientação adotada neste Tribunal, razão pela qual não conheço do recurso.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL Nº 130.394 - RJ
(Registro nº 97.0030817-0)
Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro
Recorrente: B.G. Ribeiro Construções Ltda.
Recorrida: Maria de Lourdes D'Elia
Advogados: Drs. William Chieza e Lauro Mario Perdigão Schuch
EMENTA: Promessa de venda e compra. Ineficácia da interpelação prévia. Indicação do montante preciso do débito. Ato que satisfaz o requisito.
384 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
- É válida e eficaz a interpelação prévia que menciona o montante original da dívida (atualizável mediante operação aritmética), de molde a permitir ao devedor, acaso pretendesse, resgatar o débito pendente.
- Segundo orientação firmada pela Quarta Turma do STJ, o escopo perseguido pelo ato interpelatório é o de despertar o devedor em atraso, concedendo-lhe prazo para que cumpra a obrigação assumida. Objetivo alcançado no caso.
Recurso especial conhecido e provido para afastar a carência.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:
Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e darlhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presentejulgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília, 23 de setembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 20-10-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: B.G. Ribeiro Construções Ltda. ajuizou ação de rescisão de escritura de promessa de compra e venda de imóvel, cumulada com reintegração de posse e perdas e danos, contra Maria de Lourdes D' Elia.
A MM. Juíza de Direito julgou a ação parcialmente procedente para "declarar rescindida a promessa lavrada em 10/07/88, às fls. 19, do livro 2.922592 do 16Q Ofício de Notas e em conseqüência reintegrar aAutora na posse do imóvel de que cogita, mediante prévia comprovação da devolução das prestações efetivamente pagas por conta do negócio jurídico exteriorizado, tanto pela promessa ora rescindida como pelo anterior pré-contrato, quantitativo esse que deverá ser corrigido até o efetivo depósito pelos índices que realmente reflitam a corrosão monetária do período considerado".
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deu provimento à apelação da ré para extinguir o processo sem julgamento do mérito por impossibilidade jurídica do pedido, provocada pela ineficácia da notificação, e julgou prejudicado o recurso adesivo da autora. Eis os fundamentos do acórdão:
"E assim decidem porque a notificação deve indicar o valor devido, e não apenas enunciar a existência de débito, pois a finalidade é constituir o devedor em
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 385
mora, satisfazendo condição de procedibilidade, necessária para tornar possível o pedido de rescisão, com reintegração na posse do apartamento prometido vender." (fls. 487)
Rejeitados os embargos de declaração, a autora manifestou o presente recurso especial com arrimo nas alíneas a e c do permissor constitucional, apontando afronta ao art. lº do Dec.-Lei 745/69, além de dissenso pretoriano com julgados do Supremo Tribunal Federal. Afirmou que, ao contrário do asseverado no acórdão recorrido, a notificação indicou o valor do débito na conformidade do pactuado na promessa de compra e venda. De todo modo, sustentou que foi atendido o objetivo do legislador, pois a ré foi cientificada de que estava em mora e de que o contrato estaria rescindido se não pagasse a dívida em quinze dias. Ainda, defendendo a inexistência de dúvidas da ré no que se refere ao conteúdo da notificação, disse que a mesma, ao ser notificada, se limitou a apresentar contranotificação, na qual alegava ter pago integralmente o preço do imóvel. Asseverou também que a ré, ao contestar a ação, não argüiu a ineficácia da notificação por falta de clareza e precisão - tese que só aventou extemporaneamente na apelação - e, sim, por exigir mais do que o valor devido. Por fim, lembrou que a notificação só foi realizada após o trânsito em julgado da sentença que julgou improcedentes as ações cautelar e ordinária ajuizadas pela ré, envolvendo, exatamente, as prestações reclamadas.
Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido na origem.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): 1. Não colhem as objeções preliminares aventadas pela recorrida em suas contra-razões de recurso.
Em primeiro lugar, afigura-se extemporânea e superada a argüição de defeito na representação da recorrente. O ilustre patrono da autora, que subscreve o apelo especial, Dr. William Chieza, acha-se constituído procurador da parte desde a propositura da presente demanda (fls. 2/6). Saneada a causa e, conseqüentemente, admitido como satisfeitos os pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido do processo, a matéria suscitada acha-se de há muito coberta pelo manto da preclusão.
Ao depois, o requisito do prequestionamento vem plenamente preenchido na espécie em apreciação, desde que o tema controvertido diz com a ineficácia da interpelação prévia, o qual foi expressamente ventilado pelo decisório ora recorrido.
2. A sentença reputou eficaz a notificação promovida pela promitente-vendedora, aduzindo os seguintes fundamentos primordiais:
"Válida e eficaz a notificação premonitória que bem demonstrou a intenção da A. de fazer valer a cláusula resolutória ex-
386 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.
pressa do contrato que vincula as partes. Com efeito, os dizeres da notificação, aliados ao fato de que, à época, a totalidade das prestações já estavam vencidas, atestam que a mens legis da norma foi cumprida a contento, qual seja permitir à devedora, acaso pretendesse, resgatar a obrigação pendente. In casu, a Ré ao invocar, na parte meritória da contestação, pretéritos pagamentos implicitamente se recusou a acatar os termos da cobrança então ultimada, não podendo pois alegar invalidade desse ato jurídico" (fls. 427).
o V. Acórdão hostilizado reformou o entendimento manifestado pelo Juiz singular pela razão de que a interpelação deve indicar o valor devido e não apenas enunciar a existência de débito.
A interpelação procedida pela credora, entretanto, mencionou quantum satis o montante da dívida e sobretudo atinge a finalidade para a qual foi instituída pela lei. Assim se acha redigida no ponto em que interessa:
"Dessa forma, a referida dívida representada por 11 (onze) notas promissórias, cada uma no valor de Cz$ 335.634,60 (trezentos e trinta e cinco mil, seiscentos e trinta e quatro cruzados e sessenta centavos) equivalente a 210,00 OTN's à época de sua emissão, deverá ser paga, devidamente acrescida de correção monetária, juros de 1% ao mês, multa contratual de 10%, tudo
conforme estabelecido na Cláusula IV da referida promessa de compra e venda" (fls. 28/29).
Consoante se pode notar, os elementos necessários à constituição em mora do devedor encontram-se referidos na supra-aludida peça, com a expressa menção do valor equivalente em OTNS à época da emissão. Claro está que inexigível era, ao tempo da prévia interpelação, propor-se desde logo a disceptação sobre a quaestio iuris relativa ao critério novo de atualização do débito em virtude da extinção das mesmas OTNS.
Sem nenhuma razão, portanto, o julgado recorrido ao concluir pela ineficácia da interpelação no caso em exame. Contém ela, como verificado, a clareza mínima necessária para os fins de constituição em mora do devedor. Tanto isto é certo que a ré - ora recorrida - se apressou em contranotificar a parte ex adversa, sustentando a solução integral da dívida, assim como a efetivação das providências necessárias à pronta obtenção da escritura definitiva de venda e compra.
Sobreleva, como já assinalado, que o escopo perseguido pelo ato interpelatório é o de despertar a atenção do devedor em atraso, concedendo-lhe prazo para que cumpra as obrigações assumidas. Nesse sentido já decidiu esta C. Quarta Turma em mais de uma oportunidade (REsp's nl!:i 2.235-SP e 14.306-0/SP, ambos de relatoria do em. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira; REsp n Q 9.602-SP, relator il. Ministro Athos Carneiro).
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998. 387
Há, na espeCle, mais uma circunstância a abonar a insurgência manifestada pela autora em seu apelo excepcional. O fato de não haver sido indicado o importe exato da dívida na interpelação prévia (porque dependente de operação aritmética) não foi o que constituiu o único motivo impeditivo da purgação da mora pela ré. Elajá havia ingressado anteriormente e sem êxito com uma ação cautelar de depósito e com uma ação ordinária contra a promitente-vendedora. N essa hipótese, este órgão fracionário do Tribunal tem considerado até mesmo dispensável a efetivação da prévia interpelação (cfr. REsp's nll.> 26.830-RS, relator Ministro Cesar Asfor Rocha e 33.655-0/RS, relator Ministro Antônio Torreão Braz).
Nessas condições, tenho que o V. Acórdão, ao dar pela ineficácia da citada notificação, não só contrariou o art. 1Q do Dec.-Lei n Q 745, de 7.8.69, mas também dissentiu da orientação jurisprudencial imprimida pela Suprema Corte quando do
julgamento do RE 106.189-RJ, relator Ministro Octavio Gallotti, que versou sobre idêntica questão jurídica. Naquele precedente do Augusto Pretório, as partes haviam pactuado a variação das parcelas também segundo escala móvel, proporcionada pelos índices de reajustamento das ORTNS. Entendeu-se ali que tal fato em nada comprometia a liquidez do débito (voto do Sr. Ministro-Relator), enquanto que, de outro lado, o voto prolatado pelo Sr. Ministro Néri da Silveira destacara o objetivo da lei (Dec.-Lei n Q 745/ 69), que é o de despertar a atenção do devedor em mora, dando-lhe prazo para cumprimento da obrigação, sem qualquer exigência expressa (cfr. RTJ vol. 120, pág. 798).
3. Ante o exposto, conheço do recurso por ambas as alíneas do permissor constitucional e dou-lhe provimento, a fim de que, afastada a carência, prossiga o Eg. Tribunal a quo no julgamento da apelação com o exame das demais questões.
É como voto.
388 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (102): 271-388, fevereiro 1998.