quantos cérebros tinha norman mclaren?

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Quantos cérebros tinha Norman McLaren? “Finalmente algo novo!”, foi o que disse Picasso após assistir ao Begone Dull Care de Norman McLaren. Tratava-se de um curta experimental que recebeu vários prêmios no final da década de 40, ao interpretar visualmente um jazz de Oscar Perterson’s trio. Geralmente descoberto por cinéfilos e estudiosos de animação, Norman McLaren é lembrado como um artista que faz filmes sem câmera e música sem instrumentos. Mas como? Uma vez na faculdade Belas Artes de Glasgow, enquanto organizava um Cineclube exibindo incansavelmente filmes de mestres contemporâneos, os cineastas soviéticos e os expressionistas alemães, McLaren descobriu um projetor de 35 mm, que tinha sido abandonado no porão da escola. Consertou-o desejando usar a máquina para projetar seu próprio filme, mas não tendo uma câmera, pensou em pintar diretamente na película cinematográfica. Deu certo. E embora este trabalho não tenha resultado em uma projeção, como ele queria, acabou se configurando como um dos experimentos mais promissores da história da animação. McLaren se consolidou como o mestre da animação sem camera, e que experimentou e desenvolveu várias técnicas, inclusive de criar sons e músicas desenhando na banda de som da película cinematográfica. Sim, McLaren foi pioneiro na música eletrônica no final da década de 30, desenhando diretamente na área de trilha sonora da película, ou fotografando padrões de onda sonora para essa mesma área. Ele foi um compositor autodidata, criando música sintética para seus filmes, quadro a quadro, podendo criar um som antinatural, rítmico e percurssivo, que ele considerava ideal para o movimento quadro a quadro. McLaren chegou a tentar algumas composições sonoras sem imagens acompanhando, que ele chamou de “sons animados”. Considerado por muitos um gênio da imagem em movimento, McLaren prosperou no National Film Board do Canadá, onde ingressou em 1941 para fundar o estúdio de animação e onde ele passaria o resto de sua carreira. Criando com liberdade e sem restrições comerciais, amparado técnicamente e cercado de artistas dedicados, McLaren foi capaz de dar curso completo à sua visão inovadora e talento. Ele atraiu muitos animadores de todo o mundo a NFB, tornando-se uma verdadeira escola internacional de animação. Norman McLaren é um gigante, não só na história do NFB, mas também na história da animação. De suas experiências iniciais na Escócia em 1933, para seu último filme em 1983, seus filmes formam um corpo de trabalho coerente e extraordinário, de uma inventividade espantosa, investigação inovadora e humanismo profundamente enraizado. McLaren foi um criador prolífico cujos trabalhos brilham. Com suas obras abstratas desenhado ou riscado diretamente no filme, ele era um mestre da animação sem câmera e está entre os grandes nomes do cinema experimental. Influenciado tanto pelo Surrealismo e por suas convicções pacifistas, além de motivado igualmente por uma paixão pela dança e

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Um ensaio de Nicolas Mendes, para a Mostra Norman McLaren - L'Integrale que ocorrerá no SESC Ribeirão Preto nos dias 15, 22 e 29/3/2011

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Quantos cérebros tinha Norman McLaren?

“Finalmente algo novo!”, foi o que disse Picasso após assistir ao Begone Dull Care de Norman McLaren. Tratava-se de um curta experimental que recebeu vários prêmios no final da década de 40, ao interpretar visualmente um jazz de Oscar Perterson’s trio.

Geralmente descoberto por cinéfilos e estudiosos de animação, Norman McLaren é lembrado como um artista que faz filmes sem câmera e música sem instrumentos. Mas como?

Uma vez na faculdade Belas Artes de Glasgow, enquanto organizava um Cineclube exibindo incansavelmente filmes de mestres contemporâneos, os cineastas soviéticos e os expressionistas alemães, McLaren descobriu um projetor de 35 mm, que tinha sido abandonado no porão da escola. Consertou-o desejando usar a máquina para projetar seu próprio filme, mas não tendo uma câmera, pensou em pintar diretamente na película cinematográfica. Deu certo. E embora este trabalho não tenha resultado em uma projeção, como ele queria, acabou se configurando como um dos experimentos mais promissores da história da animação.

McLaren se consolidou como o mestre da animação sem camera, e que experimentou e desenvolveu várias técnicas, inclusive de criar sons e músicas desenhando na banda de som da película cinematográfica.

Sim, McLaren foi pioneiro na música eletrônica no final da década de 30, desenhando diretamente na área de trilha sonora da película, ou fotografando padrões de onda sonora para essa mesma área. Ele foi um compositor autodidata, criando música sintética para seus filmes, quadro a quadro, podendo criar um som antinatural, rítmico e percurssivo, que ele considerava ideal para o movimento quadro a quadro. McLaren chegou a tentar algumas composições sonoras sem imagens acompanhando, que ele chamou de “sons animados”.

Considerado por muitos um gênio da imagem em movimento, McLaren prosperou no National Film Board do Canadá, onde ingressou em 1941 para fundar o estúdio de animação e onde ele passaria o resto de sua carreira. Criando com liberdade e sem restrições comerciais, amparado técnicamente e cercado de artistas dedicados, McLaren foi capaz de dar curso completo à sua visão inovadora e talento. Ele atraiu muitos animadores de todo o mundo a NFB, tornando-se uma verdadeira escola internacional de animação.

Norman McLaren é um gigante, não só na história do NFB, mas também na história da animação. De suas experiências iniciais na Escócia em 1933, para seu último filme em 1983, seus filmes formam um corpo de trabalho coerente e extraordinário, de uma inventividade espantosa, investigação inovadora e humanismo profundamente enraizado. McLaren foi um criador prolífico cujos trabalhos brilham. Com suas obras abstratas desenhado ou riscado diretamente no filme, ele era um mestre da animação sem câmera e está entre os grandes nomes do cinema experimental. Influenciado tanto pelo Surrealismo e por suas convicções pacifistas, além de motivado igualmente por uma paixão pela dança e

música, seus filmes podem ser apreciados em muitos níveis. Ele tem influenciado e inspirado muitos artistas, animadores e cineastas, de Picasso e Truffaut a Lucas e Linklatter, esse último, autor de Waking Life. Sua arte vive como referêncial de criatividade e modernidade.

Uma vez perguntado sobre como gostaria de ser lembrado daqui a 100 anos, McLaren disse que dentro da história cinema existe uma pequena sublcasse dentro dos filmes animados, chamada de cineastas experimentais, na qual ele desejaria ser mencionado.

"Vamos ver... daqui a 100 anos? Como um inovador de novas técnicas, algumas das quais levaram a alguns filmes distintos ou interessantes. Digamos que, no terreno dessa arte como um descobridor de novas técnicas, isso é certo, tenho certeza disso, mas o acesso aos meus filmes 100 anos de agora... Gostos mudam tanto . Eu sei que estou evitando sua pergunta, mas provavelmente 100 anos a partir de agora, não muitos dos meus filmes vão existir".

McLaren acreditava ser um dos pioneiros, um dos experimentadores da nova arte, mas ele não desejava ser apernas um pesquisador/experimentador, mas sim um artista. Ele queria se comunicar não só para alguns, e sim para muitos. Então ele casou sua técnica fabulosa a um conteúdo. E os filmes que ele fez se voltaram para um lado mais positivo de sua natureza. E então acabou encontrando um grande público, duradouro e entusiasmado. Como é frequentemente o caso, há uma diferença no modo como o artista e os receptores veem o trabalho.

A idéia para a mostra de Norman Mclaren surgiu quando Nicolas Mendes, coordenador do Dia Internacional da Animação em Ribeirão Preto, sugeriu homenagear o autor durante o evento, em parceria com o SESC. Os filmes foram enviados pelo National Film Board, mas infelizmente ficaram meses barrados na alfândega brasileira e a exposição foi adiada.

E agora com os filmes em mãos, foi retomada a empreitada da Mostra Norman McLaren, partindo do Box Norman McLaren – The Master’s Edition, onde serão exibidos alguns de seus trabalhos, no intuito de ilustrar o seu processo criativo e fontes de inspiração, incluindo não somente os filmes feitos no Canadá, mas também seus primeiros filmes ainda no Reino Unido e Estados Unidos, assim como testes de animação e filmes inacabados nas mais variadas técnicas.

A honra de realizar a curadoria deste material foi conferida aos animadores Rogério Shareid, Thomas Larson e o próprio Nicolas, que apresentarão e farão comentários sobre os filmes, nos dias 15, 22 e 29 de março.

Para quem se interessar, é possível adquirir o conjunto de DVDs através do site da Amazon. No Box você ainda econtrará 15 documentários que mostram diferentes perspectivas sobre a obra de McLaren, e são baseados em uma análise temática desenvolvida em conjunto com Donald McWilliams e outras autoridades canadenses em McLaren. E o trabalho de pesquisa se torna mais interessante, a medida que junto aos filmes, são fornecidas notas, clipes de áudio e entrevistas em que o autor comenta sobre as suas obras, intenções e preocupações. É um artigo de muito valor para cinéfilos, estudantes e entusiastas.

Alguns dos filmes de Norman McLaren são encontrados no site do NFB, através do link http://www.nfb.ca/explore-by/director/Norman-McLaren/?sort=asc_date&dir_range=All&lang=en ou no youtube, procurando pelo nome do artista aparecem vários de seus curtas e experimentos.

Caso eu possa arriscar uma opinião neste espaço, diria que o McLaren era um louco instrospectivo muito sensível, atravessado por características do artista, do professor pardal e do humanista; e que foi uma das poucas pessoas no cinema, capazes de renovar e revolucionar a experiência estética.

Mas enfim, mais importante do que esta opinião é que você venha assistir aos filmes e experimentar as próprias impressões. Aí sim a gente conversa.

Nicolas Mendes

Animador e Ilustrador, recentemente animou o curta Sambatown, vencedor da categoria animação no Festival Internacional do Novo Cinema Latinoamericano em Havana, Cuba.