qualidade por design analÍtico (aqbd): fundamentos e
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS
Curso de Graduação em Farmácia-Bioquímica
QUALIDADE POR DESIGN ANALÍTICO (AQbD): FUNDAMENTOS E
PERSPECTIVAS
Carolina Reis dos Santos
Trabalho de Conclusão do Curso de
Farmácia-Bioquímica da Faculdade de
Ciências Farmacêuticas da
Universidade de São Paulo.
Orientador:
Prof. Dr Felipe Rebello Lourenço
São Paulo
2018
Agradecimentos
Ao meu orientador, Prof. Dr Felipe R. Lourenço, por ser uma pessoa que, além de
ser capaz de guiar academicamente o desenvolvimento deste trabalho, também se
mostrou compreensível, disponível para escutar sugestões, dúvidas, anseios e
providenciou novas oportunidades de crescimento pessoal.
À banca de avaliação por se disponibilizar a analisar o meu trabalho e contribuir
para meu desenvolvimento acadêmico.
Aos meus amigos Pedro, Tarik, Juliana, Débora, Natália, Jean, Diane, Guilherme
da farma, que me acompanharam durante todo esse tempo de faculdade e me
apoiaram para que eu conseguisse chegar nesse momento final. A Karina, que
apesar de pouco tempo juntas, também me deu suporte, coragem, uns tapas na
cara, além de servir de google para as minhas milhares de dúvidas. E também não
poderia esquecer da Isa Fukuda, principal responsável por me apresentar e me
encantar com o mundo de QbD.
Aos meus pais, Isabel Cristina e Roberto, sem os quais eu jamais teria chego a esse
momento. Agradeço muito por todo o suporte, aos anos de dedicação e
ensinamentos, a paciência e carinho e por terem me ensinado a correr a atrás de
meus sonhos e objetivos. Amo vocês.
Ao meu pequeno grande homem, Adam, por ter me ajudado a crescer todos esses
anos, pelas discussões e risos, pelos ensinamentos e carinho. Por ter me auxiliado
a ver uma saída quando tudo estava escuro, por me fazer acreditar que sou capaz,
por absolutamente tudo até esse momento. Você também é a minha força.
0
SUMÁRIO
Pág.
Lista de Abreviaturas ................................................................................... 1
RESUMO ................................................................................................... 3
1. INTRODUÇÃO.......................................................................................... 4
2. OBJETIVOS............................................................................................. 8
3. MATERIAIS E MÉTODOS............................................................................... 8
4. QUALIDADE POR DESIGN ANALÍTICO (AQbD):.....................................................
4.1.HISTÓRICO DA QUALIDADE.....................................................................
4.2. EVOLUÇÃO DA QUALIDADE NA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA...............................
4.3. METODOLOGIA ANALÍTICA TRADICIONAL: STATUS, IMPORTÂNCIA, ENTRAVES E
PERSPECTIVAS...................................................................................
4.4. FUNDAMENTOS DE AQbD.......................................................................
4.5. ELEMENTOS COMPONENTES...................................................................
4.5.1. KNOWLEDGE SPACE....................................................................
9
9
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14
18
20
20
4.5.2. PERFIL ANALÍTICO ALVO (ATP).......................................................
4.5.3. VARIÁVEIS ATRIBUTOS DO MÉTODO..................................................
4.5.4. ANÁLISE DE RISCO......................................................................
4.5.5. PLANEJAMENTO EXPERIMENTAL – DESIGN OF EXPERIMENTS.....................
4.5.6. REGIÃO DE DESIGN OPERÁVEL DO MÉTODO (MODR)...............................
4.5.7. VALIDAÇÃO DO MÉTODO...............................................................
4.5.8. ESTRATÉGIA DE CONTROLE...........................................................
4.5.9. MONITORAMENTO CONTÍNUO DO MÉTODO..........................................
4.6. QbD X AQbD.....................................................................................
4.7. OFAT x AQbD: DIFERENÇAS, VANTAGENS E DESVANTAGENS.............................
4.8. VIABILIDADE E PERSPECTIVAS DE AQbD......................................................
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46
5. CONCLUSÃO........................................................................................... 49
6. BIBLIOGRAFIA.........................................................................................
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LISTA DE ABREVIATURAS
ANVISA
AQbD
AR
ATP
CLAE
CMA
CMV
CPP
CQA
Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Analytical Quality by Design (Qualidade por Design Analítico)
Análise de Risco
Analytical Target Profile (Perfil do Alvo Analítico)
Cromatografia Líquida de Alta Eficiência
Critical Material Attributes (Atributos Críticos do Material)
Critical Method Variables (Variáveis Críticas do Método)
Critical Process Parameters (Parâmetros Críticos do Processo)
Critical Quality Attributes (Atributos Críticos de Qualidade)
DoE
DS
EMA
FDA
FMEA
IFA
Design of Experiments (Delineamento Experimental)
Design Space (Espaço de Concepção)
European Medicines Agency
Food and Drug Administration
Failure Mode and Effects Analysis (Análise de Modos de Falha e
Efeitos)
Insumo Farmacêutico Ativo
ICH
MODR
NOR
OFAT
International Conference on Harmonisation
Method Operable Design Region (Região de Design Operável do
Método)
Normal Operating Range
One Factor at Time (Um Fator por Vez)
2
OOS
OOT
PMA
PMV
PAT
QbD
QTPP
RDC
RPN
USP
Out of Specification (Fora de Especificação)
Out of Tendency (Fora de Tendência)
Potential Method Attributes (Atributos Potenciais do Método)
Potential Method Variables (Variáveis Potenciais do Método)
Process Analytical Technology (Tecnologia Analítica de Processo)
Quality by Design (Qualidade por Design)
Quality Target Product Profile (Perfil de Qualidade do Produto)
Resolução da Diretoria Colegiada
Risk Priority Number
United States Pharmacopeia
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RESUMO
SANTOS, C. R. Qualidade por design analítico (AQbD): fundamentos e perspectivas. 2018. no. 54 f. Trabalho de Conclusão de Curso de Farmácia-Bioquímica – Faculdade de Ciências Farmacêuticas – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. Palavras-chave: Qualidade, Metodologia Analítica, Analytical Quality By Design. INTRODUÇÃO: Segurança, eficácia e qualidade são atribuições e requisitos primordiais na fabricação de medicamentos. Considerando o pilar qualidade, uma nova abordagem se destaca, a Qualidade por Design (QbD). Seu enfoque é no entendimento de possíveis variáveis influenciadoras da conformidade do produto final, com embasamento científico e em análise de risco, de modo a se conhecer e controlar o produto e processos envolvidos. Mas por que não aplicar um racional semelhante para a área de metodologia analítica? Afinal, a mesma é essencial para assegurar a entrega de um produto de qualidade ao consumidor, baseado em dados analíticos confiáveis. Assim surge o conceito Analytical Quality by Design (AQbD), que permite o desenvolvimento de um método analítico condizente com objetivos pré-definidos, bem caracterizado, robusto, apresentando desempenho consistente com o proposto durante todo o seu ciclo de vida. Diante desse potencial de AQbD, se faz necessário compreender seus fundamentos, possíveis contribuições e impactos no âmbito farmacêutico industrial e regulatório. OBJETIVO: Explorar o conceito de AQbD, abordando seus fundamentos, vantagens, limitações e impacto regulatório e avaliando sua aplicabilidade no contexto farmacêutico industrial de busca por um sistema de qualidade cada vez mais robusto. Em adição, um paralelo entre AQbD, QbD e o processo de desenvolvimento analítico convencional foi abordado. MATERIAIS E MÉTODOS: O trabalho foi desenvolvido com base em revisão e análise bibliográfica de artigos científicos, revistas, teses/dissertações, livros e outros materiais disponibilizados on-line que abranjam a temática discutida nos últimos dez anos. Em adição, para abordar aspectos regulatórios, as legislações vigentes nacionais e internacionais (ANVISA, FDA, ICH, EMA, etc) foram consultadas. RESULTADO: AQbD viabiliza a obtenção de metodologias analíticas robustas, custo-efetivas, com flexibilidade regulatória e operacional, além da possibilidade de melhorias contínuas durante todo o ciclo de vida do método. Há a geração de conhecimento sobre as variáveis e atributos do método e como estas interagem entre si, de modo a ser possível o seu controle e, em última instância, o atendimento da performance preconizada. Essa abordagem acaba por minimizar a ocorrência de resultados fora de especificação, recalls ou falhas na metodologia analítica, além de facilitar processos de transferência metodológica. Entretanto, o uso de AQbD requer investimentos estruturais e em recursos humanos, melhor embasamento regulatório e mudanças no racional de qualidade por teste para qualidade por design. CONCLUSÃO: AQbD ainda precisa ser melhor estudado, compreendido e aceito na área analítica, porém, provavelmente, o mesmo continuará ganhando espaço no campo industrial farmacêutico, seja pela sua interface com QbD, suas vantagens e conhecimentos gerados, ou pelo fato deste beneficiar a tríade indústria, órgão regulatório e paciente.
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1. INTRODUÇÃO
Qualidade, segurança e eficácia deixaram de ser conceitos teóricos para se
tornarem exigências primordiais durante todo o ciclo de vida de um medicamento.
Pensando no termo qualidade, este pode ser definido como a adequação de uma
substância farmacológica ou de um fármaco para o seu uso pretendido, conforme
International Conference on Harmonisation (ICH), de modo que se preconiza que a
mesma seja mantida durante todo o ciclo de vida de um dado produto farmacêutico,
sendo seus atributos críticos conservados conforme estabelecidos durante a fase de
estudos clínicos (ICH Q6A, 1999; ICH Q9, 2005).
Considerando as principais etapas de desenvolvimento da qualidade, pode-se
notar seu princípio como uma ação focada na inspeção do produto (séc. XIX à 1930),
progredindo para as fases de controle de qualidade (1950 - 1970), gestão da qualidade
(1980 - 1990), gestão total da qualidade (1990 - 2005) e qualidade por design (2015 até
o momento) (APONTE; DÍAZ; HUERTAS, 2015). Sendo assim, dentre sua evolução
histórica, pode-se notar o aumento da abrangência da qualidade em um processo
produtivo, de modo que a demanda por maiores investimentos e o dispêndio maior de
tempo para uma melhor compreensão do produto e dos parâmetros que o influenciam
foram crescentes, antes que o mesmo ganhasse acesso ao mercado farmacêutico
(GAFANIZ, 2011).
Entretanto, vale ressaltar que essas mudanças dos enfoques da qualidade
ocorreram gradualmente, sendo muitas vezes incorporados conceitos anteriores para a
elaboração de novos, bem como o desenvolvimento de ideias com racionais diferentes
de modo paralelo. Um exemplo se refere ao surgimento das bases do conceito de Quality
by Design (QbD) durante o período cujo enfoque era a Gestão Total da Qualidade, que é
voltado para a satisfação do cliente por meio do ideal de melhoria contínua. Nesse caso,
Juran, em 1992, pontuou a qualidade de um processo como um algo baseado em
planejamento, controle e melhoria, de modo que os desvios produtivos estavam
relacionados com a forma na qual a qualidade é criada desde o início de um processo.
Assim, seria necessário unir o conhecimento e experiências envolvendo o
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produto/processo, o que consiste em uma das bases da concepção de QbD (APONTE;
DÍAZ; HUERTAS, 2015).
Apesar dessa mudança de racional empregado na área de qualidade, que
deixaria de ser voltada para a qualidade certificada somente por testes e se tornaria a
qualidade por design, ter seu princípio em 1992, o conceito de QbD ainda é emergente
na maioria das indústrias farmacêuticas. Este envolve a compreensão de como dados
atributos do produto e características do seu processo de manufatura influenciam na
performance do mesmo (APONTE; DÍAZ; HUERTAS, 2015; PRAMOD et al., 2016).
Sendo assim, o mesmo permite assegurar a qualidade de forma mais robusta, já que não
se limita ao enfoque na ausência de não conformidades no processo, mas sim a uma
prática que reduz o potencial de ocorrência destes desvios com base no conhecimento
adquirido avaliando-se as variáveis do processo e do produto (APONTE; DÍAZ;
HUERTAS, 2015). Dessa forma, QbD segue na contramão das metodologias aplicadas
até o momento, uma vez que, usualmente, um produto é fabricado de modo que esteja
em conformidade com os testes delineados na sua especificação, sendo que, caso este
não cumpra com os mesmos, o medicamento pode ser reprocessado ou rejeitado, o que,
por sua vez, implica em impacto regulatório e financeiro (PRAMOD et al., 2016).
Em QbD, o entendimento aprofundado sobre as variáveis envolvidas na fabricação
assegura a manufatura de um produto com qualidade (PRAMOD et al., 2016). Esse
conhecimento engloba desde as etapas básicas do processo, como o recebimento das
matérias-primas até a concepção do produto acabado, considerando ainda a
manutenção, o controle analítico e a análise de risco (GAFANIZ, 2011). Dessa forma, o
mesmo se torna uma ferramenta que viabiliza um processo de fabricação mais eficiente,
flexível, rápido, com menor custo, sem, no entanto, acarretar a perda da qualidade do
produto final obtido. Ainda, esta ferramenta permite identificar e controlar a variabilidade
dos processos, de modo a se assegurar que o produto acabado estará em conformidade
com as especificações, e em última instância, com as necessidades do consumidor final,
o paciente (GAFANIZ, 2011; PRAMOD et al., 2016). Sob o ponto de vista regulatório, o
conceito de QbD já ganhou espaço, sendo inclusive a sua incorporação no ciclo de vida
dos produtos mandatória em alguns países, com base no uso das legislações da Europe
Medicine Agency (EMA) ou o próprio ICH (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015). O
6
FDA, por exemplo, propõe que uma abordagem baseada nos princípios de QbD seja
empregada no desenvolvimento, manufatura e regulamentação dos produtos
farmacêuticos. Essa mudança de enfoque foi provocada, entre outros fatores, devido ao
reconhecimento de que o estabelecimento de mais testes para a avaliação da qualidade
não era diretamente proporcional a melhoria da qualidade do produto (YU et al., 2014).
Dentre as estratégias de controle de qualidade, deve-se considerar as
metodologias analíticas empregadas nas plantas produtivas, já que o método e o
desenvolvimento do produto caminham em conjunto durante o ciclo de vida do
medicamento, desde os estágios da sua concepção até a pós comercialização (BHUTANI
et al., 2014; PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015). Sendo assim, o papel analítico é
crítico quanto ao estabelecimento de controles que abrangem desde o processo inicial
de análise das matérias primas, passando pelas análises efetuadas durante e para a
liberação do produto, assim como nos estudos de estabilidade. Considerando sua
evidente importância, sabe-se que as indústrias apresentam problemas nessa área, por
exemplo, com relação aos sistemas de gerenciamento de risco em metodologia analítica,
bem como a possibilidade considerável de falha durante transferências de metodologias
analíticas, sendo válida a possibilidade de melhoria (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY,
2015).
A abordagem tradicionalmente empregada para o desenvolvimento de
metodologias analíticas consiste no denominado “um fator por vez”, ou One Factor at a
Time (OFAT). Essa consiste na escolha e otimização de um parâmetro de interesse do
método analítico por vez, enquanto outras possíveis variáveis são mantidas constantes,
de modo a se atingir o resultado desejado (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015).
Entretanto, a abordagem apresenta-se desvantajosa, se for considerado que há uma
ampla variabilidade em cada estágio do desenvolvimento da metodologia analítica, além
da elevada possibilidade de falha desta e necessidade do estabelecimento, após
transferências de métodos, de protocolos de revalidação ou, até mesmo, a necessidade
de delineamento de uma metodologia alternativa adequada (BHUTANI et al., 2014;
PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015).
Se QbD é aplicável para o processo produtivo e apresenta vantagens como maior
robustez, por que não empregar princípios semelhantes no campo analítico? Ainda que
7
de modo tímido, a utilização dos princípios e conceitos de QbD de modo adaptado e
voltado para o desenvolvimento da metodologia analítica, Analytical Quality by Design
(AQbD), já é abordada (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015). Essa nova concepção
contaria com ferramentas de cunho científico, como por exemplo o delineamento do
perfil de alvo analítico, conhecido como Analytical Target Profile (ATP), que uma vez
estruturadas, permitiriam a obtenção de um método analítico adequado ao seu objetivo,
bem caracterizado e compreendido, de modo a apresentar desempenho consistente
com o proposto durante todo o seu ciclo de vida (RAMAN; MALLU; BAPATU, 2015). A
identificação, compreensão e possível minimização de fontes de variabilidade auxiliaria
na maior robustez da metodologia analítica de escolha, o que também contribui para
que a performance do método seja adequada aos seus requisitos (ORLANDINI;
PINZAUTI; FURLANETTO, 2012; REID et al., 2013).
AQbD engloba uma análise com base científica para que uma dada metodologia
seja escolhida e otimizada. Assim, inicia-se tal abordagem com enfoque na qualidade
do produto, efetuando-se uma avaliação de risco que irá influenciar na escolha da
metodologia analítica. Durante o desenvolvimento analítico, diferentes parâmetros e
seus respectivos impactos no desempenho são avaliados, de modo a ser viável o
estabelecimento de uma região com parâmetros otimizados que permitem a existência
de um método robusto. Ou seja, AQbD pode ser utilizado como uma estratégia que
assegura tanto que o método apresentará o desempenho já previamente estipulado
assim como que o produto final terá qualidade desejada (PERAMAN; BHADRAYA;
REDDY, 2015).
Em adição, AQbD permite a obtenção de uma análise mais custo-efetiva e com
maior flexibilidade regulatória, uma vez que, por exemplo, é viável a alteração de
parâmetros do método, desde que essa alteração se configure dentro da Região de
Design Operável do Método, conhecido como Method Operable Design Region (MODR).
Por consequência, a opção pelo uso dos princípios de AQbD corresponde à maneira de
reduzir resultados fora de especificação ou até mesmo fora de tendência (BHUTANI et
al., 2014; PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015).
Mas, quais são os fundamentos do AQbD? Nesta introdução foram apresentadas
algumas vantagens com relação ao desenvolvimento da metodologia analítica
8
tradicional, porém, existem mais? E quais suas desvantagens? Quais são as
semelhanças e diferenças entre AQbD e QbD? Há legislação vigente que já aborda a
temática? Quais são as perspectivas para a aplicação dos conceitos de AQbD em escala
industrial? Essas são algumas das perguntas às quais o presente trabalho se propõe a
responder, visando uma abordagem racional baseada na importância da existência de
dados analíticos confiáveis e robustos de modo a assegurar a entrega de um produto de
qualidade ao consumidor.
2. OBJETIVO(S)
Explorar o conceito de qualidade por design voltada para metodologia analítica
(AQbD) através da análise crítica e objetiva da literatura, avaliando-se sua aplicabilidade
no campo farmacêutico industrial. Em adição, um paralelo entre AQbD, QbD e o processo
de desenvolvimento analítico convencional será abordado.
Esse objetivo geral será desenvolvido com base nos tópicos específicos, abaixo:
1. Conceituar e contextualizar o termo qualidade, com a abordagem de aspectos
históricos relevantes ao desenvolvimento do conceito de AQbD;
2. Compreender o conceito de AQbD quanto ao seu objetivo, elementos componentes,
vantagens, limitações e possíveis impactos regulatórios nacionais e internacionais;
3. Contextualizar a área farmacêutica industrial quanto à demanda por um sistema de
qualidade cada vez mais robusto;
4. Analisar brevemente os fundamentos do conceito de qualidade por design (QbD) e o
processo de desenvolvimento analítico convencional de modo a avaliar semelhanças e
diferenças com AQbD.
3. MATERIAIS E MÉTODOS
Este estudo foi elaborado com base em revisão e análise bibliográfica de literatura
voltada para a temática apresentada, realizada entre abril de 2017 e março de 2018. Esta
foi efetuada com base nas seguintes etapas:
1. Estabelecimento dos objetivos geral e específicos;
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2. Busca do material de interesse conforme objetivos e critérios de inclusão e
exclusão;
3. Coleta e avaliação crítica dos dados obtidos;
4. Apresentação dos resultados.
O material base empregado incluiu artigos científicos, revistas, teses/dissertações,
livros e legislações nacionais e internacionais. A pesquisa foi realizada empregando as
bases de dados SciELO, PubMed, Science Direct, Web of Science, Research Gate bem
como as legislações nacionais e internacionais, disponibilizadas em suas respectivas
páginas on-line, utilizando-se os unitermos ou siglas: qualidade, Qualidade por Design
(Quality by Design), QbD, Qualidade por Design Analítico (Analytical Quality by Design),
AQbD, analytical process, OFAT, Design of Experiments. Como critério para inclusão,
com exceção às legislações (as quais foram empregadas as em vigor independente do
ano de publicação), as demais fontes de referência selecionadas correspondem ao
período entre 2008 e 2018, nos idiomas inglês, português ou espanhol. Em adição, foram
inclusos os estudos que abrangessem a temática de escolha de modo racional, com foco
generalista ou que descreviam o emprego dos princípios e estratégias de QbD ou AQbD
em experimentos específicos, sendo seus usos em processos farmacêuticos industriais
ou não. Foram excluídos estudos não disponibilizados na íntegra, que apresentassem
apenas opiniões dos autores sem referência, que estivessem fora do período
estabelecido ou com conteúdo fora do escopo do estudo.
4. QUALIDADE POR DESIGN ANALÍTICO
4.1 Histórico da qualidade
A qualidade já passou por inúmeras mudanças de foco, porém a busca pela
mesma é inegável ao longo da história do homem, sendo o seu uso e de suas ferramentas
deixando de ser um diferencial no mercado para se tornar uma exigência básica,
ressaltando-se no ambiente regulatório sua importância quanto aos produtos
farmacêuticos. Apesar de poder ser dividida em fases, dependendo do ambiente
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organizacional a ser analisado, diferentes concepções da qualidade podem existir
concomitantemente (DOCARMO, 2017).
Inicialmente, podemos apresentar a qualidade no contexto da “Era das Inspeções”.
Como o próprio nome define, visando controlar a qualidade de um produto, o mesmo era
inspecionado empregando-se medições de determinadas características de interesse
com base em um padrão aceitável, o que evitava que produtos com defeitos chegassem
as mãos do consumidor. Essa aplicação da qualidade, entretanto, era limitada, já que a
mesma não proporcionava o entendimento das causas envolvidas com o defeito
apresentado, de modo a inviabilizar a implementação de melhorias na produtividade ou
a redução de custos de modo efetivo (UENO, 2017; VASCONCELLOS; LUCAS, 2012).
Sendo assim, por volta de 1930, foram implementados conhecimentos estatísticos,
graças a contribuições principalmente de Deming e Shewhart, consistindo na fase de
controle estatístico de qualidade, que partia do princípio que o processo produtivo pode
ter seu desempenho previsto por meio do uso das ferramentas estatísticas. Nesse
momento, havia a criação de um setor responsável pela qualidade, assim como a
otimização do processo por meio da utilização do sistema de amostragens (era possível
ampliar a produção, sem a necessidade de ampliar as inspeções proporcionalmente).
Ainda, essa nova metodologia abriu espaço para a mudança do enfoque somente no
defeito do produto para ser voltado ao controle do processo como um todo. Ou seja, o
aumento do conhecimento das variáveis envolvidas no processo de produção permitiu
que este fosse aprimorado, visando um produto final capaz de atender aos seus
requisitos. Resumidamente, a estatística viabilizou a mudança do enfoque reativo para
o preventivo quanto a ocorrência de defeitos no produto, dando subsídios para o
surgimento do conceito de garantia da qualidade (UENO, 2017; VASCONCELLOS;
LUCAS, 2012).
O sistema de garantia da qualidade trouxe consigo uma mudança de enfoque, que
passou a ser a satisfação do cliente quanto as suas necessidades. Fora isso, o
pensamento quanto aos responsáveis por “colocar em prática/assegurar a qualidade”
também se alterou. Nesse caso, diferentemente da era do controle estatístico, a
responsabilidade por garantir a qualidade dos produtos e/ou serviços prestados recaia
sobre todos os membros, áreas e processos componentes da empresa, surgindo o
11
conceito de qualidade total. Assim, o caráter preventivo quanto as falhas de qualidade se
consolidou, sendo a qualidade encarada como uma decisão estratégica da empresa
(UENO, 2017; VASCONCELLOS; LUCAS, 2012).
Se unirmos os conceitos chave de qualidade total com o estabelecimento de um
sistema de gestão, chegaremos a nova face da qualidade, denominada de gestão da
qualidade. Apesar de ser “uma nova face”, a mesma reúne aspectos já desenvolvidos
anteriormente, como o princípio de controle de qualidade e o emprego da estatística neste
processo, porém incorporados em uma estrutura gerencial (UENO, 2017).
A face mais recente do conceito de qualidade se apresenta como Quality by
Design. O mesmo pode ser definido como uma abordagem de caráter sistemático para o
desenvolvimento farmacêutico, que se inicia com objetivos pré-definidos e salienta a
compreensão de produtos e processos, assim como o controle de processos, com base
em ciência e gestão de riscos de qualidade (ICH Q9, 2005). Seu fundamento é o
entendimento aprofundado de todos os processos envolvidos na fabricação de dado
medicamento, o que se faz por meio da análise do impacto envolvido com inúmeros
fatores do processo, como as matérias-primas utilizadas, os equipamentos empregados
na fabricação, os métodos de análise, etc. Uma vez que as variáveis envolvidas no
processo que influenciam no produto final são identificadas, é possível controlá-las de
modo a assegurar a fabricação de um produto com qualidade (GAFANIZ, 2011). Sendo
assim, o emprego dos princípios de QbD permitiriam atender as especificações de
qualidade dos produtos, o aumento da capacidade do processo, a redução da
variabilidade e ocorrência de defeitos, o aumento da eficiência durante as fases de
desenvolvimento e fabricação de medicamentos, o aprimoramento na identificação e
tratativa de causas-raiz envolvidas com desvios produtivos, o aumento da rentabilidade
da empresa, a facilitação quanto a adaptação a mudanças, etc (GAFANIZ, 2011; YU et
al., 2014). Isso resulta em vantagens com relação as outras concepções de qualidade, já
que permite a flexibilização dos processos, estimulando a inovação, o desenvolvimento
de melhorias contínuas, bem como o aumento de competitividade (APONTE; DÍAZ;
HUERTAS, 2015; GAFANIZ, 2011). A seguir (figura 01), é esquematizado esse processo
de evolução da abordagem da qualidade.
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Figura 01 – Evolução da concepção de qualidade
Fonte: Carolina Santos.
4.2 Evolução da qualidade na indústria farmacêutica
A indústria farmacêutica teve sua origem no final do século XIX como um
segmento do setor químico, sendo poucos novos fármacos introduzidos no mercado até
o período da segunda Guerra Mundial. Foi somente após a década de 1940 que o
surgimento da indústria farmacêutica moderna (também conhecida como "Idade de
Ouro") ocorreu. Desde então, os produtos farmacêuticos desenvolvidos estão em
constante mudança, influenciados conforme a acessibilidade a oportunidades científicas
e tecnológicas, a variações de mercado, a existência de oportunidades ou restrições
políticas, etc (MALERBA; ORSENIGO, 2015).
Apesar do seu surgimento no final do século XIX, até 1960 pode-se afirmar que
não havia significativo controle com relação aos medicamentos produzidos. Somente no
período de 1960/70 ocorreu o aumento no estabelecimento de leis, regulamentos e
diretrizes voltadas para a avaliação da qualidade, eficácia e segurança de novos
medicamentos, estabelecendo-se inclusive as Boas Práticas de Fabricação. Porém,
devido a internacionalização industrial, notou-se que a divergência existente entre países
com relação aos requisitos técnicos impactava negativamente a possibilidade de
13
comercialização de produtos a nível global. Sendo assim, tornava-se nítida a
necessidade de harmonização das regulamentações, ideia essa que foi corroborada
devido a fatores como a preocupação com o aumento dos custos voltados a cuidados
com a saúde, bem como no custo envolvido em pesquisa e desenvolvimento, dentre
outros. Isso culminou no estabelecimento de regulamentações compartilhadas em
diferentes países, bem como o surgimento das organizações e agências
regulamentadoras como ICH e EMA (GAFANIZ, 2011; INTERNATIONAL CONFERENCE
ON HARMONIZATION, 2018).
Pensando no âmbito farmacêutico industrial, a incorporação dos conceitos de
gestão estratégica da qualidade foi realizada tardiamente se comparado com outros
ambientes industriais (como o automobilístico), devido as suas peculiaridades, como a
fabricação de lotes pequenos, a complexidade elevada dos processos envolvidos, a
presença de regulamentações rígidas quanto à qualidade, etc (DOCARMO, 2017).
Ainda, apesar das regulamentações rigorosas, a necessidade de ampliar a
avaliação de qualidade de produtos farmacêuticos se tornou reconhecida pelo FDA, uma
vez que, até então, a mesma era efetuada baseando-se em inspeções quanto as Boas
Práticas de Fabricação e revisões regulatórias das aplicabilidades dos medicamentos.
Aparentemente, apesar do compilado de informações necessárias para o registro de um
medicamento, as mesmas não eram suficientes para entender a causa raiz envolvida
com os desvios de fabricação, que resultavam em inúmeros recalls e perdas de produto.
Esse foi um dos fatores culminantes que mudaram a visão do FDA quanto a abordagem
regulatória empregada para garantir a qualidade do produto. Nesse contexto, conceitos
como Boas Práticas de Fabricação Atuais, QbD, tecnologia analítica de processos,
conhecido como Process Analytical Tecnology (PAT), dentre outras foram estabelecidos
(DOCARMO, 2017).
Em adição, o ICH publicou novas diretrizes que foram ao encontro dessa visão
inovadora da qualidade no âmbito farmacêutico: o desenvolvimento farmacêutico (Q8), o
gerenciamento de risco da qualidade (Q9) e sistema de qualidade farmacêutica (Q10)
(ICH Q8 R2, 2009; ICH Q9, 2005; ICH Q10, 2008). Tanto nas diretrizes do ICH quando
do FDA, QbD já é reconhecido, conceituado e encorajado dentro dessa nova proposta
14
de qualidade, que é construída por design e não testada em produtos. Essa nova
proposta de abordagem da qualidade é mostrada no quadro 01, a seguir.
Quadro 01 – Principais diferenças da abordagem tradicional e a inovadora quanto à qualidade
Fonte: Adaptado de DOCARMO, 2017.
Sendo assim, como proposta para o século 21 na área de qualidade, o FDA tem
por objetivo promover um processo de fabricação de medicamentos com elevada
eficiência, agilidade e flexibilidade, que é capaz de produzir medicamentos de alta
qualidade de forma confiável sem a necessidade de supervisão regulatória extensiva
(YU; KOPCHA, 2017).
4.3 Metodologia analítica tradicional: status, importância, entraves e perspectivas
Em uma análise ampla, os métodos analíticos podem ser empregados para gerar
dados úteis em diversas aplicabilidades. Entretanto, apesar dos diferentes usos, todos
eles apresentam em comum a necessidade de que os resultados gerados sejam de
Parâmetro Abordagem tradicional Nova abordagem
Desenvolvimento Empírico, aleatório, muitas vezes
realizado considerando uma variável por vez
Experimentos planejados com bases estatísticas para extrapolar resultados
dentro de um espaço de design
Processo de manufatura
Rígido. As mudanças são desencorajadas. A validação do
processo baseia-se em primeiros lotes industriais
Validação do processo para descobrir os impactos que as pequenas
variações de protocolo podem ter sobre a qualidade do produto com
base na abordagem do ciclo de vida e verificação contínua do processo
Controle em processo
Testes para decisões entre aprovado/desaprovado
Análise off-line
Ferramentas de tecnologia analítica de processo (PAT) usadas para
alimentação direta ou retroalimentação em tempo real
Controle da qualidade
Inspeções, testes em processo e de liberação dentro das especificações
Liberação em tempo real. Isso confirma a qualidade, como parte da estratégia de controle baseada em
risco
Documentação para registro
Baseado em dados de lotes piloto Com base na compreensão do
processo, conhecimento do produto e seus requisitos de desempenho
Gerenciamento do ciclo de vida
Reativo, com ações corretivas. Necessidade de mudanças pós-
aprovação
Ações preventivas, com melhoria contínua no espaço de design. Os
parâmetros aprovados no espaço de design não precisam de uma alteração
posterior à aprovação
15
qualidade e confiáveis, já que os mesmos podem ser empregados como base para
tomada de decisões (PARR; SCHMIDT, 2017). Dessa forma, essa necessidade não seria
diferente em uma indústria farmacêutica, uma vez que a metodologia analítica e o
desenvolvimento de um produto farmacêutico são interligados durante todo o ciclo de
vida de um produto, sendo a mesma um indicador da robustez e da qualidade deste e do
seu respectivo processo de manufatura (BHUTANI et al., 2014; PERAMAN; BHADRAYA;
REDDY, 2015).
Por legislação, para que seja concebido o registro ou a sua renovação para
medicamentos, por exemplo com Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) sintético, genéricos,
similares, dentre outros, o requisito analítico é obrigatório como um dos componentes
para assegurar a qualidade, segurança e eficácia do produto final. Nesse caso, a
metodologia analítica empregada, bem como a documentação referente a sua validação
precisa ser apresentada em diferentes etapas do processo produtivo, desde aquela
voltada para o IFA e sua estabilidade, ao controle das matérias-primas e também do
próprio produto acabado (BRASIL, 2014). Esse enfoque no impacto e necessidade da
metodologia analítica não é somente apresentado no Brasil, mas sim por órgãos
regulatórios mundiais, como ICH e FDA (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015).
Dada a sua devida importância, é essencial garantir que uma metodologia analítica
seja adequada aos requisitos preconizados, sendo esse atendimento geralmente
demonstrado via estudos de validação e, caso necessário, por meio de um processo de
verificação ou transferência de metodologia visando assegurar que a mesma é adequada
para o local onde será empregada (MARTIN et al., 2013). Nesse caso, para avaliação da
performance analítica de um método, algumas características são consideradas, como:
acurácia (exatidão), especificidade/seletividade, linearidade e faixa linear, precisão
(repetibilidade e precisão intermediária), limite de detecção e quantificação e robustez
(REID et al., 2013).
Apesar da ampla quantidade de informações que podem ser extraídas,
isoladamente, as características de performance do método não são suficientes para que
seja possível avaliar a qualidade dos resultados obtidos e nem demonstrar que o método
é de fato adequado para seu uso pretendido (REID et al., 2013). Ainda, apesar de
existirem normas e guias regulatórios, que são voltados para a orientação das indústrias
16
farmacêuticas quanto a validação dos procedimentos analíticos (via avaliação das
características de performance), não há até o momento um meio de permitir que a própria
indústria consiga compreender e controlar confiavelmente as fontes de variabilidade do
método analítico (MARTIN et al., 2013). Cabe ressaltar que, além das próprias variações
nos parâmetros do método em si, alterações nas instrumentações empregadas e suas
configurações, na amostra e no tipo de modelo escolhido para calibração podem afetar
os resultados analíticos obtidos (TANG, 2011; PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015).
Atualmente, o emprego de metodologias cromatográficas ainda é visto como o
mais adequado para ser utilizado nas diversas fases do ciclo de vida dos produtos. Assim,
o uso de técnicas cromatográficas líquidas de alta performance, ultra performance ou
rápida resolução é comum como metodologias de escolha para avaliar uniformidade de
conteúdo, perfil de impurezas, estudos de estabilidade, dentre outros. Porém,
considerando as características empregadas para avaliar a performance de um método
citadas anteriormente, a cromatografia pode apresentar entraves como baixa
sensibilidade e seletividade, assim como problemas para compreensão entre a
performance do método e os parâmetros empregados. Isso pode levar a necessidade,
em muitos casos, da presença de um protocolo de revalidação (PERAMAN; BHADRAYA;
REDDY, 2015).
Em adição, o processo tradicional de desenvolvimento e otimização de uma
metodologia analítica ainda é baseado no denominado OFAT e não conta com o auxílio
de cálculos estatísticos e análises de risco (BEZERRA et al., 2008; PERAMAN;
BHADRAYA; REDDY, 2015; RAMAN; MALLU; BAPATU, 2015). Para ilustrar, é
apresentado na figura 02 o esquema geral do desenvolvimento de um método analítico
cromatográfico por meio da abordagem tradicional.
17
Figura 02 – Exemplo de abordagem tradicional para desenvolvimento de metodologia analítica cromatográfica
Fonte: adaptado de RAMAN; MALLU; BAPATU, 2015.
A abordagem OFAT é baseada na escolha de um único parâmetro de otimização
por vez, de modo a avaliar a influência que as alterações no mesmo podem ocasionar no
resultado analítico, mantidas as demais variáveis constantes (BEZERRA et al., 2008;
PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015). Pelo fundamento da técnica, um aspecto
importante acaba sendo perdido, que consiste no entendimento dos possíveis resultados
obtidos por conta das interações entre as inúmeras variáveis, de modo que não é possível
avaliar como um todo o impacto de um dado parâmetro no resultado analítico que será
obtido (BEZERRA et al., 2008). Sendo assim, o emprego de tal abordagem viabiliza
apenas a obtenção de um método robusto para uma pequena faixa de variação de
parâmetros, o que impacta negativamente quanto a grande chance de falha da
metodologia quando esta for empregada na rotina produtiva. Esse impacto acaba por
trazer reflexos financeiros, elevando o custo envolvido com o desenvolvimento e
manutenção do método (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015).
18
Diante deste cenário, uma nova proposta de entendimento da metodologia
analítica surgiu, que é baseada na aplicação do conceito de “ciclo de vida”. Por definição
no ICH Q8 (R2), o ciclo de vida de um produto corresponde a: “todas as fases da vida de
um produto do desenvolvimento inicial através do marketing até a descontinuação do
produto” (ICH Q8 R2, 2009, p.7, tradução nossa). Analogamente, o ciclo de vida de uma
metodologia analítica compreenderia as fases de concepção, desenvolvimento,
validação (com qualificação instrumental e uso do processo de verificação contínua) até
a inutilização da mesma (PARR; SCHMIDT, 2017). Ainda, este conceito pode ser
empregado caso a metodologia analítica seja vista como um processo, cujo resultado é
um dado passível de ser comparado frente a um critério de aceitação (MARTIN et al.,
2013). Essa abordagem gerencial quanto ao ciclo de vida de uma metodologia analítica
já é abordada por órgãos regulatórios como ICH e a United States Pharmacopeia (USP)
(PARR; SCHMIDT, 2017).
O real significado de se utilizar essa mentalidade é justamente atacar um ponto
falho no desenvolvimento atual, que corresponde a compreensão e controle das variáveis
significativas para o desempenho da metodologia analítica. Sendo assim, pode-se
assegurar que atributos de qualidade do produto serão analisados de modo confiável, já
que é vinculada a variabilidade apresentada por um procedimento analítico com os
requisitos do produto a ser testado, concepção essa que vai de encontro com o
surgimento do AQbD (MARTIN et al., 2013).
4.4 Fundamentos de AQbD
AQbD surgiu da proposta de aplicação dos conceitos de QbD voltados para a
metodologia analítica, visando o desenvolvimento de um método com qualidade, ao invés
de testá-lo quanto a qualidade depois que o mesmo já foi concebido (BHUTANI et al.,
2014; VOGT; KORD, 2011). AQbD resulta na obtenção de métodos analíticos cujas
características são profundamente compreendidas, que atendem às suas expectativas
de uso e que apresentem a robustez necessária para que mantenham sua performance
durante todo seu ciclo de vida (RAMAN; MALLU; BAPATU, 2015; REID et al., 2013). A
compreensão da metodologia analítica abrange, mas não se limita a: conhecimento das
19
possíveis interferências dos parâmetros utilizados nos resultados obtidos pelo método,
análise das interações entre diferentes variáveis (como, instrumentação, analista,
amostra e parâmetros do método), emprego de conhecimentos baseados em
características químicas, físicas e bioquímicas, assim como incorporação de
conhecimentos anteriores vinculados a técnicas e métodos (TANG, 2011).
Pode-se considerar que o principal enfoque do AQbD consiste em identificar os
modos de falha associados ao método, bem como desenvolver uma MODR robusta,
considerando o contexto do gerenciamento do ciclo de vida do método (BHUTANI et al.,
2014). Para tanto, o mesmo conta com um conjunto de ferramentas, como o ATP, a
determinação do MODR, validação, realização de monitoramento contínuo do método,
que são articuladas com um embasamento estatístico e de análise de risco (RAMAN;
MALLU; BAPATU, 2015). O ciclo de vida do método que emprega AQbD e as respectivas
ferramentas envolvidas com cada fase pode ser representado conforme figura 03.
Figura 03 – Representação do ciclo de vida de um método desenvolvido com
abordagem AQbD
Fonte: adaptado de RAMAN; MALLU; BAPATU, 2015. Legenda: CQAs - Atributos Críticos de Qualidade (Critical Quality Attributes)
20
A concepção de AQbD permite que sejam estabelecidas interrelações entre cada
uma das etapas citadas, como por exemplo de retroalimentação (TANG, 2011). Sendo
assim, é possível adotar uma postura que deixa de ser reativa quanto a ocorrência de
problemas para se tornar proativa quanto a redução de falhas.
Porém, deve-se considerar que o sucesso do AQbD reside justamente na escolha
de uma abordagem muito bem planejada e adequada, no emprego de suas ferramentas,
no desempenho do trabalho executado, sendo tudo isso desenvolvido em um intervalo
de tempo compatível (RAMAN; MALLU; BAPATU, 2015).
4.5 Elementos componentes
4.5.1 Knowledge Space
A criação do Knowledge Space, conforme representado pela figura 04, é
fundamental para o delineamento da qualidade de um método, sendo primeiramente
definidos os objetivos e usos aos quais será destinado o método de interesse (BHUTANI
et al., 2014). Tendo em mente esse enfoque, o Knowledge Space é construído com base
na compreensão de 3 pontos chave:
1 – Fatores Contributivos: geralmente incluem principalmente os atributos dos
materiais envolvidos e os parâmetros do método, porém podem ser estendidos
para atributos de sistemas, ferramentas de análise de risco, design experimental,
que podem influenciar as consequências obtidas (BHUTANI et al., 2014);
2 – Correlação: voltada para a relação entre os fatores contributivos e as
consequências, sendo muito empregada durante as fases de análise de risco,
auxiliando na identificação dos modos de falha, na análise de dados e na escolha
do modelo de design adequado (BHUTANI et al., 2014);
3 – Consequências: corresponde aos resultados obtidos em decorrência dos
fatores contributivos com relação aos atributos de qualidade, do método e do
sistema (BHUTANI et al., 2014);
Com esses três pontos o Knowledge Space é construído em concordância com o
desenvolvimento do método, sendo essas características chave também empregadas
21
para a definição do tipo de estratégia de controle e gerenciamento do ciclo de vida do
método (BHUTANI et al., 2014).
Figura 04 – Representação do Knowledge Space e seus elementos constituintes
Fonte: adaptado de BHUTANI et al., 2014.
4.5.2 Perfil analítico alvo (ATP)
O Perfil Analítico do Alvo, ou Analytical Target Profile (ATP), é a primeira etapa a
ser estabelecida no AQbD. No mesmo é definido qual o escopo do método, o que será
utilizado para que ocorra a seleção e desenvolvimento do mesmo (PERAMAN;
BHADRAYA; REDDY, 2015). O mesmo pode ser definido como: “o objetivo do teste e
requisitos de qualidade, incluindo o nível esperado de confiança, para o resultado
relatável que permita tirar conclusões corretas sobre os atributos do material que está
sendo medido" (MARTIN et al., 2013, p. 4, tradução nossa). Ou seja, no ATP é delineado
um conjunto de critérios, previamente ao desenvolvimento do método, que estabelecem
o que será medido (ex: impureza), e os critérios de desempenho que devem ser atingidos
pela medição (ex: acurácia, precisão), sem no entanto definir a técnica analítica em si
(ORLANDINI; PINZAUTI; FURLANETTO, 2012; PARR; SCHMIDT, 2017).
22
O ATP também é empregado nos processos de transferência e gerenciamento
do ciclo de vida do método, apresentando-se como uma ferramenta chave para que seja
possível a melhoria contínua metodológica (BHUTANI et al., 2014; PERAMAN;
BHADRAYA; REDDY, 2015). O mesmo estabelece a correlação entre o método analítico
e os processos químicos ou de formulação, de modo que, dependendo da necessidade
identificada nesses processos, um ATP pode ser delineado (VOGT; KORD, 2011). No
ambiente farmacêutico industrial, a área de gerenciamento de controle de mudanças é a
responsável pela implementação do ATP, sendo o mesmo uma das fontes de flexibilidade
regulatória tão desejada no AQbD (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015). Essa
flexibilidade é obtida uma vez que o registro será baseado no ATP e não em um método
específico. Sendo assim, como diferentes métodos podem ser desenvolvidos desde que
cumpram os requisitos do ATP, caso seja necessária alguma alteração, o mesmo será
devidamente validado e documentado, porém não serão necessárias alterações
regulatórias (que atualmente correspondem as alterações pós registro, que apresentam
significativo impacto financeiro para a empresa) (BHUTANI et al., 2014; VOGT; KORD,
2011).
O ATP geralmente envolve a seleção de três principais aspectos: o alvo da análise,
a técnica e os requisitos do método (RAMAN; MALLU; BAPATU, 2015). A seleção da
técnica precisa atender as necessidades para as quais foi proposta, bem como estar de
acordo com os parâmetros de validação do método exigidos regulatóriamente
(PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015). Ainda, dependendo da situação, é ideal que a
técnica selecionada esteja disponível tanto no local onde é desenvolvida quanto nos
futuros sites de transferência, levando em consideração também a necessidade da
existência de recursos humanos capacitados para empregá-la. Em adição, se faz
necessário ponderar se o método será empregado na área de manufatura ou em
ambiente laboratorial, já que suas características e aplicabilidades são diferenciadas
(REID et al., 2013). Já com relação aos requisitos do método, estes se referem
usualmente as características de performance do mesmo, que geralmente são os
parâmetros de validação já apresentados anteriormente (ex: seletividade, acurácia,
precisão), sendo recomendada a inclusão de duas ou mais características para compor
os critérios do ATP (BHUTANI et al., 2014; PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015). A
23
medição destas caracteríticas de faz necessária de modo a assegurar que o método gere
dados conformes com o seu uso proposto (BHUTANI et al., 2014). Em adição, os
requisitos também podem contemplar os custos totais de análise, a capacidade produtiva
do método e facilidade da execução das operações (PARR; SCHMIDT, 2017). No quadro
02 é mostrado um exemplo de como se estruturaria um ATP para uma IFA e produto.
Quadro 02 – Exemplo de delineamento de ATP para uma IFA e produto
ATP Alvo Justificativa
Amostra IFA ou medicamento Desenvolver um método analítico para quantificação de determinada molécula no IFA ou medicamento,
podendo ser o princípio ativo ou outros componentes
Tipo de Método Fase reversa ou fase
normal Baseado na polaridade da molécula que influencia o
alvo do método
Instrumento CLAE, cromatógrafo a
gás, Potenciometria
Baseado na disponibilidade de grupamento cromóforos, volatilidade e outras características
estruturais e moleculares do método que devem ser explicadas
Características da amostra
Forma farmacêutica - sólido, líquido, supositórios,
comprimidos de liberação prolongada
A técnica de extração da amostra deve ser alvo, a necessidade de sonicação, agitação mecânica,
centrifugação, filtração deve ser definida
Preparação do padrão e amostras
Diluente Justificado com base na solubilidade e
pKa do IFA
Aplicação do método
Doseamento do IFA, produtos terminados ou
intermediários
O perfil é delineado com o objetivo de desenvolver métodos comuns de quantificação de IFA, do produto
terminado, análise em processo, amostras de estabilidade, uniformidade de conteúdo.
Fonte: adaptado de JAYAGOPAL; SHIVASHANKAR, 2017. Legenda:CLAE – Cromatografia Líquida de Alta Performance
4.5.3 Variáveis e atributos do método
Dentre as variáveis que constituem a metodologia analítica, é possível dividi-las
em dois grupos, as variáveis do método potenciais, Potential Method Variables (PMVs) e
as críticas, Critical Method Variables (CMVs). As potenciais correspondem a todas as
variáveis que uma metodologia analítica pode apresentar e as críticas restringem esse
grupo para somente aquelas que provavelmente impactam os atributos críticos do
método (BHUTANI et al., 2014).
Em termos de atributos do método, cabe um paralelo com os Atributos Críticos de
Qualidade, Critical Quality Attributes (CQAs) definidos quando se trata do
desenvolvimento de produtos. Por definição, um CQA seria: “propriedade física, química,
24
biológica ou microbiológica ou característica que deve estar dentro de um limite, intervalo
ou distribuição apropriado para garantir a qualidade do produto desejada” (ICH Q8 R2,
2009, p. 11, tradução nossa). Transferindo essa definição para o contexto analítico, um
CQA corresponderia as características do método que potencialmente impactam o ATP,
de modo a ser necessário seu controle visando obter a performance adequada do método
(CHAVES, 2017). Atualmente, há citações que empregam o termo CQA para metodologia
analítica e adaptam a sua definição e aqueles que já utilizam a terminologia própria de
Atributos Críticos do Método, ou Critical Method Attributes (CMAs). Nesse caso, CMA
pode ser entendido como os atributos em potencial do método que são impactados pelos
CMVs e que provavelmente serão contemplados dentro de um limite adequado
(BHUTANI et al., 2014). Em termos de exemplo, no caso de um método que empregue
Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (CLAE), seriam considerados como atributos
críticos os parâmetros como assimetria, número de pratos teóricos, resolução entre os
picos, pureza de pico, dentre outros (JAYAGOPAL; SHIVASHANKAR, 2017).
Há também, de modo complementar, os atributos potenciais do método, Potential
Method Attributes (PMAs), que correspondem ao conjunto de características de um
método que devem estar submetidas a um limite ou intervalo apropriado de modo a
viabilizar o desempenho desejado do método (BHUTANI et al., 2014).
4.5.4 Análise de risco
A realização de análises de risco (AR) já é algo preconizado para produtos. Nesse
contexto, o gerenciamento dos riscos da qualidade pode ser definido como: “processo
sistemático para avaliação, controle, comunicação e revisão de riscos para a qualidade
do produto farmacêutico em todo o ciclo de vida do produto” e subdividido nas etapas
fundamentais de identificação, análise e avaliação de risco (ICH Q9, 2005, p. 2, tradução
nossa). Voltado para AQbD, a AR permite que sejam filtradas e elencadas dentre todas
as possíveis variáveis que podem afetar o resultado da metodologia analítica, as que são
críticas, ou seja, aquelas que de fato impactam no ATP (considerando também o grau de
impacto de cada uma). Sendo assim, a mesma avalia o risco envolvido com cada fonte
de variabilidade, dentre as quais podemos citar, configuração do instrumento, medição e
parâmetros do método, características da amostra, método de preparo da amostra,
25
condição ambiente, etc (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015). Em adição, cabe
ressaltar que, na identificação das possíveis variáveis críticas do método, informações
oriundas de literatura, conhecimento do processo e a experiência dos analistas
envolvidos são considerados (BHUTANI et al., 2014).
A AR é efetuada geralmente ao término do processo de desenvolvimento do
método, entretanto ao longo do ciclo de vida do mesmo esta pode e deve ser retomada,
sendo alterado seu enfoque conforme a etapa a ser avaliada (RAMAN; MALLU; BAPATU,
2015; REID et al., 2013). Um exemplo é com relação ao processo de transferência
metodológica, na qual essa é um pré-requisito, cuja análise é voltada para variáveis que
possam afetar a robustez do método, por exemplo, diferenças potenciais existentes entre
as práticas e ambiente laboratoriais, fontes de obtenção de reagentes, etc (REID et al.,
2013).
Independentemente se a AR será utilizada para QbD ou AQbD, pode-se embasá-
la em três questões fundamentais (ICH Q9, 2005):
▪ O que pode dar errado?
▪ Qual a probabilidade de dar errado?
▪ Quais são as consequências em caso de falha?
Visando auxiliar na identificação e priorização das possíveis fontes de risco
associadas ao método, algumas ferramentas podem ser empregadas, como por exemplo,
Failure Mode Effect Analysis (FMEA), Diagrama de Ishikawa (espinha de peixe) e matriz
de priorização (VOGT; KORD, 2011). O Diagrama de Ishikawa, por exemplo, se baseia
no estabelecimento da correlação causa e efeito, sendo útil na fase de identificação dos
PMVs e PMAs (BHUTANI et al., 2014; VOGT; KORD, 2011). No mesmo, cada uma das
possíveis fontes de risco é classificada em 6 categorias: material, método, fatores
humanos, medida, meio ambiente e máquina, conforme exemplificado na figura 05
(VOGT; KORD, 2011).
26
Figura 05 – Esquema representativo de um diagrama de Ishikawa genérico para desenvolvimento de
métodos por cromatografia líquida
Fonte: adaptado de BHUTANI et al., 2014.
Com base na avaliação dos riscos elencados, por exemplo, via diagrama de
Ishikawa, os mesmos são geralmente distribuídos em três grandes categorias: fatores de
alto risco que devem ser controlados, fatores de ruído potenciais e fatores que podem
ser testados experimentalmente para delineamento de um intervalo aceitável (VOGT;
KORD, 2011). Nesse ponto, FMEA pode ser empregada, sendo essa ferramenta
estruturada em três pilares, a ocorrência (chance de haver falha), severidade (efeito
gerado nos dados analíticos) e detecção (capacidade de detecção), conforme
exemplificado pelos quadros 03 e 04. A cada pilar é atribuído um valor conforme escala
previamente estabelecida, sendo multiplicado e resultando no Risk Priority Number
(RPN). O RPN permite que sejam elencados quais variáveis serão mais profundamente
estudadas, de modo se priorizar o que necessita de ações preventivas e/ou corretivas
(JAYAGOPAL; SHIVASHANKAR, 2017).
27
Quadro 03 – Exemplo de FMEA considerando um método de CLAE (avaliação da situação atual)
Método Tipo de falha Impacto
Potencial Severidade (S)
Causas potenciais
Ocorrência (O) Modos de detecção
Detecção (D) RPN
Definição de uma etapa ou procedimento do método a ser avaliado
Definição de possíveis falhas (com base na avaliação das
variáveis impactantes do
método)
Avaliação do impacto nos
resultados do método
Avaliação da severidade do
método Critério de 1 (baixa) a 10 (elevada)
Avaliação dos motivos
principais vinculados com a falha
Avaliação da frequência da
ocorrência Critério de 1 (baixa) a 10 (elevada)
Descrição dos controles já existentes
para prevenir a falha
Avaliação da capacidade de detecção Critério de 1 (baixa) a 10 (elevada)
RPN = S*O*D
Método para quantificar o IFA no produto final por CLAE fase
reversa
Pico do placebo e do analito unidos
Redução da resolução
entre os picos do placebo e
analito
10 pH do tampão (atributo crítico
do método) 5
Valor de pH mencionado
em procedimento
2 100
Fonte: adaptado de JAYAGOPAL; SHIVASHANKAR, 2017.
Quadro 04 – Continuação do exemplo de FMEA considerando um método de CLAE (avaliação de melhorias)
Ações recomendadas
Responsável Prazo Ações
tomadas Severidade (S) Ocorrência (O) Detecção (D) RPN
Ações tomadas ou a serem
tomadas para diminuir a
ocorrência da falha ou facilitar a
detecção
Pessoa responsável
por executar a ação
recomendada
Prazo para execução da ação
recomendada
Quais ações de fato foram
implementadas
Avaliação da severidade
considerando as ações tomadas
Critério de 1 (baixa) a 10 (elevada)
Avaliação da ocorrência
considerando as ações tomadas
Critério de 1 (baixa) a 10 (elevada)
Avaliação da detecção
considerando as ações tomadas
Critério de 1 (baixa) a 10 (elevada)
Novo RPN = S * O * D
Executar DoE considerando o pH como um atributo
crítico do método e delineamento do
MODR
Analista 10 dias
Definição clara em
procedimento da faixa de pH
2 2 3 12
Fonte: adaptado de JAYAGOPAL; SHIVASHANKAR, 2017.
28
4.5.5 Planejamento Experimental – Design of Experiments
O delineamento experimental, conhecido como Design of Experiments (DoE),
pode ser definido, conforme ICH Q8 (R2), como um método estruturado e
organizado visando o estabelecimento da relação entre os fatores que afetam um
processo e os resultados desse processo (ICH Q8 R2, 2009). Sendo assim, para a
sua implementação em AQbD, é primordial o conhecimento aprofundado sobre as
variáveis de entrada assim como os resultados desejados (PERAMAN;
BHADRAYA; REDDY, 2015).
Considerando a perspectiva de QbD, o processo de DoE envolve sete etapas
fundamentais: estabelecimento dos objetivos, seleção das variáveis do processo
(variáveis de entrada) e resultados (CQAs), seleção do design experimental,
execução do delineamento experimental, verificação da concordância entre os
resultados obtidos com o preconizado inicialmente, análise dos resultados e
interpretação e aplicação dos resultados obtidos (POLITIS et al., 2017). Racional
semelhante é utilizado na implementação de DoE em AQbD. O mesmo é
empregado durante a fase de desenvolvimento do método e apresenta alguns
pontos chave:
✓ Triagem – Momento no qual os parâmetros críticos do método são
identificados de modo a selecionar os que necessitam da execução dos
experimentos de otimização (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015);
✓ Otimização – Processo no qual é fundamentada a compreensão da
relação entre as variáveis de entrada (ex: parâmetros críticos do
método) e os resultados obtidos considerando a influência no
desempenho do método e no ATP (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY,
2015);
✓ Seleção da ferramenta de DoE – As ferramentas de DoE permitem
expressar, por meio de modelagem matemática, a correlação entre
variáveis de entrada e resultados obtidos. Estas podem ser empregadas
em diferentes etapas do processo de design experimental, como por
exemplo, a triagem ou otimização. O critério de seleção da mesma deve
29
ser fundamentado no número de variáveis de entrada que se deseja
avaliar e no conhecimento angariado sobre os parâmetros controlados
bem como sobre a relação entre variável e resultado (PERAMAN;
BHADRAYA; REDDY, 2015). Dentre as ferramentas que podem ser
empregadas, temos:
- Design fatorial completo – Empregado quando se aborda de 2
a 5 variáveis, sendo sua aplicabilidade voltada para o processo
de otimização (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015);
- Design fatorial fracionário ou métodos Taguchi – Empregado
tanto para a seleção das variáveis de interesse quanto nas fases
de otimização (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015);
- Método Plackett-Burman – Empregado na pesquisa ou
identificação de alguns fatores de grande impacto dentre um
elevado número de variáveis (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY,
2015);
- Método de amostragem de pseudo-Monte Carlo – Empregado
tanto para análises quantitativas de risco quanto em processos
de otimização (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015);
✓ Delineamento do MODR – descrição será abordada no tópico 4.5.6;
✓ Validação do modelo – Corresponde a validação estatística do modelo
de escolha, com base na avaliação da correlação entre a resposta
prevista e a resposta obtida (por exemplo, por meio de uma análise de
regressão) (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015).
Dessa forma, DoE permite a melhor compreensão das variáveis e
parâmetros do método com relação a sua influência nos CMAs (BHUTANI et al.,
2014). Sua realização pode ser feita com base em uma variável por vez, ou
empregando inúmeras variáveis e analisando suas relações e resultados. A
segunda abordagem, também denominada de multifatorial, permite avaliar várias
condições obtidas empregando um número reduzido de experimentos. Os dados
gerados dessas avaliações são analisados com o auxílio de ferramentas estatísticas
30
de modo a se identificar as variáveis críticas e também os intervalos ótimos para as
variáveis de método. Esses intervalos constituirão uma região de condições
operacionais robusta, também denominado de MODR (PARR; SCHMIDT, 2017;
RAMAN; MALLU; BAPATU, 2015).
4.5.6 Região de Design Operável do Método (MODR)
A região de design operável do método, Method Operable Design Region
(MODR) corresponde a um espaço multidimensional delineado com base nas
variáveis e configurações do método, no qual é assegurada a performance
delineada no ATP e assim, a qualidade do dado analítico (BHUTANI et al., 2014;
PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015; RAMAN; MALLU; BAPATU, 2015). Os
limiares que restringem o MODR contemplam o espaço delineado com base nas
combinações múltiplas das variáveis do método, sendo assim, o mesmo é
delimitado conforme a identificação dos limites de falha dessas variáveis (BHUTANI
et al., 2014; ORLANDINI; PINZAUTI; FURLANETTO, 2012). Dessa forma, qualquer
condição que esteja fora do MODR não apresentará o desempenho aceitável
(ORLANDINI; PINZAUTI; FURLANETTO, 2012). O mesmo é estabelecido durante
a fase de desenvolvimento do método e é obtido pela junção dos dados obtidos
conforme DoE, tratados com ferramentas estatísticas adequadas (JAYAGOPAL;
SHIVASHANKAR, 2017; PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015). Sua abordagem
multivariada e com embasamento em análise de risco viabiliza a avaliação dos
efeitos das variáveis metodológicas no resultado final do método (PERAMAN;
BHADRAYA; REDDY, 2015). Esse conceito é análogo ao Design Space (DS) do
QbD, sendo assim, a sua representação também pode ser apresentada na forma
gráfica ou por meio matemático, via uso de equações que descrevem relações entre
parâmetros de interesse visando a obtenção da performance adequada
(ORLANDINI; PINZAUTI; FURLANETTO, 2012). Para melhor visualização, é
mostrado um exemplo da definição do DS (figura 06), considerando os parâmetros
de friabilidade e dissolução.
31
Figura 06 – Espaço de concepção em um processo de granulação
Fonte: adaptado de ICH Q8 (R2), 2009.
Legenda: A região em branco representa o espaço de concepção,
dentro do qual o processo é realizado com sucesso considerando
os intervalos dos CQAs envolvidos.
O estabelecimento do MODR assegura que alterações nas variáveis
contempladas (ex: parâmetros do método), que forem executadas dentro do MODR,
ainda gerarão dados analíticos com qualidade e que a robustez do método será
mantida, ou seja, não será necessária a realização de alterações pós registro, o que
também garante a flexibilidade regulatória (BHUTANI et al., 2014; JAYAGOPAL;
SHIVASHANKAR, 2017; PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015). Em adição, por
meio do MODR, é viável delinear os controles do método necessários assim como
executar a validação do método (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015).
Ainda, considerando a rotina diária de trabalho, recomenda-se que seja
estipulada a Normal Operating Range (NOR), que corresponde a região, dentro do
MODR, na qual estão estabelecidas as especificações de trabalho (figura 07)
(BHUTANI et al., 2014).
32
Figura 07 – Representação do MODR para um método analítico, contendo o NOR
Fonte: adaptado de BHUTANI et al., 2014.
4.5.7 Validação do método
O processo de validação metodológica é obrigatório, cujas diretrizes são muito
bem estabelecidas, por exemplo no ICH Q2 (R1) ou RDC 166/17 (BRASIL, 2017;
ICH Q2 R1, 2005). No geral, esse processo ocorre isoladamente, uma única vez,
após o desenvolvimento do método (VOGT; KORD, 2011). A validação tradicional
envolve a avaliação em condições operacionais normais, compreendendo um
conjunto de variáveis analisadas em um único ponto (PERAMAN; BHADRAYA;
REDDY, 2015). Por outro lado, na abordagem AQbD, as metodologias
desenvolvidas devem ser validadas considerando a ampla variedade de condições
que podem haver, não somente avaliando um ponto fixo (ORLANDINI; PINZAUTI;
FURLANETTO, 2012). Complementarmente, a avaliação da precisão e acurácia do
método em diferentes pontos dentro do MODR permite a obtenção de informações
adicionais sobre as incertezas de medição do método além de confirmar se o
método cumpre com o seu ATP (REID et al., 2013). Em adição, deve-se ressaltar
33
que, uma vez que as metodologias são desenvolvidas e compreendidas
profundamente em AQbD, a probabilidade da ocorrência de problemas durante a
sua validação é extremamente baixa (VOGT; KORD, 2011). Sendo assim, o
principal enfoque da validação do método na concepção AQbD é confirmar que o
mesmo irá manter a performance preconizada durante seu uso em rotina assim
como atender os critérios estabelecidos no seu ATP (PARR; SCHMIDT, 2017).
4.5.8 Estratégia de controle
A estratégia de controle corresponde ao conjunto de controles planejados
para as possíveis fontes de variabilidade, de modo a assegurar que o método
mantenha sua performance, ou seja, que este atenda aos requisitos do ATP durante
seu uso rotineiro, bem como em casos em que ocorra a sua transferência (BHUTANI
et al., 2014; JAYAGOPAL; SHIVASHANKAR, 2017; VOGT; KORD, 2011). O
estabelecimento desses controles é baseado nos dados obtidos durante o processo
de desenvolvimento do método, na verificação de sua performance, nos resultados
estatísticos oriundos do DoE, na compreensão do MODR, nos estudos de robustez
e de estabilidade, nas características do analito de interesse, dentre outros
(JAYAGOPAL; SHIVASHANKAR, 2017; RAMAN; MALLU; BAPATU, 2015; REID et
al., 2013). A atividade de delineamento da estratégia de controle não
necessariamente é efetuada uma única vez durante o desenvolvimento do método,
de modo que a mesma pode ser revisitada e alterada em diferentes etapas do seu
ciclo de vida (MARTIN et al., 2013).
Cabe ressaltar que a abordagem AQbD, com relação ao estabelecimento de
estratégias de controle, é muito semelhante ao controle que já é efetuado
tradicionalmente. A diferença reside no fato dos controles do método serem
estabelecidos de acordo com uma ampla base de dados, conforme citado
anteriormente, de modo a se assegurar a conexão entre os objetivos do método e
a performance apresentada por este (REID et al., 2013). Em adição, essas
estratégias não necessitam ser complexas para serem efetivas, por exemplo, a
mesma pode corresponder a avisos nos procedimentos operacionais padrão quanto
a cuidados envolvendo o uso de um certo grau de reagente, ou sobre a sensibilidade
34
de um método com relação a valores de pH (JAYAGOPAL; SHIVASHANKAR,
2017).
4.5.9 Monitoramento contínuo do método
O processo de verificação contínua do método consiste na etapa final do
processo de AQbD, contemplando atividades que asseguram que o método se
mantém sob controle, ou seja, que este permanece cumprindo os pré-requisitos do
ATP, durante o seu ciclo de vida (BHUTANI et al., 2014; JAYAGOPAL;
SHIVASHANKAR, 2017). Essas atividades correspondem ao monitoramento do
método, que pode ser efetuado com base no uso de cartas controle ou outras
ferramentas voltadas para rastrear investigações relacionadas ao método analítico
(PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015). Uma vantagem dessa abordagem se
refere ao fato da mesma permitir, proativamente, a detecção, identificação e
estabelecimento de tratativas para resultados fora de tendência, Out of Tendency
(OOT), e/ou fora de especificação, Out of Specification (OOS), com relação a
performance do método, permitindo o processo de melhoria contínua
(JAYAGOPAL; SHIVASHANKAR, 2017; PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015).
Um último ponto a ser destacado se refere ao fato de que, periodicamente,
os métodos em uso precisam ser revisitados e avaliados, de modo a ser possível
identificar possíveis brechas ou oportunidade de melhoria, assim como, avaliar se
uma nova tecnologia não seria aplicável (REID et al., 2013).
4.6 QbD X AQbD
A definição e princípios base de Qualidade por Design já foram explorados
previamente neste trabalho, sendo válida a apresentação do diagrama geral de
estruturação do mesmo, de modo a se visualizar os conceitos e etapas envolvidas,
conforme demonstrado pela figura 08.
35
Figura 08 - Estrutura genérica da abordagem de QbD
Fonte: adaptado de PRAMOD et al., 2016.
Pensando na comparação entre QbD e AQbD, o enfoque do primeiro é com
relação as variáveis envolvidas com o processo e o próprio produto final e o de
AQbD nas características da metodologia analítica de escolha. Apesar disso, ambos
visam, em última instância, assegurar a qualidade do produto final a ser entregue
ao paciente, por meio da incorporação da qualidade durante seu processo ou
desenvolvimento, ao invés de optar pela abordagem de teste do resultado final, seja
ele o produto ou o dado analítico. Nesse caso, é mostrado no quadro 05 algumas
características comparativas entre QbD e AQbD.
36
Quadro 05 – Comparativo entre QbD e AQbD quanto a fundamentos básicos
QbD AQbD
Baseado em abordagem sistemática Baseado em abordagem sistemática
Qualidade é construída no produto e processo por meio de uma abordagem
científica e de design
Qualidade assegurada pela robustez e reprodutibilidade do método (obtidos durante o
desenvolvimento do método)
Submissão realizada com base nos conhecimentos do produto e processo
Submissão conforme conhecimentos adquiridos quanto ao método e seguridade dos
resultados por meio do ATP
Especificações baseadas nos requerimentos de performance do produto
Especificações baseadas no desempenho do método quanto aos critérios do ATP
Processo flexível, permitindo melhorias contínuas dentro do DS visando assegurar a
qualidade do produto
Método flexível dentro do MODR, viabilizando a implementação de melhorias contínuas que asseguram a validade dos resultados obtidos
Foco em robustez na qual se compreende a identificação e o controle das fontes de
variabilidade nos materiais e processos (com realização de análise de risco)
Foco em metodologias robustas, com identificação e controle de fontes de
variabilidade relevantes quanto aos reagentes, instrumentação empregada (com realização de análise de risco), bem como busca por análises
custo-efetivas
Design do produto e processo de modo a cumprir com os CQAs
Escolha de uma técnica de design da metodologia de modo a atingir os requisitos de
capacidade
Entendimento do impacto dos atributos dos materiais e parâmetros de processo nos
CQAs do produto
Entendimento do impacto dos parâmetros do método quanto aos resultados obtidos
Fonte: adaptado de KAKODKAR et al., 2015; PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015.
Em termos de QbD, é possível ressaltar seis elementos principais da sua
estruturação, que são:
1- Quality Target Product Profile (QTPP): corresponde a um conjunto de
características de qualidade do produto que idealmente será atingido visando
assegurar a qualidade desejada, considerando aspectos de segurança e
eficácia do medicamento (COOK et al., 2014; YU et al., 2014) ;
2- Atributos críticos de qualidade (CQAs): Previamente definido no item 4.5.3
do presente trabalho.
3- Análise de risco: a realização da análise de risco previamente ao
desenvolvimento do produto viabiliza a identificação de possíveis riscos
envolvendo a formulação, bem como as variáveis do processo que possam
37
impactar a qualidade do produto final, sendo sua definição já apresentada no
item 4.5.4. A mesma auxilia no desenvolvimento do processo de fabricação,
no delineamento de uma estratégia de controle e no manejo do ciclo de vida
de um produto (COOK et al., 2014, YU et al., 2014);
4- Espaço de concepção (Design Space): consiste na combinação
multidimensional considerando a interação entre as variáveis de entrada e
parâmetros de processo que proporcionam garantia de qualidade do produto
(ICH Q8 R2, 2009);
5- Estratégia de controle: conforme ICH, a estratégia de controle pode ser
definida como “conjunto planejado de controles, oriundo da compreensão
atual do produto e processo que garante o desempenho do processo e a
qualidade do produto” (ICH Q8 R2, 2009, p. 16, tradução nossa). Ou seja,
esse compilado de controles mantém o produto e o processo funcionando
dentro do DS de modo a atender as exigências do QTPP (COOK et al., 2014);
6- Gerenciamento do ciclo de vida: consiste na verificação contínua do processo
e implementação de melhorias desde a sua concepção até a descontinuação
do produto (COOK et al., 2014);
Considerando essa breve descrição quanto aos elementos chave de QbD, é
apresentado na figura 09 a correlação entre estas e as ferramentas de AQbD já
apresentadas anteriormente.
38
Figura 09 – Esquema comparativo considerando as etapas de desenvolvimento segundo QbD (em
vermelho) e AQbD (em verde)
Fonte: Carolina Santos.
Legenda: CPP – Parâmetros Críticos de Processo (Crtical Process Parameters); Região em
amarelo representando o uso compartilhado de ferramentas de análise de risco.
É possível notar que ambas apresentam a mesma estrutura base com
inúmeros paralelos, o que era de se esperar. Por exemplo, o ATP seria o
39
correspondente ao QTPP, o Design Space ao MODR, a parte de controle
estratégico, no caso de QbD, é voltada para assegurar a manufatura de um produto
com a qualidade desejada e, no caso de AQbD, para assegurar a performance do
método, mas no final, ambos visam o atendimento do objetivo inicial estabelecido,
etc (JAYAGOPAL; SHIVASHANKAR, 2017).
No geral, QbD e AQbD empregam a concepção de design visando
assegurar os atributos de desempenho ou qualidade de interesse, bem como a
construção de conhecimento sobre o processo envolvido, de modo a se avaliar os
parâmetros críticos que influenciam na qualidade do resultado final (seja ele o
produto ou o próprio dado analítico). Esse conhecimento também abrange a
identificação e controle das variabilidades nas entradas de processo, bem como a
monitorização visando a manutenção do controle e o uso de estratégias de melhoria
contínua com base em todos os dados que são obtidos (KAKODKAR et al., 2015).
4.7 OFAT X AQbD: Diferenças, vantagens e desvantagens
A abordagem quanto ao desenvolvimento da metodologia analítica e sua
manutenção e otimização foi dividida nesse trabalho, como a tradicional, também
descrita como OFAT, e aquela na qual se aplica os princípios de Qualidade por
Design. A diferença entre ambas é significativa no que tange fundamentos,
ferramentas utilizadas, passos a serem realizadas, impacto regulatório, dentre
outros. Na figura 10 são apresentadas as etapas comumente envolvidas no
desenvolvimento da metodologia analítica de modo tradicional com relação ao
AQbD, demonstrando claramente a diferença entre ambas. Ainda, no quadro 06, é
apresentada uma análise comparativa de alguns pontos chave envolvendo
diferenças entre as abordagens tradicional e AQbD.
40
Figura 10 - Comparativo entre as etapas de desenvolvimento de metodologia analítica tradicional (em azul) e AQbD (em verde)
Fonte: adaptado de RAMAN; MALLU; BAPATU, 2015.
Quadro 06 – Análise comparativa entre abordagem tradicional analítica e AQbD
Aspectos Tradicional AQbD
Abordagem no desenvolvimento
de método
• Baseado na abordagem empírica, avaliando-se diferentes
tentativas para se atingir o objetivo;
• Atributos a serem medidos quanto aos materiais, processos
e produto são de acordo com normas regulatórias;
• Baseado na abordagem sistemática, com objetivo inicial predefinido representado pelo
ATP;
• Atributos a serem medidos são determinados com base em
uma análise de risco robusta e os parâmetros do método
estabelecidos com base em uma estratégia multivariada que
está em acordo com as preferências do consumidor
final;
Continua
41
Aspectos Tradicional AQbD
Qualidade • Qualidade do método baseada
na sua validação e assegurada por testes no produto final;
• Qualidade assegurada pela qualificação da performance do método. A mesma é garantida
devido a robustez e reprodutibilidade do método
(obtidos durante seu desenvolvimento);
Especificações • Baseadas no histórico de lotes; • Baseadas no desempenho do
método quanto aos critérios do ATP;
Alvo • Foco em reprodutibilidade,
desconsiderando variabilidade; • Foco em metodologias
robustas e custo-efetivas;
Processo e impacto
regulatório
• Processo fixo, sem flexibilidade regulatória (métodos só são
modificados caso haja situações com impacto significativo), desestimulando alterações;
• Método flexível dentro do MODR, viabilizando a
implementação de melhorias contínuas;
• As modificações são propostas com base em todo o
conhecimento angariado das fases de desenvolvimento, validação, transferência de
tecnologia, bem como informações obtidas conforme
uso em rotina do método;
Validação do método
• Desempenho do método avaliado durante sua validação, que é executada apenas uma
vez com base nas características de performance de método
exigidos pela legislação aplicável;
• Compreensão das variáveis analíticas limitada;
• Performance do método é focada por meio do
estabelecimento do ATP. A validação se inicia com
enfoque no objetivo final, por exemplo, estabelecimento de
um ATP de acordo com a funcionalidade pretendida para
o método;
• Identificação e compreensão aprofundada das variáveis analíticas individualmente, assim como das possíveis
interações e seus respectivos impactos na performance do
método;
• Uso de ferramentas de análise de risco para identificar
variáveis potencialmente ou de fato críticas para serem
avaliadas;
Continuação
42
Conclusão
Aspectos Tradicional AQbD
Transferência do método
• Verificação e transferência de método constituem etapas
separadas;
• A transferência se apresenta como uma etapa realizada uma
única vez, com base em um número restrito de operadores e
equipamentos de modo a demonstrar que o local que recebe o método é capaz de
utilizá-lo.
• Qualificação e verificação de performance de um método
são pontos abordados continuamente durante o ciclo
de vida do método;
• Variáveis que possivelmente sofreram alteração devido ao uso do método em outro local são avaliadas com base em uma análise de risco e se
necessário, com relação a sua adequação ao ATP.
Fonte: adaptado de BHUTANI et al., 2014; PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015; SCWEITZER et al., 2010.
Um ponto chave que é discutido neste trabalho e constituí uma das grandes
diferenças, bem como vantagens do uso do AQbD, corresponde ao conhecimento
sobre as variáveis da metodologia analítica. O uso de AQbD pode ser defendido
justamente pela existência de uma ampla fonte de variáveis que podem afetar o
resultado de uma metodologia analítica (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015).
O OFAT, apesar de ser uma técnica que é apresenta como ponto positivo
justamente sua simplicidade, demonstra como desvantagem a incapacidade de
avaliar o efeito conjunto das variáveis de um método (BEZERRA et al., 2008;
BHUTANI et al., 2014; PARR; SCHMIDT, 2017; PERAMAN; BHADRAYA; REDDY,
2015). Como as interações não são consideradas, o resultado pode ser uma
performance não robusta do método, principalmente nos casos em que há
transferências metodológicas entre laboratórios (PARR; SCHMIDT, 2017). Ainda,
como o processo de otimização é realizado considerando uma característica por
vez, há a desvantagem do aumento no número de experimentos que se fazem
necessários, o que acaba por encarecer o processo, aumentar o tempo gasto na
pesquisa, bem como elevar uso de insumos como materiais e reagentes (BEZERRA
et al., 2008; PARR; SCHMIDT, 2017).
Considerando a avaliação de robustez empregando a abordagem tradicional,
esta não permite o conhecimento de quais são as margens de falha do método, já
que, para a avaliação dessa característica, apenas pequenas modificações
deliberadas nos seus parâmetros são avaliadas. Isso pode acabar resultando
43
justamente na desvantagem com relação a necessidade de novas otimizações e
revalidação da metodologia analítica. Por outro lado, em AQbD, é garantido que,
variações que estejam contempladas no DS necessariamente apresentarão valores
dos CQAs adequados (ORLANDINI; PINZAUTI; FURLANETTO, 2012).
Considerando este cenário no qual o desenvolvimento metodológico
tradicional apresenta uma significativa possibilidade de falha (PARR; SCHMIDT;
2017), são apresentadas abaixo algumas vantagens do uso de AQbD, dentre as
quais podemos citar:
✓ Ampliação do conhecimento e controle do método, por meio da compreensão
abrangente dos seus atributos (BHUTANI et al., 2014; JAYAGOPAL;
SHIVASHANKAR, 2017);
✓ Maior robustez na transferência de aprendizados vinculados ao método
analítico devido tanto ao entendimento aprofundado quanto ao melhor
gerenciamento do conhecimento (SCHWEITZER et al., 2010);
✓ Aprimoramento do compartilhamento de conhecimento (JAYAGOPAL;
SHIVASHANKAR, 2017);
✓ Diminuição das investigações relacionadas a performance do método
analítico (SCHWEITZER et al., 2010);
✓ Abordagem que vai além dos procedimentos tradicionais de validação
metodológica, possibilitando o conhecimento sobre interações, incertezas de
medição, estratégia de controle e melhoria contínua (BHUTANI et al., 2014;
RAMAN; MALLU; BAPATU, 2015). Isso gera uma menor chance de falha
nessa etapa e a redução na necessidade de recursos se comparado com a
abordagem de validação tradicional, sem perda de qualidade (RAMAN;
MALLU; BAPATU, 2015; VOGT; KORD, 2011);
✓ Flexibilização de várias análises, como teor de impurezas em formulações,
princípios ativos, amostras de estabilidade, metabólitos em amostras
biológicas, etc (BHUTANI et al., 2014);
✓ Identificação e redução da variabilidade dos parâmetros analíticos de modo
a se obter métodos mais robustos, que podem ser empregados por muito
mais tempo com menor chance de falha (BHUTANI et al., 2014;
44
JAYAGOPAL; SHIVASHANKAR, 2017; PERAMAN; BHADRAYA; REDDY,
2015; REID et al., 2013; SCHWEITZER et al., 2010; VOGT; KORD, 2011);
✓ Minimização da ocorrência de resultados OOT, OOS, bem como a ocorrência
de recalls e rejeições de produtos e falhas da metodologia analítica
(BHUTANI et al., 2014; JAYAGOPAL; SHIVASHANKAR, 2017; PERAMAN;
BHADRAYA; REDDY, 2015);
✓ Obtenção de resultados para os atributos analíticos em conformidade com
especificações farmacopeicas (BHUTANI et al., 2014);
✓ Suspender a necessidade de revalidações uma vez que se trabalhe dentro
do MODR (BHUTANI et al., 2014; PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015);
✓ Assegurar que a metodologia analítica atende aos requisitos de performance
preconizados durante o seu ciclo de vida e do produto, de modo a garantir a
qualidade do último. Essa garantia se estenderia aos parâmetros e atributos
relacionados aos princípios ativos, condições de operação dos instrumentos,
especificação do produto acabado, dentre outros (PERAMAN; BHADRAYA;
REDD, 2015; REID et al., 2013);
✓ Supervisão regulatória eficiente e flexível, com a submissão de
documentações contendo informações relevantes do método. Uma
abordagem diferencial regulatória quanto as mudanças no método permitiria
a facilitação do processo de melhoria contínua, bem como inovação
tecnológica (BHUTANI et al., 2014; JAYAGOPAL; SHIVASHANKAR, 2017;
PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015; SCHWEITZER et al., 2010);
✓ Possibilidade de efetuar o registro regulatório das especificações dos
parâmetros de modo amplo, o que permite uma maior flexibilização das
faixas empregadas pelo usuário do método (VOGT; KORD, 2011);
✓ Possibilidade de substituição de métodos analíticos desenvolvidos sob a
visão de AQbD e que, portanto, atendam a um ATP, sem necessidade de
notificação regulatória (VOGT; KORD, 2011);
✓ Uso mais eficiente dos recursos das indústrias bem como dos órgãos
regulatórios (SCHWEITZER et al., 2010);
45
✓ Economia de recursos por meio da implementação de análises em tempo
real, bem como retorno significativo dos investimentos para desenvolvimento
do método (JAYAGOPAL; SHIVASHANKAR, 2017);
✓ Auxílio no desenvolvimento de um método analítico custo-efetivo aplicável
durante todo o ciclo de vida de um produto (PERAMAN; BHADRAYA;
REDDY, 2015);
✓ Aprimoramento do tempo necessário para um produto alcançar o mercado
(JAYAGOPAL; SHIVASHANKAR, 2017);
✓ Diminuição das mudanças pós-aprovação (JAYAGOPAL; SHIVASHANKAR,
2017).
Com relação a avaliação das desvantagens da adoção do AQbD, os principais
pontos apresentados na verdade se configuram como desafios para que sua
implementação possa ser efetuada:
✓ Maior complexidade do processo com relação a abordagem tradicional
(PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015);
✓ Ausência de normas ou guias regulatórios para auxílio no desenvolvimento
de AQbD. Até o momento somente pequenas alterações foram efetuadas,
como a incitação de discussões no fórum do FDA ou alteração de capítulos
de algumas farmacopeias quanto a flexibilidade regulatória, mas nenhuma
diretriz específica para AQbD foi implementada (MARTIN et al., 2013;
ORLANDINI; PINZAUTI; FURLANETTO, 2012; PERAMAN; BHADRAYA;
REDDY, 2015);
✓ Necessidade de suporte estatístico avançado para estabelecer os ATPs
(ARGENTINE et al., 2017);
✓ Possibilidade de que ocorram alterações nas especificações durante o
desenvolvimento do método, o que acarreta na eventual necessidade de
modificação dos ATPs para que esses ainda estejam adequados para uso
(ARGENTINE et al., 2017);
46
✓ Necessidade de modificação de cultura, tanto das indústrias quanto agências
regulatórias, quanto ao modo de enxergar o desenvolvimento e manutenção
de uma metodologia analítica (ARGENTINE et al., 2017; BHUTANI et al.,
2014; ORLANDINI; PINZAUTI; FURLANETTO, 2012);
✓ Necessidade de um significativo investimento tanto das indústrias quanto das
agências regulatórias (SCHWEITZER et al., 2010).
4.8 Viabilidade e perspectivas de AQbD
AQbD ainda é uma pequena semente dentro do ambiente farmacêutico,
porém a possibilidade de frutos que este apresenta está angariando cada vez mais
atenção do público. É notória a importância da área analítica no manejo do ciclo de
vida dos produtos farmacêuticos, no que tange o entendimento das interações entre
componentes da formulação e também a mensuração de CQAs tanto nas fases
experimentais, quanto em processo, como uma medida de controle bem como
monitorização da tendência de qualidade do produto, o que se encaixa com os
preceitos de AQbD. Sendo assim, o mesmo permitiria a consolidação da concepção
de "análise correta no momento certo", o que impacta diretamente no ciclo de
desenvolvimento de medicamentos (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015).
Em termos regulatórios, existem alguns marcos quanto ao incentivo para a
implementação de AQbD. Já há a aprovação pelo FDA de algumas novas
aplicações de fármacos com base em AQbD, assim como o destaque quanto as
possibilidades de aplicação dos conceitos de QbD na área analítica. Em 2013, o
FDA e EMA propuseram uma iniciativa conjunta visando, dentre outras coisas, o
desenvolvimento de metodologias analíticas baseadas nos princípios de QbD e o
delineamento de quais critérios empregar para avalia-los, bem como a definição de
como verificar o MODR em casos nos quais há transferência, entre sites, da
tecnologia analítica. Ainda, ocorreram atualizações nas farmacopéias americana e
européia de modo a assegurar a flexibilidade regulatória preconizada para
alterações no método (sem a necessidade de revalidação), caso este tenha
empregado a abordagem AQbD (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015). Em
47
adição, a concepção de ciclo de vida da metodologia analítica vem ganhando
espaço regulatório, por exemplo, por meio da proposta do ICH e USP em apresentar
novas diretrizes com essa abordagem (a USP, por exemplo, já apresentou mais de
três artigos incitanto a discussão sobre o gerenciamento do ciclo de vida analítico).
Sendo que, essa abordagem corresponde justamente a uma extenção das normas
que já existem hoje voltados para metodologias analíticas, porém empregando
conceitos de QbD (PARR; SCHMIDT, 2017).
Porém, a implementação da abordagem AQbD será um processo complexo
e com muitos desafios a serem encarados tanto pela indústria quanto pelas
agências regulatórias, pois envolve uma alteração da mentalidade de qualidade por
teste para qualidade por design dentro da área de metodologia analítica. Por ser
uma nova concepção e não necessariamente uma exigência regulatória, a mudança
do racional empregado para o desenvolvimento de métodos analíticos será um dos
primeiros entraves (BHUTANI et al., 2014; ORLANDINI; PINZAUTI; FURLANETTO,
2012). Essa alteração abrange, por exemplo, o modo como será efetuada a
submissão regulatória, que deixará de ser voltada para a necessidade de
documentos abundantes em informação, para focar em documentações de
embasamento científico robusto e que apresentem o conhecimento obtido sobre o
método, de modo a extinguir a necessidade de revalidações do mesmo (BHUTANI
et al., 2014).
Os conceitos apresentados no ICH Q8 (R2) voltados para a área de
manufatura, podem ser transferidos para metodologia analítica (BHUTANI et al.,
2014; PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015). Porém, ainda não há nenhuma
regulamentação oficial quanto a AQbD, o que também dificulta a sua
implementação. Sendo assim, há necessidade de harmonização das terminologias
e definição dos conceitos empregados, o que irá facilitar globalmente a
comunicação e aprovação de metodologias analíticas baseadas em AQbD
(BHUTANI et al., 2014; SCHWEITZER et al., 2010). A presença de orientações
concisas e objetivas quanto a forma de documentar todo o conhecimento gerado
durante o desenvolvimento e avaliação do método (que será empregado para a
submissão regulatória) e em como estimar o nível de qualidade do espaço de design
48
também se faz necessária (BHUTANI et al., 2014; ORLANDINI; PINZAUTI;
FURLANETTO, 2012; SCHWEITZER et al., 2010). Ainda, maiores esclarecimentos
quanto ao impacto da adoção de AQbD com relação aos requisitos atuais
envolvendo a validação e transferência da metodologia analítica precisam ser
abordados (SCHWEITZER et al., 2010).
Outro entrave se refere a demanda por investimento pela indústria que optar
por aplicar AQbD, tanto para a atualização tecnológica do local, já que algumas
vezes se faz necessário o emprego de novos softwares e equipamentos, quanto
para qualificação dos funcionários no uso das novas ferramentas (por exemplo,
análises estatísticas) e familiarização dos mesmos com a nova abordagem
(BHUTANI et al., 2014; CHAVES, 2017; ORLANDINI; PINZAUTI; FURLANETTO,
2012). Sendo que, essa necessidade educacional também será um desafio a ser
enfrentado pelas agências regulatórias (BHUTANI et al., 2014; CHAVES, 2017;
SCHWEITZER et al., 2010).
Em termos de Brasil, é possível identificar alguns princípios de QbD voltados
para produto, que começaram a ser incentivados pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA) e implementados industrialmente, como o emprego
do controle de mudanças, a monitorização periódica do desempenho do
medicamento no seu ciclo de vida, etc (GONÇALEZ, 2013). Entretanto, não há
regulamentação específica no que tange o uso de QbD e muito menos com relação
a sua possível abordagem analítica. Atualmente, pensando de modo amplo, o
principal enfoque das indústrias brasileiras ainda reside no aumento da
produtividade em detrimento da concepção de construção da qualidade desde o
desenvolvimento. A mudança da concepção fortemente vinculada a controle de
qualidade para a qualidade por design exigirá muito mais do que a mera alteração
das normas regulatórias brasileiras, seja para adoção dos conceitos nos produtos e
processos, quanto na área analítica. Essa alteração envolverá a necessidade de
investimento nos produtos, processos, desenvolvimento de recursos humanos,
porém a mesma não deve ser impulsionada somente devido a demanda regulatória.
É necessário que essa mudança seja harmonizada tanto dentro da agência
regulatória, nesse caso a Anvisa, quanto com as indústrias farmacêuticas
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envolvidas, antes que de fato uma nova legislação seja colocada em vigor
(DOCARMO, 2017).
Apesar das dificuldades apresentadas, podemos ressaltar que a metodologia
analítica é um indicador da qualidade de um processo e produto, sendo que a
manufatura e desenvolvimento farmacêutico dependem dos dados gerados a partir
desta (PERAMAN; BHADRAYA; REDDY, 2015). Sendo assim, AQbD ganha
destaque por sua estruturação e vantagens, viabilizando a tomada de decisões
oportunas, podendo ser empregado inclusive para métodos envolvendo produtos já
comercializados, mas principalmente por beneficiar a tríade indústria, órgão
regulatório e paciente (JAYAGOPAL; SHIVASHANKAR, 2017; SCHWEITZER et al.,
2010).
5. CONCLUSÃO(ÕES)
A área analítica é parte do ciclo de vida dos produtos farmacêuticos e a
abordagem AQbD renova e ressalta o impacto da metodologia analítica no quesito
qualidade. Sua concepção de construção da qualidade durante o desenvolvimento
do método ou invés da realização de testes para avaliar sua qualidade ao final do
processo viabiliza a obtenção de metodologias analíticas robustas, custo-efetivas,
com flexibilidade regulatória e operacional. Isso acaba por se tornar vantajoso para
a empresa, uma vez que há otimização de atividades, geração de conhecimento
aprofundado sobre as variáveis e atributos do método (bem como as suas
interrelações), possibilidade de efetuar melhorias contínuas no método e
aprimoramento no gerenciamento do seu ciclo de vida. Assim como, para os órgãos
regulatórios, via redução na quantidade de pedidos de alterações pós aprovação,
melhoria nos dados submetidos e embasamento mais consistente para a tomada
de decisões. E, por fim, para o paciente, uma vez que se assegura que a qualidade
final do medicamento será mantida. Sendo que, a satisfação do paciente, que nada
mais é do que o consumidor final do processo, viabiliza a construção de uma
imagem de confiabilidade e segurança com relação a empresa e também sobre a
gestão dos órgãos regulatórios.
50
Porém, a implementação de AQbD provavelmente será um processo árduo,
seja pelo fato de ainda ser um conceito muito novo na área analítica, como pela
exigência de investimentos estruturais e em recursos humanos, além da mudança
cultural tanto da empresa (operacional e estratégico) quanto dos órgãos
regulatórios. Ainda, um melhor embasamento regulatório se faz necessário, de
modo a harmonizar o emprego desta abordagem entre diferentes localidades,
considerando requisitos, terminologias utilizadas, definição de conceitos, etc.
Dessa forma, o conceito de AQbD ainda precisa ser melhor estudado e aceito
na área analítica, porém provavelmente o mesmo continuará ganhando espaço no
campo industrial farmacêutico, seja pela sua interface com QbD, por suas
vantagens múltiplas e conhecimentos gerados, pela possibilidade de se tornar um
requisito regulatório futuramente (já que discussões mais aprofundadas sobre o
assunto estão sendo fomentadas por órgãos regulatórios mundiais), ou pelo fato do
mesmo incorporar a concepção de qualidade no desenvolvimento analítico e, assim,
indiretamente, também aos produtos farmacêuticos gerados.
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