qualidade fÍsico-quÍmica, quÍmica e microbiolÓgica...
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QUALIDADE FÍSICO-QUÍMICA, QUÍMICA E MICROBIOLÓGICA DA "BUCHADA" CAPRINA
Roberto Germano Costa1
Marta Suely Madruga2
Neube Michel dos Santos3
Ariosvaldo Nunes de Medeiros1
1 Professor do Programa de Doutorado Integrado em Zootecnia da UFPB- Areia, PB.
2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos da UFPB, João Pessoa-PB.
3 Mestrando da Pós-Graduação em Zootecnia da UFPB, Campus de Areia-PB
RESUMO
A "buchada" é um prato tradicional da culinária nordestina. Normalmente fazem parte da sua composição os subprodutos coração, pulmões, fígado, intestinos, rins, rúmen e o sangue. Do abate caprino, os
subprodutos constituídos pelas vísceras representam em média 20% do peso vivo do animal. A utilização das vísceras caprinas na produção da "buchada" agrega valor ao produto, aumentando a
lucratividade do processo produtivo. Cerca de 30% do valor total do animal abatido é atribuído a "buchada". A demanda por produtos caprinos vem apresentando um crescimento significativo nos últimos anos, porém, ainda é considerado baixo. São vários os fatores que fazem com que esses
produtos, a exemplo da "buchada", não façam parte dos hábitos alimentares da população brasileira. Dentre estes fatores, destaca-se a baixa qualidade dos produtos ofertados no mercado e a não
existência de uma estrutura sólida para comercialização. A realização de trabalhos que caracterizem a qualidade microbiológica da "buchada", juntamente com o acompanhamento das etapas de
processamento do produto, poderá detectar os pontos críticos do processo produtivo, sendo possível solucioná-los, proporcionando ao mercado, um produto de boa qualidade microbiológica, nutricional e
sensorial. Portanto, este artigo tem o objetivo de caracterizar esta importante iguaria nordestina.
Palavras-Chave: Caprino, vísceras, subprodutos, quinto quarto.
PHYSIC-CHEMICAL, CHEMICAL AND MICROBIOLOGICAL QUALITY OF GOAT "BUCHADA"
SUMARY
The "buchada" is a traditional plate of the Northeastern cookery. Usually by-products such as heart, lungs, liver, intestines, kidneys, rumen and blood comprise the main ingredients of this dish. Goats
viscera represents on average 20% of the weight of animals. The profit of goat viscera in the production of the "buchada" joins value to the product, increasing the profitability of the productive process. About
30% of the revenue of total value of the goat is attributed to the by-products used in elaboration of "buchada". The demand for goat products has presented a significant growth in the last years, however it is still considered very low. They are several factors that affect the utilization of by-products in elaboration
of dishes such as "buchada" and the incorporation of them in the Brazilian alimentary habits. Among these factors some stand out – the low quality of the products presented in the market and the lack of a solid structure for commercialization. The fulfillment of works aims to characterize the microbiological
quality of "buchada" together with the attendance of the stages of processing of the product, will lead to the detection and control of the critical points of the productive process, leading to the offer to the market
of products of good microbiological, chemical and sensorial qualities. Therefore this article has the objective to characterize this important Northeastern delicacy.
Key Words: Goat, viscera, by-products, fifth-fourth.
1. INTRODUÇÃO
Pouco se sabe sobre as qualidades nutricionais e características físico-químicas da "buchada", reconhecida como uma alternativa viável na utilização dos subprodutos caprinos e como forma de
geração de renda para os produtores.
Atualmente, existe a necessidade de se pesquisar pontos que ressaltem o valor nutricional e o perfil lipídico do produto "buchada", visto que este representa um elevado rendimento de abate, além de ser
um prato que apresenta uma boa aceitação pelos consumidores. A realização de trabalhos que revelem os teores de colesterol e gordura saturada, bem como as características químicas da "buchada" caprina,
pode favorecer o aumento do consumo deste produto.
A qualidade microbiológica da "buchada" que esta sendo consumida, também é um ponto importante que merece uma atenção especial. Sabe-se que as vísceras, mesmo sendo coletadas em condições ideais
de higiene no abate, apresentam uma elevada carga microbiana, proveniente da microbiota natural presente no organismo animal. Isto torna a "buchada", um produto altamente perecível, tendo sua vida
útil em torno de dois a três dias sob condições de refrigeração constante (MADRUGA, 2003).
É necessário que as vísceras sejam utilizadas de forma adequada na elaboração da "buchada", para favorecer uma maior estabilidade microbiológica do produto, não comprometendo a saúde dos
consumidores, aumentando sua vida útil e mantendo suas qualidades físico-químicas e sensoriais.
Pesquisas que caracterizem a qualidade microbiológica da "buchada" comercializada, juntamente com o acompanhamento das etapas de processamento, permitirão detectar os possíveis pontos críticos do
processo produtivo. A posterior correção desses pontos, poderá favorecer a melhoria e conservação das qualidades organolépticas e físico-químicas do produto.
2. CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA DE PRODUÇÃO DE CAPRINOS
Os caprinos foram introduzidos no continente americano pelos colonizadores europeus. No Brasil, os primeiros exemplares foram trazidos pelos portugueses, franceses e holandeses, por volta de 1535
(PORTER, 1996). Características como rusticidade, prolificidade, baixa exigência nutricional e elevado poder de adaptação às condições climáticas adversas, fizeram do caprino uma importante alternativa
econômica para a região Nordeste (DEVENDRA & BURNS, 1983).
A caprinocultura representa, atualmente, um forte potencial de geração de renda para a economia brasileira e, em especial, para a região Nordeste. A demanda por carne caprina em cortes padronizados,
bem como por vísceras devidamente processadas, vem apresentando um crescimento considerável, principalmente, nas grandes cidades do Nordeste e Sudeste (CARVALHO, 2001).
A caprinocultura de carne no Nordeste, apesar da demanda insatisfeita e crescente, tem ainda um longo período a percorrer para conquistar seu próprio mercado na região e se credenciar a participar do
mercado nacional e, até mesmo, no mercado internacional. Nesse caminho, terá que satisfazer os pré-requisitos de aumento de produtividade biológica e econômica dos principais fatores de produção e de melhoria de qualidade de seus produtos, objetivos difíceis de atingir sem uma simultânea melhoria nos
padrões de gerenciamento de suas unidades produtoras e de maior articulação, entre os diversos componentes da cadeia produtiva (FILHO, 1999).
O rendimento da carcaça, seus cortes e seus componentes são parâmetros fundamentais para se definir o melhor peso de abate para caprinos. As proporções dos componentes não carcaça (cabeça, patas,
couro e vísceras) afetam diretamente seu rendimento (BUENO et al., 1999).
Dos produtos do abate caprino, a carcaça constitui cerca de 45 a 55% do peso vivo do animal. Os subprodutos correspondentes às vísceras ou quinto-quarto, como comumente são denominados pelos
profissionais da área, são integrados pelo coração, pulmões, fígado, rins, intestinos e rúmen, representam em média 20% do peso vivo (HONÓRIO, 2003); um rendimento extremamente significativo que pode ser revertido em lucro para o produtor, visto que esses subprodutos podem ser utilizados como
matéria-prima na confecção de comidas típicas, a exemplo da "buchada", bastante apreciada pela população nordestina e já consagrada pela cultura popular brasileira (Figuras 1 e 2).
Fonte: Foto do autor
Figura 1. Vísceras comercializadas na feira livre de Solânea-PB, para confecção da Buchada
Fonte: Foto do autor
Figura 2. Buchada comercializada em restaurante de Solânea-PB
3. IMPORTÂNCIA DA "BUCHADA"
Da caprinocultura, além da carne, leite e pele, outros produtos ainda podem ser obtidos como fontes geradoras de renda, como é o caso da utilização das vísceras na elaboração de produtos alimentícios ("buchada" e "picado"). Para TELLEZ & QUITO (1977), consideram-se vísceras como o conjunto de
todos os órgãos internos do animal, comestíveis depois de seu beneficiamento.
A "buchada" é um prato tradicional nordestino que apresenta uma boa aceitação pelos consumidores e tem como principais ingredientes o coração, rins, fígado, pulmões, intestinos, rúmen e o sangue, que em outras situações é desperdiçado, na produção da "buchada" é utilizado misturado às vísceras, elevando
ainda mais o rendimento do processo produtivo (MADRUGA, 1999).
Segundo NASCIMENTO (2000), a "buchada" produzida no cariri da Paraíba, apresenta alto valor biológico sobre o ponto de vista nutricional e um baixo teor de lipídio, revelando ser uma fonte de
gordura animal não prejudicial à saúde. Porém, segundo Madruga et al (1999), os caprinos depositam grandes quantidades de gordura, colesterol, ácidos graxos em sua cavidade abdominal e nas vísceras,
chegando a 60% do teor total de gordura.
Conforme ROSA et al (1985) cerca de 18% do peso vivo do animal correspondem às vísceras. Para HONÓRIO (2003), esse percentual se utilizado na produção de "buchada" agregará valor, aumentando a lucratividade da produção. Atualmente, a demanda por vísceras devidamente processadas, embaladas e comercializadas de forma resfriada ou congelada, vem apresentando um crescimento considerável nas grandes cidades do Nordeste e Sudeste do Brasil, principalmente, nas áreas habitadas pelo segmento populacional detentor de maior poder aquisitivo (CARVALHO, 2001). Portanto, a "buchada" representa
um forte potencial econômico a ser explorado.
Consumidores peruanos, também utilizam em sua dieta diária todas as vísceras bovinas e ovinas, constituindo uma boa base para estudar o aproveitamento industrial das mesmas.
Algumas vísceras, a exemplo dos pulmões, coração e língua, são muito utilizadas na preparação de produtos característicos da culinária tradicional do Perú (VIDALON, 1971).
Na Tabela 1, encontra-se descrito o aproveitamento de alguns dos subprodutos de abate das espécies bovina, ovina e suína.
Tabela 1 - Aproveitamento de órgãos e glândulas de diferentes espécies animais
Órgãos/
Glândulas
Espécie
(bovina, suína e ovina)
Aproveitamento
Cérebro Todas Produtos enlatados
Coração Todas Embutidos, carne de mesa
Fígado Todas Embutidos (patês), uso terapêutico, uso culinário
Rins Todas Embutidos, uso culinário
Pulmão Todas Embutidos
Pâncreas Bovina Extração da insulina, tripsina, quimiotripsina
Baço Todas Uso terapêutico
Estômago Suína Extração de mucina, embutidos
Rúmen Ovina e bovina Culinária, embutidos, extração da renina, pepsina e mucina
Retículo Ovina e bovina Ingredientes p/embutidos
Omaso Ovina e bovina Ingredientes p/embutidos
Abomaso Ovina e bovina Ingredientes p/embutidos
Testículos Ovina e bovina Uso culinário
Língua Todas Enlatados
Úbere Bovina Ingredientes p/embutidos
Intestinos Todas Uso culinário, material de sutura (ovinos), envoltórios naturais (tripas)
Adaptado de SPOONCER (1988) e ANDERSON (1988).
Projetando essas informações para o aproveitamento de órgãos e glândulas caprinas, verifica-se que o baixo nível da produtividade e a falta de regularidade no fornecimento destes produtos no mercado,
principalmente na região Nordeste, não permitem a sua utilização pelas industrias alimentícias, para os fins descritos na Tabela 1. Portanto, ressalta-se mais uma vez, a importância da culinária regional na utilização dos subprodutos do abate caprino, como uma forma viável de agregar valor ao processo
produtivo da caprinocultura.
3. CONSTITUIÇÃO E MERCADO DA "BUCHADA" CAPRINA
Nos últimos anos, segundo CARVALHO (2001), existe uma crescente demanda de carne e vísceras caprinas processadas, principalmente na forma de pratos preparados, como a "buchada" que chega a
representar 30% do valor total atribuído ao animal abatido.
Os órgãos comestíveis que constituem a "buchada" e seus respectivos rendimentos, conforme SANTOS (2003) e COSTA et al.(2003) em caprinos e ALVES (2002) e HONÓRIO (2003), em ovinos, estão
representados na Tabela 2. O rendimento da "buchada" variou de 17,74 a 20,13% do peso do animal ao abate, comprovando-se a importância comercial desta iguaria, cujo rendimento financeiro chega a atingir
50% da receita obtida com a comercialização da carcaça (COSTA et al., 2003).
A "buchada" é um prato típico da culinária nordestina, que apresenta uma boa aceitabilidade por parte dos consumidores, porém, o seu consumo ainda é considerado baixo. Vários são os fatores que justificam o fato dos produtos caprinos não fazerem parte dos hábitos alimentares da população
brasileira. Dentre esses fatores, ZAPATA et al. (1995) destaca:
a) A baixa qualidade do produto ofertado;
b) O baixo nível de higiene nas etapas de abate, processamento e comercialização determinam a baixa qualidade microbiológica da "buchada". É comum o comércio da "buchada" em feiras livres, onde não
existe nenhum tipo de controle com a qualidade do produto;
c) O tempo de exposição das vísceras, após o abate, à temperatura ambiente, representa um ponto crítico do processamento da "buchada";
d) Irregularidade no fornecimento do produto no mercado;
e) O grande número de abatedouros clandestinos existentes, principalmente, nas regiões Norte e Nordeste. Visto que este tipo de estabelecimento não sofre nenhum tipo de fiscalização sanitária,
funcionando sem qualquer cuidado com a higiene, proporciona a presença de produtos de péssima qualidade no mercado, representando um ponto negativo para o crescimento da demanda.
Tabela 2 – Valores médios (g) dos constituintes não-carcaça e rendimentos de órgãos comestíveis em
relação ao peso vivo do animal.
Variáveis (g) SANTOS COSTA HONÓRIO ALVES
(2003) (2003) (2003) (2002)
Estômago vazio 739,1 1945,5 870,0 956,0
Intestino vazio 1188,4 1150,0 1060,0
Gordura omental 242,0 260,5 210,0 953,3
Gordura perirenal 264,4 140,0
Sangue 949,1 986,8 1040,0 1100,0
Fígado 453,5 504,3 470,0 620,0
Diafragma 85,6 94,0 290,0 -
Rins 133,2 150,9 860,0 130,0
Pulmão 241,9 269,5 280,0 520,0
Traquéia - - 710,0
Esôfago 52,27 - 430,0 -
Patas 669,3 - 500,0 -
Baço 35,6 - 620,0 100,0
Coração 111,7 117,9 110,0 170,0
"Buchada" 4316,9 4398,6 5300,0 5609,3
Rend. de "Buchada"(%) 18,73 18,82 20,13 17,74
Segundo VIDALON (1971) é importante uma melhor utilização e aproveitamento dos subprodutos cárneos, devido à importância destes para a economia. Dados do MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA E COMÉRCIO (1969) mostram que em 1967 o Peru importou 38,684 t de carne fresca, refrigerada e
congelada, incluindo todas as espécies domésticas; 7,437 t de vísceras e 842,5 t de produtos enlatados e embutidos, preparados à base de carne e vísceras. Contudo, a maior parte das importações feitas é de vísceras ou produtos a base de vísceras, ressaltando a importância destes subprodutos como forma de
agregar valor à atividade.
4. QUALIDADE FÍSICO-QUÍMICA E QUÍMICA DA "BUCHADA"
Para NASCIMENTO (2000), a "buchada" caprina pré-cozida, na região do Cariri da Paraíba, é um produto que apresenta como valores médios, um pH 6,5, uma umidade de 66%, resíduo mineral seco de 1,54%, proteínas totais de 18,33%, lipídios na base seca 9,58%, carboidratos 3,77%, NaCl 0,71% e valor
calórico total em kcal/100g 177,96. Segundo o autor, os dados evidenciam um alto valor biológico do ponto de vista nutricional. O percentual de lipídios em base seca revela um baixo índice, indicando
aparentemente ser um produto saudável. Entretanto, Madruga et al (1999), afirmam que os caprinos depositam grandes quantidades de gordura, colesterol e ácidos graxos em sua cavidade abdominal e
nas vísceras, chegando a 60% do teor total de gordura do animal.
MADRUGA et al (2003), mostra dados da composição centesimal, referentes às vísceras caprinas in natura e processadas. Na tabela 3 estão descritos alguns parâmetros físico-químicos e químicos de
vísceras.
Existe a necessidade de aprofundamento de conhecimentos referente ao produto "buchada", no que diz respeito a teores de colesterol e gordura saturada. A resposta a essas questões pode favorecer a credibilidade e ao aumento do consumo do produto, pois existe, atualmente, um crescimento no
consumo de alimentos mais saudáveis.
Tabela 3 – Parâmetros físico-químicos e químicos de vísceras caprinas in natura e processadas
destinadas à elaboração de "picado" e "buchada"
Amostras Bucho Tripa Coração Pulmão Fígado
In natura Proc. In natura In natura Proc. In natura Proc. In natura Proc.
Umidade 81,93 83,32 85,67 77,26 61,23 80,32 79,79 73,15 57,13
Cinzas 0,75 0,48 0,98 0,85 0,53 0,82 0,80 1,18 1,39
Gordura 1,28 1,07 0,74 6,33 13,29 2,69 3,11 6,16 10,32
Proteína 15,27 16,87 12,48 14,55 20,26 16,94 15,83 19,46 27,75
Ferro 8,69 8,21 14,95 12,14 13,56 12,33 10,12 13,42 18,22
Fósforo 108,74 64,89 192,43 122,85 252,22 99,01 195,10 264,07 349,57
Aw 0,983 0,985 0,982 0,982 0,98 0,98 0,98 0,976 0,982
pH 7,5 7,8 6,6 6,8 6,5 6,9 7,4 6,2 6,6
Fonte: MADRUGA et al (2003)
Na Tabela 4, está representada a composição nutricional de algumas vísceras das espécies bovina, que comumente são utilizadas no preparo de especiarias regionais. É importante ressaltar que não existem
na literatura, informações que revelem com precisão a composição físico-química da "buchada", além de existir uma considerável variação na constituição desse produto, nas diferentes regiões do nordeste.
Tabela 4 – Composição de vísceras de bovinos (em g/100g de produto)
Vísceras Água Proteína Gordura Carboidratos
Coração 75,56 17,0 3,8 2,6
Rins 77,02 16,6 3,1 2,2
Fígado 69,00 20,0 3,8 5,8
Pulmões 79,38 16,2 2,5 0
Língua 64,53 14,9 16,1 3,7
Fonte: Adaptado de ANDERSON (1988)
5. QUALIDADE MICROBIOLÓGICA DA "BUCHADA"
Os microrganismos nos alimentos são causadores de alterações químicas prejudiciais. A deterioração microbiana resulta em alteração de cor, odor, sabor, textura do alimento e, também pode representar
risco a saúde do consumidor. Os microrganismos podem chegar até o alimento por inúmeras vias, sempre refletindo condições precárias de higiene durante a produção, armazenamento, distribuição ou
manuseio do produto (FRANCO, 1996).
Utensílios como recipiente, bandejas, facas, tábuas, moedores etc, têm papel importante como fonte de contaminação. Sua higienização inadequada, resulta em transmissão de microrganismos de um alimento
para outro, ocorrendo contaminação cruzada.
Para TELLEZ & QUITO (1977) as técnicas microbiológicas, freqüentemente utilizadas, têm como objetivo principal, avaliar as condições higiênicas no beneficiamento, tratamento, manipulação e conservação dos
produtos alimentícios.
THATCHER & CLARKE (1973) e MOSSEL & QUEVEDO (1967) fundamentam os principais pontos, que devem ser ressaltados em relação ao controle da qualidade microbiológica dos alimentos e mostram os procedimentos a serem tomados para garantir um produto de boa qualidade. Algumas considerações
importantes são:
A indicação de um grande número de microrganismos no alimento indica um provável processo produtivo inadequado, a partir dos manipuladores, superfície contaminada, contato com pessoas, água, solo e outros em mal estado higiênico. No caso da "buchada", que é um produto perecível,
o tempo excessivo de exposição à temperatura ambiente é, também, um ponto crítico do processo;
A Escherichia coli é, habitualmente, encontrada no trato digestivo de animais de sangue quente. Sua presença no alimento se interpreta, geralmente, como contaminação direta e indireta de
origem fecal, sendo um indicador clássico da presença simultânea de bactérias patogênicas e entéricas.
O trato gastro-intestinal dos caprinos, principal constituinte da "buchada", é um material rico em microrganismos em quantidade e variedade. Esta fonte de contaminação dos alimentos é causada,
principalmente, por microrganismo enteropatogênicos, como Salmonella, Shigella e Campylobacter.
Além disso, a manipulação inadequada desses produtos, também é uma forte fonte de contaminação.
A capacidade de sobrevivência e de multiplicação de microrganismos presentes no produto, depende de uma serie de fatores, entre esses, os relacionados com as características próprias do alimento (fatores
intrínsecos) e os relacionados com o ambiente em que o alimento se encontra (fatores extrínsecos). Atividade de água, acidez, composição química, presença de fatores antimicrobianos naturais, como os
temperos utilizados, são alguns exemplos de fatores intrínsecos. Umidade, temperatura ambiente, composição química da atmosfera representam alguns fatores extrínsecos.
As vísceras por sua natureza são extremamente perecíveis, devendo ser tomada uma série de precauções durante sua manipulação no processamento da "buchada". MADRUGA et al.
(2003) apresenta resultados relativos às contagens de bactérias mesófilas aeróbias e anaeróbias facultativas, coliformes totais e fecais, Staphylococcus aureus das amostras de vísceras caprinas expostas à venda em supermercados. Portanto, na coleta das vísceras
para a confecção da "buchada", é necessário que elas não fiquem muito tempo expostas à
temperatura ambiente e sejam higienizadas e acondicionadas de forma adequada para garantir que cheguem nas etapas de processamento em bom estado de conservação. Na Tabela 5, estão descritos os valores máximos obtidos em vísceras caprinas destinadas ao
consumo, vendidas em supermercados da cidade de João Pessoa-PB.
Tabela 5 - Valor máximo de coliformes totais e fecais, bactérias aeróbias, S. aureus encontrados por
grama de vísceras caprinas destinadas à venda em supermercados
Microrganismos 1Vísceras vermelhas
Buchos Tripas
Bactérias aeróbias (UFC/g)
6,5 ´ 107 1,0 ´ 10
8 4,1 ´ 108
Coliformes totais (NMP/g)
³ 2,4 ´ 105 ³ 2,4 ´ 10
5 7,5 ´ 106
Coliformes fecais (NMP/g)
³ 2,4 ´ 105 ³ 2,4 ´ 10
5 7,5 ´ 106
S. Aureus (UFC/g) <100 <100 <100
1Vísceras vermelhas (coração, pulmão, fígado e traquéia)
Fonte: MADRUGA et al (2002)
Uma avaliação microbiológica da "buchada", juntamente com o acompanhamento das etapas de sua confecção, fornecerá informações que permitirão avaliá-lo quanto às suas condições de processamento, armazenamento e comercialização, indicando sua vida útil e se o produto representa um risco potencial
à segurança alimentar da população.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A caprinocultura, além de atuar como fonte de renda, para pequenos produtores rurais, desempenha uma grande função social, contribuindo para fixação do homem no meio rural, reduzindo o déficit nutricional destas comunidades, através do fornecimento de carne e subprodutos de excelente
qualidade.
A "buchada" é uma importante alternativa econômica na utilização dos produtos do abate caprino, visto que, na era da globalização, os mercados encontram-se cada vez mais competitivos, tornando-se
necessário o aproveitamento racional dos subprodutos gerados no processo produtivo.
Condições higiênicas inadequadas, tanto no abate como na estocagem e venda, diminuem consideravelmente a vida útil do produto e também podem representar riscos à saúde do consumidor. O
grande número de abatedouros clandestinos, os quais não são submetidos a nenhum tipo de fiscalização sanitária, bem como a comercialização da "buchada" em feiras livres, sem que haja uma
forma adequada de armazenamento e conservação, favorece ao agravamento do problema. Pesquisas que divulguem a qualidade microbiológica da "buchada" comercializada alertando os órgãos
competentes para que fiscalizem e impeçam este tipo de prática, são possíveis meios para solucionar este tipo de problema.
A melhoria da qualidade microbiológica da "buchada" produzida, proporcionará um produto de melhor qualidade físico-química e sensorial ao mercado, podendo favorecer ao aumento do consumo desta típica iguaria nordestina. Portanto, espera-se que com a evolução dos estudos no processamento e
avaliação da sua composição, sejam solucionados os pontos críticos no processo de produção, consolidando essa elevação da qualidade do produto comercializado nas mais diversas regiões do Nordeste, com perspectivas de abertura de mercado para os grandes centros comerciais do país
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