qualidade da matéria prima

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“I Workshop Tecnológico sobre Produção de Etanol” Projeto Programa de Pesquisa em Políticas Públicas Sessão 1: Qualidade da matéria-prima” Palestrante: Carlos Eduardo Vaz Rossell Pesquisador Sênior Engenheiro Químico. Mestre e Doutor em Engenharia de Alimentos, UNICAMP. Grupo Energia-Projeto Etanol (MCT/NIPE-Unicamp) Caixa Postal 6192 - CEP 13084-971 Campinas- SP Fone (0xx19) 3512-1121 e-mail: [email protected] Debatedores: Márcia Justino R. Mutton – UNESP Jorge Horii – ESALQ/USP

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Page 1: Qualidade da matéria prima

“I Workshop Tecnológico sobre Produção de Etanol”

Projeto Programa de Pesquisa em Políticas Públicas

Sessão 1: “ Qualidade da matéria-prima”

Palestrante: Carlos Eduardo Vaz Rossell Pesquisador Sênior Engenheiro Químico. Mestre e Doutor em Engenharia de Alimentos, UNICAMP . Grupo Energia-Projeto Etanol (MCT/NIPE-Unicamp) Caixa Postal 6192 - CEP 13084-971 Campinas- SP Fone (0xx19) 3512-1121 e-mail: [email protected]

Debatedores: Márcia Justino R. Mutton – UNESP Jorge Horii – ESALQ/USP

Page 2: Qualidade da matéria prima

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Produção de Etanol de Cana-de-açúcar. Qualidade da matéria-prima. Introdução

As mudanças que estão acontecendo relacionadas ao esgotamento das fontes de petróleo, assim

como ao aquecimento global provocado pelo aumento das emissões de dióxido de carbono

provenientes da queima de combustíveis fósseis sinalizam para um aumento expressivo da

produção de etanol.

Ao Brasil caberá um papel importante na produção de Bioetanol. Projeções apontam para 100 a 200

bilhões de litros nos próximos 20 anos.

Atualmente predomina no Brasil entre as Usinas mais avançadas um modelo de produção

simultânea de etanol e açúcar, no qual aproximadamente 50-60% da cana moída é destinada à

fabricação de açúcar, segundo dados compilados pelo CTC (2005).

Um novo cenário com predominância da produção de álcool poderia ser traçado considerando uma

unidade padrão de 12000 toneladas de cana por dia com as características descritas na Figura 1 e

considerando como alternativas Usina com Destilaria anexa e moagem de 40% da cana para

produção de açúcar e Destilaria autônoma.

Complementando o cenário previsto consideramos também as seguintes tendências:

•••• Eliminação da despalha a fogo;

•••• Substituição gradativa do corte manual pelo mecanizado;

•••• Aumento da escala de produção.

Fig. 1. Cenários atual e projetados para a produção de etanol carburante.

35.000

70

12.000

167

2.000.000

hectaresÁrea de plantío

TCHRend. agrícola

TCDMoagem diária

diasSafra

Ton/safraMoagem

Cenários projetadosCenário atual

Álcool 1037 m³/diaÁlcool 760 m³/diaÁlcool 570 m³/dia

Áçucar 430 ton/diaÁçucar 730 ton/dia

Destilaria autônomaMoagem para açúcar 40%,

destilaria anexa

Moagem para açúcar 60%,

destilaria anexa

Page 3: Qualidade da matéria prima

2

O propósito deste trabalho é discutir os pré-requisitos que devem atender as matérias primas

envolvidas na fermentação alcoólica para garantir uma performance eficiente da fermentação

alcoólica nas condições atuais e nos cenários projetados.

Matéria-prima para a produção de etanol carburante

Fazemos inicialmente uma classificação considerando a matéria-prima básica, as derivadas da

mesma, resultantes da fabricação de açúcar e etanol e as complementares.

A cana-de-açúcar é o que denominamos como matéria-prima básica, sendo que atualmente são

aproveitados exclusivamente os açúcares extraíveis da mesma.

Classificamos como matérias primas derivadas, correntes do processo com maior ou menor

conteúdo de sacarose e açúcares redutores, integrando este grupo as seguintes:

•••• Caldo misto;

•••• Caldo clarificado;

•••• Xarope;

•••• Mel final;

•••• Caldo filtrado.

Como matérias-primas complementares consideramos:

• Água de processo;

• Vinhoto;

• Águas condensadas.

Influência da contaminação bacteriana e outros fato res no processo de fermentação

alcoólica.

Desde o início do Pró-Álcool até o estágio atual o processo de fabricação de álcool em destilarias

anexas ou autônomas passou por diversas reformulações, até atingir o estágio atual.

Stupiello (1981), Rossell (1987) e outros descreveram a evolução do processo, que foi motivo de

intensas discussões durante a década de 80, com a participação dos setores de: pesquisa e

desenvolvimento, o acadêmico, os produtores de álcool e açúcar e os fornecedores de

equipamentos e companhias de engenharia vinculadas ao setor sucroalcooleiro.

Basicamente os estudos definiram a melhor opção para tratamento de caldo e para condução da

fermentação alcoólica, assim como estratégias para o controle da fermentação.

Já na década de 90 vários grupos de pesquisa e, em particular, o grupo de fermentação alcoólica

do CTC abordaram e procuraram colocar numa base mais quantitativa os fatores que influenciam o

desempenho da fermentação alcoólica e a vinculação destes com a qualidade das matérias-primas.

Page 4: Qualidade da matéria prima

3

Surgiram assim estudos referentes:

•••• Ao controle operacional da fermentação alcoólica: Pereira-César (1997);

•••• Ao balanço de bactérias na fermentação alcoólica: Nolasco-Junior (1996);

•••• Aos fatores que influem na floculação: Nolasco-Junior (1993);

•••• Aos índices de controle de contaminantes: CTC (1983) e Formaggio (1999);

•••• Ao balanço de matéria em suspensão acumulada na fermentação: Nolasco-Junior (1998a);

•••• À eficiência da centrifugação na remoção de contaminantes da fermentação;

•••• À esterilização do mosto: Nolasco-Junior (1998b);

•••• À definição do tratamento físico-químico do mosto: Nolasco-Junior (1998c).

Nolasco-Junior (2005), que conduziu grande parte deste trabalho, estabelece as bases de um

tratamento físico-químico do mosto eficiente e de esterilização final do mesmo com o propósito de

controlar a infecção microbiana, a floculação e a inibição do fermento. O autor estudou a

dependência entre a qualidade da matéria prima para a fermentação e o desenvolvimento da

infecção, apontando o efeito negativo da presença de matéria em suspensão associada às

matérias-primas empregadas no mosto. Demonstra numa base quantitativa que os sólidos

suspensos no volume de controle da fermentação, sejam de natureza mineral ou orgânica, não são

rejeitados pelas centrífugas, pelo contrário, incorporam-se ao leite, tendo que ser removidos como

fundo de dorna ou sangria de fermento.

Esta massa de sólidos que se recicla na fermentação constitui um veículo de desenvolvimento das

bactérias contaminantes, promovendo floculação, formação de ácidos e metabólitos inibidores da

atividade da levedura. As bactérias do gênero Bacillus predominam neste meio, sendo responsáveis

pelo fenômeno de floculação do fermento.

Este fenômeno atinge um grau tal que nem o tratamento de choque com biocidas de efetividade

reconhecida se mostra eficaz.

A presença dos sólidos suspensos conduz à formação de incrustações nas superfícies de

aquecimento indireto quando efetuado o tratamento térmico do mosto. Nolasco-Junior avalia

possíveis tratamentos para caldo misto, caldo do filtro, xarope e mel, concluindo que um tratamento

físico-químico de calagem, fosfatação, floculação assistida por polímero e decantação específicos

para o mosto e envolvendo o tratamento simultâneo de todas as correntes que irão compor o mosto

constitui a melhor opção.

Este último é completado por uma etapa de esterilização total.

A Figura 2 exemplifica as bases deste tratamento.

Os estudos acima são a base para definir os parâmetros de qualidade das matérias-primas que

intervêm no processo.

Page 5: Qualidade da matéria prima

4

Fig.2- Tratamento físico-químico do mosto

Moagem

TQ de Caldo mistop/destilaria

Aquecimento a 105ºC

Tanque de mel

Decantação

Desgaseificaçãoflash

Filtração do lodo

Fermentação

EsterilizaçãoMosto

Caldo do filtro

Caldo misto

Mel

Caldo do filtro de açúcar

Cana-de-açúcar, pré-requisitos de qualidade para fe rmentação alcoólica

Mantelatto (2006) apresenta uma extensa revisão sobre características e composição da cana-de-

açúcar. A Figura 3 mostra dados representativos desta e do caldo compilados por este autor. Um

exame da composição da cana permite concluir que, devido a sua elevada atividade de água, à

percentagem elevada de açúcares e à presença de aminoácidos e proteínas em quantidade

apreciável ela se torna um material facilmente perecível que, quando submetido à exposição a

microrganismos, sofrerá rápido ataque.

11 a 16Fibras (base seca)

10 a 16Sólidos soluveis

24 a 27Sólidos totais

73 a 76Água

% Componentes da cana

3,0 a 5,09 Corantes e outros1,0 a 3,04. Ácidos orgânicos

0,05 a 0,158. Ceras e graxas1,5 a 4,53. Ácidos inorgânicos

0,3 a 0,67. Gomas3 a 52. Sais

0,001 a 0,056.Amido2 a 41.3 Frutose

0,5 a 0,65. Proteínas2 a 41.2 Glicose

0,5 a 2,54.2 Aminoácidos70 a 911.1 Sacarose

1,1 a 3,04.1 Ácidos carboxílicos75 a 931. Áçúcares

Composição dos caldos de cana de açúcar- % sólidos s olúveis

Fig 3- Composição da cana-de-açúcar e o caldo, Mantela tto (2006)

Page 6: Qualidade da matéria prima

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Autores como Hernandez-Nodarse (1973), Stupiello (1982), Lopez (1988), Yokoya (1990) e

Gaylarde (1990) relataram a biodeterioração da cana-de-açúcar no período desde a queima (corte)

até o processamento industrial. Estes autores tipificaram os microorganismos predominantes e o

impacto negativo dos mesmos na qualidade da cana a ser processada, seja no processo de

produção de açúcar como na fermentação alcoólica. Microrganismos dos gêneros Bacillus e

Leuconostoc são apontados como os maiores responsáveis pela biodeterioração.

Os autores também comprovaram a aceleração da biodeterioração pela despalha fogo, que remove

o filme protetor de cera, excreta caldo e provoca rachaduras no caule expondo-o rapidamente à

contaminação.

Também é consenso entre os referidos autores que a cana colhida mecanicamente sofre uma

deterioração mais rápida devido ao aumento de exposição dos tecidos decorrente do retalhamento

em segmentos menores. Esta deterioração se agrava ainda mais quando a cana é submetida à

despalha a fogo.

Fatores como o contato com a terra, temperatura e umidade elevadas, chuva no período de corte e

geada agravam esta situação.

Segundo Moreira (1999), na composição do custo de produção de etanol a cana-de-açúcar

participa com aproximadamente 600% do total. Isto significa, entre outros, que em hipótese alguma

existe possibilidade de rejeição da cana que não atender aos índices de qualidade mínima

desejável.

Nesta condição, fixar índices de qualidade mais apurados e estabelecer programas de manejo da

cana compatíveis com as necessidades da fermentação sem aumentar o custo de produção da

cana se fazem prioritários.

Atualmente, o índice empregado pelas usinas para avaliar a qualidade de cana é o tempo médio

entre queima e entrega na Usina, índice este que dá uma boa representação do grau de infecção da

mesma por microorganismos.

Complementam este índice as percentagens de matéria mineral e matéria vegetal estranha,

arrastadas durante as operações de corte e carregamento. Estes últimos são indicativos do grau de

tratamento necessário para remoção de matéria em suspensão durante o processo de tratamento

de clarificação do caldo.

O tempo médio após queima, embora útil para avaliar em forma preliminar a qualidade

microbiológica da cana, pode levar a interpretações errôneas, pois não leva em conta a dispersão

em relação à média.

Lotes diferentes de cana podem ter o mesmo tempo médio de corte, mas aquele que apresentar

maior dispersão de valores em relação à média apresentará uma fração do total muito mais

contaminada, seja no teor de microorganismos, gomas ou formação de ácido. Isto é mais crítico no

caso de microorganismos no qual a multiplicação celular ocorre exponencialmente, levando a que a

fração contaminada abaixe a qualidade do lote total.

Page 7: Qualidade da matéria prima

6

Atualmente, o procedimento de corte que prevalece é aquele no qual o canavial sofre previamente

despalha a fogo e em seqüência realiza-se o corte manual, carregamento e transporte. Em ordem

de importância segue o corte mecanizado, seja este com prévia queima do canavial ou

processamento da cana crua. Finalmente, uma pequena fração da cana é colhida manualmente

sem queima.

Os dados apresentados na Figura 4, correspondentes ao Controle Mutuo Agrícola e Industrial do

CTC, dados da Safra 2005 compilam os registros de 71 Usinas, sendo representativos do cenário

atual. Estes dados mostram o predomínio atual do corte manual, que atinge aproximadamente

61,4% % do total, assim como o de despalha a fogo, que, em média, atinge 73,5% da cana

processada. O tempo pós-queima até o processamento é de 46,7 horas com um desvio padrão de

14,6. Verifica-se um tempo médio de corte comparativamente elevado e uma dispersão expressiva,

sendo ambos os valores pouco favoráveis a um desempenho otimizado da fermentação alcoólica.

Fig.4- Perfil do processamento da cana das usinas e de stilarias queparticipam do Programa de Controle Mutuo, Agrícola e Industrial gerido pelo CTC.

14,6

desvio padrão (h)

25,5

colheita mecanizada, DP

(%)16,3

colheita de cana queimada, DP (%)

90,1

Tempo máximo de queima (h)87,7

colheita mecanizada, máximo (%)

100colheita de cana

queimada, máximo (%)

30,1Tempo mínimo de

queima (h)0colheita

mecanizada, mínimo (%)

12,3colheita de cana

queimada, mínimo (%)

46,7

Tempo medio de queima (h)38,6

colheita mecanizada,

media (%)73,5

colheita de cana queimada, media

(%)

Na figura 5 mostramos a tendência futura com predomínio de corte mecânico e redução gradativa

da queima. Esta situação se verifica hoje na Usina da Pedra (2006), onde prevalece o corte

mecânico, que responde por 87% da cana processada, sendo que aproximadamente 41% da

mesma é colhida sem queima.

Esta Usina, que realiza uma gestão agrícola muito avançada, apresenta tempo médio e dispersão

bem menores quando comparada com a população do estudo do CTC.

Na Figura 6 apresentamos a distribuição de freqüência nos casos de corte manual e mecanizado.

Observa-se que a fração que permanece um tempo pós-queima (pós-corte) bem acima da média é

bem mais elevada quando o corte é manual. Verifica-se também a importância de avaliar o impacto

da maior deterioração a que é submetida esta fração, que é de 5,3% para o corte manual e 1,5%

para a mecanização, sobre a qualidade final do total de cana processada.

Page 8: Qualidade da matéria prima

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2.552.67436.711167.165788.3181.560.480Total (t)

1.302.63319.65276.750605.888600.343Mecanizada Queimada (t)

913.377000913.377Mecanizada crua (t)

15.20401414.252938Manual crua (t)

32.146017.05990.401168.17845.822Manual queimada (t)

Mais de 72 h

48-72 h24-48 h0-24 hTipo de corte

Fig. 5- Distribuição de corte de cana na Usina da Pedra (Safra 2006)

87 %Corte mecanizado

13 %Corte manual

59 %Corte mec. c/queima

41 %Corte mec cru

Corte mecanizado com queima

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

de 0 a 24 h de 24 a 48 h de 48 a 72 h mais de 72 h

Tempo pós-queima(h)

%

Corte manual com queima

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

de 0 a 24 h de 24 a 48 h de 48 a 72 h mais de 72 h

tempo pós-queima (h)

%

Fig. 6- Efeitos dos procedimentos de corte e tempo de esp era na qualida de da cana

Os resultados aqui apresentados vêm a reforçar a necessidade de realização de um estudo do perfil

de biodeterioração da cana desde a pós-queima (pós-corte) até seu processamento na indústria,

considerando a determinação de índices tais como:

- Contagem de microorganismos totais;

- Bactérias formadoras de ácidos orgânicos;

- Bactérias formadoras de dextrana e outros polímeros.

Este estudo deve envolver variáveis tais como: procedimentos de corte, tipo de clima (umidade e

temperatura), solo e ainda fatores como chuva e eventualmente geadas.

Page 9: Qualidade da matéria prima

8

Caldo clarificado, xarope, mel final e caldo filtra do .

Caldo clarificado.

As usinas e destilarias realizam um tratamento físico-químico para o caldo destinado à fermentação,

adaptado do processo de fabricação de açúcar e envolvendo peneiramento, dosagem de cal,

aquecimento, desgaseificação flash, adição de polímero e decantação.

Em geral, este tratamento não remove a matéria coloidal e em suspensão na medida em que o

processo de fermentação exige. Ademais, as condições operacionais e as características das

instalações do processo, moendas, esteiras de transporte, peneiras, depósitos e tubulações e

outros favorecem a multiplicação bacteriana e a formação de ácidos e gomas.

Xarope

Em geral, quando empregado o xarope é resultante do processo de fabricação de açúcar, tendo

sido submetido à sulfitação. Esta incorporação de sulfitação provoca efeitos negativos na

fermentação, provocando inibição e aumento da síntese de glicerol que reduz a conversão do

açúcar no mosto a etanol.

Mel final

O mel final proveniente da fabricação de açúcar em usinas com destilarias anexas não é fortemente

esgotado. Mesmo assim, quando os mostos são formulados com elevada proporção de mel final a

fermentação é dificultada, como citado por Owen (1948).

O mel aporta compostos indesejáveis, tais como: sulfito, ácidos orgânicos, teor elevado de sais de

cálcio e magnésio, matéria em suspensão e outros.

O emprego de mel se traduz em inibição da fermentação, teores de etanol no vinho final menores,

aumento da carga de sólidos em suspensão na fermentação e floculação do fermento.

Uma melhora da qualidade do mel para fermentação pode ser obtida por processos de clarificação.

Caldo filtrado

As Usinas enviam caldo filtrado que provém da fabricação de açúcar à fermentação. Este

procedimento é prejudicial para o desempenho da fermentação. Este caldo contém elevado teor de

microorganismos indesejáveis, de matéria orgânica coloidal e em suspensão e de matéria mineral,

que interferem negativamente na fermentação.

Este caldo deve ser tratado como proposto por Nolasco-Junior.

Page 10: Qualidade da matéria prima

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O CTC introduziu um conjunto de índices para avaliar a qualidade microbiológica e o grau de

deterioração da matéria-prima básica e das derivadas. A figura 7 apresenta estes índices e seus

valores máximos, num programa de controle operacional desenvolvido pelo CTC para auxilio no

controle de matérias-primas e processo. Índices similares foram também adotados por outros

grupos envolvidos com fermentação alcoólica.

kg/ton4Impurezas minerais

p.p.m.450Dextrana

ml/100ml1,5Poder tampão

g/l0,9Acidez

0,50DpH

5,3pH da cana

horas50Horas pós-queima

UnidadeValor máximo

Parâmetro

Fig. 7- Parâmetros para determinação da qualidade da canae as matérias primas derivadas, segundo CTC

É preciso fazer aqui uma distinção entre métodos microbiológicos diretos e métodos indiretos

rápidos.

O controle microbiológico das matérias-primas, que é mais complexo, requer maior grau de

capacitação e seus resultados são demorados, mas oferece resultados diretos do impacto da

presença dos contaminantes e da deterioração que estes provocam nas matérias-primas.

Métodos de abordagem rápida, como determinações do pH, o ∆∆∆∆pH que mede a presença de

contaminantes formadores de ácidos pela queda de pH em um determinado intervalo de tempo, a

acidez do meio, o poder tampão e teor de dextrana fornecem resultados indiretos, porém são bons

indicadores da qualidade das correntes de processo.

A determinação de matéria em suspensão é um auxiliar eficiente para controlar o grau de

tratamentos físico-químicos que deverão receber as matéria-primas.

Na última década, as destilarias foram, em geral, abandonando estas metodologias de controle por

motivos de redução de custo, sem que tenham sido estabelecidas alternativas.

Água de processo, vinhoto e águas condensadas.

Água de processo.

Page 11: Qualidade da matéria prima

10

Não se tem dado a devida importância à qualidade da água empregada na diluição de mel ou

xarope e na preparação do pé cuba.

Normalmente as destilarias captam águas de superfície para emprego nas operações acima

descritas. As águas de superfície apresentam teores muito variáveis de matéria em suspensão e

coloidal e uma flora microbiana diversa associada a estas. A quantidade é muito variável

dependendo da época do ano: estiagem ou chuva.

Em casos geralmente excepcionais a fonte de água empregada pode ter elevado nível de

contaminação de resíduos de produtos químicos, provocando inibição na fermentação.

Seguindo os critérios estabelecidos por Nolasco-Junior em sua demonstração do acúmulo de

matéria em suspensão na fermentação e da necessidade de realizar tratamentos físico-químicos

nas matérias-primas para remoção desta, consideramos que a água empregada deve também

atender a um teor máximo de matéria em suspensão e teor de microorganismos.

Os processos de depuração de água são de custo comparativamente baixo e não tem sido

quantificada a relação custo beneficio da introdução dos mesmos no tratamento de água para

emprego em fermentação.

Os tratamentos de depuração de água para remoção de matéria em suspensão e teor de

microorganismos constam de três etapas:

•••• Floculação e decantação;

•••• Polimento por filtração;

•••• Desinfecção por cloração ou radiação UV.

O último aqui mencionado é inadequado, sendo que o segundo é desnecessário. O processo por

floculação e decantação seria suficiente para remover a matéria suspensa e coloidal (e a flora

microbiana associada a esta) quando ela atinge níveis que irão sobrecarregar rapidamente o teor de

matéria em suspensão no mosto.

Recomendamos controlar a qualidade da água empregada através da determinação da turbidez e

análise periódica do teor de microorganismos e da presença de substâncias químicas e metais.

Vinhoto

A recirculação de vinhoto na fermentação com o propósito de reduzir o volume total de vinhoto

produzido é controversa. A recirculação no processo Melle-Boinot para diluição de méis e xarope foi

tentada em algumas Usinas, sendo posteriormente abandonada por dificuldades operacionais,

temperatura de fermentação elevada e aumento da infecção e floculação. O processo Biostil

também foi implantado e abandonado, principalmente pela dificuldade de manter o sistema estável.

Na França, fermentações alcoólicas em destilarias empregando beterraba como matéria-prima

foram conduzidas com sucesso, segundo descreve Vassard (1982). É importante lembrar que o

processamento da beterraba e os mostos finais são bem diferentes da nossa condição operacional.

Page 12: Qualidade da matéria prima

11

Seguindo também a tendência de evitar o acúmulo de material em suspensão, consideramos a

recirculação de vinhoto desvantajosa, pois recicla matéria orgânica ao processo, com o agravante

de parte da mesma provir da termólise das leveduras e servir de nutriente ativo para os

contaminantes da fermentação, como assinala Oliva-Neto (1997).

Água condensada resultante da concentração térmica do vinhoto

Embora não empregadas hoje no Brasil, convém fazer aqui referência às possibilidades de emprego

da mesma como água de diluição de xarope ou mel e para preparo do pé de cuba, levando em

conta a futura expansão da produção, custo de aplicação de vinhoto, cobrança da água e oferta por

fornecedores de equipamentos de unidades de concentração térmica do vinhoto. Decloux (2002) e

Coaullier (2006) discutem o emprego destas águas, a presença de inibidores de fermentação nas

mesmas e matéria orgânica e processos de tratamento, concluindo que a quantidade máxima de

utilização é limitada, seja pela presença de inibidores ou de matéria orgânica reciclada ao processo.

Na França, atualmente existe uma única destilaria que recicla estas águas ao processo.

Novamente o eventual emprego das mesmas dependerá do controle do nível de inibidores e

matéria orgânica presentes.

Conclusões e recomendações

A qualidade da cana é o principal fator a ser levado em conta para melhorar o desempenho da

fermentação alcoólica.

A estimação desta através do tempo entre queima e processamento (corte e processamento no

caso de cana crua) é o parâmetro mais empregado pelas Usinas e Destilarias.

Embora o mesmo forneça uma estimativa do estado de deterioração da cana a ser processada,

poderia ser melhorado mediante a introdução de estatísticas complementares.

Recomendamos o desenvolvimento de alternativas para aperfeiçoamento deste critério e uma

padronização destas metodologias.

As tendências de aumento da percentagem de cana colhida mecanicamente e de eliminação

gradativa da queima pré-corte justificam retomar realização de determinações microbiológicas

(contagem total de microorganismos, bactérias láticas, formadoras de gomas e de ácidos,

esporulados etc.). Isto irá permitir conhecer o perfil de evolução destes microorganismos versus o

tempo pós-queima (corte) em função de tipo de corte, processamento com ou sem queima, assim

como outros associados ao tipo de solo, clima: umidade e temperatura ambiente, chuva, geada.

Outros parâmetros para determinação do grau de deterioração da cana até o processamento —

citando alguns métodos rápidos como pH, ∆∆∆∆pH, presença de dextrana, acidez —, assim como

Page 13: Qualidade da matéria prima

12

determinações microbiológicas (estas mais complexas e demoradas) devem ser reavaliados. O

propósito desta revisão será estabelecer a eficiência dos mesmos como índices de qualidade,

demonstrar a relação custo benefício de seu emprego e desenvolver estratégias para rotinas de

implantação.

Os parâmetros acima considerados devem ser reavaliados também como índices de controle para

matérias-primas derivadas: caldo misto, clarificado, do filtro, xarope e mel. Será conveniente uma

atuação entre os diversos grupos participantes a fim de estabelecer:

•••• Uma metodologia mínima de controle levando em conta o custo e benefício da mesma;

•••• A padronização da metodologia, validação, difusão e treinamento;

•••• Uma estratégia para implantar a mesma nas destilarias.

A presença de matéria em suspensão de natureza orgânica ou mineral prejudica a performance da

fermentação, aumentando o índice de contaminação por bactérias, a floculação do fermento e a

inibição do metabolismo da levedura de fermentação. O controle do acúmulo desta matéria em

suspensão dentro dos limites da unidade de fermentação é crítico.

Em conseqüência, torna-se necessário controlar a presença de impureza mineral arrastada com a

cana e a presença de matéria em suspensão orgânica e mineral junto às matérias-primas derivadas

e complementares.

Novamente recomendamos a padronização de uma metodologia para controle da presença de

matéria orgânica e mineral em suspensão nas matérias-primas empregadas na fermentação e nas

correntes de processo da fermentação.

Page 14: Qualidade da matéria prima

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