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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP EDUARDO BUENO FRAGUAS E O QUE VIU TESTEMUNHA O CONCEITO DE TESTEMUNHA A PARTIR DO EVANGELHO DE JOÃO 19,35 MESTRADO EM TEOLOGIA SÃO PAULO 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

EDUARDO BUENO FRAGUAS

E O QUE VIU TESTEMUNHA

O CONCEITO DE TESTEMUNHA A PARTIR DO EVANGELHO DE JOÃO 19,35

MESTRADO EM TEOLOGIA

SÃO PAULO

2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

EDUARDO BUENO FRAGUAS

E O QUE VIU TESTEMUNHA

O CONCEITO DE TESTEMUNHA A PARTIR DO EVANGELHO DE JOÃO 19,35

MESTRADO EM TEOLOGIA

SÃO PAULO

2012

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para a obtenção de título de

Mestre em Teologia, sob orientação do

Prof. Dr. Pe. Gilvan Leite de Araújo.

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APROVAÇÃO

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

________________________________________

________________________________________

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DEDICATÓRIA

“É nas Igrejas locais que se podem estabelecer as linhas programáticas concretas que

permitam levar o anúncio de Cristo às pessoas, plasmar as comunidades, permear

em profundidade a sociedade e a cultura através do testemunho dos valores evangélicos”.

(João Paulo II - NMI n.29)

Dedico este trabalho aos Membros da Comunidade Doce Mãe de Deus, que a cada dia

buscam Testemunhar o Amor de Cristo, Crucificado e Ressuscitado, ao mundo de hoje para

que tantos outros possam crer em um Deus de Amor presente e atuante em nossa história.

E junto a eles, os membros de todas as Novas Comunidades, que em meio às alegrias

e aos desafios da atualidade, continuam fiéis ao Carisma que o Senhor lhes concedeu.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus que, ao longo da história, tem testemunhado seu amor

salvador pela humanidade (cf. Hb 2,4), em especial, em Jesus Cristo que deu sua vida para

nos dizer que nos ama primeiro e que nos enviou seu Espírito para testemunhar conosco que

somos filhos (cf. Rm 8,16) e para que não estejamos sós em nosso testemunho cotidiano;

“porque tudo é Dele, por Ele e para Ele. A Ele a glória pelos séculos! Amém” (Rm 11,36).

Em seguida, agradeço a tantos irmãos que participaram deste trabalho me auxiliando ou

simplesmente testemunhando Jesus Cristo com suas vidas no mundo atual. Em especial, à

Comunidade Doce Mãe de Deus na pessoa de seu Fundador e Moderador, Inaldo Alexandre

da Silva, pela ajuda e incentivo. Aos casais Regis e Maísa Castro, Pérsio e Andreia Ribeiro e

Carlos e Tânia Santos, sem os quais este estudo não teria sido possível. Deus lhes retribua

por sua generosidade. Aos meus irmãos, familiares e amigos, principalmente ao meu pai,

Donato Fraguas, pela vida de testemunho de Amor a Deus e aos irmãos e à minha mãe,

Marilene Bueno Fraguas, pela dedicação a serviço do Reino de Deus e da Igreja e pelas

constantes revisões em meus escritos. Ao meu orientador, Pe. Gilvan Leite de Araújo, pela

paciência e atenção a mim dedicadas nestes anos de estudo. E a todos os que leram este

trabalho para que sua linguagem pudesse ser mais acessível a todos, entre eles, Kátia Maria

Bouez Azzi, Wellington Vilar Viana e, em especial, Aurea Guedes de Tullio Vasconcelos a

quem tenho uma grande dívida pela revisão final de todos os textos. Deus os abençoe!

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RESUMO

O conceito de testemunha (mártir) se desenvolveu de diversas formas ao longo da

história. Este termo é utilizado comumente nos ambientes civis e religiosos, porém, para a

linguagem cristã a sua radicalidade está na essência do que é “ser testemunha”, em especial,

naquilo que apresenta o Evangelho. Este trabalho visa apresentar uma reflexão sobre o

conceito de testemunha e sua evolução, iniciando com o desenvolvimento desse termo na

cultura grega, passando pelo Antigo Testamento e cultura judaica até chegar ao Novo

Testamento. O centro desta reflexão é o Evangelho de João, com um foco no versículo 35 do

capítulo 19: “E o que viu testemunha”. Isso baseado no que é apresentado pela Tradição

Joanina e, posteriormente, seu desenvolvimento na História da Igreja. O testemunho é algo

fundamental para linguagem bíblica e, por isso, se torna também algo necessário para a

vivência cristã na atualidade.

PALAVRAS CHAVES

Testemunha, Testemunho, Ser Testemunha, Evangelho de João, Sagradas Escrituras

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ABSTRACT

The concept of witness (martyr) has enhanced throughout history. This term has been

habitually utilized both inside civilian and religious environment, however for Christian

language, its root is of the essence of what is "bear witness"; in particular, what presents the

Gospel. This paper presents a reflection on the concept of witness and its evolution, beginning

with the development of this term in Greek culture, from the Old Testament and Jewish

culture to reach the New Testament. The center of this reflection is the Gospel of John, with a

focus on chapter 19 verse 35: “And he who has seen has borne witness”. This has been

presented by Johannine Tradition and posteriorly by Church History development. The

testimony is the key to biblical language and therefore also becomes something essential for

today´s Christians.

KEYWORDS

Witness, Testimony, Bear Witness, The Gospel of John, Holy Scriptures

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ABREVIAÇÕES

1. ABREVIAÇÕES NO TEXTO

a.C. Antes de Cristo

Cf. Conferir

d.C. Depois de Cristo

ed. Edição

p. Página

pp. Páginas

s. Seguinte

ss. Seguintes

V. Volume

v. Versículo

vv. Versículos

2. BÍBLIA E DOCUMENTOS DA IGREJA

Bíblia As abreviações dos Livros Bíblicos seguem o padrão

comumente utilizado nas citações, padronizado a partir das

referências da Bíblia de Jerusalém. Edição Revista e

Ampliada. São Paulo: Paulus, 2002. pp. 15-16.

CVII Concílio Vaticano II

DAp Documento de Aparecida

EN Evangelii Nuntiandi

NMI Novo Millennio Ineunte

3. DICIONÁRIOS, GRAMÁTICAS, LÉXICOS, MANUAIS E REVISTAS

Bib Biblica (Rivista del Istituto Biblico - Roma)

DBHP Dicionário Bíblico Hebraico-Português

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DB Dicionário Bíblico

DBHP Dicionário Bíblico Hebraico-Português

DBT Dicionário Bíblico-Teológico

DCBNT Dizionario dei Concetti Biblici del Nuovo Testamento

DCT Dicionário Crítico de Teologia

DENT Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento

DITNT Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento

DGNT Dicionário de Grego do Novo Testamento

DMJ Diccionario del Mundo Joánico

DPAC Dicionário Patrístico de Antiguidades Cristãs

DTMAT Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento

DTR Diccionario de Las Tres Religiones

GGNT Gramática do Grego do Novo Testamento

GHB Gramática do Hebraico Bíblico

GLAT Grande Lessico Dell’Antico Testamento

GLNT Grande Lessico del Nuovo Testamento

MEB Metodologia da Exegese Bíblica

RCT Revista de Cultura Teológica

RSB Ricerche Storico Bibliche

VTB Vocabulário de Teologia Bíblica

VTEJ Vocabulário Teológico do Evangelho de São João

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

CAPÍTULO I:

A TESTEMUNHA ANTES DO NOVO TESTAMENTO

18

1.1. A TESTEMUNHA NO GREGO EXTRABÍBLICO 21

1.2. A TESTEMUNHA NO ANTIGO TESTAMENTO 28

1.3. A IDEIA DE MÁRTIR NO JUDAÍSMO TARDIO ATÉ A QUEDA DO SEGUNDO TEMPLO 44

CAPÍTULO II:

A TESTEMUNHA NO NOVO TESTAMENTO

52

2.1. A TESTEMUNHA NOS EVANGELHOS SINÓTICOS E NOS ATOS DOS APÓSTOLOS 55

2.2. A TESTEMUNHA NAS CARTAS PAULINAS E NA CARTA AOS HEBREUS 71

2.3. A TESTEMUNHA NAS CARTAS CATÓLICAS 81

CAPÍTULO III:

E O QUE VIU TESTEMUNHA

85

3.1. TRADUÇÃO DO TEXTO GREGO DE JO 19,31-37 E DELIMITAÇÃO 87

3.2. ANÁLISE SINTÁTICA, SEMÂNTICA E PRAGMÁTICA 99

3.3. ANÁLISE TEOLÓGICA DO TEXTO 114

CAPÍTULO IV:

A TESTEMUNHA NA TRADIÇÃO JOANINA

126

4.1. A TESTEMUNHA NO EVANGELHO DE JOÃO 130

4.2. A TESTEMUNHA NAS CARTAS DE JOÃO 142

4.3. A TESTEMUNHA NO LIVRO DO APOCALIPSE 145

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CAPÍTULO V:

A TESTEMUNHA NA TRADIÇÃO CRISTÃ

156

5.1. A TESTEMUNHA NA IGREJA CRISTÃ PRIMITIVA 158

5.2. A TESTEMUNHA NA HISTÓRIA CRISTÃ 168

5.3. A TESTEMUNHA NA ATUALIDADE 171

CONSIDERAÇÕES FINAIS 175

REFERÊNCIAS GERAIS 197

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INTRODUÇÃO

A realidade atual convida os cristãos a se fazerem presentes em todos os espaços nos

quais se insere a vida humana. Hoje, é necessário trilhar um caminho que leva à descoberta

pessoal do imenso dom que é a Boa Nova de Jesus Cristo e, como consequência, a uma ação

pessoal e comunitária que traduza o que foi experienciado e acolhido.

O mundo de hoje precisa de “testemunhas” que relatem a experiência que fizeram de

Jesus Crucificado e Ressuscitado e, assim fortaleçam a fé de seus irmãos e de toda a Igreja;

testemunhas que tenham em si a disposição de trilhar o Caminho de Jesus Cristo, a

Testemunha Fiel e que, fazendo-se seus discípulos, alcancem o Mistério da vida de doação

que o Mestre alcançou e para a qual os chama.

A ênfase na experiência pessoal e no vivencial nos leva a considerar o

testemunho como componente chave na vivência da fé. Os fatos são

valorizados quando são significativos para a pessoa. Na linguagem

testemunhal podemos encontrar um ponto de contato com as pessoas que

compõem a sociedade e delas entre si1.

O Evangelho de João inicia com o testemunho de João Batista (cf. Jo 1,6-7) e finaliza

com o testemunho do Discípulo Amado (cf. Jo 21,24-25). Desde o início de sua caminhada

ele atende ao chamado do Mestre e deixa tudo para segui-Lo. Ele é um dos apóstolos

1 DAp. n. 55.

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escolhidos para estar mais próximo de Cristo nas grandes manifestações de Sua Pessoa.

Diante da cruz, ele dá testemunho do cumprimento do Plano Salvífico do Pai em Jesus Cristo,

quando traspassado na cruz, Jesus dá prova de que amou a humanidade até o fim. Este

testemunho torna-se o mais solene do Evangelho e é dado a fim de que todos os que o

escutarem cheguem a crer em Jesus Cristo e a Ele deem sua adesão, fundamentando a fé dos

futuros discípulos. Dessa maneira, o Discípulo Amado se torna a referência de como ser uma

testemunha de Jesus, no início da Igreja e na atualidade. Por isso, o presente estudo está

centrado no Evangelho de João 19,35: “E o que viu testemunha...” e é a partir desse

entendimento que se desenvolve a presente exposição.

As testemunhas apresentadas no Evangelho de João apontam o Messias esperado por

Israel, apresentado diante dos homens como um sinal de contradição. Do início de Sua missão

pública, passando pelo anúncio do Evangelho e até a sua entrega total na cruz, Jesus está

cercado de pessoas que fizeram uma experiência de Sua presença. Esses homens e mulheres

se tornaram anunciadores de Seu Reino e conformaram suas vidas à do Mestre, num desejo de

amar como Ele amou, de servir como Ele serviu, de doar a vida como Ele a doou...

Brown, comentando o lava-pés, afirma que Jesus realizou, diante de seus discípulos,

uma ação exemplar que eles devem estar dispostos a imitar: os discípulos devem realizar

atos de serviço semelhantes em favor dos demais para honrar seu Mestre. Jesus ensina

aos discípulos que o maior é aquele que serve e que Seu serviço consiste em entregar

a própria vida (cf. Jo 13,1-20)2.

Surge aqui, então, um questionamento: Quem é testemunha de Jesus Cristo? E é desse

questionamento que nasce o objetivo principal deste estudo: verificar a pessoa da testemunha

e o que se entende pelo conceito de testemunha no Evangelho de João. Em seguida,

aprofundar sobre e como isto interfere na vida de um discípulo de Jesus Cristo para que ele

2 Cf. BROWN, Raymond E. El Evangelio según Juan. 2ª ed. Madrid: Ediciones Cristandad, 1999. p. 877.

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possa seguir os ensinamentos do Mestre e viver como Ele viveu.

Esse conceito continua a ser trabalhado com duas questões secundárias: Como o

conceito de Testemunha foi formado até o Evangelho de João? (uma introdução para o

estudo); e Como esse conceito pode ser utilizado para o cristão da atualidade? (um auxílio

para que se possa chegar a uma conclusão).

Buscar-se-á compreender o conceito de testemunha nas Tradições de Israel,

verificando o entendimento que o autor do Evangelho de João possuía para que pudesse

apresentar o Discípulo Amado diante de Cristo Crucificado, dizendo-se sua testemunha...

E, ao mesmo tempo, verificar como esse conceito pode ajudar, hoje, o cristão a cumprir sua

missão e os apelos do Reino de Deus na atualidade.

Esta pesquisa se aterá a fontes que ajudem a entender, a partir da cultura grega e de

Israel – aprofundando a busca no que se refere ao Antigo Testamento – como o conceito de

testemunha foi sendo formado ao longo dos anos até chegar ao que se compreende sobre

ele no Novo Testamento.

Continuando esse percurso, o Evangelho de João será trabalhado no texto grego para

que se possa ter como base a língua mais próxima que esse Evangelho foi escrito e o seu

contexto histórico. O foco será principalmente o que significa o termo “testemunha” dentro

desse Evangelho. O centro da pesquisa se fará a partir de João 19,35, trecho em que o

evangelista apresenta a consumação do Projeto Salvífico do Pai na hora de Jesus e é neste

momento que ele se apresenta como testemunha para que os homens possam crer também.

Em seguida, buscar-se-á uma breve explanação sobre o novo entendimento que esse

conceito foi adquirindo nos primeiros séculos da era cristã, iniciando pela Patrística e

seguindo por algumas correntes teológicas até seu resgate na atualidade, quando o tema é

confrontado com a realidade eclesial e a conjuntura mundial atual, com as alegrias,

consolações, tristezas e desafios que estas hoje oferecem a todos aqueles que querem ser

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cristãos e seguir o caminho de uma testemunha de Jesus Cristo.

O caminho escolhido para o desenvolvimento e apresentação do tema central segue o

mesmo esquema encontrado com frequência nos Escritos Joaninos3. Esse recurso,

normalmente conhecido como Quiasmo, expressa uma ideia por um paralelismo de sinônimos

em frases que se sucedem e retornam ao texto posteriormente em ordem inversa.

Normalmente o centro desse paralelismo coincide com a mensagem que quer ser ressaltada

(A B C B’ A’). Assim, os capítulos se alternam tendo como centro (C) a exegese do texto que

ilumina este trabalho, respeitando também certa ordem cronológica nos textos.

O conceito de Testemunha será apresentado antes da formação dos Evangelhos,

iniciando com a cultura grega e, então no Antigo Testamento, onde a figura da testemunha

tem grande importância no contexto jurídico, religioso e na Aliança que Deus estabelece com

seu povo. Termina com uma explanação sobre o tema no judaísmo até a queda do segundo

Templo, quando o conceito de testemunha começa a se modificar gradativamente.

Em seguida, temos a apresentação do conceito de testemunha nos Evangelhos com

aqueles que foram as testemunhas de Jesus Cristo em sua missão salvífica. Essa abordagem se

concentra nos Evangelhos Sinóticos e, em seguida, pela apresentação do termo nos Atos dos

Apóstolos, nas Cartas Paulinas, na Carta aos Hebreus e nas Cartas Católicas.

O ponto central deste estudo é a perícope de Jo 19,31-37, destacando-se o v. 35:

“E o que viu testemunha...”. Esta compreende a apresentação do Discípulo Amado aos pés da

Cruz, que contempla o Mistério Salvífico de Cristo e, por essa razão, se torna testemunha

disso. Seu testemunho não é só para si mesmo, mas é destinado a todos os homens para que

eles possam abraçar a fé em Jesus Cristo.

Após a apresentação desse texto, o conceito trabalhado neste estudo, se desenvolverá a

partir da Tradição Joanina que foi a última a ser concluída historicamente. O conceito é

3 Cf. RAMOS, Felipe Fernández (Dir.). DMJ. Editorial Monte Carmelo: España, 2004. p. 818.

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analisado no Evangelho de João, seguindo pelas Cartas de João e completando-se com

o Livro do Apocalipse.

Por fim, trabalha-se o conceito após o Novo Testamento, apresentando o conceito de

testemunha na Igreja Cristã Primitiva onde, em razão das perseguições dos primeiros cristãos,

se tem uma mudança fundamental nesse conceito que alcança até os nossos dias. Termina-se a

argumentação com o desenvolvimento do conceito na História do Cristianismo até seu

entendimento nos dias de hoje e sua necessidade para a Igreja atual.

Para a apresentação do tema será utilizado o texto em português, porém as palavras

fundamentais neste estudo serão empregadas na língua da tradução que for utilizada para cada

uma delas, a saber, ora o grego, ora o hebraico. Essas duas línguas serão apresentadas com

sua escrita própria e à frente, entre parênteses, se encontra sua transliteração, isto é, uma

escrita aproximada da pronúncia para que aqueles que não têm familiaridade com essas

línguas possam também ter uma noção de sua pronúncia.

O conceito de Testemunha que chega aos dias atuais passa por um desenvolvimento

significativo ao longo da História. Se a intenção do testemunho era apresentar com palavras

um acontecimento vivenciado, este alcança um sentido mais amplo quando a própria vida é o

que fala para testemunhar a adesão a Cristo. Isso não se restringe ao derramamento de sangue,

mas também às vidas derramadas na história de homens e mulheres que assumiram a vivência

do Evangelho e o discipulado de Jesus Cristo como centro de suas vidas.

E antes de mais nada – sem querermos estar a repetir tudo aquilo já recordado

anteriormente – é conveniente realçar isto: para a Igreja, o testemunho de uma

vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de Deus, numa comunhão que

nada deverá interromper, e dedicada ao próximo com um zelo sem limites, é o

primeiro meio de evangelização. “O homem contemporâneo escuta com

melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres – dizíamos ainda

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recentemente a um grupo de leigos – ou então se escuta os mestres, é porque

eles são testemunhas”. [...] Será pois, pelo seu comportamento, pela sua vida,

que a Igreja há de, antes de mais nada, evangelizar este mundo; ou seja, pelo

seu testemunho vivido com fidelidade ao Senhor Jesus, testemunho de

pobreza, de desapego e de liberdade frente aos poderes deste mundo; numa

palavra, testemunho de santidade4.

É preciso resgatar este entendimento fundamental na atualidade. E, onde as palavras e

as argumentações não alcançam o testemunho da caridade fraterna, o testemunho de serviço

aos irmãos, o testemunho da vida consagrada, o testemunho da vida doada falam de um ser

cristão necessário ao hoje da história e que não pode ser esquecido.

4 EN. n. 41.

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CAPÍTULO I

A TESTEMUNHA ANTES DO NOVO TESTAMENTO

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A Palavra de Deus apresenta o conceito de “testemunha” presente tanto no Antigo

como no Novo Testamento, mas esse conceito está ligado ao pensamento de outras culturas e

de entendimentos que podem enriquecer a sua compreensão.

Para isso, neste momento inicial, será trabalhado o entendimento do que significa ser

“testemunha” na cultura grega e, em seguida, o seu entendimento dentro do Antigo

Testamento, tanto no texto hebraico como no grego. Em especial, o que se refere ao seu

conteúdo dentro da língua grega, pois nessa língua foi escrito o Novo Testamento no qual está

o centro deste trabalho. Eis alguns termos principais que podem ser encontrados:

(martyria) ‘testemunho’, ‘testificação’, ‘atestificar’;

(martyreō), ‘dar testemunho’, ‘testificar’; (martyrion), ‘testemunho’,

‘evidência’, ‘prova’; (martyromai), ‘testificar’, ‘dar testemunho’,

‘afirmar’; (martys), ‘testemunha’; (diamartyromai),

‘exortar’, ‘adjuntar’, ‘dar testemunho de’, ‘testificar a’;

(katamartyreō), ‘prestar testemunho contra’, ‘testificar contra alguém’;

(symmartyreō), ‘testificar em apoio de’, ‘confirmar’;

(pseudomartyreō), ‘prestar falso testemunho’;

(pseudomartyria), ‘falso testemunho’; (pseudomartys), ‘aquele

que dá falso testemunho’5.

5 COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2503.

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A palavra “testemunha”, segundo Coenen6, utilizada no Novo Testamento, vem do

grego. O substantivo (martyria) significa “fazer declarações como testemunha”, e

(martys) significa a “testemunha” em si, ou seja, a pessoa que realiza a ação de

testemunhar. Este encontra sua forma mais antiga, (martyros), utilizada por Homero

no período estimado entre os séculos IX e VIII a.C.

Esse substantivo é encontrado na Odisseia (cf. 11,325), entendido como a confirmação

de um fato ou evento e que traz uma relação direta com (mermēros) “aquilo que

exige muita mente”7, ou “aquilo que pede muita reflexão e preocupação, difícil, grave; quem

muito reflete, se preocupa”. Strathmann8 indica ainda: (mermairō) e

(mermērizō) com significado de “reflito, hesito, planejo”; (merimnaō) como

“render-se ao pensamento de”; e (merimna) como “solicitude, preocupação”.

Essas palavras remontam a uma raiz indo-europeia comum smer, “ter em mente” ou

“pensar, recordar-se, estar preocupado”, que também se relaciona com o latim de mesmo

significado memor ou memoria. No gótico maúrnan, no anglo-saxão murnan, no antigo

alemão mornēn, “preocupar-se, estar angustiado”9. Também é relacionado, no antigo alemão,

com märe que significa “notícia”10

. Assim, (martys)11

é aquele que se recorda de algo

e, com sua recordação, traz um conhecimento e então pode dar a informação desejada,

ou seja, o testemunho.

O verbo (martyrein) indica “o colocar-se em certa condição ou a prática

habitual de uma atividade, mas assume também um valor transitório”12

; esse verbo significa

então, “ser testemunha, fazer-se de testemunha, testemunhar algo”.

6 Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2503. 7 Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2503.

8 Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1273. 9 Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2503.

10 Cf. COENEN, Lothar. Testimonianza. In COENEN, L. et all. (Cura). DCBNT. Bologna: Edizione Dehoniane,

1976. p. 1857. 11

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1273. 12

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1273.

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O substantivo que dele se deriva, (martyria), ligado a (martys) ou a

(martyreō), traz um significado abstrato: o ato de dar testemunho para depois

ressaltar o seu próprio testemunho13

.

Por outro lado, (martyrion) tem um sentido concreto e indica o testemunho

como realidade objetiva e que não apresenta dúvida. Qualquer (martyria) pode

tornar-se um (martyrion), mas não o contrário14

.

1.1. A TESTEMUNHA NO GREGO EXTRABÍBLICO

Pelo exposto acima se pode perceber o desenvolvimento do termo testemunho na

cultura grega. Pensadores e filósofos vão se utilizar desse termo e fazer reflexões sobre ele, e

isso é um início para o que se entende por testemunho e por testemunha até os dias atuais.

O entendimento sobre o testemunho é, inicialmente, apresentado como uma lembrança

reflexiva e interrogativa: “relembrar”, ou “chamar para a consciência” algo que foi

experimentado e que não pode ser esquecido e que, posteriormente, é trazido à atenção de

outras pessoas para que, por meio de declarações apropriadas, possa lhes transmitir o

conteúdo dessa experiência. Assim, aquilo que foi experienciado, segundo Platão,

ficará sendo evidente mediante o testemunho (cf. O Banquete 179b)15

.

Os autores gregos, a partir do século V a.C., utilizam os verbos derivados

(martyreō): no sentido de dar testemunho de algo bom; daquilo que pode trazer uma

vantagem a alguém pelo testemunho de outra pessoa (cf. Heródoto 8,95); ou mesmo

testemunhar que algo é realmente conforme aquilo que está sendo dito ou realizado

(cf. Heráclito 34; Sófocles, Antígonas 515). E (martyromai), quando se referia a

13

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1273. 14

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1273. 15

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2503.

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22

alguém que era chamado como testemunha (cf. Platão, Filebo, 12b)16

.

O substantivo (martyrion) não traz uma relevância especial na esfera jurídica

ou no direito em geral. Ele indica a prova objetiva ou a demonstração que pode ser

apresentada para confirmar um acerto ou demonstrar um fato; essa afirmação pode ser

atestada por uma terceira pessoa, como um poeta, que apresenta um acontecimento real ou

qualquer coisa que sirva como um documento comprobatório17

. Também é encontrado com o

sentido de “evidência” ou “prova”, relacionado ou ao conteúdo de uma declaração e

contrastando com o ato de prestar depoimento (cf. Heródoto 2,2; 8,55)18

ou a uma evidência

de ação ou de algo recebido – um documento; um título; objetos de túmulos; descobertas

arqueológicas, como uma antiga tumba em Delo que pode ser entendida como o testemunho

de que alguns piratas construíram ali uma colônia no passado; ou citações de autores

e poetas famosos19

, como o testemunho que Platão dá sobre Eros, apresentando-o

como um bom poeta (cf. Platão, Banquete 196e); ou uma coroa de vitória (cf. Platão,

Leis 12,943), dada como prêmio pela coragem de uma pessoa e que depois é depositada no

Templo de uma divindade da guerra20

.

E o substantivo (martys), usado para a própria testemunha, tem um campo

particular de aplicação na jurisprudência, segundo Strathmann21

, que designa alguém que tem

uma experiência pessoal imediata que o qualifica para depor sobre algo, e depõe de fato, sobre

um acontecimento de que participou ou a que assistiu, ou sobre pessoa e situação que conhece

de fato. Ele comparece como testemunha no processo ou é chamado a presenciar um ato

jurídico de qualquer tipo no qual aparece com um testemunho “solene”, que acontece de

forma especial conforme os padrões exigidos pela lei. Ele se aplica também a qualquer

16

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2503. 17

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1279. 18

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2503. 19

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2503. 20

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1280. 21

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1275.

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23

homem que testemunhe diretamente sobre qualquer acontecimento.

Esse termo é de uso comum, desde tempos antigos, para se referir aos deuses. Eles

podem ser invocados como testemunhas de contratos, convenções, declarações solenes,

promessas de qualquer gênero e de juramentos, para validar, com segurança, a informação ou

a real existência de um acordo. Quem apela para o testemunho dos deuses sabe que, unido a

ele, está sujeito a uma punição caso diga algo mentiroso ou quebre o pacto realizado22

.

Na esfera jurídica o testemunho, (martyria), se refere à confirmação de

eventos, relações reais ou fatos que foram experimentados com base no conhecimento pessoal

direto. Em um inquérito judicial, este deve ser dado livremente e sem constrangimento,

imposição ou tortura que possam interferir naquilo que se queira dizer e que deve

corresponder à verdade de fato. Assim, o testemunho seria sempre uma ação, mas que depois

poderia assumir um sentido de evidência quando referido ao conteúdo da ação realizada23

.

Os deuses poderiam ser invocados como testemunhas se as testemunhas humanas ou

as circunstâncias determinadas não pudessem confirmar o que estivesse sendo posto à prova.

O testemunho difere do juramento que acontecia mediante a invocação dos deuses quando

faltavam provas óbvias. Nos escritos de Platão (cf. Antologia Palatina 31c), Sócrates oferece

sua pobreza como evidência de que não ensinava por amor ao lucro24

.

Quando alguém testemunha, faz com que seu testemunho seja sempre em benefício de

uma pessoa, mesmo que possa, com isso, ir contra outra pessoa. Nas concepções primitivas de

testemunha, a pessoa que dá o testemunho combina seus poderes mentais com a pessoa em

prol de quem está testificando, a fim de ajudá-la a alcançar a vitória; desse modo se entende

que ela realiza essa ação muito mais em vista de uma pessoa do que de um inquérito judicial25

.

22

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1284. 23

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2504. 24

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2504. 25

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2504.

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24

Já antes de Aristóteles, apresenta Coenen, um uso aproximado e adicional da palavra

testemunho já havia se estabelecido, expressando não algo que era dado em favor de outra

pessoa, mas as convicções morais e filosóficas que alguém possuía. Esse uso adquire grande

importância no tempo dos estoicos26

.

O filósofo adepto da filosofia cínica ou o estoico considerava-se uma testemunha

chamada para prestar um depoimento em prol da verdade divina, testificando a verdade de

suas ideias e de suas doutrinas mediante sua conduta, mesmo em situações desfavoráveis, por

exemplo, no modo como se suportava os sofrimentos e se aceitava as suas condições; isso era

visto como um treinamento onde não era permitido que o filósofo se deixasse abalar por

essas situações (cf. Epicleto, Dissertationes 1, 29, 46). Esse tipo de testemunho não se

assemelha ao conceito posterior de testemunho cristão (martírio), ainda que, neste,

a morte possa ser incluída27

.

Dos textos nos processos e de sua (martyria), colocação ou testemunho,

Aristóteles se aprofunda na “Retórica” e Anaxímenes de Lampsaco na “Retórica a

Alexandre”, transmitida por meio da obra de Aristóteles. Os textos instrumentais (solenes),

inscrições e papiros oferecem uma grande quantidade de exemplos nos quais as

testemunhas presenciam a compilação de qualquer tipo de contrato escrito e de

outros documentos públicos28

.

O vocábulo (martyria) pode assumir um valor menor quando significa uma

declaração que se faz sobre qualquer coisa em favor de alguém, ou que se faz de si mesmo

como a menção de honra, de um bom testemunho recebido ou a confirmação de algo que lhe

aconteceu ou que experimentou29

.

26

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2504. 27

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2505. 28

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1276. 29

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1285.

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25

Do grupo de palavras que deriva de (martyria) e (martyreō) surge o

entendimento mais amplo no campo jurídico, que se funda não na experiência pessoal de

alguém, mas no que ele professa com suas ideias e com sua verdade e que, ao falar se mostra

convicto do que diz; refere-se, portanto, a objetos que, por sua natureza, não podem ser

verificados empiricamente. Aristóteles, na Retórica (cf. 1,15), apresenta alguns “meios de

demonstração” que acontecem por sua natureza, entre eles o testemunho, que se distingue

dos meios que se relacionam ao passado e dos que se relacionam ao presente. Os

pensadores antigos ainda distinguem o testemunho do passado do testemunho do futuro,

onde se enquadrariam os intérpretes dos oráculos e os provérbios que também teriam

uma função de testemunho30

.

O ato de testemunhar é expresso normalmente pelo verbo (martyrein), e este

pode significar também “convalidar” ou “servir de prova”. Ele é usado na forma do absoluto

enquanto se fala de alguém que testemunha e, no dativo, para indicar o favorecimento dado a

quem se beneficia com o testemunho: pessoa, documento ou algo semelhante. A forma do

acusativo desse verbo se refere ao objeto do testemunho e o genitivo quando o testemunho

atesta algo determinado31

.

Da mesma forma que esse verbo, o substantivo (martyria) é usado para

denominar a ação de dar um testemunho, para depois significar também o próprio testemunho.

Normalmente não é fácil distinguir o seu uso como verbo ou como substantivo, mas pode-se

encontrar alguns exemplos disso no campo do direito como o que é apresentado no texto do

século III a.C. (cf. Papyrus Halensis I nos parágrafos de 222-233)32

.

Os deuses gregos poderiam ser invocados como testemunhas na forma de um

juramento (cf. Píndaro, Píticas 4:167, a respeito de Zeus), mas também podem ser utilizados

30

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1281. 31

Cf. STRATHMANN, Hermann. pp. 1277 e 1285. 32

Cf. STRATHMANN, Hermann. pp. 1277-1278.

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como testemunhas para confirmar ou iluminar algum fato (cf. Platão, Górgias 471c;

Leis 836c; A República, 364c)33

.

Para o uso de (martys), (martyrein) e (martyria) pode-se

encontrar o sentido de testemunho de uma opinião que alguém possui ou de uma verdade da

qual é convicto. Platão ensinava a seus alunos jovens que, depois dos trinta anos, eles teriam a

tarefa de difundir na juventude em geral o entendimento de que uma vida moralmente boa é

também a mais feliz. Os atenienses exaltavam o valor de um cidadão que lutou numa batalha

contra os inimigos de sua cidade. Esses exemplos falam de fatos concretos nos quais se

encontra o testemunho como algo que deve acontecer para confirmar uma opinião de quem a

aprova, exprime e defende34

.

Algo semelhante é encontrado para acompanhar um juízo pronunciado, como no

processo de Sócrates, narrado por Platão em sua Apologia, quando desenvolve o

entendimento de que mais válido do que o testemunho das palavras é aquele realizado por

meio do comportamento prático. De fato, a Apologia é uma exaltação a Sócrates, um

testemunho de que ele na vida e, em especial, na morte atestou com a sua conduta a verdade

de seu ensinamento. Strathmann afirma que Sócrates é um exemplo de testemunho fiel que

não mede as consequências disso e por isso deve ser exaltado como um herói moral35

.

Epiteto, ainda no uso desses três termos, não se refere a eles como um testemunho

verbal, mas como aquela prática que acontece nas horas mais difíceis, quando os

acontecimentos externos não são ditos, mas expressos através do modo de agir, em

decorrência do próprio testemunho da verdade de um ensinamento36

.

Ainda em Epiteto, o termo (martys) é usado para se referir ao conjunto dos

33

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2503. 34

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1286. 35

Cf. STRATHMANN, Hermann. pp. 1286-1287. 36

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1290.

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27

filósofos; à saúde de alguém que será uma prova, um testemunho de que é justo o ideal de

uma vida simples conforme a natureza; e para indicar a profissão verdadeira e própria de uma

verdade, profissão pela qual se pode morrer, mesmo que isso não seja algo necessário.

Este último entendimento será introduzido no pensamento cristão37

no que se refere à

profissão da fé na Igreja e no mundo.

O composto (symmartyreō), segundo Coenen, é encontrado em Sófocles

e em Tucídides com o sentido de ser testemunha com alguém, ou testificar em apoio; porém, a

partir de Platão (cf. Leis 3,680d) e Xenofonte (cf. Helênicas 7,135) significa a confirmação de

que dois itens se referem um ao outro ou de algo que é adicionado a um item anterior. Já

(katamartyreō) era utilizado desde o século IV a.C. por Lísias e Sócrates para

evidenciar algo contra alguém. E (diamartyromai) fala dessa convocação que

uma pessoa recebia para ser testemunha; mas também em Xenofonte (cf. Helênicas 3,2,13) é

encontrado no sentido de certificar ou atestar e em Diodoro Sículo (cf. 18,62,2) é entendido

como uma insistência forte ou intimar alguém38

.

Há também o (pseudomartys) que é aquele cuja declaração não está de

acordo com a verdade porque foi por ele distorcida ou encoberta, e a

(pseudomartyria) que fala do testemunho em si, quando este é incorreto ou falsificado; neste

sentido, temos a menção de Platão (Górgias 472b), que cita os sofistas como exemplo e, de

modo semelhante, tem-se o verbo (pseudomartyreō) que indica a ação de dar

um falso testemunho. Percebe-se que, por razões funcionais, a declaração dada no testemunho

dissociou-se da lembrança e da defesa da veracidade39

.

O âmbito original desse grupo de palavras, para Coenen, é claramente a esfera

jurídica. As testemunhas podem comparecer a um inquérito judicial para dar testemunho de

37

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1291. 38

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2504. 39

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2504.

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eventos que aconteceram no passado; ou por meio do testemunho certificado pela citação dos

nomes ou assinaturas no final do texto, para dar uma maior segurança a ações que devem

ocorrer no futuro, como transações legais ou confirmação ao concluir contratos40

.

1.2. A TESTEMUNHA NO ANTIGO TESTAMENTO

No Antigo Testamento, conforme aponta Coenen, o grupo de palavras relacionadas ao

“testemunho” é encontrado no texto grego da Septuaginta (LXX), em especial, com o

substantivo (martyrion) que aparece mais de 290 vezes, sendo que, na sua maioria,

em Êxodo, Números e 45 vezes em Levítico. Esse substantivo é utilizado para se colocar em

evidência ou relembrar um evento específico ou um grande feito, estando de acordo, nesse

sentido, com seu uso posterior no grego41

.

O testemunho é de grande importância para o sistema jurídico do Antigo Testamento.

Mas, segundo Paolini, a sua importância não se limita a esse âmbito, pois, o testemunho vem

unido àquela relação que sustenta toda a revelação no Antigo Testamento, isto é, a relação de

aliança entre o Senhor e Israel42

.

O testemunho, segundo Adriano, adquire seu dinamismo da realidade da Aliança, pois

ele é reconhecido como uma mediação pedagógica da fé. Deus fala, ensina e realiza a

salvação por meio de testemunhos de homens. O Senhor é testemunha pessoal do que realiza

em favor dos homens, enquanto os homens testemunham esse evento Salvífico gerando, por

meio do diálogo, uma relação pessoal com Deus43

.

Por definição, testemunha é aquele que está no encargo de recontar algo acontecido

40

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2504. 41

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2505. 42

Cf. PAOLINI, Piergiorgio. Il profeta come Testimone nell’Antico Testamento. In CIARDELLA, Piero et

GRONCHI, Maurizio (Editori) Testemonianza e Verità: un Approccio Interdisciplinare. Roma: Città Nuova,

2000. p. 83. 43

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. RCT, São Paulo, Ano II, n. 08,

pp. 19-40, jul./set. 1994. p. 24.

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29

por ser um espectador e, por isso, tem conhecimento de um fato e pode atestá-lo publicamente

como verdade, dizendo como isso realmente se passou. Assim, dois elementos são

fundamentais para que se possa falar de testemunha (como pessoa) ou de testemunho

(como ação de testemunhar): o conhecimento de algo que aconteceu e o relato de tudo o que é

de seu conhecimento44

.

Dois verbos definem o testemunho: “ver” e “conhecer”. O primeiro implica uma

experiência direta, enquanto o segundo significa que o testemunho pode ser realizado porque

conhece o fato ao qual está se referindo. A esses dois verbos, que qualificam a experiência do

testemunho, se une aquele que define o ato da comunicação, isto é, “dizer”45

.

Para Brueggemann, a testemunha escolhe sua versão para reconstruir algo acontecido

e, por meio de uma apresentação pública, ela expõe o que é a realidade vivenciada. A partir

do momento em que se aceita esse testemunho por aqueles que o escutam, ele é tido como

verdadeiro. Ainda para esse autor, o testemunho fundamental de Israel é aquele que ele dá do

próprio Senhor e de seus feitos por ele; isso sustenta a fé do povo e, para as gerações futuras,

esse testemunho da ação criadora e libertadora do Senhor, suas promessas e seus comandos

serão considerados como revelação46

.

O termo grego vem da Septuaginta e se relaciona ao termo hebraico do Antigo

Testamento. A palavra d[e ( ēd) é traduzida por testemunho e, segundo Schultz, aparece

67 vezes no Antigo Testamento. Ela deriva da raiz dW[ (‘ûd)47

, que pode ser entendida como

“voltar”, “repetir” ou “tornar a fazer”. O desenvolvimento semântico da palavra testemunha

indica alguém que, por reiteração, apresenta sua argumentação acerca de um acontecimento

44

Cf. PAOLINI, Piergiorgio. Il profeta come Testimone nell’Antico Testamento. In CIARDELLA, Piero et

GRONCHI, Maurizio (Editori) Testemonianza e Verità: un Approccio Interdisciplinare. Roma: Città Nuova,

2000. p. 83. 45

Cf. PAOLINI, Piergiorgio. Il profeta come Testimone nell’Antico Testamento. p. 84. 46

Cf. BRUEGGEMENN, Walter. Teologia dell’Antico Testamento: Testimonianza, Dibattimento,

Perorazione. Brescia: Editrice Queriniana, 2002 (Biblioteca Biblica 27). pp. 165-168 e 276-281. 47

Neste caso, a raiz no hebraico será igual ao verbo declinado, por isso, no texto que se segue, este termo

aparecerá com um entendimento diferente do que aqui é apresentado, ou seja, a raiz indica um “repetir” e o

verbo já no sentido da ação de “dar testemunho” ou “advertir”.

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que presenciou ou ouviu dizer. A Lei exigia pelo menos duas testemunhas para que se

provasse a culpa de uma pessoa e, se esta fosse condenada ao apedrejamento, a testemunha

atirava a primeira pedra (cf. Dt 17,7)48

.

O verbo dW[ (‘ûd) significa “dar testemunho”, “admoestar” ou “advertir”. Essa palavra

não é usada com muita frequência, mas é encontrada na esfera dos negócios ou como

referência de uma transação comercial. É empregada, num maior número de vezes, como uma

advertência energética, condição em que o sujeito desse verbo pode ser o próprio Senhor

transmitindo sua advertência a Israel49

.

O termo hD'[e (‘ēdâ) pode apresentar uma dupla significação: como “testemunho” ou

“testemunha” empregado para demonstrar a constância de algo, fatos inequívocos, um acordo

ou uma aliança; ou como “testemunhos”, sendo um substantivo no plural que se refere às leis

outorgadas com a autorização divina, especialmente no Sl 11950

.

Ainda semelhantemente ao anterior, temos o termo tWd[ ( ēdût), que pode ser

traduzido por “testemunho”, “lembrete” ou “sinal de advertência”, com o sentido não só de

um testemunho que confirma algo, mas também de um testemunho de advertência51

.

O termo hebraico aparece relacionado com as duas tábuas dos mandamentos,

recebidas por Moisés no Monte Sinai, como tdU_[eh' txoålu ynEßv. (shnei lurrot raēdût) “duas

tábuas do testemunho” (cf. Ex 31,18; 32,15). No grego se traduz com a expressão

(dyo plakas tou martyriou).

Emprega-se também para se referir, mais de 100 vezes52

, à tenda em que

Moisés utilizava para falar com Deus; esta era chamada de d[e_Am lh,aoå (orrel m ēd) “Tenda

48

Cf. SCHULTZ, Carl. dW[. In HARRIS, Laird (Org.) et all. DITAT. São Paulo: Edições Vida Nova,

1998. p. 1083. 49

Cf. SCHULTZ, Carl. dW[. p. 1084. 50

Cf. SCHULTZ, Carl. dW[. p. 1084. 51

Cf. SCHULTZ, Carl. dW[. p. 1084. 52

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1293.

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31

do Testemunho” (cf. Ex 29,4; Lv 4,4; Nm 4,25; 1Cr 23,32; 2Cr 5,5) com a expressão no

grego, (skēnēs tou martyriou), que frequentemente é traduzida para o

português como Tenda “do Encontro”53

ou “da Aliança”. A expressão hebraica utilizada serve

para significar o lugar do acordo, isto é, o local onde o Senhor se encontra com Moisés para

lhe dar as diretrizes que deveriam ser transmitidas a Israel (cf. Ex 25,22). Nesse entendimento

surgem ocasiões em que (martyrion) pode trazer uma tradução diferente, associada

ao momento em que se fixa um acordo, como acontece a Davi e Jônatas (cf. 1Sm 20,35)54

.

E ainda este é utilizado para se referir à Arca da Aliança que é conhecida como

tWd+[eh' !Aråa] (aron raēdût) “Arca do Testemunho” (cf. Ex 40,3; Lv 16,2; Nm 4,5) com seu

correspondente grego na expressão (kibōton tou martyriou)55

.

O termo hebraico d[e_Am (m ēd) é traduzido cerca de 130 vezes por “testemunho”,

numa combinação com “tenda”, que significa um tempo ou um lugar predeterminado, onde o

Senhor quis encontrar-se com Seu Povo da Aliança. O substantivo hebraico tWd[ ( ēdût), que

também é traduzido 35 vezes por “testemunho” na frase “Arca do Testemunho”, indica uma

ordem outorgada e aceita solenemente, como a observância da Lei e o reconhecimento de suas

obrigações. Como o substantivo assimilou dois significados, ele passa a ser entendido não

somente como ato do encontro, mas também como o lugar onde ele acontece e então à

observância da lei, em que as tábuas representariam a totalidade dos Mandamentos da

Aliança. Esse sentido indicaria a intenção original de se referir ao termo com o

“falar de Deus” ao se revelar à humanidade. Porém, pode assumir outros significados

como “algo que foi combinado” entre duas pessoas e que deve ser realizado conforme o que

foi dito (cf. 1Sm 13,8.11; 20,35) ou ainda diferentes traduções que geram uma

53

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1293. 54

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1293. 55

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2505.

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32

interpretação que difere da palavra hebraica em seu sentido original (cf. Pr 29,14;

Am 1,11; Sf 3,8; Jó 15, 34) 56

.

Há ocorrências em que o termo estudado adquire, ainda no hebraico, o significado de

“monumento” ou de “memorial” material57

, onde as pedras erguidas são um testemunho da

aliança de Labão e Jacó no local onde foi dado o nome de d[e(l.G: (gala’ ēd) e, em seguida,

ainda o texto evoca que a estela erguida é testemunha e o próprio Deus é testemunha desse

fato (cf. Gn 31,44). Galaad é um nome formado com a palavra d[e ( ēd) “testemunho” e que é

traduzido por “Monte do Testemunho”. Do mesmo modo, o altar erguido por Josué serve de

testemunho para as futuras gerações sobre o culto ao Senhor realizado pelos filhos de Israel

(cf. Js 22,27-28) e a pedra colocada sob o carvalho do santuário é testemunha para impedir

que o povo renegue a Deus (cf. Js 24,27).

Cabe ressaltar aqui que, segundo Paolini, a Aliança, por sua natureza, é um ato

jurídico que pressupõe diversos elementos: os dois contraentes; a relação firmada entre eles e

a sua história; o compromisso que assumiram; e as testemunhas. A função das testemunhas

nesse contexto é certificar o que foi realizado para que uma das partes não venha a desfazer o

compromisso que foi firmado por ambos58

.

O termo “testemunho”, em virtude do seu contexto, pode se aproximar do significado

original pretendido por tWd[ ( ēdût) e que ocorre, em especial, no Sl 119 por 18 vezes, onde

este tem o caráter de “documento” não somente no sentido da Torá como lei dada e fixada,

mas como um conselho que direciona o modo de vida do salmista que ama os testemunhos do

Senhor (v.119), fica maravilhado por causa deles (v.129) e os observará (vv. 88, 146, 167 e

168). Aqui o termo “testemunho” é apresentado como a corporificação e expressão da Aliança

56

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2505. 57

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2505. 58

Cf. PAOLINI, Piergiorgio. Il profeta come Testimone nell’Antico Testamento. In CIARDELLA, Piero et

GRONCHI, Maurizio (Editori) Testemonianza e Verità: un Approccio Interdisciplinare. Roma: Città Nuova,

2000. pp. 86-87.

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33

e, ao mesmo tempo, um meio de conhecer o Senhor.

Algumas vezes se encontra esse termo com o entendimento de uma referência

temporal, apresentando, por exemplo, que o lábio sincero está firme “para sempre”

(cf. Pr 12,19); por outro lado, algumas vezes se descreve o ato de “dar testemunho” como algo

que pode ser falso (cf. Pr 25,18) 59

.

As palavras citadas no hebraico podem ser traduzidas no grego por três termos do

mesmo grupo: (martys), (martyrein) e (martyria). Seu significado é

comum em toda a Septuaginta em suas várias aplicações, salvo algumas poucas exceções60

.

O substantivo (martys), “testemunha”, ocorre por cerca de 60 vezes como uma

tradução do termo hebraico d[e ( ēd), com uma exceção de Gn 31,47, onde (martys)

corresponde a at'_Wdh]f (śāhădûtā’) que deriva do arameu. O monte de pedra erguido por

ocasião do pacto de Jacó e Labão é chamado por Labão de at'_Wdh]f' rg:ßy (jegar śāhădûtā’)

61 e

por Jacó de d[e(l.G: (gala’ēd)62

. Segundo Coenen, é usado no sentido clássico para aquele que

dá testemunho na base da observação, ou que, no sentido jurídico, é convocado para

confirmar uma situação ou um contrato63

. Ainda na esfera jurídica, esse termo indica, antes de

tudo, o testemunho dado em um processo (cf. Nm 5,13)64

.

No Antigo Testamento não se reconhece o testemunho dado apenas por uma

convicção subjetiva de uma pessoa e que não pode ser verificado. Pelo contrário, o ato de

59

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2506. 60

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1292. 61

O termo utilizado por Labão deriva de uma raiz semelhante a que será utilizada no árabe para testemunho

(shahâda) e que será a mesma palavra que designará o reconhecimento que se fará de alguém ser mulçumano.

Esta palavra é usada para designar o martírio. Em árabe, o testemunho (shâhid) e mártir (shahîd) são palavras

diferentes, mas da mesma raiz. Cf. VELASCO, José F. Testimonio (Islam). Durán. In PIKASA, Xabier et AYA,

Abdelmumin. DTR. España: Editora Verbo Divino, 2009. pp. 1126-1127. 62

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1293. 63

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2506. 64

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1296.

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testemunhar exige da testemunha um conhecimento pessoal do acontecimento65

.

Nesse sentido, encontra-se o relato de Booz que coloca os anciãos como testemunhas

de sua ação para com Noemi e Rute (cf. Rt 4,9) e, especialmente, quando relacionado aos

procedimentos mediante os quais uma decisão só pode ser proferida na base da evidência de

mais de uma testemunha (cf. Dt 17,6; 19,15; Nm 35,30). No acordo entre Labão e Jacó, como

citado anteriormente (cf. Gn 31,44) e, em outros textos do Antigo Testamento, vemos o

Senhor sendo mencionado e invocado como testemunha. (cf. Jr 42,5; Sl 89,38). De modo

semelhante, no oráculo profético de Jeremias, o Senhor aparece como uma testemunha

contra Israel (cf. Jr 29,23)66

.

De modo geral, esse entendimento permanece no âmbito das declarações que reforçam

o comportamento humano e apontam: para a fidedignidade (cf. Pr 12,19; 14,5.25; Is 8,2), em

que o testemunho verdadeiro é objeto de estima; ou para a falsidade (cf. Sl 27,12; 35,11;

Pr 12,17) da testemunha. A testemunha mentirosa é abominável e fica sujeita à ameaça severa

do castigo, a sua ação é considerada grave e deve ser acompanhada de punição ou até mesmo

de ameaça do julgamento divino (cf. Ex 23,1; Dt 19,16-19). O injusto, o enganador, o falso e

também o testemunho precipitado são merecedores de particular aversão (cf. Sl 26,12; 34,11;

Pr 6,19; 19,5-9)67

. Segundo Wells, o texto de Ex 23,1-3 corresponde a um pequeno código

judicial sobre as testemunhas68

.

Entrando no âmbito religioso desse termo, percebe-se que ele não apresenta grandes

divergências sobre o que apresenta o seu uso corrente no grego extrabíblico, como afirma

Strathmann, mas algumas passagens do Deutero-Isaías podem ajudar a perceber algumas

particularidades, como a perícope encontrada em Is 43,9-13 e 44,7-11.

65

Cf. PERETTO, Elio. Testemunho - Testemunha. In BERARDINO, Angelo Di (Organizador). DPAC.

Tradução de Cristina Andrade. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 1356. 66

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2506. 67

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2506. 68

Cf. PATRICK, Dale. Resenha de WELLS, Bruce. The Law of Testimony in the Pentateuchal Codes. In Bib,

Roma, Pontificio Istituto Biblico, Vol. 88, pp. 256-259, 2007, p. 258.

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No texto de Is 43,9-13 e 44,7-11, o Senhor constitui diante do povo um processo pelo

qual se deve decidir qual é o verdadeiro Deus, se o Senhor ou os deuses dos gentios. Nesse

juízo, os gentios aparecem como jurados e, ao mesmo tempo, como juízes que devem dar a

sentença. São, de qualquer modo, parte da causa: advogados e testemunhas de seus deuses.

Portanto, testemunhas interessadas, chamadas a depor para autenticar a sua divindade com

base na experiência que fizeram (cf. Is 43,9; 44,9). São, portanto, os adversários do Senhor,

destinados a serem vencedores (cf. Is 44,11). Essas testemunhas ou divindades não fazem

nada para apresentar provas de seu testemunho; elas não veem, não ouvem e nada sabem.

Os fabricantes de ídolos são uma nulidade, pois aqueles que escolheram não podem ajudá-los.

Nesse processo, portanto, ficam confusos (cf. Is 44,9-11).

“Vós sereis minhas testemunhas” se diz, por três vezes, a respeito de Israel

(cf. Is 43,10.12; 44,8). Sereis minhas testemunhas, Palavra do Senhor, e o meu servo que

escolhi, a fim de que saibam e acreditem em mim e compreendam que sou eu, antes de mim

não foi feita nenhuma divindade e depois de mim não existirá outra; Eu, eu sou o Senhor, e

fora de mim não existe Salvador. Eu estou com vocês como tenho predito, aquele que tem

operado a salvação e que a tem anunciado e que não era um deus estranho entre vós. Vós

sereis, portanto, minhas testemunhas, Palavra do Senhor. Eu sou Deus. Desde a eternidade

sou sempre o mesmo e não há ninguém que possa retirar nada do meu poder (cf. Is 43,10-13).

Quem é igual a mim? Que se apresente e anuncie; afirme-me e o demonstre! Anuncio o futuro

e eis que acontecerá! Não temas e não percas o ânimo. Não o tenho eu revelado e anunciado

há tanto tempo? Sim, vós sois as minhas testemunhas! Há porventura deus fora de mim?

Não, não há rocha alguma, nenhuma que eu conheço (cf. Is 44,7-9).

No processo do Senhor com os gentios e os seus deuses, Israel foi eleito pelo Senhor e

O escutou para ser guiado e, aquele que recebeu a salvação e a revelação, testemunhará sobre

esta base diante de todas as nações do mundo: a unidade, a realidade e a divindade de seu

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Deus. Por isso os israelitas são chamados as suas testemunhas.

Para o profeta, a divindade de Deus é um fato; é um fato na história de Israel e em sua

particular intenção salvífica. Mas não se trata de um fato que se observa como outro fato

qualquer que um sujeito possa observar e que lhe seja controlável. É um fato que é certo

somente pela fé, que a fé apenas contempla de longe e, por isso, pode testemunhar quando

não estiver cega ou surda.

O conteúdo do testemunho é constituído de uma verdade religiosa da qual a

testemunha é convicta por meio de sua própria experiência, ou seja, uma experiência religiosa

e, por isso, uma certeza religiosa que ele sustenta com vigor e quer que seja reconhecida por

uma veracidade que não é racional ou que conhece verificação empírica.

Esta experiência religiosa repousa sobre a experiência profética da revelação, que é

qualquer coisa de imediato e não acessível a um controle por sua própria natureza. Para o

profeta é certeza, e é certeza para Israel enquanto segue a guia espiritual do profetismo.

O testemunho em favor dessa realidade de Deus, acreditada e experienciada pela via da fé,

tem o caráter de uma profissão de fé religiosa que se demonstra com a convicção pessoal de

cada crente e que, assim, pode ser reconhecida também pelos outros.

Quando se confrontam as afirmações do Deutero-Isaías com as de Epiteto, não se deve

impor um grande destaque ao fato de que, em Epiteto, o testemunho é constituído por um

comportamento ético, enquanto no Deutero-Isaías ele é verbal. O que conta, na realidade, é o

conteúdo do mesmo testemunho, pois o conceito de testemunho no Deutero-Isaías é superior

àquele de Epiteto, enquanto conceito profético-histórico de Deus, no Antigo Testamento.

O testemunho de Epiteto se envolve na cápsula de sua indiferença. O testemunho do

Deutero-Isaías, por meio de seu modo de agir e do sacrifício coletivo de sua existência, depõe

com santo entusiasmo pelo Deus vivo! Lá se trata de uma filosofia, pura religião natural, e

aqui se trata da Revelação.

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37

A constatação observada no Deutero-Isaías é a possibilidade de gerar uma grande ação

missionária junto aos gentios (cf. Is 42,4; 49,6; 62,10). O testemunho não é simplesmente um

conceito ou uma expressão figurada utilizada ocasionalmente e sem qualquer

desenvolvimento. Nele há uma ligação com o “Servo do Senhor”, Israel e a paixão do

servidor. Este é considerado um tipo do Messias sofredor, Jesus Cristo.

O desenvolvimento de uma exegese pode fazer uma leitura significativa da metáfora

do testemunho unido àquilo que se apresenta do Servo do Senhor, aprofundando o tema de

uma teologia profética do (martys), a “testemunha” aqui apresentada, unindo-a ao

conceito protocristão de testemunha na Igreja nascente69

.

O vocabulário do testemunho, tanto no grego como no hebraico, é utilizado para

definir a ação profética no Deuteronômio e nos textos que são por ele influenciados. Mesmo a

ausência do termo “testemunho” não impediu a relação da ação profética com o testemunho a

partir de alguns textos que apresentam os profetas em sua ação como testemunhas

(cf. Jr 23,18.22; Am 3,7-8; 1Rs 22,1-28)70

.

Moisés é o grande profeta do Antigo Testamento e constantemente dá testemunho do

Senhor a seu povo, por meio de um memorial dos benefícios do Senhor que se dá pela

recordação dos eventos do passado. Estes são um histórico da relação fundamental que existe

entre o Senhor e Israel, a relação da Aliança. Nessa Aliança, Moisés desenvolve o papel de

mediador e, como tal, ele convoca o céu e a terra como testemunhas da conclusão da Aliança.

Porém ele não se limita somente à convocação do testemunho, mas ele mesmo se torna

testemunha para confirmar isso a Israel por duas palavras: a palavra da Lei (hr'AT (tōrā)) em

Dt 31,26; e a palavra de seu Cântico (hr'yv i (shîrā)) em Dt 31,1971

. Paolini afirma que essas

69

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1297-1302. 70

Cf. PAOLINI, Piergiorgio. Il profeta come Testimone nell’Antico Testamento. In CIARDELLA, Piero et

GRONCHI, Maurizio (Editori). Testemonianza e Verità: un Approccio Interdisciplinare. Roma: Città Nuova,

2000. p. 88. 71

Cf. PAOLINI, Piergiorgio. Il profeta come Testimone nell’Antico Testamento. pp. 88-89.

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duas palavras ensinadas por Moisés permanecerão como testemunhas da relação estabelecida

entre o Senhor e Israel na Aliança e da sua exigência. Mediante essas duas palavras, ele

testemunha contra Israel no decurso dos tempos72

.

A profecia iniciada em Moisés continuará de modo semelhante depois dele por meio

dos profetas que surgem em Israel e que se tornam mediadores da Palavra do Senhor.

Assim, Israel será acompanhado pelos profetas que o Senhor enviará com a mesma

função de testemunha73

.

Alguns trechos do Antigo Testamento podem indicar os profetas como testemunhas.

Em 2Rs 17,13-14 se apresenta um texto significativo, onde o Senhor testemunha contra Israel

por meio dos seus profetas e videntes, chamando-os à conversão, mas eles não os escutaram

desprezando seus mandamentos74

. Cabe ressaltar que o texto original grego apresenta o termo

(diemartyrato) e este se perde nas traduções para as demais línguas em termos

como “contado”, “advertido” ou “avisado” por meio dos profetas.

Em Jr 11,1-8 o profeta Jeremias é enviado a proclamar as exigências da aliança

diante de Judá e de Jerusalém. Ele é testemunha de que o Senhor advertiu o Seu povo

desde a saída do Egito, mas este não O escutou (cf. Jr 11,7). Nele continua a palavra

profética em Israel. Essa ação profética de testemunhar é apontada por Neemias

quando ele relembra que o Senhor foi paciente com o povo e testemunhava a ele

por meio de seu Espírito e por meio dos profetas (cf. Nm 9,30)75

.

Samuel proclama ao povo os direitos de um rei, enquanto o povo lhe pede um rei para

Israel. Essa ação é qualificada como um “testemunhar” contra o povo, o qual tira a

centralidade do reinado do Senhor sobre ele, para colocá-la em um rei humano como os

72

Cf. PAOLINI, Piergiorgio. Il profeta come Testimone nell’Antico Testamento. In CIARDELLA, Piero et

GRONCHI, Maurizio (Editori). Testemonianza e Verità: un Approccio Interdisciplinare. Roma: Città Nuova,

2000.p. 91. 73

Cf. PAOLINI, Piergiorgio. Il profeta come Testimone nell’Antico Testamento. p. 92. 74

Cf. PAOLINI, Piergiorgio. Il profeta come Testimone nell’Antico Testamento. p. 92. 75

Cf. PAOLINI, Piergiorgio. Il profeta come Testimone nell’Antico Testamento. p. 93.

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outros povos (cf. 1Sm 8,9)76

. Desse modo, aparece ao longo da história de Israel uma palavra

de testemunho que o Senhor envia por meio de seus profetas77

.

Os profetas são testemunhas porque veem e ouvem a voz do Senhor e a proclamam

por meio de suas próprias palavras e, do mesmo modo que a palavra de uma testemunha

determina o andamento de um processo, a palavra do profeta é destinada ao cumprimento de

alguma coisa. O testemunho determina toda a existência do profeta, pois o seu viver e o seu

morrer são um testemunho. Ser testemunha é um risco para a sua própria vida. Sua capacidade

de testemunhar é realizada por meio das palavras que proferiu, mas também por meio das

palavras que escreveu e que permanecem como uma recordação constante ao Povo de Deus78

a permanecer na fidelidade à Aliança e à Lei mesmo depois de sua morte.

Por sua vez, d[e ( ēd) é traduzido 09 vezes por (martyrion); 06 vezes por

(martyrein) e algumas vezes por uma interpretação inexata que pode apresentar

conceitos particulares. Além disso, (martyrein) aparece 15 vezes com outros

correspondentes hebraicos e suas declinações, sendo usado no sentido judiciário para o ato de

prestar testemunho (cf. Nm 35,30; Dt 19,15-18)79

.

Quanto a (martyrion) podem-se constatar traços de um uso popular que

assume uma conotação religiosa. Esse valor religioso vai caracterizar fortemente todo o

quadro semântico do vocábulo no seu conjunto80

.

Esse termo é utilizado no sentido de testemunho que existe objetivamente,

de demonstração, de convalidação de uma realidade ou da validade de uma afirmação.

Um exemplo disso é o ato de tirar a sandália daquele que tinha o direito de resgate sobre uma

76

Cf. PAOLINI, Piergiorgio. Il profeta come Testimone nell’Antico Testamento. In CIARDELLA, Piero et

GRONCHI, Maurizio (Editori). Testemonianza e Verità: un Approccio Interdisciplinare. Roma: Città Nuova,

2000. p. 93. 77

Cf. PAOLINI, Piergiorgio. Il profeta come Testimone nell’Antico Testamento. p. 94. 78

Cf. PAOLINI, Piergiorgio. Il profeta come Testimone nell’Antico Testamento. pp. 98-99. 79

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1293. 80

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1302.

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pessoa e dá-la a outro, isso acontece com Booz fazendo com que tenha o direito de guarda

sobre Rute e possa tomá-la por esposa (cf. Rt 4,7-8). Também os sete cordeiros que Abimelec

recebe de Abraão (cf. Gn 21,30) como testemunho de que o poço de Bersabeia foi escavado

por Abraão, isto que deveria ser reconhecido por Abimelec81

.

Pode-se notar nesses exemplos a figura de objetos e animais que são utilizados como

testemunhas de um fato. Segundo Patrick, ao comentar a obra de Wells, na Palavra de Deus

não somente as pessoas são testemunhas, mas também se pode falar de animais, de árvores,

de rochas, de altares, de documentos e do céu e da terra como testemunhas de acordos ou

eventos. Essas testemunhas não humanas são como observadores daquilo que está

acontecendo ou que está sendo dito82

.

Com esse mesmo sentido se entende o altar erguido próximo ao Jordão

(cf. Js 22,27.34) como um (martyrion), testemunho de que as tribos de Rubem, Gad

e da metade oriental da tribo de Manassés adoram o Deus de Israel e de que o Senhor é Deus.

Em Is 55,4 se diz, a respeito de Davi, que ele foi colocado como testemunha entre os povos

para que tudo o que lhe foi concedido constituísse uma demonstração da bondade e do poder

do Senhor83

. Em Eclo 36,14, o autor clama ao Senhor que Ele mesmo dê testemunho de Sua

ação em meio aos homens e realize as profecias feitas.

Mas das provas da realidade de um fato pode nascer um ato de acusação. A pedra que

está em Siquém serve como testemunha da realidade da Aliança com o Senhor e, também

nesse caso, como uma ameaça se Israel romper o acordo (cf. Js 24,27). A Lei depositada na

Arca da Aliança servirá como testemunho a ser carregado no meio do povo e, da mesma

maneira, o canto de louvor de Moisés será uma testemunha do que o Senhor realizou

por Israel (cf. Dt 31,19.26)84

.

81

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1302. 82

Cf. PATRICK, Dale. Resenha de WELLS, Bruce. The Law of Testimony in the Pentateuchal Codes. Bib,

Roma, Pontificio Istituto Biblico, Vol. 88, pp. 256-259, 2007. p. 257. 83

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1302. 84

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1303.

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O Senhor, de sua parte, exercerá o testemunho não enquanto repreende seu povo, mas

enquanto infringe seu castigo (cf. Mq 1,2; Sf 3,8). Cumprindo tais punições, Ele confirma a

culpabilidade dos que são punidos. Do mesmo modo se deve entender, em Os 2,14, que Deus

colocará as plantações devastadas como testemunhas, isto é, como prova da realidade de seus

pecados junto aos castigos que Deus lhes impôs. E, em Sodoma, a região desolada e queimada

é uma expressão do testemunho de sua perversão (cf. Sb 10,7)85

.

De documento contra os homens se passa a um testemunho de comprovação do

próprio Deus. Essa é a ideia que determina as expressões “Tenda do Testemunho” e “Arca do

Testemunho”. Para um grego, o vocábulo (martyrion) evoca imediatamente a ideia

de qualquer coisa de objetivo e de concreto. Assim, para ele, essas expressões poderiam soar

como inadequadas, pois a tenda ou a arca não são razões para que sejam qualificadas como

um testemunho – nesse caso, como um testemunho concreto que constitui a prova de algo.

Refletindo nessa realidade pode-se entender que o texto não fala de “Tenda dos

Testemunhos”, mas de “Tenda do Testemunho” no singular, o que leva a refletir que aqui tem

lugar o testemunho de Deus, recebido por meio das instruções de Moisés para que as

comunique a Israel (cf. Ex 25,22). O termo utilizado no grego assume sempre o sentido de

revelação, de manifestação do comando divino86

.

O significado do vocábulo (martyrion), na Septuaginta, ultrapassa o uso

comum e é determinado que o próprio Senhor figurasse como objeto do testemunho,

que é implícito no referido termo. Essa palavra está afirmada naquele testemunho

que Deus rende de si mesmo ao dar a lei mosaica que é fundamental para o desenvolvimento

da legislação no Antigo Testamento87

.

O termo (martyria) se apresenta cerca de 10 vezes com seu correspondente

85

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1303. 86

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1304. 87

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1305.

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hebraico como testemunha (cf. Pr 25,18); como testemunha de um acordo (cf. Jr 39(32),10;

Rt 4,9-10) ou como testemunha ocular de um fato (cf. Is 8,2). No processo que o Senhor

estabelece, os israelitas comparecem como testemunhas contra si mesmos (cf. Js 24,22).

O cântico de Moisés é testemunha contra Israel (cf. Dt 31,19-21). E os filhos ilegítimos são

testemunhas da desonestidade de seus pais (cf. Sb 4,6)88

.

Esse termo é normalmente utilizado para o Senhor no caso do Salmo 18,8, onde o

texto apresenta que o “testemunho do Senhor é fiel”. Ele, de fato, é invocado como

testemunha instrumental do acordo entre Jacó e Labão (cf. Gn 31,44), no pacto entre Davi e

Jônatas (cf. 1Sm 20,23) e quando os hebreus, que querem partir para o Egito, fazem um

acordo com Jeremias (cf. Jr 49(42),5). O Senhor participa, como testemunha, no julgamento

na profecia de Malaquias (cf. Ml 3,5). O Senhor e o rei são testemunhas da inocência de

Samuel (cf. 1Sm 12,5s). Para atestar sua inocência, Jó proclama que sua testemunha está nos

céus (cf. Jó 16,19). Também o Senhor se apresenta como testemunha daqueles que são

inocentes por não combaterem no dia de sábado e, por isso, vão morrer (cf. 1Mc 2,37).

O Senhor é testemunha daquilo que se passa nos pensamentos do homem (cf. Sb 1,5).

É o Senhor a testemunha verdadeira nos céus (cf. Sl 88,38)89

.

Em Eclo 31,23, (martyria) tem um sentido genérico e significa simplesmente

a prova de alguma coisa ou a confirmação de um acontecimento. De forma semelhante,

em 4Mc 6,32, apresenta-se o suplício de Eleazar no qual este dá prova de sua superioridade

sobre seus inimigos90

.

Das formas verbais, o verbo na sua forma simples (martyreō)91

aparece

13 vezes, em três entendimentos fundamentais: o testemunho jurídico para se chegar a uma

88

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. pp. 1293 e 1296. 89

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1296. 90

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1297. 91

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2506.

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sentença (cf. Nm 35,30; Dt 19,15-18; 1Mc 2,56; Lm 2,13; Dn 13,41 [ou Suzana 1,41 na

Septuaginta]); um monumento erigido, ou o céu e a terra, para atestar uma ação realizada

(cf. Gn 31,46-48; 1Mc 2,37); e o Cântico de Moisés, como documento da Aliança, e as ações

do povo como um testemunho de acusação para aqueles que se desviam dos preceitos

do Senhor (cf. Dt 31,21; 2Cr 28,12).

Para os verbos compostos, encontra-se (katamartyreō) que ocorre por

08 vezes92

como uma evidência conscientemente falsa que leva à condenação um acusado

(cf. 1Rs 21[20],10-13; Dn 6, 24[25]; 13, 21;43;49 [ou Suzana 1,21;43;49 na Septuaginta];

Pr 25,18) e em Jó, Elifaz argumenta que são as palavras do próprio Jó que testemunham

contra ele (cf. Jó 15,6).

O significado de (epimartyromai), que é usado semelhantemente para

traduzir d[eh (hā ēd)93

, indica o povo ou alguns homens que são motivados para relembrar

algo que foi firmado anteriormente, como a Lei do Senhor ou uma indicação do profeta, e

que, por não terem agido em conformidade com isso, foram admoestados ou advertidos

(cf. 1Rs 2,42; Ne 9,29; Eclo 46,19; Am 3,13; Je 32,25).

A palavra (pseudomartyreō), traduzida por “dar falso testemunho”,

é encontrada no Decálogo ligada com a expressão hebraica rq,v'( d[eîe (ēd šeqer)

“testemunho falso” (cf. Ex 20,16) ou com o correspondente hebraico hn[ (‘ānâh) que

significa “responder” (cf. Dt 5,20)94

e ainda no sentido próprio do termo na Septuaginta

(cf. Dn 13,61 [ou Suzana 1,61]).

O composto mais importante é (diamartyromai), igualmente usado para

d[eh (hā ēd)95

, que originalmente significava “convocar” ou alistar alguém para testemunhar

92

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2506. São 05 vezes que Coenen apresenta

e foram acrescentadas 03 da tradução da Septuaginta do Livro de Suzana (nas versões em português o

capítulo 13 de Daniel). 93

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2506. 94

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2506. 95

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. pp. 2506-2507.

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(cf. Dt 4,26; 31,28; 2Rs 17,13; Jr 32[39],10; Ml 2,14), esse termo é utilizado também para

passar adiante as instruções recebidas do Senhor e convocar o povo à obediência, tanto em

Moisés (cf. Ex 18,20; 19,10.21) como em Neemias (cf. Ne 9,26.34). Na tradução da

Septuaginta este termo aparece 26 vezes contemplando ainda o sentido de “advertir,

“exortar”, “testificar sob juramento” falando em nome de Deus (cf. Dt 32,46; 1Sm 8,9;

Ez 20,4; Sl 49[50],7; 80,9) ou no sentido de “certificar” ou “prometer” (cf. Zc 3,6).

A análise do uso da palavra “testemunho” mostra que, além do uso de

(martyrion), já apresentado anteriormente, as palavras desse grupo permanecem dentro de

uma estrutura já esboçada no grego clássico ou não alcançam o entendimento formulado pelos

estoicos. A pessoa é testemunha daquilo que experimentou e por que é convocada. Isto

corresponde a algo externo que a pessoa experimentou e que é confiado a ela testemunhar

sobre o fato ocorrido. Onde Deus é mencionado ou invocado por testemunha, percebe-se a

particularidade da ação desenvolvida em prol da Justiça da Aliança96

.

1.3. A IDEIA DE MÁRTIR NO JUDAÍSMO TARDIO

ATÉ A QUEDA DO SEGUNDO TEMPLO

A religião judaica é uma religião do martírio, conforme argumenta Bousset-Gressm

citado por Strathmann. Aqui a palavra martírio é usada como se entende na atualidade, no

sentido dos sofrimentos suportados por alguma pessoa para manter a fidelidade às Tradições e

à Lei e, algumas delas, chegam ao ponto de perder a vida por seus ideais. Ela nasce do

martírio dos fiéis no tempo dos Macabeus e continua até a época do Rabino Akiva –

que é martirizado por não obedecer às ordens do domínio romano – que se alegra com sua

morte, pois pode realizar com isso o seu desejo de amar a Deus com toda a sua alma97

.

96

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2507. 97

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1306.

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Esse sentido ainda não atinge plenamente o conceito de mártir alcançado nos

tempos primitivos do cristianismo.

Não se pode negar, porém, que o desenvolvimento desse conceito advindo da

Tradição Eclesiástica tenha seu princípio nos mártires Macabeus, tanto que eles pertencem

ao Martirológico cristão, mesmo que este documento tenha sido mais plenamente

desenvolvido posteriormente98

.

O conceito do sofrimento ligado à ação de dar testemunho da fé até à morte e a grande

estima que o martírio possui, como se entende hoje, eram muito divulgados no judaísmo, em

especial, e isso pode ser percebido no Livro dos Macabeus. Apesar disso, destaca-se que os

termos gregos comuns ao “testemunho” não são utilizados para os heróis de guerra. Segundo

Brox, citado por Coenen, o Antigo Testamento e o judaísmo posterior não são a origem do

termo “mártir” como este é entendido na história primitiva do cristianismo e também não se

encontra neles nenhuma relação real entre profetas e mártires99

.

A experiência dos sofrimentos vividos por amor às Tradições e à Lei alcança seu

momento mais terrível durante a perseguição de Antíoco IV Epifanes e é natural que, naquele

tempo e ao longo da história judaica, um novo renascimento do fervor religioso se veja ligado

a uma forte repressão que desafia a coragem daqueles que são coagidos a abandonar a

fidelidade e a obediência à lei, mas que afrontam esse fato de maneira resoluta a ponto de

suportar os suplícios que se lhes oferecem por esse ato100

.

O primeiro livro dos Macabeus narra os fatos com uma grande objetividade

(cf. 1Mc 1 e 2). O segundo apresenta a força com a qual as vítimas afrontam a carnificina e

sua obediência à Lei que vence todo tormento. O quarto livro, enfim, conforme o espírito do

Helenismo, se utiliza da descrição dos martírios sofridos pelos Macabeus que apontam para a

98

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1306. 99

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2507. 100

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1307.

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supremacia da razão sobre a paixão. Esse último apresenta como que uma antologia de

exemplos do Antigo Testamento, começando por Abel e se desenvolvendo em exemplos de

comportamento que deve ter o mártir (cf. 4Mc 18,11s)101

.

Nesse sentido, segundo Adriano, o ideal do homem piedoso passa a ser não mais uma

vida longa, honrosa e feliz, mas a fidelidade às convicções de fé de seus pais como

testemunho do Deus único, o que pode exigir a sacrifício da vida. A figura da testemunha que

passa pelos sofrimentos e pela morte se transforma também na figura do herói do judaísmo102

.

Este foi um lento processo: a alteração na conceituação de testemunha cruenta que

passa, então, a ser identificada como um mártir. O motivo do martírio era a Lei e

fundamentalmente a fé no Deus único que rejeita toda idolatria. Assim, o mártir se torna um

representante do povo que sofre a morte para expiar o pecado dos outros e obter a paz103

.

A ideia de um testemunho ou de uma testemunha que derivem de convicções

particulares que não podem ser constatadas não é conhecida no Antigo Testamento nem em

qualquer lugar no judaísmo. No uso rabínico, o termo dy[ihe (hē îd) se aproxima do que é

apresentado como a atividade didática dos rabinos e é relacionado com a expressão

“proclamar”. Filão de Alexandria e Flávio Josefo seguem o uso jurídico grego104

.

No entanto, ainda no sentido de desafiar as ameaças impostas a alguém, Flávio Josefo

descreve com admiração os essênios que fazem isso para não amaldiçoar o legislador ou

comer qualquer coisa de ilícito. Eles não apresentam em seus sofrimentos qualquer lamento,

mas se apresentam sorridentes, argumentando que os tormentos os purificarão. Assim, os

rabinos Judas e Matias e os seus quarenta discípulos morreram pela lei de seus pais105

.

101

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. pp. 1307-1308. 102

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. RCT, São Paulo, Ano II, n. 08,

pp. 19-40, jul./set. 1994. p. 23. 103

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. pp. 23-24. 104

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores).

DITNT. 2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2507. 105

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1307.

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Esse ideal foi mantido também na Tradição Rabínica entre os célebres doutores das

épocas antigas ou recentes. Nesse contexto, pode-se tomar, como exemplo, a atitude do rabino

Akiva durante a rebelião de Shimmon Bar-Kosiva, que ocorreu por volta do ano de 135 d.C. e

que levou à extinção do Estado judeu. Ele era um rabino que possuía uma alta estima pelas

tradições antigas e pela observação da lei106

.

Mesmo com o tratamento poético das narrações sobre esse evento e da representação

idealizada das crônicas, resta o fato de que jamais são aplicados aqui os termos

(martys), (martyrein) e (martyria). Para o (martys) cristão é sempre

implícita também a ideia de que o testemunho é dado por qualquer pessoa em uma atestação

a outra. Para o mártir do judaísmo não se trata disso; este vem valorizado em função

do ideal farisaico do homem piedoso para o qual partir ou morrer pela lei é a obra

religiosa por excelência107

.

Nesse sentido, somente se a palavra “mártir” é entendida no sentido genérico

de qualquer pessoa que sofre por suas convicções é que ela pode ser aplicada aos

heróis Macabeus na observância da Lei e da fé. Mas ainda difere do que apresenta o

conceito cristão de mártir108

.

Filão de Alexandria, como foi dito, não apresenta nenhuma diferença ao uso comum

de (martys), (martyrein) e (martyria); estes são usados no campo

jurídico para se referir às testemunhas nos processos e nos contratos pela atestação de fatos ou

acontecimentos de experiência geral, pela convalidação de opiniões externadas ou de uma

verdade sustentada pelas palavras de alguém109

.

Também em Filão, o termo (martyrion) tem como regra geral a objetividade

e a concretude. Assim, uma citação usada pelos escritores, nesse entendimento, deve mostrar

106

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1309. 107

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1310. 108

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1310. 109

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1311.

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exata uma ou outra afirmação ou qualquer outra realidade que sirva como prova. Nesse autor

ainda não se encontra algo de específico que se possa introduzir sobre o que será

desenvolvido na Comunidade Cristã Primitiva110

.

Se se entende o judaísmo como a religião do martírio, poder-se-ia complementar que

ele é uma religião do testemunho. Segundo Pikasa, os judeus são testemunhas de uma

presença de Deus e por Ele são enviados. Se eles não tivessem mantido esse testemunho já

teriam desaparecido como ocorreu à maioria dos povos e culturas do seu tempo e dos séculos

VII ao III a.C. Por transmitirem um testemunho de Deus, renovam-se e seguem existindo

como um povo que quer ser promessa e avançar para o futuro111

.

110

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1310. 111

Cf. PIKASA, Xabier. Testimonio (Judaismo e Cristianismo). In PIKASA, Xabier et AYA, Abdelmumin.

DTR. Espanha: Editora Verbo Divino, 2009. p. 1125.

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Conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. 13 a 31 de

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MACKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. Tradução de Álvaro Cunha et al; Revisão Geral de

Honório Dalbosco. São Paulo: Edições Paulinas, 1983. [DB]

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Tradução de Fredericus Antonius Stein; Supervisão de Johan Konings. São Paulo: Edições

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3. PROGRAMAS DE COMPUTADOR

BIBLE WORKS for Windows. Version 7.0.012g. 2006.

BIBLIA CLERUS. Congregatio pro Clericis. http://www.clerus.org. 26/03/2011 às 18h00.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.11a.

Curitiba: Editora Positivo, 2004.

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CAPÍTULO II

A TESTEMUNHA NO NOVO TESTAMENTO

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Na teologia bíblica do Novo Testamento o conceito de testemunha está presente em

todo o seu contexto, mesmo que concentrado, na maioria das vezes, em alguns lugares.

Assim, o substantivo (martys) é encontrado 35 vezes1 e o verbo (martyreō)

76 vezes2; há 37 ocorrências de (martyria)

3; (martyrion) aparece 20 vezes

4

e o composto (diamartyreō), 15 vezes5.

Segundo Strathmann, essa colocação estatística pode parecer algo sem utilidade, mas

nela se reconhece o crescente uso do conceito de “testemunha” ou “testemunho” no

cristianismo6. Assim, este capítulo se desenvolve a partir dos quatro vocábulos em suas

formas simples e fundamentais no grego e suas derivações. No final de cada bloco haverá

uma breve exposição sobre alguns termos compostos.

Para compreender o uso do vocábulo (martys) no Novo Testamento, é

necessário recordar o fato de que já no grego extrabíblico se conhecia o conceito de

testemunha não somente como aquele que atesta uma realidade que pode ser experimentada,

mas também como aquele que é testemunha da verdade, declara ou professa algum

convencimento7. Esses dois entendimentos se encontram no Novo Testamento e no conceito

cristão de testemunha.

1 Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1313. 2 Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2507. 3 Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1313.

4 Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1313.

5 Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2507.

6 Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1313.

7 Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1313.

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O vocábulo (martyreō) é utilizado no Novo Testamento como atestação de

um fato por parte de uma pessoa, indicando, antes de tudo, “declarar” ou “confirmar” um fato

qualquer com base num conhecimento direto; entende-se, assim, que é uma ação individual ou

um acontecimento de experiência comum. Pode-se notar que o significado de “depor em

juízo” não é utilizado; entre suas derivações encontramos (martyrein) que significa

“exercitar a função de testemunha”8.

O vocábulo (martyria) no Novo Testamento abrange uma diversidade de

entendimentos, mas seu uso apresenta uma neutralidade em relação ao campo religioso,

apontando mais para um testemunho jurídico. Pode-se, porém, encontrar esse termo como

uma atestação da boa reputação de alguém em meio à comunidade cristã e, poucas vezes, no

campo religioso relacionado com o anúncio de Jesus Cristo e a difusão da fé9.

Quanto ao uso e significado de (martyrion), verifica-se que este não significa

a ação de testemunhar, mas o testemunho no sentido estrito – não importando seu conteúdo –

o testemunho na sua existência objetiva, como um objeto, um acontecimento ou uma

declaração, usado como documento ou prova de algo ocorrido. Esse entendimento do Novo

Testamento resulta do que já foi apresentado no Antigo Testamento, como exemplificam os

casos seguintes: de uma aliança que servirá de testemunho para os que a fizeram; ou o livro da

lei e a arca da aliança que serão testemunho contra o povo; ou ainda uma pedra que será

testemunho para o povo (cf. Gn 31,44; Dt 31,26; Js 24,27)10

.

Pautando-se pelo entendimento do que é ser testemunha no Novo Testamento, este

capítulo é constituído de três blocos fundamentais, apresentando o desenvolvimento desse

conceito nos Evangelhos Sinóticos e em Atos dos Apóstolos, visto que este livro tem como

autor o evangelista Lucas que segue a mesma linha de uso do conceito. Em seguida é exposto

8 Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1334. 9 Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1346.

10 Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1355.

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o conceito nas Cartas Paulinas – sem a diferenciação que os estudiosos estabelecem quanto à

sua autenticidade – unidas à Carta aos Hebreus – que guarda com elas pontos comuns, apesar

de na atualidade não ser aceita como tendo a mesma autoria; e por fim, o conceito nas Cartas

Católicas, isto é, Cartas que não são da Tradição Paulina nem da Joanina.

Cabe ressaltar que este capítulo não enfoca o conceito na Tradição Joanina, que em

razão de sua aproximação maior com o tema fundamental deste estudo, merece um capítulo

especial, o capítulo quarto.

2.1. A TESTEMUNHA NOS

EVANGELHOS SINÓTICOS E NOS ATOS DOS APÓSTOLOS.

O uso jurídico da palavra “testemunho” encontrada no grego e na Septuaginta

marca as poucas ocorrências presentes nos Evangelhos Sinóticos, segundo Coenen11

;

mesmo que em alguns casos se depare com uma expansão do conceito de testemunho

além do uso jurídico.

O vocábulo (martys) aparece 05 vezes nos Sinóticos12

; destas, 02 vezes em

Marcos e Mateus (cf. Mc 14,63; Mt 26,65), por ocasião do julgamento de Jesus e quando se

fala sobre a falsa evidência ali produzida para a condenação13

.

O uso do vocábulo (martys) em Mc 14,63 e no texto paralelo de Mt 26,65, em

que o sacerdote diz não ter mais necessidade de testemunhas no processo de Jesus no

Sinédrio, indica um significado de “testemunha de fato”, isto é, busca-se fazer sobre a

afirmação dos anciãos do povo, uma base do conhecimento com um valor técnico que

capacita esse testemunho para um processo jurídico14

. Jesus é questionado pelo sumo

11

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2508. 12

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1313. 13

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2508. 14

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1314.

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sacerdote se ele é o Cristo, e Ele declara ser o Filho do Homem de que fala o profeta Daniel.

Então, o sumo sacerdote se pronuncia porque, com essa blasfêmia, que os membros do

sinédrio acabaram de escutar, ele está respaldado em suas argumentações e, a partir daí, não

precisa de mais nenhuma testemunha para prosseguir o processo iniciado contra Jesus15

.

A terceira vez aparece quando Jesus cita Dt 19,15 no texto que faz referência à

correção fraterna em Mt 18,1616

. Strathmann afirma que o princípio jurídico segundo o qual

não basta o testemunho de uma pessoa para a condenação de alguém é expresso, de modo

geral, em Dt 19,15, e aqui se une a afirmação de Mateus: na comunidade cristã um irmão deve

repreender o outro se este errar; se ele não der ouvidos às suas palavras deve unir-se a uma ou

duas pessoas para que estas possam testemunhar sobre a questão apresentada; e, se isso não

for suficiente, a questão deverá ser levada por esses irmãos à comunidade17

.

As duas outras ocorrências estão no Evangelho de Lucas (cf. Lc 11,48) em que

(martys) é a pessoa que testemunha de fato. Aqui são recriminados os judeus que edificam

sepulcros para os profetas – se seus pais mataram os profetas, são eles, portanto, testemunhas

e pessoas que aprovam a atitude dos pais18

e, pelo seu comportamento, tornam-se testemunhas

contra si mesmos19

. Esse entendimento é encontrado também em Mt 23,31, com o emprego,

nessa passagem, do verbo “testemunhar”.

Pode-se destacar o uso que se faz da palavra (martys) no Evangelho de Lucas

(cf. Lc 24,48) e nos Atos dos Apóstolos, onde ela designa aquele que depõe sobre alguns fatos

que conhece diretamente, mas que são os acontecimentos da história de Jesus e, em especial,

os relacionados à sua ressurreição – tratada por Lucas da mesma forma que um fato objetivo,

como, por exemplo, a Sua Paixão20

. Jesus diz que os apóstolos estão vendo o cumprimento de

15

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1314. 16

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2508. 17

Cf. STRATHMANN, Hermann. . pp. 1315-1316. 18

Cf. STRATHMANN, Hermann. pp. 1318-1319. 19

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2508. 20

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1321.

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tudo o que foi dito por Moisés e pelos profetas. Assim, Woschitz argumenta que, do mesmo

modo que Moisés permaneceu quarenta dias no Sinai, assim também eles receberam no

mesmo tempo, do Ressuscitado, as últimas instruções sobre o Reino de Deus, e isso

possibilitará e sustentará seu futuro testemunho21

.

Esse acontecimento não pode ser testemunhado sem que se sinalize o seu significado e

se entenda que ele só pode ser alcançado pela fé, de um ponto de vista de Deus como um

“fato real”, mas esse é um acontecimento que se encontra em um plano diferente dos

demais fatos relacionados à história de Jesus, da sua encarnação ao seu sepultamento.

Nesse sentido, não se pode fazer uma convalidação desse testemunho que não pode

ser constatado, mas esse testemunho pode ser acreditado tendo por base uma notícia

que foi dada e depois testemunhada22

.

Segundo Dillenschneider, esses conceitos de “testemunha” e de “testemunho” com

base na fé, que ocorrem poucas vezes no Antigo Testamento, vão se tornar muito frequentes

nos escritos do Novo Testamento23

.

O caráter particular do objeto sobre o qual se exercita o testemunho se deve, portanto,

ao motivo de que no conceito de testemunha se funda, sem dúvida, o depoimento do fato

determinante e a atenção ao seu valor em que se acredita, que se professa e que se torna

público. O testemunho da realidade concreta e o testemunho da verdade devem coincidir –

essa é a consequência inevitável do fato de que o Evangelho é uma revelação que acontece na

história. E, se Lucas utiliza este termo, “testemunha”, é porque ele deseja ressaltar esse

fundamento histórico da mensagem evangélica24

.

Essa mensagem não trata de uma doutrina qualquer, ou de um mito, ou de uma

21

Cf. WOSCHITZ, Karl M. Testemunho. In BAUER, Johannes B. DBT. São Paulo: Edições Loyola,

2000. p. 426. 22

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1321. 23

Cf. DILLENSCHNEIDER, Clement. O Apóstolo, Testemunha de Cristo, a “Testemunha Fiel” do Pai.

Tradução: Cláudio Cella. São Paulo: Paulinas, 1970. p. 21. 24

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1322.

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especulação, mas de um fato real que acontece em um determinado lugar, se desenvolve em

um determinado tempo na história da humanidade e que se pode verificar com segurança25

.

Os fatos da história de Jesus são testemunhados por aqueles que compreendem o seu

sentido pleno e são capazes de transmitir a própria experiência da vida e da ressurreição de

Jesus. Assim, eles se tornam testemunhas de fatos, mas também de sua significação,

portanto, testemunhas da fé26

.

Por isso, Lucas pode falar de testemunho e não de um testemunho qualquer, mas do

testemunho que vem de uma tarefa própria daqueles que querem viver unidos a Jesus e que

foram chamados para isso (cf. Lc 24,47; At 1,8.22-26) e investidos dessa missão

(cf. Lc 24,48; At 5,32). Dessa forma se apresenta o que Lucas entende por testemunho e, do

mesmo modo, a razão pela qual ele recorre a esse vocábulo, dele resultando o mesmo

entendimento que tem do ser apóstolo, no sentido estrito da palavra27

.

Na única passagem do Evangelho de Lucas (cf. Lc 24,48) em que esse conceito

aparece por ocasião do mandato missionário feito por Jesus, os elementos essenciais se

encontram reunidos. Jesus demonstra que, “segundo as Escrituras”, o Cristo deveria morrer e

ressuscitar ao terceiro dia e em seu nome deveria ser anunciada a todos os povos a penitência

para a remissão dos pecados, começando por Jerusalém (cf. Lc 24,46ss)28

.

Com essa última frase, confirmando as Escrituras, ele apresenta o mandato

missionário direcionado ao grupo dos discípulos, e indica que eles serão “testemunhas de tudo

isto”. Esta é a razão pela qual os discípulos são qualificados para esse mandato e do modo

como isso irá se realizar: são qualificados porque estão prontos para anunciar aquilo que

vivenciaram – o acontecimento da Paixão e da ressurreição de Jesus – e, porque acolheram

25

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paidéia, 1970. p. 1322. 26

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. RCT, São Paulo, Ano II, n. 08,

pp. 19-40, jul./set. 1994. p. 27. 27

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1322. 28

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1323.

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59

com fé o seu Mistério, poderão testemunhar isso29

.

O mandato pode ser cumprido pelo anúncio do fato ocorrido ou do seu significado

acolhido pela fé. Por isso, o anúncio kerigmático começa a realizar-se desse modo, em

especial, quando a missão dos discípulos é desencadeada pelo envio do Espírito Santo

prometido da parte do Pai e que Jesus mandará a eles (cf. Lc 24,49)30

.

Seguindo pelo conceito de testemunho nos Evangelhos Sinóticos, encontra-se também

aqui o verbo (martyreō) que aparece apenas 02 vezes31

. Primeiramente, no sentido

de uma experiência comum que o termo traz, como se percebe em Mt 23,31, quando Jesus

fala aos judeus que eles constroem túmulos para os profetas e com isso acabam sendo

testemunhas de que seus pais mataram os profetas32

. O termo (martyreō) pode levar

também a este entendimento: atestar que determinada pessoa tem uma boa reputação. Nesse

sentido, pode se referir a dar um bom testemunho sobre alguém, como em Lc 4,22 onde o

povo dava testemunho das palavras de graça que saíam da boca de Jesus, mesmo conhecendo

a sua humilde criação33

.

Esse entendimento faz compreender que quem dá esse testemunho tem um

conhecimento direto da pessoa a quem ele se refere, e com isso o testemunho pronunciado é

garantido no sentido da lei como um juízo a ser acreditado34

.

Ao mesmo tempo, há algo específico do testemunho nos Evangelhos que é visto

somente pela fé, mas entende-se que seu conteúdo é uma realidade, um fato. É algo que Deus

realizou e por isso pertence a uma ordem superior e que só pode ser alcançada pela revelação,

sendo constatada e testemunhada como os acontecimentos da vida eterna35

.

29

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1323. 30

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1324. 31

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2507. 32

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1334. 33

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1336. 34

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1338. 35

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1339.

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Já o vocábulo (martyria) aparece 04 vezes nos Evangelhos Sinóticos36

: 03

delas no capítulo 14 de Marcos e uma em Lucas (cf. Mc 14,55.56.59; Lc 22,71), todas na

narração onde Jesus é julgado pelo Sinédrio antes de sua crucifixão37

.

Em Marcos, as 03 vezes estão no relato segundo o qual, no julgamento de Jesus, os

judeus buscavam um testemunho contra ele (cf. Mc 14,55), mas os testemunhos dos que o

acusavam não eram coerentes (cf. Mc 14,56). Em seguida tentam argumentar que Jesus disse

que destruiria o Templo e o reconstruiria em três dias, mas o testemunho dos que diziam isso

ainda não era coerente (cf. Mc 14,59) 38

.

A outra passagem em que esse vocábulo é encontrado é em Lucas, quando no

julgamento os judeus questionam a Jesus se ele é o Filho de Deus e Ele responde: “Vós dizeis

que eu sou!” Diante disso, os judeus argumentam não precisar de mais nenhum testemunho

além desse para condenar Jesus (cf. Lc 22,71)39

.

Seguindo o desenvolvimento proposto, encontra-se o vocábulo (martyrion)

que aparece 09 vezes nos Evangelhos Sinóticos40

. A princípio é empregado como o

“testemunho” no sentido estrito e na existência de “algo que o realiza”, por exemplo,

um objeto, um acontecimento ou uma declaração utilizada como documento ou

prova de uma dada situação.

Ainda nessa linha de entendimento, temos em Mc 6,11 e também em Lc 9,5 uma

passagem em que Jesus envia os apóstolos para anunciar a Boa Nova e, no lugar em que não

forem acolhidos, são orientados a sacudir a poeira dos pés ao saírem, servindo isso de

testemunho contra aquele lugar. Com esse gesto eles cortam a ligação com os ouvintes e, no

dia do juízo, será como um testemunho levado por aqueles que não aceitaram crer na

36

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1313. 37

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2508. 38

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1346. 39

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1346. 40

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1313.

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mensagem anunciada41

. O pó que os mensageiros rejeitados devem sacudir de seus pés e

deixar para trás é uma evidência a ser levada em conta no julgamento de Deus42

. Também

nesse sentido encontra-se o texto em que Jesus manda o leproso, que acaba de ser curado,

apresentar-se ao sacerdote e oferecer o sacrifício prescrito por Moisés para servir de

testemunho para eles (cf. Mc 1,44). De fato, a atestação da cura pelo sacerdote constituirá um

testemunho para todo o povo43

. O homem que é curado por Jesus deve oferecer um sacrifício

como testemunho (cf. Mt 8,4; Lc 5,14), isto é, como prova de que a cura aconteceu conforme

pedem os regulamentos de Moisés (cf. Lv 13,49; 14,2-32)44

.

Essa formulação tem o mesmo sentido em Mc 13,9 onde Jesus antecipa aos discípulos

que eles serão levados diante de tribunais e reis para lhes servir de testemunho, e ainda nessa

mesma narração em Lc 21,13 e em Mt 10,18 que somente acrescenta que isso será testemunho

também para os gentios. Para Strathmann, esse entendimento contrapõe aqui os israelitas e os

gentis, os representantes do governo e os reis, e argumenta que o testemunho não é dado pelo

anúncio do Evangelho como possibilidade de conversão, mas como uma demonstração da

culpa dos que não acreditaram nesse anúncio45

. Woschitz indica que a profissão de fé dos

discípulos diante do tribunal se torna um testemunho contra seus acusadores, e com isso os

próprios acusadores acabam ficando sem defesa; nesse processo haverá uma continuidade do

processo sofrido por Jesus, que é o processo de Deus contra o mundo, em que os juízes se

tornam réus46

. Para Coenen, porém, não se deve entender esse ato com o sentido de acusação,

pois tais tribunais fornecem uma oportunidade para testemunhar Jesus Cristo em público47

.

Por outro lado, em Mt 24,14, o evangelista expõe que a Boa Nova do Reino deverá ser

41

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1356. 42

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2508. 43

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1357. 44

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2508. 45

Cf. STRATHMANN, Hermann. pp. 1357-1358. 46

Cf. WOSCHITZ, Karl M. Testemunho. In BAUER, Johannes B. DBT. São Paulo: Edições Loyola,

2000. p. 426. 47

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2508.

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pregada em todo o mundo, como testemunho para todas as nações e isso vem logo após a

narração da perseguição que os seguidores de Jesus irão sofrer antes do fim dos tempos,

indicando, mesmo assim, a possibilidade de se manter a fé até os últimos dias. Segundo

Woschitz, o anúncio do Evangelho coloca aquele que ouve diante de uma decisão, e esse

testemunho acabará se tornando defesa ou acusação no Juízo Final48

.

Segundo Mackenzie, o conceito de testemunho usado aqui significa uma explícita e

simbólica atestação de fé; no mesmo sentido, a Lei era um testemunho no Antigo Testamento

(cf. Mt 10,18; 24,14 e Mc 13,9)49

.

Nos Evangelhos Sinóticos encontram-se alguns termos compostos que podem auxiliar

no entendimento do conceito de testemunha e testemunho. No Novo Testamento

(katamartyreō) aparece somente 03 vezes, nos Evangelhos de Mateus e Marcos

(cf. Mt 26,62; 27,13 e Mc 14,60), nas perguntas direcionadas a Jesus para saber se Ele não

queria dizer nada a respeito das evidências ou testemunhos, trazidos contra Ele50

. Algumas

vezes, pelo contexto, pode-se deduzir como um falso testemunho51

.

A palavra (diamartyromai) tem sua origem em “chamar alguém em

testemunho (homem ou Deus) ao seu próprio favor a propósito de qualquer coisa”, utilizado

como uma apelação, exigência ou insistência. É utilizado 10 vezes na Literatura Lucana52

,

sendo que destas, somente uma vez nos Evangelhos, em Lucas, quando, na parábola do rico e

de Lázaro, o rico implora que Lázaro ressuscite, vá aos seus cinco irmãos e lhes dê um

testemunho para que eles não acabem também naquele lugar de tormento onde ele se

encontra (cf. Lc 16,28)53

.

48

Cf. WOSCHITZ, Karl M. Testemunho. In BAUER, Johannes B. DBT. São Paulo: Edições Loyola,

2000. p. 426. 49

Cf. MACKENZIE, John L. Testemunha, Testemunho. In MACKENZIE, John L. DB. São Paulo:

Edições Paulinas, 1983. p. 927. 50

Cf. COENEN, Lothar. Testimonianza. In COENEN, Lothar et all (Cura). DCBNT. Bologna: Edizione

Dehoniane, 1976. p. 1861. 51

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1379. 52

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1385. 53

Cf. BIBLE WORKS for Windows. Version 7.0.012g. 2006.

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Traduzido por “falsa testemunha”, (pseudomartys), é utilizado

referindo-se à pessoa que profere o testemunho. É encontrado somente uma vez nos

Evangelhos, em Mt 26,60, quando expõe que, no processo de Jesus, foram apresentadas

muitas falsas testemunhas54

.

Entendido como “dar um falso testemunho”, o termo (pseudomartyreō)

é encontrado 05 vezes nos Evangelhos Sinóticos. Primeiramente, quando Jesus cita os

mandamentos e se refere à lei que prescreve que não se dê falso testemunho (cf. Mt 19,18;

Mc 10,19 e Lc 18,20). E ainda no processo de Jesus, quando Marcos diz que muitos davam

falsos testemunhos contra Ele (cf. Mc 14,56.57)55

.

Por fim, (pseudomartyria) traz o significado do “falso testemunho” e é

encontrado 02 vezes somente no Evangelho de Mateus, quando Jesus diz que os falsos

testemunhos procedem do coração do homem com as demais coisas que o podem tornar

impuro (cf. Mt 15,19) e, novamente no processo de Jesus, quando se buscava um falso

testemunho contra Ele (cf. Mt 26,59)56

.

Entrando agora na literatura dos Atos dos Apóstolos, verifica-se que neles se

desenvolve algo importante para um entendimento do conceito de testemunha no Novo

Testamento. O substantivo (martys) aparece 13 vezes, o maior número do Novo

Testamento para esse termo; o verbo (martyreō) aparece 11 vezes57

; e o composto

(diamartyreō) é encontrado por 9 vezes em Atos dos Apóstolos, sendo também

ode maior ocorrência no Novo Testamento – usado como expressão especial para se referir à

“proclamação” do Evangelho58

.

54

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1389. 55

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1392. 56

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1392. 57

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2507. 58

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2508.

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Nos Atos dos Apóstolos, segundo Strathmann, o vocábulo (martys) se aplica

tanto à testemunha de um processo judiciário e também como ao testemunho utilizado num

processo penal. Em At 6,13 e 7,58, isso se observa durante a condenação de Estêvão.

De acordo com a exigência da lei judaica, para que alguém fosse condenado deveria

haver testemunhas da infração cometida. Apresentam-se falsas testemunhas contra Estêvão59

que provocam sua condenação; aliás, eles mesmos realizam o seu apedrejamento, conforme a

norma de Dt 17,7, mesmo sem ser pronunciada uma sentença60

.

Lucas, em seguida, amplia o entendimento da palavra “testemunha” agora não

somente no sentido jurídico, como aquele que se coloca diante de um tribunal para expor o

que foi experienciado, mas como aquele que apresenta especificamente os que proclamam

Cristo Ressuscitado diante das nações, ato que é autorizado e legitimado em suas ações61

.

A partir disso se compreende que o caminho trilhado por uma testemunha é o caminho

do sofrimento e, possivelmente, até da morte, como no caso de Estêvão, que é apresentado

como testemunha pela própria narração de Paulo (cf. At 22,20). Ao mesmo tempo, esse

caminho é distinguido não pelo modo que se entenderá posteriormente o martírio – alguém

que dá testemunho até a morte – mas como a plena proclamação da mensagem de Jesus62

.

Esse conceito é apresentado em At 1,8 quando o Senhor, antes de sua ascensão, afirma

que os apóstolos receberão o Espírito Santo que lhes dará forças para serem testemunhas Dele

até os confins da Terra. Segundo Coenen, Lucas entende que são os apóstolos e os discípulos

que foram enviados por Jesus para serem suas testemunhas, proclamando a mensagem do

Reino63

. Em especial, a pregação da Igreja irá se basear no testemunho autêntico e obrigatório

59

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2508. 60

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1315. 61

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2509. 62

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2509. 63

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2509.

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daqueles que tiveram o privilégio de ver e ouvir o Senhor Ressuscitado64

.

Em At 1,22 essa ideia é aprofundada quando lhes é comunicado que serão testemunhas

da ressurreição do Senhor, noção que se confirma em outros textos, como nas pregações de

Pedro e nas argumentações de Paulo (cf. At 2,32; 3,15; 13,31; 26,16); aqui também Paulo se

insere como aquele que também deve dar esse testemunho (cf. At 22,15)65

.

Para Lucas, a presença do Espírito é essencial para que se possa realizar o testemunho.

É a vinda do Espírito que preparará as testemunhas para a missão (cf. At 1,8) e, ao mesmo

tempo, o testemunho não é possível sem o recebimento do Espírito Santo. Ele se torna seu

componente essencial, e os apóstolos darão testemunho junto com o Espírito (cf. At 5,32)66

.

Assim, o que é anunciado no Evangelho de Lucas encontra sua realização em Atos dos

Apóstolos. O mandato missionário do grupo dos apóstolos é repetido com a mesma frase:

“sereis minhas testemunhas”. Isso significa que os apóstolos estão preparados para anunciar a

vida de Jesus, o Verbo encarnado, a partir de sua própria experiência (cf. At 1,22; 10,39) e em

particular pelo fato relevante de sua ressurreição (cf. At 2,32; 3,15; 5,31s; 10,41). O anúncio

coloca sempre em evidência o seu significado Salvífico (cf. At 10,42) e emerge da

consciência de que é realizado por um grupo escolhido cujos membros tiveram uma

experiência com o Ressuscitado (cf. At 10,41; 1,22) e, por isso, devem ser testemunhas Dele

diante de todos os povos (cf. At 13,31)67

.

Também se verifica isso no discurso de Paulo, feito na sinagoga de Antioquia da

Psídia, que se torna importante porque ele é designado como “testemunha de Jesus”, como os

apóstolos que seguiram Jesus da Galileia até Jerusalém e que depois o viram Ressuscitado.

Paulo usa para Barnabé e para si mesmo a expressão “evangelizador”, isto é, aquele que leva

64

Cf. WOSCHITZ, Karl M. Testemunho. In BAUER, Johannes B. DBT. São Paulo: Edições Loyola,

2000. p. 427. 65

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2509. 66

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. RCT, São Paulo, Ano II, n. 08,

pp. 19-40, jul./set. 1994. p. 28. 67

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1324.

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a Boa Nova. A princípio, Paulo seria testemunha somente para o povo de Israel na Palestina,

mas posteriormente levará a Boa Nova para o mundo helênico, primeiramente nas sinagogas.

Todavia o uso do vocábulo não é casual, pois o sentido de “testemunha” adotado no início de

Atos dos Apóstolos (cf. At 1,22) não era aplicável a Paulo ou a Barnabé68

.

Com o desenvolvimento da narração no livro dos Atos dos Apóstolos, percebe-se que

o termo (martys) é usado para Paulo em At 22,15 e 26,16 e também para Estêvão em

At 22,20, onde estes são designados como “sua testemunha”, isto é, testemunhas de Jesus69

.

Segundo At 22,14, Paulo recebeu a visita de Ananias e este lhe disse que o Senhor o

predestinara a conhecer Sua vontade e a “ver o Justo e ouvir a voz de Sua boca”, porque ele

será testemunha diante de todos os homens de tudo o que foi visto e ouvido. Em At 26,16, é o

próprio Jesus que, na visualização no caminho de Damasco, diz a mesma coisa a Paulo:

“porque eu apareci a ti para te constituir ministro e testemunha do que viu e do que te farei

ver”. Nos dois casos o termo é usado para designar a obra de evangelização de Paulo, no

sentido usado em Atos dos Apóstolos para com os primeiros apóstolos70

.

Paulo, segundo Adriano, não tem por base em seu anúncio um testemunho ocular

como os demais apóstolos, mas a verdade acolhida pela fé e propagada com um empenho

pessoal que testemunha essa mesma verdade71

.

Essa coincidência acontece por causa da visualização no caminho de Damasco, e cabe

salientar que esse termo aparece em ambos os casos falando dessa aparição e da que

eventualmente se seguirá. Trata-se de uma exceção limitada, mas que é usada poucas vezes

para caracterizar o apostolado de Paulo que é centrado no anúncio da morte de Jesus na Cruz

e não na sua aparição no caminho de Damasco. Assim, nas duas passagens deve-se

68

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1325. 69

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1325. 70

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1326. 71

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. RCT, São Paulo, Ano II, n. 08,

pp. 19-40, jul./set. 1994. p. 27.

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67

considerar a tentativa de Lucas de aplicar a Paulo o conceito de testemunha que

é aplicado aos primeiros apóstolos72

.

Sem levar em conta a aparição a Paulo, este somente poderá ser reconhecido como

uma testemunha de fato no que diz respeito ao testemunho relativo ao valor Salvífico da

figura e da vida de Jesus, no sentido de quem professa uma ideia. Paulo será testemunha de

Jesus proclamando seu Mistério e exortando a que se tenha fé Nele73

.

Naturalmente, um testemunho desse tipo implica estar unido à autenticidade da

história de Jesus. Mas esse testemunho não recebe esse nome por causa da experiência que

Paulo teve e por falar da vida de Cristo, pois ele não é testemunha como os primeiros

apóstolos que viveram com Jesus, mas como testemunha de uma verdade e professando essa

fé em Jesus Cristo, do qual ele se fez propagador74

.

Na aplicação desse termo a Paulo, esse segundo aspecto prevalece sobre o primeiro, ao

passo que, quando é usado para os apóstolos, verifica-se o contrário. Os dois pontos de vista

começam a se tornar autônomos e, com isso, abre-se a possibilidade de que o termo

“testemunha” continue em um tempo em que, por força das circunstâncias, não se poderia

mais ser testemunha de fato à maneira dos apóstolos75

.

De outro modo se dá a designação de Estêvão como testemunha de Jesus em At 22,20.

De fato, ainda não se pode enquadrar aqui aquele entendimento de mártir que se imporá mais

tarde na Igreja. Estêvão não é testemunha (ou mártir) porque morre, mas morre porque é

testemunha de Jesus Cristo por meio de sua atividade evangelizadora76

.

Não se pode dizer também que esse testemunho seja realizado como um anúncio dos

acontecimentos da vida de Jesus a partir de uma experiência pessoal, como os apóstolos

72

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1326. 73

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1327. 74

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1327. 75

Cf. STRATHMANN, Hermann. pp. 1327-1328. 76

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1328.

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68

tiveram. O que permanece é somente o testemunho de uma ideia. Mas, ao mesmo tempo,

Estêvão é assim denominado no sentido pleno porque durante a sua morte ofereceu grande

prova de serenidade no seu “testemunho”77

.

No martírio se encontra a razão de ser chamado de “testemunha”, não de forma

genérica, mas por um título que foi alcançado pelos seus méritos. Nesse aspecto, há aqui um

início do uso que mais tarde será utilizado na Igreja. O desenvolvimento do termo vai reduzi-

-lo a um uso específico no martírio dentro da realidade da perseguição sofrida pelos cristãos78

.

No livro de Atos dos Apóstolos também se encontra 11 vezes o vocábulo

(martyreō)79

. Primeiramente como uma atestação de um fato por parte de um a pessoa, como

em At 22,5, onde o próprio Paulo que o Sumo Sacerdote e os anciãos são testemunhas de que

ele, recebendo cartas de recomendação às Sinagogas de Damasco, sai em uma marcha de

perseguição aos cristãos dessa região. Em At 26,5 ele argumenta que os judeus fariseus

podem testemunhar a respeito dele e de sua conduta observante dos preceitos judaicos a partir

das práticas do grupo dos fariseus80

.

Em seguida, segundo Coenen, Lucas faz um novo uso do conceito de “ser testemunha”

em Atos dos Apóstolos. Ele utiliza (martyreō) para a atestação humana de uma boa

conduta, confirmando determinada situação (cf. At 16,2; 22,5.12); também esse é o sentido no

texto em que se pede que sejam escolhidos sete homens dos quais se tenha um bom

testemunho e que sejam cheios do Espírito e de sabedoria para que fiquem encarregados do

serviço aos pobres, estes foram os primeiros diáconos da Igreja (cf. At 6,3); ainda quando se

fala sobre Cornélio, o centurião romano, diz-se que os judeus davam um bom testemunho dele

(cf. At 10,22); e finalmente sobre a vivência de Paulo como fariseu (cf. At 26,5)81

.

77

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1328. 78

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1328. 79

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1313. 80

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1336. 81

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2508.

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69

Ainda com o termo (martyreō) interpretado como atestar que determinada

pessoa tem uma boa reputação e dar um bom testemunho sobre alguém, pode-se tomar a

passagem que relata que os irmãos de Listra e de Icônio davam bom testemunho de Timóteo

(cf. At 16,2) e a que se refere a Ananias, um homem piedoso e obediente à lei e que recebia

um bom testemunho dos judeus que viviam perto dele (cf. At 22,12)82

.

Há um uso específico ainda do vocábulo (martyreō) com o sentido de

apresentar Deus ou o Espírito ou a Escritura como sujeitos de um juízo que confirma a

veracidade de determinada afirmação. Isso pode ser verificado em At 13,22 no discurso

do apóstolo Paulo, segundo o qual Deus testemunha que encontrou em Davi um rei

segundo o seu coração83

.

Ainda nesse sentido, em At 10,43 proclama-se que os profetas dão testemunho de que

em Jesus todos receberam o perdão dos pecados, assim como em At 14,3, passagem em que

Deus dá testemunho da palavra que era anunciada pelos apóstolos por meio de sinais e

milagres que eles realizavam84

.

Isso ressalta o fato de que esse testemunho, essencialmente religioso, acontece do

ponto de vista da fé; é algo de ordem superior realizado por Deus. E, por se tratar de uma

revelação, diferente, portanto, dos fatos puramente humanos, exige um testemunho novo ou

uma nova maneira de testemunhar85

.

Quando o testemunho acontece por uma verdade revelada e acreditada, ele passa a ser

identificado como uma profissão de fé realizada pelo missionário, e isso vai se tornar o centro

da vida e da proclamação realizada pelo apóstolo. Nesse sentido, em At 23,11, Paulo entende

por revelação divina que ele deveria dar testemunho de Jesus em Roma, do mesmo modo que

havia dado em Jerusalém86

.

82

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1337. 83

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1337. 84

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1338. 85

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. RCT, São Paulo, Ano II, n. 08,

pp. 19-40, jul./set. 1994. p. 29. 86

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1339.

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70

A palavra (martyrēsai), derivada ainda do vocábulo apresentado acima,

ocorre pela primeira vez em At 23,11, em que o Senhor encoraja Paulo a ir a Roma para “dar

testemunho” Dele como já havia feito em Jerusalém. Também pode ser entendida como o ato

de proclamar a Cristo. Esse sentido corresponde ao significado de (martyrion) em

At 4,33, texto em que os apóstolos testemunhavam com grande poder a ressurreição de Jesus,

retomando aqui o conceito de (martys), “testemunha”, utilizado no Evangelho de

Lucas (cf. Lc 24,48) já na fronteira com o livro de Atos dos Apóstolos87

.

Focalizando agora no vocábulo (martyria), percebe-se que este aparece

apenas 01 vez nos Atos dos Apóstolos88

, em que o termo aparece ligado a um valor religioso e

cristão: Lucas relata que Paulo, quando estava no Templo de Jerusalém, é arrebatado e

entende que é necessário que ele saia dessa cidade pois, os que ali se encontravam, não

receberam o seu testemunho acerca de Jesus (cf. At 22,18). Aqui o testemunho acontece por

meio da difusão da fé, e Jesus Cristo é seu objeto fundamental89

.

E o vocábulo (martyrion) aparece 02 vezes nos Atos dos Apóstolos90

com o

entendimento de que o testemunho é uma declaração ou atestação de algo que ocorreu: a

passagem em que Lucas conta que os apóstolos davam testemunho da ressurreição

do Senhor com grande poder (cf. At 4,33)91

e aquela em que Estêvão, no seu discurso, diz aos

judeus que o tabernáculo do testemunho estava entre nossos pais no deserto e que deveria se

realizado segundo o modelo que Moisés tinha visto (cf. At 7,44).

No Livro dos Atos dos Apóstolos encontram-se também termos compostos como

(martyromai) que tem sua origem no grego antigo e é entendido como “chamar

alguém em testemunho ao seu próprio favor sobre qualquer coisa”. Em especial, no Novo

87

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2509. 88

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1313. 89

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1346. 90

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1314. 91

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1360.

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71

testamento ele é usado para assegurar a atenção que deve ser dada a um fato concreto. Em

Atos ele é encontrado no discurso de despedida de Paulo, em que testemunha que é inocente

do sangue derramado de seus ouvintes, pois lhes apresenta fielmente o plano de Deus

(cf. At 20,26), e quando afirma que o seu testemunho do que deveria acontecer era

exatamente o mesmo dado por Moisés e pelos profetas92

.

Dentro dos termos compostos, a palavra (diamartyromai) como uma

apelação, exigência ou insistência em um testemunho é encontrado 09 vezes nos Atos dos

Apóstolos. Lucas utiliza a palavra para apresentar a urgência da propagação do Evangelho de

Cristo93

. Em todas as passagens significa este testemunhar enérgico94

primeiramente realizado

por Pedro quando testemunha e exorta que os judeus abracem a salvação (cf. At 2,40) e, após

testemunhar, volta para Jerusalém (cf. At 8,25), e quando diz que Jesus os mandou

testemunhar que Deus O constituiu juiz dos vivos e dos mortos (cf. At 10,42)95

.

Esse mesmo sentido continua nas seguintes passagens: Paulo testemunha a judeus e

gregos que Jesus é o Cristo (cf. At 18,5; 20,21); o Espírito testemunha que ele irá sofrer por

Cristo (cf. At 20,23); Paulo diz que deve dar testemunho do Evangelho (cf. At 20,24);

o Senhor diz que Paulo deu testemunho em Jerusalém e deve dá-lo em Roma (cf. At 23,11);

e quando Paulo dá testemunho do Reino em Roma (cf. At 28,23)96

.

2.2. A TESTEMUNHA NAS CARTAS PAULINAS E NA CARTA AOS HEBREUS

Nas Cartas Paulinas, o substantivo (martys) aparece 09 vezes, 03 delas nas

Cartas Pastorais. O verbo (martyreō)

é empregado 06 vezes97

e a palavra

92

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. pp. 1382-1383. 93

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2509. 94

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1386. 95

Cf. BIBLE WORKS for Windows. Version 7.0.012g. 2006. 96

Cf. BIBLE WORKS for Windows. Version 7.0.012g. 2006. 97

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2503.

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(martyria) 02 vezes nas Cartas Paulinas.

O vocábulo (martys), segundo o princípio jurídico de Deuteronômio, é

apresentado em 1Tm 5,19, quando se exige que, para se acusar um presbítero (ancião) diante

da comunidade, haja duas ou três testemunhas que confirmem esse fato98

.

Ainda segundo esse entendimento, em 2Cor 13,1, Paulo apela para o mesmo princípio,

deixando bem claro que, na sua terceira visita à comunidade de Corinto, se

algo tiver que ser exposto, que o seja por meio de duas ou três testemunhas para que

qualquer questão seja decidida99

.

A cada visita à Corinto, Paulo deseja purificar a comunidade e exortá-la a romper com

todo pecado. Sua segunda visita não havia sido como esperava, por isso apela novamente ao

sentido original de Dt 19,15, de acordo com o qual as testemunhas ajudarão na resolução das

questões internas da comunidade para que, através disso, se eliminem possíveis dúvidas sobre

os fatos a serem resolvidos100

.

O conceito de testemunha de um fato se submete a uma generalização que acontece no

âmbito jurídico, quando Paulo apela para que Deus seja testemunha do acontecimento e de

sua vida interior, não precisando, portanto, de outro testemunho para garantir a veracidade e a

credibilidade de sua afirmação (cf. Rm 1,9; 2Cor 1,23; Fl 1,8; 1Ts 2,5); ou quando aponta que

os tessalonicenses e o próprio Deus – que conhece o coração e é o único que verdadeiramente

pode julgar – são testemunhas da sua conduta piedosa, justa e irrepreensível para com os que

creem (cf. 1Ts 2,10) 101

.

Pode-se destacar, neste ponto, a reflexão que Paulo faz em 2Cor 1,23, quando, diante

do que ocorre em Corinto, invoca diretamente a Deus por testemunha, evocando, de certo

modo, esse testemunho sob a forma de uma maldição verdadeira e própria sobre si mesmo, se

98

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1316. 99

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1316. 100

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1317. 101

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1317.

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73

de fato o que está dizendo não corresponder à verdade102

.

Esta frase “chamo o testemunho de Deus sobre a minha vida” aparece como um

juramento formal e que exprime sempre um conceito particular que acontece todas as vezes

que Deus é invocado como testemunha, e recebe uma particular importância somente onde há

a fé em Deus ou, pelo menos, onde Ele não é totalmente negado103

.

Nos versículos 1Ts 2,10 e 1Tm 6,12 – onde Timóteo fez uma boa profissão de fé,

provavelmente no seu batismo, na presença de muitas testemunhas –, (martys) aparece

como a pessoa que dá testemunho de fato e pode ser uma pessoa ou o próprio Deus

(cf. 1Ts 2,10: “vós e Deus”)104

. Também em 2Tm 2,2, Paulo o exorta a transmitir o

patrimônio da fé para outras pessoas a partir daquilo que ele mesmo falou na presença

de muitas testemunhas105

.

O termo (martyreō), encontrado 08 vezes nas Cartas Paulinas106

, é

empregado com o entendimento de que se pode atestar que determinada pessoa tem uma boa

reputação, como em 1Tm 5,10, onde se pede que as viúvas tragam sobre si um bom

testemunho dos irmãos pelas obras boas que elas realizam107

. Assim, em várias citações

dessas Cartas esse termo se encontra presente entendido o testemunho como algo que

se faz por um conhecimento direto, sendo ele uma ação individual ou uma experiência

comum de várias pessoas.

Nas Cartas Paulinas se encontra uma ligação estreita com o uso linguístico da

Septuaginta. Emprega-se (martyreō) quando, ao falar do zelo dos judeus e do

cuidado amoroso para com a Igreja, Paulo diz: “dou-lhes testemunho” (cf. Rm 10,2;

102

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1318. 103

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1318. 104

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores).

DITNT. 2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2508. 105

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1319. 106

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1313. 107

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1337.

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2Cor 8,3; Gl 4,15; Cl 4,13)108

e, em Rm 3,21, ao proclamar que a lei e os profetas são

testemunhas da justiça de Deus109

.

Em Gl 4,15, Paulo dá testemunho de que os Gálatas, para suprirem a necessidade dele,

seriam capazes de arrancar seus próprios olhos110

. E, no texto de Cl 4,13, Paulo dá testemunho

de Eprafas, que era um colossense a quem foi confiada a evangelização de sua cidade.

O citado versículo diz do seu empenho para com os cristãos de Colossas, de Laodiceia

e de Hierápolis111

.

Em 2Cor 8,3, Paulo dá testemunho da generosidade da coleta realizada nas Igrejas da

Macedônia quando lhes foi requisitado um auxílio. Em 1Cor 15,15, Paulo argumenta que não

acreditar na ressurreição de Cristo é testemunhar contra Deus que realizou essa ação112

.

Em Rm 3,21, o vocábulo (martyreō) é encontrado no sentido de apresentar a lei e os

profetas como testemunho de que Deus realiza a justificação da pessoa humana sem que para

isso haja necessidade da lei113

.

Também em 1Tm 6,13, esse termo é encontrado no momento em que Paulo envia

Timóteo, e o faz na presença de Deus e de Jesus, lembrando que este testemunhou diante de

Pôncio Pilatos uma boa confissão. Paulo parece fazer uma referência direta ao testemunho

dado por Jesus e à profissão de fé realizada por Timóteo no dia de seu batismo e, ao mesmo

tempo, à declaração de que Jesus é o Messias enviado por Deus. Assim, Paulo o exorta a

seguir fiel e pacientemente até a morte, como fez o Messias, tornando-se ele também uma

testemunha de Jesus114

. Cabe ressaltar que Paulo diz que Jesus testemunhou sua profissão, o

que ressalta o seu papel de testemunha maior e mais engajada no Plano Salvífico do Pai até o

108

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores).

DITNT. 2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2508. 109

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2508. 110

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1335. 111

Cf. BÍBLIA: BÍBLIA DE JERUSALÉM. Edição Revista e Ampliada. São Paulo: Paulus, 2002. Nota “b”. p. 2059. 112

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1335. 113

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1338. 114

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1345.

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75

ponto de doar sua vida na Cruz115

.

O vocábulo (martyria) aparece 02 vezes nas Cartas Pastorais116

. Na primeira

vez, significa uma boa reputação de alguém, como em 1Tm 3,7 onde se afirma que o bispo

deve possuir um bom testemunho mesmo entre os que não são cristãos. E na segunda vez em

Tt 1,13, quando Paulo, referindo-se a um poeta para demonstrar a má fama dos cretenses,

afirma que o testemunho do poeta é verdadeiro117

.

Nas Cartas Paulinas, o vocábulo (martyrion) aparece 06 vezes118

. Paulo é,

provavelmente, o primeiro a utilizar esse substantivo com um novo significado e conteúdo

quando afirma que o “testemunho de Cristo” é confirmado nos cristãos de Corinto

(cf. 1Cor 1,6) e quando continua argumentando que lhes deu o testemunho de Deus não com a

sabedoria humana, mas com a apresentação de Cristo Crucificado119

.

Nesse sentido o testemunho não é apresentado como um documento, como algo que

sirva de evidência ou lembrança para dar encorajamento ou advertência, mas é utilizado no

sentido do Evangelho: a mensagem proclamada da salvação em Jesus Cristo. Esse significado

é estabelecido em 1Cor 2,1, onde o autor diz anunciar o testemunho de Deus, e em 2Cor 1,12,

onde diz que a sua glória é o testemunho de sua consciência, que nada lhe condena no modo

de viver e agir neste mundo120

. Em 2Ts 1,10, Paulo afirma que, o dia em que o Senhor será

glorificado, eles poderão crer e confirmar o testemunho dado por ele121

.

Na Carta a Timóteo, o mesmo sentido se verifica quando Paulo diz que Jesus

é o único mediador entre Deus e os homens e deu a sua vida livremente como um

testemunho para os que viviam no seu tempo (cf. 1Tm 2,6) e quando pede ao seu destinatário

115

Cf. DILLENSCHNEIDER, Clement. O Apóstolo, Testemunha de Cristo, a “Testemunha Fiel” do Pai.

Tradução: Cláudio Cella. São Paulo: Paulinas, 1970. p. 48. 116

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1313. 117

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1346. 118

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1313. 119

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores).

DITNT. 2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2508. 120

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2508. 121

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1359.

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76

que não se envergonhe do testemunho de Jesus Cristo e nem dele, Paulo, que agora

se encontrava preso122

.

Paulo utiliza também em suas Cartas termos compostos. No Novo Testamento,

(symmartyreō), aparece somente em Paulo (cf. Rm 2,15; 8,16; 9,1), com o

significado de cotestemunho123

expresso por meio de um paralelo entre o Espírito e a

consciência, para reforçar algo, confirmar ou acusar124

.

O termo significa “testemunhar junto com”, ou seja, testemunhar ou validar algo junto

a uma ou mais testemunhas. Em Rm 2,15 Paulo diz que os gentis têm a lei gravada em seus

corações, e essa lei testemunha juntamente com sua consciência e seus pensamentos para

acusá-los ou para defendê-los. Isso indica que também os pagãos têm uma consciência moral

viva e atuante que lhes concede valores que dirigem suas ações independentemente do

conhecimento da Lei do Antigo Testamento125

.

Ainda nesse entendimento temos o trecho de Rm 8,16 em que o Espírito de Deus

testemunha, junto com o nosso espírito, que somos filhos de Deus. E em Rm 9,1 onde

Paulo afirma que ele fala a verdade e isso é testemunhado por ele, no Espírito,

juntamente com sua consciência126

.

Com sua origem em “chamar alguém em testemunho em seu próprio favor sobre

qualquer coisa”, (martyromai) aparece nas Cartas Paulinas 03 vezes:

primeiramente, na Primeira Carta aos Tessalonicenses, com o sentido de reforçar uma

exortação – quando Paulo exorta e testemunha de que esses vivam de modo digno de Deus

(cf. 1Ts 2,12); na Carta aos Efésios, onde Paulo testemunha no Senhor para que os da

comunidade de Éfeso não vivam como os gentios (cf. Ef 4,17); e também na Carta

122

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1360. 123

Cf. COENEN, Lothar. Testimonianza. In COENEN, L. et all. (Cura). DCBNT. Bologna: Edizione

Dehoniane, 1976. p. 1861. 124

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2503. 125

Cf. STRATHMANN, Hermann. pp. 1374-1375. 126

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1376.

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77

aos Gálatas, onde testemunha que todo homem que se deixa circuncidar deverá

guardar também toda a lei (cf. Gl 5,3)127

.

A palavra (diamartyromai) é encontrado 04 vezes em Paulo128

,

utilizado, como em Atos dos Apóstolos, para se referir à “proclamação” do Evangelho ou à

insistência ou exigência de que alguém dê testemunho sobre algo ocorrido, primeiro quando

diz que ninguém deve fazer o mal ao seu irmão, pois o Senhor se vinga de quem age assim e

isso ele disse e testemunha (cf. 1Ts 4,6)129

.

Nas duas Cartas a Timóteo, ele se encontra na frase

(diamartyromai enōpion tou theou), “testemunho na presença de Deus”, reforçando a

obrigação de tornar conhecida a mensagem e a vontade de Deus130

. Paulo diz a Timóteo:

“testemunho-te diante de Deus, de Jesus e dos anjos eleitos, para que guardes o que te foi

ensinado e não dês preferência a ninguém” (cf. 1Tm 5,21). Ainda nesse sentido, Paulo

testemunha Timóteo diante do Senhor para que evite contendas com suas palavras

(cf. 2Tm 2,14) e testemunha diante de Deus e de Jesus para que Timóteo continue

pregando a Palavra (cf. 2Tm 4,1)131

.

Há dois compostos usados por Paulo na Carta aos Coríntios. Traduzido por “falsa

testemunha”, (pseudomartys) refere-se à pessoa que profere o testemunho em

1Cor 15,15 quando Paulo argumenta que os cristãos seriam falsas testemunhas se Jesus não

tivesse ressuscitado dos mortos132

e, assim, eles estariam (emartyrēsamen), ou

seja, “testemunhando contra Deus”133

.

127

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. pp. 1382-1383. 128

Cf. BIBLE WORKS for Windows. Version 7.0.012g. 2006. 129

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1385. 130

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores).

DITNT. 2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2509. 131

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1385. 132

Cf. BIBLE WORKS for Windows. Version 7.0.012g. 2006. 133

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2508.

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78

O conceito de testemunha aparece também na Carta aos Hebreus, e seu entendimento

se inicia com o vocábulo (martys) que aparece somente 02 vezes134

. Esse vocábulo

retorna ao sentido que se faz presente em um processo judiciário: a passagem adverte duas

vezes que, se se continua a pecar depois que se conhece a verdade, não há sacrifícios que

possam expiar essa culpa (cf. Hb 10,26-28), então vem a referência ao versículo Dt 17,6, de

acordo com o qual qualquer um que tenha quebrado o pacto, efetuado no Antigo Testamento,

de não prestar culto a outros deuses, será considerado culpado e deverá ser morto, desde que

haja duas ou três testemunhas para sua condenação135

.

Ainda é esse o conceito em Hb 12,1, segundo o qual se compreende que as pessoas se

tornaram testemunhas por uma fé que professaram com as suas vidas e suas ações, como

comprova Hb 11 com uma lista desses exemplos. O autor prossegue dizendo que os cristãos

estão rodeados por essas testemunhas e por isso devem avançar decididamente nessa carreira

que é proposta ao seguidor de Jesus Cristo. Essas testemunhas foram as que receberam de

Deus um bom testemunho porque com a sua vida demonstraram a validade de sua fé. Assim,

a testemunha de fato é aquela que professa uma ideia. Mas também se percebe que é possível

diferenciar o testemunho que uma pessoa recebe, daquele que uma pessoa dá. É uma

passagem do verbo no passivo, “ser testemunhado”, para o ativo, “testemunhar”, mas essas

diferenciações não são apresentadas no texto. Contudo, não há muita dificuldade para

perceber que no versículo citado da Carta aos Hebreus se encontra um sentido polivalente136

.

Esses homens, cuja sorte tem todos os sinais do “testemunho da fé”, obtêm o

testemunho de Deus, isto é, são reconhecidos por Ele. É de acordo com esse fato que esses

homens, reconhecidos por sustentarem de modo firme a esperança de sua fé, são

chamados em Hb 12,1 de (nefos martyrōn), “nuvem de testemunhas” em prol

134

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1313. 135

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1315. 136

Cf. STRATHMANN, Hermann. pp. 1320-1321.

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79

da Igreja do tempo presente137

.

A Carta aos Hebreus traz 08 vezes a ocorrência do verbo (martyreō)138

,

primeiramente referindo-se ao testemunho que Deus dá a respeito do anúncio dos apóstolos

por meio dos milagres que são realizados e dos dons do Espírito (cf. Hb 2,4)139

.

Esse verbo, que indica também a ação de atestar que determinada pessoa tem uma boa

reputação e de dar um bom testemunho sobre alguém, aparece no texto de Hb 11,4, onde se

argumenta que Abel ofereceu um sacrifício maior do que o de Caim e isso lhe rendeu o

testemunho de que ele era justo. E em seguida, o termo é utilizado novamente para ressaltar

que Deus deu testemunho da qualidade de suas ofertas e, por isso, continua a falar mesmo

depois de sua morte140

.

Esta epístola se distingue dos demais escritos do Novo Testamento porque utiliza o

verbo (martyreō) exclusivamente no passado, especialmente em Hb 11. Aquele que

dá testemunho é Deus e, com este, confirma a fé da pessoa mencionada sempre numa ação

que já foi realizada no passado (cf. Hb 11,2.4.5.39)141

. Nela, Deus ou o Espírito ou a Escritura

são sujeitos de um juízo que confirma a veracidade de determinada afirmação. Em Hb

11,2.4.5.39 se diz que por sua fé os antigos alcançaram um bom testemunho, e, segundo

algumas traduções, esse testemunho é dado por Deus; pela fé Abel alcançou o testemunho de

que era justo, e Deus deu testemunho dos dons que foram a Ele apresentados; também pela fé

Enoque foi transladado para não passar pela morte, e isso foi um testemunho dado por Deus;

e, por fim, fala que todos os que foram citados nesse capítulo de Hebreus receberam um bom

testemunho por sua fé, mesmo que não tenham alcançado a realização das promessas de Deus

que aconteceria em Jesus142

.

137

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores).

DITNT. 2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2512. 138

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2507. 139

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1335. 140

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1337. 141

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2512. 142

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1337.

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Segundo Pikasa, esse trecho da Carta aos Hebreus evidencia que o cristianismo

conserva o testemunho judaico, assumindo o caminho da fé dos grandes crentes de Israel, e

culmina em Jesus Cristo, a testemunha fiel, testemunha de Deus para os homens. Assim, a fé

consiste em aceitar e manter o testemunho daqueles que creram anteriormente. Esse

testemunho dos patriarcas e dos judeus mártires constitui um elemento essencial do memorial

cristão e faz parte da profissão de fé dos apóstolos, indicando que o testemunho judaico não

termina em Jesus, mas continua ao longo dos anos por meio dos judeus que vieram depois

Dele, mas também por meio dos cristãos143

.

Ainda nesse sentido, o vocábulo indica uma declaração que tem sua autoridade

confirmada pelas Sagradas Escrituras, como em Hb 7,8 que esclarece que o dízimo de

Melquisedec foi cobrado por alguém que não morreu, como testemunha a Escritura;

e em Hb 7,17 segundo o qual a Escritura dá testemunho que Jesus será sacerdote para sempre

segundo a palavra de Melquisedec nas palavras retiradas do Sl 109,4. Também em Hb 10,15

carrega esse sentido, afirmando que o Espírito dá testemunho daquilo que ele disse como

profecia sobre o cumprimento da Aliança de Deus com seu povo, referindo-se a Jr 31,33144

.

A palavra (martyria) não aparece na Carta aos Hebreus.

O vocábulo (martyrion) aparece apenas 01 vez nessa Carta145

, sendo

entendido como o ato de testemunhar; assim, o autor afirma que Moisés foi fiel como servo

em toda a casa de Deus, para testemunho das coisas que deveriam ser anunciadas

(cf. Hb 3,5), indicando as diretrizes de caráter legal que ele deveria receber de Deus no

Tabernáculo e depois testemunhar ao povo146

.

Na Carta aos Hebreus há dois compostos. No sentido de “exortar” ou “insistir em um

143

Cf. PIKASA, Xabier. Testimonio (Judaismo e Cristianismo). In PIKASA, Xabier et AYA, Abdelmumin.

DTR. Espanha: Editora Verbo Divino, 2009. p. 1125. 144

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1337. 145

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1313. 146

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1360.

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81

testemunho”, (diamartyromai) aparece 01 vez quando o autor argumenta que a

Escritura testemunha a respeito do homem quando questiona: quem é o homem para que o

Senhor possa se lembrar dele ou visitá-lo? (cf. Hb 2,6)147

.

Nesta Carta aparece 01 vez (synepimartyreō) que, em toda Escritura,

encontra-se somente nesta Carta. Seu significado é de algo que foi testemunhado

anteriormente e que agora recebe outro testemunho que ajuda a atestar o que foi declarado.

Assim, Hb 2,4 apresenta que a salvação foi anunciada por Jesus, mas agora o próprio Deus

testemunha sobre ela, junto com os que ouviram a mensagem de Jesus, com sinais, milagres e

pelos dons do Espírito que ele agora distribui segundo Sua vontade148

.

2.3. A TESTEMUNHA NAS CARTAS CATÓLICAS

O vocábulo (martys) aparece 01 vez na Primeira Carta de Pedro149

, com a

expressão “testemunha dos sofrimentos de Cristo” (cf. 1Pd 5,1). Essa é particularmente

complexa, segundo Strathmann. Pedro reclama para si a autoridade que possui diante da

comunidade, porque cumpre bem o seu ofício: “exorto aos presbíteros (anciãos), eu presbítero

(ancião) como eles, testemunha dos sofrimentos de Cristo”. No versículo seguinte, a partir

disso, pode dar os seus conselhos porque ele é uma testemunha ocular da Paixão de Jesus e,

por isso, deve recordar aos presbíteros o exemplo de sofrimento que dela decorre150

.

Em seguida, Pedro afirma que é “participante da glória que há de vir”, mostrando que

sua participação é pessoal não só por ter tido uma experiência visual que o fez “testemunha

ocular”, mas porque em seguida, em 1Pd 4,13, dirá que o sofrimento dos cristãos na

perseguição é “participação dos sofrimentos de Cristo”. Assim, esse sofrimento faz parte da

147

Cf. BIBLE WORKS for Windows. Version 7.0.012g. 2006. 148

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1378. 149

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1313. 150

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1329.

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missão apostólica, o que constitui um entendimento presente no Novo Testamento151

.

Pedro exorta os participantes desse sofrimento a suportá-los com paciência

e até mesmo com alegria (cf. 1Pd 1,6s; 2,20; 3,14; 4,1.12s), porque ele mesmo passa

pessoalmente por essa experiência pessoal e por isso pode falar dele, do seu valor e da sua

bem-aventurança. Quando direciona o modo de se comportar sob a pressão das circunstâncias,

o faz pela sua própria vivência152

.

O vocábulo (martyrion) aparece 01 vez na Carta de Tiago153

, com o

entendimento trazido do Antigo Testamento de que alguma coisa ou acontecimento pode se

tornar um testemunho para o povo de Deus. Em Tg 5,3 o autor afirma que o ouro e a prata dos

ricos enferrujarão e isso será um testemunho contra eles no dia do juízo final, porque não

souberam viver praticando a justiça e a caridade para com seus irmãos154

.

Na Primeira Carta de Pedro, encontram-se dois compostos. Primeiramente

(promartyromai), que é empregado com o sentido de “dar um testemunho

impulsivo” ou anunciar com antecedência. Assim, Pedro relata que os profetas anunciaram,

pelo Espírito que estava com eles, dando um testemunho dos sofrimentos e da glória

que teria Jesus Cristo (cf. 1Pd 1,11)155

.

E (epimartyreō), que traz o entendimento de “confirmar uma ideia ou

assentir a ela” ou a um ponto de vista que foi apresentado por alguém. Ele aparece somente

01 vez no Novo Testamento, em 1Pd 5,12, ao lado da palavra “exortar”, com o sentido de

“relembrar”156

e, ao mesmo tempo, de “atestar”, repetindo uma afirmação anterior,

provocando uma ênfase no sentido do testemunho157

.

151

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1330. 152

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1330. 153

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1313. 154

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1356. 155

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1387. 156

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores).

DITNT. 2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2507. 157

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1373.

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REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO II

1. FONTE PRINCIPAL

BÍBLIA: NOVUM TESTAMENTUM GRAECE. 27ª ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2006.

2. LIVROS, DICIONÁRIOS, LÉXICOS E REVISTAS

ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. Revista de Cultura

Teológica, São Paulo, Ano II, n. 08, pp. 19-40, jul./set. 1994. [RCT]

BAUER, Johannes B. Dicionário Bíblico-Teológico. Tradução de Fredericus Antonius Stein;

Supervisão de Johan Konings. São Paulo: Edições Loyola, 2000. [DBT]

COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores).

Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. 2ª ed. V. 2. pp. 2503-2512. São

Paulo: Edições Vida Nova, 2000. [DITNT]

______. Testimonianza. In COENEN, Lothar; BEYREUTHER, Erich et BITENHARD, Hans. (Cura).

Dizionario dei Concetti Biblici del Nuovo Testamento. Traduzione di A. dal Bianco et all.

pp. 1857-1866. Bologna: Edizioni Dehoniane Bologna, 1980. [DCBNT]

DILLENSCHNEIDER, Clement. O Apóstolo, Testemunha de Cristo, a “Testemunha Fiel” do

Pai. Tradução: Cláudio Cella. São Paulo: Paulinas, 1970.

MACKENZIE, John L. Testemunha. In MACKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. Tradução

de Álvaro Cunha et al; Revisão Geral de Honório Dalbosco. São Paulo: Edições

Paulinas, 1983. [DB]

PIKASA, Xabier. Testimonio (Judaismo e Cristianismo). In PIKASA, Xabier et AYA,

Abdelmumin. Diccionario de Las Tres Religiones: Judaísmo, Cristianismo y Islam.

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84

Espanha: Editora Verbo Divino, 2009. pp. 1124-1126. [DTR]

STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. Grande Lessico del Nuovo

Testamento. V. 6. Edizione Italiana Integrale. Brescia (Italia): Paideia, 1970.

pp. 1269-1392. [GLNT]

VELASCO, José F. Testimonio (Islam). Durán. In PIKASA, Xabier et AYA, Abdelmumin.

Diccionario de Las Tres Religiones: Judaísmo, Cristianismo y Islam. Espanha: Editora

Verbo Divino, 2009. pp. 1126-1127. [DTR]

TRITES, Allison A. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores).

Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. 2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições

Vida Nova, 2000. pp. 2512-2515. [DITNT]

WOSCHITZ, Karl M. Testemunho. In BAUER, Johannes B. Dicionário Bíblico-Teológico.

Tradução de Fredericus Antonius Stein; Supervisão de Johan Konings. São Paulo: Edições

Loyola, 2000. pp. 426-429. [DBT]

3. PROGRAMAS DE COMPUTADOR

BIBLE WORKS for Windows. Version 7.0.012g. 2006.

BIBLIA CLERUS. Congregatio pro Clericis. http://www.clerus.org. 26/03/2011 às 18h00.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.11a.

Curitiba: Editora Positivo, 2004.

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85

CAPÍTULO III

E O QUE VIU TESTEMUNHA

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O presente capítulo se desenvolve a partir de uma análise exegética do texto do

Evangelho de João 19,31-37. Esta análise centralizará sua reflexão no conceito de testemunha

no Evangelho de João.

Inicialmente o texto é traduzido do grego, para que a proximidade com o pensamento

original do autor ajude a entendê-lo melhor. Dentro deste contexto, apresenta-se a justificação

daquilo que for mais relevante para a tradução e para as escolhas realizadas neste estudo e que

podem diferir de outras traduções para o português.

O texto, então, é delimitado e a argumentação é desenvolvida sobre a razão pela qual

esse trecho pode ser entendido como uma perícope do Evangelho de João e, no contexto geral

deste Evangelho, ser o ponto de partida para as demais reflexões. Realizam-se, então, as

demais etapas da exegese.

Em seguida, desenvolve-se a análise sintática e semântica do texto que consiste na

análise do significado e da estrutura fundamental das orações e das palavras que foram

utilizadas no português, a partir de sua referência no grego. A análise pragmática consiste em

uma argumentação sobre o porquê de esta perícope ser escrita, seguindo como referência

fundamental para isto o estudo de Raymond Brown.

Finalmente, realiza-se a análise teológica para o entendimento do conceito de

testemunha que é o ponto central deste trabalho, baseada e fundamentada nas etapas

trabalhadas anteriormente e na argumentação de diversos autores.

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3.1. TRADUÇÃO DO TEXTO GREGO DE JO 19,31-37 E DELIMITAÇÃO

“31

32

33

34

35

36

37

” (Jo 19,31-37)

31 Artigo Definido Nominativo Masculino Plural

Conjunção Coordenativa

Adjetivo Normal Nominativo Masculino Plural

Conjunção Subordinativa

Nome Nominativo Feminino Singular Comum

Verbo Indicativo Imperfeito Ativo 3ª Pessoa do Singular

Conjunção Subordinativa

Partícula Negativa

Verbo Subjuntivo Aoristo Ativo 3ª Pessoa do Singular

Preposição Genitiva

Artigo Definido Genitivo Masculino Singular

Nome Genitivo Masculino Singular Comum

Artigo Definido Nominativo Neutro Plural

Nome Nominativo Neutro Plural Comum

Preposição Dativa

Artigo Definido Dativo Neutro Singular

Nome Dativo Neutro Singular Comum

Verbo Indicativo Imperfeito Ativo 3ª Pessoa do Singular

Conjunção Coordenativa

Adjetivo Normal Nominativo Feminino Singular sem Grau

Artigo Definido Nominativo Feminino Singular

Nome Nominativo Feminino Singular Comum

Pronome Demonstrativo Genitivo Neutro Singular

Artigo Definido Genitivo Neutro Singular

Nome Dativo Neutro Singular Comum

Verbo Indicativo Aoristo Ativo 3ª Pessoa do Plural

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88

Artigo Definido Acusativo Masculino Singular

Nome Acusativo Masculino Singular Próprio

Conjunção Subordinativa

Verbo Subjuntivo Aoristo Passivo 3ª Pessoa do Plural

Pronome Pessoal Genitivo Masculino Plural

Artigo Definido Acusativo Neutro Plural

Nome Acusativo Neutro Plural Comum

Conjunção Coordenativa

Verbo Subjuntivo Aoristo Passivo 3ª Pessoa do Plural

32 Verbo Indicativo Aoristo Ativo 3ª Pessoa do Plural

Conjunção Coordenativa

Artigo Definido Nominativo Masculino Plural

Nome Nominativo Masculino Plural Comum

Conjunção Coordenativa

Artigo Definido Genitivo Masculino Singular

Partícula

Adjetivo Ordinal Genitivo Masculino Singular sem Grau

Verbo Indicativo Aoristo Ativo 3ª Pessoa do Plural

Artigo Definido Acusativo Neutro Plural

Nome Acusativo Neutro Plural Comum

Conjunção Coordenativa

Artigo Definido Genitivo Masculino Singular

Pronome Indefinido Genitivo Masculino Singular

Artigo Definido Genitivo Masculino Singular

Verbo Particípio Aoristo Passivo Genitivo Masculino Singular

Pronome Pessoal Dativo Masculino Singular

33 Preposição Acusativa

Conjunção Coordenativa

Artigo Definido Acusativo Masculino Singular

Nome Acusativo Masculino Singular Próprio

Verbo Particípio Aoristo Ativo Nominativo Masculino Plural

Conjunção Subordinativa

Verbo Indicativo Aoristo Ativo 3ª Pessoa do Plural

Advérbio

Pronome Pessoal Acusativo Masculino Singular

Verbo Particípio Perfeito Ativo Acusativo Masculino Singular

Advérbio

Verbo Indicativo Aoristo Ativo 3ª Pessoa do Plural

Pronome Pessoal Genitivo Masculino Singular

Artigo Definido Acusativo Neutro Plural

Nome Acusativo Neutro Plural Comum

34 Conjunção Coordenativa

Adjetivo Cardinal Nominativo Masculino Singular sem Grau

Artigo Definido Genitivo Masculino Plural

Nome Genitivo Masculino Plural Comum

Nome Dativo Feminino Singular Comum

Pronome Pessoal Genitivo Masculino Singular

Artigo Definido Acusativo Feminino Singular

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89

Nome Acusativo Feminino Singular Comum

Verbo Indicativo Aoristo Ativo 3ª Pessoa do Singular

Conjunção Coordenativa

Verbo Indicativo Aoristo Ativo 3ª Pessoa do Singular

Advérbio

Nome Nominativo Neutro Singular Comum

Conjunção Coordenativa

Nome Nominativo Neutro Singular Comum

35 Conjunção Coordenativa

Artigo Definido Masculino Nominativo Singular

Particípio Perfeito Ativo Definido Nominativo Masculino Singular

Verbo Indicativo Perfeito Ativo 3ª Pessoa do Singular

Conjunção Coordenativa

Adjetivo Substantivado Nominativo Feminino Singular

Pronome Masculino Genitivo 3ª Pessoa do Singular

Verbo Indicativo Presente Ativo 3ª Pessoa do Singular

Artigo Definido Feminino Nominativo Singular

Nome Feminino Nominativo Singular

Conjunção Coordenativa

Adjetivo Pronominal Demonstrativo Nominativo Masculino Singular

Verbo Indicativo Perfeito Ativo 3ª Pessoa do Singular

Conjunção Coordenação

Adjetivo Substantivado Acusativo Neutro Plural

Verbo Indicativo Presente Ativo 3ª Pessoa do Singular

Conjunção Subordinativa

Advérbio

Pronome Nominativo 2ª Pessoa do Plural

Verbo Subjuntivo Aoristo Ativo 2ª Pessoa do Plural

36 Verbo Indicativo Aoristo Médio 3ª Pessoa do Singular

Conjunção Subordinativa

Adjetivo Pronominal Demonstrativo Nominativo Neutro Plural

Conjunção

Artigo Definido Feminino Nominativo Singular

Nome Feminino Nominativo Singular

Verbo Subjuntivo Aoristo Passiva 3ª Pessoa do Singular

Nome Neutro Nominativo Singular

Partícula Negativa

Verbo Indicativo Futuro Passiva 3ª Pessoa do Singular

Pronome Masculino Genitivo 3ª Pessoa do Singular

37 Conjunção Coordenação

Advérbio

Adjetivo Indefinido Nominativo Feminino Singular

Nome Feminino Nominativo Singular

Verbo Indicativo Presente Ativo 3ª Pessoa do Singular

Verbo Indicativo Futuro Médio 3ª Pessoa do Plural

Preposição Acusativa

Adjetivo Pronominal Relativo Acusativo Masculino Singular

Verbo Indicativo Aoristo Ativo 3ª Pessoa do Plural

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os em seguida judeus por causa preparação

31. Em seguida, os judeus, visto que era a preparação [para a Páscoa],

era (intenção) negação permanecesse do lugar

para que não permanecesse[m]

o a cruz os corpos em

na cruz os corpos

o sábado era para grande

no sábado, porque era

a dia isso o sábado

solene esse dia de sábado,

pediram o Pilatos para que fossem quebradas

pediram a Pilatos para que fossem quebradas

suas as pernas e fossem removidos

as suas pernas e fossem removidos.

vieram em seguida os soldados e

32. Vieram, em seguida, os soldados e

o efetivamente primeiro quebraram as

do primeiro quebraram as

pernas e do outro o

pernas e do outro

crucificar com ele (no lugar) mas o

que foi crucificado junto com ele,

Jesus indo sobre viram já

33. mas tendo ido até Jesus, viram que ele já

ele estando morto não quebraram dele

estando morto, não quebraram

as pernas mas um dos

as suas pernas,

soldados lança dele a o lado

34. mas um dos soldados [com uma] lança golpeou o lado dele

golpeou e saiu imediatamente sangue

e saiu imediatamente sangue

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e água e o viu

e água.

testemunha e verdadeiro ele é

35. E o [que] viu testemunha e é verdadeiro

a testemunha e aquele sabe

o seu testemunho e ele sabe

que verdade diz para que e

que a verdade diz para que também vós creiais.

vós creiais veio a ser pois estes

36. E isto aconteceu pois esta

e a Escritura foi completada osso

Escritura foi cumprida: osso dele

não destruirá dele e ainda

não será partido.

um outro Escritura diz verão para

37. E ainda uma outra Escritura que diz: verão a

quem traspassaram.

quem transpassaram.

“31

Em seguida, os judeus, visto que era a preparação [para a Páscoa], para que não

permanecesse[m] na cruz os corpos no sábado, porque era solene esse dia de sábado, pediram

a Pilatos para que fossem quebradas as suas pernas e fossem removidos. 32

Vieram, em

seguida, os soldados e do primeiro quebraram as pernas e do outro que foi crucificado junto

com ele, 33

mas, tendo ido até Jesus, viram que ele já estando morto, não quebraram as suas

pernas, 34

mas um dos soldados [com uma] lança golpeou o lado dele e saiu imediatamente

sangue e água. 35

E o [que] viu testemunha e é verdadeiro o seu testemunho e ele sabe que a

verdade diz para que também vós creiais. 36

E isto aconteceu pois esta Escritura foi cumprida:

osso dele não será partido. 37

E ainda uma outra Escritura diz: verão a quem transpassaram”.

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Algumas indicações podem ajudar a tradução do texto e suas escolhas, entendendo

que, como vários autores confirmam, toda tradução já é uma interpretação do próprio texto.

Assim, para as escolhas realizadas, expõem-se alguns argumentos que indicam as decisões

tomadas. Em especial, serão comentadas aquelas escolhas que foram mais relevantes ou que

podem causar maior abrangência de traduções ou interpretações devido à distância comum

entre línguas diferentes, como o grego em relação ao português.

O ponto de partida foi a escolha de seguir, na tradução do texto, o mais próximo

possível, a ordem das palavras utilizadas pelo escritor sagrado. Isso ajuda a manter os

paralelismos existentes no texto e a importância que cada expressão é conferida, pois se

entende que um objeto que precede o sujeito tem uma importância ressaltada, por exemplo, e

isso pode auxiliar no seu entendimento.

Segue uma análise dos verbos por serem eles o princípio da ação desenvolvida e um

auxílio para um maior entendimento do texto. Por exemplo, se um verbo se encontra no ativo,

o sujeito realiza uma ação; se no passivo, a ação é realizada sobre ele. Isso, somado às

diferentes declinações, ajuda a desenvolver a análise em questão.

No Novo Testamento, o tempo imperfeito é usado para indicar uma ação no passado

que ainda não foi concluída. Pois a forma verbal (eimi) é o único tempo passado no

imperfeito e encontra-se somente no indicativo1, como neste caso em que é usada a forma

declinada (ēn), “era”.

No sistema aoristo, o subjuntivo apresenta uma ação já acabada, o que é reforçado por

outras indicações do texto, de modo que a ação é vista como consumada ou afirmada em sua

totalidade. Isso contrasta com o presente do subjuntivo no grego, que expressa uma ação que

ainda não terminou ou que dá uma ênfase descritiva ao texto2. Esse sentido é usado para o

verbo (menō), “permanecer”.

1 Cf. SWETMAN, James. GGNT. V. 1. São Paulo: Paulus, 2002. p. 27.

2 Cf. SWETMAN, James. GGNT. p. 122.

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O aoristo indica uma ação que já terminou; em especial, no modo indicativo é

combinado com outros elementos que geralmente significam uma ação no passado. A voz

ativa indica que o sujeito da oração é o mesmo sujeito que pratica a ação3; neste caso, o

sujeito em questão é “os judeus”. Também essa declinação é usada mais adiante para os

verbos (ercomai), “vieram”; (katagnumi), “quebraram” (por duas vezes);

e (řoraō “viram”, relacionados à ação dos soldados com os crucificados e com Jesus.

O mesmo vale para os verbos (nyssō), “golpeou”, e (ecsecomai), “saiu”, mas

estes se encontram no singular. Cabe ressaltar que sempre a ação dos soldados foi

preferencialmente usada pelo autor na mesma forma verbal.

Aqui o verbo (katagnumi), “fossem quebradas”, é empregado com a

indicação de uma ação acabada como citado acima para o caso do subjuntivo no aoristo, só

que agora o verbo se encontra no passivo e no plural, indicando que os que estavam na cruz

sofreriam uma ação que seria realizada por outrem – neste caso a ação seria a de ter suas

pernas quebradas para que pudessem morrer mais depressa. Esse mesmo entendimento vale

para o verbo (airō), “fossem removidos”, no sentido de serem tirados da cruz.

O aoristo, como foi visto anteriormente, indica uma ação que já terminou, mas no

particípio funciona como um adjetivo verbal que qualifica o sujeito4. No caso de

(systayroō), “sendo crucificado com” a ação é realizada em um dos que foram

crucificados com Jesus, e ele sofre a ação, pois o verbo está na voz passiva e no singular;

porém, na tradução para o português se preferiu a forma “foi crucificado” por melhor se

adequar à gramática. O mesmo vale para o verbo (ercomai), “tendo ido”, mas este se

encontra na voz ativa, indicando que o sujeito, neste caso “os soldados”, realiza a ação.

Esse sentido do Particípio vale também para o verbo (thnēskō), “estando

morto”, que se encontra agora no Perfeito, indicando uma ação que aconteceu anteriormente e

3 Cf. SWETMAN, James. GGNT. V. 1. São Paulo: Paulus, 2002. pp. 110 e 61.

4 Cf. SWETMAN, James. GGNT. p. 49.

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expressando seu resultado no presente, em um tempo que depende dos verbos que o

acompanham5.

Um verbo fundamental para o entendimento do texto é encontrado no Particípio

Perfeito Ativo Definido Nominativo Masculino Singular da raiz (řoraō. O verbo no

Particípio Perfeito foi traduzido no passado6. Em alguns casos seria possível pensar a tradução

no presente, levando em conta o reforço da ação do sujeito: “o que vê” ou o “vidente”, à

semelhança do texto que diz uma “voz que clama no deserto” que é “clamante”7 que

comumente é uma forma traduzida no presente e não no passado, expressando a ideia de

continuidade que se adequaria ao tempo presente ou ao pretérito imperfeito no português, pois

se entende que quem “viu” não continua vendo até hoje, mas já finalizou a sua ação, e esse

não é o entendimento desejado. Porém, depois de pesquisar diversas traduções em diversas

línguas como espanhol, italiano, inglês e latim e em algumas análises de estudiosos,

preferiu-se adequar o verbo ao passado “viu”, comum às traduções, mas ressaltando tudo o

que foi dito anteriormente sobre a continuidade da ação do “ver” que este texto pede.

Logo em seguida, encontra-se o verbo principal da reflexão que aqui se propõe:

(martyreō), escrito no Indicativo Perfeito Ativo 3ª Pessoa do Singular, com a

mesma indicação dada acima para a tradução do Perfeito, porém se percebe que a palavra no

grego é um só verbo. Para a análise proposta neste trabalho, se o termo for mantido como um

verbo simples, reforça a ação do sujeito expresso na oração inicial. Outra forma sugerida seria

“dá testemunho” já que o verbo se encontra no ativo, mas a força da tradução recairia no

verbo composto iniciado por “dar” e não no testemunho, como propõe o evangelista no texto

original e este estudo do conceito.

Um verbo importante é (pisteyō), “crer” que aparece no Subjuntivo na voz

ativa e por isso se preferiu a tradução no presente do subjuntivo no português, “creiais”, para

5 Cf. SWETMAN, James. GGNT. V. 1. São Paulo: Paulus, 2002. p. 149.

6 Cf. SWETMAN, James. GGNT. p. 138.

7 Cf. SWETMAN, James. GGNT. p. 100.

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se manter o entendimento mais próximo do desejado pelo autor.

O verbo (guinomai) no Aoristo, com a possível tradução de um verbo

composto, “veio a ser”, foi substituído pela tradução de um só verbo no passado, “aconteceu”.

Essa escolha ajuda a compreender melhor o sentido do verbo e a unidade da oração inicial que

abre um novo bloco no texto que finaliza a perícope composta pelos dois versículos colocados

pelo autor sobre o cumprimento das Escrituras.

O verbo subjuntivo na voz passiva (plēroō) é mais bem entendido, neste caso,

pelo verbo composto: “foi cumprida”. Algumas traduções preferem “se cumpriu”,

mas essa forma coloca o verbo na voz ativa e retira o sentido mais próximo do

original utilizado pelo autor.

Por fim, como escolha de tradução, o verbo (syntribō), que originalmente é

traduzido por “destruir”, adquire um entendimento mais claro quando se utiliza a forma verbal

“partido”, que normalmente é utilizado no português para o ato de “partir um osso” humano

ou animal. Neste caso se fez a opção pelo verbo composto para ressaltar a voz passiva ainda

que esta, diversa da anterior, seja apresentada no futuro. Cabe ressaltar que o verbo aqui é

diferente do verbo utilizado acima como “quebrar”, por isso também se optou pelo emprego

da tradução em dois termos diferentes, o que em algumas traduções fica perdido.

A palavra (kai), que aparece oito vezes no texto como uma conjunção aditiva e,

principalmente a partir do versículo 35, remete a um hebraísmo comum nos textos do Novo

Testamento. Ao mesmo tempo, percebe-se a repetição que indica um reforço claramente

desejado pelo autor ao escrevê-la.

Em algumas partes preferiu-se utilizar o pronome “seu”, pois este ajuda na

compreensão do texto tanto na referência a quebrar as pernas de Jesus quanto em sua

utilização para poder manter o paralelismo existente entre o verbo “testemunha” que finaliza a

oração anterior no versículo 35 e o substantivo que termina esta oração, mantendo a ação

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como é encontrada no texto original.

Tem-se em seguida o adjetivo pronominal demonstrativo (ekeinos), que na

tradução se preferiu manter também um pronome demonstrativo na mesma linha de “aquele”,

que é termo utilizado normalmente nas traduções. Em alguns casos se faz a opção de sua

substituição por um pronome pessoal, “ele”, porém se perderia a força desse pronome

utilizado anteriormente pelo autor e ao mesmo tempo se percebe que “este” indica melhor um

retorno ao sujeito da ação e faz com que o leitor volte ao testemunho dado.

A conjunção “e” foi deslocada para o início do texto no versículo 36 para entrar em

paralelo com as demais; percebe-se, no entanto, que esta vem da palavra (řina) e não de

(kai) como as anteriores. Seria possível optar por sua retirada do texto, mas se perderia a

utilização desse termo.

Como já foi indicado acima, preferiu-se a tradução das palavras na ordem mais

próxima do original. As palavras seguintes não acarretam grandes dificuldades na tradução,

seguindo aquilo que comumente é encontrado nos textos traduzidos.

Para delimitar o texto apresentado neste capítulo, há alguns pontos apresentados por

Brown que ajudam a perceber o contexto no qual a presente perícope está inserida e como

esta pode ser delimitada. Em especial, pode-se destacar que está inserida no chamado

“Relato Joanino da Paixão”.

Segundo Brown, é relativamente fácil perceber as linhas gerais apresentadas pelo

evangelista na estruturação de seu texto. Há três blocos principais aproximadamente com o

mesmo tamanho e que contêm 27, 29 e 26 versículos respectivamente. A primeira seção

(cf. Jo 18,1-27) traz o relato da prisão e do interrogatório de Jesus, a prisão já se desdobrando

no interrogatório. A segunda seção (cf. Jo 18,28–19,16a) apresenta o julgamento de Jesus

perante Pilatos em uma narração dramática e perfeitamente construída. E a terceira seção

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(cf. Jo 19,16b-42), na qual a perícope estudada está inserida, é constituída pelos episódios da

crucifixão, morte e sepultamento de Jesus8.

Nessa seção final há uma série de cinco episódios que o evangelista vai narrando e que

é iniciada por uma introdução que apresenta a via dolorosa e a crucifixão de Jesus e termina

com uma conclusão na qual Jesus é sepultado por José de Arimateia e Nicodemos.

Exatamente o quinto episódio, ou seja, o que faz o fechamento desses eventos, é a narração da

autorização de Pilatos para que se quebrem as pernas dos que foram crucificados e a

afirmação do próprio autor de que todos esses fatos foram atestados por ele, em especial, a

morte de Jesus e a sua confirmação com seu peito aberto pela lança, concluindo com duas

profecias que a Escritura apresenta sobre a morte do Messias.

O final do quarto episódio é indicado com a narração final do versículo 30 no qual é

apresentada a morte de Jesus: “e reclinando a cabeça ele entregou o espírito”. Logo após,

pode-se perceber a mudança do assunto tratado na narração no versículo 31: “Em seguida, os

judeus, visto que era a preparação...”. Assim, se inicia a nova seção com um novo tema, uma

indicação temporal e a mudança de local do calvário para onde Pilatos estava. Isso é uma

forma comum às delimitações de perícopes em outros textos nas Sagradas Escrituras. Essa

seção é finalizada com a narração do versículo 37: “verão a quem transpassaram”. Nele o

autor faz a conclusão dos eventos apresentados nos versículos 31-37.

Dentro desse quinto episódio pode-se destacar o bloco central (C) que é a base deste

estudo. Antes deste bloco central, há a apresentação de dois temas: o “quebraram as suas

pernas” (A); e o “golpeou o lado” (B) com a narração do soldado que abre o peito de Jesus e

dele sai sangue e água. Depois desse bloco central, há a narração do cumprimento de duas

passagens da Escritura: “osso dele não será partido” (A'); e “verão a quem transpassaram”

(B'). Dessa forma pode-se perceber o texto em paralelo, mesmo que não seja um quiasmo

8 Cf. BROWN, Raymond E. El Evangelio según Juan. 2ª ed. Madrid: Ediciones Cristandad, 1999. p. 1177.

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perfeito, mas que parece ser colocado de forma intencional pelo autor, percebendo-se, assim,

facilmente um esquema do tipo A B C A' B'.

O ponto central da narração inicia-se com o testemunho textual do autor sobre o que se

passou nesse dia, e tem-se aqui a indicação de um pequeno bloco delimitado pela mudança de

foco da narração, onde, da descrição sobre o que aconteceu com Jesus, se passa para um lugar

mais delimitado que é a figura do próprio autor do texto no versículo 35: “E o que viu

testemunha...” Ele sai da argumentação de algo externo para narrar algo que se

passa através de si mesmo.

Os soldados que estavam no foco até aquele momento são colocados de lado, e assume

o foco principal o evangelista aos pés da Cruz. Em especial, a forma de argumentação do

texto também muda, pois o que era um relato do fato ocorrido agora passa a um diálogo com

o leitor: testemunho para que vós creiais! O autor pede do leitor uma adesão positiva ao

Mistério Pascal de Cristo, marcado essencialmente por uma profissão de fé por parte daquele

que agora se depara com o Evangelho.

É como se o olhar do autor se dirigisse para Jesus junto com o leitor e, neste momento,

o Discípulo olha para o leitor e o interpela para que ele creia. O destinatário do texto é sempre

o leitor, mas agora esse olhar direciona diretamente ao leitor uma exposição, um testemunho

sobre a verdade dos fatos e, em seguida, sobre o cumprimento das Escrituras... O que está

morto não é um homem qualquer, mas é o Messias, é o cumprimento das promessas do Pai

para com o seu povo, Israel!

A conclusão dessa terceira seção é marcada, no versículo 38, pela introdução de uma

nova indicação temporal: “Depois disso...”, seguida da introdução de um novo personagem:

José de Arimateia. O espaço da ação muda novamente do Calvário para o “local” onde Pilatos

estava, introduzindo o novo tema a ser narrado, que é o sepultamento de Jesus, e indicando a

finalização do episódio anterior delimitando a perícope apresentada.

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3.2. ANÁLISE SINTÁTICA, SEMÂNTICA E PRAGMÁTICA

01.

31Em seguida, os judeus,

02. visto que era a preparação (para a Páscoa) Oração Subordinada Adverbial Causal

I. 03. para que não permanecessem na cruz os corpos no sábado, Oração Subordinada Adverbial Final

04. porque era solene esse dia de sábado, Oração Subordinada Adverbial Causal

pediram a Pilatos, Oração Principal

05. que fossem quebradas as suas pernas Oração Subordinada Substantiva Objetiva Direta

06. e fossem removidos. [os corpos] Oração Subordinada Substantiva Objetiva Direta, Coordenada à Anterior

_______________

II. 07. 32

Vieram, em seguida, os soldados, Oração Coordenada Assindética

III. 08. e do primeiro quebraram as pernas, Oração Coordenada Sindética Aditiva

IV. 09. e do outro, [com o verbo “quebraram” implícito]

Oração Coordenada Sindética Aditiva e Principal (em relação à próxima)

10. que foi crucificado junto com Ele Oração Subordinada Adjetiva

11. 33

mas,

V. 12. tendo ido até Jesus, Oração Subordinada Adverbial Temporal

viram Oração Coordenada Sindética Adversativa e Principal (em relação à próxima)

13. que Ele já estando morto, Oração Subordinada Objetiva Direta

VI. 14. não quebraram as suas pernas, Oração Coordenada Conclusiva

VII. 15. 34

mas um dos soldados (com uma) lança golpeou o lado dele, Oração Coordenada Sindética Adversativa

VIII. 16. e saiu imediatamente sangue e água. Oração Coordenada Sindética Aditiva

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IX. 17. 35

E o que viu Testemunha, Oração Coordenada Sindética Aditiva

X. 18. e é verdadeiro o seu testemunho Oração Coordenada Sindética Aditiva

XI. 19. e este sabe Oração Coordenada Sindética Aditiva e Principal (em relação à próxima)

20. que diz a verdade Oração Subordinada Substantiva Objetiva Direta

21. para que também vós creias. Oração Subordinada Adverbial Final

_______________

XII. 22. 36

E isto aconteceu Oração Coordenada Sindética Aditiva

XIII. 23. pois esta Escritura foi cumprida: Oração Coordenada Sindética Explicativa e Principal (em relação à próxima)

24. osso dele não será quebrado. Oração Subordinada Substantiva Apositiva

XIV. 25. 37

E ainda uma outra Escritura diz: Oração Coordenada Sindética Aditiva e Principal (em relação à próxima)

26. verão, Oração Subordinada Substantiva Objetiva Direta e Principal (em relação à próxima)

27. a quem transpassaram. Oração Subordinada Substantiva Objetiva Direta

Na análise sintática dessa perícope destacam-se 27 verbos, o que corresponde a 27

orações divididas em 14 períodos. Dessas orações, dois casos são especiais e serão destacados

durante a análise: primeiramente no quarto período em que se apresenta um verbo implícito

para dar sentido à frase “quebraram”; e no nono período onde duas orações independentes se

tornam uma só quando a frase “o que viu” funciona como sujeito da oração precedente.

Para a análise, serão divididos os períodos em quatro blocos de acordo com o tema

tratado em cada um deles: o primeiro bloco, composto por apenas um período, apresenta o

pedido dos judeus a Pilatos; o segundo bloco, composto por sete períodos, apresenta o

cumprimento da ordem dada por Pilatos pelos soldados; o terceiro bloco, composto por três

_______________

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101

períodos, apresenta o testemunho do autor; e, por fim, o quarto bloco, composto por três

períodos, apresenta o cumprimento das Escrituras.

O primeiro bloco é formado por uma Oração Principal que apresenta o tema central

dessa subdivisão: “os judeus pediram a Pilatos”. Esse pedido marca a parte inicial da perícope

e faz a introdução do quinto episódio da terceira seção do relato da Paixão, como apresentado

acima na delimitação do texto.

São duas as orações que apresentam a causa do pedido: “era a preparação (para a

Páscoa)”; e “era solene este sábado”. E disso deriva a apresentação da finalidade do pedido:

“que os corpos não permanecessem na cruz”. Aqui está a argumentação do autor para o

pedido e sua consequência fundamental: “quebrar as pernas dos condenados” e “remover os

corpos da cruz”. Assim, a finalidade foi alcançada e será cumprida no bloco seguinte.

O segundo bloco pode ser subdividido em duas partes: os soldados em relação aos

condenados com Jesus e os soldados em relação a Jesus. A primeira parte poderia ser

analisada como três orações coordenadas unidas pela conjunção coordenativa aditiva “e” que

une os três períodos dentro do mesmo tema. Mas, para uma análise mais adequada ao

português, a terceira oração foi subdividida, entendendo que há ali um verbo implícito,

“quebraram”, e que forma uma nova oração, gerando uma nova oração subordinada a ela e

que qualifica o pronome anterior, ou seja, o “outro [que foi crucificado]” com Jesus. Nessa

primeira parte, o pedido realizado pelos judeus começa a ser cumprido pelos soldados, que

quebram as pernas dos dois condenados.

A segunda parte desse bloco apresenta no seu primeiro período (o quinto no total) os

soldados que vão até Jesus e veem que ele já está morto. Essa ação é concluída com um dado

apresentado pelo autor: “não quebraram as suas pernas”. As duas orações seguintes, unidas

pela conjunção aditiva “e”, apresentam o evento fundamental desse bloco: “a lança que

golpeia o lado de Jesus” e o “sair sangue e água”.

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O terceiro bloco, que é o centro deste estudo, apresenta três períodos com três orações

e, na última, duas subordinadas a ela. Estas são unidas pela conjunção aditiva “e” que dá um

reforço às frases e destaca três ações importantes presentes no texto: “o testemunho do que

viu”; a “verdade do seu testemunho”; e o intuito de que o leitor venha a “crer” em Jesus.

O primeiro período (o nono no total) é constituído pela união de duas orações. Isso

acontece pelo fato que já foi de certa forma apresentado na tradução, quando se argumenta

que o tempo utilizado no grego para “o que viu” faz compreender que isto não é simplesmente

uma ação de uma pessoa, mas a própria pessoa, isto é, o “vidente” é aquele que “testemunha”.

Mas, se assim fosse traduzido, perderia a importância do verbo “ver” no Evangelho de João e,

ao mesmo tempo, esse termo traz outro entendimento no português que não se ajusta à

intenção do texto. Assim, a primeira oração se torna o sujeito do período completo.

Esses períodos apresentam a ação do narrador que agora se dirige diretamente ao leitor

– que, aparentemente, é o objetivo central dessa construção. Os três períodos se conectam

nesta função de direcionar o olhar do autor ao leitor e apresentar-lhe seu testemunho

verdadeiro para que aquele que lê responda ao testemunho do evangelista com a sua fé.

O quarto bloco, formado por três períodos, apresenta a argumentação do evangelista

sobre o cumprimento de duas passagens da Escritura. Cada passagem é iniciada pela

conjunção aditiva “e” e elas são formadas por três orações.

São dois momentos que revelam o objetivo de apresentar a conclusão dessa narração

do autor: “pois a Escritura foi cumprida”. Isso convida o leitor a interpretar o Antigo

Testamento a partir do Mistério Pascal de Cristo.

A análise semântica se inicia com a apresentação de uma tabela que indica as palavras

e sua morfologia, em especial, das que aparecem mais vezes ou que são mais relevantes para

o entendimento do texto e do conceito de testemunha.

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O quadro é dividido pelos versículos e os números correspondem às orações

anteriormente apresentadas na análise sintática. Nesta primeira tabela são analisados os cinco

verbos que mais aparecem no texto.

Verbos

31 01.

02.

03.

04.

05.

06.

(era)

(era)

(fossem quebradas)

32 07.

08.

09.

10.

(quebraram)

(vieram)

33 11.

12.

13.

14.

(quebraram)

(tendo ido)

(viram)

34 15.

16.

35 17.

18.

19.

20.

21.

(é)

(viu)

(diz)

36 22.

23.

24.

(partido)

37 25.

26.

27.

(verão)

(diz)

O primeiro é o verbo (estin), “ser”, que aparece três vezes na perícope

trabalhada. É um verbo de ligação que, primeiramente, é usado no passado para se referir ao

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dia de preparação para a Páscoa, um dia solene. Mais adiante é utilizado no presente,

ressaltando a verdade do testemunho do autor.

O segundo verbo (katagnumi) aparece três vezes, uma em cada um dos três

primeiros versículos da perícope. Quando um verbo se repete, é porque se entende que o autor

quer ressaltar um dado importante em sua narrativa. A crucifixão era realizada com um

martelo pesado e normalmente só os ossos das pernas eram quebrados, mas algumas vezes

outros também se rompiam. A ação de quebrar as pernas era uma medida piedosa para com os

condenados, pois diminuía o tempo de seu sofrimento9; para Jesus, entretanto, não foi preciso.

Aqui se pode fazer a relação com texto anterior de João onde Jesus “amou até o fim”

(cf. Jo 13,1) e, por isso, nada de sua ação poderia ser amenizada.

Segundo Brown, a petição dos judeus se referiria aos três crucificados, o que leva a

entender que os judeus deixaram o Calvário ainda enquanto Jesus estava agonizando para

irem até Pilatos fazer o seu pedido10.

Unido ao verbo quebrar há, no penúltimo versículo, um termo semelhante, que nas

traduções é utilizado com o mesmo sentido, porém a palavra no grego é um verbo:

(syntribō). Este pode ser traduzido por “destruir” ou “partir” e faz uma referência de

que nenhum osso de Jesus foi quebrado para se cumprir a Escritura. Os autores apresentam

muitas possibilidades de passagens que possam ter sido a base para o autor do Evangelho de

João, mas há um acento na passagem de Ex 12,46 na qual apresenta o texto: “não quebrareis

osso nenhum”. E o Sl 34(33),21: “O Senhor guarda os seus ossos todos, nenhum deles será

quebrado”. Ambas as passagens utilizam o mesmo verbo na tradução da Septuaginta e fazem

uma referência ao Cordeiro Pascal, que não foi preservado da morte, mas seus ossos não

foram quebrados11

.

9 Cf. BROWN, Raymond E. El Evangelio según Juan. 2ª ed. Madrid: Ediciones Cristandad, 1999. p. 1344.

10 Cf. BROWN, Raymond E. El Evangelio según Juan. p. 1344.

11 Cf. BARRET, Charles Kingsley. El Evangelio según San Juan: Una Introducción con Comentario y Notas a

partir del Texto Grego. Madrid: Ediciones Cristandad, 2003. p. 851.

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105

Aqui, Sánchez faz uma ligação entre o Cordeiro Pascal e o Servo Sofredor como

protótipos dos justos que sofrem. Esta referência é baseada no argumento de que, no arameu,

servo e cordeiro se designam com a mesma expressão. Assim, em Jesus se entrelaçam as

imagens mais nobres do Antigo Testamento12

.

O terceiro verbo que se repete na perícope é (ercomai), “vir”. Brown

acrescenta apenas que as versões coptas traduzem esse verbo por “encontraram”13. Porém,

pondero que esse verbo está ligado ao verbo seguinte, pois para ver melhor é preciso se

aproximar daquilo que se vê, e essa é a intenção do autor ao fazer com que os soldados

viessem até Jesus e assim pudessem contemplar o Mistério de Sua Páscoa.

O quarto verbo encontrado é (řoraō). É encontrado por três vezes no texto:

quando os soldados viram que Jesus estava morto; quando o autor se coloca como a

testemunha da ação que está acontecendo com Cristo; mas também no final da perícope,

relatando que a Escritura diz que “verão a quem transpassaram”.

Para a tradução para o português é utilizado o verbo “ver”, no sentido de “ver com os

olhos”. Essa ideia é aprofundada em sentido figurado e pode significar: perceber, provar,

sentir, conhecer, experimentar, constatar, vir a saber e ter em conta. No Novo Testamento esse

verbo aparece 449 vezes14

, sendo frequentemente empregado para expressar o ato de ver.

Ele não se restringe ao aspecto fisiológico-psicológico do momento que é visto; nele

se percebe uma diferenciação entre o mundo sensível e o mundo inteligível, semelhante ao

que é encontrado na cultura e na filosofia grega, em que a percepção sensorial é inadequada

ao conhecimento da realidade inteligível. A visão é aceita como um dado da criação e por esse

motivo acaba sendo valorizada no evento revelador15

.

12

Cf. SÁNCHES, Secundino Castro. Evangelio de Juan: Comprensión Exegético-Existencial. 3ª ed. Espanha:

Editorial Desclée de Brouwer, 2001. p. 460. 13

Cf. BROWN, Raymond E. El Evangelio según Juan. 2ª ed. Madrid: Ediciones Cristandad, 1999. p. 1344. 14

Cf. BALZ, Horst et SCHNEIDER, Gerhard. DENT. V. 2. Traducido por Constantino Ruiz-Guarrido.

Salamanca: Ediciones Sigueme, 1998. p. 581. 15

Cf. MICHAELIS, Wilhelm. . In KITTEL, Gerhard. (Iniciador). GLNT. V. 8. Edizione Italiana Integrale.

Brescia: Editrice Paideia, 1973. p. 974.

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106

Esse verbo não se aplica com frequência a qualidades estéticas e poucas vezes é usado

em conexão com objetos da vida do cotidiano. Na maioria das vezes ele é empregado com

referência a pessoas e o que vê é capaz de perceber as pessoas concretas em sua

individualidade e frequentemente em seu modo individual de ser ou de comportar-se16

.

Nos Evangelhos refere-se principalmente aos atos de Jesus que as gerações anteriores

não puderam ver. Pode ser apenas uma reação de curiosidade, mas também uma relação

íntima com a fé, como apresenta o Evangelho de João17

.

Nos Evangelhos o termo também se referencia a um testemunho ocular e a uma

visão que leva à fé. Ver é também um modo de ouvir no sentido de receber a revelação

que traz a fé a quem realiza essa ação. Já no início do Evangelho de João encontra-se

este termo dentro do estilo testemunhal que o evangelista utiliza em seu prólogo, buscando

reproduzir fielmente aquilo que lhe foi transmitido e experienciado em sua relação

com o Verbo de Deus encarnado18

.

O quinto verbo, (legō), “dizer”, é importante no Novo Testamento, pois aquilo

que se entende fundamentalmente pelo “escutar” a Palavra de Deus, suas ordens e seus

mandamentos, como apresenta o Antigo Testamento19

, pede um complemento que acontece

na “palavra falada”. Para ouvir é preciso que se diga algo.

Essa palavra falada no Novo Testamento tem sua relação com a própria Palavra de

Jesus e com a autoridade que ela possui, sendo algo que apresenta um conteúdo superior

àquela palavra tradicional, produzida pelos homens, e que demonstra sua autoridade20

.

A palavra e a ação de Jesus não são duas coisas distintas nele, mas entende-se que a palavra é

mesmo ativa, isto é, ela é um elemento fundamental para a sua ação21

.

16

Cf. BALZ, Horst et SCHNEIDER, Gerhard. DENT. V. 2. Traducido por Constantino Ruiz-Guarrido.

Salamanca: Ediciones Sigueme, 1998. p. 582. 17

Cf. BALZ, Horst et SCHNEIDER, Gerhard. DENT. p. 583. 18

Cf. MICHAELIS, Wilhelm. . In KITTEL, Gerhard. (Iniciador). GLNT. V. 8. Edizione Italiana Integrale.

Brescia: Editrice Paideia, 1973. p. 981. 19

Cf. KITTEL, Gerhard. In KITTEL, Gerhard. (Iniciador). GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia: Editrice Paideia, 1973. p. 284. 20

Cf. KITTEL, Gerhard. p. 290. 21

Cf. KITTEL, Gerhard. p. 300.

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Para o Evangelho de João a ação de crer em Jesus ou de recusa a ele se

baseia ou em sua obra ou em sua palavra. Se alguém crê em Jesus é por causa de sua

Palavra, que é aceita ou não por aquele que a escuta. Essa Palavra de Jesus é também

equiparada com a Escritura22

.

Essa perícope apresenta duas vezes esse verbo no presente ativo, uma referindo-se

àquele que viu e outra à Escritura. Assim, se o dizer está relacionado ao crer, pode-se

encontrar uma relação importante entre o que foi dito e a finalidade do dizer que é levar o

leitor à fé: “ele sabe que a verdade diz para que também vós creiais”.

A relação existente aqui pode ser ampliada quando se coloca também o entendimento

do ser “testemunha” – no qual são necessárias duas testemunhas para que alguém possa

validar suas palavras. Aqui já se tem duas duplas de testemunhas: o que viu e o soldado; e as

duas passagens da Escritura. Os três (excetuando o soldado) dão testemunho de Jesus

“dizendo”. E por isso este verbo se destaca no texto estudado.

A próxima tabela apresenta termos que se repetem no texto e que serão analisados:

uma conjunção; o verbo e o substantivo centrais deste estudo sobre o testemunho;

dois adjetivos substantivados; um verbo que aparece somente uma vez, mas se

ressalta por expressar a finalidade deste escrito no Evangelho de João; e um

substantivo que se repete.

Destaca-se a repetição da conjunção (kai), “e”, no início das frases por oito vezes,

mais uma vez no meio da frase final, e também (řina) que será traduzido também por “e”.

Trata-se de um hebraísmo, recurso comum na literatura bíblica, fruto da cultura hebraica e

presente também nos textos do Novo Testamento em grego. Nesse caso, indica o reforço do

pensamento expresso pelo autor e a união dos períodos delimitados nos quatro blocos

apresentados anteriormente na análise sintática. A conjunção gera uma unidade entre os

22

KITTEL, Gerhard. In KITTEL, Gerhard. (Iniciador). GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale. Brescia:

Editrice Paideia, 1973.pp. 301-302.

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elementos do texto e tem a função de interligá-los.

O termo “testemunha” aparece duas vezes: a primeira como um verbo

(martyreō) que indica a ação do que viu, e na segunda como um substantivo

(martyria). Esses serão analisados de forma mais profunda ao longo de todo o trabalho.

Conjunção

Verbo

Substantivo Adjetivo

Substantivado Verbo Substantivo

31 01.

02.

03.

04.

05.

06.

(e)

32 07.

08.

09.

10.

(e)

(e)

33 11.

12.

13.

14.

34 15.

16.

(e) [2x]

35 17.

18.

19.

20.

21.

(e)

(e)

(e)

(testemunha)

(testemunho)

(verdadeiro)

(verdade)

(creiais)

36 22.

23.

24.

(e)

(Escritura)

37 25.

26.

27.

(e)

(Escritura)

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Encontra-se nessa perícope um adjetivo substantivado importante para o contexto da

Escritura, (alēteia), “verdade”. Já no Antigo Testamento esse termo é utilizado 126

vezes para indicar um fato que é seguro, válido, vinculante e, em especial, verdadeiro23

.

É utilizado em relação a uma pessoa para designar a característica essencial da sua palavra, do

seu agir e do seu pensamento. Esse termo remonta a um modo de ser comum e exprime, em

particular, a estabilidade e a validade da ação de uma pessoa.

O Novo Testamento segue, em geral, a mesma linha aqui apresentada, porém em

alguns casos pode-se perceber uma diferença entre o termo usado diretamente e a verdade que

vem de Deus, em contraste com aquilo que é praticado pelo ser humano. Também na

literatura paulina pode ser visto como um indicativo de sinceridade e lealdade24

.

Um modo especial de utilização do termo é sua indicação para aquilo que realmente

aconteceu de forma efetiva e algo que demonstra a realidade de fato. Em especial João

relaciona o termo com o verbo dizer e com o verbo testemunhar25

(cf. Jo 5,33; 8,40-45),

indicando ao leitor que aquele fato referido está de acordo com o que é específico da

revelação divina e que é algo digno de fé.

O termo também se refere à reta doutrina e à verdadeira fé. O Evangelho é

considerado como a verdade que deve ser manifestada nas ações dos cristãos. Ela indica a

realidade de fato unida ao sentido de que é algo que define a fé cristã26

.

Na Literatura Joanina, encontramos esse termo ligado ao Ser autêntico, à realidade

divina e à revelação, sendo esse modo algo particular dessa literatura, em que a

verdade divina é contraposta à esfera demoníaca e ao pecado humano, e se manifesta

pela revelação em Cristo Jesus, sendo que esta só é conhecida pelo homem com a

humildade da fé. Essa revelação é definitiva e deve ser assumida pelo homem em sua vida,

23

Cf. QUELL, Gottfried. In KITTEL, Gerhard (Iniciador). GLNT. V. 1. Edizione Italiana Integrale.

Brescia: Editrice Paideia, 1973. p. 625. 24

Cf. BULTMANN, Rudolf. In KITTEL, Gerhard (Iniciador). GLNT. V. 1. Edizione Italiana Integrale.

Brescia: Editrice Paideia, 1973. p. 653. 25

Cf. BULTMANN, Rudolf. p. 655. 26

Cf. BULTMANN, Rudolf. p. 657.

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110

no seu comportamento cotidiano27

.

O último verbo a ser analisado é (pisteyō), “creiais”. Ele aparece somente uma

vez na perícope, mas como uma finalidade que o autor quer alcançar com seu texto; por isso,

ele ganha um destaque especial no contexto estudado.

Esse verbo é entendido como a ação de “crer” ou “acreditar”. No Antigo Testamento

crer está relacionado a prestar fé à Palavra de Deus, isto é, à Escritura que é constituída da Lei

e dos Profetas. No Novo Testamento ele vai adquirindo também o significado de crer que

Jesus é o Messias e, como consequência disso, que Ele morreu e ressuscitou28

.

No desenvolvimento do termo no Novo Testamento, chega-se ao entendimento de que

crer significa a aceitação do kerigma cristão e indica, portanto, a fé salvífica que nasce da

gratuidade da obra salvífica que Deus realiza em Jesus Cristo29

. A Literatura Joanina utiliza

frequentemente o termo como uma aceitação da mensagem cristã que fala de Jesus30

.

Para Bultmann, João parte do uso cristão geral no qual “crer” designa a aceitação da

mensagem cristã31

. Segundo a Tradição Joanina, a humanidade deve acreditar em Jesus

porque Ele diz a verdade, mesmo que esta não seja aceita por todos. Aquele que adere às

palavras de Jesus renuncia ao mundo, não no sentido do mundo criado por Deus, mas no

sentido do mundo que se opõe à mensagem de Jesus; isso resulta que aquele que crê recebe a

salvação e a vida. Crer, então, é primeiramente um ato positivo, ou seja, uma adesão livre

que nasce de uma decisão autônoma pela Palavra de Jesus, pelo que ele oferece

e pela revelação divina que desembocará em um evento escatológico, o juízo final, que

terá como veredito a vida ou a morte de acordo com a fé do homem e, por isso, acreditar

ou não terá um sentido decisivo à humanidade32

.

27

Cf. BULTMANN, Rudolf. In KITTEL, Gerhard. (Iniciador). GLNT. V. 10. Edizione Italiana

Integrale. Brescia: Editrice Paideia, 1973. pp. 658-660. 28

Cf. BULTMANN, Rudolf. pp. 417 e 422. 29

Cf. BULTMANN, Rudolf. p. 431. 30

Cf. BULTMANN, Rudolf. p. 472. 31

Cf. BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2004. p. 505. 32

Cf. BULTMANN, Rudolf. pp. 473-478.

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Pela fé se vence o mundo, afirma a Tradição Joanina, porém essa fé deve ser

demonstrada pela conduta de sua vida unindo o crer ao agir. Em especial, entende-se que

aquele que crê é também aquele que ama. O amor é iniciativa divina: Deus nos ama primeiro.

Crer, então, é uma resposta de amor, pela qual se ama a Deus e se ama o irmão, sendo isso

não uma possibilidade, mas uma obrigação do cristão33

.

O evangelista apresenta esse convite a uma adesão livre e fecunda ao Mistério de Jesus

crucificado a partir do seu testemunho pessoal. O que viu testemunha para que todos os que

acolhem o seu testemunho creiam e recebam a vida doada pelo Amor de Jesus na cruz.

Analisando a palavra (grafē) “Escritura”, percebe-se que normalmente no Novo

Testamento ela é entendida como uma frase, uma passagem da Escritura ou como um único

versículo da Bíblia, não somente se restringindo a ele, mas como se este fosse ali citado34

.

Schlatter argumenta que a expressão “e outra Escritura diz” é uma fórmula rabínica para

introduzir um nova passagem da Escritura35. Porém, pode-se compreender, em alguns casos,

com toda a Escritura, nesse caso com um acento maior no Antigo Testamento, até então

reconhecido como Palavra de Deus.

Quando citado no Novo Testamento, traz a ideia de cumprimento de determinada

passagem do Antigo Testamento. Na Literatura Joanina, isso é considerado como um

testemunho de Jesus como o Cristo anunciando sua morte e ressurreição, mas também em

outras passagens, como na apresentação de sua liberdade soberana durante o confronto sobre

o repouso sabático (cf. Jo 7,22) e na afirmação de sua origem divina (cf. Jo 10,34ss)36

.

Isso levará ao entendimento posterior de que, na economia da salvação de Deus, a

criação é vista como um desdobramento e uma profecia da redenção e que foram escritos no

33

Cf. BULTMANN, Rudolf. In KITTEL, Gerhard. (Iniciador). GLNT. V. 10. Edizione Italiana

Integrale. Brescia: Editrice Paideia, 1973, pp. 485-488. 34

Cf. SCHRENK, Gottlob. In KITTEL, Gerhard. (Iniciador). GLNT. V. 10. Edizione Italiana Integrale.

Brescia: Editrice Paideia, 1973, p. 632. 35

Cf. BROWN, Raymond E. El Evangelio según Juan. 2ª ed. Madrid: Ediciones Cristandad, 1999. p. 1348. 36

Cf. SCHRENK, Gottlob. pp. 648-649.

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112

Antigo Testamento. Dessa forma, toda a Escritura deve ser entendida não somente como um

texto normativo ou jurídico, mas como algo que se relaciona com a revelação definitiva que

aconteceu em Jesus Cristo e com a garantia do Espírito37

.

Com isso se encerra a análise semântica do texto e se inicia a análise pragmática, que

apresenta o motivo pelo qual o texto foi escrito e uma tentativa de demonstrar a intenção do

autor ao escrevê-lo, mesmo sabendo que hoje os estudos demonstram várias possibilidades

para se chegar a essa resposta.

Muitas possibilidades se abrem quando se começa estudar o motivo pelo qual o

Evangelho de João foi escrito; dentre todas elas, serão tomados por base alguns comentários

de Raymond Brown que ajudam a fazer uma síntese dessas possibilidades.

Segundo Brown, é melhor afirmar que grande parte desse Evangelho se dirige a todo o

crente cristão sem distinção de sua origem judia ou pagã. Esse Evangelho seria inspirado pelo

desejo de confirmar o crente em sua fé e, ao mesmo tempo, fazer com que o leitor continue

seguindo e acreditando que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, pretendendo reavivar a sua fé

e, dessa forma, oferecer a vida ao leitor no nome de Jesus38

.

O autor quer que o leitor compreenda que já tem a posse da vida eterna, que já é filho

de Deus e que já está comparecendo diante de seu juiz. Isso é apresentado com um forte

acento sacramental, com a intenção de aprofundar o batismo e a eucaristia naquilo que Jesus

falou e fez durante sua vida terrena. Assim, o crente deve compreender existencialmente o

que esse Jesus, em que ele crê, significa concretamente em sua vida39

.

Quanto à datação da redação final do Evangelho de João, muitas são as

possibilidades como já foi dito, mas, segundo Brown, sua redação final aconteceria entre os

anos de 75 a 110 d.C., com maior possibilidade de que isso tenha ocorrido entre os anos

37

Cf. SCHRENK, Gottlob. In KITTEL, Gerhard. (Iniciador). GLNT. V. 10. Edizione Italiana Integrale.

Brescia: Editrice Paideia, 1973. p. 654. 38

Cf. BROWN, Raymond. El Evangelio según Juan. Madri: Ediciones Cristandad, 1999. p. 98. 39

Cf. BROWN, Raymond. El Evangelio según Juan. p. 98.

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113

90 e 10040

. Nesse contexto cabe ressaltar que o que se entende hoje por autor de uma obra, no

contexto bíblico, poderia ser dividido entre duas pessoas distintas: aquele que é o autor cujas

ideias estão expressas no livro e o escritor que é aquele que redige e organiza o pensamento

da obra segundo o pensamento do autor, mas sem deixar de lado seu estilo próprio41

. Nesse

sentido, podem-se indicar muitas possibilidades sobre a autoria do Evangelho de João, como

sua identificação com João Marcos, Lázaro ou com qualquer outro desconhecido, mas até o

próprio Brown não fecha a questão sobre o assunto e argumenta que, dentre todas as

possibilidades, a de que o autor seria João, filho de Zebedeu, e, nesse caso, o Discípulo

Amado, é a hipótese mais forte, mesmo apresentando muitas dificuldades de definição42

.

Sobre o lugar em que foi escrito também há várias possibilidades, entre elas,

Alexandria e Antioquia da Síria, mas, segundo Brown, grande parte dos estudiosos reconhece

que foi escrito em Éfeso. Principalmente os testemunhos mais antigos sobre ele defendem

essa argumentação, mesmo que atualmente se questione ainda esse fato devido à pouca

relação entre os Escritos Joaninos e os Escritos Paulinos predominantes nessa região43

.

Em relação à língua em que o texto foi escrito, cabe aqui ressaltar que não há na

atualidade um texto que possa ser definido como o “original”, porém há muitas cópias antigas

espalhadas pelo mundo e testemunhos recolhidos desde a Patrística que indicam sua língua

original como o grego, porém não se pode negar a forte influência da cultura hebraica nesses

escritos como formas poéticas e literárias do texto e sua construção estrutural.

No caso do trabalho aqui realizado é apresentada uma perícope que está inserida no

relato da Paixão de Jesus. Segundo Brown, esse relato traz alguns pontos particulares que

devem ser considerados em sua análise. Primeiramente pode-se destacar o seu tom

apologético, em que os judeus aparecem como os únicos adversários de Jesus e as acusações

lançadas contra Ele são de caráter religioso; Pilatos aparece como uma figura

40

Cf. BROWN, Raymond. El Evangelio según Juan. Madri: Ediciones Cristandad, 1999. p. 108. 41

Cf. BROWN, Raymond. El Evangelio según Juan. p. 110. 42

Cf. BROWN, Raymond. El Evangelio según Juan. p. 125. 43

Cf. BROWN, Raymond. El Evangelio según Juan. p. 132.

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interessada em salvar Jesus. Em segundo lugar, há nesse relato uma orientação

doutrinal precisa, de acordo com a qual Jesus é apresentado não como uma vítima,

mas como um ser soberano, capaz de deter a qualquer momento esse processo. E, por fim,

uma inserção de detalhes que distinguiria o Evangelho de João dos relatos dos Evangelhos

Sinóticos, mas que não abandona os dados históricos44

.

O motivo fundamental para o evangelista escrever o relato é a apresentação do tema da

realeza de Jesus. O que serviria como base de acusação torna-se um tratado para apresentar a

Sua proclamação como Rei, em que todo interrogatório e as ações que se desenvolvem

girariam em torno desse motivo fundamental45

.

Os personagens apresentados seriam destinados a realizar ações que trariam em si este

mesmo entendimento: os soldados revestem Jesus como um rei; Pilatos o apresenta também

como um rei; o episódio da crucificação é apresentado como a entronização de Jesus; seu

título de rei é proclamado em três idiomas, o que lhe confere um alcance universal; e por fim,

a sua sepultura traz traços que sugerem a sua realeza46

.

Esse relato apresenta ao leitor a realeza de Jesus e, a partir desse testemunho dado pelo

evangelista, espera-se como reposta uma adesão ao Reinado de Cristo pela fé professada pelo

leitor que seria identificado com os primeiros cristãos; ao mesmo tempo, pela argumentação

utilizada e pelo destaque dado ao cumprimento das Escrituras, espera-se que também os

judeus deem sua adesão ao entendimento de que Jesus é o Messias-Rei esperado por Israel

que cumpre a Palavra de Deus contida na Escritura47

.

3.3. ANÁLISE TEOLÓGICA DO TEXTO

Esta perícope traz uma grande riqueza de interpretações teológicas que se

desenvolveram ao longo dos anos. Vários são os temas que poderiam ser trabalhados neste

44

Cf. BROWN, Raymond. El Evangelio según Juan. Madri: Ediciones Cristandad, 1999. p. 1157. 45

Cf. BROWN, Raymond. El Evangelio según Juan. p. 1315. 46

Cf. BROWN, Raymond. El Evangelio según Juan. p. 1315. 47

Cf. BROWN, Raymond. El Evangelio según Juan. p. 1317.

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momento como: o dia de sábado e sua preparação; Jesus como o Cordeiro Pascal; a

confirmação da morte de Jesus; o significado simbólico do sangue e da água que saíram do

lado aberto de Jesus; o cumprimento da Escritura. Porém, o acento desta reflexão se faz a

partir do versículo 35 de Jo 19, tema central deste estudo.

O texto apresenta o testemunho que foi dado por aquele “que viu” – o sujeito da

ação – que se encontra aos pés da Cruz. É importante porque é reconhecido como um

testemunho presencial daquilo que aconteceu com Jesus Cristo, retomando o sentido da

testemunha no Antigo Testamento, ou seja, aquela que presenciou um fato e por isso pode

atestá-lo a outros. Porque para que a afirmação daquele que testemunha seja considerada fiel,

exige-se o “ver”, e isso é ressaltado na redação do autor do Evangelho de João e,

posteriormente, confirmado pela Tradição48

.

Segundo Adriano, o verbo “testemunhar” está próximo do verbo “ver”. Aquele que

testemunha viu o objeto do seu testemunho não somente com os olhos, mas com uma visão

interior, contemplativa, que vê os fatos históricos unidos à realidade salvífica que o

transcende, onde a verdade é conhecida pela fé49

.

Alguns manuscritos latinos omitem esse versículo, mas, segundo Brown, não se pode

duvidar de sua autenticidade. Esse versículo é uma observação feita como parênteses no texto,

provavelmente já como algo redacional, mas absolutamente Joanino50

.

Essa passagem no versículo 35 coloca um peso extraordinário sobre o testemunho

do “que viu”: transmite o testemunho de um judeu e sabe que fala a verdade.

A mesma coisa acontece em Jo 21,24 onde também se constata a autoridade

do que é discípulo e por isso pode testemunhar. Cabe ressaltar que essa introdução de

comentários por parte do evangelista acontece outras vezes no Evangelho de João

48

Cf. SCHNACKENBURG, Rudolf. El Evangelio según San Juan: Versión y Comentario. Tomo Tercero.

Barcelona: Editorial Herder, 1980. pp. 357 e 363. 49

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. RCT, São Paulo, Ano II, n. 08,

pp. 19-40, jul./set. 1994. p. 35. 50

Cf. BROWN, Raymond. El Evangelio según Juan. Madri: Ediciones Cristandad, 1999, p. 1346.

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(cf. Jo 2,22; 6,64.71; 12,6.16.33; 18,9.32)51

.

O próprio autor do Evangelho de João apresenta seu livro como um testemunho

verdadeiro acerca de Jesus, porque atesta não somente fatos ocorridos, mas também

o valor Salvífico da morte de Jesus testemunhada por quem crê e para que os outros

também creiam (cf. Jo 19,35; 21,24)52

.

Cabe aqui pergunta: quem é esse “que viu” e que “testemunha”? Todo o Evangelho de

João baseia-se em um testemunho originante, que pode ser múltiplo, mas se concentra em

alguém que contempla o Mistério de Jesus e que foi arrebatado por ele. Esse arrebatamento, a

testemunha o entende como uma evidência. O testemunho, pelo contexto, é dado pelo

Discípulo Amado, que aparece no versículo 26, único personagem masculino próximo a Jesus

e presente nestes acontecimentos: ele viu, encontrou a fé no transpassado e nasceu do alto.

Essa testemunha diz a verdade, e essa verdade tem a função de fazer com que outros também

creiam53

. Ele é uma autêntica testemunha de Jesus Cristo e de seu testemunho depende o autor

do Evangelho de João54

.

Mesmo que a testemunha do Evangelho de João nunca pudesse ser plenamente

identificada, a Tradição Joanina mantém o seu testemunho atribuindo-lhe um grande valor e

sentido teológico. Uma vez que os cristãos que se sucederam não tiveram a experiência com o

Jesus histórico, esse testemunho é apresentado como algo que merece credibilidade. Mesmo

que esse testemunho não apareça nos outros três Evangelhos, a memória dessa pessoa foi

guardada por todos aos quais o Evangelho de João foi escrito. Esse influente testemunho

incentiva as comunidades a reforçar sua fé em Jesus por causa do que ele viu55

.

O testemunho do Discípulo é um convite a crer. O evangelista testemunha

51

Cf. SCHNACKENBURG, Rudolf. The According to St John. V. 3. New York: The Cross Road Publishing

Company Inc., 1982. pp. 290 e 291. 52

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. RCT, São Paulo, Ano II, n. 08,

pp. 19-40, jul./set. 1994. p. 34. 53

Cf. SÁNCHES, Secundino Castro. Evangelio de Juan: Comprensión Exegético-Existencial. 3ª ed. Espanha:

Editorial Desclée de Brouwer, 2001. p. 462. 54

Cf. BROWN, Raymond. El Evangelio según Juan. Madri: Ediciones Cristandad, 1999, p. 1346. 55

Cf. SCHUBERT, Judith. The Gospel of John: Question by Question. New York: Paulist Press, 2008. p. 234.

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117

solenemente, aos pés da cruz, para que outros creiam em Jesus. Assim, seu testemunho está

ligado ao contexto da revelação no qual o testemunho de Deus à humanidade passa pelo

testemunho humano como apelo à fé56

.

A testemunha ocular não deve ser confundida simplesmente como fonte da informação

histórica, pois nesse sentido também os judeus “não crentes” em Jesus eram testemunhas

oculares, mas o crente deve contemplar a glória de Jesus em sua hora57

. Ela conhece e revela

os fatos numa perspectiva de fé, e isso a faz participar da glória de Jesus. Quem é incapaz

disso não consegue apreender a plenitude de seu sentido, sendo necessário o desenvolvimento

de uma visão sacramental dos fatos, o que só possível àquele que crê58

. Segundo Bultman, ver

é o conhecer próprio da fé59

. É a percepção da fé que reconhece na pessoa

histórica de Jesus a “verdade” e a “vida”, proporcionadas por essa fé e não perceptíveis

na contemplação direta60

.

Em todo o caso, o interesse de João não é apologético, mas ele insiste que narra esses

episódios para confirmar a fé dos que creem. A referência de seu testemunho não se dá

somente no plano visível e material, mas também como conhecimento que se oferece do

mundo espiritual. O testemunho presencial do Discípulo Amado fala de uma revelação

importante para todos os cristãos que ele simboliza61

.

O pronome “ele” se refere claramente ao vidente (o que viu), e isto pode ser

considerado um modo arameu de expressar o seu testemunho, não dizendo simplesmente “eu

sei que digo a verdade”, o que faz com que a força seja colocada na autoridade daquele que

escreveu o Evangelho de João62

.

56

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. RCT, São Paulo, Ano II, n. 08,

pp. 19-40, jul./set. 1994. p. 36. 57

Cf. BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2004. p. 507. 58

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. p. 33. 59

Cf. BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. p. 507. 60

Cf. BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. p. 507. 61

Cf. BROWN, Raymond. El Evangelio según Juan. Madri: Ediciones Cristandad, 1999, p. 1363. 62

Cf. LUZARRAGA, Jesús. El Evangelio de Juan: em las versiones Siríacas. Roma: Editrice Pontificio Istituto

Biblico, 2008 (Subisidia Biblica 33). p. 321.

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O Discípulo Amado foi testemunha de dois eventos relevantes à morte de Jesus Cristo

na cruz: de que suas pernas não foram quebradas; e de que um soldado transpassou o seu lado

e dele saiu sangue e água63

.

Primeiramente, pode-se perceber que em vez de quebrar as pernas de Jesus, um dos

soldados enfiou uma lança em seu lado. Atualmente, poderiam ser empregadas as modernas

técnicas médicas para determinar o momento exato da morte, porém, naquele

momento histórico, essa pode ter sido a forma mais simples de garantir que Jesus não tinha

mais a vida em si e, por isso, as autoridades poderiam permitir que seu corpo fosse

preparado para o sepultamento64

.

O soldado, sem dúvida, enfia a lança no peito de Jesus para ter a certeza de que ele

está morto65

. A realidade da morte de Jesus é confirmada pela lança que abre o seu lado, ao

mesmo tempo, o seu poder Salvífico é exposto nos símbolos do sangue e da água, sendo estes

a última revelação do Evangelho66

.

O fato de o soldado ter aberto o peito de Jesus me coloca diante de uma evidência:

Jesus teve um corpo. Trata-se de um fato importante porque é uma afirmação de que

realmente o Verbo se fez carne (cf. Jo 1,14), como afirma o início do Evangelho de João, e

que, por isso, ele também pode morrer. Assim, a morte de Jesus não é só uma representação

de um Deus que assumiu a natureza humana, mas é a afirmação de que Deus se fez homem e

verdadeiramente deu sua vida pela humanidade.

Alguns autores centram o testemunho do Discípulo aos pés da cruz no sangue e água

que jorram do peito aberto de Jesus67

. Ele é testemunha ocular desse fato, e o versículo 35 é

63

Cf. COUNTRYMAN, L. William. L’itinerario Mistico del Quarto Vangelo: per Camminare Verso Dio.

Assisi: Cittadella Editrice, 1997. p. 203. 64

Cf. BLOMBERG, Graig L. The Historical Realiability of John’s Gopspel. England: Inter-Varsity Press,

2001. p. 255. 65

Cf. SCHNACKENBURG, Rudolf. The According to St John. V. 3. New York: The Cross Road Publishing

Company Inc., 1982. p. 289. 66

Cf. SENIOR, Donald. The Passion in the Gospel of John. United Kingdom: Grace Wing / Fowler Wright

Books Ltd, 1991 (The Passion Series, V. 4). p. 128. 67

Cf. BROWN, Raymond. El Evangelio según Juan. Madri: Ediciones Cristandad, 1999. p. 1359.

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119

realmente um atestado de que essas coisas aconteceram como foram descritas e não somente

uma invenção teológica do autor.

Essa narração pode indicar alguns pontos de entendimento sobre a intenção do autor:

primeiramente, a de que o lado aberto de Cristo atesta a sua morte; em seguida, a de que o

fato de não ter-lhe sido quebrado osso algum vai ao encontro do pensamento judaico segundo

o qual a desfiguração ou mutilação do corpo era um impedimento para a ressurreição; e a de

que o sangue que brota de Cristo é sinal claro de sua humanidade, algo que muitas vezes foi

contestado por grupos cristãos que desejavam somente afirmar a sua divindade68

.

Tomando por referência os demais momentos em que o conceito de testemunha é

apresentado no Evangelho de João, defendo que o testemunho agora apresentado pelo

Discípulo aos pés da Cruz não se limita somente ao sangue e água que brotaram do lado

aberto, mas que estes também dão testemunho, como comprova a Carta de João, do

cumprimento da missão salvadora de Cristo Jesus.

A partir disso, entendo que o Discípulo atesta que na realidade Cristo, livremente, deu

a sua vida pelos seus amigos e que nos amou até o fim (cf. Jo 13,1), não havendo maior amor

que este (cf. Jo 15,13). No momento em que se verifica a morte de Jesus é que também se

entende que a Hora de sua glorificação, anunciada no Evangelho, agora acontece. O Mistério

da Salvação em Cristo é realizado e, na Cruz, o seu reinado é definitivamente inaugurado e

não pode ser revogado.

O Evangelho de João induz a que se veja nesses fatos um significado simbólico. Jesus

vem para entregar sua vida por amor. O lado aberto de Jesus demonstra a evidência que Jesus

deixa seu corpo aos seus discípulos e desse corpo jorram sangue e água. Isso significa, na

prática, que a morte de Jesus vai permitir que Ele finalmente dê aos homens os bens

espirituais que Ele lhes destinou em seu Plano Salvífico69

.

68

Cf. BROWN, Raymond. El Evangelio según Juan. Madri: Ediciones Cristandad, 1999. pp. 1362-1363. 69

Cf. GUICHOU, Pierre. L’Evangile de Saint Jean: par la Foi a la Vie em Jésus. Paris: P. Lethielleux Éditeur,

1962. p. 292.

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Quando Jesus morre na Cruz, sua Obra alcança seu ponto mais alto. Mas o testemunho

do que viu serve para mostrar aos crentes um sinal de sua eficácia salvífica. Para isso, assinala

que a Obra de Jesus Cristo é fonte de salvação para todos os que creem. Esse testemunho,

relatado apenas no Evangelho de João por aquele que viu, é de grande importância, em

especial, por reforçar que isso que foi relatado é a verdade70

.

Uma questão que pode surgir é: onde se apoia o testemunho que deve ser acreditado

pelos cristãos? Basta o olhar daquele que contempla Jesus Crucificado? Ou é Deus que

garante o testemunho de um homem?71

O Discípulo que está aos pés da cruz é certamente uma testemunha fiel de um

acontecimento histórico e externo, sobre o qual se supõe uma significação de ordem salvífica,

teológica e de fé. Para isso, o autor apela para Jesus como uma testemunha da verdade

que ele está dizendo. Nisso se reconhece que o verbo crer está sendo utilizado no

sentido absoluto, sem complementos, centralizado na fé cristã na qual o objeto é a Pessoa

e a Obra de Jesus Cristo72

.

Outro ponto que se pode referir é que o testemunho do Discípulo é confirmado quando

ele aponta para o cumprimento da Escritura. Jesus é, então, o Messias esperado por Israel no

qual se cumprem as promessas do Antigo Testamento. E como a Escritura é Palavra de Deus,

entendo que é o próprio Deus que agora testemunha em favor de Jesus e não somente a pessoa

humana que contempla esse Mistério.

Por essas duas passagens da Escritura que foram cumpridas, pode-se entender o

misterioso e enigmático caminho que é percorrido para que se cumpram os desígnios

Salvíficos de Deus. Essas palavras ressoaram por longo tempo e agora adquirem

nova força e eficácia quando inseridas no contexto da cruz. As palavras dos

70

Cf. GARCIA-MORENO, Antonio. El Evangelio según San Juan: Introduccion y Exegesis. Badajoz-

-Pamplona: Navegraf S.L., 1996. pp. 418-419. 71

Cf. SCHNACKENBURG, Rudolf. The According to St John. V. 3. New York: The Cross Road Publishing

Company Inc., 1982. p. 291. 72

Cf. GARCIA-MORENO, Antonio. El Evangelio según San Juan. p. 421.

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profetas se convertem em um testemunho messiânico e este, por sua vez, em fonte

de renovada reflexão73

.

Senior, referindo-se à segunda passagem da Escritura que foi cumprida, “olharão para

quem transpassaram”, afirma que, na narrativa do profeta Zacarias, o povo olhará para o rei

ou o profeta martirizado e chorará por ele74

. Isso leva a entender que Jesus é a testemunha

perfeita, aquele que dá a vida pela causa em que acreditou.

Ao contemplar o corpo de Jesus transpassado na cruz, a fé vê mais do que o evento

externo e reconhece algo mais profundo do que as aparências75

. Aquele que olha para o

transpassado não é somente o Discípulo Amado, mas todos os representantes da comunidade

cristã nascente, reunidos aos pés da cruz e representados pelas mulheres e pela Mãe de

Jesus76

, também todos aqueles que assistiram à morte de Jesus Cristo; porém não basta apenas

ver para alcançar a salvação, é preciso também acreditar. Assim, ver e acreditar são os dois

componentes que formam as testemunhas de Jesus Cristo e que vão ser confirmados no envio

que o Ressuscitado fará aos seus discípulos posteriormente.

Neste momento, ressalto a figura de Maria que, com o Discípulo Amado se torna uma

grande testemunha de Jesus Cristo, seu Filho; ela, que contemplou o Mistério de Jesus desde a

sua encarnação, o acompanhou por toda a sua vida terrena e agora está diante do Filho

transpassado. Contemplando a Hora de Jesus, Maria permanece fiel à sua missão de ser Mãe

do Verbo de Deus, com docilidade e disposição, e acompanhará a Igreja nascente para que

também outros creiam em Jesus, o Messias, que cumpriu a vontade do Pai em seu Plano

Salvífico até o fim. Ela não somente é testemunha de seu Filho, mas também se torna modelo

de testemunho para todos os que serão convidados a testemunhar até a atualidade.

73

Cf. SCHNACKENBURG, Rudolf. El Evangelio según San Juan: Versión y Comentario. Tomo Quarto.

Barcelona: Editorial Herder, 1980. p. 174. 74

Cf. SENIOR, Donald. The Passion in the Gospel of John. United Kingdom: Grace Wing / Fowler Wright

Books Ltd, 1991 (The Passion Series, V. 4). p. 127. 75

Cf. SCHNACKENBURG, Rudolf. The According to St John. V. 3. New York: The Cross Road Publishing

Company Inc., 1982. p. 291. 76

Cf. SENIOR, Donald. The Passion in the Gospel of John. p. 128.

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Lendo o texto e as análises apresentadas, percebo algo que não foi mencionado por

nenhum dos autores, ou seja, a duplicidade do testemunho que se repete durante o texto de

João: são duas as pessoas que dão testemunho (o Soldado e o Que viu); são dois os elementos

que dão testemunho (o Sangue e a Água); e, por fim, são duas as passagens da Escritura que

dão testemunho (cf. Jo 19, 34-37).

O evangelista ressalta a importância de que um testemunho não é dado sozinho. É um

resgate do entendimento de que o verdadeiro testemunho deve ser legitimado por, no mínimo,

duas testemunhas, e isso alude ao testemunho que deve ser dado pelos cristãos não de maneira

individual, mas comunitária ou eclesial.

A confirmação da morte de Jesus se dá pela ação do soldado que lhe abre o peito; ele é

uma das testemunhas desse processo final de Jesus e, com ele, o Discípulo Amado faz o

complemento necessário para que realmente outros possam crer que não houve encenação

alguma de morte para que Jesus pudesse ser retirado da cruz, mas que Ele realmente morreu.

Em seguida, a água e o sangue dão testemunho de Jesus. Isso é confirmado claramente

na Tradição Joanina quando se apresenta que na Primeira Carta de João, fica claro que são

três os que dão testemunho: o Espírito e a Água e o Sangue (cf. 1Jo 5,8).

E a mesma Tradição afirma que, se cremos no testemunho dos homens, o testemunho

de Deus é maior (cf. 1Jo 5,9). E, como já foi apresentado acima, a Escritura, a própria Palavra

de Deus, encerra o testemunho sobre Jesus. Assim, realmente os fatos que ocorreram com Ele

são dignos de fé e, ao mesmo tempo, podem ser acreditados por todos, como é a intenção

daquele que “viu” e que “testemunha”.

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REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO III

1. FONTE PRINCIPAL

BÍBLIA: NOVUM TESTAMENTUM GRAECE. 27ª ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2006.

2. LIVROS, DICIONÁRIOS E REVISTAS

ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. Revista de Cultura

Teológica, São Paulo, Ano II, n. 08, pp. 19-40, jul./set. 1994. [RCT]

BALZ, Horst et SCHNEIDER, Gerhard (Editori). Diccionario Exegetico del Nuevo

Testamento. Traducido por Constantino Ruiz-Guarrido. Salamanca: Ediciones

Sigueme, 1998. [DENT]

BARRET, Charles Kingsley. El Evangelio según San Juan: Una Introducción con Comentario

y Notas a partir del Texto Grego. Madrid: Ediciones Cristandad, 2003.

BLOMBERG, Graig L. The Historical Realiability of John’s Gospel. England: Inter-Varsity

Press, 2001.

BROWN, Raymond E. (Direcion). Comentario Biblico “San Jeronimo”. Tomo IV. Madrid:

Ediciones Cristandad, 1972.

_____. El Evangelio según Juan. Madri: Ediciones Cristandad, 1999.

BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. Tradução: Ilson Kayser. São Paulo:

Teológica, 2004.

_____. In KITTEL, Gerhard (Iniciatore). Grande Lessico del Nuovo Testamento.

V. 1. Edizione Italiana Integrale. pp. 640-674. Brescia: Editrice Paideia, 1973. [GLNT]

_____. In KITTEL, Gerhard. (Iniciatore). Grande Lessico del Nuovo Testamento.

V. 10. Edizione Italiana Integrale. pp. 337-488. Brescia: Editrice Paideia, 1973. [GLNT]

Page 124: PUC-SP EDUARDO BUENO FRAGUAS Bueno... · 1 pontifÍcia universidade catÓlica de sÃo paulo puc-sp eduardo bueno fraguas e o que viu testemunha o conceito de testemunha a partir do

124

COUNTRYMAN, L. William. L’itinerario Mistico del Quarto Vangelo: per Camminare Verso

Dio. Assisi: Cittadella Editrice, 1997.

GARCIA-MORENO, Antonio. El Evangelio según San Juan: Introduccion y Exegesis.

Badajoz-Pamplona: Navegraf S.L., 1996.

GUICHOU, Pierre. L’Evangile de Saint Jean: par la Foi a la Vie em Jésus. Paris:

P. Lethielleux Éditeur, 1962.

LUZARRAGA, Jesús. El Evangelio de Juan: em las versiones Siríacas. Roma: Editrice

Pontificio Istituto Biblico, 2008 (Subisidia Biblica 33).

MICHAELIS, Wilhelm. . In KITTEL, Gerhard. (Iniciatore). Grande Lessico del Nuovo

Testamento. V. 7. Edizione Italiana Integrale. pp. 961-1034. Brescia: Editrice

Paideia, 1973. [GLNT]

QUELL, Gottfried. In KITTEL, Gerhard (Iniciatore). Grande Lessico del Nuovo

Testamento. V. 1. Edizione Italiana Integrale. pp. 625-637. Brescia: Editrice

Paideia, 1973. [GLNT]

SÁNCHES, Secundino Castro. Evangelio de Juan: Comprensión Exegético-Existencial. 3ª ed.

Espanha: Editorial Desclée de Brouwer, 2001.

SCHNACKENBURG, Rudolf. El Evangelio según San Juan: Versión y Comentario. Tomo

Tercero. Barcelona: Editorial Herder, 1980.

_____. The According to St John. V. 3. New York: The Cross Road Publishing Company

Inc., 1982.

SCHUBERT, Judith. The Gospel of John: Question by Question. New York: Paulist

Press, 2008.

SENIOR, Donald. The Passion in the Gospel of John. United Kingdom: Grace Wing /

Fowler Wright Books Ltd, 1991 (The Passion Series, V. 4).

SWETMAN, James. Gramática do Grego do Novo Testamento. Parte I: Morfologia. São

Paulo: Paulus, 2002. [GGNT]

KITTEL, Gerhard. (Iniciador). Grande Lessico del Nuovo Testamento. Edizione Italiana

Integrale. Brescia: Editrice Paideia, 1973. [GLNT]

_____. In KITTEL, Gerhard. (Iniciador). Grande Lessico del Nuovo Testamento. V. 6.

Edizione Italiana Integrale. Brescia: Editrice Paideia, 1973. [GLNT]

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3. PROGRAMAS DE COMPUTADOR

BIBLE WORKS for Windows. Version 7.0.012g. 2006.

BIBLIA CLERUS. Congregatio pro Clericis. http://www.clerus.org. 26/03/2011 às 18h00.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.11a.

Curitiba: Editora Positivo, 2004.

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CAPÍTULO IV

A TESTEMUNHA NA TRADIÇÃO JOANINA

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Após a análise da perícope central deste estudo no Evangelho de João, agora se retorna

à apresentação do conceito de testemunha na Tradição Joanina, que é composta, dentro do

Novo Testamento, pelo Evangelho de João, pelas Três Cartas de João e pelo

Livro do Apocalipse.

O grupo de palavras que pertencem ao conceito de testemunha adquiriu sua

importância na teologia bíblica do Novo Testamento a partir da Literatura Joanina. O verbo

(martyreō) encontra-se 43 vezes em João e nas Cartas de João1. A palavra

(martyria) aparece 30 vezes nessa literatura: 14 vezes no Evangelho, 07 vezes nas Cartas de

João e 09 vezes no Livro do Apocalipse2.

Segundo Coenen, o levantamento estatístico de que as palavras desse grupo são usadas

mais frequentemente na Literatura Joanina sugere que o conceito de testemunha tem para ela

uma importância teológica maior do que para os demais escritores do Novo Testamento3.

O autor do Evangelho, ainda segundo Coenen, resume o conteúdo do evento de Cristo

e do Evangelho no conceito de (logos), mas adota em especial o verbo

(martyreō) e o substantivo (martyria), duas palavras que denotam ação, para

expressar o evento da comunicação divina da revelação em todos os seus aspectos. Isso é

confirmado pelo fato de que o evangelista não utiliza o substantivo (martyrion), que

é uma designação mais material; e, mesmo tendo consciência da testemunha em si mesma,

1 Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2507. 2 Cf. VELA, Antonio Llamas. Testimonio. In RAMOS, Felipe Fernández (Dir.). DMJ. Editorial Monte Carmelo:

Espanha, 2004. p. 949. 3 Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2509.

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não faz uso da palavra (martys), “testemunha”, para poder concentrar a atenção no

evento. Esse último termo somente aparecerá no livro de Apocalipse, e os compostos estão

totalmente ausentes no Evangelho de João4.

Nesse sentido, segundo Mackenzie, o uso do termo testemunha nos Escritos Joaninos

acaba demonstrando que ele adquire um entendimento mais relacionado ao testemunho dado

sobre a verdade dos fatos Salvíficos realizados em Jesus do que aos fatos em si mesmos5.

Ramos ressalta ainda o sentido religioso e especificamente cristão que prevalece nesses

escritos e confirma que o entendimento que predomina aqui é o significado de testemunha de

Jesus e seu Mistério Salvífico6.

Para Coenen, no panorama histórico, o caráter específico do conceito joanino do

testemunho é realçado em três aspectos fundamentais: o testemunho aponta para Jesus como o

Messias, dado em especial, por João Batista e pelas Escrituras; no testemunho que Jesus deu

de si mesmo; e na proclamação dos discípulos ao fazer uma referência sobre Jesus7. Assim, o

testemunho recebe uma forma indicadora em João Batista, pessoal em Jesus e a ser

proclamado nos discípulos8.

O testemunho na Tradição Joanina visa perscrutar a profundidade do Mistério de Jesus

através do modo de ver e se atestar historicamente o próprio testemunhar, dele recolhendo

aquilo que ele transmite, anuncia e convida a seguir. O foco desse “testemunhar” serão a

Pessoa e a Missão de Jesus, centrado no Mistério da Pessoa do Verbo Encarnado e do

Projeto Salvífico do Pai9.

4 Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2509. 5 Cf. MACKENZIE, John L. Testemunha, Testemunho. In MACKENZIE, John L. DB. São Paulo: Edições

Paulinas, 1983. p. 927. 6 Cf. VELA, Antonio Llamas. Testimonio. In RAMOS, Felipe Fernández (Dir.). DMJ. Editorial Monte Carmelo:

Espanha, 2004. p. 950. 7 Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2510.

8 Cf. PERETTO, Elio. Testemunho – Testemunha. In BERARDINO, Angelo Di (Organizador). DPAC.

Tradução de Cristina Andrade. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 1356. 9 Cf. BIANCHI, Mansueto. La testimonianza nella tradizione giovannea. Vangelo e Lettere. In CIARDELLA,

Piero et GRONCHI, Maurizio (Editori). Testemonianza e Verità: un Approccio Interdisciplinare. Roma:

Città Nuova, 2000. p. 129.

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Brown ressaltada que o aparecimento de Jesus em público se inicia com o

testemunho que João Batista dá a respeito do Cordeiro de Deus. Esse aparecimento público

terminará com o testemunho de João, o Discípulo Amado, no momento da morte do Cordeiro

Pascal de Deus na cruz, na véspera da Páscoa. Assim, esse Evangelho coloca o Cordeiro

Pascal no centro, cercado por um João de cada lado10

, ou seja, duas testemunhas emolduram

a missão pública de Jesus.

Um dado importante apresentado por Vignolo é que o testemunho de João Batista

acontece como uma transmissão estritamente oral, na forma específica da pregação profética

solene. E o testemunho do evangelista não acontece somente através de sua pessoa, mas

através da transmissão escrita, ou seja, de um livro, que é destinado a uma comunidade que

garante e valida esse testemunho e que o abre a toda a Igreja11

.

O autor desse Evangelho quer que a Igreja permaneça com o entendimento do que é a

figura e a identidade de uma testemunha – ele, que encontrou um acontecimento histórico e

realizou através dele, pela luz do Espírito Santo, uma ação decisiva na fé. Tal ação consiste na

composição literária de um livro e, ao mesmo tempo, num gesto de testemunho que transmite

à Igreja a guarda e a memória viva desse acontecimento12

.

Por fim, Boice aponta que, ao estudar o Evangelho de João, não pode haver dúvidas de

que o seu autor fez uma longa reflexão e um cuidadoso discernimento sobre a ideia do

testemunho cristão. Isso é demonstrado desde a escolha lexical até a sua conclusão. Ao

contrário do restante do Novo Testamento, em que o termo testemunho aparece ao acaso sem

aparentar um desenvolvimento técnico, com exceção da Tradição Lucana, em João as

palavras sobre o testemunho são cuidadosamente selecionadas e ocorrem com uma

10

Cf. BROWN, Raymond E. Evangelho de João e Epístolas. São Paulo: Edições Paulinas, 1975.p. 28. 11

Cf. VIGNOLO, Roberto. La Doutrina dela Testimonianza in Giovanni. In ANGELINI, Giuseppe, et

UBBIALI, Sergio (Editori). La Testimonianza Cristiana e testimonianza di Gesù alla verità. Milano: Edizioni

Glossa, 2009. p. 195. 12

Cf. BIANCHI, Mansueto. La testimonianza nella tradizione giovannea. Vangelo e Lettere. In CIARDELLA,

Piero et GRONCHI, Maurizio (Editori). Testemonianza e Verità: un Approccio Interdisciplinare. Roma:

Città Nuova, 2000. p. 127.

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130

frequência que é digna de atenção13

.

4.1. A TESTEMUNHA NO EVANGELHO DE JOÃO

A primeira consideração a ser feita é que o substantivo (martys) não aparece nenhuma

vez no Evangelho de João14

, mas não está ausente na Literatura Joanina, pois será encontrado

no livro do Apocalipse15

.

Já o verbo (martyreō) aparece 33 vezes no Evangelho de João16

– local de

maior número de ocorrências desse vocábulo no Novo Testamento. Primeiramente, aquele

que testemunha o faz como uma atestação de um fato por parte de uma pessoa e de um

conhecimento direto por uma ação individual ou de um acontecimento de experiência comum.

O evangelista tem consciência do uso clássico da palavra no sentido de atestação ou

depoimento humano, conforme Jo 2,25, onde se diz que Jesus não precisa do testemunho de

nenhum homem a respeito de alguém para conhecer o que havia dentro dele, e em Jo 3,28,

onde João Batista relata que seus discípulos são testemunhas de que ele afirmou não ser o

Messias, mas um precursor enviado adiante Dele17

.

Em Jo 18,23, Jesus questiona os guardas que bateram nele quando ele responde sobre

as acusações que Lhe imputavam. Ele diz aos guardas para testemunharem o mal que ele

havia realizado ou, se ele agiu bem, pede-lhes que digam por que apanhou deles. Em Jo 19,35

afirma sobre o Discípulo aos pés da cruz que ele dá testemunho do que vê18

.

Ainda nesse contexto encontra-se a passagem de Jo 4,39 na qual os samaritanos

13

Cf. BOICE, James Montgomery. Witness and Revelation in the Gospel of John. Michigan: The Pater Noster

Press, 1970 (The Christian Student’s Library). p. 24. 14

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1313. 15

Cf. BIBLE WORKS for Windows. Version 7.0.012g. 2006. 16

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1313. 17

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. pp. 2509 e 2510. 18

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1336.

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131

afirmam acreditar em Jesus primeiramente pelo testemunho da mulher samaritana que disse

que Ele falou tudo a respeito dela; e em Jo 12,17 onde a multidão que estava com Jesus por

ocasião da ressurreição de Lázaro dava testemunho de que Ele havia realizado essa obra.

E, falando sobre o seu futuro em Jo 13,21, o evangelista afirma que Jesus perturbou-se em

espírito e testemunhou que um dos discípulos o trairia19

.

E, como um fato de uma experiência comum, encontra-se em Jo 4,44 a

narração do evangelista de que Jesus já havia afirmado que um profeta não recebe

honras em sua própria pátria20

.

O vocábulo (martyreō) também tem um uso particular no Evangelho de

João. Esse evangelista parece querer apontar unicamente a figura de Jesus na sua Pessoa e no

seu Mistério, desenvolvendo em muitas passagens esse entendimento específico de um

testemunho relacionado a Jesus. Por exemplo: o texto que revela que Jesus não precisa de um

testemunho sobre nenhum homem, pois Ele conhece os corações (cf. Jo 2,25);

e quando João Batista fala que seus discípulos são testemunhas de que ele disse que não

era o Cristo (cf. Jo 3,28); e o episódio em que os samaritanos que começam a crer por

causa do testemunho da samaritana (cf. Jo 4,39); e quando Jesus testemunha que um

profeta não é bem recebido em sua própria terra (cf. Jo 4,44); no trecho em que a

multidão testemunhou que Jesus ressuscitou Lázaro (cf. Jo 12,17); e na última ceia

quando Jesus fica perturbado e testemunha que alguém entre os apóstolos o irá trair

(cf. Jo 13,21); e ainda quando apanha do soldado e pede que este dê testemunho do mal

que Ele fez para merecer tal ação (cf. Jo 18,23)21

.

O objeto próprio desse testemunho não é uma historicidade da existência de Jesus,

mesmo que isso esteja pressuposto e até mesmo seja colocado em relevo, porém, segundo

19

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1336. 20

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1336. 21

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1340.

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Adriano, o testemunho transcende a história e atua entre os homens22

. Pode-se constatar isso

na conversa de Jesus com Nicodemos, quando o evangelista apresenta a doutrina de Jesus

como algo seguro, pois Ele fala do que conhece e testemunha do que viu (cf. Jo 3,11); quando

Jesus afirma que os apóstolos serão testemunhas Dele, pois estão com Ele desde o princípio

de sua missão pública (cf. Jo 15,27); e quando relata no final do Evangelho, que o Discípulo

Amado dá testemunho das coisas que aconteceram com Jesus e por isso as escreve

(cf. Jo 21,24)23

. Assim, ser testemunha, para João, significa falar do que conhece e

testemunhar o que viu; o autor foi testemunha da morte e da ressurreição de Jesus e, através

de seus escritos, continua a dar testemunho da Pessoa de Jesus24

.

A preocupação do evangelista é apresentar eventos importantes da vida de Jesus, como

seu nascimento, sua morte e sua ressurreição, e que dizem respeito somente à sua essência e o

valor da Pessoa de Jesus Cristo, como em Jo 1,15, passagem em que João Batista testemunha

sobre Jesus dizendo que Ele vai tomar a sua frente porque já existia antes dele; e também

naquela em que os discípulos de João Batista vão falar que Jesus, aquele de quem ele deu

testemunho, está batizando também e todos estão indo até Ele25

.

Com esse mesmo sentido se pode encontrar o texto em que Jesus revela que se Ele der

testemunho de si mesmo, o seu testemunho não será verdadeiro, mas se outro der testemunho

Dele, o “testemunho que ele testemunha” é verdadeiro. Jesus continua afirmando que João

Batista deu testemunho da verdade, mas Ele não precisa do testemunho de homens, porque o

maior testemunho que Ele recebe são as obras que o Pai realiza por meio Dele, e o próprio Pai

testemunha a respeito Dele, mesmo que ninguém tenha ouvido a Sua voz; por fim, termina

dizendo que as Escrituras dão testemunho Dele (cf. Jo 5,31-39)26

.

22

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. RCT, São Paulo, Ano II, n. 08,

pp. 19-40, jul./set. 1994. p. 31. 23

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1340. 24

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. p. 30. 25

Cf. STRATHMANN, Hermann. pp. 1340-1341. 26

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1341.

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Outra discussão central do Evangelho de João diz respeito à veracidade daquilo que

Jesus testemunha sobre si mesmo ou, por assim dizer, a questão de quem é esse Jesus. Isso é

caracterizado pela expressão (martyreō peri)27

, “testemunhar sobre”, em que,

no caso citado, Jesus testemunha sobre si mesmo. Cabe ressaltar que essa expressão aparece

por 19 vezes neste Evangelho e se refere quase sempre a Jesus. Também o seu emprego para

referir à oposição que os judeus fazem a Jesus indica um processo judicial devido às

expressões utilizadas pelo autor28

.

Argumentando com os fariseus, Jesus afirma que dá testemunho de si mesmo e, ainda

sim o seu testemunho é verdadeiro (cf. Jo 8,13). Aqui Ele se opõe ao que dirá em Jo 8,17,

sustentando que pode dar testemunho de si mesmo (cf. Jo 8,14). Quando Ele diz algo sobre si

mesmo, esse testemunho é verdadeiro porque Ele sabe de onde veio e para onde vai. O

evangelista não insinua que esse testemunho de Jesus sobre si mesmo seja para se

autoglorificar, mas para indicar aquele que é o Revelador, aquele em quem podem ser

percebidas a vontade e a natureza de Deus e que, portanto, como luz, é a vida dos homens e

dá sentido e base para a existência humana29

.

Esse princípio ocorre quando o evangelista cita Dt 19,15, trecho em que Jesus diz que

na lei está escrito que o testemunho de duas pessoas é verdadeiro (cf. Jo 8,17), embora essa

regra da lei passe a ser usada no versículo seguinte (cf. Jo 8,18) para dizer que Jesus dá

testemunho de si mesmo, juntamente com o Pai que dá testemunho Dele30

.

O versículo citado (cf. Jo 8,17) é apresentado como uma das exceções que aparecem

no Evangelho de João sobre como ele entende o conceito de “testemunha”; aqui o autor

apresenta apenas uma deposição testemunhal através de uma releitura do Deuteronômio31

.

27

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2510. 28

Cf. BEUTLER, Johannes. In BALZ, Horst et SCHNEIDER, Gerhard. DENT. Traducido por

Constantino Ruiz-Guarrido. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1998. p. 171. 29

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2510. 30

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2510. 31

Cf. VELA, Antonio Llamas. Testimonio. In RAMOS, Felipe Fernández (Dir.). DMJ. Editorial Monte

Carmelo: Espanha, 2004. p. 949.

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Os fariseus então dizem que, se Jesus dá testemunho de si mesmo, o Seu testemunho

não é verdadeiro. Jesus argumenta que, mesmo que desse testemunho de Si mesmo este seria

válido, porque Ele sabe de onde veio e para onde vai; e termina argumentando que, se é

necessário haver duas testemunhas para atestar algo, Ele dá testemunho de si o e o Pai

também (cf. Jo 8,13-18). É ainda essa mesma tônica quando Jesus argumenta novamente que

as obras que Ele faz em nome do Pai dão testemunho Dele (cf. Jo 10,25) e que, quando vier o

Paráclito, ele dará testemunho de Jesus (cf. Jo 15,26)32

.

E Jesus não dá testemunho apenas de Si mesmo, mas também das obras más que os

homens realizam, por isso Ele é odiado por eles (cf. Jo 7,7)33

.

O próprio Jesus parece não ser favorável a esta ideia em Jo 5,31: “se dou testemunho

de mim mesmo, o meu testemunho não é verdadeiro” que parece estar em tensão com Jo 8,14.

Mas sua legitimação não virá pelos homens, nem por meios lógicos que evidenciem o

testemunho de alguém, mas pelas obras que Ele realiza e que dão testemunho Dele

(cf. Jo 5,37; 6,65). Completando esse entendimento, vê-se que em Jo 5,39 as Escrituras dão

testemunho de Jesus34

.

Bultmann argumenta que Jesus não poderá realizar um testemunho como o mundo

pede. As Escrituras testemunham a seu favor, mas os judeus distorcem o sentido desse

testemunho; o Pai testemunha em seu favor, mas o mundo não aceita esse testemunho, pois

não conhece a Deus. Assim, o testemunho é dado por meio das palavras e das obras que

realiza e, mesmo sem realizar esse testemunho como exige a lei, ele testemunha a seu favor,

mas esse testemunho só poderá ser entendido e acolhido pela fé35

.

O objetivo desse testemunho é sempre afirmar que Jesus é o Filho de Deus

32

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1341. 33

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1341. 34

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2510. 35

Cf. BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. Tradução: Ilson Kayser. São Paulo: Teológica,

2004. p. 502.

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(cf. Jo 1,34), que Ele existia desde toda a eternidade (cf. Jo 1,15), e que se encarnou por

mandato do Pai (cf. Jo 5,36)36

.

Esse entendimento é finalmente evidenciado na cena do julgamento de Jesus diante de

Pilatos, quando Ele afirma que “veio ao mundo para dar testemunho da verdade” (Jo 18,37) –

então, o anúncio da verdade é o testemunho de Jesus e sua morte é a prova suprema da

veracidade do anúncio37

–, e com uma referência a esse testemunho em Jo 3,11, onde Ele

afirma que sabe e testemunha sobre o que viu38

. Assim, Ele se torna o Revelador entre Deus e

o mundo e exige para isso a fé que se torna um meio para que a humanidade se abra à

aceitação desse testemunho e do conteúdo próprio da revelação39

.

Dodd, comentando esse texto, lembra que no diálogo entre Jesus e Pilatos, Pilatos diz

que Jesus é rei. Jesus argumenta que Ele é rei, mas não no sentido histórico, social ou político;

Ele é rei num reino que não é deste mundo e sua função real é ser testemunha da verdade –

dado que o autor do Evangelho parece deixar claro40

.

Jesus é apresentado nesse texto como a grande testemunha do Pai e a mais esclarecida,

porque conhece e sabe daquilo que testemunha devido à sua preexistência junto ao Pai. Seu

testemunho, portanto, é uma revelação41

.

O próprio Jesus se torna o mediador do testemunho, isto é, da revelação de Deus ao

mundo, o (cosmos), do qual Ele é luz (cf. Jo 8,12) e que o odeia porque, segundo

Coenen, Ele remove as reivindicações do mundo quanto a ter autonomia e, portanto, o mundo

rejeita o testemunho Dele (cf. Jo 3,11-12). Aqui mais uma vez se compreende que esse

36

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1341. 37

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. RCT, São Paulo, Ano II, n. 08,

pp. 19-40, jul./set. 1994. p. 31. 38

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2511. 39

Cf. WOSCHITZ, Karl M. Testemunho. In BAUER, Johannes B. DBT. Tradução de Fredericus Antonius

Stein; Supervisão de Johan Konings. São Paulo: Edições Loyola, 2000. p. 428. 40

Cf. DODD, Charles Harold. A Interpretação do Quarto Evangelho. Tradução de José Raimundo Vidigal.

São Paulo: Teológica, 2003. p. 125. 41

Cf. DILLENSCHNEIDER, Clement. O Apóstolo, Testemunha de Cristo, a “Testemunha Fiel” do Pai.

Tradução: Cláudio Cella. São Paulo: Paulinas, 1970. p. 46.

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testemunho não pode ser averiguado, mas é dado à maneira dos profetas e como uma

autocomunicação de Deus na Pessoa de Jesus, que exige uma resposta42

.

Brox afirma que o que distingue a teologia do Evangelho de João sobre o testemunho

é a legitimação e a evidência na verdade que Jesus professa, que consiste na chamada a uma

autoridade não averiguável, mas que se dá pela revelação43

.

Nessa formulação, há com certeza uma correspondência com as exigências humanas

de legitimação; os testemunhos de confirmação aqui apresentados, porém, não fornecem uma

prova como a que se espera de um testemunho comum, mas afirmam a própria coisa para a

qual é apresentada a prova. Pois, segundo Bultmann (citado por Coenen), o “objeto da fé

faz-se conhecido somente à fé”. O critério para a mensagem é o próprio conteúdo44

.

O testemunho de Jesus não é legitimado pela palavra que Ele profere, ou por uma

constatação que acontece de fato por uma presença daquele que recebe Seu testemunho, mas

por uma aceitação de fé por parte daquele que acolhe Sua Palavra. Assim, somente nessa fé se

enxerga a coisa testemunhada e ao mesmo tempo se poderá reconhecer aquele que testemunha

como alguém que diz a verdade45

.

No Evangelho de João a figura de João Batista é muito mais forte que nos demais

Evangelhos. Aqui ele é apresentado como o precursor, o profeta final, que aponta para Aquele

que era o esperado de Israel, para Aquele que já está presente – esse é seu destino e sua

importância. João Batista veio como “testemunha [ (eis martyrian)] para dar

testemunho da luz, a fim de todos virem a crer por intermédio dele” (cf. Jo 1,7-8). Isso é

ampliado em Jo 1,15; 3246

. Ele é enviado por Deus para testemunhar a favor de Jesus47

, e o

42

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2511. 43

Cf. BROX citado por COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin

(Editores). DITNT. 2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2511. 44

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2511. 45

Cf. BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. Tradução: Ilson Kayser. São Paulo: Teológica,

2004. p. 503. 46

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2510.

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conteúdo do testemunho consiste em afirmar que o Verbo feito carne, Jesus, é a luz do mundo

(cf. Jo 1,7-9) e isso o próprio Jesus reafirma depois (cf. Jo 8,12)48

.

João Batista é apresentado como testemunha somente no Evangelho de João,

lembrando que nesse Evangelho a doutrina sobre o testemunho é um traço marcante.

O testemunho do Batista é designado por um acontecimento anunciado primeiramente como

algo que há de vir. Em seguida, ele diz que não conhecia o Messias, mas que lhe foi revelado

que o Espírito desceria sobre Ele, e é dessa revelação que João Batista mais uma vez

testemunha, dizendo: “Vi o Espírito descer sobre Ele” (cf. Jo 1,32)49

. O testemunho de João

Batista é então mencionado pelo evangelista e formulado como uma tese em Jo 1,34:

“Pois eu de fato vi e dou testemunho de que ele é o Filho de Deus”. Em Jo 3,26 isso é

confirmado mais uma vez pelos discípulos de João Batista, “do qual tens dado testemunho”,

e em Jo 3,31-32 afirmado na reinvindicação de que “aquele que vem do alto dá testemunho

do que lá viu e ouviu”50

.

Na continuação desse texto, João Batista afirma que ele deve diminuir para que Cristo

cresça e, segundo Dillenschneider, essas palavras apontam para o verdadeiro significado do

que é ser testemunha de Jesus, sua humildade, sua alegria, que consiste em preparar o

caminho e depois desaparecer51

.

Nesse aspecto do testemunho em que se aponta para Jesus, deve ser incluído o

entendimento do que é falado por Jesus sobre as Escrituras, que elas dão testemunho de Jesus

(cf. Jo 5,39), e sua conclusão legítima se encontra no testemunho de João Batista em Jo 5,33.

Esse profeta levou a efeito sua atividade de testemunha da verdade. O testemunho aqui não é

47

Cf. BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. Tradução: Ilson Kayser. São Paulo: Teológica,

2004. p. 504. 48

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1341. 49

Cf. DANIÉLOU, Jean. João Batista, Testemunha do Cordeiro. Petrópolis, Vozes, 1965. p. 76-77. 50

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2510. 51

Cf. DILLENSCHNEIDER, Clement. O Apóstolo, Testemunha de Cristo, a “Testemunha Fiel” do Pai.

Tradução: Cláudio Cella. São Paulo: Paulinas, 1970. p. 40.

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realizado pela narração de eventos que podem ser averiguados, mas por uma proclamação que

indica que Jesus é aquele que revela Deus à humanidade52

.

Jesus é o Verbo feito carne que desceu do céu e que por isso fala do que viu e ouviu

(cf. Jo 3,11.32); Ele é a verdade (cf. Jo 14,6) e dá testemunho da verdade, pois foi para isso

que veio ao mundo (cf. Jo 18,37)53

. Nesse sentido, pode-se entender Jesus como um apóstolo

do Pai, ou seja, um enviado, como significa esse termo, e ao mesmo tempo a testemunha

(cf. Ap 1,5). Segundo Dillenschneider, Jesus é o apóstolo-testemunha, tornando-se a imagem

também daqueles que serão depois enviados a testemunhar54

.

Assim, aquele que dá testemunho de Jesus o faz anunciando que Ele é o Salvador

do mundo, enviado pelo Pai; as Escrituras fazem isso (cf. Jo 5,39), João Batista

(cf. Jo 1,7.15.32.34; 3,36; 5,33), o Pai (cf. Jo 5,32.37; 8,18), as obras que o Pai

Lhe concede realizar (cf. Jo 5,36; 10,25) e a própria Pessoa de Jesus na Sua missão

divina (cf. Jo 5,31; 8,13.18)55

.

Outro aspecto do Evangelho de João está relacionado com o uso do termo

(logos), “palavra”, o testemunho de Jesus. Esse testemunho, para aqueles que

aceitaram e assim confirmaram a verdade de Deus, se torna o testemunho de Jesus

(cf. Jo 3,33) 56

. Dessa forma, aceitar o testemunho de Jesus e crer é uma coisa só,

o que significa que crer no Filho de Deus é aceitar o seu testemunho, e recusar o testemunho

de Jesus equivale a não crer57

.

Nesse sentido há o episódio narrado em Jo 4,39, onde os samaritanos vão confirmar

que o seu caminho para a fé iniciou-se a partir do testemunho da mulher samaritana, ou seja,

52

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2510. 53

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1342. 54

Cf. DILLENSCHNEIDER, Clement. O Apóstolo, Testemunha de Cristo, a “Testemunha Fiel” do Pai.

Tradução: Cláudio Cella. São Paulo: Paulinas, 1970. p. 43. 55

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1342. 56

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2511. 57

Cf. DILLENSCHNEIDER, Clement. O Apóstolo, Testemunha de Cristo, a “Testemunha Fiel” do Pai. p. 73.

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do relato de sua experiência pessoal com Jesus à beira do poço de Jacó. O evento do qual a

pessoa tem uma experiência ainda desempenha um papel significativo aqui58

.

Esse pensamento é entendido de um modo típico joanino quando, em Jo 15,26, o

Paráclito, o Espírito Santo, é nomeado como Aquele que dá testemunho de Jesus. Ele abre os

olhos do mundo à verdade de Deus e à verdade acerca de Jesus59

. Quando Jesus não estiver

mais sobre essa terra, o Espírito Santo continuará este testemunho de Jesus, pois Ele é o

Espírito da verdade ou, simplesmente, a verdade60

. Assim, segundo Adriano, pelo Espírito os

discípulos e toda a Igreja futura atualizam o testemunho quando e onde este se une à

proclamação do Evangelho – isso tornará o testemunho cristão mais que algo legal ou

histórico, mas uma profissão de fé na Pessoa de Jesus e no Seu Mistério61

.

Em seguida, Jesus expande esse entendimento dizendo que também os apóstolos darão

testemunho Dele pois estão com Ele desde o princípio (cf. Jo 15,27)62

. E Bultmann acrescenta

que então o testemunho da comunidade dos cristãos será o testemunho do Espírito a ela

concedido, o qual representa Jesus como o outro consolador63

.

Segundo Woschitz, o ato de testemunhar é um elemento constitutivo da Igreja no

Evangelho de João e ressalta que o paralelismo entre o testemunho do Espírito e

o da comunidade de discípulos indica que o Espírito não opera fora da história, mas coloca

a comunidade existente a seu serviço para concretizar em forma nova o testemunho

autêntico sobre Jesus64

.

58

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2511. 59

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2511. 60

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1342. 61

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. RCT, São Paulo, Ano II, n. 08,

pp. 19-40, jul./set. 1994. pp. 32-33. 62

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2511. 63

Cf. BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. Tradução: Ilson Kayser. São Paulo: Teológica,

2004. p. 502. 64

Cf. WOSCHITZ, Karl M. Testemunho. In BAUER, Johannes B. DBT. Tradução de Fredericus Antonius

Stein; Supervisão de Johan Konings. São Paulo: Edições Loyola, 2000. p. 428.

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140

O vocábulo (martyria) aparece 14 vezes no Evangelho de João65

, e cabe

ressaltar a importância que o termo “testemunho” adquire nos Escritos Joaninos, pois nota-se

que nos Sinóticos este só é encontrado 04 vezes em Marcos e Lucas, e, se forem

examinados todos os Escritos Joaninos, o termo será encontrado cerca de 30 vezes.

No restante do Novo Testamento, ele aparece somente 07 vezes. Ele aparece no Evangelho

de João com um sentido religioso e cristão, exceto em Jo 8,17, trecho em que a

referência é uma exposição testemunhal por parte de um homem, relacionando-se aos

textos de Dt 17,6; 19,1566

.

Nas demais passagens em que aparece, está relacionado ao testemunho sobre Jesus e

sobre o seu Mistério Salvífico, com a finalidade de propagar a fé, semelhante a uma volta ao

entendimento que se faz da formação da palavra como a ação testemunhal, isto é, o

testemunho em si. Esse sentido é encontrado desde o início do Evangelho, quando se diz que

João Batista veio para dar testemunho de Jesus (cf. Jo 1,7)67

.

Ainda nesse sentido o termo pode ser reconhecido como o testemunho dado por

alguém, como ao citar João Batista, quando confessa que o seu testemunho é dizer que não é o

Messias; também o testemunho do próprio Jesus, quando relata que os judeus não aceitam o

Seu testemunho (cf. Jo 3,11), e onde afirma que não aceitam o Seu testemunho, mas se

aceitarem confirmarão que Deus é verdadeiro (cf. Jo 3,32-33).

Esse entendimento de que o testemunho pode ser dado por alguém está

presente em outras passagens do Evangelho de João: quando os judeus argumentam que,

quando Jesus fala de Si mesmo, o seu testemunho não é verdadeiro (cf. Jo 8,13); quando Jesus

apresenta que se der testemunho de Si mesmo esse testemunho não é verdadeiro; quando

apresenta que Deus dá testemunho de Jesus pelas obras que lhe permite realizar

65

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970.p. 1313. 66

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1347. 67

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1347.

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141

(cf. Jo 5, 32.36)68

; e quando o evangelista dá testemunho de Jesus por meio dos seus escritos,

não somente no sentido histórico, mas também como algo percebido pela fé (cf. Jo 21,24)69

.

Cabe, aqui, ressaltar que em Jo 21,24 se volta a uma referência do Discípulo Amado:

“Este é o Discípulo que dá testemunho destas coisas e foi quem as escreveu: e sabemos que o

seu testemunho é verdadeiro”. Percebe-se que esse é precisamente o papel descrito em

condições muito semelhantes às do discípulo de Jo 19,35, que com toda a probabilidade

é o Discípulo Amado70

.

O Discípulo de Jo 21,24 é um testemunho. Ele é testemunha dos fatos que foram

escritos, mas também de fatos que não escreveu e que, talvez, não chegarão ao conhecimento

daqueles que virão posteriormente. O Discípulo atesta a verdade das ações de Jesus e parte

delas está neste Evangelho71

.

Esse “testemunho” é dado, segundo Smalley, pelo Discípulo Amado que é não apenas

uma testemunha da Tradição, mas também o próprio evangelista, que escreve não somente o

que viu, mas o que o encontro com a Pessoa de Jesus causou em sua vida. Nesse caso, o

versículo afirma que o Discípulo Amado foi responsável pela Tradição do Evangelho de João.

Seu testemunho é autenticado pela Igreja nascente e por aqueles que seriam os responsáveis

pela versão final do Evangelho de João72

.

Ainda nesse sentido se tem o texto central deste estudo (cf. Jo 19,35) em que o

Discípulo que vê Jesus sendo crucificado, dá o seu testemunho, e ele sabe que esse

testemunho é verdadeiro – isso não somente como o testemunho de um acontecimento

histórico, mas também de uma constatação de um fato que demonstra o valor Salvífico da

morte de Jesus que é testemunhado por alguém que crê para que outros também creiam73

.

68

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1348. 69

Cf. VELA, Antonio Llamas. Testimonio. In RAMOS, Felipe Fernández (Dir.). DMJ. Editorial Monte

Carmelo: Espanha, 2004. p. 950. 70

Cf. SMALLEY, Stephen. John: Evangelist & Interpreter. 2ª ed. Cumbria: Pater Noster Press, 1998. p. 88. 71

Cf. SMALLEY, Stephen. John: Evangelist & Interpreter. p. 88. 72

Cf. SMALLEY, Stephen. John: Evangelist & Interpreter. p. 89. 73

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1348.

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Por fim, percebe-se que o vocábulo (martyrion) também não aparece

no Evangelho de João74

.

4.2. A TESTEMUNHA NAS CARTAS DE JOÃO

À semelhança do Evangelho de João o substantivo (martys) não aparece

nas Cartas de João75

.

O vocábulo (martyreō) aparece cerca de 10 vezes na Primeira e na Terceira

Carta de João76

, com o duplo entendimento: atestar que determinada pessoa tem uma boa

reputação e dar um bom testemunho sobre alguém77

, sendo usado para ressaltar a conduta

digna de louvor dentro do âmbito da fé, da verdade e da caridade que alguns homens realizam

na comunidade78

. Ele é encontrado em 3Jo 1,3.6.12 onde primeiramente o autor se alegra por

ter recebido um bom testemunho a respeito de Gaio, a quem se destina a Carta; em seguida,

fala que a Igreja dá testemunho de seu amor; e por fim, quando fala que os irmãos e o autor

dão testemunhos bons sobre Demétrio79

.

O testemunho sobre Jesus trabalhado no Evangelho de João retorna também nas Cartas

de João, quando o autor aponta para a figura de Jesus na Sua Pessoa e no seu Mistério,

desenvolvendo em muitos lugares esse entendimento específico de um testemunho

relacionado a Jesus80

. Em 1Jo 1,2 o autor anuncia que a vida foi manifestada aos homens em

Jesus, diz que viu isso e assim dá testemunho do que vivenciou. De modo semelhante, isso é

apresentado também quando o autor diz que viu e, por isso, dá testemunho que o Pai enviou

74

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1313. 75

Cf. BIBLE WORKS for Windows. Version 7.0.012g. 2006. 76

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1313. 77

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1337. 78

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2510. 79

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1337. 80

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2511.

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143

seu Filho como Salvador do mundo (cf. 1Jo 4,14)81

, à semelhança do que é apresentado sobre

o testemunho dos apóstolos no Novo Testamento.

Ainda nesse entendimento, o autor da Carta deixa claro que aquele que não

acredita em Jesus faz de Deus um mentiroso, porque não acredita no testemunho que Ele

deu de Seu Filho (cf. 1Jo 5,10)82

. Assim, o testemunho reservado aos discípulos é

também uma profissão de fé.

O autor retoma Jo 15,26, ao expor que, quando Jesus não estiver mais sobre esta terra,

o Espírito Santo continuará o testemunho de Jesus que veio na água e no sangue, esse é o

testemunho do Espírito (cf. 1Jo 5,6)83

, pois ele é o Espírito da verdade, ou simplesmente a

verdade. Nesse texto, segundo Beutler, faz-se uma referência ao batismo e à morte de Jesus

como acontecimentos Salvíficos que dão testemunho da missão de Jesus84

. Brown, ainda

comentando esse tríplice testemunho (cf. 1Jo 5,7), relata que o Espírito, presente no cristão

pelo batismo, é a suprema testemunha de Jesus, objeto da fé dos que O aceitam, e, ao mesmo

tempo, sublinha nesses versículos que a fonte deste Espírito é aberta quando Jesus é

glorificado em Sua morte85

.

Ainda com essa visão sobre o testemunho, Coenen ressalta que, para o autor, aquele

que crê no Filho de Deus tem em si o testemunho (cf. 1Jo 5,10), e esse testemunho fica mais

evidente na declaração do versículo seguinte, de que o testemunho do conhecimento e da

mensagem da fé é este: que Deus nos deu a vida eterna e esta está em Seu Filho

(cf. 1Jo 5,11)86

. Strathmann acrescenta que no Batismo e na Eucaristia se dá o testemunho do

Filho de Deus que é o doador da vida eterna (cf. 1Jo 5,5-11), e por isso nos sacramentos os

81

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1340. 82

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1341. 83

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2511. 84

Cf. BEUTLER, Johannes. In BALZ, Horst et SCHNEIDER, Gerhard. DENT. Traducido por

Constantino Ruiz-Guarrido. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1998. p. 173. 85

Cf. BROWN, Raymond E. Evangelho de João e Epístolas. São Paulo: Edições Paulinas, 1975.p. 200. 86

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2511.

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144

fiéis experimentam continuamente esta realidade87

.

Em especial, este texto da Primeira Carta de João fala que três dão testemunho, e a

água e o sangue não devem ser entendidos somente como o batismo e a morte de Jesus, mas

como todos os sacramentos realizados na Comunidade. Trata-se do testemunho do Espírito

que é realizado no interior do homem que crê. Porém retoma o contexto jurídico do

testemunho quando apresenta que três dão testemunho (cf. Dt 17,6; 19,15), o Espírito unido

ao sangue e à água, fazendo uma relação possível com o texto de Jo 19,34 e com os dois

sacramentos a que eles se referem. Isso indica que este acontecimento é de fundamental

importância para o autor e que não poderia ser deixado de lado em sua argumentação88

.

Aqui também se tem o entendimento de que o testemunho se faz por alguma coisa que

é experienciada, e essa experiência não passa pelos sentidos humanos, mas pelo

arrebatamento da fé. O entendimento de “ver”, no grego, também é inserido aqui89

.

Strathmann argumenta que o autor da Carta considera o testemunho também sob uma

dimensão histórica, como alguém que fala como testemunha ocular do Jesus histórico e que

traz semelhança com o sentido utilizado por Lucas, pois por meio dele se comprova a

historicidade de um determinado acontecimento e, por isso, pode dar sua impressão sobre a

glorificação de Jesus, que depois será revelada aos que creem, mesmo aos que não viram.

Assim se constituirão sempre novas testemunhas que professam a fé em Jesus e anunciam

publicamente o que Ele foi e o significado da salvação que Ele nos concedeu90

.

Seguindo pelo estudo do conceito de testemunho, pode-se encontrar o vocábulo

(martyria) que aparece 07 vezes na Primeira e na Terceira Carta de João91

. Este

aparece nas Cartas de João também com o sentido religioso e cristão do Evangelho de João,

87

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1342. 88

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1343. 89

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2511. 90

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1344. 91

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1313.

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145

com exceção dos textos de 3Jo 1,12, onde o termo significa o testemunho de boa reputação

cristã que é conferido a Demétrio, e de 1Jo 5,9, onde ele apresenta que normalmente

aceitamos o testemunho dos homens, como já foi citado no texto de Deuteronômio, em que

um homem dá testemunho a outros homens92

.

Ainda com o entendimento citado, encontra-se o testemunho que Deus dá a respeito de

Seu Filho, onde o autor da Carta acentua que o testemunho fundamental é este: que Deus deu

a vida eterna e esta vida está no seu Filho (cf. 1Jo 5,11). Se a confiança entre os homens é

possível, quanto mais é válida quando é Deus que se comunica e Seu testemunho se refere ao

Seu Filho. Isso leva a concluir a realidade e a verdade dessa autocomunicação divina93

.

Nesse contexto se entende que o testemunho de Deus é identificado com o testemunho

do Espírito, fato que pode ser verificado quando, na sequência do texto sobre o testemunho da

água, do sangue e do Espírito, se afirma que aquele que crê em Jesus tem o testemunho em si

e quem não crê faz de Deus um mentiroso por não acreditar no testemunho que deu de Seu

Filho (cf. 1Jo 5,10). Isso mostra que o testemunho do Espírito traz a certeza de que se pode

crer no testemunho divino94

. O termo utilizado pelo autor indica então uma ação verbal, ou

seja, é necessário ao leitor “crer nesse testemunho”95

.

Também o vocábulo (martyrion), como no Evangelho de João, não aparece

nas Cartas de João96

.

4.3. A TESTEMUNHA NO APOCALIPSE

O vocábulo (martys) aparece 05 vezes no Livro do Apocalipse97

, o único que

92

Cf. VELA, Antonio Llamas. Testimonio. In RAMOS, Felipe Fernández (Dir.). DMJ. Editorial Monte

Carmelo: Espanha, 2004. p. 949. 93

Cf. WOSCHITZ, Karl M. Testemunho. In BAUER, Johannes B. DBT. Tradução de Fredericus Antonius

Stein; Supervisão de Johan Konings. São Paulo: Edições Loyola, 2000. p. 428. 94

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. pp. 1348-1349. 95

Cf. BEUTLER, Johannes. In BALZ, Horst et SCHNEIDER, Gerhard. DENT. Traducido por

Constantino Ruiz-Guarrido. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1998. p. 176. 96

Cf. BIBLE WORKS for Windows. Version 7.0.012g. 2006. 97

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1313.

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apresenta esse termo entre os Escritos Joaninos. Dentre os versículos em que esse termo é

utilizado, há uma única ocasião em que no Apocalipse, Jesus é chamado especificamente de

(ho martys, ho pistos), “a testemunha fiel” (cf. Ap 1,5); é um uso

significativo da Tradição Joanina para o estudo deste termo. Essa passagem e Ap 3,14,

onde se faz uma referência indireta a Jesus quando se diz que o “Amém” (citado como

uma pessoa) é também a “testemunha fiel”98

, são as duas vezes em que o termo é utilizado

para denominar Cristo99

.

No livro do Apocalipse se esboçam as primeiras raízes do conceito de martírio

com seu entendimento posterior em Ap 11,3: são apresentadas duas testemunhas vestidas

de saco que profetizarão por mil duzentos e sessenta dias e, enquanto estão em

sua missão parecem ser invencíveis, mas, ao término dela, a besta vai atacá-las, vencê-las

e matá-las (cf. Ap 11,3-7)100

.

Filippinni aponta que, nesse episódio do Apocalipse, nas duas testemunhas está

representada toda a Igreja que deve ser um povo de testemunhas de Jesus Cristo que fala e

julga, chama à conversão e salva. Esse povo deve trazer as características dos profetas do

Antigo Testamento, assumindo a mesma capacidade e autoridade deles. Os profetas do Antigo

Testamento são os intermediários inspirados da Palavra de Deus e, como testemunhas de

Jesus, são porta-vozes de Sua revelação, colocada na boca dos profetas cristãos pelo Espírito.

Assim, toda a existência das testemunhas deve gerar uma compreensão sobre a sua morte e

sobre a sua exaltação, tornando-se uma profecia, um testemunho de Jesus: o Evangelho

eterno, juízo e salvação de Deus101

.

Nessa mesma linha se encontra a frase de Ap 17,6 em que se apresenta uma mulher

98

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT.

2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2512. 99

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1331. 100

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2512. 101

Cf. FILIPPINI, Roberto. “La Testemonianza di Gesù è lo Spirito dela Profezia” (Ap 19,10): Profezia come

testimonianza nell’Apocalisse. In RSB. Perugia, Anno V, grupo IV, pp. 97-110, gennaio/giugno, 1993. pp. 105-110.

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embriagada com o “sangue dos santos e com o sangue das testemunhas de Jesus”. O termo

“testemunha” (mártir) não deve ser entendido ainda como o conceito de mártir que se

desenvolverá posteriormente, porque junto com aqueles que recebem esse nome estão os

santos que foram mortos e que seriam mártires também102

, no sentido que se estabelecerá nas

Comunidades Cristãs Primitivas.

Coenen afirma que, nesses casos, o que fica em primeiro plano é o fato de as pessoas

aparecerem como testemunhas fidedignas de Jesus, e não tanto a morte delas. Assim, não se

pode citar a morte como característica das testemunhas, especialmente porque os santos em

Ap 17,6 são mencionados juntamente com as testemunhas, como tendo sido executados de

modo semelhante por causa de sua fé103

.

Há também a figura de Antipas, em Ap 2,13, que é reconhecido como testemunha não

porque foi morto, mas foi morto porque era testemunha, e testemunha no sentido de quem

proclama o Evangelho; ele também é chamado de “fiel” porque, mesmo em perigo de morte,

não deixou de dar o seu testemunho104

.

Essa consideração é importante para entender o que significa o termo “testemunha” no

Apocalipse. Ao lado dos cristãos mortos por causa de sua fé, vêm denominados aqueles que

foram mortos por causa de seu testemunho missionário. Assim, não é testemunha aquele que

morre por causa de sua fé, mas aquele que trabalhou pela evangelização em uma qualidade de

testemunho que chamou outros para a fé105

.

Testemunha é, então, aquele que atesta, pelo anúncio, a verdade do Evangelho, e não

somente aquele que faz isso pode ser chamado de testemunha, mas o termo é reservado a

quem foi colocado sob uma grande prova, a ponto de, por seu testemunho, ter de enfrentar a

102

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1332. 103

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores).

DITNT. 2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2512. 104

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1331. 105

Cf. STRATHMANN, Hermann. . p. 1332.

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148

morte. Essa é a “testemunha fiel” e só essa é, no sentido pleno, testemunha verdadeira. Nesse

aspecto, o vocábulo no livro do Apocalipse corresponde ao sentido utilizado por Lucas em

At 22,20 durante o apedrejamento de Estêvão106

.

Assim se pode compreender facilmente porque Jesus é denominado a “testemunha

fiel” em Ap 1,5 e 3,14. A expressão recorda o Sl 88,38: “Será estabelecido para sempre

como a lua e como uma testemunha fiel no céu”, utilizada pelo próprio Deus no Apocalipse

para se referir ao Messias107

.

Esse sentido vem citado anteriormente em Ap 1,1-2, uma revelação de Jesus Cristo

que é transmitida somente àqueles escolhidos por Deus. Assim é chamado de testemunha

aquele que assume esse compromisso com plena disponibilidade. Isso é ressaltado na

saudação introdutória (cf. Ap 1,5) e se repete no início da última mensagem (cf. Ap 3,15) para

que se compreenda toda a seriedade do aviso108

.

Ainda não se esgota o significado do texto. Jesus Cristo não é chamado testemunha

fiel e verdadeira somente no contexto do Apocalipse, mas num sentido geral: “Eu nasci para

isto e vim ao mundo para dar testemunho da verdade” (cf. Jo 18,37). E, morrendo, deu a

prova de fidelidade máxima a essa vocação. Examinando o título dado a Jesus, pode-se

entender porque o testemunha Antipas é chamado de “fiel”. Pode-se dizer que o Crucificado é

o protótipo do testemunho cristão109

.

O verbo (martyreō) aparece 04 vezes no Livro do Apocalipse110

. É utilizado

como uma atestação de um fato por parte de uma pessoa. Em Ap 22,18 o autor do livro

testemunha que, se alguém acrescentar algo às palavras desse livro, as pragas descritas nele

cairão sobre tal pessoa111

.

106

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1333. 107

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1333. 108

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1333. 109

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1334. 110

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores).

DITNT. 2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2507. 111

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1336.

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Ainda no Apocalipse, esse conceito aparece 04 vezes ligado ao conteúdo desse livro e

àqueles que recebem a mensagem que nele se encontra. Isso é dito pelo próprio Jesus

(cf. Ap 22,20) ou pelo seu autor (cf. Ap 1,2; 22,16) e, em especial, quando o autor convida

para que se escutem as palavras proféticas desse livro e exorta para que elas não sejam

alteradas (cf. Ap 22,18)112

.

Retomando o sentido do Evangelho de João, o vocábulo (martyria)

aparece 09 vezes no Apocalipse113

, sendo identificado como o testemunho em si

mesmo, aquilo que alguém faz quando presta um depoimento sobre algo, como no caso

dos dois profetas que exercerão sua função até que chegue o tempo de cessar o seu

testemunho (cf. Ap 11,7)114

.

No livro do Apocalipse aparece a expressão “ter o testemunho”, como em Ap 12,17,

em que o autor escreve que o dragão foi fazer guerra com os que guardam os mandamentos e

que têm o testemunho de Cristo; e em Ap 19,10, quando o autor diz cair aos pés do anjo e este

confessa que é apenas um servidor de Deus do mesmo modo que os homens que têm o

testemunho de Jesus115

.

Mas o que caracteriza o uso desse termo no livro do Apocalipse é a expressão

“o testemunho de Jesus”, que aparece em Ap 1,2, em que o autor afirma que testemunha tudo

o que viu e guarda o testemunho de Jesus, e ainda quando diz que está na ilha de Patmos por

causa do testemunho de Jesus (cf. Ap 1,9); em Ap 6,9, quando o Cordeiro abre o quinto selo e

debaixo do altar estão aqueles que foram fiéis ao seu testemunho; e em Ap 20,4 quando,

diante do trono, o autor vê aqueles que tinham sido decapitados por causa do testemunho de

Cristo; e também nos textos já mencionados acima (cf. Ap 12,17; 19,10)116

.

112

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1344. 113

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1313. 114

Cf. VELA, Antonio Llamas. Testimonio. In RAMOS, Felipe Fernández (Dir.). DMJ. Editorial Monte

Carmelo: Espanha, 2004. p. 949. 115

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1349. 116

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1349.

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Somente duas vezes nesse livro aparece o termo relacionado ao testemunho de um

homem: em Ap 11,7 onde se fala que após darem o seu testemunho, os dois profetas serão

perseguidos pela besta; e em Ap 12,11, onde apresente que alguns homens vencerão pelo

testemunho que deram da Palavra117

.

O testemunho de Jesus, (martyria), é apresentado no livro do Apocalipse

como a revelação da relevância de Jesus, comunicada e aceita pela fé, e este é entendido,

segundo Coenen, como algo idêntico a (logon tou theou), “Palavra de Deus”

(cf. Ap 1,2;9). E em Ap 12,11 ambas também são usadas juntas e ligadas entre si118

.

Cabe ressaltar que o testemunho de Jesus está relacionado com o testemunho da

Palavra de Deus e com o cumprimento de seus mandamentos, porém isso não quer dizer que

um se relaciona com o Antigo Testamento e outro com a mensagem cristã, mas trata-se

de uma indicação da revelação cristã como um todo, pois Palavra de Deus e testemunho

de Jesus são inseparáveis119

.

Segundo Coenen, o testemunho é qualificado como o “Espírito da profecia”, que

poderia significar aquilo que foi revelado aqui a respeito do futuro. O pensamento é que ao ser

tocada pelo testemunho de Jesus, a pessoa se coloca no serviço de testemunha, obrigando-se a

passar adiante o testemunho. Nisso se entende que é revelado aos homens um poder que está

ligado inseparavelmente ao testemunho, por meio do qual Deus não dá aos homens

meramente um conhecimento intelectual, mas também leva-os a agir. O testemunho permite

que a pessoa compartilhe do caminho, mas também do sofrimento e da perseguição de Cristo,

conforme aponta Ap 6,9, que fala dos que foram mortos por causa da Palavra de Deus e do

testemunho que eles deram de Jesus. Isso também é percebido em Ap 12,17 onde, após o

fracasso da perseguição do dragão ao menino, o monstro se volta para a mulher e para aqueles

117

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1347. 118

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores).

DITNT. 2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2511. 119

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1347.

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151

que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus120

.

Em Ap 12,11 é lhes prometida a vitória pelo sangue do Cordeiro, pois o testemunho

atrai pessoas que são arrebatadas por ele para dentro da vida de Cristo e, como consequência

disso, não se apegam nem mais a suas próprias vidas121

.

Essa dualidade do testemunho é usada em Ap 1,2 para especificar que a Revelação de

Deus é realizada por Jesus Cristo e que depois será manifestada por meio do seu testemunho

ao autor. Nesse sentido se deve entender também a passagem de Ap 19,10, em que o anjo da

Revelação fala ao autor e em seguida anuncia que o testemunho de Jesus é o espírito da

profecia. Unido a isso, em Ap 22,9 se deduz que os irmãos a quem o texto se refere não são

somente os crentes, mas especificamente os profetas, e estes são os autores do Apocalipse,

sendo o próprio autor um profeta que recebe a mensagem do anjo e está simplesmente a

serviço dela e a guarda. E por isso o testemunho de Jesus é dado pelos homens, não somente

como cristãos, mas na qualidade de profetas de Cristo, cabendo a eles não só acolher essa

revelação, mas propagá-la como fez o autor, testemunhando o testemunho de Jesus122

.

Ao mesmo tempo, o testemunho de Jesus não é apenas uma revelação particular dada

a um profeta, mas a revelação cristã em geral, e é para evitar a difusão ainda maior dessa

revelação que João está exilado na ilha de Patmos (cf. Ap 1,9). Também por causa desse

testemunho é que os mártires foram mortos (cf. Ap 6,9), decapitados (cf. Ap 20,4),

perseguidos pelo dragão (cf. Ap 12,7). E não somente os que são cristãos, mas todos os que

perderam a vida por causa da Palavra de Deus e do testemunho de Jesus. Também se

distinguem entre os irmãos, que são os cristãos, e os que estão a serviço de Deus; por fim

se apresentam aqueles que foram decapitados porque não adoraram a besta, nem

traziam sobre si a sua marca123

.

120

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores).

DITNT. 2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 2511. 121

Cf. COENEN, Lothar. Testemunha, Testemunho. p. 2512. 122

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. pp. 1350-1351. 123

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1352.

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Ainda nesse vocábulo se pode considerar o que foi dito no Evangelho de João a

respeito do testemunho de Jesus e que pode ser entendido da mesma forma no Apocalipse,

isto é, como o anúncio da mensagem cristã da salvação. O que amplia esse entendimento é

que esse testemunho será autenticado pela morte. No caso de Antipas, recebe o título de

“testemunha fiel” por causa da experiência de perseguição em que a Igreja estava inserida;

agora ressalta aquele que se apresenta com serenidade diante do testemunho que lhe pede a

vida, o que já é um início da noção que se desenvolverá até o que se entenderá por mártires

nos anos que se seguirão. Isso é apresentado quando os dois profetas testemunham pela sua

palavra, mas também sugerindo o testemunho dado por suas mortes (cf. Ap 11,17); e quando

apresenta os que não se apegaram a suas vidas e deram testemunho da Palavra mesmo diante

da morte (cf. Ap 12,11)124

.

Depois da vitória de Miguel e dos seus anjos sobre o dragão, ressoa no céu um canto

de triunfo, pois o acusador foi vencido pelo sangue do Cordeiro e da Palavra do seu

testemunho, isto é, a Palavra que testemunharam quando doou Sua vida. Strathmann ressalta

que a palavra “testemunho” no Apocalipse não ressalta o testemunho de sangue, mas a

profissão de fé realizada na missão; porém também esta chega à sua plenitude quando

culmina no sacrifício da vida. O entendimento dos Escritos Joaninos aqui descritos ajudarão

no desenvolvimento do sentido de mártir na Igreja Primitiva125

, mesmo que ainda não se

possa aplicar ao uso martiriológico desse termo126

.

Por fim, o vocábulo (martyrion) aparece 01 vez no Apocalipse127

, quando

em Ap 15,5 o autor diz que olha e vê a Tenda do Testemunho aberta no céu. Essa expressão

já foi anteriormente citada no capítulo que tratou do Antigo Testamento e que aqui é

retomado neste livro.

124

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. pp. 1353-1354. 125

Cf. STRATHMANN, Hermann. pp. 1354-1355. 126

Cf. BEUTLER, Johannes. In BALZ, Horst et SCHNEIDER, Gerhard. DENT. Traducido por

Constantino Ruiz-Guarrido. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1998. p. 178. 127

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1313.

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REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO IV

1. FONTE PRINCIPAL

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3. PROGRAMAS DE COMPUTADOR

BIBLE WORKS for Windows. Version 7.0.012g. 2006.

BIBLIA CLERUS. Congregatio pro Clericis. http://www.clerus.org. 26/03/2011 às 18h00.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.11a.

Curitiba: Editora Positivo, 2004.

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156

CAPÍTULO V

A TESTEMUNHA NA TRADIÇÃO CRISTÃ

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A raiz da palavra “testemunho” do Novo Testamento, em especial nos Escritos

Joaninos, teve um novo desenvolvimento a partir do século II, em razão das perseguições que

vão acontecer na Comunidade Cristã Primitiva1. Rodorf afirma que a época clássica do

martírio na Igreja são os três primeiros séculos, quando o cristianismo era ainda uma religião

ilícita do Império Romano e, por isso, frequentemente perseguida. Depois de Constantino,

quando a Igreja foi oficializada, haverá martírios de hereges ou de cristãos em países que não

pertenciam ao Império Romano2.

O desenvolvimento do termo “testemunha” alcançará um novo entendimento e irá se

firmar ao longo da história do cristianismo. O sentido de dar a vida por causa da fé vai se

destacar, em especial, com o uso do termo “mártir”. Com a aquisição desse novo significado,

a Igreja latina não usará a tradução do termo “testemunha” no latim, mas recorrerá ao seu uso

direto no termo grego3. Assim, o emprego do termo grego (martys), usado para

indicar alguém que sofre a morte pela fé cristã, aparece no século II d.C. e passa a ser

utilizado comumente na Igreja4.

A partir de então, na Igreja a tradução dos termos – como no português, que se

referiam diretamente à sua raiz grega – acaba se dividindo em dois ramos que se

desenvolverão e adquirirão sentidos diferentes. Porém, sempre se pode estabelecer uma

1 Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1361. 2 Cf. RORDORF, Willy. et all. Martírio. In BERARDINO, Angelo Di (Organizador). DPAC. Tradução de

Cristina Andrade. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 895. 3 Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1369.

4 Cf. MACKENZIE, John L. Testemunha, Testemunho. In MACKENZIE, John L. DB. São Paulo: Edições

Paulinas, 1983. p. 928.

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ligação entre o entendimento firmado até o período da finalização do Novo Testamento e

aquele que vai se desenvolver depois disso.

Assim, o termo traduzido por “testemunha” continuará com o entendimento

apresentado até então e o termo traduzido por “mártir” vai desenvolver-se paralelamente a

ponto de, em alguns casos, deixar de referir alguém que atesta um fato que experienciou para

dar lugar a alguém que morre pela fé que professa.

Este capítulo inclui uma explanação inicial sobre esse novo entendimento do termo e

sua implicação na vida da Igreja nascente e, em seguida, um breve esclarecimento sobre a

necessidade de se resgatarem ambos os entendimentos na Igreja atual, não como uma forma

de separá-los, mas de uni-los a partir de sua raiz.

5.1. A TESTEMUNHA NA IGREJA CRISTÃ PRIMITIVA

Na Igreja Cristã Primitiva vai se desenvolvendo um novo entendimento do que é ser

testemunha a partir de sua raiz no grego. Isso acontece em meio às perseguições aos cristãos

que ocorreram nesse período, porém, os entendimentos anteriores não são abandonados.

Assim, pode-se perceber que o sentido de propagar a verdade do Evangelho permanece ainda

presente no entendimento do termo5.

Cantalamessa argumenta que, estudando a história das origens do cristianismo,

veem-se dois instrumentos que a Igreja Nascente utilizou para divulgar a sua fé pelo o mundo

pagão: o primeiro foi o anúncio da Palavra, o querigma, e o segundo, o testemunho de vida

dos cristãos, a martyria, que maravilhava e convertia os pagãos com a vivência do amor

fraterno e a pureza de costumes6.

5 Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1361. 6 Cf. CANTALAMESSA, Raniero. A Vida em Cristo. São Paulo: Edições Loyola, 1998. p. 232.

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Assim, do sentido que o testemunho acontece pela ação missionária da Igreja nascente,

passa-se ao entendimento de que o testemunho se dá plenamente quando há uma ameaça de

morte. Ao mesmo tempo, começa-se a entender que o “testemunho” é reservado a alguém que

sela com a sua morte a seriedade de seu testemunho ou de sua profissão de fé, tornando esse

entendimento algo próprio desse vocábulo7.

A partir do século II d.C., a linguagem cristã começa a designar como “testemunha”,

[ (martys)], o crente que sofre e morre por causa de sua fé. A testemunha, então, será

chamada de “confessor” (cf. Eusébio, História Eclesiástica V, 2,3-4) 8

.

Confessor, segundo Noce, é aquele que realiza o ato do testemunho e também uma

profissão de fé pública diante das autoridades civis ou do povo em geral que lhe tem

sentimentos hostis. A confissão diante das autoridades feita sob diversas formas de tortura ou

até de penas extremas como exílio e confiscação dos bens, mesmo sem a morte, não diminui

o valor do sacrifício do cristão e da sua disposição a dar a vida. Por isso, a Igreja

sempre reconhecia os confessores como um exemplo de vida cristã e os admirava,

dedicando-lhes honra e distinção9.

Rordorf alega que a única explicação que se pode ter para a mudança da terminologia

é admitir que o espetáculo do martírio devia ser visto como um “testemunho” dado pelos

cristãos e os sofrimentos e a morte do mártir seriam uma manifestação da força da

ressurreição, porque nos mártires Cristo sofre e vence a morte10

.

Os estudiosos discutem se (martyrein) em 1Clemente 5,4-7 deve ser

entendido como martírio, por exemplo na passagem “lutar até a morte” (5,2), que vem antes

de ser citado Pedro, que “suportou não uma, nem duas, mas numerosas angústias e, com isso,

7 Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1362. 8 Cf. RORDORF, Willy. et all. Martírio. In BERARDINO, Angelo Di (Organizador). DPAC. Tradução de

Cristina Andrade. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 895. 9 Cf. NOCE, Celestino. Il Martirio: Testemunianza e Spiritualità nei Primi Secoli. Roma: Edizioni Studium,

1987 (La Spiritualità Cristiana, Storia e Testi 1). pp. 22-23. 10

Cf. RORDORF, Willy. et all. Martírio. p. 895.

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seu testemunho alcançou um lugar a ele devido na glória” (5,4). E de Paulo se diz que “depois

de haver ensinado a todo mundo a justiça e ter se aventurado até os extremos do ocidente e

haver dado um testemunho diante dos governantes, parte então do mundo” (5,7)11

.

Nesse primeiro momento não se fala da pregação de Pedro, mas somente da sua

paixão e do fato de ter suportado a morte dos mártires. Quanto a Paulo, fala-se de sua

pregação, apesar de essa pregação ser de alguém que morre pela missão12

.

O uso desse vocábulo, a princípio, é oscilante em um escrito da comunidade cristã de

Roma em que o Pastor de Ermas, proveniente do mesmo ambiente romano, ignora o uso de

(martys) e seus derivados. Conhece, porém, o martírio e é muito interessado na

questão que se refere ao seu lugar na Igreja e ao prêmio que será recebido no céu

(cf. Visões 3,1,9; 2,1; 5,2). No texto há uma expressão que se repete: “com eles que

sofreram por causa do Nome”13

.

Pode-se perceber que esse vocábulo não aparece nos textos de Inácio de

Antioquia, mas traz o sentido do martírio, um sentido de imitador e portador de Cristo.

Assim, o martírio é um sinal do autêntico discípulo de Cristo. Em Justino também se

percebe a falta do vocábulo14

.

O primeiro texto no qual aparecem os quatro vocábulos fundamentais

[ (martys), (martyrein), (martyria) e (martyrion)]

já como designação de martírio, como foram entendidos na Igreja Cristã Primitiva, aparece

logo depois da morte de Policarpo na comunidade de Esmirna. “Policarpo, que foi o décimo

segundo a subir ao martírio em Esmirna com aquele de Filadélfia... não somente foi um

mestre notável, mas também um mártir excelso, cujo martírio todos aspiram imitar,

acontecido na semelhança daquele de Cristo no Evangelho” (cf. Martírio de Policarpo 19,1) e

11

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1363. Com tradução livre das citações a partir dos textos em italiano. 12

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1363. 13

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1363. 14

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1364.

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“também antes do martírio era feito sinal de toda glória” (cf. Martírio de Policarpo 13,2).

Há numerosas passagens em que aparecem os termos já com este sentido de morrer por

causa da fé em Jesus Cristo15

.

Na comunidade de Esmirna e também na Igreja da Ásia Menor até a metade do século

II d.C. já era estabelecido o uso desses vocábulos como martírio. Na Ásia Menor, isto é, na

pátria do Apocalipse, segundo Strathmann, aparecem nos escritos os primeiros sinais deste

entendimento e, partindo dali, esse conceito foi se difundindo pela Igreja Primitiva16

.

Unido a esse entendimento, há outro uso linguístico que aplica o conceito de

“testemunha” a uma pessoa que professou a sua fé comprometendo a sua vida, mas sem ter

que enfrentar a morte. Assim, Hegésipo chama de (martyres) os descendentes de

Judas, irmão de Jesus, que foram levados diante do tribunal de Domiciano, mas foram

absolvidos e posteriormente assumiram funções de coordenação na Igreja palestinense17

.

Também Hipólito utiliza esse termo para os cristãos que, condenados a trabalhos

forçados nas minas de Sardegna, mais tarde foram libertados e para certo Alessandro, que

também foi qualificado com esse termo e foi honrado como tal pelos que o conheciam18

.

Porém, percebe-se que o uso de “testemunha” com esse entendimento é esporádico, ou

seja, as narrações ainda utilizarão mais o entendimento de que a testemunha é aquele que dá a

vida por sua fé. Assim, pode-se ler nos Atos de Justino que os santos mártires completaram o

seu testemunho – morreram – professando a fé em Nosso Salvador. Dionísio de Corinto

escreve que Pedro e Paulo, depois de haverem ensinado na Itália, deram o seu testemunho –

subiram ao martírio – da mesma maneira, isto é, morrendo. Também em 1Clemente se

entende esse termo como indicação de martírio. E Hegésipo utiliza-o para falar da morte de

Tiago, irmão de Jesus, que foi jogado do pináculo do Templo e depois apedrejado. Assim, ele

15

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1364. 16

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1365. 17

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1365. 18

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1366.

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sofreu o martírio, foi sepultado e ainda permanece no local onde está seu túmulo, no Templo,

tendo-se tornado uma testemunha fiel, para judeus e gregos, de que Jesus é o Cristo19

.

Hegésipo utiliza o termo (martyrein) de modo particular dizendo: “nós te

rendemos nosso testemunho e conosco todo o povo que é justo”. E (martyria) como

simplesmente uma atestação verbal da fé que é plenamente realizada ao dar a vida.

Nesses dois casos, entendem-se estes termos como uma espécie de ato jurídico, apontando

o que é o testemunho20

.

Algo significativo sobre o uso do termo “testemunha” é encontrado no relato dos

mártires da Gália meridional no tempo de Marco Aurélio, porque ali pela primeira vez se faz a

distinção entre confessores e mártires. O termo “testemunha” (mártir) é reservado a Cristo e

àqueles que professaram a sua fé e deram seu testemunho por meio de sua morte. Os cristãos

dessa região suportaram muitas vezes provações e tormentos e deram seu testemunho unido

aos seus companheiros de fé21

.

O termo também é encontrado ainda no sentido primeiro, isto é, referindo-se àqueles

que dão “testemunho da verdade”, aos os que são missionários22

.

Orígenes chamará de mártires aqueles que derramaram seu sangue e renderam seu

testemunho ao mistério da piedade. Para Clemente de Alexandria são mártires aqueles que

apresentam uma confissão de fé23

.

O testemunho dos mártires foi acolhido sob dois aspectos por aqueles que

assistiam a sua morte: com indiferença ou desprezo, ou com uma admiração que

poderia até levar à conversão24

.

Essa atitude de desprezo ao martírio pode ser vista em relatos como o de Tácito que

19

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1366. 20

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1367. 21

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1368. 22

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1368. 23

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1369. 24

Cf. RORDORF, Willy. et all. Martírio. In BERARDINO, Angelo Di (Organizador). DPAC. Tradução de

Cristina Andrade. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 895.

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diz que os cristãos estão “cheios de ódio contra o gênero humano”. Plínio, o jovem, vê neles

“teimosia e invencível obstinação”. E Marco Aurélio diz que eles afrontam a morte de forma

vulgar. Essas reações, segundo Rordorf, poderiam ser causadas pelas próprias atitudes dos

cristãos que, em algumas narrativas, aparecem dirigindo palavras ofensivas aos seus

perseguidores, contrastando com as palavras de Jesus na Cruz. Além disso, alguns cristãos

manifestavam um desejo excessivo da morte para manifestar a grandeza de sua fé e alcançar

as recompensas celestes25

.

Todavia a segurança dos mártires também suscitava o interesse e a admiração de

pagãos, como observa Tertuliano: “Quem, com efeito, diante do espetáculo dado pelos

mártires, não é incitado a perguntar o que há por trás disso? E quem uma vez que procurou,

não aderiu, e uma vez aderido, não desejou sofrer?” (cf. Apologia 50,15). Justino confessa ter

se convertido ao ver a coragem dos mártires: “Vendo-os intrépidos diante da morte...

eu pensei ser impossível que eles vivessem no vício e no amor dos prazeres”

(cf. 2Apologia 12). Além desses, numerosos são os testemunhos de espectadores que

aderiram à fé por meio dos martírios assistidos como espectadores e soldados. Hipólito

escreve que: “Todos, à vista desses prodígios, enchem-se de assombro... e grande

número, atraídos pela fé dos mártires tornam-se, também eles, mártires de Deus”

(cf. Comentários sobre o profeta Daniel 2,38)26

.

Pode-se ressaltar também que o termo (martyrion) vai adquirindo,

com o passar do tempo, o entendimento de uma indicação do lugar em que ocorreu

um martírio ou onde foram colocadas as suas relíquias, aparecendo expressão como:

“em frente ao altar do mártir”27

.

Esse novo significado de “mártir” vai entrando em uso rapidamente na vida eclesial.

25

Cf. RORDORF, Willy. et all. Martírio. In BERARDINO, Angelo Di (Organizador). DPAC. Tradução de

Cristina Andrade. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 895. 26

Cf. RORDORF, Willy. et all. Martírio. p. 896. 27

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1369.

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Além disso, há uma compreensão de que o mártir não luta com “a carne e o sangue”, mas

aqueles que realizam os suplícios são instrumentos do demônio e o cristão se empenha na luta

contra esse grande adversário. Tal luta é apresentada sob a forma de uma visão na narração do

martírio de Perpétua e Felicidade28

.

Nessa batalha os cristãos são imitadores de Cristo e, ao mesmo tempo, continuadores

de Sua Paixão. Nesse combate os cristãos não estão sozinhos, pois Cristo combate com

eles e permanece ao seu lado. Os cristãos experimentam a Sua ajuda e a do Espírito,

que lhes dá capacidade de suportar os mais horríveis suplícios sem lamentar-se e

com um sorriso nos lábios29

.

Não é rara, nos relatos, a visão da “glória do Senhor” e também os cristãos são

preparados, encorajados e confortados por visões e vozes celestes. Pelos sofrimentos

alcançam uma condição celeste como afirma a narração do martírio de Policarpo: “não mais

homens, mas já anjos”. É como se seus corpos já fossem inundados por um odor divino e

alcançando a perfeição pelo martírio, entrassem já na glória celeste30

.

Os mártires, por serem portadores do Espírito, produzem milagres com aquilo

que se relaciona a sua pessoa – corpos, objetos. Além disso, sua morte tem um valor

propiciatório que apaga os seus pecados, mas também toda a comunidade dos fiéis se

beneficia de seus frutos. Os mártires, devido à sua entrega, já estão “junto do Senhor” e

a Ele intercedem pelos vivos31

.

Esses são os termos que são utilizados nas antigas “Atas dos Mártires” em narrações

como as do martírio de Policarpo, de Justino, de Perpétua e dos mártires da Gália meridional.

Essas narrações são cheias de belas evidências, presentes em quase todos os documentos.

28

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1370. 29

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1370. 30

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1370. 31

Cf. RORDORF, Willy. et all. Martírio. In BERARDINO, Angelo Di (Organizador). DPAC. Tradução de

Cristina Andrade. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 895.

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Na linha fundamental que é adotada, encontram-se temas como a luta contra Satanás e a

sequência sobre Cristo e a continuação de Sua Paixão, na qual os mártires são sustentados e

dotados de forças e alegria32

.

Nessas Atas, o martírio é entendido como testemunho fiel de Cristo, dado em meio aos

sofrimentos e pela entrega total de si mesmo até a morte. Sua memória reaviva a natureza

testemunhal da Igreja33

.

Os mártires dão testemunho da verdade, confessando sua fé diante das autoridades

humanas. Essa confissão pode ser sintetizada pela fórmula: “sou cristão”, que significa, ao

mesmo tempo, dizer: “sou de Cristo”34

, assumindo, com isso, todas as implicações

inerentes ao nome de cristão.

Segundo as Atas, o martírio acontece dentro do contexto de perseguição à Igreja,

mediante um processo legal em cujo conteúdo se encontra a denúncia, a prisão, o julgamento,

a condenação, a tortura e a execução. Isso acontece porque, ao declarar-se cristã, a pessoa

assume algo que era incompatível com contexto social, religioso e político da época35

.

Dentro desse contexto, Adriano apresenta alguns elementos teológicos que dão sentido

ao testemunho: a configuração a Cristo, entendida como união e participação verdadeira e

própria no Mistério de Cristo que foi rejeitado e morto, mas que está ressuscitado e

glorificado; a máxima da perfeição, que consiste na prova da caridade e do amor perfeito,

manifestado na entrega da própria vida; e a participação dos sofrimentos de Cristo, que faz do

mártir participante e cooperador especial no Projeto Salvífico de Jesus36

.

Continuando esse tema, o testemunho traz um aspecto moral que é converter o mal em

bem. Ele convoca ao ato bom, à verdade da vida de Deus e da Igreja, e acaba se tornando o

32

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1371. 33

Cf. ADRIANO, José. O Testemunho nas Atas dos Mártires. In RCT, São Paulo, Ano I, n. 03, pp. 29-44,

abr./jun. 1993. p. 29. 34

Cf. ADRIANO, José. O Testemunho nas Atas dos Mártires. p. 31. 35

Cf. ADRIANO, José. O Testemunho nas Atas dos Mártires. pp. 33-34. 36

Cf. ADRIANO, José. O Testemunho nas Atas dos Mártires. pp. 34-36.

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grande argumento em favor do cristianismo: a vida do cristão e a sua capacidade de doá-la

quando a isso for chamado. O mártir inaugura uma nova moral, abraçando a castidade,

partilhando seus bens e rezando pelos seus inimigos. Ao mesmo tempo, o ato do martírio é

um testemunho da própria consciência que obedece a Deus e desobedece ao poder constituído

em favor dos atos de justiça que são inerentes à sua fé37

.

O martírio, ainda na argumentação de Adriano sobre as Atas dos Mártires, tem uma

dimensão eclesiológica, sendo apresentado como elemento constitutivo primeiro da Igreja.

O mártir interpela a Igreja e reaviva sua própria existência, confirmando-a na fé. A Igreja é

dependente do testemunho. Isso implica em alguns aspectos importantes nesse contexto

eclesial: o aspecto vocacional, porque o martírio é escolha livre de Deus e uma resposta do

homem ao chamado divino – todos são chamados ao testemunho, mas a alguns cabe o

privilégio do martírio –; o aspecto sacramental, pois o martírio realiza o Mistério de Cristo,

sua presença e ação no mundo através de um caráter pedagógico que mostra uma realidade

superior e ensina a alcançá-la; e o aspecto do Novo Batismo, pelo qual o “batismo de sangue”

deixa o cristão mais puro do que o batismo da água e, ao mesmo tempo, o sangue dos mártires

purifica não só a si, mas também à cidade manchada pelo sangue oferecido aos ídolos38

.

As Atas narram não somente o processo, o julgamento e a execução dos mártires, mas

também sua coragem e sua fé expressadas nos diálogos e nas orações. Há, então, uma

verdadeira espiritualidade martirial fundada na imitação de Cristo e na Sagrada Escritura.

Essa espiritualidade encerra uma dimensão escatológica e pneumatológica, na qual o Espírito

os guia a uma perfeita conformação com Cristo. Isso não é somente vivenciado em alguns

momentos especiais, mas no cotidiano do cristão por uma oferta livre e amorosa da própria

vida, e que é a grande preparação para a “hora” do cumprimento de sua vocação39

.

37

Cf. ADRIANO, José. O Testemunho nas Atas dos Mártires. In RCT, São Paulo, Ano I, n. 03, pp. 29-44,

abr./jun. 1993. pp. 36-37. 38

Cf. ADRIANO, José. O Testemunho nas Atas dos Mártires. pp. 37-39. 39

Cf. ADRIANO, José. O Testemunho nas Atas dos Mártires. pp. 41-42.

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Cristo dá eficácia ao sangue dos mártires como um sinal de seu amor pelos homens,

eficácia que acontece quando o cristão entende os seus sofrimentos como uma participação

nos sofrimentos de Cristo40

. Por isso, desde muito cedo o culto aos mártires e às suas relíquias

constitui um aspecto importante na vida da Igreja41

.

O mártir transmite uma mensagem de fé aos seus irmãos, e seu ato tem uma incidência

direta sobre a comunidade cristã de que participa. Seus sofrimentos geram um grande bem à

Igreja e sua perseverança um efeito positivo sobre os seus irmãos, confirmando-os no desejo

de seguir Jesus e testemunhá-Lo com a vida em todas as circunstâncias. Ele é membro de uma

comunidade de irmãos como um representante diante de Deus e dos seus inimigos, e com seu

exemplo, suas orações e seu sacrifício contribuirá para confirmar a sua comunidade na fé42

.

Assim, a Comunidade Cristã Primitiva se desenvolveu e se tornou ela própria testemunhal. O

homem típico do Antigo Testamento que era capaz de sofrer pela lei, como foi apresentado

anteriormente, agora é o cristão, capaz de dar a vida pela Pessoa de Jesus43

.

Todos esses elementos característicos remontam a elementos do Novo Testamento.

A bem-aventurança do discípulo que é perseguido pela causa de Cristo (cf. Mt 5,11ss),

a promessa de que o Espírito lhes dará assistência quando forem diante dos tribunais

(cf. Mt 10,17ss), a promessa de encontrar a vida, feita àqueles que a doam (cf. Mt 16,24ss),

terminando com o discurso escatológico onde a tradição evangélica oferece uma grande

quantidade de termos similares44

.

Outra afirmação que dá uma contextualização perfeita para esse novo entendimento de

martírio é a de At 5,41: “saíram do recinto do Sinédrio regozijando-se por terem sido achados

dignos de sofrer afrontas pelo Nome”. Também nas narrações sobre Estêvão, nas de Paulo e

40

Cf. ADRIANO, José. O Testemunho nas Atas dos Mártires. In RCT, São Paulo, Ano I, n. 03, pp. 29-44,

abr./jun. 1993. p. 43. 41

Cf. ADRIANO, José. O Testemunho nas Atas dos Mártires. p. 40. 42

Cf. NOCE, Celestino. Il Martirio: Testemunianza e Spiritualità nei Primi Secoli. Roma: Edizioni Studium,

1987 (La Spiritualità Cristiana, Storia e Testi 1). pp. 98-99. 43

Cf. ADRIANO, José. O Testemunho nas Atas dos Mártires. pp. 30-31. 44

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1371.

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dos sofrimentos que enfrentou durante sua atividade missionária e a afirmação de que isso

completa os sofrimentos de Cristo (cf. Cl 1,24). Esse pensamento aponta para toda a aceitação

que Paulo tem de seus sofrimentos, porque entende que eles acontecem no serviço a Cristo45

.

Em outras partes do Novo Testamento aparece esse tom glorioso do martírio como

em Rm 5,3 e 8,17. Na Carta de Pedro os perseguidos são convidados a se alegrar

por poder “participar” dos sofrimentos de Cristo (cf. 1Pd 4,13). O autor do Apocalipse

aponta para Cristo, o Cordeiro Imaculado, como primeiro e sumo mártir, a testemunha

fiel por excelência46

.

Esses elementos do Novo Testamento que não estavam ligados diretamente ao termo

(martys) porque esse entendimento da ação “do martírio” foi formado ao longo da vida

da Igreja. Assim, os elementos citados ajudam a compreender esta ideia nova de martírio que

não estava presente anteriormente, mas que surge nessa nova realidade de perseguição pela

qual passou a Igreja Primitiva47

.

E, por fim, não se pode negar que o martírio dos cristãos teve, nos primeiros séculos,

um grande efeito missionário, como Tertuliano expressou bem na sua célebre frase:

“O sangue dos mártires é a semente da Igreja” (cf. Apologia 50,13)48

.

5.2. A TESTEMUNHA NA HISTÓRIA CRISTÃ

Mesmo durante o período de perseguição que a Igreja Primitiva sofreu, os pensadores

não abandonaram o entendimento do termo “testemunha” como se apresenta até o Novo

Testamento. Assim, brevemente serão apresentados alguns textos que falam dessa presença e

45

Cf. STRATHMANN, Hermann. In KITTEL, Gerhard. GLNT. V. 6. Edizione Italiana Integrale.

Brescia (Italia): Paideia, 1970. p. 1372. 46

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1372. 47

Cf. STRATHMANN, Hermann. p. 1372. 48

Cf. RORDORF, Willy. et all. Martírio. In BERARDINO, Angelo Di (Organizador). DPAC. Tradução de

Cristina Andrade. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 896.

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da importância do ser testemunha ontem e hoje.

Desde a Literatura Patrística o “testemunho” é apresentado como algo de grande

importância para a vida da Igreja e dos cristãos. Na utilização desse termo se une a

conceituação da semântica clássica do termo no grego e ao o entendimento bíblico49

da

“testemunha”, já trabalhados neste estudo.

Clemente de Alexandria diz que Deus testemunha a seu favor na Escritura

(cf. Pedagogo III, I). O cristão, fiel à escolha que realizou, é uma testemunha de Jesus Cristo

(cf. Orígenes, Contra Celso, I,8) e, levado pela caridade (cf. João Crisóstomo, Homilia, 27,3),

dá a vida por Cristo e pela fé (cf. Eusébio, História Eclesiástica, V, 21,4)50

.

Nos textos dos Padres, onde se privilegia uma palavra abstrata, o uso semântico não se

altera: Deus testemunha a favor de Cristo (cf. Orígenes, Contra Celso, VIII,9) e dos

cristãos (cf. Justino, Diálogo 123-124). O testemunho que os cristãos dão de sua fé é uma

ação de graças a Deus, dada na força do amor que está neles (cf. Clemente de Alexandria,

Miscelânia, IV,4 e 4.7). Os mártires, derramando o sangue, deram testemunho de Deus Pai

(cf. Atanásio, Contra os Arianos, III,10); de Cristo (cf. Martírio de Policarpo, 2,25), que o Pai

apresentou como Seu Primogênito no batismo (cf. Clemente de Alexandria, Pedagogo, 16);

do Espírito Santo (cf. Atanásio, Apologia de Fuga, 22), e proclamavam a superioridade da

religião cristã sobre todas as outras (cf. Irineu, Contra Heresias, V, 9,2)51

.

Já posteriormente, Tomás de Aquino, afirma que o autor do Evangelho de João dá seu

testemunho e indica sua idoneidade. A verdade do testemunho é um apelo para que outros

abracem a fé e seu testemunho é atestado pela Escritura52

.

Essas pequenas citações devem ajudar a compreender que o termo “testemunha”,

49

Cf. PERETTO, Elio. Testemunho - Testemunha. In BERARDINO, Angelo Di (Organizador). DPAC.

Tradução de Cristina Andrade. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 1356. 50

Cf. PERETTO, Elio. Testemunho - Testemunha. p. 1356. 51

Cf. PERETTO, Elio. Testemunho - Testemunha. p. 1356. 52

Cf. TOMMASO D’AQUINO. Commento al Vangelo di San Giovanni / 3. XIII-XXI. Roma: Città Nouva

Editrice, 1992. p. 363.

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ponto central deste estudo, continuará a se desenvolver ao longo da História da Igreja. Porém,

a força do entendimento presente no Novo Testamento, principalmente na Tradição Joanina e

na Tradição Lucana, permanece até os dias atuais, somada ao entendimento que se

desenvolveu na Igreja Cristã Primitiva.

Esses termos não caminham simplesmente em paralelo, mas estão unidos por sua raiz

fundamental e ambos se confundem nos discursos eclesiais, sejam eles bíblicos, pragmáticos,

pastorais ou teológicos. Assim, o pensar sobre esse tema sempre perpassou a história cristã,

em uma reflexão específica sobre ele ou em reflexões sobre a Escritura da qual ele é parte

integrante e fundamental.

Segundo Kattenbush, citado por Noce, em certo sentido, “o título de mártir como tal

permanece um mistério”. Noce continua apresentando que os estudos sobre o tema ajudaram a

evidenciar o aspecto original e específico do martírio cristão que se distingue de fenômenos

similares no judaísmo e no paganismo53

. No judaísmo já foram apresentadas algumas

referências sobre o tema no capítulo inicial deste estudo.

Como exemplo fora do ambiente judaico-cristão, Velasco menciona que o

entendimento do martírio para os mulçumanos também se insere no contexto de morrer por

uma causa, mas difere um pouco do contexto cristão, pois em alguns casos se pode ocultar sua

fé para evitar a morte, sem que isso seja uma vergonha. O martírio mais conhecido entre os

mulçumanos é aquele de quem morre lutando, mas há outros entendimentos de martírio como

aquele que morre na defesa de suas propriedades, aquele que morre em sua própria defesa,

aquele que morre em defesa de sua família, a mulher que morre no parto, o que morre para

cumprir seu trabalho ou aquele que é morto por um animal54

.

Esse termo também adquiriu outras interpretações no cristianismo, como o sentido

53

Cf. NOCE, Celestino. Il Martirio: Testemunianza e Spiritualità nei Primi Secoli. Roma: Edizioni Studium,

1987 (La Spiritualità Cristiana, Storia e Testi 1). p. 19. 54

Cf. VELASCO, José F. Testimonio (Islam). Durán. In PIKASA, Xabier et AYA, Abdelmumin. DTR.

Espanha: Editora Verbo Divino, 2009. p. 1127.

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espiritual desenvolvido nos ambientes monásticos, em que todo o sofrimento físico e psíquico

de um crente era considerado um martírio55

. Porém, esses entendimentos menores não serão

centrados neste estudo.

Em especial, essa categoria teológica do testemunho vem sendo reestudada na

atualidade e tem sido de grande importância para a Igreja na atualidade que vive em meio às

realidades contemporâneas e que precisam um reavivar da fé. Se o Evangelho de João afirma

que o testemunho acontece para que outros também creiam, faz-se necessário resgatar no

hoje esta ação eclesial.

5.3. A TESTEMUNHA NA ATUALIDADE

O conceito de testemunha, desenvolvido ao longo da História Cristã, alcança a

atualidade e recebe nela uma especial relevância. Hoje, esse tema vem sendo resgatado na

Teologia e na Pastoral e, por isso, no tópico final desse capítulo, apresentam-se algumas

argumentações sobre esse tema na Igreja e no mundo atual.

A fé na Revelação, historicamente, vem sendo comunicada por meio do testemunho,

como apresenta Klaus. Assim, o testemunho é um dos conceitos centrais da teologia cristã e

deve ser estudado de forma adequada. O questionamento teológico que envolve o tema vem

ao encontro do acesso à fé, porque se trata da credibilidade do testemunho histórico para a

Revelação de Deus em Jesus Cristo. Por isso, na teologia esse tema não perde a sua

importância e a sua urgência56

.

Angelini apresenta que o testemunho é uma categoria fundamental para a Igreja atual e

por isso deve ser resgatada em sua ação pastoral. Ele aponta que recentemente há uma

55

Cf. RORDORF, Willy. et all. Martírio. In BERARDINO, Angelo Di (Organizador). DPAC. Tradução de

Cristina Andrade. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 895. 56

Cf. KLAUS, Hemmerle. Verità e Testimonianza. In CIARDELLA, Piero et GRONCHI, Maurizio (Editori).

Testemonianza e Verità: un Approccio Interdisciplinare. pp. 307-323. Roma: Città Nuova, 2000. p. 307.

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tentativa de recuperar esta categoria e este léxico na comunicação pastoral, sobretudo no que

se refere aos textos do Novo Testamento e isto tem propiciado um florescimento de uma

literatura teológica sobre o tema para embasar teoricamente a ação eclesial57

.

O testemunho não é um conceito universal que une em si diversos casos particulares

de testemunhos; é, antes, único e inesperado e, portanto, uma categoria que aparece ajustada

ao caráter gratuito e incomparável da Revelação58

. Uma situação de testemunho grande e

autêntica é sempre verificada na vida cotidiana do cristão, todavia ela é formada no seu

interior com uma marca profundamente transcendente59

.

O testemunho não é entendido somente como uma exortação prática, mas também

como uma afirmação teológica, como podemos observar no Evangelho de João no qual Jesus

nos doa aquele amor com que nos amou e aquela unidade na qual Ele é uma coisa só com Pai,

que é, para o mundo, o testemunho por excelência60

.

Trites defende que é apropriado destacar o valor desse tema para a Igreja cristã da

atualidade, devido ao seu uso frequente no Novo Testamento, fato que ressalta sua presença

nos alicerces históricos da religião cristã. Essa base foi formulada não em cima de um mito,

mas na experiência de testemunhas oculares61

.

O tema da testemunha é especialmente pertinente em uma época desordenada e cheia

de dúvidas, época de um pluralismo religioso e cultural facilmente perceptível por pensadores

da atualidade que refutam as ideias teológicas e, ao mesmo tempo, as reinvindicações

evangélicas de Jesus62

.

Nesse ambiente deve ser apresentado um resumo dos fatos, e argumentos devem ser

propostos e, principalmente, devem-se levantar testemunhas de defesa convictas da causa

57

Cf. ANGELINI, Giuseppe. Prima Istruzione del Tema. In ANGELINI, Giuseppe, et UBBIALI, Sergio

(Editori). La Testimonianza Cristiana e testimonianza di Gesù alla verità. Milano: Edizioni Glossa, 2009. p. 3. 58

Cf. KLAUS, Hemmerle. Verità e Testimonianza. p. 309. 59

Cf. KLAUS, Hemmerle. Verità e Testimonianza. p. 317. 60

Cf. KLAUS, Hemmerle. Verità e Testimonianza. p. 323. 61

Cf. TRITES, Allison A. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores). DITNT. 2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. pp. 2512-2513. 62

Cf. TRITES, Allison A. Testemunha, Testemunho. p. 2513.

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cristã. Deixar de apresentar essas evidências seria o mesmo que reconhecer a derrotada diante

dos oponentes. Assim, o testemunho se torna altamente pertinente à missão da Igreja hoje63

.

Os cristãos sempre têm enfrentado a oposição e os tribunais hostis por amor ao seu

testemunho, e o próprio fato de ficar diante de reis, concílio e governantes oferece uma

oportunidade de testemunhar sua fé. Pois, se o Senhor deles testemunhou fielmente até a

morte, assim também eles devem dar o seu testemunho sem vacilar, na certeza de que não

testemunham com suas próprias forças, mas que o Espírito Santo está ativo na história e

desafia o mundo com a verdade daquilo que estão dizendo64

.

Esse mesmo Espírito não cessa de renovar na Igreja o seu testemunho e de, a cada

tempo, suscitar novas formas de testemunho, novos Carismas. Esses correspondem às

necessidades do mundo atual em tudo o que envolve a Igreja de Jesus e as exigências do

Reino de Deus nas mais diversas áreas da vida humana e da sociedade.

O entendimento do testemunho cristão na atualidade permanece tanto no sentido

original do Evangelho como no sentido adquirido na Igreja Cristã Primitiva. Isso é

confirmado, por exemplo, na liturgia. No prefácio dos Santos se diz que os cristãos são

assistidos “por tão grandes testemunhas”65

, e no prefácio dos Mártires se diz que a

misericórdia do Pai sustenta a fragilidade humana e dá coragem para que os cristãos sejam “as

testemunhas de Jesus Cristo”66

.

A importância desse tema pode ser percebida na presença constante deste vocábulo em

textos importantes da Igreja atual. Citando breves exemplos, pode-se notar que na Exortação

Apostólica Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI, aparecem 45 vezes os termos relacionados ao

“testemunho”. Na Constituição Dogmática Lumem Gentium, do Concílio Vaticano II, ele

63

Cf. TRITES, Allison A. Testemunha, Testemunho. p. 2514. 64

Cf. TRITES, Allison A. Testemunha, Testemunho. p. 2514. 65

Cf. MISSAL ROMANO. Restaurado pelo Decreto do Sagrado Concílio Ecumênico Vaticano Segundo e

promulgado pela autoridade do Papa Paulo VI. Tradução Portuguesa da 2ª Edição Típica para o Brasil, realizada

e publicada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil com acréscimos aprovados pela Sé Apostólica. 4ª

Edição. São Paulo: Paulus, 1992. p.451. 66

Cf. MISSAL ROMANO. p.453.

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aparece 33 vezes e no mesmo Concílio, na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, ele aparece

16 vezes. Na Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte, de João Paulo II, ele aparece 25 vezes,

e no texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe,

em Aparecida, encontram-se 99 vezes os termos relacionados ao “testemunho”.

O papa Bento XVI traz presente também a necessidade do testemunho no mundo atual

através de seus escritos e pronunciamentos, por exemplo, a recente homilia das Vésperas da

Festa da Apresentação do Senhor neste ano de dois mil e doze:

Esta profunda proximidade ao Senhor, que deve ser o elemento prioritário e

caracterizador da vossa existência, levar-vos-á a uma renovada adesão a Ele, e

terá uma influência positiva sobre a vossa especial presença e forma de

apostolado no interior do Povo de Deus, através da relação dos vossos

carismas, na fidelidade ao Magistério, com a finalidade de ser testemunhas da

fé e da graça, testemunhas credíveis para a Igreja e para o mundo de hoje67

.

Tudo o que foi dito sobre o testemunho é um desafio à fidelidade e um encorajamento

relevantes para os cristãos de ontem e de hoje. Ele deve sempre estar presente na missão dos

cristãos e dos comunicadores da mensagem cristã, pois as testemunhas são apaixonadas pela

causa que apresentam e não podem deixar de falar daquilo que viram e ouviram. Elas são

responsáveis pela veracidade de seu testemunho e devem ser fiéis não somente aos simples

fatos do evento de Jesus Cristo, mas também ao significado deles68

.

67

PAPA BENTO XVI. Homilia da Celebração das Vésperas na Festa da Apresentação de Jesus no Templo

por ocasião do XVI Dia Mundial da Vida Consagrada. Em 02 de fevereiro de 2012. In http://www.vatican.va

/holy_father /benedict_xvi /homilies /2012 /documents /hf_ben-xvi_hom_20120202_vita-consacrata_po.html em

12.03.2012 às 04h03. 68

Cf. TRITES, Allison A. Testemunha, Testemunho. In COENEN, Lothar et BROWN, Colin (Editores).

DITNT. 2ª ed. V. 2. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. pp. 2512-2513.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este último momento se desenvolverá a partir de considerações finais sobre o tema do

testemunho e de uma tentativa de ressaltar pontos significativos da reflexão realizada até aqui

e que são relevantes para a compreensão do termo na atualidade.

No início deste estudo foi levantado o questionamento: Quem é Testemunha de Jesus

Cristo? Dessa pergunta fundamental se desenvolveu este trabalho e muitos argumentos foram

levantados. Mas, para responder esta pergunta, é necessário compreender que a Testemunha

por excelência é o próprio Jesus Cristo, é Dele que brota a raiz e o sentido de ser Testemunha

no ontem e no hoje da História.

A partir disso, se compreende a importância deste conceito para a atualidade e o

entendimento fundamental que ele não é simplesmente uma teoria, mas uma implicação

prática na vida do cristão, na sua vivência eclesial e na sua atuação na sociedade. Os pontos

destacados a seguir podem ajudar a compreender a importância de ser Testemunha hoje.

a. O Testemunho dado por Deus

Desde a Grécia antiga o costume de invocar os deuses como testemunha de algum

acordo vem sendo utilizado e a figura divina poderia ser invocada para iluminar uma situação

ocorrida e não necessariamente para garantir alianças.

No Antigo Testamento o entendimento de que o Senhor é uma testemunha pessoal do

que realiza em favor dos homens vai também sendo desenvolvido e é testemunha daquilo que

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acontece na história humana e também nos pensamentos do homem.

Deus testemunha em favor de Jesus quando confirma na Sua vida o cumprimento das

passagens do Antigo Testamento. Nos Evangelhos, Jesus diz que se Ele der testemunho de si

mesmo o seu testemunho não será verdadeiro, mas o Pai dá testemunho Dele.

Em Atos dos Apóstolos, Deus ou o Espírito ou a Escritura são sujeitos de um juízo que

confirma a veracidade de determinada afirmação e Deus também dá testemunho da Palavra

que era anunciada pelos apóstolos por meio de sinais e milagres que eles realizavam.

O Espírito Santo também testemunha a respeito de Jesus, e para Lucas a presença do

Espírito é essencial para que se possa realizar o testemunho. Paulo afirma que o Espírito de

Deus testemunha, junto com o nosso espírito, que nós somos filhos de Deus.

Segundo a Tradição Joanina, quando Jesus não estiver mais sobre esta terra, o Espírito

Santo continuará o testemunho Dele, pois ele é o Espírito da verdade, ou simplesmente a

verdade. E o testemunho da comunidade dos cristãos será o testemunho do Espírito a ela

concedido – isso indica a compreensão que o ato de testemunhar do cristão é também uma

resposta a esse testemunho divino.

O testemunho mais importante de toda da história da salvação é o testemunho de

Jesus. É nele que todos os demais testemunhos encontram sua eficácia. E o maior e mais

decisivo testemunho de Jesus foi o que Ele deu com sua morte na cruz, oferecendo-se a si

mesmo em sacrifício ao Pai e firmando com a humanidade uma Nova Aliança. Esse

testemunho permanece na história e na vida sacramental da Igreja69

.

A Paixão de Cristo, segundo Adriano, é o objeto central no tema do testemunho,

tornando-se o modelo para todas as testemunhas que, sofrendo como o Cristo, a Ele se

configuram. Nesse sentido a vida cristã se torna uma preparação para o martírio, ou seja, a

vida doada por amor a Deus a aos irmãos, e que é o seguimento mais radical, dado numa

69

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. RCT, São Paulo, Ano II, n. 08,

pp. 19-40, jul./set. 1994. pp. 38-39.

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progressiva imitação até o fim e, com a morte, esta se trona perfeita70

.

Deus não cessa de testemunhar o seu amor pela humanidade, por meio de Jesus Cristo

e do Espírito. Aquele que ouve Sua voz ouve o testemunho que Ele dá e que convida toda a

Igreja a se unir a este testemunho pela adesão ao Seu Plano Salvífico.

Assim, o primeiro e fundamental testemunho é o do próprio Deus. A iniciativa gratuita

e amorosa parte Dele e chega até nós; o testemunho do homem é, então, uma resposta a esta

ação divina que, dirigindo-se a nós, confirma dia a dia, na história humana, a vontade que

todos possam alcançar a salvação e participem de sua vida divina.

b. O Testemunho dado sobre Deus

Desse testemunho que Deus não cessa de dar à humanidade, brota o testemunho do

homem que deve ser, inicialmente, um testemunho da presença de Deus ao longo de sua

história. No Antigo Testamento, o testemunho fundamental de Israel é aquele que esse Povo

dá do próprio Senhor e de feitos Ele realiza em seu favor. O próprio Deus fala pelo profeta

Isaías que este Povo será Sua testemunha diante de todos os povos e de seus ídolos.

Paulo exorta todos seguirem fiel e pacientemente até a morte, como fez o Messias,

tornando-se também uma testemunha de Jesus. E Pedro se expressa como uma testemunha

dos sofrimentos de Cristo.

Aos pés da cruz, o Discípulo Amado dá testemunho do cumprimento da missão

salvadora de Cristo Jesus, levando ao entendimento de que o cristão é testemunha de Jesus e

seu Mistério Salvífico. O foco desse testemunho será sempre a Pessoa e a Missão de Jesus

centrado no Mistério da Pessoa do Verbo Encarnado e do Projeto Salvífico do Pai.

O testemunho sobre Deus, em especial, de Jesus e seu Mistério Salvífico deve fazer

parte do anúncio dos cristãos também nos dias atuais. Não basta hoje um conhecimento

70

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. RCT, São Paulo, Ano II, n. 08,

pp. 19-40, jul./set. 1994. p. 40.

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teórico se este não vem acompanhado de uma coerência de vida e ação, baseada nos

ensinamentos de Jesus e na prática deles no cotidiano.

c. O Testemunho como o Falar Bem de Alguém

O testemunho é um falar sobre Jesus, mas também pode ser entendido como o falar

sobre outra pessoa. Esse entendimento de que o testemunho possibilita falar bem de alguém,

já é usado desde o século V a.C. É certo que o termo leva a compreensão de que não é simples

falar bem de alguém que se identifica com o testemunho, pois, algumas vezes o testemunho

pode ser também de acusação. Aristóteles já argumentava que as convicções morais e

filosóficas que alguém possuía poderiam ser confirmadas por meio do testemunho de

outra pessoa sobre ela.

No Novo Testamento, podem-se encontrar várias passagens abordando esse tema.

O testemunho nos Evangelhos Sinóticos pode ser entendido como uma atestação da boa

reputação de alguém em meio à comunidade cristã. Em Lucas o povo dava testemunho das

palavras de graça que saíam da boca de Jesus.

Paulo dá testemunho da generosidade dos irmãos da Macedônia. A Carta aos Hebreus

traz o relato de Abel ofereceu um sacrifício e isso lhe rendeu o testemunho de que ele era

justo. As Cartas de João pregam que deve-se atestar que determinada pessoa tem uma boa

reputação e dar um bom testemunho sobre alguém.

Testemunhar bem dos irmãos é uma necessidade também na Igreja atual. A

humanidade parece inserida em uma cultura que dá mais valor àquilo que é errado ou mal e a

luta contra essa realidade está no âmago desse sentido do testemunho. Todos são santos e

pecadores, mas a santidade dos cristãos deveria ser divulgada para que também se possa

compreender que é possível viver e testemunhar o Evangelho nos dias atuais.

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d. O Testemunho de um Objeto

Não só aos homens é reservado o direito de testemunhar. Pode-se perceber que no

Antigo Testamento já se entendia que um objeto poderia ser utilizado como testemunho de

uma ação realizada diante dele. No hebraico já está presente o significado de “monumento”

ou de “memorial” material que atesta uma aliança.

Moisés convoca o céu e a terra como testemunhas da conclusão da Aliança. O Cântico

de Moisés é um testemunho de acusação contra aqueles que se desviam dos preceitos do

Senhor. Essas testemunhas não humanas são como observadores daquilo que está

acontecendo ou que está sendo dito.

Nos Evangelhos Sinóticos o testemunho pode acontecer por um objeto, um

acontecimento ou uma declaração, usado como documento ou prova de algo ocorrido.

A poeira dos pés dos apóstolos servirá de testemunho contra algum lugar. O ouro e a

prata dos ricos, segundo Tiago, enferrujarão, e isso será um testemunho contra eles

no dia do Juízo Final.

Hoje na Igreja há locais que testemunham a fidelidade dos cristãos, ou que

testemunham determinados acontecimentos que nos relembram a ação de Deus na história.

São lugares e coisas que devem ser preservados, mas que constituem um sinal de que o

homem deve continuar sendo fiel à Aliança e ao Projeto Salvífico do Pai.

e. O Testemunho por meio de uma Experiência Direta

Na esfera jurídica, desde a Grécia Antiga o testemunho deve acontecer como

consequência de uma experiência direta da pessoa que se propõe a testemunhar sobre algo.

Da testemunha se exige correspondência à verdade dos fatos ocorridos e que realmente ela

ateste a relação direta que teve com eles.

No Antigo Testamento, dois verbos definem o testemunho: “ver” e “conhecer”. O

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primeiro implica uma experiência direta, enquanto o segundo significa que o testemunho pode

ser realizado porque conhece o fato ao qual está se referindo. Qualquer atestação de um fato

deve ter por base um conhecimento direto.

A Tradição Lucana apresenta que o testemunho se baseia num conhecimento direto,

mas esses acontecimentos devem estar relacionados à história de Jesus, em especial,

aos relacionados à Sua ressurreição. Em Atos dos Apóstolos, a pregação da Igreja irá se

basear no testemunho autêntico e obrigatório daqueles que tiveram o privilégio de ver e ouvir

o Senhor Ressuscitado.

Paulo diz que o testemunho é algo que se faz por um conhecimento direto, sendo ele

uma ação individual ou uma experiência comum de várias pessoas. Pedro dá seus conselhos

porque ele é uma testemunha ocular da Paixão de Jesus.

Na perícope central deste estudo percebe-se que o Discípulo Amado é reconhecido

como uma testemunha presencial daquilo que aconteceu com Jesus Cristo e que retoma o

sentido de uma testemunha no Antigo Testamento. Ele “viu” aquilo que aconteceu com Jesus,

e isso é necessário para uma afirmação fiel daquele que testemunha.

O verdadeiro testemunho de Jesus passa, então, por uma experiência direta com Ele.

Hoje se reconhece que, para se ter uma vida cristã, é preciso ter um encontro com a pessoa de

Jesus e, a partir daí, desenvolver o seu testemunho e uma vida que corresponda a essa

experiência realizada que é capaz de transformar a existência humana.

f. O Testemunho por meio de uma Experiência de Fé

Já no grego antigo se começa a compreender que o testemunho de alguém

pode se fundamentar em suas ideias e na verdade que essa pessoa possui; assim,

muitas vezes a experiência da testemunha era baseada em objetos que não podem ser

verificados empiricamente.

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Por outro lado, como foi visto, no Antigo Testamento não se reconhece o testemunho

dado apenas a partir da convicção subjetiva de uma pessoa e que não pode ser verificado. Pelo

contrário, o ato de testemunhar exige da testemunha um conhecimento pessoal do

acontecimento. Porém, quando se trata de confirmar a divindade de Deus, esse não é um fato

observável e controlável. É um fato garantido somente pela fé, que a fé apenas contempla de

longe e, por isso, pode testemunhar quando não estiver cega ou surda.

Daí se chega à compreensão de que o conteúdo do testemunho é constituído de uma

verdade religiosa da qual a testemunha é convicta por meio de sua própria experiência, ou

seja, por uma experiência religiosa e uma certeza que ele sustenta com vigor e deseja que seja

reconhecida como verdade que não é racional e que não pode ser verificada empiricamente.

Nos Evangelhos Sinóticos um acontecimento não pode ser testemunhado sem que se

sinalize o seu significado e que se entenda que este só pode ser alcançado pela fé. Isso se

entende sob um ponto de vista de Deus como um “fato real”, mas este se encontra em um

plano diferente dos demais fatos relacionados à história de Jesus, da Sua encarnação

ao Seu sepultamento. Nesse sentido, não se pode fazer uma convalidação desse testemunho

que não pode ser constatado, mas este pode ser acreditado tendo por base uma notícia que

foi dada e depois testemunhada.

Entendendo o que João apresenta como conceito de testemunha, de que o que vê pode

enxergar mais plenamente quando a historicidade de Jesus é somada à experiência de fé,

Adriano apresenta que, a cada tempo, podem se constituir novas testemunhas, como pessoas

que professam e transmitem a fé, e trazem a ela outras pessoas, dando testemunho daquilo que

Jesus foi e apresentando seu significado Salvífico. Esse entendimento do ser testemunha

amplia a visão da Igreja e de sua missão no mundo de hoje71

.

Paulo afirma que seu anúncio não é baseado em um testemunho ocular como o dos

71

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. RCT, São Paulo, Ano II, n. 08,

pp. 19-40, jul./set. 1994. p.33.

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demais apóstolos, mas na verdade acolhida pela fé e propagada com um empenho pessoal.

Paulo será testemunha de Jesus, proclamando seu Mistério e exortando a que se tenha fé Nele.

Quando o testemunho acontece por uma verdade revelada e acreditada, ele passa a ser

identificado como uma profissão de fé realizada pelo missionário, e isso vai se tornar o centro

da vida e da proclamação realizada pelo apóstolo.

Aquele que testemunha viu o objeto do seu testemunho não somente com os olhos,

mas com uma visão interior, contemplativa, que vê os fatos históricos unidos à realidade

salvífica que os transcende, onde a verdade é conhecida pela fé. Ao mesmo tempo esse

testemunho é um convite a crer, como apresenta João.

Compreende-se que um testemunho se baseia numa experiência direta de um

acontecimento, mas que esse acontecimento pode ser um dado da revelação alcançado

somente pela fé. Nesse sentido, Paulo é uma testemunha mais próxima dos cristãos de hoje,

pois ele não viveu com Jesus, mas a sua experiência de fé o fez testemunhar.

Assim, os cristãos de hoje podem e devem testemunhar Jesus mesmo sem tê-Lo visto,

mas essa ação exigirá uma experiência de fé com a Pessoa de Jesus que acontece no hoje e

que sustenta suas palavras e ações.

g. O Testemunho como Memorial

O significado primeiro do termo “testemunho” no grego deriva ou do ato de fazer

memória ou de um acontecimento que exige uma reflexão. Então, já se pode partir de um

dado importante para a compreensão de que, para dar um testemunho fidedigno é preciso

antes de tudo ter uma experiência com aquilo que se quer testemunhar.

Não se pode falar daquilo que não se conhece ou daquilo com que não se teve contato.

Esse princípio fundamental deve reger a ação de dar testemunho. É preciso recorrer aos fatos

como aconteceram, buscando uma reflexão sobre eles sem acrescentar nada que possa

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desvirtuar o acontecimento fundante, ou seja, aquilo que marca seu início.

Esse acontecimento fundante pode, no entanto, ser positivo como algo que nos agrada,

uma experiência de fé, um gesto de caridade que recebemos: assim, o ato de testemunhar pode

se tornar uma afirmação desse determinado acontecimento. Por outro lado, pode também ser

negativo como um acontecimento trágico, uma desilusão com alguém, um ato de injustiça que

se presencia; então o ato de testemunhar virá como uma forma de negação de tal

acontecimento e a busca de que ele seja reparado.

De certa forma, a ação do testemunho traz presente tal acontecimento e, como afirma

Platão, o que foi experienciado ficará evidente através do testemunho de uma pessoa. Aquilo

que só ela (ou algumas pessoas) vivenciou poderia ser ampliado e atingir várias pessoas,

fazendo com que elas, também, mesmo que de outro modo, tenham contato com aquilo que

foi o objeto desse testemunho.

Já no Antigo Testamento, o termo “testemunho” é utilizado para colocar em evidência

ou relembrar um evento específico ou um grande feito. O povo ou alguns homens são

motivados para relembrar algo que foi firmado anteriormente, como a Lei do Senhor

ou uma indicação do profeta.

No Novo Testamento, o Evangelho de João relata que o Discípulo Amado dá

testemunho das coisas que aconteceram com Jesus e por isso as escreve como um memorial

daquilo que foi a vida e a missão de Jesus.

Esse é um dado relevante para o testemunho cristão. Alguém só pode testemunhar

sobre algo, seja este interior (abstrato) seja exterior (concreto) se ele fizer uma “experiência”

com esse determinado objeto e, a partir daí, pode relatar isso a outros. Os dados armazenados

em sua mente agora são expostos e se tornam capazes de até gerar uma nova experiência

– semelhante (não igual) – em alguém, como no caso de uma experiência de fé.

Uma consideração que pode ser feita, por exemplo, é que a liturgia é um memorial do

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Mistério Pascal de Cristo. Então, pode-se entender que a ação litúrgica torna-se, na atualidade,

um “testemunho” desse Mistério para aquele que o celebra e se integra nele e a indicação de

que Cristo continua presente e atuante na história e a santifica de maneira eficaz pela ação

sacramental de Sua Igreja.

Trata-se de uma ação do Espírito, pois, de acordo com esse argumento, Ele é que

possibilita ao cristão fazer memória dos acontecimentos ocorridos na economia da salvação.

O próprio Jesus diz que o Espírito recordará aquilo que foi anunciado e ensinará outras coisas

novas, isto é, possibilitará novas experiências. Assim, tanto aquilo que foi recordado como

aquilo que foi vivenciado a partir de então poderão ser objeto do testemunho.

h. O Testemunho com Palavras

Em um inquérito judicial, o testemunho deve ser dado livremente e sem

constrangimento, imposição ou tortura que possam interferir naquilo que se queira dizer e que

deve corresponder à verdade de fato.

No Antigo Testamento, o testemunho se pauta em dois pontos fundamentais: o

conhecimento de algo que aconteceu e o relato de tudo o que é de seu conhecimento. Assim, a

experiência do testemunho se une àquilo que define o ato da comunicação, isto é, o “dizer”.

O profeta Isaías vai argumentar que aquele que crê professa a sua fé por palavras, e isso pode

ajudar outros a aderirem a essa fé.

Nos Evangelhos Sinóticos o testemunho é reconhecido como o depoimento do fato

determinante e a atenção ao seu valor, no qual se acredita, se professa e torna público. O

Evangelho do Reino deverá ser pregado em todo o mundo, como testemunho para todas as

nações. São os apóstolos e os discípulos que foram enviados por Jesus para serem suas

testemunhas que proclamam esta mensagem.

Para João, aquele que dá testemunho de Jesus o faz anunciando que Ele é o Salvador

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do mundo, enviado pelo Pai. A testemunha no Apocalipse é aquele que atesta, pelo anúncio, a

verdade do Evangelho.

Assim, pode-se refletir que o testemunho se dá pelo anúncio de Jesus Cristo. Na

atualidade isso permanece uma urgência, tanto que a Igreja não cessa de incentivar uma Nova

Evangelização em todos os lugares. As palavras devem partir daquele que tem fé e se

compromete a levar a fé aos demais, como um convite a aderir à salvação, mas nunca como

uma imposição de ideias. Em especial, hoje se entende que as palavras do testemunho devem

fazer parte de um diálogo em que todas as partes devem ser ouvidas.

i. O Testemunho com Ações

Epiteto, filósofo grego, já argumentava que nas horas difíceis, em que as palavras não

são ditas, a ação de uma pessoa dá testemunho sobre a verdade de um ensinamento que ela

apresenta. Mesmo que não modo totalmente semelhante ao filósofo citado, Isaías apresenta

que a maneira de agir e o sacrifício da existência humana podem depor em favor do Deus

Vivo, apontando para uma ação missionária junto aos gentios.

O homem que é curado por Jesus, no Evangelho, deve oferecer um sacrifício como

testemunho de que a cura aconteceu conforme pedem os regulamentos de Moisés. Na Carta

aos Hebreus, compreende-se que as pessoas se tornam testemunhas por uma fé que

professaram com as suas vidas e suas ações.

As obras que Jesus realiza são, para os homens, um testemunho de que Ele foi enviado

pelo Pai. As curas, os milagres, os atos de misericórdia, são um testemunho de que Jesus se

importa com a humanidade, em especial, com os que mais precisam deles, isto é, os pobres e

pecadores. Por outro lado, as obras más que os homens realizam são um testemunho desse

afastamento da vontade de Deus.

Na variedade das formas de testemunho se pode apreender um traço comum: ele é

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sempre uma diaconia, ou seja, um serviço prestado à iniciativa da salvação manifestada por

Deus em Jesus Cristo72

.

Onde as palavras e a proclamação do Evangelho acontecem, estas devem ser sempre

confirmadas por meio de ações concretas que testemunhem que o ser cristão não é só uma

bela teoria, mas uma moral, isto é, uma prática que se insere no cotidiano da vida.

As ações dos cristãos nos diferentes meios da atualidade devem dar testemunho de que

o Evangelho deve ser vivido nas ações sociais, nas ações educativas, nas ações políticas, nas

ações econômicas, nas ações culturais, nas ações da área da saúde. O testemunho se dá

plenamente quando as estruturas humanas são transformadas e onde a dignidade humana é

resgatada. Isto lhe dá credibilidade e gera também a fé.

j. O Testemunho da Verdade

Já os filósofos cínicos e estoicos consideravam-se testemunhas chamadas a prestar um

depoimento em prol da verdade divina, atestando a verdade de suas ideias e de suas doutrinas

mediante sua conduta, mesmo em situações desfavoráveis.

No tempo de Platão, também se entendia que a testemunha poderia expor uma opinião

que possui ou uma verdade da qual era convicto. Ele dá testemunho de que Sócrates na vida e,

em especial, na morte atestou com a sua conduta a verdade de seu ensinamento.

O uso do termo “testemunha” nos Escritos Joaninos acaba demonstrando o

entendimento de que o testemunho é dado mais sobre a verdade dos Fatos Salvíficos

realizados em Jesus do que aos fatos em si mesmos.

Em João, na cena do julgamento de Jesus diante de Pilatos, afirma-se que Ele “veio ao

mundo para dar testemunho da Verdade”; então o anúncio da Verdade é o testemunho de

Jesus, e sua morte, é a prova suprema da veracidade do anúncio. E Ele fala a Verdade, pois

72

Cf. ADRIANO, José. Testemunho e Martírio nas Sagradas Escrituras. RCT, São Paulo, Ano II, n. 08,

pp. 19-40, jul./set. 1994. p. 38.

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fala do que viu e ouviu.

A distinção entre o testemunho de um fato e testemunho de uma verdade foi algo que

ocorreu na modernidade e não tem correspondência na Bíblia, segundo Mackenzie. Seja no

testemunho de um fato, seja no testemunho de uma verdade, o testemunho estará marcado

pelo empenho de uma pessoa com relação à verdade que ela testemunha73

.

Se se entende que a verdade testemunhada é Jesus Cristo e que os seus discípulos e

imitadores dão testemunho disso, o Evangelho de João conclui e consagra que o testemunho

reafirma a certeza da encarnação e, portanto, da santidade que é possível a todos os homens74

.

O cristão na atualidade é chamado a dar testemunho da Verdade, tanto a Verdade que

se relaciona a Jesus Cristo e aos seus ensinamentos quanto a Verdade que deve estar contida

em todas as ações da humanidade. O ser humano tem sede da verdade e, por isso, a atualidade

clama pelo testemunho verdadeiro dos cristãos.

k. O Testemunho Jurídico

Desde o início do desenvolvimento do termo “testemunha”, ele sempre foi encontrado

relacionando-se ao campo jurídico. Na Grécia antiga ou no Antigo Testamento os homens

eram chamados a testemunhar em um processo, para ajudar a justiça a se realizar no tribunal

ali instaurado. Em especial, na Lei judaica eram exigidas pelo menos duas testemunhas para

que um fato pudesse ser atestado como verdadeiro.

Nos Evangelhos há um significado de “testemunha de fato”, segundo o qual se busca

fazer sobre a afirmação dos anciãos do povo uma base do conhecimento com um valor técnico

que capacita o testemunho para um processo jurídico. No julgamento de Jesus, os judeus

buscavam um testemunho contra ele.

73

Cf. MACKENZIE, John L. Testemunha, Testemunho. In MACKENZIE, John L. DB. São Paulo:

Edições Paulinas, 1983. p. 927. 74

Cf. ORSELLI, Alba Maria. “La Testimonianza Vera”: Forme di Ricezione di Uma Sequenza Giovannea. In

Atti del IX Simposio di Efeso su S. Giovanni Apostolo. (Turchia: la Chiesa e la sua Storia XVII). pp. 123-133.

Roma: Edizioni Eteria Associazione, 2003. p. 132.

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Jesus antecipa aos discípulos que eles serão levados diante de tribunais e reis para

servir de testemunho para eles. Esse termo é utilizado tanto como testemunha de um processo

judiciário como também o testemunho num processo penal, como durante a condenação de

Estêvão, onde se apresentam falsas testemunhas.

O cristão, então, deve ser uma pessoa que testemunha em favor da justiça. Ao mesmo

tempo em que é chamado a defender a Verdade, ele se opõe aos lugares às ações que

manifestem a injustiça. Isso custou a vida de muitos homens e mulheres em nossa história,

mas, em razão disso, tornaram-se testemunhas, no ontem e no hoje, de que o Reino de Deus se

constrói pela justiça e pelo resgate da dignidade humana.

l. O Testemunho como Profecia

Os pensadores antigos já distinguiam entre o testemunho do passado – de algo que

é lembrado – do testemunho do futuro – de algo que ainda não havia acontecido – onde

se enquadrariam os intérpretes dos oráculos e os provérbios que também teriam

uma função de testemunho.

No Antigo Testamento já se entende que Deus fala, ensina e realiza a salvação por

meio de testemunhos de homens. Dessa forma, os profetas serão reconhecidos como

testemunhas do Deus Altíssimo e Ele os enviará para que acompanhem Israel. O próprio

Senhor testemunha contra Israel por meio dos seus profetas e videntes, chamando-os à

conversão. Entende-se então que, do mesmo modo que a palavra de uma testemunha

determina o andamento de um processo, a palavra do profeta é destinada ao cumprimento

de alguma coisa.

O profeta relembra os feitos do Senhor para com Israel, mas também anuncia algo que

pode acontecer a ele. Neste ponto é importante ressaltar que o testemunho do profeta não é

uma simples “previsão do futuro”, mas uma releitura de um determinado contexto histórico,

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que, por meio de um entendimento mais profundo, apresenta ao povo a possível consequência

de suas escolhas e a necessidade de uma conversão ao Senhor.

O testemunho determina toda a existência do profeta, pois o seu viver e o seu morrer

são um testemunho. Em João se entende que as palavras dos profetas se convertem em um

testemunho messiânico e este, por sua vez, em fonte de renovada reflexão. Atos dos

Apóstolos apresenta que os profetas dão testemunho de que em Jesus todos receberam o

perdão dos pecados.

O Espírito dá testemunho, por aquilo que Ele disse como profecia, do cumprimento da

Aliança de Deus com Seu povo na Carta aos Hebreus. Pedro prega que os profetas

anunciaram, pelo Espírito que estava com eles, dando um testemunho dos sofrimentos e da

glória que teria Jesus Cristo.

O testemunho de João Batista, em João, acontece como uma transmissão estritamente

oral, na forma específica da pregação profética solene. O testemunho em si mesmo, aquilo

que alguém faz quando presta um depoimento sobre algo, é dado no Apocalipse pelos dois

profetas que exercerão sua função até que chegue o tempo de cessar o seu testemunho.

O testemunho dos cristãos na atualidade deve também ser dado como uma profecia,

por meio de homens e mulheres que sejam capazes de ler os “sinais dos tempos” e, através de

uma análise da conjuntura atual, lançar uma luz sobre as ações humanas e reafirmar a

necessidade de uma conversão profunda e verdadeira das atitudes a partir das realidades do

Reino de Deus, para que isso possibilite a transformação do mundo presente.

m. O Falso Testemunho

Quando a declaração de um testemunho se dissocia da verdade, então acontece o que

desde os tempos antigos era conhecido com um falso testemunho. No Antigo Testamento, a

testemunha mentirosa é abominável e fica sujeita à ameaça severa do castigo, e a sua ação é

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considerada grave e deve ser acompanhada de punição.

No Novo Testamento, os Evangelhos relatam que Jesus cita a Lei que prescreve que

não se dê falso testemunho, afirmando também que os falsos testemunhos procedem do

coração do homem com as demais coisas que o podem tornar impuro. No processo de Jesus

foram apresentadas muitas falsas testemunhas. Paulo argumenta que os cristãos seriam falsas

testemunhas se Jesus não tivesse ressuscitado dos mortos.

O verdadeiro testemunho deve acontecer para a edificação da Igreja e dos irmãos. O

decálogo já continha em si a proibição do falso testemunho e nisso se entende o grave dano

que este gerava em meio ao povo de Deus. A vida dos cristãos deve seguir esse preceito

fazendo com que seu testemunho seja verdadeiro e coerente com a fé que professa.

n. O Testemunho como Martírio

O testemunho como martírio tem início nos três primeiros séculos da era cristã, mas

não se pode negar que o desenvolvimento desse conceito, advindo da Tradição Eclesiástica,

tenha seu princípio nos mártires Macabeus, tanto que eles pertencem ao Martirológico cristão.

O conceito do sofrimento ligado à ação de dar testemunho da fé até à morte e a grande

estima que o martírio possui, como se entende hoje, eram muito divulgados no judaísmo.

O ideal do homem piedoso passa a ser a fidelidade às convicções de fé de seus pais como

testemunho do Deus único, o que pode exigir o sacrifício da vida.

Esse entendimento característico remonta a elementos do Novo Testamento. Segundo

Pikasa, na visão de conjunto da Bíblia e, em especial, do Novo Testamento, a verdade básica

do cristianismo continua sendo a do testemunho, e isso se expressa de modo privilegiado pelo

martírio, pois o mártir é aquele que oferece com sua vida o testemunho daquilo que crê,

inclusive morrendo por isso75

.

75

Cf. PIKASA, Xabier. Testimonio (Judaismo e Cristianismo). In PIKASA, Xabier et AYA, Abdelmumin.

DTR. Espanha: Editora Verbo Divino, 2009. p. 1126.

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O caminho de uma testemunha é o caminho do sofrimento e, possivelmente, até da

morte, como no caso de Estêvão. No livro do Apocalipse vêm esboçadas as primeiras raízes

do conceito de martírio com seu entendimento posterior em Ap 11,3, quando são apresentadas

duas testemunhas vestidas de saco que profetizarão por mil duzentos e sessenta dias.

Na Igreja Cristã Primitiva vai se desenvolvendo um novo entendimento do que é ser

testemunha a partir de sua raiz no grego. Isso acontece em meio às perseguições aos cristãos

que ocorreram nesse período. Começa-se a entender que o “testemunho” é reservado a alguém

que sela com a sua morte a seriedade de sua profissão de fé.

O mártir transmite uma mensagem de fé aos seus irmãos, e seu ato tem uma incidência

direta sobre a comunidade cristã que participa. Seus sofrimentos geram um grande bem à

Igreja e sua perseverança, um efeito positivo sobre os seus irmãos, confirmando-os no desejo

de seguir Jesus e testemunhá-Lo com a vida em todas as circunstâncias.

Ainda hoje no cristianismo se encontra presente a figura do mártir. Porém deve-se

compreender que o martírio é só fim de uma caminhada de fé. Não é algo que se dá somente

no momento da morte de alguém, mas é um caminho de doação que acontece na vida

cotidiana, uma entrega diária que pode ou não ser selada com a morte.

O testemunho, então, deve ser percebido ao longo de uma vida, e é esse “martírio

invisível” de cada dia que sustenta e confirma a fé dos cristãos, fecunda a Igreja e é força que

possibilita a transformação do mundo segundo os critérios do Evangelho de Jesus Cristo.

Sacrificando-se a vida, dá-se testemunho de algo que é muito maior do que a própria vida:

Deus, o autor da vida76

.

o. Um Testemunho Duplo ou Comunitário

Já no Antigo Testamento, a Lei exigia pelo menos duas testemunhas para que se

76

Cf. ADRIANO, José. O Testemunho nas Atas dos Mártires. In RCT, São Paulo, Ano I, n. 03, pp. 29-44,

abr./jun. 1993. p. 44.

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provasse a culpa de uma. Esse princípio é mantido também em algumas passagens dos

Evangelhos, em que não basta o testemunho de uma pessoa para a condenação de alguém.

Mateus prega que na comunidade cristã um irmão deve repreender o outro se ele errar,

mas, se ele não der ouvidos à suas palavras, deve unir-se a uma ou duas pessoas para que elas

possam testemunhar sobre a questão apresentada, e, se isso não for suficiente, a questão será

levada à comunidade por esses irmãos.

Paulo apela para o mesmo princípio para que esteja bem claro que, na sua

terceira visita à comunidade de Corinto, se algo tiver que ser exposto que o seja por

meio de duas ou três testemunhas para que qualquer questão seja decidida. Ele

argumenta que se deve “testemunhar junto com”, ou seja, testemunhar ou validar algo

junto a uma ou mais testemunhas.

O Evangelho de João ressalta a importância de que um testemunho não é dado

sozinho. É um resgate do entendimento de que o verdadeiro testemunho é dado por no

mínimo duas testemunhas, e isso alude ao testemunho que deve ser dado pelos cristãos não de

maneira individual, mas comunitária ou eclesial.

João segue rigorosamente a duplicidade do testemunho77

. Como já foi apresentado, a

confirmação da morte de Jesus se dá pelo soldado e pelo Discípulo Amado; a água e o sangue

dão testemunho de Jesus; e duas passagens da Escritura testemunham sobre Jesus

(cf. Jo 19,31-37). Dois anjos são testemunhas de que Jesus Ressuscitou (cf. Jo 20,12).

Testemunhar é um elemento constitutivo da Igreja e é a comunidade dos cristãos que é

convocada para concretizar de forma nova o testemunho autêntico sobre Jesus. Nesse sentido,

a Comunidade Cristã Primitiva se desenvolveu e se tornou ela própria testemunhal.

Na atualidade, entre todos os entendimentos citados sobre o testemunho, ressalto que

esse último ponto seja de particular importância. A nova concepção do testemunho, a partir do

77

Cf. VIGNOLO, Roberto. La Doutrina dela Testimonianza in Giovanni. In ANGELINI, Giuseppe, et

UBBIALI, Sergio (Ed.). La Testimonianza Cristiana e testimonianza di Gesù alla verità. Milano: Edizioni

Glossa, 2009. p. 177.

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que hoje se entende por mártir, fez com que se entendesse que o testemunho deve ser dado

pessoalmente e que enfrentar os sofrimentos é fruto de uma ação de um só indivíduo.

Porém, um ponto de fundamental importância precisa ser resgatado na atualidade,

e esse é precisamente o entendimento de que o testemunho, para ser válido, não pode

acontecer isoladamente, mas deve ser dado por no mínimo duas pessoas juntas.

O caráter comunitário do testemunho é uma resposta eficaz para os desafios do mundo

atual. Muitos autores têm se levantado para defender a necessidade urgente de que na Igreja

aconteça uma santidade comunitária. Não basta, portanto, dar testemunho de Jesus, mas esse

precisa ser confirmado pelos irmãos.

Finalizando este estudo, percebe-se que no Evangelho de João Jesus é o apóstolo-

testemunha, tornando-se a imagem também daqueles que serão depois enviados a

testemunhar. Na mesma Tradição Joanina, encontra-se no Apocalipse que Jesus é chamado

especificamente de “a testemunha fiel”.

Jesus Cristo na cruz será sempre o protótipo da testemunha cristã mártir

ao mesmo tempo. É a este Jesus, morto e ressuscitado, que os apóstolos deverão

testemunhar depois de Pentecostes78

.

A referência para todas as testemunhas e para a maneira de apresentar esse

testemunho, seja por palavras, seja por ação, seja pela vida doada por amor, será sempre

Jesus Cristo. É esse entendimento que deve orientar as escolhas e gerar nos cristãos a certeza

de que ser testemunha é a essência do ser cristão.

O testemunho é elemento integrante e constitutivo da Igreja e a razão primeira da sua

credibilidade. Esse testemunho passa pelo martírio de Jesus e é imitado e atualizado naqueles

78

Cf. DILLESNSCHNEIDER, Clement. O Apóstolo, Testemunha de Cristo, a “Testemunha Fiel” do Pai.

Tradução: Cláudio Cella. São Paulo: Paulinas, 1970. pp. 48 e 51.

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que dão a vida na fé, pela causa da justiça que é a mesma causa de Jesus Cristo79

.

Este é o discípulo que dá testemunho dessas coisas e foi quem as escreveu: e

sabemos que o seu testemunho é verdadeiro. Há, porém, muitas outras coisas

que Jesus fez. Se fossem escritas uma por uma, creio que o mundo não poderia

conter os livros que se escreveriam (Jo 21,24-25).

Assim, o conteúdo exposto acima é apenas uma parte das reflexões possíveis sobre o

tema e, por isso, não o esgotam. Porém, são reflexões que podem ajudar no desenvolvimento

desse conceito na atualidade e, principalmente, formar novas testemunhas qualificadas para

levar adiante a fé e os ideais de Jesus Cristo ainda nesta terra.

79

Cf. ADRIANO, José. O Testemunho nas Atas dos Mártires. In RCT, São Paulo, Ano I, n. 03, pp. 29-44,

abr./jun. 1993. p. 44.

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REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO V E CONCLUSÃO

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Segundo e promulgado pela autoridade do Papa Paulo VI. Tradução Portuguesa da 2ª Edição

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Pai. Tradução: Cláudio Cella. São Paulo: Paulinas, 1970.

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2. DICIONÁRIOS, GRAMÁTICAS, LÉXICOS E MANUAIS

2.1. PRIMÁRIOS

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KITTEL, Gerhard. Grande Lessico del Nuovo Testamento. Brescia (Itália):

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Traducido por Constantino Ruiz-Guarrido. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1998. [DENT]

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Supervisão de Johan Konings. São Paulo: Edições Loyola, 2000. [DBT]

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LACOSTE, Jean-Yves (Direção). Dicionário Crítico de Teologia. Tradução: Paulo Menezes.

São Paulo: Edições Paulinas et Loyola, 2004. [DCT]

LÉON-DUFOUR, Xavier (Direção). Vocabulário de Teologia Bíblica. Tradução: Frei Simão

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MACKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. Tradução de Álvaro Cunha et all; Revisão Geral de

Honório Dalbosco. São Paulo: Edições Paulinas, 1983. [DB]

MATTEOS, Juan. Vocabulário Teológico do Evangelho de São João. Tradução de Alberto

Costa. São Paulo: Edições Paulinas, 1989. [VTEJ]

SCHÖKEL, Luis Alonso. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. Tradução: Ivo Storniolo e

José Bortolini. São Paulo: Paulus, 1997 (Coleção Dicionários). [DBHP]

3. SOBRE O EVANGELHO DE JOÃO

3.1. PRIMÁRIOS

BARRET, Charles Kingsley. El Evangelio según San Juan: Una Introducción con Comentario

y Notas a partir del Texto Grego. Madrid: Ediciones Cristandad, 2003.

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Ediciones Cristandad, 1972.

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Vidigal. São Paulo: Teológica, 2003.

LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho de João IV. Tradução de Johan Konings.

São Paulo: Edições Loyola, 1998.

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4. SOBRE O TESTEMUNHO

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NOCE, Celestino. Il Martirio: Testemunianza e Spiritualità nei Primi Secoli. Roma: Edizioni

Studium, 1987 (La Spiritualità Cristiana, Storia e Testi 1).

TERTULIANO. La Testimonianza dell’Anima. Firenze: Nardini Editore, 1984 (Biblioteca

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5. ARTIGOS, RESENHAS E VERBETES

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6. MÍDIAS

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Curitiba: Editora Positivo, 2004.