publicaÇÃo - turismo sertanejo e comunitÁrio

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Giovanni Seabra (organizador) C CC o oo m mm u uu n nn i ii d dd a aa d dd e ee s ss , ,, N NN a aa t tt u uu r rr e ee z zz a aa e ee C CC u uu l ll t tt u uu r rr a aa n nn o oo T TT u uu r rr i ii s ss m mm o oo

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Giovanni Seabra(organizador)

Comunidades, Natureza e Cultura no Turismo

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABAReitor RMULO SOARES POLARI Vice-reitora MARIA YARA CAMPOS MATOS Diretor do Centro de Cincias Exatas e da Natureza ANTNIO JOS CREO DUARTE Chefe do Departamento de Geocincias ANIERES BARBOSA DA SILVA

EDITORA UNIVERSITRIA

Diretor JOS LUIZ DA SILVA Vice-diretor JOS AUGUSTO DOS SANTOS FILHO Supervisor de Editorao ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JUNIOR

Capa: Cludia Neu Arte: Cac Soares Editorao: vyla Pereira E-mail: [email protected] Home Page: www.turismosertanejo.com.br

C741

Comunidades, natureza e cultura no turismo [recurso eletrnico] / Giovanni Seabra (Organizador).-- Joo Pessoa: Editora Universitria da UFPB, 2012. 1CD-ROM : color. ; 4 3/4 pol. 1.335 p.: il. ISBN: 978-85-7745-556-1 1. Turismo - Brasil. 2. Turismo Comunitrio. 3. Turismo Sertanejo. 4. Paisagem Natural. 5. Patrimnio Cultural. 6. Desenvolvimento Local. I. Seabra, Giovanni.

UFPB/BC

CDU: 338.48(81)

As opinies externadas nesta obra so de responsabilidade exclusiva dos seus autores. Todos os direitos desta edio reservados GS Consultoria Ambiental e Planejamento do Turismo Ltda.

A P R E SE N TA O

E

ntre os dias 6 e 9 de junho de 2012, a cidade de Joo Pessoa sediou o VI Simpsio de Turismo Sertanejo (STS) e o I Congresso Nacional de Turismo Comunitrio (CNTC). Os eventos foram realizados simultaneamente, pela Universidade Federal da Paraba, com o

principal objetivo de incentivar e fortalecer o turismo social de base comunitria, em nvel local, regional e nacional. O turismo um fenmeno de natureza complexa pautado nos setores econmico, social e poltico. Nas ltimas dcadas o setor turstico tem-se destacado como uma das mais importantes atividades econmicas em todo o mundo, afirmando-se como fonte geradora de servios, produtos, emprego e renda. Contudo, a atividade revela-se economicamente concentradora, de baixo alcance social e cuja remunerao do profissional est muito aqum do que seria ideal para as funes e atividades desempenhadas. Com o tema geral Comunidades, Natureza e Cultura no Turismo o VI STS e I CNTC, propiciaram um amplo debate sobre o turismo comunitrio no Brasil, como alternativa ao modelo atual, que pautado na baixa remunerao do profissional, implicando no comprometimento da qualidade dos servios oferecidos ao turista. Neste contexto, emerge o turismo sertanejo, uma forma de lazer fundamentada na paisagem natural, no patrimnio cultural e no desenvolvimento social da populao residente. A paisagem o resultado das interaes entre as condies naturais e as diferentes formas de uso e ocupao decorrentes da composio socioeconmica, cultural e domnio tecnolgico da sociedade. Para o turismo, a paisagem compreende o meio ambiente visvel e aprazvel aos olhos, incluindo as comunidades que habitam uma determinada localidade, configurando-se, no conjunto, a identidade local. Assim se define o lugar do turismo. Nesse cenrio paisagstico-cultural surge o turismo comunitrio, possibilitando um novo olhar direcionado aos bens patrimoniais naturais e culturais, ambos contextualizados nos arranjos produtivos do turismo de base local, oportunizando o desenvolvimento econmico e ascenso social mais igualitria aos membros da comunidade receptora. As atividades desenvolvidas e os 118 trabalhos apresentados no VTI STS e I CNTC, e publicados em forma de artigos na presente obra, registram uma grande diversidade de roteiros e destinos tursticos comunitrios do Brasil, disponveis para os viajantes brasileiros e estrangeiros. Giovanni Seabra

Sumrio1 - Planejamento, Projetos e Programas Tursticos .................................................................... 10TURISMO SERTANEJO ESTRATGIAS E PLANOS DE AES EM COMUNIDADES ..........................................11 TURISMO DE BASE LOCAL EM COMUNIDADES: PROPOSIES, AES E RESULTADOS ...............................21 O NOVO PAPEL ASSUMIDO PELA GESTO PUBLICA NO (RE) ARRANJO DO TURISMO LOCAL: REFLEXES ENTRE A TEORIA E A PRTICA ...................................................................................................................36 COMPLEXO TERMAL E TURISMO: UMA CONTRIBUIO AO DESENVOLVIMENTO DA REGIO DAS GUAS QUENTES GO ..........................................................................................................................................55 TURISMO COMUNITRIO: UM CAMINHAR PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL .........................................69 AVALIAO DA IMPLEMENTAO E DOS RESULTADOS DAS POLTICAS PBLICAS DE FOMENTO AO TURISMO EM ESPAOS DO SERTO NO RIO GRANDE DO NORTE ...........................................................89 POLTICAS PBLICAS DE CAPACITAO EM PEQUENAS LOCALIDADES TURSTICAS ...................................101 A IMPORTNCIA DA GEOGRAFIA HUMANSTICA NO ENSINO DO TURISMO ..............................................110 A TURISTIFICAO E O DESENVOLVIMENTO DO TURISMO NO MUNICPIO DE BARRA DE SANTO ANTNIO, ALAGOAS: UMA ANLISE SOB A TICA DA PARTICIPAO DOS STAKEHOLDERS LOCAIS .....................118 ECOTURISMO, POLTICAS PBLICAS E PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO E COMUNITRIO NO MUNICPIO DE PRESIDENTE FIGUEIREDO/AM ...........................................................................................................127 CONTRIBUIES PARA A ELABORAO DO DIAGNSTICO TURSTICO NA ARIE DE GOIAMUNDUBA, BANANEIRAS-PB......................................................................................................................................141 PLANEJAMENTO TERRITORIAL E TURISMO RURAL DE BASE COMUNITRIA NO ENTORNO DO PARQUE ESTADUAL DO IBITIPOCA ........................................................................................................................151 TURISMO DE BASE COMUNITRIA, AO ECOMUSEOLOGIA E EMPREENDIMENTOS SOLIDRIOS E CRIATIVOS: UM DIAGNSTICO DAS INICIATIVAS PS-DESENVOLVIMENTISTAS NO BAIRRO DE SANTA CRUZ E ADJACNCIAS (RJ) ...........................................................................................................162 DESENVOLVIMENTO LOCAL E OS PROCESSOS DE MUDANAS SOCIOAMBIENTAIS NA COMUNIDADE INDGENA PATAX H H HE, PAU BRASIL BA..................................................................................174 TURISMO, INDSTRIA E ENSINO DE GEOGRAFIA EM PECM - SO GONALO DO AMARANTE/CEAR ...187 TURISMO SOLIDRIO: UMA DISCUSSO CONCEITUAL DO SEGMENTO ......................................................200 UM ESTUDO SOBRE AS PRTICAS TRADICIONAIS DA COMUNIDADE XOK EM SERGIPE E SUA IMPORTNCIA TURSTICO-EDUCATIVA ..................................................................................................211 ABORDAGENS DE DESENVOLVIMENTO DO TURISMO X PERSPECTIVAS DE PLANEJAMENTO TURSTICO: ANLISE DE UMA RELAO CONTROVERSA...........................................................................................218 O TURISMO COMUNITRIO NA RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL ESTADUAL PONTA DO TUBARO ................................................................................................................................................230 TURISMO DAS FLORES NO BREJO: AS CONQUISTAS DA COOPERAO NO INTERIOR DA PARABA ...........242 GNESE DO LAZER AO DESENVOLVIMENTO LOCAL DA ATIVIDADE TURSTICA: O CASO DE LAGOA SANTA NO ESTADO DE GOIS.............................................................................................................................255

EXPERINCIAS DO TURISMO RURAL COMUNITRIO EM COMUNIDADES QUILOMBOLAS KALUNGA NO NORDESTE GOIANO ................................................................................................................................268 TURISMO EM COMUNIDADES QUILOMBOLAS: POSSIBILIDADES E ALTERNATIVAS ....................................282 ILHA DO PRNCIPE: POTENCIALIDADES PAISAGSTICAS PARA UM TURISMO COMUNITRIO SUSTENTVEL ................................................................................................................................................................292 UVA E VINHO NO CERRADO MINEIRO: ENOTURISMO COMO PROPOSTA DE GERAO DE TRABALHO E RENDA NO MUNICPIO DE CONQUISTA, MG .........................................................................................303 PROPOSTA DE TURISMO DE BASE LOCAL PARA A APA DO ESTURIO DO RIO MUNDA - CEAR .............312 A UTOPIA DO DESENVOLVIMENTO TURSTICO SUSTENTVEL: UMA LUZ NO FIM DO TNEL ATRAVS DO TURISMO DE BASE COMUNITRIA .........................................................................................................322 TURISMO COMUNITRIO, CONSERVAO DA FLORESTA E A BUSCA POR MELHORES CONDIES ..........332 CONSTRUO SOCIOESPACIAL E DINAMIZAO TURSTICA DE BANANEIRAS-PB ......................................339 TURISMO, ECONOMIA SOLIDRIA E GERAO DE RENDA: UMA ANLISE DO MUNICPIO DE BANANEIRAS/PB .....................................................................................................................................350 REFLEXES DE TURISMO DE BASE COMUNITRIA NA ALDEIA INDGENA DOS PATAXS DE IMBIRUU, EM CARMSIA ..............................................................................................................................................358 A CULTURA QUILOMBOLA COMO ROTEIRO TURSTICO NA PARABA ........................................................372

2 - Qualidade do Produto e Servio Turstico........................................................................... 385DIAMANTE LAPIDADO: O TURISMO COMUNITRIO NA ORDEM DAS INDSTRIAS CRIATIVAS ..................386 A CULTURA E O NEGCIO DA HOSPITALIDADE NO TURISMO .....................................................................401 POTENCIALIDADES TURSTICAS NO MUNICIPIO DE TAPERO-PB ...............................................................413 TURISMO SERTANEJO E A (RE)CONSTRUO DA IMAGEM DO SERTO NORDESTINO ..............................424 DEMANDA TURSTICA E USOS DO ESPAO EM CACHOEIRA DOURADA DE MINAS (MG) ...........................436 A HOSPITALIDADE CURRAISNOVENSE COMO FATOR INDUTOR DO DESENVOLVIMENTO TURSTICO DE BASE LOCAL .............................................................................................................................................447 TURISMO CULTURAL: A CONTRATAO DE ARTISTAS NA ADMINISTRAO PBLICA MUNICIPAL ...........458 TURISMO DE BASE COMUNITRIA : SANTA MARTA....................................................................................468 O PARADIGMA AMBIENTAL SOB A TICA DA HOTELARIA SUSTENTVEL: O CASO DO HOTEL BHLER .....478 SISTEMA DE TRANSPORTE AREO E COPA DO MUNDO EM ARACAJU: PERSPECTIVAS NA QUALIFICAO PROFISSIONAL DO SETOR DE TRANSPORTE E O PROGRAMA BEM RECEBER COPA ...............................491 PERCEPO E FOMENTO AO TURISMO NOS MUNICPIOS CONTEMPLADOS PELA EXPEDIO AO SEMIRIDO 2011.....................................................................................................................................504 MARKETING TURSTICO NO BRASIL: POTENCIALIDADES PARA CRESCIMENTO AT 2014...........................517

3 - Turismo, Meio Ambiente e Sustentabilidade ..................................................................... 526COMPLEMENTARIDADES E CONFLITOS ENTRE AS ATIVIDADES TURSTICAS E AS POPULAES HUMANAS TRADICIONAIS VINCULADAS PESCA ARTESANAL.................................................................................527

TURISMO NO TRPICO SEMIRIDO NORDESTINO: LIMITES E DESAFIOS PARA A GESTO MUNICIPAL .....537 CONTRIBUIO DO PRONAF PARA SUSTENTABILIDADE DA AGRICULTURA FAMILIAR NO MUNICPIO DE SO RAIMUNDO DAS MANGABEIRAS-MA..............................................................................................547 UMA BREVE DISCUSSO SOBRE MEIO AMBIENTE, SUSTENTABILIDADE E TURISMO .................................555 TURISMO E MEIO AMBIENTE: DESAFIOS PARA A SUSTENTABILIDADE .......................................................569 TURISMO NO LAGO DE FURNAS (MG): GLOSAS ATIVIDADE TURSTICA ...................................................577 POTENCIALIDADES GEOGRFICAS NO SEMI RIDO ....................................................................................593 ANLISE GEOAMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL NO MACIO DE BATURIT: O CASO DO ECOTURISMO EM GUARAMIRANGA CEAR ........................................................................................602 IMPLICAES SOCIOAMBIENTAIS DECORRENTES DO TURISMO NA PRAIA DE CANOA QUEBRADA - CEAR ................................................................................................................................................................612 TURISMO: PRINCPIOS DE UMA EDUCAO AMBIENTAL VOLTADA A ESFERA SOCIOECONMICO E AMBIENTAL .............................................................................................................................................624 CONSIDERAES TICAS SOBRE O TURISMO SUSTENTVEL ......................................................................632 DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL E GUA NA ZONA RURAL DO SEMIRIDO PARAIBANO ....................644 TURISMO SERTANEJO: OS REFLEXOS DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DO TURISMO NOS MONLITOS DE QUIXAD ................................................................................................................................................656 SO JOO DO CARIRI SUA MURALHA DE PEDRA: ASPECTOS AMBIENTAIS E POTENCIALIDADES TURSTICAS..............................................................................................................................................668 INFLUNCIA DO CONSUMO TURSTICO NA TRANSFORMAO DO ESPAO DA PRAIA DE JACAR: SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL EM QUESTO .....................................................................................681 A PRTICA DA EDUCAO AMBIENTAL COMO UMA FERRAMENTA DE COMPETITIVIDADE TURSTICA NA MINA BREJU RN ..................................................................................................................................689 O POTENCIAL GEOGRFICO DOS CENRIOS: O AUDE DE CAMALA .......................................................698 UM OLHAR SOBRE O TURISMO NO MUNICPIO DE CAIRU-BA ...................................................................706 EFETIVIDADE DAS NORMAS AMBIENTAIS SOB O ASPECTO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL ..................719 TURISMO, SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE NO CARIRI ORIENTAL PARAIBANO ..............................729 TURISMO, MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE: A PRTICA DO ECOTURISMO COMO ALTERNATIVA GERAO DE EMPREGO E RENDA E PRESERVAO AMBIENTAL ..........................................................743 A PRTICA DO TURISMO NO ESTADO DA PARABA: RESSALTANDO AS POTENCIALIDADES DO INTERIOR PARAIBANO ALGUMAS CONSIDERAES ............................................................................................756 TURISMO, DESENVOLVIMENTO LOCAL E SUSTENTABILIDADE NA PARABA ...............................................769

4 Patrimnio Cultural e Identidade Local.............................................................................. 779TURISMO COMUNITRIO E A POTENCIALIZAO DA IDENTIDADE, DA MEMRIA E DO PATRIMNIO CULTURAL ...............................................................................................................................................780 O QUE LEVA UM TURISTA A VIAJAR PELO SERTO .....................................................................................789 SO LUS: PATRIMNIO CULTURAL E IDENTIDADE LOCAL ..........................................................................802

A COR LOCAL: O PATRIMNIO TURSTICO-CULTURAL COMO OBJETO DE CONSTRUO DA IDENTIDADE DO LUGAR ...............................................................................................................................................815 MAPA DO TURISMO URBANO EM PARACATU (MG): NOTAS INTRODUTRIAS ..........................................831 TURISMO E MANIFESTAAO CULTURAL: UMA ANLISE APLICADA A MATRIZ SWOT NA CANTORIA DE SO GABRIEL BAHIA ....................................................................................................................................843 A IMPORTNCIA DE IMPLANTAR O TURISMO CEMITERIAL NA CIDADE DE JOO PESSOA .........................854 COMPLEXO VER-O-PESO: PATRIMNIO VIVO DE INTERAO SOCIAL........................................................865 O MIX MIDITICO E CULTURAL DO REGGAE EM SO LUS-MA ..................................................................876 MARKETING DE DESTINOS TURSTICOS: UM ESTUDO SOBRE A IMAGEM MERCADOLGICA DE CABACEIRAS/PB - A ROLIDE NORDESTINA ........................................................................................889 CONHECENDO OS LUGARES: NOVA FLORESTA - PB ....................................................................................903 A IMAGEM COMO INFORMAO DAS ATIVIDADES GEOGRFICAS NA CAATINGA PARAIBANA ...............912 O POTENCIAL DO TURISMO DA BAA DA TRAIO NO LITORAL NORTE PARAIBANO ................................922 PERSPECTIVAS E DESAFIOS NO DEBATE DE PRTICAS DE EDUCAO PATRIMONIAL ................................930 GASTRONOMIA E AMBIENTAO NA PERCEPO CULTURAL DO BAR E RESTAURANTE VILA CARIRI JOO PESSOA / PB ............................................................................................................................................938 CARNAVAL SERTANEJO - UMA PARTICULARIDADE DOS LUGARES FESTIVOS E TURSTICOS NO INTERIOR DE GOIS ......................................................................................................................................................949 MONUMENTO E MEMRIA ESPERANCENSE: UMA IDENTIDADE CULTURAL ..............................................963 TURISMO NO BREJO PARAIBANO: OS CAMINHOS DO PADRE IBIAPINA NOTAS DAS OBSERVAES ATRAVS DO TEMPO...............................................................................................................................971 LAGOA DO CARRO - TERRA DO TAPETE: UMA TRADIO QUE NO PODE SER PERDIDA ..........................982 A IDENTIDADE DO SUJEITO NO ENTRE-LUGAR DO MUNDO PS-MODERNO .............................................992 PATRIMNIO CULTURAL DE CAROLINA - MA: SUBSDIOS PARA O TURISMO SUSTENTVEL ...................1003 O TREM DE CAMPINA GRANDE: HISTRIA, CULTURA E TURISMO ALM DO MAIOR SO JOO MUNDO ..............................................................................................................................................................1012 ESTRANGEIRISMOS NO COTIDIANO TURSTICO E HOTELEIRO ..................................................................1019 DO TURISMO GLOBAL AOS MODELOS ALTERNATIVOS: REFLEXES A PARTIR DA PERSPECTIVA DO LUGAR E IDENTIDADE ..........................................................................................................................................1028 TURISMO EM SERRA TALHADA: NO COMPASSO DE LAMPIO .................................................................1040 DESENVOLVIMENTO CULTURAL E TURSTICO: UM PASSEIO NA ROLIDE NORDESTINA..........................1050 O DOCE PATRIMNIO DE SO CRISTVO-SE .........................................................................................1058 EDUCAO PATRIMONIAL: AES QUE VALORIZAM A IDENTIDADE DO LUGAR E PROMOVEM O TURISMO ..............................................................................................................................................................1070

5 - Turismo no Espao Rural.................................................................................................. 1081COMBATE AO DESMATAMENTO EM PROL DO AGROTURISMO ................................................................1082 POTENCIAL TURSTICO-RURAL NO VALE DO PIANC: SERTO PARAIBANO .............................................1090

TURISMO: FLANCO PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL NO MUNICPIO DE ROSANA-SP .......................1099 APRENDENDO GEOGRAFIA NO CAMPO.....................................................................................................1111 A FESTA DA MANDIOCA, COMO ATRAO TURSTICA NO MUNICPIO DE PRINCESA ISABEL PB ..........1120 AS POTENCIALIDADES DO MUNICPIO DE TAVARES (PB) PARA A PRTICA DO TURISMO RURAL ............1132 TURISMO RURAL NO BREJO PARAIBANO: A ROTA CULTURAL CAMINHOS DOS ENGENHOS ....................1144 TURISMO ACADMICO E ECOLGICO NA CAATINGA DO CARIRI PARAIBANO ..........................................1154 TURISMO RURAL NA AGRICULTURA FAMILIAR: UMA ATIVIDADE COMUNITRIA ....................................1162 DO TURISMO DE MASSA AO TURISMO DE BASE COMUNITRIA: QUAIS AS IMPLICAES NO DESENVOLVIMENTO LOCAL? UM ESTUDO DE CASO DO ASSENTAMENTO COQUEIRINHO- FORTIM/CE ..............................................................................................................................................................1174 O EXODO RURAL COMO FATOR DE DESENVOLVIMENTO DO TURISMO RURAL E DO ENOTURISMO .......1188 INVENTARIAO PARTICIPATIVA PARA O TURISMO NO ESPAO RURAL..................................................1197 CONTRIBUIO DOS ELEMENTOS METEOROLGICOS AO TURISMO RURAL NO SEMIRIDO PARAIBANO CABACEIRAS ..........................................................................................................................................1209 TURISMO RURAL UMA OPORTUNIDADE DE NEGCIO PARA O DESENVOLVIMENTO DO STIO BETEL CANT RR ...........................................................................................................................................1224

6 - Ecoturismo e Geoturismo ................................................................................................ 1235O TURISMO GEOCIENTFICO NA SERRA DA SANTA CATARINA-PB ............................................................1236 GEOPARQUE SERID: UM NOVO OLHAR SOBRE O SERID POTIGUAR ...................................................1246 GEOTURISMO E IMPACTOS AMBIENTAIS NO PARQUE ESTADUAL DO PICO DO JABRE NO MUNICPIO DE MATUREIA-PB .......................................................................................................................................1259 AS POSSIBILIDADES DE REALIZAO DO GEOTURISMO NAS IMEDIAES DA CACHOEIRA DO OURICURI PILES / PB............................................................................................................................................1269 ECOTURISMO NAS MATAS DE BREJO DE ALTITUDE DA PARABA: UM ESTUDO DE CASO NA RESERVA ECOLGICA MATA DO PAU-FERRO, EM AREIA-PB ...............................................................................1281 PRESERVAO AMBIENTAL E ECOTURISMO NA UNIDADE DE CONSERVAO ESTADUAL MATA DE GOIAMUNDUBA EM BANANEIRAS-PB ..................................................................................................1290 ECOTURISMO: EMPREENDEDORISMO NAS TRILHAS DA EDUCAO AMBIENTAL ...................................1299 ECOTURISMO EDUCATIVO COMUNITRIO, UMA PROPOSTA PARA A RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL ESTADUAL PONTA DO TUBARO RN..........................................................................1309 A PAISAGEM NO ECOTURISMO..................................................................................................................1318 GEOTURISMO, GEODIVERSIDADE E GEOCONSERVAO DO VALE DOS DINOSSAUROS PARABA ........1326

1 - Planejamento, Projetos e Programas Tursticos

TURISMO SERTANEJO ESTRATGIAS E PLANOS DE AES EM COMUNIDADES

Prof. Dr. Giovanni Seabra Professor Associado III da Universidade Federal da Paraba [email protected] RESUMO

O planejamento pressupe a ideia de que algo ser realizado em um determinado espao de tempo e em um dado lugar. Planejar prever o rumo dos acontecimentos, num processo contnuo de tomada de decises em direo aos objetivos propostos. Estratgia o procedimento para obteno dos fins almejados, segundo os recursos e tempo definidos. Qualquer projeto de planejamento requer cronograma de execuo, planilha de custos e fontes de recursos, itens exigidos nos planos iniciais e necessrios sua execuo. Contudo, na esfera governamental, so vrios os projetos tursticos interrompidos ou abandonados. Na maioria das vezes os recursos utilizados para implantao dos empreendimentos tursticos so muito superiores aos anteriormente orados, exigindo verbas adicionais para a sua continuidade. Entretanto, possvel encontrar equipamentos tursticos simples, de bom gosto, e de baixo custo em pequenas cidades sertanejas e projetos tursticos comunitrios, mantendo o lugar turstico singelo e acolhedor. PALAVRAS-CHAVES: Planejamento Turstico, Turismo Comunitrio, Turismo Sertanejo. O turismo definido pela Organizao Mundial do Turismo OMT, como o deslocamento para fora do lugar de residncia habitual, por um perodo mnimo de 24 horas e um mximo de 90 dias, motivado por razes no lucrativas. Tambm considerado como atividade turstica, o excursionismo, fluxo de pessoas empreendendo rpidas visitas aos destinos e pontos tursticos, com durao menor que 24 horas. O conceito de turismo, portanto, no reflete o que a atividade na sua essncia, estruturalmente sistmica, holstica e integrada, resultado de processos sociais e culturais no quantificveis, imprescindveis sua sustentabilidade e perpetuao. Esses aspectos so invariavelmente esquecidos no planejamento e execuo dos megaprojetos tursticos, cujo objetivo propiciar o atendimento industrial massa, e no ao ser. O turismo assim concebido explicado quase que unicamente pelo carter econmico, portanto insuficiente compreenso do fenmeno turstico em sua totalidade. O planejamento pressupe a ideia de que algo ser realizado em um determinado espao de tempo e em um dado lugar. uma tomada de atitude que define um futuro desejado e aponta as11

providncias necessrias ao cumprimento dos objetivos (AQUINO; SEABRA, ALMEIDA, e RODRIGUES, 2011). Nesse contexto, planejar prever o rumo dos acontecimentos, num processo contnuo de tomada de decises em direo aos objetivos propostos. O planejamento estratgico um instrumento bsico na definio de metas em polticas pblicas e empresariais contemplando a dimenso nacional e as escalas regional e local (AQUINO; SEABRA, ALMEIDA, e RODRIGUES, 2011). Estratgia, portanto, o procedimento para obteno dos fins desejados, segundo os recursos e tempo definidos. Qualquer projeto de planejamento requer cronograma de execuo, planilha de custos e fontes de recursos. Esses itens so exigidos nos planos iniciais e necessrios execuo do projeto. Os planos definem os objetivos, estabelecendo os inventrios, diagnsticos, prognsticos, estratgias e programas de ao. Contudo, na esfera governamental, so vrios os projetos tursticos interrompidos ou abandonados. Os recursos destinados a implantao dos empreendimentos tursticos so comumente liberados atravs das emendas parlamentares. Muitos deles exigem verbas adicionais para sua continuidade e, quando no atendidos, os projetos so sumariamente interrompidos. Assim, somas considerveis do capital pblico investido no turismo, trafegam no plano abstrato. Recursos vultosos so mobilizados para implantao de infraestrutura, capacitao de mo de obra, promoo de festas, feiras, mix e marketing, sem resultados palpveis no campo socioeconmico. Revitalizaes dos stios histricos, construo de praas, monumentos, e outros equipamentos, possuem utilidade pblica duvidosa, devido a sua ineficcia. Alm do mais, esses elefantes brancos so erguidos a um custo bem maior do que o necessrio, para serem abandonados em seguida. Essa a regra. Entretanto, possvel encontrar equipamentos tursticos simples e de bom gosto, em pequenas cidades sertanejas e projetos comunitrios, tornando o lugar turstico singelo e acolhedor. Isso pode ser constatado ao observarmos pequenas obras, como prtigos, praas, mercados municipais e outros logradouros pblicos, alm da preservao do patrimnio arquitetnico, a exemplo das cidades de Alagoa Grande, no Brejo Paraibano, e de So Joo do Cariri, respectivamente, a seguir.

12

Alagoa Grande, Brejo Paraibano; So Joo do Cariri, Cariri Paraibano.

O Projeto Turismo Sertanejo um exemplo de planejamento integral participativo, apesar do desinteresse dos rgos oficiais pelo carter sustentvel e inclusivo nele contido. Ao longo de sua trajetria iniciada no ano de 1985, com a elaborao e implantao de roteiros tursticos na Regio Central da Bahia, atualmente integrados ao Circuito Turstico do Diamante, os planos, programas e aes so pautados nos princpios da sustentabilidade ambiental, socioeconmica e cultural. Um dos projetos pioneiros, sob nossa coordenao, envolveu a explorao de cavernas nos municpios de Lenis, Seabra, Iraquara, Andara e Itaet, turisticamente estruturados em rede, cujas malhas interligam os arranjos produtivos do garimpo, da agricultura familiar e do ecoturismo (Seabra, 1991). Para integrar e fortalecer o Projeto Turstico da Chapada Diamantina, outros municpios foram incorporados ao circuito turstico, como Palmeiras, Mucug e Ibicoara (Seabra e Neu, 2010). Nos anos seguintes implantamos outros projetos tursticos na Regio Nordeste, numa clara demonstrao de que possvel o desenvolvimento do turismo com incluso social e preservao ambiental. A gesto dos projetos tursticos de base local deve ser realizada no apenas atravs da incluso de grupos sociais economicamente organizados ou politicamente instrudos pertencentes comunidade. Segundo Beni (2006), o empoderamento deve incluir tambm o indivduo enquanto cidado, dando-lhe maior autonomia e autoridade sobre as decises que influenciam a prpria vida. Entendemos como arranjos produtivos, as cadeias econmicas de base local, cujos laos as vinculam fortemente aos sistemas tursticos integrados. Na cadeia produtiva do turismo de base local a comunidade participa como sujeito e no como objeto de explorao turstica em todas as fases de elaborao, implantao e gesto do projeto (Seabra, 2007b). Os Arranjos Produtivos Locais APLs so manifestaes econmicas espontneas no seio popular, surgidas quase que totalmente margem do Estado. So iniciativas autnomas de carter informal e familiar, via de regra criadas sem qualquer apoio governamental e/ou privado substancial. Quando muito, os13

incentivos governamentais e privados surgem na medida em que os projetos sociais apresentam resultados e ganham visibilidade, principalmente ou to somente atravs da fora miditica televisiva. Quando nos referimos aos sistemas integrados do turismo, pretendemos distinguir a atividade descentralizada e participativa, portanto sistmica, daqueles denominados macrossistemas tursticos, de carter pontual, setorial, concentrador e socialmente excludentes. Na ausncia dos governos como rgo planejadores do turismo, as APLs constituem a base econmica e social do turismo sertanejo. A espacializao do turismo sertanejo abrange diferentes lugares tursticos, cuja identidade reside nos atrativos naturais e no patrimnio cultural, material e imaterial. Neste sentido, o lugar do turismo definido com a presena destacada de monumentos geolgicos, geomorfolgicos, mananciais hdricos, reservas de fauna e flora, modelo econmico tradicional, como tambm as manifestaes folclricas e culturais. Esses elementos definem o lugar turstico, e quando compreendem um territrio caracteriza, no conjunto, a zona turstica, onde so incorporadas e melhoradas as vias de acesso e de circulao, bem como equipamentos e servios tursticos. Na realidade brasileira e da maioria dos pases da Amrica Latina, o turismo integrado deve ser descentralizado e (des) segmentado, de maneira a atingir maior nmero de usurios, sobretudo os segmentos sociais excludos. Para o desenvolvimento do turismo com benefcio social, sugerimos a estruturao do setor no modelo sistmico (Bertalanffy, 1972; Beni, 1998), proporcionando a integrao dos diversos segmentos sociais e setores econmicos envolvidos, em todos os nveis e sob todos os seus aspectos (Seabra, 2007a). Neste modelo de turismo alternativo priorizamos o cio criativo (Masi, 2000), permitindo ao viajante ascender a nveis superiores de bem estar espiritual, atravs do contato com a natureza e a cultura local. Historicamente as estratgias do governo federal para o turismo deixam muito a desejar. O Plano Nacional de Turismo PNT 2007/2010 uma Viagem de Incluso (Brasil, 2006) foi apresentado com destaque na mdia como um instrumento de planejamento e gesto, no qual o turismo seria o indutor do desenvolvimento, gerao de emprego e renda, e incluso social no Pas. Segundo o PNT, a incluso deveria ser alcanada por meio da produo e criao de novos postos de trabalho, ocupao e renda; e atravs do consumo, com a absoro de novos turistas no mercado interno. O PNT previa a melhoria dos aeroportos, incluso de 16 milhes de aposentados no turismo interno e consolidar o Brasil como um dos principais destinos tursticos mundiais. O fortalecimento do mercado interno permitiria a gerao de 1,7 milho de empregos no setor at 2010, alm de aumentar para 217 milhes o nmero de viagens no mercado interno. Tambm estava previsto no PNT 2007-2010, a organizao de 65 destinos tursticos, distribudos em todo o territrio nacional, dentro de um padro internacional de mercado.14

Como se sabe no foi bem assim. A partir de 2007, os aeroportos tornaram-se ainda mais caticos, dezenas de cursos de turismo foram fechados e os aposentados, antes agracidados com o crdito fcil, agora endividados esto impedidos de viajar. Conforme Beni (2006, p.32),

a histria mais uma vez, infelizmente est se repetindo; o que temos visto com muita frequncia so cenrios de roteirizao regionalizada em vez de regionalizao sustentvel do turismo, pois no h planos e no existem projetos.

Por tradio no Brasil, evidente a priorizao do quantitativo em lugar do qualitativo nas polticas pblicas aplicadas ao turismo. O turismo sertanejo envolve a atividade turstica em toda a sua complexidade, considerando em uma de suas vertentes a cultura popular, tanto no aspecto imaginativo e criativo, como fonte geradora de renda para as famlias sertanejas. Mesmo ignorado pelos rgos oficiais e polticas pblicas, em nveis federal, estadual e municipal, o Projeto Turismo Sertanejo, tem alcanado excelentes resultados na execuo dos planos para implantao de roteiros e circuitos tursticos no serto, sempre fiel aos seus objetivos (Seabra, 2007a):

Inventariar o potencial turstico regional e local; Elaborar diagnsticos e zoneamentos nos municpios e localidades; Resgatar e fortalecer a identidade cultural local; Definir roteiros e elaborar circuitos integrados; Melhorar infraestrutura, equipamentos e servios; Adequar os equipamentos paisagem natural e cultural; Capacitar membros da comunidade residente; Agregar parceiros potenciais; Elaborar calendrio turstico; Adotar estratgias de Marketing.

O procedimento em tela vem sendo adotado no desenvolvimento e execuo de projetos em diferentes estados da Regio Nordeste, conforme a seguir. Mesmo sem os incentivos necessrios consolidao dos projetos tursticos sertanejos, alguns deles, j implantados, so amplamente divulgados atravs dos diversos meios de divulgao, como a Chapada Diamantina, terceiro destino turstico da Bahia e o Cariri Parabano, principal zona turstica do interior da Paraba.

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Vale do Pati, Chapada Diamantina; Sacas de L, Cariri Paraibano.

Na Chapada Diamantina, o Circuito Turstico do Diamante abrange oito municpios Lenis, Andara, Mucug, Itaet, Palmeiras, Seabra, Iraquara, e Ibicoara, e os principais atrativos so a paisagem natural do Parque Nacional da Chapada Diamantina, a cultura garimpeira e as cavernas da regio calcria (Seabra e Neu, 2011). O Cariri Paraibano compreende roteiros rurais e urbanos, que no conjunto denominamos Circuito Turstico do Bode e do Algodo integrando, atravs de rotas e roteiros, os municpios de Cabaceiras, So Joo do Cariri, Monteiro e Prata. Situado no trpico semirido do Estado da Paraba, a Regio do Cariri se caracteriza por apresentar elevadas temperaturas e ndices pluviomtricos reduzidos. A regio possui baixas densidades demogrficas e elevados ndices de emigrao, necessitando permanentemente dos programas sociais governamentais para assegurar qualidade de vida mnima aos habitantes. Todavia, o Cariri Paraibano possui um potencial turstico elevado, apesar do clima hostil. Alm dos quatro municpios que integram o Circuito Turstico, os atrativos tursticos paisagsticos e culturais so encontrados em toda a regio do Cariri Paraibano, que abrange 29 municpios. Contudo, faltam polticas pblicas eficazes para a implantao e consolidao dos projetos e roteiros tursticos na Regio do Cariri. Nos arranjos produtivos locais do Cariri esto inseridos diversos elementos integrantes do sistema turstico, como os sistemas hdricos, o criatrio animal, os mtodos de cultivos, a culinria regional os artigos artesanais derivados da madeira, couro e algodo, o folclore a poesia e a musicalidade. As manifestaes populares, folclricas e os festejos religiosos so uma marca do da regio (Seabra, 2002). No folclore regional encontramos as manifestaes ligadas ao ciclo do gado, como as vaquejadas, corridas de argolinhas, a pega do boi, o aboio, emboladores de coco, as congadas, repentistas e romarias. A msica est presente em toda a populao do Cariri, principalmente o forr p de serra e as bandas de forr eletrnico. Os rsticos artigos de couro,16

fibras vegetais e algodo, associados tpica culinria regional, tm mercado certo dentro e fora da Regio do Cariri. O tear manual para produo de redes, tapetes, mantas e bolsas fortalece a economia regional e constitui mais um elemento para o desenvolvimento do turismo local. So tambm recursos tursticos do Cariri as formaes geomorfolgicas, destacando-se os lajedos, as pedras furadas e os mares de pedras. O Lajedo do Pai Mateus, no Municpio de Cabaceiras, est consolidado como um dos mais importantes destinos tursticos no interior da Paraba. Neste local, sobre extensos lajedos, so encontradas grandes quantidades de blocos rochosos esfricos, denominados caos de pedras. A Muralha dos Gigantes, em So Joo do Cariri, uma elevao de rochas granticas e metamrficas que se prolonga desde a divisa com o Rio Grande do Norte at as proximidades de Pernambuco, cortando a Paraba de norte a sul, por mais de cem quilmetros (Seabra, 2002). Em Monteiro destaca-se na paisagem natural a Pedra do Peru, cujo mirante permite vista panormica do bioma caatinga e lugarejos prximos, e a Serra do Jabitac, onde brotam as nascentes do Rio Paraba, maior curso dgua do Estado. Nos stios arqueolgicos so encontradas inscries e figuras rupestres da Tradio Agreste e Itacoatiara. So registros de passagem dos pequenos grupos humanos que outrora habitaram os sertes nordestinos normalmente encontrados junto aos rsticos objetos utilitrios primitivos e testemunhos da fauna pleistocnica. No tocante ao turismo rural de base local, aqui diferenciamos o turismo rural de base comunitria e o turismo no espao rural propriamente dito. No turismo rural comunitrio os turistas so recepcionados pelas famlias campesinas e usufruem da vida cotidiana, conhecendo a cultura local e se utilizando dos equipamentos rurais simples, para acomodao e lazer. J no turismo desenvolvido no espao rural implantado pelas empresas rurais, os turistas so recebidos e acompanhados pelos funcionrios do empreendimento hoteleiro (Seabra, 2012). Na regio fronteiria entre Monteiro e Prata surge imponente a Serra da Matarina, cujas comunidades rurais da agricultura familiar tornaram-se conhecidas pela cultura musical, cuja maior expresso Zab da Loca, patrimnio imaterial do Cariri Paraibano, tocadora de pfano e moradora num acanhado abrigo de pedra. No Serto do Araripe, o turismo social na agricultura familiar, cuja base a zona rural de Ouricuri, Pernambuco, os roteiros tursticos so permeados pela paisagem natural da caatinga, a cultura popular, os mtodos tradicionais de produo rural e as tecnologias alternativas para o convvio do homem com os grandes perodos de estiagem.

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Turismo Social Rural em Ouricuri, Serto de Pernambuco.

No Agreste Pernambucano o projeto denominado Caminho das Pedras: o turismo ecolgico de base geolgica no Agreste Pernambucano enfatizou, nos roteiros estruturados, as notveis feies geolgicas do Planalto da Borborema, integradas ao quadro cultural e scio econmico dos municpios de Gravat, Bezerros, Belo Jardim e Brejo da Madre de Deus. No Serto do Paje roteiro abrangendo a agora chamada Rota do Cangao, nele inseridos os engenhos de rapadura, a histria do fanatismo religioso e os centros da poesia sertaneja. O circuito estruturou em rede os municpios de Serra Talhada, So Jos do Bel Monte, Triunfo, Flores, Tabira e So Jos do Egito. No obstante a comprovao da viabilidade dos roteiros acima mencionados, inclusive com vistas programadas de grupos, no houve qualquer interesse dos governos federal, estadual e prefeituras municipais na construo de parcerias necessrias consolidao dos roteiros. A aprovao de projetos direcionados ao desenvolvimento do turismo continua centralizada politicamente e economicamente. Qualquer mudana no sentido da sustentabilidade do setor deve ser pautada na observncia da base local e gesto compartilhada dos arranjos produtivos do turismo.

Caminho das Pedras, Agreste Pernambucano. 18

As polticas pblicas centralizadoras, a ausncia e o desinteresse dos governos estadual e municipal, a concentrao de renda, as limitadas condies socioeconmicas da populao, a deficincia de equipamentos e servios urbanos, alm da precria estrutura de lazer no contexto geral, so entraves ao desenvolvimento de um projeto turstico regional sustentvel. preciso, entretanto, que um projeto de turismo de base social siga um planejamento consciente, no qual os municpios envolvidos integrem circuitos e no plos de desenvolvimento, e que tenha como principais parceiros e incentivadores a comunidade local, o estado, prefeituras municipais e o Governo Federal. O turismo parte da cultura e esta um produto turstico, cuja sustentabilidade de ambos proporcional ao nvel de participao dos membros comunitrios. A incluso social e econmica da populao residente nos projetos tursticos deve ser meta prioritria das polticas pblicas para o planejamento do turismo regional e local, a fim de preservar os bens culturais materiais e imateriais para as geraes futuras.

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TURISMO DE BASE LOCAL EM COMUNIDADES: PROPOSIES, AES E RESULTADOS

Anderson Pereira PORTUGUEZ Professor Doutor do Curso de Geografia da FACIP Universidade Federal de Uberlndia e Professor Colaborador do Mestrado Profissional em Gesto em Negcios Tursticos da Universidade Estadual do Cear. [email protected]

RESUMO

O presente trabalho traz reflexes acerca de temas inerentes ao desenvolvimento do turismo de base local, tendo as comunidades como escalas de reflexo e planejamento do mesmo. Prope-se aqui, um dilogo terico com alguns autores que vm se debruando sobre esta temtica na perspectiva de aportar novas argumentaes para uma compreenso crtica desta questo. Partiu-se do princpio de que as concepes acadmicas de comunidade, desenvolvimento e lugar, so em termos concretos, repletos de contradies e possibilidades, o que exige uma teoria permevel e aberta para compreend-los desde parmetros transdisciplinares. Enquanto conceitos, estes assumem dimenses muito plurais, o que permite um rico debate sobre o tema proposto. PALAVRAS-CHAVE: Comunidades. Desenvolvimento Local. Turismo.

1 DESENVOLVIMENTO LOCAL: TERMO INCONCLUSO, COMPLEXO E CONTROVERSO

A palavra desenvolvimento tem gerado uma srie de discusses acirradas entre diferentes correntes poltico-ideolgicas e acadmicas desde a segunda metade do sculo XIX. Em trabalho anterior (Portuguez, 2010) afirmamos que a construo acadmica do conceito de desenvolvimento no una iniciativa recente. Desde o final do sculo XIX, autores como A. Marshall vm buscando amadurecer a compreenso deste processo (SFORZI, 1999). Em una atuao paralela, os setores produtivos (agronegcios, indstrias, turismo e outros) e as polticas de Estado tambm se enveredaram em tentativas diversas de proposio conceitual, manifestando assim concepes no cientficas de desenvolvimento.

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Etimologicamente, o vocbulo originou-se do termo involvere, que em Latim significa enrolar, ou rolar sobre1. Popularmente, o desenvolvimento entendido como um processo de avano de determinadas condies do bem-viver. Em termos acadmicos, este termo exige uma ampla gama de categorias de anlise que envolve variveis sociais, econmicas, ambientais, poltico-ideolgicas, psicolgicas, culturais, histricas e muitas outras. Como se trata, portanto, de um conceito polissmico, polimorfo e inconcluso, neste momento, trataremos do desenvolvimento visto a partir de algumas escalas que nos permitiro abord-lo de forma mais circunscrita. So elas: a escala social (no mbito da comunidade), a escala territorial (no mbito do lugar), a escala histrica (o tempo presente) e a escala cultural (da sociedade brasileira). Iniciemos, pois, lembrando que o conceito clssico de desenvolvimento , por definio, um conceito capitalista e que prosperou dentro da lgica econmica e sociocultural das sociedades ocidentais, como nos ensina o Souza (2008):As discusses sobre desenvolvimento tm se apresentado como extremamente viciadas: vcios como economicismo, etnocentrismo, teleologismo (etapismo, historicismo) e conservadorismo tm flagelado, em combinaes e com pesos variveis, quase toda a literatura terica sobre o tema, que despontou aps a Segunda Guerra Mundial. O usual, no tocante ao assunto, ainda tomar o desenvolvimento como sinnimo de desenvolvimento econmico, e mesmo a maioria das tentativas de amenizar o economicismo (inclusive da parte de um ou outro economista) no consegue ultrapassar o seguinte ponto: no limite. A modernizao da sociedade, em sentido capitalista e ocidental o que se entende por desenvolvimento. Consideraes sobre problemas ecolgicos e sociais, via de regra, no tm servido para outra coisa que meramente relativizar ou suavizar o primado da ideologia modernizadora capitalista, sem destron-la e mesmo sem question-la radicalmente (SOUZA, 2008, p. 60).

Como o modo de produo capitalista passou por diferentes momentos em sua histria, os processos de desenvolvimento foram moldados lgica dominante em cada momento, ainda que as premissas economicistas sempre estivessem presentes de forma muito patente em todas as suas verses. Segundo Vachon (2001), no sculo XX, aps a 1 Guerra Mundial, o modelo ps-fordista de desenvolvimento apoiou-se na urbanizao, na industrializao (e em todas as lgicas de produo em srie), na modernizao/inovao e no avano dos meios de circulao (de matrias-primas, produtos, fora de trabalho e capitais financeiros).

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Disponvel em: http://www.academia.org.br/. Acessado em 28 de maio de 2012.

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De acordo com Harvey (2005) este desenho de desenvolvimento se baseia em um discurso de sociedade fortemente marcada pela estratificao social, tendo o Estado como legitimador do modo de produo e dos interesses das elites que o engendra. Portanto, pensar em desenvolvimento nos moldes do ps-fordismo, significa pensar em como criar os meios para que o capital se reproduza de forma econmica e sociopoliticamente concentrada. Nesta lgica, o desenvolvimento ocorre de cima para baixo, do Estado para a sociedade, do urbano para o rural, da elite para as classes subalternas e praticamente todas as aes em favor do desenvolvimento satelitizam a dimenso econmica. Em trabalhos anteriores (Portuguez, 2004 e 2010) j apontamos que estas instncias de deciso se restringem a pouqussimos territrios, forando o surgimento de uma constelao de poucas estrelas composta pelos lugares centrais do mundo capitalista e em um vasto sistema de lugares perifricos que a satelitiza. Ultimamente, tem-se lido e ouvido nos meios de informao de massa, opinies de ditos especialistas que defendem que este modelo est falido, superado e ultrapassado. A despeito de todas as crises internacionais ocorridas desde a Segunda Guerra Mundial, em especial a mais recente, preferimos dizer que este modelo se redesenhou a partir da exploso tcnico-cientfica do ps-guerra. Refazer-se significa adaptar-se a novos tempos e novo contextos e no pode ser confundido com desaparecer ou falir. Na medida em que os paradigmas mudaram, os velhos conceitos de desenvolvimento foram postos em questionamento e, desta forma, foram resignificados. Os discursos ideolgicos emergentes passaram a conduzir a produo acadmica em diversos pases, impondo srias crticas ao modo de produo capitalista, que esvaziou o contedo humano do desenvolvimento, condenando-o a meras cifras econmicas de pases, de empresas e de sistemas produtivos. Segundo Souza (2008), estas questes so dilemas com os quais nos deparamos cotidianamente no espao universitrio. Elas so ensejadas pelos muitos adjetivos que o desenvolvimento vem recebendo ao longo do tempo e que a ele, atribuem uma roupagem mais agradvel: etnodesenvolvimento, ecodesenvolvimento, desenvolvimento sustentvel,

desenvolvimento endgeno, desenvolvimento social, desenvolvimento local (e/ou de base local), desenvolvimento comunitrio, desenvolvimento humano (IDH), metadesenvolvimento e tantas outras denominaes possveis. Para o autor citado, este amplo contingente de parcialismos empobrece a verdadeira noo que o termo desenvolvimento deveria ter. Para ele o desenvolvimento um processo integral, pautado nos princpios da autonomia, da justia social e da qualidade de vida. Evidentemente, como o tema complexo, cada um destes parcialismos comporta uma infinidade de interpretaes e uma ampla possibilidade de aplicaes prticas e isto tem dificultado a adoo de uma terminologia mais consistente para o estudo do desenvolvimento. Vejamos, por23

exemplo, o que tem ocorrido com a idia de desenvolvimento sustentvel, uma das mais conhecidas e debatidas. De um lado, v-se que sob o manto da sustentabilidade, escondem-se interesses obscuros de grupos que manipulam a opinio pblica e os meios de acesso ao poder e, desta forma, legitimam uma srie de aes na reproduo do capital de forma descaradamente agressiva. Boa parte dos grandes projetos de agroecologia e bioenergia, por exemplo, fazem uso da sustentabilidade como cortina de fumaa para encobrir as grandes reas de Cerrados que so desmatadas para a ampliao, por exemplo, da cana-de-acar (FREITAS e PORTUGUEZ, 2011). Esta manipulao despudorada do conceito de sustentabilidade pode ser constatada cotidianamente. A expresso mencionada de modo muito reducionista pela mdia de massa e as polticas de Estado tambm a utilizam de forma banalizadora e superficial. Estes fatos fazem com que muitos pesquisadores desistam de fazer uso deste termo, como forma de mostrar aos seus pares que a sustentabilidade no existe e que eles no querem ser confundidos com os defensores deste modelo de (pseudo) desenvolvimento. Desta forma, criam novos termos, cunham uma nova expresso e, assim, as terminologias vo se proliferando e coexistindo ao invs de se sucederem. No plano das aes do mercado e da poltica, quando uma expresso de interesse acadmico se desgasta, outra apropriada e esvaziada pelos meios detentores do poder, em um movimento contnuo e nada ingnuo. Nesta perspectiva, sim, podemos considerar que h ausncia de tica nas aes legitimadas por expresses potencialmente manipuladoras e belas, com forte apelo miditico, que se prestam a dar um carter menos predatrio e mais humano ao capitalismo informacional. Por outro lado, ao desistirem destes termos, como, por exemplo, o desenvolvimento sustentvel (o que compreensvel), os pesquisadores acabam por presentear os grandes capitalistas com um slogan de forte impacto popular, com o qual eles seguiro fazendo apologia aos seus modelos insustentveis e perversos de reproduo do capital. O mesmo princpio se aplica ao dito desenvolvimento local, (ou de base local, ou comunitrio). Desde o incio da dcada de 1990, com o advento do primeiro ciclo do Programa LEADER, que foi criado pela Unio Europia para a promoo do desenvolvimento rural, um crescente nmero de cientistas europeus tem se interessado em investigar as estratgias locais de desenvolvimento. No Brasil, este movimento se consolidou mais para meados desta mesma dcada. Desde ento, figuram no meio acadmico brasileiro, grupos discordantes quanto possibilidade ou no de ser possvel repensar a escala e a lgica do desenvolvimento, planejando-o e engendrando-o de baixo para cima, do lugar para as escalas mais amplas (PORTUGUEZ, 2010). Atualmente, so muitos os pesquisadores que se afirmam decepcionados com o dito desenvolvimento local ou comunitrio, chegando a afirmar categoricamente a sua inexistncia no24

plano ftico, alegando que ele no passa de uma abstrao terica. De fato, a noo de desenvolvimento local (ou de base local, ou comunitrio) ganhou contornos fantasiosos muito perigosos nos ltimos 10 anos, pois foi inicialmente apresentado como uma grande oportunidade de recuperao econmica de comunidades marginalizadas pelo grande capital, mas que de fato, resultou em avanos extremamente tmidos e sequer chegou a contaminar o meio poltico da forma que se esperava. Neste sentido, sim, pode-se dizer que o desenvolvimento local converteu-se em falcia e que este discurso resultou em pouqussimos estudos com propostas metodolgicas que de fato potencializasse o dinamismo produtivo no mbito do lugar, onde vivem as comunidades. Muitos dos pesquisadores que outrora trabalhavam com a idia de desenvolvimento local, agora questionam esta expresso esvaziada pelo excesso de discurso e carncia de efetivaes. Buscam novos referenciais e novas balizas para suas argumentaes, de forma que atualmente, a expresso que promete entrar em moda desenvolvimento comunitrio. Haveria alguma diferena significativa entre estes termos? O que houve para que a antipatia ao termo base local se agravasse? O termo desenvolvimento de base local, to caro aos pesquisadores do turismo durante boa parte dos ltimos anos, de repente, se v mal falado por servir de cortina de fumaa que encobre os mais perversos interesses do capitalismo informacional. Alm deste fato, h de se considerar que a expresso desenvolvimento de base local presume um desenvolvimento avesso ao modelo dominante, ao modelo derivado do hibridismo ps-fordista/informacional. Porm, so raros os lugares onde o desenvolvimento realmente ocorre de forma diferenciada, de baixo para cima (na estratificao social), do local para o global (em escala geogrfica). Porm, advogamos uma postura menos radical por crermos que os conceitos no precisam gerar resultados plenos para gozarem de alguma efetividade prtica. E neste sentido que acreditamos na comunidade, na mobilizao das bases locais, pois deveremos percorrer um longo caminho de (re)construo de ideais e aes entre o desenvolvimento que se tem (se que se tem) e o modelo que se deseja. No cremos na possibilidade de romper drasticamente com a tradio economicista dominante para mergulhar de uma s vez em seu contraponto. Acreditamos que a base local se constri com o tempo e com a adoo de novas prticas sociais e comunitrias, de modo que, sim, estamos em pleno processo de amadurecimento. Por estas razes singelas, seguimos na defesa da comunidade como escala de planejamento e gesto do desenvolvimento local. Se os resultados um dia viro, s o tempo nos dir, porm, entendemos que o ativismo acadmico em si j se constitui em um grande passo rumo a um modelo social mais justo, mais igualitrio e mais autnomo.

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2 COMUNIDADE: O PARASO IMAGINADO E SUAS CONTRADIES

Para comear nossas reflexes sobre comunidades, para em seguida entend-las como escala do desenvolvimento, precisamos, antes de tudo, entender uma distino conceitual que ser bsica para nossas argumentaes futuras. Neste texto, estamos entendendo que o lugar corresponde dimenso geogrfica da comunidade e esta, a comunidade, a dimenso sociaoantropolgica do lugar. Em outros termos, estamos friccionando dois conceitos escalares de dimenses reduzidas s para ver o que acontece. E esta ao uma atitude deliberada, pois se desejamos o desenvolvimento do turismo a partir das bases locais, h de se entender ento, o que base social e o que local2. De acordo com o VOLP Vocabulrio Oficial da Lngua Portuguesa3, o termo comunidade originou-se do vocbulo conmunitas, que em Latim, significa pessoas que partilham algo em comum, ou o que comum a todos. Porm, a utilizao corriqueira deste termo vai para alm deste significado genrico, assumindo contextos muito especficos. Portanto, estamos tratando de um termo bastante controverso. O quadro 1, a continuao, traz um resumo de um balano conceitual que realizamos recentemente para tratar desta temtica:

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Tambm estamos, para efeitos desta reflexo, coincidindo os sentidos dos termos lugar e local. Disponvel em: http://www.academia.org.br/. Acessado em 28 de maio de 2012.

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Quadro 1: Principais usos do termo comunidade no BrasilComunidade como agrupamento/vizinhana; como expresso de um fragmento da sociedade Muitas vezes a palavra comunidade associada a bairro, vila, distrito de um municpio ou at mesmo confundida com o termo regio. Pode ainda representar o conjunto de condminos de um edifcio, assim como outros tipos de agregao de pessoas que ocupam um determinado espao. Geralmente se organizam a partir de normas de convivncia comuns e partilham do mesmo contexto socioespacial. Comunidade identitria So comunidades no definidas pelo sentido de vizinhana, mas sim de pertencimento: pessoas de uma mesma parquia, freqentadores de um determinado espao religioso, grupos que partilham a mesma ideologia/filosofia poltica; comunidades estudantis, comunidade de empresrios e outras. Comunidades tradicionais, ou no-concorrenciais Comunidades formadas por famlias que possuem a mesma origem tnico-cultural, ocupam o mesmo ambiente, partilham o mesmo sistema de normas sociais e se vinculam fortemente ao meio em que vivem, do qual dependem para assegurarem seus sustentos. So aldeias indgenas, grupos quilombolas, vilas rurais, vilas de pescadores artesanais, grupos de extrativistas tradicionais e outros. No caso dos indgenas e dos quilombolas, relevante lembrar que eles lutam historicamente pelo reconhecimento de seus direitos constitucionais, em especial demarcao de seus territrios. Comunidades de reivindicao Nestas comunidades o fator territorial no se mostra presente de forma direta, pois a mobilizao se d a favor dos direitos de igualdade das ditas minorias sociais. o caso, por exemplo, das comunidades gays, comunidades negras, comunidades de imigrantes, entre outros exemplos. Comunidade como expresso de mobilizao dos agentes locais de desenvolvimento Comunidades virtuais Comunidade como expresso da mobilizao de um determinado grupo residente ou que trabalha em um determinado espao, que se une para lutar por direitos e por interesses comuns; membros de associaes diversas, sobretudo de moradores , sindicatos e cooperativas. Redes sociais que se intitulam de comunidades, formadas por grupos de amigos e conhecidos que se associam em pginas web destinadas a relacionamentos interpessoais. Comunidade como metfora da geopoltica Comunidade como escala de diviso poltica de um determinado territrio. Acordos de livre comrcio e/ou de cooperao entre naes so tambm conhecidas como comunidades. Neste sentido, a palavra comunidade assume papel de escala administrativa. No Brasil, muitas prefeituras elaboram seus oramentos participativos com base em reunies comunitrias. Na Espanha, as ditas Comunidades Autnomas so unidades territoriais dotadas de autonomia administrativa e legislativa Comunidades Naturais, ou biocenose Conjunto de seres vivos que fazem parte do mesmo ecossistema e que interagem entre si. Organizao: Portuguez, A. P. (2012).

Estes conceitos no so precisos e frequentemente se mesclam. Bom lembrar que estas formas de comunidades frequentemente se sobrepem, pois muitos indivduos pertencem a mais de um formato de grupo, podendo interagir de formas diferentes com seus distintos pares. Um mesmo27

espao pode comportar mais de uma comunidade, de tal sorte que em ambientes mais tecnificados, pode-se facilmente perceber a existncia dos ditos espaos pluricomunitrios. Evidentemente, quando h mais de um interesse de grupo incidindo sobre um territrio4 em especfico, este pode se tornar palco de graves conflitos. Como nem todas as formas de comunidades reivindicam territrios, neste trabalho nos determos na concepo sociolgica de comunidades locais, aqui entendidas como conjunto de pessoas e/ou famlias que ocupam um determinado lugar; vivem sob as mesmas normas de convvio e que partilham das mesmas necessidades coletivas e dos mesmos recursos socioespaciais. A comunidade , para ns, a dimenso sociolgica do lugar. ela que lhe d consistncia e identidade, em contrapartida, o lugar, a escala geogrfica da comunidade. aquela dimenso do espao onde a vida se desenrola, onde as pessoas estabelecem de fato as suas relaes pessoais e onde as instituies sociais ganham concretude territorial. Pensar o desenvolvimento do turismo escala comunitria significa, portanto, manusear com muito cuidado os dois conceitos em favor de uma agenda pautada na melhoria das condies do bem-viver, na justia social e na autonomia. Bauman (2003) traz uma srie de reflexes muito inspiradoras sobre comunidades. Na introduo de sua obra ele nos lembra que h palavras, que para alm de terem significados, inspiram sensaes. O termo comunidade um exemplo de vocbulo que nos faz sentir coisas boas ao falar nele, ou sobre ele dialogar. A palavra comunidade nos remete, para este autor, a uma srie de impresses muito positivas, relacionadas ao sentir-se pertencente a um grupo social com o qual nos identificamos e com o qual desejamos permanecer conectados. Para Bauman (2003), esta uma sensao aparente, pois a comunidade nos inspira a um mundo que no est ao nosso alcance, ma no qual gostaramos de estar, de viver e de encontrar aqueles a quem nos afeioamos. Conclui afirmando que as comunidades seriam, em termos atuais, o paraso perdido (ou paraso esperado). Na realidade, o lugar da comunidade (dimenso geogrfica do mundo vivido e sentido na vida ordinria) o mesmo lugar dos conflitos. Bauman (2003) deixa esta reflexo bem clara ao discutir a noo banal de comunidade. Bem longe de ser apenas um refgio de paz e felicidade entre pessoas que se unem por laos de afetividade, de vizinhana, de amizade e outros, a comunidade tambm , cruel e contraditoriamente, onde nos deparamos com o crime de mando, com a briga de rua, a violncia domstica, a homofobia, o racismo, o bullying nas escolas, a intolerncia religiosa, o assdio moral entre vizinhos, o acidente de trnsito e de muitas outras manifestaes de conflitos resultante das relaes humanas.

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O conceito de territrio, j bem amadurecido pela Geografia, pode ser genericamente entendido com sendo a poro apropriada do espao, por uma pessoa ou grupo, de forma que sobre aquela parcela do tecido espacial haja uma clara expresso de poder e dominncia.

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Isto ocorre, em grande parte, porque a vida em coletividade pressupe um processo longo de aprendizado no qual adquirimos as habilidades necessrias para lidar com a heterogeneidade e com o que contraditrio. Neste sentido, a comunidade segue a lgica de organizao da sociedade dominante e arranja-se a partir da grande complexidade que caracteriza a condio humana. A comunidade , assim, uma escala social onde possvel estudar a luz da microsociologia, o fenmeno da pluralidade na unidade, de tal sorte que o plural no descaracteriza a unidade. Em termos acadmicos, temos constatado diferenas significativas entre a apreenso da comunidade de acordo com a cincia que a estuda (Antropologia, Geografia, Economia, Sociologia e outras) e a fundamentao terica adotada pelo autor de cada estudo (neopositivismo, neomarxismo, neoestruturalismo, humanismo e outros). O ir e vir do conceito e\ou o ir e vir ao conceito gera diferentes possibilidades de apreenso do que pode ser entendido como comunidade. Delimitar geograficamente o seu lugar no mundo, suas fronteiras, no tem sido tarefa fcil para os gegrafos que se dedicam ao seu estudo. Se partirmos de uma percepo superficial e frigorificada, a comunidade pode ser coincidida com a dimenso social e geogrfica do bairro, da parquia, da associao, da cooperativa, da vila, entre outros exemplos. Entretanto a pesquisa de campo tem mostrado que ao se estabelecer cartograficamente os limites dos lugares ocupados por distintas comunidades, no se pode levar em considerao apenas os aspectos objetivos do grupo humano. H aspectos identitrios de significado varivel que so definidores do grupo, mas que so de difcil apreenso pragmtico-espacial. Em termos tradicionais, os membros de uma comunidade geralmente so vizinhos, podem possuir (ou no) laos de parentesco e ocupam um espao geogrfico comum. Nesta viso banal, a concentrao espacial das famlias facilita o mapeamento das dimenses do grupo. Porm, h exemplos de comunidades que no partilham destas caractersticas clssicas, mas mesmo assim se definem como tal. Em trabalho publicado anteriormente (Portuguez (2010), estudamos a comunidade de pescadores de Degredo, localizada no municpio de Linhares, no litoral norte do Estado do Esprito Santo. Esta comunidade formada por aproximadamente 80 famlias que vivem da agricultura familiar, extrativismo vegetal e a pesca artesanal. No h a tradicional vizinhana nesta comunidade, pois os moradores habitam residncias que ficam muitas vezes a quilmetros de distncia uma das outras. De norte para sul, Degredo corresponde a uma faixa alongada de litoral arenoso, de difcil acesso, que se estende por mais de 40 quilmetros e a zona de maior concentrao de residncias no chega a ter 20 unidades habitacionais. No entanto, durante as pesquisas que realizamos nesta localidade, ficou claro o sentimento de identidade da comunidade, que j comea a organizar, inclusive, suas primeiras associaes.29

Sendo assim, para pensar o turismo a partir desta escala geogrfica (lugar) e sociolgica (comunidade), necessrio antes de tudo, entender que no se est operando com um grupo plenamente homogneo, onde os interesses particulares coincidem com os coletivos; onde os sonhos e as angstias de uma famlia se repetem na casa vizinha. Isto porque no interior de uma comunidade encontraremos pessoas com religies diferentes, com formaes morais e ticas distintas, com percepes de prioridades diferenciadas e com expectativas prprias em relao ao turismo. Dito isto, passaremos, por fim, a algumas reflexes acerca das estratgias de mobilizao de comunidades para a promoo do desenvolvimento. Trata-se de tema espinhoso, tarefa nada simples e extremamente desafiadora, mas que cremos poder gerar no longo prazo, os resultados que se deseja em favor do bem-estar coletivo.

3 UM ESTUDO DE CASO: MOBILIZAO DE COMUNIDADES PARA A PROMOO DO DESENVOLVIMENTO TURSTICO NO MBITO LOCAL.

Em 2009, quando trabalhvamos com oficinas de planejamento de base comunitria na Plancie Costeira do Rio Doce (ES), elaboramos uma estratgia de atuao que se baseava em dois momentos-chave: pesquisa de opinio pblica para coleta de dados sobre as atuais condies de existncia nas comunidades e, em seguida, a realizao de oficinas de planejamento participativo.

Fig. 1: Localizao das comunidades de pescadores do Municpio de Linhares - Estado do Esprito Santo

Fonte: Base de dados do IBGE (2010). Organizao: Portuguez, A. P. (2012).

A primeira etapa consistiu na seleo de duas amostras, sendo a primeira formada por chefes de famlias e a segunda por empreendedores locais. A coleta de dados foi realizada nas 330

comunidades que se enquadravam na noo apresentada de comunidades locais: Regncia, Povoao e Pontal do Ipiranga.

Tabela 1: Abrangncia da coleta de dados em campo

Comunidades

Total de domiclios

Amostra

%

Total de empresas

Amostra

%

Regncia Povoao

293 500

42 42

14,33 8,4

32 25

22 14

68,75 56,0

Pontal do Ipiranga

401

56

13,96

75

25

33,33

Fonte: Portuguez (2010, p. 67).

Aps a aplicao dos questionrios (fotos 1 e 2), estes foram tabulados para a produo de uma viso coletiva de cada comunidade, a partir da percepo de seus moradores. Uma lista com as 10 principais queixas em relao ao desenvolvimento das comunidades e ao bem-estar coletivo foi gerada para que na segunda etapa da campanha de campo (oficinas de planejamento participativo), pudssemos refletir coletivamente sobre o que foi revelado pelos estudos estatsticos.

Fotos 1 e 2: Coleta de dados em residncias e empresas da Plancie Costeira do Rio Doce. Fonte: Portuguez (2010, p. 68)

Em cada uma das oficinas (figuras 3 a 5), realizamos uma apresentao dos principais anseios coletivos de cada um dos 3 grupos comunitrios atendidos por nossa pesquisa, para em seguida, realizar uma sequncia de dinmicas de grupo (fotos 6 a 8) durante as quais debatamos de que forma o turismo poderia colaborar para a superao daqueles entraves uma vida mais justa para todos. Cientes da heterogeneidade interna de cada lugar e das comunidades que os ocupavam, utilizamos a estatstica para apreender o que coletivamente era entendido como prioridade para cada31

comunidade. Durante as reunies, mostrvamos de forma clara que estvamos cientes das necessidades individuais de cada famlia, mas que para que o turismo pudesse de fato ser bom para todos, teramos que nos concentrar nos pontos que os uniam e no nos pontos que os diferenciavam entre si. Surpreendentemente, no foi difcil conseguir a cooperao entre os participantes das oficinas e no conjunto das 3 comunidades, elaborou-se 16 anteprojetos que foram encaminhados para os cuidados da Prefeitura. At o fechamento da pesquisa, 7 projetos haviam tido algum resultado ou estavam em processo de viabilizao.

Figuras 3, 4 e 5: Participantes das oficinas em cada uma das 3 comunidades Fonte: Portuguez (2010, p. 82).

Figuras 6,7 e 8: Dinmicas de grupo para elaborao de projetos de desenvolvimento local com base no turismo comunitrio. Fonte: Portuguez (2010, p. 517).

Como resultado desta experincia, observamos que o turismo precisa, para promover de fato o desenvolvimento comunitrio, ser focado na promoo do bem-estar em escala local e deve ser engendrado pelos atores sociais do lugar, nos moldes do que nos ensina Coriolano (2012). Para esta autora, o modelo dominante de turismo foca-se em interesses externos e na acumulao de lucros, de forma que no traz para os residentes das comunidades, os benefcios esperados e pelos quais se trabalha arduamente. Ao contrrio, o modelo comunitrio mostra-se mais adequado, pois promove maior articulao das bases locais e possvel, ainda que com lucros reduzidos, gerar no longo prazo os benefcios desejados pela coletividade local. Seabra (2007) nos mostra caminho semelhante ao propor para Serto nordestino, o que chamou de Turismo Sertanejo, que tambm se pauta no desenvolvimento a partir da mobilizao32

das bases comunitrias. tambm um contraponto ao modelo massificado do turismo litorneo, que degrada o meio cultural e natural e que no respeita as identidades locais. Quando envolvidas no processo de planejamento, os moradores se posicionam coletivamente sobre o que podem ou no acatar como mudanas aceitveis em suas vidas. Porm, observamos tambm que novos conflitos inevitavelmente surgem no seio da comunidade, pois o turismo no absorve de imediato todas as demandas sociais locais, mesmo quando planejado de baixo para cima. Neste ponto, o trabalho das lideranas se mostrou necessrio no sentido de manter a unidade dos grupos, por meio da mediao de interesses. Bom lembrar que o turismo uma atividade capitalista, seja ele planejado para o mercado global, seja ele planejado para pequenos fluxos. Por definio, ele no se justifica em lugares onde no geram lucratividade e seu papel primordial no a promoo da caridade e nem gerar de forma igualitria: emprego, renda e benefcios para todos. Por isto o amplo esclarecimento necessrio. por este motivo que as comunidades devem ter claro quais as suas expectativas com o lazer e o turismo e quais as limitaes destes setores produtivos para atender s demandas locais, sejam eles dinamizados isoladamente, ou associada a outras atividades econmicas.

PARA CONCLUIR

Com este breve trabalho, desejamos mostrar o quo complexo so os conceitos de desenvolvimento e de comunidade. Vimos que existem diferentes concepes destes temas, pois eles interessam no s ao meio acadmico, que por si s os vem como multifacetados, mas tambm aos setores produtivos e s polticas pblicas. Mas o fato de existirem noes diversificadas, no implica necessariamente em algo negativo. Ao contrrio, talvez tenhamos a uma riqueza que pode ser bastante til para as pessoas que operam o planejamento de base local, quer no mbito pblico, quer privado, quer no meio acadmico. A frico dos conceitos de lugar, comunidade e desenvolvimento nos permitiu observar que possvel trabalhar com estratgias alternativas de promoo do bem-estar baseadas nas necessidades das comunidades tursticas receptoras, focando o planejamento no enfrentamento das necessidades sociais no mbito do lugar. Para isto, necessrio entender que o modelo ps-fordista de desenvolvimento, orientado pela economia de mercado e focado no turismo de massa no serve como parmetro para a promoo do desenvolvimento de comunidades. Os atores sociais locais necessitam, neste caso, dotarem-se dos instrumentos necessrios para a promoo do desenvolvimento e, neste sentido, h um amplo espao para os novos profissionais de turismo e pesquisadores, que podem criar estratgias de capacitao de agendas locais de desenvolvimento.33

Como reflexo final, entendemos que no se trata, neste caso, de tutelar as comunidades. Necessitamos, como educadores, dar aos lderes locais os instrumentos necessrios para que as comunidades possam empreender suas agendas com autonomia e criatividade. Nosso papel como pesquisadores deve pautar-se nesta perspectiva, na busca de modelos que possam ser apropriados pelas comunidades, maiores interessadas e beneficirias da promoo do turismo de base local.

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O NOVO PAPEL ASSUMIDO PELA GESTO PUBLICA NO (RE) ARRANJO DO TURISMO LOCAL: REFLEXES ENTRE A TEORIA E A PRTICA

Paulo Sergio da SILVA Professor Doutor na Universidade Federal de Uberlndia UFU/ESTES

RESUMO

O objetivo desse artigo em expor a trajetria do turismo e destacar os projetos desenvolvidos pela gesto pblica no Brasil para o desenvolvimento desta atividade. Consiste tambm em fazer uma analise no mbito da esfera pblica e a efetivao destes projetos passando pelas iniciativas efetivadas no estado de Minas Gerais ao nvel municipal. Para atingir este objetivo foi realizada uma incurso histrica tendo como recorte temporal o incio dos anos de 1940, momento em que havia no Brasil uma tendncia pblica favorvel implantao dos cassinos. Posteriormente identificam-se as iniciativas pblicas em nvel federal voltadas para a elaborao de projetos tursticos destacando nesta esfera o Programa Nacional de Municipalizao do Turismo PNMT. Em nvel estadual (Minas Gerais), foi analisado tambm como a gesto pblica se organizou no sentido de promover a atividade e nele destaca-se a criao dos Circuitos Tursticos de forma a regionalizar e agrupar os lugares a partir das suas tendncias vocacionais ou mercadologicamente inventadas. E finalmente foi analisado o envolvimento da gesto pblica em nvel local e suas articulaes no sentido de tambm promover a atividade na municipalidade. Um resultado importante obtido aps toda esta anlise que h uma dificuldade muito grande entre o planejamento turstico e sua efetivao nos locais onde esto sendo implantados. Uma das questes a ser destacada nossa estrutura pluripartidria, em que nem sempre h um alinhamento entre as esferas pblicas, ou seja, a unio tem uma proposta que pode at se engajar na proposta do estado, mas no se enquadra politicamente no local. Desta forma assistimos criao de inmeros projetos eminentemente tericos e que em sua maioria no se efetivam pelo fato de que no serem capazes de considerar as particularidades locais e agem tratando as comunidades e os bens patrimoniais (materiais e imateriais) do lugar de forma padronizada e homognea. O resultado dessa falta de ateno refletido nas descontnuas aes percebidas nos municpios que ao tentarem implant-las, o poder pblico no consegue atingir satisfatoriamente a todos os segmentos envolvidos com a atividade turstica. PALAVRAS-CHAVE: Arranjos tursticos, desenvolvimento local, Projetos tursticos, Gesto Pblica.36

1 A INVENO DA ATIVIDADE TURSTICA: BREVE CONSIDERAO O turismo emerge sob a gide do capitalismo e se apresenta como uma atividade tpica dessa sociedade, principalmente ps-revoluo industrial, com uma capacidade mltipla de agregar diversos fatores para seu funcionamento, primeiramente individualista e altamente consumidores dos recursos naturais de forma desordenada. Talvez seja no ano de 1910 que esteja a mais antiga das definies sobre o turismo, fruto de um trabalho cientfico em que o economista austraco Hermann von Schullern zu Schattenhofen, In: Wharab (1977, p76-77) definiu como:

A soma das operaes, principalmente de natureza econmica, que esto diretamente relacionadas com a entrada, permanncia e deslocamento de estrangeiros para dentro e para fora de um pas, cidade ou regio.

Ao definir o turismo sob esta perspectiva, principalmente de natureza econmica e como uma atividade comercial especializada, exclui-se momentaneamente o sentido scio-cultural e todo envolvimento neste contexto. Para Walker (1991) o turismo uma soma, a cincia, a arte e a atividade comercial especializada em atrair e transportar visitantes, acomod-los, e atender com cortesia suas necessidades e desejos. Sob o olhar social, Trigo (2004, p. 12) analisa a atividade turstica como um possvel elo entre as pessoas.

Uma atividade humana intencional que serve como meio de comunicao e como elo de interao entre povos, tanto dentro como fora de um pas. Envolve o deslocamento temporrio de pessoas para outras regies ou pases visando satisfao de outras necessidades que no a de atividades remuneradas. (TRIGO, 2004, P. 18)

A atividade turstica surge ento da convergncia de diversos fatores e se transforma em prticas sociais diretamente relacionadas ao movimento e ao deslocamento espacial de pessoas, informaes e servios, como meio de comunicao e como elo de interao entre os povos, tornando-se evidente e necessrio sua abordagem tambm no contexto social. Beni (1997, p. 37) definiu o turismo como um elaborado e complexo processo de deciso sobre o que visitar, onde, como e a que preo. Nesse processo intervm inmeros fatores de realizao pessoal e social, de natureza motivacional, econmica, cultural, ecolgica e cientfica que ditam a escolha dos destinos, a permanncia, os meios de transporte e o alojamento, bem como o37

objetivo da viagem em si para a fruio tanto material como subjetiva dos contedos de sonhos, desejos, de imaginao projetiva, de enriquecimento existencial histrico-humanstico, profissional, e de expanso de negcios. Jafar Jafari (2002, P.109-113) define de forma holstica Turismo como sendo:O estudo do homem longe de seu local de residncia, da indstria que satisfaz suas necessidades, e dos impactos que ambos, ele e a indstria, geram sobre os ambientes fsico, econmico e sociocultural da rea receptora, (JAFARI 2002, P.109-113).

Neste contexto, o turismo, ao possuir essas caractersticas de forma multifacedatada e multidisciplinar, nas diversas reas de conhecimento que a ele se relaciona, pode ser definido de acordo com seus prprios interesses e para atender ao interesse especfico do objeto de estudo. Iniciativas da gesto pblica para o turismo no Brasil Os dados econmicos divulgados pela Organizao Mundial do Turismo OMT (2009) revelaram uma forte relao entre o ambiente econmico e o crescimento do turismo, registrado entre os anos de 1975 a 2008 em um ritmo mdio anual de 4,4%, enquanto que o crescimento econmico medido pelo Produto Interno Bruto no Brasil ficou em torno de 4,5%. Nesse contingente de nmeros favorveis proposta da gesto pblica em nvel federal para o turismo, descentralizou o Plano Nacional de Turismo, buscando fomentar a consolidao de uma rede de entidades e instituies em todo o territrio nacional, envolvendo polticas pblicas nas trs esferas de governo, na iniciativa privada e no terceiro setor. Nesse conjunto de atores relacionados ao turismo, vem promovendo aes locais no sentido de buscar sua consolidao. Uma das propostas sobreviventes nos ltimos anos (1998 a 2010) est relacionada ao Programa de Regionalizao do Turismo, lanado pelo Ministrio do Turismo em 2004, o qual apresentou ao pas uma nova perspectiva para o turismo brasileiro por meio de uma gesto descentralizada, estruturada pelos princpios da articulao entre os setores. Um dos grandes objetivos desse programa consistiu na desconcentrao da oferta turstica at ento predominantemente localizada no litoral, propiciando uma interiorizao da atividade e a incluso de novos destinos nos roteiros comercializados. A regionalizao do turismo consistiu na ampliao das aes centradas nas aes municipais que em 2006, segundo Ministrio do Turismo, era composta por 249 regies tursticas com cerca de 3.600 municpios envolvidos. Essas propostas de alavancar o turismo em todo territrio nacional indicaram que a atividade avanou significativamente nos ltimos anos, mas ainda apresenta grandes limitaes quanto ao seu potencial de desenvolvimento em virtude de uma srie de comprometimentos diretamente ligados aplicao das aes planejadas pela gesto local.38

Considerando o estgio atual do desenvolvimento da atividade no pas, de acordo com as informaes e dados apresentados pelo Ministrio do Turismo, secretarias regionais e o trade turstico de forma geral, apontam as questes relacionadas principalmente gesto da atividade. Muito se avanou na consolidao de um ambiente de discusso e reflexo sobre a atividade por meio da proposta de gesto descentralizada via Plano Nacional do Turismo, que estabeleceu fruns de discusso entre o poder pblico e a iniciativa privada, porm a efetivao ainda no encontrou o caminho que converge a uma ligao entre os ambientes tericos e prticos. Dessa forma, os municpios se esforam no sentido de integrar os resultados desses diversos fruns s diversas propostas e instncias do poder pblico, de modo a alcanar os destinos tursticos.

2 A TRAJETRIA DOS PROJETOS GOVERNAMENTAIS PARA O TURISMO BRASILEIRO: DIFICULDADE DE EFETIVAO

As polticas pblicas para o turismo brasileiro tiveram sua evoluo marcada, principalmente, por alteraes bruscas no seu direcionamento, visveis na prpria gesto da poltica nacional para o turismo nas ltimas quatro dcadas. A descontinuidade nas aes do governo federal torna-se preocupante por demonstrar fragilidade em relao s aes governamentais apontadas no conjunto das relaes estruturais propostas por Beni (1997) em que considera a necessidade de integrar as esferas pblicas na gesto do turismo. Segundo Cruz (2000) ao escrever sobre a primeira poltica nacional para o turismo em nvel nacional, lanada em 1966, no significa que no tenha havido anteriormente outras polticas federais para a atividade. Alguns fatos merecem destaque ao longo da trajetria das medidas tomadas no planejamento do turismo brasileiro. Uma delas est registrada pelo Decreto-lei 9215 de 30 de abril de 1946, da vigncia do artigo 50 e seus pargrafos da Lei de Contravenes Penais 5, no qual declarava nulas as licenas, concesses ou autorizaes emitidas pelos rgos federais, estaduais e municipais, para o funcionamento de cerca de 70 cassinos no Brasil, desencadeando desemprego a mais de 53 mil funcionrios diretamente ligados ao setor turstico. Outro fato importante, e cerca de vinte anos aps, est associado ao Decreto-Lei no. 55.66 de 18 de novembro de 1966, hoje revogado, no qual estabelece a criao da Empresa Brasileira de Turismo EMBRATUR. Em pleno regime poltico militar registra a interveno governamental nas aes da atividade turstica brasileira.5

Decreto-Lei n. 3688, de 2 de outubro de 1941

39

A lei define que a poltica nacional de turismo cria o Conselho Nacional de Turismo e a Empresa Brasileira de Turismo, isto , enquanto o Conselho regimenta a funo normativa, a EMBRATUR desempenharia a funo executiva. O Conselho Nacional do Turismo, rgo superior EMBRATUR, composto por representantes do governo, sendo a maioria da prpria EMBRATUR e do trade6 como hotis, transportadoras e agncias de viagem. Segundo Beni (1997) o modelo de gesto do turismo que segue os anos posteriores a 1966 possui caractersticas descentralizadoras, porm, influencia de forma substancial nas decises sobre o desenvolvimento de produtos e servios tursticos com caractersticas centralizadoras. As decises sobre o caminho do planejamento do turismo no Brasil passavam pela aprovao do Conselho e eram executadas pela EMBRATUR. At o final do regime militar, toda e qualquer atividade que estivesse ligada ao setor turstico deveria ser obrigatoriamente registrada, autorizada e fiscalizada pela EMBRATUR que, amparada pelo artigo 13 do Decreto 55.66, atribua a ela fomentar e financiar diretamente iniciativas, planos, programas e projetos que visem ao desenvolvimento da indstria do turismo, na forma estabelecida e regulamentada pelo Decreto-Lei ou com resolues do Conselho Nacional do Turismo. Nesse sentido, a ditadura militar, durante todo esse perodo, deteve o controle sobre o desenvolvimento do turismo no Brasil e tambm pela divulgao da imagem do pas no exterior. No ano seguinte, a Embratur, em sua funo estatal, tentava organizar o turismo em nvel nacional como uma receita para a soluo dos visveis problemas estruturais brasile