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A Economia Portuguesa no Contexto da Integrao Econmica, Financeira e Monetria

Departamento de Estudos Econmicos Banco de Portugal

A Economia Portuguesa no Contexto da Integrao Econmica, Financeira e Monetria

c Banco de Portugal, 2009 Rua do Comrcio, no 148 1100-150 Lisboa

Fotograa da capa: c Almada Negreiros, SPA 2009 Design da capa: Marta Figueiredo

Impresso: Tipograa Peres, S.A. Tiragem: 1000 exemplares ISBN: 978-989-8061-98-0 Depsito Legal no : 301003/09

ContedoPrefcio Apresentao Bibliograa xi xv xxxv

1 Um olhar participante sobre a rea do euro: dinmica, heterogeneidade e polticas 1.1 Introduo 1.2 A dinmica da rea do euro: choques e frices 1.2.1 Propriedades dos ciclos econmicos na rea do euro 1.2.2 Identicao de choques na rea do euro: evidncia com base em VARs 1.2.3 A transmisso de choques luz de um modelo DSGE de dois pases 1.3 Mecanismos de ajustamento na rea do euro 1.3.1 Alguns factos sobre a heterogeneidade no crescimento do PIB e na inao na rea do euro 1.3.2 Ajustamentos em equilbrio geral numa unio monetria 1.3.3 Comentrios nais sobre o ajustamento numa unio monetria 1.4 O papel da poltica monetria numa unio monetria 1.4.1 Poltica monetria numa economia fechada 1.4.2 Poltica monetria numa unio monetria 1.4.3 Unio monetria e poltica oramental 1.5 Concluses Bibliograa 2 A economia portuguesa no contexto europeu: estrutura, choques e polticas

1 1 4 5 7 12 22 23 25 41 42 43 49 53 56 60

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2.1 2.2

Introduo Alguma evidncia emprica 2.2.1 Caractersticas estruturais 2.2.2 Caractersticas cclicas 2.3 A utilizao de modelos na anlise de choques e frices 2.3.1 O papel dos modelos na anlise macroeconmica 2.3.2 PESSOA: um modelo DSGE para a economia portuguesa 2.4 Choques e frices na economia portuguesa 2.4.1 O abrandamento da produtividade 2.4.2 A reduo do prmio de risco das taxas de juro 2.4.3 O aumento da concorrncia no comrcio internacional 2.4.4 O desequilbrio e a consolidao oramental 2.5 A maior concorrncia no mercado interno: uma oportunidade 2.6 Concluso Bibliograa 3 A Formao dos Preos e Salrios em Portugal 3.1 Introduo 3.2 Evidncia sobre rigidez de preos e salrios 3.2.1 Alguns factos estilizados sobre a formao dos preos em Portugal 3.2.2 A negociao salarial em Portugal: evidncia com base em informao do inqurito 3.2.3 Rigidez dos salrios e rigidez dos preos: anlise comparativa 3.2.4 Explicaes para a rigidez de preos e salrios 3.3 Determinao dos salrios 3.3.1 A natureza conspcua do mercado de trabalho portugus 3.3.2 O impacto do salrio mnimo no emprego 3.3.3 A almofada salarial 3.3.4 Poder dos insiders 3.3.5 Salrios e o risco de perda de emprego 3.3.6 As perdas salariais aps o encerramento da empresa 3.3.7 A quebra recente da sensibilidade cclica dos salrios reais 3.4 Dinmica dos preos e salrios agregados

65 68 68 74 79 79 85 90 91 100 109 118 133 147 150 155 155 157 158 163 168 171 175 175 177 178 181 183 187 191 194

Um modelo macro para preos e salrios numa economia aberta 3.4.2 Anlise economtrica 3.4.3 Identicao dos choques estruturais 3.4.4 Respostas a impulsos 3.4.5 Flutuaes de preos e salrios 3.5 Concluses Bibliograa 4 Desemprego: Oferta, procura e instituies 4.1 Introduo 4.2 Enquadramento terico da taxa natural de desemprego 4.2.1 O conceito de taxa natural 4.2.2 Controvrsias em torno da taxa natural 4.2.3 Uma abordagem baseada na oferta, procura e em instituies 4.3 Estimativas da taxa natural 4.3.1 Base de dados 4.3.2 Evidncia emprica 4.4 Factores demogrcos e a taxa de desemprego 4.5 Factores SDI em Portugal 4.6 Determinantes SDI da taxa natural 4.7 Concluso Bibliograa 5 Um retrato do comrcio internacional portugus 5.1 Introduo 5.2 Literatura emprica de comrcio internacional: breve resumo 5.2.1 Anlise de quota de mercado constante 5.2.2 Vantagem comparativa revelada 5.2.3 Comrcio intra-industrial 5.2.4 Fragmentao internacional da produo 5.2.5 Relaes entre comrcio intra-industrial, fragmentao e IDE 5.2.6 Exportadores heterogneos 5.3 Abertura da economia portuguesa 5.4 Anlise de quota de mercado constante das exportaes portuguesas 5.4.1 Metodologia e dados 5.4.2 Principais resultados

3.4.1

195 198 200 202 209 211 213 219 219 222 223 226 227 230 231 234 237 241 246 254 256 263 263 267 268 270 271 272 275 276 277 280 281 283

5.5

Vantagem comparativa revelada 5.5.1 Metodologia e dados 5.5.2 Especializao das exportaes portuguesas 5.5.3 Especializao das importaes portuguesas 5.6 Comrcio intra-industrial 5.6.1 Metodologia e dados 5.6.2 Principais resultados 5.7 Fragmentao e especializao vertical 5.7.1 Metodologia e dados 5.7.2 Principais resultados 5.8 Factos estilizados das empresas exportadoras portuguesas 5.9 Concluso Bibliograa 6 Finanas pblicas em Portugal: tendncias e desaos 6.1 Introduo 6.2 As principais tendncias dos desenvolvimentos oramentais em Portugal no perodo 1986-2008 6.2.1 Perspectiva geral 6.2.2 Receita 6.2.3 Despesa 6.2.4 Dvida pblica 6.3 Sustentabilidade das nanas pblicas e despesa com penses em Portugal 6.3.1 O conceito e a medio da sustentabilidade das nanas pblicas 6.3.2 Projeces a longo prazo para a despesa relacionada com o envelhecimento da populao 6.3.3 Estimativas para os indicadores de sustentabilidade 6.4 Ecincia da despesa pblica em Portugal: os casos da sade e da educao 6.4.1 Enquadramento 6.4.2 Ecincia no sector da sade 6.4.3 Ecincia no sector da educao 6.5 O mercado de trabalho do sector pblico em Portugal 6.5.1 Enquadramento 6.5.2 Caracterizao geral do mercado de trabalho do sector pblico 6.5.3 Trabalhadores e salrios 6.5.4 Trabalhadores licenciados: a interaco entre os mercados de trabalho pblico e privado

290 292 293 298 300 300 302 305 306 308 313 322 325 339 339 341 341 345 353 363 366 366 368 373 376 376 380 390 400 400 403 405 410

6.5.5 Rigidez salarial e remunerao do desempenho 6.6 Concluses Bibliograa 7 Integrao nanceira, estruturas nanceiras e as decises das famlias e das empresas 7.1 Introduo 7.2 Mercados e instituies nanceiras 7.2.1 A liberalizao, integrao e desenvolvimento nanceiro da economia portuguesa 7.2.2 Evidncia sobre o desempenho dos bancos portugueses 7.3 Decises das famlias e das empresas 7.3.1 Famlias 7.3.2 Empresas 7.4 Concluso e discusso das principais vulnerabilidades do sistema nanceiro portugus Bibliograa

412 413 416 423 423 426 426 458 477 477 515 548 555

PrefcioA investigao econmica considerada pelo Banco de Portugal, desde h muito, como uma actividade fundamental para apoiar o desenvolvimento das suas principais funes: manter a estabilidade de preos e a estabilidade nanceira. A importncia da investigao econmica, fundamental e aplicada, manifesta-se na qualidade e rigor tcnicos da anlise econmica do Banco e consequentemente na qualidade do aconselhamento de poltica relativamente economia portuguesa e rea do euro, bem como numa interveno ecaz no Eurosistema. A qualidade do trabalho de investigao do Departamento de Estudos Econmicos foi tambm reconhecida em avaliaes independentes com uma classicao nos lugares cimeiros no mbito dos Bancos Centrais do Eurosistema, contribuindo para sustentar a posio de prestgio deste Departamento. A divulgao da anlise e investigao realizadas constitui um veculo primordial de informao dos agentes econmicos, o que particularmente relevante para o processo de formao de expectativas. Nesta perspectiva, o Banco de Portugal edita um leque abrangente de publicaes econmicas que visam cobrir um conjunto alargado de audincias. O presente livro constitui disso um excelente exemplo. Produto da investigao independente de economistas do Departamento de Estudos Econmicos do Banco de Portugal, este volume pretende contribuir para um debate substantivo sobre a economia portuguesa no contexto da sua integrao econmica, monetria e nanceira na Unio Europeia e na rea do euro. As concluses expressas correspondem em larga medida ao que as publicaes do Banco tm procurado reectir ao longo dos ltimos anos sobre o ajustamento da nossa economia ao choque da integrao na unio monetria europeia que nos inseriu num novo regime de poltica econmica. Em tempos, caracterizei assim esse novo regime: reduo consistente do custo do capital; substituibilidade acrescida de activos nanceiros; aumento de riqueza por reduo das taxas de juro e diminuio de restries de liquidez; mudana de signicado da balana externa corrente e primazia do risco de xi

crdito dos agentes econmicos.1 Como pas membro da rea do euro, Portugal deixou de sofrer do que Eichengreen e Hausmann designaram por pecado original,2 i.e., a diculdade em emitir instrumentos de dvida de longo prazo a taxa xa e/ou na sua prpria moeda nos mercados externos. Neste novo quadro, os aspectos macroeconmicos necessrios a uma participao bem sucedida na unio monetria dependem essencialmente da interiorizao por parte dos agentes econmicos de novas regras relativas poltica oramental e ao comportamento dos custos salariais. De facto, a poltica oramental dever poder exercer um papel contra-cclico absorvendo choques de natureza temporria. Adicionalmente, a determinao dos salrios tem que tomar como referncia os desenvolvimentos salariais nos parceiros comerciais, com destaque para a rea do euro, podendo desviar-se deles apenas quando existir um diferencial de crescimento da produtividade.3 Vrios captulos do livro do conta das consequncias de Portugal nem sempre ter seguido estas orientaes e, a par de problemas estruturais de mais longo prazo, identicam bem o que ainda temos de fazer para voltarmos a uma trajectria de convergncia real com os nossos parceiros europeus. Para alm da investigao aplicada ao caso portugus, este livro reecte tambm, de forma paradigmtica, a conuncia que se registou nos ltimos anos entre a investigao acadmica e a pesquisa terica com vista a aplicaes de poltica desenvolvida nos Bancos Centrais. Nessa perspectiva, so relevantes os contributos empricos e tericos que se encontram nos textos aqui reunidos. Exemplo cimeiro do resultado da integrao da investigao econmica das Universidades e nos Bancos Centrais , sem dvida, o desenvolvimento de modelos estocsticos de equilbrio geral (DSGE) que hoje moldam o pensamento macroeconmico dominante. Desses modelos se encontram exemplos no livro, ilustrando o facto de ter sido nos Bancos Centrais que essa metodologia aplicada oresceu. No entanto, tal como referido na Apresentao que se segue, de notar que estes modelos sofrem de vrias limitaes. Na minha opino, sobretudo os de primeira gerao, no integravam o fenmeno do desemprego involuntrio; ignoravam o papel do Estado, tratando as despesas pblicas como mero desperdcio (noVer Vtor Constncio (2004) European monetary integration and the Portuguese case em C. Detken, V. Gaspar e G. Noblet The new EU member States: convergence and stability, 3rd ECB Central Banking Conference, Outubro. 2 B. Eichengreen e R. Hausmann (1999) Exchange rates and nancial stability in New Challenges for Monetary Policy na Conferncia organizada pela Federal Reserve de Kansas City em Jackson Hole. 3 Ver Vtor Constncio, ibid.1

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contribuindo nem para o bem-estar nem para aumentar a capacidade produtiva) e os dces oramentais como neutros para a actividade econmica, sujeitos como eram hiptese irrealista da equivalncia dita ricardiana; no incluam problemas nanceiros, na esteira do teorema de Modigliani-Miller e da hiptese dos mercados ecientes que admitiam a ausncia de frices nanceiras e a inexistncia de bolhas especulativas identicveis. A hiptese geral dos modelos estarem povoados apenas por agentes dotados de expectativas racionais que conhecem estocasticamente o futuro (salvo os efeitos de choques aleatrios) diculta a considerao de comportamentos hoje bem documentados pelas Finanas Comportamentais, como sejam os que decorrem da diculdade de processar a informao, da inteligncia emocional ou de simples modas ou comportamento em rebanho. Apesar das vantagens de uma anlise de equilbrio geral, as fragilidades destes modelos foram evidenciadas pela recente crise nanceira que, na sequncia de diversas bolhas nos mercados de activos, abalou a economia mundial. O trabalho mais profcuo para rever e incorporar novos aspectos neste tipo de modelos, tendo em vista melhorar a anlise macroeconmica, est precisamente a ser realizado nos Departamentos de Estudos Econmicos dos Bancos Centrais. Este livro uma demonstrao que o Banco de Portugal continua a trabalhar, com prossionalismo e rigor, na fronteira do conhecimento, pelo que estou certo que os textos que se seguem contribuiro para o progresso do debate sobre a economia portuguesa e da investigao econmica em Portugal.

O Governador Vtor Constncio

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ApresentaoNuno Alves, Mrio Centeno e Ana Cristina Leal

Nas duas ltimas dcadas, a economia portuguesa registou importantes mudanas de regime. Neste contexto, alteraram-se substancialmente as regras de interaco econmica e os incentivos com que se defrontam os agentes econmicos. Em primeiro lugar, observou-se um forte aumento do grau de integrao econmica, inicialmente com a participao na Comunidade Econmica Europeia e posteriormente no quadro de intensicao do processo de globalizao, caracterizado por uma crescente concorrncia a nvel global. Em segundo lugar, a economia portuguesa encetou uma rpida integrao nanceira na dcada de 90, potenciada pela participao na rea do euro e pela eliminao do risco cambial, que alargou as possibilidades de nanciamento externo e de diversicao das aplicaes nanceiras dos agentes econmicos. Finalmente, a prpria unicao monetria promoveu uma evoluo para um regime caracterizado por taxas de juro e de inao estruturalmente mais baixas e com menor volatilidade. Neste perodo, a economia portuguesa evidenciou um conjunto de traos que importa sublinhar. O rendimento per capita convergiu signicativamente para a mdia da Unio Europeia entre 1986 e 2000, o que contrasta com o perodo de divergncia real gradual na presente dcada. No obstante, em termos cclicos, a economia portuguesa evidenciou uma elevada correlao com o ciclo econmico da rea do euro. A taxa de desemprego estrutural, que se manteve estvel at ao incio da presente dcada, apresentou desde ento uma trajectria ascendente. O endividamento do sector privado aumentou substancialmente, em particular aps meados da dcada de 90, o que sustentou um hiato entre a procura e a oferta internas, reectido em dces signicativos da balana corrente e de capital. Em termos estruturais, o peso dos servios no total do emprego e da produo aumentou xv

substancialmente, em detrimento da indstria e, em menor medida, da agricultura. Por seu turno, o grau de abertura da economia - medido pelo peso das exportaes e importaes reais no PIB - aumentou substancialmente, tendo-se tambm observado um acrscimo do comrcio intra-industrial, um gradual movimento no sentido de exportaes de bens com maior contedo tecnolgico e, mais recentemente, um aumento do peso das exportaes de servios. O nvel de capital humano em termos de quantidade e qualidade evoluiu apenas muito gradualmente nas ltimas dcadas. Finalmente, o dce oramental estrutural manteve-se persistentemente elevado, embora com uma signicativa volatilidade. Neste perodo, o peso das despesas e receitas estruturais das administraes pblicas no PIB tendencial aumentou sistematicamente, registando-se no caso das despesas pblicas uma convergncia plena com o observado no conjunto da rea do euro. Estes traos ilustram o potencial analtico do caso portugus enquanto exemplo dos desaos de uma pequena economia aberta num quadro de integrao econmica, nanceira e monetria. O presente livro procura explorar este potencial, apresentando vrios olhares cruzados sobre a evoluo da economia portuguesa nas dcadas mais recentes (para outros contributos relevantes integrando diferentes perspectivas sobre a economia portuguesa, veja-se Amaral, Lucena e Mello (1992), Barbosa (1998) e Franco (2008)). Este livro tem trs objectivos fundamentais. Em primeiro lugar, pretende-se apresentar uma viso abrangente da economia portuguesa nas ltimas duas dcadas. Naturalmente, a abordagem no pretende ser exaustiva. De facto, a evoluo de uma economia o resultado de mltiplas interaces entre agentes heterogneos, enquadradas por instituies que regulam as relaes contratuais e a estrutura de mercados, por decises de poltica (correntes e esperadas), bem como por uma mirade de choques que em cada momento afectam os incentivos e as decises individuais. Em segundo lugar, o presente volume pretende cruzar contributos empricos e tericos, bem como integrar bases de dados e instrumentos de natureza microeconmica e macroeconmica. Desta forma, cada captulo aborda uma questo especca sob diferentes prismas e com base em instrumentos distintos. Idealmente, a leitura integrada dos vrios captulos permitir obter uma panormica mais rica sobre as caractersticas e o funcionamento da economia portuguesa, bem como contribuir instrumentalmente para o processo de formulao de polticas. Em terceiro lugar, o livro visa enriquecer o debate acadmico sobre a economia portuguesa e abrir vias de investigao futura. Os vrios ensaios, elaborados por economistas do Departamento de Estudos Econmicos do Banco de Portugal, recorrem a diversos instrumentos empricos e tericos,

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permitindo um olhar fundamentado e consistente sobre a evidncia econmica. Para alm de investigao recente, os vrios captulos compilam igualmente contributos publicados ao longo dos ltimos anos pelo Banco de Portugal, em particular em artigos no Boletim Econmico e no Relatrio de Estabilidade Financeira, bem como nas sries de Working Papers e Occasional Papers. Neste contexto, o livro dirige-se essencialmente a um pblico com algum conhecimento em economia, embora possa ser igualmente de interesse para leitores menos especializados. Um conjunto vasto de referncias no nal de cada captulo poder orientar o leitor para a literatura mais tcnica, tipicamente no connada ao caso portugus. Esta apresentao pretende sublinhar o potencial associado leitura integrada do livro, desenvolvendo de forma breve trs temticas transversais aos vrios captulos: a importncia do quadro de incentivos que os agentes econmicos enfrentam; a complementaridade entre as anlises micro e macroeconmicas; e, o desao do aumento sustentado do crescimento da economia portuguesa. Sublinhe-se que estas questes esto naturalmente longe de esgotar as principais concluses dos vrios captulos. Esta apresentao termina com uma breve sinopse de cada um dos sete captulos do livro. Mudanas de regime e estrutura de incentivos Os agentes econmicos interagem continuamente nos mercados, tomando decises com base nas suas preferncias, tendo em conta as suas interpretaes dos desenvolvimentos econmicos passados e as suas expectativas quanto ao futuro, e estando sujeitos a restries oramentais intertemporais. Nesta interaco, os indivduos e as empresas respondem estrutura de incentivos que enfrentam, ou seja, aos retornos individuais e sociais decorrentes de cada uma das suas decises. Os ensaios do presente volume apresentam inmeros exemplos de como importantes decises dos agentes econmicos em Portugal resultaram de alteraes na sua estrutura de incentivos. Nesta seco, destacamos a ttulo ilustrativo quatro dimenses em que se compreende o impacto destas alteraes: (i) as decises de poltica monetria do BCE; (ii) as decises de poltica oramental; (iii) as alteraes das vantagens comparativas da economia portuguesa nas duas ltimas dcadas; e, (iv) a mudana de regime associada participao na rea do euro. As decises de poltica afectam directamente a estrutura de incentivos dos indivduos e das empresas. No caso da poltica monetria, importa distinguir entre os choques de poltica monetria e alteraes no objectivo de inao da regra de poltica monetria (este ltimo caso ser descrito mais xvii

abaixo no contexto da avaliao da introduo do euro). O Captulo 1 do presente volume ilustra, com base em modelos empricos e tericos, o impacto de uma alterao no antevista das taxas de juro na rea do euro. Em equilbrio geral, uma descida temporria da taxa de juro altera o retorno esperado actualizado do investimento em capital fsico e cria um desincentivo poupana no curto prazo. Esta dinmica tem efeitos expansionistas sobre o consumo e o investimento ao longo de vrios trimestres. No caso de uma fraco importante dos agentes se encontrar endividada e existirem frices nos mercados nanceiros, estes efeitos tendem a ser exacerbados por via do chamado acelerador nanceiro (ver Bernanke, Gertler e Gilchrist (1999)). Em termos nominais, a inao e os salrios reagem de forma relativamente mitigada no curto prazo, dada a existncia de rigidez nominal (no Captulo 3 apresenta-se evidncia relativa ao caso portugus). No longo prazo, o choque monetrio temporrio afecta apenas o nvel de preos e no tem efeitos reais sobre a economia. A evoluo no antevista das taxas de juro do mercado monetrio da rea do euro ao longo de 2008 e 2009 com uma forte subida at ao terceiro trimestre de 2008 e uma acentuada queda posterior repercutiu-se nas expectativas e decises dos agentes econmicos em linha com os factos estilizados acima descritos. Em Portugal, a reaco a estes choques de poltica monetria ter sido particularmente marcada. Esta observao decorre inter alia do elevado grau de endividamento do sector privado incluindo o facto de as famlias mais endividadas apresentarem uma maior propenso a consumir e da indexao generalizada das taxas de juro dos emprstimos s taxas do mercado monetrio (veja-se o Captulo 7 do presente volume para mais informao sobre estes elementos). No que se refere s decises de poltica oramental, existe actualmente uma discusso acesa entre os economistas sobre a dimenso dos multiplicadores oramentais. Esta discusso foi desencadeada no contexto das medidas de resposta crise econmica e nanceira a nvel internacional, implementadas de forma generalizada desde o nal de 2008. Diferentes esquemas de identicao emprica e diferentes estruturas de modelao terica tm implicaes radicalmente distintas no que concerne ao efeito da poltica oramental sobre as decises das famlias e das empresas. No centro da discusso reside o grau de validade emprica do princpio da equivalncia ricardiana, que arma que uma diminuio de impostos nanciada pela emisso de dvida pblica no estimula a despesa privada, dado que os agentes incorporam na sua restrio oramental intertemporal a subida de impostos futura para nanciar aquela dvida (ver Mankiw (2009)). Independentemente dos argumentos aduzidos na literatura, a experincia por-

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tuguesa na ltima dcada ilustra de forma clara que a poltica oramental pode ter importantes efeitos sobre a dinmica da economia (veja-se o Captulo 6 para uma descrio dos principais desenvolvimentos da poltica oramental desde 1986 e o Captulo 2 para uma avaliao em contexto de equilbrio geral do impacto sobre a economia de choques de poltica oramental). De facto, durante a transio para o euro e no incio da participao na rea, a poltica oramental foi claramente pr-cclica, o que exacerbou o dinamismo da economia e as expectativas de crescimento no nal da dcada de 90. A natureza expansionista da poltica oramental ter assim contribudo para a reviso marcada das expectativas de crescimento potencial da economia no incio da presente dcada. Posteriormente, a sucessiva reviso dos planos e objectivos oramentais, associada persistncia de facto de um dce excessivo na economia portuguesa, aumentou a incerteza dos agentes econmicos e contribuiu para acentuar o fraco dinamismo da procura interna. Finalmente, e j num contexto de baixo crescimento da economia, a poltica oramental assumiu novamente uma natureza pr-cclica na maioria dos anos. Em suma, a experincia portuguesa aponta indiscutivelmente para a importncia da criao de um quadro oramental previsvel no mdio prazo, que assegure a estabilidade do conjunto de incentivos denidos pelas autoridades oramentais. Uma terceira dimenso em que os agentes econmicos nacionais registaram uma mudana substancial na sua estrutura de incentivos ao longo das duas ltimas dcadas residiu na signicativa alterao das vantagens comparativas da economia portuguesa, no quadro de uma intensicao do processo de globalizao. Importa recordar que, data da adeso Comunidade Econmica Europeia, existia uma marcada diferena relativa de dotao de recursos entre Portugal e os seus congneres europeus. Em particular, Portugal apresentava uma dotao de capital humano particularmente baixa, com uma escolaridade mediana dos indivduos em idade activa de 4 anos, uma baixa dotao de capital fsico por trabalhador e uma baixa incorporao de novas ideias e tecnologias. Esta diferena de dotao de recursos face aos restantes parceiros europeus implicava a existncia de fortes ganhos potenciais de comrcio. No surpreendentemente, o aproveitamento das vantagens comparativas da economia portuguesa gerou um signicativo aumento do grau de abertura da economia e a emergncia de projectos de investimento directo estrangeiro, inicialmente em sectores de baixa e mdia-baixa tecnologia e, mais tarde, em sectores de mdia-alta tecnologia. Deste modo, at ao incio da dcada de 90, observou-se um signicativo ganho nas quotas de mercado das exportaes portuguesas (o Captulo 5 do presente livro apresenta uma viso detalhada sobre esta evo-

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luo). No entanto, a crescente participao no comrcio internacional de novos parceiros comerciais desde meados da dcada de 90 implicou uma alterao substantiva do enquadramento externo da economia portuguesa. Por um lado, a perspectiva de integrao das economias do leste europeu na Unio Europeia implicou uma concorrncia acrescida de pases que apresentavam uma vantagem comparativa face economia portuguesa em vrios sectores de mdia-alta tecnologia, fruto de uma superior dotao em termos de capital humano. Por outro lado, a integrao crescente das economias asiticas no comrcio mundial com destaque para a China fruto da diminuio de barreiras ao comrcio no quadro da Organizao Mundial do Comrcio, implicou uma perda signicativa e inelutvel da capacidade competitiva da economia portuguesa em sectores de baixa tecnologia. Esta evoluo das vantagens comparativas da economia portuguesa ocorreu num contexto em que as fragilidades estruturais da economia portuguesa nomeadamente em termos do nvel de capital humano da populao activa e do funcionamento de instituies fundamentais no se dissiparam em termos relativos. Deste modo, observou-se uma signicativa perda nas quotas de mercado das exportaes portuguesas na ltima dcada. Na verdade, o baixo nvel de qualicaes na economia portuguesa foi duplamente penalizador para o desempenho da economia no passado recente, dado que a prevalncia de um progresso tecnolgico enviesado para as maiores qualicaes implicou que Portugal no pudesse aproveitar plenamente as oportunidades decorrentes do progresso tecnolgico global, o que contribuiu inter alia para a desacelerao recente da produtividade (veja-se o Captulo 2 para uma discusso destes desenvolvimentos). Ainda que em traos largos, a histria recente da evoluo das vantagens comparativas nacionais ilustra como vulnerabilidades latentes na economia e na sociedade que num determinado momento podem mesmo ser confundidas como oportunidades acabam por emergir inevitavelmente no quadro de alteraes do enquadramento externo. Uma ltima dimenso que importa sublinhar em termos de alterao da estrutura de incentivos das famlias e das empresas decorre da participao da economia portuguesa na rea do euro. Esta correspondeu a uma verdadeira mudana de regime, com implicaes nas decises de todos os agentes econmicos (ver Fagan e Gaspar (2007)). Importa aqui distinguir dois perodos distintos, antes e aps a unicao monetria. A evoluo da economia portuguesa no perodo de convergncia nominal, visando a participao na rea do euro, reectiu a importncia das expectativas e da credibilidade das regras de poltica monetria. De facto, observou-se neste perodo uma descida gradual e signicativa das taxas de juro de curto e

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longo prazo, associada a uma diminuio concomitante da taxa de inao, a que correspondeu um signicativo efeito riqueza positivo para a economia. Como seria de esperar, os agentes econmicos reagiram a esta alterao de incentivos. Assim, observou-se uma expanso das despesas de consumo e investimento das famlias e das empresas, uma diminuio das respectivas taxas de poupana, um aumento do endividamento e uma apreciao da taxa de cmbio real. Todos estes desenvolvimentos reectiram, pelo menos em parte, a alterao das propriedades de longo prazo da inao e das taxas de juro, que implicaram tambm alteraes permanentes no nvel de equilbrio sustentado da economia. Note-se, no entanto, que no possvel quanticar de forma precisa que parcela da dinmica observada das variveis macroeconmicas teve uma natureza cclica e que parcela reectiu a transio de equilbrio entre estados estacionrios distintos da economia (vejam-se os Captulos 2 e 7 para uma interpretao detalhada destes desenvolvimentos). J no novo regime monetrio, caracterizado por taxas de juro e de inao relativamente estveis e baixas, pela ausncia de risco cambial e por um fcil acesso ao nanciamento externo (pelo menos at recente crise nanceira global), observou-se um ajustamento endgeno gradual das famlias e das empresas face a choques econmicos. Vrios elementos inter-dependentes e relacionados com os incentivos do novo regime contriburam para este facto. Em primeiro lugar, no contexto de uma unio monetria, a capacidade de ajustamento endgeno da economia depende crucialmente da qualidade e mobilidade dos recursos, dimenses nas quais a economia portuguesa continuou a apresentar signicativas fragilidades (veja-se o Captulo 1 para uma descrio dos mecanismos de ajustamento numa unio monetria formada por pases heterogneos). Em particular, a forte segmentao do mercado de trabalho em Portugal caracterizada pela existncia de uma elevada proporo de contratos a termo no emprego total e de uma acentuada incidncia de desemprego de longa durao promove margens de inecincia na remunerao marginal dos factores produtivos e implica uma distoro dos incentivos mobilidade de recursos humanos no mercado de trabalho (vejam-se os Captulos 3 e 4 para mais detalhes sobre o funcionamento do mercado de trabalho em Portugal). Em segundo lugar, no quadro de uma unio monetria, os mercados nanceiros podem no gerar incentivos sucientemente fortes para a correco de eventuais dces excessivos registados pelas pequenas economias da unio, nomeadamente atravs de alteraes signicativas do prmio de risco da dvida pblica, como ilustrado pela evoluo das nanas pblicas portuguesas. Este facto tem dicultado a implementao ecaz das regras denidas no

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quadro do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Em terceiro lugar, o aumento da integrao nanceira da economia portuguesa, no seio da rea do euro e a nvel global, permitiu uma maior partilha de risco face a choques idiossincrticos e temporrios sobre o rendimento e a riqueza dos agentes. Por um lado, este processo aumentou o conjunto de oportunidades de escolha dos agentes, reduziu a diferenciao entre os respectivos pers de risco e diminuiu ceteris paribus o nmero de famlias e empresas que, em cada momento, registavam restries activas de liquidez. Por outro lado, a integrao nanceira tambm permitiu adiar alguns ajustamentos necessrios de recursos na economia, nomeadamente no caso de agentes com posies nanceiras insustentveis, viabilizando hiatos signicativos entre a procura e a oferta interna por perodos relativamente longos. Adicionalmente, a facilidade de nanciamento externo da economia portuguesa implicou a manuteno da tendncia de aumento do endividamento do sector privado, mesmo num contexto de baixo crescimento tendencial da economia. Neste quadro, gerou-se uma deteriorao continuada da posio de investimento internacional da economia portuguesa, que tender a implicar, na ausncia de reformas que promovam um aumento da produtividade, um menor dinamismo da procura interna no futuro prximo. A complementaridade entre as anlises microeconmica e macroeconmica Uma das caractersticas marcantes do presente livro o cruzamento contnuo de argumentos de natureza micro e macroeconmica. Nesta seco pretende-se ilustrar a importncia de desenvolver estudos com esta dupla abordagem. Inicialmente, ser discutida a relevncia de construir modelos macroeconmicos com fundamentos microeconmicos, bem como as suas limitaes. Posteriormente, sero apresentados exemplos, retirados directamente dos vrios captulos do livro, que sustentam a relevncia de uma anlise complementar entre a evidncia de ndole micro e macroeconmica. Uma economia composta por inmeros agentes, que interagem em mltiplos mercados, sendo que o equilbrio macroeconmico resulta da agregao da mirade de decises individuais tomadas a um nvel micro. A compreenso desta innitude de relaes exige a construo de modelos econmicos, ou seja, instrumentos analticos que reduzem a realidade a objectos rigorosos, ainda que necessariamente simplicados. Na actual fronteira do conhecimento, os modelos macroeconmicos so desenhados tendo por base fundamentos microeconmicos, ou seja, representaes matemticas do comportamento individual dos agentes. Esta opo fundada em trs argumentos fundamentais. Em primeiro lugar, a derivao de um xxii

modelo a partir do comportamento individual dos agentes garante a consistncia e coerncia interna das vrias equaes que o compem. Deste modo, possvel analisar a dinmica da economia em equilbrio geral, ou seja, endogeneizando as vrias equaes comportamentais dos agentes e denindo-as em funo de parmetros fundamentais associados s suas preferncias, tecnologia disponvel e s restries de recursos que enfrentam. Em segundo lugar, bem conhecido que choques sobre o enquadramento em que os agentes tomam as suas decises por exemplo alteraes de poltica monetria ou oramental podem alterar as suas expectativas quanto aos desenvolvimentos econmicos futuros e implicar a reviso dos seus planos de consumo e investimento, com impacto sobre o comportamento agregado da economia. Uma anlise da evoluo agregada da economia no pode por isso ignorar as expectativas dos agentes e o seu comportamento individual. Esta concluso foi convincentemente apresentada por Lucas (1976), num artigo com profundas repercusses na literatura econmica. Finalmente, para alm de permitirem simular o impacto macroeconmico de alteraes de polticas num ambiente laboratorial, vrios autores tm concludo que o desempenho desta classe de modelos na previso emprica no inferior dos modelos macroeconomtricos de larga escala habitualmente utilizados nos bancos centrais (veja-se o artigo seminal de Smets e Wouters (2005)). Estes argumentos justicam o facto de os modelos estocsticos de equilbrio geral (DSGE), desenhados com fundamentos microeconmicos explcitos, serem dominantes na investigao terica e crescentemente parte do conjunto de instrumentos disponveis nos bancos centrais e nas principais organizaes internacionais. Os modelos EAGLE e PESSOA, apresentados respectivamente nos Captulos 1 e 2 deste livro, incluem-se tambm nesta categoria de modelos. No obstante os progressos na modelizao em equilbrio geral ao longo da ltima dcada, vrios contributos na literatura tm evidenciado as limitaes dos fundamentos microeconmicos actualmente incorporados nos modelos DSGE. Estes contributos questionam fundamentalmente o facto de o processo de deciso individual incorporado na generalidade dos modelos macroeconmicos assumir que os agentes tm um conhecimento aturado do funcionamento (do modelo) da economia, e que as suas preferncias se limitam maximizao intertemporal da utilidade, denida tipicamente em termos de consumo e lazer. Em contraste, a evidncia disponvel sobre o comportamento humano sugere que os agentes tm capacidades limitadas de processamento de informao, baseiam as suas decises em regras heursticas, apresentam motivaes como o desejo de liberdade e justia, e valorizam a cooperao e reciprocidade (ver, por exemplo, os contribu-

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tos em Aghion, Frydman, Stiglitz e Woodford (2003), Akerlof e Shiller (2009) e Sen (2009)). Importa sublinhar que estes contributos crticos no pem em causa a importncia de fundar os modelos macroeconmicos no comportamento microeconmico dos agentes, antes procurando estender e aperfeioar a respectiva modelao. Pode-se alis argumentar que um grande potencial de desenvolvimento dos modelos de equilbrio geral no futuro reside precisamente no aprofundamento dos seus fundamentos microeconmicos. No que se refere aos estudos de cariz emprico, este um domnio em que de forma crescente se observa a combinao de evidncia de natureza micro e macroeconmica. Naturalmente, a natureza dos dados utilizados decorre das hipteses e resultados tericos que se pretendem avaliar. Por exemplo, a investigao sobre a evoluo da taxa natural de desemprego na economia portuguesa apresentada no Captulo 4 baseia-se estritamente em dados macroeconmicos. Similarmente, a anlise do mecanismo de transmisso monetria na rea do euro apresentada no Captulo 1 baseia-se tambm unicamente em dados sintticos para o conjunto da rea. Estes so exemplos em que a evidncia macroeconmica inescapvel e, em termos gerais, suciente para obter uma viso agregada da economia. Similarmente, existem questes econmicas que exigem uma anlise baseada exclusivamente em evidncia microeconmica. Exemplos destas situaes so os estudos sobre as razes subjacentes rigidez de preos e salrios com base em inquritos s empresas, tal como descritos no Captulo 3, a anlise da deciso dos mercados de destino das empresas exportadoras, avaliada no Captulo 5, ou a investigao das razes subjacentes probabilidade de sobrevivncia das empresas, exposta no Captulo 7. No entanto, em inmeras ocasies, a questo econmica em anlise requer a conjugao de evidncia micro e macroeconmica. O presente livro tambm testemunho deste facto. A importncia dos dados microeconmicos resulta do facto destes captarem o impacto da heterogeneidade na economia. Em particular, a incorporao desta informao permite introduzir importantes qualicaes leitura da evidncia agregada, contribui para uma correcta avaliao de riscos econmicos e nanceiros e possibilita uma avaliao de polticas mais fundada. Cada uma destas dimenses pode ser ilustrada recorrendo a exemplos de alguns captulos do livro. Em primeiro lugar, a evidncia microeconmica permite ter em conta o impacto de efeitos de composio na economia. Por exemplo, de forma a estimar o prmio salarial associado ao sector pblico, importa ter em conta as diferentes caractersticas da fora de trabalho, nomeadamente a maior

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dotao de capital humano dos funcionrios pblicos (ver Captulo 6). De facto, usando os dados microeconmicos do Recenseamento Geral da Administrao Pblica e dos Quadros de Pessoal, possvel conrmar a existncia de um prmio salarial associado ao sector pblico, que se encontra concentrado nos quantis inferiores da distribuio salarial. Um outro exemplo ilustrativo do valor dos dados microeconmicos para a compreenso da evoluo macroeconmica reside na anlise do comportamento dos salrios reais ao longo do ciclo econmico. De facto, a elevada exibilidade cclica dos salrios reais uma das caractersticas usualmente apontadas como fundamentais no ajustamento da economia portuguesa face a choques econmicos. No entanto, conhecido que a evidncia agregada do comportamento cclico dos salrios enviesada por efeitos de composio da fora de trabalho, decorrentes do facto de as empresas reterem os trabalhadores mais qualicados nas recesses e contratarem os trabalhadores menos qualicados nas expanses. No Captulo 3, apresenta-se uma anlise da sensibilidade cclica dos salrios reais, com base nos dados individuais dos Quadros de Pessoal, que controla conjuntamente a evoluo das caractersticas dos trabalhadores e das empresas. Este estudo permite conrmar a existncia genrica de exibilidade salarial na economia portuguesa. Este facto poder estar em parte associado existncia de uma almofada salarial (a diferena entre o salrio efectivo e o salrio contratado), que aumenta a exibilidade das empresas na denio dos salrios. Note-se ainda que a evoluo recente da sensibilidade cclica dos salrios reais na economia portuguesa difcil de aferir, dada a signicativa incerteza relativamente magnitude do aumento da taxa natural de desemprego na presente dcada. Em segundo lugar, a anlise de dados microeconmicos pode ser tambm bastante til para uma correcta avaliao dos riscos econmicos e nanceiros na economia, na medida em que permite identicar situaes de vulnerabilidade que no se revelam nos dados agregados. Esta assero pode ser, a ttulo exemplicativo, conrmada na anlise da evoluo do endividamento das famlias em Portugal (ver o Captulo 7 para uma anlise mais detalhada). bem conhecido que o endividamento das famlias em percentagem do PIB em Portugal aumentou de forma ininterrupta desde o incio dos anos 90. No entanto, a anlise dos dados microeconmicos do Inqurito ao Patrimnio e Endividamento das Famlias (IPEF) revela que a natureza desse aumento foi claramente distinta entre a dcada de 90 e a dcada mais recente. De facto, na dcada de 90, o aumento do endividamento agregado das famlias correspondeu em grande medida a um aumento do nmero de famlias a participar no mercado de crdito, sem um signicativo aumento do grau de alavancagem das famlias individualmente

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consideradas, em contraste com o observado na ltima dcada. Adicionalmente, o mesmo IPEF permite concluir que os agregados familiares mais jovens e de menor rendimento so os mais vulnerveis a choques adversos. No entanto, o servio de dvida destes agregados permanece contido, em particular devido muito baixa participao no mercado de dvida das famlias com mais baixos rendimentos e dinmica de alongamento de maturidades dos emprstimos observada ao longo da presente dcada. O valor da utilizao de dados microeconmicos para a identicao de vulnerabilidades nos balanos dos vrios sectores da economia reecte-se tambm directamente no conjunto de instrumentos utilizados na superviso macroprudencial desenvolvida pelo Banco de Portugal. O exerccio de stress-test do sistema bancrio apresentado em Economics and Research Department (2007) constitui uma boa ilustrao desta assero, dado que combina no mesmo exerccio, para alm das contas individuais dos principais grupos bancrios, bases de dados microeconmicas to diversas como a Central de Balanos do Banco de Portugal, o acima referido IPEF ou a Central de Responsabilidades de Riscos de Crdito. Em terceiro lugar, a utilizao conjunta de dados microeconmicos e macroeconmicos crucial para desenvolver uma correcta avaliao de polticas pblicas. As avaliaes da ecincia do sistema de sade e de educao apresentadas no Captulo 6 do presente volume so bem representativas desta armao. Adicionalmente, importa referir que, em vrias ocasies, a riqueza das bases de dados microeconmicos permite isolar relaes causais em ambientes quase-experimentais. Neste mbito, merecem destaque os estudos relativos ao impacto da durao do subsdio de desemprego na durao do desemprego e no nvel salarial aps o perodo de desemprego, ao impacto das polticas activas de emprego na durao do desemprego ou ao impacto sobre os uxos de emprego de alteraes do salrio mnimo (ver os Captulos 3 e 4 para as respectivas referncias). Uma aplicao complementar da evidncia micro e macroeconmica reside na prpria calibrao dos modelos macroeconmicos de equilbrio geral. Esta calibrao corresponde atribuio de valores aos parmetros fundamentais que regulam as preferncias dos agentes, as tecnologias disponveis e o grau de frices nominais e reais (para aplicaes em concreto, vejam-se os Captulos 1 e 2). A calibrao recorre tipicamente a alguns factos estilizados dos dados agregados, bem como a informao microeconmica, de natureza quantitativa ou qualitativa (um exemplo deste ltimo caso so os inquritos s empresas apresentados no Captulo 3). Naturalmente, a utilizao destes dados desagregados pretende disciplinar a calibrao e evitar a proliferao de parmetros livres cuja denio seja em larga me-

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dida arbitrria. Apesar do indiscutvel valor em utilizar dados microeconmicos na calibrao dos modelos DSGE, existe usualmente uma grande diculdade em estabelecer uma ligao unvoca entre a evidncia microeconmica e os parmetros tericos dos modelos. Estas preocupaes tm levado uma corrente da literatura a estimar os modelos DSGE directamente a partir dos dados macroeconmicos, em vez de recorrer calibrao. No entanto, este procedimento tambm apresenta algumas fragilidades, dado que uma estimao livre dos parmetros tender a reectir o facto de o modelo no captar por construo todas as propriedades do processo gerador dos dados observados. Em suma, este parece ser um caso em que os desenvolvimentos tericos dos fundamentos microeconmicos dos modelos de equilbrio geral devero preceder as respectivas implementaes empricas. O desao do aumento sustentado do crescimento econmico em Portugal Na ltima dcada a economia portuguesa evidenciou uma divergncia real signicativa face aos nveis de rendimento per capita mdios da Unio Europeia. Este desempenho desapontador, associado a baixos nveis de crescimento da produtividade, interrompeu de forma inesperada a dinmica de convergncia real observada nas quatro dcadas anteriores. Estes desenvolvimentos so particularmente importantes dado que, no longo prazo, o nvel de produtividade determina o nvel real de salrios, inuenciando assim directamente o bem-estar econmico da populao. Nesta seco, procura-se analisar brevemente o desao do crescimento econmico em Portugal, enquadrando-o nos mais recentes resultados da literatura econmica e na evidncia apresentada em vrios captulos do livro. Importa desde j sublinhar que o objectivo econmico ltimo no naturalmente a maximizao do crescimento econmico, mas sim do bem-estar social. Este objectivo abarca uma multiplicidade de dimenses inter-relacionadas, que se materializam nas oportunidades e capacidades dos indivduos concretizarem os objectivos que valorizam de forma particular (ver Sen (2009) e Hausman e McPherson (2006)). Em particular, na avaliao do bem-estar social, importa valorar dimenses como o acesso a sistemas de educao e sade de qualidade, a existncia de iguais oportunidades de acesso justia e ao sistema poltico, a obteno de um bem-estar material relativamente confortvel para todos, a existncia de direitos de propriedade, a liberdade de movimento e pensamento, e a prevalncia de laos de aliao, conana e reciprocidade nas relaes sociais. No entanto, vale a pena tambm sublinhar que o crescimento econmico, se partilhado pela generalidade dos indivduos, em particular os de xxvii

menores rendimentos, tambm instrumental na obteno daqueles objectivos. A investigao econmica reectiu esta relevncia desde os contributos primordiais de Smith (1776). Por um lado, bem conhecido que as sociedades que apresentam maiores nveis de rendimento per capita evidenciam, em mdia, nveis superiores de esperana de vida e de escolaridade, e um grau superior de liberdade econmica e social (embora a causalidade acontea naturalmente em ambas as direces). Por outro lado, tal como recentemente argumentado por Friedman (2005), um crescimento econmico equitativamente partilhado tipicamente acompanhado por externalidades que so valorizadas em termos de bem-estar social, como o respeito pela diferena, o apoio a polticas dirigidas aos mais desfavorecidos, uma abertura imigrao, uma ateno a questes de desenvolvimento sustentado e uma dedicao democracia. Da extensa literatura acumulada sobre os factores que contribuem para o crescimento econmico, trs dimenses inter-relacionadas emergem como particularmente relevantes: a acumulao de capital fsico e humano, a inovao tecnolgica e a reafectao de recursos na economia associada a um processo de destruio criativa (ver Acemoglu (2008)). Importa determo-nos brevemente sobre o papel de cada um destes elementos, tendo como pano de fundo a posio relativa da economia portuguesa. De acordo com o modelo de crescimento neoclssico de Solow (1956), a taxa de acumulao de capital determinada pela taxa de poupana, a taxa de depreciao do capital e a taxa de crescimento populacional. Um pas com um rcio capital-trabalho inferior ao equilbrio de longo prazo tender a registar um crescimento do rendimento per capita superior ao do estado estacionrio medida que o nvel de intensidade capitalstica aumenta. De acordo com o modelo, no longo prazo, o crescimento estritamente determinado pelo crescimento tecnolgico. Extenses posteriores do modelo original de Solow procuraram incorporar o papel do investimento em capital humano. Estas extenses sublinharam a existncia de complementaridades entre a acumulao de capital fsico e humano e o facto de o capital humano promover a inovao tecnolgica e a adopo de tecnologias existentes. O processo de convergncia real da economia portuguesa na segunda metade do sculo passado pode ser lido em traos largos luz dos mecanismos previstos nesta classe de modelos. De facto, ainda que de forma muito estilizada, pode-se argumentar que o crescimento econmico portugus neste perodo correspondeu a uma transio para um estado estacionrio caracterizado por um nvel de capital humano e uma intensidade capitalstica superiores. Tal como previsto na teoria, ao longo deste perodo, a economia portuguesa registou taxas de crescimento progressi-

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vamente menores, um aumento do nvel de capital por trabalhador, uma melhoria do nvel de capital humano e uma convergncia real face aos pases com maiores nveis de capital fsico e humano por unidade produzida. Finalmente, sublinhe-se que, dada a complementaridade entre investimento em capital humano e fsico, e tendo em conta a morosidade do processo de melhoria - com qualidade - do nvel de capital humano, a baixa qualicao relativa dos recursos humanos estar a contribuir para diminuir o ritmo de transio e o grau de convergncia real da economia portuguesa. O modelo original de Solow e as suas extenses contm vrias caixas negras, sendo a mais proeminente a ausncia de uma anlise dos mecanismos subjacentes inovao tecnolgica. Esta indiscutivelmente a chave para o crescimento da produtividade no longo prazo. Nas dcadas mais recentes, foram as inovaes em reas to distintas como a informtica, a biotecnologia, o comrcio a retalho e por grosso, as telecomunicaes, os produtos farmacuticos ou as indstrias de lazer que determinaram signicativos aumentos na produtividade agregada das economias a nvel global. No caso de pases como Portugal, com baixos ndices de investigao e desenvolvimento, o progresso tecnolgico adveio em larga medida da adopo de tecnologias desenvolvidas dentro da fronteira do conhecimento ou de investimentos directos estrangeiros (ver Captulo 2). Este facto est tambm associado em grande medida aos baixos nveis relativos de qualicao da fora de trabalho em Portugal. A reafectao de recursos outra dimenso fundamental que contribui para o crescimento numa economia de mercado. O processo de destruio criativa, descrito originalmente por Schumpeter, implica a destruio de empresas e postos de trabalho relativamente menos produtivos e a criao de novas empresas caracterizadas por novos processos produtivos e superiores qualicaes, que apresentam uma maior procura dirigida aos seus produtos. Este processo incessante ocorre em todas as economias de mercado e intensicado no actual quadro de concorrncia acrescida a nvel global. A economia portuguesa um bom exemplo deste processo contnuo. Por exemplo, tal como descrito no Captulo 5 do presente livro, a decomposio das exportaes portuguesas no contributo da margem intensiva e da margem extensiva revela um elevado nvel de reafectao de recursos na margem extensiva, ou seja, uma importante dinmica de entrada e sada de empresas/produtos/destinos de exportao. No Captulo 7 tambm sumariada evidncia sobre a entrada e sada de empresas na economia portuguesa. De acordo com a evidncia disponvel, a dinmica de sobrevivncia das empresas na economia portuguesa e os seus principais factores explicativos esto em linha com a evidncia anloga a nvel

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da OCDE. Finalmente, dada a segmentao do mercado de trabalho em Portugal, existe uma exibilidade desproporcionada dos trabalhadores activos mais jovens, que coexiste com uma rigidez particularmente elevada nos escales etrios activos mais elevados. Apesar da elevada incerteza relativa ao grau adequado de mobilidade e turbulncia numa economia em cada momento, este conjunto de evidncia contribui para qualicar a ideia convencional de rigidez generalizada na economia portuguesa. As trs dimenses acima descritas acumulao de factores, inovao tecnolgica e turbulncia so inuenciadas de forma decisiva pelas instituies e pelas polticas de cada pas. Como detalhado em North (2005), as instituies so as regras do jogo denidas pela sociedade regras formais, normas informais e as respectivas caractersticas de aplicao que moldam a interaco humana. Neste contexto, a literatura mais recente tem crescentemente sugerido que as causas fundamentais do crescimento econmico no longo prazo residem precisamente na infra-estrutura social denida por aquelas polticas e instituies (Hall e Jones (1999)). As polticas e as instituies afectam os incentivos conducentes ao processo de crescimento econmico por vrios canais inter-relacionados (Acemoglu (2008)). Em primeiro lugar, as polticas e as instituies determinam a estrutura de retornos dos investimentos em capital fsico e humano. Em Portugal, por exemplo, a ausncia de um sistema scal estvel contribui para aumentar a incerteza sobre o retorno destes investimentos a mdio prazo (veja-se neste mbito o Captulo 1 para uma discusso das polticas monetria e oramental ptimas numa unio monetria). Em segundo lugar, as instituies determinam a estrutura contratual vigente e a sua efectividade. Neste particular, importa sublinhar que a morosidade e o acesso desigual ao sistema de justia em Portugal fragilizam o incentivo participao nos mercados e tomada de risco. Em terceiro lugar, as polticas afectam directamente a qualidade dos investimentos em infra-estruturas e dos servios pblicos, ambos relevantes para o desenvolvimento econmico (veja-se o Captulo 6 para os casos especcos da educao e da sade em Portugal). Em quarto lugar, as polticas e as instituies denem o grau de concorrncia e de turbulncia dos mercados, nomeadamente atravs das leis que regulam os mercados e da eccia das respectivas entidades reguladoras. Em Portugal, existem margens importantes de aumento da concorrncia em alguns mercados de produto (veja-se o Captulo 2 do presente volume) e persistem alguns elementos de rigidez no mercado de trabalho, que condicionam as negociaes salariais e a mobilidade dos trabalhadores (vejam-se os Captulos 3 e 4). Finalmente, as polticas e as instituies determinam tambm em larga medida a distribuio do rendimento na eco-

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nomia. Esta distribuio tem importantes implicaes na criao de uma sociedade de iguais oportunidades para todos e condiciona os incentivos acumulao de capital humano. As reconhecidas fragilidades da economia portuguesa em vrios domnios da sua infra-estrutura social parecem sugerir uma agenda clara em termos de prescrio de polticas a adoptar de molde a promover o crescimento econmico. No entanto, este desao envolve uma signicativa complexidade, por trs ordens de razes fundamentais (ver North (2005)). Em primeiro lugar, qualquer alterao institucional resulta de um equilbrio poltico, em que os conitos de interesse entre os vrios indivduos e grupos so agregados em escolhas colectivas. Na denio deste equilbrio, podem emergir instituies no promotoras do crescimento econmico, nomeadamente nos casos em que os interesses instalados conseguem perpetuar a estrutura pr-existente ou nos casos em que o poder poltico cria polticas distorcionrias com o objectivo de perpetuar esse poder. Em segundo lugar, o desempenho de uma economia compreende instituies interdependentes, pelo que a alterao de apenas uma instituio na tentativa de obter um determinado resultado pode estar votado ao fracasso (a importncia da conjugao de reformas nos mercados de trabalho e de produto desenvolvida no Captulo 2 uma ilustrao deste argumento). Adicionalmente, os incentivos promovidos pela infra-estrutura social de um pas podem ser substantivamente determinados pelo conjunto de infra-estruturas mais frgeis, no caso de existirem fortes complementaridades entre instituies (este argumento reecte uma generalizao da ideia que uma corrente to forte quanto o seu elo mais fraco, tal como apresentada em Jones (2009)). Finalmente, o conhecimento das razes subjacentes evoluo das instituies ainda relativamente escasso. No obstante esta complexidade, importa concluir que as fragilidades da economia portuguesa nos mltiplos domnios acima identicados, apesar de representarem um entrave actual ao crescimento econmico, representam tambm uma medida do potencial de aumento do bem-estar social em Portugal, ainda que num horizonte necessariamente alargado. Guia e estrutura do livro O presente volume constitudo por sete captulos. No primeiro Captulo, Nuno Alves, Isabel Correia, Sandra Gomes e Joo Sousa analisam o funcionamento da rea do euro, que representa a rea econmica mais relevante na perspectiva da economia portuguesa. Os autores comeam por apresentar evidncia emprica actualizada sobre as propriedades cclicas das principais variveis macroeconmicas da rea do euro, e avaliam se estas caracterstixxxi

cas se alteraram com a introduo do euro. Seguidamente, os autores racionalizam a evidncia emprica sobre a resposta a choques tecnolgicos e de poltica monetria na rea do euro com um modelo estocstico de equilbrio geral de economias abertas. Adicionalmente, o Captulo apresenta evidncia sobre os mecanismos de ajustamento dos vrios pases que compem a rea do euro e evidencia as fontes de heterogeneidade no seio de uma unio monetria, com base no modelo de equilbrio geral multi-pas denominado EAGLE. O Captulo termina com uma anlise da conduo ptima de poltica numa unio monetria caracterizada pela existncia de frices reais e nominais, estruturas econmicas heterogneas entre os vrios pases e segmentao de alguns mercados. Os autores contrastam a literatura sobre a conduo ptima de polticas em economias fechadas e em unies monetrias e expem alguns resultados recentes que contrariam a sabedoria convencional nesta matria. O segundo Captulo, da autoria de Vanda Almeida, Gabriela Castro e Ricardo Flix, analisa os principais desenvolvimentos da economia portuguesa nas duas ltimas dcadas numa perspectiva assumidamente macroeconmica. Sem pretender ser exaustivo em termos da histria recente da economia portuguesa, o Captulo descreve algumas das principais dinmicas que marcaram a evoluo da economia portuguesa neste perodo e interpreta estes desenvolvimentos luz de um modelo estocstico de equilbrio geral calibrado para a economia portuguesa denominado PESSOA. A anlise centra-se em cinco traos marcantes da economia portuguesa: a desacelerao da produtividade na presente dcada; o impacto da diminuio do prmio de risco decorrente da participao na rea do euro e do processo de liberalizao nanceira; as implicaes do aumento da concorrncia ao nvel do comrcio internacional e o problema de competitividade da economia portuguesa; e, as implicaes macroeconmicas dos desequilbrios oramentais persistentes, bem como dos perodos de consolidao oramental. Neste mbito, os autores apresentam vrias pistas de reexo sobre as causas da actual dcada perdida no processo de convergncia para o nvel de rendimento mdio na rea do euro ou na Unio Europeia. Finalmente, o modelo PESSOA utilizado para avaliar o impacto potencial de algumas reformas no mercado de trabalho e nos mercados de bens e servios no transaccionveis. No terceiro Captulo, a nfase do livro desloca-se para a anlise dos mecanismos microeconmicos de denio de preos e salrios na economia, bem como das respectivas implicaes macroeconmicas. Os autores, Carlos Robalo Marques, Fernando Martins e Pedro Portugal, documentam inicialmente os processos de determinao de preos e salrios na economia

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com base em informao microeconmica de natureza diversa, nomeadamente duas bases de dados de preos individuais ao nvel do produtor e do consumidor, o painel de dados dos Quadros de Pessoal, e dois inquritos s empresas desenvolvidos pelo Banco de Portugal no contexto das redes de investigao do Eurosistema sobre Persistncia de Inao e Dinmica dos Salrios. Adicionalmente, os autores avaliam as caractersticas do sistema de negociao salarial em Portugal, com base em investigao desenvolvida ao longo dos ltimos anos. Neste contexto, de destacar a anlise do papel dos salrios na determinao dos uxos entre estados no mercado de trabalho, a avaliao do papel da existncia de uma almofada salarial para a determinao salarial, bem como a estimao do comportamento cclico dos salrios reais na economia portuguesa. Finalmente, os autores apresentam um modelo macroeconomtrico que visa aferir as implicaes sobre a evoluo dos preos e salrios a nvel agregado da rigidez identicada a nvel microeconmico. O quarto Captulo debrua-se sobre a evoluo do desemprego estrutural em Portugal, certamente uma das variveis com maior impacto no bem-estar social. Mrio Centeno, Jos R. Maria e lvaro A. Novo apresentam evidncia inovadora sobre a evoluo recente da taxa natural de desemprego, bem como sobre as causas subjacentes a essa evoluo. Os autores comeam por investigar as principais tendncias da taxa natural de desemprego, no quadro de um sistema economtrico em que a taxa de desemprego estrutural e a taxa de crescimento do produto potencial so estimados conjuntamente. No obstante a incerteza associada a este tipo de estimativas, a evidncia aponta claramente para um signicativo aumento do desemprego estrutural em Portugal desde o incio da presente dcada. Adicionalmente, a anlise conrma a robustez da relao entre o hiato do produto e o hiato do desemprego nas ltimas dcadas. Posteriormente, os autores descrevem vrias teorias baseadas na procura, oferta e instituies no mercado de trabalho que permitem perceber a recente tendncia ascendente da taxa natural de desemprego em Portugal. Neste mbito, assumem papel de destaque o crescimento da produtividade face ao salrio real, as condies de atribuio do subsdio de desemprego e a reestruturao sectorial decorrente de choques de procura negativos. Esta discusso tambm consubstanciada numa anlise economtrica de cointegrao de sries temporais, aplicada ao caso portugus. No quinto Captulo, Joo Amador, Snia Cabral e Luca David Opromolla avaliam a integrao econmica portuguesa na perspectiva da participao no comrcio internacional. Nas ltimas dcadas, a estrutura das relaes comerciais da economia portuguesa alterou-se substancialmente

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e a prpria natureza do comrcio internacional tambm sofreu profundas transformaes, nomeadamente no que se refere aos principais participantes em termos geogrcos, natureza dos bens e servios transaccionados e ao grau de fragmentao da produo a nvel global. O Captulo cruza informao de natureza microeconmica e macroeconmica, e recorre a vrios modelos empricos, de molde a relacionar a experincia portuguesa com a evoluo das caractersticas do comrcio internacional. Em particular, os autores analisam o grau de abertura da economia portuguesa, a evoluo das quotas de mercado no comrcio mundial, as alteraes das vantagens comparativas reveladas em termos sectoriais, a importncia do comrcio intra-industrial, a evoluo do grau de especializao vertical da economia portuguesa, bem como o dinamismo das decises empresariais individuais de exportao. Sempre que possvel, o Captulo inclui tambm comparaes internacionais de forma a colocar em perspectiva a experincia portuguesa. A caracterizao das tendncias e desaos estruturais das nanas pblicas tem ocupado um lugar central no debate econmico em Portugal. Estas questes so objecto de anlise no sexto Captulo, da autoria de Cludia Braz, Maria Manuel Campos, Jorge Correia da Cunha, Sara Moreira e Manuel Coutinho Pereira. Os autores comeam por interpretar os principais desenvolvimentos das nanas pblicas em Portugal entre 1986 e 2008, com base no quadro analtico actualmente usado na Unio Europeia para a superviso multilateral das polticas oramentais nacionais. Em particular, so analisados os principais traos estruturais da evoluo da despesa, receita e dvida pblicas. Adicionalmente, os autores avaliam a sustentabilidade da actual situao oramental em Portugal, nomeadamente tendo em conta o expectvel aumento de despesas relacionadas com o envelhecimento da populao. Neste quadro, a eciente proviso de bens pblicos um elemento instrumental que contribui no s para a sustentabilidade das contas pblicas, mas tambm para o desempenho do conjunto da economia. Neste sentido, os autores desenvolvem seguidamente uma anlise da ecincia dos sectores da educao e da sade em Portugal tendo por referncia os melhores desempenhos dos pases da OCDE e discutem as regras e os incentivos que caracterizam o mercado de trabalho do sector pblico. Apesar da incerteza e complexidade desta avaliao, os autores concluem pela existncia de ganhos potenciais na utilizao destes recursos pblicos em Portugal. Finalmente, o ltimo Captulo deste volume avalia o processo de integrao nanceira da economia portuguesa e o seu impacto nas estruturas nanceiras e nas decises das famlias e das empresas. Os autores, Paula

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Anto, Miguel Boucinha, Lusa Farinha, Ana Lacerda, Ana Cristina Leal e Nuno Ribeiro, agregam de forma consistente um vasto conjunto de evidncia emprica, o que permite desenvolver uma anlise mais sustentada da experincia da economia portuguesa naqueles domnios. O Captulo analisa inicialmente o processo de liberalizao do sistema nanceiro portugus numa perspectiva histrica, sublinhando a importncia do quadro regulatrio e de superviso nesse processo. Seguidamente, os autores examinam o papel do sistema bancrio na intermediao de fundos na economia portuguesa, em particular no contexto do nanciamento dos bancos nos mercados internacionais. Relativamente s implicaes da liberalizao e integrao nanceira sobre as decises do sector privado no nanceiro, os autores apresentam evidncia relativamente evoluo dos activos e passivos das famlias e das empresas, e avaliam de que forma as decises de investimento das empresas esto relacionadas com a respectiva situao nanceira. O Captulo inclui igualmente uma avaliao das principais vulnerabilidades das famlias e empresas associadas ao seu elevado nvel de endividamento, bem como dos respectivos factores mitigantes. Finalmente, tambm apresentada uma avaliao das principais vulnerabilidades do sistema bancrio portugus no actual contexto de crise econmica e nanceira.

BibliograaAcemoglu, D. (2008), Introduction to modern economic growth, Princeton University Press. Aghion, P., Frydman, R., Stiglitz, J. e Woodford, M. (2003), Knowledge, information, and expectations in modern macroeconomics: in honor of Edmund S. Phelps, Princeton University Press. Akerlof, G. e Shiller, R. (2009), Animal spirits, Princeton University Press. Amaral, J., Lucena, D. e Mello, A. (1992), The Portuguese economy towards 1992, Kluwer Academic Publications. Barbosa, A. (1998), O impacto do euro na economia portuguesa, Publicaes Dom Quixote. Bernanke, B., Gertler, M. e Gilchrist, S. (1999), The nancial accelerator in a quantitative business cycle model, Handbook of Macroeconomics 1, 13411393. xxxv

Economics and Research Department (2007), Financial sector assessment programme portugal: banking system stress-testing, Occasional paper 2007-01, Banco de Portugal. Fagan, G. e Gaspar, V. (2007), Adjusting to the euro, Working paper 2007-03, Banco de Portugal. Franco, F. (2008), Challenges ahead for the Portuguese economy, Imprensa de Cincias Sociais. Friedman, B. (2005), The moral consequences of economic growth, Alfred A. Knopf. Hall, R. e Jones, C. (1999), Why do some countries produce so much more output per worker than others?, Quarterly Journal of Economics 114(1), 83116. Hausman, D. e McPherson, M. (2006), Economic analysis, moral philosophy, and public policy, Cambridge University Press. Jones, C. (2009), Intermediate goods, weak links, and superstars: a theory of economic development, mimeo . Lucas, R. (1976), Econometric policy evaluation: a critique, em Carnegie-Rochester conference series on public policy, Vol. 1, Elsevier, pp. 1946. Mankiw, N. (2009), Macroeconomics, Worth Publishers. North, D. (2005), Understanding the process of institutional change, Princeton University Press. Sen, A. (2009), The idea of justice, Allen Lane. Smets, F. e Wouters, R. (2005), Comparing shocks and frictions in US and euro area business cycles: a Bayesian DSGE approach, Journal of Applied Econometrics 20(2). Smith, A. (1776), An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, Random House, New York. Solow, R. (1956), A contribution to the theory of economic growth, The Quarterly Journal of Economics 70(1), 6594.

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Captulo 1

Um olhar participante sobre a rea do euro: dinmica, heterogeneidade e polticasNuno Alves, Isabel Correia, Sandra Gomes e Joo Sousa

1.1 IntroduoA introduo do euro em 1999 foi um marco na histria monetria. Os primeiros onze Estados-membros a participar na rea do euro embarcaram numa mudana de regime que se viria a provar particularmente bem sucedida. Testemunho desta concluso so, inter alia, a ancoragem das expectativas de inao a mdio e longo prazo em torno da denio de estabilidade de preos do Banco Central Europeu (BCE), o grau de convergncia sem precedentes das taxas de juro a curto prazo na rea do euro e a convergncia das taxas de inao tendenciais para as melhores prticas observadas no perodo anterior unicao monetria. A compreenso dos mecanismos subjacentes a este novo regime monetrio motivou inmeras contribuies tericas e empricas na ltima dcada. A maior parte desta literatura visou caracterizar e compreender o crescimento tendencial e os ciclos econmicos da rea do euro (ver Giannone, Lenza e Reichelin (2008)), o mecanismo de transmisso monetria na unio monetria (ver Angeloni, Kashyap e Mojon (2003) e Weber, Gerke e Worms (2009)) e a conduo ptima das polticas oramental e monetria 1

UM OLHAR PARTICIPANTE SOBRE A REA DO EURO

(ver Corsetti (2008)). Este captulo actualiza a evidncia sobre estas questes e discute criticamente algumas das concluses da literatura. O mbito do captulo necessariamente vasto e por isso algumas questes no sero analisadas exaustivamente. Sempre que possvel, o material mais tcnico no ser apresentado neste captulo e o leitor ser remetido em cada caso para as referncias relevantes. O captulo est organizado da seguinte forma. Inicialmente, a anlise centra-se no funcionamento da rea do euro como um todo. Ser apresentada evidncia sobre as principais caractersticas dos ciclos econmicos da rea, para o perodo do primeiro trimestre e 1980 ao quarto de 2008, avaliando-se adicionalmente se estas se alteraram signicativamente desde a introduo do euro. De acordo com Lucas Jr. (1980), estas caractersticas estilizadas dos dados deveriam ser mimetizadas por modelos de equilbrio geral, de forma a torn-los laboratrios experimentais teis em economia. Naturalmente, o verdadeiro processo gerador de dados funo de uma mirade de choques, interagindo no seio de complexas estruturas econmicas, condicionais s polticas oramentais e monetrias esperadas, e sujeitas s respostas comportamentais dos agentes econmicos. Esta complexidade levou muitos investigadores a limitar o seu mbito de anlise resposta da economia a um conjunto de choques relativamente bem caracterizados. Nas duas ltimas dcadas, os choques de poltica monetria e tecnolgicos emergiram como as duas principais referncias para analisar os mecanismos de transmisso na economia. Neste captulo, seguimos esta corrente da literatura, tambm para garantir a comparabilidade dos resultados com outros estudos para a rea do euro. Neste sentido, apresenta-se evidncia sobre a transmisso da poltica monetria e de choques tecnolgicos na rea do euro recorrendo a tcnicas de vectores auto-regressivos (VAR) (ver Christiano, Eichenbaum e Evans (1999) e Altig, Christiano, Eichenbaum e Linde (2005)). Seguidamente, racionaliza-se esta evidncia emprica utilizando o modelo estocstico de equilbrio geral (DSGE) para dois pases apresentado em Alves, Gomes e Sousa (2007), calibrado para a rea do euro e para os EUA. Este modelo tem a vantagem de explicitamente examinar questes de economia aberta quando analisa o funcionamento da unio monetria como um todo. Alm disso, o modelo tambm permite avaliar o papel da poltica monetria na determinao do equilbrio na rea do euro. Depois de estudar o funcionamento da rea do euro como um todo, o captulo faz um zoom sobre os pases da rea do euro e analisa os mecanismos de ajustamento de economias heterogneas que formam uma unio monetria. Este tpico apenas muito recentemente voltou a surgir na literatura. Comea-se por documentar a evoluo da disperso do crescimento 2

INTRODUO

do PIB e da inao dentro da rea do euro desde 1970. Posteriormente, analisa-se a existncia de heterogeneidade cclica entre os pases da rea do euro, tendo por base o modelo DSGE multi-pas apresentado em Gomes, Jacquinot e Pisani (2009). O captulo termina com uma avaliao da conduo ptima da poltica monetria no contexto de uma unio monetria - como a rea do euro caracterizada pela prevalncia de frices reais e nominais, pela heterogeneidade de estruturas econmicas entre pases e por uma segmentao de facto dos mercados de trabalho. Esta anlise realizada contextualizando e apresentando os resultados recentes de Ado, Correia e Teles (2009) e Ado e Correia (2007). Em particular, so discutidas as diferenas de poltica ptima entre economias abertas e fechadas, a importncia de regras de poltica para ancorar as expectativas do sector privado, o impacto decorrente da existncia de estruturas heterogneas entre pases, a importncia das segmentaes de mercado na replicao das afectaes ptimas numa unio monetria, bem como a interaco entre as polticas oramentais e monetria. Importa mencionar trs qualicaes anlise desenvolvida neste captulo. Em primeiro lugar, apesar do captulo no incidir directamente sobre a economia portuguesa, as lies decorrentes da anlise devero ser, em geral, extensveis ao caso de uma pequena economia aberta participante na rea do euro, fortemente integrada com a rea numa perspectiva econmica e nanceira1 . Em segundo lugar, o captulo no incide sobre a explicao de tendncias nominais e reais, quer para a rea do euro como um todo, quer para pases individuais. Deste modo, abstramo-nos de caractersticas importantes dos dados, tais como a desinao generalizada durante o processo de convergncia nominal dos anos 90 ou o abrandamento da produtividade observado na rea do euro nas ltimas dcadas (ver Gordon e Dew-Becker (2005)). Na prtica, isto signica que os dados empricos sero analisados essencialmente em desvios face s respectivas tendncias, e que ambos os modelos de equilbrio geral sero resolvidos em torno de um estado estacionrio bem denido. Naturalmente, esta nfase nas propriedades cclicas dos dados reconhecidamente de segunda ordem de importncia face ao impacto sobre o bem-estar decorrente de alteraes nas tendncias de crescimento da economia. Em terceiro lugar, os modelos utilizados no presente captulo no esto equipados para avaliar situaes em que as frices nanceiras desempenham um papel activo na economia, em que as transaces no se realizamVejam-se os restantes captulos do presente volume para uma anlise aprofundada da economia portuguesa e Ado (2009) para uma anlise do mecanismo de transmisso monetria de uma pequena economia numa unio monetria.1

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UM OLHAR PARTICIPANTE SOBRE A REA DO EURO

devido ausncia de conana nas contrapartes ou em que os mercados simplesmente deixam de existir. Deste modo, no ser possvel analisar com rigor os choques, as frices e as polticas subjacentes crise nanceira que comeou no Vero de 2007. No entanto, sempre que relevante, procurar-se- qualicar os resultados luz da actual crise nanceira, nomeadamente no que respeita ao funcionamento do mecanismo de transmisso monetria, ao impacto da heterogeneidade das estruturas nanceiras na unio e conduo ptima da poltica monetria e oramental. Alm disso, deve igualmente ser sublinhado que a fronteira tecnolgica na concepo e estimao de modelos DSGE est a progredir rapidamente, com contribuies recentes incorporando j questes como a existncia de processamento limitado de informao pelos indivduos, frices de procura e emparelhamento (matching) no mercado de trabalho, bem como comportamentos de aprendizagem dos agentes econmicos. Estes modelos no sero objecto de discusso neste captulo. Conforme referido acima, o remanescente do captulo est organizado da seguinte forma. A Seco 1.2 centra-se na dinmica da rea do euro, apresentando evidncia sobre o comportamento cclico dos dados (Subseco 1.2.1), estimando o impacto de choques tecnolgicos e de poltica monetria com base em tcnicas VAR (Subseco 1.2.2) e racionalizando a evidncia com um modelo DSGE de dois pases (Subseco 1.2.3). Na Seco 1.3 analisa-se a dinmica de ajustamento dentro da rea do euro. Esta seco apresenta alguns factos sobre os diferenciais de crescimento e inao na rea do euro (Subseco 1.3.1) e avalia posteriormente as principais frices e estruturas subjacentes transmisso de choques entre os pases da rea, com base em resultados de um modelo DSGE multi-pas (Subseco 1.3.2). Na Seco 1.4 apresenta-se uma anlise das principais questes subjacentes conduo ptima de poltica numa unio monetria, comeando com uma descrio da poltica monetria ptima numa economia fechada (Subseco 1.4.1), estendendo os resultados para o caso de uma unio monetria (Subseco 1.4.2) e explorando as possibilidades criadas pela utilizao simultnea da poltica oramental como um instrumento de poltica nacional (Subseco 1.4.3). Por ltimo, a Seco 1.5 sumaria as principais concluses do captulo.

1.2 A dinmica da rea do euro: choques e fricesApesar da rea do euro ser ainda relativamente recente, o estudo do seu funcionamento j foi objecto de uma vasta literatura emprica. A maioria destes estudos utilizou sries histricas sintticas para a rea do euro, 4

A DINMICA DA REA DO EURO

incluindo perodos com diferentes regimes econmicos. Esta seco actualiza esta evidncia emprica e avalia se o funcionamento da rea do euro na ltima dcada est em linha com o comportamento no passado. Em particular, so analisados os dados relativos ao ciclo econmico agregado da rea do euro (Subseco 1.2.1) e a resposta emprica da rea do euro a choques de poltica monetria e tecnolgicos (Subseco 1.2.2). Adicionalmente, procura-se compreender a transmisso daqueles choques no contexto do modelo DSGE de dois pases descrito em Alves et al. (2007), bem como de que forma esta transmisso depende da regra de poltica monetria (Subseco 1.2.3). O mbito desta anlise contrasta com a maior parte da literatura inicial sobre a rea do euro que incidiu em modelos de economia fechada (ver, mais proeminentemente, Smets e Wouters (2003)), e est em linha com as contribuies mais recentes sobre este tpico (ver Coenen, McAdam e Straub (2008)).

1.2.1 Propriedades dos ciclos econmicos na rea do euroOs Quadros 1.1 e 1.2 apresentam as principais propriedades dos ciclos econmicos na rea do euro. O Quadro 1.1 apresenta a volatilidade, persistncia e co-movimentos das componentes cclicas de algumas variveis nominais e reais relativamente componente cclica do PIB para o perodo do primeiro trimestre de 1980 ao quarto de 1998. O Quadro 1.2 apresenta os resultados correspondentes para o perodo do primeiro trimestre de 1999 ao quarto de 2008. A componente cclica foi extrada com um ltro Christiano-Fitzgerald aplicado a toda a amostra, mas a utilizao de outros ltros estatsticos no alteraria signicativamente as concluses. As principais propriedades do ciclo econmico da rea do euro esto em conformidade com a evidncia acumulada para muitas economias, nomeadamente para os EUA (ver Agresti e Mojon (2003)). Adicionalmente, estas caractersticas no se alteraram qualitativamente com a introduo do euro. Este resultado est em linha com as concluses de Giannone et al. (2008). Os quadros evidenciam que as principais caractersticas do ciclo econmico na rea do euro podem ser descritas da seguinte forma. O consumo, o investimento e as horas trabalhadas na rea do euro so fortemente pr-cclicas, ou seja, apresentam uma correlao positiva e contempornea com a componente cclica do PIB. O investimento mais voltil que o PIB, enquanto as horas e o consumo variam relativamente menos. Esta evidncia pode ser facilmente conciliada com um modelo de ciclos econmicos reais (modelos de Real Business Cycles), onde as utuaes estocsticas da economia so impulsionadas por choques tecnolgicos e onde as famlias 5

UM OLHAR PARTICIPANTE SOBRE A REA DO EURO

alisam o consumo (ver King e Rebelo (1999)). Os Quadros 1.1 e 1.2 tambm sugerem que os salrios reais so apenas ligeiramente pr-cclicos e apresentam muito menor volatilidade que o produto. Este padro - que condicional denio de salrios nominais e que pode ser afectado por enviesamentos de composio ao longo do ciclo econmico - sugere que elementos tanto de modelos de ciclos econmicos reais (que implicam salrios reais pr-cclicos) como de modelos de salrios rgidos (que implicam salrios reais contra-cclicos) podem desempenhar um papel relevante na descrio dos dados. A importncia da modelao cuidadosa do mercado de trabalho igualmente sugerida pela forte correlao entre as horas de trabalho e o PIB, em especial aps 1999. Os Quadros 1.1 e 1.2 tambm apresentam dados relativos ao comportamento cclico das variveis nominais. A inao pr-cclica na rea do euro, o que reminiscente de uma curva de Phillips a muito curto prazo. Por seu turno, o nvel de preos ligeiramente contra-cclico, pelo menos aps 1999, o que consistente com um ciclo econmico impulsionado principalmente por choques tecnolgicos. As taxas de juro so pr-cclicas, de forma mais signicativa aps 1999. Este facto sustenta a ideia que uma simples regra de Taylor pode captar em traos largos a evoluo da poltica monetria na rea do euro. Adicionalmente, as taxas de juro so negativamente correlacionadas com o PIB e avanadas em cerca de trs a quatro trimestres. Este facto sugere a existncia de efeitos reais desfasados da poltica monetria, nomeadamente devido existncia de elementos de rigidez nominal e real na economia. No que se refere aos agregados monetrios, o M1 basicamente acclico contemporaneamente e avanado (positivamente) face ao PIB em cerca de 4 trimestres. Por seu turno, o agregado M3 era ligeiramente contra-cclico contemporaneamente antes de 1999, e tornou-se ligeiramente pr-cclico aps 1999. Em contraste, os emprstimos so claramente pr-cclicos e, em geral, coincidentes, em especial aps 1999. Por ltimo, a taxa de cmbio no apresenta um claro padro cclico com o PIB, sendo acclica no perodo 1980-1998 e contra-cclica posteriormente. igualmente interessante notar que a amplitude das utuaes das principais variveis macroeconmicas foi em geral baixa desde 1980, e no se alterou signicativamente aps a introduo do euro. Esta concluso est em linha com a chamada grande moderao tambm observada noutras economias avanadas (ver Stock e Watson (2005)). No surpreendentemente, esta concluso dever mudar drasticamente no actual contexto de crise econmica. Finalmente, a correlao de primeira ordem da componente cclica dos agregados reais e nominais situa-se em cerca de 0.9, revelando um ele6

A DINMICA DA REA DO EURO

Quadro 1.1: Principais propriedades cclicas da rea do euro: 1980T1-1998T4)j+t( BIP o moc adazurc oalerroC medro 1 )BIP oa .ler .rroc-otuA ordap-.vsed( aicntsisreP edadilitaloV 19.0 59.0 29.0 29.0 88.0 18.0 68.0 88.0 88.0 59.0 19.0 39.0 29.0 47.01 27.1 00.1 57.1 53.0 62.0 11.1 10.0 65.0 49.0 32.2 78.0 00.1

Notas: A componente cclica for extrada com o ltro Christiano Fitzgerald. Persistncia medida com o coeciente de auto-correlao de primeira ordem. p.c.=per capita Fontes: Comisso Europeia (AMECO), BCE, Eurostat, OCDE, Thomson Datastream e clculos dos autores.

vado grau de persistncia na economia. Esta caracterstica generalizada dos dados reecte a prevalncia de choques persistentes na rea do euro e/ou de mecanismos de transmisso caracterizados por graus signicativos de rigidez nominal e real, que induzem respostas prolongadas das variveis macroeconmicas face a choques, mesmo de natureza transitria.

1.2.2 Identicao de choques na rea do euro: evidncia com base em VARsO objectivo desta e da prxima subseco ilustrar a transmisso de choques de poltica monetria e tecnolgicos economia da rea do euro utilizando um modelo VAR estrutural (SVAR) estimado para a rea do euro. O modelo uma verso actualizada e ligeiramente modicada do modelo em Alves, Brito, Gomes e Sousa (2009) que por sua vez se baseia no estudo de Altig et al. (2005) para os EUA. O modelo SVAR permite a identicao de choques de poltica monetria e tecnolgicos e a simulao dos seus efeitos nas principais variveis macroeconmicas. O SVAR impe um conjunto mnimo de restries tericas aos dados e consequentemente particularmente apropriado para sumariar os dados e estabelecer factos estilizados. 7

93.011.0 63.0 67.0 74.072.006.075.090.054.041.0 81.041.0

4

04.061.0 02.0 66.0 04.021.094.063.020.0 93.093.0 20.0 34.0

3

13.071.0 30.0 94.0 82.020.0 03.041.091.0 03.036.0 52.0 17.0

2

51.071.0 01.082.0 21.021.0 60.070.0 93.0 12.018.0 74.0 29.0

1

40.0 61.0 81.050.0 60.0 71.0 81.0 42.0 65.0 31.088.0 46.0 00.1

0

12.0 71.0 81.071.022.0 61.0 63.0 63.0 46.0 30.028.0 37.0 29.0

1-

23.0 81.0 11.043.043.0 21.0 54.0 44.0 95.0 90.0 36.0 17.0 96.0

2-

53.0 71.0 10.054.004.0 80.0 74.0 15.0 44.0 52.0 73.0 16.0 04.0

3-

23.0 21.0 70.0 15.093.0 60.0 54.0 75.0 62.0 24.0 90.0 64.0 11.0

4-

DSU/RUE axaT somitsrpmE 3M 1M BIP od rotalfeD oalfnI sesem 3 oruj ed axaT laer aroh/oirlaS atipac rep saroH .c.p ocilbp omusnoC .c.p otnemitsevnI .c.p omusnoC .c.p BIP

sieviraV

UM OLHAR PARTICIPANTE SOBRE A REA DO EURO

Quadro 1.2: Principais propriedades cclicas da rea do euro: 1999T1- 2008T4)j+t( BIP o moc adazurc oalerroC medro 1 )BIP oa .ler .rroc-otuA ordap-.vsed( aicntsisreP edadilitaloV 29.0 79.0 59.0 59.0 59.0 29.0 29.0 88.0 29.0 29.0 29.0 49.0 39.0 54.7 40.2 17.1 88.1 75.0 01.0 66.0 00.0 65.0 83.0 50.2 65.0 00.1

Notas: A componente cclica for extrada com o ltro Christiano Fitzgerald. Persistncia medida com o coeciente de auto-correlao de primeira ordem. p.c.=per capita Fontes: Comisso Europeia (AMECO), BCE, Eurostat, OCDE, Thomson Datastream e clculos dos autores.

Choque de poltica monetria A determinao do efeito de alteraes de poltica monetria na economia requer que se tenha em conta que os dados macroeconmicos reectem o resultado de choques presentes e passados, a inter-relao entre todas as variveis macroeconmicas (incluindo a taxa de juro estabelecida pelo banco central) e expectativas relativamente evoluo econmica futura. Consequentemente, uma alterao de taxas de juro ter efeitos diferentes na economia em diferentes conjunturas econmicas. Assim, para avaliar o efeito de uma alterao da taxa de juro numa determinada varivel macroeconmica necessrio excluir aquilo que, no comportamento da varivel, depende dos efeitos de outros choques, incluindo efeitos desfasados de alteraes passadas de poltica. Por outras palavras, necessrio identicar o choque de poltica monetria e a respectiva reaco de cada varivel a este. Num contexto SVAR, a identicao de choques de poltica monetria realizada aps uma prvia regresso das variveis em valores correntes e passados de todas as outras variveis do sistema. Aps esta regresso, so impostas restries ao sistema que permitem a identicao dos choques puros de poltica monetria. Aps a introduo destas restries, pode-se calcular o efeito do choque noutras variveis do sistema. Este procedimento pode ser visto como a determinao de como cada varivel macroeconmica reage a uma variao inesperada da taxa de juro na ausncia de outros 8

95.054.0 15.037.0 08.022.020.062.034.0 84.016.0 26.0 13.0

4

56.075.0 73.036.0 37.001.091.0 71.055.0 72.057.0 77.0 25.0

3

36.076.0 12.024.0 95.030.0 44.0 30.076.0 60.088.0 09.0 57.0

2

35.067.0 50.041.0 83.091.0 76.0 21.0 67.0 31.0 59.0 59.0 39.0

1

93.018.0 21.0 61.031.083.0 48.0 62.0 67.0 13.0 09.0 88.0 00.1

0

62.058.0 23.0 34.071.0 55.0 98.0 83.0 66.0 35.0 47.0 27.0 39.0

1-

61.097.0 84.0 26.034.0 56.0 38.0 24.0 05.0 86.0 25.0 15.0 77.0

2-

60.086.0 95.0 37.036.0 76.0 86.0 04.0 23.0 67.0 92.0 82.0 75.0

3-

40.0 35.0 76.0 87.087.0 16.0 84.0 73.0 21.0 87.0 70.0 60.0 53.0

4-

DSU/RUE axaT somitsrpmE 3M 1M BIP od rotalfeD oalfnI sesem 3 oruj ed axaT laer aroh/oirlaS atipac rep saroH .c.p ocilbp omusnoC .c.p otnemitsevnI .c.p omusnoC .c.p BIP

sieviraV

A DINMICA DA REA DO EURO

choques. O procedimento de identicao assume que o banco central segue uma regra de poltica monetria em que este dene a taxa de juro como uma funo de um conjunto de informao e de um choque de poltica monetria (et ): it = f (Conjunto de informao) + et O termo et o choque de poltica monetria estrutural. Segundo a regra, a taxa de juro reage a valores correntes e passados das variveis includas no conjunto de informao. Na prtica, o conjunto de informao que os bancos centrais analisam muito vasto e no pode ser incorporado num SVAR. Assim, torna-se necessrio fazer