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Recebemos um desafio da Arquidiocese do Rio de Janeiro, através da pessoa de D. Paulo Cesar Costa: Como falar de Ética e Transcendência em nossas Escolas? Seguem, pois, algumas linhas na tentativa de estabelecer um diálogo entre estas duas gran- des palavras tão presentes no universo educacional escolar católico. Sabemos que a educação para valores cristãos são as bases nas quais nós, Escolas Católi- cas, fincamos a nossa tenda (Isaías 54,2). Nos tempos atuais, é necessário promover uma educação que integre a cultura promovida pela técnica, pela linguagem, pela estética e pela ética. Mas como entendemos a Ética? Em nosso ver, ética tem como origem a palavra Ethos, a casa primeira do ser que é dotado de valores que são universais; é diferente de moris, Mo- ral, que é costume, pois os costumes variam de acordo com os tempos. A forma concreta como a ética é vivida, depende de cada cultura, que é sempre diferente da outra. Um indígena, um chinês, um africano vivem do seu jeito o amor, o cuidado, a solidariedade e o perdão. Esse jeito diferente chamamos de moral. Ética existe uma só para todos. Moral existem muitas, conforme as maneiras diferentes como os seres humanos organizam a vida. Vamos dar um exemplo. Importante é ter uma casa (ética). O estilo e a maneira de construi-la pode variar (moral). Pode ser simples, rústica, moderna, colonial, gótica, contanto que seja casa habitável. Assim é com a ética e a moral. E o Cristianismo a ver com isto? O Cristianismo, a partir da pessoa de Jesus Cristo, propõe uma existência ética. A pessoa que assume a mesma fé que Jesus Cristo assumiu, tornando-se cristã, é antes de tudo um ser relacional. . O cristão é aquele que se relaciona com o totalmente Outro. Aí se descobre, percebe que é destinado ao Reino de Deus; em palavras teológicas: a salvação, a viver plenamente em graça, e isso se dá na História. Na visão da antropologia teológica cristã, aquela que utilizamos , homens e mulheres exis- tem em vista do apelo que Deus lhes faz em Cristo para que entrem no Reino de Deus . Na determinação ontológica mais profunda, no sentido último da vida humana reside um convite do Deus-amor, revelado na pessoa de Jesus Cristo, para que todos façamos parte deste reinado (FNÇA MINDA, 1991:31). Pátio dos Encontros com alunos Há vários pontos de vista na teologia dogmática: a cristologia, a escatologia, a eclesiologia, por exemplo; uti- lizarei o da antropologia teológica. Neste reinado, o rei serve aos súditos; todos são irmãos; não há injustiças, violência, nem tristezas... 1 2 1 2

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Page 1: Pátio dos Encontros com alunos - arqrio.orgarqrio.org/app/webroot/files/repository/TEXTO_PARA_OS_PROFS_Err… · A característica fundamental da pessoa de Jesus é a fé-entrega,

Recebemos um desafio da Arquidiocese do Rio de Janeiro, através da pessoa de D. Paulo Cesar Costa:

Como falar de Ética e Transcendência em nossas Escolas?

Seguem, pois, algumas linhas na tentativa de estabelecer um diálogo entre estas duas gran-des palavras tão presentes no universo educacional escolar católico.

Sabemos que a educação para valores cristãos são as bases nas quais nós, Escolas Católi-cas, fincamos a nossa tenda (Isaías 54,2). Nos tempos atuais, é necessário promover uma educação que integre a cultura promovida pela técnica, pela linguagem, pela estética e pela ética.

Mas como entendemos a Ética? Em nosso ver, ética tem como origem a palavra Ethos, a casa primeira do ser que é dotado de valores que são universais; é diferente de moris, Mo-ral, que é costume, pois os costumes variam de acordo com os tempos.

A forma concreta como a ética é vivida, depende de cada cultura, que é sempre diferente da outra. Um indígena, um chinês, um africano vivem do seu jeito o amor, o cuidado, a solidariedade e o perdão. Esse jeito diferente chamamos de moral. Ética existe uma só para todos. Moral existem muitas, conforme as maneiras diferentes como os seres humanos organizam a vida. Vamos dar um exemplo. Importante é ter uma casa (ética). O estilo e a maneira de construi-la pode variar (moral). Pode ser simples, rústica, moderna, colonial, gótica, contanto que seja casa habitável. Assim é com a ética e a moral.

E o Cristianismo a ver com isto?

O Cristianismo, a partir da pessoa de Jesus Cristo, propõe uma existência ética.

A pessoa que assume a mesma fé que Jesus Cristo assumiu, tornando-se cristã, é antes de tudo um ser relacional. . O cristão é aquele que se relaciona com o totalmente Outro. Aí se descobre, percebe que é destinado ao Reino de Deus; em palavras teológicas: a salvação, a viver plenamente em graça, e isso se dá na História.

Na visão da antropologia teológica cristã, aquela que utilizamos , homens e mulheres exis-tem em vista do apelo que Deus lhes faz em Cristo para que entrem no Reino de Deus . Na determinação ontológica mais profunda, no sentido último da vida humana reside um convite do Deus-amor, revelado na pessoa de Jesus Cristo, para que todos façamos parte deste reinado (FRANÇA MIRANDA, 1991:31).

Pátio dos Encontros com alunos

Há vários pontos de vista na teologia dogmática: a cristologia, a escatologia, a eclesiologia, por exemplo; uti-lizarei o da antropologia teológica. Neste reinado, o rei serve aos súditos; todos são irmãos; não há injustiças, violência, nem tristezas...

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Page 2: Pátio dos Encontros com alunos - arqrio.orgarqrio.org/app/webroot/files/repository/TEXTO_PARA_OS_PROFS_Err… · A característica fundamental da pessoa de Jesus é a fé-entrega,

A característica fundamental da pessoa de Jesus é a fé-entrega, numa vida voltada total-mente para Deus. Ele, Jesus Cristo, nos revela quem é o Pai e como este Deus amoroso se comporta conosco: perdoando, acalentando, aceitando-nos como somos. Além disto, vem nos mostrar qual a atitude que devemos ter diante de outros seres humanos e da natureza: respeito, abertura e solidariedade.

Na perspectiva cristã, o amor não é um ato de virtude, mas aquele elemento que desenca-deia as virtudes pelas quais ele se constitui. Antropologicamente, é impossível um amor a Deus sem passar pelo humano. É na experiência do amor fraterno, na doação ao outro e à outra, que vamos aprendendo, sabendo, saboreando quem é Deus. Quem ama é verdadei-ramente livre.

O reconhecimento da liberdade infinita do outro, do seu direito de humanizar seu mundo e a si é que fundamenta uma vivência ética voltada para a alteridade. Quando o rosto do outro se revela como exterior, como liberdade que interpela e que provoca; como resistên-cia à totalização instrumental, é que ele aparece como outro, como alguém, como pessoa. Então a alteridade é vivenciada como experiência pessoal e coletiva. O outro me provoca, chama (voca) de frente (pro), na medida que me é exterior.

Hoje necessitamos perceber o bem ético como justiça, criando uma consciência que ouve a voz do outro, não repetindo o habitual, o mesmo, gerando atitudes novas, que tenham como opção fundamental libertar o outro, independentemente da opção do caminho re-ligioso, do gênero ou Nação.

A proposta de Jesus Cristo tem como centralidade a vida humana. Por isto, Ele cura em dia de sábado – Mc2, 25-28 – rompendo com a lei. A felicidade de viver com dignidade estava acima das leis e das normas vigentes.

Neste sentido, podemos perceber que as vítimas de guerras fratricidas não pertencem a esta ou aquela Nação, mas são “nossas” vítimas; assim como as vítimas de estupros coleti-vos, da fome e da miséria.

Surge uma nova sensibilidade, o cogito cartesiano (penso, logo existo) é substituído pouco a pouco pelo “sinto, logo existo”. A pessoa sensível diante da dignidade, da dor e dos direi-tos do outro tende a se comportar de uma maneira solidária. Assim agiu Jesus, superando problemas de identidade (por exemplo, quando conta a história do “bom samaritano” - Lc 10,33-34 - ou quando narra a história do filho pródigo – Lc 15,20).

Para Jesus Cristo o mais importante não era cumprir os deveres impostos pelos manda-mentos (embora fosse fiel à sua fé), mas satisfazer as necessidades humanas, por isto pro-fere o discurso de Mt 25, 35-40:

“....tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim. Per-guntar-lhe-ão os justos: - Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos peregrino e te acolhemos, nu e te vestimos? Quando foi que te vimos enfermo ou na prisão e te fomos visitar?Responderá o Rei: - Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes. “

O Concilio Vaticano II vai trazer, também, grande contribuição ao tema da Ética, em espe-cial a Gaudium et Spes. Todo o primeiro capítulo é dedicado à dignidade da pessoa huma-na, criada à imagem e semelhança de Deus e remida por Cristo, que em Espírito, a eleva a condição de filha de Deus.

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Alguns exemplos:

Sobre a noção de bem comum:

“A interdependência, cada vez mais estreita e progressivamente estendida a todo o mundo, faz com que o bem comum - ou seja, o conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição - se torne hoje cada vez mais universal e que, por esse motivo, implique direitos e deveres que dizem respeito a todo o gênero humano. Cada grupo deve ter em conta as necessidades e legítimas aspirações dos outros grupos e mesmo o bem comum de toda a família humana (GS 26).

Sobre a discriminação

“Sem dúvida, os homens não são todos iguais quanto à capacidade física e forças intelec-tuais e morais, variadas e diferentes em cada um. Mas deve superar-se e eliminar-se, como contrária à vontade de Deus, qualquer forma social ou cultural de discriminação, quanto aos direitos fundamentais da pessoa, por razão do sexo, raça, cor, condição social, língua ou religião. É realmente de lamentar que esses direitos fundamentais da pessoa ainda não se-jam respeitados em toda a parte. Por exemplo, quando se nega à mulher o poder de escolher livremente o esposo ou o estado de vida ou de conseguir uma educação e cultura iguais às do homem.” (GS 29).

Sobre os conflitos entre raças e nações

“Além disso, dado que a Igreja não está ligada, por força da sua missão e natureza, a nenhu-ma forma particular de cultura ou sistema político, econômico ou social, pode, graças a esta sua universalidade, constituir um laço muito estreito entre as diversas comunidades e nações, contanto que nela confiem e lhe reconheçam a verdadeira liberdade para cumprir esta sua missão. Por esta razão, a Igreja recomenda a todos os seus filhos, e também a todos os homens, que superem com este espírito de família próprio dos filhos de Deus, todos os conflitos entre nações e raças, e consolidem internamente as legítimas associações huma-nas.” (GS 42)

E ainda:

“A consciência mais sentida da dignidade humana dá origem em diversas regiões do mundo ao desejo de instaurar uma ordem político-jurídica em que os direitos da pessoa na vida pública sejam melhor assegurados, tais como os direitos de livre reunião e associação, de expressão das próprias opiniões e de profissão privada e pública da religião. A salvaguarda dos direitos da pessoa é, com efeito, uma condição necessária para que os cidadãos, quer individualmente quer em grupo, possam participar ativamente na vida e gestão da coisa pública” (GS 73).

Em síntese, a Educação Cristã Católica é aquela que promove valores baseados naquilo que fez e falou Jesus Cristo. Fica-nos o desafio de realizar em nosso cotidiano escolar, através do nosso Projeto Político Pedagógico o diálogo Ética, Transcendência e Educação.

Bibliografia:

FRANÇA MIRANDA, M. A Salvação de Jesus Cristo, a doutrina da Graça. 1991, Loyola.VVAA. Compêndio Vaticano II