pt 44 - igreja e consciência

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    Perspectiva Teolgica, Belo Horizonte, Ano 44, Nmero 124, p. 343-344, Set/Dez 2012 343

    APRESENTAO

    Carlo Maria Martini (15.02.1927 31.08.2012) desenvolveu fecundoapostolado tanto atravs do magistrio a partir da Sagrada Escritura quan-to exercendo o ministrio episcopal como arcebispo de Milo (1980-2002).Seu percurso existencial constitui extraordinrio testemunho de servio aoReino de Deus e Igreja. Tinha profunda convico da vocao transcen-dente do ser humano, independente da ideologia poltica ou do credoreligioso. O que funda, de fato, a dignidade humana seno o fato de quecada ser humano uma pessoa aberta para algo de mais alto e maior doque ela prpria?1. Por isso realizou iniciativas que visavam aproximaocom no crentes e pessoas interessadas em debater sobre questes refe-rentes ao ser humano e seu esprito de abertura humanizao. O apelode Deus ao amor s pode se dirigir ao homem e mulher que queremassumir sua liberdade em profundidade. O amor de Deus livre de se-gundas intenes e de finalidades2. A respeito da reforma da Igreja e seu

    papel no mundo ps-moderno, no esprito do Vaticano II, partindo de suaexperincia pastoral, afirma com singeleza: O decisivo escutar o EspritoSanto, perguntar a Deus como tambm a nossos irmos e irms3. Martinicompreendia que a Igreja deve estar atenta, constantemente, aos apelos dahumanidade, entrando em sintonia com seus legtimos anseios, aberta aosquestionamentos que se levantam, quer ad intra, querad extra da Igreja.Somente assim ela estar altura de oferecer uma resposta satisfatria squestes que se lhe apresentam.

    O tema deste fascculo Igreja e conscincia publicadoin memoriamdocardeal Martini vem muito ao encontro de questes diante das quais ele seposicionou com grande coragem e lucidez crist e de pastor. A propsitodo conceito de conscincia moral, compreende-a como a capacidade de

    1 ECO, Umberto; MARTINI, Carlo Maria. Em que creem os que no creem?. Rio de

    Janeiro: Record, 2000, p. 75.2 MARTINI, Carlo Maria; SPORSCHILL, Georg. Dilogos noturnos em Jerusalm: sobre

    o risco da f. Rio de Janeiro: Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro; SoPaulo: Paulus, 2008, p. 32-33.3 Ibid. p. 138.

    IN MEMORIAM CARLO MARIA MARTINI SJ

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    nos avaliarmos no agir moral, ou seja, de saber se as nossas aes sodignas ou indignas4.

    Diante das normas morais emanadas do magistrio, os cristos tomamdiferentes posies: acolhida imediata de tais orientaes, recusa silenciosaem aceit-las e crtica explcita e mesmo sua rejeio. Em ltima anlise o

    que est em jogo a liberdade de conscincia, entendendo-se esta comointerioridade da escuta da voz de Deus. Os artigos que tratam da relaoIgreja e conscincia acentuam o problema dos impasses e conflitos que severificam nessa relao. Mas tambm apontam para possveis caminhos desuperao dessa dificuldade real no seio da vida eclesial. Eduardo LpezAzpitartemostra o percurso de tenses e dissensos na histria do magis-trio da Igreja no campo do ensino moral. O significado positivo de taistenses sinaliza a busca do dilogo sincero como via para superao dadistncia entre orientao do magistrio e conscincia dos cristos como

    realidade histrica. H aqueles que avanam procedendo heterodoxamen-te e tm, assim, contribudo para a abertura da doutrina moral. O dilogoentre hierarquia e cristos aparece como instrumento de crescimento deambas as partes. Frei Carlos Josaphat, apresenta a relevncia do carterteodidata da conscincia do ser humano aberto ao transcendente. Tratados vrios paradigmas ticos formulados a partir do Vaticano II. Tais as-pectos fundamentam a construo do valor da liberdade e das liberdades.Bernard Sesbodestaca a evoluo da conscincia nos tempos modernose as diferentes formas de exerccio do magistrio eclesial. Considera asdificuldades de seu encontro com a modernidade e o ideal de debate aber-

    to sobre tais entraves. Mariana Paolozzi reflete sobre a relao entre f erazo no pensamento de Santo Agostinho, mostrando que a partir dessabase se passa busca da verdade e compreenso da prpria Revelao doDeus trindade.rico Joo HammeseIrineu J. Rabuskeabordam a proble-mtica da violncia numa viso crist. Partem da realidade histrica queinclui prticas de eliminao, mas, por outro lado, conta com testemunhosde pacfica luta pela paz. Mostram que atravs de um caminho hermenuticose compreende que o Deus da tradio judeo-crist o Deus da paz. Os-valdo Luiz Ribeiro apresenta uma anlise da evoluo na elaborao dotexto bblico de Juzes 1,4b-7, sustentando que houve uma juno de tra-dies diversas na composio da narrativa a constante.

    Os principais artigos se remetem, cada um em sua especificidade pers-pectiva teolgica e eclesial proposta Igreja pelo Vaticano II, cujo 50aniversrio de sua abertura estamos celebrando. Inserem-se, pois, no mo-vimento de afirmao do aggiornamento da vida eclesial que o Conclioassumiu seguindo a intuio do Papa Joo XXIII.

    O Editor

    4 MARTINI, Carlo Maria. Viagem pelo vocabulrio da tica. So Paulo: Paulus, 1994,

    p. 39-40.

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    EDITORIAL

    O tema da conscincia tornou-se questo central do nosso tempo. Horizon-tes alargados ressignificam conceitos, linguagens, prticas e atitudes. Ofenmeno do pluralismo cultural, ideolgico e religioso, a secularizao, as

    novas antropologias, novos modelos de famlia, a biomedicina e abiogentica, o acesso irrestrito informao, a consolidao da democraciae dos direitos humanos, a ampliao das opes morais, o sujeito ps-moderno e sua relativizao das normas objetivas, a emancipao da socie-dade e do cidado do controle das religies, extrapolaram consideravel-mente a noo da conscincia como rbitro dos comportamentos vincula-dos moral. A intimidade do indivduo no est condicionada apenas pelareligio. O acmulo e acelerao das mudanas exigem esforo de escutaatenta das diferentes experincias, convices e paradigmas. Os impassesticos desafiam no apenas a conscincia crist, mas a conscincia de todaa humanidade.

    Em tema to delicado e central, a Igreja, com sua complexidade, vive ten-ses internas. Constata-se a retomada de modelos autoritrios recheadosde pessimismo que, apoiados em certa ideia de conscincia, quer a todocusto coadunar discurso condenatrio com a boa notcia do Evangelho. Sotentativas reais de controle das conscincias atravs do policiamentoostensivo do pensamento e dos comportamentos cotidianos do fiel.Pretensos representantes de uma viso de Igreja tridentina, reforada por

    certa interpretao do Conclio Vaticano I, manipulam textos bblicos,instrumentalizam o Direito Cannico, dogmatizam o Catecismo e servem-se das declaraes da hierarquia. A obsesso denunciante e intransigenteos torna coadores de mosquitos que engolem camelos (Mt 23,24). Intole-rantes, pervertem o sacramento da Penitncia para atemorizar o fiel comuso indiscriminado da ideia de pecado. Por entender a conscincia comorgo de ressonncia das normas institucionais pregam a submisso rigo-rosa autoridade. Uma moral de absolutos, do tudo ou nada, semmatizaes, cujo nico intrprete a hierarquia, vale por si mesma. Cons-cincias afnicas, cuja voz silenciada cultiva uma vida moral infantilizada,

    e de fiis amedrontados ante o risco do pecado e intimidados pela ameaada censura.

    IGREJA E CONSCINCIA

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    So pessoas e entidades que, ao sentirem-se ameaadas na identidade re-ligiosa, beiram o fundamentalismo. Atam fardos pesados e os colocamsobre os ombros dos homens, mas eles mesmos no esto dispostos a le-vantar um s dedo para mov-los (Mt 23,4). A intransigncia nota-se emalguns movimentos eclesiais (novos e antigos). Para parcelas do clero, da

    vida religiosa e do laicato, ser catolicamente correto equivale a subme-ter-se, sem questionar, disciplina moral determinada pela hierarquia.Diante desse restauracionismo arcaico, incentivado muitas vezes por re-

    presentantes de estruturas eclesisticas hostis ao Conclio Vaticano II, noh como no parafrasear Bernhard Hring: Sofro com a Igreja quandovejo partes dela escravizadas por tradies mortas, em contradio comnossa f num Deus vivente que age com seu povo em todas as pocas.

    Tal conceito fossilizado de conscincia contradiz frontalmente a doutrinado Conclio Vaticano II, o grande catecismo dos nossos tempos (Paulo

    VI), a bssola com a qual orientar-se (Joo Paulo II). Todo cristo estobrigado a seguir suas decises, pois promanam da suprema instncia daIgreja no ensinamento da f e da moral. Rejeitar o Conclio provocar ocisma e militar como Igreja paralela. Joo XXIII colocou toda a Igreja emsintonia dialogal e respeitosa com o sujeito contemporneo. A Igreja notem resposta para tudo, quer aprender da histria. Com este esprito elaest a oferecer sua compreenso sobre a conscincia.

    O esquema preparatrioDe ordine morali christianoapresentado pela CriaRomana, descrevia a ordem moral como absoluta, com elenco de preceitos,

    proibies e autorizaes. Ele foi rejeitado pelos padres conciliares. Erauma sntese da ideia de conscincia antes do Conclio. No estaramosassistindo recomposio das foras defensoras do citado esquema? Oquadro descrito anteriormente no seria a revanche dos pretensos derro-tados no debate conciliar? Monsenhor Lefebvre e cismticos no declara-dos no seriam apenas a ponta do iceberg? O Conclio no comps umdocumento exclusivo sobre a conscincia. Tratou dela em contexto maisamplo da relao da Igreja com o mundo contemporneo, expressada naConstituio PastoralGaudium et spes.A partir da compreenso de cons-

    cincia como onucleus secretissimus atque sacrarium hominis, in quo solusest cum Deo(Santo Agostinho) afirma-se a doutrina da dignidade da cons-cincia moral: No fundo da prpria conscincia, o homem descobre umalei que no se imps a si mesmo, mas qual deve obedecer; essa voz, quesempre o est a chamar ao amor do bem e fuga do mal, soa no momentooportuno, na intimidade do seu corao: faze isto, evita aquilo. O homemtem no corao uma lei escrita pelo prprio Deus; a sua dignidade est emobedecer-lhe, e por ela que ser julgado. A conscincia o centro maissecreto e o santurio do homem, no qual se encontra a ss com Deus, cujavoz se faz ouvir na intimidade do seu ser. Graas conscincia, revela-se

    de modo admirvel aquela lei que se realiza no amor de Deus e do pr-ximo(Gaudium et spes, 16).

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    Essa conceituao representa uma autntica volta s fontes do cristianis-mo. Suas razes bblico-teolgicas identificam a conscincia como o cora-o, a interioridade da pessoa. Chamado Aliana com Deus, o ser huma-no est em escuta contnua de sua Palavra e a conserva no corao. Nainterioridade Deus escreve a lei (Jr 17,1; 31,31-34; Ez 14,1-5; 36,26). Toda

    conduta brota desse centro cujo nico habitante Deus (Jr 11, 20). Encon-tra-se semelhante significado no Novo Testamento. O Evangelho de Jesus,manso e humilde de corao (Mt 11, 28-30), germina no mais ntimo da

    pessoa (Mt 13, 19). A mesma interioridade fonte das palavras, aes,atitudes e comportamentos desumanos (Mc 7, 18-23). O apstolo Paulointerpreta a tradio semtica do corao e assume sua globalidade nanoo grega de conscincia (syneidesis) como expresso ntima da novacriatura, do existir em Cristo (Hb 9, 12). Nessa intimidade, o cristo des-cobre o sentido ltimo da vida. A conscincia se entende como proprieda-de fundamental do ser sujeito, cuja dignidade exige que aja de acordo com

    uma opo consciente, livre e por convico pessoal, no por mera coaoexterna (Gaudium et spes, 17).

    J ensinava Santo Toms que quem cumpre a lei simplesmente porque um preceito no age moralmente, j que no livre. Nenhuma ao podeconsiderar-se boa ou m, se no faz referncia conscincia, como eco davoz de Deus. A conscincia lugar teolgico sagrado e inviolvel. Toda

    pessoa, pelo fato de ser criada imagem e semelhana de Deus, tem emsi a capacidade de desenvolver as potencialidades humanas em busca dobem. A experincia de f favorece o dinamismo da conscincia e seuamadurecimento. Por isso o Conclio pede que a doutrina moral da Igrejaseja renovada atravs do contato vivo com o mistrio de Cristo e com ahistria da salvao (cf.Optatam totius,16). Tal interioridade, como sacrriodo homem, no de isolamento, mas de comunho. um encontrar-se tua tu com Deus, um escutar a sua palavra que aguarda resposta (cf. Gaudiumet spes, 12). A conscincia no ensimesmamento, mas reciprocidade econvivncia. Na fidelidade conscincia, os cristos se unem aos outroshomens para buscar a verdade e para encontrar sadas a tantos problemasmorais que surgem tanto na vida individual quanto na social (ibidem,

    16). Na medida em que a verdade e os valores objetivos estiverem envol-vidos, a conscincia humana nunca ser infalvel. A conscincia pode setornar insensvel e cega, mas jamais perde a dignidade(Gaudium et spes,16).

    uma doutrina da conscincia que brota da prpria Revelao explicitadana Constituio Dogmtica Dei Verbum. A concepo relacional daRevelao desdobra os efeitos nombito da formao da conscincia. ARevelao no se reduz a contedo de verdades a acreditar ou de preceitosmorais a cumprir, mas uma experincia de encontro com Deus que no

    seu grande amor fala aos homens como a amigos, e convive com eles, paraconvid-los e receb-los em comunho com Ele (Dei Verbum,2). Em Jesus

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    Cristo, Deus se autocomunica de maneira definitiva. A raiz ltima da ofer-ta a conscincia (ibid., 5). Em face da Palavra Revelada a conscinciaintegra a dupla atitude religiosa e atitude moral. Ser cristo vai muito almda dimenso do dever. A conscincia adulta se mostra quando a liberdadee responsabilidade da conscincia so assumidas diante de Deus e inter-

    pretadas na existncia histrica. Catlogos de normas e cdigos disciplina-res so importantes quando esto em funo desta experincia fundamen-tal. Original na conscincia a graa de Cristo, nunca o pecado, pois f econscincia so inseparveis (1Tm 1,5.19).

    A Constituio Dogmtica Lumen gentium outro documento conciliarimportante no tema da conscincia. A prtica oficializada no Decretumdecreta (1142) de Gratianus entre Igreja docente e Igreja discente foi abo-lido pelo Conclio Vaticano II tambm no que se refere a problemas deconscincia. H uma volta s fontes para afirmar a Igreja como comunida-

    de de iguais. Cristo no quer servos, mas amigos (Jo 15, 15). Todo fiel templo do Esprito, sem distino de classes ou categorias, pois em um sEsprito fomos batizados todos ns, para formar um s corpo, judeus ougregos, escravos ou livres; todos fomos impregnados do mesmo Esprito(1Cor 12,13). O Esprito faz da Igreja povo de Deus e Corpo de Cristoum reflexo da comunho trinitria e um sinal eficaz do Reino de Deus. Se,

    por um lado, os apstolos recebem a misso do nico Mestre (Mt 23, 10),de transmitir a Palavra e manter o Povo de Deus na f (Lumen gentium,24), por outro, o mesmo Mestre soprou seu Esprito sobre toda a comuni-

    dade eclesial (Jo 16,13; 19, 22). Esta comunho d contedo real s palavrasirmos e irms em dilogo na busca da unidade. Jesus no quer chefessentados sua direita e esquerda. A sua Igreja se constri pela koinonia deiguais (Mc 10, 35-45). A funo da hierarquia entendida a partir destaeclesiologia. O magistrio um ministrio exercido a servio do Povo que de Deus e do Corpo cuja cabea Cristo. Portanto, o Magistrio no uma entidade supraeclesial que tem o monoplio do Esprito. Entretanto,a aura transcendente criada em torno da figura do Pontfice, servusservorum Dei,como supremo intrprete da Palavra extrapolou o carisma

    petrino alm dos limites da Revelao. preciso afirmar que as normas

    pastorais particulares aplicadas a problemas contextuais e histricos noso objeto do seu magistrio infalvel.

    Conscincia, como saber compartilhado como a prpria etimologia insi-nua, incide diretamente na vida do Povo de Deus. Se o laicato, junta-mente com os pastores, participa da mesma misso de Cristo, a verdadedeve ser buscada atravs da reciprocidade das conscincias. Os leigos

    podem esperar dos sacerdotes luz e fora espiritual. Mas no pensem queseus pastores so sempre to competentes que tenham soluo concreta

    para cada questo, mesmo a mais grave, ou que esta seja sua misso(Gaudium et spes,43). O Conclio tambm incentiva aos fiis liberdadede investigao, de pensamento e de informar-se, humilde e corajosamen-

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    te, no campo de sua competncia (ibid., 62). Alm da comunidade de f,a cincia, a cultura, as outras tradies ticas e religiosas contribuem naformao da conscincia. Neste sentido a Igreja o espao privilegiadoonde seus membros dialogam, dissentem e deliberam sobre as questesmorais advindas das diversas realidades que integram a vida dos fiis.

    Vale lembrar que todos os que se dedicam ao estudo das cincias sagra-das gozam da justa liberdade de pesquisar e de manifestar com prudnciao prprio pensamento sobre aquilo em que so peritos, conservando odevido obsquio para com o magistrio da Igreja (Cdigo de DireitoCannico, 218). No existem documentos eclesiais proibindo os fiis de

    pensar, decidir e avaliar. O cristianismo no fidesta. A f informa arazo, nunca a substitui. Contudo, a excessiva exposio da hierarquiaacaba por eclipsar o sensus fidelium enfraquecendo assim a Igreja comocomunidade de iguais no Senhor. Nem sempre se podem culpar unica-mente os fiis (christifideles) ou a mdia pela no recepo das ins-trues morais da Igreja. Muitos fiis j no se sentem representados nodiscurso moral da Instituio. Nesse monlogo, reina a desconfiana re-cproca. De fato, nem sempre a indiferena e a discrdia so fruto dadesobedincia. O fiel, ao ver invadida a intimidade e o santurio da cons-cincia, retira-se em atitude de defesa e de protesto.

    O Conclio conferiu uma compreenso sapiencial conscincia. ela afonte da identidade do cristo como algum chamado ao discipulado deCristo na Igreja reunido pelo Esprito em uma comunidade de

    discernimento: Que possais discernir o que melhor ou o que bom, oque mais importante ou o que mais convm e agrada a Deus (cf. Rm 2,18; 12, 2; Fl 1, 10; Ef 5, 10). Atravs do batismo, o Esprito Santo derra-mado sobre todos os que acreditam em Cristo (cf. 1Jo 2, 20.27). Odiscernimento aponta para o carter pneumtico da conscincia, e torna ofiel adulto na f. Todo cristo, tornado conforme imagem do Filho, recebeas primcias do Esprito (Rm 8,23). Sua responsabilidade se aplica a todaa vida eclesial. A conscincia norma do apostolado dos leigos (Apostolicamactuositatem, 5). O amadurecer da prpria conscincia permite assumir asresponsabilidades empenhadas pelo Esprito de Cristo(ibid.,12). Portanto,

    deve-se buscar a maturidade da conscincia para colaborar na construoda sociedade(ibid., 13). Em tempos ps-conciliares, os preceitos e juzossobre o comportamento moral do fiel no podem continuar sob o mono-

    plio dos clrigos ou autoridades eclesiais. A superao da tendncia dereduzir a conscincia ao campo da mera obrigao moral passa pelaredescoberta do valor do discernimento (Hb 5,14). Norma alguma substituio discernimento. Toda norma necessita interpretao. Ela prpria, na suaorigem, foi fruto de uma interpretao da vontade de Deus para contextosconcretos.

    No obstante, algumas instncias da hierarquia insistem em governar aIgreja como se o Conclio no tivesse acontecido. A confuso entre unidade

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    e uniformidade faz com que qualquer iniciativa, movimento ou palavradiscordante sofra suspeita e seja alvo do denuncismo tpico de temposobscuros. Uma coisa dissentir em Igreja, sentindo-se Igreja e na Igreja.Outra dissentir da Igreja estando fora dela. Por que temer o dissensoem questes morais no ensinadas de modo definitivo? Por que sempre

    tomar posio a favor da lei e da autoridade eclesial? Se a conscincia osacrrio secretssimo onde ressoa a voz de Deus, ela est acima do magis-trio como expresso vinculante da autoridade eclesial. Ora, a conscincia o primeiro de todos os vigrios de Cristo! (Catecismo da Igreja Catlica,1778 citao de Neumann). A autoridade eclesial consiste em apoiar asconscincias na busca da verdade, no impor-lha (cf. 2Cor 13,10). Suaintransigncia escandaliza os pequeninos (1Cor 10, 23-33). A interpretaorigorista da novidade crist afasta as pessoas de Deus (Santo Afonso deLigrio). O apego obsessivo s normas e princpios manifesta falta de con-fiana na capacidade humana de discernimento.

    Essa perspectiva convida a Igreja a confiar mais no sensus fidelium. Se osensus fidelium ajuda para a inteleco da f, muito mais competncia tmos fiis, quando se trata de questes morais que dizem respeito diretamen-te s suas vidas. Se os fiis leigos devem ter conscincia no s de perten-cer Igreja, mas de ser Igreja (Catecismo, 899), o laicato tem o direito einclusive o dever, em razo de seu prprio conhecimento, competncia ereconhecimento, de manifestar aos pastores sua opinio sobre aquilo que

    pertence ao bem da Igreja e de manifest-la aos demais fiis (Cdigo deDireito Cannico,212,3). Uma forma de evitar a mescla perigosa de fidesmo,autoritarismo e rigorismo levar em conta as posturas de telogos, decristos com experincia em suas respectivas reas de atuao social. Muitos

    problemas morais precisam de especialistas. Questes de biotica, econo-mia, poltica, afetividade, gnero ultrapassam ombito da Igreja na vari-edade das culturas e diversidade de contextos dos envolvidos. Amultiplicidade de experincia acumulada e vivida nas comunidades cris-ts forma um acervo tico importante. Releg-la ceder ao autoritarismoque no respeita a conscincia individual e coletiva.

    O Conclio, sabiamente, reserva liberdade de conscincia a ltima pala-vra a respeito das prescries morais concretas da Igreja. Cada fiel, deixan-do interpelar-se pela sua conscincia, pela Palavra de Deus e pela Tradioest chamado a assumir-se fazendo a escolha tica de forma consciente eresponsvel. O Magistrio uma instncia que pode ajudar na deciso queleva em conta a sua realidade. Deus quis deixar o homem entregue sua

    prpria deciso (Eclo 15, 14). Sem liberdade no se podem exigir respon-sabilidades morais, pois s na liberdade que o homem se pode converterao bem (Gaudium et spes,17). O homem tem o direito de agir com cons-cincia e liberdade, a fim de tomar pessoalmente as decises morais. Nin-gum pode ser forado a agir contra a prpria conscincia nem sequer emassuntos de religio (Cdigo de Direito Cannico,748, 2). O Conclio no

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    deixa margem a dvidas ou interpretaes distorcidas: Os seres humanosdevem ser imunes coero por parte dos indivduos, de grupos sociais ede qualquer poder humano, de modo que, em matria religiosa, ningumseja forado a agir contra a sua conscincia nem seja impedido, dentro dosdevidos limites, de agir em conformidade com ela: privada ou publica-

    mente, em forma individual ou associada (Dignitatis humanae, 2). Aoreconhecer a diversidade religiosa como um sinal dos tempos, a Igrejacoloca-se em sintonia com a Declarao Universal dos Direitos Humanos:Toda pessoa tem o direito liberdade de pensamento, conscincia e reli-gio (art. XVIII).

    A catolicidade da Igreja no significa anulao da singularidade das cons-cincias e da especificidade das tradies culturais. A verdade pode encon-trar diferentes expresses histricas. De fato, tudo o que neles h de bome verdadeiro, considera-o a Igreja como preparao ao Evangelho e como

    dom daquele que ilumina todo homem para que afinal tenha a vida(Lumen gentium, 16). O cristianismo no uma supermoral aplicvel demaneira homognea a todas as situaes e contextos histricos. O Evange-lho no oferece solues acabadas e a Igreja no tem obrigao de darrespostas para todos os problemas. Novos problemas nem sempre combi-nam com solues automticas apoiadas em uma compreenso patriarcal,ocidental e clerical da conscincia. No se aceitam mais posturascesaropapistas ou da cristandade gregoriana. A obsesso de responder atudo e a todos deve ser superada por uma busca coletiva, em dilogo com

    todas as pessoas de boa vontade (cf. Gaudium et spes,33 e 43). Uma coisa manifestar reservas a respeito de algumas prticas, outra pretenderimp-las aos demais em uma sociedade que j no compartilha da mesmaviso. Quando os princpios so questionados pelas novas situaes, j nobasta aplic-los sem mais. A credibilidade da Igreja depende, em grande

    parte, do reconhecimento da pluralidade, das novas sensibilidades e dadiversidade tpica do mundo contemporneo. No s a religio, mas ou-tros inmeros fatores influenciam na formao da conscincia. As dimen-ses intelectuais, afetivas e espirituais precisam ser levadas em conta.

    No h moral possvel sem a liberdade do seu agente. A moral somentepode estar referida a atitudes e decises livres tomadas no santurio desua conscincia, nico absoluto moral. para a liberdade que Cristo noslibertou (Gl 5,1). A liberdade crist , em definitivo, o amor de Deusderramado em nossos coraes pelo Esprito Santo que ele nos deu (Rm5,5). Antes de tudo, a liberdade um dom que capacita a pessoa a respon-der autocomunicao de Deus. Portanto, a nica garantia de termoscristos responsveis e adultos na f. A conscincia aparece como espaosagrado da liberdade, seu evento central e o ncleo da interioridade crist.A liberdade de conscincia a pessoa inteira. O homem sua conscincia.Invadir, controlar ou sufocar a conscincia negar aquilo que todo homem

    possui de mais sagrado: Pecando contra vossos irmos e ferindo suas

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    conscincias... contra Cristo que pecais (1Cor 8,12). O mesmo vale nos dos cristos, mas de todos os homens de boa vontade, em cujos coraesa graa opera ocultamente (cf. Lumen gentium, 16). Portanto, as tentati-vas para violentar as conscincias... desonram mais aqueles que assim

    procedem, do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a

    honra devida ao Criador (Gaudium et spes, 27).O Conclio ponto de no retorno no tema da conscincia e colocou aIgreja em processo de aprendizagem. distncia de 50 anos, mais doque nunca necessrio retornar quele momento de graa. Para desempe-nhar bem o papel de contribuir na formao de conscincias adultas, amensagem da Igreja deve brotar de um olhar sobre o Evangelho anunciado

    por Jesus e outro sobre a condio humana, histrica e cultural do fiel (cf.Gaudium et spes,46). A sintonia com as novas sensibilidades sem renun-ciar ao Evangelho atualiza o conselho da tradio agostiniana: no essen-

    cial, a unidade; na dvida, a liberdade; em tudo, a caridade.

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    ARTIGOS

    Ethical conflicts and Magisterium of the Church

    Eduardo Lpez Azpitarte*

    * Faculdade de Teologia de Granada Espanha. Artigo submetido a avaliao em06.08.2012 e aprovado para publicao em 20.09.2012.

    CONFLITOS TICOS E MAGISTRIO DA IGREJA

    RESUMO: O magistrio da Igreja tem a responsabilidade de ensinar e zelar pelobem dos membros da comunidade eclesial. No campo da teologia moral, histori-camente tem havido tenses e dissensos entre a autoridade eclesistica e telogose cristos que desejam se explicitem as razes das normas que lhe so impostas.Posies diversas sobre que esta questo mostram, entre outras urgncias, a neces-sidade de se passar da submisso palavra da autoridade, por medo, para aautonomia respeitosa que inclui a racionalidade das normas morais. Do contrrio,se caminharia para a formao de uma conscincia autoritria. Na busca de cres-cimento nessas relaes os cristos que ousam manifestar seu dissentimento ante

    o magistrio contribuem para o avano da formulao da doutrina moral catlica.No processo vital da experincia eclesial, as tenses nascidas do esforo do desejode compreenso racional da moral podem ajudar tanto o magistrio quanto ostelogos no exerccio das respectivas funes, por meio do dilogo verdadeiro.

    PALAVRAS-CHAVE: Autoridade, Magistrio, Moral, Conscincia, Dilogo.

    ABSTRACT:The Magisterium of the Church has a responsibility to teach and carefor the good of the members of the Church community. In the field of moraltheology, historically there has been tension and dissent among the ecclesiastical

    authority and theologians and Christians who want to more clearly define thereasons of the standards that are imposed. Diverse positions on this issue show,among other urgencies, the need to move from the submission to the word ofauthority, out of fear, to respectful autonomy that includes the rationality of moralnorms. Otherwise, the tendency would be toward the formation of an authoritarianconsciousness. In search of growth in these relationships the Christians who dareto express their voice against teaching contribute to the advancement of formulationof Catholic moral doctrine. In the vital process of ecclesial experience, the tensions

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    As tenses inevitveis na Igreja

    Nenhum catlico srio se atreveria a negar o valor que tem o Magist-rio da Igreja. Como sacramento de salvao, ela visa conservar intactaa palavra de Deus e transmitir fielmente a seus fiis a mensagem de Jesus.A tarefa de interpretar autenticamente a palavra de Deus, escrita ou trans-mitida, foi confiada exclusivamente ao Magistrio vivo da Igreja, cuja au-

    toridade exercida em nome de Jesus1

    . evidente que em seu ensino,alm dos aspectos relacionados com a f, incluem-se, tambm, aquelasprticas e costumes que vo contra os dados da revelao. Como em todainstituio, deve-se limitar as fronteiras para saber quem faz parte dela, ouquem se encontra em reas marginais.

    Alm disso, faz algum tempo que algumas igrejas protestantes lamenta-ram a falta de normas e orientaes, visto que a exclusiva responsabilidadepessoal no est livre de perigo. E h, alm disso, o risco de um pluralismoexcessivo e contraditrio, mas sem cair, como se afirma em algum docu-

    mento, na via legalista e autoritria do magistrio catlico2

    .A aceitao da doutrina catlica no eliminou, sem dvida, as inevitveistenses que sempre existiram ao longo da histria. J faz alguns anos quea Comisso Teolgica Internacional publicou um documento sobre a rela-o entre a teologia e o magistrio, onde falava da inevitvel tenso entreessas funes. A autoridade desta Comisso impede catalogar este fen-meno como ato de rebeldia ou como um gesto de falta de amor em relao instituio eclesial. Valoriza-o, em primeiro lugar, como um fato que notem nada de anormal ou extraordinrio: no estranho nem se deve

    esperar que se possa solucionar uma vez por toda nesta terra. E o consi-dera, alm disso, como algo positivo e enriquecedor, visto que no supeinimizade ou autntica oposio, mas um esforo vital e estmulo paracumprir juntos, em forma de dilogo, o prprio ofcio de cada um3.

    born of the effort in the desire of rational understanding of morality can help boththe Magisterium and the theologians in the performance of their respective duties,by means of truthful dialogue.

    KEYWORDS: Authority, Magisterium, Morals, Conscience, Dialogue.

    1 Constituio Dogmtica sobre a Divina Revelao, n. 10.2 Assim, por exemplo, COMISSIONE SINODALE DI STUDIO.La sessualit nella Bibbianel tempo presente, Torino 1984, p. 3. GESTEIRA GRAZA, M. La autoridad magisterialde la Iglesia a la luz del dilogo ecumnico. Micelnea Comillas, v. 59, n. 115, julio-diciembre, p. 431-456, 2001.3

    Theses de Magisterii ecclesiastici et Theologiae ad invicem relatione. Documenta(1969-1985), Editrice Vaticana: Roma 1988, p. 136. Cf., alm do breve, mas realistacomentrio que em seguida se insere, p. 155, Tambm NOVO CID-FUENTES, A. J. EL

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    A ltima Instruo sobre este tema repete a mesma ideia: se as tensesno brotam de um sentimento de hostilidade e de oposio, podem apre-sentar um fator de dinamismo e um estmulo que incita o Magistrio e ostelogos a cumprir suas respectivas funes praticando o dilogo4.

    Aqui poder-se-ia aplicar, tambm, o que o prprio K. Wojtyla afirmava daoposio solidria e comprometida com o bem comum: Aquele que pro-clama sua oposio, nem por isso recusa sua condio de membro dacomunidade... Pelo contrrio, busca seu prprio lugar dentro da comuni-dade, busca uma participao e atitude em direo ao bem comum que lhepermitiria conseguir uma participao melhor, mais completa e mais efe-tiva na comunidade5.

    Embora existam razes psicolgicas, sociais e religiosas para insistir naobedincia como um valor importante, semelhante atitude no elimina

    situaes conflituosas. Se as relaes tivessem sempre seguido por umnico caminho de submisso, uma pacfica harmonia reinaria sempre, semas inquietaes que ameaam sempre a convivncia humana, quando en-tram em jogo novas perspectivas. Na vida da Igreja, como em qualquercomunidade humana, houve oscilaes significativas ao longo da histria.pocas nas quais se manteve uma coeso profunda, sem feridas traum-ticas e outras nas quais a diviso, a desconfiana mtua, a suspeita, acondenao ou a rebeldia se manifestam com maior facilidade.

    No momento atual, muitos estaro de acordo em que os vnculos da au-

    toridade com seus subordinados no so de todo pacficos. Agora me detereiexclusivamente nas dificuldades que hoje se constatam no campo concretoda moral. Acredito que existem algumas peculiaridades especficas, queno se do no mbito da Escritura ou da Dogmtica, e que exigem, portan-to, uma abordagem um pouco diferente. Vou me deter, fundamentalmen-te, sobre alguns fatores que condicionam a existncia destes possveis con-flitos.

    A superao de enfoques antigos

    Sempre me neguei a reconhecer a diferena clssica que se admitia entretica e moral. Era um enfoque que aparecia nas primeiras pginas dostextos de Teologia Moral, a comear dos mais clssicos at alguns dos mais

    magistrio en la Iglesia.Lumieira,n. 60 p. 65-68, 2007. BRIGHENTI, A. Iglesia, teologay magisterio en Latinoamerica. Enfrentamientos innecesarios y tensiones evitables.Concilium, n. 345, p. 45-58, 2012.4

    Veja a instruo da CONGREGAO PARA A DOUTRINA DA F.La vocacin eclesialdel telogo, v. 25. Ecclesia, n. 2483, p. 20-30, 1990.5 WOJTYLA, K. Persona y accin. BAC: Madrid 1982, p. 334.

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    recentes6. A tica se fundamentava exclusivamente na razo humana, comseus limites e incapacidades; enquanto a moral se apoiava na palavra deDeus, como a Igreja a propunha em seus ensinamentos. A tica, comodisciplina filosfica, era somente uma ancilla Theologiae(escrava da teo-logia) que no pode se tornar independente da f. Tambm, nos docu-

    mentos recentes do magistrio est explcita, com maior ou menor

    nfase,esta mesma ideia de que sem a f no possvel conhecer completamenteas verdades ticas. O homem pode reconhecer o bem e o mal que elemesmo realiza mediante sua razo iluminada pela Revelao divina epela f7.

    As consequncias deste enfoque resultavam demolidoras, visto que seargumentava que as exigncias ticas se apoiam fundamentalmente nascrenas religiosas. A seguinte citao uma dentre outras possveis: Asproposies da tica devem ter o mesmo rigor, coerncia e justificao que

    as proposies cientficas. Ao contrrio disso, os princpios, normas oujuzos de uma determinada moral no se revestem desse carter. E no sno tm um carter cientfico, seno que a experincia histrica moraldemonstra que muitas vezes so incompatveis com os conhecimentos quetrazem as cincias naturais e sociais. Portanto, podemos afirmar que se sepode falar de uma tica cientfica, no se pode dizer o mesmo da moral.No h uma moral cientfica8.

    Embora hoje muitos autores continuem aceitando uma distino entre asduas disciplinas, sua interpretao bastante diferente e no haveria difi-culdade em admiti-la, apesar de no se considerar a origem histrica des-tes vocbulos. Sem entrar agora em mais detalhes, a moralfaria refernciaao conjunto das normas que orientam a vida, enquanto a tica estudariaracionalmente a justificao das condutas.

    De qualquer modo, depois de tudo o que foi dito, acredito que as exign-cias ticas ou morais tero uma fundamentao razovel. Vivemos emuma sociedade que tem conscincia de ter alcanado sua maioridade edeseja ter uma justificativa sensata do porqu tem que se comportar e

    atuar desse ou daquele modo.

    6 Como exemplo da postura tradicional, conservada constantemente, podemos consultar:VERMEERSCH, A. Theologia Moralis. Gregoriana: Roma, 1933, p. 9. Entre os maisrecentes: FERNNDEZ, A. Diccionario de Teologa Moral. Monte Carmelo: Burgos 2005,p. 909-912.7 JUAN PABLO II. Encclicas. El esplendor de la verdad, n. 44 (a cursiva encontra-se

    no original); El valor inviolable de la vida humana, 71 y 72; Sobre las relaciones entrefe y razn, n. 85, etc.8 SNCHEZ VZQUEZ, A. tica. Barcelona: Editorial Critica, 1981, p. 25-26.

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    Da submisso autonomia

    Eu sempre critiquei a existncia de uma moral infantil to frequente naprxis crist, que sabe muito bem o que se tem a fazer, entretanto ignorae desconhece as razes desse comportamento. a dificuldade atual demuitos padres e mestres que se sentem incapazes de dar uma explicaorazovel s novas perguntas que lhes so feitas9. A eticidade de uma con-duta no se radica na revelao de Deus ou no ensino da Igreja. A auto-ridade, fora a legislao positiva, no pode ser nunca o argumento defini-tivo para provar a malcia de uma ao. Isto significa que a normativa ticano pode ter outro ponto de partida que a racionalidade da prpria con-duta. A tradio, o magistrio da Igreja, a mesma palavra de Deus deve seruma fonte de dados importantes para se tomar qualquer deciso posteriora mais honesta e objetiva possvel. No entanto, uma coisa a ajuda paraevitar potenciais erros e subjetivismos exagerados, e, outra coisa, muito

    diferente, aceitar a licitude ou imoralidade de uma conduta pelo fato deser ordenada ou proibida.

    Todos os autores que trataram sobre o desenvolvimento do sentido moralinsistem em que esta autonomia, ainda que se designe de diferentes mo-dos, a meta de todo processo educativo: que o indivduo esteja conven-cido do modo e do porqutem que agir10. A prpria abordagem de SantoToms, quando fala da ofensa a Deus, extraordinariamente moderna:Deus no se sente ofendido por ns a no ser porque agimos contra nossoprprio bem11. Isto significa que, quando algum se considera incorretoou pecaminoso, todo ser humano tem o direito em pedir uma explicaopara que possa agir a partir de uma convico pessoal e no pelo simplesfato de ter sido mandado. Santo Toms volta a nos recordar que aqueleque evita o mal no por ser mal, seno por ser mandado, no livre, masaquele que o evita por ser um mal, esse livre12.

    Dito de outro modo, no se pode apresentar uma doutrina como tica eexigir uma submisso sem argumentos racionais. Por f aceitamos umasrie de verdades que no se explicam com justificativas humanas, seno

    pela autoridade de Deus que se revela, mas as obrigaes ticas no per-

    9 Cf. LPEZ AZPITARTE, E. Fundamentao da tica crist. So Paulo: Paulus, 1995,p. 87-110. La educacin moral en la famlia, Revista Agustiniana, v. 36, p. 503-535,1995. Hacia una nueva visin de tica cristiana. Santander: Sal Terrae, p. 86-110, 2003.10 Cf. QUINTANA CABANAS, J. M. Pedagogia moral. El desarrollo moral integral.Dykinson: Madrid 1995. E a magnifica reflexo de VALADIER, Paul. Un cristianismo de

    futuro. Por una nueva alianza entre razn y fe, PPC: Madrid 2001. Tambm TORRESQUEIRUGA, A. Moral y religin: de la moral religiosa a la visin religiosa de la moral.Selecciones de Teologa, v. 44, n. 174, p. 83-92, abr./jun., 2005.11

    Summa contra gentes III, 122.12In epistolam ad Corinthios,cap. III, lect. III. In: Opera Omnia,t. 21, Vivs: Paris 1876,p. 62.

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    tencem a esse mundo de mistrios. verdade que a confiana na autori-dade suficiente para os que no conhecem nem desejam saber as razesque existem, porm essa mesma autoridade tem que estar capacitada paradar uma justificativa razovel sempre que algum a solicite.

    No acredito que exagere muito se sublinho o valor excessivo que tiveramos argumentos de autoridade. Desde pequeno nos ensinaram com todaexatido como devia ser nosso comportamento, mas apenas preocupavam-se em dar uma explicao razovel do por que se deve agir de tal maneira.No fundo, ficava sempre uma motivao oculta, mas muito eficaz: era umacondio indispensvel para se obter o carinho insubstituvel de nossospais, a estima e o apreo das pessoas que nos rodeavam e, sobretudo, aamizade com Deus que, como crentes, resultava ainda mais importante.Uma fundamentao muito heternoma, baseada, sobretudo, no medo emperder o afeto e o carinho dos demais.

    O risco de uma conscincia autoritria

    Tudo isto explica porque se forma com toda facilidade uma conscinciaautoritria, como um mecanismo espontneo do psiquismo humano. Oaspecto mais caracterstico reside no fato de que suas determinaes eimperativos no nascem a partir de um juzo de valor sobre a conduta, poruma convico racional de que assim se deve comportar, seno por sersimplesmente mandados da autoridade. A educao, como alguns critica-

    ram, seria uma espcie de chantagem afetiva para manter um controlesobre as condutas alheias; um autoritarismo que impede o processo deformas de autonomia indispensveis para a maturidade pessoal. No du-vido que estas etapas esto vinculadas nossa psicologia. O lamentvel que este processo que deveria ser uma etapa passageira, estabiliza-se deforma permanente. So muitos os que vivem com uma conscincia mani-pulada e ignorantes desta situao, visto que resulta muito mais cmodoe tranquilizador permanecer assim do que enfrentar a prpria autonomiae responsabilidade13.

    O que mais perigoso nesta situao que a autoridade termina, fazendo-se annima e, se no se converte o indivduo em um autntico escravo, fazdele um autmato que se deixa levar pelo conformismo. As reflexes deFromm, para explicar a gnese desta estrutura no mbito sociolgico e

    13 MARDONES, J. M. Existe tambin una manipulacin religiosa?. Santander: SalTerrae, v. 72, n. 7-8, p. 521-536, 1984. GARCIA-MONGE, J. A. Psicologa de la sumisiny psicologa de la responsabilidad en la Iglesia. Sal Terrae, Santander, v. 84, n. 296, p.21-34, enero 1996. ARRIETA, Lola. El poder en la Iglesia Poder para dominar o para

    servir y liberar?. Sal Terrae, v. 84, n. 296, p. 35-51, 1996. BEINERT, W. Dilogo yobediencia en la Iglesia. Selecciones de Teologa, v. 39, n. 153, p. 61-70, enero-marzo2000.

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    poltico, so aplicveis tambm ao mundo psicolgico14. Em qualquer hi-ptese, a subordinao est mantida no por motivaes racionais, senopor influxos, muitas vezes inconscientes, do mundo afetivo. Os sentimen-tos de medo, admirao ou carinho fazem que o subalterno renuncie apedir explicaes e se entregue sem dvida vontade daquele que decide.

    Esta mentalidade ficou bastante marcada em uma encclica de Pio X quan-do afirmava que a Igreja por sua natureza uma sociedade desigual;compreende duas categorias de pessoas: os pastores e a grei... s a hierar-quia move e dirige... O dever da grei aceitar ser governada... Enquantoo povo no tem outra sada que deixar-se conduzir e seguir docilmente aseus pastores15. Para oferecer uma segurana maior que fomentara umaatitude de docilidade, recordou-se sempre, sem que agora pretendamosnegar essa ajuda, a assistncia especial do Esprito para evitar o erro nosensinamentos da Igreja.

    H que se reconhecer, sem dvida, como j disse, que hoje vivemos emuma sociedade onde se respiram outros valores diferentes. A Igreja no uma democracia, certamente; no entanto, da mesma maneira que incorpo-rou em outros tempos elementos muito significativos da sociedademonrquica, como a forma mais adequada de governo, tambm hoje po-deria recolher certos aspectos da nossa cultural atual que no vcom bonsolhos uma autoridade absoluta. Ainda que alguns telogos pretendam ocontrrio, o papado no deveria se considerar com os atributos de umamonarquia absoluta. A igualdade dos batizados diante de Deus, que comtanta fora se proclama, deveria se expressar, tambm, em sua prpriaestrutura, sem desprezar ningum de sua inspirao evanglica16.

    14 Vale a pena ler FROMM, E. El miedo a la libertad. Martnez de Murgua: Madrid,1977, especialmente a anlise sobre a conscincia autoritria em tica y psicoanlisis.Fondo de Cultura Econmica: Mxico 1971, p. 157-172. ROVALETTI, M. Consciencia yautoridad en el pensamiento de Erich Fromm. Revista Internacional de Sociologa, v. 44,p. 547-561, 1986. GARCA COLLADO, M J. Falseamiento de la libertad y la obediencia.Sal Terrae, v. 78, n. 4, p. 303-309, abril 1990.15 Pio X, encclica Vehementer nos de 11-II- 1906. Pode-se consultar em AA. VV., Nueva

    Historia de la Iglesia. Cristiandad: Madrid 1977, v. V, p. 146, j que desapareceu dasltimas edies do DENZINGER-SCHNMETZER.16 SEIBEL, W. Es la democracia ajena al ser de la Iglesia?, Selecciones de Teologa,n. 35, n. 139, p. 173-174, julio-septiembre 1996. HEINZ, H. Democracia en la Iglesia.Corresponsabilidad y participacin de todos los bautizados, Selecciones de Teologa, n.35, n. 139, p. 163-172, 1996. ESTRADA, J. A. De la sociedad desigual a la comunidadde bautizados, e tambm: TORRES QUEIRUGA, A. Magisterio, teologa y pueblo. In:

    AA. VV., Retos de la Iglesia ante el nuevo milenio , Fundacin Santa Maria: Madrid, 2001,45-68 y 99-135. MAIER, H. Democracia en la Iglesia?, San Pablo: Madrid, 2005.

    ROSHWALD, M. Races bblicas de la democracia, Selecciones de Teologa, n. 47, p.227-240, 2008. VALADIER, P. Quelle dmocratie dans lglise?, em sua obra La moralesort de lombre, Descle De Brouwer: Paris 2008, p. 275-283.

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    mtuas e as desconfianas profundas da parte da hierarquia e dos telogosimpedem qualquer tipo de dilogo que pudesse levar ao esclarecimentodos problemas. E evidente que com esta dificuldade de comunicao,tenhamos que repartir a culpa com todos. Uma hierarquia sem dilogocom os fiis, como acontece com frequncia, to perigosa e pouco crvel,

    como alguns fiis que prescindem da hierarquia, como tambm acontece.Do mesmo modo, no enriquecedor que, quando se fomenta algum tipode encontro, se realize fundamentalmente com os da prpria ideologia.

    Alguns dados significativos: colegialidade e magistrio

    Esta situao, qual me referi, manifesta-se em dois fatos concretos esignificativos. A debilitao das Conferncias Episcopais um sinal quepretende evitar qualquer indcio de disparidade. Na eclesiologia de comu-nho, sublinhada pelo Conclio, apesar das reticncias existentes, aparece

    com fora a colegialidade de todos os bispos frente de suas igrejas, pre-sidida pelo bispo de Roma. A autoridade suprema da Igreja no seria so Papa, seno todo colgio episcopal com e sob o romano pontfice. Frutodessa nova eclesiologia, nasceram os snodos dos bispos e as confernciasepiscopais. Muitos continuam acreditando que semelhante caminho ficouobstrudo para retirar dele todas suas consequncias por causa das caute-las posteriores que se deram na legislao.

    Apesar de seu rechao generalizado por parte de uma grande maioria aoprojeto do documento27, a carta apostlicaApostolos suosconcede Santa

    S constituir as conferncias, aprovar seus estatutos e controlar suas aes28.Por isso, quando os bispos de um territrio exercem conjuntamente algu-mas funes pastorais... tal exerccio, sem dvida, no assume nunca anatureza colegial caracterstica dos atos da ordem dos bispos enquantosujeitos da suprema potestade sobre toda a Igreja (n. 12). Tambm elesficam submetidos ao ditame de Roma, inclusive naquelas questes ondeno esto em jogo a f, mas a prudncia pastoral na orientao de seusfiis. A Conferncia s uma manifestao do afeto colegial, mas semfora obrigatria para ensinar uma doutrina que no seja unnime e pre-

    27 NAUD, A. Dans le prolongement du Colloque de Salamanque. Le magistres desConfrences episcopales,Sciences et Esprit, n. 41, p. 93-114, 1989. excelente artigo de

    ANTN, A. El munus magisterii de las conferencias episcopales. Horizonte teolgico ycriterios de valoracin, Gregorianum, n. 70, p. 741-778, 1989. SULLIVAN, F. A. TheTeaching Authority of Episcopal Conference. Theological Studies, n. 63, p. 472-493,2002.28 GHIRLANDA, G. Il M.p. Apostolos suos sulle Conferenze dei Vescovi. Periodica, v.88, p. 609-657, 1999. RSY, L. Las Conferencias episcopales y la fuerza del Espritu.

    Razn y Fe, n. 241, p. 153-164, 2000. PASTOR, F. A. Authenticum epicoporummagisterium. Las conferencias de obispos y el ejercicio de la potestas docendi . Periodica

    de Re Canonica, v. 89, p. 79-118, 2000. MARTNEZ GORDO, J. La Curia Vaticana y lasConferencias episcopales: una complicada y deficiente relacin, Lumen, v. 54, p. 43-70,2005.

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    viamente aprovada pelo Papa. No h dvida de que o equilbrio entre oprimado romano e a colegialidade no est ainda totalmente resolvido.

    Algo parecido teria que se dizer sobre o Snodo dos bispos, que seria umaboa ocasio para estudar os problemas que afetam a Igreja. No entanto, aescolha do tema no da competncia deles e suas concluses finais s

    tm um carter apenas consultivo. Proposies apresentadas quase de umamaneira unnime no tm ressonncia nas exortaes posteriores. Algunsautores assinalaram que tudo isto manifesta certa desconfiana com rela-o ao colegiado episcopal29.

    Um segundo sintoma tambm significativo a maior fora outorgada aomagistrio ordinrio da Igreja. Quando as Conferncias Episcopais falaramda possibilidade de um dissentimento respeitoso, como no caso da HumanaeVitae, sob as devidas condies, evidente que se produziu uma aberturaperigosa. Existia o perigo de que estes ensinamentos, que no tinham um

    carter dogmtico, no tivessem maior eficcia na prtica. O caminho maiseficaz que se buscou foi atribuir a alguns destes ensinamentos um carterdefinitivo. Quando uma doutrina proposta pelo Papa durante muitotempo, e em comunho com os bispos, goza de uma fora especial: aindaque no se tenha declarado como infalvel, j no se poder mudar nofuturo por se tratar de algo definitivo.

    Sei muito bem que para alguns autores esta mudana no estabelece difi-culdades especiais, nem supe alguma novidade, porque s se explicitouo que j estava presente na doutrina tradicional30. No entanto, este no

    o parecer de muitos outros que advertem srias dvidas nesta nova divi-so, nas quais no vamos nos deter agora. O que verdade e parece claro que se trata de impor, com o peso do definitivo, doutrinas que noestavam claras na conscincia do povo de Deus. As justificativas que foramdadas no parecem convincentes para muitos telogos que veem, por estecaminho, um desejo de reforar a autoridade do magistrio31.

    29 SESBOE, Bernard. La rception officielle des noncs de Vatican II sur lpiscopatdans le document du Saint-Sige despuis le nouveau Code (1983-1999). In: LEGRANDH.; THEOBALD, Christoph. Le ministres des vques au Concile Vatican II et depuis.

    Hommage Mgr. Guy Herbulot, Du Cerf: Paris, 2001, p. 148.30 Podemos ver, por exemplo, CARLOTTI, P. Teologia morale e magistero, Salesianum,n. 63, p. 23-55, ianuarius-martius 2001. SALVATORI, D. LAd tuemdam fidem e il c.750: una novit in doctrina?. Periodica de Re Morali, n. 91, p. 423-458, 2002.31 ANTN, A. I teologi davanti allistruzione Donum veritatis,Gregorianum, n. 78, p.223-265, 1997. CHIRON, J. F. Lautorit du Magistr infaillible lorsquil se prononce surde verits non rveles. Dossier thologique, Revue dthique et Thologie Morale.GAILLARDETZ, R. R. El magisterio ordinario universal: problemas no resueltos,Selecciones de Teologa, n. 43, n. 171, p. 171-186, julio-septiembre 2004. SESBOE, B.

    El magisterio a examen. Autoridad, verdad y magisterio en la Iglesia, Mensajero: Bilbao

    2004. MOLINA, D. Evolucin y vigencia de las condiciones de infalibilidad, Facultad deTeologa: Granada 2005. HNERMANN, P. Obligatoriedad de la doctrina eclesistica ylibertad de la Teologa. Selecciones de Teologa, n. 47, p. 227-240, 2008.

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    A necessidade de uma evoluo: para superar certo desencanto

    Ante uma situao como a que tentei expor, tal e como hoje muitos avemos, no resulta estranho que bastantes crentes possam experimentarcertos conflitos em sua conscincia. No me refiro agora aos catlicos, cujavinculao com a Igreja demasiado perifrica e superficial; sentem umclaro desapego e indiferena frente aos ensinamentos da hierarquia; e,inclusive, manifestam sua agressividade e rechao contra a instituio, cujoensinamento creem que est o bastante desacreditado, como para outor-gar-lhe a confiana que se lhes pede.

    Penso, sobretudo, em muitas outras pessoas que desejam manter sua fide-lidade e apreo por essa funo do Magistrio, pretendem manterem-seobedientes a seus ensinamentos, mas tampouco sabem como agir quandoalguma doutrina -lhes incompreensvel. Sua prpria formao cientfica

    os faz descobrir que a fundamentao de um ensinamento no to claracomo se apresenta. Os problemas ticos so muitas vezes demasiado com-plexos, e at entre os prprios cientistas no existe unanimidade de crit-rios. Nestas situaes a obedincia a nica alternativa possvel?

    No h dvida de que, no campo da moral, somos muitos os que desejar-amos certa evoluo em algumas das exigncias ticas que se apresentam aopovo cristo. No me refiro agora a nenhuma concretamente para no levan-tar discusses, mas o desejo est presente no corao de muitos fiis32.

    Qualquer pessoa que conhea um pouco a histria da Igreja pode captarimediatamente como se tem dado a evoluo em sua doutrina, s vezes,com retrocessos e vacilaes. Impressionou-me um texto de Bento XVI, emum livro dedicado a seus alunos em 1967. Recolhendo uma narrao pa-rablica de Kierkegaard, quando um palhao teve que ir aldeia paraavisar de um fogo no circo e todo mundo ps-se a rir e no acreditou emseu grito por auxlio, comenta: uma imagem do telogo a quem no seleva a srio, se veste como os atuantes de palhao da idade mdia ou dequalquer outra poca passada. L pode dizer o que quiser, leva sempre aetiqueta do papel que desempenha. E, ainda que se esforce por apresentar-

    nos com toda seriedade, sabe-se de antemo o que : um palhao. Conhece-se o que diz e se sabe tambm que suas ideias no tm nada a ver com arealidade. Pode-se escut-lo confiado, sem temor ao perigo de ter que preo-

    32 BRACKLEY, Dean. Tendencias actuales de la Teologa moral en Amrica Latina.Revista Latinoamericana de Teologa, San Salvador, v. 19, n. 55, p. 95-120, 2002. CUESTALVAREZ, B. Teologa moral en camino: del Concilio Vaticano II a nuestros das.CienciaTomista, n. 132, p. 515-544, 2005. FRANA MIRANDA, M. de. O Conclio Vaticano IIou a Igreja em contnuo aggiornamento. Perspectiva Teolgica, Belo Horizonte, n. 38, p.

    2331-250. VIDAL, M. El malestar moral en la Iglesia. In: Orientaciones ticas paratiempos inciertos. Bilbao: Descle De Brouwer, 2007, p. 15-32. CARRERA, D. Una moralpara nuestro tiempo. Selecciones de Teologa, n. 50, p. 299-318, 2011.

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    bom que brote de vez em quando o protesto, o inconformismo ou acontestao que impedem ancorar em uma etapa do caminho.

    Qualquer pessoa que possua um pouco de perspectiva histrica, inclusivesobre a poca mais recente, ter que admitir que os caminhos tenham sidocom frequncia fruto dos fatos consumados. O que no princpio se consi-

    derou um gesto de indisciplina ou desobedincia, uma conduta prpria depessoas rebeldes e inobservantes, termina por impor-se mais tarde comoalgo normal e confirmado pela prpria autoridade. Muitos santos e todosos revolucionrios foram tidos como molestos, suspeitos e criticados pelasautoridades competentes, j que pareciam perigosos para os esquemasteolgicos, culturais ou polticos do momento. Com o passar do tempo ea avaliao histrica s nos resta agora a colheita daquela semeadura queagradecemos, mas deixamos no esquecimento a dor, os conflitos e o esfor-o que sups, quando foram condenados como traidores, iluminados, lou-

    cos ou equivocados.Por isso, nem toda transgresso, quer dizer, avanar um pouco alm doslimites, quando no est em perigo o depsito da f algo condenvel. a lgica e inevitvel tenso entre a autoridade, que procura defender aunio e tenta mant-la com a docilidade e obedincia, e a nova fora quedesperta como uma ameaa perigosa, pois vem a romper o equilbrio exis-tente e a coeso conseguida. Todos estamos com medo. Alguns porque amudana resulta traumtica, incontrolada e o consideram uma traio.Outros, pela apatia e lentido com que se realiza34.

    No tampouco necessria nenhuma interpretao maniqueia, entre bonse maus, j que nessas situaes de mudana existem muitas nebulosas paradistinguir com clareza o que parece mais conveniente. Os responsveis sesentem obrigados a defender o patrimnio recebido para que a evoluono se converta em um desastre. E o remdio mais eficaz, para evitarqualquer renovao, tem sido sempre o desprestgio e a condenao dosque vislumbravam melhores horizontes. Dessa maneira, enquanto soconsiderados como pecadores ou rebeldes diminui sua possvel influnciano ambiente e se vacinam os demais contra o perigo de contgio. Quando

    a transgresso desperta sentimentos de culpabilidade e arrependimento seconfirma a coeso e a ordem estabelecida, mas, na medida em que taissentimentos diminuem se facilita seu posterior no cumprimento e a am-pliao de suas fronteiras35.

    34 Recomendo a leitura de GMEZ SERRANO, P. J. El miedo en la Iglesia hoy. SalTerrae, Santander, v. 98, n. 1148, p. 695-709, septiembre 2010.35 Apesar dos anos passados, resultam ainda interessantes os artigos de FOUREZ, G.

    Transgression et morale: une problematique.Supplment, n. 35, p. 5-18, 1982 e DHANEN.De la trace transgressive. Problmes et apports dune analyse historienne de latransgression, ib., p. 31-40.

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    Como, alm disso, muitas transgresses terminam no fracasso e resultamestreis, sua recordao se utiliza como argumento para legitimar anormativa vigente e impedir que outros se dirijam para novos caminhos.O que no se diz que, em outras ocasies, tambm resultaram positivase serviram como ponto de partida para as mudanas posteriores. Ento,

    quando a autoridade os confirma e, inclusive, quando recompensa e louvamais adiante os que censurou anteriormente, os mais tranquilos eobservantes caminham j com boa conscincia por veredas que outrosabriram com uma desobedincia fecunda e dolorosa.

    Crentes submissos e crentes inquietos

    H gente boa que no tem dificuldade em submeter-se a tudo o que foimandado, ainda que tenha que pagar o preo de uma submisso passiva.

    Nem tampouco nunca vai ser criticada. Ter, alm do mais, ganhado obeneplcito da autoridade correspondente. Inclusive determinadas psico-logias, incapazes de enfrentar qualquer tipo de dvida ou incerteza, exi-gem, mais ou menos explicitamente, a firmeza do que manda para evitarqualquer angstia ou dvida interior. Para estes a pacincia e a tolerncia,que hoje s vezes se tm com os inconformistas, no so nada mais que umsintoma de covardia e de um respeito humano inaceitvel. As normas sofeitas para serem cumpridas e nem sequer resulta vlida qualquer inter-pretao que desvirtue sua eficcia. A crise eclesial causada, sobretudo,por falta de uma autoridade que mande e imponha. O que alguns desejam

    na atualidade me recorda muito o que j se tinha pedido em tempos an-teriores36.

    Seria necessrio reconhecer, inclusive, que a ideologia mais conservadoratem hoje lugar relevante. Se utilizarmos uma linguagem poltica que aquicertamente no resulta a mais adequada hoje diramos que a leva aganhar, sem representar a grande maioria. So os grupos que gozam demaior estima nos estamentos eclesiais e recebem os melhores elogios37.

    Nosso Papa atual escrevia, faz alguns anos, quando fazia referncia ati-

    tude do cristo entre a liberdade do testemunho, que o faz lutar contra os

    36 Chamou-me a ateno a seguinte citao de La Civilt Cattolica contra o catolicismoliberal do sculo XIX que, no melhor dos casos, algum repetiria hoje com gosto: Osprincpios catlicos no se modificam, nem porque os anos correm, nem porque se mudade pas, nem por causa de novos descobrimentos, nem por razo de utilidade... Quem osaceita em sua plenitude e rigor catlico; o que duvida, se adapta aos tempos, transige,poderia dar-se a si mesmo, se quiser, o nome que queira, porm diante de Deus e daIgreja, um rebelde e um traidor. Tomado de LABOA, J. M. Historia de la Iglesia

    Catlica: edad contempornea. Madrid: BAC, 1999, p. 82-83.37 LPEZ AZPITARTE, E. Esperanza que perdura en la vida de cristianos amenazados.CIAS (Argentina), n. 651, p. 415-426, 2002.

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    fatos da Igreja, e a obedincia silenciosa da aceitao: No entanto, a ver-dadeira obedincia no a obedincia dos aduladores..., que evitam todochoque e pem sua intangvel comodidade acima de todas as coisas... Oque a Igreja de hoje necessita (e de todos os tempos) no so panegiristasdo existente, mas homens em quem a humildade e a obedincia no sejam

    menores que a paixo pela verdade; homens que deem testemunho a des-peito de todo desconhecimento e ataque; homens, em uma palavra, queamem a Igreja mais que a comunidade38.

    E estes crentes tambm existem. Gente que deseja buscar novos caminhos,que tem uma experincia de Deus, mas que no esto totalmente satisfei-tos com algumas ofertas que se apresentam ao povo cristo. Seria lamen-tvel que sua voz ficasse abafada pela fora, como se no tivessem nenhu-ma contribuio a dar nos momentos atuais, ainda que pudessem resultartambm incmodos.

    No entro agora em todos os problemas que esto implicados na recepoda doutrina por parte dos fiis; nem sobre o que diz o Direito Cannicosobre esta prtica que tem e suas experincias histricas; o que afirma maisrecentemente um documento romano: Nem todas as ideias que circulamno seio do Povo de Deus resultam coerentes com a f, mais ainda quandopodem sofrer facilmente a influncia de uma opinio pblica difundidapelos atuais meios de comunicao39. Porm nem tudo pode vir de mvontade ou da rebeldia interior. Quando um numeroso grupo de crentescomprometidos com sua f, que amam a Igreja, sinceros em suas reflexesexperimentam srias dificuldades em algumas posies ticas, devem estarem jogo verdades fundamentais40.

    Todos esto de acordo em que a sociologia no tem fora normativa algu-ma, pois constata simplesmente a realidade, a margem dos valores queencerra. Nem tampouco o bem perde seu carter universal e obrigatrioporque a maioria das pessoas no querem viv-lo. No entanto, ajuda arevelar a existncia de outras convices e motivos mais ocultos, que ex-plicam os caminhos de conduta acontecidos ou os que se poderia realizar

    no futuro prximo. Se os fatos por si mesmos no t

    m fora moral paraimpor uma conduta, se podem enfrentar-nos com uma realidade ocultaque justificaria um reconhecimento mais profundo dos dados anteriores. O

    38 RATZINGER, J. El nuevo pueblo de Dios. Barcelona: Herder, 1972, p. 292-293. Poucomais adiante continua: Mas no se dever reprov-la (a Igreja) que, por excesso desolicitude, declara demasiado, regramento demasiado e que tantas normas e regulamen-tos tm contribudo para abandonar ao sculo a incredulidade, que no a salv-lo dela...?,p. 294-295.39

    CONGREGAO PARA A DOUTRINA DA F. Instruccin sobre la vocacin eclesialdel telogos, n. 35.40 Remeto-me de novo ao livro de J. I. GONZLEZ FAUS, Op. cit. (nota 23).

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    determinadas afirmaes do magistrio, tenham dificuldades srias paradespejar suas dvidas42 . A Igreja no tem estado sempre livre de erros,que devem ser corrigidos com o tempo, ainda que fosse um lamentvelequvoco deduzir da que se engana ordinariamente em suas manifesta-es. Como os prprios bispos alemes afirmam na continuao, quem

    dissente ter que pensar ante Deus e ante sua prpria consci

    ncia se estcapacitado para tomar uma deciso to importante.

    Hoje existe tambm, como dizamos anteriormente, muita desafeio eagressividade contra os ensinamentos da Igreja. Ningum poder compre-ender uma pessoa ou uma instituio se no experimenta por elas umsentimento de afeto. O carinho autntico o nico que possibilita a proxi-midade e compreenso, mas tampouco cega para ver as sombras e limita-es. Por isso, enquanto o dissentimento no brota de um amor e compro-misso profundo no ser digno de crdito. Parece-me que o critrio mais

    fundamental para distinguir quem se sente movido pelo Esprito e quemest inspirado por outras palomas perigosas que, s vezes, se confundemcom ele. Como diria So Paulo, quando nos fala do discernimento, aautenticidade da prxis a que determina quem dinamiza por dentro43 .

    Eplogo

    Quem vnestas linhas um elogio incondicionado desobedincia e rebel-dia porque acrescenta algo mais ao que est dito. Ningum busca o

    protesto nem o rechao frente aos ensinamentos da Igreja, como se a ver-dade fosse patrimnio dos insubmissos. Porm tambm a autoridade seequivoca e quando o sdito expe, demanda, critica e se rebela no estsempre impulsionado pelo mau esprito. Sem obedincia no hhumanismo, ordem e tranquilidade, mas sem transgresso tampouco exis-tir avano44 . O difcil nesses momentos discernir quem se aproximamais da verdade, quem a busca com maior afinco, disposto a jogar-se todopor defend-la. So circunstncias que ainda requerem um tempo de cla-rificao, durante o qual o conflito se faz inevitvel, mas enriquecedor paratodos. Se o silncio, a submisso e a pacincia seguem sendo valores im-portantes para o cristo, tampouco se pode conden-lo em todos os casos,

    42 Catecismo Catlico para adultos II. Madrid: BAC, 1998, p. 96.43 MARTNEZ, M. Discernimiento personal y comunitrio: necesidad, claves y ejercicio.Madrid: San Pablo, 2001. MEGUERDITCHIAN, N. Vivir un discernimiento espiritual:algunas indicaciones psicolgicas. Madrid: San Pablo, 2001. FDRY, J. Discernir segn

    Dios: el mtodo de Ignacio de Loyola. Santander: Sal Terrae, 2001. AA.VV. La prcticadel discernimiento. Ayudas para no desnortearse. Sal Terrae, Santander, n. 100, p. 393-448.44

    LPEZ AZPITARTE, E. De la obediencia a la trangresin. Razn y Fe n. 233, p. 579-591, jun. 1996. GUILLEBAND, J. C. Entre limite et transgression. Esprit, n. 297, p. 121-138.

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    TODOS SERO TEODIDATAS(JO6,45):DOCILIDADE AOESPRITO,AUTENTICIDADE DA CONSCINCIA E OBEDINCIA

    IGREJA

    Everyone will be teodidatas (Jo 6:45): Docility to the Spirit, authenticityof conscience and obedience to the Church

    Frei Carlos Josaphat*

    RESUMO:O artigo apresenta a tica de liberdade proposta pelo Conclio VaticanoII para a Igreja e o mundo. Parte da afirmao: Todos sero teodidatas, ou seja,no ntimo da conscincia todos os seres humanos abertos ao transcendente estarounidos direta e imediatamente a Deus. Considera vrios paradigmas ticos formu-lados pelo Conclio. No paradigma pneumatolgico ressalta a centralidade da aodo Esprito Santo. A docilidade Palavra e ao Esprito Santo constitui atitudefundamental para se viver em autenticidade da conscincia e obedincia Igreja.No paradigma eclesiolgico reflete sobre a Igreja Povo de Deus como comunhono Esprito e do Esprito; como sacramento do Amor, dedica-se amplido eprofundidade do Amor, o que decisivo para o aggiornamentoproposto por JooXXIII. No paradigma antropolgico, mostra a conquista da compreenso de unida-de entre dignidade singular da pessoa e a imagem divina da tradio bblica;sobressai-se o valor da liberdade e o dom da f, que fundamenta a tica dosvalores; esta integra e leva perfeio a aspirao liberdade e s liberdades.

    PALAVRAS-CHAVE: Esprito Santo, Conscincia, tica, Dignidade, Liberdade.

    Abstract. The article presents the ethic of freedom proposed by the Second VaticanCouncil for the Church and the world. Part of the statement: all will be teodidatas,in other words, in the depths of consciousness every human being open to thetranscendent will be united directly and immediately to God. Consider variousethical paradigms formulated by the Council. In the pneumatological paradigmthe emphasis is on the centrality of the Holy Spirit. The docility to the Word andto the Holy Spirit is a fundamental attitude to live in authenticity of conscience and

    * Professor Emrito da Universidade de Fribourg, Sua. Artigo submetido a avaliaoem 20.08.2012 e aprovado para publicao em 23.09.2012.

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    Adocilidade ao Esprito, a autenticidade da conscincia e a obedincia Igreja,essa trilogia de atitudes que qualificam o sujeito tico surgequal desafio radical e constante no decorrer da histria do Ocidente mo-derno. No centro da tica crist, a docilidade ao Esprito destaca atranscendncia a que tende a conscincia do sujeito racional e livre. A cons-cincia de maneira autntica se guia pela obedincia Igreja, na medida emque esta se afirma e reconhecida em sua misso de fiel mediadora doEsprito de verdade, de amor e de santidade. Pela docilidade a esse Esprito,pela afinidade sua presena transformadora, o Evangelho assegura, que nareligio em esprito e verdade (Jo 4,25) todos sero teodidatas (Jo 6,45)1.O que significa literalmente, no santurio do corao, no ntimo da conscin-cia, todos estaro unidos direta e imediatamente a Deus.

    Uma convergncia significativa marca os ltimos decnios. Esses valoresde base so expostos e elucidados pelo Conclio Vaticano II. Ele os articulaem seu projeto de renovao evanglica da Igreja, no seu dilogo com omundo, visando parceria na busca de uma tica universal para a humani-dade globalizada.

    De forma mais ampla, merece ainda ateno a confluncia de aspiraes e devalores ticos em muitas religies, que se empenham em homologar ummodelo autntico e vivel de tica mundial. Elas sintonizam assim com bom

    nmero de tendncias, de grupos, de Ongs e movimentos que se preocupamcom a urgncia de uma equivalente promoo dos valores e direitos univer-

    1 Parece-nos importante manter na traduo do texto grego toda a fora do teodidatas,termo escolhido pelo Evangelista como sntese da Nova Aliana prometida pelos Profe-tas. Esse tema da Nova Aliana, entendida e acolhida como dom da Verdadetransformadora do ser ntimo do homem, est na base de nossa reflexo, aqui e em outrosescritos, sobre a conjuno tica da docilidade ao Esprito, da autenticidade da conscin-cia e da obedincia Igreja, na medida em que ela e se afirma mediadora de Cristoe do seu Esprito no decorrer da histria. Esse tema tratado amplamente na I Parte,

    em trs captulos, de meu livro tica mundial, Esperana da humanidade globalizada:tica humana e religiosa em busca da universalidade na Bblia e na histria (Op. cit.Petrpolis: Vozes, 2010, p. 43-116).

    obedience to the Church. In the Ecclesiological paradigm the reflection on theChurch, people of God, as communion in the Spirit and of the Spirit; as sacramentof Love, is dedicated to the breadth and depth of love, what is decisive for theaggiornamento proposed by John XXIII. In the anthropological paradigm, theconquest is revealed of the understanding of unity between singular dignity of theperson and the divine image of biblical tradition; excels the value of freedom and

    the gift of faith, which is the basis of the ethical values; this integrates and bringsto perfection the aspiration to freedom and freedoms.

    KEYWORDS: Holy Spirit, Conscience, Ethics, Dignity, Freedom.

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    sais na prpria marcha cultural, poltica e econmica da humanidade. Suainquietude os leva a enfrentar a questo crucial: como dar uma qualidadeplenamente humana globalizao, envolvida e manipulada pelos interessese pelas ambies do utilitarismo individual e corporativo.

    Essa onda de preocupaes que pem em jogo os valores e as qualidades

    morais das pessoas, bem como o curso e o sentido da histria, evoca o ladonobre, mas discreto e escondido, da civilizao atual, em sua dimenso secu-lar e religiosa. Como consequncia natural, ganham relevo e ocupam a pri-meira cena os mltiplos obstculos viabilidade generalizada desses ideais,que se veem barrados pela solidez dos sistemas dominantes, por vezes estig-matizados como outros tantos monstros frios alienados e alienantes.

    Ser, portanto, oportuno estender a reflexo at a marcha, o progresso eos recuos, os conflitos e as ambiguidades que caracterizam a histria datica, considerada na sua orientao e no confronto de seus projetos eprotagonistas na cristandade e na modernidade ocidental. Esse vasto con-texto cultural e tico, anterior, simultneo e posterior ao Conclio confirmaa apreciao autorizada de Paulo VI ao encerr-lo: o Vaticano II omaior de todos os Conclios. Assim se elucidam o sentido e a razo doparadigma teolgico conciliar e o feixe de paradigmas ticos que ele ins-pira. Tambm cresce a viabilidade do projeto renovador e mesmo inova-dor que vem a ser o conjunto de seus dezesseis Documentos. O estudodesse ponto de chegada lana uma intensa luz retroativa sobre as buscas,as aspiraes e inquietudes, bem como sobre as crises e os conflitos da

    antiga cristandade e do mundo moderno.

    Valores humanos e evanglicos em busca de viabilidadeuniversal

    verdade que j a evocao inicial da trilogia tica e cultural esboa oupelo menos prenuncia a conscincia da necessidade urgente de uma con-vivncia pacfica de toda a humanidade, em contraste com uma herana decontrovrsias seno de crises marcando um longo passado, que no deixade parasitar amplos setores da religio e da sociedade de hoje.

    O projeto e o dom evanglicos da docilidade ao Esprito testemunham oideal de uma afinidade e de uma unio de orientao teologal e msticacomo vocao transcendente da humanidade. A autenticidade da consci-ncia, que traduz normalmente o consenso, a comunho livre e intelectualdas pessoas e das comunidades, s ser possvel com a realizao plena euniversal de uma tica partilhada pela humanidade, para alm da pre-dominncia dos interesses da curiosidade e do proveito, que animam eativam todas as redes da comunicao tecnolgica.

    O apelo obedincia Igreja, entendida como a Igreja hierrquica, relembraou pelo menos implica algo tambm de um contraste. Sob o nome de

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    Igreja, distingue-se, com o risco de se opor, a autoridade eclesistica, e comosujeito da obedincia se designa o povo de Deus, enquanto rebanho confi-ado guarda e vigilncia dos Pastores.

    A reflexo teolgica e mesmo cultural mais clarividente se desdobra hojeentre dois polos, impondo-se um e outro como dados que no se podem

    esquivar, pois surgem da verdade de base, em que se entrelaam o mist-rio da Igreja e a realidade humana. Toda sociedade e, em grau de exceln-cia mxima, a Igreja comportam um objetivo ideal. Este se concretiza noconsenso e na convergncia de todos os seus membros, em vnculos sociaisou comunitrios, de autenticidade humana ou evanglica. Tais valores hode penetrar e harmonizar o todo social em uma busca efetiva do bemcomum que integre e supere os interesses e conflitos particulares.

    Essa viso compreensiva se completa por uma noo e uma configuraoconcreta da Igreja como Comunho de graa e de amor, unindo seus fiiscomo chamados santidade sob uma autoridade colegial, que no se carac-teriza pelo mando mas pela atitude de servio. Tal a eclesiologia elaboradapelo Vaticano II, especialmente quando chegou ao auge de sua conscinciaconciliar expresso na Constituio Lumen gentium (de 21 de novembro de1964). A vantagem dessa imagem ideal erguida pelo Conclio que ela ofe-rece um critrio de referncia e apreciao da qualidade evanglica da Igreja,ontem e hoje. Ela se mostrar autntica na medida em que tenha a corageme a humildade de se olhar no espelho do Evangelho e de se aceitar na ver-dade como santa e pecadora, como sempre reformada e a reformar, como

    vivendo e pregando sempre a converso ao Amor e Santidade de Deus.Para a Igreja, sociedade humana e comunho divina, o teste infalvel einexorvel o tipo e a qualidade de poder e de obedincia que efetivamentenela prevalecem. Imagem da misso confiada Igreja, o cajado na mo dosPastores no smbolo nem instrumento de imposio ou de amedrontamento. um dom vindo do Amor e em clima de confisso e compromisso de Amor. a mensagem do Evangelho (condensada em Jo 21, 15-17).

    Suprema distoro tica e social, a sacralizao do poder

    absoluto

    Convm partir do que mais visvel: o paradoxo do poder, em sua dupladimenso de uma autoridade efetiva e do bem comum, de que ela est ouno a servio. A vigilncia contra todo desvio, sempre insinuante e ame-aador, a predominncia efetiva do servio na compreenso mesma dopoder, so atitudes primordiais que se enrazam no Evangelho. A insistn-cia do Mestre divino uma das primeiras expresses da originalidade doReino de justia e santidade que ele prega.

    Sob forma de reivindicao, nem sempre desinteressada, essa exignciaemerge como aspirao crescente da humanidade atravs da histria. Esse

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    ideal se incandesce e explode na aurora da modernidade, na tendncia cadavez mais firme e forte de abrir ou rasgar caminhos emancipao dosindivduos, dos grupos, das classes ou camadas sociais.

    De incio, na primeira vaga de emancipao renascentista, no h umarecusa de Deus nem de Cristo ou do Evangelho. O que se quer relegar a autoridade da Igreja, que ressentida, denunciada e combatida comomodelo de poder absoluto religioso, contrrio liberdade, autonomia e dignidade humanas. preciso abater o altar juntamente com o trono,uma vez que so aliados e revestem, um e outro, o mesmo tipo de poderabsoluto, de imposio forada da ordem e da ortodoxia.

    Pelos lderes e mestres espirituais foi sentida como necessria a libertao daIgreja das redes de ambies polticas e eclesisticas. Mas o que se viu foi oescndalo dos imensos conflitos e lutas dos dois gldios, que dilaceravam a

    cristandade, sobretudo no sculo XIV. Ainda bem, a grande histria dos desviosfoi contrabalanada pelo zelo de Catarina de Sena, santa Doutora apaixonadapela Igreja que ela venerava e ensinava a venerar como Corpo Mstico deCristo. Ento, o humanismo emancipacionista, a rebeldia libertria dos finsdo sculo XV e incios do sculo XVI, inaugurava o anticlericalismo sistem-tico e cada vez mais agressivo, na medida mesma em que combatia os doispoderes, o eclesistico e o civil, sendo por ambos detestado.

    Em literatura, a expresso mais atraente e insinuante do combate ao poderabsoluto, religioso e profano, so as Utopias. Seus autores no visam ape-

    nas desenhar imagens inocentes de ilhas, de cidades ou regies de perfei-o ideal. Na imaginao e na pena de Thomas More, a Utopia no umvago exerccio da fantasia. O que se mostra e descreve, com todo esmero,sobretudo na sua II Parte, uma realizao alternativa, que livre a huma-nidade de pases ou regies, que se tornaram inaceitveis. Nestes, prospe-ravam vcios e corrupes, que era preciso combater e eliminar. O recursodireto dos telogos Utopia para criticar a Igreja uma proposta de alter-nativas reformistas, tidas como urgentes. Em geral se aponta para o idealde uma Igreja de Deus e dos homens, em contraste com a realidade hist-rica de uma sociedade religiosa, vista e estigmatizada como entulhada de

    dogmas, de tradies, de formas de poder tirnico e dominador.

    A Igreja era desdenhada como smbolo das trevas para a razo e de opa-cidade impedindo o acesso Revelao da Verdade divina. Tal sentido

    bem imaginado e bem divulgado pelo telogo dominicano TommasoCampanella em a Cidade do Sol, publicado em 1623. A futura e idealCidade do Sol resplandecer como a perfeita e clara revelao de Deus,iluminando plenamente a inteligncia de todos e de cada um. No sercomo a Cidade da Lua, cidade da penumbra, dos dogmas obscuros parao povo, de mandamentos e instituies que estorvam as atividades darazo e da liberdade, recorrendo violncia poltica e policial para subju-gar a populao sem conhecimento e sem defesa. a imagem

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    se poderia dizer que ele se oferece como a resposta plena e adequada a essainterrogao angustiosa, que se perpetua no decorrer das geraes.

    A conscincia, verso tica da lei inscrita no corao

    Convm completar a evocao dessa distoro plurissecular do poder, pelaconsiderao, ainda que sumria, das vicissitudes histricas da conscinciana Igreja e na cultura. Assim se prepara a compreenso da realidade e doscaminhos da autenticidade da conscincia. Sem que seja mencionada, ela sedeixa reconhecer logo nos primrdios luminosos da espiritualidade crist,sintetizados no Sermo da Montanha. O Evangelho (especialmente Mt 5-7)aponta para a origem e a motivao da ascenso tica, proposta em termosmais simples: basta, mas imprescindvel, que o olhar do corao se volteamoroso para o corao do Pai que est nos cus. A transcendncia, realada

    em um vaivm de intimidades entre o cu e a terra, se revela e mesmo se dna imanncia de uma graa que transforma, eleva e valoriza o sujeito tico.

    a correlao bem compreendida do Infinito e do finito, da Verdade Di-vina e da verdade humana, que se iluminam mutuamente, excluindo ata sombra de rivalidade ou concorrncia entre Criador e criatura. O valorsingular da tica evanglica surge e se afirma nesta sua qualidade eminentede encontro ntimo da criatura com o Criador, que lhe d uma criatividade,uma capacidade de autorrealizao, elevando o que seu ser criado tem demelhor e de mais prprio. No limiar de sua tica Fundamental, no Prlogo

    e nas cinco primeiras Questes da Segunda Parte (I-II) daSuma de Teologia,Toms de Aquino se refere ao sujeito tico nestes termos audaciosos Homocapax Dei.O ser humano na primeira Parte daSuma mostrado e elucidadocomo ser de Deus, infinitamente distinto, mas totalmente imantado para Deus,na afinidade de uma participao ontolgica que vem a ser a Ao criativade Deus. Na entrada da II Parte, o mesmo ser humano reconhecido eenaltecido qual sujeito tico e responsvel de sua autorrealizao. Ele ditoimagem de seu Criador, porque este lhe deu a misso e a capacidade de secriar espiritualmente, de se dar uma existncia tica, que assumida eelevada em uma transcendncia divina3 .

    Ainda aqui nossa reflexo se apoia em dois polos da experincia crist sedesdobrando na histria. No incio de um amplo e constante processo deinculturao, um dos primeiros escritos apostlicos testemunha o encontroda mensagem tipicamente bblica do corao, no qual Deus estabele-ceu a Aliana perfeita e definitiva, com a conscincia, a sineidesis,dadomais ntimo e tpico da tica helenstica e romana, tendo sua doutrinaesboada pelos mestres do estoicismo. Na Primeira Carta aos Corntios,

    3 um aspecto do Paradigma teolgico" de Toms de Aquino, abordado por mim emrecente publicao (com esse ttulo), na Editora Paulus, So Paulo, 2012.

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    que no prolongamento das Cartas aos Romanos e aos Glatas, merece otitulo da primeira exposio elaborada da tica crist, o questionamentotico dos destinatrios levar confluncia, sinergia, que Paulo estabe-lece entre a syneidesise a gape. Reagindo aos elementos de uma ticaparcial e distorcida de uns tantos lderes da comunidade, o Apstolo lana

    os fundamentos de uma tica integral, inspirada e orientada pela verdadee pelo amor, nos termos do Evangelho (cf. 1 Cor 8-9).

    Paulo comea propondo uma soluo concreta dentro da problemtica dosinterlocutores. Mostra a necessidade de articular conhecimento e amor, de

    bem formar a conscincia e de ter em conta e respeitar a conscincia dosfracos, evitando escandaliz-los. O que seria incorrer no risco de levar perdio aqueles por quem Cristo deu sua vida. O que aconteceria seos expusessem a agir contra a conscincia, mesmo mal informada e err-nea. Tal a bela lio de tica evanglica elaborada no contexto e nalinguagem de uma comunidade helenstica.

    Mas o que mais interessa a sntese sucinta e magistral em que o Apstoloarticula os aspectos objetivos e subjetivos da conscincia tica, bem comosua dimenso racional e evanglica. A referncia objetiva expressa emtermos bblicos de Lei, enquanto a posio do sujeito tico personali-zada no eu do prprio Paulo, que em si desenha ento o modelo concretoda conscincia crist. Eu no sou um sem lei (anomos), nem escravo dalei (ypo nomou), mas no meu ntimo sou identificado com a Lei de Cristo

    (ennomos Christou)(cf. 1 Cor 9, 21).Conforme seu estilo costumeiro, Paulo joga com os prefixos especialmentepara bem definir nossas relaes com Cristo. Aqui, a intimidade, a identi-ficao com o princpio e a regra de vida e de agir exclui o aspecto exteriorda norma tica, a heteronomia e a sua imposio, como norma forada.Fica implicitamente afirmada a autonomia, como o elemento subjetivo danormatividade interiorizada, que o prprio Cristo. a expresso tica damensagem da salvao e santificao evanglicas. Cristo a vida dos fiis,na Nova e perfeita Aliana prometida pelos profetas, em que a lei de Deus

    inscrita no ntimo do corao (cf. Jr 31, 31; Ez 36, 26-28). o que encon-traremos no tema joanino do Mestre divino e da docilidade ao seu Esprito,e sua Palavra criadora, em uma identidade com a verdade que o dome exigncia de total autenticidade.

    Obedincia, mais osentir com a Igreja

    nesta viso plena e integral da docilidade Palavra, que se compreendeo sentido da obedincia que conforma os cristos ao plano do Amor uni-

    versal na medida mesmo e