psicologia uma nova introduçao

35
Psicologia uma nova introduçao Maria Sara de Lima Dias

Upload: maria-sara-de-lima-dias

Post on 26-Jun-2015

4.139 views

Category:

Education


0 download

DESCRIPTION

Resumo do livro de Luis Claudio M. Figueiredo e Pedro Luiz Ribeiro de Santi

TRANSCRIPT

Page 1: Psicologia uma nova introduçao

Psicologia uma nova introduçao

Maria Sara de Lima Dias

Page 2: Psicologia uma nova introduçao

A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA INDEPENDENTE

• Uma visão panorâmica e crítica • O processo de criar uma nova ciência é muito complexo: é preciso

um objeto próprio e métodos adequados ao estudo desse objeto. O presente texto pretende apresentar resumidamente uma visão panorâmica e crítica da psicologia contemporânea.

• Só em época muito recente surgiu o conceito de ciência tal como hoje é de uso corrente. Ainda mais recentemente, no século XIX, começou-se a elaboração dos primeiros projetos de psicologia como ciência independente.

• Na Idade Moderna, as ciências da sociedade tiveram início. Ciências como a Economia Política, a História, a Antropologia, a Sociologia e a Linguística.

Page 3: Psicologia uma nova introduçao

• Auguste Comte (1798 – 1857) • Em seu sistema de ciências não cabe uma

“psicologia” entre as “ciências biológicas” e as “ciências sociais”. O principal empecilho para a psicologia seria seu objeto: a “psique”, entendida como “mente”. Por não apresentar-se como um objeto observável, não se enquadra às exigências do positivismo

Page 4: Psicologia uma nova introduçao

• Ainda hoje, após mais de cem anos de esforços para se criar uma psicologia científica, os estudos psicológicos mantêm relações estreitas com muitas ciências biológicas e com muitas ciências sociais. Isso cria uma situação curiosa: por um lado, a psicologia reivindica um lugar à parte entre as ciências e, por outro, não consegue seu desenvolvimento sem estabelecer relações estreitas com as ciências biológicas e com as ciências sociais

Page 5: Psicologia uma nova introduçao

PRECONDIÇÕES SOCIOCULTURAIS PARA O APARECIMENTO DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA NO SÉCULO XIX

• A experiência da subjetividade privatizada • São necessárias duas condições para

conhecermos cientificamente o “psicológico”: • a) uma experiência muito clara da

subjetividade privatizada, e • b) a experiência da crise dessa subjetividade

Page 6: Psicologia uma nova introduçao

• A experiência da subjetividade privada é quando todos sentem suas experiências como íntimas, ninguém mais tem acesso a ela. É possível, por exemplo, ficar um longo tempo pensando se vamos ou não fazer uma coisa, quase decidir por uma e no final optar por outra, sem que ninguém fique sabendo. A possibilidade de mantermos nossa privacidade é altamente valorizada por nós e é relacionada ao nosso desejo de sermos livres para decidir nosso destino.

Page 7: Psicologia uma nova introduçao

• Essa experiência de sermos sujeitos capazes de decisões, sentimentos e emoções privadas, só desenvolve-se, aprofunda-se e difunde-se amplamente numa sociedade com determinadas características. Nossa preocupação é identificar sumariamente essas características

Page 8: Psicologia uma nova introduçao

• As grandes irrupções da experiência subjetiva privatizada ocorrem em situações de crise social, quando uma tradição cultural (valores, normas e costumes) é contestada e dá lugar a novas formas de vida. Em situações como essas, os homens se vêem obrigados a tomar decisões nas quais não conseguem o apoio da sociedade. Nessas épocas, as artes revelam a existência de homens mais solitários e indecisos, diferentemente das épocas sem grandes conflitos, nas quais dominam as velhas tradições.

Page 9: Psicologia uma nova introduçao

• A perda de referências coletivas como a religião, a família, ou uma lei confiável, obriga o homem a construir referências internas, assim surge o espaço para a experiência da subjetividade privatizada. A consequência desses contextos é o desenvolvimento da reflexão moral e do sentido da tragédia - uma tragédia se dá quando um indivíduo se encontra numa situação de conflito entre duas obrigações igualmente fortes, mas incompatíveis.

Page 10: Psicologia uma nova introduçao

• No campo das artes, além do surgimento e desenvolvimento do gênero “tragédia”, observa-se na literatura, o aparecimento da poesia lírica. Nela o poeta expressa seus sentimentos e desejos particulares muitas vezes opostos ao esperado pela sociedade, como amores socialmente não recomendados ou mesmo proibidos. O pensamento religioso acompanha esse processo de subjetivação e individualização e, nos momentos de crise, de desagregação sociocultural, assim surgem novos sistemas religiosos ou variantes de sistemas antigos, surgem heresias enfatizando a responsabilidade individual e atribuindo à consciência e às intenções mais valor que aos próprios atos e obras.

Page 11: Psicologia uma nova introduçao

• Esse movimento em direção a um aprofundamento da experiência subjetiva privatizada não foi um processo linear pelo qual tenham passado todas as sociedades humanas. No conjunto, porém, pode-se dizer que ao longo dos séculos as experiências da subjetividade privatizada foram se tornando cada vez mais determinantes da consciência humana sobre a sua própria existência.

Page 12: Psicologia uma nova introduçao

• A crença na liberdade é um dos elementos básicos da democracia e da sociedade de consumo e não estamos dispostos, em geral, a pôr em risco nossos valores. Em alguns aspectos importantes essa imagem é completamente ilusória, e uma das tarefas da psicologia será a de revelar essa ilusão.

Page 13: Psicologia uma nova introduçao

Constituição e desdobramento da noção de subjetividade na Modernidade

• De forma simplificada, podemos firmar o início de nossa noção de subjetividade privada nos três últimos séculos: da passagem do Renascimento para a Idade Moderna.

• Em A Invenção do Psicólogo, desenvolvemos a ideia de que no Renascimento teria surgido uma experiência de perda de referências. A falência do mundo medieval e a abertura do ocidente ao restante do mundo teriam lançado o homem europeu numa condição de desamparo.

Page 14: Psicologia uma nova introduçao

• O Renascimento foi um período muito rico em variedade de formas e em experiências, teve assim uma produção intensa de conhecimento. O contato com a diversidade das coisas, dos homens e das culturas impôs novos modos de ser. O homem viu-se obrigado a escolher seus caminhos e arcar com as consequências de suas opções

Page 15: Psicologia uma nova introduçao

• A crença em Deus não desapareceu, mas Deus ficou distante e foi posto “sobre” o mundo. O mundo passou a ser considerado cada vez menos como sagrado e cada vez mais como objeto de uso – movido por forças mecânicas – a serviço dos homens. Essa transformação é parte essencial da origem da ciência moderna

Page 16: Psicologia uma nova introduçao

• Michel de Montaigne (1533 – 1592) • Na introdução de seus Ensaios, Montaigne diz ao

leitor que tomará a si mesmo como assunto, ainda que sua vida seja comum, totalmente desprovida de feitos heróicos ou notáveis. O livro foi muito criticado com o argumento de que uma vida comum não mereceria ser objeto de tal obra, mas a questão que nos interessa é justamente o surgimento da valorização de cada indivíduo, da construção de cada individualidade única

Page 17: Psicologia uma nova introduçao

• Os céticos achavam impossível que pudéssemos obter algum conhecimento seguro sobre o mundo: a qualquer afirmação poderia ser oposta outra de igual valor, qualquer impressão que tenhamos poderia ser um engano de nossos órgãos dos sentidos.

Page 18: Psicologia uma nova introduçao

• A descrença cética somada ao grande individualismo nascente acabou por produzir uma reação de duas feições bem distintas: a reação racionalista e a reação empirista. Em ambas, contudo,

• estabeleciam-se novas e mais seguras bases para as crenças e para as ações humanas, essas bases estavam no âmbito das experiências subjetivas.

Page 19: Psicologia uma nova introduçao

• A Igreja Católica e as novas Igrejas Protestantes (Luteranos e Calvinistas) fizeram um esforço enorme para articular a crença no Deus onipotente e no livre-arbítrio. O sujeito deveria “sujeitar-se” uma vez mais a uma ordem superior, desvalorizando seus desejos e projetos particulares. Daí surge um regime onde o corpo, sobretudo, deve ser controlado e desvalorizado, pois ele sempre é fonte de desejo e dispersão.

Page 20: Psicologia uma nova introduçao

• René Descartes (1596 - 1650) • Descartes é o fundador do racionalismo moderno. Estabeleceu as

condições de possibilidade para obtermos um conhecimento seguro da verdade. Ele se alinha entre aqueles que quiseram superar a grande dispersão do Renascimento e, o mais importante, superar o ceticismo. Diz ele: parece que tudo o que tomo como objeto de meu julgamento se mostra incerto, mas, no momento mesmo de minha dúvida, algo se mostra como uma ideia indubitável. Enquanto duvido, existe ao menos a ação de duvidar, e essa ação requer um sujeito. Surge então frase “penso, logo existo” [Cogito, ergo sum]. O ato de duvidar deixa evidente a existência do agente pensante. A evidência primeira é a de um “eu” e ele será a partir de agora o fundamento de todo o conhecimento.

Page 21: Psicologia uma nova introduçao

• O homem moderno não busca a verdade num além, em algo transcendente, a verdade agora significa adquirir uma representação correta do mundo. Essa representação é interna, ou seja, a verdade reside no homem.

Page 22: Psicologia uma nova introduçao

• Francis Bacon (1561 - 1626) • Contemporâneo de Descartes, Bacon foi o fundador do

empirismo. Para Bacon, a razão deixada em total liberdade poderia tornar-se especulativa e delirante ao ponto de não ser digna de crédito. É necessário dar à razão uma base nas experiências dos sentidos, da percepção, desde que essa percepção tenha sido purificada, liberada dos erros e ilusões a que está submetida no cotidiano.

• Bacon, como Descartes, é um dos grandes pioneiros na preocupação com o Método, no trabalho da produção de conhecimentos filosóficos e científicos de toda a Modernidade ocidental desde o século XVII até os dias de hoje.

Page 23: Psicologia uma nova introduçao

A crise da Modernidade e da subjetividade moderna em algumas de suas expressões filosóficas

• Iluminismo, séc. XVIII • No Iluminismo as grandes conquistas do

racionalismo cartesiano eram articuladas com a valorização das experiências individuais tal como promovidas pelos filósofos empiristas que formavam a outra grande corrente da Modernidade

Page 24: Psicologia uma nova introduçao

• David Hume (1711 — 1776) • Para Hume, somos algo formado e

transformado pelos embates da experiência e já não podemos nos conhecer como base e sustentação dos conhecimentos e de nós mesmos. Nessa medida, o conhecimento entendido como domínio dos objetos por um sujeito soberano não pode mais se sustentar.

Page 25: Psicologia uma nova introduçao

• Immanuel Kant (1724 — 1804) • Em A Crítica da Razão Pura, Kant afirma que o

homem só tem acesso às coisas tais como essas coisas se apresentam para ele: a isso ele chama “fenômeno”. A única forma de produzirmos algum conhecimento válido é nos restringirmos ao campo dos fenômenos, pois as “coisas em si”, independentes do sujeito, são incognoscíveis. Tudo o que é cognoscível repousa na subjetividade humana.

Page 26: Psicologia uma nova introduçao

• Romantismo, séc. XIX • O Romantismo nasceu no final do século XVIII

exatamente como uma crítica ao Iluminismo e, mais particularmente, à vertente racionalista do Iluminismo.

• Aquilo que na fundação da modernidade deve ser excluído do “eu” ou mantido sob o férreo controle do Método parece agora invadi-lo. A razão é destronada, o Método é feito em pedaços e o “eu” racional e metódico é deslocado do centro da subjetividade e tomado como uma superfície mais ou menos ilusória, encobrindo algo profundo e obscuro.

Page 27: Psicologia uma nova introduçao

• Assim o Romantismo é um momento essencial na crise do sujeito moderno pela destituição do “eu” de seu lugar de senhor, de soberano.

Page 28: Psicologia uma nova introduçao

• Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844 — 1900) • O ponto mais agudo da crise do sujeito moderno acontece na

filosofia de Nietzsche. Nela as ideias do “eu” ou do “sujeito” são interpretadas como ficções (isso dá continuidade à crítica de Hume à suposta substancialidade e estabilidade do sujeito).

• Nietzsche dá um passo bem largo e radical: não só o homem é deslocado da posição de centro do mundo, como a própria ideia de que o mundo tenha um centro ou uma unidade é destruída. A questão para Nietzsche é saber o quanto cada ilusão em cada contexto se mostra útil para a expansão da vida.

Page 29: Psicologia uma nova introduçao

Sistema mercantil e individualização

• Para existirem trabalhadores necessitados de garantir a própria sobrevivência alugando sua força de trabalho, é preciso antes a perda das condições mais antigas de vida e produção. Isso significa a ruptura dos vínculos que nas sociedades tradicionais

• pré-capitalistas uniam os produtores uns aos outros e todos aos meios de produção.

• O trabalhador livre é aquele capaz de buscar no mercado de trabalho sua ocupação. Essa liberdade, contudo, é muito ambígua. Ela é principalmente uma liberdade negativa, o sujeito, ao ganhá-la, perde uma porção de apoios e meios de sustentação. Perde a solidariedade do seu grupo: a família ou a aldeia deixam de ser auto-suficientes e cada indivíduo vai isoladamente procurar o seu sustento.

Page 30: Psicologia uma nova introduçao

Ideologia liberal iluminista, romantismo e regime disciplinar.

• De acordo com a Ideologia Liberal, cujas principais ideias manifestaram-se na Revolução Francesa, os homens são iguais em capacidade e devem ser iguais em direitos. Sendo assim, todos devem ser livres e, como todos são iguais, é possível supor um comportamento fraterno.

• No Romantismo reconhece-se a diferença entre os indivíduos e a liberdade é exatamente a liberdade de ser diferente.

Page 31: Psicologia uma nova introduçao

• Na Ideologia Liberal, como no Romantismo, expressam-se os problemas da experiência subjetiva privatizada: segundo a Ideologia Liberal, todos são iguais, mas têm interesses próprios (individuais). Segundo o Romantismo, cada indivíduo é diferente, mas sente saudade do tempo no qual vivia em comunidade, e espera o retorno desse tempo. Enquanto esse tempo não vem, os românticos acreditam na reunião dos homens por meio dos grandes e intensos sentimentos, apesar de suas diferenças. Já os liberais apostam na fraternidade.

Page 32: Psicologia uma nova introduçao

A crise da subjetividade privatizada ou a decepção necessária

• Uma das condições para o surgimento dos projetos de psicologia científica é a clara ideia da experiência da subjetividade privatizada, mais ainda: é preciso que essa experiência entre em crise. Algumas das manifestações filosóficas dessa crise foram apontadas nos itens anteriores

Page 33: Psicologia uma nova introduçao

• Ao lado dessa necessidade emergente no contexto das experiências individuais - saber o que somos, quem somos, como somos, por que agimos de uma ou outra maneira -, surge para o Estado a necessidade de recorrer a práticas de previsão e controle – como lidar melhor com os sujeitos individuais, como educá-los de forma mais eficaz, treiná-los e selecioná-los para os diversos trabalhos?

Page 34: Psicologia uma nova introduçao

• Em todas essas questões se expressa o reconhecimento da existência de um sujeito individual e a esperança da possível padronização desse sujeito segundo uma disciplina, uma norma, para ser possível colocá-lo, enfim, a serviço da ordem social. Surge desse modo a demanda por uma psicologia aplicada, principalmente nos campos da educação e do trabalho. Ou seja, o Regime Disciplinar, em si mesmo, exige a produção de certo tipo de conhecimento psicológico, de modo a tornar mais eficaz suas técnicas de controle. As subjetividades formadas pelos modelos

• liberais e românticos, sentindo-se contestadas e problematizadas, são atraídas pelos estudos psicológicos.

• Referência Bibliográfica:

Page 35: Psicologia uma nova introduçao

Referência Bibliográfica:

• FIGUEIREDO, L. C. M. e SANTI, P. L. R. Psicologia, uma (nova) introdução; uma visão histórica da psicologia como ciência. 2ª ed., p. 13 – 52. São Paulo: EDUC, 2000