psicologia da saúde, saúde pública e saúde internacional (*) · o estudo do comportamento...

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INTRODUÇÃO O estudo do comportamento humano em con- textos da Saúde é actualmente uma das áreas promissoras da investigação e intervenção psico- lógicas, indo ao encontro das necessidades das pessoas em matéria da saúde e da doença, res- pondendo a problemas colocados pelos próprios técnicos e influenciando a própria organização dos serviços de saúde. O presente trabalho pretende ser um contribu- to para o desenvolvimento do conhecimento da Psicologia no âmbito da Saúde Pública em ques- tões relacionadas com a saúde a nível da inves- tigação, da intervenção, da formação e da inova- ção do sistema. A visão holística da saúde adoptada sobretudo a partir da Conferência de Alma-Ata (WHO, 1978) veio alertar os profissionais de saúde e os políti- cos para a importância de uma abordagem pluri- disciplinar da problemática da saúde. Assim po- dem considerar-se: - Uma dimensão demográfica – a descida da mortalidade infantil e o aumento de espe- rança de vida acarretam um aumento do impacte da doença crónica; - Uma dimensão política – pelo menos nos países considerados desenvolvidos há agora a verbalização de um compromisso político de preocupação com a saúde e bem estar do cidadão, que acarreta um colapso dos servi- ços nacionais de saúde devido à pressão so- cial e demográfica sobre o sistema; - Uma dimensão técnico-científica – o au- mento do conhecimento e da investigação nesta área sublinha a importância da pre- venção, da protecção e da promoção na área da saúde, que acarreta uma mudança de um modelo exclusivamente “médico e curati- vo” para um modelo mais holístico, pre- ventivo, participativo e pluridisciplinar; - Uma dimensão social e cultural – pelo me- nos nos países considerados desenvolvidos há agora uma melhoria nas condições de vida que leva o cidadão a uma atitude mais exigente, crítica e preocupada face à sua saúde. O relatório Reduzindo riscos e promovendo uma vida saudável (OMS, 2002) sublinha a im- portância da promoção dos comportamento liga- 449 Análise Psicológica (2004), 3 (XXII): 449-462 Psicologia da Saúde, saúde pública e saúde internacional (*) MARGARIDA GASPAR DE MATOS (**) (*) Agradecimentos: O estudo HBSC 2002 foi financiado pela FCT/MCES/POCT1 37486 / PSI / 2001 / FSE /FEDER. A autora agradece à equipa Aven- tura Social & Saúde. (**) Faculdade de Motricidade Humana, Universi- dade Técnica de Lisboa e Centro da Malária e Outras Doenças Tropicais, Universidade Nova de Lisboa.

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Page 1: Psicologia da Saúde, saúde pública e saúde internacional (*) · O estudo do comportamento humano em con-textos da Saúde é actualmente uma das áreas ... bui para a Psicologia

INTRODUÇÃO

O estudo do comportamento humano em con-textos da Saúde é actualmente uma das áreaspromissoras da investigação e intervenção psico-lógicas, indo ao encontro das necessidades daspessoas em matéria da saúde e da doença, res-pondendo a problemas colocados pelos própriostécnicos e influenciando a própria organizaçãodos serviços de saúde.

O presente trabalho pretende ser um contribu-to para o desenvolvimento do conhecimento daPsicologia no âmbito da Saúde Pública em ques-tões relacionadas com a saúde a nível da inves-tigação, da intervenção, da formação e da inova-ção do sistema.

A visão holística da saúde adoptada sobretudoa partir da Conferência de Alma-Ata (WHO, 1978)veio alertar os profissionais de saúde e os políti-cos para a importância de uma abordagem pluri-

disciplinar da problemática da saúde. Assim po-dem considerar-se:

- Uma dimensão demográfica – a descida damortalidade infantil e o aumento de espe-rança de vida acarretam um aumento doimpacte da doença crónica;

- Uma dimensão política – pelo menos nospaíses considerados desenvolvidos há agoraa verbalização de um compromisso políticode preocupação com a saúde e bem estar docidadão, que acarreta um colapso dos servi-ços nacionais de saúde devido à pressão so-cial e demográfica sobre o sistema;

- Uma dimensão técnico-científica – o au-mento do conhecimento e da investigaçãonesta área sublinha a importância da pre-venção, da protecção e da promoção na áreada saúde, que acarreta uma mudança de ummodelo exclusivamente “médico e curati-vo” para um modelo mais holístico, pre-ventivo, participativo e pluridisciplinar;

- Uma dimensão social e cultural – pelo me-nos nos países considerados desenvolvidoshá agora uma melhoria nas condições devida que leva o cidadão a uma atitude maisexigente, crítica e preocupada face à suasaúde.

O relatório Reduzindo riscos e promovendouma vida saudável (OMS, 2002) sublinha a im-portância da promoção dos comportamento liga-

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Análise Psicológica (2004), 3 (XXII): 449-462

Psicologia da Saúde, saúde pública e saúdeinternacional (*)

MARGARIDA GASPAR DE MATOS (**)

(*) Agradecimentos: O estudo HBSC 2002 foifinanciado pela FCT/MCES/POCT1 37486 / PSI /2001 / FSE /FEDER. A autora agradece à equipa Aven-tura Social & Saúde.

(**) Faculdade de Motricidade Humana, Universi-dade Técnica de Lisboa e Centro da Malária e OutrasDoenças Tropicais, Universidade Nova de Lisboa.

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dos à saúde e a importância da identificação eprevenção de factores de risco. Neste relatório aOMS aponta dez factores evitáveis que contri-buem para o risco na Saúde Global e que são res-ponsáveis por um terço de mortes no mundo: (1)o sexo não protegido, (2) o consumo de tabaco,(3) o abuso do álcool, (4) a hipertensão, (5) a uti-lização de água não potável e falta de saneamen-to básico e de higiene, (6) a sub-alimentação, (7)a obesidade, (8) o fumo de combustíveis sólidosno interior das habitações, (9) a hipercolestero-lemia e (9) a deficiência de ferro. A estes facto-res de risco poder-se-iam ainda acrescentar (1) osacidentes, (2) a violência (social e doméstica),(3) os abusos de carácter sexual (sobre pares esobre menores), (4) o suicídio e outras agressõesauto-inflingidas, (5) a alienação e o stresse esco-lar, profissional e social.

Os problemas de saúde associados incluem(1) as doenças cardiovasculares, (2) as doençascerebrovasculares, (3) o cancro do pulmão e ou-tras doenças crónicas do pulmão, (4) a infecçãopelo VIH/SIDA e (5) os problemas de saúde men-tal.

Estes problemas têm variações geográficas,por exemplo uma das causas de morte nos paíseschamados em desenvolvimento (PED) (a sub-nu-trição), é no seu oposto uma das causas de mortenos países chamados desenvolvidos (a obesidadee doenças relacionadas). Nos países em desen-volvimento a transição demográfica acompanha-se ainda de uma “transição de risco” com co-existência das doenças infecciosas “tradicionais”com as doenças crónicas não transmissíveis masde risco comportamental, ligadas à poluição, aoconsumo de álcool, tabaco e drogas, à alimenta-ção industrial e ao sedentarismo.

Desde o final dos anos 70 o alargamento docampo da Psicologia da Saúde, da Saúde Com-portamental e da Medicina do Comportamentoajudou ao desenvolvimento e ao robustecimentodo contributo da Psicologia para a prevenção dadoença e para a promoção e a protecção da saú-de, com especial foco em alguns dos comporta-mentos já citados como os consumos (álcool, ta-baco e drogas), o sedentarismo e a alimentaçãoassocados como se referiu a doenças cardíacas eao cancro. Posteriormente surgiu o interesse porcomportamentos interpessoais relacionados coma violência, a sexualidade, as relações e o stresslaboral e escolar, o estabelecimento de redes de

apoio interpessoal, o lazer, e suas possíveis asso-ciações com a promoção e protecção da saúde.

No seu conjunto, os resultados destes estudosaumentaram a compreensão da interacção de facto-res biológicos, psicológicos, comportamentais,sociais e ambientais, associados ao desenvolvi-mento de várias condições de doença e saúde. Con-sequentemente novas áreas do conhecimento co-mo a Economia da Saúde, a Sociologia, a Antro-pologia, as Ciências Políticas e o Direito assumi-ram uma relevância crescente para uma visão in-terdisciplinar da Saúde. Centrando-nos no campoda Psicologia o aprofundamento do conhecimentoe o impacto das áreas da Psicologia da Saúde eSaúde Comportamental na Saúde Global, levama um valor acrescentado em relação a ambas es-tas áreas. Assim:

Os contributos da Psicologia da Saúde trazempara a Saúde Pública:

1) A inclusão na “agenda“ da Saúde Públicadas temáticas emergentes relacionáveis comcomportamentos modificáveis, p.e., a ges-tão do stresse, a promoção de competênciaspessoais, a promoção da resiliência, a acti-vação de redes sociais de apoio;

2) Uma visão desenvolvimental uma vez que,ao longo do desenvolvimento humano,vão variando as características e necessi-dades das populações em termos de saúde//bem estar;

3) Um conhecimento do comportamento hu-mano nos seus aspectos cognitivos, emo-cionais e comportamentais abertos (actos epalavras) como determinante de escolhas anível da saúde, introduzindo conceitos co-mo competência, participação, resiliência;

4) Uma perpectiva ecológica e sistémica emque a importância para a Saúde da inter-acção com grupos como a família, a esco-la, o trabalho e o apoio social, por exem-plo são evidenciadas;

5) O estudo dos aspectos culturais e o seu im-pacto na saúde das populações;

6) A recolha de informação e avaliação deacções através da implementação de estra-tégias baseadas em metodologias qualita-tivas, e nas teorias da comunicação inter-pessoal e dinâmica de grupo;

7) A elaboração de parcerias promotoras desaúde baseadas na comunicação de massas.

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8) O diálogo com o poder político na defesada relevância dos factores atrás apontados.

Por seu lado, a Saúde Pública também contri-bui para a Psicologia da Saúde com:

1) Uma maior perspectiva das “populações”; 2) Um maior conhecimento de factores de or-

dem económica e seu impacte na saúde; 3) Um maior conhecimento do funcionamen-

to dos recursos comunitários, nomeada-mente da organização dos serviços de saú-de e sua complexidade;

4) Uma maior incidência em intervenções pre-ventivas universais, i.e., dirigidas a “popu-lações”, com especial foco na modificaçãodos determinantes dos comportamentos le-sivos da saúde;

5) A adaptação e a aplicação do conhecimen-to psicológico na intervenção em “popula-ções” e condições diferentes das inicial-mente estudadas (ex.: catástrofes naturais, no-vos migrantes, conflitos armados) ou do apa-recimento de novas ameaças à saúde (ex.:VIH);

6) A aplicação do conhecimento psicológico,ao trabalho em sistemas cada vez mais com-plexos e extra-laboratoriais.

O objecto de estudo da Psicologia no âmbitodas disciplinas de Saúde Pública é o estudo (1)dos determinantes dos comportamento dos indi-víduos e das populações, (2) das alterações docomportamento, (3) do seu desenvolvimento nosindivíduos ao longo do ciclo da vida, (4) nas vá-rias dimensões da sua dinâmica própria (compor-tamentos abertos, verbais e não verbais e com-portamentos cobertos – cognições, emoções, afe-ctos), e (5) em função dos vários cenários comque vão interagindo (família, pares, escola, tra-balho, comunidade). O desenvolvimento psico-social terá de ser cada vez mais um processo deoptimização de capacidades de decisão e de rea-lização, promotor de um estilo de vida saudável,e de um estado percepcionado pelos indivíduoscomo de qualidade de vida, de competência pes-soal e de participação activa na comunidade.

A PRIMEIRA REVOLUÇÃO NA SAÚDE

O desenvolvimento do modelo biomédico está

no centro da Primeira Revolução da Saúde (a cha-mada teoria do “germe” – a cada agente infec-cioso corresponde um “germe”, que urge “con-trolar/neutralizar”). A celeridade e eficácia técni-ca do atendimento médico baseado no “diagnós-tico-prescrição de medicamentos ou cirurgia” le-vou, paradoxalmente, a uma falta de tempo econsequente esquecimento da fenomenologiahumana e sua singularidade, da “consciência desi” e do “papel de doente” que pode, só por si, pro-longar a doença.

No século XIX, nos tempos que se seguiram àRevolução Industrial, os países “a sul” mantinhamcenários de guerra, fome e epidemias, mas os paí-ses “a norte”, tendo-os ultrapassado, apresenta-vam em vez, cenários generalizados de poluiçãoe comportamentos individuais lesivos da saúde.Nos países “a norte” as medidas de saúde públi-ca ultrapassavam já a visão sustentada pela “teo-ria do germe” da Primeira Revolução em Saúde,para incluir uma abordagem preventiva, para in-cluir recursos pessoais e ambientais na protecçãoe promoção da saúde embora com novos desa-fios, devidos à crescente alteração dos padrõesde mortalidade e morbilidade cada vez mais daresponsabilidade dos comportamentos das pes-soas, dos grupos e das comunidades. Deslocou--se desde então o foco da atenção da saúde pú-blica da doença para a saúde. Esta mudança aler-tou para a necessidade de uma evolução a nívelda identificação de problemas e soluções. Estasalterações implicaram uma nova concepção desaúde pública com consequências importantespara os sistemas de saúde tradicionais, e tiveramimplicações fundamentais para a definição, parao trabalho e para a formação dos técnicos de saú-de (Lancet, 1991).

A SEGUNDA REVOLUÇÃO NA SAÚDE

A mudança do paradigma biomédico num pa-radigma de saúde pública justificou-se pela obser-vação de que (1) as doenças infecciosas têm cus-tos altos e curas difíceis, (2) as doenças são con-traídas em contactos com o meio físico e social e(3) as doenças apenas se disseminam nestes con-tactos se as condições são favoráveis aos agentesinfecciosos, condições estas que podem ser deâmbito individual ou ambiental.

Numa primeira fase (a chamada “fase sanitá-

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ria”), a Saúde Pública procurou determinantesdas infecções e delineou intervenções preventi-vas a nível das “populações”, para evitar a pro-pagação do “germe”, através de manipulações domeio ambiente e do contacto interpessoal.

Com o sucesso destas medidas, e das medidasde rastreio e vacinação, emergiu um novo padrãode morbilidade e mortalidade, mais ligado a facto-res comportamentais, e outros desafios em saú-de, mais ligados à longevidade, à sobrepopula-ção, à destruição ecológica, à degradação do meioambiente, ao desiquilíbrio económico e seu im-pacte na saúde. A Saúde Pública, agora em liga-ção com outros técnicos (oriundos de outras áreasdo conhecimento), foi chamada para estes novosdesafios e novos riscos, na sua maioria relacio-nados com situações evitáveis.

Na década de 70, o Relatório Richmond (Rich-mond, 1979) e a Conferência de Alma-Ata (WHO,1978) iniciaram então a chamada Segunda Revo-lução da Saúde. O objecto de estudo e interven-ção da saúde passou a ser, não apenas ausênciade doenças, mas também um estado positivo debem estar. A grande maioria dos agentes infec-ciosos já estava controlada pela ciência médica,a maioria das epidemias já estava controlada anível das populações pela acção da nova saúdepública, através de processos de vacinação, mastambém através de processos de controlo da água,de higiene e do contacto interpessoal. As altera-ções preventivas no ambiente físico e social possi-bilitaram a redução dos efeitos dos agentes (“ger-mes”).

O comportamento dos indivíduos passou a sero principal objecto de estudo, considerado a par-tir de então uma das principais causas de morbi-lidade e mortalidade humana, mas, como referiuentão Lalonde (1974), é mais fácil convencer al-guém que sofre a consultar o médico, do que al-gúem que não sofre a mudar de hábitos nocivos,a pensar num futuro longínquo, até porque oshábitos se tornaram muitas vezes automáticos,inseridos num quotidiano e de dificil alteração.Antes da idade adulta é dificil apresentar comopretexto esse “futuro saudável”, p.e., quando sefala com crianças para as quais essa lógica tem-poral é demasiado abstracta, ou mesmo com ado-lescentes, para os quais a importância do futuro(longínquo) não é relevante, face à premência e àangústia do presente “aqui e agora”.

A Carta de Ottawa (OMS, 1986) define como

prioridades para a saúde (1) uma política de saú-de pública, (2) o desenvolvimento de competên-cias sociais e pessoais, (3) uma acção comunitá-ria, (4) um ambiente protegido e protector, (5)uma reorganização dos serviços de saúde de mo-do a torná-los mais eficazes na resposta a estesnovos desafios.

A questão actual em termos de saúde é de quemodo pode haver cidadãos que não fumam, nãoconsomem drogas, não abusam de bebidas al-coólicas, não trabalham demasiado ou pelomenos não trabalham sob pressão exagerada, têmbons hábitos alimentares, são activos fisicamen-te, gerem o seu stress familiar e laboral/escolar,dormem bem, verificam a sua saúde e para alémdisto optam por este estilo de vida saudável, nãoapenas porque acreditam que assim terão maissaúde mas, e em especial, porque se sentem assimmais felizes consigo próprios, com os outros ecom o ambiente. Enfim, como chegar a uma so-ciedade em que “o prazer na vida” se baseie nobem-estar e na qualidade de vida em vez de sebasear na procura de comportamentos, substân-cias ou situações lesivas da saúde.

De acordo com as conclusões do WDCPHP(Working Group Concepts and Priorities in HealthPromotion, 1987, cit. in Ribeiro, 1998) a promo-ção da saúde: (1) abrange as populações no seudia-a-dia e não só pessoas em risco, (2) visa to-rnar a pessoa apta a assumir o controlo e a res-ponsabilidade sobre a sua saúde, (3) visa os de-terminantes dos comportamentos e situações derisco e de protecção, (4) combina métodos multi-disciplinares aos vários níveis de intervenção,(5) visa a participação pública no desenvolvi-mento de competências individuais e colectivas.

Curiosamente estas conclusões não apresen-tam uma evolução radical quando comparadascom a argumentação de Sigerist (1946, cit. inRibeiro 1998), que, em meados do século passa-do defendia que a saúde se promove proporcio-nando às pessoas um padrão de vida “decente”,com boas condições de trabalho e recreio, possí-veis de alcançar através de sinergias entre polí-ticos, grupos económicos, técnicos de educaçãoe de saúde.

Apesar de se caminhar desde então para estafilosofia, o modo com esta situação tarda a ins-talar-se na sociedade actual deve-se pelo menosparcialmente à persistência de uma perspectivatradicional para a saúde, mantendo-se em alguns

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sectores uma hegemonia do “poder exclusivomédico”, para além do poder dos grandes gruposeconómicos ligados, p.e., à indústria farmacêu-tica. Outra perspectiva inovadora nos processos,mas tradicional nos procedimentos, é a perspe-ctiva tecnológica, que tem a seu favor grandesgrupos económicos ligados, p.e., à modernizaçãoe sofisticação do equipamento hospitalar. Estasperspectivas podem tornar-se limitadoras de umavisão ecológica da saúde se se constituirem co-mo prioridades únicas em termos orçamentaisimplicando um corte de verbas a outros níveis(Carta de Ottawa, OMS, 1986).

A Segunda Revolução da Saúde, durante os anos70, fundamentou o trabalho interdisciplinar nasáreas da saúde e áreas limitrofes, nomeadamentea nível da Psicologia da Saúde. Do ponto de vis-ta da Saúde Pública, o recurso à Psicologia daSaúde implicou este reconhecimento do poten-cial de morbilidade e mortalidade dos comporta-mentos (Lorion, 1991). Do ponto de vista da Psi-cologia tradicional, durante tantos anos limitadaà Saúde Mental, implicou um reconhecimento dainteracção entre factores bio-psico-sociais e am-bientais, um reconhecimento da necessidade deintervenções preventivas e promocionais e umreconhecimento da relevância do trabalho compessoas saudáveis e do trabalho com “popula-ções” ao nível da comunidade.

Após a Segunda Revolução da Saúde, a emer-gência ecológica apontou o foco principal para arelação entre os organismos e o meio fisico e so-cio-cultural, utilizando princípios da teoria dossistemas. Assim, a saúde passou a ser equaciona-da como uma dinâmica complexa aos vários ní-veis: fisico, psicológico, social, ambiental (Sto-kols, 1992).

Pensa-se hoje que a Saúde não tem a ver ape-nas com a restauração de processos homeostá-ticos (de manutenção de processos de equilí-brio), como pretendiam os filósofos/médicos//mestres gregos, mas também com a dinâmica deequilíbrios e desequilíbrios sucessivos (heteros-tasia) onde se pretende que o equilíbrio seja sem-pre restaurado, mas sempre a um nível mais com-plexo (Nichols & Gobble, 1990). A importânciada intervenção em Saúde passa assim a ter maisa ver com a capacitação das populações para, noconfronto com os riscos, conseguir um rápido res-tabelecimento de um novo equilíbrio, saudável ecada vez mais complexo, com um mínimo de da-

nos causado pela exposição aos factores de risco.Esta perspectiva torna-se fundamental quando sefala de saúde comportamental uma vez que, sen-do quase impossível evitar o confronto das pes-soas com os riscos, se torna de importância fun-damental esta perspectiva da promoção das com-petências pessoais e sociais para um restabele-cimento rápido de novos equilíbrios, cada vez maiscomplexos.

Lalonde (1974), no seu relatório sobre a saúdedos canadianos, fala da poluição ambiente, da vi-da citadina com stresse familiar e laboral e comanonimato social, com hábitos de sedentarismo,com anedonia, com abuso de álcool, tabaco edrogas e mudança nos padrões alimentares (“pra-zeres dos sentidos para além das necessidades docorpo”).

Alerta ainda para a necessidade de uma re-visão da distribuição de prioridades e fundos anível da reorganização dos serviços de saúde.Preconiza uma deslocação da intervenção e doscustos dos “cuidados de saúde” para o que cha-mou o “campo da saúde” que engloba os primei-ros mas é mais lato incluindo toda a comunidadealém hospital. Defende que os técnicos de saúdenão podem continuar a perder tempo e custos atratar doenças causadas por condições adversas,que resultam justamente da evolução económica,e que têm acarretado custos a nível do ambientee do risco comportamental.

Todas estas asserções foram defendidas no Re-latório Richmond (1979) e ratificadas pela OMSna Conferência de Alma-Ata (WHO, 1978).

Em meados do século XX, a nova “epidemio-logia comportamental” reconhece que a maiortaxa de doença e mortalidade prematura tem aver com hábitos tabágicos, consumo de álcool edrogas, e riscos de acidentes, nomeadamente mo-torizados (Richmond, 1979) e aponta que 50%das mortes prematuras têm a ver com doenças doaparelho circulatório e 20% com cancro, que asso-cia potencialmente a estes comportamentos. Estefacto leva Richmond (1979) a acusar a popula-ção de “forçar” a morte ao manter factores evitá-veis tais como hábitos descuidados, poluição doambiente e más condições sociais com pobreza,fome e ignorância.

Richmond (1979) aponta as 10 principais cau-sas de morte prematura nos EUA, (1) 50% devi-das a comportamentos e estilos de vida lesivosda saúde; (2) 20% a factores ambientais, (3) 20%

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a factores relacionados com a biologia humana e(4) 10% a cuidados de saúde inadequados. ParaRichmond, que retoma aqui a visão de Lalonde(1974) estes dados têm que ter repercussões fun-damentais na distribuição do orçamentos para asaúde.

Lalonde (1974) falava já então da necessidadede novas políticas nacionais de saúde, com ver-bas distribuidas em quatro áreas: (1) estilo de vi-da, (2) meio ambiente, (3) biologia humana e (4)organização de cuidados de saúde; distribuiçãoesta que coincide com as principais causas demorte apresentadas por Richmond (1979).

Ramos (1988), argumenta, que os novos desa-fios da saúde no século XX estão no envelheci-mento da população, nas novas dinâmicas fami-liares, nas novas migrações, numa maior e maiscara intervenção a nível da “doença”, numa po-lítica de aproximação dos serviços à comunidade(com uma aceitação cada vez maior de políticasde desinstitucionalização), um maior poder doconsumidor (mais exigente, crítico e participati-vo) e uma maior preocupação dos políticos pelaopinião pública, que ganha mais força após a re-volução da informação.

A Carta de Ottawa (OMS, 1986) tece conside-rações no sentido da protecção do ambiente e dasua repercussão na saúde das populações. No en-tanto, a percepção da deterioração do ambientenão é partilhada por outros cientistas (Lomborg,2001, cit. in Buesco, 2003) que após consulta devárias fontes oficiais conclui e defende, suscitan-do alguma polémica, que o planeta não está emperigo e que os problemas mais urgentes são afome (pela sua distribuição desigual pelo plane-ta) e a pobreza. Neste contexto os decisores dapolítica mundial têm que reflectir sobre as prio-ridades globais de intervenção.

A promoção da saúde envolve um vasto con-junto de factores que incluem adaptações ambi-entais e comportamentais conseguidas através deestratégias educacionais, motivacionais, organi-zacionais, económicas, reguladoras e tecnológi-cas, mantendo como foco a acção sobre as pes-soas, os grupos e a população (Egger et al., 1999).As intervenções no âmbito promoção da saúdetêm vindo a sofrer alterações desde os anos 80,associadas a mudanças sociais mais vastas, no-meadamente no que diz respeito: (1) à redefini-ção do papel da mulher (no trabalho e no casal),(2) à mudança do conceito de família (famílias

com um só progenitor ou pelo contrário muito nu-merosas), (3) às grandes migrações populacio-nais, (4) aos conflitos armados, (5) à inequidadeeconómica e no acesso à saúde e à educação, (6)à alteração do padrão de vida das populações nassociedades do mundo global (com grandes su-perficies anónimas em vez da loja de bairro), (7)ao acesso ao crédito, (8) à ausência de padrõesde interacção familiar (p.e., sem refeições “emfamília”) e ainda (9) ao aumento da consciênciaambiental e da própria saúde.

Como comenta Ribeiro (1998) novos desafiosmultifacetados se colocam para a saúde/bem es-tar, incluindo entre outros: (1) aspectos de pres-são social relacionados com o estilo de vida (so-mos pressionados a “ter”, a “parecer”, a escon-der sentimentos; o pós-modernisnmo é sem dú-vida um tempo de excesso, de abundância e dedesperdício, em simultâneo com a privação nou-tras zonas do planeta), (2) as condições de vida(pobreza, ignorância, desigualdade de acesso aosserviços de educação, saúde e justiça, habitação,trabalho, stresse laboral, familiar e ambiental, mi-gração, isolamento, exclusão social, qualidade doar, oferta a nível de lazer, agentes infecciosos),(3) os estilos de vida relacionados com a saúde(alimentação ou bebida em excesso, consumo dedrogas, alimentação pouco cuidada, excessiva oufome, sedentarismo, lazer, stresse no dia-a-dia, vio-lência doméstica, social, sobre menores ou na-cional/internacional), (4) as redes sociais de apoiosocio-cultural (família, vizinhos, amigos, gruposna escola ou emprego, capital social, igreja, clu-bes, serviços de saúde, estado de saúde, vacina-ção, competências pessoais e sociais). Voltamosaqui, mas a um outro nível de complexidade e decompetência, ao conceito de saúde holística dosfilósofos/médicos/mestres gregos, conceito esteem que a saúde das pessoas, ainda que de modoalgo incipiente, se procurava sempre no equilí-brio das várias “vidas” do homem e no equilíbriodeste com a natureza.

Apesar de se caminhar no sentido de um mo-delo ecológico da saúde, ainda existe um longocaminho a percorrer até ao reconhecimento que:(1) a promoção e protecção da saúde e a preven-ção e tratamento da doença são partes diversasda mesma realidade, (2) a educação e o bemestar económico são os principais factores de ris-co para a saúde, (3) o meio ambiente, rural ouurbano, tem fortes ressonâncias na saúde, (4) os

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indivíduos, a comunidade e os governos têm res-ponsabilidades na saúde das populações.

A OMS (WHO, 2001) defende: (1) programaspreventivos e promocionais, que promovam ascapacidades das pessoas, actuando de preferên-cia antes que os sintomas se instalem, (2) umaacção que inclua estratégias para diminuição doestigma, da discriminação, da exclusão social eda desigualdade de oportunidades, (3) preconizaa partilha de “boas práticas”, após avaliação, demodo a criar programas baseados nas experiên-cias avaliadas. Ainda neste relatório (“Nova com-preensão, nova esperança”), sugerem-se (1) in-tervenções com jovens, com especial atençãopara a questão das necessidades e tarefas ligadasao desenvovimento e sua repercussão na saúde,(2) intervenções que envolvam os contextos so-ciais, (3) intervenções que ajam precocemente e(4) intervenções que promovam a participação ea competência das populações-alvo. Na sequên-cia deste relatório são estabelecidas metas dife-renciando três grupos de países em função da suasituação económica, prevendo mais tempo paraos países com maiores dificuldades.

Uma “nova compreensão”, um “novo enten-dimento” de que a saúde mental, física e socialsão condições vitais e profundamente interde-pendentes e de que, à medida que cresça a nossacompreensão sobre esta interdependência, maisóbvio se tornará que a saúde mental é crucial pa-ra o bem estar de todos os indivíduos, sociedadese países (WHO, 2001).

Refere-se ainda este documento a interven-ções preferencialmente na comunidade (“envol-vimento o menos restritivo possível e tratamentoo menos restritivo e menos intrusivo possível”),embora chame a atenção para o facto de que adesinstitucionalização e a intervenção na comu-nidade necessitam de condições para ser imple-mentadas. Preconiza dez recomendações: (1)disponibilização de tratamento no âmbito doscuidados de saúde primários, (2) disponibiliza-ção de medicação adequada, (3) prestação de cui-dados na comunidade, (4) educação da opiniãopública, (5) envolvimento da comunidade, da fa-mília, dos consumidores, (6) estabelecimento depolíticas nacionais, programas, legislação, (7)desenvolvimento de recursos humanos, (8) esta-belecimento de laços inter-sectoriais, (9) monito-rização da saúde mental da comunidade, (10)apoio à investigação.

«Uma velha história conta que Moreno falan-do um dia com Freud, lhe disse: tu vês os do-entes no consultório, eu vejo as pessoas no seudia-a-dia; tu analisas os sonhos dos teus doen-tes, eu ajudo as pessoas a tornar os seus sonhosrealidade.» (autor desconhecido)

A TERCEIRA REVOLUÇÃO EM SAÚDE

Alguns referem-se agora a uma Terceira Re-volução da Saúde que tem a ver com a racionali-zação dos custos, com uma avaliação dos desper-dícios e uma avaliação dos resultados de modo ase providenciar a acção mínima eficaz, interven-ções sustentáveis e criação de recursos (“Lowcost, high impact”).

Embora a racionalização dos custos seja ine-vitável, espera-se que se traduza em medidas decapacitação e co-responsabilização do cidadãode modo a que lhe seja proporcionado o melhorserviço com vista à promoção e protecção da suasaúde, no entanto alguns vêem nesta medida ape-nas um meio de restrição de custos, responsabi-lizando e culpabilizando o cidadão pela sua do-ença. A participação do cidadão preconizada naCarta de Ottawa (OMS, 1986) implica necessa-riamente uma resposta organizada do sistema e avontade política de aumento da participação docidadão na protecção e promoção da sua saúde.Implica a mediação desta participação como umareal acessibilidade, implica não uma redução decustos mas uma transferência de recursos. Capa-citar o cidadão implica meios e oportunidades,implica transferência de recursos (conhecimen-tos, técnicas, poder e dinheiro) para a comunida-de. Restringindo a análise à questão económica,mesmo já sem falar de questões éticas e humanasligadas à igualdade de oportunidades, a saúdetem vantagens económicas directas (menos gas-tos com a doença) e indirectas (menos absentis-mo e maior produtividade).

Durenberger e Foote (1993), como já anterior-mente Richmond (1979) e Lalonde (1974) defen-dem de uma redistribuição dos custos, distin-guindo uma medicina de “cuidados urgentes” ede “cuidados de saúde a longo prazo” (necessi-tando sobretudo de cuidados de hotelaria e auto-nomia e apoio social) como é o caso das doençascrónicas, deficiências e processos de envelheci-mento e longevidade. A grande maioria de recur-

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sos em matéria de saúde, tanto a nível económi-co como científico continua a reverter para oscuidados médicos, apesar de ser agora ampla-mente reconhecido que o que determina a vida ea saúde das pessoas são factores fora do âmbitoda medicina e mais bem resolvidos com medidasde saúde pública, de promoção e protecção dasaúde, prevenção da doença, ambientes despoluí-dos, segurança no trabalho, segurança fisica emambientes familiares, sociais e ambientais, hábi-tos alimentares e redução dos consumos.

Em Portugal (DGS, 2002) o Relatório de Pri-mavera do Observatório Português dos Sistemasde Saúde (OPSS) declara a educação e a promo-ção da saúde como um investimento em saúde (enão um custo) e o quadro comunitário de apoio,no período de 2000 a 2006 (Saúde XXI), incluium vasto número de inciciativas de promoção dasaúde, desde as mais clássicas de prevenção dedoenças transmíssíveis (tuberculose, SIDA, p.e.)e da protecção materno-infantil (vacinações, pla-neamento familiar e protecção contra a violên-cia), até outras mais recentes como a segurançaalimentar, a prevenção de doenças do coração edos cancros, a prevenção do sedentarismo, a pro-moção de uma sexualidade saudável, a preven-ção do tabagismo, do alcoolismo, da toxicode-pendência e a promoção da saúde na escola e nolocal de trabalho. As metas quantificadas paraestas medidas foram também divulgadas no do-cumento “Saúde: um compromisso (1998-2000)”(DGS, 1999).

A nível da Europa, como defende Campos(1995), a instabilidade económica e social temvindo a agravar as desigaldades em termos desaúde. Algumas causas de doença crónica e mor-te (doenças cardio-vasculares, insuficiência renalcrónica e perturbações mentais) não têm regre-dido. Para além disso, defende, os programas desaúde pública destinados à modificação de com-portamentos tendem por sua vez a ser mais bemassimilados pelos mais instruídos e favorecidos,e este facto ainda mais agrava o fosso e as desi-gualdades em saúde.

Esta perspectiva sublinha a importância da de-finição de metas, avaliação de resultados e rede-finição de novas metas em função da avaliação,como exempo deste processo McGinnis (1991)apresenta as metas para a Saúde 2000, na se-quência da avaliação e reformulação das metaspara a Saúde 1990. Estas metas situam-se nas

áreas de: (1) actividade física, (2) nutrição, (3)consumo do tabaco, álcool e drogas, (4) planea-mento familiar, (5) saúde mental, (6) violência,(7) abuso físico e sexual, (8) programas comuni-tários, (9) lesões, (10) segurança ocupacional,(11) saúde ambiental, (12) segurança alimentar edrogas/medicamentos, (13) saúde oral, (14) saú-de materno-infantil, (15) doenças da circulação,(16) cancro, (17) diabetes e outras doenças cró-nicas, (18) VIH/SIDA, (19) DSTs, (20) vacina-ção e (21) doenças infecciosas.

A SAÚDE NOS PAÍSES EMDESENVOLVIMENTO (PED)

O relatório da Conferência de Alma-Ata (WHO,1978) debruça-se sobre os países em desenvolvi-mento (PED) e reflecte sobre a necessidade deuma visão abrangente dos técnicos admitidos nasequipas de intervenção em saúde, considerandoimprescindível a participação dos indivíduosque nessas culturas realizam intervenções naárea da saúde, (1) tanto como forma de capacita-ção da população, de obtenção da sua confiançae optimização da sua participação, (2) como en-quanto forma de compreensão e contextualizaçãode problemáticas e sintomas e ainda (3) enquantocomo forma de visar a saúde/bem estar integraldas pessoas, que passará sem dúvida pela proxi-midade daquelas em que culturalmente se confia,e finalmente (4) pela recuperação de um ambi-ente de apoio social. Nas recomendações desterelatório defende-se (WHO, 1978) que os servi-ços de saúde, nomeadamente os que estão liga-dos a intervenções transculturais, não podem obs-tinar-se num desenvolvimento impessoal e pre-tender depois ir ao encontro da intimidade daspopulações em questões como a vida, a morte, oamor, a felicidade, a doença.

Esta estrada onde moro entre duas voltas do caminhointeressa mais do que uma avenida urbana.Nas cidades todas as pessoas se parecem.Todo o mundo é igual.Todo o mundo é toda a gente.Aqui não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.Cada criatura é única.

(Manuel Bandeira, A estrada, 1921, in Rondódas mulheres do sabonete Araxá, Colaresed., 1995)

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Constata-se que muitos aspectos da vida doquotidiano, das relações entre as pessoas e daspessoas com o ambiente são relevantes para asua saúde. A generalização abusiva de estraté-gias de organização de cuidados de saúde a con-textos, culturas e religiões diferentes de onde pri-meiro se implementaram, é efectivamente práticade graves custos com contornos de “condescen-dência e etnocentrismo” entreculturas.

O progresso económico, a nível dos países,não se identifica totalmente com uma melhor si-tuação em matéria de saúde. Os progressos noscuidados de saúde são prejudicados por algunsfactores nefastos ligados ao progresso económi-co. Esta “transição em saúde” tem implicaçõessérias em termos de cuidades e serviços de saúdeque começámos por referir.

Nos países em desenvolvimento (PED), cons-tata-se que a falta de água potável, a falta de con-dições sanitárias, as deficiências de vacinação eda saúde materno-infantil são ainda condiçõessalientes, mas acumulam desde há anos com asquestões prementes a nível da saúde nos paísesmais desenvolvidos: consumos, excessos, defici-ente alimentação, doenças sexualmente transmis-síveis entre as quais o VIH/SIDA, a obesidade eos diabetes, a violência e os acidentes, as carên-cias a nível de saúde mental com alienação/de-senraizamento/isolamento/exclusão social.

Nos países com graves indicadores de pobre-za, higiene e salubridade, deficientes cuidados desaúde e educação, o equilíbrio homem-agentespatológicos tem ainda situações de ruptura, pro-vocando epidemias. Nestas situações são cadavez mais medidas de saúde pública as responsá-veis pelo restabelecimento de ambientes saudá-veis.

Numa perspectiva mundial, o custo da globa-lização leva a que aqueles países tenham umcontacto precoce com o melhor e o pior dos paí-ses industrializados. Saliente-se em particular,para falar apenas de riscos para a saúde, o consu-mo abusivo de bebidas alcoólicas, alimentaçãosem qualidade e rica em gorduras, consumo dedrogas, forte apelo ao consumo e ao “consumis-mo” com um potencial efeito secundário em ter-mos de criminalidade para os mais desfavore-cidos, o sedentarismo, os acidentes (nomeada-mente sob o efeito de álcool e drogas), os com-portamentos sexuais de risco (nomeadamente sobo consumo de álcool e drogas).

Considerando a promoção e protecção da saú-de, quer a nível das pessoas quer a nível das po-pulações, ter-se-á em consideração a pirâmide demotivações (Maslow, 1968), especialmente quan-do se trabalha com populações em grande priva-ção económica ou de segurança. Como refere Mas-low (1968) é dificil pensar na sua saúde e nomundo de amanhã, quando está em causa a so-brevivência hoje. É dificil pensar em realizaçãopessoal quando se tem fome, febre, dores ou me-do.

PSICOLOGIA DA SAÚDE, SAÚDE PÚBLICA ESAÚDE INTERNACIONAL

Com a evolução dos sistemas da saúde, o de-senvolvimento farmacológico e das ciências docomportamento e o abandono dos modelos insti-tucionais (hospitais, prisões, asilos), os psicólo-gos, que habitualmente lidavam com a doençamental, foram chamados a intervir com pessoassem doença mental, no apoio à adaptação à do-ença e na adaptação às sequelas da doença (Ri-beiro, 1999). Em seguida, a sua acção foi-se es-tendendo à promoção e protecção da saúde daspessoas, e mais tarde à promoção e protecção dasaúde das populações nas suas comunidades ha-bituais ou nas comunidades de acolhimento (ca-so dos migrantes). Esta nova visão implica umanova dinâmica tanto para a Psicologia como pa-ra a Saúde Pública, introduzindo do ponto devista dos prestadores de cuidados de saúde umadimensão de trabalho em equipa multidisciplinarcom inclusão para além de psicólogos e especia-listas em saúde pública, de outros técnicos deáreas como o direito, a economia da saúde, a so-ciologia, as ciências políticas e a antropologia.Nos dias de hoje, paradigmas emergentes apon-tam para conceitos como “empowerment/capa-citação”, “activação de recursos comunitários”,“intervenções preventivas”, “intervenções pro-mocionais”, “qualidade de vida”, “participação”,“acessibilidade”, “igualdade de oportunidades”,“parcerias”, entre outros. Tal implica um novoprocesso de trabalho, com repercussões claras anível da própria formação dos técnicos de saúde,com novos conceitos chave (1) trabalho em equi-pa interdisciplinar, (2) linguagem comum, (3) ar-ticulação de projectos, (4) gestão de poder e re-cursos, (5) gestão de relações interpessoais e di-

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nâmica de grupos, (6) promoção e protecção dasaúde, (7) dinâmicas comunitárias. Assiste-setambém, em consequência, a uma mudança dopapel do profissional de saúde que passa a apa-recer mais como um “catalizador do desenvol-vimento pessoal e social dos indivíduos”, assu-mindo-se mais como um “membro da equipautente/profissional” do que como um “tratador”munido de “técnicas e saberes absolutos”.

A teoria da acção social (Ewart, 1991) dá umenquadramento teórico à aplicação da Psicologiaà Saúde Pública. A teoria da acção social defineque há estados da acção (o que fazemos), que mui-tas vezes realizamos sem mesmo nos aperceber-mos, dentro das nossas rotinas e em certos con-textos (fumar, praticar actividade física, ingerirbebidas e/ou comer). Ewart (1991) defende que épreciso estudar os mecanismos de mudança, queperspectivem as mudanças individuais enquadra-das em mudanças favoráveis no sistema ambien-tal, isto é introduzir bons hábitos nas rotinas daspessoas e promover a auto-protecção a partir davida de todos os dias (alteração de leis, mudançade ambientes, modificação de populações). Esteprocesso, continua Ewart (1991) implica interde-pendência social e auto-regulação.

Coie et al. (1993) defendem que a intervençãoda Psicologia na área da Saúde deve centrar-senos determinantes, nos mediatizadores e nasconsequências dos comportamentos dos indiví-duos, com ênfase na transacção entre a pessoa eo ambiente, tendo em consideração a idade dedesenvolvimento da população, i.e., adicionandoà perspectiva ecológica uma orientação desenvol-vimental. Referem ainda estes autores que os facto-res de risco têm um efeito cumulativo, dão ori-gem a vários problemas e são neutralizados porfactores de protecção. Defendem portanto (1)uma intervenção preferencial sobre os factoresde protecção (resiliência, vantagem social, com-petências pessoais), (2) uma actuação sobre fac-tores indicativos precoces, e (3) a conjugação deintervenções universais com intervenções maisselectivas.

Coie et al. (1993) defendem ainda uma liga-ção próxima da intervenção à investigação comomodo de avaliação de acções. Identificam facto-res de risco para a saúde (1) de ordem familiar(baixo estatuto económico, conflito familiar, do-ença mental, desorganização, comunicação difi-cil, dimensão da família); (2) de ordem emocio-

nal (abuso, apatia, imaturidade, stresse, baixa au-toestima, descontrolo); (3) ligados à escola/em-prego (fracasso, desmotivação, desinteresse, iso-lamento, provocação (bullying), sobre ou sub-expectativas); (4) problemas interpessoais (rejei-ção de pares, alienação, isolamento); (5) “handi-caps” pessoais (originados por deficiência senso-rial, fisica ou mental); (6) factores ecológicos(vizinhança, desemprego, pobreza extrema); in-justiça racial ou outra forma de discriminação); (7)atraso de desenvolvimento (competências sociaisfracas, fraca atenção, défice de leitura, competên-cias laborais reduzidas ou hábitos de trabalho nãoestabelecidos, fraco potencial cognitivo).

Em síntese, a sinergia entre a Psicologia daSaúde e a Saúde Pública na área da promoção eprotecção da saúde dos indivíduos e das popula-ções desenvolveu-se a partir de vários factores:(1) da insuficiência do modelo biomédico, de-pois da Medicina e da Saúde Pública terem con-seguido neutralizar os principais agentes infec-ciosos, virais, tóxicos e bacteriológicos, (2) dapreocupação com a prevenção das doenças e aqualidade de vida, (3) da mudança da preocu-pação das doenças infecciosas para as doençascrónicas, com os progressos da Medicina e con-sequente aumento da esperança média de vida,(4) da aceitação do papel que têm para a saúde oestilo de vida e os comportamentos de protecçãoe risco, (5) da evolução da investigação nas ciên-cias do comportamento, (6) dos aumentos doscustos em saúde e procura de alternativas aoscuidados de saúde tradicionais.

Numa tentativa de integração e síntese dasideias expressas, propõe-se uma rápida retros-pectiva histórica pelo conhecimento, investiga-ção e intervenção na área da promoção de com-portamentos ligados à saúde, na comunidade:

- A passagem de um modelo mais “clínico” aum modelo promocional. Actualmente o fo-co é posto na promoção de competências pes-soais e sociais. Esta abordagem implica queo indivíduo é apoiado nos seus esforços deautonomia e participação, de tomada de de-cisões, de concretização e persistência;

- A passagem de uma intervenção mais cen-trada nos indivíduos e nas suas patologias(consumos, sedentarismo, alimentação de-ficiente, sintomas físicos e psicológicos),para uma intervenção centrada na relação

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do indivíduo com os cenários e actores re-levantes do seu quotidiano, e na competên-cia dos indivíduos para se tornar agentesactivos dessa interacção e capazes de iden-tificar necessidades de mudança e de as pro-duzir a nível pessoal, interpessoal e comu-nitário;

- A relativização da importância atribuída àprevenção (muitas vezes não é possívelafastar os indivíduos do contacto com facto-res de risco) e o equilíbrio entre estratégiaspreventivas e estratégias de promoção de com-petências pessoais e sociais que permitamaos indivíduos, em certos casos, o convíviocom factores de risco sem que se deixemprejudicar a nível individual. Tal implica aidentificação de factores ligados à protec-ção, a nível pessoal, social e comunitário;

- A evolução do conhecimento que leva à ne-cessidade de maior precisão, complexidadee profundidade na compreensão dos proces-sos e mecanismos através dos quais actuamfactores, contextos e actores implicando umaumento da complexidade, precisão e pro-fundidade nos estudos empíricos;

- O modo como se passou a considerar a pre-venção do risco e promoção da protecçãocomo holística e integradora dos vários as-pectos da vida dos indivíduos. Assim, numparalelo com outras áreas de conhecimentoe intervenção, cada vez se fala menos deprogramas de intervenção para a prevençãodo tabagismo, do alcoolismo, do consumode drogas, da depressão, do suicídio, das per-turbações alimentares, da delinquência, dosedentarismo, etc. O que verdadeiramentese pretende é identificar e promover alter-nativas e permitir e facilitar a promoção decompetências de vida;

- A utilização de metodologias qualitativas(Matos & Gaspar, 2003; Matos, Gaspar, Vi-tória & Clemente, 2003), tais como méto-dos de observação, entrevistas individuais ecolectivas e grupos focais (“focus group”),para uma maior compreensão, contextuali-zação e aprofundamento dos resultados dedados qualitativos. Este procedimento au-menta assim a participação das populações--alvo na definição de problemáticas rela-cionadas com as suas vidas;

- A consequente importância de uma visão

multi e interdisciplinar onde disciplinas co-mo a medicina, psicologia, economia, an-tropologia, sociologia, direito, ciências po-líticas entre outras, interajam na compreen-são da saúde das populações.

PROMOÇÃO E EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE

O conceito de promoção da saúde inclui aideia de que a saúde pode desenvolver-se ao lon-go do ciclo da vida e que esta evolução é quali-tativa. Inclui ainda a ideia de que a saúde é umprocesso (e não um estado) que tem a ver com ainteracção do organismo com o seu ambiente fí-sico e social. Neste registo, o homem passa a servisto como um sistema auto-organizado e auto-construído, que inclui funções biológicas (estadodos orgãos, p.e.), de gestão (identificação de pro-blemas, decisão, controlo), de manutenção (ali-mentação e bebida, p.e.) e excitatórias (atenção,emoção, motivação, p.e.) (Ford, 1990), cuja com-preensão é inseparável do ambiente físico e so-cial por onde transita.

A promoção da saúde é um processo que visadar às pessoas informações e conhecimentos dassuas capacidades pessoais (genéticas, físicas epsíquicas) que lhes permitam rentabilizar o seucapital próprio numa perspectiva de aumentar oseu controlo sobre os determinantes da sua saúdee assim melhorar a sua saúde e a sua qualidadede vida. A qualidade de vida é, neste contexto, apercepção por parte dos indivíduos de que (1)participam na gestão das suas vidas e da sua saú-de, (2) as suas necessidades estão a ser satisfeitase (3) não lhes estão a ser negadas oportunidadesde alcançar felicidade e satisfação, não obstanteo estado físico de saúde, ou condições sociais eeconómicas. A participação dos indivíduos é essen-cial neste processo (OMS, 1986).

Um comportamento de saúde é qualquer acti-vidade desenvolvida por um indivíduo, qualquerque seja o seu estado de saúde real ou percebido,com o objectivo de promoção, protecção ou ma-nutenção da saúde, quer esse comportamentoseja ou não objectivamente eficiente para o fim(OMS, 1986). Comportamentos de risco são for-mas específicas de comportamento associadas aoaumento de susceptibilidade a uma doença espe-cífica ou à «doença-saúde» (OMS, 1986). Os com-portamentos de risco são usualmente definidos

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como “perigosos” com base em dados epidemio-lógicos e dados psico-sociais. Consideram-secomportamentos de protecção aqueles que têmum efeito minimizador de situações de risco. Es-tratégias de resposta para a alteração de compor-tamentos de risco incluem o desenvolvimento decompetências pessoais e sociais, e a criação de maisenvolvimentos facilitadores da saúde (Matos, 1998;Matos, 2000; Matos et al., 2000; Matos, 2002; Ma-tos et al., 2003; Matos, 2004) no sentido da pro-moção de comportamentos de protecção.

É possível argumentar que quase todos oscomportamentos ou actividades de um indivíduotêm impacto no seu estado de saúde. Comocomportamentos prejudiciais para a saúde temoscomo já vimos (Russell, 1986), p.e., tabagismo,uma alimentação rica em gorduras, ingestão degrandes quantidades de álcool, consumo de subs-tâncias psicopáticas ilegais, ou fora de um con-texto de vigilância médica. Como comporta-mentos de protecção da saúde temos, p.e., lava-gem dos dentes, uso de cinto de segurança, prá-tica de actividade física, procura de informaçãorelacionada com a saúde, realização de examesmédicos de rotina regulares, adequado númerode horas de sono por noite.

O estudo dos comportamentos dos indivíduosligados à saúde e os factores que os influenciamé essencial para o desenvolvimento com quali-dade de políticas de educação para a saúde, paraa promoção da saúde e para programas e inter-venções nos indivíduos e nas comunidades. Apromoção da saúde representa um amplo proces-so social e político, que inclui não só acções diri-gidas ao fortalecimento das competências pesso-ais e sociais dos indivíduos, mas também acçõesdirigidas à alteração das condições sociais, am-bientais e económicas, mas também dirigidas aminorar o seu impacto na saúde pública e indi-vidual. A promoção da saúde tem a ver com a to-mada de medidas no dia-a-dia, quer a nível in-dividual quer a nível colectivo. Estas medidaspara além de participadas e concretizáveis, têmainda e cada vez mais, de tornar a adopção es-tilos de vida saudáveis numa opção fácil e pres-tigiante do ponto de vista do reconhecimento so-cial, bem como uma fonte de prazer e de felici-dade pessoal (Csikszentmihalyi, 1990a, 1990b).Este facto é sobretudo importante na adolescên-cia onde, por vezes, a adopção de estilos de vidasaudáveis é vista como “cinzenta, aborrecida,

desprestigiante e desinteressante”, ao passo queos consumos de substâncias, as velocidades, anão utilização de cinto de segurança, o envolvi-mento em lutas, a não utilização de capacete eem geral a transgressão são vistos como excitan-tes e como fonte de prestígio social. É pois pre-ciso reduzir as barreiras físicas, económicas eculturais que dificultam a escolha de comporta-mentos protectores da saúde. É também necessá-rio incluir o indivíduo como parte deste processode controlo e responsabilização sobre a sua saú-de e a saúde da comunidade.

Como já se referiu, o envolvimento e a parti-cipação e responsabilização dos indivíduos nãopode pretender “desculpabilizar“ os serviços desaúde com consequentes “cortes orçamentais” pa-ra o sector, trata-se sim de uma redistribuição de fi-nanciamentos, como também já aqui se defendeu.

Na Carta de Ottawa (OMS, 1986), uma acçãode promoção da saúde significa: (1) construçãode uma política de saúde pública; (2) criação deenvolvimentos que sustentem a saúde; (3) forta-lecimento da acção da comunidade para a saúde;(4) desenvolvimento de competências pessoais;(5) re-orientação dos serviços de saúde. Os esti-los de vida estão ligados aos valores, às motiva-ções, às oportunidades e a questões específicasligadas a aspectos culturais, sociais e económi-cos (OMS, 1986). Não há um mas sim váriostipos de estilos de vida “saudáveis”, e a varieda-de estabelece-se em função do grupo onde o in-divíduo está inserido e das suas próprias caracte-rísticas individuais.

Argyle (1997) defende que a felicidade, o hu-mor e a saúde se inter-influenciam. Apresentaum conjunto de factores de ordem pessoal e so-cial que influenciam a saúde, quer directamentequer pela influência sobre a felicidade e o hu-mor. Estes factores incluem as relações inter-pessoais, o ambiente laboral e a motivação como trabalho, a classe social, e a actividade física eo lazer. Aspectos como a nutrição, a actividadefísica, o tabagismo, o consumo de álcool, o con-sumo de drogas, a exclusão/isolamento social e ostress laboral ou escolar, a violência, estão na ba-se da definição de um estilo de vida com efeitosnocivos para a saúde. De salientar no entanto(Tobal, 2004) que em relação à quase totalidadedestes comportamentos um estilo de vida saudá-vel não tem uma relação linear com a existência,intensidade ou frequência destes comportamen-

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tos, registando-se em relação a alguns destes umarelação tipo “U invertido”, onde a ocorrência devalores médios dos comportamentos é conside-rado um melhor indicador de um estilo de vidasaudável. Os exemplos mais paradigmáticos des-ta corrente de pensamento são a actividade físicae os cuidados relacionados com a nutrição, masoutros poderiam ser considerados como o consu-mo de álcool e as relações interpessoais (entre oisolamento e a dependência). Como se vem argu-mentando, as acções educativas têm de ser inte-gradas num contexto mais vasto de promoção dasaúde, para que sejam os próprios indivíduosquem toma decisões e se responsabiliza pela suasaúde; para que estes se sintam competentes pa-ra adoptar estilos de vida saudáveis e ainda paraque o seu envolvimento físico e social seja favo-rável à escolha e manutenção de estilos de vidasaudáveis, permitindo uma acessibilidade fácil,socialmente valorizada e duradoura.

É cada vez mais sublinhada a importância daparticipação e da acessibilidade, por parte dosindivíduos, na adopção e manutenção de estilosde vida saudáveis.

A educação para a saúde é um processo de ca-pacitação, participação e responsabilização dosindivíduos que conisga potenciar a percepçãoindividual de competência, felicidade pessoal evalor próprio, quando a escolha é adoptar e man-ter estilos de vida saudáveis. A educação para asaúde não se pode limitar a adoptar uma abor-dagem específica da doença, nem privilegiar ape-nas a sua informação ou as suas característicasinstrumentais. Implica uma resposta organizadado sistema no sentido de permitir que esta edu-cação para a saúde tenha repercussão na vida dosjovens, no seu quotidiano, nomeadamente tor-nando acessíveis cenários e contextos promo-tores de saúde. Numa perspectiva de educaçãopara a saúde, considerando vários comporta-mentos associados à saúde (cuidados de saúdeprimários, alimentação, prevenção de consumos,prevenção de comportamentos sexuais de risco,prevenção do sedentarismo, promoção da com-petência pessoal, promoção de relações interpes-soais gratificantes), a eficácia na modificação decomportamentos no sentido da adopção de umestilo de vida saudável passa por (1) compreen-são da história “natural” dos comportamentosvisados; (2) identificação de determinantes pes-soais, sociais, situacionais, ambientais e políticas

modificáveis; (3) desenvolvimento de estratégiaspara a modificação destes comportamentos, queratravés de mudanças no indivíduo (cognitivas,emocionais, motivacionais, comportamentais),quer através de mudanças no envolvimento físi-co e social.

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RESUMO

A Psicologia da Saúde é um campo da Psicologiacada vez mais valorizado no campo da Saúde em áreascomo a relação das pessoas, no dia a dia, com a Saúdee com a Doença, a comunicação e cooperação com osrestantes técnicos de Saúde e a investigação e inova-ção no Sistema de Saúde. Este facto tem a ver com aevolução histórica do conhecimento, da intervenção eda investigação nesta área, que ocasionou uma conver-gência “histórica”, entre o âmbito da Psicologia daSaúde, o âmbito da Saúde Pública e ainda o âmbito daemergente Saúde Internacional, com benefícios paraessas três áreas.

Uma outra consequência foi o aumento da forma-ção específica na área da Psicologia da Saúde por parteda maior parte das Escolas Superiores de Psicologia,com inclusão de conteúdos ligados à Saúde Pública eSaúde Internacional, o mesmo acontecendo na forma-ção nas áreas da Saúde Pública e Saúde Internacional,que em geral passam a incluir conteúdos ligados à Psi-cologia da Saúde. Durante este trabalho serão revistasestas mudanças históricas bem como a sua repercussãona formulação de questões relativas à promoção dasaúde/bem-estar dos indivíduos e da comunidade.

Palavras-chave: Psicologia da Saúde, Saúde Públi-ca, Saúde Internacional.

ABSTRACT

The relevance of Health Psychology in the healthfield is increasing, including areas such as daily rela-tionship of people with health and disease, communi-cation and cooperation with other health professionalsand research and innovation in the Health System.

This fact has to do with an historical evolution ofknowledge and research in this area whose consequencewas an “historical” convergence among Health Psy-chology, Public Health and the more recent InternationalHealth, and had important benefits for those three areas.

Another consequence had to do with academictraining. Most of Superior Psychology Schools includenow a specific training in Health Psychology, with con-tents in Public Health and International Health, and inthe same way, most Public Health Schools and Inter-national Health Schools include now contents in HealthPsychology.

This work will review these historical changes andtheir consequences on this new understanding abouthealth/well- being promotion in individuals and in thecommunity.

Key words: Health Psychology, Public Health, In-ternational Health.

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