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Psicologia Ciência e Profissão ISSN: 1414-9893 [email protected] Conselho Federal de Psicologia Brasil Bitencourt Lomônaco, José Fernando Três idéias sedutoras e quatro sugestões preciosas: algumas reflexões de Jerome Kagan Psicologia Ciência e Profissão, vol. 26, núm. 3, septiembre, 2006, pp. 384-405 Conselho Federal de Psicologia Brasília, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=282021746005 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Psicologia Ciência e Profissão

ISSN: 1414-9893

[email protected]

Conselho Federal de Psicologia

Brasil

Bitencourt Lomônaco, José Fernando

Três idéias sedutoras e quatro sugestões preciosas: algumas reflexões de Jerome Kagan

Psicologia Ciência e Profissão, vol. 26, núm. 3, septiembre, 2006, pp. 384-405

Conselho Federal de Psicologia

Brasília, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=282021746005

Como citar este artigo

Número completo

Mais artigos

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Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

Três Idéias Sedutoras e QuatroSugestões Preciosas: Algumas

Reflexões de Jerome Kagan

Three seductive ideas and four precious suggestions:Some considerations by Jerome Kagan

Art

igo

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José FernandoBitencourt Lomônaco

Universidadede São Paulo

PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2006, 26 (3), 384-405

Resumo: São consideradas três idéias, denominadas por Jerome Kaganidéias sedutoras pela sua capacidade de se apresentarem comointuitivamente verdadeiras. A primeira é a de que processos psicológicostais como inteligência, consciência, etc, podem ser amplamentegeneralizados para uma ampla gama de situações. A segunda refere-seao determinismo infantil, à crença de que as primeiras experiências infantisconstituem uma influência determinante no desenvolvimento. A terceiraé relativa ao princípio do prazer, à noção de que o comportamento humanoé regido fundamentalmente pela busca do prazer. Fundamentado emdados de diferentes áreas do conhecimento, Kagan demonstra a faláciade cada uma dessas idéias e apresenta quatro sugestões construtivas paraaqueles que trabalham nas ciências sociais e comportamentais.Palavras-chave: idéias falaciosas, generalização indevida, determinismoinfantil, princípio do prazer.

Abstract: Three seductive ideas are considered, labeled by Kagan assuch for their presentation as intuitively true. The first idea is thatpsychological processes named by terms as intelligence, consciousness,etc, can be generalized for a variety of situations. The second seductiveidea is that of infant determinism, the notion that the first experiencesare a determinant influence on the future development of the children.The third one is the pleasure principle, the notion that the human behavioris fundamentally oriented by the search of pleasure. Based on researchdata from a diversity of sciences, Kagan shows the fallaciousness of suchideas and gives four constructive suggestions for those who work in thesocial and behavioral sciences areas.Key words: fallacious ideas, inappropriate generalization, infantdeterminism, pleasure principle.

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Em 1998, o renomado psicólogo norte-americano Jerome Kagan, amplamentereconhecido por suas contribuições teóricas eempíricas ao estudo do processo dedesenvolvimento humano, publicou uminstigante livro denominado Three SeductiveIdeas (Três Idéias Sedutoras), no qual faz umaséria crítica a três idéias amplamentedisseminadas no domínio da Psicologia.

A leitura dessa obra convenceu-me daimportância de partilhar, com a comunidadepsicológica brasileira, as sugestivas idéias desseautor, uma vez que muitos de nós

possivelmente estamos também seduzidos poressas idéias e, o que é muito pior, elasseduzem nossos alunos e contribuem, dessamaneira, para perpetuá-las. Assim sendo,decidi escrever este artigo a fim de divulgar oconteúdo do livro em apreço.

Há dezenas de anos, Jerome Kagan vem sededicando ao estudo teórico e à investigaçãoempírica em Psicologia do desenvolvimento,tendo publicado vários livros e um respeitávelnúmero de artigos em periódicos científicos.Em seu trabalho de pesquisa, tem-se voltadopara o estudo do desenvolvimento cognitivo

tais críticas juntamente a minhas reflexõespessoais. Esse contraponto não visa, de formaalguma, a desacreditar ou desmerecer as idéiasde Kagan, mas tão somente a enriquecer acompreensão do texto, apontando algumaslimitações que, sem comprometer a essênciadas argumentações do autor, permitem, nomeu entendimento, contextualizar melhor taisidéias e enriquecer o debate sobre seu poderde sedução.

Vamos, pois, conhecer as três idéias falaciosasque, segundo Kagan, ao longo da história daPsicologia, vem dificultando melhorcompreensão de processos e fenômenospsicológicos e levando a uma série deinterpretações e/ou conclusões equivocadasem face de seu poder de sedução.

A primeira idéia falaciosa, analisada no capítulodenominado A paixão pela abstração, é a crençade que a maioria dos processos psicológicos segeneraliza amplamente. Como umaconseqüência de tal crença, muitos estudiososacreditam que não é fundamentalmenteimportante especificar o agente que está sendoestudado (homem ou animal), o contexto noqual o sujeito atua (laboratório, ambientenatural, local de trabalho), uma vez que seacredita que conclusões amplas podem serretiradas, não obstante o agente e o contexto.Por exemplo, uma qualidade denominadainteligência é aplicada a animais, crianças,estudantes universitários e programas decomputador. Os dados utilizados para inferiressa qualidade incluem ratos percorrendolabirintos, a sobrevivência das espécies,crianças olhando fixamente para figuras novas,a posse de um grande vocabulário, tempos dedecisão rápidos, a capacidade de recordar umalonga fileira de números e a correta aplicaçãode regras lógicas. Nas palavras de Kagan(1998): “A noção de que um único processomental pode mediar um conjunto tão diversode fenômenos vai muito além dos limites daimaginação da mente mais aberta” (p. 2).

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e emocional de crianças, com especialinteresse pela investigação do temperamentoe das emoções morais. Atualmente é professorde Psicologia na Universidade de Harvard eco-diretor do Mind-Brain Behavior Iniative,nessa mesma universidade. Em face de suavida acadêmica, inteiramente dedicada aoestudo, pesquisa e divulgação da Psicologia,especialmente à Psicologia dodesenvolvimento, acredito eu que ele tenhaméritos suficientes para ter suas idéiasamplamente divulgadas e submetidas aoescrutínio de profissionais e estudantes dePsicologia brasileiros.

Antes, todavia, gostaria de salientar que, aoapresentá-las, certamente não estarei fazendointeira justiça ao pensamento de JeromeKagan, dado que, ao procurar resumir ousintetizar suas idéias, estarei deixando de lado,por uma questão de espaço, muitos dados eargumentos constantes do trabalho.Recomenda-se, pois, aos mais interessados,consultar a obra original.

Um outro aspecto que gostaria de consideraré que, embora o objetivo principal destetrabalho seja o de divulgar as idéias de Kaganentre a comunidade psicológica e o dedespertar o interesse do leitor pela leitura dooriginal, não me furtarei a tecer algumasconsiderações e fazer uma análise crítica, aindaque não exaustiva, do texto em tela.

No ano seguinte ao da publicação do textode Kagan nos Estados Unidos, Frank C. Keil,professor do Departamento de Psicologia deYale e conceituado estudioso dodesenvolvimento cognitivo, publicou umaprimorosa resenha do livro no ContemporaryPsychology (1999), na qual, ao mesmo tempoem que descreve o conteúdo do texto,apresenta algumas críticas às afirmações deKagan.

Neste trabalho, após a exposição de cada umadas idéias sedutoras, apresentarei algumas de

A primeira idéiafalaciosa,

analisada nocapítulo

denominado Apaixão pela

abstração, é acrença de que a

maioria dosprocessos

psicológicos segeneraliza

amplamente.

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Kagan afirma que a preferência por nãoespecificar um evento e, em conseqüência,supergeneralizá-lo, está provavelmenteenraizada na natureza biológica da mentehumana e é um dos fenômenos mais bemestabelecidos nos laboratórios psicológicos. Océrebro humano, da mesma maneira que océrebro dos animais, está preparadoinicialmente para atentar para a generalidade,e não para a particularidade. É a experiênciaque nos ensina a refinar nossa percepçãoinicial.

Pode-se afirmar que esse refinamento daobservação constitui um dos propósitosfundamentais das ciências empíricas, pois éatravés desse processo de análise de conceitosmais gerais e sua substituição por famílias deconceitos mais específicos, distintos, porémrelacionados, que a ciência tem caminhadorumo a melhor compreensão da natureza.

A aplicação desse refinamento de conceitosaos processos cognitivos é algo mais recenteem Psicologia. Por exemplo, a capacidade dememória, que os psicólogos de alguns anosatrás consideravam uma capacidade unitária,é agora amplamente reconhecida como umconjunto de processos distintos mediados pordiferentes circuitos cerebrais. Todavia, comoassinala Kagan (1998):

Apesar dessas poucas vitórias, demasiadoscientistas sociais e comportamentais retêmuma profunda afeição por conceitos amploscomo aprendizagem, medo, depressão,comunicação, amor e consciência,acreditando que cada termo descrevafielmente um agrupamento coerente nanatureza (p.3).

A segunda idéia sedutora é o determinismoinfantil, ou seja, a idéia de que as primeirasexperiências das crianças atéaproximadamente dois anos de idade sãodeterminantes para a formação de traços dapersonalidade adulta. A palavra crucial, na

afirmação anterior, é o termo determinante,pois o que se critica não é a afirmação que oseventos dos dois ou três primeiros anosinfluenciem a formação da personalidade, masque a determinam de maneira definitiva, ou,em outras palavras, para grande parte dospsicólogos, parece razoável supor que asprimeiras estruturas mentais criadas pelaexperiência são preservadas indefinidamente,como a marca de uma dobradura num papel.

Segundo Kagan (1998), existem três boasrazões para acreditar na preservação dessasprimeiras estruturas. São elas: 1ª) odeterminismo infantil transmite a ilusão de sermecanicista, ou seja, é mais fácil para nósafirmar uma relação de causa e efeito se cadanova qualidade é precedida por alguma outraque traz uma substancial contribuição a elado que se um novo comportamento emergesubitamente devido a eventos traumáticos oumudanças maturacionais no cérebro; 2ª) talcrença torna proveitosa e significativa a açãodos pais, isto é, se não for possível aos paisinculcar atitudes, valores e comportamentossenão no final da infância, então suas ações,nesses dois ou três primeiros anos de vida,parecerão inúteis e desprovidas de sentido, e3ª) talvez a mais forte delas, essa crença estáde acordo com a doutrina do igualitarismo.Kagan afirma que cada período histórico édominado por uma visão filosófica que amaioria dos cientistas e estudiosos evitacontrariar. Em nossos tempos, vigora a éticado igualitarismo, que afirma a igualdade dedireitos e oportunidades para todos os sereshumanos. Nas palavras do autor:

Se a sociedade puder dispor de experiênciasestimuladoras do crescimento para todas ascrianças e se os produtos psicológicosresultantes forem preservados apesar dasvicissitudes da vida posterior, nós poderemosaproximar-nos do ideal de uma sociedade deiguais. Mas se, por outro lado, as frustraçõesda pobreza ou do preconceito puderemproduzir descontinuidades psicológicas na

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adolescência, apesar de uma infânciabenevolente, a premissa do igualitarismoficaria ameaçada. Assim, o sentimentocomunitário que cerca a idéia de igualdademantém essa suposição (p.5).

Um outro aspecto que contribui para apermanência da crença no determinismoinfantil é a ambigüidade do fenômeno que sedeseja explicar. E isso porque as qualidadessupostamente determinadas pelasexperiências infantis – tais como bomajustamento, auto-realização, caráter,personalidade saudável, etc - são tão geraisque, com elas, não temos condições de refutar(ou confirmar) a noção de que as primeirasexperiências são as responsáveis por taisresultados. Na medida em que os adeptos dodeterminismo infantil forem incapazes deespecificar um resultado particular para umadeterminada classe de experiências infantis –p. ex., fobia de animais, introversão, suicídio,abuso de drogas ou pobre realização escolar– eles tornam muito difícil o teste da hipótese.

Como lembra Kagan (1998), os biólogos, aocontrário, geralmente começam comresultados observáveis e, então, tentamexplicá-los. A proporção de ervilhas lisas erugosas no herbarium de Mendel despertou aidéia de genes como causa da hereditariedade.Vinho estragado foi o fato que levou Pasteura postular a existência de micróbios. Observa-se nesses exemplos, e em muitos outros quepoderiam ser facilmente lembrados, que osfatos vêm antes dos conceitos explicativos.Muitos estudantes do desenvolvimento, aocontrário, invertem essa seqüência,postulando causas – como o brincar com umacriança ou ouvir música clássica na infância –antes que eles especifiquem o que desejamexplicar. Kagan nos previne que:

Nenhum investigador sério dodesenvolvimento humano desafia a afirmaçãoque as experiências sociais dos primeiros doisanos esculpem em algum grau o perfil que

nós vemos no segundo aniversário da criança.Crianças que são negligenciadas sãoobviamente menos alertas, menos verbais emenos entusiastas do que aquelas querecebem cuidados previsíveis, afeição econtatos divertidos. Todavia, o perfil observadona idade de dez anos é o resultado de umadécada de experiências, não apenas do queocorreu nos primeiros dois anos (p.6).

A terceira idéia sedutora, porém falaciosa,muito popular entre psicólogos e economistas,é a de que a maioria das ações humanas émotivada pela busca do prazer sensorial. Talconcepção contrapõe-se à da grande maioriados sistemas filosóficos que atribuem o podermaior de dirigir as ações humanas a um motivodiferente, qual seja, o de considerar o self oua si mesmo como possuidor de boasqualidades. Segundo Kagan (1998), os filósofostêm escrito muito mais sobre a moral do quesobre quaisquer outras qualidades porque essaé uma característica singular e distintiva denossa espécie.

Em resumo, em seu estudo, Kagan (1998)conclui que 1) muitos processos psicológicosnão são amplamente generalizáveis; 2) que amaioria das características do adulto não sãodeterminadas pelas experiências dos doisprimeiros anos e 3) que a maioria de nossasdecisões diárias são tomadas buscando obterou manter um sentimento de virtude.Vejamos, agora, mais detalhadamente, comoo autor analisa cada uma dessas questões.

A paixão pela abstração

A idéia matriz desse capítulo é a tendência doser humano de buscar conceitos extremamenteamplos e gerais, capazes de explicar umnúmero cada vez maior de fenômenos.Embora tal desejo possa ser perfeitamentejustificado dentro das ciências, que buscam,idealmente, com poucos conceitos, abrangera totalidade de fenômenos de sua área deconhecimento, o resultado nem sempre se

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Como lembraKagan (1998), os

biólogos, aocontrário,

geralmentecomeçam com

resultadosobserváveis e,então, tentam

explicá-los.

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ajusta a essa expectativa, mormente nasciências humanas. É isso que Kagan procuratransmitir nesse capítulo, no qual examinaconceitos psicológicos bastante populares que,no seu entender, ilustram o fenômeno dasupergeneralização ambiciosa e indevida, entreeles, o medo, a consciência, a inteligência eo temperamento, cada um delesrepresentando um conjunto diverso defenômenos que seriam mais bem explicadospor uma família de termos diferentes, aindaque relacionados. Devido às limitações deespaço, apenas um desses termos será aquiconsiderado – o de inteligência – a fim deilustrar as idéias do autor a respeito dessa idéiafalaciosa.

O primeiro teste de inteligência, criado porBinet e Simon em 1905, não tinha outraambição senão a de prever o desempenhoescolar de uma criança. Seus autores nãoelaboraram complexos argumentos teóricos arespeito do significado da inteligência. Todavia,posteriormente, outros cientistas sepreocuparam com o significado e as origensdo fenômeno que estava sendo medido pelostestes de inteligência. Duas figuras muitoimportantes nesse mister foram CharlesSpearman e L. L. Thurstone, cujo trabalho datade 75 anos atrás. É bem conhecida a discussãoentre esses dois autores a respeito da naturezada inteligência: Spearman, que afirma aexistência de uma capacidade unitária, o fatorg, e Thurstone, que postula a ocorrência desete diferentes capacidades cognitivas: análiseperceptiva, capacidade numérica, capacidadeverbal, capacidade espacial, memória, induçãoe raciocínio dedutivo. Segundo Kagan (1998),apesar da racionalidade dos argumentos deThurstone, suas idéias nunca suplantaram anoção mais simples de g. O autor passa, então,a se perguntar porque a palavra inteligência,entendida como um fator geral, é tão difícilde ser eliminada de nosso vocabulário.

Uma primeira resposta reside na crença deque a inteligência é algo herdado, uma

capacidade com a qual o indivíduo já nasce.Atrás de tal crença, existe uma respeitávelquantidade de estudos, mormente osrealizados com gêmeos idênticos, fraternos eirmãos comuns, demonstrando que, quantomais similares forem os sujeitos em termosde sua dotação genética, menores asdiferenças no quociente intelectual, ainda queseu ambiente de criação seja bastantediferente.

Kagan questiona, todavia, a dificuldade emavaliar a natureza exata da contribuiçãobiológica para os escores dos testes deinteligência. A esse propósito, recorre a umacitação do psicólogo John Carroll, em que esteafirma textualmente:

Eu sempre pensei que seria difícil avaliar asinfluências genéticas sobre os escores de testesque são tão patentemente funções deexperiências de aprendizagem específicascomo os típicos testes de QI... Dada adificuldade de controlar ambientes,provavelmente será muito difícil proporcionarevidência convincente para as influênciasgenéticas, mesmo em estudos de gêmeos ede famílias (p. 54).

A seguir, apresenta vários estudos cujosresultados, segundo ele, questionamfortemente a existência de g. A título deilustração, um desses estudos seráconsiderado. O estudo avaliou o desempenhode crianças no início da escolaridade, filhasde pais pobres e pouco instruídos, e às quaisse costuma atribuir baixos escores de QI,numa tarefa de leitura de fileira de palavras.As crianças foram solicitadas a ler tais palavraso mais rapidamente possível. O desempenhodos sujeitos ficou abaixo da média das criançasde classe média. Interpretou-se tal resultadocomo o reflexo de um déficit geral noprocessamento de informações de formaautomática e eficiente. Todavia, uma réplicadesse estudo feito com crianças em Boston ena Índia revelou, surpreendentemente, que a

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maioria dessas crianças era capaz de ler fileirasde cores e de figuras de objetos familiarestão rapidamente quanto as crianças que eramexcelentes leitoras. A lentidão na leituraocorria apenas quando elas estavam lendoletras, ou seja, essas crianças não tinham umdéficit intelectual geral; ao invés disso, era afalta de familiaridade com as letras que asimpedia de lê-las rapidamente.

Um outro fato contrário à generalidade dainteligência são os baixos índices de correlaçãoque se obtém quando são correlacionados osresultados dos vários subtestes de um testede inteligência. A escala de inteligênciaWechsler para crianças, um dos mais popularestestes de inteligência, avalia um pequenonúmero de habilidades mentais, incluindovocabulário, memória de curto prazo paranúmeros, capacidade de fazer inferências apartir de figuras e talento para solucionarquebra-cabeças. Se a inteligência fosse umacapacidade unitária, as correlações entre osescores desses quatro testes deveriam seraltas, mas elas são modestas, por volta de0,40. Esse fato é inconsistente com a noçãode que a inteligência seja uma característicaunitária.

Kagan, então, refere-se aos grandes progressosalcançados no estudo da memória humanaquando a fé numa qualidade unitária foiabandonada. Segundo ele, atéaproximadamente 1970, a memória humanaera considerada uma capacidade unitária. Amemória das pessoas era classificada comoboa, regular ou ruim, independentemente doconteúdo a ser recordado. Atualmente sabe-se que a memória não é uma capacidadeúnica, mas um conjunto de processospsicológicos distintos. Um desses processosdiz respeito à recordação consciente de fatos– a capital do Brasil, os afluentes do Amazonas,a localização de uma rua, os nomes de nossosparentes, etc – e é chamada de memóriadeclarativa. Esta, por sua vez, pode ser dividida

em processos de memória relacionados àrecordação de fatos ou eventos isolados – amemória semântica – e a recordaçãoconsciente do lugar e/ou do tempo em queum fato foi aprendido ou um evento ocorreu– a memória episódica. Os circuitos neuraisque medeiam a memória semântica e episódicasão diferentes. Adultos com lesão nohipocampo têm a memória episódicaseriamente prejudicada, mas podem recordara linguagem, têm desempenho adequado naescola e recuperam lembranças armazenadas.

Uma segunda forma de memória é acapacidade para recordar-se deprocedimentos, a memória sobre como fazer,sobre como, p.ex., andar de bicicleta, dar umnó na gravata ou executar uma seqüência demovimentos de dança. É a chamada memóriade procedimentos.

Um terceiro tipo é a memória implícita. Semostrarmos a crianças de oito anos uma sériede fotos de crianças com quem elas brincavamquatro anos antes, elas provavelmente nãoreconhecerão seus antigos colegas – suamemória declarativa é ruim. Todavia, se acondutibilidade elétrica da pele for medida,tais crianças apresentarão mais suor diante dasfotos de crianças com as quais brincaram anosantes do que de fotos de criançascompletamente desconhecidas.

Finalmente, cabe distinguir entre memória decurto prazo e de longo prazo. Na memória decurto prazo, o indivíduo deve recordar-se dainformação por um breve intervalo de tempo,apenas alguns poucos segundos. É o tipo dememória envolvida quando necessitamossaber um número de telefone. Já a memóriade longo prazo refere-se à recuperação deinformação obtida num passado distante.Pessoas amnésicas têm a memória de curtoprazo seriamente prejudicada, embora possamrecordar-se bem de fatos ocorridos muitos anosantes.

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Dado esse conjunto de descobertas dosúltimos vinte e cinco anos, nenhum psicólogocontemporâneo diria simplesmente que umapessoa tem uma boa memória sem especificarse ele está se referindo à memória declarativa,de procedimentos ou implícita, à memória decurto ou longo prazo e às formas deinformação recordada: palavras, números,cenas, melodias ou pesadelos. Deve sernotado, nesse contexto, que os testes deinteligência padronizados medem apenas amemória semântica declarativa para fatos,deixando de lado as memórias episódica,implícita e de procedimentos.

Finalmente, Jerome Kagan se pergunta porquea noção do fator g, com todas as limitaçõesque ela acarreta para explicar ocomportamento dito inteligente, foi e é aindatão popular dentro da Psicologia. Sua explicaçãoé, no mínimo, curiosa. Segundo ele, quandouma ciência é jovem – e a Psicologia é umadas mais jovens – seus praticantes sãovulneráveis a uma forma de pensar que amente acha atraente, embora não se ajustemuito bem aos fatos da natureza, qual seja,existe, por parte dos adeptos, uma fortepreferência por idéias que impliquemessências estáveis, possuem simetria e sãosimples. A noção de g, ou inteligência geral,preenche os três requisitos.

Parece intuitivamente verdadeiro que o mundoseja constituído de arranjos únicos deelementos estáveis, que são as essências dosobjetos. Não obstante tenhamos muitosexemplos de madeira queimada que setransforma em cinzas, da carne que sedecompõe com o tempo, de folhas verdesque se tornam amareladas e apodrecem nosolo, de homens, animais e plantas quenascem, crescem e morrem, continuamos aacreditar que, sob a superfície mutável eaparente das coisas do mundo, uma camadainvisível de formas imutáveis permanece. Essaidéia é chamada de essencialismo. O conceitode g é tratado como uma essência que

permanece subjacente a toda forma decomportamento inteligente.

A idéia de inteligência geral também preencheo critério de simetria. A simetria, na verdade,não é muito comum na experiência diária.Veja-se, por exemplo, o arranjo das nuvensno céu, das árvores numa floresta, de vacasnum pasto, de estrelas no céu ou de casasnuma rua. Não obstante, quando se apresentaa distribuição simétrica de escores de QI, commédia de 100 e números aproximadamenteiguais acima e abaixo desse valor arbitrário, asimetria da curva normal parece persuadir-nosde sua verdade. Nas palavras de Kagan (1998):“A noção de uma qualidade humana que ésimetricamente distribuída entre todas aspessoas do mundo gerou a intuição de que oscientistas finalmente detectaram uma dasintenções de Deus” (p.68).

Finalmente, a idéia de inteligência geral ésimplicidade pura. O número de talentoscognitivos humanos é provavelmente tãonumeroso quanto o das doenças às quais ohomem é vulnerável. Ele inclui os diferentesprocessos de memória, a intuição, a formaçãode conceitos, a solução de problemas, acriatividade, o pensamento indutivo ededutivo, a avaliação, a aquisição de novoscomportamentos e de novos conhecimentose muitos, muitos outros. Não obstante, todaessa extraordinária diversidade é ignoradaquando declaramos nossa lealdade ao fator g.

Os biólogos de há muito são menos tolos. Elesnão sugerem que os seres humanos diferemgeneticamente numa qualidade denominada“saúde geral” e que as pessoas herdam umavulnerabilidade alta, média ou pequena a todasas doenças. Os efeitos genéticos sobre asfunções vitais são extremamente específicosna maior parte das vezes. Não obstante, algunspsicólogos se recusam a abandonar a idéia deque cada indivíduo herda uma qualidade quedeterminará se ele possui um grau deinteligência alto, moderado ou baixo.

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Os biólogos de hámuito são menostolos. Eles nãosugerem que osseres humanosdiferemgeneticamentenuma qualidadedenominada“saúde geral” eque as pessoasherdam umavulnerabilidadealta, média oupequena a todasas doenças.

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Em face das considerações precedentes,conclui Kagan:

Os indivíduos diferem em seu desempenhonos testes cognitivos e na fisiologia cerebral.Seria extremamente importante se a causadessas diferenças fosse um conjunto particularde genes que torna algumas pessoas maiscompetentes em todos os testes. Como issoé improvável, o conceito de g não se refere aum fenômeno natural, e, como o éter deNewton, está atrasando o progresso teórico(p. 69).

Comentários

Neste capítulo, é chamada a atenção para oerro de fazer afirmações demasiadamentegerais que não levam em conta o contextono qual ocorre o fenômeno estudado.Todavia, como sugere Keil (1999) na citadaresenha, tão perigoso quanto fazer afirmaçõesexcessivamente amplas e imprecisas é o perigode “... inundar as revistas científicas comminúsculas observações dependentes docontexto, estabelecidas de maneira tal a nãoter nenhuma generalidade...” (p. 548). Ou,em outras palavras, a crítica ao emprego determos extremamente amplos não deve levarao seu oposto, qual seja, considerar únicostoda situação e todo comportamento. Talatitude, levada ao extremo, inviabilizaria aexistência da Psicologia como ciência, pois,como há muitos séculos nos ensinouAristóteles, não se faz ciência do particular.

Um outro aspecto lembrado por Keil, emboranão inviabilize a idéia de Kagan, ajuda-nos aentender a origem dessa “paixão pelaabstração” no ser humano. Trata-se datendência de igualar os estados cerebrais comestados mentais, de supor que estadosbiológicos e processos mentais de algumaforma conferem um status unificador aoscomportamentos que são mais intimamenteassociados a eles. Por exemplo, se vocêobserva uma situação de esquiva em ratos e

seres humanos, você pode ver pouca coisaem comum, porém, se você sabe que estãoocorrendo padrões biológicos similares emambas as situações, os estados de medo eansiedade presentes nesses contextos tãodíspares passam a ser vistos como muito maissemelhantes. Como salienta Keil (1999), “...se regiões análogas do cérebro estão ativas emduas espécies diversas em situaçõessuperficialmente semelhantes, semelhançasmuito mais profundas são agora atribuídas àsduas espécies” (p. 548). Dessa forma, muitoembora as advertências de Kagan sejamextremamente pertinentes, resta saber não sóporque tais idéias têm tal apelo, não só entreleigos quanto entre especialistas, mas tambémidentificar algum mérito que elaseventualmente possam ter.

Uma das questões mais importantes naPsicologia atual, no meu entender, é nãoaceitar cegamente todo correlato biológicocomo a explicação final do comportamento,mas também não rejeitar indiscriminadamentetodos os laços entre a Biologia e ocomportamento. No momento em que ospsicólogos parecem ainda continuarpolarizando a velha questão natureza versusambiente, as ponderações de Kagan sobrecomo um nível de análise pode informarproblemas de outros níveis são realmentebem-vindas.

A fascinação dodeterminismo infantil

A segunda idéia sedutora é tratada no capítulodenominado A fascinação do determinismoinfantil. Kagan começa esse capítulo com aseguinte indagação: “Quão para frente podeo passado remoto estender suas mãos?” E eleresponde com o exemplo da Física, quandoafirma que a temperatura do Universo –aproximadamente três graus Kelvin – resultoucertamente da dissipação da intensa radiaçãocriada pelo Big Bang. Nenhuma outra ciência,diz o autor, tem tanta confiança no poder

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explicativo de um evento inicial ocorrido numpassado remotíssimo.

Todas as sociedades especulam a respeito dascausas da variação entre seus membros. Associedades ocidentais decidiram que asexperiências que ocorrem nos primeiros anosde vida são as forças mais potentes nadeterminação do tipo de pessoa que a criançavirá a ser.

Segundo Kagan (1998, p.86),

A aceitação relativamente não crítica dessassuposições requer uma profunda fé numaconexão inquebrantável entre o passado e opresente e uma visão de cada vida com umaauto-estrada que liga o primeiro ao último dia.Essa visão do desenvolvimento repousa sobrea suposição de que toda experiência produzuma mudança física permanente em algumlugar do sistema nervoso central e, emconseqüência, as primeiras experiênciasproporcionam os andaimes para o futuropensamento e comportamento da criança. Odesenvolvimento é análogo à construção deuma casa: assim como a forma e a qualidadedas fundações determinam o resultadosubseqüente, as primeiras experiências têmuma esmagadora prioridade na determinaçãoda forma e da qualidade da vida mental eemocional do adulto. A fita virgem, umametáfora para o cérebro infantil, épermanentemente alterada depois de cadaexperiência, e essas mensagens sãopreservadas com fidelidade por um períodoindefinido.

A fé nessa conexão entre o passado e o futurotem sido associada à crença em períodoscríticos no desenvolvimento. Esse conceito,popular há uns cinqüenta anos, perdeu umpouco de seu apelo, mas começou a retornarà Psicologia nos últimos anos. A idéia deperíodos críticos é particularmente bemdefinida em algumas espécies animais. Aestampagem de patinhos e gansos é um

excelente exemplo. Apenas algumas horasapós o nascimento, esses animais seguirão oprimeiro objeto em movimento que vêem,geralmente a mãe. Estudos em laboratóriodemonstraram que, na ausência da mãe, aestampagem pode ocorrer com pessoas ouobjetos em movimento. Portanto, durante umcurto intervalo de tempo, denominado períodocrítico, certas experiências podem afetarpermanentemente o comportamento futurodos animais.

Dois neurocientistas, David Hubel e TorstenWiesel, descobriram, no desenvolvimento davisão, outro exemplo dramático de períodocrítico. Esses investigadores verificaram que,se o olho de um gatinho recém-nascido fossetapado no período entre o 14º e o 30º dia, deforma tal que apenas um lado do córtex visualrecebesse estimulação visual, o animal ficariapermanentemente cego desse olho. Todavia,se esse mesmo olho fosse fechado um mêsapós o nascimento, nenhuma mudançaocorreria no cérebro, e a visão do animal serianormal após a retirada do tampão no olho.

A noção de período crítico estimulou aimaginação de muitos psicólogos dodesenvolvimento, que supuseram que deveriahaver também períodos críticos nodesenvolvimento humano. Em 1976, MarshalKlaus e John Kennell afirmavam que a ligaçãoda mãe com a criança deve ocorrer nasprimeiras horas após o nascimento, a fim deque o desenvolvimento ocorra normalmente.

Entretanto, tem sido difícil identificar períodoscríticos no desenvolvimento humano quesejam tão convincentes quanto as descobertascom patos, gansos e gatinhos. Kagan cita váriosestudos que investigaram o desenvolvimentode crianças criadas em orfanatos nos primeirosanos de vida e posteriormente adotadas porfamílias que as educaram. Em todos os estudosconsiderados, as crianças apresentaram nítidasmelhoras nos vários aspectos avaliados,indicando que a privação dos primeiros anos

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“Odesenvolvimento éanálogo àconstrução deuma casa: assimcomo a forma e aqualidade dasfundaçõesdeterminam oresultadosubseqüente, asprimeirasexperiências têmuma esmagadoraprioridade nadeterminação daforma e daqualidade da vidamental eemocional doadulto”.

Kagan

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não comprometeu irremediavelmente o seudesenvolvimento.

Uma vez que, como visto, a doutrina dodesenvolvimento infantil acaba por ignorar asmuitas e poderosas influências que afetam operfil de adolescentes e adultos jovens apóso segundo ano, Kagan passa a consideraralguns fatores que, no seu entendimento,exercem poderosa influência nodesenvolvimento humano. São eles: a ordemde nascimento, a identificação com a classesocial ou grupo étnico e o período histórico.

No tocante à ordem de nascimento, o autorafirma, fundamentado em vários estudos, quea posição da criança na família, especialmentese a diferença de idade entre os irmãos forde menos de quatro anos, afeta um certonúmero de qualidades psicológicas. Umadessas qualidades é a atitude perante umaautoridade legítima. Os primogênitosgeralmente mostram uma atitude maisrespeitosa diante da autoridade, enquanto osmais novos são mais céticos e desrespeitosos,ou seja, o irmão mais velho numa família estámais disposto a adotar os valores paternos.

As diferentes experiências vividas pelos irmãosmais velhos e mais novos ajudam a explicarporque, para os mais novos, é um pouco maisfácil resistir às pressões sociais para conformar-se às expectativas de pais, professores e outrosadultos. Considere-se um hipotético exemplode duas crianças da classe média, criadas porpais afetuosos e justos. A concepção inicialda autoridade adulta está baseada nacategorização dos pais que, para oprimogênito, parece possuir característicasdesejáveis, especialmente o poder decomandar e dirigir. Se os pais elogiam aconformidade a seus valores e punem osdesvios, será difícil para o mais velho escapardesses imperativos e rejeitar os valores decivilidade e realização.

Não ocorre exatamente o mesmo com o irmãomais novo, que vive num mundo diferente.

Embora o irmão mais velho seja percebidocomo uma autoridade menor, ele é muitomenos carinhoso e compreensivo que os pais.Ele caçoa do mais novo, pega seus brinquedose está sempre lembrando a ele sua relativaimpotência, quem é o mais forte dos dois.Esses eventos diários acabam por alterar aconcepção dos mais novos a respeito daquelesque são mais velhos e, freqüentemente, geramressentimentos em relação às pessoas dotadasde autoridade.

Kagan ilustra a sua argumentação citando uminteressante estudo de Frank Sulloway,publicado em 1996, a respeito da atitude decientistas primogênitos ou irmãos mais novosquando do surgimento de concepções teóricasradicalmente novas. Por exemplo, a maioriados naturalistas que fizeram comentários sobrea teoria da evolução, entre 1860 e 1875,rejeitando as idéias revolucionárias de Darwin,eram primogênitos. Entre os mais novos, suaaceitação foi três vezes maior. Na verdade,tanto Charles Darwin quanto Alfred RusselWallace, co-autor da teoria da evolução, eramirmãos mais novos.

Num outro estudo em que foram avaliadasvinte e oito diferentes idéias científicasinovadoras, verificou-se que o número dos queapoiaram esses novos avanços na ciência eraduas vezes maior entre os irmãos mais novosdo que entre os irmãos mais velhos.

A conclusão de Kagan, a partir de dados comoesses, é a de que as conseqüências da ordemde nascimento são relevantes para o debate arespeito da conexão entre as primeirasexperiências e a formação de qualidadespsicológicas no adulto, uma vez que asdiferentes construções dos irmãos mais novose mais velhos estão ausentes nos primeirosanos de vida. Em suas palavras (p.113):

A imaturidade cognitiva da criança de dois anosimpede-a de inferir que ela é menos adequadado que seu irmão mais velho. As importantes

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conseqüências psicológicas da ordem denascimento devem esperar até que as criançaspossam apreciar sua relação com um irmão emeditar a respeito da diferença das atitudesparentais em relação a cada membro dafamília.

A seguir, o autor discorre sobre a importânciada identificação com a classe social ou com ogrupo étnico. Tal importância, segundo ele, estáalicerçada em três observações:

● que os valores éticos mantidos pela maioriados adolescentes são mais similares aos deseus pais e de outros adultos familiares queeles respeitam do que aos de outros adultosrandomicamente selecionados na sociedade;

● que crianças e adultos experienciamemoções tais como orgulho ou vergonhaquando estão aprendendo a respeito dasexperiências de outra pessoa ou grupo comque elas acreditam partilhar atributos;

● que a intensidade dessas emoções vicáriasestá correlacionada com a distintividade dasqualidades partilhadas. ... Esses três fatosconvidam à especulação quanto ao processopsicológico responsável por esses fenômenos –identificação é o termo usado mais freqüentementepara nomear esse processo (p.134).

A maioria das meninas de cinco anos, porexemplo, acredita que elas partilham maisaspectos com suas mães do que com seuspais. Em conseqüência, uma criança nessaidade que vê sua mãe assustada diante de umatempestade pode inferir que o medo detempestades também é uma de suascaracterísticas. Por outro lado, uma garota quepercebe sua mãe como corajosa, enérgica comseu pai e popular com as amigas será tentadaa supor que também ela possui essasqualidades desejáveis.

Finalmente, o período histórico durante o qualviveram crianças e adolescentes pode ter uma

profunda influência sobre os valores dosadultos. Kagan ilustra esse aspecto com operíodo de depressão econômica norte-americana, que durou de 1930 a 1940, edeixou cerca de um terço das famíliasamericanas cronicamente ansiosas quanto asua segurança econômica. Nessa época, ascrianças eram diariamente lembradas de quedeveriam ser cuidadosas com as roupas, asmães economizavam nas refeições, enquantoos pais dirigiam carros velhos. As crianças decinco anos talvez não estivessemamadurecidas o suficiente para sentir aansiedade da família, mas os adolescentes,que eram sempre recordados da situaçãoeconômica que a família um dia teve,adquiriram uma preocupação com dinheiroque permaneceu por toda a vida. Uma grandeproporção de americanos que eramadolescentes durante esses anos e estão agoracom mais de setenta anos economizarammuito mais dinheiro do que as gerações antesou após eles, e, durante toda a vida,manifestaram uma contínua preocupação comperdas financeiras. Em suma, conclui Kagan:

As conseqüências da ordem de nascimento,identificação com a classe social ou grupo étnicoe do período histórico, cada um dos quais afetao comportamento e as crenças de maneiraprofunda, têm pouca ou nenhuma relevânciadurante os primeiros dois anos de vida, mas cadaum deles pode produzir nítidas descontinuidadesno desenvolvimento e transformar as conexõesentre a infância e a idade adulta ... Dessa forma,é adequado perguntar por que a idéia dedeterminismo infantil resiste tão bravamente àscríticas (p. 146).

O próprio autor procura responder a essaquestão apresentando uma série de razõespara a vitalidade e permanência dessa crençana Psicologia.

Kagan acredita que a principal razão dessaresistência é que essa crença gera umsentimento de correção, ou de estar fazendo

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as coisas certas, derivado de nossos valoresmorais. A maioria dos americanos e europeusmantém a crença ética de que o cuidadomaterno é inerentemente melhor para ascrianças do que os cuidados proporcionadospor quaisquer outros adultos. A imagem demães que entregam seus filhos aos cuidadosde outras pessoas parece, para muitos, umaviolação das leis naturais. Como resultado,quando os especialistas dizem que seriamelhor se as mães se encarregassem docuidado dos bebês, a maioria das pessoas tema intuição de que eles estão falando a verdade.Quanto a isso, nós acrescentamos assuposições de conexões e de mudançasmateriais no cérebro da criança causadas pelaexperiência, e é quase impossível resistir àconclusão de que o cuidado materno, nosprimeiros anos, determina inexoravelmenteo curso do desenvolvimento da criança parao bem ou para o mal.

Uma segunda razão porque tantas pessoaspreferem acreditar no determinismo infantilé que ele ignora a importância de fazer partede uma classe social. Ainda que, comocentenas de estudos têm demonstrado, aclasse social seja o melhor preditor da vocaçãofutura, do desempenho escolar e dedesordens psiquiátricas, gostamos de acreditarque nossa sociedade é aberta e igualitária, semrígidos limites de classe social. Reconhecer opoder da pertinência a uma classe social équestionar essa crença ética.

Uma outra razão é a de que essa doutrinaminimiza o papel do acaso, uma idéia quemuitas pessoas acham desagradável, uma vezque reconhecer o seu papel é reconhecer quenão temos condições de prever e controlartodas as coisas ao nosso redor.

A quarta razão para a vitalidade da idéia dessacrença é a de que o determinismo ématerialista, isto é, ele supõe que as mudançasno cérebro criadas pelas primeiras experiênciassão permanentes, o que aparentemente

simplifica muito a explicação do processo dedesenvolvimento.

Ao término desse capítulo, Kagan deixa claroque não nega a influência dos eventos queocorrem nos dois primeiros anos de vida, porémnão atribui a eles um papel determinante nodesenvolvimento da criança. Em suas palavras:“Os eventos dos primeiros anos colocam acriança num determinado caminho, mas umcaminho com um número extraordinariamentegrande de encruzilhadas” (p. 150).

Comentários

Como visto, Kagan apresenta muitas razõespelas quais o determinismo infantil éimplausível. Falta, todavia, no meuentendimento, uma confrontação mais diretacom estudos que procuram demonstrar ocontrário, tais como os dos etólogos a respeitodo bem comprovado fenômeno daestampagem (imprinting) em aves precociaise do não tão bem comprovadoestabelecimento do vínculo entre mães e filhosnos primeiros meses de vida (apego), tal comoproposto e bastante estudado por Bowlby(2002) e colaboradores.

Se, em relação ao primeiro tipo de estudo,podemos argumentar que se trata de espéciesbastante diferentes, no tocante aos muitosestudos do apego em crianças, talargumentação não se aplica. Ainda que a teoriado apego venha sendo bastante criticada emnossos dias (v., por ex., Lewis, 1999), acreditoque ela ainda tenha um poder de seduçãomuito grande; daí a necessidade de umadiscussão mais aprofundada dessa questão,analisando os estudos favoráveis e contráriosa sua ocorrência, de modo a estabelecerclaramente a existência ou não dessefenômeno tão inequivocamente ligado àsprimeiras experiências e de suas repercussõesao longo da vida da criança.

Um outro aspecto do determinismo infantilque chamou a atenção de Keil (1999) é o fato

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de que essa crença não está tão disseminadanem exibe tanta força quanto dá a entender otexto de Kagan. Certamente alguns pais sepreocupam excessivamente com asconseqüências das primeiras experiênciassobre o desenvolvimento dos filhos. Noentanto, uma simples observação mostraclaramente que a grande maioria dos pais nãoabandona suas crianças após os dois primeirosanos de vida como se tudo já estivessedeterminado, restando a eles a tarefa deobservar o desenvolvimento pré-estruturadodas crianças. Como observa Keil (1999), ointeresse dos pais no determinismo infantil ésemelhante à aposta de Pascal sobre aexistência de Deus. Ela parece implausível,mas as conseqüências de estar errado são tãoterríveis que vale a pena ser cauteloso.

O princípio do prazer

Finalmente, no capítulo denominado Oprincípio do prazer, Kagan trata da terceira eúltima idéia sedutora. Essa idéia refere-se àcrença bastante difundida e popular de que ocomportamento humano é motivadoprimordialmente pela busca do prazer sensorialou pela esquiva da dor.

Quando uma pessoa selecionaconscientemente uma ação ao invés de outra– por exemplo, ir a uma festa ou visitar umamigo no hospital – que objetivo ela busca?Duas respostas completamente diferentespodem ser dadas. Segundo alguns estudiosos,a pessoa busca, antes de tudo, obter umsentimento de prazer que se origina em umaou mais das modalidades sensoriais.

O segundo tipo de resposta, qualitativamentediferente, tem sua origem no pensamento, enão na sensação. Nas palavras do autor:

O estado desejado é uma consonânciaconceitual entre uma idéia, denominadapadrão, e a ação escolhida. Quando aconsonância ocorre, a pessoa

momentaneamente experiencia umsentimento agradável, porque seucomportamento está de acordo com umpadrão que ela categorizou como bom... Oestado criado pela excitação dos sentidos temuma qualidade e duração que ninguémconfundiria com aquele criado peloreconhecimento de que uma ação,pensamento ou sentimento particular seemparelha a uma representação que a pessoaclassificou como boa (p. 152).

A afirmativa de que o comportamento humanoestá a serviço de realçar um sentimento devirtude é apoiada pela observação corriqueirade que crianças e adultos gastam partesubstancial de seu tempo pondo à prova suacompetência. Crianças constroem castelos naareia e adultos escalam altíssimas e perigosasmontanhas porque, segundo acredita o autor,esses tipos de ações são orientados por umaidéia de perfeição. Tal idéia constitui umadisposição tão biológica quanto a busca desabores doces e a esquiva da dor corporal.Uma vez protegidos de danos físicos reais oupotenciais, a afirmação da virtude temprecedência sobre a busca do prazer sensorialna maior parte das vezes.

Embora o conteúdo de todo o conjunto depadrões morais esteja ligado a uma época e aum lugar, o desejo de acreditar que somoseticamente dignos é universal. Kagan ressaltaque os seres humanos são a única espécieque aplica a avaliação simbólica de bom emau, de certo e errado, a ações, pensamentos,sentimentos e características pessoais e tentacontinuamente selecionar ações que levemos indivíduos a se verem como bons. Maisuma vez, o autor recorre ao testemunho deDarwin (1974), que afirmou claramente: “Eusubscrevo totalmente o julgamento daquelesautores que sustentam que, de todas asdiferenças entre o homem e os animaisinferiores, o senso ou consciência moral é, delonge, a mais importante” (p. 155). E concluiKagan ousadamente: “Um motivo moral e

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A afirmativa deque ocomportamentohumano está aserviço de realçarum sentimento devirtude é apoiadapela observaçãocorriqueira de quecrianças e adultosgastam partesubstancial de seutempo pondo àprova suacompetência.

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suas emoções concomitantes são um produtotão óbvio da evolução biológica quanto adigestão e a respiração” (p. 155).

O fato de toda sociedade ter um código moralindica que uma preocupação com o bem e omal, o certo e o errado, seja uma característicabiologicamente fundamentada. Obviamente,o conteúdo específico do código éinfluenciado por condições históricas, religiosase econômicas. Embora algumas culturasproíbam comer carne de porco, enquantooutras proíbam o consumo de carne de vaca,todas as culturas têm tabus que, quandoviolados, tornam o agente menos virtuoso.

O autor nos previne de que seu propósitonesse capítulo não é prescritivo. Ele não estápreocupado em defender intenções, emoçõesou ações particulares como mais dignas doque outras. Meu intento, diz ele, “... é explorara psicologia do agente humano e o desejouniversal de considerar-se a si mesmo comobom e, como conseqüência, pensar e agir demodo a confirmar ao invés de negar essaavaliação” (p. 157).

Segundo descobertas da Psicologia dodesenvolvimento, entre o segundo e oterceiro ano, a criança já tem condições deapreciar e usar as categorias de bom e mau,as quais, posteriormente, irá aplicar a suasações, pensamentos e sentimentos. Qualquerinformação que os seres humanos interpretemcomo indicação de que eles são bons ou maustem uma conotação emocional. A ação em sié menos importante do que sua avaliaçãosimbólica. Matar em legítima defesa é umaação aceitável; a mesma ação cometida porum ladrão é condenável. De forma diferentede quaisquer outros animais, os sereshumanos estão continuamente julgando asimplicações morais de seus desejos ecomportamentos.

Não obstante a importância de um motivomoral ter sido reconhecido por muitos filósofos

e escritores, Kagan acredita que muitoscientistas sociais e biólogos não lhe têmatribuído a devida importância. Ele atribui esserelativo descaso para com o comportamentomoral à penetrante influência da teoria daevolução. Segundo o autor, a maioria doscientistas naturais acredita que

... não existe uma clara linha demarcatória entreanimais e humanos e, em conseqüência, elesnão estão dispostos a atribuir aos sereshumanos quaisquer qualidades que ostornariam biologicamente distintos. À medidaque as idéias de Darwin foram se tornandocada vez mais influentes durante a últimadécada do século dezenove, os cientistascomeçaram a estudar os animais a fim decompreender a condição humana, na suposiçãode que nenhuma função psicológica humanaapresentava uma séria descontinuidade comaquelas possuídas pelo menos por umaespécie animal (p. 159).

Todavia, como observa o autor, muitoscientistas a serviço da premissa da continuidadeparecem não se sentir constrangidos por essaidéia, uma vez que escrevem sobrecaracterísticas ausentes nos animais, tais comoraciocínio dedutivo, planejamento a longoprazo, desordens de aprendizagem, obsessão,esquizofrenia e anorexia.

O desenvolvimento de métodos poderosospara investigar as conseqüências ou osderivativos dos genes e a melhor compreensãoda fisiologia cerebral de animais encorajaramos biólogos a insistir na validade da premissada continuidade implícita na teoria de Darwin.Uma vez que os rigorosos padrões positivistasdas disciplinas biológicas exigem um elevadograu de controle experimental, que só podeser satisfeito no estudo com animais, asinvestigações de processos tais como o medo,a percepção, a memória e o condicionamento,que podem ser adequadamente estudados emanimais, tiveram precedência sobre o estudode motivos e emoções morais, que não têmanálogos óbvios nesse tipo de criatura.

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Porém, palavras como cooperar, comunicar,roubar, matar, trapacear, egoísmo, lealdade ehonestidade foram inventadas há milênios paradescrever o comportamento humano. Osentido e o significado referencial dessestermos são apropriados apenas para sereshumanos. O fato de que dois macacos secomportem como se fossem cooperativos,simplesmente porque ambos os animais sebeneficiam da cooperação, tem interessecientífico e convida ao estudo e à explicação.Não é claro, no entanto, que essecomportamento possua os atributos definidoresdo que se entende por cooperação humana,ou seja, a consciência simultânea dos agentestanto da necessidade do outro quanto da suacapacidade e obrigação de auxiliar. Umaabelha não está sendo “cooperativa” com umaplanta quando ela carrega o pólen dessa plantapara outra flor. Como salienta Kagan:

Uma similaridade única, objetiva, entre ocomportamento cooperativo, agressivo ouegoísta de seres humanos e uma ação em outraespécie de animal é extremamente fácil deidentificar. Mas, se os fundamentospsicológicos dos comportamentos animais ehumanos são diferentes, nós deveríamosrefletir cuidadosamente antes de utilizar amesma palavra (p. 162).

Com essa observação, o autor encaminha seusargumentos no sentido de defender aexistência de traços singularmente humanos,qualitativamente diferentes dos de outrasespécies, não obstante a ocorrência desimilaridades superficiais. Segundo ele:

Ratos, gatos, macacos e humanoscompartilham muitas estruturas e funçõesimportantes que implicam considerávelcontinuidade na evolução, mas esse fato nãosignifica que algumas espécies não possampossuir uma ou mais funções qualitativamentedistintas que não partilham aspectos óbvioscom seus parentes filogenéticos (p. 163). Ouainda: um motivo moral, que representa uma

nítida ruptura com nosso passado filogenético,não é simplesmente uma versão complexa deabelhas operárias que ajudam na sobrevivênciada colméia ou um chimpanzé que permanecequieto, cabeça abaixada, diante de ummembro morto de seu grupo. A relutância emreconhecer a singularidade do motivo moralhumano é um tanto estranha, visto que osbiólogos reconhecem traços únicos numgrande números de espécies. O traçado deteias pelas aranhas, a ecolocalização nosmorcegos e a estampagem em pássarosprecociais são restritos a um gênero ou espécieparticular. Características singulares sãototalmente consistentes com a teoria deDarwin (p. 164). ... Eu não sugiro que apesquisa com animais não tenha valor ...Animais e seres humanos compartilham muitosaspectos. Mas eles não compartilham todoseles. Os domínios com o mínimo de aspectoscomuns envolvem intenções, valores ecomportamentos associados com ansiedade,vergonha, culpa e orgulho. A evidência obtidacom animais traz poucas contribuições paracompreender esses estados humanos (p. 166).

Admitida a existência dessa capacidade singular- o senso moral – na espécie humana, Kaganse pergunta como ela emerge no decorrer dodesenvolvimento, e ele mesmo propõe umaresposta:

A capacidade humana de um senso moral ede suas emoções correlatas tomou de nossaancestralidade primitiva uma refinadasensibilidade à voz, ao rosto e às ações deoutras pessoas e acrescentou cincocapacidades singulares : 1) inferir ospensamentos e sentimentos dos outros, 2)ser autoconsciente, 3) atribuir categorias debom e mau a eventos e a si mesmo,4) refletirsobre ações passadas e 5) saber que uma açãoparticular poderia ter sido suprimida. Acombinação desses cinco talentos criou umnovo sistema que começa a emergir nascrianças no segundo ano e amadurece durantea década que se segue (p. 169).

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Segundo o autor, os primeiros sinais decompetência moral podem ser observados emtodos os lares. Uma criança de dois anos olhapara os pais depois de derrubar água ou sucono tapete. O rosto e a postura da criançaparecem indicar que ela sabe que cometeuum ato que viola aquilo que ela sabe que écerto. Por outro lado, a criança de um anoque despeja água no assoalho não mostra essessinais de antecipação da desaprovaçãopaterna, ainda que seus pais a tenhamrepreendido por essa ação. A criança de umano tem muitas oportunidades de aprenderque atos que destroem a integridade dapropriedade são inaceitáveis, mas suascapacidades cognitivas não estãoamadurecidas o suficiente para associar osignificado simbólico de sua ação com adesaprovação dos adultos. Segundo Kagan,alguma coisa acontece na mente da criançadurante o segundo ano de vida que a deixasensível à adequação ou propriedade de seucomportamento.

A partir daí, a criança começa a criar categoriasde “bom” e “mau” e a atribuí-las às coisas domundo. Os referentes ao conceito de mauconstituem famílias de eventos cujos aspectosprincipais são o sentimento de incerteza dacriança diante da desaprovação do adulto, dorfísica, perda de algum objeto ou de algumapessoa à qual a criança está apegada, frustraçãoe antecipação de dano. Similarmente, umafamília de sentimentos representa a categoriacomplementar de “bom”. Eles incluemeventos que geram sensações agradáveis degosto, toque e aroma, orgulho dos adultos,objetos e pessoas aos quais a criança estáapegada e aquisição de um objetivo após umesforço e assimilação de um eventodiscrepante.

A maioria das crianças de dois anos estáconsciente do fato de que elas são indivíduoscom características, sentimentos e intençõesparticulares. Quando esse aspecto daautoconsciência aparece, as crianças aplicam

os rótulos de bom e mau a si mesmas, domesmo modo que elas já vinham fazendo compessoas, eventos e comportamentos nosúltimos meses. Segundo Kagan, nesse insightreside a origem do motivo moral. O desejode evitar ser rotulado como mau aumenta àmedida que a criança amadurece e,gradualmente, vai adquirindo precedênciasobre o medo da desaprovação e punição,vindo a tornar-se o principal governante docomportamento humano.

A seguir, e até o final do capítulo, Kagan criticaveementemente a prática corriqueira emnossos dias de buscar, na história evolutiva doser humano, as justificativas para oscomportamentos moralmente condenáveis.Em suas próprias palavras:

É um erro supor que toda ética humana sejaclaramente derivada de alguma classe decomportamento animal...A preocupação como certo e o errado, o controle da culpa e odesejo de sentir-se virtuoso é, da mesmamaneira que o aparecimento do leite emmamíferos, um evento único que nãoapresenta continuidade com o que veioantes... O desejo contínuo de considerar-se asi mesmo como bom é um aspecto singulardo Homo sapiens (p. 190)... Nosso sensomoral não é uma fina camada que cobre umaconstituição bestial e egoísta, mas um aspectonecessário a uma espécie com um lobo frontaltão grande que permite à pessoa ancorarressentimentos, inveja, ciúme e hostilidade porum longo tempo depois que a raiva sedissipou... O senso moral, como a teia daaranha, é um produto único da evolução quese manteve porque ele assegura nossasobrevivência (pp. 192/3).

E, com essas observações, Jerome Kaganencerra os capítulos nos quais tratou de idéiastão influentes quanto falaciosas da Psicologiacontemporânea. No curto epílogo com o qualtermina o livro, ele nos propõe quatrosugestões construtivas, que decorrem das

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considerações/discussões apresentadas nodecorrer de seu trabalho.

Comentários

Ao criticar esta que, a meu ver, é a maiscontrovertida das idéias sedutoras, Kagandemonstra preocupação com o fato de amoralidade ser vista, com demasiadafreqüência, como originária da simples buscado prazer e esquiva da dor. Essa discussão é aculminação de um tema que atravessa todo olivro, qual seja, a de que os seres humanossão singularmente diferentes de todos osoutros animais. Kagan acredita que amoralidade deriva da capacidade humana depensar simbolicamente, o que propicia odesenvolvimento, ao longo dos anos, decrenças e valores a respeito do que é bom emau, certo e errado.

Mas, podemos questionar, até que ponto épossível considerar nossas ações orientadas pornossas crenças e valores, ao invés de por outrosfatores dos quais não temos consciência? Ou,como indaga Keil: “As pessoas geralmentechegam a uma decisão bem pensada, e entãoagem, ou elas agem primeiro, e então buscamjustificar suas ações?” (p. 549). Essa citaçãonos alerta para a necessidade de nãoconsiderarmos a capacidade singularmentehumana de pensar a respeito de questõesmorais como evidência de que taispensamentos são, necessariamente, osfundamentos de nossas ações. Muito emboracada um de nós acredite (ou prefira pensar)que agimos de acordo com elevados princípiosmorais, estudos de Psicologia social e,particularmente, a psicanálise e seu conceitode inconsciente desafiam essa crença. Naverdade, não é incomum, mormente emcontextos clínicos, depararmo-nos comcomportamentos que, sob o disfarce deprincípios morais, revelam a atuação demotivos menos nobres.

Ainda que a história da humanidade e ashistórias pessoais de milhões de pessoasestejam repletas de exemplos em que o prazeré substituído pelo dever, a satisfação pelaobrigação, indicando claramente que o serhumano é perfeitamente capaz de orientarsuas ações por valores e crenças a respeito doque acredita ser bom, certo, correto e virtuoso,e de evitar o que considera mau, errado,incorreto e vicioso, a pergunta que se impõeà Psicologia é: “Quão comuns são essescasos?”

Quatro sugestões preciosas

A primeira sugestão, que ele resume naseguinte frase: sentenças completas, por favor!– requer uma moratória no uso de termosimprecisos como medo, aprendizagem,ansiedade, inteligência, agressividade,altruísmo, etc, para os quais a situação deobservação não é especificada e o agente tantopode ser um rato, um pombo, um macaco ouum estudante universitário. Kagan salienta queo imperativo de especificar o agente e asituação deve ser considerado especialmentepor aqueles que argumentam que as qualidadesadultas são produtos das primeirasexperiências. A não ser que os cientistasestabeleçam, em maiores detalhes, a formaespecífica de associação entre o passado e opresente, é razoável questionar essa afirmativageral de que os primeiros eventos determinamnecessariamente alguma conseqüência futura.Quando os psicólogos que estudam a memóriadistinguiram entre os processos de memóriadeclarativa, episódica, implícita e deprocedimentos, esse fenômeno psicológicopode ser muito melhor compreendido. É muitoprovável que surpreendentes progressos sejamrealizados adotando-se uma estratégia analíticasemelhante para muitos conceitos das ciênciashumanas e sociais.

A segunda sugestão exige: uma diversidade deprocedimentos. Os cientistas sociais e

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“As pessoasgeralmentechegam a umadecisão bempensada, e entãoagem, ou elasagem primeiro, eentão buscamjustificar suasações?”

Keil

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comportamentais apóiam-se em três formasde informação para elaborar seus conceitos:

● afirmações verbais, incluindo auto-relatose descrições de informantes;

● comportamentos observados, tanto nolaboratório quanto em situações naturais e

● medidas fisiológicas. Cada uma dessasfontes leva a conclusões diferentes. Asdescrições de uma pessoa baseadasunicamente na informação verbal – fornecidapor si mesma ou pelos outros – podem sercoerentes, mas serão diferentes das descriçõesbaseadas na pessoa observada ou nasinformações fisiológicas a seu respeito. Naspalavras do autor:

Quando nós nos limitamos a uma fonte deinformação, pagamos o preço dacompreensão limitada (...) Não deveria seruma fonte de orgulho que cientistas sociaisprefiram descrições verbais de uma pessoa aavaliações diretas da ação, do ânimo e dafisiologia? Essa estratégia não reflete umadiferença epistemológica entre as ciênciassociais, de um lado, e a Biologia e a Química,do outro. Ao invés disto, ela reflete uma falhaem perceber que uma compreensão profundanão é possível com apenas uma fonte deinformação. O progresso pode ocorrer apenasquando variadas fontes de evidência sãocombinadas (p. 197) (...) Eu suspeito que aadição de evidência biológica à informaçãopsicológica criará novos e frutíferos conceitos,substituindo noções originadas nafenomenologia por construtos teoricamentemais úteis e mais fiéis à natureza (p. 198).

A terceira máxima sugere: considere ascategorias. Com essa sugestão, o autor assinalaque, ao invés de considerar todas as diferençasindividuais meramente variações quantitativasao longo de um contínuo, nós deveríamosconsiderar a utilidade potencial de criarcategorias qualitativas que representemindivíduos nos extremos de uma dimensão

ou que agrupem indivíduos que possuem umacombinação particular de traços. Adultosextremamente sociáveis, por exemplo, sãoqualitativamente, não apenas quantitativamente,diferentes daqueles que são apenasmoderadamente sociáveis.

A última sugestão – leve em conta a mente –recomenda àqueles que estudam os sereshumanos que não deixem de perguntar comoas pessoas interpretam a experiência. Aopinião de Kagan é que a maioria dos cientistassociais estuda a influência de eventos quepodem ser facilmente quantificáveis –violência na televisão, punição paterna ounúmero de divórcios – porque eles nãopossuem métodos que permitam um insightsobre as construções mentais privadas deadultos e crianças. Ele, então, sugere que: “Nósdevemos inventar métodos novos a fim dedescobrir o grande número de associaçõestácitas, porém informativas, que as pessoaspossuem, especialmente aquelas que sãoderivadas de identificações com o gênero, afamília, a classe social e os grupos étnicos (p. 199)”.

Essa sugestão de levar em conta os eventosinternos é feita, segundo o autor, dentre outrasrazões, porque é sabido que, na maior partedo tempo, as mentes são despertadas peladiscrepância ou pela diferença relativa, ao invésde por um evento específico definido de formaabsoluta. Assim, para ilustrar com um exemplo,o aparecimento de uma rosa numa tela produzuma onda cerebral específica apenas quandoela é precedida por muitas figuras de outrosobjetos que não são rosas e, em conseqüência,há uma discrepância. Um estado de surpresaautomaticamente provoca uma tentativa deinterpretação que é a governante crítica docomportamento. Kagan afirma que não é atimidez que torna alguns psicólogos relutantesem orientar os pais como se comportar comos filhos, mas a percepção de que não équalquer ação paterna específica, mas ainterpretação da criança que modela o seudesenvolvimento. Bater numa criança por um

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comportamento inadequado poderá terconseqüências maléficas ou não. Tudo irádepender da maneira pela qual a criançainterpreta a punição: como algo justo ouinjusto. Com essas palavras, Jerome Kaganfinaliza seu instigante livro (p.199):

Os seres humanos interpretam a mudançade maneira complexa, simbólica – o animaisnão o fazem – e uma das primeirasinterpretações impostas sobre a experiência ése a mudança é boa ou má, para nós mesmose para aqueles de quem cuidamos. Nenhumanimal faz esse cálculo.

Considerações finais

Não obstante as limitações apontadas, acreditoque tenha valido a pena o esforço de terprocurado divulgar as idéias de Kagan para acomunidade psicológica brasileira. Ainda quetais idéias possam ser menos prevalentes entreos psicólogos do que supõe este autor,certamente existem alguns nichos teóricos quepartilham e divulgam tais crenças com muitaênfase e dogmatismo. Penso que a psicanálisee a análise experimental do comportamentopossam ser citadas como exemplos. Assimsendo, uma palavra de precaução para os quejá adentraram ou irão adentrar em tais nichospoderá despertar um saudável sentimento deceticismo a respeito dessas idéias e levar auma avaliação (ou reavaliação) mais cuidadosade sua veracidade.

Um aspecto que decorre das críticas de Kagana essas idéias sedutoras é uma visão maisenobrecedora do homem. Ao realçar que asdiferenças entre homens e animais não sãoapenas de natureza quantitativa, mas,sobretudo, qualitativa, que o ser humano temuma notável capacidade de resiliência e demudança durante toda a sua vida, que não éum mero joguete de forças ambientais, masque pode ser dirigido por princípios e ideais,que as capacidades cognitivas sãoabsolutamente essenciais para a compreensão

de vários aspectos de seu desenvolvimento,o autor nos apresenta um quadro maisreconfortante da natureza humana. Se essequadro corresponde ou não à realidade dosfatos é, e, no meu entendimento, continuarásendo ainda por muitos anos, uma questãode disputa entre os psicólogos. Todavia, aoressaltar os aspectos distintivamente humanose ao fazer uma crítica de algumas idéiaslongamente acalentadas pela Psicologia, Kagancontribui decisivamente para suscitar debatessobre sua veracidade.

No início de sua resenha, Keil (1999) afirmaque não basta apenas descrever e criticar taisidéias. Tão importante quanto descrevê-las éprocurar entender por que essas idéiassedutoras ainda persistem na Psicologia e porque elas são tão resistentes à extinção.

Sem pretender esgotar a questão proposta porKeil, penso que pelo menos uma parte daresposta pode ser encontrada no fato de quetais crenças refletem, em grande parte, amaneira de pensar dos cientistas naturais, pois,ao questionar tais idéias, o autor implicitamenteestá dirigindo suas críticas a três característicasfundamentais da ciência clássica, quais sejam,o essencialismo, o determinismo e outilitarismo.

O essencialismo está bem refletido na crençade que os processos psicológicos podem seramplamente generalizados, uma vez que asdiferenças que apresentam são meramentesuperficiais e/ou acidentais. Uma análise maisprofunda, tal como a realizada pela ciência,certamente descobrirá aspectos comuns ouessenciais, partilhados por todos os membrosde uma classe ou categoria, subjacentes aosaspectos superficiais ou não essenciais. E sãoessas características ou aspectos essenciais quepermitem e justificam as amplas generalizaçõesfeitas na Psicologia.

O determinismo está claramente presente nacrença de que as primeiras experiências têm

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um poder determinante sobre a vida futurade uma criança. O próprio Kagan destaca aatração exercida por essa idéia ao ressaltar queela nos dá a ilusão de estabelecer uma clararelação de causa e efeito entre as experiênciasanteriores e as conseqüências posteriores. Nãoé preciso insistir que essa idéia mecanicista éuma das mais caras à ciência tal comocomumente a concebemos.

Finalmente, o utilitarismo está bem refletidona idéia de que a moral humana reduz-sesimplesmente à busca do prazer e à fuga dador. Como se sabe, o utilitarismo é um tipode ética normativa – originada da obra dosfilósofos e economistas ingleses JeremyBentham e John Stuart Mill – segundo a qualuma ação é moralmente correta se tende apromover a felicidade e condenável se tendea produzir a infelicidade. Bentham, queaparentemente acreditava que o indivíduo, emseu comportamento, iria sempre buscarmaximizar seu prazer e minimizar seusofrimento, coloca no prazer e na dor a causadas ações humanas e as bases de um critério

normativo da ação (Cobra, 2001), ignorando,segundo Kagan (1998), a distinção entre oprazer dos sentidos e o prazer da virtude, umavez que este último resiste à quantificação.Assim, essa idéia parece ajustar-se melhor aospreceitos da ciência clássica, tanto pelapossibilidade de mensurar os fenômenosquanto pela sedutora (mas, equivocada)possibilidade de retraçar o desenvolvimentodo comportamento a suas origens.

Em suma, poder-se-ia hipotetizar que aPsicologia assimilou tão facilmente essas idéias,na ânsia de ser considerada uma ciênciarespeitável, que daí decorre a dificuldade deabrir mão delas em prol de novas formas depensar o comportamento humano. De modointeressante, parecemos estar voltando à velhadiscussão, que muitos consideram há muitosuperada, sobre o status da Psicologia comociência. Talvez tenhamos ainda de refletir umpouco mais sobre a questão. Se esse for ocaso, acredito que as idéias de Kagan, expostasem Three Seductive Ideas, possam enriquecerbastante a discussão.

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Referências

Recebido 12/05/05 Reformulado 05/06/06 Aprovado 12/06/06

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