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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE MÚSICA – NÚCLEO DE EDUCAÇÃO MUSICAL-NEM
Marineide Marinho Maciel Costa
tel –71 91222806
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Psicolingüística e Musicalização
Marineide Marinho Maciel Costa
Resumo – A Psicolingüística como uma disciplina autônoma, procura estudar os fatores
que afetam as estruturas psicológicas que nos capacitam a entender as expressões,
palavra orações e textos da comunicação humana, considerada uma contínua Percepção
– Compreensão - Produção. Dependendo dos estímulos externos relativos à audição e à
visão, as etapas sensoriais são diferentes e a Música, considerada uma das mais
importantes expressões humanas, presente em todos os momentos da vida do ser
humano, exerce um papel preponderante no processo de aquisição da língua materna.
O texto discorre as diferentes etapas do processo de aquisição da língua materna e a sua
relação com o processo de musicalização das crianças de 0 a 6 anos.
PALAVRAS- CHAVE: Psicolingüística, Musicalização, Aquisição da língua materna.
O conhecimento de como se processa a aquisição da língua materna sempre foi uma
curiosidade pessoal, por conta do meu trabalho como educadora musical nas classes de
educação infantil desde a década de setenta em Salvador. Era curioso observar como as
crianças pequenas acompanhavam as músicas que escutavam muitas vezes somente
com movimentos corporais e outras vezes tentando balbuciar as palavras contidas nas
poesias das canções. Até que em 1982, a direção do então Jardim de Infância 1,2,3,
proporcionou aos seus professores, um curso, denominado Aquisição da Língua
Materna, com a Professora Elisabeth Reis Teixeira que acabara de fazer o seu
doutourado na Inglaterra.
Para mim foi fascinante, pois até então trabalhava com as crianças de forma empírica,
sempre observando, refletindo as dificuldades encontradas, muitas vezes lidando com
patologias da fala, sem nenhum respaldo científico sobre o assunto.
Conhecendo a história do surgimento da Psicolingüística no Brasil na década de 80,
descobri então, que a Bahia como sempre privilegiada foi um dos primeiros Estados a
receber a nova área de estudos da psicologia e lingüística, visto que a Psicolingüística é
considerada uma disciplina autônoma que se destaca no mundo nos anos 50, promovida
pela insistência do lingüísta Noam Chomsky que defendia a necessidade da Lingüística
ser encarada como parte da Psicologia Cognitiva, chegando ao Brasil e na Bahia na
década de 80.
A musicalização das crianças, nessa época, era feita através de métodos ativos
emergentes, como Dalcroze, Willems, Orff, que valorizavam o movimento do corpo, o
ritmo das palavras e o movimento sonoro contido nas canções, o que me fez refletir e
experimentar o valor da música no processo da aquisição da linguagem.
Que relação podemos estabelecer entre linguagem verbal e a música? Observei que
haviam semelhanças tão naturais como articulação sonora, ou seja o movimento do som
quer ascendente ou descendente, o ritmo predominante nas palavras, frases e períodos,
termos também usados na música.
Conhecendo através de pesquisa bibliográfica as fases do processo de aquisição da
língua materna, procurei experimenta-las com crianças da faixa etária condizente com
cada etapa, fazendo com que a música estivesse presente no dia a dia dessas crianças.
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A criança nasce imersa num mundo de sons, com 100% de audição, segundo estudos
realizados e com capacidade de emitir sons diferenciados através do aparelho fonador
que aos poucos vai amadurecendo, adquirindo o essencial do que ouve ao seu redor,
começando a criar uma gramática simplificada, formulando suas próprias orações,
pondo em jogo um complicado mecanismo de coordenação neuromuscular dos órgãos
oro-faringeo-laringeos, unidos a uma integração e maturação do sistema nervoso
central.
A primeira fase desse processo é o chamado período da Pré-fala, que consiste no
choro, repetições silábicas ou jogo vocálico. O choro, o primeiro som emitido pelo
bebê, pode ter vários significados, sendo entendido apenas pela mãe ou pessoas que
vivem no contexto do bebê, podendo caracterizar uma situação de fome, de dor, de
solidão, com entonações diferentes. O jogo vocálico,vem em seguida, com pequenas
variações na intensidade da voz, também chamado gorgeio, após o que vêem as
repetições silábicas, fase em que a criança emite vogais e consoantes pouco definidas
quando comparadas com o sistema fonológico do adulto. Nesta fase há um circuito
auditivo de “retroalimentação” em que a criança se distrai com as suas próprias
emissões, como por ex: “goi,goi,goi”, “pa,pa,pa”, “mã,mã,mã. Vale salientar que estas
repetições são feitas em diversas alturas de som, variando também o ritmo, quando
destacamos a presença do elemento melódico, pois a criança se interessa pelo aspecto
melódico das palavras, captando seu conteúdo expressivo, apesar de ainda não
compreender o seu significado. É a também chamada fase do jargão. Esta é fase em que
os pais ou responsáveis pela criança podem interagir, repetindo e criando novos sons
que chamam a sua atenção, estimulando as repetições. É o “mamanhês” tão falado. Os
pais também podem observar se o aparelho auditivo está em perfeito funcionamento,
pois caso contrário não haverá a “retroalimentação” e consequentemente as brincadeiras
vocálicas e repetições silábicas não prosseguirão, caracterizando uma DA - Deficiência
Auditiva.
A segunda fase é a chamada HOLOFRÀSICA: é a fase das primeiras palavras, ou
seja: a criança usa apenas uma palavra em lugar de uma frase e para entende-la é preciso
que o acompanhante esteja no contexto, como por ex: [„TUKU] = Suco, que pode ser:
você quer suco? Ou, Quero suco, ou ainda, Olhe o suco! Onde está o suco? Nestes
exemplos o diferencial é o traço melódico ou seja: a entonação da voz da criança.
A terceira fase é a TELEGRÀFICA – A criança usa duas palavras juxtapostas que já
expressam mais abertamente a organização frasal emergente. Ex: [„ka‟ paiu] =
(carro painho) que pode significar: - o carro é de painho, carro igual ao de painho, quero
ver o carro de painho, quero passear no carro de painho e, mais uma vez, para entender
o enunciado o que difere é ainda a entonação melódica e o contexto. Aos poucos a
criança vai elaborando a sua gramática , quando se observa que nas primeiras emissões
da frase telegráfica, há combinação da estrutura substantivo-substantivo, sendo que o
alcance semântico destas frases vai muito além do que objetivamente lhe daria o adulto.
A quarta fase é das Orações complexas – Nesta fase, a criança começa a usar
complementos para o verbo, alguma orações relativas e palavras mais longas, como por
ex: [kelu‟ maji ga‟gau] = quero mais mingau. A partir daí as orações tornan-se mais
complexas, a criança começa a adquirir as regras que fazem com que uma oração se
desmembre em outras, como: “Fui no parque com painho! Andei na roda gigante, fui
no trem fantasma! Andei de helicóptero! De minhocão!Tonton também foi. (Marione 3
anos e 6 meses)
Há ainda uma quinta fase a da Intuição Lingüística – quando a criança já consegue
refletir sobre a gramaticalidade da sua fala e chega a intuições lingüísticas como: “eu
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queria que você isse comigo” (Tonton 4 anos e 6 meses). A intuição leva essa criança a
usar o verbo irregular como regular. É uma tentativa de compreensão da regra
gramatical.
“A criança vive imersa num banho de linguagem”, diz Lapierre, 1977; mais aos poucos
vai descobrindo o significado e o seu uso, pois a linguagem surge como um processo de
tentativa de imitação da língua materna através de modelos verbais que pouco a pouco
vão se interiorizando. Segundo Noam Chomsky, maior expoente da escola inatista, os
humanos tem inata uma Gramática Universal abrangendo todas as línguas humanas. No
entanto, os funcionalistas, se opondo a esta tese, afirmam que a linguagem somente é
aprendida através do contato social, embora tenha a capacidade inata, já provado
cientificamente, de aprender línguas desde que esteja exposto a elas durante um período
de tempo necessário. Afirma também que uma criança aprende com mais facilidade
qualquer língua enquanto que um adulto levará muito, mais tempo para aprender uma
segunda língua.
As atividades musicais nesse período parecem ser de grande importância, se
observarmos que há um ponto em comum entre música e o processo de aquisição da
linguagem; o SOM. e suas qualidades altura, intensidade timbre e duração. Nas
atividades musicais com crianças de 0 a 6 anos, são usadas: brincadeiras rítmicas, sons
de instrumentos musicais variados, voz falada e cantada, movimentos corporais, todos
elementos que contribuem para um bom desenvolvimento da aquisição da língua
materna.
Partindo dessa constatação, após quase dez anos vivenciando a música na educação
infantil, período em que centenas de crianças de várias escolas das redes pública e
privada da cidade de Salvador tiveram a oportunidades de ouvir criar e executar, ou
melhor fazer música em grupo, quer cantando ou tocando, resolvi em 1989, fazer uma
pesquisa que poderia servir de base para a confirmação do papel da música na aquisição
da linguagem quer falada ou escrita. O objetivo principal da pesquisa seria comprovar a
diferença entre crianças musicalizadas e não musicalizadas em realação às habilidades e
competências necessárias para uma boa consciência fonológica e aprendizagem da
leitura e da escrita.
Para isso foi elaborado um teste de sondagem com apenas quatro questões sobre
segmentação silábica e acentuação tônica que foi aplicado em 40 (quarenta) crianças de
várias Escolas em Salvador.
As crianças foram selecionadas em quatro grupos aos quais denominei:
Grupo 1 - 10 (dez) crianças de Escola Publica não musicalizadas
Grupo 2 - 10 (dez) crianças de Escola Pública musicalizadas
Grupo 3 - 10 (dez) crianças de Escola Particular não musicalizadas
Grupo 4 - 10 (dez) crianças de Escola Particular musicalizadas
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A primeira questão constava de dez palavras as quais as crianças deveriam separar as
sílabas.
1- Siga o exemplo:
Marcelo Marina bola boneca café
mesa ela elefante televisão pé
A segunda questão tratava da acentuação tônica, ou seja: as crianças deveriam
reconhecer a sílaba forte das palavras.
>
Mar ga ri da vo vó ca dei ra ca mi nhão ma la
A terceira questão consistia em encontrar palavras que combinassem com um padrão
rímico escrito.
> > > > >
__________ _______ ______ __________ _____
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A quarta questão: foram escritas 25 palavras para que as crianças organizassem em
grupos considerando o rítmo (padrão prosódico)
Rosa - Antonio – mão - elefante – papel – maçã – costureira - Marcelo – dá – bola –
cadeira – sei – vovô – mala – casamento – Maria – Márcia – bicicleta – pé – tinteiro -
Marli – Beto – sapateiro – botar – pai.
O resultado pode ser visto através dos gráficos a seguir:
0%
20%
40%
60%
80%
100%
questão1 questão 2 questão 3 questão 4
Grupo 1
Grupo 2
Grupo 3
Grupo 4
Nota-se claramente a diferença entre os grupos de crianças musicalizadas e não
musicalizadas como resultado dessa investigação.
cajá
Marina casa
Margarida
sol
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Considerações finais
Considerando que a língua portuguesa falada no Brasil é uma língua de ritmo
acentual e por isso rica em ritmo, som, entonação, elementos também encontrados
na música, pode-se afirmar, face ao que foi visto, que é na primeira infância, ou seja
de 0 (zero) a 6 (seis) anos o período em que a criança deve começar a participar de
atividades musicais tanto nas classes de educação infantil, creches, quanto nas
escolas de Música..É preciso, no entanto, que os professores estejam bem
informados das necessidades das crianças nessa faixa etária e bem preparados
musicalmente.
Referências Bibliográficas
Bryant, Peter & Bradley, Lynette. (1987) Problemas de leitura na criança.
Artes Médicas
Cagliari, Luis Carlos. (1990) Elementos para um estudo do ritmo da fala. Livre
docência.
________________________ Alfabetização e Lingüística. Editora Scipione
Costa,Marineide.(1991, maio). Traços Suprasegmentais, ConsciênciaFonológica
e a Música. Monografia.Trabalho apresentado no final do curso Alfabetização
e Aquisição da Língua Materna.Universidade Federal da Bahia,Salvador Brasil
_______________ (1983) A importância de Uma Experiência em Música e
Movimento na Aquisição da Linguagem. Monografia. Trabalho apresentado no
final do curso em Psicolingüística. Universidade Federal da Bahia, Salvador,
Brasil
Deese, James. (1976). Psicolingüística. Petrópolis: Vozes
Greene, Judith(1980) Psicolingüística: Chomsky e a Psicologia. Rio de Janeiro:
Zahar Editores.
Lapierre, André. (1977) Simbologia Del Movimiento. Barcelona: Editorial
Científico Médica
Lamprech, Regina Ritter (org).(2004). Aquisição fonológica do Português.
Porto Alegre: Artmed
Texto dos Anais do II Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais –
Salvador 2007.
Participação da Mesa Redonda Aspectos da Psicolinguistica e da Semiótica.