psicodrama em sala de aula: uma …de tecnicas psicodramaticas, particularmente 0...

3
o PSICODRAMA EM SA DE AU: UMA ESTRATEGIA D E ENSINO PARA 0 DESENVOLVIME NTO DO PAPEL PROFISSIONAL DA ENFERMEIRA* Debora I. R. Kirschbaum** Marcia Regina Nozawa ** RESUMO: Examinam-se os principais conceitos do metodo psicodramatico e as possibilidades de utilizay ao deste n a educao de enfermeiras, atraves do emprego de t ecnicas psicodramaticas, paicularmente 0 "role-playing " em sala de aula, com 0 objetivo de desenvolver relayoes interpessoais e pap eis soc ia is, por meio da educay ao da espontaneidade. S ao rel atadas duas situ ay6es em que foi empreg ada esta t ecnica na disciplina "Integray ao do Estud ante de Engermagem a Profissao", dirigid a a alunos do 10 ano do Cuo de Graduay ao em Enfermagem da UNICAMP. Verifica-se que s ua utilizay ao propici a ao aluno vivenciar os tres diferentes momentos que constituem 0 jogo de pap eis: 0 "rol e-taking", 0 "role-playing " e o "role-creating ". ABSTRACT: The author looks into the main concepts of the .psico-dramatic me thod and its the possibility of its use in educating nurses, paicu larly the "role-p laying" in the classroom, aiming at developing interpersonal relationship and social ro les, by means of a sponteneous education. Two situations are described, in which this metho d was . employed in a "Getting the Student Acquainted with the Nursing Profession " class, for freshm en in th e Graduate Course of UNICAMP. I t is ver ified that the method provides the student with viual experience for the three different stages of the "role-taking", the "role-playing " and the "role-creating ". 1. INTRODUAO estudo das leis do desenvolvimento social e das rela- oes sociais". Tais conceitos sao compreendidos con- juntamente, constituindo a Teoria da Espontaneidade. Criado por Jacob L. MONO, na primei me- tade do seculo , 0 psicodrama constitui uma pro- posta de ae, teatro, ciencia , psicoterapia e educaao. U metoda de trabalho que emprega tecnicas psico- dramaticas, visando 0 estudo e a traformaao das relaoes interפssoais dos grupos e da sociedade na qual estao inseridos. Sua ogem e 0 teatro, de onde provem a concepao de dma, da qua] foram extrai- dos os conceitos que fundamentam a teoria e a pratica psicodramatica ( l ) Foi a partir da obseaao e do estudo dos elementos emergentes nas dramatizaoes que MONO***, elabou os conceitos de espon- taneidade, criatividade e conserva cultural, que ser- ve de base a socionomia, a qual ele define como "0 A espontaneidade e defida como a capacidade do individuo de dar soluoes originais e adequadas a situaoes novas, ou de responder de forma nova a situaoes antigas. Neste sentido, constui uma condi- 30 do sujeito que the possibili taria agir livremente e como tal, esta nao esta dada, mas precisa sereducada' ou melhor, adquirida r meio de prepaao do indi- viduo pa exercer sua aao livmente. Se a espon- taneidade e uma qualidade, a criatividade e a sua substancia, e ela 0 elemento que possibilita a produ- ao de u novo modo de agi r. 0 pduto "fi" deste pcesso criador e a Conserva Cultural, que por sua •• Trabalho apresentado como tema livre n o 44° Congresso Brasileiro de Enfermagem., Brasil ia. D.F., 4 a 9 de outubro de 1992. Professoras Assistentes do Departamento de Enfcmlagem, ea de Enfennagem em Saude Pitbl ica e em Sade Mental, da ••• 314 FCMIUN1CAMP. . Moreno, J.L. Sociometry, experimental method and the science of society. Apud KAUFMANN, Arthur. 0 teatro pedag6gico, p.57. R. Bras. En/erm. Brasil ia, v. 46, n. 3/4, 3 1 4-3 1 6, j l./dez. 1993

Upload: others

Post on 08-Jul-2020

3 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: PSICODRAMA EM SALA DE AULA: UMA …de tecnicas psicodramaticas, particularmente 0 "role-playing" em sala de aula, com 0 objetivo de desenvolver relayoes interpessoais e …

o PSICODRAMA EM SALA DE AULA: UMA ESTRATEGIA DE ENSINO PARA 0 DESENVOLVIMENTO DO PAPEL PROFISSIONAL DA ENFERMEIRA*

Debora I . R. Kirschbaum** Marcia Regina Nozawa **

RESUMO: Examinam-se os pri ncipais conceitos do metodo psicodra matico e as poss ib i l idades de ut i l izayao deste na educayao de enfermei ras , atraves do emprego de tecnicas psicodra maticas , particu larmente 0 "role-playing" em sala de au la , com 0 o bjetivo d e desenvo lver re layoes i nterpessoais e papeis socia is , por meio da educayao da espontaneidad e . Sao re latadas duas situay6es em que foi empregada esta tecn ica na d iscip l ina " I ntegrayao do Estudante de Engermagem a Profissao" , d i rig ida a a lunos do 10 ano do C u rso de G raduayao em Enfermagem da U N I CAMP. Verifica-se que sua ut i l izayao propicia ao a luno vivenciar os tres d iferentes momentos que const ituem 0 jogo de papeis : 0 "role-taking" , 0 "role-playing" e o "role-creating" .

ABSTRACT: The a uthor looks into the ma in concepts of the . ps ico-dramatic method and its the possib i l ity of its use in educating nurses , particu larly the "role-playing" in the classroom, a iming at developing interpersonal re lationsh ip and socia l roles, by means of a s ponteneous ed ucation . Two s ituations are descri bed , in wh ich th is method was

. employed in a "Gett ing the Student Acqua inted with the Nursing Profession " class , for freshmen in the Graduate Course of U N I CAMP. It is verified that the method provides the student with virtua l experience for the three d ifferent stages of the "ro le-taking" , the "role-playing" a nd the "role-creati ng" .

1 . INTRODUC;AO estudo das leis do desenvolvimento social e das rela­<;:oes sociais" . Tais conceitos sao compreendidos con­juntamente, constituindo a Teoria da Espontaneidade. Criado por Jacob L . MORENO, na primeira me­

tade do seculo XX, 0 psicodrama constitui uma pro­posta de arte, teatro, ciencia, psicoterapia e educa<;:ao. Urn metoda de trabalho que emprega tecnicas psico­dramaticas, visando 0 estudo e a transforma<;:ao das rela<;:oes interpessoais dos grupos e da sociedade na qual estao inseridos. Sua origem e 0 teatro, de onde provem a concep<;:ao de drama, da qua] foram extrai­dos os conceitos que fundamentam a teoria e a pratica psicodramatica( l ) Foi a partir da observa<;:ao e do estudo dos elementos emergentes nas dramatiza<;:oes que MORENO*** , elaborou os conceitos de espon­taneidade, criatividade e conserva cultural, que ser­vern de base a socionomia, a qual ele define como "0

A espontaneidade e definida como a capacidade do individuo de dar solu<;:oes originais e adequadas a situa<;:oes novas, ou de responder de forma nova a situa<;:oes antigas. Neste sentido, constitui uma condi­<;:30 do sujeito que the possibilitaria agir livremente e como tal, esta nao esta dada, mas precisa ser educada' ou melhor, adquirida por meio de prepara<;:ao do indi­viduo para exercer sua a<;:ao livremente . Se a espon­taneidade e uma qualidade, a criatividade e a sua substancia, e ela 0 elemento que possibilita a produ­<;:ao de urn novo modo de agir. 0 produto "final " deste processo criador e a Conserva Cultural, que por sua

• • Trabalho apresentado como tema livre n o 44° Congresso Brasileiro de Enfermagem. , Brasilia. D.F. , 4 a 9 de outubro de 1 992. Professoras Assistentes do Departamento de Enfcmlagem, Area de Enfennagem em Saude Pitblica e em Saitde Mental, da

• • •

3 14

FCMIUN1CAMP. .

Moreno, J .L. Sociometry, experimental method and the science of society. Apud KAUFMANN, Arthur. 0 teatro pedag6gico, p .57.

R. Bras. En/erm. Brasil ia, v. 46, n. 3/4, 3 14-3 1 6, j� l . /dez. 1 993

Page 2: PSICODRAMA EM SALA DE AULA: UMA …de tecnicas psicodramaticas, particularmente 0 "role-playing" em sala de aula, com 0 objetivo de desenvolver relayoes interpessoais e …

vez, e a responsavel pela preseIVa�ao da cultura e pela transmissao do "status quo " as novas gera�oes. Mas, quando tomada como algo estatico, ela inviabiliza a emergencia da espontaneidade.

AMm desta, a Teoria dos Papeis tambem nos fala sobre 0 desenvolvimento das rela�oes entre 0 indivi­duo e 0 grupo. Para MORENO, 0 EU emerge dos papeis e estes sao aprendidos ao longo da historia individual, em fun�ao de diferentes vinculo estabele­cidos entre 0 individuo e os grupos com os quais se relaciona. Nesse sentido, 0 grupo e urna rede de rela�oes de papeis, que possuem tres diferentes cate­gorias: os papeis psicossomaticos, os sociais e os psicodramciticos. *

o Teatro da Espontaneidade, que foi a fonna inicial assumida pelo Psicodrama, prescinde de textos prontos e de papeis definidos. Ao contrario disto, pro poe a dramatiza�ao esponmnea de urn texto, cujo autor e 0 proprio protagonista, emergente do grupo, a partir do qual estabelecem-se os papeis dos demais atores, sendo 0 espetaculo coordenado por urn diretor, auxiliado por uma equipe tecnica : os ego-auxiliares. Ele pode ter como objetivo imediato 0 espetaculo, ou urn sentido terapeutico, mas constitui tambem urn metoda de ensino, que propicia aos atores que dele participam, entrarem em contato com papeis que re­presentam em sua vida diaria , ou que irao representar, no caso dos estudantes em processo de fomla�ao profissional .

o metoda psicodramatico dispoe de varias tecni­cas, dentre os quais 0 "role-playing" que discutire­mos a seguir. * * Segundo ALMEIDA(2), este desen­volve-se em tres niveis operacionais : 0 "role-taking", o "role- playing" propriamente dito, e 0 "role-crea­ting" . 0 primeiro implica em tomada ou aceita�ao do papel, na qual 0 individuo adota urn papel socialmente constituido, sem incorporar ao mesmo, muitas carac­teristicas pessoais . 0 "role-playing", que consiste no jogo, ou desempenho, ou interpretac;;ao de papeis, implica na tomada de urn papel social com certo grau de liberdade, e incorpora�ao de caracteristicas pes­soais e da subjetividade do ator. Ao passo que, 0

"role-creating", consiste na cria�ao do papel, quando o individuo assume urn papel social e converte-o em psico-dramatico. Em todos eles, procura-se aproxi-

mar a interpreta�ao do papel aos aspectos da vida diaria do ator, a situa�oes, portanto, que Ihe digam respeito .

o "role-playing" tern side amplamente utilizado no campo da edlJca�ao, justa mente pelas possibilida­des que oferece ao desenvolvimento da espontaneida­de, fundamental para a identifica�ao e a aquisi�ao do papel profissionaI. * * *

2 . OBJETIVOS

A introduc;;ao do psicodranla como estrategia pe­dagogica, tern por objetivo propiciar ao aluno de enfermagem a obten�ao de urn estado de espontanei­dade, que the possibilite desempenhar adequadamen­te seus papeis sociais de alu110 e de enfemleiro .

3. METODOLOG IA

A populac;;ao atendida foi constituida de alunos do 1 0 ano do Curso de Gradua�ao em Enfermagem da FCM/UNICAMP, tendo side utilizada a tecnica Tea­tro da Espontaneidade - "role-playing" .

4 . APRESENTACAO DA EXPERIENCIA

A ideia de utilizar 0 psicodrama em aulas de diferentes disciplinas do curso de Gradua�ao em En­fermagem da UNICAMP, oferecidas pelas Area de Enfemlagem em Saude Publica e em Saude Mental , decorreu da necessidade de utilizar metodos de ensino que possibilitassem romper com a dissocia�ao entre teoria e prcitica, entre emo�ao e razao, tendencia mui­to freqiientemente expressa na� atitudes e no discurso dos estudantes com os quais trabalhamos no primeiro a110 do curso . Na respectiva disciplina, Integra�ao do Estudante a Profissao, busca-se propiciar ao aluno, 0

desenvolvimento de seu papel profissional, e ampliar sua perce�ao quanta a "estar em rela�ao com 0 outro ", assim como, aprimorar as rela�5es interpes­soais no proprio grupo de alunos, 0 que consideramos a base para a produ�ao de todo trabalho coletivo, no caso, a propria forma�ao dos alunos .

Neste sentido, a utiliza�ao do Teatro da Esponta­neidade, particularmente da tecnica de "role­playing", ocorre em diferentes oportunidades, de-

• Cf. KAUFMANN, A., op. cit., p.67, sobre as categorias de papeis. • • Sobre as tecnicas psicodram<iticas, consultar AGUIAR, Moyses. Teatro da anarquia, WIl resgate do psicodrama; KAUFMANN,

A. op. cit. , e ALMEIDA, Wilson C. A pedagogia do alo criador . . . . . Cf. ALMEIDA, Wilson, op. cit . , p. I - 1 1 e KAUFMANN, Arthur, op. cit., p. 75-79.

R. Bras. Enferm. Brasilia, v. 46, n. 3/4, 3 1 4-3 1 6, j ul .ldez. 1 993 3 15

Page 3: PSICODRAMA EM SALA DE AULA: UMA …de tecnicas psicodramaticas, particularmente 0 "role-playing" em sala de aula, com 0 objetivo de desenvolver relayoes interpessoais e …

pendendo do que se pretende trabalhar e das necessi­dades do grupo de alunos percebidas pelos professo­res. Enfocaremos aqui duas si{ua�oes em que 0 "role­playing" foi utilizado para trabalhar 0 conceito de enfermeiro, enquanto papel profissional, e para de­senvolver habilidades no relacionamento interpessoal entre docentes e discentes. com vistas a obter uma maior espontaneidade no desenvolvimento do traba­Iho academico .

N a primeira situa�ao, c o m alunos do 1° ano, no primeiro dia de aula, realizamos um jogo dramatico, com a finalidade de propiciar 0 aquecimento grupal, que consistia emjogar uma bola de barbante para cada participante, que ao recebe-Ia, se auto-apresentava e devolvia-a a outro elemento do grupo, cuidando de manter consigo um peda�o do barbante . Ao final, forma-se lima teia. que foi interpretada pelo grupo como um simbolo da uniao da turma . A partir disto, montamos a dranlatiza�ao, escolhendo 0 protagonis­ta, que ao emergir do grupo, trouxe como tema a "enfermeira recem-fomlada", trabalhando em situa­�oes de emergencia num centro-cirurgico . Na cena, as alunas mantiveram-se na etapa de "role-taking", representando papeis de forma convencional, nos quais emergiam os "mitos" da enfermagem; as situa­�oes conflitivas entre medicos, enfermeiras e ocupa­cionais de enfermagem, que imaginavam os alunos, caracterizavam 0 cotidiano da enfemleira; a desvalo­riza�ao social do papel da enfermeira, dentre outras

questoes, qlle foram levantadas na etapa do compar­ti lhamento, que sucede a dramatiza�ao. Uma delas foi a sensa�ao de "estar perdido ", tanto em rela�ao ao que fosse a profissao enfermeira, quanta em rel3.9ao ao que Ihes reservava a vida universitilria, que inicia­yam naquele momento . Tres meses depois, ap6s um estilgio de observa�ao do cotidiano e do trabalho de enfemleiras em diferentes servi�os de saude, foi rea­Iizada lima nova dramatiza�ao, cuja finalidade era identificar a mudan�a na visao que as alunas pos­suiam da atividade da enfermeira. Fez-se 0 aqueci­mento com 0 objetivo de identificar a protagonista e esta trouxe como cena 0 trabalho de uma enfermeira psiquiatrica, realizando um grupo terapeutico com pacientes drogaditos, situa�ao que, alias nao havia sido experimentada no estilgio de observa�ao, situan­do-se cJaramente nas etapas de "role-playing" e "role-creating" .

5. CONS IDERAC;OES FINAlS

A ell;periencia aqui relatada visa apontar as possibi­lidades do psicodrama, particularmente do Teatro da Espontaneidade e do "role-playing", como tecnicas de elei�ao na educa�ao em enfermagem. Tais tecnicas possibilitam ao estudante desenvolver papeis sociais e rela�6es inter pessoais num ambiente relaxado e prote­gido, onde este expe!imenta diferentes graus de espon­taneidade, vivenciando 0 processo de tomada, interpre­�ao e cria�ao do papel profissional da enfermeira.

REFERENCIAS BI BLIOGRAFICAS

I . AGUIAR, Moyses. Tealro da anarquia: 11111 resgale do pSico­drallla. Campinas : Papirus, 1 988.

2 . ALMEIDA, Wilson C. A pedagogia do alo criador. In: CON­GRESSO BRASILEIRO DE PSICODRAMA, VI, Salva­dor, 1 988. Texto apresentado na Mesa Redonda "Meto­dologia do Psicodrama". (mimeo)

3. KAUFMANN, Arthur. 0 lealro pedag6gico: bastidores da inicia(:iio medica. S1Io Paulo: Agora, 1 992.

Recebido para publica�ao em 23 .08 .93

" '; ' i 3 16 R. Bras. Enferm. Brasil ia, v. 46, n. 3/4, 3 14-3 1 6, jul .ldez. 1 993