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PSICANÁLISE E PSICOPEDAGOGIA PSYCHOANALYSIS AND PSYCHO PEDAGOGY KÁTIA FLAMIGUH RODRIGUES SANTOS 1 Artigo apresentado em cumprimento parcial às exigências do Curso de Especialização em Psicanálise – Teoria, Interfaces e Aplicações – Universidade Vale do Rio Doce. Orientadora: Profª Drª Tânia Mara Alves Prates Universidade Vale do Rio Doce – Univale Curso de Especialização em Psicanálise – Teoria, Interfaces e Aplicações Governador Valadares, 2009 1 Educadora Infantil e Pedagoga, pela Universidade Vale do Rio Doce - UNIVALE Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional, pela Universidade Castelo Branco – UCB Endereço para correspondência: [email protected]

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PSICANÁLISE E PSICOPEDAGOGIA

PSYCHOANALYSIS AND PSYCHO PEDAGOGY

KÁTIA FLAMIGUH RODRIGUES SANTOS1

Artigo apresentado em cumprimento parcial às exigências do Curso de Especialização em Psicanálise – Teoria, Interfaces e Aplicações – Universidade Vale do Rio Doce. Orientadora: Profª Drª Tânia Mara Alves Prates

Universidade Vale do Rio Doce – Univale Curso de Especialização em Psicanálise – Teoria, Interfaces e Aplicações

Governador Valadares, 2009

1 Educadora Infantil e Pedagoga, pela Universidade Vale do Rio Doce - UNIVALE Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional, pela Universidade Castelo Branco – UCB Endereço para correspondência: [email protected]

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PSICANÁLISE E PSICOPEDAGOGIA

PSYCHOANALYSIS AND PSYCHO PEDAGOGY

RESUMO A Psicanálise e a Psicopedagogia evocam o humano em sua contradição nas formas de sentir, pensar e agir. A psicopedagogia enquanto ciência que se ocupa das dificuldades de aprendizagem e a teoria psicanalítica, na sua influência sobre os estudos acerca de tais dificuldades em sua ligação intrínseca com a singularidade do sujeito. A incorporação de alguns conceitos psicanalíticos no meio escolar mudou as concepções correntes sobre as causas das dificuldades de aprendizagem, diagnóstico e intervenção. Esta pesquisa bibliográfica sobre a relação entre a Psicanálise e a Psicopedagogia está fundamentada em teóricos como Visca, Wess, Lacan, Freud, entre outros. Traz um olhar sobre a teoria psicanalítica para refletirmos sobre a subjetividade e a relação com a aprendizagem, as contribuições da psicanálise para a psicopedagogia na reflexão sobre a postura profissional para os psicopedagogos através da relação psicanálise-psicopedagogia. A teoria psicanalítica é fundamentalmente importante para o fazer na clínica psicopedagógica, para uma escuta diferenciada da criança para que ela possa ressignificar seu processo de aprendizagem. Contribui para um olhar que nos permita vislumbrar melhor a subjetividade do sujeito no seu desenvolvimento e na sua aprendizagem educacional. PALAVRAS-CHAVE: Psicanálise-Psicopedagogia, aprendizagem, sintoma e intervenção.

ABSTRACT Psychoanalysis and Psycho pedagogy evoke the human condition in its contradiction in the way of feeling, thinking and acting. Psycho pedagogy as a science that deals with learning difficulties and the psychoanalytical theory, in its influence over the studies concerning these difficulties and the intrinsic linking with the singularity of the individual. The incorporation of some psychoanalytical concepts in the school environment has changed the current conceptions concerning the causes of learning difficulties, diagnosis and intervention. This bibliographic research referring to the relation between Psychoanalysis and Psycho pedagogy is based on theorists like Visca, Wess, Lacan, Freud, among others. It brings a look over the Psychoanalytical theory so we can reflect upon the subjectivity and the relation with learning, the contribution of Psychoanalysis to Psycho pedagogy in the reflection concerning the professional posture to the “psychopedagogists “through the relation Psychoanalysis Psycho pedagogy. The psychoanalytical theory is fundamentally important for the making in the psycho pedagogical clinic, for a differentiated listening of the child so she can be able to resignify her learning process. It contributes for a look that allows us to better see the subjectivity of the individual in its development and in its educational learning. KEY WORDS: Psychoanalysis – Psycho pedagogy, learning, symptom and intervention.

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1. O texto no contexto

Estudar a complexidade estrutural e funcional do sujeito, sua subjetividade e aprendizagem

é um tema importante para o universo psicopedagógico. Entende-se que a psicanálise e a

psicopedagogia tecem redes de significados e saberes que buscam dar conta do sujeito e seu

aprender.

Perguntas como: Por que não aprendo? Por que esqueço? São questionamentos comuns na

clínica psicopedagógica. São questionamentos que vêm com um pensamento insistente na busca de

um saber que deseja saber.

Quem é esse sujeito que aprende considerando-o na singularidade de suas expressões,

gestos, movimentos, pensamentos, sentimentos, emoções, interesses, desejos, vivências,

habilidades, potencialidades e limitações? As queixas emergentes sobre dificuldade de

relacionamento como o outro, conflitos emocionais, o não aprender expressam um mal-estar que o

sujeito sente frente a algumas situações vividas por ele.

Pode-se pensar que essas queixas são “sintomas”, que traduzem uma dificuldade, um

transtorno no campo do aprender. O atendimento terapêutico para sujeitos cujos sintomas estão

atravessados por questões que dizem respeito à subjetividade e ao processo de aprendizagem deve

ser trabalhado numa clínica psicopedagógica que resgate o amor e a confiança do sujeito em si

próprio e a diminuição de sua angústia frente à vida. Onde seja possível uma escuta dos sintomas e

a reinserção do sujeito no universo do desejo de saber, de aprender. Construir uma prática clínica

capaz de dialogar com o texto no contexto, com o sujeito e sua subjetividade, com as tramas do

conhecimento e do saber é um desafio constante que exige do psicopedagogo uma escuta

terapêutica fundamentada em sólidos referenciais teóricos e bom senso.

A Psicanálise é um campo do saber humano que fornece um conhecimento que jamais

poderá ser usado como instrumento de dominação: ela é instrumento de atravessamento do ser. Ao

se analisar a interface entre a Psicanálise e a Psicopedagogia, considera-se que o fazer terapêutico

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evoca o humano e sua contradição, nas suas formas de sentir, pensar e agir. Interessante a maneira

pela qual nós dimensionamos, relacionamos, interpretamos o mundo em que vivemos.

2. Psicopedagogia e psicanálise: a clínica como possibilidade de uma interface

Será que a Psicopedagogia padece de novos sintomas? Quais são as queixas mais comuns na

clínica? O que se pode fazer? Para que a criança aprenda e o desejo se articule é imprescindível que

alguém demande isso dela. A falta de afetividade, um problema também ligado à família,

compromete seriamente o desenvolvimento da criança, encontrando-se no aspecto psicológico da

aprendizagem.

Em suas pesquisas sobre a causa e funcionamento das neuroses, Freud (1895/1996), teorizou

que os conflitos de natureza sexual são desencadeados pelos desejos reprimidos e, o impulso sexual

interfere no comportamento humano. Desenvolveu a escuta terapêutica na clínica psicanalítica, com

o método de associação livre para investigar o universo psíquico de seus pacientes.

A psicanálise lida com o sujeito do desejo e permite a singularidade do sujeito, oferece um

lugar onde o discurso individual pode ser escutado, levando-o a refletir profundamente sobre a

essência de seu desejo. A análise é a do sujeito. Na análise o sujeito é o sujeito da própria

experiência analítica. É aprofundar sua história e também sair de si. É dizer que a psicanálise não

quer fazer a adequação do sujeito ao meio, mas que esse sujeito possa singularizar-se, estruturar-se

psiquicamente.

Vejamos o significado do conceito de sujeito no Dicionário de Psicanálise:

O termo corrente em psicologia, filosofia e lógica. É empregado para designar ora um indivíduo, como alguém que é simultaneamente observador dos outros e observado por eles, ora uma instância com a qual é relacionado um predicado ou um atributo. Em filosofia, desde René Descartes (1596-1650) e Immanuel Kant (1724-1804) até Edmund Hunsserl (1859-1938), o sujeito é definido como o próprio homem enquanto fundamento de seus próprios pensamentos e atos. É, pois, a essência da subjetividade humana, no que ela tem de universal e singular. Nessa acepção, própria da filosofia ocidental, o sujeito é definido como sujeito do conhecimento, do direito ou da consciência, seja essa consciência empírica, transcendental ou fenomênica. (ROUDINESCO e PLON, 1994 p. 742).

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Importante citar-se os estágios psicossexuais discutidos por Freud (1905/1996). As fases de

desenvolvimento das estruturas de personalidade ocorrem durante os cinco primeiros anos de vida

da criança, durante os quais se estabelece, em grande parte, a estrutura psíquica. Concebe o

processo de desenvolvimento da personalidade como contínuo.

As diferenças individuais na personalidade adulta são fundamentalmente, decorrentes da

maneira específica pela qual o sujeito vive e lida com os conflitos ocorridos nesses estágios. Os

estágios psicossexuais são as fases: oral, anal, fálica, de latência e genital.

Quando não à transição normal de uma fase para outra, ou o sujeito permanece “fixado” em

uma das fases. Esse sujeito preferirá satisfazer suas necessidades de forma mais simples e infantil,

ao invés dos modos mais adultos que resultariam de um desenvolvimento maduro.

Ainda de acordo com ele, a sexualidade tem grande importância na estruturação da

personalidade do ser humano. As fases psicossexuais e os complexos (de Édipo e de Castração)

começariam a ser desenvolvidos. O conceito de infância é correspondente ao de sexualidade

infantil, que é dividido em dois momentos: antes e depois do período de latência. Enfatiza-se a fase

fálica neste trabalho, mas ressalta-se que todas as fases são importantes para a constituição do

sujeito e a estruturação da personalidade.

O Complexo de Édipo (conflito edipiano) acontece entre os três e cinco anos, durante a fase

fálica dos estágios psicossexuais do desenvolvimento. Numa relação edipiana, a mãe é objeto de

desejo do menino e o pai é o rival que impede seu acesso ao objeto desejado. Para a menina na fase

edípica, o objeto de desejo é o pai e a mãe é a rival.

Nesse período, ocorre a identificação com o progenitor do mesmo sexo. A criança ama o

progenitor do sexo oposto e procura assemelhar-se ao progenitor do mesmo sexo, com o intuito de

também ganhar a atenção e o amor do sexo oposto. Esta fase apresenta um conflito interior para a

criança (tensão e dificuldades). Passar por ela de modo satisfatório é fundamentalmente importante

para o desenvolvimento normal.

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É sumamente importante que educadores, pedagogos, psicopedagogos entre outros

profissionais da área da Educação e Saúde conheçam os estágios de desenvolvimento psicossexuais

de Freud e seus conceitos porque práticas profissionais inadequadas podem prejudicar o

desenvolvimento psíquico. Compreende-se de acordo com a teoria freudiana, que o comportar,

aprender, sentir e relacionar do sujeito não ocorre por acaso, mas há sempre uma casa para cada

pensamento, memória revivida, sentimento e ação.

Ao se estudar as idéias de Lacan (1998), compreende-se que sua teoria é uma releitura

contemporânea das teorias freudianas. O autor cria os conceitos: Real, Simbólico e Imaginário.

Reafirma o Édipo como fundador do inconsciente. Elabora os conceitos: o sujeito do inconsciente, o

outro e o desejo. Desenvolve uma teoria psicanalítica onde a linguagem, signos, símbolos ajudam a

expressar idéias, sentimentos, pensamentos e emoções. Tem-se mais possibilidades de significação,

resignificação, socialização e simbolização através do domínio da linguagem falada e escrita.

O objetivo da psicanálise é desvelar o que está velado no inconsciente humano, propiciar

que o sujeito do inconsciente possa advir conduzindo o sujeito ao encontro com sua própria verdade

inconsciente e assim, ter acesso ao seu desejo. Tornar o desejo inconsciente, consciente.

Neste processo, a linguagem ocupa lugar importante na psicanálise porque é uma

característica de expressividade do pensamento, uma mediadora entre o sujeito e o mundo, as

palavras são signos fundamentais para que o sujeito compreenda o seu mundo e os seus

significados.

De acordo com Costa (2007), para Lacan o inconsciente é efetivamente estruturado como

uma linguagem, o sujeito pode ser definido como o sujeito do inconsciente, sujeito dividido entre o

sujeito e si próprio. O sujeito dividido aparece no discurso do analista:

Em psicanálise, Freud empregou o termo, mas somente Jacques Lacan, entre 1950 e 1965, conceituou a noção lógica e filosófica do sujeito no âmbito de sua teoria do significante, transformando o sujeito da consciência num sujeito do inconsciente, da ciência e do desejo. Foi em 1960, em “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano, que Lacan, apoiando-se na teoria saussuriana do signo lingüístico, enunciou sua concepção da relação do sujeito com o significante: “Um significante é aquilo que representa o sujeito para o outro significante”. Esse sujeito, segundo Lacan, está submetido ao processo freudiano de clivagem. (do eu) (ROUDINESCO e PLON, 1994, p. 742).

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Lacan (1998), diz que no imaginário humano situa-se o “Eu desconhecido” sede do

narcisismo. É o momento do Estádio do Espelho. Difere-se do sujeito do inconsciente. Esse registro

é o do Simbólico, é o campo da linguagem, do significante. Este é o Grande Outro que antecede o

sujeito, que só se constitui através deste – “o inconsciente é o discurso do Outro”, “o desejo é o

desejo do Outro”. No campo do Simbólico é feito o registro do Desejo com a Lei e a Falta, através

do Complexo de Castração, operador do Complexo de Édipo. O desejo é uma falta-a-ser

metaforizada na interdição edipiana, a falta possibilitando a deriva do desejo, desejo enquanto

metonímia.

A psicanálise influenciou o pensamento psicopedagógico por possibilitar pensar o sujeito em

sua subjetividade, identidade, aprendizagem, limites, habilidades e potencialidades, ou seja, pensar

sua estrutura de personalidade e como esse sujeito se relaciona consigo mesmo e com o mundo.

A intervenção psicopedagógica é sempre da ordem do conhecimento relacionado com o

processo de aprendizagem. Sua natureza é inter, multi e transdisciplinar. Utiliza-se das áreas do

conhecimento humano como a psicanálise, psicologia, filosofia, antropologia, sociologia, biologia

para a compreensão do ser humano e da aprendizagem. Atua na prevenção, no diagnóstico e

tratamento dos problemas de aprendizagem.

A psicopedagogia se ocupa da aprendizagem do sujeito. Segundo Visca (1987), esta

encontra-se fundamentada na Epistemologia Congergente de Jorge Visca, com aporte teórico nas

escolas do biólogo e psicólogo Jean Piaget, com Psicogenética a teoria da Psicologia Genética, na

Psicanálise teoria freudiana e na teoria do Vínculo da Psicologia Social de Enrique Pichon Rivière.

De acordo com Fontana e Cruz (1997), para Piaget a criança para aprender deve estar

pronta, isto é, ter uma maturação biológica e uma condição psicológica para a aquisição de

informações de acordo com essa prontidão. É da natureza humana adaptar-se ao seu ambiente.

Trata-se de um processo ativo, Piaget não acredita que o ambiente modele a criança, assim que a

criança (tal com o adulto) busca, ativamente, compreender seu ambiente. No processo de

compreensão, ela explora, manipula, examina os objetos e as pessoas no mundo ao seu redor. Pode-

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se dizer que o sujeito é ativo no processo de construção do seu próprio conhecimento. O

desenvolvimento da criança provém também dessa interação.

Segundo Visca (1987), Enrique Pichon Rivière com a teoria do Vínculo mostra que os

fatores afetivos representam um papel fundamental na aprendizagem, sobretudo no que diz respeito

à auto-estima. Portanto, uma das primeiras tarefas do terapeuta (psicopedagogo) é o resgate da auto-

estima da criança/adolescente, pois ninguém consegue aprender se não conseguir investir no ato de

aprender e acreditar na sua capacidade, no seu potencial.

Na ação diagnóstica o terapeuta utiliza instrumentos como: entrevistas, provas projetivas,

provas operatórias, anamnese entre outros recursos. Na clínica, o psicopedagogo faz uma entrevista

inicial com os pais ou responsáveis para conversar sobre horários, quantidades de sessões,

honorários, a importância da freqüência e do que ocorrer, ou seja, fará o enquadramento. Sobre o

diagnóstico psicopedagógico segundo Weiss:

Todo diagnóstico psicopedagógico é, em si, uma investigação, é uma pesquisa do que não vai bem com o sujeito em relação a uma conduta esperada. Será, portanto, o esclarecimento de uma queixa, do próprio sujeito, da família e, na maioria das vezes, da escola. No caso, trata-se do não-aprender, do aprender com dificuldade ou lentamente, do não-revelar o que aprendeu, do fugir de situações de possível aprendizagem. (2006, p. 27).

Neste momento não é recomendável falar sobre o histórico do sujeito, já que isto poderá

contaminar o diagnóstico interferindo no olhar sobre o sujeito. O histórico do sujeito, desde seu

nascimento, será relatado ao final das sessões numa entrevista chamada anamnese, com os pais ou

responsável.

O objetivo básico do diagnóstico psicopedagógico é identificar os desvios e os obstáculos básicos no Modelo de Aprendizagem, do sujeito que, o impedem de crescer na aprendizagem dentro do esperando pelo meio social. Assim, para conhecer esse Modelo de Aprendizagem, conta-se, nos dois eixos descritos, com dados oriundos das observações da escola, da família e obtidos diretamente pelo terapeuta e por outros profissionais. (WEISS, 2006, p. 32).

A avaliação diagnóstica é composta por no mínimo cinco e no máximo dez encontros

semanais (sessões). Desses encontros, dois são dedicados aos pais e/ou responsáveis, filhos quando

necessário e a criança ou adolescentes que realizará os testes.

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No primeiro encontro é feita a entrevista como os pais e/ou responsáveis, bem como, com a

criança. No último encontro é dada devolutiva tanto para os pais como para a criança ou

adolescente, ou seja, devolver o resultado das avaliações e também do parecer e indicações. É

entregue um relatório escrito para a escola com parecer do psicopedagogo, com o objetivo de criar

parcerias no momento da construção do conhecimento da criança ou do adolescente em questão.

A intervenção é o segundo momento do atendimento, posterior ao diagnóstico, em que

passa-se a desvendar e intervir junto ao sujeito. A cada semana os pais ou responsáveis terão uma

devolutiva do trabalho desenvolvido, bem como, dos progressos e resultados.

O diagnóstico poderá confirmar ou não as queixas e as suspeitas do psicopedagogo. O

profissional poderá identificar problemas de aprendizagem. Neste caso ele indicará um tratamento

psicopedagógico, mas poderá também identificar outros problemas e aí poderá indicar um

psicanalista, psicólogo, fonoaudiólogo, neurologista e/ou outro profissional a depender do caso.

O tratamento e/ou acompanhamento poderá ser feito com o psicopedagogo que fez o

diagnóstico e com outro psicopedagogo. De acordo com Weiss (2006), durante o tratamento são

realizadas diversas atividades, com o objetivo de identificar a melhor forma de se aprender e o que

poderá estar causando este bloqueio. Para isto, o psicopedagogo utilizará recursos como jogos,

desenhos, brinquedos, brincadeiras, música, histórias, computador e outros instrumentos que forem

oportunos.

O profissional solicitará, algumas vezes, as tarefas escolares, observando cadernos, olhando

a organização e os possíveis erros, ajudando-o a compreender estes erros. Irá ajudar a criança ou

adolescente, a encontrar a melhor forma de estudar para que ocorra a aprendizagem, organizando,

assim, o seu modelo de aprendizagem.

Poderá ir até a escola para conversar com o professor, afinal é ele que tem um contato maior

com a criança e poderá dar muitas informações que possam ajudar no acompanhamento, tratamento

e terapias psicopedagógicas. Entende-se que o psicopedagogo precisar estudar muito. E muitas

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vezes serão necessárias recorrer a outro profissional para conversar, trocar idéias, pedir opiniões, ou

seja, fazer uma supervisão psicopedagógica.

Durante todo o processo de acompanhamento deve-se observar: os aspectos pedagógico,

cognitivo, afetivo-emocional e corporal, percepção pessoal e familiar, construção de vínculos:

afetivos, sociais e escolares. Partindo do pressuposto que são várias as razões que determinam o

sucesso ou fracasso da aprendizagem.

Estas observações devem objetivar: favorecer e auxiliar aqueles sujeitos que se sentem

impedidos para o saber; com dificuldades de aprendizagem; reintegra-lo a uma vida escolar e social

mais tranqüila, bem como, a uma relação mais afetiva consigo mesmo e com o outro; levar o sujeito

ao reconhecimento de suas potencialidades; auxiliar no reconhecimento dos limites e como agir

diante deles; ajudar na busca de alternativas para alcançar o saber e resignificar conceitos que

influenciam no momento do aprender.

O que é fundamental na atuação psicopedagógica? A escuta é fundamental para que se possa

conhecer como o sujeito aprende, “perceber o interjogo entre o desejo de conhecer e o de ignorar”,

para que se possa operar. O psicopedagogo deve estar preparado para lidar com possíveis reações

frente a algumas tarefas, tais como: resistências, bloqueios, sentimentos de raiva, lapsos, etc. E não

parar de buscar, de conhecer, para compreender de forma mais ampla esses sujeitos, já tão

criticados por não corresponderem às expectativas dos pais e professores.

A especificidade do trabalho psicopedagógico consiste no fato de que existe um objetivo a

ser alcançado, a eliminação dos sintomas.

Pode dizer que o que é percebido pelo próprio indivíduo ou pelos outros é chamado de sintoma. O sintoma está sempre mostrando algo, é um epifenômeno. Com o sintoma o sujeito sempre “diz alguma coisa aos outros”, se comunica, e “sobre o sintoma sempre se pode dizer algo [...]” (WEISS, 2006, p. 28).

Assim, a relação terapeuta/paciente é mediada por atividades bem definidas cujo

objetivo é solucionar os efeitos nocivos dos sintomas. Como exemplo, pode-se apontar os casos de

problemas de aprendizagem em relação à leitura. É possível que uma criança não aprenda a escrever

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porque lhe faltam recursos materiais para elaborar e testar suas hipóteses acerca desse novo objeto

de conhecimento.

Ao psicopedagogo cabe, indiscriminadamente, trabalhar as duas variantes da aprendizagem:

de forma preventiva para que sejam detectadas as dificuldades de aprendizagem antes que os

processos se instalem como também na elaboração do diagnóstico e trabalho conjunto com a família

e escola frente às intercorrências advindas das dificuldades no processo do aprender.

Partindo da idéia de que toda criança aprende, o profissional da área psicopedagógica terá

que encontrar entre as diversas teorias educacionais a que mais se enquadra em cada caso

diagnosticado. A absorção de conhecimento pela criança depende da maneira pela qual a

informação lhe foi ensinada, que, por sua vez, depende da condição social que determinará à

qualidade deste mesmo ensino.

Professores em instituições educacionais desestruturadas e sem nenhum apoio material ou

pedagógico não terão como tornar real e atraente um conhecimento. É preciso que o educador,

competente e valorizado, encontre prazer em ensinar para que possibilite o prazer de aprender.

A psicopedagogia busca uma leitura minuciosa dos processos subjetivos e cognitivos, dos

mecanismos psíquicos que estão atrelados ao sintoma, do comportamento que se faz visível na

situação de aprendizagem. Esta leitura dos processos de aprendizagem cria uma nova necessidade: a

intervenção psicopedagógica, pois feita à leitura do que esta por “traz” da cena apresentada na

aprendizagem é que se possibilita a construção e a sistematização de uma metodologia que visa o

desenvolvimento do sujeito como ser de aprendizagem múltipla, na sua relação com o mundo,

integrando os aspectos subjetivos e cognitivos. O trabalho clínico deve se pautar nas reflexões

acerca do sujeito, seus vínculos e desejos que o influenciam na aprendizagem.

A psicopedagogia não é uma, não é única. Ela constitui-se de relações integradas de

situações multi e interdisciplinares. Sendo uma ciência plural, trabalha tanto a individualmente o

sujeito, o grupo e, sobretudo, as relações que esse sujeito estabelece com seu meio. Assim as

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relações podem ser negativas ou positivas, tendo em cada eixo respostas favoráveis ou

desfavoráveis ao seu desenvolvimento:

Vygotsky, considera a aprendizagem e o desenvolvimento processos que caminham juntos desde o primeiro dia da vida da criança e que o primeiro o aprendizado impulsiona o segundo o desenvolvimento. Ou seja, tudo aquilo que a criança aprende com o adulto ou com outra criança mais velha vai sendo elaborado por ela, vai se incorporando a ela, transformando seus modos de agir e pensar (FONTANA e CRUZ, 1997, p. 63).

A criança conhece o mundo por meio de suas relações com os outros. O bom aprendizado é

somente aquele que se adianta ao desenvolvimento. A atividade criadora é uma manifestação

exclusiva do ser humano, pois só este tem a capacidade de criar algo novo a partir do que já existe.

Através da memória, o sujeito pode imaginar situações futuras e formar outras imagens.

Sendo assim, a ação criadora reside no fato da não-adaptação do ser, isto é, de não estar

acomodado e conformado com uma situação, buscando através do imaginário e da fantasia, um

equilíbrio, a construção de algo novo. É mediante este pressuposto, que o trabalho psicopedagógico

se faz atuante, descobrindo no sujeito suas capacidades e desenvolvendo atividades que o auxiliam

na ordenação e coordenação de suas idéias e manifestações intelectuais, psíquicas e afetivas.

No diagnóstico psicopedagógico, não se pode desconsiderar as relações entre produção

escolar e as oportunidades reais que a sociedade dá às diversas classes sociais. Muitas vezes, as

crianças e adolescentes de baixa renda são classificados como deficientes nas questões do

aprendizado. Para Weiss (2006), “É preciso não confundir o aluno com dificuldade de

aprendizagem com o aluno que aprende, mas não tem a produção esperada pelo professor ou pela

família”. Na realidade, faltam-lhe oportunidade de crescimento cultural, de rápida construção

cognitiva e desenvolvimento de linguagem, o que, certamente, aumentaria suas chances de uma

aprendizagem significativa.

Com o sujeito que não aprende, o trabalho investigativo está em saber se ele deseja ou não

aprender, se deixa seu desejo se manifestar a partir da sua vontade e se constrói seu mundo de

significados. A aprendizagem refere-se a um confrontamento objetivo e uma motivação: para

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aprender; é necessário um vínculo e para que este vínculo se instale ele passa, também, pelo afeto e

pela via do desejo.

O conhecimento é (re) construído de forma reflexiva e na interação ativa com o meio.

Entende-se que “as dificuldades de aprendizagem” devem impulsionar sempre as alternativas para o

enfrentamento e superação das mesmas. Cada um tem seu próprio tempo, uns precisam de um

tempo a mais para poder processar as informações que recebem para construção do conhecimento e

aprendizagem. Tal processo está intimamente ligado à estruturação da personalidade do sujeito, mas

também à estrutura familiar e social, da relação “eu e o Outro” e de uma rede de significados entre o

subjetivo e objetivo.

Com isso cada vez mais, surge a necessidade de se buscar na clínica psicanalítica um

suporte para a clínica psicopedagogia para o bem-estar individual, grupal, social. O sujeito convive

diariamente com o não saber, e não deve desestabilizá-lo demasiado, mas sim o suficiente para que

aprenda coisas novas.

É neste momento que a intervenção alcança seu maior grau de desempenho, fazendo com

que o sujeito exercite, através de estímulos, a afetividade, atenção, memória e o pensamento lógico-

crítico. Como o saber jamais se dará como acabado, o terapeuta deve fazer com que o sujeito

descubra qual a melhor forma de reconhecer e desenvolver suas habilidades.

A teoria psicanalítica imprime sua marca na construção da clínica psicopegagógica do

Desenvolvimento e Aprendizagem do Sujeito. A idéia é buscar um olhar que permita “visualizar”

melhor a constituição Sujeito na tentativa percebê-lo na sua singularidade. Sempre que se depara

com alguma questão intrigante na vida tem-se a oportunidade de buscar informações e a

possibilidade de se construir novos conhecimentos e transformá-los em saberes.

Esse movimento serve de estímulo a reflexão do saber. Surgem questionamentos sobre a

própria pessoa, sua história, sua realidade, seu mundo psíquico. Porém às vezes tem-se dificuldades

para tal movimento. “Quem sou eu? Não aprendo? Por quê?” Quais são os limites, bloqueios,

habilidade e potencialidades?

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Levando para o campo da análise, será isso, uma demanda individual? Todas essas

perguntas entre outras possuem um refletir profundo sobre o sujeito. Com novos arranjos e

demandas contemporâneas encontram-se algumas possibilidades de respostas às indagações. As

“zonas de incerteza” sempre assombrarão, mas o mais importante é se tentar desvelar o que pode

estar velado por falta de conhecimento, de saber na tentativa de identificarmos as razões dos nossos

sentimentos, pensamentos e ações.

Acredita-se que muito do que sabemos são respostas influenciadas por vários fatores que

vão desde as habilidades ligadas a senso-percepção, educação, cultura ao contexto social em que

nós sujeitos humanos estamos inseridos.

Na tentativa de se encontrar respostas para questões do não aprender que por muitas vezes

estão no obscurantismo, por falta de estudo, de pesquisa que possam elucidar muitas situações de

aprendizagem e não aprendizagem humana, tanto no âmbito escolar quanto familiar, busca-se na

teoria psicanalítica um melhor embasamento. Segundo Papalia e Olds:

Os estudiosos do desenvolvimento humano ofereceram muitas explicações, ou teorias, sobre por que as pessoas comportam-se da maneira como o fazer. Uma teoria é o conjunto coerente de conceitos relacionados que procura organizar e explicar dados obtidos por meio de pesquisa. As teorias são dinâmicas; e servem como fonte contínua de hipótese a serem testadas pela pesquisa. Às vezes se a pesquisa sustenta uma hipótese e a teoria na qual ela se baseia. Noutras os cientistas tem que modificar suas teorias para explicar dados inesperados. Nenhuma teoria do desenvolvimento humano e universalmente aceita, e nenhuma sozinha é capaz de explicar todas as facetas do desenvolvimento humano. (1998, p. 40).

Ainda as pesquisadoras referem-se sobre as cinco importantes teorias do desenvolvimento

humano:

[...] as teorias e as pesquisas influentes na área de desenvolvimento humano: (1) psicanalítica (que se concentra nas emoções); (2) da aprendizagem (que enfatiza o comportamento observável), (3) cognitiva (que enfatiza os processos de pensamentos); (4) etológica (que focaliza os fundamentos evolutivos do comportamento; e (5) contextual (que enfatiza o impacto do contexto social e cultural). Uma sexta perspectiva, a perspectiva humanista. (PAPALIA e OLDS, 1998, p. 40).

Sabe-se que a aprendizagem ocorre espontaneamente ao longo da vida de qualquer ser

humano desde que não haja nenhum distúrbio de saúde mental com manifestações significativas na

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fala, na leitura, na escrita e no raciocínio. O conhecimento é construído com a participação ativa do

sujeito.

Refletir sobre o desenvolvimento e aprendizagem do sujeito é uma prática constante (ou pelo menos

deveria ser!) entre educadores, pedagogos, psicopedagogos, psicanalistas que lidam com as

questões da subjetividade humana. O sujeito deve desenvolver capacidades e habilidades que o

propicie amadurecer, aprender e crescer com suas experiências. Assim, é impossível estudar

desenvolvimento e aprendizagem sem vinculá-las à subjetividade, para compreender como se dá

este processo é preciso conhecer quem é esse sujeito que aprende e qual sua história de vida.

Cada vez mais, surge a necessidade de se buscar na clínica psicanalítica um suporte para a

clínica psicopedagógica, para o bem-estar individual, grupal e social. Neste contexto clínico, o que

se percebe é que parece haver um desencontro de ritmos e desejos no sujeito. Há aquele sujeitado

questionador que busca mudança, como há aquele que não sabe como agir diante da angustia, do

medo do “não-aprender”.

A clarificação das ansiedades que bloqueiam a aprendizagem, dos medos da criança, das

fantasias inconscientes que mascaram a percepção do real, da descrença em si mesmas, decorrentes

na maioria dos casos, são caracterizadas por uma estruturação vincular deficitária nos primeiros

anos de vida.

Toma-se a teoria psicopegógica da Epistemologia Convergente de Jorge Visca (1987), com

aporte teórico nas teorias, nas escolas de Jean Piaget, Sigmund Freud e Enrique Pichon Rivière para

se conhecer e saber mais sobre a construção do que será chamado de Psicopedagogia do

Desenvolvimento e Aprendizagem do Ser. Para isso, é necessário se aprofundar na compreensão

dos conflitos afetivos, quando acontecem os “distúrbios afetivos” que podem interferir no

desenvolvimento e produzir sintomas.

De acordo com Freud, (citado por Papalia e Olds 1998, p. 42): “Para avaliar sintomas sem

causa física aparente (...) Ele concluiu que a origem das perturbações emocionais situa-se em

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experiência traumáticas reprimidas da primeira infância”. As emoções traumáticas podem senão

trabalhadas influenciar de forma negativa no desenvolvimento e aprendizagem das crianças.

Num mundo globalizado, com várias culturas, com os avanços da ciência, da tecnologia nos

vários ambientes de aprendizagem onde tempo e espaço são redefinidos, compreende-se o

importante papel da Psicanálise na clínica psicopedagógica. Por quê? O sujeito vive intensamente,

as emoções do “não- saber”, de não conseguir expressar suas idéias, suas emoções, do saber e não

poder discutir uma idéia de forma mais profunda, do não estar entendendo tudo.

Não é difícil avaliar como é difícil para a criança e para o adolescente não conseguir

corresponder às expectativas dos seus professores, pais, colegas e as suas próprias. Como é sofrido

viver intensamente, as emoções decorrentes da dificuldade de expressar sentimentos através das

palavras. Então, evidencia-se que não é possível desenvolver a habilidade cognitiva e social sem

que a emoção seja trabalhada.

Conta-se com a psicanálise para uma aproximação maior do sujeito e de possibilitá-lo a se

responsabilizar por seus sintomas e aprender a lidar com eles. Elogiar a criança por seus esforços,

pelo que ela é capaz de criar, produzir para que possa sentir-se segura para aprender, aumentando

sua confiança em si e nas outras pessoas.

A concepção de infância não é uma idéia fechada, algo definido e imutável, mas se constitui

de acordo com o contexto sócio-cultural. Consiste num momento próprio da vida e cada criança

aprende de acordo com seu próprio ritmo de desenvolvimento.

A Psicopedagogia no Brasil está se consolidando, cada vez mais, num movimento de busca concreta por respostas e alternativas aos problemas vinculados ao aprender, que se avolumam no cotidiano da escola, cujas conseqüências se fazem, cada vez, mais presentes no contexto social. Enquanto campo do conhecimento em construção sobre a articulação entre o psíquico e o cognitivo e suas profundas relações com a gênese da aprendizagem, a Psicopedagogia tem se constituído num espaço plural e multidisciplinar, na procura constante de aportes teóricos construtores de sua epistemologia e propiciadores de sua fundamentação (BEAUCLAIR, 2004, p. 24).

É necessário querer conhecer o universo infantil, saber sobre as primeiras aprendizagens do

sujeito, seu desenvolvimento bio-psico-social, compreender as características do pensamento

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infantil nos seus diversos estágios de desenvolvimento. A psicopedagogia nos ajuda a compreender

o que significa educar e aprender.

Procurar saber sobre o desenvolvimento e a aprendizagem; compreender como ocorrem a

assimilação e a acomodação, necessárias para entender como a criança aprende (o equilíbrio).

Respeitar a produção da criança é muito importante para ela. Valorizar o grau de persistência nas

tentativas em aprender. Ajudar a criança ficar mais calma diminuindo o grau de ansiedade e medo

diante da tarefa proposta, de um aprendizado novo, muito contribui para o sucesso escolar.

Refletir sobre as condições de aprendizagem oferecidas e ajustar sua prática as necessidades

colocadas pelas crianças, é um elemento indissociável do processo do aprender. Possibilita ao

psicopedagogo definir critérios para planejar as atividades e acompanhar, orientar, regular e

redirecionar esse processo como um todo. Também conhecer as teorias que sustentam as práticas,

os fazeres psicopedagógicos, desconstruir, reconstruir e construir novas idéias para a atuação e

intervenção, é imprescindível na atuação do profissional.

Na clínica psicopedagógica há necessidade de se compreender o sujeito na sua subjetividade

e isso implicará a compreensão quanto à história, desejo, linguagem, sua cultura para o

desenvolvimento e amadurecimento psicossocial – envolve saber sobre o universo da criança. A

prática psicopedagógica está associada a (re) inserção do sujeito no universo do desejo de saber. A

especificidade do tratamento psicopedagógico consiste no fato de que existe um objetivo a ser

alcançado, a eliminação dos sintomas. É uma decisão de acolher essa demanda e manejá-la.

[...] O sintoma é, portanto, o que emerge da personalidade em interação com o sistema social em que está inserido o sujeito. Assim, o problema manifestado pelo aluno numa determinada escola, turma ou em relação a um dado professor, pode não se manifestar de forma clara em outro contexto escolar. Tal fato torna evidente que há um certo tipo de desvio em relação a determinados parâmetros existentes no meio, que são representados por suas exigências (WEISS, 2006, p. 28).

Tem-se dificuldades de aprendizagem escolares que evidenciam serem pedagógicas, mas

pode-se dizer que esse sintoma muitas vezes está relacionado com outras questões (pode ser

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também familiar). A criança/adolescente faz um sintoma, por exemplo, “não aprender” na escola,

como uma forma de comunicação, um meio que a criança busca para mostrar que não está bem.

Na clínica psicopedagógica o paciente vem com um sintoma, uma demanda as entrevistas,

os testes são os recursos para fazer uma avaliação e um diagnóstico, mas que, sobretudo não se

pode esquecer de uma clínica relacional. O processo terapêutico acontece porque há duas pessoas

que se encontram num ambiente onde há uma busca, desejo e espera por algo que opera e que

muitas vezes escapa dos sentidos.

A entrevista (concluindo entrevista de anamnese) com os pais e com as crianças, e quem

sabe, com professores e coordenadores pedagógicos objetiva compreender melhor a queixa e/ou

diagnóstico muitas vezes é elaborado pela família e ou pela escola. Essa demanda pode ser uma

recomendação dos professores, da escola pediatra, oftalmologista e dos próprios pais.

Muitos casos de atendimentos infantis que aparecem na clínica psicanalítica estão

relacionados com “as dificuldades de aprendizagem” e os “distúrbios escolares” como na clínica

psicopedagógica. Portanto,é necessário que se perceba a necessidade de um trabalho psicanalítico,

juntamente com o psicopedagógico, avaliar a demanda para concluir pela necessidade ou não do

tratamento e possíveis encaminhamentos.

Pontos importantes no trabalho clínico com crianças: Como a criança chegou até o

terapeuta, quem a levou? Para que? Qual o sintoma da criança? O motivo da consulta (manifesto e

latente), a história do sujeito, a relação familiar, avaliação, interpretação, intervenção como podem

ser as sessões (livre, direcionada) e a devolutiva.

Uma queixa pode traduzir uma dificuldade, um transtorno, um “sintoma”. A mãe diz, “ele

não consegue aprender”! O “não aprender” pode ser um sintoma relacionado ao não querer crescer.

Que pode ser um desejo da criança, mas também um desejo demandado a ela, ou seja, um desejo da

mãe, do pai etc. Podendo ser um sintoma familiar. A criança utiliza esse recurso para denunciar

algo de errado com ela ou no âmbito familiar.

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Vale citar algumas estratégias de intervenção psicopedagógica utilizadas para ajudar a

criança/adolescente a desenvolver sua auto-estima, superar as dificuldades emocionais: através de

sessões livre (ludoterapia) – análise da criança através dos seus brinquedos, a criança desloca para o

exterior seus medos e ansiedades.

É uma técnica muito apropriada para a criança, realizada através do “brincar” tendo como

objetivo, facilitar a expressão da criança, pois é através do brincar que a criança tem maior

possibilidade de expressar seus sentimentos e conflitos e buscar melhores alternativas para lidar

com suas emoções.

No brincar, a criança descobre seus limites, potencialidades e individualidade através dos

jogos simbólicos, da criação artística (desenho, pintura, colagem, modelagem), das histórias dos

contos de fadas como, por exemplo, a história do patinho feio, que vai enfatizar a constituição do

sujeito, sua relação consigo mesmo e com o outro, o grupo e seu lugar no mundo.

A “ludopsicoterapia” a “artetrapia” condensa dois pontos de apoio à intervenção: o lúdico,

que fornece informações do indivíduo através dos elementos do brincar; e da arte, que proporciona

a realização de um trabalho direcionado e caracterizado para aplicação específica, permitindo ao

psicopedagogo, encontrar na brincadeira e na arte o meio “impressionante” necessário ao

tratamento da criança.

Quando a criança brinca, pode-se observar o processo de sua forma de brincar, de se

aproximar do material, do que escolhe e o que evita seu estilo geral, as dificuldades de ultrapassar

etapas, a organização, o padrão adotado o modo como brinca e o que fala sobre a sua vida.

É necessário o refletir sobre a prática clínica, a cautela no diagnóstico clínico com observação e

interpretação clara da escuta psicopedagógica é um fator importante para que o sujeito faça o

resgate da sua subjetividade. O trabalho clínico sob uma nova luz de uma clínica do aprender a ser

psicopedagogo (a). Dá-se na relação entre um sujeito com a sua história pessoal e sua modalidade

de aprendizagem, buscando compreender a mensagem de outro sujeito, implícita no não aprender.

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3. Conclusão

O psicopedagogo deve buscar conhecer-se, conhecer a sua própria subjetividade na relação

consigo mesmo, pois trata de um sujeito estudando outros sujeitos, em que um procura conhecer no

outro aquilo que o impede de aprender, implica uma temática muito complexa. Cabe saber como se

constitui o sujeito, como este se transforma em suas diversas etapas de vida, quais os recursos de

conhecimento de que ele dispõe e a forma pela qual produz conhecimento e aprende. O vínculo

entre o terapeuto (psicopedagogo) e o paciente deve ser constituído através de lanços de confiança e

respeito.

O respeito ao tempo e a subjetividade do sujeito são fundamentais. Num trabalho que

perceba o sujeito em sua subjetividade com tempo e ritmos diferentes e, que aposte num sujeito de

múltiplas possibilidades de ser e de aprender. A idéia é essa! Tecer fios de conhecimento para se

saber mais sobre o sujeito a fim de se contribuir para uma aprendizagem mais significativa com

mais sentido.

O comprometimento da capacidade simbólica é um dos fatores de prevalência junto aos que

têm alguma dificuldade de aprendizagem. A clínica psicopedagógica deve buscar compreender as

principais características definidoras de mundo objetivo e mundo subjetivo, definindo função

simbólica como resultante da articulação entre esses dois mundos. Numa perspectiva

psicopedagógica para que assim, seja possível discorrer sobre as potencialidades do sujeito,

delimitando a intervenção do psicopedagogo clínico junto aos sujeitos comprometidos na função

simbólica.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Standard Brasileira. Vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

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PAPALIA, Diane E. OLDS, Sally Wendkos. Desenvolvimento Humano. 7. ed. Porto Alegre:

Artes Médicas Sul, 2000.

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VISCA, Jorge. Clínica Psicopedagógica. Epistemológica Convergente. Porto Alegre, Artes

Médicas, 1987.

WEISS, Maria Lúcia Lemme. Psicopedagógica Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar – 11. ed. – Rio de Janeiro: DP7A, 2006.