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1º CICLO DE DEBATES FORÇA TAREFA NUTRIÇÃO CLÍNICA Propriedades da dieta enteral: composição e custo/benefício EVENTO REALIZADO EM 23 DE AGOSTO DE 2013, SÃO PAULO, SP

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1º CiClo de debatesForça TareFa NuTrição ClíNiCa

Propriedades da dieta enteral:

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A manutenção de um fórum permanente de atualização de conhecimentos para solução de problemas técnico-científicos que contribuam para a saúde da população e sejam de interesse comum às empresas, aos órgãos do governo, universidades e institutos de pesquisa é o principal objetivo do International Life Sciences Institute (ILSI). Associação sem fins lucrativos, fundada em 1978, o ILSI tem sede em Washington, D.C., nos Estados Unidos, e com seções regionais espalhadas pelo mundo.

A Força-Tarefa de Nutrição Clínica do ILSI Brasil foi instituída em 2007, tendo em vista que grupos populacionais específicos têm necessidades nutricionais distintas e que os produtos oferecidos para tais grupos populacionais devem ser cada vez melhor adaptados às suas necessidades específicas, de forma a contribuir com a melhoria da qualidade de vida. Esta força-tarefa já tem dois livros publicados e vários eventos organizados. Um deles foi o Primeiro Ciclo de Debates sobre “Propriedades da dieta enteral: composição e custo/benefício, realizado em 23 de agosto de 2013.

O debate foi precedido de algumas apresentações. Joice Valentim, economista, explicou o que é avaliação econômica em saúde. Yara Baxter, da Novartis, descreveu o estudo de custo-benefício que realizou sobre dieta domiciliar comparada com a administrada no hospital. Roseli Borghi, da Nestlé, apresentou um estudo teórico da composição da dieta enteral artesanal no Brasil. O evento se completou com um amplo debate, para o qual foram convidados vários outros participantes. Todo o debate foi inspirado nas apresentações feitas logo antes. Assim, o grande questionamento que se colocou foi: vale a pena substituir a dieta enteral industrializada pela artesa nal no ambiente domiciliar?

a Força-tareFa de

Nutrição ClíNiCa

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PartiCiPaNtes

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Coordenação Científica:• Dr. Dan L. Waitzberg, médico cirurgião, livre-docente, doutor e mestre pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), professor do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP, coordenador do laboratório Metanutri da FMUSP, coordenador clinico das EMTNs do Hospital das Clínicas, ICESP, e Hospital Santa Catarina, coordenador da residência de Nutrologia médica do Hospital das Clinicas, diretor do Ganep – Nutrição Humana e coordenador científico da Força-Tarefa em Nutrição Clínica do ILSI Brasil.

Palestrantes:• Dra. Joice Valentim, economista com mestrado em teoria econômica e doutorado em medicina preventiva, que trabalha com economia de saúde desde 1997 e fármaco-economia desde 2004. Com vínculo com a Novartis, trabalha atualmente na área de oncologia.

• Dra. Yara Baxter, nutricionista, graduada pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), doutora pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

• Roseli Borghi, nutricionista. Especialista clínica e gerente do Departamento Científico da Nestlé Health Science.

Debatedores:• Dra. Maria Carolina Gonçalves Dias, nutricionista-chefe da Divisão de Nutrição e Dietética do Instituto Central do Hospital das Clínicas da FMUSP, coordenadora administrativa da Equipe Multiprofissional de Terapia Nutricional do Hospital das Clínicas, da mesma faculdade, mestre em Nutrição Humana pela USP, especialista em Nutrição Parenteral e Enteral pela SBNPE e pela ASBRAN, e em Administração Hospitalar pelo Instituto de Pesquisas Hospitalares; membro do Comitê Técnico de Nutrição Enteral da Comissão de Farmacologia da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo

• Denise Philomene Joseph van Aanholt, nutricionista, especialista em Nutrição Clínica pela USC, em Terapia Nutricional pela SBNPE e em Home Care pela Escola de Enfermagem da USP, especialista em Administração Hospitalar pela USC (Universidade Sagrado Coração), coordenadora e professora dos módulos de Atenção Domiciliar e TN do IMeN. Membro do Conselho Executivo e do Comitê de Nutrição da Felanpe (Federación Latino Americana de Terapia Nutricional, Nutrición Clínica y Metabolismo), e do Comitê Educacional da SBNPE e do Comitê da NE pela Comissão de Farmacologia de São Paulo. Também é auditora em terapia nutricional pela CONEX; membro do Comitê Técnico de Nutrição Enteral da Comissão de Farmacologia da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo;

• Lúcia Caruso, nutricionista, coordenadora técnica da EMTN do Hospital Universitário, da Universidade de São Paulo, mestre em Nutrição Humana pela USP, especialista em Nutrição Clínica e docente do Centro Universitário São Camilo de São Paulo;

• Dra. Selma Freire de Carvalho da Cunha, médica, formada pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro, de Uberaba, com residência e clínica médica em nutrologia, especialista em nutrição, mestrado e doutorado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. É docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, consultora da ANVISA e da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, em temas relacionados em terapia enteral ou em formulas enterais.

Coordenação Geral:•Mariela Berezovsky, farmacêutica-bioquímica, diretora executiva do ILSI Brasil.

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a dieta

artesaNal eseu esPaço

No brasil

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O tema principal do debate foi a relação de benefícios e de custo da dieta enteral em suas diferentes composições, principalmente em sua forma artesanal. Os apresentadores e debatedores, com base em suas experiências em diversos ambientes hospitalares e domiciliares de terapia nutricional, discutiram sobre se existe ou não um lugar para a dieta artesanal no Brasil, considerando as reais condições de produção dessas dietas e a disponibilidade dos produtos industrializados.

São muitas as desvantagens da dieta artesanal sobre a industrializada, segundo os participantes. De acordo com Roseli Borghi, “Vários estudos comentam sobre os diferenciais entre essas dietas. No geral, as justificativas do uso da dieta artesanal estão no fato de ser uma fórmula mais natural, mais fisiológica, e por conter alimentos in natura. Alguns estudos mostram que é também mais econômica”, comentou. Em contrapartida, a dieta artesanal apresenta maior risco de contaminação, dado o seu manuseio extensivo em todas as etapas de processo de produção e envase devido à possibilidade de contaminação microbiana, o preparo destas dietas requer aplicação de pontos críticos de controles rigorosos em todos os processos. A substituição de alimentos e o método de cocção interferem na composição nutricional da fórmula. As alterações físico-químicas e de composição da dieta artesanal são inúmeras, porque no geral ela tem uma redução da densidade calórica e proteica, e não consegue atingir os valores necessários para demanda do paciente, tem distribuição inadequada de macro e micronutrientes, uma vez que é uma dieta de cálculo estimado, e também confere discrepância dos valores esperados dos nutrientes. Nem sempre o que foi calculado é o que o paciente realmente está recebendo”, explicou. “Sem considerar que, como é uma produção ‘caseira’, não é possível controlar valores de viscosidade e osmolalidade, que são controláveis por equipamentos específicos”.

Já as dietas industrializadas, por conta da estabilidade de macro e micronutrientes, conseguem atender às necessidades nutricionais do doente. “Os riscos de contaminação são menores com a dieta industrializada, porque são eliminadas várias etapas de manipulação. A dieta industrializada oferece uma nutrição adequada: é possível prever os nutrientes considerados para o tratamento do paciente, levando a maior segurança; tem melhor fluidez, porque a viscosidade, a osmolalidade e a densidade calórica são controladas”, disse Roseli. Ela explicou que, em teoria, a dieta artesanal permite maior flexibilidade de receitas para atender às necessidades alimentares dos pacientes, e tem vantagem econômica inicial, mas somente no custo dos ingredientes. “Mas as vantagens teóricas acabam sendo compensadas pelo aumento das despesas médicas decorrentes do seu uso, porque não se consegue atingir as necessidades nutricionais do paciente, que normalmente já é desnutrido, em função de sua doença, ou de sua permanência no hospital, e ainda confere complicações adicionais. Na prática, a individualização de receitas não acontece, por ser demorada e trabalhosa”.

Aparte a discussão do tipo de dieta, se artesanal ou industrializada, o benefício da introdução da terapia nutricional enteral é consenso, tanto do ponto de vista clínico como econômico. O dr. Dan Waitzberg comentou sobre o trabalho publicado na Revista de Nutrição Clínica da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE), resultado de uma avaliação teórica sobre o uso integral de terapia nutricional enteral e parenteral em todo o município de São Paulo, tomando como base os resultados do estudo conhecido como Ibranutri (Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar). Os dados foram enviados ao Ministério de Saúde, e indicavam que o investimento total em terapia nutricional, de nutrição enteral ou parenteral, traria um retorno de 4 reais por cada real investido. Isso acabou motivando a mudança do Ministério da Saúde em favor de remunerar a nutrição enteral — pois a parenteral já era paga. Waitzberg lembrou que o uso de terapia nutricional enteral e parenteral na maior parte dos hospitais brasileiros já é realidade.

No caso do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a terapia nutricional enteral domiciliar também provou seu valor, por meio do programa PROSNED, do Serviço de Nutrição e Dietética, que forneceu durante muitos anos

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terapia nutricional enteral para pacientes da rede pública, de forma gratuita e com bons resultados em termos de recuperação nutricional. No entanto, em 2009 foi cortada a verba SUS para reembolso da terapia nutricional domiciliar, que ficou restrita a somente 30% dos pacientes que têm necessidade da dieta. O custo hoje é bancado pelo Instituto Central, e não mais pela Secretaria da Saúde, e muitas vezes o hospital precisa optar entre remunerar a dieta enteral de doentes em tratamento crônico ou comprar um equipamento essencial como um respirador, por exemplo.

Pensando no aspecto “custo”, existe lugar para a dieta artesanal no Brasil? Lançada a provocação, as participantes do debate começaram a expor suas ideias. A maior parte foi enfaticamente contra o uso da dieta artesanal, já que a artesanal apresenta falhas no cumprimento da prescrição nutricional, que acabam por resultar em reinternações por infecções e escaras de decúbito devidas a deficiências nutricionais. A diferença de custo, especialmente em doentes oncológicos, entre as dietas artesanal e industrializada não justificariam o uso da artesanal, segundo Yara Baxter, da Novartis, hoje trabalhando na área de oncologia da empresa.

A nutricionista Lúcia Caruso relembrou a história da adoção da dieta artesanal e da industrializada no Brasil: “Historicamente, as dietas artesanais tiveram um papel muito importante porque não tínhamos alternativa. Quando da entrada das dietas industrializadas no nosso país, a diferença de custo era exorbitante, e não havia outra alternativa, então por isso é que elas são tão enraizadas. Mas os estudos têm cada vez mais provado as suas inadequações tanto com relação ao valor nutricional, como especialmente à viscosidade”, pontuou a nutricionista, dizendo que tão importante quanto o valor nutricional é “a dieta correr de maneira adequada numa sonda de fino calibre em posição pós-pilórica com grande osmolalidade”. Assim, mesmo para o paciente domiciliar, que teria mais dificuldades de adquirir a dieta industrializada, a dificuldade de orientação dos cuidadores para a padronização da produção das dietas justificaria a prescrição da dieta industrializada. Porém, em situações específicas, com critérios de elegibilidade definidos, a dieta artesanal ou mista pode ter seu papel, por exemplo em doentes com gastrostomia e que tenham cuidadores capazes de controlar a produção.

As apresentações realizadas durante o evento a respeito de custo-benefício mostraram que, levando-se em consideração os riscos de reinternações por complicações, o custo da dieta industrializada aproxima-se ao da artesanal. Porém, conforme pontuado pela nutricionista Denise Van Aanholt, “a questão é: quem é que vai pagar essa conta? No setor público, o governo vai custear isso? No setor privado, será que as operadoras custeariam pensando nos benefícios?”, questionou. “Sabemos, na prática, que o home care ainda precisa ser legalizado oficialmente no Brasil, com critérios sobre o que pode o que não pode para a fonte pagadora, e ter um entendimento e uma parceria com o governo para que possa ser viável fazer uma terapia nutricional domiciliar, que atenda melhor aquele que realmente necessita”. Mesmo no ambiente hospitalar, a introdução da dieta industrializada enfrentou várias barreiras, de acordo com os relatos das nutricionistas presentes.

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As verbas do Sistema Único de Saúde (SUS) congeladas são uma justificativa dos hospitais para não muitas vezes se negar a pagar pelas dietas industrializadas, equipos e frascos, mesmo que, no ambiente hospitalar, tenha ficado patente que não há mais evidência científica para uso da dieta artesanal.

A única situação em que foi colocada como possível, à luz da evidência científica, a dieta artesanal, ou principalmente a mista, é a do paciente crônico ou em cuidados paliativos, há muitos anos, sem possibilidade de evolução clínica favorável, e cuja família tenham condições de manter o nível adequado de cuidados. O uso de gastrostomias com cateteres de grosso calibre facilitaria a administração, mesmo que eventual, de dieta artesanal. Ainda assim, análises microbiológicas, de viscosidade e de adequação da composição são essenciais para garantir o nível de cuidado por longo tempo. A capacidade da família de adquirir frascos e equipos tem de ser levada em consideração, inclusive porque afeta o risco de infecção. Para todos os outros, podem ser buscados recursos em associações de pacientes ou nas Secretarias de Saúde, justificando pelo custo-benefício.

Nesse sentido, os estudos de custo-benefício são extremamente úteis no campo da terapia nutricional, pois reinternar um paciente que se desnutriu após a tentativa de implementação de dieta artesanal pode ser mais custoso do que mantê-lo em dieta industrializada. Porém, para o gestor de saúde, o custo da reinternação pode ser pago pelo SUS ou pela fonte pagadora, o que nem sempre acontece com a dieta enteral industrializada em casa, que preveniria a reinternação. Dan Waitzberg lançou então a seguinte provocação para os debatedores: “existe na indústria alguma ideia para atender uma solicitação de uma dieta enteral domiciliar de super baixo custo, mas de fácil manuseio mesmo pelos pacientes mais pouco privilegiados?” Representantes da indústria presentes no evento revelaram que sim, o setor tenta buscar opções menos especializadas e mais acessíveis, para que o paciente domiciliar consiga usar de forma mais fácil, evitando a contaminação. O desenvolvimento dessas alternativas já é uma realidade nas indústrias.

A responsabilidade pelo custo da terapia nutricional foi uma discussão que fechou o evento: ao se considerar que a nutrição por sonda é um cuidado terapêutico, é preciso concluir que é obrigação do Estado, que tem que arcar com o custo. Se, por outro lado, a nutrição for considerada um cuidado primário, ou simplesmente “alimentação batida no liquidificador e administrada por sonda”, então a família teria a responsabilidade e não o Estado. “Ainda existem situações de terapia que estão sendo tratadas como comida”, alertou Yara Baxter. “Situações de terapia deveriam ser analisadas, do ponto de vista de custo, como o custo do doente, e não o custo da dieta. O custo do doente! Enquanto isso ficar na cozinha do hospital, não vamos sair disso. Daqui a dois anos vamos estar falando a mesma coisa. Quando isso subir para o âmbito da terapia, lado a lado com a equipe médica, chegaremos lá.” Roseli Borghi reforçou: “existem farmaconutrientes, a adição de nutrientes específicos para tratamento de diversas situações clínicas – e nós ainda estarmos presos ao alimento como se simplesmente fonte de alimentação mesmo e não como parte do tratamento”.

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o PaPel da

FármaCo-eCoNomia

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Por que a avaliação econômica na área de saúde é necessária? A economista Joice Valentim lançou esse questionamento à plateia durante a sua apresentação sobre as ferramentas disponíveis para avaliação econômica e a fármaco-economia e como se aplicam às áreas de nutrição e medicina. E logo respondeu: “Porque os recursos são limitados e é preciso tomar decisões”. E completou: “Dado um determinado orçamento, quais são as melhores decisões, ‘alocativas’, quais são as melhores intervenções que devem ser escolhidas para que os pacientes recebam os melhores benefícios e seja otimizado o uso de recursos? É um conceito totalmente econômico, de otimização ou eficiência na alocação de recursos. Fazer o melhor ou o possível com os recursos disponíveis e ofertando o máximo de utilidade, ou qualidade de vida, ou benefícios para os pacientes. A aplicação é muito ampla, porque o custo pode ser calculado com base em vários fatores, desde a nutrição, a vacinação ou até o tratamento oncológico, e a metodologia acaba sendo a mesma. São as áreas que diferem para aplicação.”

A economista relatou que surgiram na década de 1990 as primeiras agências de avaliação de tecnologia em saúde. A primeira foi o National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE), que decide o que entra ou não no sistema público de saúde britânico. Austrália, Reino Unido, Canadá e Brasil têm se tornado países que usam a avaliação de tecnologia em saúde, baseando-se ou pautando-se na avaliação econômica, para decidir por inclusão ou não das tecnologias no sistema. De acordo com a palestrante, o SUS (Sistema Único de Saúde) brasileiro, por exemplo, se baseia no NHS, National Health System, do Reino Unido, buscando alcançar o sistema de saúde inglês e usando os mesmos critérios. Segundo Joice, desde o ano 2000, isso vem se disseminando, seja dentro do sistema de saúde ou na academia, com reflexos importantes, como critérios para a criação de equipamentos. No Brasil, os marcos foram a criação, em 2006, da CITEC (Comissão de Incorporação de Tecnologias do Ministério da Saúde), e, de 2011 para 2012, da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS). A Austrália também está à frente no que diz respeito à questão econômica, ou o que ficou conhecido como “a quarta barreira” (além da avaliação sobre a qualidade, a segurança e a eficácia dos produtos que entram no país, também são pesados os critérios econômicos).

De acordo com Joice Valentim, “na avaliação econômica, não se trata simplesmente de fazer uma comparação clínica — qual é, por exemplo, a intervenção em nutrição, prevenção, tratamento, ou mesmo diagnóstico, que tem a melhor eficácia, o maior benefício clínico. Na avaliação econômica, comparam-se tanto o benefício clínico quanto os custos que essas intervenções trazem.” Ao avaliar uma nova intervenção a ser adotada pelos sistemas públicos de saúde, as agências precisam levar em consideração diversos fatores. Geralmente, tecnologias novas custam mais caro por causa do investimento no seu desenvolvimento. Vale a pena pagar pela nova tecnologia, assumindo que ela tem um benefício clínico igual ou superior ao que já existe? “Se custa mais caro e é pior, não precisamos gastar muito tempo para decidir. Então é uma comparação de custos e benefícios”, completou a economista.

No Brasil, a maioria dos estudos é feita a partir da perspectiva do SUS – uma exigência da Conitec e também porque há maior disponibilidade de dados. Partindo do princípio de que estudos clínicos foram realizados para estabelecer o benefício clínico da intervenção, o que pode ser modificado é o custo. Uma internação no SUS, por exemplo, custa menos do que num hospital particular. Ou seja, a variação de custos está relacionada com a instituição ou com a perspectiva. “Isso mostra a importância da perspectiva, e a perspectiva mais ampla que existe é a da sociedade, o que significa que a sociedade como um todo está sendo considerada”, afirmou Joice.

No caso da perspectiva da sociedade, deveriam ser incluídos também os custos de produtividade, ou de perda de produtividade: uma pessoa doente, internada, deixa de produzir, de gerar riqueza econômica para a sociedade. “Em sociedades muito avançadas, como a Suécia, é exigida a inclusão dos custos de produtividade nos estudos, para uma

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perspectiva mais ampla. No Reino Unido, com o NICE, e no Brasil, se usa a perspectiva do sistema de saúde, que não inclui todos os custos possíveis”, explicou a economista.

Em seguida, Joice explanou sobre os tipos de avaliação econômica que se pode realizar: a análise de minimização de custos, o custo-efetividade, o custo-utilidade e o custo-benefício. O custo-efetividade é expresso em unidades naturais, por isso é que se fala em efetividade (expectativa de vida, casos evitados ou mortes evitáveis). “Efetividade é eficácia no mundo real. Não se usa custo-eficácia, se usa custo-efetividade, apesar de, na maioria dos casos, acabarmos usando a efetividade do estudo clínico, porque não temos dados da efetividade do mundo real; é mais no sentido de derivar em unidade natural. Só se faz essa análise quando se tem maiores custos e diferença de efeito. Quando não se sabe se são maiores os custos ou os benefícios, faz-se esta comparação, para verificar se o benefício compensa o valor que será pago a mais”, esclareceu. E completou, comentando o gráfico que apresentou: “Por questões éticas, não se oferece algo que tem uma resposta menor para o paciente. Mesmo que isso custe menos. Porque já existe um padrão de qualidade. Se o benefício é menor e custa mais, nem se pensa em usar o produto, não é uma opção boa. Se custa menos, mas a diferença de benefício é menor, é antiético. Se é mais efetivo, tem benefício maior, e custa menos, não há o que pensar: é o que se chama de dominante, é lógico que será a opção escolhida.”

É nesse quadrante que se coloca a avaliação econômica de custo-utilidade. A análise custo-utilidade é uma análise de custo-efetividade, aplicando-se unidades combinadas que incluem a qualidade de vida. Então se considera tanto a unidade — por exemplo, evitar um caso de doença infecciosa —, quanto o ganho de qualidade de vida do paciente ao longo do tempo. “Na área de nutrição, uma intervenção pode gerar um benefício ou melhor qualidade de vida para o paciente: ele se sente melhor, deixa de ter náusea ou outro problema gastrointestinal. Geralmente isso é informado pelo próprio paciente, em questionários aplicados por psicólogos. Em muitos casos, esses questionários incluem até a aparência do paciente. Isso tem que ser adaptado de país a país e para cada linguagem.”

O último tipo de análise é a de custo-benefício, ou seja, quando benefícios e custos são expressos em termos monetários. Para isso, existem fórmulas ou metodologias que apresentam o custo-benefício sob a perspectiva do retorno de um investimento. “É uma análise mais financeira e que tem, como todas as análises, seus prós e contras. O lado positivo da análise de custo-benefício é a possibilidade de a sociedade decidir pela alocação. É possível decidir pela alocação de recursos em segurança, em educação, ou em saúde, e assim por diante. Porque como os benefícios variam muito de área para área, e se os colocamos em termos monetários, fica mais fácil ver o retorno para o investimento. Para presidentes ou ministros, por exemplo, essa é uma boa forma de apresentar a análise.” Joice comentou que as análises de custo-efetividade e de custo-utilidade costumam ser mais comuns, pois usam a unidade natural ou qualidade atrelada a essa unidade.

Na parte final de sua apresentação, a economista introduziu o conceito do custo-efetividade incremental. “Geralmente, obtém-se economia nas situações ou intervenções dominantes, que têm um benefício muito positivo ou superior, com um custo inferior. Mas nem todos os casos são tão triviais:

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muitas vezes tem que ser feita análise de custo-benefício, custo-efetividade, custo-utilidade, para rastrear todos os custos da cadeia, para se ver o que gera economia. É preciso capturar toda a cadeia, pois muitas vezes não há como prever só fazendo a comparação imediata, por exemplo, do preço de duas intervenções: isso gera um número que, sozinho, não quer dizer nada. O resultado pode ser: ‘custa 10 mil reais por ano de vida’. Se você evitou uma morte por meio de algum tratamento, que custou 10 mil para evitar essa morte, isso é custo-efetivo ou não? É preciso ter um limiar ou um parâmetro para comparar. O Brasil não tem limiar. Alguns países têm. E o Brasil se posiciona de uma forma que não vai ter”. O que se costuma fazer por aqui, segundo ela, é seguir a sugestão da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 2003: uma intervenção é definida como custo-efetiva quando o custo incremental pelo desfecho definido fica abaixo de um valor estabelecido como três vezes o produto interno bruto (PIB) do país. A OMS, a equipe da Universidade de Harvard e os europeus em geral usam uma unidade chamada DALY (disability-adjusted life year). Cada centro de estudo no mundo usa a sua. No caso do Brasil, isso resultaria em mais ou menos 60 mil reais. Então uma nova intervenção custando por volta de 60 mil reais de incremento seria custo-efetiva.

“Isso tem uma lógica muito maior na perspectiva de sistema de saúde como um todo do que de uma instituição, mas também pode ser apresentado para a perspectiva de uma instituição”, explicou Joice. A economista então apresentou a fórmula da razão de custo efetividade incremental em português, ou, em inglês, incremental cost effectiveness — mesmo se é o custo-utilidade, se fala custo-efetividade. “É um resultado relativo, comparativo. Por exemplo, num caso de estudo mostrando economia de 4 mil dólares, não há incremento, na verdade, a intervenção gerou uma economia. Existem situações nas quais não há variação do custo, existe o ‘mundo ideal’, que seriam as situações de geração de economia, com mais benefícios da perspectiva de quem está pagando, e existe a situação mais comum que é a de custo incremental. A ideia da fármaco-economia e da avaliação econômica em saúde não é necessariamente de gerar economia. Se gera economia, em muitos casos, isso é bom, é positivo, mas a ideia é: dado esse custo incremental que se tem por ser uma tecnologia nova, qual é o limite aceitável para se pagar a mais por isso? Se há um incremento de custo, qual é o limite desse incremento?”

Razão de custo-efetividade incremental

A economista concluiu sua apresentação dizendo: “A avaliação econômica é um instrumento de decisão criteriosa para alocação de recursos escassos no sistema de saúde. Não é a resposta final, mas é uma ferramenta muito importante, até na construção da decisão”.

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teraPia NutriCioNal

domiCiliar aNtes da

Cirurgia: eCoNomia

de reCursos

A apresentação de Yara Carnevalli Baxter, da Novartis, tratou de um problema recorrente nas instituições de saúde brasileiras: o paciente em espera para realização de cirurgias, que tem risco de deterioração de seu estado nutricional enquanto aguarda, principalmente no caso das afecções do sistema digestivo. Nos hospitais públicos do país, o doente pode aguardar vários meses até que consiga vaga para cirurgias que não são de urgência. A nutricionista explicou que havia uma percepção de que o investimento em terapia nutricional desses doentes, com dietas industrializadas ou suplementos era “um gasto expressivo”. Era necessário realizar uma avaliação econômica, comparando o modelo convencional (que é o paciente aguardar a cirurgia internado em hospital) com um modelo alternativo em que ele aguardasse no domicílio, porém em terapia nutricional domiciliar. Essa retaguarda de atendimento domiciliar teria de se mostrar economicamente mais efetiva e menos onerosa.

O estudo de custo-benefício, custo-efetividade e dos indicadores econômicos indiretos levou em consideração o modelo de atendimento que havia no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), o Prosned (Programa de Nutrição Enteral Domiciliar do Instituto Central do Hospital das Clínicas). Os pacientes eram treinados e recebiam as dietas industrializadas gratuitamente, igual à que era fornecida para os pacientes internados. “Era um modelo consagrado, mas que precisava de uma retaguarda de estudo econômico de forma a se perpetuar”, explicou Yara Baxter.

A hipótese inicial do trabalho era de que os pacientes submetidos ao tratamento em domicílio tivessem estado nutricional melhor. Yara Baxter relembrou o modelo de minimização de custo, apresentado por Joice Valentim, para explicar que, no estudo, foram considerados os custos com terapia, medicação, leito, equipe e tempo (cuidados e tratamento). Foi avaliado qual era o custo para cada benefício nutricional, mas hoje já se admite que a relação não é tão simples. Yara Baxter passou a explicar criticamente o que foi medido de fato no estudo. “Inicialmente, no estudo econômico, verificamos o custo unitário do benefício, que não é custo-benefício, é a redução de custo ou a minimização de custo. Então, comparando-se os dois programas, e assumindo consequências idênticas, qual é a alternativa de menor custo? Essa foi uma análise de redução de custo. Depois fizemos um estudo de otimização

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hospitalar, considerando o tempo de internação: se os pacientes ficam mais tempo internados, há menor rodízio nos leitos. Realizamos também estudo de relação custo-efetividade e de custo-benefício. Assim, considerando os dois programas, com objetivos comuns, resultados distintos, custos distintos, qual seria o menor custo por unidade de efeito produzida?”

Os benefícios foram traduzidos em valor financeiro despendido em um tratamento em relação ao valor financeiro de seu resultado, que é a busca por um retorno de investimento. Os custos, diretos e indiretos, foram investigados detalhadamente: não só o preço de compra de um produto industrializado, mas o custo de transportar até o andar correto, de entregar para o paciente, custo da enfermeira, tudo absolutamente detalhado.

Yara Baxter apresentou então o resultado da identificação de custos. “O grupo que ficou internado da forma convencional custou mais em todos os itens, com destaque para o custo da terapia nutricional completa, o custo do leito e o custo da equipe multidisciplinar. Isso ocorre porque o modelo considera absolutamente a disposição do doente dentro da estrutura hospitalar, diferentemente de quando ele vem no ambulatório, ou está em casa, situações em que se tem uma diluição do custo. Então o custo final do tratamento dentro desse raciocínio ficou quase três vezes menor em favor do grupo estudo, que tinha a retaguarda domiciliar”, explicou. Quando se realizou a análise de redução e minimização de custos, também se percebeu uma redução de 6 mil reais por paciente, segundo Yara. “A redução de custo era bem expressiva, e ainda segue sendo bem expressiva. Os benefícios são similares nos dois grupos, em modelos distintos de atenção: não houve iatrogenia nem em um nem em outro, e os custos são melhores para o modelo com a retaguarda domiciliar.”

A somatória dos cálculos, segundo ela, reforça o que foi identificado: custo 2,7 vezes mais favorável para o grupo que recebeu tratamento domiciliar, para a obtenção de uma unidade de benefício nutricional. As complicações pós-operatórias foram menores no grupo que teve a retaguarda domiciliar: a quantidade de complicações que foram evitadas foi traduzida para valores. “O paciente, por mais tardiamente que tenha ido para o hospital, foi nutricionalmente atendido o mais precocemente possível. Dentro desse contexto,

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internou em condições nutricionais melhores. Então obviamente, não se poderia esperar que ele ficasse o mesmo tempo internado do que o outro grupo, que se internou em condições nutricionais piores, ficou mais tempo hospitalizado para melhorar o estado nutricional antes da cirurgia, foi para cirurgia, e então, tudo se otimizou”, explicou Yara.

Com essa otimização, a taxa de ocupação do leito hospitalar ficou quase três vezes maior, significando que os leitos são liberados mais rapidamente para novas internações. “Esse dado poderia ter, para algumas instituições, principalmente as públicas, um significado expressivo: é possível pelo menos diminuir essa demanda reprimida e fazer com que os pacientes sejam operados o mais precocemente possível. Há um ganho em escala aqui, muito grande”, defendeu Yara Baxter.

Na avaliação econômica sobre esses dois programas, que é a verdadeira análise do custo-efetividade e do custo-benefício, foi avaliado se houve menor taxa de complicações, menor tempo de internação e menor custo, e analisada a combinação dessas variáveis. “Nesse modelo, houve economia pelas complicações que não aconteceram, pelos dias internados que foram evitados e economia em valor, segundo o valor monetário de cada benefício — que é a análise econômica. Então se percebe que houve uma economia para cada dia de internação evitado.” Segundo Yara, os valores são baixos, porque foram considerados os custos de um ambiente público, embora os raciocínios possam ser adaptados para o ambiente privado. “Para cada paciente recebendo essa intervenção nutricional domiciliar, calculamos o custo da intervenção nutricional e o custo do leito, para fazer a análise de custo-benefício”.

Vale a pena fazer o paciente receber esse modelo de retaguarda domiciliar? Yara garante que sim, porque cada paciente que entra no programa traz, como benefício para a instituição, pelo menos R$ 9 mil, segundo números de 2002. “Isso mostra que o modelo com retaguarda domiciliar atingiu benefícios nutricionais equiparáveis e permitiu expressiva redução do custo. E esse estudo de viabilidade econômica mostrou que o modelo é favorável para análise de custo-efetividade, custo-benefício e otimização do uso do leito hospitalar. Assim, percebemos que existem, sim, condições de provarmos que modelos aparentemente onerosos podem ser altamente econômicos. Tudo depende de conseguirmos traduzir isso para uma moeda de comunicação única”, finalizou a nutricionista.

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A composição

dA dietA ArtesAnAl

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O senso comum de que a dieta enteral artesanal teria desvantagens, em termos de composição nutricional, em relação à industrializada ensejou a realização de um estudo científico. Coordenado por Dan Waitzberg e realizado pela Força-Tarefa de Nutrição Clínica do ILSI Brasil, os investigadores examinaram as fórmulas administradas aos doentes de alguns hospitais brasileiros. Inicialmente, foi feita uma coleta de dados em 14 hospitais, divididos pelas diversas regiões do Brasil. Destes, foram selecionados cinco, por conterem melhores informações com relação à composição, indicação e administração da dieta. O objetivo foi analisar teoricamente a qualidade nutricional e o custo parcial de fórmulas artesanais ou caseiras desses hospitais, comparando-as com as formulações industriais e cotejando com o que a literatura dispõe sobre o assunto.

Mesmo considerando que os cinco hospitais tinham orientações gerais semelhantes — por exemplo, sobre a fonte proteica, uso de leite de vaca ou de soja, fonte lipídica, que geralmente era óleo de soja ou de milho —, foi bastante difícil calcular a composição das dietas artesanais, pois havia enorme imprecisão em informações básicas, como os volumes de indicação por refeição e o total administrado no dia, a orientação sobre a administração (dose, horário), nem receitas específicas para mingaus e sopas. “Em todas as receitas, havia o acréscimo de produtos industrializados, mas muitas vezes não existia uma padronização de quantidades e volumes dos alimentos”, revelou Roseli Borghi durante o evento. Alguns ofereciam informações sobre higiene de alimentos, mas só um hospital orientava sobre higiene de equipamentos. Assim, verificou-se grande variabilidade das receitas.

É consenso de que é preciso garantir a ingestão adequada de nutrientes, para que os pacientes realmente se beneficiem do tratamento. Porém, a literatura nacional e internacional mostra que somente de 50% a 72% em média do volume diário ou do aporte de macronutrientes da nutrição enteral prescrita é recebida pelos pacientes. “Acontecem muitas interrupções durante o procedimento enteral; algumas vezes essas interrupções são desnecessárias, mas envolvem a rotina hospitalar como um todo: atraso na troca de produto, na entrega da dieta, repassagem de sonda, quando ela é retirada, acidentalmente ou não, demora para reinstalar a sonda e em reinserir a administração da dieta e complicações no trato gastrointestinal,” explicou a nutricionista.

O estudo também comparou as fórmulas artesanais com os valores da ingestão diária recomendada (IDR). “Ao fazermos essa comparação, verificamos discrepâncias: a proteína está em quantidade extrapolada em todas as formulações. O cálcio, na formulação A, chegava próximo do limite, e nas demais, extrapolava. O ferro foi o nutriente mais crítico: em três receitas não foram alcançadas as necessidades diárias do paciente. Tanto o zinco como a vitamina C ultrapassaram os valores preconizados nas cinco formulações estudadas,” relatou Roseli Borghi, demonstrando os valores em tabelas.

Nutrientes IDR Fórmula A Fórmula B Fórmula C Fórmula D Fórmula E

Proteínas (g) 50 92,89α 192,85α 167,04α 130,24α 63,66α

Cálcio (mg) 1000 925,6 1488,4 1429 2186,2 1273,2

Ferro (mg) 14 5,6 18,9 8,36 26,5 3

Zinco (mg) 7 8,21 20,31 21,7 25,5 13,2

Vitamina C (mg) 45 62,7 240 248,1 73,56 301,8

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Quando as fórmulas foram comparadas com a DRI (Dietary Reference Intakes), a situação ficou mais crítica. “A quantidade de proteína extrapolou a recomendação, o cálcio, na formulação A, não alcançou os valores mínimos; e o ferro, cuja recomendação varia conforme a faixa etária, teve valores bem aquém das recomendações em três hospitais. Assim como o zinco e vitamina C, que tiveram valores aquém da recomendação para o sexo e a idade.”

Distribuição percentual sugerida (OMS) Fórmula A Fórmula B Fórmula C Fórmula D Fórmula E

Proteínas10-15% VET 29,11% 39,78% 14,46% 24,10% 16,72%

Carboidratos55-75% VET 40,45% 41,58% 22,79% 29,94% 53,06%

Gorduras15-30% VET 30,45% 18,64% 62,74% 45,96% 30,22%

NutrientesDRI

(31-50 anos / Masculino e Feminino)*

DRI(51-70 anos / Masculino e Feminino)*

Fórmula A

Fórmula B

Fórmula C

Fórmula D

Fórmula E

Proteínas (g)46 (F) /56 (M)

46 (F) /56 (M)

92,89 192,85 167,04 130,24 63,66

Cálcio (mg) 1000 1200 925,6 1488,4 1429 2186,2 1273,2

Ferro (mg)8 (F) /18 (M)

8 (M/F) 5,6* 18,9 8,36* 26,5 3*

Zinco (mg) 11 (M/F)11 (M) /8 (F)

8,21* 20,31 21,7 25,5 13,2

Vitamina C (mg)75 (F) /90 (M)

75 (F) /90 (M)

62,7* 240 248,1 73,56* 301,8

Quando comparada a distribuição energética de macronutrientes entre as formulações, a quantidade de proteína em um hospital alcançou os percentuais recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que foi a base de cálculo, e ultrapassou em todas as outras receitas. Os valores de carboidratos tiveram também grande variação, e somente uma receita ficou próxima do percentual mínimo. Todas as três receitas extrapolaram os valores mínimos e máximos preconizados para gorduras pela OMS.

* depende de sexo e idade

Roseli Borghi explicou que a contaminação dessas dietas é frequente, chegando a 30%, segundo a literatura. “São vários os fatores: falta de atenção dos manipuladores, falta de higiene com os equipamentos utilizados nos processos de produção das dietas e nos balcões de auxílio, inclusão de nutrientes não esterilizados e temperatura de armazenamento elevada demais.” A conclusão da nutricionista é que os níveis de contaminação são altos em dietas artesanais, excedem, com frequência, os padrões aceitos pela legislação e acabam elevando os riscos de infecção hospitalar.

Foi também realizada uma análise simples do custo do alimento utilizado na preparação da dieta artesanal. Foram buscados os valores mínimos encontrados em supermercados populares, no caso de aquisição dos alimentos, e também os preços mínimos praticados no mercado no caso dos alimentos industrializados: neste caso, a pesquisa foi feita em pontos de vendas especializados e em farmácias onde as dietas industrializadas eram

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comercializadas. O estudo calculou qual seria o valor para a produção de cada uma das fórmulas analisadas. Porém, foi utilizado o custo parcial, que considera só o preço do alimento, sem levar em consideração outros componentes importantes do custo, como uso de frascos e equipos, desperdício mão de obra na produção e da enfermagem na distribuição e administração da dieta.

O trabalho mostrou que, em uma das fórmulas, o custo foi muito mais baixo que nas demais. Foram estimadas seis refeições ao dia, num valor médio de 200 ml de cada refeição intermediária e 300 ml para o almoço e o jantar, somando um volume diário de 1.400 ml e 1.800 kcal. O valor médio estimado do custo e do volume de dieta caseira ficou entre 21 e 28 reais. Já nas fórmulas industrializadas em pó, o valor médio dos produtos em 400 g foi de 31,61 reais. “É bem próximo da fórmula B, e não é uma formulação extremamente cara, e nem a formulação artesanal é extremamente barata, com exceção da Fórmula A, que chegou a 8,58 reais.”

A variabilidade dos valores nutricionais nas dietas avaliadas pode contribuir para aumentar o risco de desnutrição, infecções, desidratação e suas consequências nos pacientes submetidos à terapia nutricional enteral “O monitoramento constante é urgente e de extrema importância no caso da dieta artesanal, desde a ingestão da dieta até a evolução clínica do paciente. A equipe precisa acompanhar o paciente mais de perto ainda e avaliar todas as suas necessidades. Para uma terapia nutricional efetiva, é necessário o fornecimento de fórmulas apropriadas, com conteúdo de nutrientes adequados de acordo com a prescrição dietética, conferindo baixo risco de complicações, isso tudo com uma avaliação periódica e discussão com a equipe multidisciplinar de terapia nutricional (EMTN)”, finalizou Roseli.

Em seguida à apresentação do estudo pela nutricionista Roseli, Dan Waitzberg destacou a importância do tema. “Talvez nós tenhamos a missão de buscar o desenvolvimento de uma dieta alternativa de alta qualidade. E aí nós vamos deparar com o problema custo-benefício de novo. Porque quanto mais você busca qualidade nesse aspecto, mais vai ter que elevar o custo. O problema é quem paga esse custo”, afirmou.

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bibliograFia

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