proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

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PROPOSTA DE SOLUÇÕES PARA REDUÇÃO DOS ATRASOS NAS ENTREGAS DE PRODUTOS ACABADOS PARA UM GRUPO DA INDÚSTRIA DE MODA Gabriel Ramos Maia Henrique da Rocha Gomes Projeto de Graduação apresentado ao Curso de Engenharia de Produção da Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Engenheiro. Orientador: Vinícius Carvalho Cardoso Rio de Janeiro Março de 2016

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Page 1: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

PROPOSTA DE SOLUÇÕES PARA REDUÇÃO DOS

ATRASOS NAS ENTREGAS DE PRODUTOS ACABADOS

PARA UM GRUPO DA INDÚSTRIA DE MODA

Gabriel Ramos Maia

Henrique da Rocha Gomes

Projeto de Graduação apresentado ao Curso

de Engenharia de Produção da Escola

Politécnica, Universidade Federal do Rio de

Janeiro, como parte dos requisitos necessários

à obtenção do título de Engenheiro.

Orientador: Vinícius Carvalho Cardoso

Rio de Janeiro

Março de 2016

Page 2: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

ii

PROPOSTA DE SOLUÇÕES PARA REDUÇÃO DOS

ATRASOS NAS ENTREGAS DE PRODUTOS ACABADOS

PARA UM GRUPO DA INDÚSTRIA DE MODA

Gabriel Ramos Maia

Henrique da Rocha Gomes

PROJETO DE GRADUAÇÃO SUBMETIDO AO CORPO DOCENTE DO CURSO DE

ENGENHARIA DE PRODUÇÃO DA ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE

FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS

NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE ENGENHEIRO DE

PRODUÇÃO.

Examinado por:

________________________________________________

Prof. Vinícius Carvalho Cardoso, D.Sc.

________________________________________________

Prof. Renato Flórido Cameira, D.Sc.

________________________________________________

Prof. Lino Guimarães Marujo, D.Sc.

RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL

MARÇO de 2016

Page 3: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

iii

Maia, Gabriel Ramos

Gomes, Henrique da Rocha

Proposta de Soluções para Redução dos Atrasos nas

Entregas de Produtos Acabados para um Grupo da Indústria

da Moda – Rio de Janeiro: UFRJ/ Escola Politécnica, 2016.

X, 89 p.: il.; 29,7 cm.

Orientador: Vinícius Carvalho Cardoso

Projeto de Graduação – UFRJ/ Escola Politécnica/ Curso

de Engenharia de Produção, 2016.

Referências Bibliográficas: p. 86-89.

1. Cadeias de Suprimentos. 2. Agilidade. 3. Indústria da

Moda.

I. Cardoso, Vinícius Carvalho II. Universidade Federal do Rio

de Janeiro, Escola Politécnica, Curso de Engenharia de

Produção. III. Proposta de Soluções para Redução dos

Atrasos nas Entregas de Produtos Acabados para um Grupo

da Indústria da Moda.

Page 4: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

iv

AGRADECIMENTOS

Agradecemos, em primeiro lugar, a todos os professores do curso de Engenharia de

Produção da UFRJ. Somos privilegiados pela oportunidade de graduação em um curso

repleto de grandes mestres, que nos proporcionaram intenso aprendizado.

Em especial, demonstramos nossa gratidão ao professor Vinícius Cardoso, nosso

orientador, por todo o apoio e dedicação durante a execução deste projeto.

Agradecemos, também, a todos os nossos amigos, principalmente os que nos foram

trazidos pelo curso de Engenharia de Produção, que nos ajudaram a crescer como pessoas

e profissionais ao longo desse período.

Deixamos nosso agradecimento ao grupo de moda estudado, pelo fornecimento das

informações e liberdade para trabalhar. Esperamos que o estudo possa ser útil para a

empresa.

Agradecemos às nossas famílias, pelo apoio incondicional dado durante todos os

nossos anos de vida. Obrigado pelo carinho e pelo incentivo.

Por fim, um agradecimento a todos que tornaram esse trabalho possível de alguma

forma.

Page 5: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

v

Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/ UFRJ como parte

dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro de Produção.

PROPOSTA DE SOLUÇÕES PARA REDUÇÃO DOS ATRASOS NAS ENTREGAS DE

PRODUTOS ACABADOS PARA UM GRUPO DA INDÚSTRIA DE MODA

Gabriel Ramos Maia

Henrique da Rocha Gomes

Março/2016

Orientador: Vinícius Carvalho Cardoso

Curso: Engenharia de Produção

O presente estudo aborda um problema prático, enfrentado por um grupo varejista de moda

brasileiro: o atraso nas entregas dos produtos acabados para as lojas de varejo. Com base

em uma extensa revisão bibliográfica sobre a cadeia produtiva da indústria da moda, a

cadeia de valor do grupo de moda é mapeada e confrontada com os mais relevantes

referenciais teóricos existentes na literatura e com os modelos de operação das principais

empresas do setor, segundo critérios comparativos selecionados. Além disso, foram

realizadas visitas a um fornecedor chave do Grupo para complementar a visão sobre o

problema.

O resultado é o desenvolvimento de um pacote de propostas integradas, que têm como

objetivo final a melhora do nível de serviço do grupo (medido pelo atraso nas entregas dos

produtos). Essas propostas são agrupadas em três categorias: i) aumento da eficiência da

cadeia de suprimentos; ii) otimização do mix de produção; iii) utilização de técnicas de quick

response. Por fim, as propostas são avaliadas e priorizadas, e uma proposta de

implementação em três diferentes níveis é apresentada.

Palavras-chave: Cadeias de Suprimentos, Agilidade, Indústria da Moda.

Page 6: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

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Abstract of Undergraduate Project presented to POLI/UFRJ as a partial fulfillment of

the requirements for the degree of Industrial Engineer.

PROPOSAL OF SOLUTIONS FOR REDUCING DELAY IN DELIVERIES OF

FINISHED PRODUCTS TO A GROUP OF THE FASHION INDUSTRY

Gabriel Ramos Maia

Henrique da Rocha Gomes

March/2016

Advisor: Vinícius Carvalho Cardoso

Course: Industrial Engineering

This study addresses a practical problem, faced by a Brazilian group of fashion retail: the

delay in deliveries of finished products to retail stores. Based on an extensive literature

review on the fashion industry supply chain, the Group value chain is mapped and

confronted with the most relevant theoretical references existing in literature and with the

models of operation of the main companies of the industry, according to selected criteria of

comparison. In addition, visits were made to a key supplier of the company, in order to

complement the vision of the problem.

The result is the development of an integrated package of proposals of solution, which have the ultimate goal of improving the company's service level (measured by the delay in deliveries of products). These proposals are grouped into three categories: i) improving the supply chain efficiency; ii) optimization of the production mix; iii) application of quick response techniques. Ultimately, the proposal are evaluated and prioritized, and a suggestion for implementation in three different levels is presented.

Keywords: Supply Chain, Agility, Fashion Industry

Page 7: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

vii

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 1

1.1 Apresentação do Tema ......................................................................................... 1

1.2 Objetivo .................................................................................................................. 2

1.3 Método .................................................................................................................... 2

1.4 Unidade de Análise ................................................................................................ 3

1.5 Limitações do estudo ............................................................................................ 4

2. O OBJETO DE ESTUDO ............................................................................................... 5

2.1 O mercado .............................................................................................................. 5

2.2 A empresa .............................................................................................................. 9

2.2.1 O fluxo de produção ....................................................................................... 10

2.2.2 A operação de varejo de moda ....................................................................... 14

3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ........................................................................................ 17

3.1 Cadeias de suprimento ....................................................................................... 17

3.2 O que é a moda e sua indústria .......................................................................... 19

3.2.1 Histórico e características ............................................................................... 19

3.2.2 A cadeia ......................................................................................................... 21

3.3 Conceitos produtivos .......................................................................................... 23

3.3.1 Fast Fashion ................................................................................................... 23

3.3.2 Quick Response ............................................................................................. 25

3.3.3 Cadeias de suprimento ágeis ......................................................................... 26

3.3.4 O trade-off da variedade dos produtos............................................................ 28

3.3.5 Conceitos produtivos: conclusão .................................................................... 31

3.4 Casos mundiais - cadeias produtivas globais na indústria de varejo da moda,

integração colaborativa e seus efeitos ......................................................................... 32

3.4.1 O caso da Zara e o grupo INDITEX ................................................................ 32

3.4.2 A indústria italiana - estratégias de colaboração como vantagem competitiva 38

3.4.3 O cenário atual da indústria de varejo de moda norte-americana e os trade-offs

enfrentados na cadeia produtiva ................................................................................... 41

3.5 Gestão sustentável da cadeia de suprimentos.................................................. 43

3.6 Requisitos básicos para cadeias produtivas e de suprimentos na indústria de

varejo da moda ............................................................................................................... 45

3.6.1 A Indústria da Moda ........................................................................................ 45

3.6.2 Conceitos Produtivos ...................................................................................... 45

3.6.3 Cadeias Produtivas Globais ............................................................................ 46

4. IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA .............................................................................. 48

Page 8: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

viii

4.1 Visita Prática ........................................................................................................ 48

4.2 Mapeamento da cadeia de uma marca do grupo ............................................... 51

5. ANÁLISE COMPARATIVA DE DADOS ....................................................................... 60

5.1 Seleção dos critérios comparativos ................................................................... 60

5.2 Fast Fashion ........................................................................................................ 61

5.3 Quick Response................................................................................................... 62

5.4 Agilidade na cadeia de suprimentos .................................................................. 63

5.5 Trade-off da variedade dos produtos ................................................................. 65

5.6 Métodos de previsão de demanda...................................................................... 66

5.7 Relacionamento com fornecedores ................................................................... 67

5.7 Análise comparativa: síntese.............................................................................. 68

6. PROPOSTA DE SOLUÇÃO ......................................................................................... 71

6.1 S1: Aumento da eficiência da Cadeia de Suprimentos ..................................... 72

6.1.1 S1.1: Aplicação de técnicas de lean manufacturing ........................................ 72

6.1.2 S1.2: Internalização do corte .......................................................................... 73

6.1.3 S1.3: Alocação de equipe para fornecedores ................................................. 74

6.1.4 S1.4: Aumento da visibilidade sobre prazos ................................................... 74

6.1.5 S1.5: Concentração da produção e estruturação de sistema de monitoramento

74

6.1.6 S1.6: Refinar determinados módulos do sistema ERP .................................... 75

6.1.7 S1.7: Análise de causas de atrasos por fornecedor ........................................ 75

6.1.8 S1.8: Sistema de bonificação para fornecedores ............................................ 76

6.2 S2: Otimização do Mix de Produção e trade-offs da variedade dos produtos 76

6.2.1 S2.1: Desenvolvimento de metodologias analíticas e estratégias por linha de

produtos 76

6.2.2 S2.2: Estratificação da terceirização e da produção própria ........................... 77

6.3 S3: Utilização de técnicas de Quick Response em determinadas etapas do

processo produtivo ........................................................................................................ 77

6.3.1 S3.1: Capacitação da cadeia produtiva........................................................... 77

6.3.2 S3.2: Criação de gatilhos de reposição ........................................................... 78

6.3.3 S3.3: Mapeamento geográfico de fornecedores ............................................. 78

6.4 Avaliação e priorização das propostas .............................................................. 78

7. CONCLUSÕES ............................................................................................................ 84

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 86

Page 9: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

ix

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1. Tamanho e crescimento do mercado ........................................................................... 7

Figura 2. Tamanho do grupo de moda ........................................................................................ 7

Figura 3. Macroprocessos do grupo .......................................................................................... 10

Figura 4. Fluxograma do processo produtivo ............................................................................ 14

Figura 5. Uma cadeia produtiva genérica da indústria da moda ................................................ 22

Figura 6. Diagrama de processos - até workshop ..................................................................... 55

Figura 7. Diagrama de processos - até o Provão ...................................................................... 56

Figura 8. Diagrama de processos - pós-Provão ........................................................................ 57

Figura 9. Esquema das soluções propostas ............................................................................. 81

Page 10: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

x

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1. Marcas globais, adaptado de Orcao e Perez (2014) ............................................ 33

Tabela 2. Mapeamento da cadeia de uma marca do grupo ................................................. 52

Tabela 3. Critérios comparativos ......................................................................................... 61

Tabela 4. Avaliação das propostas ...................................................................................... 79

Page 11: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

1

1. INTRODUÇÃO

1.1 Apresentação do Tema

O presente projeto, à luz da Engenharia de Produção, aborda a indústria de vestuário

brasileira; mais precisamente, o processo de confecção de produto acabado a partir da

matéria-prima – tecido e aviamentos, de modo geral – no contexto de uma grande varejista

de moda carioca.

O estudo tem sua inspiração (e sua relevância) em um caso prático: um grupo de

moda, que compreende várias marcas, sendo algumas de forte relevância nacional. O

desempenho da área de Operações da empresa, atualmente, apresenta um nível de serviço

– medido pelo percentual de produtos acabados entregues no prazo previamente acordado

para as lojas de varejo – consideravelmente inferior ao desejado.

Esse problema é parte de um paradigma maior, que envolve o trade-off entre custo,

flexibilidade e qualidade das entregas, e não é exclusivo do grupo de moda. Na verdade,

não é exclusivo da indústria do vestuário; é um desafio enfrentado pelas grandes empresas

do mundo globalizado, em que a complexidade das operações e dos relacionamentos em

rede aumenta em grande velocidade. As decisões de posicionamento estratégico passam

pela definição das vantagens competitivas, que acabam por envolver obrigatoriamente

trade-offs entre elementos chave, como custo, qualidade, velocidade de entrega, entre

outros.

São abordados, assim, temas de grande interesse da Engenharia de Produção, entre

os quais se destacam: Planejamento e Controle da Produção; a gestão da cadeia de

suprimentos, no âmbito da gestão de operações e da rede de relacionamentos com os

fornecedores; a Teoria das Restrições; e a Gestão da Qualidade.

Através da investigação de como se dá o processo de tomada de decisão e a

interação entre pessoas de diferentes níveis organizacionais, sistemas e fornecedores na

parte corporativa do grupo de moda, busca-se entender como cada etapa influencia no

atraso de pedidos de ordens de compra, gargalos para os fornecedores e finalmente

problemas na expedição de peças acabadas para as lojas. A utilização de visitas a um

fornecedor-chave com o qual a organização possui maior proximidade e liberdade de

acesso a informações para coleta de dados práticos também foi contemplada para

completar esse entendimento.

A visão completa e sistêmica da cadeia produtiva, desde o planejamento até a

entrega, permite desenvolver uma proposta de solução que enderece diretamente uma ou

mais causas raízes dos problemas de entrega de produtos finais para as lojas no grupo de

Page 12: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

2

moda (ou “quebra”, termo utilizado entre pessoas da indústria do varejo de moda para se

referir ao atraso na entrega do produto acabado).

1.2 Objetivo

O objetivo do trabalho é desenvolver uma proposta de solução para redução dos

atrasos na entrega de produtos acabados para as lojas de varejo do grupo de moda. É

essencial ressaltar que o atraso nas entregas é um problema que fica visível no fim da

cadeia produtiva da empresa, mas que pode apresentar causas raízes em diversos pontos

dessa cadeia. O grupo não possui dados quantitativos sobre o nível de atraso nas entregas,

mas valores estimados em conversas com gerentes apontam atualmente que há entre 20%

a 30% de atraso dentre o total de produtos acabados entregues na ponta da cadeia de

produção, podendo chegar a 50% nos meses de lançamento de coleção.

Assim, o estudo tem como fim compreender o relacionamento entre as diferentes

etapas que culminam no desenvolvimento da peça final, buscando identificar as causas

prováveis que originam os atrasos nas entregas, o tipo e grau de impacto no atraso,

priorizando-as e elaborando um projeto de solução para eliminar essas causas - ou

minimizar o efeito gerado por cada uma. Desse modo, um entendimento geral da cadeia e

dos macroprocessos é fundamental para que a solução seja capaz de produzir resultados

globais, perenes e de maior impacto no processo produtivo.

1.3 Método

O projeto pode ser classificado como uma pesquisa exploratória do tipo estudo de

caso, visto que, a partir de um problema inicial sobre o qual há pouco conhecimento, busca-

se orientação na bibliografia, em entrevistas com especialistas e em dados quantitativos, de

modo a estabelecer propostas de soluções. Essas propostas exigem estudos posteriores

para avaliação de sua viabilidade e custo de forma mais aprofundada.

Os autores do projeto são funcionários do grupo de moda, que ocupam atualmente a

posição de analistas de negócios e financeiro. Foi definido que esse problema é o principal a

ser atacado após conversas dos autores com gerentes da área de Operações da empresa.

Entre diversos problemas apresentados, foi concluído que os atrasos nas entregas dos

produtos são o problema mais geral, que engloba diversos outros, e precisa de estudo mais

aprofundado.

O método utilizado para endereçar o problema proposto baseia-se no conceito de

melhoria de processos e rotinas caracterizado como MIASP (Método de Identificação,

Análise e Solução de Problemas), que propõe um caminho constituído de quatro etapas

principais: Identificação, Análise – as duas etapas que tratam do levantamento,

contextualização, enquadramento e priorização dos problemas –, Proposição e Implantação

Page 13: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

3

– as etapas que tratam das soluções. O escopo desse estudo contempla as três primeiras

etapas, excluindo, então, a parte de Implantação da solução proposta, devido à limitação de

tempo e recursos para desenvolvimento e aplicação do trabalho, se atendo, assim, a um

projeto de conclusão de curso de graduação.

Dessa forma, o método tem início com a identificação inicial do objeto de estudo, que

consiste no mapeamento da situação atual (seção 2). É apresentado o quadro geral

(contextualização da empresa no mercado, cadeia de valor da organização e áreas e

processos envolvidos), seguido do levantamento dos efeitos – isto é, os atrasos nas

entregas de produto acabado nas lojas de varejo em termos de prazo, qualidade e custo – e

das possíveis causas.

Em seguida, é feita uma revisão bibliográfica (seção 3) sobre o tema, que engloba,

além dos quadros conceituais relevantes para compreensão e contextualização do

problema, um estudo de casos de sucesso entre concorrentes que enfrentam dificuldades

similares ao grupo de moda quanto à gestão das operações e atingem níveis de serviço

superiores.

Após a revisão da bibliografia, é realizada a Identificação do Problema (seção 4),

que tem como fonte dados internos da empresa e visitas a um fornecedor do grupo, para

entendimento detalhado do processo de confecção. Depois, é feita a Análise do Problema

com o objetivo de mapear com profundidade a situação atual (comparando-a com os

quadros conceituais e casos práticos, segundo critérios determinados) e apontar as

diretrizes para a solução do problema (seção 5).

Por fim, o estudo culmina na Proposta de Solução (seção 6), em que um pacote de

soluções é elaborado. Essa proposta contempla as causas raízes priorizadas e determina

com clareza como o objetivo final deve ser atendido, eliminando ou minimizando o efeito

dessas causas, e por fim reduzindo o atraso nas entregas dos produtos em loja.

1.4 Unidade de Análise

A unidade de análise é área de Operações da organização, com foco nos processos

que envolvem a cadeia produtiva no tocante ao envio de ordens de pedido de manufatura do

Centro de Distribuição (que possui a matéria-prima) para os fornecedores terceirizados de

serviço de costura, assim como os processos internos desses fornecedores. Um fornecedor

específico foi selecionado para receber as visitas de campo durante a realização do projeto,

dada sua proximidade à empresa, acessibilidade às informações e disponibilidade para

atender os alunos que realizaram o presente trabalho.

Page 14: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

4

1.5 Limitações do estudo

É essencial ressaltar que o estudo tem como objetivo desenvolver uma proposta de

solução. A implantação da solução projetada não faz parte do escopo do presente trabalho,

e assim, não será abordada – como foi citado durante apresentação do método (seção 1.3).

O trabalho é finalizado com o projeto de solução para redução dos atrasos nas entregas

elaborado, não tendo qualquer ambição de implementar tal projeto. É necessário, portanto,

que estudos complementares tenham como foco a análise de implementação das soluções,

englobando o custo, a viabilidade e a complexidade operacional de implantação.

Além disso, deve-se considerar a confidencialidade quanto aos dados do fornecedor

e da organização estudada de forma mais aprofundada. Como já mencionado, um

fornecedor foi visitado para servir de base para a coleta de dados e análises feitas durante

esse estudo. O nome verdadeiro desse fornecedor, assim como os verdadeiros dados

coletados, não pode ser revelado. Sobre os dados do grupo de moda, existe certa restrição

quanto à sua utilização. Além disso, é necessário destacar a dificuldade de se obter dados

quantitativos, principalmente em relação à frequência e extensão dos atrasos nas entregas.

É possível estimar, em grandes números, o nível de serviço do grupo, mas ainda há

dificuldades para o back-office na coleta desses dados de forma confiável e na síntese dos

dados para suportar a tomada de decisão. Desse modo, o projeto foca mais no aspecto

qualitativo do problema, e menos no quantitativo, embora questões objetivas de prazos e

tempos sejam naturalmente abordadas ao longo do trabalho.

Finalmente, embora o problema estudado possa ser considerado comum a diversas

empresas do setor de vestuário (ou varejistas de outras indústrias), não se pode garantir

que a solução proposta é aplicável a situações similares. O objetivo é projetar uma solução

que resolva apenas o problema e a empresa especificados, não podendo ser confundido,

assim, com um método eficaz e geral de resolução desse tipo de problema.

Page 15: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

5

2. O OBJETO DE ESTUDO

2.1 O mercado

Para entender a dinâmica atual do mercado de varejo de moda brasileiro, é preciso

compreender sua formação. Até o Plano Real, o Brasil copiava os produtos criados na

Europa e Estados Unidos com seis meses de defasagem. A cadeia caracterizava-se por

lentidão, eficiência baixa e custo alto, e as marcas nacionais sobreviveram principalmente

devido ao protecionismo do governo, que mantinha o mercado consideravelmente fechado.

Com a abertura econômica, “houve uma rápida entrada de matérias-primas, produtos

e marcas, forçando a redução de custos, preços e melhoria em qualidade e grau de

atualidade nos produtos nacionais” (IPAR e ALMEIDA, 2011). O aumento da competitividade

levou ao fechamento de grandes redes do varejo na década de 1990.

A partir dos anos 2000, a moda brasileira desenvolveu uma dinâmica própria, atenta

às tendências e aos padrões globais, e atualmente o mercado encontra-se em processo de

consolidação. Desde 2005, aproximadamente, caracteriza-se por crescimento em ritmo

acelerado, aumento de competitividade e movimentação dinâmica dos principais players,

com o intuito de ganhar market share e solidificar sua posição (MORAES, 2014).

De acordo com o IEMI (Instituto de Inteligência de Mercado), o setor de vestuário foi

responsável, em 2013, por um valor de R$ 172,3 bilhões em vendas, correspondente a 6,9

bilhões de peças (dados mostrados graficamente na figura 1). O Grupo estudado obteve

faturamento de R$ 1,5 bilhões nesse mesmo ano, representando, assim, um market share

de aproximadamente 0,9% em valor de receita. O crescimento do grupo, no entanto,

atualmente supera consideravelmente o do setor em geral - inclusive durante a crise

econômica que o Brasil como um todo (e, evidentemente, também o setor de varejo)

atravessa atualmente.

A relevância deste resultado para o grupo de moda só aumenta se contextualizado

no forte crescimento da indústria da moda, associada à elevação da renda do povo

brasileiro nos últimos anos: segundo dados do IBGE, as pessoas dobram seus gastos

mensais com moda a cada degrau que sobem na escada social, já que possuem mais

dinheiro para gastar com roupas e acessórios após os gastos com necessidades básicas

como moradia e alimentação (LÜDERS, 2014). Nas classes D e E, quase todo o dinheiro é

gasto em necessidades básicas, como moradia e alimentação. Sobram apenas 40 reais por

mês para roupas e acessórios. Quem passa para a classe C gasta, em média, 97 reais. Na

classe B, 202 reais. E, na classe A, 455 reais por mês.

Em outras categorias de produtos, a diferença de gastos por faixa de renda é muito

menor. Portanto, à medida que um país enriquece e as pessoas pulam de faixa social, um

Page 16: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

6

dos setores mais beneficiados tende a ser o de moda. Outro ponto importante, citado no

mesmo estudo do IBGE, foi a entrada de mais de 11 milhões de mulheres no mercado de

trabalho, impulsionando o setor por dois motivos: primeiramente, incrementou o mercado

com clientes novos e com uma disposição a gastar maior que o público masculino; e em

segundo lugar, as obriga a andarem mais bem vestidas no dia a dia.

Apesar da expansão recente, o Brasil não tem fabricantes ou varejistas que dominem

o mercado de moda. As cinco principais varejistas possuem menos de 15% de participação

de mercado. Há muito espaço para crescer, seja comprando marcas, seja abrindo lojas

(expansão orgânica).

Quem está muito atento a isso são os fundos de investimento privado interessados

em aproveitar a expansão da indústria varejista de moda brasileira, segundo dados da

revista Exame (LÜDERS, 2014): em dezembro, a família Hess vendeu 72% da Dudalina

para os fundos de private equity americanos Advent e Warburg Pincus, numa transação que

avaliou a empresa em 800 milhões de reais; além deste, um dos fundos mais agressivos

tem sido a Tarpon, que teve um retorno de 500% de seu investimento de 76 milhões de

reais na Arezzo. Além da Arezzo, a Tarpon comprou participações em empresas como a

Hering, a varejista Marisa e a fabricante de roupas femininas Morena Rosa. O fundo

americano Carlyle comprou, em 2010, 51% da Scalina, fabricantes das meias Trifil. O Gávea

investiu em 2011 estimados 150 milhões de reais na Camisaria Colombo, maior varejista de

moda masculina, e, em 2012, comprou 30% da empresa de óculos e acessórios Chilli

Beans.

O varejo de vestuário brasileiro obteve, entre 2008 e 2013, CAGR (Compound

Annual Growth Rate) de 8,1%, taxa inferior ao crescimento do PIB (correspondente a 8,8%

no período, aproximadamente). A expectativa, diante do atual cenário de crise, é de uma

taxa de crescimento inferior para os próximos anos. Enquanto isso, o orçamento do grupo

de moda para 2015 é de faturamento próximo de R$ 1,8 bilhão (um crescimento de 20% em

relação a 2013). Esses números são mostrados graficamente, na figura 2.

Page 17: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

7

Figura 1. Tamanho e crescimento do mercado

Figura 2. Tamanho do grupo de moda

O quadro é favorável quando se considera o atual momento da economia brasileira,

em que as expectativas para todo o varejo são extremamente pessimistas, com a

confirmação da retração do PIB de 3,8% em 2015 e expectativa de número similar para

2016. Já o grupo de moda, embora também experimente os efeitos da crise, espera obter

crescimento consistente na receita e nas margens nos próximos anos, mantendo um

comportamento baseado em otimização de custos, expansão e metas orçamentárias

desafiadoras, devido principalmente a um processo de reformulação interna, com melhora

nos processos internos (com destaque para a gestão de estoque e estratégia de

operações).

Page 18: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

8

Assim, a crise macroeconômica brasileira, embora o varejo seja o setor da economia

mais suscetível à política econômica - uma vez que o volume de vendas do está diretamente

vinculado às mudanças na conjuntura econômica do país, especialmente aos indicadores de

renda dos consumidores e emprego (IPAR e ALMEIDA, 2011) - representa uma

oportunidade de consolidação e crescimento no mercado para o grupo, que está pouco

alavancado e possui caixa suficiente para se sustentar no momento de retração.

Deve-se considerar, também, que o mercado varejista de moda brasileiro é

altamente fragmentado. De acordo com pesquisa de mercado feita por Moraes (2014), do

Deutsche Bank, em 2013 as cinco maiores varejistas de vestuário responderam por 14,3%

do market share, embora a expectativa geral de mercado – que aparece em diversos

estudos, inclusive no relatório supracitado – seja de aumento da concentração nos próximos

anos. As previsões, em geral, indicam aceleração das atividades de fusões e aquisições no

setor.

Apesar disso, espera-se que a consolidação do mercado se dê, principalmente,

através da expansão orgânica, isto é, da abertura de novos pontos de venda. Ainda

segundo a pesquisa do Deutsche Bank, as melhores oportunidades de localização de novas

lojas estão em shoppings, e devem ser aproveitadas pelas grandes redes de varejo.

Além disso, é importante ressaltar as barreiras de entrada para competidores

internacionais. São poucos os grupos de vestuário estrangeiros que atuam no mercado

brasileiro, devido principalmente aos altos custos de operação. A Zara, por exemplo,

adaptou seu modelo de negócios para competir no Brasil, mudando seu posicionamento de

preço em relação ao que costuma adotar em outros países, uma vez que foi obrigada a

repassar os custos mais elevados para o consumidor. A tendência, a curto prazo, é de que o

mercado permaneça de difícil penetração para players externos.

Entre os pontos de atenção identificados como chave para o futuro do mercado,

destacam-se: a logística de transporte, que afeta diretamente a produção e a distribuição e

pode ser um fator decisivo para a competitividade das empresas no setor; o canal de e-

commerce, que, apesar de ainda não ser consideravelmente relevante na receita total do

setor, possui taxas de crescimento elevadas e é relativamente novo no mercado brasileiro –

apresentando, assim, boas possibilidades de inovação e diferenciação; e a eficiência

operacional, gradativamente mais relevante para a construção da vantagem competitiva das

empresas. Isso vale principalmente para a indústria da moda, onde muitas empresas

cresceram de forma desordenada, gerando ineficiências em sua cadeia de suprimentos e

deficiências em suas estruturas de back-office e processos internos. É o caso do Grupo de

moda, como será abordado nas seções posteriores.

Page 19: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

9

2.2 A empresa

Atualmente, o grupo de moda, que compreende marcas de diferentes

posicionamentos de preço e focam em diversos tipos de cliente, conta com centenas de

lojas de varejo, espalhadas por todo o Brasil - mas com maior concentração na região

Sudeste. Além disso, são mais de mil clientes de atacado, que também contribuem para

vender as marcas do grupo por todo o Brasil através das lojas multimarca.

Com cada marca sustentando crescimento gradativo ao longo dos seus primeiros

anos, e uma aceleração desse processo com consolidação das marcas no mercado de

moda varejista brasileira até 2011, o Grupo vem buscando obter economias de escala e

redução de custos em processos internos e na logística de distribuição; assim como reduzir

o risco operacional devido a um aumento na diversidade do portfólio de marcas, dado que

os ganhos de escala no processos de criação e desenvolvimento das coleções são

praticamente nulos. Isso ocorre devido às propostas das marcas e coleções serem sempre

diferentes, terem públicos-alvo diferentes, requisitarem materiais diferentes, cortes,

procedimentos de manuseio, etc.

Entretanto, antes de gerar a sinergia esperada, a conciliação da gestão

organizacional proporcionou problemas críticos, como questões de integração de operações

e mecanismos de gestão (bancos de dados, sistemas internos, folha de pagamentos),

aumento da complexidade de suprimentos de matéria-prima e terceirização de serviços de

costura (a alocação de fornecedores ficou mais caótica), entre outros. Em resposta a esses

gargalos que apareceram como obstáculos aos objetivos esperados com a fusão, o Grupo

investiu fortemente em pessoal, trazendo pessoas do mercado para tocar frentes de projetos

de melhorias organizacionais, controle de orçamento e business inteligence. Além disso,

está em fase de amadurecimento o Centro de Serviços Compartilhados do Grupo para gerir

as atividades de back-office, assim como estão sendo desenvolvidos projetos de:

estreitamento de relacionamento com fornecedores (um destes sendo utilizado ativamente

para visita prática e coleta de dados na realização deste projeto de graduação); criação de

sistemas de indicadores e incentivos por cumprimento de metas; e investimentos em bens

de capital e produção própria.

Através de uma visão da empresa por processo – em detrimento à visão da

organização de forma funcional –, é possível descrever a estrutura do Grupo de moda

através de macroprocessos-chave, apresentados na figura 3.

Page 20: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

10

Figura 3. Macroprocessos do Grupo

É possível diferenciar os processos de Criação, Desenvolvimento de Produtos e

Engenharia de Produtos dos demais. Embora as outras atividades envolvam fluxo intenso

de materiais e grande complexidade de coordenação, planejamento e execução, os

processos citados são responsáveis diretos pela identidade das marcas, pela percepção de

valor da cliente final. Pode-se considerar que os processos de Compra de Materiais,

Produção, Recebimento e Distribuição são order qualifiers, isto é, para que a empresa

sobreviva no mercado, é necessário (porém não suficiente) que esses processos sejam

executados de forma coordenada e eficiente. Já os processos de Criação, Desenvolvimento

de Produtos e Engenharia de Produtos são considerados os order winners da empresa, ou

seja, os macroprocessos que possuem papel mais decisivo na decisão de compra do

consumidor, e assim, garantem o diferencial da empresa em relação aos concorrentes. Essa

distinção será fundamental ao longo de todo o trabalho.

Na seção a seguir, é apresentado o desdobramento dos macroprocessos em

atividades com maior granularidade, para melhor compreensão de como funciona o fluxo de

produção do Grupo de moda.

2.2.1 O fluxo de produção

Uma varejista de moda vende seus produtos em coleções, classificadas de acordo

com as estações. São, em geral, duas coleções por ano – por exemplo, Inverno 2015 e

Verão 2016. As coleções são divididas, também, em Verão/Alto Verão e Inverno/Alto

Inverno. Já os produtos possuem um mês programado de chegada em loja, de acordo com

sua respectiva coleção. Assim, como exemplo, a coleção de Inverno 2015 teve início no fim

de janeiro e terminou em maio (em que começa a liquidação, para, aproximadamente um

mês depois, entrar a coleção de Verão); cada mês entre janeiro e maio possui uma série de

Page 21: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

11

produtos programados para estar em loja, seguindo uma lógica concebida pelos setores de

Estilo, Planejamento e Comercial.

É importante destacar que o fluxo descrito a seguir é uma simplificação, e não deve

ser visto como linear. A realidade é extremamente complexa, com as datas das atividades

variando de acordo com a data programada de entrada do produto em loja e com o tempo

necessário de produção do produto, que, por sua vez, depende da origem do produto

(nacional ou importado; fabricado integralmente pelo fornecedor ou o grupo de moda envia

para o fornecedor a matéria-prima e outros componentes). Além disso, existem produtos

migrados de uma coleção para outra e outros fatores de complicação. Assim, embora a

descrição a seguir possa passar uma impressão de que o fluxo é linear, ele não deve ser

entendido como tal. Ao final dessa seção, o fluxo é representado visualmente (figura 4) para

facilitar a compreensão de como as atividades se relacionam. Ressalta-se, também, que na

seção 4 (Identificação do Problema), é apresentado um mapeamento da cadeia de forma

mais aprofundada, com os tempos de cada operação.

A coleção tem início com a Criação, feita pela Coordenação de Estilo, dividida em

duas etapas: a definição do tema, e, em seguida, a definição da cartela de cores e

estampas. A Criação começa pouco mais de um ano antes do lançamento da coleção nas

lojas.

Em seguida, é realizado o Desenvolvimento do Produto, em que ocorrem a definição

do produto e matéria-prima (etapas de planejamento e pesquisa, compra de bases para

pilotagem e a compra de pilotagens importadas); e o desenvolvimento da peça piloto.

Destacam-se dois eventos no processo: o workshop, em que as estilistas apresentam para a

Coordenação de Estilo e para o Planejamento as bases de pilotagem produzidas e recebem

um feedback dessas áreas; e o Provão, etapa em que as peças-piloto estão prontas e são

apresentadas para que os setores de Estilo, Planejamento e Comercial decidam sobre o

preço de venda e a quantidade a ser comprada/produzida por peça para os canais de varejo

e atacado.

A entrega dos desenhos e fichas técnicas dos produtos trabalhados no workshop

marca o fim da etapa de definição de produto e matéria-prima, enquanto o provão marca o

fim do desenvolvimento da peça piloto (e assim, do macroprocesso de Desenvolvimento do

Produto).

Em paralelo, após a produção das bases para pilotagem, inicia-se a Produção de

Mostruário, que consiste na produção exibida para os representantes comerciais durante um

evento chamado de Convenção do Atacado. Os representantes são os intermediários entre

a empresa e as lojas multimarcas do canal de atacado. Uma vez por coleção, o grupo de

Page 22: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

12

moda se reúne com todos os representantes na Convenção para apresentar a nova coleção

e entregar os produtos de Mostruário. Os representantes, então, mostram esses produtos

para as multimarcas, que fazem o pedido de quantas peças querem comprar por produto.

Assim, a Produção de Mostruário é caracterizada por lotes muito pequenos por produto

(aproximadamente 15 peças).

Essa etapa tem início com a compra de matéria-prima e aviamentos (e,

posteriormente ao recebimento da matéria-prima e dos aviamentos no Centro de

Distribuição, envio ao fornecedor de confecção), ou com o envio do pedido ao fornecedor,

no caso de produtos acabados importados, e é finalizada com a Convenção do Atacado.

Em paralelo (embora comece um pouco depois, em geral, pois é seguida do Provão)

à Produção de Mostruário, ocorre o macroprocesso de Produção. Como mencionado

anteriormente, existe uma grande complexidade nesse processo, uma vez que existem as

datas – e o próprio processo produtivo – mudam de acordo com algumas classificações.

Em primeiro lugar, o produto pode ser do tipo “Facção” ou “Produto Acabado”. No

primeiro caso, o grupo de moda compra a matéria-prima e os aviamentos, faz o recebimento

desses materiais no Centro de Distribuição e depois os envia ao fornecedor de confecção. É

preciso enviar ao fornecedor, também, a peça piloto lacrada, a contra amostra (peça em que

o fornecedor mostra que é capaz de produzir o produto de acordo com as especificações

determinadas pelo Estilo) e o chamado mini risco, que consiste em um desenho da peça

feito em um plotter com as medidas e indicações exatas de corte do tecido. Esse desenho é

colocado sobre as camadas de tecido durante a etapa de corte. A matéria-prima pode ser

nacional ou importada, o que impacta as datas de compra e recebimento.

No segundo caso (“Produto Acabado”), o grupo de moda faz o pedido ao fornecedor,

que compra a matéria-prima e os aviamentos, faz o processo de confecção (que, muitas

vezes, é “quarteirizado” para costureiras autônomas ou facções menores) e envia o produto

acabado para o Centro de Distribuição. Esse produto acabado também pode ser nacional ou

importado, o que adiciona complexidade ao problema.

A outra dificuldade diz respeito ao tempo de produção de cada produto. Dependendo

do tipo de tecido utilizado, da quantidade de aviamentos e de outras características técnicas,

o produto pode ter tempo de produção estimado em 30, 45, 60, 75 ou até 90 dias (podendo

chegar a 120 no caso de produto acabado importado).

Finalmente, os produtos possuem diferentes datas programadas de entrada em loja.

Durante o Desenvolvimento dos Produtos, se define qual o mês que cada produto deve

chegar às lojas, com base na evolução do tema da coleção, na sinergia com outros produtos

e araras, entre outros direcionadores criativos.

Page 23: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

13

Assim, cada tipo diferente de produto exige um cronograma de atividades diferente

para que possa ser produzido e entregue no prazo. Além disso, a rede de fornecedores é

extensa, o que dificulta ainda mais a gestão da cadeia, aumentando a complexidade da

alocação de fornecedores de confecção para a produção.

Após a Produção, tem início o processo de Recebimento e Distribuição, último da

cadeia. O processo começa com a chegada dos produtos enviados pelos fornecedores no

Centro de Distribuição (CD); os produtos, então, passam por duas etapas paralelas: revisão

(controle de qualidade por amostragem) e checklist (em que duas peças são escolhidas e

testa-se a medição, o caimento e a modelagem). Finalmente, dão entrada no estoque para

que, quando for emitida uma OR (Ordem de Reserva), ocorra o faturamento e o envio para

as lojas.

É necessário destacar, por fim, o local onde ocorrem os processos descritos. O

grupo de moda possui dois Centros de Distribuição: um de matéria-prima, onde os tecidos e

aviamentos comprados de fornecedores são armazenados, e, posteriormente, enviados

para os fornecedores de confecção; e um de produto acabado, onde é recebida a produção

(tanto os produtos do tipo “Facção” quanto os do tipo “Produto Acabado”), armazenada e

enviada para lojas de varejo ou clientes multimarca (para o canal atacado). Por enquanto, a

maioria das operações nos Centros ainda é executada de forma separada para as diferentes

marcas do grupo.

Assim, os macroprocessos de Criação, Desenvolvimento de Produto e Engenharia

de Produto ocorrem no escritório do grupo - inclusive o desenvolvimento da peça piloto,

realizado no ateliê localizado em um dos andares, que funciona como uma célula produtiva,

com mesas de corte, modelistas e costureiras. A única exceção ocorre quando o produto é

inteiramente produzido por fornecedores terceirizados - nesse caso, o próprio fornecedor

pode produzir a peça piloto.

Para os produtos do tipo “Facção”, o grupo de moda compra tecido e aviamentos

(tanto para a Produção de Mostruário quanto para a Produção de varejo e atacado) e

armazena no CD de matéria-prima; em seguida, envia esses materiais para os fornecedores

de confecção, que fazem a produção e enviam para o CD de produto acabado, onde as

peças finalizadas são revisadas, armazenadas e, enfim, distribuídas. Já para os produtos do

tipo “Produto Acabado”, o próprio fornecedor faz a compra e gestão da matéria-prima; os

produtos, após a produção, são enviados diretamente para o CD de produto acabado.

O fluxo descrito é representado na figura 4, utilizando a Notação para Modelos de

Processos de Negócio (ou BPMN, seguindo o termo sinônimo em inglês) para

Page 24: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

14

representação, no nível considerado adequado a explanação genérica de todas as

atividades relacionadas à produção de peças.

Figura 4. Fluxograma do processo produtivo

2.2.2 A operação de varejo de moda

Posto o fluxo de produção do grupo de moda (desde a Criação até a Distribuição), é

importante destacar algumas peculiaridades da operação do varejo de moda, que

diferenciam esse setor dos demais.

Em primeiro lugar, o ciclo de vida do produto é curto (normalmente, um produto dura

uma coleção, isto é, no máximo 6 meses), especialmente se comparado ao lead time de

produção - o tempo necessário para a manufatura e envio do produto para a loja. Para o

grupo de moda, estima-se em pouco mais de 5 meses o tempo entre o Provão (em que a

quantidade de produção de cada produto é determinada) e a chegada do produto em loja -

embora esse tempo seja muito variável. A combinação desses fatores faz com que a

empresa possa fazer uma única compra do produto - não existe reposição. No mundo, são

raros os varejistas capazes de produzir e colocar à venda um produto caso, por exemplo,

perceba que vai esgotar antes do fim da coleção ou identifique uma tendência, capacidade

denominada no setor como “quick response“. A Zara é uma dessas empresas, e seu caso

específico será melhor explicado na seção 3.

Além disso, a cada coleção a grande maioria dos produtos é totalmente nova. Assim,

não existem dados históricos que possam servir de base para uma previsão de demanda.

Page 25: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

15

Então, métodos quantitativos, tais como média móvel, amortecimento exponencial,

decomposição clássica ou regressão, que utilizam dados históricos de venda e são

consideravelmente úteis para outras modalidades do varejo, não se aplicam para o vestuário

de luxo. Desse modo, o varejista tem uma única oportunidade para fazer a previsão para um

produto (pois não existe reposição devido ao longo lead time comparado ao ciclo de vida do

produto), e não possui o apoio de dados históricos para fazer essa aposta.

A solução encontrada pelo grupo de moda - e pela maioria dos varejistas do setor - é

basear a aposta no julgamento tácito de pessoas com conhecimento de moda e experiência

no mercado. Embora julgamento e experiência sejam fundamentais para a previsão de

demanda (especialmente no mercado da moda, em que antecipação de tendências é um

diferencial), a previsão puramente qualitativa apresenta grau elevado de risco,

principalmente se um método estruturado não for utilizado (como o método Delphi ou o

painel de especialistas, por exemplo) e se os resultados não forem medidos de modo a

auxiliar o especialista em previsões futuras (MONTGOMERY et. al, 2008).

A questão da previsão e da quantidade de compra se complica ainda mais quando

se considera que não basta estimar a demanda por produto; é necessário estimar a

demanda também por tamanho (P, M ou G, por exemplo) e por localização (um casaco de

couro, por exemplo, pode ter demanda maior em lojas do Sul em relação ao Nordeste,

devido à diferença de clima). Embora a localização esteja mais ligada à distribuição dos

produtos, faz parte do processo de estimativa de demanda. O conceito de risk pooling, que

sugere que a variabilidade é reduzida à medida que a demanda vai sendo agregada em

categorias (isto é, determinar a demanda total por vestidos de seda é mais fácil que

determinar a demanda por um vestido de seda específico, uma vez que a demanda alta por

um determinado vestido de seda se equilibra com a demanda baixa de outro), ajuda a

entender a complexidade: quanto maior o nível de granularidade, maior a dificuldade - e a

probabilidade de erros maiores - de se fazer uma previsão (SIMCHI-LEVI et. al, 2008).

Diante dessa dificuldade, o varejista precisa conciliar dois tipos de custo: o custo da

falta (stockout), em que a demanda é maior que o previsto, e assim, a empresa perde

vendas por não ter o produto em loja (o que, no caso do vestuário de luxo, é um custo alto

pois os produtos apresentam margens elevadas); e o custo da sobra, em que a demanda é

menor que o previsto, e assim, a empresa é obrigada a sacrificar a margem reduzindo o

preço (markdown) em liquidações e feirinhas para escoar a produção e minimizar o prejuízo.

O equilíbrio entre esses dois custos, assim como diversos outros parâmetros (tais como a

margem de contribuição média por produto, a sobra média por coleção, entre outros), deve

direcionar a determinação da quantidade ótima de compra para uma coleção.

Page 26: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

16

Outro trade-off com o qual se depara o setor de Operações do grupo de moda diz

respeito ao custo do estoque e ao nível de serviço, medido pelo percentual de produtos

entregue no prazo para as lojas. É preciso destacar que estoque de produto acabado

representa um custo imobilizado para o varejista. Assim, quanto antes decide iniciar a

produção de um produto, maior é o custo imobilizado no estoque, que poderia ser

empenhado em outros fatores. Dessa forma, a empresa precisa escolher o nível ótimo de

estoque, que minimize o custo imobilizado e mantenha um nível de serviço desejado.

Atualmente, a empresa não consegue conciliar esses dois pontos de forma eficiente,

atingindo um nível de serviço muito abaixo do desejado.

Page 27: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

17

3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Nesta seção do presente trabalho, o objetivo é desenvolver uma revisão bibliográfica

e pesquisa em sítios e repositórios digitais de artigos científicos e revistas especializadas

sobre conceitos chave utilizados em processos produtivos da indústria de moda varejista

abordados no estudo, e na elaboração da proposta de solução para redução dos atrasos

nas entregas de produtos finais do grupo de moda.

Visando a uma melhor compreensão e delineamento das teorias, optou-se por

primeiramente contextualizar quais são as principais teorias que vigoram e são postas em

prática nas cadeias produtivas e de fornecimento da indústria da moda e similares, como a

de produtos de luxo em geral; os principais conceitos produtivos utilizados por grandes

grupos de varejo - como fast fashion e quick response; além disto, quais correntes de

pensamento estratégico vigoram atualmente no mercado - trade-offs entre custo do produto,

custo da mão de obra, logística, métodos de transporte, diferenciação dos produtos,

variedade de produtos, previsão da demanda, etc. A constatação da relevância destes

conceitos produtivos e teorias de produção no contexto da indústria do varejo da moda se

deu principalmente devido à forte recorrência dos mesmos na grande maioria dos artigos e

revistas consultados.

Em seguida, os principais benchmarks mundiais serão apresentados, de forma a

tornar a posterior comparação aos mesmos durante ao trabalho mais fácil de ser

compreendida, ainda que as informações disponibilizadas de forma gratuita na Internet

através de artigos científicos e periódicos sejam limitadas.

Por fim, serão evidenciados quais os principais trade-offs que as empresas

enfrentam atualmente na tomada de decisão sobre seus programas de Planejamento e

Controle da Produção, gestão de estoques, gestão de custos e planejamento do calendário

das coleções.

3.1 Cadeias de suprimento

Grande parte do arcabouço teórico utilizado nas diversas indústrias de moda

contemporâneas é derivada de princípios de otimização das cadeias de suprimento, sejam

eles mais extensivos, genéricos, subjetivos e gerenciais, aplicados em processos de gestão

e planejamento, ou metódicos, técnicos, objetivos e aplicados em pontos focais da cadeia

produtiva.

Antes de se aprofundar na questão da otimização da cadeia de suprimentos, no

entanto, é necessário que se defina seu conceito. Uma cadeia de suprimentos “consiste em

todas as partes envolvidas, direta ou indiretamente, no pedido de um cliente” (CHOPRA e

Page 28: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

18

MEINDL, 2008). Inclui todas as atividades envolvidas na recepção e na realização de um

pedido de um cliente, passando por suprimentos, produção, transporte, armazenamento,

venda, entrega, entre outras. Uma cadeia de suprimentos caracteriza-se por um fluxo

constante de informações e materiais entre diferentes estágios (geralmente nas duas

direções - upstream e downstream), e tem como objetivo maximizar o valor geral gerado

(entende-se como valor gerado a diferença entre o preço final, pago pelo cliente, e os custos

incorridos à cadeia para atender ao pedido). Atingir esse objetivo, contudo, exige esforço

constante e o uso de diversas técnicas de gestão (CHOPRA e MEINDL, 2008).

Para lidar com mercados cada vez mais competitivos e incertos, as indústrias vem se

especializando em suas competências chave e terceirizando outros bens e serviços de que

necessita, resultando em cadeias produtivas mais variadas e complexas (HILL et al., 2012).

Uma das principais estratégias utilizadas pelos negócios é a estabilização das suas cadeias

de suprimento e a geração de métodos de “amortecimento” da mesma em relação a

instabilidades de mercado.

Apesar de haver alguns gaps entre teoria e prática na estabilização de cadeias de

suprimentos (HILL et al., 2012), alguns conceitos e práticas podem ser delineados como as

melhores práticas reconhecidas neste campo de estratégia produtiva, em ambientes de

mercado instável e/ou incerto:

● Estoques extras ou excesso de capacidade;

● Filas e backlog de pedidos;

● Mudanças de capacidade de curto prazo;

● Sistemas de procedimentos estruturados de previsão e planejamento da produção.

Basu e Wright (2008) também amparam o surgimento e utilização de técnicas para

gestão da cadeia de suprimentos em alguns vetores: aumento da conectividade global;

demanda por inovação em produtos; velocidade na entrega; variedade de opções desejadas

pelos clientes; e todo o risco agregado ao planejamento desta demanda instável e

imprevisível. Os mesmos autores desta linha de pensamento também sugerem que há três

modelos de cadeias de suprimentos existentes:

● Tradicional - direcionada por previsões, ênfase na experiência do consumidor em

detrimento ao custo. Possui estoque de segurança como um buffer para flutuações

na demanda e nos lead times;

● Enxuta (“Lean”) - integração upstream com fornecedores e dowstream com os

clientes, foco em eficiência e estoques mínimos;

● Ágil - flexível e veloz no atendimento à produção de produtos inovadores, mesmo em

ambientes de demanda imprevisível.

Page 29: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

19

Em geral, a redução da variação de tempos de entrega e da incerteza nos tempos de

produção ajuda as organizações a maximizar seus lucros e fluxos de caixa (DEMING, 1982,

DYER, 2000 apud HILL et al., 2012). Portanto, o entendimento de como inserir essas

estratégias e metodologias de produção nas rotinas das organizações é de grande

relevância para os gestores. Na literatura atual, muitos mecanismos de estabilização da

cadeia são sugeridos, mas poucos estudiosos apontam como utilizá-los em conjunto. O

pensamento atual gira sempre em torno do contexto de teoria de estoques e cadeias de

suprimentos dinâmicas, equilibrando no trade-off entre produtos funcionais com

cadeias eficientes e produtos inovadores com cadeias responsivas. Os métodos de

operação das outras organizações na cadeia devem ser levados em conta, pois se as

mesmas adotarem estratégias semelhantes de otimização da cadeia, o impacto como um

todo para a organização, seus fornecedores e clientes será muito maior. Além disto, há

indícios da existência de mercados e ambientes de negócios específicos para determinados

modos de operar mecanismos de gestão do excesso de capacidade-estoques e redução da

incerteza na demanda, não sendo um método ou outro melhor ou pior, apenas mais

aplicável em determinadas condições.

No mercado da moda do varejo, um forte posicionamento de marca - através do

marketing - é muito importante para alcançar o sucesso, mas não o fará sustentável no

longo prazo por si só. Caniato et. al (2011) determinam que o conceito de “valor” agregado

ao cliente é cada vez mais relacionado aos serviços que a cadeia de valor é capaz de

oferecer ao consumidor. Englobando o design, a gestão da marca para o cliente e os meios

de produção, a cadeia de suprimentos como um todo é um importante determinante para o

sucesso no mercado de moda e luxo mundial (BRUN e CASTELLI, 2008).

Nas próximas seções da revisão bibliográfica, uma contextualização generalista da

indústria da moda é apresentada, assim como a revisão de técnicas contemporâneas de

otimização da produção, descrição de configurações de cadeias produtivas e de

suprimentos em diferentes regiões/indústrias de moda de varejo no mundo, e análise de

técnicas de gestão destas cadeias nos contextos que se inserem, prioridades de mercado,

focos estratégicos, entre outros recortes a serem feitos.

3.2 O que é a moda e sua indústria

3.2.1 Histórico e características

O varejo de moda apresenta algumas peculiaridades em relação a outros modelos

de operação de varejo - ou de manufatura. Generalizando a descrição feita na seção 2.2,

focada na operação do grupo de moda, é possível diferenciar alguns fatores próprios da

indústria da moda. Em relação à demanda, produtos de moda são efêmeros, projetados

Page 30: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

20

para capturar o humor momentâneo ou temporário dos clientes, se beneficiando de

determinada tendência comportamental vigente. Consequentemente, o período em que o

produto é programado para vender de forma mais eficiente é curto e sazonal, mensurado

em meses ou até semanas (CIARNIENE e VIENAZINDIENE, 2014a). Assim, o varejo de

moda caracteriza-se por uma alta variedade de produtos com ciclo de vida extremamente

curto.

Desta forma, é complicado estabelecer métodos que prevejam com assertividade a

demanda por determinado tipo de produto no curto a médio prazo. Para complicar ainda

mais essa equação, o processo de criação, experimentação, produção de peças pilotos,

envio para fabricação, costura e expedição para pontos de venda consome tempo e exige

necessidade de integração de diferentes processos, áreas e funções da organização da

indústria da moda de varejo (CIARNIENE e VIENAZINDIENE, 2014a).

Em relação à dinamicidade da indústria, é valido denotar que mercados da moda são

sinônimos de mudanças rápidas e, como resultado, sucessos ou insucessos comerciais

nesses dependem consideravelmente da flexibilidade e capacidade de resposta da

organização. O tempo é um fator muito importante na competição, principalmente no que se

refere à habilidade de compreender a demanda do cliente e paralelamente desenvolver

tempos totais menores, levando em conta a criação, desenvolvimento, produção e

distribuição às lojas dos produtos - uma clara necessidade de sincronização da cadeia

produtiva para balancear picos e vales da demanda (CHRISTOPHER et al., 2004).

Além disso, a tendência por globalização, outsourcing e integração vertical da cadeia

aumenta a complexidade da cadeia, dificultando, assim, o processo de decisão de onde

produzir (e com quem produzir). Tal tendência surgiu de forma mais forte a partir do fim da

década de 1980, quando empresas de diversos segmentos passaram a levar a sua

produção para fornecedores em países parcialmente desenvolvidos, onde o custo de

produção é menor. Isso ocorreu inclusive para produtos sofisticados, de alta costura, pois

países como China, Marrocos, Índia e Turquia passaram a adquirir as competências

necessárias para produzir peças de maior qualidade com a flexibilidade exigida pelas

varejistas. Essa tendência foi se proliferando até atualmente, em que existem diversos

fornecedores especializados na manufatura desse tipo de produto em países em

desenvolvimento.

Esse movimento foi alimentado pela própria mudança no mercado consumidor;

esses países em desenvolvimento apresentam não apenas menor custo de produção, mas

também um emergente mercado consumidor de produtos de moda, que deseja cada vez

mais produtos que representam as últimas tendências da moda a preço acessível. O

Page 31: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

21

surgimento do modelo de operação de fast fashion foi impulsionado por essa mudança no

comportamento das empresas e do mercado consumidor.

Antes disso, a indústria global da moda caracterizava-se por ter cadeias longas,

complexas e inflexíveis. Existiam dois conceitos produtivos principais: a alta costura (haute

couture - produção artesanal de modelos exclusivos) e o seu contraponto, o ready-to-wear,

segundo o qual os modelos são produzidos em larga escala, de forma industrial, em

tamanhos padronizados. Embora essencialmente opostos, os modelos apresentam algumas

características comuns: investimento e foco nas etapas de Criação e Desenvolvimento de

produtos; uma cadeia produtiva lenta e ineficiente; e a previsão de demanda como parte

fundamental do processo, apesar de sua alta volatilidade e imprevisibilidade. A estrutura

resultava geralmente em longos ciclos de compra, inapropriados ao comportamento

moderno da demanda dos consumidores - crescentemente desejando produtos melhores e

mais diferenciados em intervalos de tempo menores.

Já empresas de fast fashion, como será melhor explicado, vieram suprir essa

demanda; inspiram-se nos modelos mais atrativos e apontados como tendência nos canais

de moda (desfiles, revistas etc.) e em sugestões dadas por especialistas do mercado. A

ideia é identificar essas tendências e traduzi-las rapidamente em produtos que possam ser

levados ao mercado no menor tempo possível, minimizando, assim, o efeito da

sazonalidade que os outros modelos produtivos enfrentam, visto que sua produção é

baseada em coleções de produtos.

3.2.2 A cadeia

Com todas essas mudanças, a indústria contemporânea da moda é global e

dinâmica, englobando design, fabricação, distribuição, marketing, venda, propaganda e

promoção de todos os tipos de vestuário. Ela pode ser definida como um conjunto de

sistemas dos quais fazem parte quatro elementos principais: produção têxtil; design e

manufatura; comercialização e propaganda; e serviços auxiliares (DREW e SINCLAIR,

2014).

Uma outra visão dos setores da indústria do varejo de moda, suas fases e principais

drivers de eficiência da capacidade produtiva pode ser vista no modelo abaixo (CIARNIENE

e VIENAZINDIENE, 2014b, pp. 66):

Page 32: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

22

Figura 5. Uma cadeia produtiva genérica da indústria da moda (CIARNIENE e VIENAZINDIENE,

2014b, pp. 66)

O principal questionamento atual dos gestores das organizações modernas é como

gerenciar esses diferentes lead times expostos no modelo, e ao mesmo tempo manter o

potencial criativo e de desenvolvimento de novos produtos, manufatura e distribuição. O

tempo para levar o produto ao mercado é invariavelmente mais longo que o tempo que o

cliente está disposto a aguardar. A solução reside em aumentar a responsividade da cadeia

de produção através das seguintes técnicas, conceitos e estratégias: manufatura enxuta;

just-in-time; quick response; e cadeias de suprimentos ágeis.

A adoção dessas estratégias e técnicas ajuda a reduzir os tempos gastos nos

processos que envolvem os ciclos de compra e os lead times para colocar produtos novos

nas lojas, satisfazendo a demanda dos clientes quando ela está em seu auge.

Segundo Christopher et al. (2004), os lead times críticos a serem gerenciados pelas

organizações na indústria da moda são:

● Time to market/tempo para o mercado: tempo necessário para identificar uma

determinada tendência nos clientes, prototipar as peças piloto, validar, comprar a

matéria-prima, manufaturar e distribuir para as lojas;

● Time to serve/tempo para servir: tempo necessário para processar as ordens de

compra realizadas e entregar o produto às redes de distribuição de produtos que

atendem as lojas de varejo;

● Time to react/tempo para reagir: tempo necessário para ajustar o output produtivo

com a demanda do cliente final, repondo peças que acabaram nas lojas ou

reduzindo a produção das peças que estão sobrando.

A implementação dessas técnicas e estratégias ajuda a desenvolver gradualmente

processos que envolvem os ciclos de compra e os lead times para entrega dos produtos nas

lojas. Dessa forma, possuem relevância para a proposta de solução a ser desenvolvida

neste projeto; contudo, deve também ser levado em consideração que não serão todos

abordados em sua plenitude neste trabalho, tanto devido à limitação de tempo, como ao fato

Page 33: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

23

de que o foco do trabalho é analisar por que pedidos planejados atrasam na entrega final às

lojas. Assim, o foco do projeto está mais concentrado no time to serve, abordando as causas

dos atrasos nas entregas dos produtos em loja (contemplando, então, a parte operacional),

e não tanto no time to market, que possui ligação maior com a Criação e Desenvolvimento

de Produtos, ou seja, com a parte criativa do negócio.

Por fim, não é a intenção estratégica do grupo de moda se tornar uma empresa

puramente de fast fashion, focando no output de produtos para o mercado, com custo baixo

e produtos variados, principalmente devido ao seu posicionamento como empresa de moda

de alta costura; ainda assim, diversos conceitos de cadeias de produção e suprimentos

ágeis se demonstram relevantes e serão abordados.

3.3 Conceitos produtivos

É necessário comentar, antes de explicar detalhadamente cada conceito, sobre a

motivação para sua escolha. Os conceitos de fast fashion, quick response e agilidade são

mencionados na absoluta maioria dos artigos científicos voltados para a cadeia de

suprimentos da indústria da moda. Além disso, os três aparecem em todos os estudos de

caso classificados como benchmarks para a indústria – que são apresentados na seção 3.4.

Embora haja uma interseção entre esses três conceitos, eles são essencialmente diferentes

e podem ser úteis para esse estudo quando considerados separadamente.

Já o conceito de trade-off da variedade dos produtos é mais específico, mas

relaciona-se diretamente com o problema dos atrasos, além de também ser citado por

diversos artigos que envolvem a complexidade da cadeia da indústria da moda e ser tema

de alguns projetos da área de Business Intelligence do grupo de moda. Dessa forma, um

olhar mais aprofundado sobre esse conceito pode ter utilidade para o atual momento

estratégico do grupo.

3.3.1 Fast Fashion

Um dos conceitos que estão sendo muito utilizados ultimamente para estimular a

responsividade/velocidade de resposta e integração da cadeia produtiva é o de fast fashion.

Pode ser definido como uma “estratégia de negócio que objetiva reduzir os processos

envolvidos no ciclo de compra e tempos de espera para conseguir alocar novos produtos de

moda nas lojas, atendendo ao pico da demanda dos consumidores” (BARNES e LEA-

GREENWOOD, 2006).

O conceito foi desenvolvido na Europa e surge, como descrito na seção 3.2.1, em

um momento em que o mercado consumidor de moda se torna mais atento às tendências, e

passa a exigir produtos similares aos de “alta-costura” a preços acessíveis e disponíveis em

loja de forma cada vez mais veloz. Seu foco é em mulheres jovens, com essas aspirações.

Page 34: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

24

O apelo do fast fashion não está na qualidade; o que atrai os consumidores é a

possibilidade de comprar roupas baratas que estão na moda, mesmo que não durem muito

(na loja ou em termos de utilização). Os produtos passam a ser considerados descartáveis,

o que não é um problema, pois os direcionadores são o preço e a velocidade. Assim, as

dimensões em que essas empresas focam são o custo, a flexibilidade e a agilidade para

responder rápido a mudanças de tendência, e elas ajustam suas cadeias para desenvolver

essas capacidades.

A adoção da fast fashion na cadeia produtiva implica a utilização da demanda e do

comportamento do consumidor como principal driver. Isso significa que as marcas varejistas

de maior sucesso recente são aquelas que tiveram maior capacidade de responder às

rápidas mudanças nas tendências de mercado da moda, na demanda dos consumidores e

traduzir isso em menores lead times. Logicamente, com a pressão por redução de tempos,

os fornecedores também são cobrados por maior flexibilidade e velocidade de resposta às

alterações da demanda - a área de interesse do presente trabalho, investigando os

limitadores à capacidade de redução de atrasos, logo lead times, na entrega final do produto

para as lojas do Grupo de moda.

O modelo de fast fashion exige uma ligação forte com os clientes, através de canais

de comunicação altamente responsivos que permitam identificar as tendências assim que

elas surgem; além de um número de lojas que cresça em ritmo acelerado de forma global,

preferencialmente operadas pela própria empresa em países mais seguros e em forma de

franquias em países de maior risco. É necessário, também, mínimos ciclos de

desenvolvimento do produto, prototipagem rápida, e lotes pequenos e variados, de modo

que os produtos sejam vendidos em quantidades limitadas para dar ao consumidor uma

sensação de exclusividade.

O mais importante, no entanto (e diferencial para as empresas que operam nesse

modelo), é a velocidade da cadeia - o lead time necessário para que as tendências

identificadas sejam colocadas em loja na forma de produtos com alta frequência. Essas

empresas, então, concentram investimentos na estrutura de informação e relacionamento

com o cliente para captar as tendências do mercado; e na velocidade das operações para

que a cadeia seja mais rápida e flexível.

Exemplos de empresas de fast fashion bem sucedidas, além da espanhola Zara

(cujo estudo de caso é descrito de forma mais aprofundada na seção 3.4), são a sueca

H&M, as norte-americanas Gap e Forever 21, a italiana Benetton e a inglesa Topshop.

Algumas, como a Zara, possuem instalações próprias, enquanto as outras terceirizam a

produção para outras empresas, crescentemente localizadas em países de menor

Page 35: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

25

desenvolvimento (principalmente asiáticos). A Zara sempre foi considerada exceção nessa

tendência de terceirização global, por possuir instalações próprias e localizadas na Europa

(principalmente na Espanha), próximas, então, a seus principais mercados. Essa decisão

indicava a maior importância dada pela empresa à velocidade de reação e resposta ao

mercado e à flexibilidade da cadeia, em relação ao custo mais barato de produção buscado

em países parcialmente desenvolvidos. Contudo, isso vem mudando recentemente.

3.3.2 Quick Response

A previsão de demanda para o varejo de moda é consideravelmente difícil e

caracterizada por baixa precisão. Em um mercado em constante mutação, globalizado, com

ciclos de vida curtos, alta volatilidade e baixa previsibilidade, com o comportamento de

compra dos clientes sendo baseado majoritariamente em impulsos (CIARNIENE e

VIENAZINDIENE, 2014a), há uma necessidade crítica de disponibilidade do produto; isto é,

como a decisão de compra é impulsiva, o produto desejado pelo cliente deve estar

fisicamente em loja no momento em que o cliente o deseja. Senão, a venda provavelmente

é perdida, pois o cliente opta por comprar um substituto na loja (melhor dos casos) ou sair

da loja. Como os produtos possuem altas margens, a perda por stockout (custo da falta) é

grande - maior, em geral, que o custo de sobra (o produto permanecer em loja após o

período de coleção e sofrer uma redução no preço para que seja escoado).

Um princípio que geralmente é utilizado dentro do fast fashion é o de quick response,

um conjunto de métodos e práticas para alinhar as atividades organizacionais à demanda e

ao comportamento do consumidor. Produtos e serviços devem ser produzidos e entregues

na variedade e volume compatíveis com a demanda, assim como maior prioridade deve ser

dada ao entendimento estratégico de quais são os principais drivers da demanda e o

relacionamento/ conexão com a cadeia produtiva e de suprimentos.

Uma visão importante trazida pelo conceito de quick response (QR) é o real valor da

externalização: reconhecer que a performance geral da organização é altamente

dependente de uma série de alianças e relacionamentos com outras empresas no ambiente

de negócios, integrando uma visão sistêmica do ecossistema em que se está inserido.

McMichael et al. (2000) definem quick response como uma estratégia de negócios,

direcionada pelo consumidor, de planejamento cooperativo pelos agentes da cadeia, de

modo a garantir que os produtos certos estejam no lugar certo na hora certa, usando

sistemas de TI e manufatura flexível para eliminar ineficiências ao longo da cadeia. O

objetivo principal do QR é reduzir os lead times da cadeia, deixando-a mais rápida e

responsiva. Na cadeia da indústria de moda, a maior aplicação da QR está nas seguintes

Page 36: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

26

etapas: a redução do tempo de fornecimento de tecido; redução no tempo de confecção; e o

relacionamento com distribuidores.

Atualmente, o QR é reconhecido como uma estratégia de operações (LOWSON,

2002), e atrai interesse pela capacidade de interagir com a complexidade da logística da

indústria de varejo, assim como um método de resistir à tentação de alocar boa parte da

confecção em países com baixos custos de mão de obra. Pesquisas (LOWSON, 2002,

CHRISTOPHER et al., 2004) demonstram, entretanto, que a simples implementação de

tecnologia ou procedimentos particulares sem uma coerência estratégica por trás leva a

performances subotimizadas.

3.3.3 Cadeias de suprimento ágeis

Outro aspecto importante - essencialmente ligado aos conceitos de fast fashion e

quick response - é o gerenciamento da agilidade e responsividade da cadeia produtiva.

A agilidade pode ser definida como a capacidade de uma cadeia de se tornar

flexível. A abordagem ágil produz melhores resultados em contextos caracterizados por

produtos de curto ciclo de vida, volumes baixos e margens unitárias altas; e cadeias com

alta variedade de produtos com demanda pouco previsível. A agilidade das cadeias está

inserida no mercado global, em que há uma tendência por terceirização do fornecimento e

da manufatura para países de menor custo através de uma rede complexa (PEARSON et

al., 2010) - como ocorre com o fast fashion.

Dadas essas características, é possível afirmar que o varejo de moda é um exemplo

clássico de indústria que exige uma cadeia ágil, devido à volatilidade e à incerteza da

demanda; aos ciclos de vida dos produtos, cada vez mais curtos (principalmente com o

surgimento e consolidação do modelo de fast fashion); e à alta variedade (e assim, baixos

volumes) dos produtos. Desse modo, a indústria prospecta fornecedores globalmente. Uma

cadeia responsiva, com lead times de design, produção e entrega cada vez menores, é um

diferencial competitivo entre as empresas.

Já a cadeia do Grupo de moda estudado, por sua vez, pode ser considerada um

modelo híbrido entre a tradicional - lembrando a classificação proposta por Basu e Wright

(2008) -, devido à previsão da demanda como direcionador e à manutenção de estoques, e

a ágil, devido às características da demanda e dos curtos ciclos de vida do produto. Assim,

a cadeia produtiva pode se beneficiar dos conceitos de agilidade. Vale ressaltar, no entanto,

que, embora existam casos em que abordagem puramente lean ou puramente ágil sejam

apropriadas, atualmente muitas empresas preferem modelos híbridos, em que para algumas

linhas de produto (ou algumas etapas da cadeia) a abordagem lean é escolhida, e para

outras linhas (ou outras etapas) a agilidade é mais apropriada.

Page 37: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

27

Esse é o caso, por exemplo, da Zara, em que as etapas mais intensivas em capital

utilizam técnicas lean para aumentar a eficiência e aproveitar os benefícios da economia de

escala, enquanto demais etapas utilizam os conceitos de flexibilidade e responsividade,

típicos de uma cadeia ágil.

Outra definição relevante de agilidade é dada por Christopher (2000), que a coloca

como a capacidade de responder rapidamente, em escala global, a mercados mudando

constantemente. Essa resposta deve abranger mudanças na demanda, tanto em relação ao

volume quanto à variedade de produtos. A agilidade, segundo ele, também é obtida através

da flexibilidade. Uma cadeia verdadeiramente ágil possui quatro características principais:

sensível ao mercado, capaz de identificar e responder a demanda; virtual, isto é, baseada

no fluxo de informação, e não de estoque; integrada em relação aos processos, permitindo

trabalho colaborativo entre fornecedores e compradores; e uma rede comprometida com um

relacionamento responsivo e próximo do consumidor final.

Fisher (1997) apresenta uma visão similar de agilidade na gestão da cadeia,

destacando a diferença entre produtos funcionais e inovadores (esses caracterizados por

ciclos curtos, margens mais altas e demanda imprevisível) e afirmando que produtos

inovadores devem ser canalizados por cadeias responsivas.

Um dos fatores que contribuem para a flexibilidade é o conceito de postponement,

tática que consiste em adiar as etapas finais de produção de um produto até que os

requerimentos do mercado sejam conhecidos. Assim, as etapas comuns a todos os

produtos são realizadas com antecedência, de forma “empurrada”; já aquelas que realmente

diferenciam os produtos são adiadas o máximo possível, de modo a tornar a cadeia mais

responsiva; são realizadas apenas quando a demanda já é melhor conhecida. A empresa

pode, com isso, mudar as especificações do produto logo antes de lançá-lo no mercado.

Desse modo, produtos semiacabados e componentes padronizados e genéricos

permitem uma manutenção mínima de estoque de produto acabado, enquanto o adiamento

da montagem viabiliza a “customização em massa” e lead times reduzidos. São mantidos

alguns buffers de capacidade de modo a satisfazer flutuações na demanda. Os

componentes podem ser montados em grupos ou módulos por fornecedores mais baratos,

em países de menor custo; enquanto a montagem final, que realmente diferencia o produto,

deve ser feita em instalações próximas aos mercados consumidores. O ponto em que a

produção deixa de ser empurrada e passa a ser puxada - quando passa a ocorrer a

diferenciação do produto final - é chamado de de-coupling point.

A aplicação dessa tática contribuiu para o sucesso da estratégia de empresas de

outros setores além da indústria de varejo e moda, como a Dell e a HP, adeptas do modelo

Page 38: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

28

de “customização em massa”; essas empresas permitiam aos consumidores customizar

totalmente seus produtos (com base em algumas peças padronizadas), e conseguiam

entregar rapidamente o produto final. O diferencial estava no postponement: todas as peças

eram produzidas de forma empurrada; quando o consumidor fazia um pedido, a etapa de

montagem (que diferenciava os produtos finais) era então realizada no centro de

distribuição, e a entrega era feita de forma quase imediata (PEARSON et al., 2010).

Essa técnica, porém, possui difícil aplicabilidade na indústria de varejo de moda

brasileira. O gargalo é a confecção em grandes lotes, responsável pela maior parte do lead

time da cadeia. Mesmo que o tecido e os aviamentos já estejam prontos e separados para

entrega no momento em que a ordem de produção é emitida, a contribuição para redução

dos atrasos será pouco significativa. É inviável puxar a etapa de Produção com base na

demanda do cliente final, afinal ela é conhecida apenas no momento da compra, quando a

coleção já deve estar nas lojas.

3.3.4 O trade-off da variedade dos produtos

Após balizar de forma generalista os principais pontos da cadeia produtiva da

indústria de moda, assim como os conceitos emergentes de fast fashion e quick response (e

o conceito mais difundido de agilidade), é possível aprofundar a análise da revisão

bibliográfica em questões mais específicas da estratégia produtiva. Considerando que a

demanda de produtos de moda carrega grande incerteza, sazonalidade e dificuldade de

assertividade na previsão exata de quantas peças serão vendidas, as organizações

precisam desenvolver métodos cada vez mais eficientes para atrair os seus clientes, lidando

com diferentes coleções por período, e configurando produtos de qualidade, com cada vez

mais atributos que os diferenciem entre si.

Uma norma que rege a indústria de vestuário é que a maior variedade de produtos

atrai mais clientes, dado que possuem uma maior gama de opções para escolher e

combinar com outros produtos, além de simplesmente ter mais opções, o que aumenta a

probabilidade de existir nas lojas itens que o agradem (MEHRJOO e ZBIGNIEW, 2014). A

variedade de produtos afeta o comportamento do consumidor e seu modo de raciocinar no

processo de compra. Os “consumidores médios” são mais satisfeitos com uma maior gama

de opções de produtos, e também sofrem de um efeito denominado “busca pela variedade”,

segundo o qual a diversidade de opções estimula a curiosidade intelectual dos clientes,

aumentando a quantidade comprada e a frequência com que se visita as lojas ou pontos de

vendas das peças de roupa da marca.

Isso implica diretamente a necessidade de reduzir os ciclos de produção de novos

produtos, impactando processos internos de logística e distribuição, maiores custos, e um

Page 39: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

29

trade-off para os gestores entre custo e receita ao aumentar o nível de variedade produtiva

(quanto maior a variedade de produtos, maior a necessidade de se ter uma cadeia ágil e

flexível). Finalmente, uma maior variedade de produtos em loja, em geral, está associada a

uma menor quantidade ofertada por produto (pois a produção total, resultado do produto

entre número de produtos x quantidade de peças por produto, possui restrição de verba), o

que aumenta a sensação de exclusividade (o produto esgota rápido) passada para o cliente.

Isso é bastante explorado pelas empresas de fast fashion.

As empresas de varejo de moda se dividem em três segmentos de mercado

baseados na sua estratégia competitiva: diferenciação por custo, velocidade de entrega e

diferenciação por marca/branding. A chave para o sucesso do segundo segmento de

mercado é suprir os clientes com roupas diferenciadas por um preço não tão alto no menor

tempo possível, justamente o que foi citado no parágrafo anterior, o que leva a conclusão de

que determinadas técnicas de redução de lead times e ciclos produtivos são mais aplicáveis

e eficientes em determinados segmentos da indústria da moda, de acordo com as suas

escolhas estratégicas. De forma resumida, as organizações que adotam essas técnicas de

forma mais agressiva são as que desempenham melhor em um mercado de alta

volatilidade, baixa previsibilidade e alta variedade de produtos (CARUGATI et al., 2008).

Isso corrobora, de certo modo, o que foi exposto na seção anterior - para determinados

nichos de mercado (ou tipos de produto), ter uma cadeia ágil pode ser um diferencial.

Portanto, segundo Mehrjoo e Zbigniew (2014), a escolha do nível de variedade dos

produtos é uma escolha estratégica muito importante, com forte impacto na cadeia produtiva

e de suprimentos, na logística de distribuição e na capacidade de atender a flutuações nas

demandas de forma ágil e assertiva.

Passando da ótica da produção em si e observando o impacto nas vendas ao cliente

final, estudos indicam que o aumento da variedade de produtos ofertada por uma empresa,

em geral, leva a ampliar seu mercado consumidor - pois consegue atingir consumidores de

gostos e demandas mais variadas -, gerando maior receita. No entanto, está também

associada a maior complexidade operacional, e assim, a ineficiências, conforme evidenciado

anteriormente nesta seção. O nível ótimo de variedade ofertada deve corresponder, então,

àquele que maximize o lucro esperado (BRUN e PERO, 2012).

Embora a ideia de que o aumento da variedade contribua para o aumento da

ineficiência operacional seja bem aceita pela comunidade acadêmica, não há consenso

quanto à extensão dessa ineficiência. Autores afirmam que o crescimento da variedade leva

a maiores custos unitários devido ao aumento do custo de overhead. Outros estudos

apontam que os custos administrativos e de produção são os mais afetados, e são

Page 40: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

30

diretamente proporcionais à variedade ofertada. Além disso, a previsão de demanda torna-

se mais difícil e menos precisa, gerando maior sobra para alguns produtos e maior stockout

para outros, aumentando custos de estoque, entre outros (BRUN e PERO, 2012).

Por outro lado, outros autores sugerem que a maior variedade promove melhor

ajuste entre as preferências dos consumidores e o mix de produtos ofertado, levando a

marca a ganhar mais market share ou a aumentar os preços e, em caso de haver economia

de escopo quanto à produção dos novos produtos, promovendo redução dos custos de

produção.

Segundo Brun e Pero (2012), a raiz das visões distintas é o fato de que a magnitude

do efeito da variedade em receitas e custos depende não apenas da variedade da oferta de

produtos acabados, mas também de como essa variedade é obtida; quais etapas do

processo produtivo a variedade afeta. No caso do grupo de moda, a variedade atinge

principalmente a alocação de fornecedores (quanto mais produtos de diversas linhas, maior

a complexidade para se alocar os fornecedores segundo os prazos estabelecidos) e o lead

time da etapa de Produção, visto que, embora a quantidade final seja a mesma, um

fornecedor produz mais rápido um lote de 1000 produtos iguais do que 5 lotes de 200

produtos (considerando 5 produtos diferentes), por exemplo, seguindo teorias básicas de

escalabilidade produtiva e curvas de aprendizado. Este último porque, como os processos

envolvidos na confecção (costura, inserção de aviamentos, etc.) são essencialmente

manuais, existe uma curva de aprendizagem associada a cada produto, que torna

significativo o tempo de setup entre a produção de dois tipos diferentes de produto. Assim,

quanto maior a variedade do mix para o grupo de moda, maior o custo e o lead time da

produção.

Em um estudo realizado por Mehrjoo e Zbigniew (2014), dois clusters de empresas

da indústria da moda foram analisados em relação ao impacto do aumento da variedade dos

produtos nas receitas e no custo médio de produção: uma com tempos de setup alto, e outra

com tempos de setup baixos, em relação a um padrão de tempos de setup médio pré-

determinado. A conclusão obtida na análise foi que a variedade de produtos afeta de forma

mais significativa as cadeias produtivas que possuem tempos de setup maiores, ou seja, o

impacto no lucro é maior (receitas menos custos), com este decrescendo de forma mais

rápida neste cluster de empresas de moda na medida em que a variedade dos produtos é

aumentada.

No contexto do varejo de moda, a variedade está relacionada tanto à diversidade de

produtos (estilo, cor, tamanho) oferecidos pela marca, quanto à frequência com que a

empresa substitui produtos existentes por outros novos, afinal essa impacta diretamente na

Page 41: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

31

velocidade e na flexibilidade das operações. A literatura diferencia, também, variedade

externa (percebida diretamente pelo cliente final) da variedade interna (não percebida pelo

cliente), sendo que essa última está associada a aumento dos custos de produção e

operação. É necessário distinguir, também, a variedade de produto (tratada nesse projeto e

mais relevante para o grupo de moda) da variedade relacionada ao mercado consumidor

(que contribui para definir o posicionamento da marca; em que segmento do mercado ela

atua) e da variedade relacionada ao processo, associada à estratégia operacional da

empresa.

O supracitado estudo (BRUN e PERO, 2012) cita treze decisões gerenciais ligadas à

variedade, que podem ser divididas entre as ligadas ao processo criativo e as ligadas à

parte operacional. No primeiro grupo, as mais relevantes são o número de produtos

oferecidos ao mercado e o número específico de atributos (cores, tamanhos) de cada

produto que se deve ofertar. No segundo, destacam-se como significativos para o grupo de

moda a política de dimensionamento de lote e o planejamento da produção (no que se

refere à alocação de fornecedores).

3.3.5 Conceitos produtivos: conclusão

Para conclusão desta seção sobre conceitos produtivos, vale uma análise dos efeitos

nas cadeias produtivas como um todo a partir das escolhas, e os trade-offs envolvidos, entre

possuir uma cadeia que prioriza a eficiência ou a responsividade.

Segundo Langenberg et al. (2012), a decisão entre otimizar a cadeia de suprimentos

priorizando a eficiência operacional ou a responsividade ao mercado depende fortemente do

tipo de produto para o qual a cadeia é desenhada. Cadeias eficientes são mais apropriadas

para produtos funcionais, enquanto cadeias responsivas se adequam melhor para produtos

inovadores.

Assim, a empresa deve adotar diferentes estratégias para a cadeia dependendo do

tipo de produto, do canal e da imagem da marca; essa colocação é muito relevante no

contexto de discussão envolvendo o foco (objetivos da empresa; dimensões estratégicas em

que ela escolhe se diferenciar, como custo, qualidade ou velocidade) e o ajuste da cadeia a

esses objetivos.

Também deve ser considerado o impacto de cada dimensão na estratégia da cadeia

produtiva. Por exemplo, avaliar o que representa maior custo para a empresa: o custo de

estocar produtos que não foram vendidos e sobraram, ou o custo de vendas não realizadas

devido à falta de produtos nas lojas (stockout). Neste mercado, dada a atitude de compra

altamente impulsiva que é característica de consumidores, a disponibilidade de produtos

pode ser crítica na competitividade do setor, desde que seja uma variável crítica na

Page 42: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

32

qualificação da performance pelos clientes da empresa. A calibração da estratégia de

produção, suprimentos e distribuição para estoque/disponibilidade deve ser desdobrada a

partir destas e outras decisões, alinhando-se com a reatividade da produção, o “de-coupling

point”, entre outros elementos.

Alguns autores argumentam que muita complexidade advém do fato de que as

empresas, em geral, produzem os dois tipos de produto (funcionais e inovadores), o que

complica o alinhamento do produto à cadeia - isto é, falta foco, o que prejudica o ajuste. É o

caso da IBM, que possuía uma cadeia eficiente voltada para produtos funcionais e introduziu

uma linha de laptops mais inovadora, chamada de Thinkpad. O resultado foi o rápido

stockout dos computadores, pois a cadeia não conseguiu responder à demanda rápida que

surgiu de forma inesperada (a empresa não previra uma demanda alta pelo produto de

forma tão rápida), desperdiçando oportunidades e perdendo vendas. Assim, a estratégia de

gestão da cadeia deve levar em consideração os diferentes portfólios de produtos oferecidos

pela empresa, aproveitando as sinergias de custo que podem surgir em cadeias e produtos

com características distintas. A HP, por exemplo, possui quatro plataformas de cadeia de

suprimentos, cada uma com competências mais adequadas a determinado tipo de produto.

Outro ponto importante nas cadeias produtivas é o alinhamento da estratégia de

gestão da cadeia ao portfólio de produtos, diferenciando os produtos de acordo com as

características de custo e de demanda e a cadeia de acordo com o custo e o time-to-market.

Alguns fatores mais relevantes que impactam a tomada de decisão são soft, isto é, são

subjetivos e dependentes do contexto, como as regulações do local, a situação econômica e

política do país, os relacionamentos de longo prazo com fornecedores. Esses fatores são

difíceis de capturar através de uma análise quantitativa.

Portanto, a escolha das prioridades das cadeias produtivas das indústrias de moda

varejista, sejam elas direcionadas a responsividade ou eficiência, devem estar alinhadas a

uma série de estratégias de produção que podem alavancar a obtenção de ganhos e devem

ser pensadas como um todo no sistema de fornecimento, alocação de recursos de produção

e distribuição de produtos, tendo como variáveis críticas a variedade interna (relacionada

aos diferentes métodos de setup e técnicas produtivas) e a variedade externa (relacionada

ao impacto da variedade de produtos no cliente final da marca) desejadas pelos gestores.

3.4 Casos mundiais - cadeias produtivas globais na indústria de varejo da moda,

integração colaborativa e seus efeitos

3.4.1 O caso da Zara e o grupo INDITEX

A indústria da moda mudou muito recentemente devido ao grande sucesso de

algumas empresas varejistas. Na última década, em um mercado com crescimento

Page 43: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

33

contínuo, algumas firmas adquiriram posições de liderança, como, por exemplo, o grupo

Inditex, da Espanha, dono da rede de lojas da marca Zara, ultrapassando a GAP como

maior vendedor de peças de roupa no mundo (GUARDIAN, 2008, apud MEHRJOO e

ZBIGNIEW, 2014). A marca adotou uma estratégia de negócio contemporânea de empresas

do segmento, o fast fashion, sumarizada como “moda de alta costura por preços acessíveis”

pela Zara (FERDOWS et al., 2002), ou “moda e qualidade no melhor preço”, pela H&M

(H&M Annual Report, 2007), e detalhada na seção 3.2.

A escala global de alcance dessas empresas é imponente não somente na eficiência

logística, mas também na velocidade intermodal de distribuição, centralização da produção

e gestão dos trade-offs envolvidos entre a distância para fornecedores, emprego de mão de

obra e manutenção de lead times reduzidos entre a emissão das ordens de produção pelas

equipes de criação e a chegada dos produtos nas lojas para consumo pelo cliente final

(ORCAO e PEREZ, 2014).

Para o presente trabalho, é importante denotar alguns dos métodos adotados por

estes players que possuem faturamento, volume de produtos comercializados e número de

pontos de venda de varejo em ordem de grandeza muito superior ao grupo de moda e

quaisquer outros competidores nacionais devido à relevância e sofisticação de seus

métodos, compreendidos como benchmarks de mercado a serem perseguidos (FERDOWS,

2004).

Segundo dados consultados (ORCAO e PEREZ, 2014), as principais marcas globais

além das do grupo Inditex, sua presença física através de lojas em diferentes países,

número de fornecedores e centros de distribuição são:

Tabela 1. Marcas globais, adaptado de Orcao e Perez (2014)

Page 44: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

34

Por praticidade, serão analisados alguns métodos produtivos da Inditex, e como eles

contribuem para vantagens competitivas ou redução nos principais lead times entre emissão

de ordens de produção, planejamento de entregas e distribuição. Também é importante

destacar que a análise é feita majoritariamente no contexto da Zara, marca mais relevante

em termos de faturamento e número de lojas do grupo.

O grupo Inditex (acrônimo para “Industria de Diseño Textil, S.A”) é um grupo de

companhias na qual a principal atividade é a distribuição de artigos de moda, incluindo

roupas, calçados, acessórios, aproveitando-se da sua extensa rede de lojas, parceiros,

fornecedores e centros de distribuição para repor peças rapidamente, produzir novas

coleções em tempos difíceis de serem equiparados pelos competidores, e incluir marcas

diversas como Zara, Pull & Bear, Stradivarius, Oysho, Zara Home e Uterque (ORCAO e

PEREZ, 2014, FERDOWS, 2014). Sua trajetória data de 1975, quando a primeira loja da

Zara abriu na cidade de La Coruña, tocada pelo atual chairman da companhia de capital

aberto listada no mercado de ações, Amancio Ortega. Números de Outubro de 2012 indicam

crescimento de 10% em 2011 e 17% em 2012, com receita de $ 11,3 bilhões de Euros,

6.000 lojas em 86 mercados, mais de 100 mil empregados.

Além dos relevantes números quantitativos, os pontos mais consistentes do grupo

Inditex que o diferencia dos seus principais competidores na indústria de moda global, são:

● Forte estrutura da malha logística, constituída de uma rede extensa de lojas e

centros de confecção/manufatura, com transportes aéreos e via ferrovias,

apresentando lead times baixos mesmo estando presentes em diversos mercados;

● Distribuição centralizada, através de grandes centros logísticos multimodais (os

principais sendo da Zara, em Arteixo e Zaragoza);

● Manutenção de efetiva vantagem competitiva sobre concorrentes através de gestão

do complexo trade-off entre lead times curtos e tempos de transporte reduzidos;

● Economias de escala, comunicações simplificadas, coordenação da produção nos

estabelecimentos nos cinco continentes.

A redução dos tempos de ciclo da Inditex, que são de maior interesse no presente

trabalho, é alcançada através do desenvolvimento da estratégia de cadeia de fornecimento

do grupo. O design e manufatura demonstram a verticalização do modus operandi da

Inditex. As tarefas que são mais intensivas em capital e adicionam mais valor no processo

como um todo (compra de matéria-prima, design, coloração, controle de qualidade, passar a

ferro, empacotamento, etiquetagem, distribuição e logística) são executadas internamente,

enquanto o corte e outras tarefas mais trabalhosas (intensivas em mão de obra e trabalho)

são terceirizadas (ÁLVAREZ, 2000, MARTÍNEZ, 2008).

Page 45: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

35

Resumidamente, as operações centralizadas do grupo funcionam da seguinte forma

(ORCAO e PEREZ, 2014):

● 1000 pessoas na sede da companhia em La Coruña cuidam do desenvolvimento e

criação, constantemente recebendo informações de feedback diretamente da ponta

(lojas) sobre performance das vendas das peças, permitindo customizações e

aperfeiçoamentos em tempo mínimo, dado que as instalações de manufatura do

grupo são bem próximas, no mesmo complexo industrial;

● 11 pequenos centros produtivos, a maioria com mais de 100 funcionários, com os

mais recentes equipamentos tecnológicos para os processos de costura,

processamento e finalização;

● Operações que são mais intensivas, como corte, são terceirizadas para outras

empresas.

Além disto, a Inditex persegue uma estratégia de concentração da produção, dado

que mais de 87% de sua produção reside nos seus clusters de fornecedores desenvolvidos

desde 2006.

Outro ponto relevante a ressaltar nos processos desenvolvidos pela Inditex ao longo

dos anos para se tornar uma líder de mercado é a manutenção de relacionamentos

comerciais estáveis, que permitem às suas companhias aumentar o nível de integração do

grupo como um todo - maior confiabilidade no estabelecimento de condições que garantam

a chegada de uma nova peça de vestuário ao mercado em um tempo determinado. A

proximidade dos fornecedores aos centros de distribuição do grupo permite a reutilização de

matérias-primas não utilizadas para confecção de novas peças customizadas e/ou baseadas

em um modelo básico pré-definido, produzindo “10 peças finais a partir de 1” (MARTÍNEZ-

SENRA et al., 2012, apud ORCAO e PEREZ, 2014).

A vantagem competitiva do grupo é tamanha que, apesar dos custos de mão de obra

serem até duas vezes e meia maiores na Espanha e Portugal do que no Leste Europeu, o

grupo consegue compensá-lo através de ganhos de produtividade, qualidade do produto e

acesso mais rápido aos seus mercados através da forte estrutura logística e de transportes

(GAVIDIA e MARTÍNEZ, 2007, TOKATLI, 2008, apud ORCAO e PEREZ, 2014).

A Zara otimizou os métodos de transporte integrando os volumes transportados por

diferentes marcas, como por exemplo, observando que às vezes duas marcas diferentes

enviavam contêineres semivazios para o mesmo destino (FARTO, 2008, apud ORCAO e

PEREZ, 2014).

Seu hub logístico em Zaragoza, nordeste da Espanha, possui alta intermodalidade e

acessibilidade (ferrovias, estradas, aeroportos e portos conectando a fornecedores chaves,

Page 46: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

36

mercados do leste Europeu e Ásia, assim como a outros pontos chave de distribuição da

Europa). As instalações podem armazenar 34 milhões de peças de vestuários, distribuir 360

milhões, e possuem mais de 900 pessoas operando simultaneamente. Abaixo, um resumo

do seu centro logístico:

● 1,3 milhões m² de área;

● 850 milhões peças em distribuição;

● 5000 empregados;

● Criou em 2009 a Fashion Logistics Forwarders para coordenar e consolidar os

despachos para lojas e diferentes marcas mundo afora;

● Possui parcerias com linhas aéreas para prover entregas regulares aos seus centros

logísticos;

● Capacidade técnica de distribuir 80 mil peças por hora e entregar no destino final

(qualquer que seja) em no máximo 48 horas.

Sua estrutura organizacional combinando manufatura e confecção distante, mas

também ao mesmo tempo próxima, num modelo de dispersão espacial da produção, se

baseia fortemente neste controle da logística de toda cadeia produtiva. O controle de todos

os dados no hub logístico em Zaragoza demonstra a preocupação da organização em

manter sempre os estoques dos centros de distribuição e das lojas equilibrados de acordo

com parâmetros pré-estabelecidos e feedbacks diretos das suas redes de lojas. Apesar

disto, a empresa se preocupa com a influência do crescente custo da energia e da gasolina

no seu robusto modelo logístico e sustentabilidade econômica, altamente dependente de

transportes rápidos, eficientes e com custo-benefício na visão da cadeia produtiva como um

todo.

O modelo de operações da Zara se caracteriza por:

● Muitas entradas e saídas de material, durante todos os dias;

● Entrada de materiais provenientes de outros centros de distribuição, outros

estabelecimentos da companhia e de outras empresas contratadas/terceirizadas;

saída de materiais principalmente para suas lojas;

● Materiais provenientes do Oriente Médio e Ásia (Índia, China, Marrocos) e

destinados para todos os países onde a Zara possui vendas, exceto Brasil, Austrália,

Argentina e África do Sul.

Entre as particularidades do caso da Inditex que a diferenciam dos concorrentes que

também operam no fast fashion, destacam-se o pioneirismo em tecnologia da informação e

a integração vertical das operações (produção, distribuição e vendas), que ocorreu mais

cedo em relação ao resto do mercado. Além disso, a marca conseguia vender produtos a

preço relativamente baixo, mas sem deixar a impressão nos clientes de que eram produtos

Page 47: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

37

“populares”, devido não apenas à qualidade dos produtos, mas também à apresentação e à

localização das lojas (lojas grandes, com espaços entre as araras, localizadas em centros e

com design semelhante a marcas mais sofisticadas) e ao tratamento dado ao cliente nas

lojas.

A Inditex não foca em previsão de demanda ou tenta adivinhar ou influenciar

tendências. Ao contrário, a empresa investe em uma estrutura de informação baseada em

canais de comunicação responsivos, capazes de capturar as novidades a partir de revistas,

desfiles, eventos de moda, Internet, entre outros. Além disso, a Zara mantém pessoal em

suas lojas responsáveis por coletar feedback dos clientes a respeito das novidades. A

estratégia tem como base, além dessa estrutura informacional responsiva, a cadeia flexível

e rápida.

No início da década dos anos 2000, o processo produtivo consistia em reunir

aproximadamente 200 estilistas, decidir rapidamente sobre os modelos com base nas

novidades e tendências coletadas pelos canais de comunicação, em seguida escolhendo os

tecidos e enviando o material para seus fornecedores em Portugal e Espanha, obtendo um

lead time que varia de 3 a 6 semanas. Desse modo, a empresa conseguia escolher 11.000

modelos entre 30.000 julgados, traduzindo-os em produtos de 5 a 6 cores e em 6 ou 7

tamanhos e formando de 12 a 16 coleções por ano. O menor lead time proporcionava uma

maior precisão nas previsões de curto prazo, reduzindo o stockout e a sobra ao final das

coleções.

A empresa conseguia, com isso, entregar novos produtos em loja duas vezes por

semana, o que “era considerado comum em mercados e mercearias, mas nunca antes visto

no varejo de moda”. A frequência de entrega era justificada por um centro de distribuição

centralizado, em que produtos eram revisados e enviados imediatamente para entrega,

usando um sistema logístico baseado em softwares desenvolvidos internamente. Além de

atender à demanda quase imediatamente ao seu surgimento, outro objetivo era passar a

impressão de que as lojas estavam sempre novas e originais, gerando desejo nos produtos,

pois poderiam esgotar e ser substituídos rapidamente.

No entanto, a partir de meados da década de 2000, a empresa começou a buscar

gradativamente mais fornecedores em países asiáticos parcialmente desenvolvidos, assim

como o restante do setor fez mais cedo. A imagem de “exceção à globalização” alcançada

durante seu crescimento acelerado perdeu força. A marca, atualmente, continua produzindo

peças de maior qualidade em Portugal e Espanha; contudo, a participação de fornecedores

do sudeste asiático e do leste europeu, onde o desenvolvimento e os custos de produção

são consideravelmente baixos, vem se tornando mais significativa, embora ainda seja menor

Page 48: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

38

em relação aos concorrentes. Apesar disso, a marca permanece uma das líderes no modelo

de fast fashion, com lead times mínimos e uma cadeia veloz e flexível.

3.4.2 A indústria italiana - estratégias de colaboração como vantagem competitiva

Apesar de líder do setor e referência em fast fashion, o grupo Inditex através da Zara

possui fortes concorrentes bem próximos a seu mega centro logístico em Zaragoza.

São empresas de alta costura italiana, focadas em entregar produtos de altíssima

qualidade e durabilidade, e explorando a mão de obra local de artesãos e pequenas

confecções com relacionamentos de longo prazo.

Em seu artigo, Machion et al. (2014) trabalham com uma base de dados de 132

empresas da indústria italiana de moda e suas cadeias produtivas, verificando padrões nas

estratégias de negócio e o impacto de diferentes capacidades de gestão na performance

dessas organizações, principalmente no que se refere ao desenvolvimento de parcerias e

colaborações com as redes de fornecimento. O estudo possui relevância, dadas: a posição

da Itália como segundo maior exportador de peças de vestuário do mundo, apenas atrás da

China; a complexidade das cadeias de suprimentos na indústria da moda; e a existência de

várias iniciativas atuais no grupo de moda para estimular o desenvolvimento de parcerias e

compartilhamento de dados com os fornecedores de serviços de confecção.

Conforme mencionado em seções anteriores deste trabalho, o mercado da moda

europeu sofre com a baixa previsibilidade dos produtos, custos crescentes de mão de obra e

pressão de mercados emergentes como o BRICS. Estratégias para descentralização da

produção e das cadeias de fornecimento levaram várias firmas a redefinir seus modelos de

negócio, transformando o relacionamento com as redes de fornecedores, e gerenciando

redes maiores e mais complexas. O fator resposta às variações da demanda dos

consumidores sempre foi um elemento diferenciador da indústria, porém a globalização a

tornou ainda mais complicada com seus efeitos disruptivos na geografia econômica mundial,

tornando a decisão “fazer ou comprar” muito mais importante.

Recentemente as empresas italianas tiveram de se adaptar às tendências citadas

acima, aumentando a porção de fornecimento doméstico de matéria prima e serviços na sua

cadeia produtiva, devido ao entendimento de que custos maiores de mão de obra em

relação aos seus competidores internacionais são compensados quando ao final do

processo elas podem identificar seus produtos com o selo “Made in Italy”, pela percepção de

que isto é fortemente valorizado por seus clientes.

A localização concentrada em pequenos distritos industriais de vários pequenos

fornecedores terceirizados de serviços de confecção e manufatura especializados permite a

estas organizações construírem relacionamentos de longo prazo, atender com flexibilidade

Page 49: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

39

às flutuações da demanda no mercado e também desenvolver relacionamentos mais do que

econômicos - sociais, culturais, éticos, etc. Grande parte destas empresas utiliza

determinados grupos de fornecedores para partes específicas do processo produtivo, como

corte, empacotamento, finalização, etc. Além disso, sistemas locais permitem a elaboração

de políticas regionais de integração produtiva e alcance de economias de escala com outras

companhias - os resultados excepcionais dos distritos industriais italianos são associados ao

desenvolvimento de cadeias de fornecimento altamente focadas, além do uso de

tecnologias de identificação por radiofrequência e certificações de qualidade (GUERCINI e

RUNFIOLA, 2009).

Com isto, o estudo prossegue na análise dos dados e verificação do efeito do

alinhamento da cadeia produtiva com as redes de fornecedores (através do

compartilhamento de políticas e informações e desenvolvimento de uma visão comum) na

configuração das cadeias de suprimento e capacidades de gestão destas organizações da

indústria da moda italiana. Classificando as organizações por questões de distribuição

mundial da produção, capacidades de gestão organizacionais, relevância de determinadores

fatores críticos de sucesso na estratégia organizacional, e variáveis de preço, produto e

marca, e utilizando técnicas de estatística, o cluster de produtores majoritariamente locais foi

identificado por possuir “técnicas específicas e de alta qualidade na mão de obra” como

principal fator estratégico; o segundo cluster, de produção majoritariamente na área do

Mediterrâneo e Leste Europeu focando em “inovação tecnológica” e “reputação”; e o terceiro

cluster, que produz principalmente na Ásia, “preço” e “inovação tecnológica”.

Os dados confirmaram que grande parte do valor agregado dos produtos de várias

empresas que produzem na Itália deriva da alta qualidade técnica especializada presente

nos distritos italianos, associado a um alinhamento sociocultural e confiabilidade em prazos

de entrega e produção. Associado a isto, a maioria das empresas com produção local

balanceia a utilização de fornecedores terceirizados de confecção e produção própria;

possuem grande diferenciação no número de coleções programadas por ano e certa

continuidade na produção sem grandes flutuações de volume ou sazonalidade.

Dessa forma, fica evidente que o estreitamento de relacionamentos com

fornecedores, o alinhamento da cadeia produtiva, norteada por uma diretriz estratégica de

diferenciação pela percepção de valor do produto pelo cliente final é uma forma moderna e

eficiente de lidar com questões contemporâneas da indústria de varejo da moda atual.

Ainda que o grupo de moda não possua operações internacionais, colocando-o num

parâmetro comparativo um pouco menor do que a maioria das empresas estudadas no

artigo citado, a relevância da economia de moda italiana no mundo demonstra que é um

Page 50: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

40

benchmark poderoso na institucionalização de métodos e práticas para gestão das cadeias

produtivas e de relacionamento com fornecedores, ainda mais devido ao fato de que grande

parte de sua produção é terceirizada e pulverizada em diversas pequenas cadeias de

costureiras e manufaturas.

Tais estratégias de cadeias produtivas e relacionamento com fornecedores nas

operações da indústria da moda e produtos de luxo não estão presentes na maioria dos

estudos realizados, estes focando em sua maioria em questões de marketing, sociológicas e

de branding (BRUN e CASTELLI, 2008). Obviamente, ao compartilhar dados e informações

internas com subcontratados, terceirizados ou fornecedores, as companhias se expõem de

certa forma à perda de propriedade intelectual e da manutenção de um portfólio de produtos

únicos no mercado, sem outros semelhantes ou imitações sendo vendidas em mercados

paralelos. Portanto, as estratégias de colaboração na cadeia produtiva devem levar em

consideração a importância dos recursos únicos pertencentes aos produtos, que devem ser

protegidos por meio de contratos, limitação de informações disponibilizadas, ajustes nos

processos que lidam com agentes externos e informações sensíveis, etc.

Ainda segundo Brun e Castelli (2008), a maioria das organizações do segmento de

vestuário de luxo que trabalham com cadeias de suprimentos integradas com fornecedores

realizam essas colaborações e disponibilização de informações principalmente nas

atividades downstream, com os planos de produção já especificados e comunicados aos

fornecedores em pedidos individualizados e com prazos definidos para atender as datas de

coleção já estabelecidas. Empresas que não possuem lojas próprias também tentar cortar

ao máximo o número de intermediários entre seus centros de distribuição e o cliente final, de

forma a possuir maior controle sobre a interação final com seus clientes.

Em relação aos métodos de produção, estas organizações, que priorizam os clientes

de luxo ou com alto poder compra, não se preocupam excessivamente com reduções de

custo; entretanto, se utilizam matérias-primas mais caras em determinados produtos,

costumam utilizar a estratégia de make-to-order, ou somente emitir as ordens de produção

após o pedido - principalmente em peças altamente customizadas.

Entretanto, isso não é viável quando o tempo para produzir é maior que o tempo de

espera aceito pelo mercado, levando as empresas a produzir de forma antecipada (gerando

estoques, ou “make-to-stock”) algumas peças baseado em números históricos, tendências

dos consumidores, business intelligence, estimativas e insights informais de indivíduos com

maior experiência no mercado - este último, em geral fortemente conectado com a criação

das coleções.

Page 51: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

41

3.4.3 O cenário atual da indústria de varejo de moda norte-americana e os trade-offs

enfrentados na cadeia produtiva

Por fim, é válido estudar o mercado e a cadeia de moda norte-americana, que foi

menos influenciada pela consolidação das empresas de fast fashion como a Europa -

pioneira nesse conceito produtivo. Assim, observar como as empresas norte-americanas

reagiram às mudanças de mercado e de competitividade geradas pela difusão do fast

fashion pode servir de base para inspirações que possam contribuir para o caso do grupo de

moda.

As empresas norte-americanas tradicionais começam o desenho de uma coleção

aproximadamente 40 semanas antes do lançamento da mesma em loja (número um pouco

inferior ao do grupo de moda, em que a Criação tem início mais de um ano antes do

lançamento da coleção), enquanto empresas de fast fashion como a Zara e a H&M possuem

um lead time de 17 semanas entre o design e o lançamento (SEN, 2008).

Uma grande dificuldade enfrentada pelas empresas - que ajuda a justificar esse

longo ciclo de produção de uma coleção - consiste em dispor de dados concretos para a

elaboração do sortimento da coleção e para a emissão de pedidos de produção - mesmo

para empresas de manufatura que vendem a produção para varejistas, e não possuem

contato direto com o cliente final. Essas empresas são obrigadas, em sua maioria, a emitir

ordens de produção antes que qualquer pedido de varejistas chegue, o que aumenta a

importância da etapa de previsão de demanda, que é, como já foi explicitado durante essa

revisão bibliográfica, pouco assertiva e eficiente para os produtos de moda.

Para lidar com esse problema, Sen (2008) sugere, para a emissão de ordens de

produção e previsão da demanda, a utilização de técnicas como pesquisas de mercado,

dados históricos de venda segmentados, revistas de moda etc., e insiste no sucesso de

atrelar os bônus e remuneração variável das pessoas responsáveis pelo pedido à

assertividade de seus palpites e ao sucesso final da coleção em termos de margem e

receita. Uma outra prática interessante consiste em fazer uma etapa de vendas antes do

lançamento da coleção. A partir dos dados de venda coletados, a empresa consegue ter

uma ideia inicial das tendências de cor, estampa e tipos de produtos que podem fazer

sucesso e conseguem direcionar estratégias de marketing (ou até aperfeiçoar a previsão de

demanda e as quantidades de pedido, em caso de reposição).

Em relação à cadeia, uma das opções para aumentar a responsividade é diminuir o

tempo necessário para o desenho da coleção, utilizando, por exemplo, técnicas como

sistemas de CAD para reduzir o tempo de design ou tecnologias emergentes de Product

Page 52: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

42

Lifecycle Management (PLM), que melhora a comunicação ao longo da cadeia. O objetivo

dessas tecnologias é reduzir o tempo de desenvolvimento dos produtos.

Quanto à produção e às operações, a indústria norte-americana enfrenta trade-offs

entre terceirizar ou produzir dentro de casa e entre o local da produção, que contrapõe

responsividade e custo. Nesse contexto, é visível a tendência de se produzir na China e

outros países do Sudeste asiático (como Bangladesh), que trazem uma vantagem de custo

mas apresentam lead time mais longo, chegando, em média, a 3 meses considerando a

produção e o transporte (o grupo de moda possui produtos importados que demoram até 4

meses). Muitas empresas lidam com esse trade-off através de uma estratégia mista, em que

o local de produção e a decisão por terceirização passam pelo tipo e pela margem do

produto. O objetivo é combinar a produção de produtos de menor custo - fabricados no

exterior - e produtos mais sofisticados capazes de responder mais rápido à demanda

(manufaturados localmente).

As maiores oportunidades de automação no processo produtivo estão na etapa de

corte, em que a integração de sistemas em CAD e sistemas de corte automatizados pode

contribuir para aumentar a eficiência do processo (reduzindo o desperdício de tecido). As

etapas posteriores, que envolvem a costura e a aplicação de aviamentos, são

predominantemente manuais, com pouca oportunidade de automação. A flexibilidade do

processo de confecção é mínima, o que gera altos níveis de estoque intermediário e WIP

(work-in-progress).

Ainda sobre a questão operacional, a indústria norte-americana apresenta diferentes

tipos de layout para se manufaturar tecido; destacam-se a organização funcional com a

utilização de buffers entre as etapas (utilizada pela esmagadora maioria dos fornecedores

do grupo de moda) e a estrutura celular, organizada como uma linha de produção.

Nesse ponto, é necessário comentar a estrutura utilizada pelo fornecedor usado

como base para esse trabalho. Através de uma estrutura celular, em que cada célula é

responsável por todo o processo de confecção de um produto, o fornecedor foi capaz de

aumentar consideravelmente a eficiência, reduzindo o custo de produção. Cada célula é

composta por 6-8 costureiras - incluindo uma supervisora - e fica responsável por produtos

similares. Dessa forma, por mais que os processos de costura e aplicação de aviamentos

nunca sejam rigorosamente iguais de um produto para o outro, existe ganho significativo em

termos de tempo de setup e curva de aprendizado quando a célula finaliza um lote (por

exemplo, 400 peças de um determinado produto) e inicia outro. Esse ganho é traduzido em

menor tempo de processamento do lote, o que faz com que o custo de mão-de-obra seja

Page 53: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

43

diluído em um maior volume produzido. Os outros fornecedores do grupo, organizados em

layout funcional, são muito mais ineficientes.

Voltando à indústria norte-americana, vale colocar o momento atual vivido pelo

mercado da moda. Embora as barreiras de entrada não sejam grandes, sobreviver e

manter-se competitivo atualmente é bastante difícil, tornando a flexibilidade das operações e

o aumento da velocidade de resposta da cadeia fundamentais para a sustentabilidade. Sen

(2008) estima que as ineficiências da gestão da cadeia custam 24% das vendas líquidas da

indústria, correspondentes a descontos que sacrificam margens para escoamento da

produção, excesso de estoque e stockouts.

Fica evidente, assim, a importância estratégica de se ter uma cadeia ágil e

implementar técnicas de quick response, de modo a viabilizar para o varejista o ajuste da

produção em resposta às vendas da própria coleção, reduzindo os ciclos de vida e os lead

times, e consequentemente, diminuindo o risco e o nível necessário de estoque. Para um

sistema de QR bem-sucedido, podem ser utilizados sistemas de CAD e CAM, dados de

pontos de venda (POS) e sistemas de transferência de dados em tempo real para outros

estágios da cadeia. O sucesso depende, também, do compartilhamento de informações ao

longo da cadeia e de colaboração entre fornecedores e varejistas.

Finalmente, é necessário ressaltar o crescimento do canal de e-commerce nos

Estados Unidos; destaca-se seu ritmo acelerado de expansão e a tendência de cada vez

mais transações serem feitas online. No entanto, aparecem como desafios a pouca

relevância que o canal ainda tem em relação à receita total da indústria de moda norte-

americana e a dificuldade das empresas em operar em vários canais mantendo consistência

nas estratégias de precificação, na qualidade e na experiência ao consumidor.

3.5 Gestão sustentável da cadeia de suprimentos

Finalmente, é necessário discutir o conceito de sustentabilidade na cadeia de

suprimentos, que vem se tornando cada vez mais urgente atualmente. Preocupação com o

meio ambiente e o social são preocupações constantes das organizações e dos próprios

consumidores, que exigem comportamento transparente e ético das empresas das quais

estão comprando.

A SSCM (sustainable supply chain management) pode ser definida como “a gestão

dos fluxos de material, informação e capital assim como a cooperação entre companhias ao

longo de uma cadeia de suprimentos, levando em consideração objetivos das três

dimensões de desenvolvimento sustentável [...], derivados dos requerimentos dos

consumidores e stakeholders” (SEURING e MÜLLER, 2008). O principal objetivo da SSCM

é garantir boas condições de manufatura ao longo da cadeia de valor, de modo a reduzir os

Page 54: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

44

impactos ambientais, sociais e “trabalhistas” das operações. Esse conceito, antigamente

muito relacionado à ideia de sustentabilidade do meio ambiente, está ganhando uma

abrangência mais ampla. As implicações do conceito, no entanto, variam de acordo com a

estrutura da cadeia específica trabalhada (TURKER e ALTUNTAS, 2014).

A cadeia de vestuário possui suas particularidades, associadas a exigências por lead

times reduzidos (especialmente no fast fashion), giros de estoque mais rápidos e maior nível

de serviço quanto ao atendimento da demanda do consumidor em momentos de pico. A

estrutura da indústria é altamente competitiva e, conforme já foi extensamente explicitado na

presente revisão bibliográfica, a agilidade e flexibilidade na cadeia se tornaram diferenciais

competitivos. Contudo, para chegar a uma cadeia ágil e responsiva, as empresas ignoram

questões éticas e relacionadas a emprego e meio ambiente, o que ameaça a

sustentabilidade da cadeia a longo prazo.

Essas questões devem ser avaliadas considerando a mudança ocorrida na indústria

da moda, iniciada há aproximadamente 30 anos, quando as cadeias tradicionais, antes

estáveis, foram ameaçadas pelo surgimento do fast fashion, devido a fatores como

globalização, mudanças no comportamento do mercado consumidor e surgimento de novos

competidores. Os diferentes modelos de negócio buscavam atrair o consumidor para a loja

colocando sempre novidades (reduzindo os ciclos do produto), objetivando a maior

frequência de compra possível e por isso praticando preços baixos. Essa necessidade de

cadeias mais flexíveis e lead times mais curtos ocorreu no mesmo momento em que os

consumidores tornavam-se mais “fashion-conscious”, e passaram a demandar produtos

mais exclusivos, e não as mesmas peças padronizadas e ofertadas em massa. Os varejistas

gigantes e tradicionais, que dominavam o mercado, foram substituídos por cadeias de

suprimentos orientadas para compra e fornecedor, altamente responsivas, caracterizadas

por baixo custo e lead time reduzido.

Porém, a adoção das técnicas e ferramentas que viabilizaram o fast fashion

causaram impactos sociais e ambientais negativos. A mudança da produção para países

subdesenvolvidos, com o objetivo de reduzir custos, causa prejuízos ambientais devido ao

aumento da distância de transporte. Os meios utilizados (marítimo e, principalmente, aéreo),

são responsáveis por grandes emissões de gases poluentes. Além disso, os países que

fornecem a produção (notadamente, o sudeste asiático) são alvos frequentes de denúncias

de abuso da força de trabalho (que justificam os custos de produção consideravelmente

menores), composta geralmente por jovens de baixa educação - visto que os processos,

essencialmente manuais, não exigem muita qualificação. Assim, a mão-de-obra utilizada

pelas cadeias globais de fast fashion é, frequentemente, vulnerável a maus tratos,

Page 55: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

45

discriminação, salários extremamente baixos e longas jornadas de trabalho (TURKER e

ALTUNTAS, 2014).

Grandes empresas de fast fashion estão realizando e divulgando ações de incentivo

à sustentabilidade, tais como produtos eco-amigáveis, operações logísticas de menor

impacto ambiental, auditoria social e ambiental de fornecedores. As empresas estão dando

maior foco à sustentabilidade pois os riscos relacionados a impactos sociais e ambientais

aumentaram com a globalização do fornecimento, ameaçando sua reputação e impactando

os resultados financeiros. Entre as atividades mais comuns, destacam-se a divulgação do

código de conduta da empresa para os fornecedores; e o monitoramento e auditoria das

atividades dos fornecedores.

3.6 Requisitos básicos para cadeias produtivas e de suprimentos na indústria de

varejo da moda

Depois de analisar a situação de cadeias produtivas existentes no continente

americano e europeu (contextos italianos e da Zara/Inditex), suas peculiaridades, métodos

de otimização de desempenho, colaboração com fornecedores, etc., o objetivo desta seção

é sintetizar, de forma razoável, uma proposta de referência para cadeias de suprimentos e

produção, a nível de comparação com a do grupo de moda e que possibilite insights e

argumentações práticas na continuidade do presente trabalho:

3.6.1 A Indústria da Moda

● A indústria da moda possui uma demanda variável e de difícil previsibilidade no curto

a médio prazo; existe grande variedade de produtos, geralmente de margens altas e

ciclo de vida muito curtos.

● Tempo de concepção, manufatura e entrega dos produtos aos pontos de venda são

importantes fatores competitivos no contexto atual de fast fashion e consumidores

vorazes por novas coleções em lead times cada vez menores, a preços acessíveis.

● Empresas de moda mais contemporâneas, de fast fashion, antagonizam em suas

estratégias produtivas com as de alta-costura e ready-to-wear (ou pret-a-porter), com

longos ciclos e produtos padronizados, pelo fato de possuírem ciclos de criação e

desenvolvimento, compra e produção mais reduzidos e focados na rápida entrega de

produtos variados; essas empresas captam de forma eficaz as novas tendências de

mercado e conseguem traduzi-las rapidamente em novos produtos em loja.

3.6.2 Conceitos Produtivos

Os principais conceitos contemporâneos para obtenção de ganhos produtivos são:

● Fast fashion

Page 56: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

46

● Quick response

● Cadeias de suprimento ágeis

● Trade-off da variedade dos produtos

A empresa deve adotar estratégias produtivas coerentes com a forma pela qual

busca se diferenciar competitivamente na percepção de seu produto pelos clientes - custo,

qualidade, velocidade de geração de novas coleções - e prever formas de lidar com os

trade-offs na cadeia produtiva.

Ultimamente, o fast fashion vem se provado um modelo vencedor; sua grande

quebra de paradigma foi transformar a cadeia produtiva, antes complexa, longa e ineficiente,

em uma cadeia ágil, rápida e responsiva. O mérito dessas empresas foi aliar o

desenvolvimento de capacidades voltadas à agilidade e à flexibilidade ao mesmo tempo em

que percebia uma mudança no mercado consumidor, que começou a entender mais de

moda e desejar produtos sofisticados a preços baixos.

3.6.3 Cadeias Produtivas Globais

A INDITEX, líder global na indústria de varejo da moda, utiliza de recursos como forte

malha logística de transporte multimodal, distribuição centralizada, economia de escala e

efetiva gestão de custos. Proximidade aos fornecedores, utilização de mão de obra barata

na Ásia e manutenção de relacionamentos de longo prazo com os mesmos também

garantem maior confiabilidade e estabilidade aos seus processos, utilizando metodologias

como fast fashion e quick response em várias etapas da cadeia, desde o desenho e revisão

das peças, até a confecção e distribuição.

As indústrias italianas, por sua vez, utilizam de uma cadeia produtiva que preconiza

a mão de obra local, e o valor “Made in Italy” dos seus produtos para seus clientes.

Caracterizada por pequenos distritos com disponibilidade de artesãos de alta qualidade

técnica, as empresas de moda da Itália utilizam grupos de fornecedores para partes

específicas do processo produtivo, estabelecendo relacionamentos de longo prazo,

tecnologias de certificação de qualidade e monitoramento/controle.

Já as cadeias produtivas norte-americanas são as que mais se assemelham ao

grupo de moda, devido aos longos lead times, especialmente no que se refere à criação da

coleção. As empresas tentam mitigar o problema da alta volatilidade da demanda através de

técnicas como uma etapa prévia de vendas antes do lançamento da coleção, sofisticação de

técnicas de previsão qualitativas e remunerar as pessoas responsáveis pelo pedido de

acordo com o sucesso da previsão. Além disso, destacam-se os investimentos de empresas

norte-americanas em automação do processo produtivo e dos sistemas de coleta e

compartilhamento de dados de venda.

Page 57: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

47

Finalmente, ressalta-se a importância que o tema de gestão sustentável da produção

vem ganhando recentemente. A preocupação com os impactos ambientais e sociais da

produção pode se tornar um diferencial competitivo para o mercado de moda no médio

prazo, à medida que governos e o próprio mercado consumidor passam a ficar mais atentos

ao tema e a cobrar uma gestão de recursos mais sustentável das empresas. Assim, ignorar

questões de sustentabilidade ligadas à produção pode ameaçar a reputação e os resultados

financeiros das varejistas de moda.

Page 58: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

48

4. IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

Essa seção divide-se em duas partes: na primeira, é feito um resumo das principais

questões identificadas nas visitas técnicas realizadas com um fornecedor do grupo de moda.

Em seguida, é apresentado um mapeamento da cadeia da empresa, a partir de dados

coletados internamente. Esse mapeamento servirá de base para análise e comparação com

os frameworks teóricos e os principais cases de sucesso - explicitados na revisão

bibliográfica - seguindo determinados critérios comparativos, resultando, por fim, em uma

proposta de solução.

4.1 Visita Prática

Com o intuito de obter dados empíricos que pudessem validar algumas hipóteses

verificadas no dia a dia de trabalho nas áreas administrativas do grupo de moda, assim

como ilustrar com evidências reais algumas das teorias estudadas durante a revisão

bibliográfica, foram realizadas visitas técnicas a uma confecção de produtos terceirizada,

localizada em São Cristóvão, trabalhando em parceria com as Operações do grupo de moda

para testar otimizações na cadeia produtiva, produzir pedidos maiores e com maior

criticidade, entre outras peculiaridades (como o acesso a dados e aos

gestores/administradores locais) que tornaram proveitosa a escolha deste local para as

visitas.

O engenheiro responsável, administrador geral da confecção, apresentou alguns

problemas que impactam os prazos para produção e contribuem para atrasos nas entregas

dos produtos acabados para a empresa estudada. Esses problemas foram divididos de

acordo com sua natureza e impacto na operação, sendo sintetizados da seguinte forma:

● O fluxo contra-amostra > aprovação > envio de mostruário não é respeitado

O ideal, para o fornecedor, é que seja enviada primeiro a contra-amostra, e, apenas

após aprovação por parte da empresa que enviou o pedido, a produção de mostruário seja

enviada para o fornecedor. No entanto, muitas vezes a contra-amostra é enviada junto com

a matéria-prima de mostruário, o que atrasa o início da produção e gera atrasos mais longos

posteriormente (como o efeito chicote - uma variação pequena no início do processo

contribui para variações maiores na ponta). Além disso, muitas vezes uma peça de contra-

amostra serve para 5 mostruários, o que também é crítico para o fornecedor (foi

mencionado um caso em que o fornecedor recebeu 26 contra-amostras para 55 mostruários

para produzir em um prazo muito curto).

Esse processo de aprovação de contra-amostra, envio e início de mostruário é uma

etapa em que não se pode perder tempo, até porque a produção de mostruário é,

Page 59: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

49

naturalmente, mais ineficiente devido ao menor volume - como são poucas peças por

referência, não existe curva de aprendizagem que permita ganhos de produtividade, uma

vez que cada referência exige uma sequência de operações específica e diferente.

● O calendário é muito enxuto e não prevê filas

O calendário deveria ser um pouco mais antecipado para oferecer mais folga na

produção; em geral, o pedido é feito com pouca antecedência e a chegada da OS (Ordem

de Serviço - consiste nos materiais necessários para que o fornecedor confeccione os

produtos) ocorre no limite do prazo. O calendário do grupo de moda considera que o prazo

entre o envio da OS por parte do CD e a chegada ao fornecedor é de 5 dias úteis, quando o

ideal, para os fornecedores entrevistados, é que fossem considerados 8 dias úteis até a

chegada da OS.

Além disso, a planilha de follow-up de PCP, embora tenha melhorado

consideravelmente a programação e controle, não prevê que existem filas no processo; a

ferramenta considerada que as operações são realizadas imediatamente após o término da

etapa anterior, o que não corresponde à realidade. As pessoas e máquinas não estão

ociosas; normalmente, a produção enfrenta filas para algumas operações que não são

consideradas pela planilha, deixando os prazos extremamente enxutos, sem qualquer folga.

● A OS não é entregue completa

Esse é, segundo o fornecedor, um dos principais problemas que atrasam o início da

produção, e, consequentemente, o envio dos produtos acabados para o grupo estudado. A

produção só pode começar se, na OS, chegam juntos: a peça piloto, o tecido, os aviamentos

e o risco. No entanto, é muito frequente que algum desses itens esteja faltando na OS. Foi

mostrado um exemplo em que chegaram 28 OS para mostruário, compostas da seguinte

forma:

❏ 9 estavam completas, prontas para o início da produção;

❏ 11 chegaram sem a peça piloto;

❏ 9 chegaram sem tecido (em 5 dessas, o tecido chegou atrasado, após a OS);

❏ 6 chegaram sem aviamento (em 4 dessas, os aviamentos chegaram

atrasados, após a OS);

❏ 3 chegaram sem risco (em uma, o risco chegou atrasado, após a OS).

A entrega da OS de forma incompleta prejudica muito o fornecedor pois, além de não

poder começar a produção, ele precisa alocar pessoas para gerenciar as OS incompletas,

verificando o que está faltando e cobrando os responsáveis, na empresa, por cada item

faltante. No fornecedor visitado, duas pessoas são responsáveis apenas por conferir se a

peça piloto veio, e, caso não tenha sido enviada, entrar em contato com a empresa para

Page 60: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

50

descobrir onde está a peça e pedir o envio. Além disso, existem diversos representantes

diferentes que podem saber onde está a peça piloto, o que também atrasa; seria mais

rápido se fosse apenas um representante.

● Comunicação e demora para resolução de impasses

Existem, também, problemas na comunicação de impasses. Quando o problema diz

respeito à gestão do PCP, geralmente é solucionado rapidamente; no entanto, quando há

questões técnicas a serem resolvidas (por exemplo, problema que deve ser resolvido com a

estilista ou modelista responsável), o processo geralmente trava e o tempo até solucionar

pode ser extremamente relevante. Foi citado um caso em que houve uma dúvida em relação

ao risco da OS enviada (o risco estava enviesado) e a produção atrasou algumas semanas,

devido à demora para que a pessoa responsável pelo risco conseguisse entender a questão

levantada.

Além disso, alguns problemas de qualidade não são repassados para o fornecedor, o

que paralisa a produção de determinado produto sem que ninguém responsável tenha

conhecimento. Foi citado um caso em que a peça foi reprovada no controle de qualidade

depois de finalizada, devido a um desentendimento entre a estilista e a modelista (houve

modificação na peça feita por uma delas que a outra desconhecia, o que levou à reprovação

da produção), mas o fornecedor não foi avisado. Assim, até que o impasse fosse resolvido,

passaram-se dois meses e a peça foi chegou às lojas em julho (a programação era abril), já

no período de liquidação, levando a uma perda de margem. Outro problema mencionado se

refere à peça manchada. Foi citado outro caso em que o tecido chegou manchado,

inviabilizando a produção, e a culpa foi atribuída ao próprio fornecedor. O problema, nesse

caso, é do controle de qualidade do CD, que deixou passar tecido manchado.

● Picos e vales de demanda

Existe hiperalocação em determinados momentos (fases de grande demanda, com

prazos curtos, para os quais ele o fornecedor não havia se preparado, sem aumentar a

capacidade); e momentos em que o fornecedor se prepara para a demanda, aumentando a

capacidade, e os pedidos são menores do que o esperado, gerando custo e capacidade

ociosa. Assim, o fornecedor, em primeiro momento, entrega os pedidos com atraso; e,

posteriormente, possui demanda baixa. Esse problema afeta bastante o fluxo de caixa dos

fornecedores, de forma geral; estima-se que 50% dos fornecedores apresentam problemas

de desorganização devido à desorganização financeira e a problemas com fluxo de caixa.

Deve-se considerar, também, que a ociosidade prejudica fornecedores que operam

no modelo de layout de células de produção. O modelo obtém eficiência superior a outros

fornecedores, que operam, em geral, no modelo de organização funcional. No entanto, a

Page 61: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

51

ociosidade (gerada por vales de demanda) mina a eficiência do modelo, diminuindo a

produtividade e aumentando os custos. Assim, o fornecedor e a própria empresa se

beneficiariam muito – em termos de cumprimento dos prazos e custos de produção – se os

pedidos fossem feitos de forma mais equilibrada ao longo dos meses - ou os picos e vales

de demanda, normais devido à sazonalidade do comportamento de consumo, fossem

comunicados com maior antecedência ao fornecedor.

Foi mencionada uma coleção de uma das marcas do grupo em que houve um

grande vale, em que várias costureiras foram demitidas de modo a diminuir a capacidade; e,

em seguida, houve uma hiperalocação que não foi possível de ser atendida, pois as células

de produção haviam perdido produtividade. Quando ocorrem as hiperalocações, muitas

vezes o fornecedor é obrigado a devolver algumas produções após perceber que não será

possível atender à demanda, o que gera custo e gasta tempo até achar os itens, organizar e

reenviar.

● Outros problemas

❏ Dificuldade de gestão do sistema de MRP;

❏ Alguns prazos são subestimados, algumas etapas específicas poderiam ser

revistas. Por exemplo: corte, costura, prazos para envios;

❏ Alguns problemas são cíclicos, como por exemplo, atrasos nas entregas das

matérias-primas pela empresa;

❏ Etiqueta em cima de OS é um problema simples que poderia ser resolvido no

CD; a etiqueta tampa a OS, e fica impossível identificar o tecido; assim, a

produção é atrasada até descobrir qual é a OS;

❏ Algumas peças piloto que não chegaram poderiam ser substituídas por

outras, de forma mais prática, através de um trabalho de similaridade

industrial: peças que mudam muito pouco entre uma coleção e outra podem

reaproveitar a piloto e agilizar a produção, mas esse processo é ainda manual

e lento.

4.2 Mapeamento da cadeia de uma marca do grupo

Nessa seção é apresentado um mapeamento da cadeia de uma das marcas do

grupo. O objetivo é representar a realidade da forma mais próxima possível; porém, como

todo modelo, existem algumas restrições inerentes. Optou-se por representar o

mapeamento no formato de tabela (o mapeamento original do calendário é feito em MS

Project, e foi reproduzido na forma de tabela com as respectivas datas), descrevendo as

atividades e indicando o tempo de duração de cada; e em seguida por meio de Diagramas

de Processos de Negócios feitos no software Bizagi, para que a visualização do fluxo fique

Page 62: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

52

mais clara. A notação utilizada para a modelagem foi a BPMN (Business Process Modeling

Notation). O fluxo de produção já foi apresentado de forma superficial na seção 2.2.1; já

nesta etapa, a cadeia é descrita de forma mais aprofundada, baseada em uma coleção real

de uma marca do grupo de moda, com datas reais.

A principal medida a ser analisada posteriormente é o tempo de duração das

atividades, uma vez que o projeto foca no cumprimento de prazos da cadeia. Ressalta-se

que, no mapeamento, está sendo representada apenas uma coleção (que chegou às lojas

em agosto de 2015), desde o seu início até a entrega final. Porém, é necessário destacar

que, em um ano, algumas coleções coexistem, de modo que existe interseção temporal

entre atividades de uma coleção e atividades de outra.

Além disso, optou-se por apresentar a configuração da cadeia apenas para os

produtos que entram no lançamento da coleção (mês de julho). Isso ocorre porque não

existe diferença nas etapas entre os produtos de acordo com o mês de entrada em loja; as

atividades são exatamente as mesmas, assim como seu tempo de duração. A única variável

que muda é a data de início e fim de cada etapa - os produtos com entrada em agosto, por

exemplo, iniciam o processo de produção 30 dias antes dos produtos com entrada em julho.

Tabela 2. Mapeamento da cadeia de uma marca do grupo

Nome da tarefa Início Conclusão Duração

(dias úteis)

Definição do tema D0 D + 109 109

Definição da cartela de cor/estampa D + 44 D + 150 106

Desenvolvimento de produto D + 39 D + 178 129

Definição de Produto e Matéria Prima (MP) D + 39 D + 144 105

Planejamento e pesquisa D + 39 D + 109 71

Compra de pilotagens importadas D + 97 D + 109 13

Compra de bases para pilotagem D + 93 D + 117 25

Workshop D + 110 D + 125 15

Desenvolvimento de piloto D + 108 D + 178 70

Provão D + 174 D + 178 5

Mostruário / Atacado D + 117 D + 235 118

Compra de MP e Aviamentos (Nacional e Importado) D + 118 D + 190 72

Compra de Produtos Acabados (PA’s) D + 117 D + 213 96

PA Importado - Produção 60 dias D + 136 D + 213 77

PA Importado - Produção 90 dias D + 117 D + 213 96

Page 63: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

53

PA Importado - Produção 120 dias D + 136 D + 213 77

Liberação para Atacado D + 186 D + 235 49

Produção do Mostruário D + 199 D + 218 19

CONVENÇÃO ATACADO D + 230 D + 230 1

Representante começa a vender Mostruário D + 235 D + 235 1

Entrada de Julho D + 25 D + 293 268

Produção D + 25 D + 282 257

Facção Nacional D + 127 D + 282 155

30 dias D + 180 D + 282 102

MP Nacional (aposta, compra, produção da MP e

aviamentos, e beneficiamento) D + 181 D + 254 73

MP Importada (negociação, compra, produção e envio) D + 183 D + 254 71

Lacre e Contra Amostra D + 180 D + 253 73

Produção D + 250 D + 282 32

45 dias D + 168 D + 282 114

MP Nacional (aposta, compra, produção da MP e

aviamentos, e beneficiamento) D + 168 D + 238 70

MP Importada (negociação, compra, produção e envio) D + 170 D + 238 68

Lacre e Contra Amostra D + 180 D + 238 58

Produção D + 239 D + 282 43

60 dias D + 148 D + 282 134

MP Nacional (aposta, compra, produção da MP e

aviamentos, e beneficiamento) D + 148 D + 231 83

MP Importada (negociação, compra, produção e envio) D + 153 D + 231 78

Lacre e Contra Amostra D + 181 D + 231 50

Produção D + 226 D + 282 56

75 dias D + 142 D + 282 140

MP Nacional (aposta, compra, produção da MP e

aviamentos, e beneficiamento) D + 142 D + 221 79

MP Importada (negociação, compra, produção e envio) D + 144 D + 221 77

Lacre e Contra Amostra D + 180 D + 221 41

Produção D + 222 D + 282 60

90 dias D + 127 D + 282 155

MP Nacional (aposta, compra, produção da MP e

aviamentos, e beneficiamento) D + 127 D + 207 80

Page 64: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

54

MP Importada (negociação, compra, produção e envio) D + 129 D + 207 78

Lacre e Contra Amostra D + 180 D + 207 27

Produção D + 208 D + 282 74

PA Nacional D + 204 D + 282 78

Tricot (pedido, compra de MP e produção da facção) D + 209 D + 282 73

Sapatos e Bolsas (pedido, compra de MP e produção da facção) D + 204 D + 282 78

Acessórios (pedido, compra de MP e produção da facção) D + 214 D + 282 68

PA Importado D + 25 D + 282 257

60 dias (desenvolvimento e aprovação de piloto, emissão de pedido

e produção de fornecedor internacional) D + 55 D + 282 227

90 dias (desenvolvimento e aprovação de piloto, emissão de pedido

e produção de fornecedor internacional) D + 25 D + 282 257

120 dias (desenvolvimento e aprovação de piloto, emissão de pedido

e produção de fornecedor internacional) D + 29 D + 282 253

Recebimento e Distribuição D + 270 D + 292 22

1ª parte do Recebimento da produção D + 270 D + 282 12

2ª parte do Recebimento da produção D + 283 D + 284 2

Revisão de qualidade D + 283 D + 284 2

Check List D + 283 D + 284 2

Entrada no Estoque PA D + 285 D + 285 1

Emissão de OR D + 286 D + 286 1

Separação e faturamento D + 287 D + 288 2

Envio para lojas/cliente D + 289 D + 292 4

Liberação para Varejo D + 291 D + 293 3

Convenção varejo D + 291 D + 291 1

Chegada de produto na loja (Lançamento) D + 293 D + 293 1

Segue representação em diagrama de processos, dividida em três fases:

Page 65: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

55

Figura 6. Diagrama de processos - até workshop

Page 66: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

56

Figura 7. Diagrama de processos - até o Provão

Page 67: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

57

Figura 8. Diagrama de processos - pós-Provão

Page 68: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

58

Legenda:

Operador E: todas as saídas são obrigatórias a partir de uma entrada; ou

todas as entradas são obrigatórias para produzir uma saída.

Operador OU exclusivo: apenas um dos caminhos pode ser seguido; ou apenas

uma das entradas é necessária para produzir uma saída.

O objetivo do trabalho não é criticar os tempos das etapas de Criação; o foco é na

operação do grupo. Assim, a análise contempla apenas as etapas (e suas respectivas

durações) após o Provão, a partir do qual a produção das peças começa de fato.

O fator que mais chama a atenção na tabela é a complexidade da cadeia, quando se

observa o número de caminhos possíveis que um produto pode seguir. Em primeiro lugar, o

produto pode ser do tipo Produto Acabado (PA) - o grupo de moda compra o produto já

pronto, sendo um terceiro responsável por toda a cadeia de produção - ou Facção - nesse

caso, a empresa define e compra a matéria-prima e a envia para um fornecedor terceiro,

que é responsável apenas pela confecção e possíveis beneficiamentos.

No caso de PA, o produto pode ser nacional ou importado. Nesse último caso, o

produto pode ter prazo de produção (isto é, desconsiderando tempo de compra e produção

de matéria-prima, transporte e fabricação e aprovação de piloto) de 60, 90 ou 120 dias, de

acordo com o fornecedor - essa variável, em geral, depende da localização do terceiro.

Já se o produto for do tipo Facção, o fornecedor de confecção pode ter tempo de

produção de 30, 45, 60, 75 e 90 dias. Além disso, a matéria-prima (que o grupo de moda é

responsável por definir e comprar) também pode ser nacional ou importada, o que também

altera a duração de algumas atividades.

Por fim, apesar de na tabela estarem discriminadas apenas as etapas dos produtos

que chegam às lojas em Julho, existem novas entradas de produtos em loja em Agosto e

Setembro para uma coleção de Verão (em outubro e novembro também há entrada de

produtos, mas da coleção de Alto Verão). Desse modo, o resultado é uma grande

complexidade para a área operacional conseguir gerenciar a produção. Embora as etapas

pelas quais um produto passa sejam essencialmente as mesmas (existe diferença entre os

tipos de produto - PA ou Facção -, mas, para produtos do mesmo tipo, o que varia é o tempo

de duração de determinadas etapas da cadeia), as datas de início e de conclusão de

produção variam enormemente entre os produtos.

Outra constatação importante é de que o fluxo é totalmente empurrado. Embora as

datas de início e conclusão de cada etapa sejam previamente estabelecidas antes de uma

Page 69: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

59

coleção pela equipe de Planejamento (que olha a cadeia como um todo e considera os

prazos de todas as atividades), não existe, na prática, nenhuma etapa que puxe as

anteriores. De acordo com a Teoria das Restrições, em geral, o ideal é que as etapas

anteriores ao gargalo sejam puxadas por ele, e as seguintes, empurradas.

Assumindo que o gargalo é a etapa de menor fluxo e que o fluxo, nesse caso, pode

ser calculado como volume de produção por unidade de tempo, fica claro que o gargalo para

a cadeia produtiva consiste nas etapas de produção do produto final.

Entretanto, é necessário ressaltar que a Produção de Mostruário também funciona

como uma restrição para a cadeia. A maior parte da coleção deve estar pronta e aprovada

para que o mostruário seja produzido e entregue aos representantes comerciais do canal

Atacado, o que ocorre, cronologicamente, antes dos pedidos de Produção. Assim, todas as

etapas de Criação da cadeia são limitadas pela data da produção de mostruário, e por isso

ocorrem com muita antecedência em relação ao lançamento da coleção nas lojas.

É necessário destacar, também, que os tempos apresentados na tabela são os

tempos planejados. Esses podem ser diferentes dos tempos realizados, o que ocorre

principalmente para as etapas que dependem de terceiros - ou seja, as etapas de produção

de matéria-prima e de produto final. A seção anterior já abordou os problemas nas relações

entre grupo de moda e fornecedores que podem resultar em atrasos nos tempos de

produção.

Page 70: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

60

5. ANÁLISE COMPARATIVA DE DADOS

Nesta seção de análise de dados, é feita uma contraposição de todo o arcabouço

teórico já levantado (métodos produtivos, segmentações estratégicas, cadeias de

suprimentos e outros conceitos utilizados na indústria da moda varejista) com os casos da

Zara/Inditex, empresas italianas e mercado de moda norte-americano descritos na seção 3,

assim como com os dados levantados sobre o grupo de moda.

O foco desta análise, portanto, é comparar a cadeia produtiva do grupo de moda

com os modelos teóricos apresentados - retirados da literatura - e com as principais

empresas (do ponto de vista de estratégia operacional) do mercado de varejo de moda, de

acordo com alguns critérios comparativos escolhidos. O objetivo final consiste em delinear

em quais pontos o grupo se distancia mais de suas referências/competidores/benchmarks

internacionais, mas também levar em conta o seu alinhamento ao modelo teórico-ideal, ou

mais razoável, dado o conhecimento teórico disponível atualmente, resultando em uma

análise mais ponderada e embasada de onde estão os maiores gargalos ou pontos de

alavanca na capacidade para conceber, produzir e entregar os produtos finais para seus

clientes nos prazos esperados. Assim, para cada critério comparativo, o grupo de moda é

comparado com os principais modelos teóricos e as empresas benchmarks, ambos

apresentados na seção 3.

De forma a tornar a comparação mais prática e objetiva, somente os pontos

principais foram denotados, uma vez que estes são explicados em maior conteúdo e detalhe

nas seções anteriores do trabalho.

5.1 Seleção dos critérios comparativos

Os critérios comparativos escolhidos para analisar a cadeia do grupo de moda são

apresentados na tabela 3 e foram selecionados com base na revisão da literatura focada no

tema principal deste projeto - a cadeia de suprimentos da indústria da moda. A seção 3.3,

dentro da revisão bibliográfica, descreve os principais conceitos produtivos que orientam a

estratégia de operação de uma empresa de moda; esses conceitos, que servem de base

para a escolha dos critérios, podem ser entendidos como categorias de decisão, que

impactam diretamente o desempenho da cadeia produtiva, e consequentemente, os prazos

para entregas para clientes do varejo. Os atrasos nessas entregas que são o principal

problema estudado.

Em síntese, os critérios constituem diferentes dimensões sob as quais é possível

atacar o problema dos atrasos na cadeia produtiva. São, dessa forma, complementares e

exaustivos, permitindo que se observe o problema de forma global e sistêmica. Todos

possuem relevância na questão dos atrasos da cadeia do grupo de moda; além disso,

Page 71: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

61

possuem bons referenciais teóricos na literatura e exemplos reais de aplicação bem-

sucedida em empresas mundiais.

Tabela 3. Critérios comparativos

Fast fashion

Quick Response

Agilidade na cadeia de suprimentos

Trade-off da variedade dos produtos

Métodos de previsão de demanda

Relacionamento com fornecedores

5.2 Fast Fashion

Essa dimensão comparativa diz respeito ao conceito de fast fashion, explicado de

forma exaustiva na revisão bibliográfica. Esse modelo de operação exige uma cadeia de

produção veloz e responsiva, além de canais de comunicação com o cliente para identificar

rapidamente as tendências do mercado. Usando ciclos curtos de desenvolvimento de

produto, lotes pequenos e variados e, geralmente, fornecedores globais com baixo custo de

mão-de-obra, o fast fashion é capaz de colocar em loja rapidamente produtos desejados a

preços acessíveis, em geral trocando a loja com frequência para passar ao cliente a

sensação de exclusividade.

Em relação aos benchmarks, a Zara é a principal expoente tratando-se de fast

fashion. Foi uma das pioneiras na adoção desse conceito para orientar suas operações e

desfruta de grande sucesso comercial por isso, sendo uma marca reconhecida e estudada

por seus métodos vencedores. A empresa terceiriza atividades mais intensivas em mão-de-

obra da sua cadeia (como o corte, por exemplo), enquanto opera internamente tarefas mais

intensivas em capital. Diferentemente de outras empresas de fast fashion, a Zara, por muito

tempo, produziu suas peças em centros próximos a seu mercado consumidor, como

Portugal e Espanha (onde a marca surgiu), e apenas recentemente passou a utilizar

fornecedores do Leste Europeu e do sudeste asiático por motivos de custo. Possui forte

estrutura logística, com um moderno centro de distribuição na Espanha.

Além da operação, que é essencialmente diferente do grupo de moda, vale citar

também a diferença da Zara no que se refere aos processos de criação. Devido às entradas

mais frequentes em loja, a empresa aposta em centenas de estilistas para produzir cerca de

12 coleções diferentes por ano, conseguindo, desse modo, entregar novos produtos em loja

a cada 2 semanas, o que contribui para renovar a loja e atrair o cliente.

Page 72: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

62

Já o grupo de moda, por sua vez, não é uma empresa de fast fashion. A cadeia de

suprimentos, do ponto de vista operacional, não possui as competências necessárias para

começar a operar no modelo de fast fashion, com entradas mais frequentes, lotes menores

e lead times consideravelmente mais curtos. Além disso, estrategicamente não interessa ao

grupo operar inteiramente nesse modelo, devido ao seus processos core, isto é, os

processos de Criação, que são os diferenciais da empresa.

A Criação baseia-se na tradução da tendências de mercado em coleções, com

temas principais que se desdobram. O processo criativo demora meses, e é o principal

diferencial do grupo em relação aos concorrentes. Acelerar e modificar esse processo - com

o objetivo de fazer mais coleções por ano - é uma manobra arriscada, que pode ameaçar a

vantagem competitiva do grupo. Evidentemente, essa absorção e tradução das tendências

deve ser rápida, mas não no ritmo do fast fashion, que praticamente não possui coleções,

mas lançamentos muito mais frequentes.

Em síntese, o grupo de moda pode se espelhar no modelo de fast fashion

(principalmente na Zara) quanto a alguns elementos, como relacionamento com

fornecedores, utilização de técnicas de lean para atividades intensivas em capital e o foco

em tecnologia da informação para melhorar a coleta e aproveitamento dos dados; porém,

deve ter o cuidado de não ameaçar a qualidade dos seus processos de Criação, que são a

fonte da vantagem competitiva.

5.3 Quick Response

Consiste em um conjunto de métodos e práticas para alinhar as atividades

organizacionais à demanda e ao comportamento do consumidor, o que tem como

consequência redução dos lead times da cadeia, deixando-a mais veloz. O modelo teórico

indica que o volume e variedade da demanda devem ser bem estudados, para que

direcionem a produção e entrega dos produtos, e o efeito chicote, comum em cadeias lentas

e com pouca visibilidade, seja minimizado. Assim, para o varejo de moda, as principais

aplicações do Quick Response consistem em: redução do tempo de fornecimento de tecido;

redução no tempo de confecção; e estreitamento do relacionamento com fornecedores. Para

o grupo de moda, em que o fornecimento de tecido não é uma restrição relevante para a

cadeia, valem mais os dois últimos.

Quanto aos benchmarks mundiais, ressalta-se novamente a Zara. O controle de

todos os dados no hub logístico em Zaragoza demonstra a preocupação da organização em

manter sempre os estoques dos centros de distribuição e das lojas equilibrados de acordo

com parâmetros pré-estabelecidos e feedbacks diretos das suas redes de lojas. Sua

estrutura organizacional combinando manufatura e confecção distante, mas também ao

Page 73: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

63

mesmo tempo próxima, num modelo de dispersão espacial da produção, se baseia

fortemente neste controle da logística de toda cadeia produtiva. Além disso, a Zara promove

manutenção de efetiva vantagem competitiva sobre concorrentes através de gestão do

complexo trade-off entre lead times curtos e tempos de transporte reduzidos.

O grupo de moda, então, pode aproveitar o exemplo da Zara e algumas técnicas do

modelo de Quick Response para aumentar a velocidade e capacidade de resposta da sua

cadeia, principalmente nas etapas de Produção (reduzindo o tempo de confecção) e no

relacionamento com fornecedores - que atualmente são excessivos e distantes do grupo (as

relações, embora de longo prazo, baseiam-se principalmente em custo e possuem

comunicação deficiente), o que complica a gestão.

5.4 Agilidade na cadeia de suprimentos

A literatura que aborda a questão dos tipos de cadeia produtiva e estuda o tema da

agilidade é extremamente vasta. É importante relembrar a classificação feita por Basu e

Wright (2008), que dividem as cadeias em tradicional, enxuta (lean) e ágil - essa é

associada a flexibilidade e velocidade no atendimento à produção de produtos inovadores,

mesmo em ambientes de demanda mais imprevisível. Outra classificação largamente

empregada divide os produtos em dois tipos: os funcionais, produzidos em grandes lotes,

com demanda mais previsível e competição normalmente ligada mais a preço; e produtos

inovadores, que possuem menor ciclo de vida, são produzidos em lotes menores e possuem

altas margens unitárias. Os primeiros exigem cadeias mais eficientes, enquanto os últimos

necessitam da abordagem mais ágil, responsiva, uma vez que a variedade tende a ser

maior, e a demanda, mais imprevisível.

Em termos de benchmarks mundiais em agilidade, o grupo de moda pode observar

alguns elementos da Zara. A importância dada para a tecnologia da informação e a

integração vertical das operações (produção, distribuição e vendas) foram fundamentais

para o sucesso da empresa na implementação de uma cadeia ágil. Além disso, as etapas

mais intensivas em capital utilizam técnicas lean para aumentar a eficiência e aproveitar os

benefícios da economia de escala, enquanto demais etapas utilizam mais os conceitos de

flexibilidade e responsividade. É válido citar também sua malha logística, com transportes

acessíveis e intermodais, apresentando lead times baixos. Finalmente, sua estratégia de

concentração da produção é muito bem sucedida, dado que mais de 87% de sua produção

reside nos clusters de fornecedores que vem desenvolvendo dede 2006. Essas estratégias,

compatíveis com as vantagens competitivas do grupo de moda, podem servir de inspiração

para a proposta de solução.

Page 74: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

64

Outro caso que merece destaque é o das empresas italianas, que recentemente

aumentaram a porção de fornecimento doméstico de matéria prima e serviços na sua cadeia

produtiva. A motivação foi a percepção de que os clientes valorizam produtos fabricados

localmente, apesar do maior custo de produção - que impacta no preço final. No entanto, os

resultados apontam que sistemas locais permitem a elaboração de políticas regionais de

integração produtiva e alcance de economias de escala com outras companhias, o que está

associado ao desenvolvimento de cadeias de fornecimento altamente focadas. O uso de

tecnologias de identificação por radiofrequência e certificações de qualidade, considerado

bem-sucedido, também pode ser útil para o grupo de moda.

A cadeia do grupo de moda, por sua vez, é tradicional e aplica muito pouco os

conceitos de agilidade, no que se refere à sua parte operacional, embora os produtos de

moda - inovadores, por definição, e com curto ciclo de vida - sugiram que a cadeia ágil é o

modelo mais adequado. A cadeia não é flexível, e não consegue responder de forma rápida

a variações na quantidade demandada; além disso, a cadeia é complexa (com produtos

podendo seguir diversos caminhos diferentes, dependendo do tipo - produto acabado ou

facção, da origem - nacional ou importado, da origem da matéria-prima e do tempo de

produção), e caracterizada por possuir um número grande de fornecedores, tanto de

matéria-prima quanto de confecção. Em termos de logística, o grupo possui dois Centros de

Distribuição, um para matéria-prima e outro para produtos acabados, que conseguem

responder de forma rápida às ordens de distribuição dos produtos.

A cadeia é baseada em estoques (o que está diretamente relacionado à previsão de

demanda, feita com muita antecedência à chegada do produto em loja) e longos lead times

operacionais e ciclos de vida. Utiliza muito a terceirização (quase nenhuma produção é

realizada internamente, apenas de peças piloto), sendo que boa parte dos fornecedores

terceiros é estrangeira, o que é positivo do ponto de vista de custo (principalmente em

relação à China), mas negativo considerando os tempos de produção e transporte, que

podem chegar a 120 dias.

Embora o fluxo de informação entre a empresa e fornecedores pode ser considerado

bastante problemático em alguns pontos (como é bem exemplificado na seção 4.1, que

descreve a visita técnica), internamente o grupo utiliza um sistema ERP para o back-office e

os pontos de venda, e um sistema de WMS para melhor gestão do estoque - o que trouxe

ganhos reais para a empresa em termos de redução de custo e maior assertividade nos

dados.

Em resumo, o esforço contínuo para tornar a cadeia produtiva do grupo cada vez

mais ágil e responsiva é fundamental para aumentar a competitividade da área de

Page 75: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

65

Operações e reduzir os tempos e prazos das atividades, o que tem como grande benefício a

aproximação da etapa de Criação do lançamento dos produtos em loja. Dessa forma, é

reduzida a distância entre a criação da coleção, inspirada pelas tendências da época, e a

chegada dos produtos em loja.

5.5 Trade-off da variedade dos produtos

A decisão do nível de variedade que a empresa oferece para seus clientes é

estratégica, e envolve diversas variáveis e relações de custo-benefício - lembrando que a

variedade, no contexto da moda, pode ser definida como: diversidade de produtos (estilo,

cor, tamanho); frequência com que a empresa substitui produtos existentes por novos;

externa (percebida pelo cliente final); e interna (processos e estratégia operacional da

empresa). Essa decisão impacta diretamente a organização da cadeia produtiva, a logística

de distribuição e a capacidade da cadeia de responder rapidamente a flutuações na

demanda.

Por um lado, oferecer um mix de produtos maior tende a atrair mais consumidores

para a as lojas, dado que esses possuem uma maior gama de opções para escolher e

combinar com outros produtos. Assim, uma variedade maior associa-se a um maior ajuste

entre as preferências do consumidor e o mix ofertado, o que impacta positivamente o market

share e o preço dos produtos. Existe, também, uma maior sensação de exclusividade nesse

caso, visto que, quando se oferece um mix maior, a quantidade de peças produzida por

produto é menor (devido à restrição orçamentária na compra). Essa sensação gera mais

desejo no cliente, o que também resulta em melhora de vendas.

No entanto, aumentar a quantidade de produtos distintos ofertados implica maior

complexidade na gestão operacional - pois são mais produtos, e assim, mais fornecedores

cuja produção deve-se coordenar -, o que tende a gerar maior ineficiência. A literatura indica

que o aumento da variedade é ligado também a aumento dos custos administrativos e de

produção; o impacto no resultado final é maior para cadeias com tempos de setup mais

relevantes. Assim, a decisão do nível ótimo de variedade passa necessariamente por uma

avaliação de custos - principalmente o custo da sobra e o custo do stockout - e expectativa

de vendas associada a cada uma das opções - um mix menor, com maior profundidade de

grade (isto é, mais peças produzidas por produto), ou um mix maior e menos peças por

produto.

Vale citar, novamente, a Zara, que utiliza a variedade de produtos, junto à velocidade

com que consegue entregar novos produtos no mercado, como uma vantagem competitiva

crítica. A empresa utiliza sua capacidade produtiva para ofertar um sortimento vasto com

grande variedade, geralmente ofertando diversas cores do mesmo produto, e explora a

Page 76: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

66

frequência com que renova sua loja para passar ao consumidor a sensação de

exclusividade (a cliente precisa comprar logo, pois o produto esgota e rapidamente a loja

será renovada e não terá mais estoque dele). Já as empresas de alta costura italiana não

lidam com a realidade de alta variedade de produtos; produzem de forma estável ao longo

do ano coleções sazonais de alto valor agregado.

No caso do grupo de moda, a variedade atinge principalmente a alocação de

fornecedores (quanto mais produtos de diversas linhas, maior a complexidade para se

alocar os fornecedores segundo os prazos estabelecidos) e o lead time da etapa de

Produção, visto que, embora a quantidade final seja a mesma, um fornecedor produz mais

rápido um lote de 1000 produtos iguais do que 5 lotes de 200 produtos (considerando 5

produtos diferentes), por exemplo, seguindo teorias básicas de escalabilidade produtiva e

curvas de aprendizado. Este último porque, como os processos envolvidos na confecção

(costura, inserção de aviamentos, etc.) são essencialmente manuais, existe uma curva de

aprendizagem associada a cada produto, que torna significativo o tempo de setup entre a

produção de dois tipos diferentes de produto. Assim, quanto maior a variedade do mix para

o grupo de moda, maior o custo e o lead time da produção.

Na empresa, o mix de produtos é definido pelo Planejamento, que considera

dimensões como o posicionamento de marca (uma marca voltada para um público mais

sofisticado, com preço médio mais alto, por exemplo, deve utilizar a sensação de

exclusividade para auxiliar nas vendas, oferecendo um mix grande, com menor

profundidade de grade por produto), o visual da loja, as tendências para cada linha de

produtos, a base de clientes, entre outras. A decisão final, no entanto, passa

consideravelmente por fatores qualitativos, como o julgamento de pessoas com bastante

experiência no mercado.

Dessa forma, julga-se necessário um estudo mais aprofundado que considere os

custos, riscos e benefícios associados a cada tipo de estratégia relacionada à variedade do

mix de produto, de modo a tomar uma decisão mais assertiva. É possível explorar de forma

mais quantitativa esse problema no grupo de moda, contribuindo para aumento de receita e

redução de custos.

5.6 Métodos de previsão de demanda

A dificuldade de se prever a demanda através de métodos quantitativos, para o

varejo de moda, já foi colocada ao longo deste projeto. Como o tempo de produção é

superior, em geral, ao tempo em que um produto permanece em loja, as empresas não têm

tempo para fazer nenhuma reposição, o que se soma ao fato de que não existem dados

históricos de venda para embasar uma estimativa, visto que a cada coleção os produtos são

Page 77: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

67

novos. Além disso, o comportamento do mercado de moda está sempre mudando, o que

contribui para aumentar a volatilidade e incerteza da demanda e reduzir ainda mais sua

previsibilidade.

Dessa forma, com exceção das empresas bem-sucedidas em fast fashion, a grande

maioria das companhias aposta no julgamento de profissionais com experiência no mercado

da moda para determinar a quantidade a ser pedida por produto. Julgamento e experiência

são fundamentais nesse mercado; contudo, uma previsão que não utiliza nenhum método

mais estruturado possui risco elevado.

Em relação às melhores práticas das empresas do setor, a Zara é novamente um

grande exemplo, por atacar o problema de outra forma. A empresa não foca em tentar

prever a demanda, mas em identificar rapidamente as tendências através de canais de

comunicação responsivos e colocar de forma veloz novos produtos em loja. É uma forma de

mitigar a dificuldade associada ao desafio da previsão.

Já as empresas italianas e norte-americanas utilizam técnicas mais robustas para

auxiliar a previsão. As primeiras baseiam-se em números históricos, tendências dos

consumidores, business intelligence, estimativas e insights informais de indivíduos com

maior experiência no mercado. Já as norte-americanas, além de acompanhar revistas de

moda e pesquisas de mercado, adotam práticas como: fazer uma etapa de vendas antes de

lançar a coleção para ter uma estimativa inicial da demanda por produto; e atrelar

remuneração variável à precisão das apostas das pessoas responsáveis pelas previsões.

No Grupo de moda, a previsão de demanda é feita de forma tradicional, baseada

apenas no conhecimento de mercado de profissionais com experiência no setor, sem

nenhum método quantitativo. Conclui-se, então, que há oportunidade de melhoria para esse

processo, tanto pelo lado adotado pela Zara - investir na velocidade da cadeia para

responder rapidamente às mudanças no comportamento da demanda - quanto pelo lado das

outras indústrias - utilizar métodos de previsão mais estruturados e robustos.

5.7 Relacionamento com fornecedores

A literatura especializada em cadeia de suprimentos indica que, em geral, uma

relação colaborativa entre os elos da cadeia contribui para maximizar o valor gerado.

Questões como confiança, compartilhamento de informações e transparência ajudam a

construir relações colaborativas ganha-ganha, em que os riscos são compartilhados entre os

membros da cadeia e os lucros no longo prazo são maiores. Além disso, os relacionamentos

tendem a se tornar de longa duração entre as empresas (CHOPRA e MEINDL, 2008).

Um exemplo de construção de bons relacionamentos com fornecedores é a Zara,

que promoveu durante anos a manutenção de relacionamentos comerciais estáveis, que

Page 78: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

68

permitem às suas companhias aumentar o nível de integração do grupo como um todo.

Além disso, há maior confiabilidade no estabelecimento de condições que garantam a

chegada de uma nova peça de vestuário ao mercado num tempo determinado. Outro

exemplo da construção de bons relacionamentos pela Zara é o fato da empresa auxiliar

fornecedores na implementação de um sistema ERP, desenvolvido internamente pela

própria Zara, que dava maior visibilidade das operações para todos os envolvidos.

Já o Grupo de moda possui uma rede extremamente complexa de fornecedores. O

número total de fornecedores é excessivo, e o grupo conhece o tipo de produto e o prazo

com que cada fornecedor está acostumado a trabalhar. As negociações com fornecedores

são sempre feitas com base em custo e prazo. Embora alguns fornecedores trabalhem com

o grupo há alguns anos, não há compartilhamento de dados, e os fornecedores reclamam

das instabilidades (picos e vales) na demanda. Existe oportunidade, então, para o grupo

concentrar um pouco a produção - isto é, priorizar alguns fornecedores, e trabalhar com um

número total de parceiros menor - e se aproximar de seus fornecedores, construindo

relações que não olhem apenas para o custo e o prazo da próxima coleção, mas sim para o

desempenho no longo prazo.

5.7 Análise comparativa: síntese

Pode ser observado que, em relação aos conceitos de fast fashion e quick response,

o grupo de moda não possui muitos referenciais de comparação direta com os seus

principais benchmarks europeus e norte-americanos. Apesar de não ter intenções de se

tornar uma empresa de fast fashion, o grupo pode tirar proveito de algumas técnicas de

responsividade e ciclos mais curtos de produção, visando a reduzir custos e otimizar

processos, mas priorizando a manutenção da qualidade e inovação em seus produtos. O

grupo não precisa alterar seu processo criativo, uma vez que é core, mas os benchmarks

em fast fashion e quick response utilizam sistemas de comunicação com o cliente e

relacionamento com o fornecedor - além da gestão de estoques e distribuição dos produtos -

que podem servir de inspiração para o grupo de moda aprimorar sua operação.

As cadeias de suprimentos, entretanto, se apresentam como uma perspectiva mais

ampla e de maior alavancagem para o grupo. Um aumento da agilidade da cadeia, que

ainda possui um viés tradicional, fortalecendo os seus mecanismos de distribuição,

balanceamento de estoques, sistemas de gerenciamento de fornecedores, entre outros

pontos, pode aumentar a previsibilidade dos custos de produção de suas peças e melhorar

o atraso na entrega de produtos para os clientes do atacado e varejo.

Uma combinação adequada do mix de produtos e sua variedade também se insere

neste contexto, pois influencia fortemente os tempos de setup, custos e lead times. Falta, no

Page 79: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

69

grupo de moda, um estudo quantitativo mais completo que considere os custos, riscos e

ganhos de se oferecer um mix mais variado - com menor quantidade de peças por produto -

ou um mix menor e com maior profundidade de grade por produto. Essa decisão,

atualmente, considera muito o julgamento de profissionais com experiência de mercado,

mas, embora o julgamento seja fundamental no varejo de moda, a utilização de análises

quantitativas e modelos matemáticos integrando diversas etapas da cadeia produtiva pode

ajudar o grupo a construir um portfólio de produtos ótimo, que maximize os ganhos no longo

prazo.

Atividades de apoio aos processos core do grupo, como métodos de previsão de

demanda (forecasting), ou relacionamento com fornecedores, também possuem

benchmarks interessantes que, de certa forma, podem agregar valor em determinadas

etapas da cadeia de produção como um todo (o de fornecedores com prazos de

recebimento de peças e matérias primas, por exemplo, e os de previsão de demanda com a

emissão da quantidade adequada de ordens de compra/OTB). A indústria norte-americana é

a que mais se aproxima do grupo de moda, por também confiar em estoques e previsão

antecipada da demanda, utilizando técnicas interessantes, como uma etapa de vendas com

clientes selecionados antes do lançamento da coleção, e remuneração variável atrelada ao

sucesso das previsões dos especialistas, responsáveis pela estimativa da demanda.

A questão da previsão da demanda, embora estrategicamente relevante, é

secundária, pois os frameworks teóricos e os cases mundiais mostram que investir na

capacidade de resposta da cadeia - e não em aprimorar as técnicas de previsão - é uma

decisão mais acertada. O problema da previsão - que afeta todo o varejo, não apenas o

setor de moda - pode ser mitigado através de ferramentas (como as mostradas pela

indústria norte-americana), mas nunca será totalmente resolvido, devido à natureza incerta e

volátil da demanda. O ideal para qualquer empresa varejista de moda seria ter uma bola de

cristal e prever antecipadamente a demanda com precisão; contudo, como isso não é

possível, o caminho adotado pelas empresas vencedoras e recomendado pela literatura é

aumentar a velocidade da cadeia, de modo que se consiga responder rapidamente a

variações na demanda. O sucesso estratégico está na capacidade de identificar tendências

e colocá-las rapidamente em loja, e não em investir no aprimoramento da previsão.

Na prática, isso significa, por exemplo, ofertar uma pequena quantidade de cada

produto e, a partir de dados iniciais de venda, produzir e colocar em loja mais peças dos

produtos que venderam bem, e produzir menos (ou até não produzir mais) os produtos que

não tiveram bom desempenho. A cadeia do grupo de moda, atualmente, não é capaz de

adotar essa estratégia. Já a cadeia da Zara possui essa capacidade de resposta, e por esse

e outros fatores, é um caso de sucesso mundial.

Page 80: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

70

Quanto ao processo criativo, a forma tradicional com que é feito no grupo de moda,

que vem garantindo a produção de peças desejadas e cobiçadas pelos clientes ao longo de

mais de 25 anos, também pode ser alvo de flexibilização e inovação, mas como destacado,

não é atualmente o gargalo na quebra da entrega de produtos acabados para a ponta da

cadeia de valor do grupo.

Page 81: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

71

6. PROPOSTA DE SOLUÇÃO

Conforme denotado ao longo do trabalho, o objetivo é desenvolver um pacote de

soluções integradas que visam a reduzir o atraso na entrega de produtos acabados

para o canal do varejo do Grupo da indústria da moda.

É importante ressaltar este objetivo, de forma a priorizar as escolhas de alternativas

ante a vasta gama de possibilidades de melhorias que são apresentadas após uma

adequada revisão bibliográfica, levantamento de referenciais comparativos e

enquadramento do grupo entre os mesmos. É preciso comentar, também, que as propostas

de soluções foram concebidas com base em conversas com gerentes do grupo de moda;

além disso, as melhores práticas descritas no modelo teórico e as soluções de mercado,

descritas principalmente na etapa de Casos Mundiais da Revisão Bibliográfica (seção 3.4)

também serviram de inspiração. Assim, a investigação da literatura e posterior comparação

da situação atual do grupo de moda com os modelos teóricos e referências do mercado

(como a Zara) foi fundamental para que as ideias de solução fossem concebidas.

Primeiramente, é válido observar que as propostas de solução analisadas deverão

seguir algumas premissas (o grau de alinhamento das propostas a cada premissa será

avaliado posteriormente):

● Possuir ajuste com os atuais diferenciais competitivos e decisões estratégicas

adotadas na corporação;

● Devem, no mínimo, fortalecer um determinado diferencial competitivo, ou

melhorar/reduzir a diferença de certos critérios competitivos em relação aos

concorrentes;

● Não reduzir a qualidade/nível de serviço dos processos-chave do negócio (no caso,

os processos que envolvem o desenvolvimento e criação de novos produtos

desejados pelos clientes finais).

Conforme analisado na seção anterior, determinados pontos a serem explorados

com base nos benchmarks e referenciais teóricos possuem menor aplicabilidade no

contexto atual do grupo de moda, que: não se enquadra num grupo de moda de fast fashion

com várias coleções ao longo do ano; ainda possui estratégias de planejamento e controle

de produção em teste e desenvolvimento; apresenta certa estabilização e coerência de

processos internos; possui um processo de criação bem estabelecido e que garante

coleções bem sucedidas ano após ano; possui grande “gordura” a ser explorada no

gerenciamento de estoques ao longo da produção, mecanismos de responsividade da

cadeia, priorização de entregas de matéria-prima e produtos acabados; pode aplicar certas

técnicas de quick response em determinadas etapas (como as de distribuição e produção de

Page 82: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

72

peças a partir de materiais já estocados em centros de distribuição do grupo, que costuma

resultar em atrasos muitas das vezes) e um maior aprofundamento do custo-benefício das

escolhas de mix de produção.

Isso posto, é possível afirmar que os principais pontos de alavancagem para redução

dos atrasos de forma a manter os diferenciais competitivos das marcas do grupo (qualidade

dos produtos, desejo do cliente e inovação, derivados do processo de criação melhorado e

refinado ao longo dos últimos 25 anos) estão no gerenciamento global da cadeia de

suprimentos, equalizando com as escolhas estratégicas corretas em relação ao mix de

produtos e os trade-offs de produção desdobrados, assim como os níveis de estoques e seu

impacto.

Metodologias de previsão de demanda mais sofisticadas, conforme utilizados na

indústria norte-americana, alterações pontuais no processo de criação para um alinhamento

maior com tendências de fast fashion como a Zara vem fazendo, por exemplo, e inovações

nos relacionamentos com fornecedores - como é feito pelas indústrias de alta costura

italiana - sem dúvida trariam melhorias aos produtos e à cadeia produtiva como um todo,

mas possuem menor custo-benefício do que a gestão efetiva da cadeia e do mix de

produtos.

Assim sendo, as soluções podem então ser analisadas por critério competitivo, com

foco em reduzir o atraso na entrega de produtos para clientes do varejo. Elas foram

agrupadas em três distintas categorias de solução:

1. Aumento da eficiência da Cadeia de Suprimentos (responsividade, previsibilidade,

gerenciamento de estoques);

2. Gerenciamento dos trade-offs decorrentes da escolha de mix de produção e

variedade de produtos;

3. Incorporações de técnicas de fast fashion, como o Quick Response, em

determinadas etapas da cadeia de suprimentos, produção e distribuição.

Utilizando o objetivo principal descrito acima e as premissas definidas no início desta

seção como critérios de avaliação, elas serão detalhadas a seguir, e posteriormente

avaliadas e priorizadas para definição de quais são as propostas de solução ideais.

6.1 S1: Aumento da eficiência da Cadeia de Suprimentos

6.1.1 S1.1: Aplicação de técnicas de lean manufacturing

Assim como a Zara, utilizar técnicas de lean nas etapas mais intensivas em capital e

explorar flexibilidade e responsividade nas outras. A partir do fluxo de produção descrito na

tabela 3 e desenhado nas figuras 6, 7 e 8, é visível que há oportunidade de aplicação de

técnicas e ferramentas da manufatura enxuta nas etapas de pilotagem de peças (a

Page 83: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

73

pilotagem é feita internamente, com exceção de produtos do tipo Produto Acabado,

inteiramente produzidos por fornecedores), no corte, no processo de prova de roupa (etapa

que sucede o Provão; o objetivo é ajustar e aprovar as peças piloto antes de lacrá-las e

enviá-las ao fornecedor) e no consumo da Ordem de Serviço (etapa que ocorre no Centro

de Distribuição, em que um funcionário junta o material necessário - tecido, aviamentos,

risco, piloto - para enviar ao fornecedor, para que esse execute a produção).

Para a pilotagem, corte e prova de roupa, o foco da abordagem lean deve ser em

agilizar o processo, através do mapeamento das atividades e eliminação daquelas que não

agregam valor ao processo, além de um melhor controle de estoque (principalmente para

pilotagem e corte). O objetivo deve ser aumentar a capacidade de processamento dessas

etapas, de modo a reduzir o tempo necessário do processo, uma vez que eles estão no

caminho crítico do calendário.

Já para o consumo da OS, o objetivo da abordagem lean deve ser a prevenção dos

defeitos. Conforme discutido com o fornecedor na visita técnica, grande parte do atraso tem

como causa o envio errado da OS pelo Centro de Distribuição (em geral faltando algum

elemento necessário para que se inicie a produção). Assim, a aplicação de técnicas lean

(como o mapeamento da cadeia de valor desse processo) deve ajudar a prevenir erros.

Para as outras atividades, o foco deve ser trabalhar para torná-las mais flexíveis e

responsivas. Isso é válido principalmente para a proposta S1.4.

6.1.2 S1.2: Internalização do corte

Aliado ao primeiro ponto, a partir de um estudo de layout e viabilidade, começar a

realizar a etapa de corte integralmente dentro da empresa (como é feito com a uma das

marcas para diversos produtos), de modo a reduzir o tempo de confecção por parte de

facções terceirizadas, que muitas vezes “quarteirizam” o serviço para costureiras

autônomas, o que impacta diretamente no prazo de produção. Internalizar o corte dá maior

controle sobre os prazos e qualidade da produção para a empresa, embora exija a alocação

de pessoas e recursos para coordenar essa etapa com as demais do fluxo produtivo.

Um ponto positivo em relação ao corte interno é a possibilidade de automação; o

corte é uma das únicas etapas do processo de confecção de vestuário que tem espaço para

máquinas que geram ganho de eficiência (uma vez que as atividades de costura são

essencialmente manuais e dependentes do trabalho humano). Isso é feito pelas indústrias

norte-americanas; já no grupo de moda e em seus fornecedores, o corte é geralmente feito

com máquinas de corte antigas, e são necessários diversos operadores (cortadores,

separados, infestadores).

Page 84: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

74

6.1.3 S1.3: Alocação de equipe para fornecedores

Ao mesmo tempo, é necessário alocar uma pessoa (ou uma equipe) exclusivamente

para tratar do relacionamento com fornecedores, de modo a resolver problemas que surjam

na produção (como observado com o fornecedor visitado ao longo do projeto) rapidamente.

Essa pessoa deve ser o ponto de contato entre o fornecedor e a empresa, e tem como

função resolver o problema (se for possível e rápido), ou direcionar o fornecedor para a área

responsável (pode ser o Estilo, por problema de produto; o Centro de Distribuição, por

problema de envio de matéria-prima; entre outros).

Atualmente, como detalhado no relatório da visita técnica (seção 4.1), o fornecedor

muitas vezes não sabe quem é o ponto focal para resolver o problema, e consequentemente

a informação fica perdida, e a produção, parada. É útil, também, desenvolver um canal

direto de comunicação com os fornecedores (via Intranet ou algum tipo de sistema interno)

para facilitar a troca de informações e agilizar a resolução de entraves.

6.1.4 S1.4: Aumento da visibilidade sobre prazos

Muito relacionado ao ponto acima, é fundamental dar maior visibilidade dos prazos

para a área de Operações. Atualmente, quando um produto é aprovado já se conhece qual

a base utilizada (o tecido), os aviamentos necessários, a estampa/cor que será utilizada e o

fornecedor que vai confeccionar a peça. Assim, é possível estimar, com certa confiança,

qual o lead time de produção do produto, até que esteja pronto para ir para a loja. No

entanto, devido à complexidade da cadeia, essa informação não é conhecida, ou não é

utilizada para suportar a tomada de decisão. É necessário, portanto, criar um sistema que

dê visibilidade ao setor de Operações a nível de produto, informando em qual estágio

encontra-se o desenvolvimento do produto, e qual o prazo restante para que ele seja

entregue. Um painel em Excel ou outro sistema já ajuda a cobrir o gap de informação. Está

em desenvolvimento, atualmente, um Painel de Controle para atacar exatamente esse

problema; porém, ainda existem entraves e restrições que dificultam sua utilização, e

precisam ser aperfeiçoados. Isso dificulta também a obtenção e análise de dados confiáveis

em relação a prazos e atrasos.

6.1.5 S1.5: Concentração da produção e estruturação de sistema de monitoramento

Concentrar a produção em menos fornecedores e buscar evitar a “quarteirização” da

mesma em suas redes de fornecedores, visto que dificulta o controle e gestão da cadeia

produtiva. Além disso, deve-se estreitar a relação com os fornecedores - por exemplo,

aumentando o compartilhamento de informações, ajudando o fornecedor a programar e

alocar sua produção (uma vez que os fornecedores em geral não dispõem de bons sistemas

e boas técnicas de PCP), informando com mais antecedência o fornecedor sobre a possível

demanda da coleção, entre outras ações - pode ser uma maneira de reduzir o risco e os

Page 85: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

75

lead times de produção, além de facilitar a coordenação da rede de fornecedores (quanto

menos fornecedores, menor o esforço de gestão necessário). Construir relações duradouras

e colaborativas com os fornecedores é uma estratégia aplicada e bem-sucedida em

benchmarks como a Zara.

Aliado a esse ponto, é útil estruturar um sistema de monitoramento de peças mais

críticas, por amostragem, através de RFID ou tags que possam ser monitorados e eventuais

problemas prevenidos. Por exemplo, peças para mostruário (peça-piloto, tecidos e

aviamentos necessários antes da aprovação) que serão utilizados para expor novas

coleções ou lançamentos para representantes do atacado, especialistas e indivíduos do

setor com o objetivo de captar vendas.

6.1.6 S1.6: Refinar determinados módulos do sistema ERP

Refinamentos no sistema ERP devem ser considerados. O sistema utilizado

atualmente pela empresa é excessivamente customizado, e diversos processos

(especialmente na parte da Criação) são realizados com apoio de planilhas em Excel e

outros sistemas imprecisos de controle devido a limitações do ERP atual. Entretanto, outros

processos da empresa vêm cada vez mais se familiarizado com os sistemas utilizados e se

adaptando a ele com ferramentas auxiliares. Entende-se que trocar determinados módulos

do ERP demanda recursos, tempo e tira foco da diretoria da empresa, mas eventualmente

será necessário, até para que as operações da empresa ganhem escalabilidade. Os

principais ganhos de modificações no ERP seriam para melhorar os sistemas de gestão de

estoques do back-office com tecnologias on-time, uma melhor gestão dos processos

produtivos e visão do impacto financeiro dos mesmos (por exemplo, na Geração de Caixa

do grupo). Essa necessidade já foi colocada em reuniões de planejamento estratégico do

grupo.

6.1.7 S1.7: Análise de causas de atrasos por fornecedor

Desenvolver de forma mais estruturada, por fornecedor, análises por diagrama de

Pareto dos motivos dos atrasos na produção, dado que, de acordo com a visita técnica

realizada, estes podem ocorrer pelos mais variados motivos: falhas na comunicação entre

fornecedor e grupo de moda; peças faltando na Ordem de Serviço (OS); alinhamento de

prazos, entre outros. Desta forma, poderá ser levantado onde focar os esforços de redução,

caso a caso. Possui maior custo-benefício se implementado com uma maior clusterização

de fornecedores, de forma a customizar ainda mais o sistema de mensuração, avaliação e

melhoria dos processos.

Page 86: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

76

6.1.8 S1.8: Sistema de bonificação para fornecedores

Controlar prazos de entregas e qualidade do material com fornecedores,

direcionando para otimização de estoques e economias de escala nas compras sempre que

possível, atrelando bonificações e/ou outros sistemas de recompensa (para os

fornecedores) a estas métricas. Essa solução tem bastante afinidade com a proposta S1.5 e

pode ajudar a estreitar a relação com os fornecedores, uma vez que a melhora no

cumprimento de prazos será interessante financeiramente também para o fornecedor.

6.2 S2: Otimização do Mix de Produção e trade-offs da variedade dos produtos

6.2.1 S2.1: Desenvolvimento de metodologias analíticas e estratégias por linha de

produtos

Utilizar técnicas discretas e quantitativas para planejar, gerenciar e avaliar o custo-

benefício de diferentes cenários em relação à escolha da variedade de produtos desejados

(linha e cor, principalmente), à alocação em fornecedores diferentes e ao lead time médio de

produção dos produtos. Atualmente, esse tipo de decisão é tomada de forma qualitativa,

sem a utilização de dados, o que ajuda a tornar a rede de fornecimento caótica e dificulta a

clareza das informações (o status de cada produto no fluxo de produção, por exemplo, não é

conhecido de forma muito precisa).

Como escolhas de mix de produção/variedade afetam mais significativamente

cadeias produtivas com tempos de setup maiores (o que seria o caso do Grupo de moda,

com peças sofisticadas e inovadoras que requerem sempre novas curvas de aprendizado,

atenção a detalhes meticulosos, etc.), é crítico que haja métodos e processos que projetem,

mensurem, avaliem e desdobrem para vários níveis gerenciais as consequências das

perdas/ganhos decorrentes de um lead time maior/menor, também levantando os efeitos

nos custos de falta (stockout) e custos de sobra de produtos, dada a variação da

profundidade da grade, diretamente relacionada à escolha do mix de produção.

Além disso, é necessário avaliar o relacionamento entre o mix de produção, a

margem de contribuição (receita deduzida de impostos e despesas fixas e variáveis) da

coleção e o atraso de produtos apresentado. Existe uma relação entre o nível de serviço e a

margem de contribuição, que deve ser melhor estudada. O objetivo não é ter um nível de

serviço de 100%, pois atingir esse valor acarretaria em diversos custos, mas sim entender

melhor quanto a empresa deve estar disposta a abrir mão do nível de serviço devido à

margem obtida. Por exemplo, a empresa aceita até 5% de quebra (resultando, então, em um

nível de serviço de 95%), dado que abaixo disso a receita adicional não compensaria o

esforço. É preciso entender melhor essa relação.

Page 87: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

77

Aliado ao ponto acima, é necessário que cada linha de produtos passe a ter um

planejamento estratégico e metas orçamentárias próprias. Por exemplo, a linha de sarja

deve focar em redução de custo do produto, enquanto a linha de couro deve se concentrar

em redução de preço para aumentar o número de clientes. Cada linha possui um

determinado posicionamento na marca, de acordo com critérios como número de modelos,

preço médio, margem, e quantidade média de produtos, e os desempenhos dos produtos

são analisados de forma global, por marca e canal. Atualmente, não existe uma estratégia

bem estruturada para cada uma das linhas.

6.2.2 S2.2: Estratificação da terceirização e da produção própria

Reorganizar as tarefas terceirizadas da produção e a as realizadas internamente de

acordo com fatores quantitativos e qualitativos, ponderados pelo posicionamento de cada

marca do Grupo de moda no mercado (por exemplo, marcas direcionadas a classe alta

possuindo poucas peças com muita variedade devem estar mais controladas pois requerem

curvas de aprendizado mais longas, e marcas direcionadas a classe média/alta, podem

possuir muitas peças variadas e em grandes quantidades, requerendo mais operações e

mais intensidade em trabalho, com sua produção podendo ser segmentada por nichos de

fornecedores).

Além disso, é indicado focar em trabalhar de forma alinhada os processos produtivos

de determinadas linhas ou tipo (vestido, saia, camiseta, etc.) de produtos, de acordo com o

nível de atraso aceito/planejado. Produtos com menor mark-up possuem maior variedade e

frequência de reposição nas lojas (percebida pelo cliente, maior possibilidade de

combinação de produtos), e produtos de maior mark-up possuem maior variedade interna de

processos e estratégias de operações de acordo com o tipo de produto.

6.3 S3: Utilização de técnicas de Quick Response em determinadas etapas do

processo produtivo

6.3.1 S3.1: Capacitação da cadeia produtiva

Capacitar a cadeia produtiva (a nível de processo, estoques, competências técnicas

dos funcionários) para que determinados produtos a “atravessem” de forma eficiente, em

caráter prioritário, sempre que as coberturas dos mesmos nos pontos de venda esgotarem

(produtos com maior giro), evitando perdas por stockout. Essa ideia é praticada na Zara, que

consegue identificar os produtos que estão esgotando rapidamente, produzir mais peças e

repô-las em loja em pouca semanas.

Aliado a isso, pode-se reavaliar o custo-benefício da produção local distribuída,

assim como a utilização de centros de produção próprios, com tecnologias de identificação

por radiofrequência (RFID), estruturas de produção flexíveis (por células produtivas, por

Page 88: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

78

exemplo) e adoção de certificações de qualidade como o ISO 9001 ou OHSAS 18001. O

know-how desenvolvido pelo fornecedor visitado, que estrutura sua produção no layout

celular, pode ser bastante útil nesse sentido, uma vez que ele atingiu níveis de eficiência e

cumprimento de prazos muito superiores aos outros fornecedores.

Evidentemente a produção totalmente interna é inviável no curto e médio prazo; no

entanto, é possível criar uma célula produtiva flexível, focada em produzir os produtos com

alto giro que estão esgotando, com o objetivo de reduzir a perda com stockout, conforme

explicado acima.

6.3.2 S3.2: Criação de gatilhos de reposição

Aumentar a capacidade de resposta da ponta para reduzir stockouts, criando gatilhos

de reposição a partir de níveis estipulados de giro de determinados produtos/peças

acabadas nas lojas de varejo, integrados a processos de pedidos de compra e

reorganização de capacidade na cadeia como um todo. Esses gatilhos na ponta podem ser

parte do sistema flexível de atravessamento, citado na solução S3.1.

6.3.3 S3.3: Mapeamento geográfico de fornecedores

Mapear geograficamente os fornecedores do grupo e classificá-los de acordo com

sua capacidade de atendimento/resposta, ou “ativação” a necessidades de curto prazo para

reposição, levando em conta a posição dos Centros de Distribuição (Jacarepaguá e São

Cristóvão), tempos de transporte entre CD e fornecedores e o nível de atraso médio

(desempenho) associado a cada fornecedor.

6.4 Avaliação e priorização das propostas

As soluções descritas se enquadram em possibilidades identificadas como

prioritárias em relação a diversas dimensões de melhoria possíveis, e coerentes com o

repositório teórico pesquisado, os benchmarks de referência avaliados, e a atual conjuntura

socioeconômica experimentada pela empresa de moda objeto desta proposta de solução, o

grupo de moda.

Entretanto, ainda é necessário que estas sejam avaliadas de acordo com o impacto

estimado na redução dos atrasos (objetivo final do projeto) e com as premissas pré-

definidas de ajuste e vantagem competitiva, de forma a realmente filtrar as propostas com

maior capacidade de reduzir o atraso na entrega de produtos acabados aos clientes finais,

sem entrar em conflito com os direcionamentos estratégicos da organização.

As soluções foram classificadas de 1 a 5, com o valor 1 representando “Pouco” e o

valor de 5 representando “Muito”. Entende-se que a primeira premissa é a principal,

portanto, foi dado peso 3 a ela, enquanto às outras três foi atribuído peso 1. Dessa forma, a

Page 89: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

79

nota final da proposta corresponde à média ponderada entre as notas das premissas. As

soluções estão classificadas por suas referências.

É necessário ressaltar que os pesos foram atribuídos pelos autores do projeto, que

entendem que o impacto na redução dos atrasos é o critério mais importante a ser utilizado,

uma vez que é desdobrado diretamente do objetivo final do projeto. Já os outros critérios,

embora também relevantes, dizem respeito mais à adequação das propostas ao momento

estratégico atual do grupo de moda. Dessa forma, decidiu-se, após discussão dos autores,

ponderar da mesma forma o impacto na redução dos atrasos (50%) e as outras três

premissas de ajuste estratégico (50%).

Premissas de avaliação da efetividade das soluções para o grupo de moda:

P1 (peso 3) - Qual o grau do impacto dessa proposta na redução dos atrasos nas entregas

de produtos acabados aos clientes?

P1 (peso 1) - Possui ajuste com o atual momento estratégico da organização?

P2 (peso 1) - Fortalece um diferencial competitivo OU reduz determinada diferença de

competitividade em relação a concorrentes?

P3 (peso 1) - Mantém o nível de serviço dos processos core do negócio?

Tabela 4. Avaliação das propostas

Como pode ser visto acima, há uma razoável variação entre as notas finais das

soluções. Após breve análise de qual seria a nota de corte ideal, foi decidido se escolher

todas as soluções com nota final maior que ou igual à média das notas, ou seja, todas as

soluções com nota maior ou igual a 3,5. Com isso, as seguintes soluções se mostraram

Page 90: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

80

prioritárias para redução da quebra dos produtos na cadeia de suprimentos e de produção

do Grupo de moda:

● S1.2 - Internalização do Corte (3,8)

● S1.3 - Alocação de equipe para fornecedores (3,5)

● S1.4 - Aumento da visibilidade sobre prazos (3,8)

● S1.5 - Concentração da produção e estruturação de sistema de monitoramento (4,3)

● S1.8 - Sistema de bonificação para fornecedores (3,8)

● S2.1 - Desenvolvimento de metodologias analíticas e estratégias por linha de

produtos (3,7)

● S3.1 - Capacitação da cadeia produtiva (4,8)

● S3.2 - Criação de gatilhos de reposição (4,8)

É interessante notar que as soluções se complementam, o que contribui para gerar

um pacote integrado para atacar o problema em suas diversas faces: S1.3, S1.5 e S1.8

envolvem diretamente os fornecedores e a relação da empresa com eles; S1.2, S3.1 e S3.2

se propõem a reorganizar determinadas etapas da cadeia produtiva de forma a torná-la mais

eficiente, veloz e mais responsiva, para evitar stockouts. Por fim, S1.4 e S2.1 englobam os

dois clusters de soluções anteriores, dando visibilidade ao back-office gerencial e

suportando a tomada de decisão no dia-dia operacional, assim como refinando o

planejamento estratégico da produção em linha de produtos em vez de grandes coleções

(dando mais foco e capacidade de aprendizado à alta gestão) respectivamente.

Desta forma, visando a uma maior aplicabilidade e coerência lógica de

desenvolvimento das soluções, seria ideal que elas fossem implementadas das mais

genéricas e internas à organização para as mais específicas e que lidam com agentes

externos; logo, se pudessem ser divididas em 3 etapas de esforço gerencial e alocação de

recursos (tempo e investimentos financeiros):

1a etapa: S1.4 e S2.1

2a etapa: S1.2, S3.1 e S3.2

3a etapa: S1.3, S1.5 e S1.8

Essa integração das soluções pode ser visto no esquema representado na figura 10:

Page 91: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

81

Figura 9. Esquema das soluções propostas

Esse pacote é completo e integrado; as soluções propostas são complementares e

relevantes, de acordo com a avaliação de ajuste estratégico realizada, e são suficientes

para reduzir consideravelmente o problema dos atrasos nas entregas do produto final. As

propostas que foram despriorizadas, devido a seu menor potencial de impactar a solução do

problema e seu menor alinhamento com o direcionamento estratégico atual da empresa,

devem ser reavaliadas após a implementação do pacote proposto, para que se decida sobre

sua relevância e viabilidade em um próximo momento de mudança.

No primeiro nível, ao dar maior visibilidade sobre prazos para a área de Operações,

a empresa consegue reagir preventivamente a possíveis atrasos, minimizando seu impacto

nas vendas. Um ponto positivo em relação a essa proposta é que a empresa já dispõe de

todos os dados necessários em seu sistema ERP; o que falta é uma ferramenta que

processe e forneça à equipe responsável essa informação de uma forma mais acionável,

isto é, que sirva de suporte à tomada de decisão. Integrada a essa proposta, o

desenvolvimento de metodologias analíticas para planejar, gerenciar e avaliar o custo-

benefício de diferentes cenários em relação à escolha da variedade de produtos desejados

alocação em fornecedores diferentes e o lead time médio de produção dos produtos tende a

contribuir muito para que as decisões de alocação e de qual o nível de atraso máximo

aceitável sejam tomadas de forma mais informada, e portanto, sejam mais assertivas.

Em seguida, no segundo nível, a internalização do corte tem como objetivo dar maior

controle na gestão do fluxo produtivo para a empresa, o que tende a minimizar ruídos (como

problemas de qualidade) e reduzir o lead time total da etapa de Produção. Aliado a isso, a

Page 92: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

82

capacitação da cadeia produtiva para que seja criado um sistema flexível de

atravessamento rápido (inicialmente uma célula produtiva própria), focada em produzir de

forma veloz produtos com giro alto e previsão de esgotamento nas lojas, é o principal driver

para reduzir a diferença de competitividade do grupo de moda em relação aos concorrentes,

no que diz respeito ao desempenho operacional. Inspirada na Zara, benchmark mundial em

responsividade e velocidade de cadeia de suprimentos, essa proposta é uma das mais

importantes e capazes de gerar maior impacto nos resultados financeiros do grupo, visto

que tem potencial de reduzir a perda de vendas por stockout, e consequentemente,

aumentar a receita e a margem de contribuição. Essa proposta é integrada com a criação de

gatilhos de reposição.

Por fim, o terceiro nível aborda o problema dos atrasos considerando a ótica dos

fornecedores. Em primeiro lugar, a alocação de uma equipe responsável para gerir

problemas na produção dos fornecedores já é capaz, por si só, de eliminar diversos atrasos

resultantes de comunicação deficiente. Concentrar a produção em menos fornecedores

também é importante, uma vez que tem potencial de reduzir a complexidade na rede de

fornecedores e melhorar o relacionamento do grupo de moda com os parceiros. Os

benchmarks e modelos teóricos apontam que o relacionamento colaborativo, baseado na

em confiança e constante troca de informação entre os envolvidos, é o que tende a produzir

melhores resultados no logo prazo. O grupo de moda deve aprimorar seu relacionamento

com os fornecedores para que não fique atrás dos concorrentes nesse sentido. Atrelado a

isso, a criação de um sistema de monitoramento deve auxiliar a área de Operações a

priorizar itens mais críticos. Finalmente, o desenvolvimento de um sistema de bonificação

dos fornecedores, ligado ao desempenho nas entregas, tende a aumentar o esforço do

fornecedor na redução do prazo e na manutenção da qualidade do produto final, além de

contribuir para estreitar seu relacionamento com o grupo de moda.

Portanto, é possível afirmar que o pacote de soluções apresentado integra os

diversos pontos trabalhados neste projeto: os modelos e referenciais teóricos - no que se

refere à gestão da cadeia de suprimentos e à indústria do varejo de moda - indicados pela

literatura; as melhores práticas observadas nos líderes mundiais do setor; e as

necessidades e características específicas da cadeia produtiva do grupo de moda. As

propostas reunidas possuem alto nível de ajuste ao atual momento estratégico da empresa,

e, sem afetar os processos core do grupo - que consistem na parte criativa da cadeia -, têm

como objetivo principalmente reduzir a diferença de competitividade do grupo em relação a

seus concorrentes. Devidamente implementadas, podem gerar uma vantagem competitiva,

especialmente quanto à velocidade de resposta da cadeia e ao relacionamento com

fornecedores.

Page 93: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

83

No entanto, é importante destacar que as soluções não estão prontas para

implementação. As propostas foram concebidas a partir da identificação das necessidades

da área operacional da empresa, em comparação com os modelos teóricos e soluções

adotadas por benchmarks do mercado. Assim, não foram considerados o custo e a

viabilidade de implantação das ideias propostas. Todas as propostas necessitam de esforço

intenso de planejamento, desenvolvimento e acompanhamento para que possam produzir

resultados relevantes para o problema inicial, que não está contemplado no escopo do

projeto.

Page 94: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

84

7. CONCLUSÕES

Para concluir, é necessário, em primeiro lugar, remeter ao objetivo final - a redução

nos atrasos das entregas de produtos acabados para as lojas de varejo do grupo de moda -,

que orientou toda a execução deste projeto, assim como relembrar o contexto no qual se

insere a empresa na moda brasileira.

É necessário comentar a grave crise econômica que assola o Brasil desde 2015, e

impacta diretamente o mercado de varejo de moda, que até então apresentava crescimento

estável em faturamento e número de clientes. O grupo de moda está experimentando

crescimento na receita e no lucro; no entanto, também está sentindo os efeitos da crise.

Assim, a eficiência operacional e a velocidade de resposta da cadeia são, nesse momento,

estrategicamente fundamentais para a construção e manutenção da vantagem competitiva

das empresas do setor – para o grupo de moda, é uma oportunidade para melhorar seu

nível de serviço (atualmente muito inferior ao desejado) e construir um diferencial

estratégico, de modo a obter maior sustentabilidade financeira.

Dado esse cenário, o trabalho tem mérito em realizar uma exaustiva análise da

bibliografia focada em cadeias de suprimento e a indústria da moda, apresentando os

modelos teóricos mais relevantes e os principais casos de empresas que transformaram o

mercado a partir da implantação de modelos de operação vencedores – como o fast fashion,

que tem a Zara como maior expoente mundial. São explicitadas as particularidades do

varejo de moda – que lida com produtos com ciclos de vida muito curtos, alta variedade,

baixa previsibilidade e elevadas margens unitárias –, que contribuem para tornar a cadeia

produtiva altamente complexa, e quais as estratégias sugeridas pela literatura e praticadas

pelos benchmarks mundiais para se diferenciar dos concorrentes.

Essa análise, seguida do mapeamento detalhado da cadeia do grupo de moda,

mostra onde e como a empresa deve focar seus esforços para fortalecer sua operação e

diminuir a competitividade em relação aos concorrentes, sem ameaçar, contudo, os

processos criativos, que garantem o diferencial estratégico das marcas do grupo. Os

principais desafios para o grupo são: a complexidade da cadeia produtiva, que dificulta o

desenvolvimento de competências necessárias para aumentar a agilidade e a flexibilidade; a

participação do back-office na tomada de decisão em relação à Operação, que não é alta

devido à baixa visibilidade; e o relacionamento com os fornecedores, que é distante e

prejudicado devido ao excessivo número de fornecedores de confecção.

Esses desafios são endereçados pelo pacote de soluções proposto, em que as

propostas se agrupam em categorias que se complementam. As soluções são avaliadas e

priorizadas de acordo com seu impacto esperado na redução dos atrasos e no alinhamento

Page 95: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

85

estratégico com o momento da organização. A partir disso, é construída uma proposta

definitiva, em três diferentes níveis de implementação.

É possível concluir, então, que o estudo atinge completamente seu objetivo, ao

propor soluções que contribuem para reduzir o atraso nas entregas dos produtos sob todas

as dimensões estudadas do problema. Destaca-se que a abordagem utilizada foi

predominantemente qualitativa, devido principalmente à ausência de disponibilidade de

dados quantitativos sobre os atrasos nas entregas, em termos de frequência e extensão –

problema que, inclusive, a proposta de solução busca resolver.

Como sugestão para estudos posteriores sobre esse tema, portanto, recomenda-se

o maior aprofundamento das soluções propostas, avaliando sua viabilidade – considerando

prazo e custo de implantação – e seu impacto esperado em termos numéricos. Além disso,

sugere-se como estudo a estruturação das soluções no contexto socioeconômico brasileiro

da indústria de varejo da moda, que ainda tem muito a amadurecer a nível de produtividade

e competitividade internacional (seja ela preço, nos segmentos de fast fashion, como

tradição, renome e qualidade, nos segmentos tradicionais); e a especificação de técnicas

mais rebuscadas e sofisticadas, focando em determinadas etapas da cadeia de produção.

Page 96: proposta de soluções para redução dos atrasos nas entregas de

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