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PROPOSTA DE MOBILIDADE URBANA NO CENTRO HISTÓRICO DE CUIABÁ: O advento do veículo leve sobre trilhos. HIRATA, A. (1); PEREIRA, M. E. C. (2) 1.IPHAN-MT. Divisão Técnica Rua 07 de Setembro, n°390, Centro Norte, 78.005-040, Cuiabá-MT [email protected] 2. IPHAN-MT. Divisão Técnica Rua 07 de Setembro, n°390, Centro Norte, 78.005-040, Cuiabá-MT [email protected] RESUMO Do ano de 2011 em diante, a cidade de Cuiabá passou a sofrer uma série de intervenções em sua malha viária tendo como justificativa principal a Copa do Mundo de 2014. Dentre as propostas estava a implantação do Veículo Leve sobre Trilhos “VLT”, que deve percorrer 22 quilômetros de extensão, sendo que deste total, 700 metros compreende um trecho do Centro Histórico de Cuiabá intervindo em área tombada e área de entorno, ambas em nível federal de proteção. Com isto o Estado de Mato Grosso, através da Secretaria extraordinária da Copa do Mundo- SECOPA propôs o projeto de implantação do “VLT” no Centro Histórico e a partir de então o IPHAN-MT passou a realizar as análises do projeto apresentado. Este trabalho discutirá as alterações que este novo modal trará à paisagem do Centro Histórico da cidade de Cuiabá. Foram levadas em considerações as desapropriações, subtração de imóveis, a tipologia da arquitetura que existia na área, a criação de praça, visibilidade do monumento “Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito” que apesar de fazer parte do Conjunto Histórico Tombado, possui também o tombamento isolado, o tamanho das novas calçadas, o traçado urbano, a arborização, enfim, os pontos positivos e negativos deste novo projeto. Palavras-chave: Cuiabá; Paisagem Cultural; Veículo Leve sobre Trilhos; Patrimônio Histórico

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PROPOSTA DE MOBILIDADE URBANA NO CENTRO HISTÓRICO DE CUIABÁ: O advento do veículo leve sobre trilhos.

HIRATA, A. (1); PEREIRA, M. E. C. (2)

1.IPHAN-MT. Divisão Técnica

Rua 07 de Setembro, n°390, Centro Norte, 78.005-040, Cuiabá-MT [email protected]

2. IPHAN-MT. Divisão Técnica

Rua 07 de Setembro, n°390, Centro Norte, 78.005-040, Cuiabá-MT [email protected]

RESUMO

Do ano de 2011 em diante, a cidade de Cuiabá passou a sofrer uma série de intervenções em sua malha viária tendo como justificativa principal a Copa do Mundo de 2014. Dentre as propostas estava a implantação do Veículo Leve sobre Trilhos “VLT”, que deve percorrer 22 quilômetros de extensão, sendo que deste total, 700 metros compreende um trecho do Centro Histórico de Cuiabá intervindo em área tombada e área de entorno, ambas em nível federal de proteção. Com isto o Estado de Mato Grosso, através da Secretaria extraordinária da Copa do Mundo- SECOPA propôs o projeto de implantação do “VLT” no Centro Histórico e a partir de então o IPHAN-MT passou a realizar as análises do projeto apresentado. Este trabalho discutirá as alterações que este novo modal trará à paisagem do Centro Histórico da cidade de Cuiabá. Foram levadas em considerações as desapropriações, subtração de imóveis, a tipologia da arquitetura que existia na área, a criação de praça, visibilidade do monumento “Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito” que apesar de fazer parte do Conjunto Histórico Tombado, possui também o tombamento isolado, o tamanho das novas calçadas, o traçado urbano, a arborização, enfim, os pontos positivos e negativos deste novo projeto.

Palavras-chave: Cuiabá; Paisagem Cultural; Veículo Leve sobre Trilhos; Patrimônio Histórico

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

Breve histórico e a proteção do sítio

Antes de discorrer sobre o impacto das intervenções na paisagem urbana da área protegida,

será feito uma contextualização histórica acerca da formação do núcleo urbano de Cuiabá.

Em 1721 é descoberto, por um sorocabano chamado Miguel Sutil, um veio aurífero às

margens do córrego da Prainha, afluente do rio Cuiabá, a região ficou conhecida como Lavras

do Sutil. A descoberta destas lavras fez com que os exploradores fossem em busca do ouro

de aluvião, ouro de cata fácil que dispensa o uso de técnicas mais avançadas para a sua

extração, encontrado na superfície do leito dos rios, sendo assim, um novo arraial começou

ser formado nessa região. Com a nova notícia, uma série de aventureiros dentre outros

mudaram para o arraial e este foi crescendo. De acordo com Silva (1993), em artigo publicado

na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, a “rancharia espalhou-se

rapidamente pela margem direita da prainha”, onde se encontra a área plana próximo ao

córrego correspondente à margem sul.

Em 1722, viu-se a edificação da igreja no Arraial do Senhor Bom Jesus, que se tornou o

referencial para o crescimento do local. Esta edificação foi levantada em pequeno tamanho

usando materiais encontrados na região. A cobertura era de palha e as paredes em

pau-a-pique. Com este sistema construtivo, a igreja pode servir o povoado por um período de

17 anos e apenas em 1739 com ajuda da população é que foi reconstruída em taipa.

As transformações na matriz começaram dezessete anos após sua

edificação. Quando o vigário João Caetano conclamou o povo, em 1739, para

contribuir com a reconstrução da igreja, alegando ser aquela pequena, não

condizendo com a vila (...) (SÁ apud LACERDA 2005, p.88)

O local da implantação da igreja passa a ser ponto atrativo do aglomerado, o centro do

povoado. Em 1723, o então governador da capitania de São Paulo e da região das minas de

Cuiabá, Rodrigo César de Menezes, redigiu um Regimento para a constituição de um

povoado em Cuiabá

“(...) procurará que se faça uma povoação grande na melhor parte que houver

(...), que sempre deve ser no melhor sítio aonde haja água e lenha, e onde

fique fácil irem as pessoas que forem de Povoado, e donde se possa ir com

facilidade para todos os descobrimentos e povoações que se acharem feitas

e se forem fazendo daqui por diante; e o melhor meio de se adiantar na dita

povoação o número de moradores é estes fazerem suas casas; fará fazer o

(...) Regente as suas, como também os Principais Paulistas, porque à sua

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imitação se irão seguindo os mais, por ter mostrado a experiência que

quando os princípios são bons, chegam as fundações em breve tempo à

maior perfeição. E como há certeza de que nas ditas Minas há telha de barro

capaz para ela, deve animar e persuadir aos mineiros e mais pessoas que

fizeram as suas casas, as façam logo de telha, porque além de serem mais

graves, são também mais limpas e tem melhor duração; e o meio de que

assim se consiga é o principiar-se a cobrí-las de telha pelos mais graves, e ao

seu exemplo todos os mais irão seguindo. (...) Além da povoação principal

(...), se devem fazer todas as mais que for possível, sempre em bons sítios,

aonde fiquem lavadas dos ventos e tenham comodidade de água e lenhas,

por serem estas as principais conveniências de que necessita a subsistência

e aumento das povoações. (Documentos Interessantes..., vol. XII, cit., pp

100, 106 apud ROSA, 1996, p. 83)

Prosseguindo com a formação urbana do arraial, temos em 1724 a edificação da cadeia em

frente à Matriz e conforme documentação de 25 de fevereiro de 1731, o sistema construtivo e

cobertura seguem os moldes da igreja edificada em 1722.

[...] presos fogem por ser a cadea coberta de colmo, ou palha e as paredes de

pau-a-pique, e barro, não sendo capaz p.ª segurar delinqüentes por crimes

graves, [...] punir os crimes sem apelação nem agravo athe Penna de morte

fazendo levantar forca p.ª as pessoas, [...] (MORGADO, ET all, 2007 p.71)

Em novembro de 1726 chega ao arraial, a pedido de Dom João V, o governador Rodrigo

César de Menezes junto com a comitiva composta por 308 embarcações e 3.000 pessoas em

uma viagem que durou aproximadamente cinco meses. Sua vinda nada mais foi que o

interesse da coroa portuguesa em instalar o aparato jurídico, político e fazendário nas minas,

pois se sabia da intensa quantidade de ouro encontrado e que até o momento, todo o poder

político estava concentrado nas mãos dos mineradores.

O primeiro ato tomado por Rodrigo foi a elevação de Cuiabá de arraial para vila e a edificação

do pelourinho, no dia primeiro de janeiro de 1727, mostrando dessa forma a presença dos

poderes reais. Além de elevar o arraial à categoria de vila o governador ordenou também que

o pelourinho fosse edificado, como mostra a Ata de Instalação da Vila Real do Senhor Bom

Jesus de Cuiabá:

Ao primeiro dia do mês de janeiro de 1727, nesta Vila Real do Senhor Bom

Jesus de Cuiabá, sendo mandado por Sua Majestade, que Deus guarde, a

criá-la de novo o Exm° Sr. Rodrigo César de Menezes [...] foi mandado pelo

dito Sr. Governador capitão general que com o dito Dr. Ouvidor, todos juntos

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com a nobreza e o povo, fossem a praça levantar o pelourinho desta vila a

que em nome d`El-Rei deu o nome de Vila Real do Bom Jesus [...] e nomeou

para levantar o pelourinho ao capitão-mor regente Fernão Dias Falcão e

todos sobreditos com o dito Dr. Ouvidor, nobreza e povo foram à praça desta

Vila, onde o dito Fernão Dias Falcão levantou o pelourinho [...] (MENDONÇA,

1919, apud SIQUEIRA, 2002)

De acordo com a citação de Rosa em sua tese, acredita ser a praça o quadrilátero em frente

à Matriz:

(...) em 1° de janeiro de 1727, na solenidade de elevação do Arraial a

categoria de Vila, ergue-se o Pelourinho na praça desta vila, - torna-se difícil

não concluir que tal “praça” só poderia ser o quadrilátero frontal à igreja do

Senhor Bom Jesus (...) o quadrilátero da Matriz consolidou-se como um

espaço referencial definitivo. Era nesse quadrilátero e por excelência, um

espaço de representação do poder. (ROSA, 1986 apud ROSA 1996, p 98)

A localização de edifícios notáveis em locais dominantes, assumindo-se

como elementos estruturadores fundamentais do traçado, constitui uma das

principais características das cidades de origem portuguesa. (TEIXEIRA,

2004, p.26)

Em frente a igreja edificada ocorre o surgimento da praça em formato retangular e assim como

em outras cidades era o local de reunião da vida urbana, festividades e fixação de instituições

de poderes como a casa de câmara e cadeia, e pelourinho ou seja, a praça era um local de

diversas funções.

No século XVIII, as praças, habitualmente de forma quadrada e localizadas

no centro das povoações, constituíam o elemento gerador da estrutura física

das cidades, sendo a partir delas que se definia o traçado das ruas e se

estruturava o conjunto da malha urbana (TEIXEIRA, 2004, p.12).

Com estas informações visualizamos que o desenvolvimento da parte urbana de Cuiabá se

deu à margem sul do córrego da prainha como ilustra a imagem abaixo.

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Figura 01:Núcleo urbano Cuiabá Colonial.” Planta do Cuyabá. Original do Arquivo Histórico do Exército

do Rio de Janeiro.ca 1770-1780” pág 392 (Reis Filho, 2000, pág. 252)

O Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico de Cuiabá/MT consta no banco de dados

de sítios do Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos - CNSA, sob o número /sigla CNSA

MT 00082/ MT-CB-073, como sítio histórico. Segundo o relato de MOTTA (2012), ao discorrer

sobre o tombamento do centro histórico de Cuiabá:

Do século XVIII, época de sua fundação, pouco restava, e muitas

construções eram do final do século XIX e do século XX.

(...)

Em parecer elaborado pela arquiteta Helena Mendes dos Santos e pela

historiadora Márcia Chuva, foi reafirmado o critério de delimitação da área

tombada baseado no valor do traçado e calhas originais de ruas, travessas e

becos, na homogeneidade de escala, densidade de imóveis expressivos, na

historicidade da área e de seus equipamentos. Como argumento, foi usada a

ideia de cidade como fato histórico.

Conforme CHUVA (1995:119 apud MOTTA, 2012, p. 260):

“as características arquitetônicas contribuem para a leitura do espaço urbano

organizado, como uma parcela desse espaço” ( Idem , p. 121). Não se

tratava, portanto, da preservação de um conjunto arquitetônico

observando-se apenas as qualidades estéticas e de uniformidade estilística

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dos imóveis. Mas da preservação do sítio histórico, considerando-se,

também, o processo de ocupação do território, do qual as edificações

participam.”

É nesse contexto de cidade-documento, cidade como fato histórico que o centro histórico de

Cuiabá foi tombado em 1987 (tombamento homologado em 1992).

A proposta do VLT e suas intervenções

Com o advento da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, Cuiabá foi escolhida como uma das

sedes para realizar os jogos, e a partir de então, a cidade se viu passar por uma série de obras

de mobilidade urbana, dentre elas a execução do novo modal “Veículo Leve sobre

Trilhos-VLT”. Este novo transporte público deve percorrer 22 quilômetros sendo que 700

metros compreendem área de entorno (com maior intervenção) e área tombada protegidas

em nível federal. Desta feita, era necessário que o IPHAN-MT realizasse a análise do projeto

para então, emitir o parecer técnico sobre o mesmo, portanto, o Estado de Mato Grosso,

através da SECOPA -Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo, apresentou o projeto de

intervenção na área.

O projeto apresentado consiste em desapropriar as edificações indicadas na imagem 2. Na

área que compreende a Avenida Tenente Coronel Duarte (Prainha) haverá a recomposição

da vegetação do Morro da Luz, e na área em frente à Igreja São Nossa Senhora do Rosário e

São Benedito, conhecida vulgarmente como “Ilha da Banana” será fechada a Avenida Coronel

Escolástico, indicada na cor cyan, transformando o local em uma grande praça. O projeto da

praça apresenta sua área distribuída em quatro patamares que vão seguindo a topografia do

local. Estes patamares estão conectados entre si através de passarelas, escadarias e

arquibancadas. A proposta priorizou o uso da praça pelas pessoas que frequentam a área, os

moradores do local, e aqueles que se sentirão atraídos pela criação deste novo espaço

público. Esta praça acolherá também a festa tradicional de São Benedito que acontece

anualmente na Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, durante o mês de julho. A

proposta contempla acessibilidade, instalações de mobiliários urbanos, implantação de um

bar com área para banheiros, esguichos d`água, pista para skate, área com equipamentos

para exercícios físico, mesas com tabuleiro de xadrez e dama, caramanchões em madeira,

playground, e proposta de paisagismo em toda a extensão da área e a criação de um corredor

verde que acompanha a linha do “vlt” que contorna o Morro da Luz (Parque Antônio Pires de

Campos).

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Figura 02: Mapa do Centro Histórico de Cuiabá com as indicações das áreas afetadas. Fonte: IPHAN-MT, 2014.

Analisando a área, entendemos que historicamente os trechos (de entorno) que sofrerão

maiores transformações em prol da mobilidade urbana, dentro do perímetro de proteção

federal, não correspondem ao antigo núcleo urbano que deu origem à cidade de Cuiabá,

muito embora, tenham surgido em decorrência dele. São as edificações, que compõem o

entorno/vizinhança, que mantém o diálogo e a ambiência com a paisagem urbana do trecho

mais antigo da capital, que pertence ao Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico da

Cidade de Cuiabá, tombado pela União em 1987. A área já consolidada, diretamente afetada

pela intervenção, também representa um recorte temporal, pelo fato de haver ali, resquícios

de edificações que lembram momentos históricos de outrora. Parte do casario existente

lembra edificações do século passado, tal como o imóvel popularmente conhecido como

“Casa Singer”, nome que surgiu pelo fato de a edificação ter abrigado a loja do grupo Singer,

conhecido pela fabricação de máquinas de costura, tendo em tempos anteriores, abrigado

também, o Hotel Bahia e o Bar Colorido. O bem hoje está tomado pelas raízes de uma espécie

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arbórea agressiva e invasora. E justamente, é pela árvore já consolidada no local que se

identifica o imóvel.

Figura 03: Área a ser demolida vulgarmente conhecida como “Ilha da Banana” . Fonte: IPHAN-MT, 2014.

As transformações urbanas, as quais estão sujeitas também as áreas de entorno, são

marcadas por perdas de bens. Porém, é fato, que por se tratar de área de entorno, a

legislação não permite tratar as edificações que compõem a área de amortecimento e

transição entre sítio tombado e a área de expansão urbana, com o mesmo rigor dos imóveis

tombados e/ou das áreas tombadas.

Na denominada “Ilha da Banana”, trecho compreendido entre a Avenida Coronel Escolástico

(e sua variante) e a Avenida Tenente Coronel Duarte, popularmente conhecida como

“Prainha” (denominação dada em virtude ao córrego que cortava a região), ao total tem-se

pouco mais de 20 edificações. A desapropriação e a demolição das edificações existentes

nessa “ilha” causarão impacto na leitura espacial do conjunto, uma vez que a retirada desses

imóveis significará ganhar/dar visibilidade para a Igreja do Rosário e São Benedito, que se

encontra na Avenida Coronel Escolástico, esquina com a Praça do Rosário. O bem em

comento, a Igreja do Rosário e São Benedito, faz parte da área tombada do Conjunto

Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico de Cuiabá e é também, tombada individualmente

pela União, desde 1975.

A retirada do casario da “ilha”, entre a Igreja do Rosário e o Morro da Luz, significa subtrair

construções contemporâneas e imóveis do século XIX/XX que já passaram por alterações e

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em grande parte não é original. O reflexo que se terá desta ação é o de uma intervenção em

‘grande escala’, visto que os olhares, daqueles que transitam pela Prainha, estarão voltados

para a Igreja do Rosário e São Benedito, implantada em terreno, cuja topografia é mais

elevada que o restante da área tombada. A implantação de igreja em locais de topografia

privilegiada que acompanham o declive natural do terreno é uma característica histórica da

colonização de origem lusitana. Por fim, o volume a ser subtraído é considerável, portanto,

totalmente perceptível.

Somando-se este projeto de mobilidade urbana aos projetos para edificações de uso público e

para espaço público contemplados pelo Programa PAC-Cidades Históricas 2, tem-se um

conjunto significativo de intervenções no conjunto histórico. É importante lembrar que o

centro histórico da capital mato-grossense, na sua história recente, pouco sofreu grandes

intervenções urbanas em um curto espaço de tempo. Ainda que as intervenções em função do

PAC-Cidades Históricas 2 sejam pulverizadas, a grande movimentação de recursos e de

obras que acontecerão no cenário histórico, somados ao efeito em cadeia das pequenas

intervenções no sítio estão transformando o lugar e, consequentemente, chamando a atenção

da população para a área histórica.

Figura 4: Vista aérea da proposta apresentada. Fonte: Paulino e Ramon, 2013

Para essas grandes intervenções urbanas, em área de entorno, o impacto que os projetos de

mobilidade (urbana) causarão, é relevante e perceptível pelo coletivo, devido principalmente,

à retirada de edificações que faceiam vias de grande volume de trânsito e áreas de passagem

e grande circulação de pedestres, além, é claro, por se tratar de área de relevância histórica

para a formação da cidade.

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Considerando que se trata de entorno, fazem-se as seguintes considerações,

´-“Embora o objetivo das restrições a imóveis da vizinhança de bens

tombados seja permitir a ambientação do bem tombado para sua melhor

apreciação, é evidente que as limitações a serem feitas nesses imóveis não

devem ser da mesma ordem ou intensidade daquelas feitas à coisa tombada.

Aos imóveis da vizinhança não se lhes pode exigir a conservação do prédio,

com seus caracteres, pois isto equivaleria ao próprio tombamento.”

(RABELLO,2009, p.125)

“Enquanto em relação aos bens tombados, a obrigação é de conservar, de

fazer a conservação e de não lhes fazer alterações que descaracterizem o

bem, com relação aos prédios vizinhos passa-se a exigir que estes não

perturbem a visão de bem tombado, sem que, contudo, tenha de se manter o

imóvel tal como é; basta que sua utilização ou modificação não afete a

ambiência do bem tombado, seja pelo seu volume, ritmo da edificação, altura,

cor ou outro elemento arquitetônico. São, portanto, de ordem e intensidade

diversas as limitações feitas ao bem tombado, cujo objetivo é a conservação,

e ao bem vizinho, cujo objetivo, não sendo a conservação, é a de não

perturbação da ambiência da coisa tombada. Para um a obrigação é a de

fazer (conservar), e para outro é de não fazer (perturbar).” (RABELLO, 2009,

p.125)

“A área de entorno (ver mapa) impõe-se como consequência da leitura do

documento, pela conexão que mantém com a constituição do núcleo, mesmo

abrangendo áreas que abriguem unidade arquitetônicas qualitativamente

diferentes das incluídas na área de tombamento.”(CONTE & FREIRE, 2005,

p. 18)

Sobre o conceito de visibilidade entende-se ainda, que:

“Neste sentido, o entorno do bem tombado conforma sua ambiência,

estabelecendo-se uma área de amortecimento às pressões de crescimento e

transformação das cidades. O conceito de visibilidade somente pode ser

entendido de forma ampla, abrangendo não só as hipóteses em que a

construção obstrui ou se interpõe à visão do bem tombado, mas também os

casos em que intervenção não se harmoniza com a visão do monumento no

conjunto e no ambiente onde está inserido. Portanto, compreende não só a

tirada de vista da coisa tombada, como também a afetação de sua ambiência,

incluída a paisagem adjacente e tudo mais que contraste ou afronte a

harmonia de suas relações com seu sentido histórico, sua autenticidade

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constitutiva e sua inserção no cenário no qual está implantado.” (IPHAN.

Manual de Procedimentos. Fiscalização e Autorização de Intervenções no

Patrimônio Edificado. 4ª Edição – Revista e Ampliada. Brasília, 2012. p.19.)

Logo, a paisagem urbana cuiabana sofrerá uma das maiores, se não a maior, intervenção

urbana, desde o seu tombamento. E a ambiência, com aquilo que se perderá e ganhará,

garantirá maior visibilidade do bem tombado isoladamente, que é a Igreja do Rosário e São

Benedito, e consequentemente da área tombada. Além da questão da visibilidade há de se

considerar que com o fechamento da Avenida Coronel Escolástico, o fluxo de trânsito próximo

a fachada principal de Igreja do Rosário e São Benedito será drasticamente reduzido, o que

conseqüentemente diminuirá os efeitos da vibração mecânica que atualmente afeta a Igreja.

Naquilo que tange a intervenção no Morro da Luz, que pertence ao setor de entorno

homônimo, além de corresponder ao Parque Antônio Pires de Campos, tombado pelo

município de Cuiabá através do Decreto de Lei nº 870 de 13/12/1983, a retirada de

aproximadamente 7 imóveis, alguns de mais de um pavimento e de construção recente (não

são edificações setecentistas ou oitocentistas) também contribuirá para dar visibilidade à

Igreja do Rosário e São Benedito. O vazio deixado pela extração das edificações permitirá a

recomposição de uma das poucas áreas verdes em zona urbana na capital. Entretanto, na

mesma situação da “ilha da Banana”, o impacto causado pela retirada das edificações será

sentido ao longo das vias de circulação e tráfego nas proximidades do local, além das demais

vizinhanças imediatas, pois o parque perfaz o entorno de topografia privilegiada, na área mais

alta do centro histórico.

Sobre as áreas de entorno de conjunto tombado pela União, a Instrução Normativa do

Conjunto Arquitetônico Urbanístico e Paisagístico da Cidade de Cuiabá, em seu Artigo 12º diz:

“Artigo 12º - As intervenções ou obras novas, dentro da área do Entorno,

estarão sujeitas às seguintes condições:

(...)

Parágrafo 3º - Ficam vetadas quaisquer demolições, totais ou parciais, sem a

aprovação e licenciamento do projeto da obra que substituirá a edificação

pré-existente. (...)”(CONTE &FREIRE, 2005, p. 77-79)

Ante o exposto, entende-se que para toda e qualquer intervenção em áreas de entorno, as

demolições só serão permitidas, se e somente se, houver projeto aprovado da obra que

substituirá a edificação pré-existente.

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Portanto, considerando-se tratar de conjunto tombado (entorno e área tombada),

especialmente, em função da sua importância histórica e arqueológica, o impacto causado

pela subtração dos imóveis nos setores de entorno, diretamente afetados pelos projetos de

mobilidade urbana, será perceptível no conjunto como um todo. Desta forma, compreendendo

que as subtrações de exemplares arquitetônicos significarão ganho de visibilidade e de

valorização da área tombada, entende-se que as demolições dos imóveis no entorno terão um

impacto positivo no conjunto, uma vez que as intervenções contemplarão o uso coletivo

(Festa da São Benedito, por exemplo) e os elementos históricos mais significativos não se

perderão com essas transformações urbanas. Mesmo que o entorno sofra reflexos delas, o

prejuízo será amenizado para o patrimônio, pois a transformação urbana aqui exposta está

dentro daquilo que a legislação permite, daquilo que é tecnicamente viável e historicamente

compreensível.

REFERÊNCIA

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PAULINO,Pedro; RAMON, Thyago. Largo do Rosário: imagens em 3ª dimensão. 31 jan. 2013. Projeto executivo de arquitetura e urbanismo. s/ n. da obra.

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