prometeu acorrentado · 2020. 7. 14. · resumo prometeu acorrentado e as poéticas tradutórias de...

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS CLÁSSICAS RICARDO NEVES DOS SANTOS Prometeu Acorrentado e as poéticas tradutórias de João Cardoso de Menezes e Dom Pedro II (versão corrigida) São Paulo 2020

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Page 1: Prometeu Acorrentado · 2020. 7. 14. · RESUMO Prometeu Acorrentado e as poéticas tradutórias de João Cardoso de Menezes e Dom Pedro II. A presente dissertação tem como foco

UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE LETRAS CLAacuteSSICAS E VERNAacuteCULAS

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LETRAS CLAacuteSSICAS

RICARDO NEVES DOS SANTOS

Prometeu Acorrentado

e as poeacuteticas tradutoacuterias de Joatildeo Cardoso de Menezes e

Dom Pedro II

(versatildeo corrigida)

Satildeo Paulo

2020

RICARDO NEVES DOS SANTOS

Prometeu Acorrentado

e as poeacuteticas tradutoacuterias de Joatildeo Cardoso de Menezes e

Dom Pedro II

(versatildeo corrigida)

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Departamento de

Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas da Faculdade de

Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da

UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO para

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Letras

Orientadora ProfordfDraAdriane da Silva Duarte

Satildeo Paulo

2020

Autorizo a reproduccedilatildeo e divulgaccedilatildeo total ou parcial deste trabalho por qualquer meioconvencional ou eletrocircnico para fins de estudo e pesquisa desde que citada a fonte

Catalogaccedilatildeo na PublicaccedilatildeoServiccedilo de Biblioteca e Documentaccedilatildeo

Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo

S237pSantos Ricardo Neves dos Prometeu Acorrentado e as poeacuteticas tradutoacuterias deJoatildeo Cardoso de Menezes e Dom Pedro II RicardoNeves dos Santos orientadora Adriane da SilvaDuarte - Satildeo Paulo 2020 304 f

Dissertaccedilatildeo (Mestrado)- Faculdade de FilosofiaLetras e Ciecircncias Humanas da Universidade de SatildeoPaulo Departamento de Letras Claacutessicas eVernaacuteculas Aacuterea de concentraccedilatildeo Letras Claacutessicas

1 DPedro II 2 Traduccedilatildeo 3 Transcriccedilatildeodiplomaacutetica 4 Eacutesquilo 5 Recepccedilatildeo dos Claacutessicos noBrasil I Duarte Adriane da Silva orient IITiacutetulo

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo primeiramente a Deus por conceder-me a sauacutede e a paz

indispensaacuteveis ao estudo

Sou grato agrave minha esposa Janaiacutena da Silva Brito Neves por me conceder a

alegria de viver ao seu lado durante esses uacuteltimos dezessete anos Vocecirc foi a minha

maior conquista e ao seu lado a vida natildeo eacute tatildeo difiacutecil

Aos meus filhos Sofia e Estecircvatildeo por me propiciarem a alegria de ser chamado

de ldquopairdquo e a motivaccedilatildeo para trabalhar e me desenvolver

Aos meus pais Maria e Eronildes (no coraccedilatildeo) por terem feito o melhor que

podiam para o meu bem

Agrave minha orientadora Adriane da Silva Duarte seu profissionalismo talento e

erudiccedilatildeo me inspiram Sou muito feliz por poder contar com seus ensinamentos

Ao Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro e agrave Socircnia N de Lima (Chefe do

Arquivo) pelo total apoio agrave minha pesquisa dando-me acesso ao manuscrito de Dom

Pedro II transcrito na presente dissertaccedilatildeo

Ao Museu Imperial e agrave historiadora Alessandra Fraguas (Pesquisadora do

Museu) por me informar sobre a existecircncia de uma versatildeo preliminar da traduccedilatildeo que

transcrevi e por me propiciar o acesso aos manuscritos

Ao Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB - USP) agrave Daniela Piantola

(Supervisora Teacutecnica do Instituto) e agrave bibliotecaacuteria Silvana Bonifaacutecio

Agrave Luana Siqueira (Setor de Comunicaccedilatildeo da FFLCH - USP)

Ao professor Siacutelvio de Almeida Toledo Neto aacuterea de Liacutengua Portuguesa (USP)

pelas importantes indicaccedilotildees bibliograacuteficas e orientaccedilotildees

Aos professores que me ensinaram grego em ordem alfabeacutetica Adriane da Silva

Duarte Fernando Rodrigues Jaa Torrano e Paula da Cunha Correcirca Sempre me

esforccedilarei para honrar seus ensinamentos

Aos professores que ministraram aulas para mim na Poacutes-graduaccedilatildeo em ordem

alfabeacutetica Breno Battistin Sebastin Daniel Rossi Nunes Lopes Jaa Torrano e Joseacute

Marcos Mariani de Macedo

Agradeccedilo tambeacutem a Marcelo Taacutepia e Jaa Torrano pelas observaccedilotildees inteligentes

e sugestotildees valiosas feitas no exame de qualificaccedilatildeo

Agrave Lineide Salvador Mosca (Filologia e Liacutengua Portuguesa USP) por todo apoio

e incentivo desde o tempo da graduaccedilatildeo

Ao meu amigo Waldir Moreira Junior a quem chamo de JRR Tolkien por me

convencer a retomar meus estudos

Ao mentor e amigo Gary Fisher

Ao caro Dennis Allan por ler alguns poucos textos que escrevi em inglecircs e me

indicar soluccedilotildees

Aos irmatildeos do coraccedilatildeo Ceacutelio Rosa e Tamires Natildeo sei como retribuir tanto

carinho e dedicaccedilatildeo

A todos os alunos que tive e em especial Jennyffer Neovander Vinicius e

Rayssa os quais mesmo depois de 15 anos ainda se lembram de visitar seu primeiro

professor quando o recesso de fim de ano chega

Ao professor alematildeo Fridel (no coraccedilatildeo) por ter acreditado e investido em mim

Agrave professora de psicologia Janete pela influecircncia exercida enquanto me formava

professor

Agrave professora de Histoacuteria Liacutelian que no ensino baacutesico me ensinou o imenso

poder que a Memoacuteria possui

Com sincero reconhecimento e gratidatildeo a todos vocecircs

Ricardo Neves dos Santos

RESUMO

Prometeu Acorrentado e as poeacuteticas tradutoacuterias de Joatildeo Cardoso de

Menezes e Dom Pedro II

A presente dissertaccedilatildeo tem como foco a trageacutedia Prometeu Acorrentado de

Eacutesquilo e seus tradutores no Brasil dentre os quais destacamos dois Dom Pedro II o

uacuteltimo Imperador do Brasil e Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de

Paranapiacaba O trabalho estaacute estruturado e dividido em trecircs partes a saber 1)

transcriccedilatildeo integral da traduccedilatildeo feita por Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu

Acorrentado e das duas versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo de Paranapiacaba as quais

foram incentivadas pelo proacuteprio Imperador 2) cotejo criacutetico entre a Traduccedilatildeo Imperial e

as duas versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo 3) um levantamento das traduccedilotildees do

Prometeu Acorrentado publicadas no Brasil e de seus respectivos tradutores

Palavras-chave Traduccedilatildeo DPedro II recepccedilatildeo

Prometheus Bound and the translationsrsquo poetics of Joatildeo Cardoso de

Menezes and Dom Pedro II

Abstract This dissertation focuses on the Aeschylus‟ tragedy Prometheus

Bound and its translators in Brazil among which we highlight two Dom Pedro II the

last emperor of Brazil and Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza Baron of Paranapiacaba

The work is structured and divided into three parts namely 1) full transcript of the

translation made by Dom Pedro II of the tragedy Prometheus Bound and the two poetic

versions made by the Baron of Paranapiacaba which were encouraged by the Emperor

himself 2) critical comparison of the translation and the two poetic versions made by

Baron 3) a survey of the translations of Prometheus Bound published in Brazil and of

the respective translators

Keywords translation D Pedro II reception

LISTA DE QUADROS

Quadro I As versotildees de Paranapiacaba para os versos 887-93 do original (fala do

Coro) p57

Quadro II As versotildees de Paranapiacaba para os versos 1063-9 do original (fala do

Coro) p57

Quadro III Anaacutelise comparativa entre original e traduccedilatildeo p80

Quadro IV Cotejo das versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba para os versos 3-6

do original p98

Quadro V Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba

(original vv3-6) p104

Quadro VI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba

(original vv14-5) p106

Quadro VII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba

(original vv19-24) p110

Quadro VIII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba

(original vv64-5) p112

Quadro IX Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo de Ramiz Galvatildeo

(original vv64-5) p113

Quadro X Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 1 de Paranapiacaba

(original vv88-91) p117

Quadro XI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 2 de Paranapiacaba

(original vv88-91) p117

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Trecho da uacuteltima paacutegina do Documento 4695-A (IHGB) p19

Figura 2 Trecho da traduccedilatildeo de Dom Pedro II referente aos versos 1063-9

do Prometeu (Doc4695-A IHGB) p20

Figura 3 Trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A IHGB)

p20

Figura 4 Trecho da quarta paacutegina do Documento 4695-A (IHGB) natildeo numerada no

manuscrito p21

Figura 5 Trecho da primeira fala de Prometeu traduzida pelo Imperador (Doc4695-A

IHGB) p22

Figura 6 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

IHGB) p22

Figura 7 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

IHGB) p22

Figura 8 Trecho do Documento 4695-A (IHGB) p22

Figura 9 Detalhe do Documento 4695-A (IHGB) p22

Figura 10 Trecho do Documento 4695-A (IHGB) p23

Figura 11 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

IHGB) p24

Figura 12 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

IHGB) p24

Figura 13 Imagens de algumas palavras proparoxiacutetonas encontradas no Documento

4695-A (IHGB) p25

Figura 14 Imagens de palavras paroxiacutetonas terminadas em vogais ldquoordquo e ldquoardquo (Doc

4695-A IHGB) p25

Figura 15 Imagens de palavras paroxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc 4695-A

IHGB) p25

Figura 16 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A

IHGB) p25

Figura 17 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A

IHGB) p25

Figura 18 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB) p26

Figura 19 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB) p26

Figura 20 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A

IHGB) p26

Figura 21 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A

IHGB) p27

Figura 22 Imagem do texto da uacuteltima fala de Prometeu traduzida por Dom Pedro II

(Doc 4695-A IHGB) p28

Figura 23 Imagem de trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A

IHGB) p33

Figura 24 Trecho dos versos 536-54 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de Thomas

Stanley (1809) Aeschyli tragoediae quae supersunt digitalizada pela Universidade de

Cambrigde em 2010 p74

Figura 25 Trecho referente aos versos 536-50 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de

Christian Gottfried Schuumlltz Aeschyli tragoediae quae supersunt ac deperditarum

fragmenta tambeacutem de 1809 p75

Figura 26 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc 4695-

A IHGB) p271

Figura 27 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-

A IHGB) p271

Figura 28 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-

A IHGB) p272

Figura 29 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-

A IHGB) p272

SUMAacuteRIO

PARTE I ndash O PROMETEU ACORRENTADO DE DOM PEDRO II E AS

POSTERIORES TRADUCcedilOtildeES BRASILEIRAS DESSA TRAGEacuteDIA

INTRODUCcedilAtildeO p14

Cap 1 ndash As versotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo p31

11 Levantamento das traduccedilotildees brasileiras (consideraccedilotildees preliminares) p31

12 Dom Pedro II p45

13 Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba p51

14 Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz p64

15 J B de Mello e Souza p68

16 Jaime Bruna p72

17 Napoleatildeo Lopes Filho p74

18 Maacuterio da Gama Kury p78

19 Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves p80

110 O Tradutor Anocircnimo p83

111 Alberto Guzik p85

112 Jaa Torrano p87

113 Trajano Vieira p91

Conclusatildeo do primeiro capiacutetulo p95

Cap 2 ndash Anaacutelise da traduccedilatildeo de Dom Pedro II e de suas versotildees poeacuteticas

p97

21 Primeira rodada de leitura p98

22 Segunda rodada de leitura p107

23 Terceira rodada p109

24 Quarta rodada p113

25 Quinta e uacuteltima rodada p115

Conclusatildeo do segundo capiacutetulo p120

PARTE 2 ndash TRANSCRICcedilOtildeES

Cap3 ndash Transcriccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II p123

Cap4 ndash Transcriccedilatildeo da primeira versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de

Paranapiacaba p158

Cap5 ndash Transcriccedilatildeo da segunda versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de

Paranapiacaba p219

CONCLUSAtildeO GERAL DA DISSERTACcedilAtildeO p274

ANEXOS

Transcriccedilatildeo da carta do Baratildeo de Paranapiacaba enviada agrave Princesa Isabel

p283

Transcriccedilatildeo do Prefaacutecio escrito por Lafayette Rodrigues Pereira a pedido do

Baratildeo de Paranapiacaba p285

Haroldo de Campos um luciferino tradutor brasileiro p289

BIBLIOGRAFIA p295

PRIMEIRA PARTE

O PROMETEU ACORRENTADO DE DOM PEDRO II E AS POSTERIORES

TRADUCcedilOtildeES BRASILEIRAS DESSA TRAGEacuteDIA

14

INTRODUCcedilAtildeO

Muitos poetas e prosadores brasileiros dedicaram-se ao ofiacutecio da traduccedilatildeo de

obras literaacuterias entretanto tal atividade natildeo eacute geralmente mencionada nas Histoacuterias da

Literatura Brasileira (ASEFF 2012 p24) Siacutelvio Romero historiador de nossa

Literatura faz um julgamento negativo quanto agrave validade esteacutetica e literaacuteria das

traduccedilotildees em geral

Em geral sou infenso a traduccedilotildees de poetas Traslados em prosa ficam

mortos vertidos para verso ficam sempre desfigurados Uma traduccedilatildeo

poeacutetica dificilmente daraacute o desenho da obra traduzida e jamais forneceraacute o

colorido As melhores traduccedilotildees existentes como a Iliacuteada por Voss a do

Fausto por Marc Monnier satildeo obras de terceira ordem Natildeo podem jamais

reproduzir o ritmo o tom a melodia do original (ROMERO apud CAMPOS

1997 p250)

Tal concepccedilatildeo expressa a crenccedila na inferioridade da traduccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave obra

traduzida Quando muito reconhece apenas o meacuterito da instrumentalidade da praacutetica

tradutoacuteria fortalecendo ldquovalores que constituem o estigma do Traduttore Traditorerdquo

(FURLAN 2015 p256)

Parece estar longe da cogitaccedilatildeo de Romero o fato de que a traduccedilatildeo tambeacutem eacute

um espaccedilo de criaccedilatildeo (ROMANELLI 2014 p105) O tradutor criativamente busca

encontrar ldquona liacutengua em que se estaacute traduzindo aquela intenccedilatildeo por onde o eco do

original pode ser ressuscitadordquo (BENJAMIN 2008 p35) O valor de uma traduccedilatildeo

literaacuteria eacute comumente vinculado agrave proximidade conceitual eou formal que esta tem

com o texto de partida Tal proximidade pode ser explorada de forma criativa pelo

tradutor pois ldquoenquanto que por um lado todos os elementos particulares das liacutenguas

estrangeiras ndash as palavras as frases e as relaccedilotildees ndash se excluem reciprocamente por

outro lado as proacuteprias liacutenguas completam-se nas intenccedilotildees comuns que pretendem

alvejarrdquo (ibidem p32) Como toda praacutetica linguiacutestica a traduccedilatildeo ldquoeacute histoacuterica e reflete

uma concepccedilatildeo histoacuterica da linguagem e portanto mutaacutevel atraveacutes dos temposrdquo

(FURLAN 2015 p247) A concepccedilatildeo histoacuterico-materialista contemporacircnea de

linguagem e escritura ldquotorna o tradutor obrigatoriamente um coautor do texto traduzidordquo

(ibidem p247)

15

Numa das raras e tiacutemidas exceccedilotildees de dar destaque a essa praacutetica entre noacutes

Olavo Bilac na primeira parte de seu Tratado de Versificaccedilatildeo faz um breve panorama

da histoacuteria da Literatura Brasileira ateacute o seu tempo e menciona a praacutetica tradutoacuteria de

dois poetas Um deles eacute Odorico Mendes tradutor de Homero e Virgiacutelio conhecido por

muitos devido aos estudos de Haroldo de Campos este tambeacutem poeta e tradutor O

outro nas palavras de Olavo Bilac ldquoJoatildeo Cardoso de Menezes baratildeo de Paranapiacaba

nascido em 1827 e ainda hoje vivo e em plena actividade litteraria estreiou em 1849

com a Harpa Gemedora e tem publicado vaacuterias traducccedilotildees de Byron Lamartine e La

Fontainerdquo (BILAC amp PASSOS 1905 p26 ortografia original mantida)1

Bilac publicou a passagem citada em 1905 Passados dois anos o Baratildeo de

Paranapiacaba publica duas versotildees poeacuteticas da trageacutedia Prometeu Acorrentado de

Eacutesquilo Em seu livro de 19072 o Baratildeo informa que Dom Pedro II fizera uma traduccedilatildeo

em prosa do Prometeu e que o Imperador solicitou-lhe uma versatildeo em versos

portugueses a partir de sua traduccedilatildeo em prosa Mas como se sabe o Baratildeo acabou

realizando duas versotildees poeacuteticas Paranapiacaba ainda informa que Dom Pedro II foi

deposto no mesmo ano em que lhe entregou o manuscrito isto eacute em 1889 Reproduz-se

a seguir a ortografia original da ediccedilatildeo de 1907 na qual o Baratildeo de Paranapiacaba narra

o ocorrido

Ao retirar-me SMagestade recomendou-me natildeo me esquecesse do

ldquoPrometheu acorrentadordquo cujo original me havia entregado na penultima

conferencia Nunca mais o vi Partio para Petropolis donde regressou a 16 de

Novembro para ficar prisioneiro no paccedilo da cidade (PARANAPIACABA

1907 p224)

Paranapiacaba ainda informa que tentou ver o Imperador mas em vatildeo

1 Entre outros textos traduzidos pelo Baratildeo de Paranapiacaba podemos citar PLAUTO Aululaacuteria Rio

de Janeiro Typographia Chrysalida 1888 EURIacutePIDES Alceste Rio de Janeiro Renascenccedila

Bevilacqua 1908 SOacuteFOCLES Antiacutegone Rio de Janeiro Renascenccedila Bevilacqua 1909 O acervo do

Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB ndash USP) possui as ediccedilotildees citadas da Aululaacuteria de Plauto e da

Antiacutegone de Soacutefocles

2 Prometheu Acorrentado original de Eschylo ndash vertido litteralmente para o portuguez por Dom Pedro

II Imperador do Brasil trasladaccedilatildeo poetica do texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Rio de Janeiro

Imprensa Nacional 1907 Antes de publicar suas versotildees no livro de 1907 o Baratildeo afirma em carta

escrita agrave Princesa Isabel (I-POB ndash Maccedilo 204 ndash Doc 9329 Museu ImperialIbramMinisteacuterio da

Cidadania) ldquoD‟essas duas versotildees tem apparecido longos trechos na imprensardquo (ortografia original

mantida) Pode-se citar dentre as publicaccedilotildees anteriores ao livro de 1907 a da Revista do Instituto

Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro Rio de Janeiro Imprensa Nacional Tomo LXVIII 1906

16

Empreguei todos os esforccedilos para entrar naquella prisatildeo Natildeo pude

conseguil-o Passei frequentes vezes por diante das janellas que

correspondiam ao aposento em que elle estava encerrado e roguei de foacutera

ao Marechal Miranda Reis que acompanhava o Monarcha licenccedila para

entrar Respondeo-me elle natildeo m‟a podia conceder (PARANAPIACABA

1907 p224)

E ainda

[] o Monarcha com Sua Magestade a Imperatriz a princeza Imperial

DIzabel o principe consorte e um de seos filhos ficou detido n‟esta capital

no paccedilo da cidade sob a vigilacircncia de sentinelas alli postadas por ordem dos

proclamadores da Republica

Dous dias depois a horas mortas da madrugada fizeram-n‟o embarcar

no Alagocircas vapor mercante do Lloyd Brazileiro que armado em guerra

seguio barra foacutera levando-o caminho do exilio [] Em dezembro de 1889

na cidade do Porto vio morrer victimada por torturas moraes a virtuosa

esposa que lhe focircra anjo de conforto[] Na effusatildeo do entranhavel amor

com que extremeceo[DPedro II] fez transpor aacute Europa uma pouca de terra

extrahida do solo brasileiro para encamar o atauacutede em que devia ser

conduzido aacute derradeira morada E com effeito Seo coraccedilatildeo jaacute enregelado

esse coraccedilatildeo cujas fibras haviam estalado com as pulsaccedilotildees das mais

cruciantes angustias repousa hoje unido a esse punhado de terra da paacutetria

pela qual sempre palpitou afervorado ateacute o derradeiro anceio (ibidem

p265 grifo do autor)

Cerca de cinco anos depois da queda da Monarquia o Baratildeo mostra o caderno

no qual estava a traduccedilatildeo em prosa do Prometeu Acorrentado feita por DPedro II a

Lafayette Rodrigues Pereira

[] n‟uma daquellas agradaveis palestras em que roccedilas por todos os

assumptos amenisando-os e salpicando-os com o teo inexgotavel sal Attico

mostrei-te um pequeno livro contendo a traducccedilatildeo litteral do Prometheu

Acorrentado de Eschylo

Conheceste logo a lettra do manuscripto pois te era familiar desde

que occupaste e honraste os altos cargos de Presidente do Conselho e

Ministro da Fazenda

Focircra DPedro II quem escrevera aquella traducccedilatildeo por elle

litteralmente feita do original grego

Focircra o Imperador quem me entregara aquelle volumito manifestando

o desejo de que eu trasladasse para verso portuguez a sua prosa (ibidem

pIX)

Infelizmente Dom Pedro II nunca pocircde ler as versotildees poeacuteticas da lavra de

Paranapiacaba pois a primeira soacute comeccedilou a ser feita depois de quase 10 anos do dia

em que entregou seu manuscrito ao Baratildeo Haacute de se lembrar que Dom Pedro II confiou

o manuscrito a Paranapiacaba em 1889 faleceu em 1891 e o Baratildeo comeccedilou a fazer o

primeiro traslado poeacutetico somente em 1899 como se pode averiguar em carta escrita

por Paranapiacaba ao Conselheiro Lafayette em 10 de outubro de 1899 ldquoEntrando

ultimamente em forccedilado repouso de um mez metti hombros aacute empreza de que me

17

havia com satisfaccedilatildeo incumbido encetei e levei a cabo a accommodaccedilatildeo poeacutetica

daquella versatildeordquo(PARANAPIACABA 1907 pX)

Quanto agraves versotildees do Prometeu Acorrentado feitas pelo Baratildeo de Paranapiacaba

e ao manuscrito de DPedro II haacute questotildees que ainda precisam ser elucidadas

Em Manuscrito e Traduccedilatildeo espaccedilos de criaccedilatildeo Sergio Romanelli (2014

p113) escreve

Somente trecircs obras traduzidas pelo Imperador foram ateacute hoje publicadas a

saber

1)Prometheu Acorrentado Vertido literalmente por Dom Pedro II

trasladaccedilatildeo poeacutetica do texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Rio de Janeiro

Imprensa Nacional 1907

2)Poesias (originais e traduccedilotildees) de D Pedro II (1889) sendo esse uma

homenagem de seus netos

3)Poesias Hebraico-Provenccedilais do ritual israelita Comtadin impressa em

Avignon em 1891

Em visita ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Satildeo Paulo (IEB

- USP) conseguimos consultar e fotografar a primeira das obras citadas por Romanelli

(Prometheu AcorrentadoVertido literalmente por Dom Pedro II trasladaccedilatildeo poeacutetica

do texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Rio de Janeiro Imprensa Nacional 1907)

Causou-nos surpresa constatar que a ediccedilatildeo a qual eacute considerada uma das poucas

publicaccedilotildees das traduccedilotildees de DPedro II natildeo traz a reproduccedilatildeo de sua traduccedilatildeo feita em

prosa da trageacutedia de Eacutesquilo mas apenas as versotildees poeacuteticas da lavra de Paranapiacaba

Na primeira das versotildees apresentadas no livro Paranapiacaba emprega rimas aleacutem da

forma meacutetrica variar de acordo com o personagem Jaacute na segunda versatildeo predominam

os decassiacutelabos soltos isto eacute sem o emprego de rimas

Em ldquoO Prometeu dos Barotildeesrdquo (1997) Haroldo de Campos faz um

importantiacutessimo resgate de trechos da segunda versatildeo apresentada no livro de

Paranapiacaba (versatildeo em que predominam os decassiacutelabos soltos) No mesmo

compecircndio onde se encontra o ensaio (ALMEIDA amp VIEIRA Trecircs Trageacutedias Gregas

1997) haacute tambeacutem a reproduccedilatildeo integral da traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado feita por

Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz professor de grego do Coleacutegio Pedro II (pp255-86)

A traduccedilatildeo feita por Ramiz tambeacutem fora incentivada pelo Imperador

Apesar da grande importacircncia do ensaio de Haroldo de Campos para a histoacuteria

da recepccedilatildeo dos Claacutessicos no Brasil a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II natildeo entra em

anaacutelise em seu ensaio

18

Entre as produccedilotildees acadecircmicas que abordam as versotildees poeacuteticas incentivadas

por Dom Pedro II vale a pena citar o artigo de Paula da Cunha Correcirca ldquoEm busca da

tradiccedilatildeo perdidardquo (1999) Mais do que fazer uma resenha do livro supracitado Trecircs

trageacutedias gregas (ALMEIDA amp VIEIRA 1997) Correcirca empreende uma interessante

anaacutelise das versotildees do Prometeu Acorrentado feitas por Ramiz Galvatildeo e pelo Baratildeo de

Paranapiacaba (versatildeo em que predominam os decassiacutelabos soltos) trazendo tambeacutem

para a discussatildeo a traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado de autoria de Trajano Vieira

Embora o artigo evoque assim como o texto de Campos a tradiccedilatildeo de tradutores

brasileiros do Prometeu Acorrentado e tambeacutem apresente uma abordagem instigante na

anaacutelise empreendida natildeo tem como um de seus objetivos citar trechos da traduccedilatildeo em

prosa de Dom Pedro II e analisaacute-los juntamente com as outras traduccedilotildees

Em O Baratildeo de Ramiz (1972) A Mauriceacutea Filho coteja a versatildeo na qual

Paranapiacaba emprega rimas com a traduccedilatildeo de Ramiz Galvatildeo tambeacutem tendo em vista

o texto original de Eacutesquilo e agraves vezes fazendo intervir soluccedilotildees da traduccedilatildeo portuguesa

de Baziacutelio Teles Aleacutem disso o autor escreve o seguinte comentaacuterio acerca do

manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu Acorrentado

Ora tivemos a ventura de folhear com a maacutexima reverecircncia no Instituto

Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro passando e repassando pelas matildeos as suas

folhas algo amarelecidas pelo tempo o Manuscrito Imperial consistindo de

um caderno (tipo colegial simples) menos da metade escrito e mais da

metade em branco onde o Sr Imperador Pedro II deixara ficar com sua letra

pequenina mas muito bem traccedilada e bem legiacutevel a famosa trageacutedia de

Eacutesquilo sem esquecer S Magestade de apor ao fim do trabalho em

caracteres firmes a data 14 de abril de 1871 O preciosiacutessimo documento

encontra-se no Instituto Histoacuterico muito bem conservado como todas as

peccedilas que ali se acham ndash reliacutequias de nossa Tradiccedilatildeo - e devidamente

classificado (MAURICEacuteA FILHO 1972 pp243-4)

Embora A Mauriceacutea Filho faccedila uma importantiacutessima descriccedilatildeo da existecircncia

real do Manuscrito Imperial natildeo o coteja poreacutem com as traduccedilotildees de Paranapiacaba e

Ramiz Galvatildeo Quase no final da anaacutelise apenas transcreve um pequeno trecho da

traduccedilatildeo de Dom Pedro II a saber ldquodo que entatildeo se apresentava parecia o mais

acertado tomando comigo a minha Matildee auxiliar de boa vontade a Juacutepiter que o

queriardquo (MAURICEacuteA FILHO 1972 p261)

Apesar de ter fomentado pelo menos trecircs versotildees do Prometeu Acorrentado

(duas de Paranapiacaba e uma de Ramiz Galvatildeo) eacute lamentaacutevel que a versatildeo em prosa

feita por Dom Pedro II ainda natildeo tenha sido estudada mais detalhadamente

19

Como entatildeo poderiacuteamos dizer que o livro Prometeu Acorrentado de 1907

citado por Romanelli eacute uma das poucas traduccedilotildees do Imperador publicadas ateacute entatildeo

Ateacute que ponto as versotildees de Paranapiacaba estatildeo ligadas semanticamente agrave traduccedilatildeo do

Imperador Seraacute que os meacuteritos ou os pontos fracos dessas versotildees podem ser atribuiacutedos

tambeacutem agrave traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II Satildeo questotildees sobre as quais

pretendemos nos debruccedilar e responder ao longo da presente dissertaccedilatildeo Para isso

objetiva-se

1) Empreender a transcriccedilatildeo integral da traduccedilatildeo feita por Dom Pedro II da

trageacutedia Prometeu Acorrentado e das duas versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo de

Paranapiacaba

2) Realizar o cotejo criacutetico entre a Traduccedilatildeo Imperial e as duas versotildees poeacuteticas

feitas pelo Baratildeo

A histoacuteria da traduccedilatildeo de literatura greco-romana no Brasil ainda estaacute para ser

escrita (DUARTE 2016) Mas natildeo temos a pretensatildeo de escrevecirc-la sozinhos Pois ldquoum

miacutenimo de honestidade nos afasta de empresas que natildeo podemos realizarrdquo (RAMOS

2008 p63) Por outro lado entendemos que ao realizarmos a transcriccedilatildeo completa da

traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e das versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba daremos

mais um passo rumo ao atendimento dessa grande demanda nos estudos da recepccedilatildeo e

traduccedilatildeo dos Claacutessicos em nosso paiacutes

Em vista desse uacuteltimo toacutepico buscamos recuperar a histoacuteria das traduccedilotildees do

Prometeu Acorrentado publicadas no Brasil e de seus respectivos tradutores situando

nela a de D Pedro II A presenccedila do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo no Brasil pode

ser constatada pelo nuacutemero e sobretudo pela qualidade de suas traduccedilotildees O tradutor

ldquocomo o primeiro interprete de um texto eacute o elo inicial de uma rede que visa a tornar o

claacutessico vivo presente para a sociedaderdquo (DUARTE 2016 p26) O levantamento das

traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado e de seus respectivos tradutores visa

tornar ainda mais evidente essa corrente de esforccedilos individuais que contribuiu para que

a antiga trageacutedia grega permanecesse viva em liacutengua portuguesa ateacute os nossos dias

Manuscrito e sua transcriccedilatildeo integral

Graccedilas ao apoio do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro na pessoa de

Socircnia N de Lima (Chefe do Arquivo) conseguimos uma coacutepia fac-similar do

manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu Acorrentado

20

de Eacutesquilo (Doc 4695-A) O manuscrito encontra-se totalmente transcrito na presente

dissertaccedilatildeo (pp 123-57)

O trabalho de transcriccedilatildeo foi feito em diaacutelogo com as seguintes obras Noccedilotildees de

paleografia e diplomaacutetica (2008) de Anna Regina Berwanger e Joatildeo Euriacutepides Franklin

Leal Introduccedilatildeo agrave criacutetica textual (2005) de Ceacutesar Nardeli Cambraia Fundamentos da

criacutetica textual (2004) de Baacuterbara Spaggiari e Maurizio Perugi e Ediccedilotildees criacutetica e

geneacutetica de ldquoA Morgada de Romarizrdquo(2009) de Carlota Frederica Pimenta Natildeo existe

um consenso absoluto sobre os criteacuterios propostos pelos autores acima citados Por

isso procuramos utilizar aquilo que mais se adequava agraves especificidades da nossa

pesquisa A seguir teceremos algumas consideraccedilotildees gerais sobre o manuscrito da

traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e sobre os criteacuterios adotados no trabalho de

transcriccedilatildeo

O Manuscrito Imperial ocupa 47 paacuteginas de um caderno com capa de papelatildeo

indeformaacutevel 23 centiacutemetros de comprimento por 19 centiacutemetros de largura e 1

centiacutemetro de espessura (MAURICEacuteA FILHO 1972 p244) A data do teacutermino da

traduccedilatildeo eacute colocada na uacuteltima paacutegina do manuscrito A numeraccedilatildeo das paacuteginas parece

ter sido feita a laacutepis de forma alternada (somente as iacutempares satildeo numeradas) No

entanto a paacutegina 7 do manuscrito foi erroneamente marcada como paacutegina ldquo6rdquo O

equiacutevoco persiste ateacute o final do manuscrito cuja uacuteltima paacutegina traz ldquo46rdquo sendo que haacute

47 paacuteginas de traduccedilatildeo

Figura 1 Trecho da uacuteltima paacutegina do Documento 4695-A (IHGB)

O trabalho de transcriccedilatildeo seguiraacute os seguintes criteacuterios gerais

a) Palavras com ldquosrdquo duplicado apresentam uma caracteriacutestica interessante na

caligrafia do seacuteculo XIX no Brasil o primeiro ldquosrdquo eacute chamado ldquocaudadordquo

(BERWANGER amp LEAL 2008 p100) Veja-se a reproduccedilatildeo de como era

escrito o primeiro ldquosrdquo da palavra ldquoapressa-terdquo por exemplo

Essa particularidade da caligrafia natildeo era reproduzida nas publicaccedilotildees

21

tipograacuteficas da eacutepoca e seguimos essa tendecircncia em nosso trabalho de

transcriccedilatildeo

b) A pontuaccedilatildeo original foi mantida

c) As maiuacutesculas e as minuacutesculas foram mantidas tal qual estatildeo presentes no

original com exceccedilatildeo do ldquosrdquo caudado

d) A ortografia foi mantida na iacutentegra natildeo se efetuando nenhuma correccedilatildeo

gramatical

Figura 2 Trecho da traduccedilatildeo de Dom Pedro II referente aos versos 1063-9 do Prometeu

(Doc4695-A IHGB)

Chogravero

Dize e aconselha-me outra cousa pois que me seduziste com essas palavras de

nenhum modo toleraveis Como eacute que me ordenas praticar infamias Com elle quero

soffregraver o que fograver necessario pois aprendi a aborrecegraver os traidores nem ha peste que

mais me repugne do que esta ()

e) A transcriccedilatildeo do texto foi feita de forma corrida e a divisatildeo original dos

paraacutegrafos respeitada

f) Indicamos a numeraccedilatildeo original da paacutegina entre colchetes ex [fl3] mesmo

no meio do texto corrido quando necessaacuterio Os colchetes seratildeo sublinhados

para indicar que a paacutegina em questatildeo natildeo estaacute marcada no manuscrito ex

[fl4]

Figura 3 Trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A IHGB)

22

[fl3]

Forccedila

De nada vale deploral-o natildeo faze pois cousas que nada aproveitatildeo

Figura 4 Trecho da quarta paacutegina do Documento 4695-A (IHGB) natildeo numerada no

manuscrito

[fl4]

Vulcano

Estaacute feito e natildeo dura este trabalho

g) Os elementos textuais interlineares ou marginais autoacutegrafos que completam

o escrito seratildeo inseridos no texto entre os sinais ltgt

Figura 5 Trecho da primeira fala de Prometeu (vv88-126) traduzida pelo Imperador

(Doc4695-A IHGB)

Prometheu

ltOh ar divinogt e ventos de azas velozes e fontes dos rios()

h) Tambeacutem utilizaremos os seguintes sinais diacriacuteticos

= o asteriacutesco indica que algo foi riscado e estaacute ilegiacutevel no ponto em que ele

aparece

[ ] = algo foi escrito sobre

[] = escrito sobre algo que foi riscado e que estaacute ilegiacutevel

ltuarrgt = acreacutescimo textual no espaccedilo interlinear superior

ltdarrgt = acreacutescimo textual no espaccedilo interlinear inferior

Prometeu = palavra riscada mas legiacutevel

ilegiacutevel = palavra natildeo riscada mas ilegiacutevel

= manuscrito deteriorado na passagem em questatildeo

23

Veja-se a seguir algumas expressotildees comuns no uso dos sinais diacriacuteticos em

nossa transcriccedilatildeo

ltuarrgt [] = acreacutescimo textual no espaccedilo interlinear superior sobre algo que foi

riscado e que estaacute ilegiacutevel Exemplo

Figura 6 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

()pois novos ltuarrtimoneirosgt[]3 regem o Olympo ()

ltuarrgt [] = ascreacutecimo textual no espaccedilo interlinear superior sobre texto legiacutevel

Exemplo

Figura 7 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

AhltuarrQue cousagt[Tambem] tu vieste expectadograver de meus trabalhos

Quando o acreacutescimo textual interlinear natildeo eacute seguido do diacriacutetico ldquo[ ]rdquo

(ldquosobrerdquo) significa que o acreacutescimo estaacute entre duas palavras acima do espaccedilo em

branco Exemplo

Figura 8 Trecho do Documento 4695-A (IHGB)

() chamma brilhante ltuarrdogtsol ()

Pode ser que ocorra um acreacutescimo sobre algo que esteja riscado e ilegiacutevel

juntamente com outra palavra que tambeacutem fora riscada mas que pode ser lida

3 A palavra ldquoTimoneirosrdquo foi escrita sobre algo que foi riscado Apesar de natildeo ser possiacutevel ler claramente

qual palavra foi riscada no trecho destacado mesmo ampliando a imagem do manuscrito algumas letras

poreacutem satildeo legiacuteveis gadoes Brunno VG Vieira Professor de Letras Claacutessicas da UNESP

durante a arguiccedilatildeo da presente Dissertaccedilatildeo sugeriu a leitura ldquogovernadoresrdquo para a palavra riscada Ver

paacutegina 128

24

Figura 9 Detalhe do Documento 4695-A (IHGB)

() poremlt uarrdezejavagt [ queria ] ()

i) As palavras sublinhadas pelo autor do manuscrito tambeacutem seratildeo sublinhadas

na transcriccedilatildeo

Figura 10 Trecho do Documento 4695-A (IHGB)

Chegamos a terra remota aacute regiatildeo Scytha a ermo despovoado

Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu o pae de ()

f) Outras particularidades do manuscrito foram indicadas por meio de notas de

rodapeacute

Diante dos criteacuterios supramencionados pode-se afirmar que a transcriccedilatildeo

empreendida eacute de caraacuteter diplomaacutetico ou geneacutetico pois se transcreveraacute tambeacutem os

acidentes de escrita e as emendas o que de certa forma revela algo do processo criativo

do autor do manuscrito isto eacute sobre a gecircnese da sua traduccedilatildeo Por isso esse tipo de

transcriccedilatildeo eacute chamado comumente de transcriccedilatildeo geneacutetica (PIMENTA 2009 p16)

Tambeacutem afirmamos que a ortografia do Manuscrito Imperial seraacute respeitada Por isso

seria profiacutecuo tecer algumas consideraccedilotildees sobre a ortografia da liacutengua portuguesa na

segunda metade do seacuteculo XIX

Ramiz Galvatildeo (o Baratildeo de Ramiz) em seu livro Vocabulario etymologico

orthographico e prosoacutedico das palavras portuguezas derivadas da lingua grega (1909)

afirma que natildeo havia um acordo ortograacutefico uacutenico no Brasil na eacutepoca do Segundo

Impeacuterio e que os dicionaacuterios de liacutengua portuguesa de sua eacutepoca

[] cada qual grapha como entende e os proacuteprios glottologos discutem sem

resultado practico as vantagens dos systemas phonetico etymologico e

25

eclectico que correspondiam aacutes trez correntes de opiniatildeo nesta mateacuteriardquo

(RAMIZ GALVAtildeO 1909 pII)4

Ramiz Galvatildeo estava ligado agrave vertente chamada ldquoetimoloacutegicardquo Em sentido lato

esse sistema ortograacutefico preconizava que as palavras vernaacuteculas deveriam utilizar as

palavras latinas ou gregas como paradigmas para sua escrita (a etimologia nem sempre

era feita de forma rigorosa por alguns autores o que gerava confusatildeo e variedade na

grafia de algumas palavras) Era comum por exemplo transliterar as letras gregas ζ θ

ρ por th ph e ch nas palavras portuguesas que tivessem sua origem no idioma grego

como por exemplo eschola ldquoescolardquo (RAMIZ GALVAtildeO 1909 pIV-V)5 Dom Pedro

II parece seguir tal sistema ortograacutefico em sua traduccedilatildeo em prosa

Apresentar-se-aacute a seguir alguns exemplos tirados do proacuteprio Manuscrito

Imperial para explicitar as principais diferenccedilas entre a ortografia vigente em nossos

dias e a adotada pelo Imperador

1) A forma da terceira pessoa do plural do presente do indicativo tem o sufixo

em ldquondashatildeordquo em vez de ldquo- am

Figura 11 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A IHGB)

() te de tuas bogravedas alcanccedilaste oh moccedila Pois as palavras que ouviste agora

nem no proemio te pareccedilatildeo estar

2) A forma da primeira pessoa do singular do presente indicativo do verbo

ldquoodiarrdquo eacute odiacuteo em vez de ldquoodeiordquo e da terceira pessoa do singular eacute odiacutea em

vez de ldquoodeiardquo

Figura 12 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A IHGB)

4 Reproduzimos a ortografia da publicaccedilatildeo original

5A corrente etimoloacutegica foi teorizada inicialmente por Duarte Nunes de Leatildeo na sua Orthografia da

lingoa portugueza em 1576 Outro autor importante foi Madureira Feijoacute com sua Orthographia ou Arte

de Escrever e pronunciar com acerto a lingua portuguesa em 1734 obra na qual defende a etimologia na

ortografia

26

Prometheu

Em uma palavra odiacuteo todos os deuses quantos beneficiados me fazem mal

injustamente

3) As palavras proparoxiacutetonas natildeo satildeo acentuadas como por exemplo animo

(acircnimo) aspero (aacutespero) artifice (artiacutefice) colera (coacutelera) habito (haacutebito)

miseros (miacuteseros) Tartaro (Taacutertaro)

Figura 13 Imagens de algumas palavras proparoxiacutetonas encontradas no Documento 4695ndashA (IHGB)

4) As palavras paroxiacutetonas terminadas em ldquoa(s)rdquo ldquoo(s)rdquo ldquoe(s)rdquo satildeo acentuadas

com (`) se o som da siacutelaba tocircnica for fechado e com (acute) se o som for aberto

algegravemas (algemas) ansiograveso (ansioso) foacutera (fora) oceagraveno (oceano)

Figura 14 Imagens de palavras paroxiacutetonas terminadas em vogais ldquoordquo e ldquoardquo (Doc4695-A IHGB)

As paroxiacutetonas terminadas com as demais consoantes e as terminadas em

ditongo natildeo satildeo acentuadas

Figura 15 Imagens de palavras paroxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A IHGB)

5) As palavras oxiacutetonas terminadas em ldquoemrdquo e ldquoensrdquo natildeo satildeo acentuadas alem

(aleacutem) alguem (algueacutem) ninguem (ningueacutem) porem (poreacutem) tambem

(tambeacutem) Jaacute nas versotildees poeacuteticas da lavra de Paranapiacaba (1907) eacute

possiacutevel ver a forma ldquoporeacutemrdquo

Figura 16 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A IHGB)

27

6) Palavras oxiacutetonas terminadas em ldquoerrdquo e ldquoorrdquo satildeo acentuadas expectadograver

(expectador) terrograver (terror) vegraver (ver)

Figura 17 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A IHGB)

A crase eacute marcada com (acute) em vez de (`)

Figura 18 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB)

() voltaraacute ainda anciograveso aacute concordia ()

7) Uso dos pronomes aacutetonos la(s) e lo(s) eacute bastante peculiar denuncial-o-ei

(denunciaacute-lo-ei) explical-o-ei (explicaacute-lo-ei) ignoral-o (ignoraacute-lo) obtegravel-a (obtecirc-

la)

Figura 19 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB)

8) A ortografia etimoloacutegica deu origem agraves seguites grafias encontradas no

manuscrito Afflicto (aflito) dezejava (desejava) emtorno (entorno)

ephemeros (efecircmeros) irmaatildes (irmatildes) monarcha (monarca) Note-se a

seguir outros exemplos retirados do manuscrito

Figura 20 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

() donzellas anciaatildes com forma de cysne possuindo um olho commum e um

dente a quem jamais nem o sol olha com seus raios nem a nocturna lua Perto

28

estatildeo suas trez irmaatildes as aligeras anguicomas Gorgones aos mortaes odiosas

que nenhum mortal encarando conservaraacute o espirito vital

9) ldquoPorquerdquo como forma uacutenica para ldquopor querdquo e ldquoporquerdquo

Figura 21 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Io

Porque hesitas entatildeo em dizer-me tudo

Essas satildeo as caracteriacutesticas gerais do manuscrito de sua transcriccedilatildeo e de sua

ortografia Na primeira parte da presente dissertaccedilatildeo seraacute apresentado o levantamento

das traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado juntamente com algumas

consideraccedilotildees sobre a poeacutetica tradutoacuteria de cada um dos tradutores elencados (Capiacutetulo

1) O cotejo criacutetico entre as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba e a traduccedilatildeo feita por

Dom Pedro II ocorreraacute no Capiacutetulo 2 A segunda parte da dissertaccedilatildeo eacute destinada agraves

transcriccedilotildees O Capiacutetulo 3 seraacute dedicado agrave transcriccedilatildeo completa da traduccedilatildeo em prosa de

Dom Pedro II Nos Capiacutetulos 4 e 5 respectivamente encontram-se as transcriccedilotildees das

duas versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba feitas a partir do livro publicado em

1907 e seguindo os criteacuterios gerais de transcriccedilatildeo expostos anteriormente sobretudo no

que se refere agrave ortografia e agrave divisatildeo dos paraacutegrafos Apoacutes as transcriccedilotildees temos a

Conclusatildeo Final da Dissertaccedilatildeo

Em 2018 publicamos o artigo ldquoA traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II da

trageacutedia bdquoPrometeu acorrentado‟ de Eacutesquilordquo na Revista de Estudos Claacutessicos e

Tradutoacuterios Roacutenai no qual apresentamos os primeiros resultados de nossa pesquisa

Alessandra Fraguas historiadora e pesquisadora do Museu Imperial leu o artigo

Depois disso gentilmente informou-nos sobre a existecircncia dos esboccedilos da traduccedilatildeo em

prosa de Dom Pedro II depositados no Museu Imperial (Maccedilo 37 - Doc 1057 B de

Dom Pedro II Museu Imperial Ibram Ministeacuterio da Cidadania) e de uma carta escrita

pelo Baratildeo de Paranapiacaba agrave Princesa Isabel na qual fala sobre a publicaccedilatildeo de suas

versotildees poeacuteticas (Maccedilo 204 ndash Doc 9329 Museu Imperial Ibram Ministeacuterio da

Cidadania) Graccedilas agrave mediaccedilatildeo de Fraguas tivemos acesso a coacutepias digitalizadas dos

29

documentos citados Trechos dessa versatildeo preliminar de Dom Pedro II seratildeo cotejados

com sua versatildeo final no Capiacutetulo 2 A carta escrita por Paranapiacaba agrave Princesa Isabel

foi totalmente transcrita valendo-se dos mesmos criteacuterios utilizados nas outras

transcriccedilotildees e anexada agrave dissertaccedilatildeo

Encerraremos a presente introduccedilatildeo partilhando mais um trecho da transcriccedilatildeo

empreendida do Manuscrito Imperial referente agrave uacuteltima fala de Prometeu traduzida por

Dom Pedro II (vv1080-93) A passagem em questatildeo possui uma forte carga dramaacutetica

Por meio dos cataclismos naturais descritos por Prometeu Zeus e sua terriacutevel fuacuteria se

fazem presentes em cena

Figura 22 Imagem do texto da uacuteltima fala de Prometeu traduzida por Dom Pedro II(Doc4695-AIHGB)

Prometheu

E de facto e natildeo mais por palavras ltuarrbalanccedila-segt[] a terra rebogravea o echo

rugidograver do trovatildeo brilhatildeo as espiraes ltuarrardentesgt [] do relampago e os turbilhotildees

revolvem o poacute rompem os sogravepros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

oppostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Taes impetos contra mim vem

30

manifestamente de Jupiter para mettegraverem megravedo Oh nume de minha matildee [fl46]6 oh ar

que volves a luz commum de todos vegraves quatildeo injustamente soffro

14 de Abril de 1871

6Paacutegina 47 (uacuteltima paacutegina) marcada como 46 no manuscrito

31

CAPIacuteTULO 1 ndash As versotildees Brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo

11 Levantamento das traduccedilotildees brasileiras (consideraccedilotildees preliminares)7

O levantamento empreendido das traduccedilotildees brasileiras do Prometeu

Acorrentado e de seus respectivos tradutores se deu por meio de visitas a bibliotecas e

livrarias aleacutem de consultas a bancos de dados eletrocircnicos como o Sistema Integrado de

Bibliotecas da Universidade de Satildeo Paulo SIBiUSP Todas as traduccedilotildees encontradas

foram lidas integralmente Chegou-se ao seguinte resultado sendo que antes do nome

do tradutor de cada versatildeo encontra-se o ano da publicaccedilatildeo original (as datas de suas

reediccedilotildees estatildeo entre parecircnteses)

1871 - Dom Pedro II8

1907 - Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza Baratildeo de

Paranapiacaba duas versotildees distintas no mesmo livro

1909 - Ramiz Galvatildeo Baratildeo de Ramiz (1922 1997)

1950 - JB de Mello e Souza (1964 1966 1969 1970 1998

2001 2002 2005)

1964 - Jaime Bruna (1968 1977 1996)

1967 - Napoleatildeo Lopes Filho

1968 - Maacuterio da Gama Kury (1993 1998 1999 2004 2009)

1977 - Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves

1980 ndash O Tradutor Desconhecido9

1982 - Alberto Guzik

1985 ndash Jaa Torrano

1997 ndash Trajano Vieira

2009 ndash Jaa Torrano10

7Neste capiacutetulo natildeo se consideraratildeo as adaptaccedilotildees infantojuvenis do Prometeu Acorrentado as quais

mereceriam um estudo agrave parte 8 Manuscrito da traduccedilatildeo em prosa feita por Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo

(Doc4695-A ndash Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro) 9Trata-se de uma traduccedilatildeo anocircnima do Prometeu Acorrentado publicada por Otto Pierre Editores em

1980 10

Em entrevista dada a Andreacute Malta (2015) Jaa Torrano afirma que haacute mudanccedilas entre as traduccedilotildees de

Prometeu Prisioneiro (1985) e Prometeu Cadeeiro (2009) mudanccedilas estas que nos parecem substanciais

a comeccedilar pelos tiacutetulos das traduccedilotildees Por isso natildeo consideramos a traduccedilatildeo de 2009 como uma simples

reediccedilatildeo

32

Seguindo o exemplo de Jorge Luis Borges no ensaio ldquoAs Versotildees homeacutericasrdquo

(1994 pp71-8) a seguir seratildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica as versotildees

brasileiras de uma mesma passagem do Prometeu Acorrentado Borges usou recurso

semelhante quando discorria acerca das traduccedilotildees inglesas da Odisseia afirmando que

tais versotildees satildeo na verdade ldquoperspectivas variadas de um fato moacutevelrdquo (ibidem 1994

p71) Depois da apresentaccedilatildeo dos trechos das traduccedilotildees faremos algumas

consideraccedilotildees sobre a afirmaccedilatildeo de Borges e tambeacutem a exposiccedilatildeo daquilo que nos

chamou mais atenccedilatildeo nas versotildees elencadas Ao que se pretende valendo-se das

palavras de Brunno V G Vieira (2010 p70) quando discorria sobre as versotildees

brasileiras da Farsaacutelia de Lucano

[]estaacute fora de questatildeo a imposiccedilatildeo de um modo bdquocerto‟ de traduzir Ao

contraacuterio o que estaacute em jogo eacute um exerciacutecio de conhecimento das diferentes

modulaccedilotildees que um texto pode alcanccedilar quando trabalhado por tradutores de

diferentes eacutepocas estilos e concepccedilotildees translatiacutecias

No proacutelogo do Prometeu Acorrentado o titatilde que daacute nome ao drama eacute escoltado

por outras trecircs divindades Kratos (ldquoPoderrdquo) Bia (ldquoviolecircnciardquo personagem mudo) e

Hefesto o ferreiro divino Kratos insta Hefesto a cumprir as ordens de Zeus de encadear

Prometeu num inoacutespito rochedo No cumprimento das ordens dadas Hefesto lamenta

seu ofiacutecio desejando que tal pertencesse a outro Kratos entatildeo responde-lhe

ldquoἅπαλη᾽ ἐπαρζῆ πιὴλ ζενῖζη θνηξαλεῖλ ἐιεύζεξνο γὰξ νὔηηο ἐζηὶ πιὴλ Δηόοrdquo

(Prometeu Acorrentado vv49-50)11

Veja-se a seguir as diferentes versotildees brasileiras para a citada resposta de

Kratos

Dom Pedro II prosa 1871 ldquoTudo foi feito para os deuses exceto imperarem

pois ningueacutem eacute livre salvo Juacutepiterrdquo

Baratildeo de Paranapiacaba verso 1907 versatildeo em que o metro varia de

acordo com o personagem ldquoAos Imortais concedido Tudo foi menos o impeacuterio Soacute

Jove eacute livrerdquo

Baratildeo de Paranapiacaba verso 1907 versatildeo onde predominam os

decassiacutelabos brancossoltos ldquoTudo aos Deuses foi dado unicamente natildeo podem

governar A natildeo ser Jove Natildeo eacute livre ningueacutemrdquo

11 Os textos editados por Mark Griffith (1997) Paul Mazon (1953) e Christian G Schuumltz (1809) do

original do Prometeu Acorrentado natildeo apresentam divergecircncias de leitura para a passagem em questatildeo

33

Ramiz Galvatildeo verso 1909 ldquoTudo aos numes foi dado exceto o mando

ningueacutem eacute senatildeo Zeus independenterdquo

J B de Mello e Souza prosa 1950 ldquoMuito podem os deuses na verdade

poreacutem dependem de um poder supremo soacute Juacutepiter eacute onipotenterdquo

Jaime Bruna prosa 1964 ldquoTodos os quinhotildees foram negociados menos o de

governar os deuses ningueacutem eacute livre senatildeo Zeusrdquo

Napoleatildeo Lopes Filho prosa 1967 ldquoTudo eacute concedido aos deuses menos o

impeacuterio Soacute Zeus eacute livrerdquo

Maacuterio da Gama Kury verso 1968 ldquoTodos temos a sorte predeterminada a

uacutenica exceccedilatildeo eacute Zeus o rei dos deuses Somente ele eacute livre entre imortais e homensrdquo

Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves verso 1977 ldquoTudo foi

traccedilado a natildeo ser para o soberano dos deuses livre de fato ningueacutem eacute exceto Zeusrdquo

Autor desconhecido prosa 1980 ldquoTodas as atribuiccedilotildees estatildeo jaacute estabelecidas

exceto para o rei dos deuses soacute Zeus eacute livrerdquo

Alberto Guzik prosa 1982 ldquoTodos os trabalhos satildeo desagradaacuteveis menos o

de rei dos deuses pois ningueacutem eacute livre senatildeo Zeusrdquo

Jaa Torrano verso 1985 ldquoTudo se deu aos Deuses menos reinar pois livre

ningueacutem eacute aleacutem de Zeusrdquo

Trajano Vieira verso 1997 ldquoOs deuses tudo provam salvo o mando

somente Zeus conhece o livre arbiacutetriordquo

Jaa Torrano verso 2009 ldquoSoacute natildeo haacute ocircnus em ser rei de Deuses pois

ningueacutem eacute livre aleacutem de Zeusrdquo

A liacutengua grega na qual foi escrito o Prometeu Acorrentado natildeo eacute um fato

imoacutevel estanque pois seu estado e entendimento mudam agrave medida que surgem novas

descobertas no campo da filologia Mas natildeo eacute soacute o entendimento da liacutengua grega que se

transforma Subirat o tradutor espanhol do Ulysses de Joyce afirmou que ldquotraduzir eacute a

maneira mais atenta de lerrdquo (apud CAMPOS 2013 p14) e leitores tambeacutem mudam ao

longo do tempo Borges com sua ironia tatildeo peculiar toca nessa questatildeo em seu conto

Pierre Menard autor do Quixote texto no qual seu personagem Menard se empenha

por recriar o Quixote de Cervantes em pleno seacuteculo XX

Compor o Quixote em princiacutepios do seacuteculo XVII era um empreendimento

razoaacutevel necessaacuterio quem sabe fatal em princiacutepios do seacuteculo XX eacute quase

impossiacutevel Natildeo transcorreram em vatildeo trezentos anos carregados de

34

complexiacutessimos fatos Entre eles para mencionar um apenas o proacuteprio

Quixote (BORGES 1999 p495)

O narrador continua

Constitui uma revelaccedilatildeo cotejar o Dom Quixote de Menard com o de

Cervantes Este por exemplo escreveu (Dom Quixote primeira parte nono

capiacutetulo)

A verdade cuja matildee eacute a histoacuteria ecircmula do tempo depoacutesito das accedilotildees

testemunha do passado exemplo e aviso do presente advertecircncia do futuro

Redigida no seacuteculo XVII redigida pelo ldquoengenho leigordquo Cervantes essa

enumeraccedilatildeo eacute mero elogio retoacuterico da histoacuteria Menard em compensaccedilatildeo

escreve

A verdade cuja matildee eacute a histoacuteria ecircmula do tempo depoacutesito das accedilotildees

testemunha do passado exemplo e aviso do presente advertecircncia do futuro

A histoacuteria matildee da verdade a ideia eacute assombrosa Menard contemporacircneo de

Willian James natildeo define a histoacuteria como indagaccedilatildeo da realidade mas como

sua origem A verdade histoacuterica para ele natildeo eacute o que aconteceu eacute o que

julgamos que aconteceu As claacuteusulas finais ndash exemplo e aviso do presente

advertecircncia do futuro ndash satildeo descaradamente pragmaacuteticas (ibidem p495)

Como jaacute mencionado quanto maior for o desejo de ler com atenccedilatildeo uma

determinada obra de penetrar em sua complexidade maior seraacute o desejo de traduzi-la

(CAMPOS 2013 pp14 17) Cada um dos tradutores brasileiros do Prometeu

Acorrentado assim como o Menard de Borges fez sua leitura a partir de seu proacuteprio

repertoacuterio a partir de sua proacutepria eacutepoca e valores Entre os tradutores brasileiros do

Prometeu houve quem natildeo se contentou com uma uacutenica ldquoleitura atentardquo Eacute o caso

como visto do Baratildeo de Paranapiacaba Ele publicou duas distintas versotildees da mesma

trageacutedia num mesmo livro Para os versos 49 e 50 do Prometeu Acorrentado na

primeira versatildeo apresentada em seu livro o Baratildeo verte ldquoAos imortais concedido Tudo

foi menos o impeacuterio Soacute Jove eacute livrerdquo Na outra versatildeo apresentada no mesmo

compecircndio temos ldquoTudo aos Deuses foi dado unicamente natildeo podem governar A

natildeo ser Jove Natildeo eacute livre ningueacutemrdquo Outro exemplo interessante eacute o do professor de

Liacutengua e Literatura Grega da USP Joseacute Antonio Alves Torrano (Jaa Torrano) Aleacutem de

sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado publicada em 1985 Torrano empreende uma

nova traduccedilatildeo da mesma trageacutedia depois de quase 24 anos publicando-a em 2009 Em

sua primeira traduccedilatildeo lecirc-se ldquoTudo se deu aos Deuses menos reinar pois livre

ningueacutem eacute aleacutem de Zeusrdquo A traduccedilatildeo posterior por sua vez apresenta a seguinte

soluccedilatildeo ldquoSoacute natildeo haacute ocircnus em ser rei de Deuses pois ningueacutem eacute livre aleacutem de Zeusrdquo

Seraacute que algo importante mudou entre essas duas versotildees Acreditamos que sim A

35

versatildeo de 1985 afirma que tudo foi dado agraves divindades ldquomenos reinarrdquo Contudo

segundo o pensamento miacutetico grego os deuses exerciam grandiosa autoridade sobre os

mortais e tambeacutem havia reis entre os humanos Jaacute a traduccedilatildeo de 2009 deixa claro que

tipo de poder eacute esse do qual os deuses foram privados ldquoSoacute natildeo haacute ocircnus em ser rei de

Deusesrdquo ou seja eles foram privados de um poder superior pertencente apenas a Zeus

Esses exemplos indicam que a traduccedilatildeo natildeo eacute ldquouma operaccedilatildeo automaacutetica fruto

de geraccedilatildeo espontacircnea algo que demanda pouco esforccedilordquo (DUARTE 2016 p51)

como se costuma pensar no senso comum Veja-se o caso do proacuteprio Dom Pedro II Ele

leu os versos 49-50 do Prometeu da seguinte forma ldquoTudo foi feito para os deuses

exceto imperarem pois ningueacutem eacute livre salvo Juacutepiterrdquo (sentido bastante proacuteximo da

traduccedilatildeo de Torrano publicada em 1985) O manuscrito no qual se encontra a traduccedilatildeo

revela que o Imperador natildeo chegou a essa soluccedilatildeo sem hesitaccedilotildees pois nos espaccedilos

interlineares da passagem citada ele anotou em letras pequeninas (terceira paacutegina do

manuscrito) ldquo(exceto para os deuses o imperarem ndash isto eacute ndash Tudo custou trabalho

exceto imperarem os deuses pois somente Juacutepiter eacute livre (natildeo obedece impera) (Qual a

melhor interpretaccedilatildeo)rdquo12

Figura 23 Imagem de trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A IHGB)

Os pontos de divergecircncia entre tradutores na leitura de uma mesma passagem

satildeo valiosos a quem se debruccedila sobre os estudos das praacuteticas tradutoacuterias pois em tais

pontos o posicionamento pessoal de cada um dos tradutores se torna ainda mais

evidente Um exemplo disso satildeo os instigantes problemas interpretativos suscitados pelo

Coro das Oceaninas (ldquoOceacircnidesrdquo ou ldquoOceacircnidasrdquo dependendo do tradutor) e seu pai

Oceano

Assim que surgem em cena as deusas Oceaninas afirmam que escutaram o

barulho longiacutenquo das cadeias de Prometeu (vv128-35) Informam tambeacutem que vieram

depois de terem convencido com dificuldade a seu pai Oceano Prometeu pede para que

12

Interessante notar que soacute o Imperador traduz θνηξαλέσ por ldquoimperarrdquo ndash ldquoimpeacuterio ocorre em uma das

versotildees do Baratildeo de Paranabiacaba e de Napoleatildeo Lopes Filho a primeira dialogando com a de Dom

Pedro A escolha lexical revela aqui a funccedilatildeo do ldquotradutorrdquo e talvez uma certa identificaccedilatildeo de Dom

Pedro II com o panteatildeo grego ao refletir sobre os atributos inerentes ao exerciacutecio do poder

36

elas desccedilam do carro alado e se aproximem dele mas no momento exato em que as

deusas iam tocar os peacutes descalccedilos no rochedo em que o titatilde estava encadeado chega o

proacuteprio Oceano (para se compadecer de Prometeu ou para ainda tentar impedir mesmo

que veladamente as filhas se aproximarem do titatilde) Sim o mesmo Oceano que na

Teogonia de Hesiacuteodo tinha aconselhado sua filha Estige a ser a primeira a chegar ao

ajuntamento que visava sob a lideranccedila de Zeus depor Cronos Como recompensa por

essa prontidatildeo Zeus honrou-a fazendo dela proacutepria o ldquoGrande Juramento dos deusesrdquo

(Teogonia vv775-806) Jaacute na trageacutedia de Eacutesquilo Oceano chega depois de tentar

inutilmente impedir suas outras filhas de visitar Prometeu mas natildeo hesita em dizer ao

titatilde encadeado ldquo[] pois nunca diraacutes que haacute para ti amigo mais firme que Oceanordquo

(traduccedilatildeo de Dom Pedro II) Esse mesmo Oceano exorta Prometeu a se conhecer melhor

(γίγλσζθε ζαπηὸλ v309) se harmonizar com o novo tirano dos deuses e parar de

vociferar (ζὺ δ᾽ ἡζύραδε κεδ᾽ ἄγαλ ιαβξνζηόκεη v327) Enquanto isso ele proacuteprio

Oceano iria interceder junto a Zeus em favor de Prometeu (v325-9) Prometeu entatildeo

responde a Oceano (vv330-1) ldquoAdmira-me que tu natildeo hajas sido tratado como

criminoso visto que foste meu cuacutemplice e meu ajudanterdquo (Traduccedilatildeo de JB de Mello

e Souza)

A traduccedilatildeo supracitada de JB de Mello e Souza para essa resposta de Prometeu

suscita implicaccedilotildees interessantes Pois antes da chegada de Oceano Prometeu alegara

ao Coro das Oceaninas que estava sofrendo tamanho supliacutecio por se opor aos planos de

Zeus de exterminar a humanidade Aleacutem disso o Titatilde tambeacutem afirmou que doou o fogo

mestre de todas as artes aos mortais (vv193-256) Desta forma a traduccedilatildeo de JB de

Mello e Souza daacute a entender que Oceano de alguma forma foi cuacutemplice de Prometeu

nessas accedilotildees mas conseguiu contornar a situaccedilatildeo e natildeo ser punido Essa tambeacutem parece

ser a leitura de uma traduccedilatildeo anocircnima publicada por Otto Pierre Editores em 1980

ldquoInvejo-te palavra por estares livre de causa depois de teres tomado parte como eu nas

minhas empresasrdquo Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves apresentam a

seguinte interpretaccedilatildeo ao trecho ldquoEu te invejo a ti que a salvo da acusaccedilatildeo estaacutes

tendo de tudo participado e sendo ousado como eurdquo e escrevem em nota ldquoEsta

passagem faz-nos supor que Oceano deve ter colaborado com Prometeu em seus

empreendimentos em favor dos mortaisrdquo (MALHADAS amp MOURA NEVES 1977

p35) Na traduccedilatildeo de Trajano Vieira lecirc-se ldquoSoacute te posso invejar a liberdade pois tua

ousadia foi igual agrave minhardquo Trajano escreve o seguinte em nota para a passagem citada

ldquoReferecircncia provaacutevel a uma Titanomaquia perdida na qual Oceano combateu ao lado

37

de Prometeurdquo (VIEIRA 1997 p175) Entre todas as versotildees a traduccedilatildeo de Alberto

Guzik parece sugerir de forma mais expliacutecita que Oceano fora cuacutemplice de Prometeu

ldquoInvejo a sorte que tens de natildeo ser tratado como delinquente depois de ter participado

de tudo depois de teres sido soacutecio de minha audaacuteciardquo

Em contrapartida natildeo satildeo todos os tradutores que leem a passagem em questatildeo

da mesma forma Napoleatildeo Lopes Filho por exemplo entende que Oceano soacute era

cuacutemplice de Prometeu no sentido de que se dispocircs a visitaacute-lo em seu sofrimento Eis a

sua traduccedilatildeo ldquoDigo-te que eacutes feliz porque depois de ousar participar da minha dor

ainda estaacutes sem que Zeus te culperdquo - interpretaccedilatildeo diferente da apresentada nas

traduccedilotildees supracitadas Em sua traduccedilatildeo de 1985 Jaa Torrano lecirc a passagem de forma

semelhante ao que faz Napoleatildeo Lopes Filho ldquoEstimo que estejas fora da causa a

participar e ousar tudo por mimrdquo E natildeo parece que seu entendimento acerca dessa

passagem mudou em sua traduccedilatildeo de 2009 ldquoEstimo que estejas fora de causa audaz

ateacute participar de tudo comigordquo O Baratildeo de Paranapiacaba em suas versotildees de 1907

tem uma interpretaccedilatildeo semelhante agrave de Torrano e agrave de Napoleatildeo Lopes Filho ldquoAceita

embora meus pois tendo ousadoTer parte em minha docircr foste poupado E imune estaacutes

Natildeo quero te incommodesrdquo na outra versatildeo (decassiacutelabos soltos) encontra-se ldquoDou-te

os emboras por te ver imune De pena e culpa tu que a mim ligado Ousaste tomar

parte em minhas doresrdquo O curioso eacute que a traduccedilatildeo de Dom Pedro II da qual em tese

as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba teriam sido feitas diverge na interpretaccedilatildeo

ldquoInvejo-te porque ficas isento de crime tendo tudo partilhado e visado comigordquo A

traduccedilatildeo de Ramiz Galvatildeo parece estar mais alinhada agrave de Dom Pedro II nessa

passagem do que as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba ldquoEacutes feliz natildeo te inculpam bem

que houvesses tido parte na audaacutecia do meu feitordquo

Mas o problema natildeo termina aiacute Como dissemos Oceano alega estar disposto a

interceder a favor de Prometeu junto a Zeus Mas o titatilde prisioneiro cortesmente dispensa

a ajuda afirmando que natildeo desejava ver a fuacuteria de Zeus ainda mais accedilulada e recaindo

sobre Oceano tambeacutem Oceano por sua vez responde que a situaccedilatildeo de Prometeu

ensina e por isso se despede (vv374-96) O estranho eacute que Prometeu natildeo demonstra a

mesma preocupaccedilatildeo com as Oceaninas as quais ficam ao seu lado e se compadecem

dele No final da trageacutedia por exemplo Hermes (ldquoMercuacuteriordquo na traduccedilatildeo de Dom

Pedro II) discute asperamente com Prometeu Depois o Mensageiro de Zeus alerta as

Oceaninas nos seguintes termos

38

Tais resoluccedilotildees e palavras de mentecapto eacute preciso contudo ouvir Que falta

pois para ele desarrazoar se nada cede das infelizes manias Mas voacutes que

vos compadeceis dos sofrimentos dele afastai-vos rapidamente destes

lugares para qualquer outro afim de que o horrendo mugido do trovatildeo natildeo

ponha atocircnitos vossos espiacuteritos (traduccedilatildeo de Dom Pedro II)

As Oceaninas entatildeo respondem a Hermes (ainda na traduccedilatildeo do Imperador)

Dize e aconselha-me outra cousa pois que me seduziste com essas palavras

de nenhum modo toleraacuteveis Como eacute que me ordenas praticar infacircmias Com

ele quero sofrer o que for necessaacuterio pois aprendi a aborrecer os traidores

nem haacute peste que mais me repugne do que esta

Mercuacuterio

Mas recordai-vos do que predigo e caccediladas pelas desgraccedila natildeo acuseis a

sorte nem digais que Juacutepiter vos arremessou a uma infelicidade imprevista

natildeo certamente poreacutem voacutes a voacutes mesmas pois sabendo-o nem suacutebita nem

ocultamente sereis envolvidas por insensatez na imensa rede da desgraccedila

Por que Prometeu natildeo pediu para as Oceaninas irem embora quando Hermes deu

o alerta supracitado mostrando preocupaccedilatildeo semelhante agrave que sentiu ndash ou que pelo

menos aparentou sentir - pelo pai delas Oceano Nesse ponto da leitura aumenta a

expectativa acerca do que iraacute acontecer com Prometeu e com o Coro das Oceaninas

Mas eacute tarde demais Prometeu exclama

Prometeu

E de fato e natildeo mais por palavras balanccedila-se a terra reboa o eco rugidor do

trovatildeo brilham as espirais ardentes do relacircmpago e os turbilhotildees revolvem o

poacute rompem os sopros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

opostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Tais iacutempetos contra

mim vem manifestamente de Juacutepiter para meterem medo Oacute nume de minha

matildee oacute ar que volves a luz comum de todos ves quatildeo injustamente sofro

(traduccedilatildeo de Dom Pedro II)

Desta forma acaba a trageacutedia Depois disso Eacutesquilo silencia A expectaccedilatildeo ainda

estaacute agrave tona Mas uma pergunta ainda fica no ar o que aconteceu com as Oceaninas

Silecircncio silecircncio e mais silecircncio Um silecircncio tatildeo abismal quanto aquele penedo em que

Prometeu fora acorrentado Silecircncio tatildeo inquietante a ponto de fazer alguns dos

tradutores brasileiros do Prometeu tentarem quebraacute-lo

Depois da uacuteltima fala de Hermes por exemplo Napoleatildeo Lopes Filho

acrescenta ldquo(Vatildeo-se Hermes e as Oceacircnides)rdquo algo que natildeo estaacute no original que como

se sabe natildeo traz rubricas Alberto Guzik por sua vez tambeacutem quebra o silecircncio

39

escrevendo ldquoHermes se retirardquo O mesmo faz o Tradutor Anocircnimo de 1980 na fala das

Oceaninas acresce que uma delas (o corifeu) ldquo(aproxima-se de Prometeu)rdquo e depois da

fala de Hermes que ldquo(Hermes afasta-se Ouve-se um trovatildeo subterracircneo)rdquo J B de

Mello e Souza tambeacutem se posiciona ldquo(Sai Mercuacuterio)rdquo Jaacute Maacuterio da Gama Kury

escreve ldquoEntre relacircmpagos trovotildees e terremotos desaparecem PROMETEU e as

Oceacircnides do Corordquo O Baratildeo de Paranapiacaba natildeo escreve nada no corpo do texto

mas numa nota afirma que ldquoRetira-se Mercuacuterio e supotildee-se que o coro o acompanhardquo

Jaime Bruna vai aleacutem escrevendo ldquo(Relacircmpagos trovotildees ventania as Oceacircnides

fogem espavoridas e as penhas desabam sobre Prometeu)rdquo Eacute claro que com essa

interpretaccedilatildeo de Bruna as Oceaninas natildeo teriam cumprido a sua palavra de sofrerem

lealmente ao lado de Prometeu Mas nem por isso poderiacuteamos chamaacute-las de traidoras

Pois afinal de contas quem natildeo se sentiria aterrorizado diante da fuacuteria portentosa de

Zeus Veja-se por exemplo o caso do proacuteprio Prometeu Diante de Hermes ele fala

convicto e ousadamente

Por isso arremesse-se sobre mim a espiral de fogo de dois gumes e o ar seja

revolvido pelo trovatildeo e a tormenta dos ventos furiosos sacuda o furacatildeo a

terra com as proprias raiacutezes desde os alicerces e com aacutespero bramido

confunda as ondas do mar e os cursos dos astros celestes e precipite

inteiramente meu corpo no negro Taacutertaro levado pelos irresistiacuteveis turbilhotildees

da fatalidade em todo o caso natildeo me faraacute morrer (traduccedilatildeo de Dom Pedro

II)

Poreacutem quando Zeus passa ldquodas palavras agrave accedilatildeordquo Prometeu natildeo demonstra

tamanha ousadia e natildeo hesita em chamar pela matildee

E de fato e natildeo mais por palavras balanccedila-se a terra reboa o eco rugidor do

trovatildeo brilham as espirais ardentes do relacircmpago e os turbilhotildees revolvem o

poacute rompem os sopros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

opostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Oacute nume de minha

matildee oacute ar que volves a luz comum de todos vecircs quatildeo injustamente sofro

(traduccedilatildeo de Dom Pedro II grifo nosso)

Haacute de se supor portanto que Prometeu natildeo saiu a correr (como as Oceaninas na

interpretaccedilatildeo de Bruna) simplesmente por estar acorrentado pelas divinas cadeias de

Hefesto Por isso haacute de se perdoar as Oceaninas caso elas de fato tenham fugido

espavoridas

Seja como for Trajano Vieira e tambeacutem Malhadas e Moura Neves natildeo quebram

o silecircncio de Eacutesquilo em suas respectivas traduccedilotildees e o mesmo faz Jaa Torrano em suas

traduccedilotildees de 1985 e 2009 Natildeo obstante em um dos estudos que acompanham a

40

traduccedilatildeo de 2009 Torrano se manifesta a respeito Acerca de sua interpretaccedilatildeo bastante

instigante trataremos na sequecircncia

O Prometeu Acorrentado eacute muitas vezes lido como uma espeacutecie de manifesto

contra a tirania como se Eacutesquilo estivesse acusando energicamente o governante

supremo do Olimpo de injusto Acreditamos que essa leitura deve ser vista com

bastante cautela levando-se em conta que natildeo temos a trilogia completa na qual o

Prometeu Acorrentado estava incluiacutedo Aleacutem disso tomando Zeus simplesmente como

um tirano injusto e furioso tem-se a impressatildeo de que Eacutesquilo estaria indo na

contramatildeo de suas outras obras remanescentes como a trilogia Oresteia Diante disso o

estudo de Jaa Torrano sobre o Prometeu Acorrentado toca numa questatildeo importante

envolvendo o papel do Coro das Oceaninas e abre uma perspectiva interessante acerca

da justiccedila e do poder divinos dentro da trageacutedia em questatildeo Apontando para a ideia de

que Zeus dentro do pensamento miacutetico grego eacute o padratildeo absoluto de justiccedila e de que

esse entendimento estava mais de acordo com a cosmovisatildeo de Eacutesquilo Torrano

argumenta que essa trageacutedia apresenta tambeacutem o ponto de vista de Prometeu que

justamente se rebela contra o padratildeo de justiccedila dominante

A meu ver essa noccedilatildeo de verdade que estaacute no coraccedilatildeo da Oresteia de

Eacutesquilo funda e orienta o tratamento que se daacute agrave noccedilatildeo de Zeus na trageacutedia

de Eacutesquilo Prometeu Cadeeiro Trabalhando com a hipoacutetese da homologia

estrutural entre a noccedilatildeo miacutetica homeacuterica e hesioacutedica de Zeus e a noccedilatildeo

filosoacutefica platocircnica de ldquoideia do bemrdquo (t‟agathoacuten) verificamos que em toda

essa trageacutedia e especialmente na cena de Io a noccedilatildeo de Zeus ndash entendida

como o fundamento dos fundamentos e especialmente o fundamento de todo

e qualquer exerciacutecio de poder ndash eacute vista pelo lado esquerdo e eacute nessa leitura

sinistra da noccedilatildeo de Zeus que se impotildee a perspectiva que se descortina pelo

lado direito dessa mesma noccedilatildeo (TORRANO 2009 p339)

Torrano entende que Estige filha de Oceano estaacute presente dentro da trageacutedia

multiplicada no coro das Oceaninas ldquoAs Oceaninas essa multiplicaccedilatildeo de Estigerdquo

(ibidem p333) Jaa Torrano ainda escreve

Quando Zeus conclamava os imortais ao Olimpo agraves veacutesperas da

Titanomaquia aconselhada por seu pai Oceano Estige foi a primeira a

apresentar-se com seus quatro filhos [Poder Violecircncia Zelo e Vitoacuteria]

Como recompensa dessa alianccedila de primeira hora vencido o Titatilde Zeus

honrou-a fazendo dela proacutepria o ldquoGrande Juramento dos Deusesrdquo e seus

filhos residiram com ele para sempre Na ldquodescriccedilatildeo do Taacutertarordquo na

Teogonia de Hesiacuteodo no mitologema de Estige explica-se esta expressatildeo

ldquoGrande Juramento dos Deusesrdquo (theocircn meacutegas hoacuterkos T784) iacutengreme pedra

donde fria aacutegua de muitos nomes se precipita na Noite negra Cada vez que

Rixa e Briga surgem entre os imortais Zeus faz a mensageira Iacuteris buscar a

longiacutenqua aacutegua de Estige Quem a esparge pronunciando um perjuacuterio jaz

41

sem focirclego um ano inteiro sob maligno torpor depois banido por nove anos

soacute no deacutecimo frequenta de novo as reuniotildees dos Deuses Oliacutempios (T 775-

806) (TORRANO 2009 pp330)

Ao longo da trageacutedia Prometeu afirma possuir um segredo que faraacute Zeus cair de

sua posiccedilatildeo de poder O Titatilde tambeacutem alega que soacute revelaraacute essa informaccedilatildeo a Zeus se

ele o libertar daquele aviltante supliacutecio Torrano entende que Prometeu estaacute ldquoblefandordquo

ao afirmar isso e que justamente por falar uma mentira diante do coro das Oceaninas

(que seriam a Estige no ldquoGrande Juramento dos Deusesrdquo) acaba sendo punido por isso

vindo a sucumbir ao Taacutertaro

Essa interpretaccedilatildeo do sentido geral desse drama como o do grande Juramento

dos Deuses explica por que o coro de Oceaninas embora inocente de toda

acusaccedilatildeo que possa pesar sobre Prometeu no entanto se precipita no abismo

junto com ele precipita-se porque assim eacute Estige Essa precipitaccedilatildeo

demonstra que nesse drama bem como nos outros seis supeacuterstites de

Eacutesquilo Zeus eacute o transcendente fundamento da justiccedila da verdade e da

prudecircncia (TORRANO 2009 p338)

Poderemos averiguar que Torrano em sua leitura do Prometeu Acorrentado

dialoga intensamente com a obra de Hesiacuteodo Na Teogonia Estige eacute descrita como o

deacutecimo braccedilo do rio Oceano e a uacutenica de suas filhas que se precipita na Noite Negra

(vv787-9) Ainda segundo Hesiacuteodo Oceano circunda toda a Terra com seus outros

nove braccedilos (Teogonia vv789-90) Torrano tambeacutem um dos tradutores brasileiros de

Hesiacuteodo entende que Oceano seria a fronteira entre o Ser e o Natildeo Ser Mas Hesiacuteodo

natildeo eacute a uacutenica referecircncia grega que Torrano traz para dentro de sua reflexatildeo sobre o

Prometeu O Grande Juramento dos deuses tambeacutem eacute mencionado na Iliacuteada No poema

de Homero afirma-se que as divindades invocavam o Ceacuteu a Terra e as aacuteguas de Estige

quando faziam o Grande Juramento (Iliacuteada XV 34-8) Levando-se em conta que

Prometeu em sua primeira fala no drama (vv88-127) invoca o Aitheacuter (Eacuteter ldquoFulgorrdquo)

os Ventos as Fontes dos rios as Ondas marinhas a Terra e o Sol que se configurariam

como a totalidade do Ser Torrano vecirc nesses dados fortes indiacutecios de que Eacutesquilo estaria

situando a trageacutedia no Grande Juramento dos deuses Aleacutem disso o local eacute de precipiacutecio

(Prometeu v15) o que poderia sugerir a presenccedila de Estige posto que ela eacute a uacutenica

dentre as filhas de Oceano como visto que se precipita na Noite Negra Trataria-se

portanto de uma situaccedilatildeo limiacutetrofe na qual Prometeu se encontrava dentro da trageacutedia

de Eacutesquilo isto eacute entre o Ser e o Natildeo Ser

42

A proposta de Jaa Torrano eacute bastante singular haja vista a usual interpretaccedilatildeo de

considerar Prometeu como uma espeacutecie de prefiguraccedilatildeo de Cristo ou de Che Guevara

(TORRANO 1985 p23) Apesar disso entendemos que existem algumas passagens na

trageacutedia que natildeo parecem se encaixar facilmente na interpretaccedilatildeo proposta Por

exemplo Hermes foi enviado por Zeus justamente para arrancar a informaccedilatildeo de

Prometeu sob a ameaccedila de muitos males (vv944-52) atitude injustificaacutevel se tudo natildeo

passasse de um ldquobleferdquo

Em outra parte da trageacutedia Prometeu tambeacutem deu provas de sua capacidade

premonitoacuteria (vv823-77) Aleacutem disso se descer ao Taacutertaro fosse o modus operandi das

Oceaninas por que Hermes faria o seguinte alerta a elas

Mas recordai-vos do que predigo e caccediladas pela desgraccedila natildeo acuseis a sorte

nem digais que Juacutepiter vos arremessou a uma infelicidade imprevista natildeo

certamente poreacutem voacutes a voacutes mesmas pois sabendo-o nem suacutebita nem

ocultamente sereis envolvidas por insensatez na imensa rede da desgraccedila

(traduccedilatildeo de Dom Pedro II)

Embora dois dos quatro filhos de Estige estejam presentes no drama Kratos

(ldquoPoderrdquo) e Bia (ldquoViolecircnciardquo) considerar as Oceaninas como uma multiplicaccedilatildeo de

Estige eacute uma concessatildeo que o leitor daacute agrave argumentaccedilatildeo proposta por Jaa Torrano posto

que o nome ldquoEstigerdquo natildeo eacute pronunciado nenhuma vez ao longo da trageacutedia Prometeu

Acorrentado13

Se perjurar ante Estige fosse o uacutenico motivo pelo qual os deuses eram

precipitados no Taacutertaro deduzir que as Oceaninas satildeo Estige na trageacutedia em questatildeo

seria ainda mais coerente Nesse cenaacuterio hipoteacutetico poderiacuteamos recorrer ao seguinte

silogismo

1 Os deuses satildeo precipitados no Taacutertaro somente quando perjuram ante Estige

2 Prometeu foi precipitado no Taacutertaro

3 Logo Prometeu perjurou

No entanto o supracitado raciociacutenio se mostra reducionista frente a outros

dados encontrados dentro da literatura grega e inadequados para endossar a leitura que

Torrano faz Sabe-se por exemplo que Zeus poderia lanccedilar ao Taacutertaro qualquer deus

que se opusesse a seus propoacutesitos Eacute o que podemos notar numa famosa passagem do

Canto VIII da Iliacuteada na qual Zeus quando desejou equilibrar momentaneamente a

guerra em Troia ameaccedilou jogar no Taacutertaro qualquer deus que tentasse interferir nela

13 Por ser filha de Oceano mas natildeo a uacutenica como visto Estige eacute chamada de ldquoOceaninardquo ( Ὠθεαλίλε) na

Teogonia de Hesiacuteodo (v389) Estige eacute a filha mais velha de Oceano (vv775-7)

43

Na trageacutedia de Eacutesquilo Prometeu alega que o motivo pelo qual estava sofrendo

aqueles supliacutecios era sua oposiccedilatildeo aos planos de Zeus (vv231-8) e ateacute mesmo seus

inimigos confirmam isso (vv1-11)

Chegamos agrave terra remota agrave regiatildeo Cita a ermo despovoado Vulcano

cumpre cuidares das ordens que te deu o pai de ligar este malfeitor aos

rochedos alcantilados com algemas infrangiacuteveis de vinculos de accedilo Tua

chama com efeito o brilho do fogo uacutetil a todas as artes deu aos mortais

tendo-o furtado Na verdade cumpre que expie para com os deuses tal

pecado para que aprenda a venerar o poder de Juacutepiter e desista de haacutebitos

filantroacutepicos (traduccedilatildeo de Pedro II grifo nosso)

Por outro lado haacute um ponto crucial que daria forccedila agrave tese do ldquobleferdquo a

afirmaccedilatildeo feita pelo titatilde de que haveria um poder superior ao de Zeus isto eacute o poder

das Moiras (ou ldquoPartesrdquo na traduccedilatildeo de Torrano) ldquoCoro Quem eacute o timoneiro da

necessidade Prometeu Partes triformes e mecircmores Eriacutenies Coro Ora Zeus pode

menos do que elas Prometeu Natildeo escaparia agrave parte que lhe caberdquo (vv515-8 traduccedilatildeo

de Jaa Torrano) Se estiveacutessemos jogando pocircquer com Prometeu (e por certo

perderiacuteamos a natildeo ser que a filantropia do deus falasse mais alto do que a sua grandiosa

sagacidade) apostariacuteamos nossas fichas nesse ponto a questatildeo das Moiras seria o seu

blefe Pois sabemos por Hesiacuteodo que as Moiras satildeo filhas de Zeus e Thecircmis (Teogonia

vv901-6)14

e o poder delas segundo o proacuteprio Hesiacuteodo emana justamente de Zeus

ldquo[] as Partes a quem mais deu honra o saacutebio Zeus Fiandeira Distributriz e Inflexiacutevel

que atribuemAos homens mortais os haveres de bem e de mal (vv904-6 traduccedilatildeo de

Jaa Torrano) Ora se o poder das Moiras adveacutem do proacuteprio Zeus como elas teriam

poder sobre ele15

Prometeu tambeacutem afirmou que estava sofrendo injustamente

(v1093) mas em relaccedilatildeo a que padratildeo ele se refere se era Zeus que pelo menos

aparentemente dava a uacuteltima palavra Pois se dissermos por exemplo que uma linha eacute

ldquotortardquo assim o fazemos por contraposiccedilatildeo agrave ideia de uma linha que eacute reta a qual nos

serve como paracircmetro No iniacutecio da trageacutedia mesmo a contragosto Prometeu confessa

que o filho de Cronos embora aacutespero ldquotem a justiccedila junto de sirdquo (vv186-7) Diante

disso sugerimos o seguinte raciociacutenio

1 Os deuses sucumbiam ao Taacutertaro se natildeo respeitassem os propoacutesitos de Zeus eou

perjurassem diante de Estige

2 Prometeu sucumbiu ao Taacutertaro

14

Em Hesiacuteodo as Moiras tambeacutem satildeo descritas como filhas da Noite (Teogonia vv217-9) 15 No entanto Zeus natildeo poupou seu proacuteprio filho Sarpeacutedon da morte decretada pelas Moiras embora

quisesse (Iliacuteada XVI 436-49)

44

3 Logo ele se opocircs aos propoacutesitos de Zeus eou perjurou diante de Estige

Em suma se as Oceaninas satildeo uma multiplicaccedilatildeo de Estige como sugere

Torrano entatildeo eacute bastante provaacutevel que Eacutesquilo estivesse situando seu drama no

ldquoGrande Juramento dos deusesrdquo Se assim natildeo for Prometeu natildeo perjurou mas

unicamente mentiu acerca da soberania divina (pois todo perjuacuterio eacute uma mentira mas

nem toda mentira eacute um perjuacuterio) As inverdades proferidas pelo titatilde seriam indiacutecios de

sua relutacircncia em aceitar a soberania do novo Rei dos Venturosos como ele mesmo

afirma agraves Oceaninas ldquoVenera invoca lisongea quem ainda agora impera Juacutepiter

importa-me menos que nada Obre impere neste curto tempo como queira pois natildeo

governaraacute os deuses muito tempordquo (Traduccedilatildeo de Dom Pedro II) Aleacutem disso o efeito

traacutegico seria ainda mais potencializado nesse sentido pois as Oceaninas sofreriam natildeo

por serem maacutes mas por um erro de decisatildeo (ARISTOacuteTELES Poeacutetica1452 b) ao se

oporem a Zeus devido agrave grande comiseraccedilatildeo que sentiram pelo titatilde encadeado Por natildeo

terem dado atenccedilatildeo ao ultimato de Hermes foram lanccediladas juntamente com Prometeu

no Taacutertaro

Embora natildeo possamos afirmar com certeza que o Prometeu Acorrentado situa-

se no ldquoGrande Juramento dos deusesrdquo a leitura proposta por Torrano tem a virtude de

nos instigar a olhar com mais atenccedilatildeo para aspectos pouco cogitados do Prometeu

Acorrentado Eacute uma leitura rica em conexotildees com outras referecircncias dentro da literatura

grega e seu repertoacuterio de imagens Diante de sua abordagem a possibilidade de que

Eacutesquilo quisesse demonstrar pelo seu drama que contra Zeus ningueacutem pode triunfar

mesmo que esse opositor seja um simpaacutetico filantropo torna-se ainda mais forte

Pode-se notar por meio dos exemplos apresentados que a transmissatildeo de um

texto literaacuterio via traduccedilatildeo eacute uma atividade complexa e rica em debate reflexotildees e

posicionamentos Atividade em que os esforccedilos individuais de cada tradutor contribuem

para lanccedilar luz sobre questotildees desconsideradas trazendo soluccedilotildees ou suscitando pontos

a serem pensados com mais profundidade Eacute praticamente impossiacutevel que uma uacutenica

traduccedilatildeo abarque todo o potencial de sentido e efeito esteacutetico que uma obra literaacuteria

original possui

Quem herda uma liacutengua possui muito mais do que eacute dos outros do que de si

proacuteprio mesmo que natildeo tenha consciecircncia disso Revisitar a tradiccedilatildeo eacute uma

possibilidade que o tradutor tem de tomar consciecircncia daquilo que recebeu e transmitiu

45

(consciente ou inconscientemente) agrave sua geraccedilatildeo e tambeacutem daquilo que doou de si

proacuteprio numa contribuiccedilatildeo para o avanccedilo em pontos natildeo alcanccedilados pelos seus

precedentes ou ateacute mesmo pelos seus contemporacircneos

Em todo ato de comunicaccedilatildeo entre falantes de uma mesma liacutengua ocorre o

esforccedilo de interpretaccedilatildeo e transmissatildeo do que foi dito ou escrito (STEINER 2005

p73) e isso eacute algo que guardadas as devidas proporccedilotildees eacute bastante semelhante ao

proacuteprio ato de traduzir Tradutores natildeo costumam chamar muito a atenccedilatildeo satildeo como o

fermento agem silenciosamente e por isso mesmo desconfia-se que exerccedilam uma

influecircncia sutil poreacutem efetiva no sistema de uma liacutengua Se os Claacutessicos satildeo ldquolivros

que exercem uma influecircncia particular quando se impotildeem como inesqueciacuteveis e

tambeacutem quando se ocultam nas dobras da memoacuteria mimetizando-se como inconsciente

coletivo ou individualrdquo (CALVINO 2007 pp10-1) muito dessa influecircncia eacute efetivada

via tradutores Entender o trabalho destes eacute algo que pode contribuir para tambeacutem

entender a proacutepria liacutengua Talvez por isso Steiner afirmara que um estudo sobre

traduccedilatildeo eacute tambeacutem um estudo sobre a linguagem (2005 p73)

Dado a importacircncia dos tradutores para o desenvolvimento da liacutengua e da cultura

letrada de um paiacutes natildeo se poderia deixar de tecer algumas consideraccedilotildees acerca da vida

e da obra daqueles que se esforccedilaram para que o Prometeu Acorrentado fosse lido em

liacutengua portuguesa Eacute o que se pretende fazer nas proacuteximas seccedilotildees desse capiacutetulo

12 Dom Pedro II

Pedro de Alcacircntara nasceu agraves 2h30 da madrugada do dia 2 de dezembro de 1825

no Rio de Janeiro Sua matildee a Imperatriz Leopoldina morreu alguns dias depois do

primeiro aniversaacuterio de Pedro em 11 de dezembro de 1826 (CALMON 1975 p15)

Dom Pedro II faleceu em Paris em 5 de dezembro de 1891 aos 66 anos

Seu pai Dom Pedro I abdicou do trono brasileiro e voltou agrave Europa deixando

seu filho aos cuidados de tutores (CARVALHO 2007 p31) Privado de sua matildee e de

seu pai o pequeno Pedro de Alcacircntara tornou-se por assim dizer Imperador com

apenas cinco anos de idade (OLIVIERI 1999 p5) Esse primeiro choque contribuiu

para que Dom Pedro II considerasse o trono como uma espeacutecie de fardo (CARVALHO

2007) Em meio a um ambiente cheio de expectativas e de uma infacircncia sem amigos o

jovem Imperador encontrou refuacutegio nos livros

46

DPedro II era muito aplicado agraves atividades de sua educaccedilatildeo Com a idade de

nove anos dominava o Francecircs e iniciava-se na leitura e traduccedilatildeo do Inglecircs

aleacutem do Alematildeo do Latim e do Grego que eram liacutenguas indispensaacuteveis na

formaccedilatildeo de um representante da elite da eacutepoca No paccedilo de Satildeo Cristovatildeo

residecircncia imperial o herdeiro do trono recebeu liccedilotildees de Latim Loacutegica e

Matemaacutetica Religiatildeo Equitaccedilatildeo Pintura e Literatura A ele ensinavam um

pouco de tudo (SOARES et al 2013 p18)

Segundo o Baratildeo de Paranapiacaba (1907 p260) ldquoDom Pedro II tinha apenas

quinze annos e jaacute possuiacutea conhecimentos raros para sua idade adquiridos em estudo

insanordquo16

Essa rotina de estudo estaacute registrada no diaacuterio que o Imperador manteve durante

toda a sua vida Por exemplo em 4 de dezembro de 1840 quando o monarca contava 15

anos lecirc-se ldquoLevantei-me agraves horas do costume e estudarei o meu endiabrado

grego[]rdquo17

Os resultados desses estudos contudo raramente foram dados ao

conhecimento puacuteblico Ao tratar de suas produccedilotildees escritas Dom Pedro II escreve que

natildeo foram limadas para se mostrar (LYRA 1977 p93) Entre essas produccedilotildees

encontra-se a traduccedilatildeo em prosa da trageacutedia Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo da qual

eacute significativo o testemunho do diplomata francecircs Joseph Arthur de Gobineau (1816-

1882)18

Constrangido a exercer sua profissatildeo no Brasil Gobineau encontrava certo

refrigeacuterio nas palestras literaacuterias que partilhava com Pedro II aos domingos no Palaacutecio

de Satildeo Cristovatildeo Lamentava-se poreacutem que seu amigo fosse imperador pois segundo

ele Dom Pedro II possuiacutea talentos e meacuteritos demais para tal cargo (RAEDERS 1944 p

XIX) Apesar de sua estima pelo Imperador Gobineau estava cansado do Brasil e

depois de meses de insistentes pedidos ao governo francecircs conseguiu enfim a tatildeo

almejada licenccedila para voltar agrave Franccedila o que de fato ocorreu em maio de 1870

16 Ortografia original mantida

17

A transcriccedilatildeo de alguns dos diaacuterios de Dom Pedro II foi gentilmente cedida pelo Museu Imperial

localizado em Petroacutepolis Rio de Janeiro O trecho citado foi tirado dessa transcriccedilatildeo O trabalho de

transcriccedilatildeo dos diaacuterios do Imperador foi organizado por Begonha Bediaga e publicado no livro Diario do

Imperador DPedro II 1840-1890 Petroacutepolis Museu Imperial 1999

18

Gobineau filoacutesofo e escritor exerceu funccedilotildees diplomaacuteticas no Brasil entre 1869-1870 quando se

aproximou do ciacuterculo do Imperador Tornou-se mais conhecido pela publicaccedilatildeo do livro ldquoEnsaio sobre a

desigualdade das raccedilas humanasrdquo (1855) em que defendia teorias de cunho racista Tambeacutem foi autor de

uma vasta obra literaacuteria que inclue romance e poesia de ensaios de natureza histoacuterica e filoloacutegica como

por exemplo Traiteacute des eacutecritures cuneacuteiformes (1864)

47

Antes da partida de Gobineau Pedro de Alcacircntara lhe revelou o propoacutesito de

fazer uma traduccedilatildeo da famosa trageacutedia de Eacutesquilo Deste entatildeo o diplomata francecircs

passou a incentivaacute-lo a fazecirc-la em versos Mas Dom Pedro II ainda estava entregue agraves

preocupaccedilotildees acerca da longa e cruenta Guerra do Paraguai que soacute chegou ao fim

depois da morte do ditador Solano Loacutepez em marccedilo de 1870 (RAEDERS 1938 p17)

Talvez o choque entre uma monarquia constitucional e uma ditadura em efetiva

expansatildeo tenha suscitado no Imperador o interesse pelo Prometeu Acorrentado Em

geral suas traduccedilotildees eram de cunho pessoal muitas vezes suscitadas por discussotildees e

reflexotildees entre ele e pessoas de sua confianccedila (SOARES et al 2013 pp25-6 DAROS

2012 p240)

Com o fim da guerra Pedro de Alcacircntara escreve a Gobineau afirmando que iria

retomar seu projeto de traduzir o Prometeu Acorrentado e um dos livros da Biacuteblia no

caso o do profeta Isaiacuteas Gobineau responde em 7 de janeiro de 1871 (a traduccedilatildeo do

Prometeu ficaria pronta em 14 de abril do mesmo ano) ldquoA intenccedilatildeo que Vossa

Majestade tem de continuar as duas traduccedilotildees de Isaiacuteas e de Prometeu me causa um

prazer extremordquo (apud RAEDERS 1938 p34) Mas antes em 7 de agosto de 1870

(alguns meses depois da queda de Solano Loacutepez) Gobineau jaacute havia escrito ldquoTerei em

breve a honra de vos enviar senhor algumas notas para o Prometeu que eu bem quisera

ver terminado em versos Seria um lindo monumento e a ele dou grande importacircnciardquo

(ibidem pp21-2)

Apesar de todos os rogos de seu amigo francecircs Dom Pedro II decidiu fazer uma

traduccedilatildeo em prosa da trageacutedia que fora originalmente composta em versos Teimosia

imperiacutecia poeacutetica ou simplesmente prudecircncia O que teria feito Dom Pedro II tomar

essa decisatildeo Gostariacuteamos de tecer e apresentar algumas hipoacuteteses a esse respeito

No texto As versotildees Homeacutericas (1994 p 72) Jorge Luis Borges afirma que

O conceito de texto definitivo natildeo corresponde senatildeo agrave religiatildeo ou ao

cansaccedilo A supersticcedilatildeo da inferioridade das traduccedilotildees ndash cunhada pelo

conhecido adaacutegio italiano ndash procede de uma experiecircncia desatenta Natildeo

existe um bom texto que natildeo pareccedila invariaacutevel e definitivo se o percorrermos

um nuacutemero suficiente de vezes

Por outro lado o mesmo Borges confessa que agraves vezes se deixava levar pela tatildeo

inconveniente ldquosupersticcedilatildeordquo da inferioridade das traduccedilotildees em relaccedilatildeo agrave obra traduzida

48

Natildeo sei se a seguinte informaccedilatildeo seria boa para uma divindade imparcial Em

un lugar de la Mancha de cuyo nombre no quiero acordarme no ha mucho

tiempo que vivia um Hidalgo de los de lanza en astillero adarga antigua

rociacuten flaco y galgo corredor sei unicamente que toda a modificaccedilatildeo eacute

sacriacutelega e que natildeo posso conceber um outro iniacutecio para o Quijote Cervantes

creio eu prescindiu dessa leve supersticcedilatildeo e talvez natildeo tivesse identificado

esse paraacutegrafo Em contrapartida eu natildeo poderei senatildeo repudiar qualquer

divergecircncia DQuixote devido ao meu exerciacutecio congecircnito do espanhol eacute

um monumento uniforme sem outras variaccedilotildees que aquelas apresentadas

pelo editor pelo encadernador e pelo tipoacutegrafo Quanto agrave Odisseacuteia graccedilas ao

meu oportuno desconhecimento do grego eacute uma biblioteca internacional de

obras em prosa e em verso [](BORGES1994 p72 grifo do autor)

Poreacutem Pedro de Alcacircntara natildeo era desconhecedor do idioma grego como Jorge

Luis Borges E por isso mesmo paradoxalmente correria um maior risco de ldquocontrairrdquo a

supersticcedilatildeo do Traduttore Traditore alegada por Borges pois ldquotoda a modificaccedilatildeo eacute

sacriacutelegardquo para quem conhece bem a liacutengua original de uma obra Essa hipoacutetese natildeo nos

pareceraacute estapafuacuterdia se considerarmos as traduccedilotildees feitas por Dom Pedro II de poesias

escritas em liacutenguas modernas e suas tentativas agraves vezes obstinadas de manter a

estrutura presente nos originais Conforme observa Daros a respeito das traduccedilotildees de

Dante feitas pelo Imperador

A microanaacutelise das traduccedilotildees assinala a tendecircncia de Dom Pedro em manter

similaridade com as caracteriacutesticas do original do qual traduzia ou seja

mantinha com este uma relaccedilatildeo formal procurando conservar-lhe o

conteuacutedo tal como se apresentava observando a disposiccedilatildeo espacial da

meacutetrica e sempre que possiacutevel a sonoridade da rima (DAROS 2012 p240)

No entanto a traduccedilatildeo jaacute eacute em si uma modificaccedilatildeo uma espeacutecie de ldquoreescritardquo

(LEFEVERE 2007) e as dificuldades de Dom Pedro II aumentavam ainda mais quando

se tratava de uma obra poeacutetica escrita em liacutengua grega

Sendo o ritmo do verso o resultado de certa forma de junccedilatildeo de palavras de

acordo com as leis de versificaccedilatildeo conclui-se que o pensamento poeacutetico

exposto num certo idioma e cujas palavras tecircm seu feitio socircnico proacuteprio natildeo

pode reproduzir senatildeo por acaso o mesmo ritmo de traduccedilatildeo para outro

idioma A dificuldade cresce na medida das diferenciaccedilotildees dos idiomas (DE

CARVALHO 1991 p137)

Eis o dilema enfrentado pelo douto tradutor ele eacute o mais capacitado a traduzir

pois conhece bem a liacutengua original mas justamente devido a essa familiaridade com a

liacutengua da obra a ser traduzida ele hesita titubeia pois a modificaccedilatildeo do original pode

lhe parecer uma profanaccedilatildeo uma ldquomodificaccedilatildeo sacriacutelegardquo Nesse caso segundo

49

Amorim de Carvalho (1991 p138) a traduccedilatildeo em prosa ldquoeacute a mais faacutecil a favor da

fidelidade ao pensamento poeacuteticordquo Amorim de Carvalho tambeacutem afirma que um

tradutor pode escolher entre duas disposiccedilotildees numa traduccedilatildeo em prosa

1ordf Usar a vulgar disposiccedilatildeo graacutefica da prosa isto eacute sem as linhas

independentes dos respectivos versos no original por natildeo haver na traduccedilatildeo

obtida elementos manifestos e intencionais de divisotildees riacutetmicas

2ordf Manter a disposiccedilatildeo graacutefica dos versos em linhas de prosa independentes

(ldquoversos livresrdquo) para facilitar o confronto o que eacute um processo didaacutetico

interessante (ibidem p137)

Para esse autor a traduccedilatildeo em ldquoversos livresrdquo eacute uma espeacutecie de prosa jaacute que

nesse tipo de traduccedilatildeo natildeo haacute uma preocupaccedilatildeo especial com o ritmo e a melodia dos

versos (ibidem pp137-141)19

E de fato geralmente as traduccedilotildees chamadas

ldquoacadecircmicasrdquo optam pela disposiccedilatildeo em linha natildeo por uma preocupaccedilatildeo esteacutetica mas

sim ldquopara facilitar o confronto o que eacute um processo didaacutetico interessanterdquo (ibidem

p138)

Pode estar aiacute a razatildeo de Dom Pedro II ter escolhido a prosa em vez do verso

Apesar de seu apreccedilo pela arte e pela literatura suas aspiraccedilotildees linguiacutesticas prevaleciam

sobre as poeacuteticas Para ele a traduccedilatildeo era um meio privilegiado de leitura hermenecircutica

e heuriacutestica Parece que seu objetivo principal quando traduzia era o entendimento

profundo do proacuteprio texto e da liacutengua que fora escrito mais do que o anseio por criar

uma obra de arte e ser reconhecido por causa dela anseio que possuiacutea mas natildeo

prevalecia (DAROS 2012 p237-40) Por outro lado caso Dom Pedro II realmente

intentasse fazer uma traduccedilatildeo poeacutetica em versos mesmo com a impossibilidade de

reproduzir os efeitos riacutetmicos e sonoros do original uma possibilidade teria sido tentar

aplicar ao pensamento poeacutetico de Eacutesquilo um ritmo e melodia diferentes como fez

muitas vezes Castilho traduzindo Moliegravere (DE CARVALHO 1991 p141)

19 Olavo Bilac afirmou que ldquotemos na liacutengua portuguesa versos de duas ateacute doze siacutelabasrdquo (1905 p76)

Excedendo-se essa margem entraria-se no domiacutenio do ldquoverso livrerdquo Por outro lado vale a pena lembrar

que o proacuteprio Bilac compocircs o poema ldquoCantilenardquo utilizando versos de 14 siacutelabas Embora o poema de

Bilac natildeo estivesse de acordo com o limite de nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas estabelecido pela metrificaccedilatildeo

portuguesa tradicional para um verso seus efeitos sonoros poreacutem revelam a construccedilatildeo do ritmo por

parte do autor Tambeacutem para Manuel Bandeira (1997 p536) ldquoDesde que o poeta prescinde do apoio

riacutetmico fornecido pelo nuacutemero fixo de siacutelabas penetra no domiacutenio do verso livre o qual em sua extrema

liberaccedilatildeo isto eacute quando natildeo se socorre de nenhum apoio riacutetmico poderia confundir-se com a prosa

riacutetmica se natildeo houver nele a unidade formal interior aquilo que de certo modo o isola no contexto

poeacuteticordquo Diante das opiniotildees desses dois autores a afirmaccedilatildeo de Amorin de Carvalho pode parecer um

tanto quanto reducionista embora nos sirva como ponto de partida para a problematizaccedilatildeo dessa questatildeo

que seraacute mais aprofundada ao longo das anaacutelises das traduccedilotildees presentes nesse capiacutetulo e no seguinte

50

A forma extrema de recurso dentro da traduccedilatildeo em verso seraacute a chamada

traduccedilatildeo livre o pensamento poeacutetico eacute aqui tratado e ateacute desenvolvido numa

expressatildeo verbal e riacutetmica liberta das preocupaccedilotildees comuns da fidelidade da

traduccedilatildeo Eacute uma criaccedilatildeo pessoal com um tema emprestado (ibidem p140)

Eacute o que foi empreendido pelo Baratildeo de Paranapiacaba em suas duas versotildees

poeacuteticas do Prometeu Acorrentado (1907) Por outro lado acreditamos que a traduccedilatildeo

livre seria uma empreitada difiacutecil de ser realizada por um tradutor com o perfil de Dom

Pedro II embora as traduccedilotildees em versos empreendidas pelo Imperador e publicadas

originalmente no livro Poesias originais e traduccedilotildees Petroacutepolis 1889 demonstrem a

grande habilidade poeacutetica que o Imperador possuia Portanto sua recusa em traduzir em

versos a antiga trageacutedia grega natildeo estaacute ligada agrave incapacidade de versificar mas a esse

objeto especiacutefico o Prometeu Pois como jaacute mencionado suas preocupaccedilotildees com a

fidelidade ao sentido original prevaleciam em sua praacutetica tradutoacuteria Eacute o que se pode

deduzir por meio de algumas de suas anotaccedilotildees feitas no exemplar da traduccedilatildeo da

Divina Comeacutedia de Dante Alighieri empreendida pelo presidente argentino Bartolomeacute

Mitre ldquoEu teria mais respeito a Danterdquo ldquoEu natildeo quis melhorar Dante em minha

traduccedilatildeordquo ldquoSeria melhor traduzir com a simplicidade do originalrdquo ldquotraduccedilatildeo natildeo eacute

comentaacuteriordquo (apud DAROS 2019 pp234-5 280)

Talvez o olhar culto e atencioso de amigos estrangeiros o ajudasse a transpor os

obstaacuteculos que lhe impediam de se aventurar numa traduccedilatildeo livre Entre esses amigos

como jaacute mencionamos estava Gobineau que natildeo se intimidava pelo fato de Pedro de

Alcacircntara ser imperador (DAROS 2012 p237) No entanto mesmo que Dom Pedro II

mudasse de intuito e procurasse fazer uma versatildeo poeacutetica do Prometeu a partir de sua

traduccedilatildeo em prosa esse intento seria desestimulado com a morte do principal

interessado numa versatildeo poeacutetica em versos Gobineau falecido em 1882 E de fato

Dom Pedro II mesmo depois da morte do diplomata francecircs natildeo esquecera de todo o

pedido feito por seu amigo pois como visto em 1889 solicitou a Joatildeo Cardoso de

Menezes o Baratildeo de Paranapiacaba que fizesse uma versatildeo poeacutetica do Prometeu

Acorrentado a partir de sua traduccedilatildeo em prosa

Nos anos iniciais da Repuacuteblica Brasileira quem demonstrasse publicamente

simpatia pelo Imperador deposto corria o risco de sofrer retaliaccedilotildees por parte do

governo provisoacuterio Foi o que aconteceu com Carlos de Laet que foi exonerado de seu

cargo de professor por ter se oposto agrave mudanccedila de nome do Coleacutegio Pedro II para o

nome ldquoInstituto Nacional de Instruccedilatildeo Secundaacuteriardquo (MAURICEacuteA FILHO 1972

51

pp211-3) O Baratildeo de Paranapiacaba era considerado um monarquista convicto

(ABRANTES 1978 p172-3) talvez por isso ele tenha demorado quase 10 anos para

empreender a versatildeo poeacutetica solicitada pelo Imperador esperando condiccedilotildees mais

favoraacuteveis e evitando possiacuteveis retaliaccedilotildees Se Dom Pedro II natildeo tivesse sido banido do

Brasil em 1889 provavelmente as versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo seriam analisadas e

limadas no grupo de estudos que Pedro de Alcacircntara liderava (PARANAPIACABA

1907 pp192-3) No entanto o que poderia ter acontecido ou o que poderia acontecer

como escreveu Aristoacuteteles (Poeacutetica 1451b) eacute poesia natildeo histoacuteria

13 Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba

Em seu livro Vida e Obra de Olavo Bilac Fernando Jorge (1992 pp130-1)

conta-nos que o jornalista e orador abolicionista Joseacute do Patrociacutenio encomendara uma

traduccedilatildeo de um romance folhetim francecircs a Emiacutelio Roueacutede colaborador do jornal

Cidade do Rio Emiacutelio aceitou o trabalho poreacutem logo foi vencido pela indolecircncia e

esquivando-se da tarefa pediu a Guimaratildees Passos para fazer a traduccedilatildeo acertando um

determinado valor e guardando para si certa quantia Logo Guimaratildees tambeacutem desistiu

da tarefa e acabou passando o trabalho para o poeta Coelho Neto negociando outro

valor e tambeacutem guardando uma parte do dinheiro para si Coelho Neto por sua vez

achou o trabalho tedioso e transferiu a incumbecircncia a Olavo Bilac por um valor bem

menor e tambeacutem guardando uma parte do dinheiro para si Esse regime funcionou

durante algum tempo sem que cada um soubesse senatildeo daquele com quem acertou o

pagamento Fernando Jorge continua narrando o caso

Entretanto certo dia Bilac descobriu o caso

- Verifico que tenho por cima de mim trecircs parasitas ndash exclamou o poeta

E indignado resolveu vingar-se No romance havia certo trecho onde um

personagem em hora avanccedilada da noite invadia o quarto de uma mocinha a

fim de violentaacute-la Bilac natildeo modificou o texto Traduziu tudo de forma fiel

Poreacutem no momento em que o luar mostrava a fisionomia do bandido ele

escreveu

ldquoEra o Baratildeo de Paranapiacabardquo

O baratildeo que se chamava Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza era um velho

respeitaacutevel Foi diretor do Tesouro Nacional deputado pela proviacutencia de

Goiaacutes membro do Conselho de DPedro II diretor em Pernambuco da

Caixa Filial do Banco do Brasil autor de memoacuterias econocircmicas e poliacuteticas

tradutor de Byron Lamartine La Fontaine e Eacutesquilo

Aleacutem de ser uma reliacutequia do Impeacuterio esse homem circunspecto mantinha

amizade com Patrociacutenio O grande orador popular ficou exasperado Exigiu

uma explicaccedilatildeo de Roueacutede Este lanccedilou a culpa em Guimaratildees Passos E

assim cada qual ia transferindo a responsabilidade Ao chegar a vez de Bilac

52

ele teve de confessar a autoria da brincadeira protestando contra a

parasitagem dos que exploravam o seu trabalho (JORGE 1992 pp130-1)

O caso aleacutem de ser cocircmico suscita algumas questotildees interessantes sobre a

praacutetica tradutoacuteria Traduzir pode se tornar uma tarefa morosa que exige certa disciplina

de quem a exerce Quando a autoria do tradutor natildeo eacute valorizada a traduccedilatildeo acaba

sendo vista apenas por uma oacutetica meramente instrumental e pragmaacutetica A remuneraccedilatildeo

paga natildeo possibilitava aos autores se dedicarem somente a esse ofiacutecio Segundo Joseacute

Paulo Paes (1990 p25) ldquoeacute somente no seacuteculo XX sobretudo a partir dos anos 30 que

comeccedila a se criar no Brasil as condiccedilotildees miacutenimas de ordem material e social

possibilitadoras do exerciacutecio da traduccedilatildeo literaacuteria como atividade profissional ainda que

as mais das vezes subsidiaacuteriardquo Monteiro Lobato citado por Paes (ibidem pp26-7)

afirma

ldquoO povo que natildeo possui tradutores torna-se povo fechado pobre indigenterdquo

[Lobato] queixava-se do descaso desse ldquoincomensuraacutevel paquiderme de mil

ceacuterebros e orelhas a que chamamos puacuteblicordquo o qual ldquonunca tem o menor

pensamento para o maacutertir que estupidamente se sacrifica para que ele possa

ler em liacutengua sua uma obra-prima gerada em idioma estrangeirordquo

Antes do tempo de Lobato figuras como o Baratildeo de Paranapiacaba publicavam

suas traduccedilotildees natildeo porque jaacute existia um mercado pelo qual poderiam granjear um

retorno financeiro imediato mas por uma espeacutecie de diletantismo como uma atividade

paralela agraves de subsistecircncia E isso natildeo ocorria apenas aos tradutores O proacuteprio Dom

Pedro II havia patrocinado algumas das obras dos poetas romacircnticos brasileiros da

segunda metade do seacuteculo XIX como por exemplo A Confederaccedilatildeo dos Tamoios de

Joseacute Gonccedilalves de Magalhatildees obra que envolveu o Imperador numa querela literaacuteria

com Joseacute de Alencar (ABRANTES 1978 p85)

Em sua brincadeira Olavo Bilac cita o nome do tradutor que doravante estaraacute no

foco dessa seccedilatildeo Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba nascido

na cidade de Santos em 25 de abril de 1827 e falecido no Rio de Janeiro em 2 de

fevereiro de 1915 aos 87 anos

Joatildeo Cardoso ingressou na Academia de Ciecircncias Sociais e Juriacutedicas de Satildeo

Paulo em 1844 com a idade de 16 anos Embora a criacutetica o considerasse um ldquomediacuteocre

tradutor de Lamartine e La Fontaine e responsaacutevel por uma horrenda modernizaccedilatildeo e

simplificaccedilatildeo de Os Lusiacuteadasrdquo (PAES 1990 p18) algum talento poeacutetico viu nele o

professor e diretor da Academia de Ciecircncias Sociais e Juriacutedicas de Satildeo Paulo Joseacute

53

Maria de Avellar Brotero pois sabendo que o Imperador Dom Pedro II faria uma visita

agrave Academia fez o seguinte convite a Joatildeo Cardoso

- Prepare-se para amanhatilde ao meio dia na ocasiatildeo em que o Imperador

estiver de visita na Academia ir beijar-lhe a matildeo e saudaacute-lo com poesia de

sua lavra Natildeo quero objeccedilotildees ndash acrescentou o bom velho que sempre o

acolhia gracejando Vaacute brilhar porque sei que o pode querendo Ateacute amanhatilde

meu menino (ABRANTES 1978 p63)

Chegando o dia marcado Joatildeo Cardoso viu-se diante do Imperador do Brasil

que se encontrava sentado em um trono improvisado O jovem comeccedilou a recitar o seu

poema com voz trecircmula de emoccedilatildeo mas pouco a pouco foi se firmando Tendo

terminado a leitura de seu poema Joatildeo Cardoso se inclinou e ia se retirar mas

O Imperador chamando-o pediu-lhe o papel em que escrevera os versos

- Eacute um borratildeo informe Senhor ndash disse-lhe Joatildeo Cardoso Permita-me Vossa

Magestade que eu o passe a limpo

- Natildeo ndash replicou-lhe o Imperador estendendo a matildeo e sorrindo - decirc-me

assim mesmo como estaacute

Depois das homenagens que lhe prestaram no dia 3 de marccedilo DPedro voltou

agrave Academia nos dias 6 e 9 para assistir aos exames dos alunos o que era de

seu agrado com ares de professor indulgente (ABRANTES 1978 pp65-6)

Depois desse evento Joatildeo Cardoso conseguiu recitar outro poema para o

Imperador no Teatro do Largo do Coleacutegio depois de vencer a oposiccedilatildeo dos oficiais

encarregados de fiscalizar o espetaacuteculo que Dom Pedro II estava assistindo (ibidem

p67) Demoraria muito tempo para os dois se encontrarem novamente

Em 1848 Joatildeo Cardoso forma-se Bacharel em direito e aprovado em concurso

assume um cargo de professor de Histoacuteria e Geografia em Taubateacute interior de Satildeo

Paulo Em certa ocasiatildeo o deputado Bernardo de Souza Franco disse-lhe que esperava

encontrar-lhe na vida puacuteblica Joatildeo Cardoso respondeu-lhe que julgava bem se contentar

com seu cargo de professor em Taubateacute Souza Franco retruca-lhe ldquoQual Tenha feacute Eacute

muito limitado o horizonte em que vive Ateacute o Rio de Janeirordquo (ibidem p78) Passados

alguns anos em 1852 Joatildeo Cardoso de Menezes pede uma licenccedila de trecircs meses e se

dirige ao Rio de Janeiro entatildeo centro do Brasil e nunca mais reassume seu cargo de

professor

Sustentando-se como advogado em 1853 tenta se aproximar novamente do

Imperador conseguindo por fim entregar-lhe um exemplar de seu primeiro livro de

poesias Harpa Gemedora Dom Pedro II diz ao vecirc-lo novamente ldquoJaacute o havia

conhecido Lembro-me perfeitamente de seus recitativos de um dos quais conservo o

54

borratildeordquo (ibidem p81) desde esse dia como natildeo voltasse ao Paccedilo de Satildeo Cristovatildeo

Joatildeo Cardoso somente via o Imperador nos teatros sem lhe atrair a atenccedilatildeo Mas essa

situaccedilatildeo mudaria devido a um artigo que Joatildeo Cardoso de Menezes publicaria no

Correio Mercantil acerca do pregador catoacutelico Monte Alverne

Frei Francisco do Monte Alverne era professor de Filosofia e Retoacuterica Tendo

ficado cego em 1836 afastou-se da cadeira de Filosofia e do puacutelpito por dezoito anos

vivendo recluso em uma cela solitaacuteria do Convento de Santo Antocircnio Em 1854 Dom

Pedro II pediu-lhe que pregasse na Capela Imperial provavelmente impressionado com

a publicaccedilatildeo das suas obras oratoacuterias no ano anterior (CANDIDO amp CASTELLO 1973

pp234-5) Tambeacutem por ordem de Dom Pedro II o eloquente pregador recebera uma

cadeira estofada que pertencera ao Padre Anchieta (ABRANTES 1978 p83) Joatildeo

Cardoso de Menezes conseguiu um lugar na Capela Imperial para ouvir o tatildeo esperado

sermatildeo Em suas palavras

O que foi esse sermatildeo soacute pode dizecirc-lo quem ouviu Monte Alverne ao

vacilante claratildeo dos ciacuterios sagrados em arroubo sublime gesticulaccedilatildeo

eneacutergica olhar como que imergido no horizonte do Infinito e voz que

parecia um eco de outro mundo proferir aquelas palavras ldquoEacute tarde Eacute muito

tarderdquo Calafrio eleacutetrico correu pelas veias do auditoacuterio que mudo nem

pestanejava (ABRANTES 1978 p82)

Na tarde de 20 de outubro de 1854 Joatildeo Cardoso entregou um artigo que

escrevera sobre o sermatildeo para o Correio Mercantil Esse artigo granjeara bastante

sucesso na eacutepoca e por muitos anos fez parte de um livro de leitura escolar O proacuteprio

Monte Alverne natildeo demorou em visitaacute-lo agradecendo-lhe comovido (ibidem p83)

tambeacutem Dom Pedro II provavelmente lera o artigo

Passados dois anos em 1856 foi publicado a Confederaccedilatildeo dos Tamoios do

poeta Gonccedilalves de Magalhatildees obra patrocinada pelo Imperador Joseacute de Alencar foi

um dos primeiros leitores do poema e fez duras criacuteticas em oito cartas publicadas no

Diaacuterio do Rio sob o pseudocircnimo de ldquoIgrdquo tirado das primeiras letras do nome Iguaccedilu

uma das personagens do poema Arauacutejo Porto Alegre logo procurou rebatecirc-lo por meio

das colunas do Correio da Tarde utilizando o pseudocircnimo ldquoO Amigo do Poetardquo Por

uacuteltimo o proacuteprio Imperador resolveu entrar na polecircmica sob o pseudocircnimo de ldquoOutro

Amigo do Poetardquo publicando uma defesa do poema no Jornal do Comeacutercio defesa essa

soacute mais tarde identificada quando o Dr Manoel Barata descobrira o manuscrito o qual

presenteou ao Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro Mas os esforccedilos de Dom

Pedro II em defesa do poema natildeo se resumiram a esse manuscrito O Imperador tambeacutem

55

enviou o meacutedico do palaacutecio Dr Tomaacutes Gomes dos Santos para encontrar Joatildeo Cardoso

de Menezes O meacutedico estava portando um exemplar de a Confederaccedilatildeo dos Tamoios e

disse ao futuro baratildeo

Sabe o que eacute isto ndash foi perguntando a Joatildeo Cardoso Eacute um exemplar da

ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo que o Imperador lhe manda para que o leia e

se habilite a defender o nosso amigo Magalhatildees dos ataques injustificaacuteveis

que o Alencar e natildeo sei quem mais estatildeo fazendo a este belo poema de

predileccedilatildeo imperial Eu natildeo sabia que o senhor era apreciado a este ponto

pelo homem Ele mesmo disse-me que soacute o senhor podia ser o general

triufante desta guerra Aiacute deixo o livro Sei que natildeo se recusaraacute agrave

incumbecircncia pois eacute prova de alto valor que liga a seu talento e agrave sua

proficiecircncia o chefe de Estado (ABRANTES 1978 p86)

Nesta eacutepoca Joatildeo Cardoso estava ligado por laccedilos de amizade a Joseacute de Alencar

inclusive sendo um dos primeiros leitores de Iracema (ibidem p86) Por isso se

desculpou e mandou avisar o Imperador que natildeo poderia ajudar nessa empreitada

Depois Dom Pedro II louvou o ato de lealdade de Joatildeo Cardoso (ibidem p86) Naquele

mesmo ano o nome de Joatildeo Cardoso foi lembrado para um importante cargo puacuteblico

Depois da nomeaccedilatildeo Cardoso de Menezes se dirigiu ao palaacutecio para agradecer

pessoalmente a Dom Pedro O Imperador fez uma alusatildeo agrave ldquoinfecundidade da musardquo de

seu visitante que segundo supunha o proacuteprio Joatildeo Cardoso iria ficar completamente

esterilizada pela papelada do cargo que assumira (ibidem p87)

Depois de Joatildeo Cardoso de Menezes ocupar sucessivos cargos no governo Dom

Pedro II concede-lhe o tiacutetulo de Baratildeo em 1883

DOM PEDRO por Graccedila de Deus e Unacircnime Aclamaccedilatildeo dos Povos

Imperador Constitucional e Defensor Perpeacutetuo do Brasil faccedilo saber aos que

esta CARTA virem que querendo distinguir e honrar o Sr Joatildeo Cardoso de

Menezes e Souza hei por bem fazer-lhe mercecirc do tiacutetulo de Baratildeo de

Paranapiacaba E quero e mando que o dito dr Joatildeo Cardoso de Menezes e

Souza d‟aqui em diante se chame Baratildeo de Paranapiacaba e que o referido

tiacutetulo goze de todas as honras privileacutegios isenccedilotildees liberdades e franquezas

que hatildeo e tecircm e de que usam e sempre usaram os barotildees e que de direito lhe

pertencerem E por firmeza de tudo o que dito eacute lhe mandei dar esta Carta por

mim assinada a qual seraacute selada com as Armas Imperiais

Dada no Palaacutecio do RIO DE JANEIRO em 8 de maio de mil oitocentos e

oitenta e trecircs sexageacutesimo primeiro da Independecircncia e do Impeacuterio (apud

ABRANTES 1978 pp118-9)

Jaacute que tratamos de alguns pontos importantes da biografia do Baratildeo passaremos

a discorrer sobre as duas versotildees poeacuteticas do Prometeu Acorrentado de sua autoria

Natildeo se pode negar a grande importacircncia do ensaio de Haroldo de Campos ldquoO

Prometeu dos Barotildeesrdquo (1997) para o estudo da recepccedilatildeo dos Claacutessicos em nosso paiacutes

56

Segundo Paula da Cunha Correcirca esse ensaio resgata uma importante linhagem de

traduccedilatildeo de trageacutedia grega no Brasil (CORREcircA 1999 p173) Em seu texto Haroldo

procura reabilitar tanto o Baratildeo de Paranapiacaba quanto o Baratildeo de Ramiz

considerando a traduccedilatildeo deste uacuteltimo ldquomuito mais decidida e cabalmente na vertente

bdquotranscriadora‟ inaugurada entre noacutes por Odorico Mendesrdquo (CAMPOS 1997 p249)

Mas acerca das versotildees de Paranapiacaba Haroldo afirma

Do Prometheus Desmoacutetes deu-nos Cardoso de Menezes dois ldquotrasladosrdquo

Um deles em versos rimados eacute um equiacutevoco um malogro O outro que teraacute

aparentemente servido de base aos baldados e titubeantes esforccedilos de rima do

primeiro citado estaacute vazado em versos brancos (soltos) com predominacircncia

do decassiacutelabo Este oferece por vezes surpreendentes soluccedilotildees que devem

ser garimpadas em meio a outros tantos trechos malsucedidos []

(CAMPOS 1997 p237)

Em seu ensaio Haroldo de Campos faz uma seleccedilatildeo de passagens da versatildeo em

versos brancos que considerava de maior qualidade e afirma que as soluccedilotildees dessa

versatildeo ldquodevem ser garimpadas em meio a outros tantos trechos malsucedidosrdquo Quanto

agrave outra versatildeo Haroldo afirma que ela eacute ldquoum equiacutevoco um malogrordquo20

Em outra perspectiva pretende-se na presente seccedilatildeo evidenciar alguns aspectos

que consideramos relevantes na versatildeo poeacutetica em que o Baratildeo de Paranapiacaba

emprega as rimas na maioria das falas21

Em entrevista dada a TV Unicamp para o Programa Diaacutelogo sem Fronteira

Trajano Vieira disse ao entrevistador Pedro Paulo Funari22

20 Haroldo de Campos publicou um nuacutemero significativo de textos sobre traduccedilatildeo ldquoque se

somam num conjunto denso e coerente acerca do assuntordquo (TAacutePIA 2013 pXI) Para natildeo corrermos o

risco de sermos reducionistas em relaccedilatildeo ao seu pensamento ou por outro lado nos estendermos demais

numa longa digressatildeo ao refletirmos acerca de sua teoria optou-se por apresentar o que estudamos sobre

o assunto ao final da presente dissertaccedilatildeo como anexo O objetivo eacute expor algumas das teses defendidas

por Haroldo sobre traduccedilatildeo poeacutetica encontradas em alguns de seus outros escritos visando dessa forma

entender os possiacuteveis motivos pelos quais o eminente poeta e tradutor natildeo apreciara a versatildeo em que o

Baratildeo de Paranapiacaba emprega as rimas na maioria das falas

21 A Mauriceacutea Filho cotejou a versatildeo em que Paranapiacaba emprega as rimas com os respectivos versos

da versatildeo de Ramiz Galvatildeo e tambeacutem com a versatildeo portuguesa de Baziacutelio Teles (1972 pp248-63) No

iniacutecio da anaacutelise logo apoacutes citar as traduccedilotildees para os versos 1-2 do Prometeu Mauriceacutea Filho escreve

ldquoRaacutepido exame bastaria para nos sugerir qual dos trecircs eacute o melhorOs heptassiacutelabos do Baratildeo de

Paranapiacaba natildeo se exibem agrave altura de seu talento de escol e invulgar erudiccedilatildeo Poeticamente fracos ateacute

mesmo em face da accedilatildeo dramaacutetica com que Eacutesquilo comeccedila a enormidade de sua trageacutedia Jaacute Ramiz

indiscutivamente supera com a majestosa simplicidade dos seus decassiacutelabos onde se entrelaccedilam o

ritmo a meacutetrica a elegacircncia e a pureza vernaacuteculardquo (p254) Em outro ponto o autor tambeacutem assevera

ldquoAo traduzir o verso das As cegas Esperanccedilas o Baratildeo de Paranapiacaba usou este dei agrave cega Esperanccedila

entre eles moradia No confronto pertence a Ramiz a palma as cegas Esperanccedilas inspirei-lhesrdquo (p258

grifo do autor)

57

Se vocecirc me permite fazer uma analogia eu recentemente revi um programa

no youtube de um grande pianista que eu admiro muito jaacute no final de sua

vida o Arthur Rubinstein E perguntavam ao Rubinstein se ele estava a par

dos novos pianistas Ele respondeu ldquoBem eu tenho ouvido aqui e ali e o que

tem me impressionado eacute o seguinte eles possuem uma teacutecnica formidaacutevel

mas eu me pergunto e gostaria de perguntar a alguns deles quando eacute que eles

vatildeo fazer a muacutesica soarrdquo Ou seja natildeo basta conhecimento da liacutengua grega

para se traduzir de uma forma razoaacutevel De fato em nossa tradiccedilatildeo e em

outros paiacuteses o peso da filologia mais convencional foi muito forte e foi

muito difiacutecil romper com essa tradiccedilatildeo Entatildeo houve de fato nas traduccedilotildees

claacutessicas do repertoacuterio grego uma forte preocupaccedilatildeo digamos com o aspecto

normativo da linguagem Mas um tradutor na minha opiniatildeo que se interesse

por poesia deve estar atento a esse segundo aspecto Eu pelo menos procuro

estar e procuro ensinar meus alunos Isso depende de um conviacutevio com a

poesia Natildeo soacute com a poesia de liacutengua grega mas tambeacutem com outros tipos

de poesia Quanto maior for o repertoacuterio melhor para o tradutor

Sabemos que Paranapiacaba era um versificador exercitava-se numa poeacutetica

apreciada no Brasil durante a segunda metade do seacuteculo XIX (CANDIDO amp

CASTELLO 1973) Tambeacutem era um homem de conviacutevio iacutentimo com a literatura Eacute o

que mostram as suas traduccedilotildees de La Fontaine Byron e Larmatine23

Diante disso seria

interessante perguntar-nos se ele conseguiu pelo menos alguma vez fazer ldquoa muacutesica

soarrdquo ou natildeo em sua ldquomalogradardquo versatildeo do Prometeu

Segundo MSaid Ali (2006 pp125-26)

Na Europa da Idade Meacutedia compunham-se poesias vernaacuteculas caracterizadas

ora pela aliteraccedilatildeo (rima de consoantes iniciais) ora pela assonacircncia ora pela

rima final No seacuteculo XIV vigorava por toda a parte somente essa uacuteltima

forma menos na Espanha onde a assonacircncia resistiu ainda durante bastante

tempo O gosto pelos estudos humanistas fez crer a alguns poetas que o ideal

da meacutetrica estaria nos antigos versos latinos Natildeo haacute rimas em Horaacutecio nem

em Virgiacutelio Logo condenavam eles tal escravidatildeo Invertiam esses anseios

de independecircncia a ordem cronoloacutegica Os latinos natildeo usaram isto eacute

intencionalmente nem podiam discutir coisa de invenccedilatildeo posterior

Fascinados pelos modelos claacutessicos os renovadores da poesia moderna

trataram de libertaacute-la das cadeias entregando-a - ilusatildeo natildeo rara na vida

humana - a nova espeacutecie de cativeiro Compuseram versos sem rima

submetidos agrave meacutetrica quantitativa dos antigos Chegaram a criar diz notaacutevel

conhecedor portentos de fealdade

Sabe-se que Dom Pedro II era um profundo conhecedor dos claacutessicos greco-

latinos Ele sabia que na poesia antiga natildeo havia rimas e que o sistema poeacutetico era

bastante diverso agrave poeacutetica das liacutenguas neolatinas Por outro lado natildeo era raro o

Imperador desafiar Paranapiacaba a ldquoglosarrdquo alguns de seus proacuteprios sonetos O desafio

22

Disponiacutevel emlthttpswwwyoutubecomwatchv=PSsOftFgIxMgt viacutedeo publicado em 03042012 23 Ver paacutegina 15 nota 1

58

consistia em Paranapiacaba criar estrofes que finalizavam com os versos de Dom Pedro

II (PARANAPIACABA 1907 pp218-22) Como visto o Imperador tambeacutem solicitou

uma versatildeo poeacutetica do Prometeu a Ramiz Galvatildeo que natildeo era poeta mas renomado

filoacutelogo humanista Este natildeo se atreveu a empreender uma versatildeo completamente em

rimas mas arriscou-se a fazecirc-las nos cantos corais Quem sabe se tal decisatildeo natildeo foi

fruto de uma espeacutecie de desafio lanccedilado pelo Imperador ou de um cotejo feito

posteriormente entre sua proacutepria traduccedilatildeo com as versotildees de Paranapiacaba24

O fato eacute que traduzir um texto claacutessico valendo-se dos recursos poeacuteticos das

liacutenguas neolatinas como a rima natildeo eacute uma empreitada faacutecil arriscada mesmo nos

primoacuterdios do movimento romacircntico do Brasil Paranapiacaba afirmou ldquoEntre noacutes eacute a

primeira tentativa Variei o metro conforme o caracter do personagem que falardquo

(PARANAPIACABA 1907 pXII) Diante disso vale evocar o que dissera Trajano

Vieira na entrevista jaacute citada

De uma forma geral eu acho que agente como tradutor deve assumir riscos

Mesmo que o resultado natildeo possa ser o mais adequado no final mas o gesto

corajoso me parece ser mais interessante do que uma atitude submissa

O gesto de Paranapiacaba foi corajoso quase batendo agraves portas da temeridade

Como visto ele publicou duas traduccedilotildees de sua autoria distintas da mesma trageacutedia

grega no mesmo livro Isso nunca mais se repetiu na histoacuteria das traduccedilotildees do Prometeu

Acorrentado no Brasil Tal decisatildeo de Joatildeo Cardoso de Menezes de certa forma

dessacralizou o original mostrando agraves claras que natildeo existe uma correspondecircncia una e

definitiva entre a liacutengua de origem e a liacutengua de chegada No prefaacutecio escrito para seu

livro Lafayette Rodrigues Pereira escreve (manteremos a ortografia do original de

1907) ldquocertamente natildeo se poderia exigir do preclaro tradutor que vasasse literalmente

no metro portuguez o metro grego Satildeo radicalmente differentes as lingoas e cada um

tem seo systema de metrificaccedilatildeordquo (PARANAPIACABA 1907 pXIII)

Como jaacute mencionado a primeira versatildeo apresentada em seu livro eacute a que

emprega as rimas na maioria das falas logo seguida pela versatildeo na qual predominam os

decassiacutelabos soltos Haroldo de Campos afirma que talvez a versatildeo em decassiacutelabos

soltos tenha ldquoservido de base aos baldados e titubeantes esforccedilos de rima da outra

versatildeordquo (CAMPOS 1997 p237) Poreacutem nas duas versotildees as falas do Coro das

24

No prefaacutecio escrito para sua traduccedilatildeo do Prometeu acorrentado Ramiz Galvatildeo nos informa que havia

lido as versotildees de Paranapiacaba antes de publicar a sua proacutepria traduccedilatildeo

59

Oceaninas satildeo rimadas em heptassiacutelabos Se a versatildeo em que predominam os

decassiacutelabos soltos tivesse servido como base para a outra era de se esperar que natildeo

houvesse mudanccedilas substanciais nas falas das Oceaninas nas duas versotildees visto que

foram compostas com o mesmo nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas e valendo-se da rima Mas

natildeo eacute isso o que ocorre como pode-se notar a seguir

Versatildeo na qual as rimas

predominam e que a meacutetrica varia

de acordo com o personagem que

fala (citam-se falas do Coro a

seguir)

Versatildeo na qual predominam os

decassiacutelabos soltos mas em trechos

que o Baratildeo tambeacutem emprega os

heptassiacutelabos rimados (somente nas

falas do Coro)

Foi saacutebio e saacutebio emeacuterito

Aquele a quem lembrou

Esta discreta maacutexima

E aos homens a ensinou

Eacute casamento proacutespero

O feito entre os iguais

Quem vive soacute dos reditos

De ofiacutecios manuais

Nunca procure cocircnjuge

Na classe da opulecircncia

Nem da orgulhosa em tiacutetulos

De nobre descendecircncia

Saacutebio foi saacutebio eminente

Quem primeiro formulou

Este conceito na mente

E em palavras o explicou

Eacute o melhor dos casamentos

O que se faz entre iguais

Quem vive dos rudimentos

De trabalhos manuais

Natildeo busque alianccedila na classe

Soberba pela riqueza

E fuja igualmente a enlance

Co‟os que pompeiam nobreza

Quadro I As versotildees de Paranapiacaba para os versos 887-93 do original (fala do Coro)

[]

Diverso alvitre inspira-nos

Honesto e convinhaacutevel

O que lembraste eacute peacutessimo

Covarde intoleraacutevel

Pois tu nos daacutes estimulo

A infame proceder

Havemos ser partiacutecipes

[]

Daacute-me conselho aceitaacutevel

E seraacutes obedecido

Eacute de todo intoleraacutevel

O que me tens dirigido

Estranho o teu sentimento

Cobarde nunca serei

Seja qual for seu tormento

60

Do que ele padecer

Fundo a traiccedilatildeo esquaacutelida

A muito aborrecemos

Nem peste deleteacuteria

Como ela conhecemos

Com ele o compartirei

Dos vis traidores a peste

Experiente aborreccedilo

Nem coisa que eu mais deteste

Em minha vida conheccedilo

Quadro II As versotildees de Paranapiacaba para os versos 1063-9 do original (fala do Coro)

Enquanto cogitaacutevamos sobre essa questatildeo Alessandra Fraguas historiadora e

Pesquisadora do Museu Imperial informou-nos sobre a existecircncia de uma carta escrita

por Paranapiacaba agrave Princesa Isabel em 9 de setembro de 1905 na qual afirma que a

versatildeo em que as rimas predominam foi a primeira a ser realizada por Paranapiacaba

(Maccedilo 204 ndash Doc 9329 - Museu ImperialIbramMinisteacuterio da Cidadania) O trecho em

que Paranapiacaba fala sobre suas versotildees poeacuteticas eacute o seguinte25

Em 8brordm de 1889 ao despedir-me de S Magestade o Imperador DPedro 2ordm

na Tijuca deu-me SMagestade por letra sua uma versatildeo em prosa da

tragedia de Eschylo ldquoPrometheu encadeadordquo encarregando-me de a trasladar

para verso portuguez Tractei logo de adquirir as versotildees e os commentarios

que d‟aquella obra prima existem em varias linguas e encetei e levei a cabo

com o maior esmero a traducccedilatildeo d‟ella Ha cerca de 8 annos publicou o

Jornal do Commercio a versatildeo da scena em que figura Prometheu nos

confins da Scythia pordf onde eacute conduzido pela Forccedila e pela Violencia

acompanhadas de Vulcano que o acorrenta ao rochedo Precedia a essa

publicaccedilatildeo uma carta minha ao Conselheiro Lafayette rogando-lhe

prefaciasse o livro[] A pedido do mesmo Lafayette fiz outra versatildeo da

tragedia em verso livre (menos os coacuteros que satildeo sempre rimados)

D‟essas duas versotildees tem apparecido longos trechos na imprensa e

notadamente nos almanaques do Garnier

Diante desse importante dado doravante a versatildeo na qual Paranapiacaba

emprega as rimas na maioria das falas seraacute chamada de ldquoprimeira versatildeordquo ao longo do

presente texto

Antocircnio Candido e J Aderado de Castelo transcrevem na iacutentegra o prefaacutecio do

livro Suspiros Poeacuteticos e Saudades de Domingos Joseacute Gonccedilalves de Magalhatildees

Visconte de Araguaia Esse texto eacute praticamente um manifesto do movimento

romacircntico em sua primeira fase no Brasil Quanto agrave dicccedilatildeo romacircntica Gonccedilalves de

Magalhatildees afirma ldquoQuanto agrave forma isto eacute a construccedilatildeo por assim dizer material das

estrofes e de cada cacircntico em particular nenhuma ordem seguimos exprimindo as

ideias como elas se apresentam para natildeo destruir o acento de inspiraccedilatildeo

25 A ortografia original foi mantida

61

[]rdquo(CANDIDO amp CASTELLO 1973 p264) Mesmo assim a rima e a contagem de

siacutelabas poeacuteticas eram recursos riacutetmicos e meloacutedicos que os poetas romacircnticos natildeo

tinham pejo de usaacute-las quando contribuiacuteam para expressar uma ideia e criar certo efeito

sonoro No caso da primeira versatildeo poeacutetica do Baratildeo as rimas empregadas parecem

atrapalhar a carga dramaacutetica da trageacutedia em algumas passagens No diaacutelogo irado entre

Hermes e Prometeu por exemplo a utilizaccedilatildeo das rimas natildeo foi beneacutefica Embora a

citada passagem natildeo chegue a ser um agon agrave maneira de Euriacutepides nada obstante eacute um

dos diaacutelogos mais raacutepidos da trageacutedia no original e as rimas feitas pelo Baratildeo

infelizmente quebraram-lhe o ritmo Contudo seraacute que o uso da rima e da meacutetrica

contribuiu positivamente em alguma outra passagem

O Baratildeo de Paranapiacaba natildeo variou o nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas apenas para

distinguir um personagem do outro mas tambeacutem varia o metro para um mesmo

personagem dependendo da situaccedilatildeo ou do interlocutor com quem entabula o diaacutelogo

Segundo Mark Griffith existe uma alternacircncia de metros baacutesicos no original grego o

que foi importante para fornecer certa variaccedilatildeo de tom e humor para uma trageacutedia tatildeo

estaacutetica em seu enredo (GRIFFITH 1997 pp21-2) Segundo o mesmo autor os

personagens no texto original costumam conversar em jambos mas nas entradas e

saiacutedas de alguns personagens mudanccedilas de metros ocorrem (anapesto vv284-97 561-

5) e em outros momentos metros liacutericos como no caso de Io (vv575-89) Desta forma

o Baratildeo de Paranapiacaba estaria refletindo uma caracteriacutestica semelhante a do original

Quando Io entra agitada em cena por exemplo se expressa em versos hendecassiacutelabos

(onze siacutelabas poeacuteticas) ldquoQue siacutetio me surge Por quem habitadordquo Numa estrofe a

partir do verso 575 no original grego Paranapiacaba faz com que Io se expresse em

versos eneassiacutelabos (nove siacutelabas)

Solta a avena de ceacuterea juntura

Melodia que ao sono convida

Quando deve durar a tortura

Quando conversa com Prometeu agraves vezes Io se expressa em versos

dodecassiacutelabos

Io

Quem foi que te cravou aqui sobre o rochedo (dodecassiacutelabo)

Prometeu

62

O decreto de Jove e de Vulcano a matildeo (dodecassiacutelabo)

Io

Que atentado atraiu tatildeo grave puniccedilatildeo (dodecassiacutelabo)

Prometeu

Para ser compreendido eu disse o necessaacuterio (dodecassiacutelabo)26

Manuel Bandeira (1997 p542) afirma que o metro de onze siacutelabas tambeacutem

chamado de arte maior pode favorecer um ritmo dinacircmico e ao mesmo tempo marcado

ldquopelo que foi preferido por Gonccedilalves Dias em alguns de seus poemas indianistas de

feiccedilatildeo eacutepicardquo como se pode ver a seguir

Satildeo rudos severos sedentos de gloacuteria

Jaacute preacutelios incitam jaacute cantam vitoacuteria

Jaacute meigos atendem agrave voz do cantor

Satildeo todos Timbiras guerreiros valentes

Seu nome laacute voa na boca das gentes

Condatildeo de prodiacutegios de gloacuteria e terror

I-juca Pirama de Gonccedilalves Dias

Veja-se na passagem destacada o ordenamento regular da posiccedilatildeo das tocircnicas

ao longo dos versos ldquoCondatildeo de prodiacutegios de gloacuteria e terrorrdquo (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )27

26 Os versos citados satildeo alexandrinos 27 Eacute preciso fazer algumas consideraccedilotildees acerca do emprego dos siacutembolos ldquo ᵕ rdquo e ldquo ‒ rdquo nas apreciaccedilotildees

que se seguiratildeo e sobre as diferenccedilas entre a metrificaccedilatildeo grega e a portuguesa no que se refere agrave

construccedilatildeo do ritmo dentro do verso O estudo da metrificaccedilatildeo grega pode ser dividido em prosoacutedia

meacutetrica e estroacutefica A prosoacutedia estuda os aspectos sonoros na pronunciaccedilatildeo das siacutelabas que constituem a

palavra dentro do verso Os siacutembolos usados para assinalar o tempo e o modo de pronunciaccedilatildeo das siacutelabas

satildeo ldquo ᵕ rdquo (breve) = 1 tempo ou mora (chroacutenos) e ldquo ‒ rdquo (longa) = 2 tempos ou morae existindo elevaccedilotildees e

descensos na acentuaccedilatildeo das siacutelabas durante a pronunciaccedilatildeo o que natildeo parece ocorrer na versificaccedilatildeo

portuguesa Apesar da diferenccedila utilizam-se os mesmos nomes dos peacutes riacutetmicos gregos em liacutengua

portuguesa (ex daacutetilo ‒ ᵕ ᵕ anapesto ᵕ ᵕ ‒ ) sendo que o siacutembolo ldquo ‒ rdquo eacute usado para marcar as ldquosiacutelabas

tocircnicasrdquo em liacutengua portuguesa em vez de ldquolongasrdquo e ldquo ᵕ rdquo as ldquosiacutelabas aacutetonasrdquo em vez de ldquobrevesrdquo

Por outro lado Olavo Bilac em seu Tratado de Versificaccedilatildeo afirma que eacute possiacutevel constatar que se

demora mais tempo na pronunciaccedilatildeo das siacutelabas tocircnicas em liacutengua portuguesa do que na pronunciaccedilatildeo

das siacutelabas aacutetonas Bilac escreve (1905 p44) ldquoO accento predominante ou a pausa numa palavra eacute

aquella syllaba em que parecemos insistir assinalando-a [] A demora na syllaba isto eacute no accento eacute o

que determina a pausa [] O som mais ou menos aberto da vogal natildeo influe sobre o accento a demora eacute

na pronunciaccedilatildeo o que o caracteriza Exemplo - em tampa o accento estaacute na primeira onde mais nos

demoramos e o onde o som eacute talvez mais frouxordquo Nesse aspecto pode-se ver certa correspondecircncia

entre a liacutengua grega e a portuguesa no emprego dos siacutembolos ldquo ‒rdquo (dois tempos morae) e ldquoᵕrdquo (um

tempo mora) Outro ponto interessante eacute que em liacutengua grega todas as siacutelabas satildeo contadas na escansatildeo

do verso Em contrapartida em liacutengua portuguesa as siacutelabas satildeo contadas ateacute a uacuteltima siacutelaba tocircnica do

verso Tal sistema de escansatildeo tambeacutem usado no idioma francecircs foi introduzido em nossa liacutengua por

Antocircnio Feliciano de Castilho no seu Tratado de metrificaccedilatildeo portuguesa Antes dele contavam-se todas

as siacutelabas do verso que terminava com palavra paroxiacutetona natildeo se contava a uacuteltima siacutelaba do verso

terminado com palavra proparoxiacutetona e considerava-se incompleto o verso que terminava com palavra

oxiacutetona pelo que contava como duas a uacuteltima siacutelaba M Said Ali tentou restaurar tal sistema mas ao que

63

Paranapiacaba opta por esse mesmo metro na passagem na qual Io narra o

asseacutedio que sofreu de Zeus seguido por sua expulsatildeo da casa paterna e o iniacutecio de sua

marcha maldita Talvez o Baratildeo entendera que as possibilidades riacutetmicas do

hendecassiacutelabo poderiam evocar a agitaccedilatildeo de Io (tambeacutem eacute o mesmo metro utilizado

quando Io entra em cena) Nesse sentido haveria nessa passagem uma relaccedilatildeo

harmocircnica entre forma e sentido algo que eacute perseguido numa traduccedilatildeo criativa

O rei seus correios mandou em mensagens

A Pytho e Dodona Queria informar-se

Por quais pensamentos accedilotildees ou linguagem

Podia agradaacutevel aos Deuses tornar-se

Voltaram os nuacutencios trazendo somente

Respostas ambiacuteguas de duplo sentido

Ateacute que da parte do Nume vidente

Oraacuteculo claro lhe foi transmitido

Em termos expressos eu fui condenada

A ser expelida da paacutetria e do lar

E entregue a mim mesma correndo agitada

Por terras longiacutenquas sem peias vagar

[]

E logo de formas e mente mudando

Munida de pontas fiquei desde entatildeo

Sentindo contiacutenuo pungir-me o nefando

Acuacuteleo acerado de um bravo tavatildeo

Em saltos violentos agraves doidas furente

De Lerna agrave colina fugida fui ter

No siacutetio onde mana perene a nascente

Cencreia de linfa suave a beber

Mas Argos o filho da Terra o vaqueiro

De inuacutemeros olhos e d‟alma feroz

Expiando-me os passos com golpe certeiro

Dos fixos olhares seguia-me apoacutes

Sucesso imprevisto de suacutebito veio

Privaacute-lo da vida Mas eu (desgraccedilada)

De plagas em plagas sem pausa vagueio

parece sem muito sucesso (BANDEIRA 1997 p6) Quando for necessaacuterio escandir um verso em nosso

estudo empregaremos o sistema introduzido por Castilho

64

De laacutetego infesto de Juno accediloitada

Veja-se a seguir o esquema escolhido por Paranapiacaba na ordenaccedilatildeo das

siacutelabas tocircnicas e aacutetonas ao longo dos versos

Voltaram os nuacutencios trazendo somente (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)

Respostas ambiacuteguas de duplo sentido (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)

Ateacute que da parte do Nume vidente (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)

Oraacuteculo claro lhe foi transmitido (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)

Diante do que foi analisado parece-nos que pelo menos na passagem em que Io

narra sua histoacuteria o Baratildeo de Paranapiacaba conseguiu fazer ldquoa muacutesica soarrdquo

14 Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz

Esse doutor da lexicologia

que amava os gregos nos originais

e com Platatildeo decerto se entendia

e conversava coisas imortais

Esse de cuja a vida bem-fadada

eacute justo se dizer sinceramente

que foi tatildeo longa quanto devotada

agrave sua Paacutetria como agrave sua gente

Esse ilustre Varatildeo de nossa raccedila

ilustre pelo espiacuterito perfeito

e a feacute cristatilde e a tecircmpera sem jaccedila

e a paixatildeo da Justiccedila e do Direito

bem que merece que de sul a norte

o coraccedilatildeo de todo brasileiro

exclame num soluccedilo verdadeiro

a dor de sua morte28

Benjamin Franklin Ramiz Galvatildeo nascido em 16 de junho de 1846 em Rio

Pardo (hoje Ramiz Galvatildeo) no Rio Grande do Sul falecido em 9 de marccedilo de 1938

ano em que completaria 92 anos de idade Seu pai Joatildeo Galvatildeo morre em 1852 tendo

28

J Pereira da Silva em homenagem a Ramiz Galvatildeo in Revista da Academia de Letrasvol55 ano 30

pp75-76 apud Mauriceacutea Filho 1972

65

Ramiz apenas 6 anos de idade Sua matildee Joana Ramiz Galvatildeo muda-se para o Rio de

Janeiro com seu filho Nessa eacutepoca Ramiz comeccedila a frenquentar a escola puacuteblica

Custoacutedio Mafra Completa seus estudos primaacuterios numa escola mantida pela Sociedade

Amantes da Instruccedilatildeo onde recebeu as primeiras liccedilotildees de Latim do professor

Inocecircncio de Drummond Nessa escola Ramiz Galvatildeo recebeu o 1ordm precircmio por

aplicaccedilatildeo aos estudos em 1855 ano em que tambeacutem foi admitido como aluno gratuito

do Coleacutegio Pedro II (MAURICEacuteA FILHO 1972 pp4-6) Em 1861 Ramiz recebe o

diploma de Bacharel em Letras pelo Coleacutegio Pedro II e prepara-se para o ingresso na

Faculdade de Medicina que era a carreira escolhida pelo jovem Em 3 de dezembro de

1868 forma-se meacutedico e eacute escolhido para ser o orador da turma Estava presente

naquela cerimocircnia entre diversas outras autoridades o Imperador Dom Pedro II

Com apenas 19 anos de idade Ramiz Galvatildeo escreve o livro ldquoO Puacutelpito no

Brasilrdquo no qual divide a oratoacuteria sacra brasileira em distintos periacuteodos a partir do seacuteculo

XVI ateacute chegar ao seu contemporacircneo Francisco Joseacute de Carvalho mais conhecido

como Monte Alverne jaacute mencionado na presente dissertaccedilatildeo Em 1869 Ramiz Galvatildeo

exerceu funccedilotildees de meacutedico no Exeacutercito Nos hospitais militares de Armaccedilatildeo e de

Andaraiacute atendeu feridos advindos da Guerra do Paraguai (MAURICEacuteA FILHO 1972

p34) nessa eacutepoca foi convidado para substituir seus mestres Schiefer e Cocircnego

Pinheiro respectivamente nas disciplinas de Grego e Retoacuterica do Coleacutegio Pedro II

(ibidem p37) aleacutem de ser indicado pelo proacuteprio Imperador para ser o Diretor da

Biblioteca Nacional O Decreto Imperial nomeando-o tem a data de 14 de dezembro de

1870 (MAURICEacuteA FILHO 1972 p102) Aleacutem disso Ramiz foi professor na

Faculdade de Medicina em 1881 No ano de 1882 Ramiz deixa a cadeira que lecionava

na Faculdade de Medicina bem como a direccedilatildeo da Biblioteca Nacional para se tornar

preceptor dos netos do Imperador levando sete anos a ensinaacute-los ateacute o banimento da

famiacutelia imperial (ibidem p46) Existe um rascunho a laacutepis de uma carta que Ramiz

Galvatildeo escreveu a Dom Luiz neto de Dom Pedro II que estava vivendo no exiacutelio Esse

rascunho estaacute depositado no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro O seguinte

trecho da carta foi transcrito por Mauriceacutea Filho (1972 pp47-8)

Tenho firme esperanccedila que aiacute se hatildeo de acentuar os bons predicados que o

senhor sempre revelou enquanto tive ocasiatildeo de ser seu mestre o amor ao

trabalho o rigoroso cumprimento do dever o culto da Verdade e da Justiccedila

Estude muito e aprimore o coraccedilatildeo Os frutos deste trabalho e deste

aperfeiccediloamento colhe-los-aacute mais tarde com toda a seguranccedila natildeo digo jaacute

como Priacutencipe brasileiro porque a vontade soberana do povo entendeu

66

chegado o momento de mudar a forma do nosso Governo mas como

particular e como homem [] Se ainda se lembra do entusiasmo e do amor

com que lhe ensinei e se me julga digno de sua estima apesar de me haver

feito sincero e leal servidor da Repuacuteblica escreva-me dando notiacutecia do que

faz do que vence e do que espera vencer Quando estudar sociologia saberaacute

que a forma republicana eacute a mais perfeita e a que pode realizar o ideal dos

povos [] O que fez portanto o Brasil agrave imitaccedilatildeo dos seus irmatildeos

americanos o que fazemos todos noacutes aceitando de coraccedilatildeo as consequecircncias

do golpe de 15 de novembro emprestando o nosso concurso agrave consolidaccedilatildeo

da Repuacuteblica eacute um ato de patriotismo Se alguma coisa haacute que admirar em

tudo isso eacute a heroicidade com que sacrificamos os afetos por amor do Bem

geral Certo pois de que o seu Preceptor cumpriu e cumpre o seu dever

confio que o estimaraacute e lhe daraacute sempre o gozo inefaacutevel de suas cartas Mil

saudades ao bom e simpaacutetico Dom Pedro e ao meigo Totocircnio Beije-os a

ambos por mim abrace-os muitas e muitas vezes e natildeo esqueccedila seu velho

amigo (Assinado Doutor ndash 1890)

No livro Estante Claacutessica da Revista de Liacutengua Portuguesa volume X 1922

dirigido por Laudelino Freire encontra-se o seguinte testemunho de Ramiz Galvatildeo

acerca de sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo29

Em 1888 dPedro II nosso ilustre e saudoso imperador confiando-me a

traducccedilatildeo literal em prosa que fizera do Prometeu de Eschylo pediu-me que

tentasse pocirc-la em verso Sem pretensatildeo alguma a poeta e pouco afeito a

exercicios deste genero quis corresponder entretanto ao honroso convite e

pus matildeos agrave obra fazendo particular empenho em cingir-me ao texto grego

com a maior exacccedilatildeo

Natildeo foi pequeno o Labor

Em dias do anno seguinte conclui a rude tarefa e tive a fortuna de ler parte

desta traducccedilatildeo ao venerando monarca que me fez algumas observaccedilotildees

judiciosas pugnando sempre pela versatildeo literal

Esta absoluta fidelidade sabem todos o quanto eacute difficil em obras de tal

natureza Fiz poreacutem o possiacutevel para dar conta agrave missatildeo calcando quase

verso sobre verso e natildeo raro sacrificando sem duvida a belleza do estilo

Baste dizer que esta traducccedilatildeo estaacute feita em 1084 versos quando o original

grego conta com 1093

Natildeo deixei por justificavel escrupulo de cotejar meu trabalho com varias

outras versotildees do grande tragico e particularmente me prestaram auxilio em

algumas passagens a traducccedilatildeo latina de Ahrens e a francesa de Leconnte de

Lisle que satildeo ambas fideliacutessimas Ainda por ultimo fiz este mesmo cotejo

com as bellas e esmeradas versotildees em verso portuguecircs da lavra do meu

eminente e caro patricio o Sr baratildeo de Paranapiacaba cujo recente livro eacute

um attestado de talento e erudiccedilatildeo De todas ellas algum fruto colhi por

vezes mas a todas antepus invariavelmente o religioso respeito ao original

grego que estudei e procurei interpretar com amor Natildeo tem este trabalho jaacute

se vecirc outro merito publico-o vinte annos depois como homenagem aacute

memoacuteria do illustre cultor de letras que me honrou com sua estima desde os

primeiros dias da minha mocidade e de quem guardo a mais respeitosa e

grata recordaccedilatildeo como amigo e brasileiro

BFRamiz Galvatildeo

Asylo Golccedilalves d‟Araujo 3 de junho de 1909

29

Mantemos a ortografia orginal da obra consultada a qual fotografamos na Faculdade de Direito da USP

67

Dessa versatildeo de Ramiz Galvatildeo destacamos os seguintes decassiacutelabos Trata-se

da traduccedilatildeo dos versos 454-8 pertencentes a uma das falas de Prometeu

Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

frutuoso mas inscientes procediam

em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros

o nascer e os ocasos pouco certos

Numa produccedilatildeo poeacutetica o ritmo pode ser construiacutedo por meio da reiteraccedilatildeo de

vaacuterios elementos como por exemplo o nuacutemero fixo de siacutelabas poeacuteticas a posiccedilatildeo

regular das silaacutebas tocircnicas aliteraccedilotildees e assonacircncias Tais recursos funcionam como que

combinaccedilotildees de diferentes ldquoacordesrdquo ao longo dos versos dando musicalidade ao texto

Ramiz afirmou que natildeo tinha ldquopretensatildeo alguma a poetardquo e que era ldquopouco afeito a

exerciacutecios deste gecircnerordquo Mas veja-se o emprego das assonacircncias e aliteraccedilotildees por

Ramiz Galvatildeo em seus versos

1) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

frutuoso mas inscientes procediam

em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros

o nascer e os ocasos pouco certos

2) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

frutuoso mas inscientes procediam

em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros

o nascer e os ocasos pouco certos

3) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

4) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

frutuoso mas inscientes procediam

5) em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros

o nascer e os ocasos pouco certos

Como visto Ramiz Galvatildeo afirmou que seu maior criteacuterio era o ldquoreligioso

respeito ao original gregordquo Mesmo assim Ramiz procurou dar certa regularidade agrave sua

traduccedilatildeo valendo-se de um metro muito apreciado em liacutengua portuguesa o

68

decassiacutelabo30

Para o coro embora o metro natildeo seja tatildeo regular quanto nas falas de

Prometeu Ramiz utilizou as rimas

Saacutebio era prudente (a)

quem disse quem primeiro concebeu na mente(a)

que soacute a alianccedila igual traz bem que dure (b)

nos paccedilos enervados da riqueza (c)

nos altivos solares da nobreza (c)

o humilde artista esposa natildeo procure (b)

Mais um exemplo

Sempre audaz desabrido(a)

Natildeo te curvas vencido (a)

ao acerbo infortuacutenio (b)

Fere-me o coraccedilatildeo pungente(c)

Temendo por teu fado (d)

Quando veraacutes findado (d)

Teu sofrer inclemente (c)

Pois eacute de aacutespero caraacuteter intrataacutevel (e)

esse filho de Cronos indomaacutevel (e)

Ramiz ainda teve a sensibilidade de natildeo utilizar esse recurso poeacutetico no ponto

alto do drama quando Hermes exorta o coro a fugir Se o eminente filoacutelogo brasileiro

tivesse utilizado as rimas nesse momento provavelmente a carga dramaacutetica da

passagem seria atenuada

[] profere aconselha o que eu possa(a)

convencida fazer a teu discurso (b)

escutar meus ouvidos se recusam (c)

Como podes agrave infacircmia incitar-me (d)

Co‟ ele quero sofrer o destino (e)

os traidores a odiar aprendi (f)

nem haacute delito (g)

dentre todos que eu mais abomine (h)

Diante dos exemplos analisados na presente seccedilatildeo pode-se dizer que Ramiz

Galvatildeo professor de Grego e Retoacuterica do Coleacutegio Pedro II correspondeu com maestria

ao honroso convite feito pelo Imperador

15 JB de Mello e Souza

Joatildeo Batista de Mello e Souza (1888-1969) formado Bacharel em Ciecircncias e

Letras pelo Coleacutegio Pedro II em 1905 era irmatildeo mais velho do engenheiro civil Juacutelio

30

A Mauriceacutea Filho afirma ldquoRamiz emprega este decassiacutelabo agrave moda Bilaqueana preciosa prenda aos

homens outorgaste Basta ter ouvido afeito agrave muacutesica da Poesiardquo (1972 p258)

69

Ceacutesar Mello e Souza (1895-1974) mais conhecido pelo pseudocircnimo de Malba Tahan o

autor do livro O Homem que calculava J B de Mello e Souza tornou-se professor de

Histoacuteria Universal do Coleacutegio Pedro II em 1926 (SANTOS 2009 p135) Tambeacutem se

dedicou agrave literatura e ao jornalismo Dentre suas obras destacam-se Histoacuterias do Rio

Paraiacuteba Majupira (1938) Meninos de Queluz (1949) e Histoacuterias famosas do velho

mundo e estudantes do meu tempo (1958) Sabia falar e escrever em Esperanto liacutengua

criada por Lejzeu Ludwik Zamenhof Lejzeu ldquodefendia que o Esperanto deveria ser a

segunda liacutengua de cada povordquo facilitando o diaacutelogo mundial e a resoluccedilatildeo de conflitos

(ibidem p136) JB de Mello e Souza representou o Brasil em importante congresso

mundial de Esperanto Fernando Segismundo ex-aluno de Mello e Souza faz a seguinte

descriccedilatildeo de seu antigo professor

Fui aluno de Joatildeo Batista no Externato do Coleacutegio Pedro II para onde se

transferira Alto forte e alegre comunicava-se paternalmente com os

educandos Suas preleccedilotildees patenteavam elevado fundo moral Missionaacuterio

presenccedila valor Natildeo se lhe percebia ambiguidade ou segredo era franco

extrovertido espontacircneo Haacutebil em motivar a turma tinha sempre um fato

divertido a transmitir uma narrativa envolvendo heroacuteis ou mulheres

exemplares como Corneacutelia matildee dos Gracos A mitologia Greco-romana a

crenccedila no Brasil os libertadores da Ameacuterica-Boliacutevar e Joseacute Bonifaacutecio agrave

frente citaccedilotildees de Ciacutecero Virgiacutelio Horaacutecio Oviacutedio Catatildeo Rui e Padre

Vieira tudo lhe valia para atrair-nos ao estudo da Histoacuteria fortalecendo-nos

o senso patrioacutetico e a conduta moral Irradiar conhecimentos brunir

caracteres constituiu missatildeo de que jamais abdicou Construtor de almas -

assim poderiacuteamos sintetizar-lhe a personalidade (apud SANTOS 2009

p137)

Outro aluno Geraldo Pinto Vieira daacute o seguinte testemunho acerca de Mello e

Souza ldquoO Joatildeo Batista de Mello e Souza foi um grande humanista Era um homem que

conhecia de tudo Latim Grego Esperanto Muacutesica etcrdquo (ibidem p138) Essas

informaccedilotildees satildeo muito importantes visto que no livro no qual estaacute sua traduccedilatildeo do

Prometeu Acorrentado de 1950 natildeo encontramos indicaccedilotildees claras se a sua versatildeo fora

feita a partir do original grego ou natildeo

Mello bem como Dom Pedro II e o Baratildeo de Paranapiacaba usa os nomes

romanos para as divindades gregas Ele natildeo explica o porquecirc de tal escolha

Paranapiacaba por exemplo em sua primeira nota afirma que ldquoOs Deuses tecircm a

nomenclatura romana que eacute a mais conhecidardquo (PARANAPIACABA 1907 p139)

Odorico Mendes toma a mesma decisatildeo em suas traduccedilotildees da Iliacuteada e Odisseia Em

contrapartida Ramiz Galvatildeo (professor de Grego no Coleacutegio Pedro II na eacutepoca do

70

Imperador) natildeo segue essa tendecircncia presente entre os primeiros tradutores brasileiros

dos Claacutessicos

Pascale Casanova em seu livro A Repuacuteblica Mundial das Letras discorre como

a tradiccedilatildeo humanista advinda da Renascenccedila influenciara fortissimamente os escritores

e tradutores do seacuteculo XIX

O latim acumula com o grego reintroduzido pelos eruditos humanistas a

quase totalidade do capital literaacuterio e mais amplamente cultural entatildeo

existente mas tambeacutem a liacutengua da qual Roma e a instituiccedilatildeo religiosa inteira

detecircm o monopoacutelio o papa estando investido da autoridade dupla [] a do

sacerdotium - as coisas da feacute - mas tambeacutem a do studium ndash isto eacute tudo o que

se refere ao saber ao estudo e agraves coisas intelectuais[] Por isso eacute possiacutevel

compreender o empreeendimento humanista pelo menos parte dele como

uma tentativa dos ldquoleigosrdquo em luta contra os cleacutericos latinizantes de criar

uma autonomia intelectual e reapropriar-se contra o uso escolaacutestico do latim

da heranccedila latina laicizada Explicitando claramente a natureza de sua luta os

humanistas opotildeem dessa forma ao latim ldquobaacuterbarordquo dos cleacutericos escolaacutesticos o

refinamento de sua praacutetica recuperada do latim ldquociceronianordquo [] O

humanismo europeu eacute tambeacutem uma das primeiras formas de emancipaccedilatildeo

dos letrados da ascendecircncia e da dominaccedilatildeo da Igreja (CASANOVA 2002

p69 grifo da autora)

Embora JB de Mello e Souza natildeo explicite claramente quais os princiacutepios que

regeram seu trabalho de traduccedilatildeo por outro lado revela algo sobre a sua leitura do

Prometeu Acorrentado em prefaacutecio

Como nas demais peccedilas do grande traacutegico eleusiano as personagens do

ldquoPrometeu Acorrentadordquo satildeo viacutetimas impotentes da fatalidade inexoraacutevel O

anuacutencio poreacutem de um futuro melhor uma brisa de esperanccedila perpassa

afinal para conforto dos que sofrem os males do destino Prometeu seria

libertado ao cabo de longo tempo de supliacutecio O ldquoPrometeu Acorrentadordquo eacute o

primeiro episoacutedio de uma magestosa trilogia da qual se perderam as outras

partes Perda lamentaacutevel sem duacutevida pois natildeo nos permite conhecer toda a

significaccedilatildeo moral dessa trageacutedia em que se vecirc o deus supremo perseguir

atrozmente a um nume tutelar dos miacuteseros mortais a um benfeitor da

humanidade (1950 p5)

Tratemos agora de algumas das caracteriacutesticas de sua traduccedilatildeo em prosa

No original Prometeu aconselha Io a natildeo atravessar um determinado rio (versos

717-21) Dom Pedro II translitera o nome desse rio em sua traduccedilatildeo ldquoChegaraacutes ao rio

Hybristes (violento) natildeo falsamente chamado o qual natildeo atravesses pois natildeo eacute facil de

atravessarrdquo O nome desse rio adveacutem da palavra grega hyacutebris que entre outras coisas

pode significar ldquodesmedidardquo sobretudo do ponto de vista moral (inclusive Jaa Torrano

tende a traduzir essa palavra por ldquosoberbiardquo) Torrano traduz da seguinte forma o trecho

71

supracitado ldquoIraacutes ao rio Soberbo de natildeo falso nome que natildeo transporaacutes difiacutecil de

transporrdquo Eacute interessante notar o fato de que em 1950 JB de Mello e Souza jaacute havia

chegado a uma soluccedilatildeo semelhante agrave de Torrano traduzindo Hybristeacutes por

ldquoOrgulhosordquo ldquoAtingiraacutes as margens do rio Orgulhoso que natildeo desmente o seu nomerdquo

Veja-se tambeacutem a traduccedilatildeo de JB de Mellho e Souza para os versos 780-1

ldquoEscolhe pois ou sabes o que te resta a sofrer ainda ou o nome de meu libertadorrdquo

(grifo nosso) Trata-se das possibilidades de revelaccedilotildees do futuro que Prometeu deu agrave

Io

O fato curioso eacute que Prometeu natildeo revela o nome de ldquoHeacuteraclesrdquo na trageacutedia mas

apenas daacute as caracteriacutesticas desse descendente de Io Teria sido um equiacutevoco de Eacutesquilo

prometer o nome do libertador e depois natildeo o revelar De modo nenhum Pois no

original grego natildeo existe a palavra ldquonomerdquo na passagem em questatildeo Literalmente o

texto esquiliano reza ldquodigo claro teus vindouros males ou quem haacute de me libertarrdquo

Portanto a traduccedilatildeo de JB de Mello e Souza cria um equiacutevoco que natildeo haacute no texto

original de Eacutesquilo

Em sentido lato a traduccedilatildeo em prosa de Mello e Souza tende agrave paraacutefrase e agrave

grandiloquecircncia Em contrapartida a uacuteltima fala de Prometeu (vv1080-93) foi

traduzida de forma muito sucinta

Com efeito natildeo foi uma ameaccedila apenas a terra potildee-se a tremerO Soturno

ronco jaacute se faz ouvirturbilhotildees de poeira se erguemtodos os furacotildees

desencadeados parece que estatildeo contra mim Contra mim eacute que Juacutepiter

desfecha tatildeo horrendo cataclismo Oacute minha augusta matildee oacute tu divino eacuteter que

cercais o universo de luz eternavede que injustos tormentos me fazem

sofrer

Compare-se o trecho citado com a traduccedilatildeo feita por Dom Pedro II para a

mesma passagem

E de fato e natildeo mais por palavras balanccedila-se a terra reboa o eco rugidor do

trovatildeo brilham as espirais ardentes do relacircmpago e os turbilhotildees revolvem o

poacute rompem os sopros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

opostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Tais iacutempetos contra

mim vem manifestamente de Juacutepiter para meterem medo Oacute nume de minha

matildee oacute ar que volves a luz comum de todos vecircs quatildeo injustamente sofro

Apesar dos pontos problemaacuteticos mencionados pode-se dizer que a traduccedilatildeo de

JB de Mello e Souza de 1950 deve ser considerada um marco na histoacuteria da traduccedilatildeo

do Prometeu Acorrentado no Brasil pois ela retoma a tradiccedilatildeo iniciada por Dom Pedro

II Paranapiacaba e Ramiz Galvatildeo Se natildeo contarmos a reediccedilatildeo da traduccedilatildeo de Ramiz

Galvatildeo em 1922 mas apenas a publicaccedilatildeo original de 1909 o Prometeu ficou sem ter

72

uma nova traduccedilatildeo por no miacutenimo 40 anos Com sua traduccedilatildeo JB de Mello e Souza

quebrou esse grande silecircncio Sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado eacute a que teve o

maior nuacutemero de reediccedilotildees ateacute agora (1964 1966 1969 1970 1998 2001 2002

2005)31

16 Jaime Bruna

O professor Jaime Bruna nasceu no dia 15 de setembro de 1910 Seu nome

consta no Sistema USP (banco de dados da Universidade de Satildeo Paulo) com viacutenculo

inicial em 25 de janeiro de 1934 que eacute a data da fundaccedilatildeo da entatildeo Faculdade de

Filosofia Ciecircncias e Letras (FFCL) criada como o polo central da Universidade de Satildeo

Paulo (USP) No entanto natildeo eacute possiacutevel verificar qual era o viacutenculo naquela altura se

ele ingressou como aluno de graduaccedilatildeo ou em outra condiccedilatildeo de pesquisador A sua

contrataccedilatildeo ocorreu em 1965 na condiccedilatildeo de instrutor da cadeira de Liacutengua e Literatura

Latina Ele se aposentou em 1980 como professor assistente doutor do Departamento de

Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Jaime faleceu em 19 de setembro de 1988 quatro dias

depois de completar 78 anos de idade Essas foram as informaccedilotildees que encontramos na

ficha do Departamento Pessoal da FFLCH-USP

Devido a uma ldquoepifacircnicardquo coincidecircncia descobrimos que o professor de Liacutengua

e Literatura Grega da USP Jaa Torrano em seu tempo de graduando no curso de Letras

da FFLCH pegava carona no carro da entatildeo professora da USP Aiacuteda Costa O professor

Jaime Bruna tambeacutem ia de carona no carro de Aiacuteda e segundo Torrano Bruna descia

na chamada ldquoPraccedila da Paineirardquo (Hoje o nome oficial da praccedila eacute Jorge de Lima esquina

da Av Vital Brasil com a Av Valdemar Ferreira bairro Butantatilde Satildeo Paulo SP) Havia

uma uacutenica paineira nesse local Torrano conta que numa destas caronas foi comentado

que a Prefeitura derrubaria a paineira Houve um princiacutepio de revolta por parte de

alguns estudantes e moradores da regiatildeo que se mobilizaram contra Jaime ouvindo

isso exclamou ldquoVai dar paina para mangasrdquo o que revela ao menos senso de humor

Em conversa com o Prof Antonio da Silveira Mendonccedila (professor de latim

aposentado da USP) descobrimos que Jaime fora bancaacuterio antes de se dedicar ao ensino

e agraves letras claacutessicas Jaime Bruna ldquoera bastante iacutentegro e metoacutedico em seu trabalhordquo

comentou o professsor Mendonccedila

31

Atualmente a editora Martin Claret tem reimpresso essa traduccedilatildeo talvez por causa das facilidades

ligadas aos Direitos Autorais

73

Embora desconhecido para muitos acadecircmicos Jaime Bruna foi bastante

proliacutefero em sua praacutetica tradutoacuteria Joseacute Paulo Paes em sua retrospectiva da praacutetica

tradutoacuteria no Brasil menciona o nome de Bruna na seguinte passagem

Quanto a traduccedilotildees contemporacircneas de textos claacutessicos em verso e prosa

mencionem-se as realizadas por Carlos Alberto Nunes Jaime Bruna Maacuterio

da Gama Kury Joseacute Cavalcanti de Sousa Tassilo Orfeu Spalding Almeida

Cousin etc (PAES1990 p31)

Em nossa opiniatildeo o projeto tradutoacuterio de Bruna era traduzir pelo menos uma

obra dos grandes escritores da Greacutecia e da Roma antiga (embora tenha traduzido mais

de uma obra de autores de sua preferecircncia) Jaime Traduziu Platatildeo Diaacutelogos (1945)

Euriacutepides Heacutecuba (1957) Soacutefocles Electra (1960) Marco Aureacutelio Meditaccedilotildees

(1964) Teatro Grego Eacutesquilo Prometeu Acorrentado Soacutefocles Rei Eacutedipo

EuriacutepidesHipoacutelito AristoacutefanesNuvens (1964) Xenofonte A educaccedilatildeo de Ciro (1965)

Eloquecircncia grega e latina trechos de Tuciacutedides Demoacutestenes Saluacutestio Ciacutecero Liacutesias

Isoacutecrates e Eacutesquines (1968) Platatildeo Goacutergias ou a oratoacuteria (1970) Plauto interprete de

sentimentos populares (1972) Lucretius Carus Titus Da Natureza (1973) Homero

Odisseia (1976) Plautus Titus e Maccius Comeacutedias O Cabo Caruncho Os

Menecmos Os Prisioneiros O Soldado Fanfarratildeo (1978) Epiacutecuro Antologia de textos

(1981) Poeacutetica Claacutessica Aristoacuteteles Horaacutecio e Longino (1981)

Jaime natildeo costuma falar de sua praacutetica tradutoacuteria nas introduccedilotildees de seus

trabalhos Quanto a Eacutesquilo poreacutem o tradutor escreve

Caracteriza a poesia de Eacutesquilo a amplidatildeo Aristoacutefanes sem embargo seu

admirador apelidou-o de ldquocriador de precipiacuteciosrdquo Compraz-se em

representar paixotildees violentas em emitir pensamentos soberbos ideias

sombrias sua religiatildeo eacute a do terror sua moral sofrer para aprender A

constante de sua obra se confina aos conceitos de ldquohybrisrdquo ndash a insolecircncia o

crime o pecado ndash ldquoaterdquo o castigo fatal provocado pela ldquohybrisrdquo Seus coros

satildeo muito desenvolvidos e a accedilatildeo eacute pouca Um grande liacuterico cujo meio de

expressatildeo foi a trageacutedia (BRUNA 1964 p11)

Bruna natildeo faz uma traduccedilatildeo literal do Prometeu Acorrentado A impressatildeo eacute

que em certas passagens Jaime procura entender o sentido geral do texto e a partir

disso natildeo tem receio em criar algo para tentar comunicar bem o que os personagens

envolvidos estariam sentindo no momento da accedilatildeo Veja-se a seguir uma das falas de

Hefesto traduzida por ele ldquoAi Prometeu gemo baixinho por teus sofrimentosrdquo

enquanto Dom Pedro II verte a mesma fala da seguinte forma ldquoAi ai Prometeu gemo

74

com tuas desgraccedilasrdquo Tambeacutem eacute possiacutevel que o leitor tenha certa dificuldade com o

leacutexico escolhido em algumas passagens de sua traduccedilatildeo ldquo[] infeliz de mim poreacutem

para gaacuteudio dos inimigos sofro como grimpa ao sabor dos ventosrdquo e ainda ldquoResponda

a essa mofinardquo Embora sua traduccedilatildeo seja em prosa em alguns trechos Bruna alcanccedila

efeitos sonoros interessantes ldquoDestino Destino Sinto arrepios ao ver as desventuras

de Iordquo (grifo nosso marcando assonacircncia)

Excetuando-se a curta menccedilatildeo feita por Joseacute Paulo Paes citada nessa seccedilatildeo natildeo

encontramos nenhuma outra referecircncia ao trabalho tradutoacuterio de Jaime Bruna embora

ele tivesse sido um incansaacutevel tradutor como demonstra muito bem o grande nuacutemero de

suas traduccedilotildees

17 Napoleatildeo Lopes Filho

Infelizmente natildeo conseguimos muitas informaccedilotildees biograacuteficas acerca de

Napoleatildeo Lopes Filho aleacutem das partilhadas por ele mesmo na introduccedilatildeo de sua

traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo (1967) publicada na Coleccedilatildeo Diaacutelogo da

Ribalta (Editora Vozes) Entre as traduccedilotildees publicadas pela coleccedilatildeo encontram-se a

Antiacutegone de Soacutefocles com traduccedilatildeo de Guilherme de Almeida e A Maacutequina Infernal de

Jean Cocteau com traduccedilatildeo de Manuel Bandeira Essa coleccedilatildeo traz muitas traduccedilotildees

que foram encenadas no Brasil o que nos faz acreditar que Napoleatildeo Lopes Filho esteja

de alguma forma ligado ao teatro e que sua traduccedilatildeo fora concebida para a encenaccedilatildeo

Essa hipoacutetese ganha forccedila quando lemos a seguinte advertecircncia encontrada na

contracapa do seu livro ldquoEsta peccedila natildeo poderaacute ser representada sem licenccedila da

Sociedade Brasileira de Autores Teatraisrdquo No final de seu texto introdutoacuterio o autor

tambeacutem escreve ldquoNapoleatildeo Lopes Filho Cidade do Salvador 1959rdquo Tal informaccedilatildeo eacute

bastante sugestiva pois encontramos um registro na enciclopeacutedia Itauacute Cultural de que

em 1959 no Teatro Guarany em Salvador foi encenada a peccedila A Dama das Cameacutelias

de Alexandre Dumas Filho com traduccedilatildeo de Gilda de Mello e Adaptaccedilatildeo de Benedito

de Corsi No elenco da peccedila encontramos o nome de ldquoNapoleatildeo Lopes Filhordquo Se for a

mesma pessoa nosso tradutor tambeacutem era um ator Ainda em sua introduccedilatildeo Lopes

Filho escreve

Regeu-nos neste trabalho o criteacuterio de que o verso eacute intraduziacutevel e de que a

poesia quando eacute autecircntica pode passar livremente de um a outro idioma

levando o que tem de essencial ndash a sua presenccedila (1967 p65)

75

Tais afirmaccedilotildees nos parecem um tanto quanto contraditoacuterias pois se o verso eacute

ldquointraduziacutevelrdquo como a poesia mesmo sendo ldquoautecircnticardquo poderia ldquopassar livremente de

um a outro idiomardquo Napoleatildeo natildeo explica

Aleacutem de sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado Napoleatildeo nos apresenta a

traduccedilatildeo de As Suplicantes de Eacutesquilo e a traduccedilatildeo do ensaio ldquoEacutesquilo como poeta das

ideiasrdquo de Gilbert Murray Vale mencionar tambeacutem o seguinte levantamento feito por

Napoleatildeo Lopes Filho das ediccedilotildees dos originais gregos de Eacutesquilo

A ediccedilatildeo princeps das trageacutedias de Eacutesquilo data de 1517 e foi impressa em

Veneza nas oficinas de Aldus Manutius Essa publicaccedilatildeo se ressente de ter

unificado uma parte das ldquoCoeacuteforasrdquo com o ldquoAgamenonrdquo falha grave que foi

reparada por Vettori quarenta anos depois quando veio a lume a ediccedilatildeo

francesa de Henri Estienne Trecircs anos mais tarde Canter em ediccedilatildeo cuidada

e conhecida pelo nome de Anvers apurou ainda mais o texto

reaproximando-o do original manuscrito A ediccedilatildeo inglesa feita sob a

responsabilidade de Lord Stanley data de 1663 e somente um seacuteculo depois

na sua ediccedilatildeo de Haia Cornelius Paw reuniu aos escoacutelios anteriormente

achegados por Stanley as notas de Robortel de Turnegravede de Henry Estienne

e de Canter publicaccedilatildeo essa feita no ano de 1745 em dois volumes Apesar

de todos esses trabalhos resultarem de estudos e pesquisas em torno do teatro

grego com o cuidado e o apuro dos eruditos as ediccedilotildees Schuumlltz em trecircs

volumes reuniram todos os textos conhecidos de Eacutesquilo e eacute reputada como a

melhor tendo aparecido em Halle nos anos de 1782 e seguintes (LOPES

FILHO 1967 p66)

A ediccedilatildeo de Stanley citada por Lopes Filho tambeacutem eacute mencionada em carta

escrita pelo Baratildeo de Paranapiacaba agrave Princesa Isabel (manter-se-aacute a ortografia original

na citaccedilatildeo)

Falta-me para elemento de consulta a traducccedilatildeo de Thomaz Stanley ediccedilatildeo

de Londres (do seculo 17) com o texto grego de um lado e do outro o latino

Depois de alguns annos de inutil pesquiza por todas as livrarias da

Europa foi descoberta essa obra (a melhor que ha sobre Eschylo) na

bibliotheca de Napoles pelo Dor Alambary Luz que ahi fez extrahir copias

da versatildeo latina de Prometheu e suas respectivas notas e m‟as remetteu

O texto original grego editado por Stanley natildeo foi remetido ao Baratildeo de

Paranapiacaba mas apenas a versatildeo latina encontrada no mesmo livro Natildeo

encontramos nenhuma menccedilatildeo feita por Dom Pedro II acerca de qual ediccedilatildeo do texto

grego utilizara para fazer sua traduccedilatildeo em prosa Contudo eacute possiacutevel que a ediccedilatildeo de

Christian Gottfried Schuumlltz tenha sido utilizada pelo Imperador tambeacutem citada por

Napoleatildeo Lopes Filho ldquoas ediccedilotildees Schuumlltz em trecircs volumes reuniram todos os textos

conhecidos de Eacutesquilo e eacute reputada como a melhor tendo aparecido em Halle nos anos

76

de 1782 e seguintesrdquo Em sua traduccedilatildeo em prosa Dom Pedro II faz a marcaccedilatildeo dos

trechos que estavam corrompidos na ediccedilatildeo que consultara (marcaccedilatildeo com ldquoXrdquo)

Doce eacute estendegraver longa vida por confiadas esperanccedilas nutrindo a alma de

brilhantes alegrias mas horroriso-me observando porque infinitos

ltuarrsoffrimentosgt [eacutes atorm]entado ltx x x x xgt Natildeo temendo Jupiter honras

demasiadamente os mortaes Prometheu por tua propria vontade ltuarrStrophe

2ordfgt32

Eia Que ingrata gratidatildeo oh amigo dize onde auxilio Que socograverro

dos ephemeros Natildeo observaste a importante fraqueza similhante a um

sonho ltuarrcomgt[] que a dos mortaes x x x cega geraccedilatildeo estaacute algemada Os

conselhos dos mortaes ltuarrnuncagt[] preferem aacute ordem estabelecida por

Jupiter

Trata-se da traduccedilatildeo de um trecho do segundo estaacutesimo da trageacutedia Na ediccedilatildeo

de Stanley publicada em 1809 natildeo haacute a indicaccedilatildeo de corrupccedilatildeo na passagem citada

Figura 24 Trecho dos versos 536-54 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de Thomas Stanley

(1809) Aeschyli tragoediae quae supersunt digitalizada pela Universidade de Cambrigde em 2010

Mas a ediccedilatildeo de Schuumlltz traz as indicaccedilotildees de corrupccedilatildeo indicadas por Dom

Pedro II (haacute de se lembrar que a traduccedilatildeo de Dom Pedro II eacute de 1871)33

32

A indicaccedilatildeo do iniacutecio da estrofe 2ordf foi feita por meio de linhas ascendentes no manuscrito partindo

dentre as palavras ldquovontaderdquo e ldquoeiardquo nas quais eacute escrito ldquo(Strophe 2ordf)rdquo como uma espeacutecie de correccedilatildeo

feita pelo autor 33 A ediccedilatildeo de Schuumlltz que tivemos acesso eacute a de 1809 embora Napoleatildeo Lopes Filho afirme que existe

uma mais antiga a de 1782

77

Figura 25 Trecho referente aos versos 536-50 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de Christian

Gottfried Schuumlltz Aeschyli tragoediae quae supersunt ac deperditarum fragmenta tambeacutem de

1809

Textos estabelecidos modernamente como o de Paul Mazon (1953) e Mark

Griffith (1997) natildeo trazem a marcaccedilatildeo de corrupccedilatildeo no verso 550 como o faz Christian

Gottfried Schuumlltz Eacute claro que Dom Pedro II poderia ter usado ediccedilotildees anteriores agraves de

Schuumlltz e Stanley Apesar disso levando-se em conta que a ediccedilatildeo de Shuumlltz era

ldquoreputada como a melhorrdquo (LOPES FILHO 1967 p66) sendo anterior a traduccedilatildeo

Imperial e tendo marcaccedilotildees de corrupccedilatildeo semelhantes eacute possiacutevel que Dom Pedro II

tenha se valido dela para fazer sua traduccedilatildeo em prosa

Ediccedilotildees modernas do original grego como a de Griffith por exemplo natildeo

constumam trazer um levantamento das ediccedilotildees anteriores sobretudo das mais antigas

Pensando nisso devemos reconhecer que as indicaccedilotildees feitas pelo tradutor Napoleatildeo

Lopes Filho foram bastante uacuteteis para termos algum conhecimento acerca das ediccedilotildees

do texto original do Prometeu Acorrentado empreendidas nos seacuteculos XVIII e XIX 34

Ao final de sua bibliografia Lopes Filho ainda escreve

34 A ediccedilatildeo de Thomas Stanley de (1809) Aeschyli tragoediae quae supersunt digitalizada pela

Universidade de Cambrigde em 2010 conteacutem os originais gregos das trageacutedias Prometeu acorrentado e

78

Para a presente traduccedilatildeo tomamos os textos de Paul Mazon ldquoEschylerdquo

Societeacute d‟Edition ldquoLes Belles Lettresrdquo acima citado Bem como o texto

castelhano impresso por Pedro Henrique Urentildea da Editorial Losada SA

Buenos Aires 1941 que se deve a uma traduccedilatildeo direta do grego de autoria de

Fernando Segundo Brieva de Salvatierra (LOPES FILHO 1967 p103)

Embora seja uma traduccedilatildeo em prosa a versatildeo de Napoleatildeo Lopes Filho natildeo

recorre geralmente agrave paraacutefrase Ele opta tambeacutem pelos nomes gregos das divindades em

vez dos advindos da tradiccedilatildeo latina Em sua traduccedilatildeo Lopes Filho distingue as partes

cantadas do coro das partes faladas escrevendo-as em itaacutelico Embora natildeo declare

abertamente parece ser possiacutevel que Napoleatildeo Lopes Filho conhecesse a liacutengua grega

pois se observa certa literalidade em sua traduccedilatildeo

Agrave guisa de exemplo veja-se o seguinte trecho de sua traduccedilatildeo

Hermes

Essas satildeo palavras e razotildees que soacute eacute possiacutevel ouvir de mentecaptos Que

coisa falta agrave tua demecircncia Porventura fosses melhor tratado se acalmariam

os teus furores Ao menos voacutes que vos condoeis de suas miseacuterias afastai-

vos deste lugar imediatamente O horrendo rugir do trovatildeo vos deixaria

atocircnitas

Coro

Dize-me e aconselha-me qualquer outra coisa e seraacutes obedecido mas as

palavras que pronunciastes natildeo as posso tolerar Como Mandas que renda

culto agrave covardia Nos males que haacute de padecer quero tomar parte com ele

pois aprendi a odiar aos traidores e natildeo haacute vileza que mais me repugne do

que essa

18 Maacuterio da Gama Kury

Segundo Adriane da Silva Duarte (2016 pp52-3)

Maacuterio da Gama Kury (1922 Sena MadureiraAC) eacute um dos mais produtivos

tradutores do grego antigo [] Advogado trabalhou por 30 anos na Vale

enquanto em paralelo estudava grego por conta proacutepria e dava iniacutecio agraves

primeiras traduccedilotildees Com a aposentadoria em 1976 dedicou-se

integralmente agrave atividade vertendo todo o teatro grego trageacutedias e comeacutedias

[] e o principal da historiografia as obras monumentais de Heroacutedoto

suplicantes com traduccedilatildeo e notas em latim do proacuteprio Stanley reunidos pelo erudito do seacuteculo XIX

Samuel Butler (1774-1839) O fac-siacutemile digitalizado da ediccedilatildeo de Christian Gottfried Schuumlltz Aeschyli

tragoediae quae supersunt ac deperditarum fragmenta tambeacutem de 1809 entre tantos e-books vendidos

no aplicativo Play Livros eacute disponibilizado gratuitamente aos seus usuaacuterios como uma espeacutecie de

ldquobrinderdquo

79

Tuciacutedides e Poliacutebio aleacutem de Aristoacuteteles e Dioacutegenes Laeacutecio editadas pela

UNB

Quando se estudam as traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado eacute faacutecil

notar que os tradutores natildeo costumam falar do seu modus operandi talvez encorajados

por seus editores a natildeo revelar o segredo do prodigioso ofiacutecio de verter um texto

estrangeiro reescrevendo-o em liacutengua portuguesa como o faria seu proacuteprio autor se

tivesse domiacutenio de nossa liacutengua mas sem deixar de ser estrangeiro

Verter um poema do grego por exemplo ou de qualquer outro idioma eacute

teoricamente pelo menos reescrevecirc-lo em portuguecircs como o faria seu proacuteprio

autor se tivesse domiacutenio operativo de nossa liacutengua mas sem no entanto

deixar de ser grego (PAES 1990 p93)

Maacuterio da Gama Kury por sua vez escreve algumas linhas revelando-nos algo

sobre sua praacutetica tradutoacuteria

Embora evitando uma linguagem empolada procuramos manter em

portuguecircs a grandiosidade tambeacutem verbal que a proacutepria peccedila tem no original

decorrecircncia loacutegica da condiccedilatildeo divina dos personagens

Para nossa traduccedilatildeo servimo-nos principalmente do texto editado por Gilbert

Murray (KURY 1993 p12)

Quando o tradutor explicita alguns de seus criteacuterios como fez Kury o criacutetico

literaacuterio pode se valer deles para apreciar e julgar a traduccedilatildeo E de fato Mario da Gama

Kury procura evitar a ldquolinguagem empoladardquo sem deixar sua traduccedilatildeo coloquial

demais Veja-se por exemplo a traduccedilatildeo da uacuteltima fala de Prometeu

Mas eis os fatos natildeo simples palavras

a terra treme e tambeacutem repercute

em seus abismos a voz do trovatildeo

em sinuosidades abrasadas

jaacute resplandece o raio um ciclone

volteia e forma turbilhotildees de poacute

os sopros do ar luacutecido se lanccedilam

uns contra os outros e se digladiam

os ventos jaacute estatildeo em plena guerra

o ceacuteu jaacute se confunde com o mar

Eis a rajada que para espantar-me

vem decididamente contra mim

mandada por Zeus todo-poderoso

Ah Minha majestosa matildee e o Eacuteter

Que faz girar ao redor deste mundo

a luz oferecida a todos noacutes

Vedes a iniquumlidade que me atinge

80

Eacutesquilo escreveu a fala citada de Prometeu em 14 versos Gama Kury a verteu

em 17 Nota-se portanto que Maacuterio da Gama Kury natildeo tende agrave literalidade

No trecho supracitado vale a pena destacar o belo verso ldquoos ventos jaacute estatildeo em

plena guerrardquo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒) trata-se de um decassiacutelabo em pentacircmetro iacircmbico um

tipo de meacutetrica que une as caracteriacutesticas de um verso heroacuteico (marcaccedilatildeo nas sexta e

deacutecima siacutelabas) e as de um saacutefico (marcaccedilatildeo na quarta oitava e deacutecima siacutelabas)

Tambeacutem nota-se um ordenamento interessante na posiccedilatildeo das siacutelabas tocircnicas nesses

outros dois versos ldquoa terra treme e tambeacutem repercute em seus abismos a voz do

trovatildeordquo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

A grande quantidade de traduccedilotildees feitas por Maacuterio da Gama Kury denota o

imenso apreccedilo que ele devota agrave cultura e agrave literatura gregas Natildeo se conformando em

usufruir sozinho das qualidades dos textos claacutessicos Kury esforccedilou-se diligentemente

para despertar interesse semelhante em outros leitores Sua importacircncia para a histoacuteria

da traduccedilatildeo no Brasil eacute grande O nuacutemero de reediccedilotildees de sua traduccedilatildeo do Prometeu

Acorrentado (1993 1998 1999 2004 2009) soacute eacute inferior ao de JB de Mello e Souza

19 Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves

Por ser uma traduccedilatildeo com um nuacutemero escasso de exemplares encontrados e

ainda levando-se em conta que a encontramos apenas na universidade que a publicou

originalmente (Araraquara Universidade Estadual Paulista ndash Instituto de Letras

Ciecircncias Sociais e Educaccedilatildeo 1977) eacute de se supor que a traduccedilatildeo feita por Daisi

Malhadas e Maria Helena de Moura Neves era destinada principalmente aos alunos de

grego em Araraquara Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves satildeo professoras

aposentadas da Unesp embora Moura Neves ainda esteja em plena atividade aos 88

anos de idade (no tempo que a presente seccedilatildeo foi redigida) lecionando como voluntaacuteria

no Programa de Poacutes-graduccedilatildeo da Unesp aleacutem de trabalhar na Universidade

Presbiteriana Mackenzie Maria Helena de Moura Neves foi aluna de Daisi Malhadas

Embora o livro traga uma interessante introduccedilatildeo e uacuteteis notas de rodapeacute natildeo se

encontra nele a explicitaccedilatildeo dos princiacutepios que nortearam o trabalho de traduccedilatildeo e nem

a indicaccedilatildeo de quais trechos Malhadas traduziu ou Moura Neves Aleacutem das duas

autoras o livro apresenta como colaboradores Aldo Bellagamba Colesanti Leila Curi

Rodrigues Olivi Maria Nazareth Guimaratildees Cardoso e Marisa Giannecchini Gonccedilalves

81

de Souza Tambeacutem natildeo eacute informado como cada uma dessas pessoas contribui no

trabalho

Diante desses dados parece que as autoras natildeo deram tanta ecircnfase ao aspecto

autoral da traduccedilatildeo em questatildeo e a dicccedilatildeo de cada uma delas natildeo eacute facilmente

perceptiacutevel ao longo do texto

No artigo ldquoO Espetaacuteculo na Trageacutediardquo (1993) Daisi Malhadas apresenta a

traduccedilatildeo de um trecho da uacuteltima fala de Prometeu (p56) Esse trecho eacute idecircntico agrave

mesma passagem encontrada na traduccedilatildeo de 1977 ainda que natildeo faccedila referecircncia direta agrave

obra no corpo do texto e nem nas ldquoReferecircnciasrdquo Seraacute que a passagem foi traduzida

especificamente por Malhadas em 1977 Natildeo se sabe Veja-se a seguir o trecho

mencionado

Eis que com fatos natildeo mais com palavras

a terra eacute sacudida

a voz subterracircnea do trovatildeo em torno

ruge os ziguezagues do relacircmpago

brilham em chamas um turbilhatildeo remoinha

a poeira lanccedilam-se os sopros

dos ventos todos uns contra os outros

a guerra de lufadas contraacuterias estaacute declarada

confunde-se o ceacuteu com o mar

Eis que contra mim uma rajada por vontade de Zeus

para amedrontar avanccedila sob a vista de todos

No trecho destacado percebe-se que o nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas varia para

cada verso Tal decisatildeo natildeo parece ter sido tomada visando realccedilar um determinado

efeito poeacutetico mas sim para se permitir a transmissatildeo do sentido sem a restriccedilatildeo que o

nuacutemero fixo de siacutelabas poeacuteticas poderia ocasionar Tem-se a impressatildeo de que uma

correspondecircncia numeacuterica dos termos com o original natildeo eacute procurada a todo custo e

por isso natildeo proliferam os neologismos no trecho citado Desta forma o portuguecircs natildeo

eacute por assim dizer forccedilado a se tornar mais ldquohelenizadordquo Em contrapartida percebe-se

que em certos trechos uma proximidade numeacuterica e sonora dos termos com o texto de

partida parece ser mais perseguida Natildeo nos esqueccedilamos que a traduccedilatildeo foi feita por

pelo menos duas tradutoras e tais diferenccedilas embora sejam sutis talvez sejam como

que digitais de cada uma delas No seguinte trecho por exemplo percebe-se uma

82

correspondecircncia maior com o original no que se refere ao som e ao nuacutemero das palavras

em cada verso

Quadro III Anaacutelise comparativa entre original e traduccedilatildeo

Do verso 3 ao 6 a posiccedilatildeo dos termos eacute praticamente idecircntica ao original Veja-

se por exemplo a posiccedilatildeo de Ἥθαηζηε e ldquoHefestordquo ζνὶ e ldquoa tirdquo ρξὴ κέιεηλ e

ldquocompete cumprirrdquo ἐπηζηνιὰο e ldquoordensrdquo no terceiro verso Se no primeiro verso natildeo

haacute uma correspondecircncia indecircntica na posiccedilatildeo dos termos por outro lado uma

interessante semelhanccedila sonora eacute alcanccedilada Χζνλὸο (ldquosolordquo) por exemplo eacute a primeira

palavra do primeiro verso mas sua traduccedilatildeo ldquosolordquo eacute a quarta palavra na versatildeo

brasileira Apesar disso a consonte velar ldquoqrdquo de ldquoaquirdquo (primeira palavra na traduccedilatildeo)

encontra certa ressonacircncia com a tambeacutem consoante velar ldquoΧrdquo de Χζνλὸο (primeira

palavra do original) Veja-se tambeacutem a correspondecircncia sonora entre κὲν ἐς τελουξὸλ

e ldquoestamos em solordquo

A traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado natildeo foi o uacutenico projeto no qual Daisi

Malhadas e Maria Helena de Moura Neves trabalharam juntas Pode-se destacar

tambeacutem o primeiro Dicionaacuterio de Grego Claacutessico-Portuguecircs feito por helenistas

brasileiros organizado por Malhadas Moura Neves e Maria Celeste Consolin Dezotti

(publicado pela editora Ateliecirc Editorial) Ao ser perguntada pela Folha de Satildeo Paulo se

o conhecimento do grego eacute imprescindiacutevel para estudar filosofia ou literatura Daisi

Malhadas respondeu

Perguntam-me para que estudar o grego desde que comecei a estudaacute-lo Eu

procurava justificativas como ser uma das origens da liacutengua portuguesa da

filosofia uma literatura da qual se originam gecircneros atuais Atualmente digo

que o grego natildeo eacute produto de supermercado Natildeo vou procurar uma foacutermula

para que serve O grego tem a beleza da arte eacute importante em si35

35 ldquoPara ler Platatildeo no originalrdquo Folha de Satildeo Paulo caderno MAIS ediccedilatildeo de 25 de fevereiro de 2007

1Χζνλὸο κὲλ ἐο ηεινπξὸλ ἥθνκελ πέδνλ

2Σθύζελ ἐο νἷκνλ ἄβαηνλ εἰο ἐξεκίαλ

3Ἥθαηζηε ζνὶ δὲ ρξὴ κέιεηλ ἐπηζηνιὰο

4ἅο ζνη παηὴξ ἐθεῖην ηόλδε πξὸο πέηξαηο

5ὑςεινθξήκλνηο ηὸλ ιεσξγὸλ ὀρκάζαη

6ἀδακαληίλσλ δεζκῶλ ἐλ ἀξξήθηνηο πέδαηο

1Aqui estamos em solo de longiacutenqua terra

2o paiacutes cita um deserto sem vivalma

3Hefesto a ti compete cumprir as ordens

4que teu pai ditou sobre penedos

5de alcantis agrestes este celerado prender

6em infrangiacuteveis elos de grilhotildees de accedilo

83

110 O Tradutor Anocircnimo

Em nossa busca por traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado

encontramos um livro com traduccedilotildees de trecircs trageacutedias gregas e uma comeacutedia a saber

Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo Antiacutegona de Soacutefocles Medeacuteia de Euriacutepedes e As

vespas de Aristoacutefanes O livro natildeo traz nenhuma indicaccedilatildeo de quem teria sido o tradutor

ou tradutores dessas obras gregas O Tiacutetulo do livro eacute Teatro Grego Os grandes

claacutessicos Foi publicado no Rio de Janeiro no ano de 1980 Na contracapa do livro estaacute

escrito ldquoEsta ediccedilatildeo eacute reservada ao ciacuterculo de amigos de OTTO PIERRE EDITORES

LTDArdquo

Eacute difiacutecil assegurar se a mencionada ediccedilatildeo de 1980 eacute uma copilaccedilatildeo de traduccedilotildees

brasileiras anteriormente publicadas ou natildeo Antes da traduccedilatildeo do Prometeu

Acorrentado empreendida pelo Tradutor Anocircnimo foram publicadas as traduccedilotildees de

Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves (1977) de Maacuterio da Gama Kury

(1968) de Napoleatildeo Lopes Filho (1967) de Jaime Bruna (1964) JB de Mello e Souza

(1950) de Ramiz Galvatildeo (1909) e as versotildees do Baratildeo de Paranapiacaba (1907) A

traduccedilatildeo de Dom Pedro II nunca foi publicada e por isso dificilmente poderia ser

plagiada Entre todas essas traduccedilotildees a de JB de Mello e Souza eacute a que possuiu o

maior nuacutemero de reediccedilotildees (pelo menos quatro antes de 1980) Mesmo assim a uacuteltima

fala de Prometeu foi traduzida de forma muito resumida na versatildeo de Mello e Souza

Caso a traduccedilatildeo de 1980 do Tradutor Anocircnimo fosse um plaacutegio da traduccedilatildeo de JB de

Mello e Souza provavelmente existiriam rastros do plaacutegio nessa uacuteltima fala Mas natildeo eacute

isso o que acontece como se pode averiguar a seguir

Prometeu

Com efeito natildeo foi uma ameaccedila apenas a terra potildee-se a tremerO soturno

ronco jaacute se faz ouvir Turbilhotildees de poeira se erguemtodos os furacotildees

desencadeados parece que estatildeo contra mim Contra mim eacute que Jupiter

desfecha tatildeo horrendo cataclismo Oacute minha algusta matildee oacute tu divino eacuteter que

cercais o universo de luz eternavede que injustos tormentos me fazem

sofrer (JB de Mello e Souza)

Prometeu

Agraves palavras seguiram-se os atos A Terra vacila e o trovatildeo ruge surdamente

nas suas profundidades em ziguezagues inflamados estalam os raios no ar e

o furioso ceacuteu levanta o poacute em torvelinhos Os ventos precipitam-se uns contra

os outros abriu-se entre eles a contenda e o ar e o mar confundem-se Eis a

forccedila desencadeada lanccedilada com certeza contra mim pela matildeo de Zeus para

infundir-me medo Oh Majestade de minha matildee Oacute eacuteter que fazes girar ao

84

redor do mundo a luz que nos alumia a todos contemplem as iniquidades

que tenho de padecer (O Tradutor Anocircnimo)

Mas outras trecircs traduccedilotildees vertem a mesma fala de Prometeu de forma

semelhante agrave do Tradutor Anocircnimo em alguns aspectos Uma eacute anterior e a outra eacute

posterior agrave traduccedilatildeo publicada pela OTTO PIERRE EDITORES LTDA

Oacute eacuteter que fazes girar ao redor do mundo a luz que nos alumia a todos

contemplem as iniquidades que tenho de padecer (O Tradutor Anocircnimo

1980)

[] e o Eacuteter que faz girar ao redor deste mundo a luz oferecida a todos

noacutes Vedes a iniquidade que me atinge (Maacuterio da Gama Kury 1968)

Eacuteter que fazes rodar ao redor do mundo a luz comum a todos vede o

tratamento ultrajante que me afligem (Alberto Guzik 1982)

Veja-se agora o texto original (vv1091-3)

[] ὦ πάλησλ

αἰζὴξ θνηλὸλ θάνο εἱιίζζσλ

ἐζνξᾷο κ᾽ ὡο ἔθδηθα πάζρσ36

A traduccedilatildeo literal da passagem supracitada seria algo como ldquoOacute Eacuteter que volves

a luz comum de todos Vecircs quatildeo injustamente sofrordquo37

Portanto natildeo existe a palavra

ldquomundordquo no original grego embora tal palavra possa ser subentendida a partir da

expressatildeo ldquoao redor derdquo (εἱιίζζσλ) e isso eacute feito nas trecircs traduccedilotildees brasileiras

anteriormente citadas Nos trechos supracitados pode-se notar ainda que o comeccedilo da

fala de Prometeu na traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury parece ser diferente das outras

duas

ldquoMas eis os fatos natildeo simples palavrasrdquo (Maacuterio da Gama Kury)

ldquoAgraves palavras seguiram-se os atosrdquo (O Tradutor Anocircnimo)

ldquoOs atos se seguem agraves palavrasrdquo (Alberto Guzik)

36 Passagem transcrita igualmente nas ediccedilotildees de Staley (1809) Shuumlltz (1809) Paul Mazon (1953) e

Mark Griffith (1997) 37

Traduccedilatildeo literal de Dom Pedro II com exceccedilatildeo da palavra ldquoEacuteterrdquo vertida por ldquoarrdquo pelo Imperador

85

O texto original correspondente a esse trecho eacute o seguinte (v 1080)

θαὶ κὴλ ἔξγῳ θνὐθέηη κύζῳ A traduccedilatildeo literal desse verso seria algo como ldquoE de fato

e natildeo mais por palavrardquo38

Portanto natildeo haacute o verbo ldquoseguirrdquo no original grego

Seria difiacutecil o Tradutor Anocircnimo plagiar em 1980 uma traduccedilatildeo que ainda natildeo

havia sido publicada ou seja a de Alberto Guzik de 1982 (a natildeo ser que os dois autores

fossem conhecidos e tivessem acesso muacutetuo aos originais ainda natildeo publicados o que

parece ser improvaacutevel ou ainda que se tratasse do mesmo autor isto eacute o proacuteprio

Alberto Guzik algo que nos parece inverossiacutemil) Por outro lado natildeo acreditamos que

Guzik tenha plagiado a traduccedilatildeo do Tradutor Anocircnimo A traduccedilatildeo deste natildeo foi

publicada em larga escala mas reservada a um ldquociacuterculo de amigos de OTTO PIERRE

EDITORES LTDArdquo natildeo era um livro que circulava em profusatildeo Por isso supomos

que elas tenham uma influecircncia comum aleacutem do texto original grego talvez uma

traduccedilatildeo estrangeira do Prometeu Acorrentado

Conta-se que em meio ao panteatildeo grego os atenienses contruiacuteram um altar com

a seguinte inscriccedilatildeo ldquoAo deus desconhecidordquo (agnoacutestoi theocirci) No caso presente o

exemplo ateniense nos inspira a natildeo privar o Tradutor Desconhecido de um lugar no rol

das versotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado em nosso trabalho

111 Alberto Guzik

Segundo a Enciclopeacutedia Itauacute Cultural Alberto Guzik (1944 - 2010) foi um autor

e ator de peccedilas teatrais Envolveu-se com a atividade teatral desde os 5 anos

quando ingressou no Teatro Escola Satildeo Paulo grupo orientado por Tatiana Belinky e

Juacutelio Gouvecirca participando do elenco de Peter Pan em 1949 Formou-se em direito pela

Mackenzie mas nunca exerceu a profissatildeo Tambeacutem cursou a Escola de Arte

Dramaacutetica (EAD) que concluiu em 1966 Alberto Guzik foi criacutetico de teatro da Isto Eacute

de 1978 a 1981 Desde 1984 coolaborou com o Caderno 2 de O Estado de S Paulo

Mestre em teatro pela Escola de Comunicaccedilotildees e Artes da Universidade de Satildeo Paulo

ECAUSP defendeu em 1982 a dissertaccedilatildeo TBC Crocircnica de Um Sonho Em 1995

Alberto publica o romance Um Risco de Vida indicado ao Precircmio Jabuti Como

dramaturgo estreacuteia com a peccedila Um Deus Cruel em 1997

Alberto Guzik fez parte de uma equipe de tradutores sob a direccedilatildeo de J

Guinsburg na qual contribuiu com a traduccedilatildeo dos livros A trageacutedia Grega de Albin

38

Traduccedilatildeo de Dom Pedro II

86

Lesky (1971) Fim do povo judeu de Georges Friedmann (1969) e Rei de Carne e

Osso de Moscheacute Schamir (1971)

Natildeo existem referecircncias claras se Alberto traduziu o Prometeu Acorrentado a

partir do original grego e tambeacutem em nenhuma das biografias encontradas foi

mencionado que ele estudara essa liacutengua Enviamos uma mensagem para seu blog

visando encontrar alguma pista a esse respeito Aimar Labaki depois de consultar a

dramaturga Maria Adelaide do Amaral respondeu-nos que provavelmente Alberto

fizera sua traduccedilatildeo do inglecircs ou do francecircs Isso daria forccedila agrave hipoacutetese apresentada na

seccedilatildeo anterior de que O Tradutor Desconhecido e Alberto Guzik teriam consultado a

mesma traduccedilatildeo estrangeira do Prometeu para fazerem suas respectivas traduccedilotildees em

portuguecircs

Existem vaacuterias indicaccedilotildees de cena ao longo de sua traduccedilatildeo o que nos faz

pensar que Guzik vislumbrava a possibilidade de sua traduccedilatildeo ser encenada Sua prosa eacute

fluente conseguindo expressar bem a tenacidade de Prometeu ldquoFaccedilas o que fizeres natildeo

conseguiraacutes fazer perecer o deus que eu sourdquo Outras vezes vale-se da ambiguidade dos

termos para potencializar a dramaticidade ldquoEle deus desejou unir a esta mortal e fez

dela a vagabunda que podes verrdquo

Guzik tambeacutem faz um uso bastante peculiar das interjeiccedilotildees

Io

Aaah As convulccedilotildees voltam a se apoderar de mim e o deliacuterio que transporta

minha alma queima e inflama

[]

Hermes

Pareces natildeo querer dizer nada do que deseja meu pai

Prometeu

Ooh Mas claro Vista minha diacutevida para com ele eu deveria lhe pagar com

meu reconhecimento natildeo eacute mesmo

Sendo um homem do teatro Guzik se dispocircs a traduzir uma obra daquele que

fora considerado o ldquopai da trageacutediardquo Talvez ao traduzi-la esse importante dramaturgo

brasileiro refletiu mais atentamente sobre a origem do gecircnero de arte a que tanto se

dedicou o drama

87

112 Jaa Torrano

Em marccedilo de 1971 Joseacute Antonio Alves Torrano (Jaa Torrano) chegara a Satildeo

Paulo para iniciar seus estudos de Liacutengua e Literatura Grega na Universidade de Satildeo

Paulo

Eu estava desempregado e incerto a respeito de que fazer e de como me

manter sozinho longe de minha famiacutelia na imensa erma e solitaacuteria cidade de

Satildeo Paulo [] Quando ainda morava em Catanduva fiz uma esforccedilada e

malsucedida tentativa de estudar grego claacutessico sozinho com os livros

tomados agraves bibliotecas do coleacutegio e da prefeitura (TORRANO 2006 p4)

O ProfAntonio da Silveira Mendonccedila professor de latim aposentado da USP

guarda algumas lembranccedilas daquele jovem aluno da USP

Como a maioria de noacutes Torrano chegou agrave USP de bolsos vazios Teve que

trabalhar enquanto estudava Se eu natildeo me engano ele trabalhou em uma

reparticcedilatildeo do Estado Mesmo assim ele natildeo se descurava dos estudos Era

extremamente esforccedilado Tambeacutem me lembro que o Torrano tinha um

profundo respeito e admiraccedilatildeo pelo seu professor de Grego O nome desse

professor era Cavalcante

Sobre o professor Cavalcante Jaa Torrano escreve em seu Memorial

No segundo semestre de 1971 convidado por uma colega mais experiente

fui assistir como ouvinte as aulas do curso sobre os filoacutesofos preacute-socraacuteticos

ministrado pelo Prof Dr Joseacute Cavalcante de Souza no Dept de Filosofia A

colega mais experiente me disse ldquoObserva como os olhos dele brilham

quando ele explica as palavras dos versos ou dos fragmentosrdquo Era verdade

Tambeacutem fiquei encantado com as aulas do Prof Cavalcante decorei os

versos de Parmecircnides e os fragmentos de Heraacuteclito recitava-os repetidas

vezes em silecircncio ou em voz alta lia e refletia sobre os enigmas da liacutengua e

do pensamento gregos assinalados pelo professor e desafiados em suas aulas

A meu ver na figura algo socraacutetica do Prof Cavalcante tanto durante suas

aulas quanto fora delas brilhava a magnificecircncia do simples (TORRANO

2006 p5)

A concepccedilatildeo que o Prof Cavalcante tinha sobre traduccedilatildeo teve um grande

impacto sobre a poeacutetica tradutoacuteria de seu aluno

A traduccedilatildeo para o professor Cavalcante estava a serviccedilo da hermenecircutica de

documentos literaacuterios e portanto o acircmbito da traduccedilatildeo eacute o da

interdisciplinaridade entre Histoacuteria Filosofia e Poesia (TORRANO apud

MALTA 2015 p186)

Para Torrano essa busca hermenecircutica de um entendimento mais acurado do

texto antigo por meio da traduccedilatildeo encontrou um eco expressivo nos famosos

ldquoparaacutegrafos metodoloacutegicosrdquo de Tuciacutedides (Histoacuteria da Guerra do Peloponeso 120-22)

Nesses paraacutegrafos o famoso historiador grego utiliza a palavra ldquoacribiardquo (rigor

88

exatidatildeo) afirmando que em seu trabalho a busca pela exatidatildeo no relato dos fatos

prevaleceria sobre o agrado que pudesse despertar em seus leitores Da mesma forma

parece que a preocupaccedilatildeo maior no trabalho tradutoacuterio de Torrano eacute a busca pela

exatidatildeo dos termos originais Isso eacute peceptiacutevel por exemplo no proacuteprio tiacutetulo de sua

traduccedilatildeo de 2009 Prometeu Cadeeiro como ele mesmo explica

O nome ldquodesmoacutetesrdquo eacute formado do mesmo tema de desmaacute e do sufixo de

nome de agente -tes Com esses elementos o sentido originaacuterio desse nome

eacute ldquoo encadeadorrdquo e aponta a competecircncia teacutecnica que faz de Prometeu um

Deus congecircnere (syggeneacutes cf Pr 14 e 39) de Hefesto a saber a arte

metaluacutergica com que se fabricam cadeias e todos os meios de encadear e de

prender Desmoacutetes portanto significa ldquoo senhor das cadeiasrdquo [] Ao dar

tiacutetulo a esta trageacutedia cujo tema central eacute a privaccedilatildeo de poderes e a

passividade em que se vecirc encadeado e imobilizado o Titatilde ao ser excluiacutedo de

toda participaccedilatildeo em Zeus o nome Desmoacutetes sofre uma mutaccedilatildeo de sentido

e adquire o sentido passivo que figura nos tiacutetulos das traduccedilotildees tradicionais

ldquoPrometeu encadeadordquo ou ldquoacorrentadordquo ou ldquoagrilhoadordquo etc Para indicar

essa mutaccedilatildeo e ambiguidade do tiacutetulo eacute necessaacuterio um nome de fabricante de

cadeias que tenha essa duplicidade de sentido ativo e passivo Em dois textos

diversos numa paacutegina de Memoacuterias do Caacutercere de Graciliano Ramos e no

verbete do Grande e Noviacutessimo Dicionaacuterio de Liacutengua Portuguesa de

Laudelino Freire pode-se verificar que a palavra ldquocadeeirordquo tem essa

duplicidade de sentido (TORRANO 2009 pp 327-8)

Essa busca por exatidatildeo (ldquoacribiardquo) natildeo tem sido um caminho faacutecil para Torrano

como ele mesmo afirma em entrevista dada a Andreacute Malta

[] mas este ideal estiliacutestico de precisatildeo concisatildeo e simplicidade ainda me

parece ora uma perene aspiraccedilatildeo ora a miragem de uma perene aspiraccedilatildeo

Sob esse aspecto o pior foi a traduccedilatildeo de Prometeu Prisioneiro publicada

em 1985 pelo seguinte motivo aleacutem de todas as exigecircncias impostas pelos

ideais estiliacutesticos de precisatildeo clareza e acribia poeacutetica havia uma

inacreditaacutevel exigecircncia extraordinaacuteria de manter no ponto de chegada

vernaacuteculo ndash tanto quanto possiacutevel ndash a mesma ordem das palavras que do

ponto de partida helecircnico Natildeo atribuo esse disparate ao meu professor mas a

uma brincadeira de Hermes com a minha admiraccedilatildeo amizade e estima por

meu professor quando percebi a piscada de Hermes refiz a traduccedilatildeo a que

dei o novo tiacutetulo Prometeu Cadeeiro (MALTA 2015 p187)

Veja-se a seguir algumas comparaccedilotildees entre as duas traduccedilotildees

ὦ δῖνο αἰζὴξ καὶ ηαρύπηεξνη πλναί

πνηακῶλ τε πεγαί πνληίσλ τε θπκάησλ

ἀλήξηζκνλ γέιαζκα πακκῆηόξ τε γῆ

θαὶ ηὸλ παλόπηελ θύθινλ ἡιίνπ θαιῶ

ἴδεζζέ κ᾽ νἷα πξὸο ζεῶλ πάζρσ ζεόο (vv89-92 grifo nosso)

89

Oacute divino Aitheacuter velozes alados ventos

fontes de rios das marinas ondas

inuacutemero riso omnimatildee Terra

e o omnividente ciacuterculo do Sol invoco

Vede-me o que dos Deuses padeccedilo Deus

(Prometeu Prisioneiro 1985)

Oacute divino Fulgor e velozes alados ventos

e fontes de rios e inuacutemero brilho

de ondas marinhas e Terra matildee de todos

e invoco o onividente ciacuterculo do sol

Vede-me que dos Deuses padeccedilo Deus

(Prometeu Cadeeiro 2009 grifo nosso)

Na traduccedilatildeo de 2009 nota-se que Torrano procura reproduzir a sequecircncia de

conjuccedilotildees presentes no original grego (θαὶηεηεηε) Ele natildeo fizera isso em sua

traduccedilatildeo de 1985 Esse recurso daacute um tom mais declamatoacuterio e meloacutedico agrave traduccedilatildeo de

2009 como se ela tivesse sido pensada natildeo soacute para ser lida em silecircncio Como visto

Torrano contara que em seu tempo de estudante decorava versos de Parmecircnides e

fragmentos de Heraacuteclito os quais recitava ldquorepetidas vezes em silecircncio ou em voz altardquo

Diante disso natildeo nos parece improvaacutevel que Torrano faccedila o mesmo com suas

traduccedilotildees Embora a versatildeo de 2009 natildeo possua um nuacutemero fixo de siacutelabas poeacuteticas

para todos os versos eacute possiacutevel perceber certo cuidado por parte de Torrano em relaccedilatildeo

agrave sonoridade de seu texto E de fato para M Said Ali

Ritmo eacute o que nos impressiona quer a vista quer o ouvido pela sua repeticcedilatildeo

frequente com intervalos regulares Condiccedilatildeo essencial deste conceito eacute que

os nossos sentidos possam perceber com facilidade a reiteraccedilatildeo [] Os olhos

notam ritmo no andamento do pecircndulo na marcha de um batalhatildeo e natildeo o

percebem na carreira veloz nem no rastejar [] Produzem no ouvido a

sensaccedilatildeo do ritmo reiteraccedilotildees superiores a 30 por minuto e inferiores a 140

(ALI 2006 p29-30)

Embora o perfil de tradutor de Torrano natildeo nos permita imaginar que ele fique

tamborilando na mesa contanto siacutelabas poeacuteticas enquanto escreve suas traduccedilotildees jaacute

tivemos por outro lado a ventura de ouvi-lo lendo alguns trechos de suas traduccedilotildees das

trageacutedias de Euriacutepides A impressatildeo que tivemos eacute que haacute certa regularidade no ritmo de

seus versos durante a leitura Veja-se por exemplo como os hendecassiacutelabos

prevalecem em sua dicccedilatildeo no trecho a seguir

90

1Oacute divino Fulgor e velozes alados ventos (14 siacutelabas poeacuteticas)

2e fontes de rios e inuacutemero brilho (Hendecassiacutelabo)

3de ondas marinhas e Terra matildee de todos (Hendecassiacutelabo)

4e invoco o onividente ciacuterculo do Sol (Dodecassiacutelabo)

5Vede-me que dos Deuses padeccedilo Deus (Hendecassiacutelabo)

(Prometeu Cadeeiro 2009)

Percebe-se um nuacutemero maior de neologismos em Prometeu Prisioneiro (1985)

em comparaccedilatildeo com Prometeu Cadeeiro (2009) ldquorectivolenterdquo ldquomarimuacutermeresrdquo

ldquoaltiacutengremesrdquo ldquoomnimatildeerdquo ldquolargiacutefluosrdquo Mas existem elementos no trabalho de

Torrano que natildeo mudam com o passar dos anos Satildeo como marcas que em conjunto

possibilitam distinguir suas traduccedilotildees das outras mesmo que natildeo estivessem assinadas

Uma delas eacute o fato de que Torrano natildeo traduz ndash talvez movido pelo seu princiacutepio de

ldquoacribiardquo ndash nenhuma das interjeiccedilotildees gregas

A liacutengua grega possui uma grande variedade de interjeiccedilotildees quase sempre

traduzidas simplesmente por ldquoAirdquo Torrano por sua vez apenas lhes translitera Sobre

esse ponto ele escreveu em nota para sua traduccedilatildeo da Medeia de Euriacutepides (1991)

Gritos de dor de alegria ou de espanto natildeo se traduzem Mantivemos as

interjeiccedilotildees tatildeo peculiares agrave trageacutedia tais e quais apenas transliterando-as

por supormos que o sentido geral do contexto e da situaccedilatildeo baste para

libertar-hes toda a carga emotiva e valor afetivo (TORRANO 1991 p25)

Outra caracteriacutestica notaacutevel e sempre utilizada por Torrano em suas traduccedilotildees

de trageacutedia grega eacute escrever as palavras ldquodeusrdquo e ldquodeusesrdquo ldquodeusardquo e ldquodeusasrdquo com a

inicial em letra maiuacutescula Dentre todas as versotildees brasileiras do Prometeu

Acorrentado somente o Baratildeo de Paranapiacaba e Torrano fazem isso Se olharmos

aleacutem das traduccedilotildees do Prometeu Haroldo de Campos tambeacutem empregou tal recurso em

sua traduccedilatildeo da Iliacuteada Veja-se a seguir

A ira Deusa celebra do peleio Aquiles

o irado desvario que aos Aqueus tantas penas

trouxe e incontaacuteveis almas arrojou no Hades

de valentes de heroacuteis espoacutelio para os catildees

pasto de aves rapaces fez-se a lei de Zeus

desde que por primeiro a discoacuterdia apartou

o Atreide chefe de homens e o divino Aquiles

Que Deus posto entre ambos provocou a rixa

91

Por outro lado veja-se a proposta de Carlos Alberto Nunes para a mesma

passagem

Canta-me a coacutelera ndash oacute deusa ndash funesta do Aquileu Pelida

causa que foi de os aquivos sofrerem trabalhos sem conta

e de baixarem para o Hades as almas de heroacuteis numerosos

e esclarecidos ficando eles proacuteprios aos catildees atirados

e como pasto das aves Cumpriu-se de Zeus o desiacutegno

desde o princiacutepio em que os dois em discoacuterdia ficaram cindidos

o de Atreu filho senhor de guerreiros e Aquileu divino

Qual dentre os deuses eternos foi a causa de que eles brigassem

Por fim aquele jovem que chegou de bolsos vazios na USP atualmente

completou mais de 40 anos como professor de Liacutengua e Literatura Grega na mesma

universidade onde se formou aleacutem de ser um dos mais proliacuteferos tradutores brasileiros

Ele ldquocriou uma forma muito particular de transposiccedilatildeo segundo a qual verter eacute fonte e

fim da atividade de interpretaccedilatildeordquo (MALTA 2015 p185)

113 Trajano Vieira

Segundo a Professora de Liacutengua e Literatura Grega da USP Adriane da Silva

Duarte (2016 p52)

Trajano Vieira tambeacutem fez seus estudos na USP e hoje eacute professor no IEL

[Intituto de Estudos da Linguagem] Unicamp Sua atividade acadecircmica eacute

indissociaacutevel de seu projeto tradutoacuterio Colaborador de Haroldo de Campos

na transcriaccedilatildeo da Iliacuteada de cuja poeacutetica se aproxima verteu a Odisseia (SP

Editora 34 2011) obra que fez juz ao precircmio Jabuti de traduccedilatildeo em 2012

Tem se dedicado agrave traduccedilatildeo do teatro grego sempre procurando soluccedilotildees

poeacuteticas variadas

Devemos reconhecer que o livro Trecircs Trageacutedias Gregas (1997) organizado por

Trajano Vieira (no qual estaacute o ensaio ldquoO Prometeu dos barotildeesrdquo de Haroldo de Campos)

e o texto apresentado por Adriane da Silva Duarte na XVI Jornada de Estudos da

Antiguidade ldquoEm Bom Portuguecircs a traduccedilatildeo dos claacutessicos greco-latinos no Brasilrdquo

(CEIA UFF publicado em 2016) foram os principais catalizadores da presente

pesquisa

Duarte (2016) faz um apanhado geral dos nomes significativos para a histoacuteria da

traduccedilatildeo dos claacutessicos greco-latinos no Brasil Entre essas figuras eacute mencionado o nome

de Dom Pedro II O texto tambeacutem informa que o Imperador solicitara aos barotildees a

92

realizaccedilatildeo de versotildees poeacuteticas a partir de sua traduccedilatildeo em prosa Na eacutepoca em que

lemos o texto em 2016 jaacute conheciacuteamos o papel de Dom Pedro II como patrocinador

das letras e das artes no Segundo Impeacuterio mas natildeo sabiacuteamos que ele proacuteprio se

dedicava agrave praacutetica tradutoacuteria e que tinha traduzido o Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo

Por meio da bibliografia encontrada no texto de Duarte chegamos ao livro Trecircs

Trageacutedias Gregas na esperanccedila de encontrarmos a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II

na iacutentegra Embora natildeo haja nenhuma transcriccedilatildeo ou anaacutelise da traduccedilatildeo em prosa de

Dom Pedro II nessas duas produccedilotildees acadecircmicas seriacuteamos injustos se natildeo

mencionaacutessemos a importacircncia que tiveram o texto de Adriane da Silva Duarte e o livro

organizado por Trajano Vieira despertando-nos o interesse para esse tema Olhando

para traacutes percebemos que sem essas duas produccedilotildees provavelmente a presente

dissertaccedilatildeo natildeo existiria

Em entrevista dada a Pedro Paulo Funari (Programa Diaacutelogo sem Fronteira

2012) Trajano Vieira afirma que a ldquotraduccedilatildeo criativa natildeo se coloca diante do original

de maneira submissa [] O tradutor aceita o desafio de dialogar com o originalrdquo Eacute

interessante essa afirmaccedilatildeo de Vieira A traduccedilatildeo criativa natildeo eacute um monoacutelogo no qual

apenas o autor originial se revela Isso fica evidente no seguinte trecho de sua

ldquotranscriaccedilatildeordquo da trageacutedia Prometeu Acorrentado

Prometeu

Adora adula invoca sempre o rei

Natildeo vale para mim nenhum vinteacutem

Que ele vigore em seu fugaz impeacuterio

No Olimpo seu poder seraacute efecircmero

Jaacute posso ver o leva-e-traz de Zeus

moleque-de-recado do tirano

Creio que traz consigo alguma nova

Embora expressem bem o desprezo que Prometeu estava sentindo por Hermes

no momento da fala as palavras em negrito (ldquovinteacutemrdquo ldquoleva-e-trazrdquo e ldquomoleque-de-

recadordquo) satildeo pouco convencionais em traduccedilotildees dos claacutessicos gregos Trajano em seu

diaacutelogo com o texto original alude a expressotildees proverbiais famosas em portuguecircs

como nesses versos de sua traduccedilatildeo do Aacutejax ldquo Quem te viu infeliz e quem te vecirc

digno de pranto ateacute dos inimigosrdquo ou nesta fala de Menelau ldquoBato na mesma tecla natildeo

o enterresrdquo A voz moderna de Trajano aqui eacute expliacutecita pois evidentemente entre os

gregos antigos natildeo existiam calculadoras maacutequinas de escrever ou piano para se bater

93

ldquona mesma teclardquo Ainda no trecho supracitado do Prometeu eacute possiacutevel notar as

seguintes aliteraccedilotildees e assonacircncias

Adora adula invoca sempre o rei

Natildeo vale para mim nenhum vinteacutem

Nota-se tambeacutem a intencionalidade poeacutetica do tradutor por meio da regularidade

do nuacutemero das siacutelabas poeacuteticas

Adora adula invoca sempre o rei (Decassiacutelabo)

Natildeo vale para mim nenhum vinteacutem (Decassiacutelabo)

Que ele vigore em seu fugaz impeacuterio (Decassiacutelabo)

No Olimpo seu poder seraacute efecircmero (Decassiacutelabo)

Jaacute posso ver o leva-e-traz de Zeus (Decassiacutelabo)

Moleque-de-recado do tirano (Decassiacutelabo)

Creio que traz consigo alguma nova (Decassiacutelabo)

Veja-se outra passagem interessante de sua traduccedilatildeo

Me cansas Natildeo sou onda para entrar

no teu embalo Deixo tudo claro

Zeus natildeo me atemoriza como agrave fecircmea

Natildeo peccedilo que me livre das algemas

como a mulher que estende palmas suacuteplices

Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter

Na traduccedilatildeo literal de Dom Pedro II encontra-se a mesma passagem vertida da

seguinte forma

Debalde me importunas como uma onda convencendo-me Nunca te entre

na cabeccedila que eu aterrado pelo designio de Juacutepiter me tornarei mulheril e

suplicarei com elevaccedilotildees femininas de matildeos ao grandemente odiado que me

solte destas cadeias estou inteiramente longe disto

Cotejando-se a soluccedilatildeo de Trajano Vieira com a versatildeo do Imperador a

proposta ldquotranscriadorardquo de Vieira se torna ainda mais evidente ldquoMe cansas Natildeo sou

onda para entrar no teu embalordquo

Em sentido lato os tradutores brasileiros tecircm optado por escolher ou os nomes

gregos das divindades ou os da tradiccedilatildeo latina Vieira por seu turno opta por utilizar as

duas tradiccedilotildees na passagem citada visando alcanccedilar uma criativa rima soante (rima de

vogais)

Me cansas Natildeo sou onda para entrar

no teu embalo Deixo tudo claro

Zeus natildeo me atemoriza como agrave fecircmea

94

Natildeo peccedilo que me livre das algemas

como a mulher que estende palmas suacuteplices

Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter

Nota-se ainda a confluecircncia de sons encontrada entre as palavras ldquosuacuteplicesrdquo e

ldquoexpliacutecitordquo

como a mulher que estende palmas suacuteplices

Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter

E a rima soante e interna encontrada no segundo verso da passagem citada

Me cansas Natildeo sou onda para entrar

no teu embalo Deixo tudo claro

A sequecircncia de trecircs proparoxiacutetonas intercaladas por duas palavras entre elas

cria um efeito interessante como se Prometeu estivesse ldquocuspindordquo as palavras cheio de

oacutedio

como a mulher que estende palmas suacuteplices

Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter

Vale a pena ainda citar a uacuteltima fala de Prometeu Trajano Veira visando

expressar adequadamente a carga emotiva do Titatilde diante da portentosa fuacuteria de Zeus

opta por um metro mais curto (octossiacutelabo) fazendo com que a fala do titatilde se torne

ainda mais acelerada

Cala a palavra Fala o ato

a terra toda treme rouco

o ronco do trovatildeo ecoa

relacircmpagos acendem tranccedilas

de fogo o remoinho roda

a poeira rajadas irrompem

e encenam uma guerra aeacuteria

Ceacuteu no mar confusatildeo extrema

Eacute Zeus o autor dessa intempeacuterie

Quer abater-me de pavor

Matildee veneraacutevel Eacuteter luz

Moldura moacutevel do universo

Contempla minha pena injusta

Para finalizar a presente seccedilatildeo cita-se a seguir mais um trecho da entrevista jaacute

mencionada de Trajano Vieira

95

De uma forma geral acho que a gente como tradutor deve assumir riscos

Mesmo que o resultado natildeo seja o mais adequado no final Mas o gesto

corajoso me parece ser mais interessante do que uma atitude submissa Eacute pelo

menos assim que eu penso [] Para mim a traduccedilatildeo estaacute ligada agrave satisfaccedilatildeo

Eu jamais conseguiria traduzir um texto sob encomenda ateacute gostaria mas eu

natildeo consigo Soacute consigo traduzir textos que despertem num certo momento

de leitura a minha atenccedilatildeo para algo e a partir dali eu comeccedilo a traduzir

Conclusatildeo

Mauri Furlan afirma que a traduccedilatildeo eacute ldquohistoacuterica e reflete uma concepccedilatildeo

histoacuterica da linguagem e portanto mutaacutevel atraveacutes dos temposrdquo (2015 p247) O

exemplo das versotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado parece confirmar tal

afirmaccedilatildeo Natildeo haacute versotildees idecircnticas nem mesmo entre duas traduccedilotildees empreendidas

pelo mesmo autor como nos casos de Paranapiacaba e Jaa Torrano Tambeacutem os

exemplos citados parecem indicar que devemos ter cuidado em ver as versotildees poeacuteticas

do Baratildeo de Paranapiacaba unicamente como a ldquo traduccedilatildeo de Dom Pedro II em versosrdquo

A leitura da trageacutedia diverge em pontos importantes como por exemplo a questatildeo da

cumplicidade entre Oceano e Prometeu Nas versotildees de Paranapiacaba Oceano eacute

cuacutemplice de Prometeu apenas no sentido de se condoer com a situaccedilatildeo do Titatilde

encadeado mas nas traduccedilotildees de Dom Pedro II e Ramiz Galvatildeo a leitura parece sugerir

que Oceano participara de alguma forma dos planos de Prometeu para socorrer a

humanidade mas saiu ileso Portanto se as versotildees de Paranapiacaba fossem apenas

adaptaccedilotildees da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II elas dificilmente difeririam na

leitura dessa passagem Uma anaacutelise mais detalhada da traduccedilatildeo Imperial e das versotildees

poeacuteticas de Paranapiacaba como a empreendida no proacuteximo capiacutetulo parece tambeacutem

fortalecer essa tese

A traduccedilatildeo de J B de Mello e Souza eacute a que possui o maior nuacutemero de ediccedilotildees

nove no total se contarmos tambeacutem a ediccedilatildeo original (1950 1964 1966 19691970

1998 2001 2002 2005) Ela retoma a tradiccedilatildeo comeccedilada pelos barotildees e Dom Pedro II

depois de quatro deacutecadas sem que o Prometeu fosse novamente traduzido

Contando com as reediccedilotildees as deacutecadas de 60 e a de 90 do seacuteculo passado foram

as que nos deram o maior nuacutemero de publicaccedilotildees do Prometeu Acorrentado sete para

96

cada uma delas39

Coincidecircncia ou natildeo foi justamente na deacutecada de 60 que ocorreu o

golpe militar no Brasil iniciando um periacuteodo de ditadura que soacute terminaria no final da

deacutecada de 80 Isso parece indicar certa tendecircncia pela qual a famosa trageacutedia de Eacutesquilo

foi lida e interpretada40

Dom Pedro II manifestou o desejo de traduzir o Prometeu Acorrentado enquanto

estava envolvido na longa e cruenta Guerra do Paraguai Talvez o choque entre uma

monarquia constitucional e uma ditadura em efetiva expansatildeo tenha suscitado no

Imperador o interesse por essa trageacutedia grega Como se sabe Dom Pedro II era um

inegaacutevel incentivador das letras e das artes e natildeo seria difiacutecil para ele se identificar com

Prometeu que afirma em uma passagem da trageacutedia ldquoEm poucas palavras aprende tudo

de uma vez todas as artes proviram aos mortais de Prometeurdquo (traduccedilatildeo de Dom Pedro

II) No entanto a leitura proposta por Jaa Torrano nos chama atenccedilatildeo para a

possibilidade de que Eacutesquilo natildeo pretendesse encenar uma espeacutecie de manifesto contra a

tirania mas instigar uma interessante e complexa reflexatildeo sobre a soberania de Zeus

39

Deacutecada de 60 J B de Mello e Souza (1964 1966 1969) Jaime Bruna (1964 1968) Napoleatildeo Lopes

Filho (1967) e Maacuterio da Gama Kury (1968) Deacutecada de 90 Maacuterio da Gama Kury (1993 1998 1999)

Trajano Vieira (1997) Jaime Bruna (1996) JB de Mello e Souza (1998) e Ramiz Galvatildeo (1997)

40 Segundo Daisi Malhadas (1988 p105) ldquoCom uma certa regularidade particularmente a partir da

deacutecada de sessenta tem havido no Brasil montagens de peccedilas gregas do seacuteculo V aCrdquo Entre as

encenaccedilotildees modernas ocorridas no periacuteodo pode-se destacar Eacutedipo Rei em 1967 dirigida por Flaacutevio

Rangel com Paulo Autran no papel de Eacutedipo Electra em 1965 direccedilatildeo de Antocircnio Abujanra Prometeu

Acorrentado em 1969 direccedilatildeo de Emiacutelio Di Biasi Em 1975 ldquotivemos uma das mais expressivas criaccedilotildees

inspirada na trageacutedia Medeia de Euriacutepides A Gota d‟aacutegua do dramaturgo e diretor de teatro Paulo Pontes

e de Francisco Buarque de Holanda famoso compositor de muacutesica popular brasileira tratado mais

comumente pelo cognome de Chico Buarquerdquo(ibidem p109) No ano de 1979 houve mais uma

encenaccedilatildeo do Prometeu Acorrentado desta vez sob a direccedilatildeo de Ivan Albuquerque

97

CAPIacuteTULO 2 ndash Anaacutelise da traduccedilatildeo de Dom Pedro II e de suas versotildees

poeacuteticas

No artigo ldquoEm busca da tradiccedilatildeo perdidardquo Paula da Cunha Correcirca professora de

Liacutengua e Literatura Grega da Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da

USP coteja trechos de trecircs traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo

Os autores das traduccedilotildees analisadas por Correcirca satildeo Ramiz Galvatildeo Joatildeo Cardoso de

Menezes e Trajano Vieira Dentre as duas versotildees de Paranapiacaba Paula da Cunha

Correcirca analisa a versatildeo na qual predominam os decassiacutelabos soltos No presente

capiacutetulo a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e a versatildeo poeacutetica na qual o Baratildeo de

Paranapiacaba emprega as rimas seratildeo observadas em confronto com a versatildeo em que

predominam os decassiacutelabos soltos evocando-se muitas vezes as consideraccedilotildees feitas

por Correcirca em seu artigo A proposta nos parece vantajosa pelos seguintes motivos

1) Correcirca faz uma anaacutelise cuidadosa baseando-se em estudos filoloacutegicos de

autores como Chantraine (1954) Griffith (1983) e ML West (1990)41

Prudentemente a professora e pesquisadora uspiana comenta

Fazer criacutetica de traduccedilatildeo eacute tarefa ingrata na qual eacute possiacutevel cometer as mais

graves injusticcedilas Pois se o bom tradutor estaacute sempre sacrificando uma

passagem ou um aspecto do texto para compensaacute-lo de outra forma ou em

outro lugar a lente do criacutetico pode incidir justamente sobre seus versos

menos felizes ou ao contraacuterio apenas pinccedilar os melhores para favorececirc-lo

(CORREcircA 1999 p175)

2) Como Correcirca natildeo tinha DPedro II em mente valendo-se de seus

comentaacuterios acerca das soluccedilotildees oferecidas pelas traduccedilotildees de Trajano

Vieira Ramiz Galvatildeo e Joatildeo Cardozo de Menezes pode-se alcanccedilar um

escopo maior com a inclusatildeo da versatildeo de D Pedro II e da outra versatildeo do

Baratildeo de Paranapicaba

Na anaacutelise proposta seguir-se-aacute a ordem encontrada no artigo de Correcirca quanto

agraves citaccedilotildees dos textos gregos e dos seus posicionamentos frente agraves traduccedilotildees analisadas

Levando-se em conta que as versotildees do Baratildeo de Paranapiacaba e a de Ramiz Galvatildeo

41 Aleacutem da contribuiccedilatildeo dada por Chantraine em seu artigo ldquoA propos de ladverbe ionien ιmicroίσο ιέσοrdquo

cita-se a contribuiccedilatildeo de ML West em Studies in Aeschylus Stuttgart 1990

98

foram incentivadas por Dom Pedro II dar-se-aacute ecircnfase a elas nas citaccedilotildees as quais seratildeo

seguidas pelos comentaacuterios de Correcirca e pelos trechos correspondentes da traduccedilatildeo em

prosa de DPedro II e da outra versatildeo poeacutetica de Paranapiacaba

21 Primeira rodada de leitura

Principiemos a anaacutelise proposta pela primeira passagem do Prometeu

Acorrentado citado no artigo Em busca da tradiccedilatildeo perdida de Paula da Cunha Correcirca

Ἥθαηζηε ζνὶ δὲ ρξὴ κέιεηλ ἐπηζηνιὰο

ἅο ζνη παηὴξ ἐθεῖην ηόλδε πξὸο πέηξαηο

ὑςεινθξήκλνηο ηὸλ ιεσξγὸλ ὀρκάζαη

ἀδακαληίλσλ δεζκῶλ ἐλ ἀξξήθηνηο πέδαηο (vv3-6)

O filoacutelogo brasileiro Ramiz Galvatildeo lecirc a passagem da seguinte forma

Das ordens de teu pai Hefesto cuida

e o criminoso prende agraves escarpadas

rochas co‟algemas de accedilo que natildeo quebrem

O Baratildeo de Paranapiacaba por sua vez traduz os mesmos versos nestes termos

Tempo eacute de dar execuccedilatildeo agraves ordens

Que o Pai te impocircs Vulcano Neste abrupto

Alcantil prende em rede inquebrantaacutevel

De adamantinos viacutenculos formada

Este amotinador do povo []

Eis o comentaacuterio de Correcirca para as versotildees apresentadas

Na primeira caracterizaccedilatildeo de Prometeu o Poder o chama de criminoso (v5

leotildergoacutes) Eacute impressionante que o Baratildeo de Ramiz no final do seacuteculo

passado tenha chegado agrave mesma soluccedilatildeo que Chantraine em 1954 obteve

apoacutes estudar esse termo importante e tatildeo difiacutecil Segundo Chantraine leotildergoacutes

eacute derivado de leicircos que significa liso o que foi aplanado reduzido a poacute e

portanto destruiacutedo Hesiacutequio (III 3196) glosa leotildergoacutes por malfeitor

espertalhatildeo e homicida e segundo Poacutelux (III134) nas Memorabilia (I39)

de Xenofonte eacute uma palavra grosseira chula Esse termo injurioso mas

ldquosem valor juriacutedicordquo serviu como ldquoum dos diversos substitutos de

kakoucircrgosrdquo e seguindo o seu modelo designa um ldquomalfeitorrdquo que eacute capaz de

99

tudo Ao citar o fragmento 177 W de Arquiacuteloco e esses dois versos do

Prometeu (vv4-5) Chantraine traduziu o termo por ldquocriminosordquo assim como

o fizeram Ramiz Galvatildeo e Trajano Vieira42

(CORREcircA 1999 p176)

Tratando-se da soluccedilatildeo de Paranapiacaba Correcirca afirma

O Baratildeo de Paranapiacaba por sua vez verte leotildergoacutes por bdquoamotinador do

povo‟ A expressatildeo aleacutem de ser longa especifica o crime de Prometeu que

no epiacuteteto original permanece indeterminado (ibidem p176)

O interessante eacute que a mesma soluccedilatildeo de Paranapiacaba eacute tambeacutem encontrada na

traduccedilatildeo de Napoleatildeo Lopes Filho Napoleatildeo afirmou que tambeacutem consultara um

ldquotexto castelhano impresso por Pedro Henrique Urentildea da Editorial Losada SA

Buenos Aires 1941 que se deve a uma traduccedilatildeo direta do grego de autoria de Fernando

Segundo Brieva de Salvatierrardquo (LOPES FILHO 1967 p103) A traduccedilatildeo de

Salvatierra por sua vez foi publicada em 1880 e como se sabe Joatildeo Cardoso de

Menezes publicou suas versotildees poeacuteticas em 1907 Seraacute que o Baratildeo tambeacutem teria

consultado a traduccedilatildeo de Salvatierra enquanto fazia suas versotildees poeacuteticas A traduccedilatildeo

de ldquoleotildergoacutesrdquo por ldquoamotinador do povordquo feita tanto por Paranapiacaba quanto por

Napoleatildeo Lopes Filho pode indicar uma influecircncia comum A soluccedilatildeo de Lopes Filho

para o trecho comentado por Correcirca eacute a seguinte

A ti pois Hefestos importa dar cumprimento agraves ordens do Pai amarrar este

agitador do povo no alto precipiacutecio destas rochas [] (grifo nosso)

E de fato a influecircncia de Salvatierra na traduccedilatildeo de Paranapiacaba pode ser

atestada pela seguinte nota escrita pelo Baratildeo em seu livro de 1907

Salvatierra diz que leorgograven quer dizer ldquoalborotador do povordquo baseando a sua

interpretaccedilatildeo na rigorosa etymologia do termo ldquoque actuacutea sobre o povo e o

moverdquo ldquotomando a palavra actuacutea em sentido indifferente e natildeo aacute boa ou maacute

parterdquo O Escholiasta e Suidas datildeo a esta palavra cinco significados diversos

(PARANAPIACABA 1907 p141)43

42

Deves cumprir agrave risca Hefesto o eacutedito

paterno aprisionar o criminoso

com fortes cabos de accedilo no rochedo iacutengreme

(Trajano Vieira)

43 A ortografia original foi mantida na citaccedilatildeo Vale lembrar que a anaacutelise do termo por

Chantraine eacute de 1954 A etimologia de ldquoleotildergoacutesrdquo na acepccedilatildeo de ldquoalborotador do povordquo era possiacutevel na

eacutepoca em que os barotildees fizeram suas versotildees embora hoje desacreditada

100

Veja-se a seguir as duas versotildees de Paranapiacaba em confronto Doravante

chamar-se-aacute a versatildeo que emprega rimas e natildeo analisada por Correcirca de ldquoversatildeo 1rdquo pois

foi a primeira versatildeo composta por Joatildeo Cardoso de Menezes como demonstrado no

Capiacutetulo 144

A versatildeo analisada por Paula Correcirca a que emprega os decassiacutelabos

soltos seraacute denominada ldquoversatildeo 2rdquo

Quadro IV Cotejo das versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba para os versos 3-6 do original

Nota-se que a versatildeo 1 harmoniza-se mais com o comentaacuterio de Correcirca isto eacute

Paranapiacaba traduziu o termo ldquoleotildergoacutesrdquo por ldquomalfeitorrdquo palavra com significado

mais proacuteximo ao de ldquocriminosordquo acepccedilatildeo esta empregada tanto por Ramiz Galvatildeo

como por Trajano Vieira Eacute perceptiacutevel tambeacutem que a exigecircncia de rima autoimposta

por Paranapiacaba deixou a versatildeo 1 mais prolixa do que a versatildeo 2 Como visto no

Capiacutetulo 1 o original grego possui 1093 versos e a versatildeo 1 de Paranapicaba conta com

1410 versos (317 versos a mais que o original) A versatildeo 2 por sua vez conta com

1338 versos perfazendo 245 versos a mais do que o texto grego A traduccedilatildeo de Ramiz

Galvatildeo por outro lado possui 1084 versos 9 versos a menos que o original

Como seraacute que a versatildeo em prosa de Dom Pedro II se sairia diante do

comentaacuterio de Correcirca Veja-se a seguir o trecho que Pedro de Alcacircntara traduziu

Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu o Pai de ligar este malfeitor

aos rochedos alcantilados com algemas infrangiacuteveis de viacutenculos de accedilo

(grifo nosso)

44 Ver paacutegina 60 da presente dissertaccedilatildeo

Versatildeo 1

Vulcano Eacute tempo Executa

Ordens que o Pai quis impor

Nesta penedia abrupta

Prega este audaz malfeitor

Em forte indomaacutevel trama

De liames adamantinos

Intrinca-o bem []

Versatildeo 2

Tempo eacute de dar execuccedilatildeo agraves ordens

Que o Pai te impocircs Vulcano Neste abrupto

Alcantil prende em rede inquebrantaacutevel

De adamantinos viacutenculos formada

Este amotinador do povo []

101

D Pedro II bem como Paranapiacaba (versatildeo 1) vertem leotildergoacutes como

ldquomalfeitorrdquo Mesmo assim existem mais divergecircncias que convergecircncias na escolha

das expressotildees no restante da passagem em questatildeo Se Paranapiacaba traduz

ldquoἀδακαληίλσλ δεζκῶλ ἐλ ἀξξήθηνηο πέδαηοrdquo por ldquoidomaacutevel trama de liames

adamantinosrdquo (versatildeo 1) e ldquorede inquebrantaacutevel de adamantinos viacutenculos formadardquo

(versatildeo 2) Dom Pedro II por sua vez traduz ldquocom algemas infrangiacuteveis de viacutenculos de

accedilordquo Eacute importante salientar que o Baratildeo procurou uma correspondecircncia sonora maior

com o termo grego ldquoἀδακαληίλσλrdquo vertendo-o por ldquoadamantinosrdquo em suas duas versotildees

poeacuteticas

Como jaacute mencionado na Introduccedilatildeo da presente dissertaccedilatildeo Alessandra Fraguas

historiadora e pesquisadora do Museu Imperial informou-nos acerca da existecircncia de

uma versatildeo preliminar feita por Dom Pedro II da traduccedilatildeo em prosa que transcrevemos

no presente trabalho Esse ldquoesboccedilordquo estaacute depositado no Museu Imperial localizado no

Rio de Janeiro (Maccedilo 37 ndash Doc 1057 ndash B de Dom Pedro II ndash Ensaio sobre Prometeu

Acorrentado Museu Imperial Ibram Ministeacuterio da Cidadania)

Diante dessa inusitada descoberta tambeacutem poderemos cotejar trechos das duas

versotildees Imperiais ao longo desse capiacutetulo algo natildeo vislumbrado no iniacutecio de nossa

pesquisa

Nos momentos em que a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro) for cotejada com a versatildeo depositada no

Museu Imperial (Doc 1057 ndash B) as citaccedilotildees dos respectivos manuscritos seratildeo feitas

levando-se em conta os criteacuterios expostos na Introduccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo sobretudo no

que se refere ao uso dos sinais diacriacuteticos Por meio de tais sinais a transcriccedilatildeo indicaraacute

as rasuras feitas no processo de redaccedilatildeo Segundo Daros (2019 p199) ldquoeacute a anaacutelise das

rasuras que permite reconstruir a cronologia das diversas versotildees e vislumbrar o

encadeamento do processo criativordquo Tendo isso em mente veja-se a seguir o cotejo das

versotildees feitas por Dom Pedro II da passagem do Prometeu Acorrentado analisada ateacute

aqui Marcaremos as palavras idecircnticas nas duas versotildees em negrito

102

Versatildeo final

Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu o pae de ligar este

malfeitograver aos rochedos alcantilados com algemas infrangiveis de vinculos

de accedilo (Doc 4695-A Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro)

Versatildeo preliminar

Oh Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu (deacutera) o pae de ligar

a este ao malfeitor aos rochedos cheios de precipicios em prisotildees

indestructiveis de ferreos vinculos (Maccedilo 37 ndash Doc 1057 ndash Museu

Imperial Ibram Ministeacuterio da Cidadania)45

Nota-se por meio do cotejo que a versatildeo preliminar se mostra mais prolixa

Tambeacutem o Imperador registra a duacutevida sobre qual tempo verbal iria utilizar ldquodeu

(dera)rdquo Aleacutem disso tem-se a impressatildeo de que a versatildeo final eacute mais fluente e mais

elegante em sua sonoridade Diante de tais nuanccedilas seria interessante questionar em que

consiste tal impressatildeo suscitada pela versatildeo final do Imperador

Guilherme de Almeida em ldquoA poesia d‟Os Sertotildeesrdquo46

afirma que ldquo Poesia natildeo eacute

apenas verso Antes e acima da medida estaacute o Ritmo que eacute como Deus primeiro

Poesia eacute essencialmente Ritmo no sentir no pensar e no dizerrdquo (CAMPOS amp

ALMEIDA 2010 p60) Em seu artigo Almeida apresenta elementos presentes na

prosa de Euclides da Cunha que indicariam uma intencionalidade poeacutetica nas linhas d‟

Os Sertotildees Exiacutemio poeta Guilherme de Almeida consegue perceber vaacuterios decassiacutelabos

na prosa de Euclides afirmando que ldquoEacute notaacutevel a preferecircncia de Euclides pelo verso

decassiacutelabo Haacute nisso certo uma imposiccedilatildeo ataacutevica pois que essa de dez siacutelabas eacute a

medida nobre do verso portuguecircs a pauta uniforme d‟Os Lusiacuteadasrdquo (CAMPOS amp

ALMEIDA 2010 p59) E ainda

45 Diferentemente da versatildeo depositada no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro a versatildeo do Museu

Imperial natildeo traz a data de sua redaccedilatildeo mas devido agraves caracteriacutesticas de esboccedilo eacute muito provaacutevel que ela

seja anterior agrave versatildeo depositada no IHGB Supotildee-se que a versatildeo do Museu Imperial foi redigida no final

do ano de 1870 e comeccedilo de 1871 As paacuteginas dessa provaacutevel versatildeo preliminar apresentam um estaacutegio

maior de deterioraccedilatildeo provocado pelo tempo em comparaccedilatildeo com a versatildeo de abril de 1971 depositada

no IHGB Tambeacutem a versatildeo do Museu Imperial apresenta um nuacutemero maior de rasuras e emendas feitas

pelo Imperador o que a torna bastante interessante Nota-se que a caligrafia eacute a mesma nos dois

documentos mas na versatildeo do Museu Imperial a redaccedilatildeo eacute mais descuidada fazendo com que se tenha

um nuacutemero maior de palavras ilegiacuteveis

46

Artigo publicado originalmente no Diaacuterio de SPaulo em 18 de agosto de 1946 e reimpresso

novamente em 2010 juntamente com o a artigo Transertotildees de Augusto de Campos sob a organizaccedilatildeo de

Marcelo Taacutepia Ambos os artigos tratam da poesia existente na prosa de Euclides da Cunha em Os

Sertotildees

103

Tatildeo dominante eacute em Euclides como em todo grande poeta essa necessidade

teacutecnica da chave de oiro que a derradeira linha d‟Os Sertotildees a uacuteltima d‟ ldquoA

Lutardquo conteacutem na macabra descriccedilatildeo do cadaacutever do Conselheiro um dos

mais belos alexandrinos jamais compostos em nossas letras pela profundeza

do fundo e pela formosura da forma este verso magistral

As linhas essenciais do crime e da loucura (CAMPOS amp ALMEIDA 2010

p60)

Antes de ler o artigo de Guilherme de Almeida o poeta e tradutor Augusto de

Campos tambeacutem chega a conclusotildees semelhantes Em sua pesquisa particular consegue

encontrar mais de 500 decassiacutelabos em Os Sertotildees Depois de tomar conhecimento da

publicaccedilatildeo de Almeida Campos se impressiona com o fato de que muitos dos

decassiacutelabos encontrados por Guilherme tambeacutem foram encontrados por ele Talvez

essa convergecircncia de resultados seja um forte indiacutecio de que de fato Eucliacutedes da Cunha

intencionava suscitar um efeito esteacutetico em seus leitores em vez de unicamente narrar os

fatos da guerra Augusto de Campos escreve

Qual o sentido dessa perquiriccedilatildeo textual e desses exerciacutecios de estilo que

potildeem a noacutes os extratos poeacuteticos de Os Sertotildees Natildeo eacute por certo querer

ingenuamente converter em poesia a prosa de Euclides num torneio

artificioso de alquimia verbal O que se pretende eacute demonstrar o quanto as

estruturas poeacuteticas ndash no seu adensamento riacutetmico plaacutestico e sonoro ndash

contribuiacuteram para dar ao texto o ldquotonusrdquo peculiar que eacute de seu livro naqueles

precisamente em que ele se revela mais original e persuasivo recorreu

Euclides aos meacutetodos da poesia ndash o que eacute claro natildeo se restringe agrave adoccedilatildeo de

ritmos e metros embora estes intervenham com significativa parcela para

essa caracterizaccedilatildeo mas tambeacutem no emprego de condensadas figuras de

linguagem ndash metaacuteforas metoniacutemias antiacuteteses - tudo convergindo para

transformar o discurso meramente didaacutetico ou expositivo e dar-lhe a

configuraccedilatildeo sensiacutevel e diferencial que eleva o repoacuterter de Canudos agraves alturas

de um notaacutevel criador literaacuterio (CAMPOS amp ALMEIDA 2010 p30)

Como jaacute comentado Joseph Arthur de Gobineau instava Dom Pedro II a fazer a

traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado em versos O Imperador natildeo atendera ao pedido do

diplomata francecircs Apesar disso sabe-se que Pedro de Alcacircntara era um versificador

experiente e por isso deduz-se que sua recusa natildeo fora motivada por incompetecircncia

poeacutetica Paranapiacaba por exemplo cita o seguinte soneto escrito por Dom Pedro II

no exiacutelio (a ortografia original seraacute mantida)

ASPIRACcedilAtildeO

Deos que os orbes regulas esplendentes

Em numero e medida ponderados

Nelles abrigo daacutes aos desterrados

Que se vatildeo suspirosos e plangentes

104

Assim dos ceacuteos aacutes vastidotildees silentes

Ergo os meos pobres olhos fatigados

Indagando em que mundos apartados

Lenitivo aacute saudade nos consentes

Breve Senhor do carcere d‟argilla

Hei de evolar-me murmurando ansioso

Timida prece digna-te de ouvil-a

Potildee-me ao peacute do Cruzeiro majestoso

Que no antarctico ceacuteo vivo scintilla

Fitando sempre o meo Brasil saudoso

(PARANAPIACABA1907 p247)

Sua habilidade em versejar tambeacutem foi demonstrada em suas traduccedilotildees como a

que fez de alguns cantos da Divina Comeacutedia de Dante Alighieri ou nos seguintes

versos da sua traduccedilatildeo de Cinco de maio poema de Alessandro Manzoni que tem como

tema a morte de Napoleatildeo Bonaparte47

Morreo e qual marmoacutereo

Solto o postremo alento

O corpo jaz exanime

Orpham d‟um tal portento

Assim sorpresa attonita

A terra co‟ a nova estaacute

Muda pensando na ultima

Hora do homem fatal

Nem sabe si tatildeo celebre

Planta de peacute mortal

Seo poacute de sangue avido

Inda pisar viraacute

Seraacute que o conviacutevio iacutentimo do Imperador com a poesia refletiu-se de alguma

forma em sua traduccedilatildeo em prosa do Prometeu Acorrentado Seraacute que assim como no

47 Tambeacutem citado por Paranapiacaba (1907 p 244)

105

caso de Os Sertotildees de Euclides da Cunha existiriam alguns versos ocultos em sua

traduccedilatildeo da antiga trageacutedia de Eacutesquilo

Natildeo seria uma empreitada impossiacutevel reorganizar um texto em prosa em versos

com nuacutemeros de siacutelabas poeacuteticas relativamente semelhantes Mas escandir uma linha de

prosa natildeo eacute o bastante para se comprovar que nela subjazem versos poeacuteticos O ritmo

em poesia afirmou Guilherme de Almeida tem a primazia eacute ldquocomo Deusrdquo

Geralmente em liacutengua portuguesa o ritmo eacute marcado num poema por meio de

unidades regulares como rima aliteraccedilotildees assonacircncias e siacutelabas tocircnicas No trecho

visto da versatildeo final de Dom Pedro II por exemplo pode-se notar algo interessante se

reconfigurarmos sua prosa nos seguintes versos respeitando a ordem das palavras e natildeo

trucando as mesmas para se alcanccedilar um mesmo nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas em cada

verso o que seria algo arbitraacuterio (vale a pena ressaltar que o esquema proposto a seguir

eacute apenas um entre outras possibilidades)

1Vulcano cumpre cuidares Heptassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

2das ordens que te deu o pai Octossiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ )

3 de ligar este malfeitor Octossiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ )

4 Aos rochedos alcantilados Octossiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ᵕ ‒)

5 com algemas infrangiacuteveis Heptassiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ )

6 de viacutenculos de accedilo Pentassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

Veja-se por exemplo que os versos 3 4 e 5 comeccedilam com peacutes anapestos e

terminam de forma semelhante ( ᵕ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒

ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) e os versos 1 2 e 6 comeccedilam com jambos ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ

‒ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) sendo que os versos 1 e 6 aleacutem de comeccedilarem com o mesmo

peacute tambeacutem terminam com anapesto Fazendo o mesmo exerciacutecio com a versatildeo

preliminar da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II percebe-se que natildeo se alcanccedila um

resultado mais harmocircnico do que o conseguido com a versatildeo final do Imperador

embora seja possiacutevel dispor a prosa em versos com nuacutemeros de siacutelabas poeacuteticas

relativamente semelhantes

1Oacute vulcano cumpre cuidares Octossiacutelabo ( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

2das ordens que te deu (dera) Heptassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ‒ )

3o Pai de ligar a este Heptassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ )

4ao malfeitor aos rochedos Heptassiacutelabo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

5cheios de precipiacutecios Pentassiacutelabo ( ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒)

106

6em prisotildees indestrutiacuteveis Heptassiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒)

7 de feacuterreos viacutenculos Tetrassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ )

A impressatildeo eacute de que as posiccedilotildees das siacutelabas tocircnicas e aacutetonas satildeo mais aleatoacuterias

na versatildeo preliminar o que natildeo contribui para a construccedilatildeo da melopeia no texto

(POUND 1977 p63) como se pode averiguar a seguir

Versatildeo Final

( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ᵕ ‒) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

Versatildeo preliminar

( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒) ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ )

Ao longo deste capiacutetulo tentaremos tambeacutem evidenciar os elementos presentes

na prosa do Imperador que parecem indicar a intencionalidade na construccedilatildeo de efeitos

sonoros em sua versatildeo final do Prometeu Acorrentado Por ora coteja-se a seguir a

versatildeo final de Dom Pedro II com as versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba As

palavras e as expressotildees convergentes com a traduccedilatildeo do Imperador seratildeo marcadas em

negrito

Quadro V Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (original vv3-6)

Como se pode notar pouca eacute a correspondecircncia entre as versotildees poeacuteticas de

Paranapiacaba e a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II Se entre as versotildees em prosa do

Imperador a correspondecircncia eacute de 17 palavras excetuando-se os artigos e as

preposiccedilotildees entre a traduccedilatildeo Imperial (versatildeo final) e as versotildees do Baratildeo a

correspondecircncia eacute de apenas 5 palavras

Dom Pedro II

Vulcano cumpre cuidares das

ordens que te deu o Pai de

ligar este malfeitor aos

rochedos alcantilados com

algemas infrangiacuteveis de

viacutenculos de accedilo

Paranapiacaba (versatildeo 1)

1Vulcano Eacute tempo Executa

2Ordens que o Pai quis impor

3Nesta penedia abrupta

4Prega este audaz malfeitor

5Em forte indomaacutevel trama

6De liames adamantinos

Paranapiacaba (versatildeo 2)

1Tempo eacute de dar execuccedilatildeo agraves ordens

2Que o Pai te impocircs Vulcano Neste

[abrupto

4Alcantil prende em rede

[inquebrantaacutevel

5De adamantinos viacutenculos formada

[Este amotinador do povo []

107

22 Segunda rodada de leitura

Passemos aos outros versos analisados por Paula da Cunha Correcirca

ἐγὼ δ᾽ ἄηνικόο εἰκη ζπγγελῆ ζεὸλ

δῆζαη βίᾳ θάξαγγη πξὸο δπζρεηκέξῳ (vv14-5)

Ramiz Galvatildeo

Falta-me contudo o acircnimo de ataacute-lo

um deus parente agrave rocha procelosa

Baratildeo de Paranapiacaba

Agora quanto a mimsinto faltar-me

Coragem de fincar nessa quebrada

Que algente bruma intoleraacutevel torna

Um Deus parente meu Mas o Destino[]

Correcirca comenta

Destaca-se mais uma vez a linguagem clara e direta de Trajano48

concisa

como a de Ramiz Em ldquoprecipiacutecioparenterdquo a aliteraccedilatildeo (ζπγγελῆ

θάξαγγη) eacute reconfigurada mas perde-se a qualificaccedilatildeo da escarpa como sendo

dyskheicircmeros (ldquoprocelosardquo em Ramiz e parafraseada por Paranapiacaba em

ldquoque algente bruma intoleraacutevel tornardquo) Por outro lado eacute preferiacutevel a versatildeo

de aacutetolmos como ldquofalta de coragemrdquo presente em Paranapiacaba e Trajano agrave

arcaizante soluccedilatildeo de Ramiz (ldquofalta de acircnimordquo) (CORREcircA 1999 p177)

Agrave luz do comentaacuterio citado veja-se as respectivas traduccedilotildees de DPedro II e

Baratildeo de Paranapiacaba (versatildeo 1) a comeccedilar pela do Imperador (versatildeo final)

Sou tiacutemido para encadear com violecircncia um deus parente ao despenhadeiro hibernoso

DPedro II traduz o adjetivo dyskheicircmeros (invernal) por ldquohibernosordquo e consegue

verter aacutetolmos por uma uacutenica palavra ldquotiacutemidordquo que eacute justamente algueacutem em que falta a

coragem

48

Trajano Vieira

Pregar no precipiacutecio um deus parente

exige uma coragem que eu natildeo tenho

108

Compara-se a seguir as duas versotildees do Imperador marcando-se em negrito as

palavras convergentes

Versatildeo final

Sou tiacutemido para encadear com violecircncia um deus parente ao

despenhadeiro hibernoso

Versatildeo preliminar

Sou tiacutemido para encadear ltuarraacute forccedilagt um ilegiacutevel deus parente no

alcantilado vale hibernoso

Neste ponto seria profiacutecuo tambeacutem cotejar a versatildeo final do Imperador com as

versotildees poeacuteticas da lavra de Paranapiacaba Marcar-se-aacute tambeacutem em negrito as palavras

que coincidem com a versatildeo final de Dom Pedro II

Quadro VI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (originalvv14-5)

Observa-se que a escolha vocabular eacute bastante diversa entre Paranapiacaba e

Dom Pedro II Apenas as palavras ldquodeusrdquo e ldquoparenterdquo coincidem Ainda assim ldquodeusrdquo eacute

escrito com inicial maiuacutescula nas versotildees de Paranapiacaba e o Imperador faz o inverso

em sua traduccedilatildeo Outro ponto interessante eacute que apenas DPedro II entre os tradutores

analisados traduz a palavra βίᾳ em seu uso adverbial ldquocom violecircnciardquo (versatildeo final) e

ldquoagrave forccedilardquo (versatildeo preliminar) δῆζαι βίᾳ φάραγγι πρὸς δσζτειμέρῳ ldquoencadear com

violecircncia ao despenhadeiro hibernosordquo

Dom Pedro II

Sou tiacutemido para encadear com

violecircncia um deus parente ao

despenhadeiro hibernoso

Paranapiacaba (versatildeo 1)

E a mim falece coragem

De nesta algente quebrada

A um Deus de minha

[linhagem

Prender em teia cerrada

Paranapiacaba (versatildeo 2 )

Agora quanto a mimsinto

[faltar-me

Coragem de fincar nessa

[quebrada

Que algente bruma

[intoleraacutevel torna

Um Deus parente meu[]

109

23Terceira rodada

ἄθνληά ζ᾽ ἄθσλ δπζιύηνηο ραιθεύκαζη

πξνζπαζζαιεύζσ ηῷδ᾽ ἀπαλζξώπῳ πάγῳ

ἵλ᾽ νὔηε θσλὴλ νὔηε ηνπ κνξθὴλ βξνηῶλ

ὄςεη ζηαζεπηὸο δ᾽ ἡιίνπ θνίβῃ θινγὶ

ρξνηᾶο ἀκείςεηο ἄλζνο ἀζκέλῳ δέ ζνη

ἡ πνηθηιείκσλ λὺμ ἀπνθξύςεη θάνο

(vv19-24)

Ramiz Galvatildeo

pregar-te-ei nesta rocha desabrida

onde natildeo vejas voz nem forma humana

a tez mimosa fanaraacutes ansioso

pela noite de estrelas recamada

Baratildeo de Paranapiacaba

Em noacutes de bronze indissoluacuteveis

- A meu e teu pesar - eu vou pregar-te

Aqui nunca haacutes de ouvir mortal acento

Nem face de homem ver antes crestado

Lento pelas do sol ferventes chamas

Perderaacutes dia a dia a flor da pele

Haacute de a noite por ti sempre almejada

Sumir o dia no estrelado manto

Correcirca comenta

Novamente os versos de Paranapiacaba satildeo quase prosaicos quando

comparados com os de Ramiz e Trajano49

e o acreacutescimo desnecessaacuterio de

expressotildees adverbiais inexistentes no texto original (ldquolentordquo ldquonuncardquo ldquodia a

diardquo) torna exacerbada a jaacute forte carga de emoccedilatildeo da passagem Nota-se

tambeacutem um cochilo de Ramiz Galvatildeo que deixou de traduzir um verso

49

contra noacutes dois o bronze indissoluacutevel

te imobiliza no penedo inoacutespito

de onde natildeo vecircs nem voz nem cor humana

O sol aceso troca a flor da pele

queimada Para teu aliacutevio a noite

encobre o lume com seu manto ruacutetilo

(Trajano Vieira)

110

inteiro Haacute outras liccedilotildees para o verso 19 como por exemplo a presente na

ediccedilatildeo de West Mas poderia Ramiz estar trabalhando com um texto no qual

o verso simplesmente natildeo constasse O ldquobronze indissoluacutevelrdquo de Trajano

recupera de forma enxuta a boa soluccedilatildeo de Paranapiacaba e no verso

seguinte ldquopenedo inoacutespitordquo reproduz a aliteraccedilatildeo grega [ἀπαλζξώπῳ πάγῳ]

vertendo o adjetivo apanthroacutepoi com maior precisatildeo do que o ldquodesabridardquo de

Ramiz[] Quanto agrave uacuteltima frase desse excerto mais sonora e precisa eacute a

soluccedilatildeo de Trajano que natildeo empalidece nem vulgariza a imagem original

Pois a ldquonoiterdquo natildeo eacute ldquorecamada de estrelasrdquo (Ramiz) nem se trata de um

ldquomanto estreladordquo (Paranapiacaba) Os trajes da noite satildeo poikiacuteloi

(ldquovariegadosrdquo ldquobordadosrdquo ldquomultifacetadosrdquo eacute antes um ldquomanto ruacutetilordquo que a

veste (CORREcircA 1999 p178)

Tendo em mente o comentaacuterio de Paula Correcirca leia-se a seguir a traduccedilatildeo em

prosa do Imperador e a versatildeo 1 de Paranapiacaba iniciando novamente pela de D

Pedro (versatildeo final)

[] constrangido pregar-te-ei constrangido com cadeias indissoluacuteveis neste

monte inoacutespito onde nem voz nem figura de homem veraacutes mas queimado

lentamente pela chama brilhante do sol perderaacutes o mimo da cor A ti alegrado

a noite de manto variegado ocultaraacute a luz e o sol dissiparaacute de novo a geada

matutinardquo (grifo nosso)

Segue abaixo a soluccedilatildeo de Paranabiacaba para a mesma passagem (versatildeo 1)

Neste vatildeo sem treita humana

Muito a meu e teu pesar

Por injunccedilatildeo soberana

Vou em seguida cravar

Natildeo veraacutes humano rosto

Nem voz mortal ouviraacutes

Ao queimor do sol exposto

A flocircr da tez perderaacutes

A noite que sempre ansioso

Estaraacutes por ver surgir

Haacute de o dia luminoso

No veacuteu de estrelas sumir

Segundo o comentaacuterio de Paula da Cunha Correcirca ldquoOs trajes da noite satildeo

poikiacuteloi (bdquovariegados‟ bdquobordados‟ bdquomultifacetados‟ eacute antes um bdquomanto ruacutetilo‟ que a

veste)rdquo (CORREA 1999 p178) Diante desse comentaacuterio DPedro II fez uma boa

111

escolha ldquo [] a noite de manto variegado ocultaraacute a luzrdquo (grifo nosso) Infelizmente o

manuscrito da versatildeo preliminar estaacute deteriorado no trecho em questatildeo mas algo do

processo criativo do Imperador pode ser notado se cotejarmos a versatildeo final com o que

ainda permanece legiacutevel na versatildeo preliminar Para isso novamente se utilizaraacute

transcriccedilotildees diplomaacuteticas Como de praxe marcar-se-aacute em negrito as palavras

coincidentes

Versatildeo final

constrangido pregar-te-ei constrangido com cadegraveas indissoluveis n‟este

ltuarrmontegt inhospito onde nem voz nem figura de homem veraacutes mas

queimado lentamente pela chamma brilhante ltuarrdogt sol perderaacutes o mimo

da cograver A ti alegrado a noite de manto varie[fl2]gado occultaraacute a luz e o sol

dissiparaacute de nogravevo a geada matutina Porem sempre te atormentaraacute o pesar

do mal presente pois quem deve livrar-te natildeo nasceu ainda

Versatildeo preliminar

ltuarrconstrangidogt[] te pregarei constrangido com bronzes indissoluveis

no monte inhospitoltuarrOndegt [ para que ] natildeo ltuarrsentiraacutesgt [ te sintas ] nem

voz nem forma de homem queimado lentamente pela ma brilhante

do sol perderaacutes a belleza da cograver A ti cont de

[fl2] te a ti

sempre te atormentaraacute pois quem de alliviar-te natildeo nasceu ainda

Apesar de algumas diferenccedilas pontuais a correspondecircncia eacute muito grande entre

as duas versotildees Salta agrave vista que a versatildeo preliminar possui mais emendas do que a

final como era de se esperar Na versatildeo final por exemplo Dom Pedro II opta por

colocar o pronome em mesoacuteclise (ldquopregar-te-eirdquo) em vez de ldquote pregareirdquo (versatildeo

preliminar) ldquocadeias indissoluacuteveisrdquo em lugar de ldquobronzes indissoluacuteveisrdquo ldquofigura de

homemrdquo substituindo ldquoforma de homemrdquo ldquomimo da corrdquo em vez de ldquobeleza da corrdquo e

ldquolivrar-terdquo substituindo ldquoaliviar-terdquo A expressatildeo grega ldquoἄθνληά ζ᾽ ἄθσλrdquo apresenta um

interessante desafio aos tradutores como expressar em liacutengua portuguesa os

simultacircneos e ao mesmo tempo diversos constrangimentos de Hefesto e Prometheu (o

constrangimento de quem executa e o de quem padece) sem soar estranho Trajano

Vieira apresenta uma soluccedilatildeo interessante ldquocontra noacutes dois o bronze indissoluacutevel te

imobilizardquo Nota-se na traduccedilatildeo de Vieira a projeccedilatildeo da culpa do ato de prender

Prometeu a um objeto inanimado no caso ldquoo bronze indissoluacutevelrdquo sujeito do periacuteodo

na traduccedilatildeo de Vieira Em contrapartida Hefesto eacute o agente no original grego ldquoeu

112

cravareirdquo (πξνζπαζζαιεύζσ) Dom Pedro II traduz ldquo[]constrangido pregar-te-ei

constrangido com cadeias indissoluacuteveisrdquo (versatildeo final) e ldquoconstrangido te pregarei

constrangido com bronzes indissoluacuteveisrdquo (versatildeo preliminar) Na versatildeo 2

Paranapiacaba verte ldquo[] a meu e teu pesar eu vou pregar-terdquo Na versatildeo 1 encontra-

se ldquo Muito a meu e teu pesar Por injunccedilatildeo soberana Vou em seguida cravarrdquo

Percebe-se a grande correspondecircncia entre as duas versotildees em prosa de Dom

Pedro II na passagem citada O que dizer entatildeo das versotildees poeacuteticas do Baratildeo de

Paranapiacaba Veja-se a seguir

Quadro VII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (original vv19-

24)

Excetuando-se os artigos e as preposiccedilotildees na versatildeo 1 de Paranapiacaba

encontram-se apenas 6 palavras que tambeacutem foram usadas por Dom Pedro II Na versatildeo

2 o nuacutemero eacute de 9 palavras embora a palavra ldquochamardquo esteja no plural na versatildeo do

Baratildeo Jaacute entre as versotildees em prosa do Imperador a correspondecircncia eacute de 27 palavras

excetuando-se os artigos e preposiccedilotildees e mesmo havendo uma grande lacuna causada

pela deterioraccedilatildeo do manuscrito da versatildeo preliminar

Dom Pedro II (versatildeo final)

[] constrangido pregar-te-ei

constrangido com cadeias

indissoluacuteveis neste monte inoacutespito

onde nem voz nem figura de

homem veraacutes mas queimado

lentamente pela chama brilhante

do sol perderaacutes o mimo da cor A

ti alegrado a noite de manto

variegado ocultaraacute a luz e o sol

dissiparaacute de novo a geada

matutinardquo

Baratildeo de Paranapiacaba

(versatildeo 1)

Neste vatildeo sem treita humana

Muito a meu e teu pesar

Por injunccedilatildeo soberana

Vou em seguida cravar

Natildeo veraacutes humano rosto

Nem voz mortal ouviraacutes

Ao queimor do sol exposto

A flocircr da tez perderaacutes

A noite que sempre ansioso

Estaraacutes por ver surgir

Haacute de o dia luminoso

No veacuteu de estrelas sumir

Paranapiacaba (versatildeo 2)

A meu e teu pesar eu vou

[pregar-te

Aqui nunca haacutes de ouvir mortal

[acento

Nem face de homem ver

antes [crestado

Lento pelas do sol ferventes

[chamas

Perderaacutes dia a dia a flor da

[pele

Haacute de a noite por ti sempre

[almejada

Sumir o dia no estrelado

[manto

113

24 Quarta rodada

ἀδακαληίλνπ λῦλ ζθελὸο αὐζάδε γλάζνλ

ζηέξλσλ δηακπὰμ παζζάιεπ᾽ ἐξξσκέλσο

(vv64-5)

Ramiz Galvatildeo

Agora enterra-lhe por sobre os peitos

Da cunha de accedilo os arrogantes dentes

Baratildeo de Paranapiacaba (versatildeo 2)

O dente ousado dessa cunha d‟accedilo

Embebe em cheio por seu peito adentro

Eis o comentaacuterio de Correcirca

Prometeu recebe nos versos 436 964 1012 1034 e 1037 a mesma

adjetivaccedilatildeo aqui conferida ao ldquodenterdquo da cunha que iraacute feri-lo Como ele o

accedilo eacute authaacutedes isto eacute ldquorefrataacuteriordquo ldquoobstinadordquo ou ldquosem remorsordquo A atitude

de espiacuterito atribuiacuteda ao accedilo jaacute humanizado por meio da metaacutefora

(ldquomandiacutebulardquo) transparece de forma mais clara nos versos dos barotildees

(ldquoarrogantes dentesrdquo ldquodente ousadordquo) Por outro lado o verbo ldquoencravarrdquo

empregado por Trajano50

significa exatamente (como o grego passaleacuteuo)

afixar prender como ou com um ldquocravordquo (paacutessalos) (CORREcircA 1999

p178)

A seguir as respectivas versotildees de Dom Pedro II

Versatildeo final

Agora forte enterra atravez dos peitos os dentes arrogantes da cunha de accedilo

Versatildeo preliminar

ora prega ltuarrfortementegt [] ltuarr a bocagt [em fio presunccediloso] (que se

compraz ndash isso ltuarrcomgt [de] feacuterrea cunha ltuarr passando por cimagt [

atravez] dos peitos

50

Trajano Vieira

No meio do seu peito encrava agora

O dente afiado desta cunha de accedilo

114

A grande quantidade de rasuras e correccedilotildees presentes na versatildeo preliminar

revela que o Imperador repensou bastante a passagem em questatildeo Valeu o esforccedilo Um

efeito sonoro interessante eacute alcanccedilado em sua versatildeo final como se pode observar por

exemplo dividindo-se o periacuteodo em dois versos hendecassiacutelabos

1 Agora forte enterra atraveacutes dos peitos

2 os dentes arrogantes da cunha de accedilo

O primeiro verso apresenta o seguinte esquema riacutetmico ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒

e o segundo ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒

Veja-se a seguir a versatildeo 1 de Paranapiacaba em confronto com a versatildeo 2 e

tambeacutem com a versatildeo final de Dom Pedro II

Quadro VIII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (original vv64-

5)

Se abonarmos o fato de que a palavra ldquopeitordquo estaacute no singular nas versotildees de

Paranapiacaba e no plural na do Imperador encontram-se 3 palavras convergentes na

primeira versatildeo e 4 na segunda (a palavra ldquodenterdquo tambeacutem apresenta diferenccedila de

nuacutemero) Por outro lado veja-se a traduccedilatildeo de Ramiz Galvatildeo em confronto com a

versatildeo de Dom Pedro II

Quadro IX Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo de Ramiz Galvatildeo (originalvv64-5)

Dom Pedro II

Agora forte enterra atraveacutes dos

peitos os dentes arrogantes da

cunha de accedilo

Paranapicaba (versatildeo 1)

D‟essa cunha drsquoaccedilo o corte

-Fundo- Embebe-lhe no peito

Baratildeo de Paranapiacaba

(versatildeo 2)

O dente ousado dessa

[cunha drsquoaccedilo

Embebe em cheio por

[seu peito adentro

Dom Pedro II

Agora forte enterra atraveacutes dos

peitos os dentes arrogantes da

cunha de accedilo

Ramiz Galvatildeo

Agora enterra-lhe por sobre os

[peitos

Da cunha de accedilo os arrogantes

[dentes

115

As traduccedilotildees de Ramiz Galvatildeo e a D Pedro II se mostram bastante semelhantes

nesse trecho Ramiz traduz ldquoAgora enterra-lhe por sobre os peitos da cunha de accedilo os

arrogantes dentesrdquo e Dom Pedro ldquoAgora forte enterra atravez dos peitos os dentes

arrogantes da cunha de accedilordquo A humanizaccedilatildeo da cunha pelo emprego da palavra

authaacutedes (ldquoobstinadordquo ldquosem remorsordquo) presente na versatildeo 2 de Paranapiacaba e nesse

ponto elogiada por Correa ldquoO dente ousado dessa cunha d‟accedilo Embebe em cheio por

seu peito adentrordquo (grifo nosso) eacute perdida na versatildeo 1 ldquoD‟essa cunha d‟accedilo o corte -

Fundo- Embebe-lhe no peitordquo Harmonizando-se ao comentaacuterio de Paula da Cunha

Correcirca o Imperador traduz ldquoarrogantes dentesrdquo Como visto Ramiz a quem Dom

Pedro II tambeacutem confiou o encargo de fazer uma versatildeo poeacutetica a partir de sua traduccedilatildeo

em prosa repete a mesma expressatildeo em sua versatildeo

25 Quinta e uacuteltima rodada

ὦ δῖνο αἰζὴξ θαὶ ηαρύπηεξνη πλναί

πνηακῶλ ηε πεγαί πνληίσλ ηε θπκάησλ

ἀλήξηζκνλ γέιαζκα πακκῆηόξ ηε γῆ

θαὶ ηὸλ παλόπηελ θύθινλ ἡιίνπ θαιῶ

(vv88-91)

Ramiz Galvatildeo

Eacuteter divino alados prestos ventos

Fontes dos rios ondular das vagas

Terra ndash matildee comum sol omnividente

Eu vos invoco

Baratildeo de Paranapiacaba (versatildeo 2)

Oacute Eacuteter divinal auras velozes

Mananciais dos rios voacutes oacute risos

Inumeraacuteveis de marinhas ondas

Oacute Terra matildee universal oacute disco

Do sol omnividente Aqui me tendes

O comentaacuterio de Paula Correcirca para a passagem citada eacute

116

Ao inverter a ordem dos dois primeiros elementos invocados (aparentemente

por questotildees meacutetricas) Trajano51

sacrifica a composiccedilatildeo em anel (ldquopriamelrdquo)

uma figura comum na poesia grega arcaica Se acompanhamos no texto

grego a sequecircncia das invocaccedilotildees notamos que Prometeu dirige-se primeiro

ao elemento mais alto o Eacuteter depois aos ventos agraves aacuteguas e agrave terra antes de

voltar ao sol Ao ldquodiscordquo do sol (v91) e ao seu trajeto circular corresponde a

figura traccedilada pela enumeraccedilatildeo Verter dicircos aitheacuter por ldquoar divinordquo em vez

de ldquoEacuteter divinordquo ou ldquodivinalrdquo tambeacutem acarreta dificuldades porque aleacutem de

ldquoarrdquo e ldquoEacuteterrdquo serem coisas distintas dada a sua colocaccedilatildeo entre viacutergulas apoacutes

ldquoventosrdquo (e natildeo coordenado como no original) eacute faacutecil confundi-lo com um

aposto (CORREcircA 1999 p179)

Paula da Cunha Correcirca tambeacutem escreve a seguinte nota

Segundo Griffith na eacutepica arcaica o Eacuteter eacute ldquoo espaccedilo entre terra e ceacuteu ou o

proacuteprio ceacuteurdquo Veja poreacutem GSKirk JERaven e MSchofield em The

Presocratic Philosophers (Cambridge 1983 p 9) que citam Homero

Hesiacuteodo e Xenoacutefanes para a distinccedilatildeo entre aeacuter e aitheacuter o primeiro eacute o ldquoarrdquo

da parte inferior do ceacuteu (ceacuteu e terra) ldquoenquanto a parte superior (chamada agraves

vezes de ouranaacutes) eacute o Eacuteter o ar superior que eacute brilhante e pode ser concebido

como fogordquo (ibidem p179)

Talvez por isso Jaa Torrano agrave guisa de exemplo translitera aitheacuter em sua

traduccedilatildeo de 1985 e verte o mesmo termo por ldquoFulgorrdquo em sua traduccedilatildeo de 2009

Oacute divino Aitheacuter velozes alados ventos

fontes de rios das marinas ondas

inuacutemero riso omnimatildee Terra

e o omnividente ciacuterculo do Sol invoco

Vede-me o que dos Deuses padeccedilo Deus

(Prometeu Prisioneiro 1985)

Oacute divino Fulgor e velozes alados ventos

e fontes dos rios e inuacutemero brilho

de ondas marinhas e Terra matildee de todos

e invoco o onividente ciacuterculo do Sol

Vede-me que dos Deuses padeccedilo Deus

51

Trajano Vieira

Ventos alivelozes ar divino

Fontes dos rios inuacutemeros sorrisos

de ondas salinas Terra matildee-de-todos

eu vos invoco e ao sol visatildeo total

no disco[]

117

(Prometeu Cadeeiro 2009)

Dom Pedro II assim como Trajano Vieira opta por traduzir o termo grego

aitheacuter por ldquoarrdquo algo natildeo abonado pelo comentaacuterio de Correcirca Contudo a transcriccedilatildeo

diplomaacutetica da versatildeo final da traduccedilatildeo em prosa revela que o termo ldquoarrdquo foi uma

substituiccedilatildeo feita posteriormente pelo Imperador

ltuarrOh ar divinogt[] e ventos de azas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees

innumeraveis das ondas marinhas e terra matildee universal e disco

omnividente do sol a voacutes invoco vede-me quanto eu deus soffro dos deuses

A expressatildeo ldquoOh ar divinordquo foi escrita sobre algo que foi riscado e que estaacute

ilegiacutevel no manuscrito do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro Felizmente com a

descoberta dos esboccedilos dessa traduccedilatildeo eacute possiacutevel saber como o Imperador havia

traduzido aitheacuter antes da correccedilatildeo citada Veja-se a seguir

Ether de Jupiter ventos de azas raacutepidas ltuarrfontesgt[] dos rios innumeravel

ondulaccedilatildeo (inumeraacuteveis ondulaccedilotildees) das ondas marinhas Terra matildee

universal e invoco o circulo (o disco) omnividente do sol olhae-me deus

soffro taes cousas da parte dos deuses

Dom Pedro II substituiu a expressatildeo ldquoEther de Jupiterrdquo por ldquoOh ar divinordquo

Se por um lado a traduccedilatildeo da palavra grega ldquoaitheacuterrdquo natildeo foi adequada na versatildeo

final de Dom Pedro segundo o comentaacuterio de Correcirca por outro essa mesma versatildeo

reproduz outro aspecto presente no original grego e que foi desconsiderado por todos

os outros tradutores brasileiros (exceto Jaa Torrano com sua versatildeo de 2009) a

coordenaccedilatildeo por meio da reinteraccedilatildeo da conjunccedilatildeo ldquoerdquo dando agrave traduccedilatildeo um tom mais

declamatoacuterio

ὦ δῖνο αἰζὴξ καὶ ηαρύπηεξνη πλναί

πνηακῶλ τε πεγαί πνληίσλ τε θπκάησλ

ἀλήξηζκνλ γέιαζκα πακκῆηόξ τε γῆ

καὶ ηὸλ παλόπηελ θύθινλ ἡιίνπ θαιῶ

ltuarrOh ar divinogt[] e ventos de azas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees

innumeraveis das ondas marinhas e terra matildee universal e disco

omnividente do sol a voacutes invoco vede-me quanto eu deus soffro dos deuses

118

Comparando-se as duas versotildees de Dom Pedro II eacute possiacutevel notar um cuidado

maior em relaccedilatildeo agrave sonoridade na versatildeo final

Versatildeo preliminar

[]olhae-me deus soffro taes cousas da parte dos deuses (Catorze siacutelabas )

Versatildeo final

[]vede-me quanto eu deus soffro dos deuses (Decassiacutelabo heroico com assonacircncia em ldquoeurdquo )

Ainda explorando a sonoridade do texto da versatildeo final da traduccedilatildeo em prosa de

Dom Pedro II nota-se

‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ

Oacute ar divino e ventos de asas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees inumeraacuteveis das

‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ

ondas marinhas e terra matildee universal e disco onividente do sol a voacutes invoco

‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ‒

vede-me quanto eu deus sofro dos deuses

As palavras ldquoondulaccedilotildeesrdquo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ldquoinumeraacuteveisrdquo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ldquouniversalrdquo ( ᵕ ᵕ

ᵕ ‒ ) e ldquoonividenterdquo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) parecem suscitar um efeito sonoro que evoca a vastidatildeo

do ermo no qual Prometeu estava aprisionado Dessarte o Imperador natildeo soacute reproduz a

composiccedilatildeo em ldquopriamelrdquo pela enumeraccedilatildeo adequada dos termos mas tambeacutem a evoca

por meio do ritmo Veja-se tambeacutem a interessante aliteraccedilatildeo entre os termos ldquouniversalrdquo

(consoantes finais) e ldquosolrdquo as assonacircncias em ldquooacuterdquo e a correspondecircncia sonora entre

ldquouni-rdquo e ldquooni-rdquo no trecho seguinte da versatildeo final

[]e terra matildee universal e disco onividente do sol a voacutes invoco[]

A mudanccedila regular de peacutes no trecho em questatildeo eacute notoacuteria

‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒

ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒

ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ‒

119

A passagem comeccedila com trecircs peacutes trocaicos ( ‒ ᵕ ) seguidos por trecircs datiacutelicos ( ‒

ᵕ ᵕ ) que datildeo lugar a dois peacutes que lembram o peocircnio grego ( ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ) em seguida o

ritmo retorna aos trecircs peacutes datiacutelicos ( ‒ ᵕ ᵕ ) Passa-se entatildeo para um movimento

interessante dois peacutes troicaicos intercalados com dois ldquopeocircniosrdquo e seguidos por um

datiacutelico ( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ) eacute Prometeu bradando ldquo terra matildee

universal e disco onividente dordquo Em seguida temos uma sequecircncia de trecircs peacutes

trocaicos ( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ) antes de um admiraacutevel decassiacutelabo heroacuteico que eacute a chave de

ouro ldquovede-me quanto eu deus sofro dos deusesrdquo ( ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) Dificilmente

escapa aos ouvidos a melopeia desse trecho

Veja-se agora a versatildeo 1 do Baratildeo de Paranapiacaba ao lado da versatildeo final do

Imperador Marca-se em negrito as palavras que coincidem

Quadro X Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 1 de Paranapiacaba (original vv88-91)

Apenas 6 palavras coincidem Seraacute que algo semelhante ocorre ao cotejar-se a

versatildeo 2 com a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro

Quadro XI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 2 de Paranapiacaba (original vv88-91)

Desta vez encontram-se quatorze palavras idecircnticas Embora a correspondecircncia

seja ainda pequena a versatildeo 2 de Paranapiacaba se mostrou mais proacutexima da traduccedilatildeo

Baratildeo de Paranapiacaba

Oacute Ether divinal oacute ventos d‟asa promta

Oacute fontes fluviais risos do mar sem conta

Oacute Terra genetriz de cujo seio ingente

Tudo brota do sol oacute disco onividente

Ouvi-me a invocaccedilatildeo Eu peccedilo que vejais

Quantas dores impotildeem a um Nume os Imortais

Dom Pedro II

Oacute ar divino e ventos de asas velozes e fontes

dos rios e ondulaccedilotildees inumeraacuteveis das ondas

marinhas e terra matildee universal e disco

onividente do sol a voacutes invoco vede-me

quanto eu deus sofro dos deuses

Baratildeo de Paranapiacaba

Oacute Eacuteter divinal auras velozes

Mananciais dos rios voacutes oacute risos

Inumeraacuteveis das marinhas ondas

Oacute Terra matildee universal oacute disco

Do Sol onividente Aqui me tendes

Vede que dor a um Deus infligem Deuses

Dom Pedro II

Oacute ar divino e ventos de asas velozes e fontes dos

rios e ondulaccedilotildees inumeraacuteveis das ondas

marinhas e terra matildee universal e disco

onividente do sol a voacutes invoco vede-me quanto

eu deus sofro dos deuses

120

em prosa de Dom Pedro II do que a primeira nos trechos analisados Sabemos pela carta

escrita pelo Baratildeo agrave Princesa Isabel que a versatildeo 2 foi feita a pedido de Lafayette

Rodrigues Pereira Seraacute que Lafayette tambeacutem sugeriu ao Baratildeo que procurasse uma

proximidade maior com a traduccedilatildeo em prosa do Imperador Infelizmente a carta

enviada agrave Princesa natildeo nos daacute mais detalhes a esse respeito

Paula da Cunha Correcirca termina seu artigo com as seguintes palavras

No final entre perdas e ganhos apoacutes confrontar essa pequena amostra dos

versos de Trajano e dos barotildees seria muito difiacutecil se tiveacutessemos que escolher

entre eles como Dioniso no concurso cocircmico de poetas traacutegicos nas Ratildes Os

finalistas provavelmente seriam Ramiz e Trajano ora a balanccedila pende para

um ora para o outro Mas daiacute entre esses dois faccedilo minhas as palavras do

deus (Aristoacutefanes As Ratildes vv1411-13)

Queridos satildeo e natildeo irei julgaacute-los

Odiosa a nenhum dos dois serei

pois um tenho por saacutebio o outro me agrada (CORREA 1999 p179)

A disputa eacute dura Mas em vista do que foi analisado parece-nos que Dom Pedro

II natildeo ficaria atraacutes

Conclusatildeo

Como se pode observar pelos exemplos elencados ao longo do presente capiacutetulo

as versotildees poeacuteticas e a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II satildeo obras distintas e por

isso seus meacuteritos e demeacuteritos natildeo podem ser associados indistintamente umas as outras

Tal conclusatildeo poderaacute ser ainda mais fortalecida pela leitura completa das transcriccedilotildees

integrais dessas obras presentes nos capiacutetulos finais da presente dissertaccedilatildeo

Depois da anaacutelise empreendida eacute possiacutevel supor que a traduccedilatildeo de Dom Pedro II

serviu como um estiacutemulo ao trabalho de Paranapiacaba em vez de servir-lhe

propriamente como um paradigma a ser imitado O cotejo entre as versotildees revelou que

quase sempre o Baratildeo seguiu o seu proacuteprio caminho Mesmo em notas preparadas para

a sua versatildeo 1 quando citava uma versatildeo literal natildeo era a de Dom Pedro II Veja-se

por exemplo a nota 111 escrita por Paranapiacaba

Litteralmente De sua horrenda guela expedia um sibilo de morte de seus

olhos dardejava como o raio um fogo de goacutergone

121

Jaacute a traduccedilatildeo literal de Dom Pedro II para a mesma passagem eacute ldquo soprando

exterminio pelas medonhas queixadas fulminava dos olhos gorgoneo lampejo []rdquo

Apenas a palavra ldquoolhosrdquo eacute coincidente

Se a palavra ldquotrasladaccedilatildeordquo encontrada no tiacutetulo do livro do Baratildeo for

entendida como apenas ldquoadaptaccedilatildeordquo poeacutetica da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II

(Prometheu Acorrentado original de Eschylo Vertido litteralmente para o portuguez

por Dom Pedro II Imperador do Brasil trasladaccedilatildeo poeacutetica do texto pelo Baratildeo de

Paranapiacaba grifo nosso) tal tiacutetulo induziraacute a um erro de entendimento pois

nenhuma das versotildees poeacuteticas eacute por assim dizer ldquoDom Pedro II em versosrdquo

Embora Dom Pedro II natildeo tivesse atendido a solicitaccedilatildeo do diplomata Joseph

Arthur de Gobineau de empreender uma traduccedilatildeo em versos percebe-se na anaacutelise

realizada que o Imperador natildeo descurou da sonoridade de sua traduccedilatildeo em prosa do

Prometeu Acorrentado Se a primeira versatildeo lembra traduccedilotildees escolares que visam

apenas o aprendizado de uma liacutengua estrangeira a versatildeo final por sua vez revela um

tratamento mais acurado quanto agrave sonoridade do texto valendo-se de assonacircncias

aliteraccedilotildees e criando padrotildees interessantes com as posiccedilotildees das siacutelabas tocircnicas ao longo

dos periacuteodos Veja-se por exemplo os efeitos sonoros produzidos pela sequecircncia

ldquorevolvemrdquo ldquoventosrdquo e ldquorevoltardquo na uacuteltima fala de Prometeu (vv1080-93) ou as

combinaccedilotildees ldquorevolvem o poacuterdquo e ldquorevolta de opostosrdquo ou ainda a rima interna ldquo ar e

marrdquo no seguinte trecho ldquo[] e os turbilhotildees revolvem o poacute rompem os sopros de

todos os ventos suscitando entre si a revolta de opostos furacotildees e satildeo abalados ar e

marrdquo (traduccedilatildeo de Dom Pedro II para os versos 1084-88 do texto grego)

Em suma Dom Pedro II natildeo foi prosaico ao realizar sua traduccedilatildeo em prosa do

Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo que ateacute onde se sabe eacute a primeira traduccedilatildeo dessa

trageacutedia grega feita no Brasil o que por si soacute lhe assegura um lugar de destaque na

longa cadeia das versotildees dessa peccedila em nosso idioma52

52 Ver Conclusatildeo Geral da presente dissertaccedilatildeo (p273) logo apoacutes as transcriccedilotildees da traduccedilatildeo do

Imperador e das versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba

122

SEGUNDA PARTE

TRANSCRICcedilOtildeES

123

CAPIacuteTULO 3 - Transcriccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II

[fl1]Prometheu encadegraveado53

de Eschylo

A Forccedila a Violencia Vulcagraveno Prometheu

A Forccedila

Chegamos a terra remota aacute regiatildeo Scytha a ermo despovoado Vulcano cumpre

cuidares das ordens que te deu o pae de ligar este malfeitor aos rochedos alcantilados

com algemas infrangiveis de vinculos de accedilo Tua chamma com effeito o brilho do

fogo util a todas as artes deu-o aos mortaes tendo o furtado Na verdade cumpre que

expie para com os deuses tal peccado para que aprenda a venerar o podegraver de Jupiter e

desista de habitos philanthropicos

Vulcagraveno

Forccedila e Violencia o mandado de Jupiter teve cumprimento de vossa parte e

nada mais resta Sou timido para encadegravear com violencia um deus parente ao

despenhadeiro hibernograveso Mas em todo o caso a necessidade d‟isto deve dar-me

audacia pois descurar as ordens do pae eacute grave Filho profundamente pensadograver da recta

conselheira Themis constrangido pregar-te-ei constrangido com cadegraveas indissoluveis

n‟esteltuarrmontegt inhospito onde nem voz nem figura de homem veraacutes mas queimado

lentamente pela chamma brilhante ltuarrdogt sol perderaacutes o mimo da cograver A ti alegrado a

noite de manto varie[fl2]gado occultaraacute a luz e o sol dissiparaacute de nogravevo a geada

matutina Porem sempre te atormentaraacute o pesar do mal presente pois quem deve livrar-

te natildeo nasceu ainda Isto colheste de teus habitos philanthropicos pois qual deus natildeo

temendo a colera dos deuses deste aos mortaes honras alem do justo Por cuja causa

guardaraacutes este ingrato rochegravedo em peacute insomne natildeo curvando o joelho e voltaraacutes

muitas lamentaccedilotildees e gemidos inuteis porque o animo de Jupiter eacute difficilmente

flexivel Rigoroso eacute quem recentemente governa

Forccedila

53

A numeraccedilatildeo das paacuteginas parece ter sido feita a laacutepis no manuscrito a marcaccedilatildeo eacute feita de forma

alternada (se uma paacutegina possui a numeraccedilatildeo a proacutexima natildeo) No entando a paacutegina 7 do manuscrito foi

erroneamente marcada como paacutegina ldquo6rdquo O equiacutevoco persiste ateacute o final do manuscrito cuja a uacuteltima

paacutegina eacute marcada como ldquo46rdquo sendo que haacute 47 paacuteginas de traduccedilatildeo Natildeo sabemos quem fez a marcaccedilatildeo

124

Faccedila-se Porque tardas e te compadeces em vatildeo Porque natildeo odiacuteas o deus mais

inimigo dos deuses que deu traiccediloeiramente teu privilegio aos mortaes

Vulcano54

O parentesco eacute na verltuarrdgt[a]de muito forte assim como a familiaridade

Forccedila

Concordo mas desattendegraver aacutes palavras do pae como eacute possivel Natildeo temes isto

mais

Vulcano

Tu sempre desapiedada e cheia de audacia

[fl3]

Forccedila

De nada vale deploral-o natildeo faze pois cousas que nada aproveitatildeo

Vulcano

Oh muito odiado trabalho manual

Forccedila

Porque o odiacuteas Pois dizendo a verdade natildeo eacute a arte a causa dos males

presentes

Vulcano

A outrem conviria cabegraver ella por sorte

Forccedila

Tudo foi feito para os deuses excepto imperarem55

pois ningueacutem eacute livre salvo

Jupiter

Vulcano

54

Daqui por diante o acento da palavra ldquoVulcagravenordquo soacute seraacute empregado novamente na paacutegina 26 do

manuscrito 55

No manuscrito o trecho ldquo() para os deuses excepto imperaremrdquo eacute sublinhado Tambeacutem entre as

linhas dessa fala DPedro II redige o seguinte comentaacuterio ldquo(excepto para os deuses o imperarem ndash isto eacute

ndash tudo custou trabalho excepcto imperarem os deuses pois somente Jupiter eacute livre (natildeo obedece impera)

(Qual a melhor interpretaccedilatildeo)rdquo

125

Sei-o e nada tenho que contradizer a isto

Forccedila

Natildeo te apressaraacutes pois a circundal-o de cadeagraves para que a ti tergiversante natildeo

ltuarrvejagt[] o pae

Vulcano

E jaacute aacute matildeo se podem vegraver os elos

Forccedila

Tomando-os emtorno das matildeos bate com o malho com grande forccedila finca-os

nas pedras

[fl4]

Vulcano

Estaacute feito e natildeo dura este trabalho

Forccedila

Bate mais aperta de nenhum modo alarga pois eacute astuto para achar sahidas

mesmo de cousas sem remedio

Vulcano

O braccedilo jaacute foi fixado inabalavelmente

Forccedila

E agora liga est‟outro firmemente para que o astuto saiba que eacute mais obtuso que

Jupiter

Vulcano

Excepto este ninguem justamente se houvera queixado de mim

Forccedila

Agora forte enterra atravez dos peitos os dentes arrogantes da cunha de accedilo

Vulcano

Ai ai Prometheu gemo com tuas desgraccedilas

Forccedila

126

De novo hesitas e gemes com os inimigos de Jupiter Que natildeo te compadeccedilas

de ti um dia

[fl5]

Vulcano

Vegraves um espectaculo horriacutevel de vegraver

Forccedila

Vejo-o conseguindo o que eacute justo mas lanccedila os vinculos axillares em torno das

costellas

Vulcano

Eacute necessario fazel-o natildeo m‟o ordenes demais

Forccedila

Ordenarei certamente e incitarei com gritos alem d‟isso Anda para baixo e

aperta com anneis as pernas aacute forccedila

Vulcano

E fez-se o trabalho sem grande custo

Forccedila

Agora finca fortemente as algemas dos peacutes pois que o censor de tuas obras eacute

severo

Vulcano

A tua linguagem falla cousas similhantes aacute tua forma

Forccedila

Segrave molle mas a minha insolencia e crueza d‟indole natildeo m‟ltuarrexprobesgt[]

Vulcano

Vamo-nos pois tem regravedes nos membros

[fl 6]

Forccedila

Procede agora aqui indolenltuarrtegtte[m] e furtando os privilegios dos deuses daacute-

os aos ephemeros Que valem os mortaes para te aliviarem d‟estes trabalhos Os deuses

127

te chamatildeo com o pseudonymo de Prometheu (previdente) quando tu mesmo precisas

d‟um Prometheu de modo a te desembaraccedilares d‟estes artefactos

Prometheu

ltuarrOh ar divinogt[] e ventos de azas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees

innumeraveis das ondas marinhas e terra matildee universal e disco omnividente do sol a

voacutes invoco vede-me quanto eu deus soffro dos deuses Vegravede por quaes ignominias

vexado luctarei infindos annos O nogravevo reguladograver dos felizes inventou por causa de

mim este vinculo aviltante Ai ai Lamento o soffrimento presente e o superveniente

De que modo cumpre que um dia surja o termo d‟estes males Comtudo que digo Sei

de antematildeo claramente tudo o que deve vir nenhum soffrimento chegar-me-aacute

inesperado Eacute preciso supportar da melhor mente a sorte destinada reconhecendo que a

forccedila da necessidade eacute invencivel Mas nem calar nem natildeo calar me eacute possivel esta

sorte porque dando privilegios aos mortaes estou subjugado por estes supplicios

Pesquizo a origem furtiva do fogravego [fl6 (7)]56

occulta na ferula a qual foi para os

mortaes mestra de todas as artes e grande auxilio Cumpro estes castigos das culpas

estando a ceu descoberto pregado com cadegraveas Ah Ah Ai Ai Que rumograver que cheiro

imperceptivel voou ateacute mim Divino mortal ou mixto Veio ao cimo do rochedo

algum expectadograver de meus males ou querendo o que Vegravede-me deus infeliz encadeado

inimigo de Jupiter incorrendo no odio de todos os deuses que frenquentatildeo o palacio de

Jupiter por causa de amizade demasiada aos mortaes Ai Ai Que rumorejar de

voadores ouccedilo de nogravevo perto O ltuarrar sussurragt[] com as ligeiras vibraccedilotildees das azas

Tudo o que se aproxima eacute para mim atemorizadograver

Chogravero

(Strophe 1ordf)

Nada temas pois este bando amigo de azasltuarrcom rapidas porfiacuteasgt[]ltdarrelevou-

se agt este rochegravedo apegravenas convencendo as paternas vontades Auras velozes me

conduziram porque o echo do tinido do ferro penetrou o recesso dos antros expelliu de

mim o veneravel pudograver e descalccedila precipitei-me no carro alado

Prometheu

56

Paacutegina 7 do manuscrito erroneamente marcada como paacutegina ldquo6rdquo O equiacutevoco persiste ateacute o final do

manuscrito marcando a uacuteltima paacutegina como ldquo46rdquo sendo que haacute 47 paacuteginas de traduccedilatildeo Doravante

colocaremos a numeraccedilatildeo correta entre parecircnteses

128

Ai Ai Ai Ai Prole da fecunda Tethys filhas do pae Oceano que circumvolve toda a

terra com insomne fluxo olhae observae com que cadegravea ligado supportarei natildeo

invejavel sentinella no cume dos rochegravedos d‟este precipicio

[fl8]

Chogravero (antistrophe 1ordf)

Vejo-o Prometheu uma nevoa temivel cheia de lagrimas precipitou-se sobre

meus olhos observando eu teu corpo mirrando-se pregado nos rochegravedos com estes

ferreos flagellos pois novos ltuarrtimoneirosgt[]57

regem o Olympo e com leis novas

impera Jove illegitimamente destroe agora o que era antes veneravel

Prometheu

ltuarrProuveragt[Oxalaacute]58

me houvesse arremessado para baixo da terra e Orco

recebedograver dos mortos para o Tartaro immenso tendo me lanccedilado crueis e indissoluveis

cadegraveas de modo que nem deus nem outro qualquer se regozijasse d‟isto Agora

desgraccedilado dos ventos ludibrio soffro o que alegra os inimigos

Chogravero (Strophe 2ordf)

Qual dos deuses de coraccedilatildeo assim endurecido a quem isto agraacutede Quem natildeo

partilha a dograver de teus males excepto Jupiter Elle irosamente tendo se posto de animo

inflexivel doma a celeste progenie nem cessaraacute antes que ou sacie o coraccedilatildeo ou

alguem por qualquer artificio se tenha apossado do governo difficil de tomar

Prometheu

Certamente o governador dos felizes ainda teraacute necessidade de mim maltratado

embora por fortes algegravemas para eu lhe [fl8 (9)] manifestar o novo trama59

pelo qual

sceptro e honras lhe seratildeo roubados Nem me abrandaraacute com os mellifluos

incantamentos da persuasatildeo nem aterrado por graves ameaccedilas denuncial-o-ei antes que

me tenha soltado das crueis cadegraveas e reparado esta ignominia

57 Ver paacutegina 23 nota 58

A palavra ldquoOxalaacuterdquo estaacute sublinhada no manuscrito e logo acima estaacute escrita a palavra ldquoprouverardquo com

tinta diferente Ao contraacuterio das outras ocorrecircncias natildeo houve rasura o que indica duacutevida 59

Palavra normalmente feminina no entanto o dicionaacuterio Houaiss anota a ocorrecircncia desse termo

tambeacutem como um substantivo masculino no sentido de ldquoconluiordquo ldquomaquinaccedilatildeordquo

129

Chogravero (Antistrophe 2ordf)

Na verdade audaz nada te dobras aos males acerbos e demasiadamente livre

fallas Terrograver profundo abalou-me o animo pois temi quanto ao teu destino o como

cumpra chegares a vegraver o termo d‟estes trabalhos porquanto o filho de Saturno tem

caracter inexoravel e coraccedilatildeo inflexivel

Prometheu

Sei que Jupiter eacute aspero julgando a seu bel-prazegraver comtudo seraacute um dia de

animo brando quando fograver de certo modo ferido abatendo a indomavel colera voltaraacute

ainda anciograveso aacute concordia e a amizade commigo anciograveso

Chogravero

Revela tudo e dize-nos em que crime surpreh[enltuarrdengtd]o-te Jupiter assim te

maltrata ignominiosa e acerbamente Conta-nos se nada teltuarr+gt60

offende na narraccedilatildeo

Prometheu

Na verdade eacute doloroso para [mim ltuarro que tenho degt referir ]ltuarrmasgt doloroso

calar em todos os casos desgraccedilado Logo que os ltdarrcelicolasgthabitantes do ceu[fl10]

se deixaram ltuarrdominargt pela coacutelera e a discordia suscitou de entre elles querendo uns

derrubar Saturno do throno sem duvida para que Jupiter imperasse outros anhelando o

contrario que Jupiter jamais governasse os deuses entatildeo aconselhando eu o melhor

natildeo ltuarrpude convencegravergt[] os Titatildees filhos do Ceu e da Terra mas desprezando os

meios brandos em seus violentos pensamentos julgaratildeo haver de governar sem custo aacute

forccedila Natildeo ltuarrsomentegt uma vez minha matildee Themis e a Terra forma unica de

muitos nomes predissera-me como se ratificaria o futuro que nem por forccedila nem por

violencia ltuarrcumpririagt mas por dolo ltuarros quegt[] ltuarrse tornassemgt [superiores]

vencegraverem ltuarr+gt61

[] ltA mim quando dizia taes cousas com palavras natildeo se dignaram de

60

Entre ldquoterdquo e ldquoofenderdquo estaacute um sinal ldquo+rdquo (adiccedilatildeo ou cruz) feito em tonalidade de tinta diferente A cruz

costuma indicar passagens corrompidas nos manuscritos Mas natildeo parece o caso aqui em vista do grego 61 Acima do ponto final haacute uma cruz (ou adiccedilatildeo) aparentemente marcada a laacutepis No entanto antes do

ponto final temos a palavra ldquovencegraveremrdquo e acima dela haacute outro sinal um ciacuterculo com uma cruz dentro

No comeccedilo da paacutegina do manuscrito onde estaacute escrita a passagem em questatildeo [fl10] haacute um sinal

idecircntico ao que fora escrito sobre a palavra ldquovencegraveremrdquo Perto desse sinal estaacute escrito ldquofaltam aqui dous

versosrdquo Esses dois versos foram escritos mais agrave esquerda desse sinal ldquoA mim quando dizia taes cousas

com palavras natildeo se dignaram de nada attender totalmenterdquo Portanto o sinal no corpo do texto se trata

de uma chamada e a cruz acima do ponto final talvez indique que eacute depois dele que os versos esquecidos

na traduccedilatildeo devem ser lidos Por isso os incluiacutemos no corpo do texto

130

nada attender totalmentegt62

Do que entatildeo se apresentava parecia-me ser o mais

acertado tomando commigo minha matildee auxiliar de boa vontade a Jupiter que o queria

Por meus conselhos o abysmo do Tartaro profundamente negro esconde o anciatildeo

Saturno com seus alliados De tal sorte por mim ajudado o Senhor dos deuses com estes

duros trabalhos recompensou-me Ha na verdade como este achaque na soberania de

natildeo confiar nos amigos Jaacute que perguntaes porque motivo me maltrata explical-o-ei

Logo que se assentou no throno paterno immediatamente distribuiu recompensas pelos

habit celicolas a cada um sua e regulou o governo Mas em nenhuma conta teve os

miseros mortaes porem ltuarrdezejavagt[queria] destruindo toda a geraccedilatildeo crear nova E

a isto ninguem resistiu [fl10 (11)]excepto eu Eu porem atrevi-me livrei os mortaes de

irem anniquilados para o Orco Pelo que sou vergado por estas desgraccedilas dolorosas de

soffregraver tristes de vegraver Tendo compaixatildeo dos mortaes natildeo fui achado digno de obtegravel-a

mas desapiedadamente assim fui castigado espectaculo deshonrograveso para Jupiter

Chogravero

De coraccedilatildeo de ferro e feito de pedra eacute quem oh Prometheu natildeo partilha teus

soffrimentos natildeo dezejava eu pois tegraver visto estas cousas e tendo as visto foi o coraccedilatildeo

angustiado

Prometheu

E na verdade para os amigos triste sou eu de vegraver

Chogravero

Por ventura natildeo foste mais longe do que ltuarristogt[]

Prometheu

Impedi os mortaes de prevegraver o destino

Chogravero

Que remedio achando d‟este mal

Prometheu

62

Ver nota anterior

131

ltuarrEstabelecigt[] n‟elles cegas esperanccedilas

Chogravero

Esta grande vantagem doaste aos mortaes

Prometheu

[fl12]

Alem d‟isso dei-lhes o fogravego

Chogravero

Pois ephemeros possuem ltuarragoragt o fogo chamejante

Prometheu

Pelo qual conheceratildeo muitas artes

Chogravero

Por taes crimes pois maltrata-te Jupiter nem abranda os males Nem ha para ti

termo assentado do soffrimento

Prometheu

Nenhum outro senatildeo quando aacutequelle praza

Chogravero

Como porem lhe aprazeraacute Que esperanccedila Natildeo vegraves que delinquiste Como

delinquiste natildeo me eacute agradavel dizer e para ti eacute dograver mas deixemos estas cousas

procura pois qualquer libertaccedilatildeo do soffrimento

Prometheu

Facil eacute quem tem o peacute foacutera das desgraccedilas aconselhar e ltuarradmoestargt[] o

afflicto mas eu sabia tudo isto voluntaria voluntariamente delinqui natildeo negarei

favorecendo os mortaes acarretei-me os trabalhos Comtudo natildeo pensava havegraver de

mirrar-me com taes trabalhos sobre alcantilados rochegravedos cabendo-me este monte

ltuarrermogt[] sem visinhos Natildeo lamenteis comtudo as desgraccedilas presentes mas

132

ltuarrvindasgt[] aacute terra [fl12(13)] ltuarrouvigt [] a sorte que s‟aproxima63

afim de que tudo

saibaes ateacute o fim Crede-me crede compadecei-vos de quem soffre agora Do mesmo

modo certamente a desgraccedila vagando liga-se ora a um ora a outro

Chogravero

Natildeo clamaste isto a ltuarrpessoas que natildeo quizessem (ouvir)gt[ Prometheu E jaacute

com] peacute ligeiro deixando a seacutede velozmente impellida e o puro ltuarrargt[] passagem

ltdos aligerosgt[] chego a este solo fragograveso desejo ouvir inteiramente os teus

trabalhos

Oceagraveno

Chego a ti Prometheu tendo percorrido o termo de longo caminho governando

este aligero de rapido voo pela vontade sem freio Condograveo-me de tua sorte sabegrave-o pois

a isto julgo me obriga o parentesco e parentesco aacute parte a ninguem daria maior

quinhatildeo do que a ti Conheceraacutes porem quatildeo verdadeiras satildeo estas cousas nem que eacute de

mim fallar agradavelmente com leviandade Vamos pois indica em que cumpre

socorrer-te pois nunca diraacutes que ha para ti amigo mais firme que o Oceagraveno

Prometheu

Ah ltuarrQue cousagt64

[Tambem tu] vieste expectadograver de meus trabalhos Como

ousastes deixando a corrente que ltuarrtira de tigt [] o nome e os antros nativos cobertos

de pedra vir aacute terra matildee do ferro Por ventura [fl14] chegaste para observares minha

sorte e partilhares meus males Vegrave o espectaculo o amigo de Jupiter quem com elle

estabeleceu a soberania sob que desgraccedilas sou por elle vergado

Oceagraveno

Vejo-o Prometheu e quero na verdade aconselhar-te melhor embora a quem eacute

astuciograveso Conhece-te a ti mesmo e muda para novos habitos pois tambem novo eacute o

soberagraveno entre os deuses Se arremessas palavras tatildeo asperas e aguccediladas talvez logo te

ouccedila Jupiter mesmo assentando-se muito mais alto de modo que a amargura actual

ltdos malesgt[ dos soffrimentos]paregraveccedila ser divertimento Mas oh infeliz perde a colera

63

O sinal ldquo+rdquo foi marcado acima dessa palavra no manuscrito 64

O trecho ldquoQue cousardquo foi escrito logo acima da palavra ldquotambeacutemrdquo seu lugar na frase eacute indicado por

meio de traccedilo Nota-se tambeacutem o sinal (+) em outra cor com o qual provavelmente o autor marcava

onde em revisatildeo deveria inserir algo

133

que tens procura a libertaccedilatildeo d‟estes soffrimentos Talvez pareccedila-te dizegraver cousas

antiquadas comtudo tal eacute a recompensa d‟uma lingua demasiadamente arrogante Tu

porem natildeo eacutes humilde nem cedes aos males mas queres ajuntar outros aos actuaes

Portanto servindo-te de mim ltcomogt[] mestre natildeo daraacutes ponta- peacutes na espora vendo

que impera um monarcha severo e irresponsavel E agora vou-me e tentarei se posso

livrar-te d‟estes trabalhos Tu aquieta-te e natildeo falla intemperantemente Acaso natildeo

sabes perfeitamente sendo tatildeo prudente que eacute infligido castigo aacute lingua insensata

[fl14 (15)]

Prometheu

Invejo-te porque ficas isento de crime tendo tudo partilhado e visado commigo

Mas agora desiste nem te importes pois de nenhum modo o convenceraacutes porquanto eacute

inexoravel Examina bem tu mesmo se nada soffres com a viagem

Oceagraveno

Na verdade muito melhor aconselhas os outros que a ti proprio e reconheccedilo-o

pelas obras e natildeo pelas palavras De nenhum modo faccedilas retrocedegraver a mim que venho

apressado pois gloriacuteo-me gloriacuteo-me de havegraver Jupiter de concedegraver-me o dom de

libertar-te d‟estes trabalhos

Prometheu

Louvo-te por isso e jamais deixarei de louvar-te Natildeo poupas diligencia

comtudo nada faccedilas pois nada aproveitando-me debalde trabalharaacutes ainda que

trabalhar queiras mas aquieta-te conservando-te afastado porquanto se eu sou infeliz

natildeo quizera por esta causa que tocassem desgraccedilas a muitosltuarrOceanogt65

[Natildeo]

certamente pois que me atormentatildeo os destinos do irmatildeo Atlante que estaacute nas regiotildees

occidentaes sustentando nos hombros a columna do ceu e da terra peso difficil de

suportar ltuarrCondoi-megt [vendo o] terrigena habitante dos antros Cilicios monstro

funesto o violento Typhatildeo de cem cabeccedilas subjugando os outros agrave forccedila o qual

rebellou-se [fl16] contra todos os deuses soprando exterminio pelas medonhas

queixadas fulminava dos olhos gorgoneo lampegravejo como se destruira aacute forccedila a

soberania de Jupiter Mas veio a elle o dardo insomne de Jupiter o cadente raio

65 Ver nota 69

134

expirando chammas que abateu as arrogantes jactancias pois ferido nas proprias

entranhas foi o vigor incinerado e fulminado e agora corpo inerte e estirado jaz

perto de estreito maritimo comprimido sob as raizes do Etna Nos altos cumes

assentado forja Vulcano massas incandescentes d‟onde jorraratildeo um dia rios de fogravego

devorando com ferozes queixos as campinas da Sicilia de bellos fructos Typhatildeo

vomitaraacute essa biles com os ardentes dardos d‟inextinguivel ignivomo ltuarr+gt[turbilhatildeo]66

Carbonisado embora pelo raio de [Jupiter] ltuarrPrometheugt67

Tu natildeo eacutes inexperiente nem

precisas de mim como mestre salva-te a ti mesmo como souberes Eu supportarei o

presente destino ateacute que o animo de Jupiter cesse da colera

Oceagraveno

Pois natildeo [sabes]ltuarristogt Prometheu que as fallas satildeo medicos de alma doente

Prometheu

Se alguem ltuarracalmargt[] o coraccedilatildeo opportunamente e natildeo reprimir aacute forccedila a

paixatildeo intumescente

Oceagraveno

[fl16(17)]

Mas no interessar-se e ousal-o que damno vegraves existir Ensina-m‟o

Prometheu

Trabalho inutil e stultice de ltanimogt[espirito] leviagraveno

66

Acima de ldquoturbilhatildeordquo encontra-se o sinal de adiccedilatildeo 67 A palavra ldquoPrometheurdquo foi escrita no espaccedilo interlinear entre as palavras ldquoJupiterrdquo e ldquoTurdquo Num

primeiro momento pensamos que o Imperador estava apenas indicando ao leitor que a longa fala de

Prometeu continuava (vv340-76) tiacutenhamos em mente o texto original editado por Mark Griffith (1997)

No entando Brunno VGVieira Professor de Letras Claacutessicas da UNESP e um dos arguidores da

presente pesquisa chamou a atenccedilatildeo para esse detalhe Posteriormente consultamos a ediccedilatildeo de 1809 do

texto original grego empeendida por Christian Gottfried Schuumlltz e constatamos que a disposiccedilatildeo das falas

difere da ediccedilatildeo de Griffith A ediccedilatildeo de Schultz tem a seguinte disposiccedilatildeo Prometeu vv 340-46

Oceano vv347-72 Prometeu vv373-6 A ediccedilatildeo de Thomas Stanley (1809) possui a mesma disposiccedilatildeo

de Schuumlltz para a passagem em questatildeo A palavra ldquoPrometheurdquo escrita no espaccedilo interlinear destaca um

trecho idecircntico ao da fala de Prometeu editada por Schuumlltz e Stanley Logo acima do iniacutecio da traduccedilatildeo

para o verso 347 o Imperador escreveu no espaccedilo interlinear a palavra ldquoOceanordquo[fl15] (p133) mas

riscou-a Se levarmos em conta esses dois acreacutescimos a traduccedilatildeo fica com a mesma disposiccedilatildeo das

ediccedilotildees de Schuumlltz e Stanley para os versos 340-76 O interessante eacute que na versatildeo preliminar da traduccedilatildeo

em prosa guardada no Museu Imperial natildeo haacute esses dois acreacutescimos o que nos faz pensar que Dom

Pedro II estava trabalhando com mais de uma ediccedilatildeo do texto original Eis a traduccedilatildeo dos versos 373-6 no

manuscrito do Museu Imperial ldquoTu natildeo inexperiente natildeo precisas de mim como mestre salva-te a ti

como sabes Eu sofrerei a sorte presente ateacute que o espirito de Jupiter tenha descansado da colerardquo

135

Oceagraveno

Deixa-me padecegraver d‟esta molestia pois que eacute ltuarr+gt[vantajogravesissimo]68

que quem

pensa sensatamente natildeo o pareccedila

Prometheu

Esta culpa pareceraacute segraver minha

Oceagraveno

Teu discurso reenvia-me para casa

Prometheu

Natildeo te lance ao odio a compaixatildeo de mim

Oceano69

Porventura de quem assenta-se recentemente na sede omnipotente

Prometheu

Guarda-te d‟elle que jamais seu coraccedilatildeo seja irritado

Oceagraveno

Tua desgraccedila Prometheu eacute minha mestra

Prometheu

Vae-te apressa-te ltuarrconservagt[] tua actual resoluccedilatildeo

Oceagraveno

[fl 18]

Disseste-o a quem tem pressa pois o aligero quadrupede roccedila com as azas o

caminho plagraveno do ar contente por tegraver de dobrar o joegravelho nos estabulos

ltuarrdomesticosgt[]

68

Haacute uma cruz ou adiccedilatildeo marcada a grafite acima dessa palavra 69

Aqui o acento foi esquecido

136

Chogravero (Strophe 1ordf)70

Deploro-te pela sorte perniciosa Prometheu e molhei as faces com humidas

fontes derramando de ternos olhos uma corrente gotejando lagrimas pois Jupiter

ordenando estas cousas desapiedadamente por leis suas mostra ltuarraosgt[] deuses de

outrora a haste orgulhosa

(antistrophe 1ordf)

Jaacute toda a regiatildeo resoou lamentavelmente e tua magnifica e antiga dignidade

deploratildeo e quantos mortaes habitatildeo o vizinho solo da sacra Asia condoem-se de tuas

desgraccedilas dignas de altos gemidos

(Strophe 2ordf)

e as virgens habitantes da terra da Colchida impavidas nos combates e a

ltuarrhordagt[] Scytha que ocuppa o logar extremo da terra emtograverno do pauacutel Meotide

(antistrophe 2ordf)

e a flograver marcial da Araacutebia e os que habitatildeo71

aldegravea cheia de precipicios perto

do Caucaso chusma bellicosa fremente com agudas hastes

[fl18 (19)]

(Epodo)

Somente outro vi antes subjugado ltuarremgt[por]ferreos trabalhos pelos flagellos

dos deuses Atlante que sempre um esforccedilo immenso o solido polo celeste sustenta nas

costas Muge o marulho do mar chocando-se geme o abysmo o negro fundo da

regiatildeo do Orco sub-freme e as fontes dos rios sacro-fluentes deploratildeo a lamentavel dograver

Prometheu

ltuarrDe nenhum modogt[ julgueis] que por pertinacia ou insolencia me cale mas

o desgosto ltuarrdevoragt[dilacera]-me o coraccedilatildeo vendo-me assim ultrajado Comtudo

quem senatildeo eu distribuiu privilegios por todos estes novos deuses Calo-o porem jaacute

que o diria a voacutes que o sabeis Ouvi a desgraccedila que houve para os mortaes como a elles

estupidos antes ltuarrfizgt[] prudentes e dotados de intelligencia mas dil-o-ei natildeo tendo

exprobaccedilatildeo para os homens porem expondo a benevolencia das cousas que dei Na

verdade os que d‟antes viatildeo debalde viatildeo os que ouviatildeo natildeo ouviatildeo mas similhantes aacutes

70

Havia uma linha de texto abaixo da palavra ldquochograverordquo que foi totalmente riscada em sua maior parte

estaacute ilegiacutevel Lecirc-se contudo algumas palavras ldquolamentordquo na primeira posiccedilatildeo ldquoperniciosardquo e a uacuteltima

ldquoPrometheurdquo 71

O trecho ldquoda Arabia e os que habitatildeordquo foi sublinhado no manuscrito e logo acima dele foi escrito

entre parecircnteses ldquo(de Aryas que habita)rdquo sem indicaccedilatildeo de inclusatildeo

137

formas dos sonhos por muito tempo tudo ltuarrconfudiatildeogt[] ao acaso nem conheciatildeo as

casas de tijogravelo expostas ao sol nem carpinteria mas habitavatildeo encovados como as

pequegravenas formigas nas profundezas natildeo assoalhadas dos antros Natildeo havia para elles

limite de inverno nem de florida primavera nem de fructifero estiacuteo mas tudo faziatildeo

[fl20] sem sciencia ateacute que lhes mostrei os nascimentos dos astros e os occasos

difficeis de notar E inventei-lhes a numeraccedilatildeo a mais excelente das doutrinas e os

arranjos das letras e a memoria matildee das musas artiacutefice de todas as cousas Jungi

[primeiro ao jugo os animaes] ltuarrtornando-se escravos da cordagt72

ltuarre para quegt[]

com os corpos fossem substitutos aos mortaes nos maiores trabalhos sujeitei ao carro

os cavallos doceis ltuarrde reacutedeagt [] ornamento da molleza excessivamente rica

Ninguem senao73

eu inventei esses vehiculos undivagos de azas de linho Descobrindo

taes inventos para os mortaes infeliz natildeo tenho eu proprio artificio com que me

ltuarrlivregt[] da desgraccedila actual

Chogravero

Soffres affrontosa desgraccedila aberras privado da razatildeo mas como mau medico

cahindo doente desanimas e natildeo podes achar com que remedios sejas curavel

Prometheu

Ouvindo-me o resto mais admiraraacutes as artes e cousas uteis que excogitei O que

eacute o mais importante se alguem cahisse doente natildeo havia nenhum remedio nem de

comegraver nem de untar nem de bebegraver mas definhavatildeo por falta de remedios antes que eu

lhes mostrasse as misturas dos saudaveis remedios com que expellem de si todas as

molestias

[fl20 (21)]

Institui muitos modos de adevinhaccedilatildeo e primeiro e distingui o q74

dos sogravenhos

deve segraver sogravenho verdadeiro expliquei-lhes os agouros vocaes difficeis de entendegraver e

os accidentaes dos caminhos e defini exatamente o vograveo das aves de unhas

recurvadas quaes as favoraveis por natureza quaes as sinistras que comida tem cada

uma que inimizades amograveres e reuniotildees entre ellas e a lisura das entranhas e com que

72

O trecho ldquotornando-se escravos da cordardquo foi escrito logo acima do trecho ldquoprimeiro ao jugo os

animaisrdquo seu lugar na frase eacute indicado por meio de traccedilo Depois da palavra ldquoanimaesrdquo o trecho ldquoe para

querdquo foi escrito logo acima de algo que fora riscado e estaacute ilegiacutevel 73

O autor esqueceu de colocar o til na palavra ldquosenatildeordquo 74

O autor anota ldquoqrdquo com um til no manuscrito Eacute a abreviaccedilatildeo da palavra ldquoquerdquo Recurso bastante comum

na eacutepoca do Imperador e recorrente em seu manuscrito

138

cograver sejatildeo do prazegraver para os celicolas e a bella forma variegada do fel e do lobulo do

figado Queimando membros cobertos de gordura e um comprido lombo guiei os

mortaes na difficil arte de adevinhar e revelei os signaes igneos d‟antes caliginosos

Taes na verdade estas cousas mas quem diria ter descoberto antes o ltuarrcobregt[] o

ferro a prata e o ouro recursos occultos aos homens embaixo da terra Ninguem

perfeitamente o sei a natildeo queregraver palrar em vatildeo Em poucas palavras aprende tudo

d‟uma vez todas as artes proviratildeo aos mortaes de Prometheu

Chogravero

Natildeo soccograverras os mortaes alem do que convem nem te descuides de ti

desgraccedilado pois que tenho boas esperanccedilas de que um dia sogravelto d‟essas cadegraveas natildeo

segravejas menos poderograveso que Jupiter

Prometheu

[fl22]

Prometheu

Ainda natildeo estaacute fadado que ltuarrde tal maneiragt[assim] ratifique isto a

Parca que tudo perfaz mas vergado sob infinitas desgraccedilas e calamidades assim

livrar-me-ei a final das cadegraveas A arte eacute muito mais fraca do que a fatalidade

Chogravero

Quem eacute o timoneiro da fatalidade

Prometheu

As triformes Parcas e as memoriosas Furias

Chogravero

Pois Jupiter eacute mais fraco do que ellas

Prometheu

Certamente natildeo evitaria o fadado

Chogravero

Que ha pois fatal para Jupiter senatildeo imperar

139

Prometheu

Jamais o saberias nem me rogues

Chogravero

Eacute porventura alguma cousa ltuarrvenerandagt[] o que occultas

Prometheu

Lembrae-vos de outro discurso proferir este de nenhum modo eacute

opportuno mas deve-se occultal-o o mais possivel pois reservando-o evito cadegraveas

affrontosas e calamidades

[fl22 (23)]

Chogravero (Strophe 1ordf)

Jamais quem rege tudo Jupiter opponha seu podegraver aacute minha vontade

Nem tarde ltuarreugt em approximar-me dos deuses com os banquegravetes ltuarrrituaesgt de

bois sacrificados junto ao curso incessante do pae Oceagraveno nem delinqua por palavras

mas fique-me isto e jamais se desvanegraveccedila

(antistrophe 1ordf)

Doce eacute estendegraver longa vida por confiadas esperanccedilas nutrindo a alma de

brilhantes alegrias mas horroriso-me observando porque infinitos ltuarrsoffrimentosgt

[eacutes atorm]entado ltx x x x xgt75

Natildeo temendo Jupiter honras demasiadamente os

mortaes Prometheu por tua propria vontade ltuarrStrophe 2ordfgt76

Eia Que ingrata gratidatildeo

oh amigo dize onde auxilio Que socograverro dos ephemeros Natildeo observaste a importante

fraqueza similhante a um sonho ltuarrcomgt[] que a dos mortaes x x x77

cega geraccedilatildeo

estaacute algemada Os conselhos dos mortaes ltuarrnuncagt[] preferem aacute ordem estabelecida

por Jupiter

(antistrophe 2ordf)

Aprendi-o ltuarrobservandogt[] tua misera sorte Prometheu Diverso voou

para mim este e aquelle canto quando emtograverno do banho e de teu leito com alegria

75

Logo apoacutes a esse ponto encontra-se um traccedilo ascendente sobre o qual estaacute marcado ldquox x x x xrdquo

indicando que o texto original nessa passagem estaacute corrompido Ver pp75-7 da presente dissertaccedilatildeo 76

A indicaccedilatildeo do o iniacutecio da estrofe 2ordf foi feita por meio de linhas ascendentes partindo dentre as

palavras ldquovontaderdquo e ldquoeiardquo nas quais eacute escrito ldquo(Strophe 2ordf)rdquo como uma espeacutecie de correccedilatildeo feita pelo

autor 77

Marcaccedilatildeo feita no corpo do texto Ver nota 78

140

cantava o hymeneu na occasiatildeo que persuadindo com as dadivas esposalicias minha

irmatildea paterna Hesione levaste-a como espogravesa socia de leito

[fl24]

Io

Que terra Que geraccedilatildeo Quem direi ser este que eu vejo expogravesto aacutes intemperies

encadeado aos rochegravedos De que delicto te faz perecegraver o castigo Mostra-me em que

parte da terra vago ltuarrAh Ah Ai Aigt[Novamente ferra-me] infeliz um tavatildeo

imagem do terrigena Argos Afasta terra tenho megravedo o boieiro ltuarrde numerosos olhos

que me observagt[ infinitos] Elle anda tendo ogravelho dolograveso e morto natildeo o esconde a

terra mas escapando d‟entre os que estatildeo debaixo da terra caccedila-me desgraccedilada e faz-

me vagar famelica pela maritima aregravea78

(Strophe)

A canna ltuarrmelodiosagt[sonora] ligada com cegravera resogravea um canto soporifero

Ai ai ah Onde ah Onde me levatildeo as longinquas peregrinaccedilotildees Em q a final ltoh

uarrSaturniogt[] filho em que a final achando-me delinquente prendeste-me n‟estas

desgraccedilas Ai ai Assim me atormentas infeliz delirante com o megravedo das ferroadas do

tavatildeo Queima-me com fogravego ou esconde-me na terra ou daacute-me como pasto de feras

marinhas natildeo me rejeites as preces oh rei ltuarrBastantegt[] me ltuarrforccedilaram a

exerciciogt[ multivagas] peregrinaccedilotildees nem tenho onde aprenda como evite as

desgraccedilas Ouves a voz da virgem bovicornuta

Prometheu

Como natildeo ouvirei a donzella pungida pelo tavatildeo a filha d‟Inacho [fl24

(25)]que abraza de amograver o coraccedilatildeo de Jupiter e agora odiosa a Juno ltuarreacutegt[] forccedilada ao

exercicio de interminaveis carreiras

Io (antistrophe)

Porque pronuncias ltuarrtugt o nome de meu pae Dize a mim infeliz quem eacutes

quem portanto falla a mim oh misera assim verdadeiramente desgraccedilada nomeando

ltuarro malgt[] proveniente dos deuses que me consome pungindo-me com furiograveso

ferratildeo Ai ai Vim em rapido curso impellida pelos famelicos flagellos dos saltos (vim

78

ldquoaregraveardquo = ldquoareiardquo(forma atualizada)

141

em rapido curso esfomeada e aos saltos) domada pelos designios rancorosos de Juno

Quaes dos infelizes quaes ai ai soffrem como eu Mas aponta-me claramente que me

resta ou natildeo me cumpre padecegraver Indica-me o remedio do mal se o conheces Falla

explica-o aacute virgem desaventuradamente vagabunda

Prometheu

Claramente dir-te-ei tudo o que desejas sabegraver natildeo enredando enigmas porem

singelo discurso como eacute justo abrir a bocca ltuarrcomgt[] amigos Vegraves Prometheu o

dadograver do fogo aos mortaes

Io

Oh tu que revelaste aos mortaes o bem commum desgraccedilado Prometheu em

castigo de que padeces isto

Prometheu

Ainda ha pouco deixei de lamentar meus males

[fl26]

Io

Natildeo me concederias essa graccedila

Prometheu

Dize que pedes Pois tudo saberias de mim

Io

Revela-me quem te ligou a este precipicio

Prometheu

A resoluccedilatildeo de Jupiter e a matildeo de Vulcagraveno

Io

Mas de que delictos soffres a pena

Prometheu

142

Tatildeo somente isto posso explicar-te

Io

E alem d‟isto mostra-me o termo de minha peregrinaccedilatildeo e qual o tempo para a

infeliz

Prometheu

Melhor eacute para ti ignoral-o que sabegravel-o

Io

Natildeo me escondas o que tenho de sofregraver

Prometeu

Mas natildeo te recuso este favograver

Io

Porque hesitas entatildeo em dizer-me tudo

[fl26 (27)]

Prometheu

Natildeo haacute nenhuma recusa porem receio perturbar teu espirito

Io

Natildeo cuides ltuarrmaisgt de mim pois eacute me agradavel

Prometheu

Pois dezejas cumpre dizegravel-o ouve entatildeo

Chogravero

Ainda natildeo concede-me tambem parte do prazegraver Indaguemos primeiro o mal

d‟ella contando ella mesma sua sorte cheia de odios do resto das infelicidades seja

informada por ti

Prometheu

143

Eacute teu cuidado ltuarrIogtfazegraver a estas o favograver em todo o caso e por serem irmaatildes

de teu pae visto que chorar e deplorar as desgraccedilas ali onde ltuarralguemgt hade obtegraver

lagrimas dos ouvintes vale a demora

Io

Natildeo sei como desobedecegraver-vos por claro discurso sabereis tudo o que dezejaes

posto que [me envergonhe de dizegraverltuarrd‟onde sobrevieratildeo a mim desaventuradagt79

a

calami]dade proveniente dos deuses e a mudanccedila de forma Visotildees nocturnas

frequentando sempre meus aposentos virginaes exhortavatildeo-me com suaves palavras oh

felicissima donzella porq80

te conservas muito tempo virgem sendo-te permittido

alcan81

[fl28] o maior casamento Pois Jupiter estaacute abrasado por ti pelo dardo dos

dezejos e quer gozar Cypris contigo mas tu oh moccedila natildeo recuses o leito de Jupiter

porem sahe para o fertil prado de Lerna e os rebanhos e abegoarias de teu pae afim

de que a vista de Jupiter descanse dos dezejos Todas as noites era dominada por taes

sogravenhos ateacute que ousei referir a meu pae os sogravenhos nocturnos Elle enviou a Delphos e a

Dodona numerosos consultantes do oraculo para que ltuarrsoubessegt[] como

ltuarrobrando ougt fallando cumpria fazer cousas agradaveis aos celicolas Voltavatildeo

annunciando oraculos ambiguos obscuros e expressos por modo difficil d‟ entendegraver

Em fim um vaticinio evidente chegou a Inacho claramente ltuarrrecomendandogt[] e

dizendo que me expelisse de casa e ltuarrmesmogt[] da patria para abandonada eu vagar

ateacute as regiotildees extremas da terra E se eu natildeo quizesse viria de Jupiter o flammigero raio

que tudo anniquilaria Persuadido por estes oraculos de Apollo (do Ambiguo) contra

vontade expelliu e excluiu-me de casa contra minha vontade mas o freio de Jupiter

forccedilou-o a fazegraver isto Minha forma e meu espirito eratildeo logo mudados cornigera pois

como vegravedes picada por um tavatildeo de aguda bocca pulava com furiosos saltos para o

arrograveio de agradavel bebida de Cenchrea e a fonte de Lerna o terrigena boieiro

d‟inflexi[fl28 (29)]vel rancograver Argos ltuarrseguegt observando com

ltuarrnumerososgt[innumero] olhos as minhas peacutegadas Sorte imprevista e subita privou-

o de vivegraver eu porem picada pelo tavatildeo sou impellida de terra em terra pelo flagello

divino Ouves o que se fez se tens porem que dizer do resto dos males declara-o nem

79

O trecho ldquod‟onde sobrevieratildeo a mim desaventuradardquo foi escrito logo acima do trecho ldquome envergonhe

de dizer a calami-()rdquo seu lugar na frase eacute indicado por meio de traccedilo 80

Abreviaccedilatildeo encontrada no manuscrito haacute um til logo acima da letra ldquoqrdquo 81

A paacutegina 27 termina com ldquoalcan()rdquo mas a siacutelaba ldquoccedilarrdquo natildeo foi escrita na proacutexima paacutegina

144

compadecendo-te me consoles com falsas palavras pois eacute o mais vergonhograveso dos

defeitos proferir discursos artificiosos

Chogravero

Ai ai ltuarrPaacuteragt[ai] de mim Jamais jamais julguei que estranhos discursos

viessem a meus ouvidos nem que desgraccedilas tatildeo ltuarrtristesgt de vegraver e insupportaveis

desgraccedilas expiaccedilotildees e horrograveres gelassem minha alma com farpatildeo de dous gumes Ai

ai Destino destino arrepiei-me observando a sorte de Io

ltuarrPrometheu

Gemes antes do tempo e estaacutes cheia de megravedo Espera ateacute que conheccedilas tambeacutem

o resto

Chogravero

Dize explica Doce eacute para os q soffrem sabegraver d‟antematildeo claramte o resto da

dogravergt82

Prometheu

[Jaacute alcanccedilaste de mim facilmente] ltuarrvossogt[] dezejo pois dezejastes sabegraver

d‟esta primeiramente sua desgraccedila narrando-a ella mesma Ouvi agora o resto dos

males que ltuarragt esta mograveccedila cumpre soffregraver por causa de Juno e tu sangue de Inacho

lanccedilas no espirito minhas palavras para que saibas o termo do caminho

Primeiramente voltando-te daacutequi para o levantar do sol anda para campos natildeo

lavrados mas chegaraacutes aos Sythas nomadas que habitatildeo elevados [fl30] sobre carros

bem providos de rodas tectos entrelaccedilados pendendo-lhes arcos que atiratildeo longe Natildeo

chegando avisinhar-se d‟elles mas aproximando os peacutes das fragosas praias

fluctisonantes atravessar a regiatildeo Aacute matildeo esquegraverda moratildeo os Chalybes ferreiros de que

cumpre acautelares-te pois satildeo ferozes e inaccessiveis aos estranhos Chegaraacutes ao rio

Hybristes (violento) natildeo falsamente chamado o qual natildeo atravesses pois natildeo eacute facil de

atravessar antes que chegues ao proprio Caucaso o mais alto dos montes onde o rio

jorra o impeto ltuarrmesmogt[] do cume Cumpre que atravessando os cumes visinhos

82

Todo o texto em ltgt foi escrito em letras pequeninas acima da fala de Prometeu ldquoJaacute alcanccedilastes de

mim facilmenterdquo

145

dos astros ande a viagem para o meio dia onde chegaraacutes ao povo das Amazonas que

odiacutea os homens as quaes habitaratildeo um dia Themiscyra junto ao Thermodonte onde

estaacute o aspero queixo Salmydessio inhospito aos nautas ltuarrmadrastagt[] dos navios

Ellas mesmas te guiaratildeo e com o maior prazegraver Chegaraacutes ao isthmo Cimmerio nas

proprias portas apertadas do pauacutel deixando o qual cumpre que intrepidamente

atravesses os canaes Meoticos Seraacute para sempre grande entre os mortaes a fama de

tua passagem e chamar-se-aacute com o sobrenome de Bosphoro Bosporos(Bosphoro) e

deixando o solo da Europa chegaraacutes ao continente Asiatico Natildeo vos parece segraver o

senhor dos deuses em tudo [fl30 (31)] igualmente violento Pois dezejando esse deus

tegraver commercio com esta mortal a lanccedilou n‟estas peregrinaccedilotildees Cruel pretendente de

tuas bogravedas alcanccedilaste oh moccedila Pois as palavras que ouviste agora nem no proemio te

pareccedilatildeo estar

Io

Ai de mim de mim Ai ai

Prometheu

Tu clamas de novo e gemes que faraacutes quando souberes os restantes males

Chogravero

Pois diraacutes a esta o resto das infelicidades

Prometheu

ltuarrPelagogt[] na verdade tempestuograveso de ltuarrfatalgt[] calamidade

Io

Que lucro eacute para mim viveacuter83

e pelo contrario natildeo me atirei depressa d‟este

rochegravedo escarpado de modo que precipitada sobre o solo me libertasse d‟estes

trabalhos Pois eacute melhor morregraver d‟uma vez do que penar todos os dias

Prometheu

83

Palavra acentuada conforme o manuscrito De acordo com outros exemplos observados o correto seria

ldquovivegraverrdquo

146

Sem duvida difficilmente supportarias meus soffrimentos a mim natildeo eacute fadado

morregraver pois [seria]ltuarrpara mimgt a libertaccedilatildeo das infelicidades Agora natildeo se me

apresenta nenhum termo das desgraccedilas antes que Jupiter decaia do podegraver

[fl32]

Io

Hade acaso um dia Jupiter decahir do mando

Prometheu

Regozijar-te-ias penso-o vendo essa desgraccedila

Io

E como natildeo eu que padeccedilo por causa de Jupiter

Prometheu

De ti depende sabegraver isto como devendo segraver na verdade

Io

Por quem seraacute ltuarrespoliadogt[] do regio sceptro

Prometheu

Elle mesmo por ltuarrseusgt[] estultos ltuarrdesignosgt[]

Io

De que modo Explica se natildeo ha risco

Prometheu

Faraacute tal casamento de que um dia se doeraacute

Io

Divino ou humano Se eacute licito dize-o

Prometheu

Porque qual Natildeo eacute licito dizegravel-o

147

Io

Acasoltuarrseraacutegt[] derribado do thrograveno pela espogravesa

[fl32 (33)]

Prometheu

Ella pariraacute um filho mais forte do que o pae

Io

Natildeo ha para elle recurso d‟este destino

Prometheu

Natildeo certamente antes que eu seja sogravelto das cadegraveas

Io

Quem te hade comtudo soltar natildeo querendo Jupiter

Prometheu

Cumpre que seja um de teus descendentes

Io

Que dizes Por ventura um filho meu te libertaraacute dos males

Prometheu

ltuarrSem duvida umgt[Um] terceiro em geraccedilatildeo depois de outras dez geraccedilotildees

Io

Este vaticinio natildeo eacute de facil conjectura

Prometheu

Tambem natildeo desejes ltuarrsabegraver teusgt[proprios] trabalhos

Io

Offerecendo-me a dadiva natildeo m‟a a negues depois

148

Prometheu

Com um de dous discursos te favorecerei

Io

[fl34]

Quaes Dize e daacute-me a escolha

Prometheu

Concedo Escolhe ou te direi claramente o resto de teus trabalhos ou quem hade

libertar-me

Chogravero

D‟estes favograveres queiras fazegraver um a esta outro a mim nem desprezes minhas

palavras Declara-lhe a restante peregrinaccedilatildeo e a mim o libertadograver pois dezejo isto

Prometheu

Visto que o desejaes ardentemente natildeo me recusarei a declarar tudo o que

quereis A ti primeiro Io referirei a muita agitada peregrinaccedilatildeo que tu ltuarrdeves

gravargt[] nas tabuas commemorativas do espirito Quando tenhas atravessado a

corrente limite dos continentes para o brilhante oriente visitado pelo sol x x x x84

tendo

atravessado o bramido do mar ateacute que chegues aos campos gorgoneos de Cisthenes

onde habitatildeo as Phorcides trez donzellas anciaatildes com forma de cysne possuindo um

olho commum e um dente a quem nem o sol olha com seus raios nem a nocturna lua

Perto estatildeo suas trez irmaatildes as aligeras anguicomas Gorgones aos mortaes odiosas que

nenhum mortal encarando conservaraacute o espirito vital Digo-te isto por cautela Ouve

porem outro penograveso espectaculo pois guarda-te dos catildees mudos de guelas pontudas

[fl34 (35)] de Jupiter os gryphos e do exercito equestre monocular dos Arimaspos

que habitatildeo junto aacute corrente auriflua ao rio de Plutatildeo Natildeo te approximes d‟estes mas

iraacutes a terra longinqua a um povo negro que habita perto das fontes do sol onde estaacute o

rio Ethiope Caminha cegraverca das margens d‟este ateacute que chegues aacute queda onde dos

montes Byblinos o Nilo lanccedila a corrente veneranda e bogravea de bebegraver Este te

84 Marcaccedilatildeo de lacuna no texto original grego consultado pelo Imperador e tambeacutem encontrada na ediccedilatildeo

de Christian Gottfried Schuumlltz de 1809 (verso 797)

149

encaminharaacute para a terra triangular Nilotica onde estaacute fadado a ti Io e a teus filhos

fundar remota colonia Se alguma d‟estas cousas [eacute ltpara tigt85

embara]ccedilosa e difficil

d‟entendegraver repete-a e sabe-a claramente ha para mim maior lazegraver do que quero

Chogravero

Se algum resto ou ltuarromittidogt[] da funesta peregrinaccedilatildeo tens de

declarar a esta dize-o mas se tudo disseste entatildeo faze-nos ltuarrtambemgt [o favor] que

pedimos do qual te lembras sem duvida

Prometheu

Ella ouviu todo o termo da viagem Mas para que saiba natildeo me ter

ouvido em vatildeo direi o que soffreu antes de vir caacute dando este proprio testemunho de

minhas palavras Omittirei a maior abundancia de palavras e vou mesmo ao termo de

tuas peregrinaccedilotildees Depois que vieste aos campos Molossos e aacute alcantilada Dodone

onde estatildeo o oraculo e a seacutede [fl36] de Jupiter Thesproto e o prodigio incrivel os

carvalhos fallantes pelos quaes ltuarrclaragt[] e nada ambiguamente foste saudada como

devendo segraver illustre espogravesa de Jupiter se qualquer d‟estas cousas te lisongegravea d‟ahi

pungida pelo tavatildeo ao longo do caminho junto ao mar chegaste ao grande gogravelpho de

Rhea d‟onde eacutes agitada por cursos retrogados Em tempo vindouro essa ensegraveada

mariacutetima seraacute chamada Ionia como lembranccedila de ltuarr2gt[tua] viagem [para]ltuarrtodosgt

ltuarr1gt[os] mortaes86

Satildeo Provas satildeo estas de que como meu espirito vegrave mais do que o

apparente O resto direi igualmente a voacutes e a ella voltando aacutes proprias peacutegadas das

palavras de antes Eacute Canopo a cidade extrema da regiatildeo junto aacute propria bocca do Nilo e

ao coacutemoro Ahi Jupiter tornar-te-aacute racional acariciando-te com placida matildeo e tocando-

te somente Pariraacutes o negro Epapho (epaphan = acariciar tocar de leve) sobrenograveme

proveniente da geraccedilatildeo de Jupiter o qual se apossaraacute de tudo quanto rega o latifluo

Nilo A quinta geraccedilatildeo d‟elle composta de cincoenta donzellas voltaraacute natildeo o querendo

para Argos fugindo do casamento consaguineo dos primos paternos mas elles com o

espirito fortemente agitado como gaviotildees natildeo muito afastados das pombas viratildeo

85

O trecho ldquopara tirdquo foi escrito logo acima do trecho ldquoeacute embaraccedilosardquo seu lugar na frase eacute indicado por

meio de traccedilo 86

O trecho ldquode tua viagem para os mortaesrdquo foi sublinhado no manuscrito Tambeacutem o nuacutemero 2 foi

escrito acima da palavra ldquotuardquo e o nuacutemero 1 escrito acima do artigo plural ldquoosrdquo A palavra ldquotodosrdquo foi

escrita acima do trecho sublinhado seu lugar na frase eacute indicado por meio de traccedilo Seria para propor

inversatildeo na ordem (lembranccedila ldquopara todos os mortaesrdquo ldquode tua viagemrdquo)

150

caccedilando nupcias natildeo caccedilaveis um deus lhes invejaraacute os corpos A Pelasgia os receberaacute

com feminina matanccedila domados por audacia nocturna vigilante pois cada mu[fl36

(37)]lher privaraacute da vida cada homem enterrando ltuarrnagt[] garganta a espada de dous

gumes Tal viesse Venus sobre meus inimigos A paixatildeo abrandaraacute uma soacute das

donzellas de modo a natildeo matar seu companheiro de leito mas se ltuarrconfundir-se-lhe-

aacutegt[] o juizo resolveraacute uma de duas ouvir-se chamar fraca antes do que sanguinaria

Esta pariraacute ltuarrem Argosgt geraccedilatildeo real Eacute preciso grande discurso para explicar estas

cousas claramente D‟esta linhagem nasceraacute o audaz illustre pelo arco o qual me livraraacute

d‟estes trabalhos Tal oraculo me expoz minha matildee anciaatilde a Titanide Themis Como

e onde eacute preciso muito tempo para dizegravel-o e nada lucraraacutes sabendo-o

Io

Ai ai ltuarrDe nogravevogt[] me abrasatildeo profundamente violenta dograver e

phreneticos delirios e do tavatildeo me punge o ferratildeo ardente Na verdade o coraccedilatildeo

abala de megravedo as entranhas os olhos volvem-se em espiral e sou impellida foacutera do

curso pelo influxo insensato da raiva natildeo podendo com a lingua palavras confusas

porem datildeo d‟encontro aacutes ondas da triste fatalidade ltuarrChoacutero (Strophe)gt87

Certamente

sabio certamente sabio era quem primeiro concebeu na mente e dissertou com a

lingua que muito prefere o casar com os da propria igualha e nem dos enervados pela

[fl38] riqueza nem dos engrandecidos pela linhagem deveraacute apaixonar-se o

mercenario

(antistrophe)

Jamais jamais oh Parcas me x x x88

vejaes companheira de leito de

Jupiter nem unindo-me a qualquer espograveso do ceu pois temo a virgindade inimiga dos

varotildees vendo Io grandemente atormentada pelas acerbas peregrinaccedilotildees de Juno

(epodo)

Quanto a mim natildeo receio porque um casamento igual natildeo eacute temivel mas

natildeo me olhe a paixatildeo dos deuses mais poderosos olhar inevitavel Guerra esta natildeo

guerreavel facil em difficuldades nem sei que seraacute de mim pois natildeo vejo como fugir

do designio de JupiterltuarrPrometheugt89

[Na verdade] ainda um dia Jupiter pensando

87

O trecho ldquoChogravero (strophe)rdquo foi escrito logo acima das palavras ldquofatalidaderdquo e ldquocertamenterdquo seu lugar

no texto foi indicado por meio de traccediloAqui natildeo pulou linha para indicar mudanccedila de fala 88

Marcaccedilatildeo feita pelo autor indicando corrupccedilatildeo no texto original grego 89

Essa palavra foi escrita logo acima do trecho ldquona verdaderdquo Haacute um traccedilo vertical depois da palavra

ldquoJupiterrdquo indicando que comeccedilaria a fala de Prometeu

151

embora cousas arrogantes seraacute humilde tal casamento prepara-se a contrahir que o

derribaraacute [anniquilado ltuarrdo governo egt do] thrograveno Entatildeo do pae Saturno jaacute se

cumpriraacute inteiramente o que imprecava cahindo do antigo thrograveno O desviacuteo d‟estes

males nenhum dos deuses excepto eu poderia mostrar claramente

Sei isto e de que modo Por isso ltuarr3gt[ltuarrdestemidogt] [] ltuarr1gt[assente-se]

ltuarr2gt[ltuarragoragt]90

fiado nos sublimes estrondos brandindo nas matildeos ignisomo dardo

ltuarrNada poremgt[] o ajudaratildeo estas cousas para natildeo cahirem ltuarrdeshonrosamentegt

[ruinas natildeo] sustentadas Tal antagonista [fl38 (39)] prepara elle para si mesmo

monstro difficillimo de combategraver que acharaacute fogo mais poderograveso que o raio estrondo

forte excedente ao trovatildeo e desfaraacute o flagelo maritimo tridente flagello abaladograver da

terra a haste de Neptuno Dando d‟encontro a esta desgraccedila aprenderaacute quanto distatildeo o

imperar e o servir

Chogravero

Tu vociferas na verdade o que desejas contra Jupiter

Prometheu

O que hade succedegraver e alem d‟isto quero digo eu

Chogravero

E cumpre aguardar que alguem governe a Jupiter

Prometheu

E supportaraacute trabalhos mais intoleraveis do que estes

Chogravero

Como porem natildeo ltuarrreceiasgt [] proferindo essas palavras

Prometheu

Porque temeria eu a quem natildeo eacute fadado morregraver

90 A passagem foi transcrita tal qual estava no manuscrito No entanto outra possiacutevel leitura foi indicada

por meio de nuacutemeros escritos logo acima de algumas palavras ldquodestemidordquo(3) ldquoassente-serdquo(1) e

ldquoagorardquo(2) ou seja ldquo() assenta-se agora destemidordquo As palavras ldquodestemidordquo ldquoassente-serdquo e ldquoagorardquo

foram sublinhadas no manuscrito

152

Chogravero

Mas te daria trabalho mais dolorograveso do que este

Prometheu

Faccedila-o elle pois tudo eacute aguardado por mim

[fl40]

Chogravero

Os que adoratildeo Adrastea (a providencia dos pagatildeos) satildeo sabios

Prometheu

Venera invoca lisongegravea quem ainda agora impera Jupiter importa-me

menos do que nada Obre impere n‟este curto tempo como queira pois natildeo governaraacute

os deuses muito tempo Vejo porem o mensageiro de Jupiter o ministro do novo

senhograver em todo o caso veio annunciar cousa nova

Mercurio

A ti astucioso acerbamente sobremodo acerbo que peccas contra os

deuses dando honras aos ephemeros chamo ladratildeo do fogravego o pae ordena que digas

quaes as nupcias de que blazonas e por cuja causa aquelle decahiraacute do ltuarrpodegravergt[] E

estas cousas comtudo nada ambiguamente mas uma por uma expotildee nem me

ltuarrtragasgt[] Prometheu caminhos duplos pois vegraves Jupiter natildeo abrandar-se com taes

cousas91

ltuarrPrometheugt Grandiloquo e [cheio de soberba] eacute o discurso como de

creado dos deuses e novos governaes de nogravevo e julgaes habitar castellos isentos de

tristeza Natildeo sei ltuarreugt [que] dous senhores cahiram d‟elles Observarei (cahir) o

terceiro que impera agora celerrima e vergonhosissimamente Acaso te paregraveccedilo

ltuarrreceiar-megt[] ou tremegraver de megravedo dos novos deuses Mui[fl40 (41)]to e de todo

longe estou (do megravedo) Tu pelo caminho porque vieste retrocede depressa pois nada

saberaacutes do que me interrogas

Mercurio

91

Neste ponto haacute um traccedilo vertical separando a fala de Mercuacuterio da fala de Prometeu que estavam

unidas A palavra ldquoPormeteurdquo foi escrita logo acima do trecho ldquocheio de soberbardquo para indicar que a fala

eacute de Prometeu Indicaccedilatildeo do proacuteprio Imperador

153

Todavia d‟antes com ltuarrtaesgt[]arroganciasltuarrappontaste agt[] estas

desgraccedilas

Prometheu

Por teu serviccedilo sabe-o tu claramente natildeo trocaria eu minha desgraccedila

Julgo pois melhor servir esta pedra do que segraver mensageiro fiel do pae Jupiter Cumpre

tratar assim com arrogancia os arrogantes

Mercurio

Pareces deleitar-te com as cousas presentes

Prometheu

Deleito-me Assim visse eu meus amigos92

deleitando-se e entre elles te

nomegraveo

Mercurio

Acaso pois m‟imputas alguma cousa em tuas infelicidades

Prometheu

Em uma palavra odiacuteo todos os deuses quantos beneficiados me fazem

mal injustamente

Mercurio

[fl42]

Ouccedilo-te enlouquecido por natildeo pequena molestia

Prometheu

Adoecegravesse eu se doenccedila eacute odiar os inimigos

Mercurio

Natildeo serias supportavel se fosses feliz

92

O correto seria ldquoinimigosrdquo provavelmente um equiacutevoco cometido pelo autor enquanto passava agrave limpo

sua traduccedilatildeoVer verso 973 do Prometeu Acorrentado

154

Prometheu

Ai

Mercurio

Esta palavra Jupiter natildeo conhece

Prometheu

Mas o tempo envelhecendo tudo ensina

Mercurio

E comtudo ainda natildeo sabes segraver previdente assizado

Prometheu

Do contrario natildeo te estaria fallando a um creado

Mercurio

Nada pareces dizer do que o pae dezegraveja

Prometheu

E entatildeo dar-lhe-ia graccedilas como seu obrigado

Mercurio

Tens escarnecido de mim como se eu fosse ltuarrumgt menino

Prometheu

Por ventura natildeo eacutes um menino e ainda mais desassizado [fl42 (43)] do

que este se esperas sabegraver alguma cousa de mim Natildeo ha tortura nem [artificio ltuarrcom

que Jupitergt93

me provoque] a declarar essas cousas antes que os funestos vinculos

sejatildeo sograveltos Por isso arremesse a chamma abrazadogravera confunda-se e abale-se tudo

com a neve branco-alada e os trovotildees subterraneos que nada d‟isso me dobraraacute a que

diga por quem cumpre decahir ele do governo

93

O trecho ldquocom que Jupiterrdquo foi escrito logo acima das palavras ldquoartificiordquo e ldquoprovoquerdquo seu lugar na

frase eacute indicado por meio de traccedilo

155

Mercurio

Considera ltuarragoragt[] se isto parece ltproveitogravesogt[] para ti

Prometheu

Jaacute foi visto e resolvido de ha muito

Mercurio

Ousa oh insensato ousa uma vez pensar rectamente ltuarrconformegt[] as

presentes desgraccedilas

Prometheu

Debalde me importunas como ltuarruma onda convencendo-megt[] Nunca

te entre na cabeccedila que eu aterrado pelo designio de Jupiter me tornarei mulheril e

supplicarei com elevaccedilotildees femininas de matildeos ao grandemente odiado que me solte

d‟estas cadegraveas estou inteiramente longe d‟isto

Mercurio

Parece-me fallar debalde fallando embora muito pois nada abrandaraacutes

nem amolleceraacutes o coraccedilatildeo com as [fl44] preces porem mordendo o boccado do freio

como pograveldro recentemente domado forcegravejas e combate contra as reacutedeas Comtudo

orgulhas-te de fraco expediente porque a audacia de quem natildeo pensa bem vale menos

do que nada Olha pois se natildeo fores convencido por minhas palavras que tempestade

e escarceacuteo de males cahiraacute inevitavel sobre ti primeiramente o pae despedaccedilaraacute este

fragograveso despenhadeiro com o trovatildeo e a fulminea chamma e esconderaacute o teu corpo e o

petreo seio te traraacute Tendo se completado grande espaccedilo de tempo veraacutes novamente aacute

luz mas o catildeo volatil de Jupiter a cruenta aguia dilaceraraacute ltuarravidamentegt[] grande

pedaccedilo de teu corpo conviva que natildeo convidado vem todos os dias e devorar-te-aacute o

fiacutegado negra comida Natildeo esperes o termo d‟este soffrimento antes que appareccedila

ltuarrumgt[algum] dos deuses successograver de teus trabalhos que queira ir ao inferno natildeo

allumiado e aacute escura profundidade do Tartaro Portanto resolve pois que natildeo eacute uma

van jactancia porem um dicto muito serio ltuarrvisto qgt[] a bocca de Jupiter natildeo sabe

mentir mas cumpre a palavra Examina bem e reflecte nem julgues jamais a audacia

melhor que a prudencia

156

Chogravero

[fl44 (45)]

Na verdade Mercurio natildeo parece dizegraver cousas inopportunas pois te exhorta a

ltuarrquegt depondo a audacia procures a sabia prudencia Cede pois a um sabio

vergonhograveso eacute errar

Prometheu

Elle proclamou estes annuncios a mim que os sabia mas natildeo eacute indigno segraver um

inimigo maltratado pelos inimigos Por isso arremesse-se sobre mim a espiral de fogravego

de dous gumes e o ltuarrargt[] seja revolvido pelo trovatildeo e a tormenta dos ventos

furiosos sacuda o furacatildeo a terra com as proprias raizes desde os alicerces e com

ltuarrasperogt[] bramido confunda as ondas do mar e os cursos dos astros celestes e

precipite inteiramente meu corpo no negro Tartaro ltuarrlevadogt pelos irresistiveis

turbilhotildees da fatalidade ltuarrem todo o casogt[] natildeo me faraacute morregraver

Mercurio

Taes resoluccedilotildees e palavras de mentecapto eacute preciso comtudo ouvir Que

falta pois para elle desarrazoar se nada cede das infelizes manias Mas voacutes que vos

compadeceis dos soffrimentos d‟elle afastae-vos rapidamente d‟estes lugares para

qualquer outro ltuarrafimgt[][fl46] de que o horrendo mugido do trovatildeo natildeo ponha

attonitos vossos espiritos

Chogravero

Dize e aconselha-me outra cousa pois que me seduziste com essas

palavras de nenhum modo toleraveis Como eacute que me ordenas praticar infamias Com

elle quero soffregraver o que fograver necessario pois aprendi a aborrecegraver os traidores nem ha

peste que mais me repugne do que esta

Mercurio

Mas recordae-vos do que predigo e caccediladas pelas desgraccedila natildeo accuseis

a sorte nem digaes que Jupiter vos arremessou a uma infelicidade imprevista natildeo

certamente porem voacutes a voacutes mesmas pois sabendo-o nem subita nem occultamente

sereis ltuarrenvolvidasgt por insensatez na immensa regravede da desgraccedila

157

Prometheu

E de facto e natildeo mais por palavras ltuarrbalanccedila-segt[] a terra rebogravea o

echo rugidograver do trovatildeo brilhatildeo as espiraes ltuarrardentesgt[]do relampago e os turbilhotildees

revolvem o poacute rompem os sogravepros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

oppostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Taes impetos contra mim vem

manifestamente de Jupiter para mettegraverem megravedo Oh nume de minha matildee [fl46 (47)] oh

ar que volves a luz commum de todos vegraves quatildeo injustamente soffro

14 de Abril de 1871

158

CAPIacuteTULO 4 - Transcriccedilatildeo da primeira versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de

Paranapiacaba

Aacute MEMORIA

DE

Dom Pedro II do Brazil

Saudade e admiraccedilatildeo94

94

O livro publicado pelo Baratildeo de Paranapiacaba em 1907 comeccedila com a citada dedicatoacuteria seguida por

outra destinada agrave Princesa Isabel (reproduzida a seguir) Logo depois encontram-se as correspondecircncias

trocadas entre Paranapiacaba e Lafayette Rodrigues Pereira nas quais o Baratildeo solicita a Lafayette que

faccedila um prefaacutecio ao seu livro e Lafayette aceita o convite (ppIX-XIII) O prefaacutecio escrito por Lafayette

encontra-se depois das cartas (ppIX-XIII) O livro divide-se em duas partes Na primeira encontram-se

as duas versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba e suas notas explicativas (pp49-165) precedidas por dois

juiacutezos criacuteticos acerca do Prometeu Acorrentado traduzidos pelo Baratildeo Eschylo de A e M Croiset

(pp19-32) e Juizo de Paul de Saint-Victor (pp33-48) Na segunda parte do livro encontra-se um texto

no qual o Baratildeo de Paranapiacaba narra sua convivecircncia com o Imperador desde o primeiro encontro ateacute

a partida do monarca para o exiacutelio (pp170-265) O livro encerra-se com um texto no qual o Baratildeo traccedila

uma visatildeo panoracircmica do teatro antigo e moderno (pp267-333)

159

Aacute SERENISSIMA PRINCEZA

A Senhora Dona Izabel a Redemptora

Veneraccedilatildeo e lealdade

160

[fl49] PROMETHEU ACORRENTADO95

__________

A FORCcedilA E VULCANO (KRATOS E HEPHAISTOS)

(A violencia (Bia) eacute personagem mudo)

A FORCcedilA

Chegaacutemos do mundo ao termo

Ao mais longiquo recesso

Da Terra Scythica um ermo

A humanos peacutes inaccesso

Vulcano Eacute tempo Executa

Ordens que o Pae quis impocircr

Nesta penedia abrupta

Preacutega este audaz malfeitor

Em forte indomavel trama

De liames adamantinos

Intrinca-o bem pois a chamma

Exclusiva dos Divinos

O fogo teo dote e orgulho

Que tanto aacute artes servio

Tirando-o ao ceacuteo por esbulho

C‟os homens o dividio

D‟esse peccado hoje o fere

A pena afim de aprender

Qual conveacutem que elle venere

De Jupiter o poder

Sendo forccedila renuncie

95 A meacutetrica varia conforme a personagem nessa versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de Paranapiacaba a

primeira a ser apresentada no livro de 1907 Paacutegina 49 na publicaccedilatildeo original

161

A sua philantropia

E nunca mais auxilie

A creatura de um dia

[fl50] VULCANO

Forccedila e violencia Cumpridas

Prescripccedilotildees que o Pae dictou

De estorvo algum sois tolhidas

Vossa incumbencia findou

E a mim fallece coragem

De nesta algente quebrada

A um Deos de minha linhagem

Prender em teia cerrada

Mas dura Necessidade

A ousal-o obrigar-me vae

Que eacute de summa gravidade

Desleixar ordens do Pae

A ti filho altipensante

De Themis justa e sensata

Por enleio flagellante

De noacutes que ninguem desata

Neste vatildeo sem treita humana

Muito a meo e teo pesar

Por injuncccedilatildeo soberana

Vou em seguida cravar

Natildeo veraacutes humano rosto

Nem voz mortal ouviraacutes

Ao queimocircr do sol exposto

A flocircr da tez perderaacutes

162

A noite que sempre ancioso

Estaraacutes por ver surgir

Ha-de o dia luminoso

No veacuteo de estrellas sumir

Crastino sol novamente

Dissipar ha de a neblina

E enxugar ao raio ardente

A geada matutina

Sem que cesse de pungir-te

Da angustia o acuacuteleo profundo

Que ninguem a redimir-te

Surgio ainda no mundo

[fl51] Pagaste aos homens tributo

De affectos em profusatildeo

E estaacutes vendo qual o fructo

De tanta dedicaccedilatildeo

Nume- os Numes affrontaste-

Pois da terra aos moradores

Sem reserva prodigaste

Harto quinhatildeo de favores

Has-de pois nestes algares

Como guarda persistir

Sem os joelhos dobrares

Firme de peacute sem dormir

Quanto a expansatildeo dos tormentos

Te irromper dos penetraes

Seratildeo vatildeos os teos lamentos

163

Inuteis seratildeo teos ais

Coraccedilatildeo rigido e feacutero

Tem dos Numes o Regente

De natureza eacute severo

Todo o tyranno recente

A FORCcedilA

Potildee matildeos aacute obra Que esperas

Vamos Acccedilatildeo instantanea

Debalde te commiseras

Tua emoccedilatildeo eacute frustranea

Natildeo execras este Nume

Odioso aos celestiaes

Que teo patrimonio - o lume

(Traidor) ha dado aos mortaes

VULCANO

Podem sangue e convivencia

Muito

A FORCcedilA

Sim Natildeo eacute peior

Tardar a Jove obediencia

Poacutede haver falta maior

[fl52] VULCANO

Oh Sempre dureza e audacia

A FORCcedilA

Nada poacutedes delle em proacute

Eacute vatildeo e sem efficacia

Natildeo lhe eacute remedio esse doacute

164

VULCANO (olhando para as cadeias)

D‟arte minha oacute fructo horrendo

A FORCcedilA

Por que tal odio Bofeacute

De tudo que estamos vendo

Tua arte causa natildeo eacute

VULCANO

Houvesse a outrem cabido

Este cruel ministerio

A FORCcedilA

Aos Immortaes concedido

Tudo foi menos o imperio

Soacute Jove eacute livre

VULCANO

Negal-o

Natildeo ha nem pocircr contradictas

A FORCcedilA

Tracta pois de vinculal-o

Antes do Pae vecircr que hesitas

VULCANO

Vecirc as algemas

[fl53] A FORCcedilA

Arrocha

Seos pulsos vibrando o malho

Crava-lhe as matildeos nessa rocha

165

VULCANO

Sim E natildeo foi vatildeo trabalho

A FORCcedilA

Mais forte Estreita-lhe os braccedilos

No mais comprimido arrocho

Estica todos os laccedilos

Nenhum noacute deixes a frouxo

Podem ser por elle achadas

(Tatildeo habil eacute) soluccedilotildees

Ainda em desesperadas

Perdidas situaccedilotildees

VULCANO

Com irrompiveis cadeias

Este braccedilo preso tem

A FORCcedilA

Nas mesmas solidas peias

Prende-lhe o outro tambem

- Sophista d‟alta sciencia -

Ensine-lhe este flagello

Que eacute de tarda intelligencia

Si com Jove em parallelo

VULCANO

Ninguem que em razatildeo se firme

Poacutede increpar-me as acccedilotildees

Este poacutede dirigir-me

(Mais ninguem) exprobaccedilotildees

[fl54] A FORCcedilA

166

Dessa cunha d‟accedilo o coacuterte

-Fundo - embebe-lhe no peito

Vara-o com golpe bem forte

Natildeo lhe amorteccedilas o effeito

VULCANO

Prometheu Gemo comtigo

A FORCcedilA

Outra vez Sinto deplores

Quem eacute de Jove inimigo

Oxalaacute por ti natildeo chores

VULCANO

Oh A que espetaculo infando

Assisto

A FORCcedilA

O que a lei condemna

Estou a ver expiando

De seo crime a justa pena

Peitoraes potildee-lhe aacutes axillas

VULCANO

Sei Eacute fatal Jove a mim

Deo ordens Devo cumpril-as

Natildeo instes commigo assim

A FORCcedilA

Hei-de instar e aacute teo esforccedilo

Bradar pois vejo que afrouxas

Ao rochedo une-lhe o docircrso

E em aneis lhe adstringe as cocircxas

167

VULCANO

Estaacute feito e leacutesto

[fl55] A FORCcedilA

Aperta

Rebatendo-os nos fuzis

Os cravos dos peacutes Alerta

Tens fiscal de olhos subtis

VULCANO

Qual teo rosto eacute fera e audace

Tua lingoa

A FORCcedilA

Mostra fraqueza

Mas natildeo que lances em face

Minha inflexivel rudeza

VULCANO

Vamos que o cinge uma recircde

A FORCcedilA (apostrophando a Prometheu)

Desadoacutera Furta o egregio

Fogo e aos homens leva adrecircde

Dos Numes o privilegio

Os ephemeros nem podem

Prestar-te o auxilio commum

Neste lance natildeo te acodem

Pois seo valor eacute nenhum

Os Immortaes accordaram

Em chamar-te Prometheu

Falso nome te applicaram

168

Que natildeo quadra ao genio teo

Pois precisas nesse transe

Que de um Prometheu te valhas

Cujo sabio esforccedilo alcance

Libertar-te d‟essas malhas

(Sahem Vulcano a Forccedila e a Violencia)

[fl56] PROMETHEU

Oacute Ether divinal oacute ventos d‟aza prompta

Oacute fontes fluviaes risos do mar sem conta

Oacute Terra genetriz de cujo seio ingente

Tudo brota do sol oacute disco omnividente

Ouvi-me a invocaccedilatildeo Eu peccedilo que vejaes

Quantas docircres impoem a um Nume os Immortaes

Vecircde em que regiotildees em vinculos tatildeo sevos

Condemnam-me a penar por longa serie de eacutevos

Para mim ideiou o Chefe dos Ditosos

Este apparelho vil de ferros vergonhosos

Ai Choro o mal presente e o mal em perspectiva

Suspiro pelo fim desta pena afflictiva

Que digo Vejo claro e com o olhar seguro

Quanto encerram de occulto as dobras do futuro

Ai Natildeo ha para mim successo inopinado

Natildeo se foge ao Destino E pois do melhor grado

Eu devo submetter-me aacute Sorte irreparavel

Porque Necessidade eacute forccedila inexpugnavel

Natildeo quizera falar deste injusto supplicio

Mas como calarei si um grande beneficio

Tendo feito aos mortaes em paga ao jugo oppresso

Estou deste martyrio inteacutermino indefesso

Em feacuterula guardei do fogo a fonte occulta

O fogo mestre foi das artes e resulta

Delle para os mortaes moacuter commodo e proveito

169

Por isso eacute que me vejo aacute tanta docircr sujeito

Aacute mercecirc da intemperie em toda a acccedilatildeo tolhido

Fazendo expiaccedilatildeo do crime commettido

Ai ai Que sons escuto e que vago perfume

Se evola e sobe aqui Eacute porventura um Nume

Eacute mortal Ou talvez eacute mixta creatura

Que vem presenciar esta rude tortura

E quer de perto vecircr meo hoacuterrido castigo

Vecircde um Deos infeliz de quem Jove eacute inimigo

Que os Numes tem hostis e hostil quanto frequenta

De Jupiter a reacutegia E tudo porque alenta

Muito amor aos mortaes Ai Proximos jaacute soam

Os ruidos que ouvi Satildeo passaros que voam

Os ares ao bater de azas que se equilibram

Em remigio subtil harmoniosos vibram

Mofina condiccedilatildeo infausta sorte a minha

Infunde-me pavor quanto a mim se avizinha

[fl57] CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE 1

Socega O bando aligero

Que do alto aqui desceo

Inteiro te eacute sympathico

E amigo Prometheu

Mal aacute vontade explicita

Do Pae venia extorquida

Porfiaacutemos qual mais ceacutelere

Seria na partida

O pavoroso estrepito

Dessas correntes d‟accedilo

Das grutas oceanicas

170

Foi restrugir no espaccedilo

De parte pondo estimulos

Do pejo natildeo calccediladas

Ao voador vehiculo

Subimos apressadas

Pelas do ethereo paacuteramo

Plagas de azul serenas

Trouxe-nos brando zephyro

Sobre frouxel de pennas

PROMETHEU

Voacutes que nascidas sois de Thetis a fecunda

Tendo por genitor o Oceano que circunda

A Terra com seo fluxo insomne inextinguivel

Contemplai-me eis-me aqui Preso em recircde infrangivel

No vatildeo de hispida fraga unido aacute penedia

Constrangem-me a occupar o posto de vigia

CORO DAS OCEANIDAS

ANTISTROPHE II

Vecircmos sentindo subito

Das palpebras aacute flocircr

Prenhe de ternas lagrimas

Vir nevoa de terror

[fl58] Porque teu corpo em vinculos

Torpes aacute rocha preso

Vae definhando taacutebido

De tanta angustia ao peso

Pilotos ha novissimos

No ceacuteo Legisla injusto

171

Jove e extinguio tyrannico

Quanto era outr‟ora augusto

PROMETHEU

Antes da Terra ao fundo ao Orco onde tecircm pouso

Mortos ou na amplidatildeo do Tartaro trevoso

Pelo braccedilo de Jove eu fosse arremessado

De indesataveis noacutes no encerro emmaranhado

Nesse caso - ninguem ou Nume ou ser diverso -

Jubilaacutera ao me ver em dissabor submerso

Hoje suspenso aqui - ludibrio aos soltos ventos -

Vejo Deoses hostis folgar c‟os meos tormentos

CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE II

Qual tem dentre os Celicolas

Tatildeo duro coraccedilatildeo

Que ao ver-te em tanta lastima

Natildeo sinta compaixatildeo

Soacute Jove Sempre rabido

Em nada quer ceder

E aacute toda a Olympia geacutenese

Impotildee o seo poder

Declinaraacute da colera

Quando a vinganccedila estanque

Ou alguem de assalto o imperio

Arduo a roubar lhe arranque

PROMETHEU

Maacuteo grado aos que me impoz grilhotildees vituperosos

Precisaraacute de mim o Rei dos Venturosos

Para um dia sustal-o em seo recente plano

172

Que o deve derribar do solio soberano

Entatildeo natildeo haveraacute blandicia que me torccedila

Natildeo me hatildeo de intimidar ameaccedila nem forccedila

Soacute falarei ao ter os vinculos partidos

E apoacutes satisfaccedilatildeo de ultrajes recebidos

[fl59] CORO DAS OCEANIDAS

ANTISTROPHE II

Sempre altivez No cumulo

Da angustia em nada cedes

Falas bem solto e impavido

E as expressotildees natildeo medes

Por teo destino incognito

Toma-nos o terror

Quando no porto incolume

Veraacutes o termo aacute dor

Jove Saturnia sobole

Eacute rispido inflexivel

Seo animo recondito

Foi sempre incomprehensivel

PROMETHEU

Bem sei que Jove eacute duro e em lugar da justiccedila

Seo alvedrio potildee mas um dia submissa

A vontade haacute de ter e mostraraacute brandura

Quando por esse modo o fira a desventura

Nesse dia depondo a furia pertinaz

Viraacute soldar commigo a desejada paz

O CORO DAS OCEANIDAS

Revela tudo Dize-nos

Quando te succedeo

173

Em que alto maleficio

Jupiter te colheo

Que com iguaes opprobrios

Acerbos te angustia

Fala alto salvo o incommodo

De expocircr tanta agonia

PROMETHEU

Si doacutee de caso taes fazer a narrativa

Calal-os tambem pecircza Ingrata alternativa

Quando a primeira vez os Deoses insurgidos

Foram pela Discordia em facccedilotildees divididos

Uns tentavam privar Saturno do poder

E a Jove filho seo do ceacuteo ao throno erguer

Os que partido infenso a Jupiter seguiam

Confiar-lhe do Olympo o mando natildeo queriam

[fl60] Eu de alvitre melhor natildeo pude dos Titanes

- Prole de Terra e Ceacuteo - vencer planos inanes

Surdos aacute deducccedilatildeo de claros argumentos

Avecircssos aacute doccedilura altivos violentos

Intentaram lograr aacute forccedila por sorpresa

Sua injustificada e temeraria empresa

Que vezes minha matildee Themis excelsa ndash a Terra

Que varios nomes tem e uma soacute forma encerra -

Do porvir descerrando os veacuteos caliginosos

Predissera que soacute por meios ardilosos

Caberia aos Titans a palma da victoria

Recusaram ouvir-me a justa suasoria

Tenazes insistindo em seo louco projecto

Sem me olharem siquer e com desdeacutem completo

Julguei que era melhor naquella conjunctura

De minha matildee ao lado ir de Jove em procura

174

(Pois de prestar-lhe auxilio era chegado o ensejo)

E entatildeo realizar o delle e o meo desejo

Por mim Saturno antigo e aquelles que o seguiram

Na funda escuridatildeo do Tartaro immergiram

Para remunerar serviccedilos desta monta

Dos Numes deo-me o Rei deste castigo a affronta

Por achaque usual recusa a tyrannia

De amigos a affeiccedilatildeo e nelles natildeo confia

Inqueris da razatildeo por que elle assim me oprime

De contumelia tanta Eu vou dizel-o Ouvi-me

Quando posse tomou e assente foi no solio

De que arredara o Pae por odioso espolio

Depois que cada qual dos Numes quinhocircou

Com honras e mercecircs o Estado organizou

Mas da raccedila aacute quem dera o terreal dominio

Cabedal nenhum fez Quiz votal-a exterminio

E outra nova crear Nenhum Deos combatia

A ideacuteia subversiva Eu tive essa ousadia

E os mortaes preservei de serem arrojados

Do Averno aacute escuridatildeo por Jove fulminados

Por isso agora estou (aspecto miserando)

De incomportavel docircr sob a pressatildeo penando

Immensa compaixatildeo votei aacute humanidade

Sem obter para mim a minima piedade

Quanto a Jove que leva um Nume a tal opprobrio

O estado em que me potildee de aviltamento cobre-o

O CORO DAS OCEANIDAS

Teraacute nativa tempera

De ferro ou pedra rija

Quem teo castigo insolito

Contemple e natildeo se afflija

[fl61] Tatildeo misero espectaculo

175

Pudessemos natildeo vecircr

E hoje que o vemos punge-nos

De vivo desprazer

PROMETHEU

Para os amigos sou tatildeo fraco e miseravel

Vivo painel de docircr aacute vista intoleravel

O CORO DAS OCEANIDAS

Tendo da terra aos incolas

Tanto favorecido

Certo outros beneficios

Lhes tens distribuido

PROMETHEU

Livrei-os do terror que infunde na hora da morte

O CORO DAS OCEANIDAS

Que remedio servio de cura aacute mal tatildeo forte

PROMETHEU

Dei aacute cega esperanccedila entre elles moradia

O CORO DAS OCEANIDAS

Foi na verdade um dom de maxima valia

PROMETHEU

E do fogo por fim tambem lhes fiz presente

O CORO DAS OCEANIDAS

Pois que Na posse estatildeo do fogo resplendente

PROMETHEU

176

E por meio do fogo hatildeo feito esses inventos

De artes misteres mil fecundos em proventos

[fl62] O CORO DAS OCEANIDAS

E por crimes iguaes Jove te supplicia

Sem que de modo algum te abrande essa agonia

E um termo aacute tua docircr assignalou siquer

PROMETHEU

Nenhum Tem de durar emquanto lhe aprouver

O CORO DAS OCEANIDAS

E ha de aprazer-lhe Dize-nos

Como abrandal-o esperas

No teo erro gravissimo

Acaso natildeo ponderas

Por nossa parte pecircza-nos

Dizer-te que has errado

E natildeo te causa jubilo

Ouvil-o de teo lado

Deixemos estas praticas

Tracta de excogitar

O como essas artisticas

Malhas espedaccedilar

PROMETHEU

Facil quem o peacute tem foacutera da desventura

Afflige o que padece e inflige-lhe censura

Nada disto ignorei de tudo consciente

Resolvi delinquir tornei-me delinquente

Natildeo nego acinte o fiz Servindo a humana raccedila

Contava provocar os golpes da desgraccedila

177

Nunca julguei poreacutem que purgaria o crime

Ligado aacute este alcantil que o corpo me dirime

Adstricto aacute solidatildeo deste monte intractavel

Oh Natildeo me lastimeis a sorte miseravel

Eacute melhor que desccedilaes a mim nesta fragura

E de perto escuteis a minha docircr futura

Piedosas ora ouvi cercae de sympathia

A victima infeliz que geme na agonia

Anda solto o Infortunio errante se desgarra

E num tal vagueiar naquelle e neste esbarra

[fl63] O CORO DAS OCEANIDAS

Falas aacutes que por habito

Te acodem sempre aacute voz

Descemos jaacute do aerio

Carro com peacute veloz

O ether ndash que eacute dos passaros

Dominio - atravessando

Eis-nos em baixo o aspero

Fragoso chatildeo pisando

Promptas em vocirco rapido

Cuidamos de servir-te

Queremos todo o multiplo

Duro soffrer ouvir-te

(Apparece o Oceano montado em um dragatildeo alado)

OCEANO

Eis-me aqui Prometheu apoacutes vencido

Longo percurso Chego conduzido

Neste alado que soacute vontade minha

Pelos ares sem redeas encaminha

178

Leva-me o parentesco a lastirmar-te

Mas do sangue as prisotildees pondo de parte

A ti mais que a ninguem tenho amizade

Sabes que sempre dei culto aacute verdade

Guardo aacute lisonja minha lingoa extranha

Dessa tortura de aflicccedilatildeo tamanha

De que modo o rigor posso lenir-te

Dize E natildeo possa alguem um dia ouvir-te

Que mais firme que Oceano amigo houveste

PROMETHEU

Que vejo Eacutes tu Tu mesmo aqui vieste

A ser espectador de minhas magoas

Abandonaste as correntias agoas

Do nome teo a gruta primitiva

Que a natureza abrio na rocha viva

Pela terra do ferro Testemunha

Mera vens ser da docircr que me acabrunha

Ou compassivo lastimar-me Vecirc-me

Que espectaculo Assim Jupiter preme

O amigo que com elle accorde em tudo

Lhe foi para reinar matildeo forte e escudo

[fl64] OCEANO

Vendo estou Prometheu Tens mente arguta

Assaacutes No emtanto um bom conselho escuta

Conhece-te E tomar novos costumes

Pois tambem novo rei preside os Numes

Vibras exprobraccedilotildees da lingoa fera

Que si Jove as ouvir na erguida esphera

Irado te imporaacute tatildeo graves penas

Que as actuaes seratildeo brinquedo apenas

Oh desgraccedilado Expelle o que no fundo

Do coraccedilatildeo fermentas de iracundo

179

Vecirc como achar livranccedila dessas malhas

Crecircs que te digo estultas antigualhas

Falo assim Prometheu porque contemplo

Em ti da lingoa socirclta o triste exemplo

Natildeo te humildas natildeo cedes aacutes desgraccedilas

E outras queres juntar aacutes que hoje passas

Daacute que eu te guie e contra o mal precate

Natildeo batas com o peacute contra o acicate

Reina um monarcha duro e refractario

A contas de poder discricionario

Natildeo fales tatildeo procaz quecircda-te inerte

Teo indulto a impetrar corro solerte

Sabio demais natildeo vecircs que aacute intemperante

Lingoa se impotildee estimulo aviltante

PROMETHEU

Acceita embora meos pois tendo ousado

Ter parte em minha docircr foste poupado

E immune estaacutes Natildeo quero te incommodes

Por mim a interceder Levar natildeo podes

A Jove persuasatildeo Toma comtigo

Tento Espia em redor Que algum perigo

Por minha causa natildeo te venha Evita

Possa custar-te caro esta visita

OCEANO

Natildeo segues os conselhos tatildeo sensatos

Que daacutes A prova tenho-a nos teos actos

Natildeo falo em vatildeo livrar-te eacute meo empenho

Natildeo cedo aacute reflexatildeo natildeo me detenho

Lisonjeio-me sim de obter em breve

Que Jove desta pena te releve

[fl65] PROMETHEU

180

Sou-te grato e o serei constantemente

Natildeo poacutedes mais energico e fervente

De util me seres revelar o almejo

Baldaraacutes teos esforccedilos Antevejo

Seguro que seraacute de nullo effeito

Quanto queiras tentar em meo proveito

De risco a salvo quecircda O meu desastre

Outrem natildeo vaacute ferir e apoacutes o arrastre

Sim Bem me afflige o quadro da miseria

De Atlante meo irmatildeo que em peacute na Hesperia

Nos hombros libra (insupportavel cargo)

De Terra e Ceacuteo columnas Bem amargo

Me eacute lembrar o outro irmatildeo filho da Terra

Ciliceo troglodita - horror na guerra -

Centifronte Typheo Sempre invencivel

Dominado por forccedila irresistivel

Rebelde aos Numes sibilava a morte

Das tetras fauces Quando a dextra forte

Contra o imperio de Jupiter erguia

Fulminava ao chispar que despendia

Do seo gorgoacuteneo olhar O vigilante

Dardo - de Jove o raio chammejante

Ruio e lhe abateo a vatilde jactancia

No coraccedilatildeo combusto da flammancia

Celeste - e apavorado do estrondoso

Trovatildeo - esse valor tatildeo poderoso

Tombou sem energia aniquilado

E como corpo vatildeo jaz estirado

Junto do estreito e sob o Etna arfando

Ao passo que no cimo estaacute forjando

Vulcano as massas e fusotildees candentes

Dalli com estridocircr igneas torrentes

Jorrando iratildeo co‟os brutos maxillares

Da Sicilia abrazar ferteis pomares

181

Assim Typhecirco que o raio malferira

Ha de ao resfolgo espadanar a ira

Em turbilhotildees de chammas que no arrocircjo

Vivo inexhausto expelliraacute do bocircjo

Certo a tua provada experiencia

Dispensa meos conselhos e assistencia

Guarda-te pois do modo mais asado

No que me toca seguirei meo fado

Teacute que se extingua a colera que lavra

No animo aacute Jove

OCEANO

Sabes que a palavra

Prometheu d‟alma enferma eacute medicina

[fl66] PROMETHEU

Si alguem a tempo o coraccedilatildeo domina

E opportuno e prudente o volve aacute calma

Sem que aacute forccedila reprima os eacutestos d‟alma

OCEANO

Que mal faz ao tental-o acautelado

E audaz

PROMETHEU

Estolidez afan baldado

OCEANO

Deixa que desse mal ora padeccedila

Paro o sabio eacute melhor que o natildeo pareccedila

PROMETHEU

Responsavel da culpa commettida

182

Por ti fora eu

OCEANO

Eacute dar-me a despedida

Falar assim

PROMETHEU

Receio haja motivo

D‟odio em seres commigo compassivo

OCEANO

Odio De quem Daquelle que recente

Tomou posse do solio omnipotente

PROMETHEU

Ai Si lhe irritas o animo

[fl67] OCEANO

De ensino

Serve-me Prometheu o teo destino

PROMETHEU

Adeos Nesse bom senso persevera

OCEANO

Daacutes pressa ao que aacute partida se accelera

Meo quadrupede alado costumeiro

De curvar o joelho em seo caseiro

Redil sacode as azas desdobradas

Que do ether puro roccedilam as camadas

CORO DAS OCEANIDAS

ESTROFE I

183

O Teo destino tragico

Carpimos compungidas

As lagrimas affluem-nos

Faceis enternecidas

E iguaes a fontes humidas

Nos sulcam o semblante

Jove que em seo arbitrio

Faz timbre de arrogante

Ao sceptro seo despotico

Preme os antigos Numes

ANTISTROPHE I

Jaacute nestes vastos sitios

Ressoam ais queixumes

Quantos na terra proxima

Da Asia sagrada moram

Tuas passadas glorias

E as de irmatildeos teos deploram

[fl68] ESTROPHE II

Choram-te as virgens Colchidas

Intrepidas na guerra

E os Scythas da Meoacutetida

Sita em confins da Terra

ANTISTROPHE II

Chora-te o escol dos Arabes

- Marcial lanceira cohorte -

E os que manteacutem no Caucaso

O seo roqueiro forte

184

EPODO

Outro que da titanica

Raccedila ligado eu vi

Em laccedilos incansaveis

Soffrer antes de ti

Atlante foi que o symbolo

Eacute do maior esforccedilo

Pois que do poacutelo ao carrego

Geme o seo forte dorso

Muge a seos peacutes o pelago

Fervendo o abysmo freme

Ateacute nas furnas infimas

O inferno todo treme

As fontes sacratissimas

Das fluviaes correntes

Manam carpindo murmures

Os males seos ingentes

PROMETHEU

Si me nego a falar natildeo eacute por arrogante

Ou desdenhoso natildeo Mas sinto que incessante

Devoro o coraccedilatildeo ao ver-me envilecido

Pelo horrendo flagello aacute que estou submettido

E quem a natildeo ser eu aos novos Deoses fez

Partilha em proporccedilatildeo das honras e mercecircs

Lembro apenas o caso e delle mais natildeo trato

Pois focircra repetir a quem o sabe um facto

O melhor eacute narrar os males differentes

Que vexavam outr‟ora os miseros viventes

[fl69] Eram rudes boccedilaes dotei-os de prudencia

E conscios os tornei da propria intelligencia

185

Exprimindo-me assim natildeo eacute porque me queixe

Delles mas eacute mister que declarado deixe

Que os beneficios meos em prol da humanidade

Devidos foram soacute a impulsos de amizade

Olhavam de principio e ver natildeo conseguiam

Applicavam o ouvido em balde Nada ouviam

Nelles era a noccedilatildeo confusa e mal distincta

Como as figuras vatildes que aacute mente o sonho pinta

Nem casa de tijolo olhando ao sol construiam

Nem de lavrar madeira a industria conheciam

Moravam quaes subtis formigas pressurosas

Em cavernas sem ar humidas tenebrosas

Natildeo marcavam inicio e fim do inverno frio

Da floacuterida96

estaccedilatildeo do fructuoso estio

Assim sem reflexatildeo por seculos viveram

Teacute que minhas liccedilotildees ouvindo conheceram

O instante em que no ceacuteo os astros appparecem

E aquelle menos certo em que no occaso descem

Tambem o achado fiz do Numero Este invento

Aos homens ha prestado o maximo provento

Disse como a juncccedilatildeo das lettras se fazia

Formei-lhes a memoria - a matildee da Poesia

Logrei domesticar bravias alimarias

E do humano labocircr tornei-as tributarias

Sujeitando-as ao jugo As mais gravosas cargas

Pesaram desde entatildeo dos brutos nas ilhargas

Cavallos animaes tatildeo doceis ao bridatildeo

- Da faustosa opulencia o luxo a ostentaccedilatildeo -

Quem poz entre varaes Carros de azas de linho

Que sulcam velozmente o azul plaino marinho

Engenhei E eu que fiz em bem da humanidade

Multiplas invenccedilotildees de grande utilidade

96 Nota-se que em 1907 jaacute se encontravam algumas palavras proparoxiacutetonas acentuadas Ver paacutegina 26

da presente dissertaccedilatildeo

186

Natildeo posso descobrir agora ardil ou traccedila

Para me libertar de tatildeo cruel desgraccedila

O CORO DAS OCEANIDAS

Supplicio infando Affligem-nos

Sobejo as maguas tuas

Enfermas e maacuteo medico

Na indecisatildeo fluctuas

Em teo turbado cerebro

Natildeo poacutedes acertar

C‟os adaptados simplices

Que o mal devem curar

[fl70] PROMETHEU

Falta o mais Pasmareis ouvindo enumeradas

As muitas invenccedilotildees uteis e variadas

Das quaes hei sido autor Aponto a mais saliente

Faltavam medicina e auxilios ao doente

- As poccedilotildees a dieta o resguardo as uncturas -

Ateacute que os instrui das plantas e misturas

Que preservam do mal que sustam seos progressos

E o curam Ensinei tambem novos processos

De magia Em visotildees que em sonhos appareciam

Distingui as reaes daquellas que mentiam

Expliquei os signaes pressagos das estradas

Dos passaros que teem a unhas encurvadas

O vocirco defini e dei seguro auspicio

Declarando qual era infenso e qual propicio

Por miuacutedo apontei seos odios e affeiccedilotildees

Seo usado alimento encontros reuniotildees

Das visceras o liso e o matiz mais dilecto

Aos Deoses revelei qual seja o bom aspecto

Do figado e do fel o adiposo tecido

187

Das cocircxas lhes notei seos rins tendo incendido

Os arcanos abri da arte divinatoria

Tatildeo difficil e escura e ao mundo a fiz notoria

Do fogo antes de alguem aos olhos dos mortaes

Que eram cegos aacute luz dei fulgidos signaes

O que a terra guardava altissimo thesouro

- Copia enorme de cobre e ferro e prata e ouro -

Achei Si deste invento alguem se haja ufanado

De basofio e mendaz seraacute por mim taxado

De Prometheu (direi em conclusatildeo de partes)

Vieram dos mortaes aacutes matildeos todas artes

O CORO DAS OCEANIDAS

Natildeo tractes dos ephemeros

De mais lhes foste amigo

Deixa de ser apathico

Aacute docircr a teo castigo

Dize-me esperanccedila intrinseca

Que livre te hei de ver

Tendo com Jove identicas

Honras e igual poder

[fl71] PROMETHEU

Assim poreacutem97

natildeo quer a Parca inevitavel

Por alta decisatildeo do Fado inexoravel

Soacute depois de curtir innumeros flagellos

Partidos me seratildeo desta cadeia os eacutelos

Ante a Necessidade eacute mui fraca a Sciencia

O CORO DAS OCEANIDAS

97 No Manuscrito Imperial pode-se notar que palavras oxiacutetonas terminadas em ldquoemensrdquo natildeo satildeo

acentuadas Em 1907 observam-se mudanccedilas nesse sentidoVer paacutegina 26 da presente dissertaccedilatildeo

188

Do timatildeo do Destino a quem cabe a regencia

PROMETHEU

Esse grande poder teem-no a Parca triforme

E as Furias de feliz memoria que natildeo dorme

O CORO DAS OCEANIDAS

Em face do de Jove eacute seo poder mais forte

PROMETHEU

O Deos fugir natildeo poacutede aacutes ferreas leis da Sorte

O CORO DAS OCEANIDAS

A Jove algo eacute fatal sinatildeo o eterno imperio

PROMETHEU

Disto nada direi nem que instes

O CORO DAS OCEANIDAS

Que mysterio

Sobre arcano sagrado acaso te pergunto

PROMETHEU

Sim Passemos aleacutem deixemos este assumpto

Reserval-o conveacutem Si o guardo impenetravel

Livro-me de infortunio e vilta deploravel

[fl72] CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE I

Jaacutemais dos mundos o Arbitro

O grande Ordenador

Sua vontade altissima

Aacute nossa queira oppocircr

189

Busquemos ter propicios

Os Numes adorados

Pela usual frequencia

A seos festins sagrados

Dando-lhes cada victima

Que na hecatombe cahe

Junto das agoas turbidas

Do Oceano nosso pae

Nada de offensa aos Superos

Em actos e expressotildees

Sejam em noacutes continuas

Tatildeo puras intenccedilotildees

ANTISTROPHE I

Doce eacute vida longuissima

Si na esperanccedila a libras

Em alegrias lucidas

D‟alma banhando as fibras

Por tua irreverencia

Dos Numes ao Regente

Do coraccedilatildeo no amago

Nos cocirca horror ingente

Fiado em teos designios

E soacute de impulso teo

C‟os homens foste prodigo

Em dons oacute Prometheu

ESTROPHE II

Que ingrato premio aacutes dadivas

190

Esperas porventura

Te seja escudo e auxilio

A humana creatura

[fl73] Natildeo tens a consciencia

Dessa debilidade

Que qual somno lethargico

Opprime a humanidade

Jaacutemais projecto ou calculo

De homem prevaleceo

Contra o systema harmonico

Que Jove prescreveo

ANTISTROPHE II

Ferio-nos isto o espirito

Vendo-te aqui penar

Oh que diversa musica

Alegre de exultar

A que de entorno ao thalamo

E ao teu lavacro ouvias

- Festivo epithalamio

De doces harmonias -

Quando a irmatilde nossa Hesione

Aos dons nupciaes rendida

Em marital consorcio

Por ti foi recebida

( Apparece Io)

IO

Que sitio me surge Por quem habitado

Quem eacutes que no saxeo hyemal precipicio

191

Por ferreas cadeias eu vejo ligado

Credor de tal pena qual foi o flagicio

Oh Dize que plagas me acolhem errante

Ai ai desgraccedilada De novo me afferra

O d‟Argos espectro tavatildeo lanscinante

Invade-me o susto Afasta-m‟o oacute Terra

De innumeros olhos vaqueiro diviso

Esperto a fitar-me com a vista fallaz

De facto a existencia perdeo de improviso

No emtanto seo corpo sepulto natildeo jaz

Surgindo do Averno por lei do Destino

Apoacutes minha treita constante caminha

E traz-me agitada faminta sem tino

Correndo a arenosa planicie marinha

[fl74]ESTROPHE

Soacutelta a avena de ceacuterea junctura

Melodia que ao somno convida

Quanto deve durar a tortura

Desta longa e cansada corrida

Oacute progenie Saturnia de crimes

Porventura culpada me achaste

Pois de tantas angustias me opprimes

E a taes penas sem doacute me avergaste

Por que trazes gemendo ao martyrio

Do terror que lhe infunde um insecto

A infeliz em continuo delirio

Sem parada sem paz e sem tecto

Presta ouvidos oacute Rei a meu rocircgo

Ou em vida me manda enterrar

Ou lanccedilar-me entre lingoas de fogo

192

Ou nas garras dos monstros do mar

Do multivago andar sem descanso

O exercicio forccedilado e violento

Exhaurio-me e saber natildeo alcanccedilo

Qual o termo a tatildeo agro tormento

O CORO DAS OCEANIDAS

Da bicorne donzella escutas o gemido

PROMETHEU

Como de Inacho aacute filha eu fecharei ouvidos

Pois natildeo hei de attender aacute juvenil donzella

Que de um feroz tavatildeo o estimulo flagella

Io abrazou de amor o coraccedilatildeo de Jove

Juno que odio lhe tem perseguiccedilatildeo lhe move

Coagindo-a a gyrar transviada e erradia

Por toda a regiatildeo em doida correria

IO

ANTISTROPHE

Tu que daacutes a meo pae o seo nome

E designas tambem esse ultriz

E divino aguilhatildeo que consome

Minha vida - quem eacutes infeliz

[fl75] Eu faminta a saltar desvairada

Perseguida por Juno aqui vim

Desgraccediladas qual98

mais desgraccedilada

D‟entre voacutes do que a pobre de mim

Dize aacute virgem que vecircs peregrina

Que infortunios lhe guarda o porvir

98 Era de se esperar que a palavra comeccedilasse com letra maiuacutescula

193

Prescrevendo si a tens medicina

Para as docircres sanar-lhe ou lenir

PROMETHEU

Quanto queres saber com jubilo te digo

Sem ambages e claro e qual de amigo a amigo

Eacute costume falar Contemplas neste affocircgo

A luctar Prometheu que aos homens trouxe o fogo

IO

Tu - auxilio aos mortaes ndash por que tatildeo crus tormentos

Padeces Prometheu

PROMETHEU

De ha pouco inda aos lamentos

Por meo mal deacutera fim

IO

Natildeo poacutedes uma graccedila

Conceder-me

PROMETHEU

Eacute falar O queres que eu faccedila

Para satisfazer-te em dizer tudo accedo

IO

Quem foi que te cravou aqui sobre o rochedo

PROMETHEU

O decreto de Jove e de Vulcano a matildeo

IO

Que attentado attrahio tatildeo grave puniccedilatildeo

194

[fl76] PROMETHEU

Para ser comprehendido eu disse o necessario

IO

Assignala siquer o fim de meo fadario

PROMETHEU

Natildeo sabel-o eacute melhor

IO

Rogo-te natildeo me escondas

O que tenho a passar e a tudo me respondas

PROMETHEU

Estaacute longe de mim serviccedilo tal negar-te

IO

Por que tardas entatildeo

PROMETHEU

Natildeo ha de minha parte

Maacute vontade qualquer mas receio em tua alma

De todo destruir a jaacute turbada calma

IO

Oh natildeo zeles de mim mais do que eu mesma zeacutelo

PROMETHEU

Insistes Falarei e tudo te revelo

O CORO DAS OCEANIDAS

Por ora natildeo Concede-nos

Parte no gozo ter

195

Ouccedilamos d‟ella a historia

De seo agro soffrer

Quando sabida a authentica

Exposiccedilatildeo veraacutez

Entatildeo dos passos ultimos

De seo porvir diraacutes

[fl77] PROMETHEU

Cumpre oacute Io fazer o que ellas solicitam

Aleacutem d‟outras razotildees que a seo favor militam

Satildeo irmatildes de teo Pae Justa causa aacute demora

Eacute para o narrador que o fado seo deplora

O vecircr junto de si sympathico auditorio

Em que o doacute se traduz em lagrimas notorio

IO

Vou tudo contar-vos cedendo aacute insistencia

Si bem que me pecircze dizer por que meio

Mudando de forma por diva influencia

O siso turbou-me fatal devaneio

Nos meos aposentos revoluteava

Em todas as noites sonhada visatildeo

Que aos castos ouvidos si os olhos cerrava

Assim me dizia com doce expressatildeo

ldquoPor que virgindade tatildeo longa conservas

Tu que entre as felizes a Sorte escolheo

Si te eacute permittido gozar sem reservas

As inclytas glorias de augusto hymenecirco

Adora-te Jove De amocircr abrazado

Farpatildeo de desejo setteia-lhe o peito

196

Quem eacute que repelle tatildeo alto esposado

Do Nume supremo natildeo fujas ao leito

Afasta-te presto Nos altos de Lerna

Tem Inacho apriscos e pastos bovinos

Daraacutes com a ausencia da casa paterna

Descanso aos desejos dos olhos divinosrdquo

Ai Todas as noites a voz repetia

Affagos que eu tinha por forccedila de ouvir

Alfim jaacute cansada cobrei ousadia

E fui do ocorrido meo pae instruir

O rei seos correios mandou em mensagem

A Pytho e Dodocircna Queria informar-se

Por quaes pensamentos acccedilotildees ou lingoagem

Podia agradavel aos Deoses tornar-se

Voltaram os nuncios trazendo somente

Respostas ambiguas de duplo sentido

Ateacute que da parte do Nume vidente

Oraculo claro lhe foi transmittido

[fl78] Em termos expressos eu fui condemnada

A ser expellida da patria e do lar

E entregue a mim mesma correndo agitada

Por terras longinquas sem peias vagar

Si em todas as partes natildeo fosse cumprida

A ordem prescripta no tal vaticinio

A nossa progenie seria extinguida

Aacute olympica flamma do dardo fulmineo

Aacute Loxias submisso temendo ao mandado

197

E ao freio de Jove mostrar-se revel

Meo pae expulsou-me de casa obrigado

Co‟a filha innocente tornou-se cruel

E logo de foacutermas e mente mudando

Munida de pontas fiquei desde entatildeo

Sentindo continuo pungir-me o nefando

Acuacuteleo acerado de um bravo tavatildeo

Em saltos violentos aacutes doidas furente

De Lerna aacute collina fugida fui ter

No sitio onde mana perenne a nascente

Cenchreia de Lynpha suave ao beber

Mas Argos o filho da Terra o vaqueiro

De innumeros olhos e d‟alma feroz

Espiando-me os passos com golpe certeiro

Dos fixos olhares seguia-me apoacutes

Successo imprevisto de subito veio

Prival-o da vida Mas eu (desgraccedilada)

De plagas em plagas sem pausa vagueio

De laacutetego infesto de Juno accediloitada

Ahi estaacute minha historia Si sabes meos males

Futuros revela-os e nem a piedade

Te leve a attenual-os Exijo me fales

Extranho aacute lisonja severa verdade

O CORO DAS OCEANIDAS

Oh basta Para Cala-te

Suspende-te Jaacutemais

Julgaacutemos filha de Inacho

Ouvir successos taes

198

Que males e piaculos

Desgosto eacute contemplal-os

Ferindo mais a misera

Que tem de supportal-os

[fl79] E todos esses horridos

Funestos pesadumes

Nos veem ferir no intimo

Qual dardo de dous gumes

Oh Fado Fado tetrico

De horror fica transido

Nosso animo ante o barbaro

Tormento que has soffrido

PROMETHEU

Mui de pressa o terror em voacutes se manifesta

Natildeo choreis de ante-matildeo Esperae o que resta

O CORO DAS OCEANIDAS

Fala Ao que soffre ha balsamo

Si sabe prematuro

Ao certo quantas magoas

O esperam no futuro

PROMETHEU

Quizestes que ella propria os males seos contasse

Concordei Vou chegar agora ao desenlace

Falta as docircres narrar que Juno altiva irosa

No porvir te reserva oacute virgem desditosa

Grava oacute Io em tu‟alma a minha narraccedilatildeo

Por ella saberaacutes quando tua excursatildeo

Ha de chegar ao fim Deste lugar partindo

199

Rumo constante ao sol em recta iraacutes seguindo

Depois de atravessar por natildeo aradas terras

Aos Scythas chegaraacutes uns nomades das serras

Que em muitas rodas teem os carros seos montados

E dentro construcccedilotildees de vimes entranccedilados

Onde fazem morada Aacute gran distancia alcanccedilam

Mortiferos farpotildees que de seos arcos lanccedilam

Evita-os Sege roacuteta ao longo dessas fragas

Onde quebram do mar as mugidoras vagas

Os Chaacutelybes veraacutes do ferro forjadores

Cuida de lhes fugir Mal junto delles focircres

Parte eacute bando feroz e nada hospitaleiro

Que tracta brutalmente a todo o forasteiro

Quando os passos te embargue o Hybristes empolado

- Rio esse a que natildeo foi um falso nome dado -

Natildeo lhe tentes correr o risco da passagem

Sinatildeo quando chegada aacute altissima paragem

Do Caucaso elle arroje a borbotante sanha

Irrompendo em cachotildees das fontes da montanha

[fl80] Vencidos afinal os picos desses montes

Que proximos do ceacuteo erguem soberbas frontes

Descendo ao meio-dia iraacutes aacutes regiotildees

De Amazonas viris avessas a varotildees

Mais tarde em Themiscyra iratildeo fixar morada

Do Thermodonte aacute borda e junto da queixada

Do mar Salmydisseo aos nauticos nefasta

E aacute toda a embarcaccedilatildeo inhospita madrasta

Ellas de boa mente ir-te-hatildeo de seu imperio

A sahida mostrar Vinda ao isthmo Cimmerio

Da Meotida aacute foz avanccedila e com denodo

Do apertado canal tranpotildee o espaccedilo todo

Dahi te proviraacute e aos teos immensa gloria

Pois da passagem tua ha de guardar memoria

O estreito desde ahi de Bosporo chamado

200

Da Europa tendo assim as regiotildees deixado

Da Asia no solo estaacutes Natildeo achaes francamente

Que procedendo assim dos Deoses o Regente

De violencia cruel qual sempre se revela

Sendo Nume e esposar querendo essa donzella

Arrojou-a em corrida inteacutermina e sem norte

Que ruim proacuteco te coube oh misera por sorte

Tudo quanto narrei de prologo natildeo passa

Do que o porvir te guarda asperrima desgraccedila

IO

Ai de mim

PROMMETHEU

Outra vez lastimosa a gemer

Que seraacute quando o resto houveres de saber

O CORO DAS OCEANIDAS

Tens de lhe predizer entatildeo novas desditas

PROMETHEU

Um tormentoso mar de docircres infinitas

IO

Ai Que acerbo existir Quem poacutede dar-lhe apreccedilo

Antes deste alcantil lanccedilar-me de arremesso

E no auge de exaspecircro em arranco espontaneo

Tombando sobre a caute espedaccedilar o craneo

Eacute melhor perecer de um golpe violento

Que gemer toda a vida ao peso do tormento

[fl81] PROMETHEU

Quanto mais afflictivo o meo penar te focircra

Pois natildeo posso morrer Seria redemptora

201

Deste castigo a morte Eacute-me poreacutem vedado

O saber qual seraacute seo fim determinado

Emquanto Jove empunhe as redeas do poder

IO

E Jove cahiraacute Poacutede isto succeder

PROMETHEU

Apoacutesto exultaraacutes com essa queda oacute Io

IO

Sim pois99

me tracta assim por seo meacutero alvedrio

PROMETHEU

Has de vel-o Eu te rasgo um porvindouro arcano

IO

Quem deve desthronar dos Numes o tyranno

PROMETHEU

Ha de a propria estulticia um dia derribal-o

IO

Como Diz si natildeo vecircs perigo em declaral-o

PROMETHEU

Celebrando uniatildeo que lhe ha de ser penosa

IO

Eacute mortal ou divina a mulher que elle esposa

[fl82] PROMETHEU

99 Era de se esperar que a palavra comeccedilasse com letra maiuacutescula

202

Debalde eacute perguntar Dizel-o algo me veacuteda

IO

Dessa esposa viraacute de Jupiter a queacuteda

PROMETHEU

Ella teraacute de Jove um filho inda mais forte

Que o Pae

IO

Natildeo poacutede Jove esquivar-se aacute tal sorte

PROMETHEU

Natildeo salvo si eu rompendo esses grilhotildees infames

IO

E quem ha de quebrar tatildeo solidos liames

Si Jove o natildeo permitta

PROMETHEU

Ha de um teo descendente

Das injustas prisotildees livrar-me fatalmente

IO

Que escuto Ha de salvar-te algum dentre os meos netos

PROMETHEU

Apoacutes dez geraccedilotildees de posteros directos

A terceira o daraacute

IO

O vaticinio eacute escuro

PROMETHEU

203

Natildeo procures saber teo horrido futuro

[fl83] IO

Da concedida graccedila acaso ora recusas

PROMETHEU

Duas revelaccedilotildees posso fazer das duas

Cumpre uma preferir

IO

Qual dellas ha de ser

Perrmittes-me que possa aacute escolha proceder

PROMETHEU

Dou-te opccedilatildeo Dize pois De ti queres que eu tracte

Ou de quem deve ser o autor de meo resgate

O CORO DAS OCEANIDAS

Secirc-lhe agradavel Dize-lhe

Sua futura docircr

E a noacutes os feito inclytos

Do teo libertador

PROMETHEU

Natildeo desejo furtar-me aacute vossa rogativa

Primeiramente oacute Io escuta a narrativa

De teo peregrinar multivago e obrigado

E na memoria guarda o augurio meo gravado

Deixa o canal que extrema um do outro continente

E a rota encaminhando ao rumo do nascente

Passa do mar o estrondo e presto chegaraacutes

Aacute gorgoacutenea campina onde Cisthene jaacutez

Eacute nessa regiatildeo que as Phorcidas habitam

Satildeo tres virgens senis que na canicie imitam

204

Cisnes Em commum teem um soacute olho e um soacute dente

Natildeo veem fugido sol nem lua alvidenitente

De suas tres irmatildes - das Goacutergones aladas -

Odiosas aos mortaes frontes angui-comadas

Perto a morada estaacute Quem lhes fita o semblante

Morre qual si o ferisse um raio fulminante

Acautela-te pois Teraacutes odioso quadro

Nos Griphos esses catildees de Jupiter - sem ladro -

De ponteagudo rostro Afasta-te aacutes carreiras

De Arimaspos veraacutes as tribos cavalleiras

Eacute gente de um soacute olho e moacutera junto aacutes bordas

Do aurifero Plutatildeo Foge d‟aquellas hordas

Alfim a um povoado iraacutes de negra gente

[fl84] Junto ao berccedilo do sol em zona onde a corrente

Do rio da Ethiopia ao longo se dilata

Vae avante a enfrentar a grande catarata

Cahe do Biblos o Nilo e a lympha veneravel

Alli derrama aacute flux ao beber agradavel

Desce as margens do rio e pisa na planura

Que um triangulo exacto imita na figura

Quer o Fado que vaacutes aacute esta plaga afastada

Fundar uma colonia e nella ter morada

Adoptando-a por patria aacute tua descendencia

Si algo vos referi de obscura intelligencia

Ou que seja confuso eacute soacute dizer-me o ponto

Que bom grado darei explicaccedilatildeo de prompto

Para tudo esplanar lazer tenho sobejo

Aleacutem do que eacute mister e mais do que desejo

O CORO DAS OCEANIDAS

Si lapso de memoria

Sobre Io has comettido

Suprre-o depois attende-nos

Benevolo ao pedido

205

PROMETHEU

Ella dos labios meos ouvio que serie nova

De corridas teraacute E para dar-lhe a prova

De que natildeo falo em vatildeo direi quanto ha soffrido

Teacute aqui O augurio meo vereis assim cumprido

Muitos dos passos teos deixarei de parte

Afim de aacutes excursotildees o termo assignalar-te

Dos Molossos havendo atravessado a zona

Chegaste aacutes regiotildees excelsas de Dodocircna

Onde o Thesproacutecio100

Jove oraculo e sacrario

Tem assente e onde ouviste (oh caso extraordinario)

Os carvalhos falar O Deos sem veacuteo qualquer

De ambages te saudou de Jupiter mulher

Ufanosa ficaste aacute honrosa predicccedilatildeo

Sentindo mais intenso o acuacuteleo do tavatildeo

Seguiste pela costa em teo percurso inquieto

De Rheacutea foste ao mar fizeste-lhe o trajecto

Em doido phrenesi da docircr sob os assaltos

De laacute retrocedeste a furiosos saltos

Para sempre lembrar aquella travessia

Mar Ionio seraacute chamada essa bacia

Documento assim dou que a minha intelligencia

Vinga o tempo e possue o dom da presciencia

De minha narraccedilatildeo volto agora aacute sequella

E em commum me dirijo a voacutes todas e aacute ella

Na areia aacute foz do Nilo e n‟uma extremidade

Do Egypto sita jaz de Canoacutepo a cidade

[fl85] Jove nesse lugar - tocando-te de leve

Com delicada matildeo - volver-te aacute calma deve

Negro filho haveraacutes Eacutepapho nomeado

De modo original por que ha de ser gerado

100 Um caso de palavra paroxiacutetona acentuada terminada com ditongo Ver paacutegina 26

206

Nesse encontro com Jove Elle naquella plaga

Que o Nilo caudaloso em sua enchente alaga

Ha de meacutesses colher na vastidatildeo fecunda

Na quinta geraccedilatildeo desse filho oriunda

Cincoenta hatildeo de voltar das tuas descendentes

Para Argos evitando os primos pretendentes

A esposal-as De amor ardendo em chammas vivas

Todos elles iratildeo no encalccedilo aacutes fugitivas

Da enjeitada uniatildeo na supplica insistindo

E quaes terccediloacutes de perto a pombas persiguindo

Ha de dos corpos seos odio invejoso ter

Um Nume ha de a Pelasgia em si os receber

Depois que os dominar um Marte que assassina

Armando para o golpe a dextra feminina

E a tudo presidindo uma audacia que vela

Como durante a noite esperta sentinella

Ha de levado a effeito o plano insidioso

Sorprhender e ferir cada mulher o esposo

Com gladio de duplo fio arrancando-lhe a vida

Que aos inimigos meos assim Venus aggrida

Amor enervaraacute de uma dellas o peito

Para natildeo degollar o esposo no seo leito

Ella preferiraacute infiel aacute trama urdida

Arguiccedilatildeo de fraqueza aacute macula homicida

A matildee esta seraacute dos soberanos d‟ Argos

Para tudo explanar satildeo mister contos largos

Soacute direi que viraacute desta extirpe selecta

O heroacutee d‟alta pericia em desferir a seacutetta

Que ha de por seo valor obter meo livramento

Pondo termo de vez a tal padecimento

Disse isso minha matildee Themis Titania O mais

Calo Nem ha proveito algum em que o saibais

IO

207

Ai de mim Outra vez delirio atroz me assalta

Potildee-me vertiginosa e o cerebro me exalta

Abraza-me sem fogo o espinho do tavatildeo

Salta-me de terror com forccedila o coraccedilatildeo

E verbera-me o peito O olhar vesgo me gira

Para longe me arroja o impeto da ira

Minha lingoa em torpocircr aacute fala se recusa

Vozes que soacutelto aacute custo em turbaccedilatildeo confusa

Tavam baldada luta aacutes cegas e sem tino

C‟os altos escarceacuteos de meo cruel destino

(sahe Io)

[fl86] O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE I

Foi sabio e sabio emerito

Aquelle aacute quem lembrou

Esta discreta maxima

E aos homens a ensinou

Eacute casamento proacutespero

O feito entre os iguaes

Quem vive soacute dos redditos

De officios manuaes

Nunca procure conjuge

Na classe da opulencia

Nem da orgulhosa em titulos

De nobre descendencia

ANTISTROPHE

Jaacutemais possamos Atropos

A um Nume nos unir

E nem de Jove proacutenubas

208

O thoro compartir

De medo estamos tremulas

Vendo Io a virgem casta

Soffrer de Juno a colera

Que a curso infindo a arrasta

EPODO

Iguaes a iguaes alliem-se

E nunca os olhos seos

Repouse em noacutes fitando-nos

Algum mais alto Deos

Sem que lutemos vence-nos

A guerra quem a faz

Forccedila inexhauriveis

Para a victoria traz

Si uma de noacutes por Jupiter

Solicitada focircr

Nenhuma resistencia

Ao Deos lhe eacute dado oppocircr

[fl87] PROMETHEU

E no emtanto apezar da pertinaz vontade

Jove deve chegar a termos de humildade

Pois quer levar a effeito o enlance projectado

Que motivo seraacute de ver-se despojado

Do sceptro ingloriamente Ha de entatildeo de Saturno

De quem Jove usurpou o imperio diuturno

Cumprir-se a maldicccedilatildeo Remover-lhe o perigo

Nenhum Deos poderaacute Soacute eu tenho commigo

O remedio do mal e o segredo da cura

209

Estadeie-se Jove em radiosa altura

Fiado no poder do raio igni-expirante

Que produz ao tombar fragor tonitroante

Armas taes natildeo seratildeo poreacutem de valimento

Para lhe attenuar da queacuteda o aviltamento

Prepara contra si tremendo antagonista

Que uma arma ha de empregar aacute que ninguem resista

Um fogo - invento seo - mais que o raio damnoso

Cujo estrondo vencendo o trovatildeo fragoroso

Quebraraacute de Neptuno a haste de tres dentes

- O flagello do mar que abala os continentes -

Saberaacute Jove entatildeo de propria experiencia

A distancia que vae do mando aacute obediencia

O CORO DAS OCEANIDAS

Predizes sobre Jove as cousas que em desejo

Ardes vel-o passar

PROMETHEU

Nada disso Prevejo

Successos que hatildeo de ser mais tarde realidade

E que em factos quer vecircr o anceio da vontade

O CORO DAS OCEANIDAS

Que Veremos Jove obedecer vencido

PROMOTHEU

E de pena maior do que a minha affligido

[fl88] O CORO DAS OCEANIDAS

Natildeo receias dizer de Jove tanto mal

PROMETHEU

Que posso recceiar Sou por sorte immortal

210

O CORO DAS OCEANIDAS

E si elle te impuzer castigo mais severo

PROMETHEU

Eacute livre de o fazer De Jove tudo espero

O CORO DAS OCEANIDAS

De Adastreacuteia em presenccedila eacute sabio quem se prostra

PROMETHEU

Festejai quem governa e humildes dai-lhe mostra

De culto aduladocircr Jove no meu criterio

Menos que nada val Seo passageiro imperio

Lucte para manter mas perca a velleidade

De sobre os Numes ter perpetua autoridade

O andarilho do Olympo eu vejo Que mensagem

Da parte de seo Pae me traz n‟esta viagem

MERCURIO

Alma de feacutel espirito ardiloso

Reacuteo ante os Numes do attentado odioso

De teres dado a seres de um soacute dia

Divina reservada regalia

Ladratildeo do fogo Venho aqui da parte

E por ordem do Pae interpellar-te

Qual o consorcio que do Rei do Olympo

Ha de o Throno alluir Potildee toda a limpo

A verdade de equivocos despida

Poupa-me assim aacute terra outra descida

Negando obediencia aacute seo mandado

Natildeo poacutedes desarmar a Jove irado

211

[fl89] PROMETHEU

Discorreste grandiloquo e protervo

Como quem eacute dos Immortaes o servo

Reinaes d‟hontem De docircres e embaraccedilos

Isentos vos julgaes nos regios paccedilos

Dous tyrannos jaacute vi perder o imperio

E o terceiro com grande vituperio

Em breve cahiraacute tambem Presumes

Que eu tenha medo desses novos Numes

Quatildeo longe disso estou Vae-te depressa

Jaacute jaacute por onde has vindo ao ceacuteo regressa

Natildeo dou explicaccedilotildees Do que vieste

Averiguar de mim nada soubeste

MERCURIO

Jazes de pertinaz d‟este supplicio

No porto

PROMETHEU

Eu o prefiro a teo officio

Antes d‟este rochedo o captiveiro

Que ser qual eacutes do Pae vil mensageiro

Aacute insolente altivez com que me insultas

Eu retalio assim

MERCURIO

Creio que exultas

Na cruciante docircr de teo castigo

PROMETHEU

Que os inimigos meos (falo comigo)

Rejubilem assim

MERCURIO

212

Acaso crecircs

Que tive parte no teo mal talvez

PROMETHEU

Franco - esses novos Deoses aborreccedilo

Pois me pagam com tanto menospreccedilo

Os beneficios que lhes fiz

[fl90] MERCURIO

Intensa

Loucura lavra em ti Grave doenccedila

PROMETHEU

Si aborrecer tyrannos eacute loucura

Desejo que meo mal natildeo tenha cura

MERCURIO

Si livre das cadeias oppressocircras

Feliz te eu visse intoleravel focircras

PROMETHEU (gemendo)

Ai

MERCURIO

Tal palavra Jove natildeo conhece

PROMETHEU

O tempo sem parar nos envelhece

E dando experiencia ensina tudo

MERCURIO

Natildeo te ensinou no emtanto a ser sisudo

PROMETHEU

213

Natildeo pois de igual a igual falo a um criado

MERCURIO

Que digo ao Pae

PROMETHEU

De graccedilas penhorado

Signaes de gratidatildeo lhe devo e rendo

[fl91] MERCURIO

Qual a infante me estaacutes escarnecendo

PROMETHEU

Natildeo eacutes mais que infantil na ingenuidade

Si acreditas dobrando-me a vontade

Que eu te abra meos secretos pensamentos

Nem por meio de ardis nem de tormentos

O tyranno dos Deoses me compelle

A que fale e os segredos lhe revele

Antes de eu ver aos peacutes feitos pedaccedilos

Os que me ligam flagellantes laccedilos

Vibre-me embora a chamma coruscante

De neve alados turbilhotildees levante

Faccedila tremer com horrido estampido

O chatildeo do terremoto sacudido

E tudo em confusatildeo profunda immerso

Abale nas raizes o Universo

Natildeo lhe descubro quem por lei suprema

Do Fado ha de arrancar-lhe o diadema

MERCURIO

Peacutesa dos actos teos o resultado

PROMETHEU

Previ de ha muito estaacute deliberado

214

MERCURIO

Oh misero Uma vez serio medita

Na que te afflige insolita desdita

PROMETHEU

Importuno O discurso em que divagas

Eacute qual si fosse dirigido aacutes vagas

Por medo ter de Jove oh nunca esperes

Que eu vestindo a fraqueza das mulheres

E erguendo as matildeos em supplicante gesto

Implore a quem de coraccedilatildeo detesto

Me quebre estes grilhotildees Em tal natildeo penso

[fl92] MERCURIO

Falei debalde bem que fosse extenso

Natildeo te abrandas nem supplicas escutas

Qual poldro mal domado em furia luctas

Contra as redeas e mordes o bocado

Impando estaacutes de focircfo orgulho inflado

Tiras de vatildeo saber garbosa audacia

Nada vale de um louco a pertinacia

Olha Si meos conselhos desprezares

Que tropel infinito de pezares

Em ti desabaraacute Nenhum escudo

Frustra o golpe Haacute de o Pae antes de tudo

Do raio aacute chamma e ao trom da trovoada

Arrasar esta fraga alcantilada

Ha de o granito n‟um abraccedilo estreito

Premer-te os membros sobre o ingrato leito

Deves ser afinal restituido

Aacute luz do dia quando focircr volvido

De seculos um tracto dilatado

Entatildeo voraz de Jove o catildeo alado

215

- A aguia sanguisedenta ndash ha de uma parte

Do corpo em mil pedaccedilos devorar-te

Conviva diario que ninguem convida

Ha de ser de teo figado nutrida

Flagello curtiraacutes desta maneira

Ateacute que um Deos que succeder-te queira

Na pena desccedila ao Barathro sombrio

E aacute torva margem do Tartareo rio

Reflecte bem Natildeo faccedilo agora praccedila

De phrases vatildes Eacute seacuteria esta ameaccedila

O assumpto eacute muito grave e transcendente

Cumpre Jove o que diz e nunca mente

O melhor parecer seguir procura

Nem pervicacia opponhas aacute cordura

O CORO DAS OCEANIDAS

Mercurio tem proposito

Na sua admoestaccedilatildeo

Suggere-te a prudencia

Condemna a obstinaccedilatildeo

Segue a liccedilatildeo proficua

Que acaba de dictar

Natildeo eacute de sabio proacutevido

No erro perseverar

[fl93] PROMETHEU

Quanto elle em brados repetio agora

Tudo eu sabia ponto a ponto Embora

Ninguem extranha ou fica desairado

Quando pelo inimigo eacute maltratado

E pois que Jove sobre mim desfira

A de dous gumes sinuosa espira

Ribombantes trovotildees rabidos ventos

216

Convulsem o ar a embates violentos

Nute a terra nos eixos abalada

O mar em escarceacuteos mugindo invada

A do giro sidereo azul esphera

E Jupiter cedendo aacute lei severa

Do Fado arroje o corpo meo no Averno

Natildeo poacutede a morte dar-me Eu sou eterno

MERCURIO

Taes palavras iguaes arrazoados

Soacute se podem ouvir dos tresloucados

Que lhe falta d‟aqui para a demencia

Si ao furor natildeo modera a violencia

E voacutes que doacute mostraes deste inditoso

Parti antes que o ronco estrepitoso

Do trovatildeo abalando este rochedo

N‟alma vos cocirce a turbaccedilatildeo do medo

O CORO DAS OCEANIDAS

Diverso alvitre inspira-nos

Honesto e convinhavel

O que lembraste eacute pessimo

Covarde intoleravel

Pois tu nos daacutes estimulo

A infame proceder

Havemos ser participes

Do que elle padecer

Fundo a traiccedilatildeo esqualida

Ha muito aborrecemos

Nem peste deleteria

Como ella conhecemos

217

[fl94] MERCURIO

Phrases lembraes alhures proferidas

Por mim Si focircrdes de uma dor feridas

Deixae de attribuir o golpe ao Fado

Nem digaes que de modo inopinado

Jupiter vos ferio Tendo a certeza

Do mal conscientes claro sem sorpreza

Colheo-vos pelos actos de loucura

Na inextricavel recircde a Desventura

PROMETHEU

Segue aacute palavra a acccedilatildeo ndash Vacilla a Terra

Rouco trovatildeo nas visceras lhe berra

A offuscante espiral rasga e chammeja

Torvelinhando o poacute sobe e volteja

Ventos soltos soprando em rude estrondo

Forccedilam seos mutuos impetos oppondo

Tufotildees uns contra os outros impellidos

Ether e mar avisto confundidos

Jupiter manifesto rue agora

Sobre mim e quer ver si me apavora

Augusto Nume minha matildee divina

Ether onde a luz pura que illumina

Tudo flue a girar na immensidade

Vecircde Hostia sou de immensa iniquidade

218

CAPIacuteTULO 5 ndash Transcriccedilatildeo da segunda versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de

Paranapiacaba

[fl95] PROMETHEU ACORRENTADO

(Versatildeo em que predomina o decassyllabo socirclto)

_________________

A FORCcedilA A VIOLENCIA (KRATOS E BIA) VULCANO (HEPHAISTOS) E

PROMETHEU

(A violencia eacute personagem mudo)

A FORCcedilA

Somos chegados onde acaba a Terra

- Regiotildees da Scythia - solidatildeo remota

Virgem teacute hoje de peacutegada humana

Tempo eacute de dar execuccedilatildeo aacutes ordens

Que o Pae te impoz Vulcano Neste abrupto

Alcantil prende em recircde inquebrantavel

De adamantinos vinculos formada

Este amotinador do povo Aos homens

Deo em partilha apoacutes o haver furtado

Teo mimo ndash o claro fogo idoneo aacutes artes

Por isso cumpre que de seo peccado

O castigo supporte e assim punido

Aprenda a respeitar de Jove o imperio

E cesse de ostentar philantropia

VULCANO

Forccedila e Violencia As injuncccedilotildees seguistes

De Jove e nada mais vos causa estorvo

Agora quanto a mim sinto faltar-me

Coragem de fincar nesta quebrada

Que algente bruma intoleravel torna

219

Um Deos parente meo Mas o Destino

Aacute tatildeo dura tarefa me constrange

Que eacute grave desleixar de Jove encargos

De Themis recta e consultriz oacute filho

Altipensante Neste algar sem treita

Humana em noacutes de bronze indissoluveis

- A meo e teo pezar - eu vou pregar-te

Aqui nunca has de ouvir mortal accento

Nem face de homem ver antes crestado

Lento pelas do sol ferventes chammas

Perderaacutes dia a dia a flor da pelle

[fl96] Ha de a noite por ti sempre almejada

Sumir o dia no estrellado manto

Ha de voltando o sol seccar a geada

Sem que um momento aligeirado o peso

Sintas aacute torva dor que te acabrunha

Que inda ninguem nasceo para livrar-te

De amar tanto os mortaes ahi tens o fructo

Prodigando-lhes dons e regalias

- Deos - affrontaste a colera dos Deoses

Por isso - guarda d‟esta rocha ingrata -

De peacute insomne e sem dobrar os joelhos

Has de em queixas inuteis consumir-te

Dotado eacute Jove de animo implacavel

Novo tyranno eacute sempre rigoroso

A FORCcedilA

Age Tardas e em vatildeo te commiseras

Natildeo execras o Deos odioso aos Numes

Que deo trecircdo aos mortaes teo privilegio

VULCANO

Mui fortes satildeo o sangue e a convivencia

220

A FORCcedilA

Como has de retardar de Jove as ordens

Natildeo eacute mais de temer menosprezal-as

VULCANO

Oh Sempre audaz e aacute compaixatildeo extranha

A FORCcedilA

Que val piedade Sentimento inutil

O lamentar-lhe a docircr natildeo eacute remedio

VULCANO (olhando para as cadeias)

Primor de minhas matildeos como te odeio

A FORCcedilA

Por que tal odio A bem dizer tua arte

Em nada causa foi do mal presente

[fl97] VULCANO

D‟outro que natildeo de mim fosse ella o dote

A FORCcedilA

Tudo aos Deoses foi dado unicamente

Natildeo podem governar A natildeo ser Jove

Natildeo eacute livre ningueacutem

VULCANO

Sim Natildeo contesto

A FORCcedilA

E por que natildeo n‟o enlaccedilas de cadeias

Antes que o Pae a hesitaccedilatildeo te avente

VULCANO

221

Vecirc Promptos satildeo os argolotildees dos braccedilos

A FORCcedilA

Desce-lh‟os pelas matildeos Crava-as na pedra

Com toda a forccedila descarrega o malho

VULCANO

Eacute obra de um momento e natildeo frustranea

A FORCcedilA

Mais forte Bate arrocha nada affrouxes

Poacutede astuto qual eacute achar sahida

Do que a natildeo tem

VULCANO

Involvem este braccedilo

Indissoluveis peias

[fl98] A FORCcedilA

Bem seguro

Prende o outro em tatildeo solidos liames

Saiba que eacute seo talento de sophista

Mais tardo que o de Jove

VULCANO (apontando para Prometheu)

A natildeo ser elle

Outro natildeo tem de mim razatildeo de queixa

A FORCcedilA

O dente ousado dessa cunha d‟accedilo

Embebe em cheio por seo peito a dentro

Golpea-o rude

VULCANO

222

Ai Prometheu Deploro

O teo supplicio

A FORCcedilA

Inda outra vez tardanccedila

O inimigo de Jove a lastimares

Olha a ti mesmo a lastimar natildeo venhas

VULCANO

Espectaculo vecircs horrido aos olhos

A FORCcedilA

Vejo applicar-se a um reacuteo a justa pena

Mette-lhe os peitoraes pelas axillas

VULCANO

Sei que eacute fatal Escusa de insistires

A FORCcedilA

Natildeo e inda mais co‟a a voz hei de incitar-te

Do tronco abaixo em fortes noacutes lhe adstringe

As pernas

[fl99] VULCANO

Concluido e sem demora

A FORCcedilA

Justa-lhe aos peacutes grilhotildees rebita os cravos

Nos orificios dos fuzis Cuidado

Fiscal de fino olhar vela o que fazes

VULCANO

Diz com tuas feiccedilotildees a lingoa tua

223

A FORCcedilA

Secirc fraco embora poreacutem natildeo me increpes

A ingenita inflexivel aspereza

VULCANO

Desccedilamos Tem os membros n‟uma recircde

A FORCcedilA (apostrophando a Prometheu)

Poacutedes d‟hai assoberbar os Numes

E usurpando protervo os dons divinos

Entregal-os aacutes matildeos da raccedila ephemera

Esta valor natildeo tem que te libere

Deste afan Prometheu chamam-te os Deoses

Falso nome A ti mesmo eacute necessario

Um Prometheu para ensinar-te como

Soltar-te poderaacutes desse artefacto

(Sahem Vulcano a Forccedila e a Violencia)

PROMETHEU

Oacute Ether divinal auras velozes

Mananciaes dos rios voacutes oacute risos

Innumeraveis das marinhas ondas

Oacute terra matildee universal oacute disco

Do Sol omnividente Aqui me tendes

Vecircde que docircr a um Deos infligem Deoses

Vecircde em que regiotildees acorrentado

Tenho a gemer indefinitos eacutevos

[fl100] Para mim engenhou tatildeo vis ligames

O Prytano recente dos Divinos

Ai Hoje e no porvir sempre a desdita

Quando o termo viraacute deste piaculo

Que digo Claro no futuro leio

Quanto ha de acontecer nenhum successo

Me poacutede sobrevir inesperado

224

Cumpre que aceite da melhor maneira

A sorte minha como quem conhece

Ser invencivel o rigor do Fado

Natildeo devecircra falar de meos pezares

Mas como hei de cerral-os no silencio

Si por ter feito beneficio aos homens

Supporto agora preso aacute penedia

Deste supplicio nunca visto o julgo

Tomei qual caccedilador a matildee furtiva

Do fogo n‟uma ferula guardei-a

E aos olhos dos mortaes mostrei seo brilho

E o fogo mestre foi das artes todas

E o moacuter commodo e prestimo da vida

Eis-me aqui a purgar esse delicto

Preso aacute esta rocha exposto aacutes intemperies

Ai Ai Que rumorejo Que invisivel

Perfume sobe a mim De quem se evola

De um Deos mortal ou mixta creatura

Vem assistir aos tratos que me applicam

Neste ermo cimo Traz diverso intento

Vecircde aqui preso um desditoso Nume

A quem Jove detesta odioso aos Deoses

E a tudo que frequenta o atrio do Olympo

Soacute porque dos mortaes se mostra amigo

Ai Vem perto o sonido Eacute de quem vocirca

Doce remegio d‟azas no ar cicia

Quanto se achega a mim pavor me infunde

O CORO DAS OCEANIDAS

(Fala sempre o coryphecirco)

ESTROPHE I

Natildeo temas Amigo eacute o bando

Alado que aacute esta eminencia

225

Vem ter a custo abrandando

A paterna resistencia

Neste coche que deslisa

Pela azulada amplidatildeo

Cheguei nas azas da brisa

Apoacutes rapida excursatildeo

[fl101]Das rijas correntes d‟ accedilo

O estrepitoso tinir

Foi aleacutem do equoreo espaccedilo

Nas furnas repercutir

Presurosa entatildeo subindo

A este carro voador

Descalccedila vim transgredindo

O rubescente pudor

PROMETHEU

Ai Ai Oacute prole da fecunda Tethis

Filhas do Oceano cujo inquieto fluxo

A Terra circumvolve - contemplae-me

Involto em eacutelos que jaacutemais se rompem

Deste excelso alcantil na cavidade

Forccedilada sentinella estou fazendo

O CORO DAS OCEANIDAS

ANTISTROPHE I

Vejo e ante a vista nublada

Sinto nuvem de terror

Que de lagrimas pejada

Traduz minha intensa docircr

Porque ao fraguedo cosido

226

Por vergonhosa prisatildeo

Teo corpo de docircr pungido

Findaraacute de inaniccedilatildeo

No Olympo ha nova regencia

E Jove arbitrario e injusto

Proscreveo com violencia

Quanto era dbdquoantes augusto

PROMETHEU

Antes abaixo do amago da Terra

No Orco trevoso albergue dos finados

Ou no Tartaro immenso me arrojasse

Atado nestes noacutes Jaacutemais desdaveis

Assim nem Deos algum nem outros seres

Poderiam folgar vendo-me em pena

Hoje - aos ventos ludibrio - em docircr immerso

Dou a inimigos meos perpetuo jubilo

[fl102] O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE II

Qual dos Numes eacute dotado

De tatildeo duro coraccedilatildeo

Que ao ver-te assim flagellado

Natildeo revele compaixatildeo

Soacute Jove que em paroxismo

De furia que natildeo declina

Preme ao ferreo despotismo

De Urano a prole divina

Brando seraacute quando estanque

Sua vinganccedila ficar

Ou de assalto alguem lhe arranque

227

Poder arduo a conquistar

PROMETHEU

Bem que tatildeo fortes e ultrajantes peias

Me adstrinjam ha de o Principe dos Deoses

Ter precisatildeo de mim por que lhe indique

O projecto fatal aacute permanencia

De seu poder Ameaccedilas ou blandicias

Sem que d‟estes grilhotildees me solte os membros

E da injuria me decirc razatildeo - frustraneas

Seratildeo ndash Soacute falarei desaffrontado

O CORO DAS OCEANIDAS

ANTISTROPHE II

Eacutes audaz e natildeo te dobra

O acerbo martyrio teo

Ha liberdade de sobra

Em teo falar Prometheu

O teo destino futuro

Apavorada me traz

Quando no porto seguro

Aacute docircr o termo veraacutes

Coraccedilatildeo rijo implacavel

De Saturno o filho tem

Em seo animo intractavel

Jaacutemais penetrou ninguem

[fl103] PROMETHEU

Bem sei que Jove eacute rispido e sujeita

Ao alvedrio seo toda a justiccedila

Mas ha de moderar o aspero genio

228

Quando ferido focircr por esse modo

Entatildeo a furia pertinaz calmada

Viraacute commigo accorde no desejo

De amizade e uniatildeo soldar os laccedilos

O CORO DAS OCEANIDAS

Si natildeo te magocircas conta

O que succedeo comtigo

Por que foi que Jove a affronta

Te irrogou deste castigo

PROMETHEU

Pecircza-me certo referir taes casos

E doacutee calar Acerba alternativa

Quando os Deoses em odio conflagrados

Pela primeira vez se rebellaram

Logo a Discordia dominou seos animos

Uns pretendiam derrubar Saturno

E a Jove pocircr no throno outros votavam

Que Jaacutemais fosse Jove o Rei do Olympo

Eu que prudente alvitre suggerira

Desattendidos vi meos satildeo conselhos

Pelos Titans da Terra e Ceacuteo oriundos

Petulantes por indole enjeitaram

Os meios brandos na illusoria crenccedila

De aacute viva forccedila o imperio conquistarem

Sem astucia sem plano e por surpreza

Que vezes minha matildee Themis ndash a Terra

(- Uma soacute foacuterma com diversos nomes -)

Desvendando o porvir me revelara

Ser lei fatal que o vencedor o fosse

Soacute por ardis e sem recurso aacutes armas

Isto lhes ponderei e nem me olharam

Julguei melhor de minha matildee seguido

229

A Jove procurar prestar-lhe auxilio

Attendendo espontaneo a seo desejo

Pelos esforccedilos meos o negro abysmo

Do Tartaro sorveo nas profundezas

O vetusto Saturno e seos proselytos

Dos Deoses o Primaz a taes serviccedilos

Correspondeo impondo-me esta pena

[fl104] Eacute Molestia inherente aacute tyrannia

O natildeo ter confianccedila em seos amigos

Perguntaste por que me ultraja Escuta

Quando assentado no paterno solio

Talhou em proporccedilatildeo aos novos Deoses

Honras mercecircs e organizou o imperio

Mas natildeo fez cabedal da especie humana

Antes quiz destruil-a e nova raccedila

Crear Ninguem sahio a contrastal-o

Ousei-o eu soacute A ephemera progenie

Livrei de ir de roldatildeo aacutes trevas do Orco

Fulminada Por isso hoje me estorccedilo

Na incessante pressatildeo deste flagello

Miserando ao que o vecirc duro ao que o passa

Eu que me apiedei tanto dos homens

Credor de compaixatildeo natildeo fui julgado

E punido sem doacute exhibo um quadro

Que eacute para Jove deshonroso estygma

O CORO DAS OCEANIDAS

De ferro ou de pedra rija

Forrado o peito ha de ser

Daquelle que natildeo se afflija

Com teo seacutevo padecer

De tanta angustia prouveacutera

Que eu testemunha natildeo focircra

230

Mas vendo-a me dilacera

Funda tristeza oppressora

PROMETHEU

Sou na verdade para meos amigos

Lastimavel de ver

O CORO DAS OCEANIDAS

E natildeo levaste

Teo favor aos mortaes inda mais longe

PROMETHEU

Forrei-os ao terror da hora da morte

O CORO DAS OCEANIDAS

Que remedio inventaste a mal tatildeo grave

[fl105] PROMETHEU

Entre elles fiz morar cega esperanccedila

O CORO DAS OCEANIDAS

Presente de valor inestimavel

PROMETHEU

Trouxe tambem a suas matildeos o fogo

O CORO DAS OCEANIDAS

Que Do fogo esplendente estatildeo na posse

Os entes de um soacute dia

PROMETHEU

Oh Sim e o fogo

Seo mestre ha sido em variadas artes

231

O CORO DAS OCEANIDAS

Por delictos semelhantes

Eacute que Jove te crucia

E nem siquer por instantes

Estas penas te allivia

E natildeo sabes qual a dura

De teo padecer algoz

A tatildeo medonha tortura

Jove limite natildeo pocircz

PROMETHEU

Nenhum Terminaraacute quando lhe apraza

O CORO DAS OCEANIDAS

E ha de aprazer-lhe Olvidaste

Que em culpa tens incidido

E que o dizer-te que erraste

Me desgosta e te eacute dorido

Deixemos poreacutem de parte

Este proposito ingrato

E procura libertar-te

Das peias deste artefacto

[fl106] PROMETHEU

A quem natildeo prendem do Infortunio as malhas

Nada custa exprobar severo o afflicto

Tudo fiz voluntario e consciente

Quiz delinquir e o fiz caso pensado

Natildeo me era estranho que valendo aos homens

Para mim preparava intensas magoas

Nunca emtanto esperei tatildeo feacutero tracto

Macerado de encontro aacute rocha viva

232

Nesta remota inhabitavel fraga

Mas natildeo lamentes meos presentes males

Eacute melhor que descendo a este rochedo

Ouccedilas de perto todo o meo destino

Presta-me este serviccedilo officioso

Condoe-te do infeliz que vecircs em transes

Anda a Desgraccedila errante sem parada

E assim vagando ora um ora outro fere

O CORO DAS OCEANIDAS

Falas a quem sempre accede

E obedece aacute tua voz

Do carro abandono a seacutede

E desccedilo com peacute veloz

Deslisando no ether puro

- Dos passaros travessia -

Eu jaacute piso o soacutelo duro

Da escabrosa penedia

Com empenho verdadeiro

Vim teo desejo cumprir

Pois o meo eacute ndash por inteiro

Teos males todos ouvir

(Apparece Oceano no ar cavalgando um dragatildeo alado)

OCEANO

Aqui estou Prometheu vim ter comtigo

Longo caminho rapido vencendo

Neste alado veloz que rejo e guio

Sem freio e apenas da vontade aacute forccedila

Penalisa-me assaz teo soffrimento

E o parentesco impelle-me a carpir-te

Mas pondo ao lado os vinculos do sangue

233

Ninguem tanta affeiccedilatildeo qual eu te rende

Sabes quanta verdade ha nestas phrases

Nunca foi lisonjeira a lingoa minha

Vamos Indica o meio de acudir-te

E natildeo diraacutes em tempo algum que houveste

Outro amigo mais firme que Oceano

[fl107] PROMETHEU

Que vejo Eacutes tu Tu mesmo aqui vieste

A ser espectador de meo tormento

Abandonaste o rio de teo nome

Grutas que a natureza abrio na rocha

Por esta regiatildeo que eacute matildee do ferro

Soacute vens testemunhar meo triste estado

Ou piedoso compartir meos males

Olha de que baldatildeo Jove nodocirca

Seo mais forte auxiliar na lucta ingente

Cuja victoria lhe manteve o throno

OCEANO

Vendo estou Prometheu Mais que avisado

Eacutes escuta poreacutem um bom conselho

Conhece-te outros habitos adopta

Pois hoje novo Rei preside os Numes

Si exprobraccedilotildees tatildeo acres arremessas

Vociferando poacutede ouvil-as Jupiter

Bem que do Olympo na mais alta seacutede

Sua colera entatildeo levada a extremo

Sevicias te imporaacute de tal quilate

Que as de agora seratildeo mero brinquedo

Dos seios d‟alma desgraccedilado expelle

Todo o levedo de iracundia e orgulho

Busca aacute teos males proximo remate

234

Cres que te falo como velho estulto

Mas tu oacute Prometheu eacutes viva mostra

Dos damnos que produz lingoa arrogante

Natildeo dobras a cerviz ante as desditas

E outras queres juntar aacutes que te avexam

Deixa uma vez assessorar-te e attende

Natildeo batas com o peacute de encontro aacute espora

Inclemente monarcha hoje governa

Irresponsavel a ninguem daacute contas

Parto jaacute Vou tractar de teo resgate

Fica inerte natildeo fales tatildeo protervo

Fino de mais qual eacutes acaso ignoras

Que se inflige ferrete aacute lingoa socirclta

PROMETHEU

Dou-te os emboras por te ver immune

De pena e culpa tu que a mim ligado

Ousate tomar parte em minhas docircres

Quero poreacutem o incommodo poupar-te

[fl108] De ires interceder por mim Eacute Jove

De indole feacutera Conseguir natildeo poacutedes

Leval-o aacute persuasatildeo Comtigo mesmo

Toma cautela Observa tudo em roda

Natildeo te venha algum mal desta visita

OCEANO

Melhor que a ti os outros aconselhas

Os infortunios teos satildeo disto a prova

Natildeo queiras refrear-me ao zelo o impulso

Eu me ufaneio sim eu me ufaneio

De alcanccedilar para ti de Jove o indulto

PROMETHEU

Louvo-te grato e sempre hei de louvar-te

235

Natildeo ha mostrar mais vehemente o anhelo

De prestar-me um favor Mas infructifero

Teo esforccedilo veraacutes Quanto tentares

Natildeo me aproveitaraacute Quecircda-te isento

De riscos Infeliz que sou natildeo quero

Que minha desventura envolva os outros

Sim Jaacute bastante me atormenta a sorte

De meo irmatildeo Atlante que postado

De peacute na extrema occidental da Hesperia

As columnas susteacutem do Ceacuteo da Terra

Sobre as espaduas (carga insupportavel)

Faz-me doacute o terrigena habitante

Dos antros cilicecircos monstro da guerra

O impetuoso Tiphecirco de cem cabeccedilas

De irresistivel forccedila dominado

Revel aos Numes sibilava o excidio

Da tetra guela Emquanto dava assalto

Contra o poder de Jove e fulminava

Dos olhos seos ao fulgurar gorgoacuteneo

Vibrou-lhe o Pae o vigilante dardo

- O raio que ao cahir expira chammas ndash

E abateo-lhe as farromas blasonantes

Nas mais intimas visceras ferido

Paacutevido do estridor tonitroante

Perdeo forccedilas cahindo incinerado

Hoje soacute delle resta um corpo inutil

Estirado do mar junto aacute angustura

Do Etna sob as raizes comprimido

Emquanto em cima tem Vulcano a forja

E prepara fusotildees Dalli jorrando

Um dia com fragocircr igneas torrentes

Queimaratildeo nas mandibulas selvagens

Os frugiferos valles da Sicilia

[fl109] Assim ha de Typhecirco mesmo combusto

236

Do ethereo fogo evaporar os eacutestos

E em ferventos rojotildees de inexhauriveis

Torvelins vomitar chammas do bocircjo

Tens longa experiencia e nem precisas

Que eu me torne teo guia e conselheiro

Guarda-te pois da mais segura foacuterma

Que ficarei cumprindo o meo fadario

Teacute que a ira deserte a alma de Jove

OCEANO

Natildeo sabes que da colera espumante

As palavras satildeo medico

PROMETHEU

Si a tempo

Alguem o coraccedilatildeo nos pacifica

E sem que reprimir aacute forccedila intente

D‟alma tumida os impetos

OCEANO

Que damno

Vecircs em tental-o audaz e cauteloso

PROMETHEU

Simplicidade vatilde canseira inutil

OCEANO

Permite-me enfermar de tal achaque

Lucra o sabio em passar por nescio aacutes vezes

PROMETHEU

Focircras autor da culpa eu responsavel

OCEANO

237

Vejo uma despedida em taes palavras

[fl110] PROMETHEU

Lastimando-me a sorte odios provocas

OCEANO

De quem Daquelle que em recente data

Tomou posse do solio omnipotente

PROMETHEU

Ai misero de ti si n‟alma o irritas

OCEANO

Tuas desgraccedilas de licccedilatildeo me servem

PROMETHEU

Vae presto Insiste nos teos bons designios

OCEANO

Daacutes pressa ao que a partida accelerava

Meo quadrupede alado impaciente

De dobrar o joelho em seo caseiro

Aprisco as azas distendidas roccedila

Nas camadas azues do ethereo plaino

O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE I

Prometheu Que docircr me causa

Teo destino miserando

As lagrimas que sem pausa

Dos olhos me estatildeo manando

Qual humida fonte a fio

Minhas faces vem regar

238

Jupiter seu poderio

Vive arrogante a ostentar

E humilha os antigos Numes

Aacute tyrannica oppressatildeo

[fl111] ANTISTROPHE I

Socirca em lugubres queixumes

Esta vasta regiatildeo

Da vizinha Asia sagrada

Os incolas compungidos

Choram-te a gloria passada

E a de teos irmatildeos vencidos

ESTROPHE II

Choram-te as fortes na guerra

Virgens de Colchos - o Scytha

Que n‟um extremo da Terra

Junto aacute Meotida habitada

ANTISTROPHE II

O arabe escol guerreiro

Fremente de agudas lanccedilas

E que tem forte roqueiro

Do Caucaso em vizinhanccedilas

EPODO

De incansaveis noacutes ligado

Um soacute dos Titans eu vi

Pelos Deoses castigado

Padecer antes de ti

Atlas foi Quem tatildeo valente

239

De tanto esforccedilo capaz

Pois sobre o docircrso gemente

O Polo gravoso traz

O peacutego fervendo muge

A seos peacutes a terra treme

O negro Averno restruge

E ateacute nos recessos freme

Todas as fontes sagradas

Das correntes fluviaes

Lamentam angustiadas

Suas desgraccedilas fataes

[fl112] PROMETHEU

Natildeo de tedio ou de orgulho eacute meo silencio

Mas eu devoro o coraccedilatildeo pensando

Que sou exhibiccedilatildeo de tanta vilta

Quem sinatildeo eu por esses novos Deoses

Talhou proporcionaes mercecircs e graccedilas

Sobre este ponto nada mais ajunto

Seria expocircr um facto aos que o conhecem

Ouve os males que aos homens affligiam

E como de boccedilaes os fiz cordatos

E scientes da proacutepria intelligencia

Si assim falo natildeo eacute porque os censure

Lembro soacute que o que fiz em proacutel da raccedila

Eacute prova da affeiccedilatildeo que lhe consagro

Antigamente olhavam sem que vissem

Inclinavam-se aacute escuta e nada ouviam

Como as figuras que desenha o sonho

Tudo por longo tempo confundiram

Aacutes casas de tijolo ao sol expostas

E ao lavrar da madeira extranhos eram

240

Como graacuteceis formigas diligentes

Tinham habitaccedilotildees de sob o soacutelo

No mais fundo de lobregas cavernas

Nem por algum signal differenccedilavam

O inverno da florida primavera

Ou do veratildeo em fructos abundante

Assim sem reflexatildeo viveram seculos

Ateacute que o instante do nascer dos astros

E o menos regular de seos occasos

Lhes dei a conhecer Em seo proveito

O numero inventei - a mais proficua

Das descobertas que a sciencia illustram

Ensinei-lhes a ler grupando as lettras

Formei-lhes a memoria ndash a matildee das Musas

Domesticando os animaes selvagens

Fil-os aacute sujeiccedilatildeo doacuteceis Pesaram

De irracionaes no dorso as graves cargas

Que oneravam teacute ahi hombros humanos

Puz ao carro os frenigeros cavallos

- Trastes de luxo de faustosos ricos -

Vehiculos navaes d‟azas de linho

Sulcadores do mar a mim se devem

E eu (desditoso) autor de tanto invento

Em bem dos homens descobrir natildeo posso

Um que logre partir estes liames

[fl113] O CORO DAS OCEANIDAS

Grave castigo padeces

Fluctuas leso o juiacutezo

Qual maacuteo medico adoeces

E eacutes no curar-te indeciso

Ao animo perturbado

Certamente natildeo te acode

241

O remedio apropriado

Que prompto sanar-te poacutede

PROMETHEU

Ouve o que falta e pasmaraacutes sabendo

De quantas artes e misteres uteis

Fui inventor O principal foi este

Medicina nenhuma o enfermo tinha

No comer no beber na uncccedilatildeo do corpo

De curativos definhava aacute mingoa

Teacute que graccedilas a mim noticia houveramos

Dos remedios e mixtos salutares

- Preservativo e cura das molestias-

Aos presagios marquei processos novos

Disse em que pontos as visotildees sonhadas

Reaes seriam aacutes escuras phrases

Das predicccedilotildees vocaes fixei sentido

Dos accidentes que em jornada occorrem

Dei plena explicaccedilatildeo ao viandante

Mui por miudo defini o vocirco

Dos passaros de garras encurvadas

Qual delles eacute propicio e qual sinistro

Disse de que alimentos se nutriam

Quaes seos odios e amores seos encontros

Notei-lhes das entranhas a lisura

Bem como a cocircr que mais apraz aos Deoses

Quaes da bile os aspectos favoraveis

E os do figado e o aacutedipo das cocircxas

Seos rins queimando descobri segredos

D‟arte de adivinhar que era difficil

Do fogo occulto revelei o augurio

Outr‟ora nebuloso Aleacutem de tudo

As riquezas que a terra nas entranhas

Guardava ndash o ferro o bronze a prata o ouro -

242

Qual outro antes de mim as desvelaacutera

Quem se chamar tal gloria eacute temerario

Jactancioso Em summa as artes todas

Por Prometheu hatildeo vindo aacutes matildeos dos homens

[fl114] O CORO DAS OCEANIDAS

Basta dos homens natildeo fales

Quinhoaste-os amplamente

Tracta de ti A teos males

Natildeo sejas indifferente

Sinto em mim tenho por certo

Que ainda um dia te hei de ver

Destas cadeias liberto

Igual a Jove em poder

PROMETHEU

Isto natildeo prouve aacute Parca poderosa

Pelo Destino decretado estava

Que soacute de longas provaccedilotildees ao cabo

Destas peias alfim solto me veja

Muito mais debeis satildeo por certo as artes

Do que a Fatalidade

O CORO DAS OCEANIDAS

E a quem pertence

Do Destino o timatildeo reger101

PROMETHEU

Aacute Parca

Triforme e aacutes sempre meacutemores Erynnes

101

Era de se esperar um ponto de interrogaccedilatildeo

243

O CORO DAS OCEANIDAS

Eacute Jove menos forte que o Destino

PROMETHEU

Sim natildeo102

lhe foge aacutes leis irrecusaveis

O CORO DAS OCEANIDAS

Para elle algo eacute fatal aleacutem do imperio

PROMETHEU

Natildeo t‟o direi nem mesmo a instantes rogos

[fl115] O CORO DAS OCEANIDAS

Eacute de certo bem grave o que me escondes

PROMETHEU

Lembra outra cousa descabida eacute esta

Para mim eacute mister quanto possivel

Guardal-a occulta Deste modo evito

Mil infortunios e estes ferros quebro

O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE I

Natildeo apraza aacute Potestade

Que os mundos todos governa

Oppocircr aacute minha vontade

Sua vontade superna

Seja meo constante fito

Manter os Numes propicios

Fazendo sempre os do rito

102 A palavra comeccedila com letra minuacutescula no livro

244

Tributarios sacrificios

Offertando-lhes de plano

As victimas immoladas

Junto aacutes do Padre Oceano

Correntes sempre agitadas

Que eu nunca aos Deoses aggrave

No intuito ou na expressatildeo

Que perpetua em mim se agrave

Tatildeo louvavel intenccedilatildeo

ANTISTROPHE I

Doce eacute firmar longa vida

Sobre esperanccedilas estaveis

Conservando a alma nutrida

De jubilos ineffaveis

Fundo horror minha alma sente

Por teo duro padecer

Foste muito irreverente

Com Jove em teo proceder

Nos teos planos confiado

E soacute por impulso teo

Aos homens has dispensado

Honras de mais Prometheu

[fl116] ESTROPHE II

Que maacuteo pago houveste disso

Jugas que em teos dissabores

Te prestem algum serviccedilo

Os terraqueos moradores

245

Perdeste acaso a lembranccedila

Da tibia imbecialidade

Que de um somno aacute semelhanccedila

Peacutesa sobre a humanidade

Dos homens nunca os projectos

Teratildeo forccedilas de inverter

A ordem que em seos decretos

Quis Jupiter prescrever

ANTISTROPHE II

Convenci-me disto emquanto

Teo supplicio contemplava

Quatildeo diverso deste canto

Era o que nos arroubava

Quando cercando-te o thoro

E o lavacro accordes todas

Entoavamos em cocircro

Hymno festivo de bocircdas

Vendo Hesione nascida

Do Oceano esposo aceitar-te

E a teos presentes rendida

Em teo leito ser comparte

(Apparece Io)

IO

Que terra esta eacute Que gente nella habita

E quem eacutes tu por vinculos atado

Nesta rocha hybernal Aacute que flagicio

Serve de expiaccedilatildeo tamanha pena

Dize-me aacute que regiatildeo chego agitada

Ai Ai Ai Eis de novo me afferrocirca

246

(Desditosa) o tavatildeo - o simulacro

D‟Argos da Terra filho Oacute terra afasta-o

Tenho medo O pastor de olhos innumeros

Me estaacute fitando co‟a dolosa vista

Bem que finado natildeo n‟o esconde a terra

Volta do Inferno segue-me as pisadas

E arrasta-me a vagar faminta aos saltos

Pelas marinhas arenosas praias

[fl117] ESTROPHE

Da avena de cecircrea junctura a harmonia

Ao somno convida

Teacute onde na infinda fatal correria

Serei impellida

Saturnia progenie qual foi o meo crime

Por que me condemna

A colera tua e ao jugo me opprime

De tatildeo dura pena

Por que n‟um continuo terror flagellante

Que arrasta aacute loucura

Me impotildees deste insano correr incessante

A rude tortura

Ou manda-me em chammas morrer abrazada

Ou viva enterrar

Ou- pasto animado - que eu seja lanccedilada

Aacutes feacuteras do mar

Oh Rei Daacute-me ouvidos Aacute angustia que raia

Meo animo enfermo

Modera os rigores Siquer assignala

Qual seja seo termo

247

O CORO DAS OCEANIDAS

A voz natildeo ouves da bicorne virgem

PROMETHEU

Como natildeo hei de ouvir d‟Inacho a filha

A moccedila virgem do tavatildeo pungida

Ella inflammou de amor a alma Jove

E hoje de Juno odiada eacute compulsada

Aacute correria longa e sem repouso

IO

ANTISTROPHE

Donde soubeste de meo pae o nome

Como infeliz

Conheces esta docircr que me consome

Aacute triste o diz

Quem te deo novas do divino accediloite

Desse feroz

Ferratildeo que me caustica dia e noite

Com furia atroz

[fl118] Da colera de Juno perseguida

Aqui por fim

Tresvariada pela fome urgida

Saltando vim

Mais desditosa dentre os desditosos

Quem poacutede haver

Diz-me sem veacuteos os lances desastrosos

Que hei de soffrer

Si allivio ou cura tens aacute tatildeo pesada

Fera agonia

Aponta-o sem rebuccedilo aacute flagellada

248

Moccedila erradia

PROMETHEU

Dizer-te vou o que saber desejas

Simples e claro sem usar de enigmas

Qual de um amigo a outro Em mim presente

Tens Prometheu que trouxe o fogo aos homens

IO

Tu ndash auxilio commum da raccedila humana -

Tu - Prometheu por que razatildeo padeces

PROMETHEU

Pouco ha findaacutera a historia de meos males

IO

Agora a mim natildeo te seraacute possivel

Uma graccedila fazer

PROMETHEU

Sim Interroga

Eu te satisfarei

IO

Quem te ha cravado

Nesta rocha precipite

PROMETHEU

O decreto

De Jupiter e o braccedilo de Vulcano

[fl119] IO

Que attentado eacute credor de tal castigo

249

PROMETHEU

Eacute bastante o que eu disse

IO

Expotildee ao menos

Todos os golpes que o povir me guarda

E qual deste correr o termo certo

PROMETHEU

Natildeo me inquiras Mais val que tudo ignores

IO

Do que tenho a passar nada me occultes

PROMETHEU

Natildeo me posso escusar a teo pedido

IO

Por que tardas

PROMETHEU

Natildeo eacute por maacute vontade

Sim porque temo o animo turbar-te

IO

Oh Natildeo zeles de mim mais do que eu zelo

PROMETHEU

Insistes Vou falar expondo tudo

[fl120] O CORO DAS OCEANIDAS

Ainda natildeo Daacute que me caiba

Uma parte do prazer

Que dos labios della eu saiba

250

Quanto teve de soffrer

De sua sorte funesta

Sciente depois de a ouvir

Narraraacutes o que lhe resta

A padecer no porvir

PROMETHEU

Cumpre attendel-as Io Aleacutem de tudo

Satildeo irmatildes de teo pae Quem natildeo releva

Tardanccedila ao narrador dos proprios males

Si lagrimas de doacute de seos ouvintes

O acolhem

IO

Sim Natildeo haacute como esquivar-me

Vou claramente relatar os casos

Que anciaes por saber bem que me pecircze

Dizer a causa da procella horrenda

Por matildeo divina contra mim lanccedilada

E d‟esta vil transfigurada foacuterma

Visotildees sonhadas voltejando aacute noite

Pelo meo aposento de donzella

Vinham continuo em seductoras phrases

Dizer-me ldquoOacute tu a mais feliz das virgens

Por que tatildeo longa virgindade guardas

Se poacutedes contrahir consorcio augusto

Do farpatildeo do desejo assetteado

Arde Jove por ti e almeja o instante

De comtigo fruir de Chypre os gozos

Teme o leito enjeitar do Pae dos Deoses

Vae Da profunda Lerna em prados busca

Os pascigos e estabulos paternos

Daacute repouso aos desejos que desperta

251

Tua presenccedila nos divinos olhosrdquo

Ai de mim desgraccedilada Em cada noite

Identica visatildeo vinha assaltar-me

Teacute que fazendo esforccedilo de coragem

Fui a meo pae narrar aquelles sonhos

Nuncios elle expedio que consultando

O oraculo de Pytho e o de Dodocircna

Conhecessem o que de grato aos Numes

Lhe cumpria por actos e palavras

Praticar Ao regresso os mensajeiros

[fl121] Soacute trouxeram respostas duvidosas

Natildeo comprehensiveis de expressotildees obscuras

Veio alfim vaticinio manifesto

Ordenando a meo pae de modo explicito

Que do lar e da patria me expellisse

Mandando-me vagar livre de laccedilos

Teacute os longiquos terminos do mundo

Si fosse opposta resistencia aacutes ordens

Jove arrojando o coruscante raio

Extinguiria inteira a nossa estirpe

Submisso aacute voz prophetica de Loxias

Meo pae mandou-me pocircr fora de casa

E prohibio-me que lhe entrasse as portas

Na ancia da docircr gemiam nossas almas

Jove poreacutem aacute freio o subjugava

E era preciso obedecer aacute forccedila

Turbou-se-me a razatildeo mudei de foacuterma

E estas pontas na fronte me nasceram

Do acuacuteleo de um tavatildeo aguilhoada

Atirei-me de um salto furibundo

Aacute Cenchreia de Lympha saborosa

Da collina de Lerna em verdes prados

Mas Argos o terrigena vaqueiro

Sanhudo e maacuteo no encalccedilo me seguia

252

A espiar por miudo os meos vestigios

Inopinado e suacutebito successo

Da existencia o privou Eu fustigada

Do latego divino em furia vago

De clima em clima Ouviste tudo Agora

Si conheces os meos futuros males

Dize-os e nem a compaixatildeo te induza

A agradar-me com phrases mentirosas

Eacute no conceito meo vicio ominoso

Por lisonja tecer falaz discurso

O CORO DAS OCEANIDAS

Oh Basta Cala-te Paacutera

Jaacutemais jaacutemais (ai de mim)

Pude suppocircr que escutaacutera

Um caso insolito assim

Expiaccedilotildees e pezadumes

Tristes de ver e cortir

Que qual dardo de dous gumes

Me vem gelar e ferir

Oh Fado Fado inclemente

De horror sinto-me transida

Ao pensar na docircr pungente

De tua cansada vida

[fl122] PROMETHEU

Teos ais e esse terror satildeo prematuros

Gemeraacutes com razatildeo sabendo o resto

O CORO DAS OCEANIDAS

Fala Ao triste que padece

O tormento se modera

253

Si d‟outro ouvindo-o conhece

De ante-matildeo o mal que o espera

PROMETHEU

Facil de mim houveste o que pediste

Pois foi desejo teo ouvir primeiro

Dos proprios labios d‟ella o que ha soffrido

Falta narrar os transes que esta virgem

A vindicta de Juno inda reserva

Grava no coraccedilatildeo minhas palavras

De Inacho oacute filha Deveraacutes ouvindo-as

De tuas excursotildees saber o termo

Parte com direcccedilatildeo ao sol nascente

E atravessando natildeo lavrados campos

Veraacutes os Scythas montanhezes nomadas

Armados de farpotildees de longo alcance

Habitam choccedilas de tranccedilados vimes

Dentro de carros d‟optima rodagem

Passa e o caminho trilha que se abeira

Das fragas em que o mar gemente quebra

Pela esquerda aacute morada iraacutes dos Chaacutelybes

Peritos Artesotildees do ferro Evita-os

Ferozes satildeo e avessos aacute hospedagem

Chegando aacute margem do empolgado Hybristos

Rio que o nome seo bem justifica

Natildeo queiras desde logo vadeal-o

Soacute lhe faraacutes sem risco a travessia

No Caucaso o mais alto d‟entre os montes

Onde a caudal com impeto rebenta

Ampla a ferver das temporas da serra

Salva as cumiadas que do ceacuteo vizinham

Fitando entatildeo ao meio dia o rumo

Encontraraacutes as hordas de Amazonas

Avessas a varotildees e cuja seacutede

254

Themiscyra seraacute ndash do Thermodonte

Aacute foz onde a maxilla se escancara

Do mar Salmydessecirco infensa aos nautas

E inhospita madrasta dos navios

[fl123] Hatildeo de ellas proprias da melhor vontade

Prestadias mostrar o teo caminho

Vinda em seguida ao isthmo dos Cimmerios

Junto ao cerrado estreito da Meoacutetida

Transpotildee-n‟o com arrojo Ingente fama

Perpetua entre os mortaes ha de provir-te

Desse transito e Bosporo chamado

O estreito Tendo assim deixado a Europa

Do continente d‟Asia ao soacutelo aportas

Natildeo vos parece que o Reitor dos Deoses

Em tudo manifesta igual violencia

Nume querendo a esta mortal unir-se

Numa carreira intermina arrojou-a

Que ruim proacuteco te coube oh pobre virgem

Para comtigo convolar a nupcias

Quanto narrei natildeo passa de proemio

Dos soffrimentos que o porvir te guarda

IO

Ai de mim

PROMETHEU

Outra vez choras suspiras

Que seraacute quando o mais ter for notorio

O CORO DAS OCEANIDAS

Pois tens de annunciar-lhe outras desgraccedilas

PROMETHEU

Sim Um revocirclto mar de horriveis docircres

255

IO

Que monta este viver Antes de arranco

Deste rijo alcantil me arremessasse

Ao chatildeo de pedra e nelle espedaccedilada

Me libertasse de miseria tanta

Mais val de um golpe violenta morte

Que existencia arrastada em docircr sem termo

PROMETHEU

Quanto no meo lugar te lamentaacuteras

Pois o Destino me ha vedado a morte

Ella me focircra paz e livramento

Mas desta pena natildeo terei resgate

Emquanto Jove natildeo perder o imperio

[fl124] IO

E poacutede acontecer que um dia o perca

PROMETHEU

Creio te fora grato o ver-lhe a queacuteda

IO

E como natildeo si delle eu tanto soffro

PROMETHEU

Isso ha de succeder Dou-te a certeza

IO

Quem o despojaraacute do regio sceptro

PROMETHEU

Elle a si proprio por acccedilotildees estultas

256

IO

E como Explica-o natildeo havendo risco

PROMETHEU

Por um consorcio fonte de amarguras

IO

Eacute com Deosa ou mortal Dize si o poacutedes

PROMETHEU

Para que perguntal-o Ha neste ponto

Mysterio e natildeo me eacute dado descobril-o

IO

Desthronado seraacute por essa esposa

[fl125] PROMETHEU

Ella ha de dar o nascimento a um filho

Mais forte do que o Pae

IO

Natildeo poacutede Jove

O desastre evitar

PROMETHEU

Natildeo lhe eacute possivel

A natildeo ser que eu liberto destas peias

IO

Quem Jupiter invito ha que te livre

PROMETHEU

Eacute fatal seja alguem da prole tua

257

IO

Que Viraacute libertar-te um de meos filhos

PROMETHEU

Apoacutes dez geraccedilotildees um da terceira

Seguinte geraccedilatildeo ha de livrar-me

IO

Difficil comprehensatildeo a deste augurio

PROMETHEU

Dos reveses por vir natildeo mais indagues

IO

Recusas-me o favor jaacute concedido

[fl126] PROMETHEU

Uma revelaccedilatildeo posso fazer-te

Escolhida entre duas

IO

Das-me a escolha

PROMETHEU

Sim Tractarei dos males que te aguardam

Ou de quem deve resgatar-me um dia

CORO

Serve aos dous A esta donzella

Prediz a futura docircr

Em seguimento revela

Quem seraacute teo salvador

PROMETHEU

258

Natildeo quero ao rogo teo mostrar-me esquerdo

E tudo vou dizer Primeiro oacute Io

Narrarei tuas multiplas corridas

Grava-as nas taboas memoraveis d‟alma

Abandonando o estreito que separa

Os continentes vae seguindo a rota

Para o lado em que o sol nasce infllammado

Sem parar o bramir do mar transpondo

Aacutes gorgoacuteneas campinas em Cisthene

Iraacutes No sitio as Phorcidas habitam

Satildeo tres virgens senis e cigniformes

Possuindo em commum um olho e um dente

Jaacutemais as visitou do sol um raio

E nem da argentea lua a luz serena

Suas irmatildes - as Goacutergones aligeras

Angui-comadas aos mortaes funestas

Teem perto os lares Quem lhes fita o aspecto

O espirito vital subito perde

Aponto os riscos Cabe-te evital-os

Outra sinistra repulsiva imagem

Veraacutes nos Gryphos catildees de Jove mudos

De agudos rostos Foge-os Foge aacute turba

De Arimaspos equestres de um soacute olho

Que do aurifluo Plutatildeo ribas occupam

[fl127] Aacute seacutede aportaraacutes de um povo negro

Junto ao berccedilo do sol nas longes plagas

Por onde corre da Ethiopia o rio

Rasga passagem pelas margens d‟elle

Teacute que enfrentes a grande catarata

Onde o Nilo a tombar dos montes Biblos

Derrama sua lympha veneranda

E de grato sabor Prosegue e alcanccedila

A terra que um triangulo figura

Praz ao Fado que em tatildeo remota zona

259

Fundes uma colonia onde te fixes

E mores Io e a descendencia tua

Si em minha narrativa ha ponto obscuro

Ou de difficil comprehensatildeo indica-o

Que tudo a esclarecer de prompto acudo

Tempo hei de sobra Nem quizera tanto

O CORO DAS OCEANIDAS

Si algo foi della omittido

Suppre o lapso da memoria

Apoacutes cede a meo pedido

Relata-nos tua historia

PROMETHEU

Do seo peregrinar futuro ouvio-me

A exposiccedilatildeo fiel Vou dar-lhe a prova

De que natildeo falo em vatildeo narrando as dores

Que antes de aqui parar ha padecido

Serei succinto pouparei palavras

E ao termo irei de seo correr infrene

Tendo chegado aos campos dos Molossos

Em Dodocircna elevada onde se encontram

De Jupiter Thesproacutecio altar e oraculo

E o carvalho que fala (alto prodigio)

Saudou-te claramente a voz divina

(Que lisonjeira saudaccedilatildeo foi essa)

Qual de Jove futura inclyta esposa

Picada do tavatildeo seguiste a costa

Ao mar de Rheacutea foste e o transpuzeste

Arredou-te dalli o errante impulso

Para commemorar esse trajecto

Mar Ionio seraacute denominado

Pela posteridade aquelle golpho

Assim daacute testemunho a mente minha

260

De que penetra aleacutem do que eacute visivel

Atando agora aacute minha historia o fio

A ella a ti conjunctamente falo

[fl128] No extremo Egyto em comoro de areia

Fronteando do Nilo a embocadura

De Canoacutepo a cidade eacute situada

Alli Jove tocando-te de leve

E affagando-te a matildeo blandicioso

Ha de acalmar-te o espirito agitado

Daraacutes mais tarde aacute luz Eacutepapho o negro

Nome que lembra as condiccedilotildees e modo

Como ha de ser de Jupiter gerado

Elle semearaacute nas ferteis glebas

Que no vasto percurso o Nilo banha

Na quinta geraccedilatildeo dahi provinda

Para Argos voltaratildeo cincoenta virgens

Fugindo ao casamento pretendido

Pelos primos paternos Exaltados

Inda insistindo no enjeitado enlace

(Que nunca houvesse de lhes vir aacute ideacuteia)

Seguindo iratildeo no encalccedilo as fugitivas

Quaes terccediloacutes que de perto as pombas seguem

Um Deos ha de invejar os corpos delles

E no gremio a Pelasgia recebel-os

Quando domados por um Marte fero

Que mata com a dextra das mulheres

E por audacia que durante a noite

Vigia como esperta sentinella

Degollar cada esposa o seo marido

Levando-lhe aacute garganta o duplo corte

De aguda espada e lhe arrancar a vida

Que Venus fira assim meos inimigos

Ha de amor ameigar uma das virgens

Para que natildeo trucide o companheiro

261

Esta hesitando no assassino plano

Preferiraacute ser fraca a ser cruenta

A matildee ella seraacute dos reis argolicos

Para o assumpto eacute mister longo discurso

Basta dizer que desta regia soacutebole

Deve provir o audacioso illustre

Perito no atirar as saggitarias

Que me ha de libertar destas cadeias

Themis Titania minha matildee predisse-o

Como e quando seraacute Eacute longa historia

E nada lucraraacutes em que a repita

IO

Ai de mim Ai de mim Novo delirio

Me lanccedila em phrenesi me abraza o cerebro

Queima-me do tavatildeo sem fogo a puacutea

De terror agitado em fortes golpes

Do peito a arcada o coraccedilatildeo verbera-me

Nas orbitas os olhos se retorcem

[fl129] Longe de mim me arroja impetuoso

O vento do furor Natildeo me obedece

A lingoa Minhas vozes conturbadas

Luctam a esmo em confusatildeo debalde

Co‟as vagas de meo barbaro infortunio

(Sahe Io)

O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE

Sabio foi sabio eminente

Quem primeiro formulou

Este conceito na mente

E em palavras o explicou

Eacute o melhor dos casamentos

262

O que se faz entre iguaes

Quem vive dos rendimentos

De trabalhos manuaes

Natildeo busque allianccedila na classe

Soberba pela riqueza

E fuja igualmente aacute enlace

Co‟os que pompeiam nobreza

Oacute Parcas De Jove o leito

Nunca eu possa compartir

Nem jaacutemais por laccedilo estreito

A um Nume qualquer me unir

Tremo ao ver a virgindade

De Io a varotildees tatildeo hostil

Por Juno sem piedade

Votada a corridas mil

EPODO

Entre iguaes natildeo temo allianccedila

Mas nunca nos olhos meos

Fixe o olhar - que natildeo se alcanccedila

Evitar - um alto Deos

Guerra em que a luta se exclue

E em que eacute nulla a resistencia

Pois o inimigo possue

Recursos sem competencia

Si um dia a Jove o desejo

De distinguir-me acudir

Maneira nenhuma vejo

De ao poder lhe resistir

263

[fl130] PROMETHEU

Mas apezar de pertinaz orgulho

Inda humilde ha de Jupiter volver-se

Pois se prepara a contrahir consorcio

Que tem de o derribar de modo inglorio

Do solio arrebatando-lhe o dominio

Entatildeo ha de cumprir-se inteiro e pleno

O anathema lanccedilado por Saturno

Quando o filho o expellio do antigo throno

Fuga aacute desastre tal nenhum dos Numes

Conhece a natildeo ser eu sei o remedio

E sei tambem o modo de applical-o

Estadeie-se Jove nas alturas

Fiado no estampido pavoroso

Que retumba atravez da immensidade

Sacuda o raio ignivomo na dextra

Pois natildeo teratildeo valor taes apparelhos

Para lhe attenuar o vilipendio

Da queacuteda e a perda do poder sem volta

Agora mesmo contra si levanta

Antagonista de expugnar difficil

Que uma chamma inventou melhor que o raio

E um fragor qua ao trovatildeo de muito excede

Hatildeo de taes armas reduzir a estilhas

De Neptuno nas matildeos esse tridente

Que o mar subleva que sacode a terra

Naufrago sobre o escolho do Infortunio

Ha de saber qual a distancia

Que entre mandar e obedecer existe

O CORO DAS OCEANIDAS

Predizes contra Jove o que desejas

264

Lhe aconteccedila

PROMETHEU

Refiro-me a successos

Que hatildeo de realizar-se e que me aprazem

Ver a seo tempo em factos convertidos

O CORO DAS OCEANIDAS

Que Jupiter vencido e dominado

PROMETHEU

E a supplicio maior que o meo sujeito

[fl131] O CORO DAS OCEANIDAS

E natildeo receias proferir taes phrases

PROMETHEU

Por que Si o natildeo morrer eacute meo destino

O CORO DAS OCEANIDAS

E si elle te aggravar esses tormentos

PROMETHEU

Que o faccedila Tudo delle espero

O CORO DAS OCEANIDAS

Eacute sabio

Quem de Adastreia aos peacutes dobra os joelhos

PROMETHEU

Submissa implora adula a quem governa

Menos que nada val Jove a meos olhos

Como eacute desejo seo no Olympo exerccedila

Ephemero poder pois sobre os Deoses

265

Imperio natildeo teraacute por longo tempo

Mas vejo alli o batedor de Jupiter

O fido servo do actual tyranno

Certo vem transmittir-me ordens recentes

MERCURIO

Alma de fel sophista astucioso

De engenho a mais natildeo ser agudo e fino

Que contra os Numes commetteste o crime

De dar ao ser de um dia honras divinas

Ladratildeo do fogo interpellar-te venho

Dize pois manda o Pae qual o consorcio

Que ha de ser causa consoante o affirmas

De sua queacuteda do poder Expotildee-me

Livre de ambages ponto a ponto a historia

Dispensa-me o descer de novo aacute terra

Prometheu Procedendo de outro modo

Natildeo abrandas a Jupiter

[fl132] PROMETHEU

Grandiloquo

E cheio de arrogancia eacute teo discurso

Qual cabe dos celicolas ao servo

Novos de ha pouco dominando crecircdes

Que em vossa fortaleza estaes a salvo

Da docircr Cahir do throno dous tyrannos

Vi e em breve hei de ver este terceiro

De modo ignominioso prosternado

Julgas talvez que hei medo aos novos Deoses

Quatildeo longe estou de receial-os Volta

Jaacute pela mesma estrada e sem que saibas

Nada de quanto investigar vieste

MERCURIO

266

Por fera obstinaccedilatildeo - desta miseria

Te arremessaste ao porto

PROMETHEU

Este infortunio

Por teo officio permutar natildeo quero

Antes escravo ser deste penhasco

Do que do Pae correio complascente

Represalia eacute do teo este doesto

MERCURIO

Pareces exultar com teo supplicio

PROMETHEU

Quem Eu Pudesse ver meos inimigos

Deste modo exultar tu como os outros

MERCURIO

Crecircs que nos males teos hei tido parte

PROMETHEU

Lhano a falar execro os novos Deoses

Que enchi de bens e em troca assim me affligem

[fl133] MERCURIO

Soffres grave molestia - a da loucura

PROMETHEU

Si eacute molestia odiar os inimigos

Desejo se prolongue a que eu padeccedilo

MERCURIO

Quem si foras feliz te supportaacutera

267

PROMETHEU (soltando um gemido)

Ai

MERCURIO

Jove desconhece essa palavra

PROMETHEU

Traz o tempo a velhice e tudo ensina

MERCURIO

Natildeo te ensinou comtudo a ter bom senso

PROMETHEU

Natildeo pois falando estou comtigo oh servo

MERCURIO

Aacutes perguntas do Pae natildeo daacutes respostas

PROMETHEU

Muito lhe devo na verdade Cabe-me

De minha gratidatildeo mostrar-lhe provas

MERCURIO

Qual de crianccedila estaacutes de mim zombando

[fl134] PROMETHEU

Natildeo eacutes acaso menos que crianccedila

No siso si de mim obter pretendes

Revelaccedilatildeo qualquer Natildeo logra Jove

Por meio de artificio ou de tortura

Levar-me a desvendar-lhe o meo segredo

Sem que elle destes ferros me desprenda

Poacutede a candente chamma arremessar-me

Confundir e abalar todo o Universo

268

Com turbilhotildees de neve d‟azas brancas

E ao troar dos estrondos subterraneos

Natildeo ha dizer-lhe quem por lei do Fado

Tem de prival-o do poder supremo

MERCURIO

Medita Em que aproveita a contumacia

PROMETHEU

Tudo ha muito hei previsto e resolvido

MERCURIO

Ousa uma vez siquer ousa insensato

Pensar maduro no teo mal presente

PROMETHEU

Importunas-me em vatildeo Teo suasorio

Eacute qual si fosse dirigido aacutes ondas

E nem possa acudir-te ao pensamento

Que aterrado de Jove ante os designios

Coraccedilatildeo feminil revista e erguendo

Como debil mulher supplices palmas

Peccedila a quem aborreccedilo em graacuteo supremo

Destes grilhotildees me livre Em tal natildeo penso

MERCURIO

Em vatildeo falei si bem demais falasse

Nada te abranda a rogos natildeo attendes

Qual poldro mal domado o freio tascas

Forcejas reluctando contra as redeas

Confianccedila orgulhosa depositas

No impotente saber Nada mais fraco

Que a pertinacia esteril da loucura

[fl135] Olha Si as minhas suggestotildees desprezas

269

Que vendaval que oceano de infortunios

Em ti vae desabar Inevitavel

Isto ha de ser O Pae antes de tudo

Dos trovotildees ao fragor do raio aacute chamma

Destruiraacute este alcantil fragoso

Sob os escombros sumiraacute teo corpo

Estatelado em braccedilos de granito

Tens de voltar aacute luz apoacutes volvidos

Longos eacutevos Entatildeo a aguia cruenta

- Catildeo volatil de Jove - em mil pedaccedilos

Ha de voraz atassalhar-te as carnes

Qual diario conviva sem convite

Faraacute banquete com teo negro figado

- Uacutenico do festim manjar sangrento ndash

Natildeo esperes o fim do atroz supplicio

Emquanto um Deos que padecel-o queira

Por ti natildeo desccedila ao Orco tenebroso

E aacute voragem do Tartaro profundo

Pensa Natildeo vejas ameaccedila inane

No que te digo Eacute muito grave o assumpto

Nunca mentio de Jupiter a bocca

Cumpre o que diz Reflecte delibera

Nem aacute prudencia opponhas arrogancia

O CORO DAS OCEANIDAS

Natildeo parece impertinente

De Mercurio a allocuccedilatildeo

Pois te exhorta a ser prudente

E a deixar a obstinaccedilatildeo

O seo conselho cordato

Deves ouvir e acceitar

Eacute vergonhoso ao sensato

Na falta perseverar

270

PROMETHEU

Eu conhecia os termos da embaixada

Que elle vociferou Poreacutem que importa

Natildeo produzem sorpreza e nem deslustram

Apocircdos e desfeitas de inimigo

E pois que seja sobre mim vibrada

A bi-partida flammejante espira

Abalem o ether dos trovotildees o estrondo

E o sibilante urrar dos soltos ventos

Medonho furacatildeo sacuda a Terra

Desde a raiz nos imos fundamentos

[fl136] Equoreos escarceacuteos mugindo invadam

Celestes plainos onde os astros giram

E Jove pelo vortice arrastado

Da rigida fatal Necessidade

Arroje o corpo meo no negro Tartaro

Em vatildeo Natildeo tem poder de dar-me a morte

MERCURIO

Taes palavras iguaes arrazoados

Soacute se podem ouvir de um mentecapto

Eil-o que attinge as raias da loucura

Pois natildeo doma ao furor a violencia

E voacutes que do seo mal haveis piedade

Destes lugares afastai-vos presto

Por que o trovatildeo que ahi vem rugindo horrivel

Natildeo vos transtorne de pavor a mente

O CORO DAS OCEANIDAS

Daacute-me conselho aceitavel

E seraacutes obedecido

Eacute de todo intoleravel

O que me tens dirigido

271

Estranho o teo sentimento

Cobarde nunca serei

Seja qual focircr seo tormento

Com elle o compartirei

Dos vis traidores a peste

Experiente aborreccedilo

Nem cousa que eu mais deteste

Em minha vida conheccedilo

MERCURIO

Lembre-te ao menos que te dei o aviso

Nunca em transe de docircr digas que a Sorte

Ou Jove de improviso te ha ferido

E sim Eu mesma fui do mal sciente

Nelle cahir por falta de cautela

E natildeo por laccedilo armado ou por sorpresa

A humana insensatez nos prende aacutes malhas

Da inextricavel recircde do Infortunio

De que jaacutemais algueacutem logrou soltar-se

[fl137] PROMETHEU

Eis se cumpre a ameaccedila A Terra nuta

Rouco trovatildeo no bocircjo lhe restruge

Rasga a espiral a poeira torvelinha

Irropem a soprar todos os ventos

E mutuamente os impetos oppondo

Forccedilam varios bulcotildees que se abalroam

O Ether combalido ao mar confunde-se

Contra mim Jove manifesto rue

Violento e quer ver se me apavora

272

Oh santo103

amocircr de minha matildee Oh Ether

Em cujo seio a luz commum circula

Vecircde a que me atormenta injusta pena

103 A palavra comeccedila com letra minuacutescula no livro

273

CONCLUSAtildeO GERAL DA DISSERTACcedilAtildeO

Dentre as centenas de trageacutedias gregas que vieram a lume na antiguidade apenas

32 chegaram agrave posteridade Desse nuacutemero reduzido de ldquosobreviventesrdquo sete trageacutedias

satildeo atribuiacutedas a Eacutesquilo O Prometeu Acorrentado eacute uma delas

As trageacutedias gregas do seacuteculo V aC foram compostas primeiramente para uma

performance Depois da encenaccedilatildeo textos das trageacutedias mais populares provavelmente

circulavam para uma leitura privada alguns desses textos eram mais confiaacuteveis que

outros (GRIFFITH 1997 p35 MAZON 1953 pX) No quarto seacuteculo aC encenaccedilotildees

de ldquovelhas trageacutediasrdquo do seacuteculo V tornaram-se comuns em Atenas Essas encenaccedilotildees

foram aparentemente suscetiacuteveis a desvios em relaccedilatildeo ao texto original tanto que um

decreto foi aprovado exigindo que coacutepias oficiais das peccedilas dos trecircs grandes

tragedioacutegrafos fossem guardadas (Licurgo 330 aC) e proibindo os atores de se

desviarem delas (GRIFFITH1997 pp35-6 MAZON 1953 pXI) Isso indica que a

proeminecircncia de Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides jaacute ocorrera na antiguidade e que esse

fenocircmeno influenciara de certa forma na preservaccedilatildeo de algumas de suas obras

Natildeo se sabe ao certo com que base os textos oficiais dos trecircs grandes

dramaturgos gregos foram escolhidos no seacuteculo IV aC mas eacute supostamente deles que

os estudiosos da Biblioteca de Alexandria no final do terceiro e no iniacutecio do segundo

seacuteculo aC estabeleceram os textos dos quais a tradiccedilatildeo posterior provavelmente

depende

Os estudiosos de Alexandria conheciam cerca de nove tiacutetulos das trageacutedias de

Eacutesquilo e possuiacuteam cerca de sete delas entre as quais se encontrava o Prometeu

Acorrentado (GRIFFTH 1997 pp36-7) Hoje contestada a autoria de Eacutesquilo para o

Prometeu Acorrentado nunca foi posta em duacutevida na antiguidade104

Na presente

104

Mark Griffth em 1977 contestou a autoria de Eacutesquilo em seu livro The authenticity of bdquoPrometheus

Bound‟ (Cambridge University) focando sua anaacutelise em questotildees meacutetricas e escolha de vocabulaacuterio

MLWest endossa a posiccedilatildeo de Griffth em seu texto ldquoThe Prometheus Trilogyrdquo (Oxford University

[1979] 2008) trazendo para a discussatildeo a opiniatildeo de que uma peccedila como o ldquoPrometeu Acorrentadordquo natildeo

poderia ser encenada num teatro com as proporccedilotildees do Teatro de Dioniso no seacuteculo V aC (proporccedilotildees

estas tambeacutem sujeitas a muitas contestaccedilotildees entre os especialistas) Ainda em ldquoThe authorship of the

Prometheus Trilogy Studies in Aeschylus Stuttgart 1990 West afirma que o ldquoPrometeu Acorrentadordquo eacute

uma trageacutedia inorgacircnica e inconsistente com seus personagens e teologia ela seria por assim dizer uma

trageacutedia indigna do gecircnio de Eacutesquilo Por outro lado interessantes argumentos a favor da autoria de

Eacutesquilo satildeo encontrados no livro de Maria Pia Pattoni L‟autenticitaacute del Prometeo Incatenato Pisa 1987

274

dissertaccedilatildeo seguimos a tradiccedilatildeo milenar que considera Eacutesquilo o autor do Prometeu

Acorrentado

Atualmente eacute possiacutevel utilizar canetas esferograacuteficas para redigir um manuscrito

Tais canetas possuem uma minuacutescula esfera localizada na ponta a qual eacute

completamente envolvida pela tinta o que possibilita a distribuiccedilatildeo constante e

uniforme do traccedilo Dom Pedro II natildeo possuiacutea esse recurso quando redigiu sua traduccedilatildeo

em prosa do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo pois a primeira caneta esferograacutefica foi

patenteada somente em 1930 por Laacuteszloacute Biroacute (STOYLES amp PENTLAND 2006) O

instrumento graacutefico utilizado pelo Imperador foi uma caneta bico de pena a qual era

embebida em tinteiro sempre que necessaacuterio Quando a caneta era carregada o traccedilo do

Imperador era mais espesso como se pode notar na seguinte reproduccedilatildeo do manuscrito

depositado no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro

Figura 26 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Agrave medida que Pedro II ia escrevendo a tinta evidentemente diminuiacutea e seu traccedilo

tornava-se mais tecircnue

Figura 27 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Agraves vezes as correccedilotildees interlineares eram feitas com um traccedilo tecircnue indicando

que a mudaccedila fora feita quase que imediatamente

275

Figura 28 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Outras vezes a correccedilatildeo se apresenta num traccedilo mais espesso parecendo indicar

que a correccedilatildeo natildeo fora feita de imediato Veja-se a seguir a diferenccedila de quantidade de

tinta entre o texto e a sua posterior correccedilatildeo interlinear

Figura 29 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Estudar o Manuscrito Imperial eacute tambeacutem ter a possibilidade de perceber os

gestos de sua redaccedilatildeo Gestos que natildeo mais existem a natildeo ser nas marcas deixadas no

papel e nas hipoacuteteses imageacuteticas que habitam a mente de um pesquisador Na leitura do

manuscrito eacute possiacutevel ver por meio da imaginaccedilatildeo Dom Pedro II fazendo uma pausa

para embeber a sua caneta no tinteiro e em seguida retomar seu trabalho de redaccedilatildeo

Ter essa possibilidade eacute uma experiecircncia de estudo privilegiada Um termo que poderia

ser evocado para tentar sintetizar a experiecircncia vivenciada ao longo da presente

pesquisa eacute ldquoserendipidaderdquo Tal palavra se emprega geralmente para se referir a

descobertas afortunadas feitas aparentemente por acaso

De iniacutecio supuacutenhamos que jaacute houvesse uma ediccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de

Dom Pedro II e almejaacutevamos apenas estudaacute-la e cotejaacute-la com outras traduccedilotildees Grande

foi a surpresa para natildeo dizer ldquoespantordquo ao percebermos que teriacuteamos a possibilidade de

transcrevecirc-la pela primeira vez e trazecirc-la a lume Mas as descobertas afortunadas natildeo

terminaram aiacute Como visto com a publicaccedilatildeo dos primeiros resultados da pesquisa

Alessandra Fraguas nos informou sobre a existecircncia de uma versatildeo preliminar

depositada no Museu Imperial aleacutem de uma carta escrita pelo Baratildeo de Paranapiacaba agrave

Princesa Isabel em 9 de setembro de 1905 na qual informa mais detalhes sobre a obra

que publicaria em 1907 ldquoEacute esta no meu conceito e nos meus amigos a minha melhor

produccedilatildeordquo afirma o Baratildeo e continua ldquoComo jaacute estou muito velho conveacutem natildeo

276

demorar a publicaccedilatildeordquo105

Tal declaraccedilatildeo do Baratildeo de Paranapiacaba tem algo de

tocante e belo Nela se revela a autoconsciecircncia de Joatildeo Cardoso de Menezes de que a

morte se aproximava Por isso mesmo revela o desejo de deixar mais uma marca no

mundo algo que de certa forma mantivesse a sua presenccedila na histoacuteria por meio da

memoacuteria Isso faz lembrar a leitura que Jacques Derrida faz de uma conhecida passagem

de A tarefa do tradutor de Walter Benjamin

Pois eacute a partir da histoacuteria natildeo da natureza que eacute preciso finalmente

circunscrever o domiacutenio da vida Assim nasce para o filoacutesofo a tarefa

(Aufgabe) de compreender toda vida natural a partir dessa vida de mais vasta

extensatildeo que eacute aquela da histoacuteria (DERRIDA 2006 p32)

Graccedilas ao texto de Haroldo de Campos ldquoO Prometeu dos Barotildeesrdquo fomos

capazes de perceber a importacircncia do livro do Baratildeo de Paranapiacaba para os estudos

de recepccedilatildeo dos Claacutessicos no Brasil Ter acesso posteriormente agrave declaraccedilatildeo do Baratildeo

sobre o valor que ele proacuteprio dava ao seu livro despertou-nos o sentimento de

reverecircncia o que de certa forma nos empenhou ainda mais em nosso trabalho Apesar

dos acertos e desacertos das versotildees poeacuteticas de Joatildeo Cardoso de Menezes elas

representam o legado de um homem que teve o privileacutegio de conviver com o Imperador

Dom Pedro II e que se valeu desse livro para que isso natildeo se perdesse no esquecimento

Sentimento semelhante moveu-nos a fazer o levantamento das versotildees

brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo A USP eacute um importante centro de

estudo e de traduccedilatildeo de obras claacutessicas Seria incoerente que aquele que estuda e

acompanha de perto a tarefa desafiadora e aacuterdua que eacute traduzir obras claacutessicas natildeo lhe

desse a devida atenccedilatildeo O que natildeo eacute relembrado como jaacute dito perece O esforccedilo

daqueles que doaram parte de seu tempo de vida para que o Prometeu Acorrentado

permanecesse vivo em seu tempo natildeo poderia ser desprezado numa pesquisa como a

nossa Muitos dos tradutores citados em nosso trabalho estatildeo mortos mas o fruto de

sua reflexatildeo e trabalho tradutoacuterio ainda existe Tais obras ao serem consideradas e

relembradas tecircm o potencial de influenciar futuras traduccedilotildees Por meio de suas versotildees

os tradutores de certa forma ainda vivem e agem

105 I-POB- Maccedilo 204 ndash Doc 9329 - Carta de Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza Baratildeo de Paranapiacaba

a D Isabel condessa dEu Assinada e datada Rio [de Janeiro] 09091905 Museu

ImperialIbramMinisteacuterio da Cidadania reproduzida integralmente e anexada agrave dissertaccedilatildeo

277

No iniciacuteo da presente dissertaccedilatildeo foram levantadas algumas questotildees que em

nosso entedimento podem ser respondidas de forma mais segura depois da pesquisa

empreendida

O livro Prometheu Acorrentado original de Eschylo Vertido litteralmente

para o portuguez por Dom Pedro II Imperador do Brasil transladaccedilatildeo poeacutetica do

texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Imprensa Nacional 1907 poderia ser

considerado um dos poucos livros de traduccedilatildeo do Imperador Dom Pedro II

publicados ateacute entatildeo

O livro natildeo conteacutem a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II do Prometeu

Acorrentado e sim as versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba embora o Baratildeo cite

a traduccedilatildeo empreendida pelo Imperador do poema Cinque maggio (ldquoCinco de maiordquo)

de Alessandro Manzoni (pp244-6) enquanto narrava fatos de sua convivecircncia com

Dom Pedro II Paranapiacaba tambeacutem cita alguns poemas de autoria do Imperador (ldquoAgrave

Imperatrizrdquo p246-7 ldquoAspiraccedilatildeordquo p247 ldquoGrande Povordquo p247-8 ldquoNo Brasil brilhou

sempre o mecircs de maiordquo p218) O livro embora faccedila uma grande homenagem a Dom

Pedro II focaliza mais as versotildees poeacuteticas do Baratildeo em vez da praacutetica tradutoacuteria do

Imperador e sua traduccedilatildeo da antiga trageacutedia grega Eacute sobretudo um livro de traduccedilotildees e

escritos do Baratildeo de Paranapiacaba106

Ateacute que ponto as versotildees de Paranapiacaba estatildeo ligadas semanticamente agrave

traduccedilatildeo do Imperador Seraacute que os meacuteritos ou os pontos fracos das versotildees

poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba podem ser atribuiacutedos tambeacutem agrave traduccedilatildeo em

prosa de Dom Pedro II

Notou-se por meio da anaacutelise empreendida que Paranapiacaba seguiu o seu

proacuteprio caminho empreendendo mais um trabalho paralelo do que propriamente uma

adaptaccedilatildeo Apesar de o Imperador e Paranapiacaba utilizarem os nomes latinos para as

divindades gregas a palavra ldquoJoverdquo usada frequentemente nas versotildees poeacuteticas de

Paranapiacaba para se referir a Zeus eacute utilizada apenas uma vez no Manuscrito Imperial

(oitava paacutegina do manuscrito)107

A escolha dos vocaacutebulos empregados eacute bastante

106

Para mais detalhes ver paacutegina 158 nota 107

ldquo() pois novos timoneiros regem o Olympo e com leis novas impera Jove illegitimamente destroe

agora o que era antes veneravelrdquo

278

diversa entre eles Aleacutem disso a leitura da trageacutedia tambeacutem difere quanto ao papel de

Oceano no mito de Prometeu Satildeo obras distintas e demandam anaacutelises diferenciadas

Seria equivocado considerar as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba como a ldquotraduccedilatildeo de

Dom Pedro II em versosrdquo

Entendemos que a maior influecircncia que a traduccedilatildeo em prosa de Pedro II exerceu

sobre as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba foi o estiacutemulo Se Dom Pedro II natildeo tivesse

encarregado o Baratildeo para fazer as versotildees poeacuteticas em liacutengua portuguesa talvez

Paranapiacaba nunca tivesse se interessado pelo Prometeu Acorrentado Mesmo assim

eacute estranho o fato de que o Baratildeo natildeo tenha citado uma uacutenica passagem da traduccedilatildeo em

prosa do Imperador em seu livro Mesmo quando cita uma versatildeo literal em nota natildeo eacute

a de Dom Pedro II que Joatildeo Cardoso de Menezes apresenta Como entender por um

lado tamanha admiraccedilatildeo de Paranapiacaba ao Imperador e por outro tanta relutacircncia

em citar passagens da traduccedilatildeo em prosa de quem tanto admirou

Temos uma hipoacutetese

Alguns dos poemas e traduccedilotildees de Dom Pedro II foram publicados em 1889 no

livro Poesias (Originais e traduccedilotildees) como homenagem de seus netos Essa mesma

obra foi reeditada em 1932 pelo republicano Medeiros e Albuquerque autor do Hino da

Repuacuteblica Segundo Daros (2019 pp207-10) tal publicaccedilatildeo aleacutem de possuir erros natildeo

presentes na ediccedilatildeo original traz um prefaacutecio no qual Medeiros e Albuquerque

vilipendia Dom Pedro II nos seguintes termos

Ele sempre foi (podem vecirc-lo) integralmente peacutessimo deficiecircncia de ideias

imperfeiccedilatildeo teacutecnica [] O que se sabe eacute que ele natildeo tinha nenhuma daquelas

qualidades E foi exatamente por isso que se viu muito justamente deposto

Os aduladores excessivos de sua memoacuteria esquecem-se de que para exaltaacute-

lo precisam deprimir o Brasil (1932 pp7 20 apud DAROS 2019 p296)

Diante de tais palavras Romeu Porto Daros (2019 p298) afirma

No entanto o que o prefaacutecio desse escritor e poliacutetico natildeo consegue ocultar eacute

que por traacutes da cruzada para reduzir a qualidade poeacutetica e intelectual do

homem Pedro de Alcacircntara se dissimulava a verdadeira razatildeo de sua criacutetica

apagar da memoacuteria da naccedilatildeo o governante Dom Pedro II e o seu regime

Se em 1932 a competecircncia literaacuteria e intelectual de Dom Pedro II eram atacadas

de tal forma pelo republicano Medeiros e Albuquerque o que dizer entatildeo do cenaacuterio

poliacutetico da republica ainda recente no ano de 1907 ano em que o livro do Baratildeo de

Paranapiacaba foi publicado Desconfiamos que a traduccedilatildeo de ldquoCinco de maiordquo e os

279

poemas do Imperador citados pelo Baratildeo jaacute eram de conhecimento puacuteblico antes de

publicar o seu livro e por isso natildeo temeu citaacute-los Seraacute que o Baratildeo mesmo querendo

homenagear Dom Pedro II receava publicar a ineacutedita traduccedilatildeo em prosa ou ateacute mesmo

citar trechos dela temendo dar um pretexto aos caluniadores do Imperador Eacute de se

desconfiar que sim Sobretudo se atentarmos para as declaraccedilotildees supracitadas de

Medeiros e Albuquerque e a seguinte declaraccedilatildeo do Baratildeo de Paranapiacaba sobre

Dom Pedro II em carta a Lafayette Rodrigues Pereira escrita em 10 de outubro de

1899 e reproduzida em seu livro ldquoAssignalarei ahi factos que serviratildeo para accentuar

as feiccedilotildees daquella physionomia moral injustamente desfiguradas por algunsrdquo (1907

pXI)

Na carta escrita agrave Princesa Isabel Joatildeo Cardoso de Menezes afirma que ldquoo livro

daraacute um bello volume de 500 paacuteginasrdquo Tambeacutem diz agrave Princesa que ldquoComo esse

trabalho eacute uma homenagem aacute memoria do nosso Monarcha e Pai expansiva como ainda

ningueacutem a fez entendi que natildeo devia editar sem licenccedila de Vossa Magestaderdquo No

entanto o livro em vez das 500 paacuteginas mencionadas na carta foi publicado com 333

paacuteginas Seraacute que a publicaccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa do Imperador fazia parte do

projeto original de Paranapiacaba Seraacute que a Princesa Isabel teria respondido ao Baratildeo

orientando-o a natildeo publicar a traduccedilatildeo ineacutedita de seu pai receando que inimigos

poliacuteticos vilipendiassem a memoacuteria do Imperador por meio de anaacutelises literaacuterias

tendenciosas Eacute claro que a reduccedilatildeo de paacuteginas poderia ter ocorrido por outros motivos

como a economia de custos para a publicaccedilatildeo por exemplo Mesmo assim

desconfiamos que a estranha relutacircncia de Paranapiacaba em publicar a traduccedilatildeo em

prosa ou trechos dela pode estar ligada a uma tentativa de se evitar ataques contra a

imagem do falecido monarca

Discordando da opiniatildeo de Medeiros e Albuquerque a anaacutelise feita da traduccedilatildeo

em prosa de Dom Pedro II (capiacutetulo 2) evidenciou elementos que apontam para a

competecircncia do Imperador tanto do ponto de vista filoloacutegico quanto esteacutetico Ao longo

de nossa pesquisa percebemos que Dom Pedro II procurava uma proximidade com o

original tanto na forma quanto no sentido em suas traduccedilotildees Quando isso natildeo era

possiacutevel o Imperador dava preferecircncia ao sentido das palavras via traduccedilatildeo literal

como Ramiz Galvatildeo afirmou em prefaacutecio agrave versatildeo que fizera do Prometeu Acorrentado

Embora Pedro de Alcacircntara possuiacutesse notaacutevel competecircncia poeacutetica parece que seus

interesses filoloacutegicos e hermenecircuticos prevaleciam em sua praacutetica tradutoacuteria

280

Expressotildees como ldquoeu natildeo quis melhorar Dante na minha traduccedilatildeordquo ou ldquoeu teria mais

respeito a Danterdquo ou ainda ldquoseria melhor traduzir com a simplicidade do originalrdquo

escritas por Dom Pedro II (apud DAROS 2019 pp234-5) parecem indicar que o perfil

de tradutor do Imperador natildeo era por assim dizer o de um ldquotranspoetizador luciferinordquo

valendo-se de expressotildees comuns a Haroldo de Campos (2013 pp 17 153-4)108

Por fim reafirmamos que a ldquohistoacuteria da traduccedilatildeo de Literatura Grega no Brasil

ainda estaacute para ser escritardquo (DUARTE 2016) e natildeo temos a prentensatildeo de escrevecirc-la

sozinhos pois ldquoum miacutenimo de honestidade nos afasta de empresas que natildeo podemos

realizarrdquo (RAMOS 2008 p63) Mesmo assim entendemos que realizando a

transcriccedilatildeo completa da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e das versotildees poeacuteticas de

Paranapiacaba estamos dando mais um pequeno passo rumo ao atendimento dessa

grande demanda nos estudos da recepccedilatildeo e traduccedilatildeo dos claacutessicos no Brasil Mesmo que

seja uma marcha longa e aacuterdua como o caminho para Santiago de Compostela ter a

possibilidade de dar alguma contribuiccedilatildeo nesse sentido foi algo intelectualmente

enriquecedor Foi de fato um Buen camino

108

Para mais detalhes sobre o que entendemos acerca da poeacutetica tradutoacuteria de Haroldo de Campos veja-

se o texto ldquoHaroldo de Campos um luciferino tradutor brasileirordquo (p289) anexado agrave dissertaccedilatildeo

281

ANEXOS

282

Carta do Baratildeo de Paranapiacaba agrave Princesa Isabel

[fl1]109

Senhora

Rio 9 de Setembro de 1905

Releve-me Vossa Magestade a ousadia de dirigir-lhe estas linhas por matildeo de

minha mulher pois me eacute difficilimo escrever

Em 8brordm de 1889 ao despedir-me de S Magestade o Imperador DPedro 2ordm na

Tijuca deu-me SMagestade por letra sua uma versatildeo em prosa da tragedia de Eschylo

ldquoPrometheu encadeadordquo encarregando-me de a trasladar para verso portuguez Tractei

logo de adquirir as versotildees e os com- [fl2] mentarios que d‟aquella obra prima

existem em varias linguas e incetei110

e levei a cabo com o maior esmero a traducccedilatildeo

d‟ella

Ha cerca de 8 annos publicou o Jornal do Commercio a versatildeo da scena em que

figura Prometheu nos confins da Scythia pordf onde eacute conduzido pela Forccedila e pela

Violencia acompanhadas de Vulcano que o acorrenta ao rochedo Precedia a essa

publicaccedilatildeo uma carta minha ao Conselheiro Lafayette rogando-lhe prefaciasse o livro

que teria prologos meus narrando um d‟elles as minhas relaccedilotildees com Sua Magestade

desde que em Fevevereiro[fl3] de 1846 o saudei com uma poesia em SPaulo ateacute que

D‟elle me separei no Palacio de Itamaraty em 8brordm de 1889 contendo os outros

prologos a vida de Eschylo critica de suas obras e a comparaccedilatildeo do teatro antigo com o

moderno Figurava tambem na referida publicaccedilatildeo a resposta do Lafayette aceitando a

incumbencia de escrever o prologo

A pedido do mesmo Lafayette fiz outra versatildeo da tragedia em verso livre

(menos os coacuteros que satildeo sempre rimados)

D‟essas duas versotildees tem apparecido longos trechos na imprensa e notadamente

nos almanaques do Garnier [fl4] Falta-me para elemento de consulta a traducccedilatildeo de

109

I-POB- Maccedilo 204 ndash Doc 9329 - Carta de Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza baratildeo de Paranapiacaba a

D Isabel condessa dEu Assinada e datada Rio [de Janeiro] 09091905 Museu

ImperialIbramMinisteacuterio da Cidadania 110 Era de se esperar ldquoenceteirdquo

283

Thomaz Stanley ediccedilatildeo de Londres (do seculo 17) com o texto grego de um lado e do

outro o latino

Depois de alguns annos de inutil pesquiza por todas as livrarias da Europa foi

descoberta essa obra (a melhor que ha sobre Eschylo) na bibliotheca de Napoles pelo

Dor Alambary Luz que ahi fez extrahir copias da versatildeo latina de Prometheu e suas

respectivas notas e m‟as remetteu Tenho jaacute modificado para melhor a traducccedilatildeo pelo

texto de Stanley achando-se promptas os originaes para serem [fl5] levados ao preacutelo

O livro daraacute um bello volume de 500 paginas mais ou menos E esta no meu

conceito e nos de meus amigos a minha melhor producccedilatildeo Como jaacute estou muito

velho conveacutem natildeo demorar a publicaccedilatildeo que pretendo saia bem escoimada de erros

A biographia de S M o Imperador seraacute a mais completa possivel regulando-se

pelo estylo do panegyrico que a respeito d‟esse grande e saudoso vulto pronunciei

entre estrondosas palmas no Instituto Historico e de que tomo a liberdade de offerecer a

Vossa Magestade [fl6] alguns exemplares

Como esse trabalho eacute uma homenagem aacute memoria do nosso Monarcha e Pai111

expansiva como ainda ninguem a fez entendi que natildeo o devia editar sem licenccedila de

Vossa Magestade

Em todo o caso vai ser jaacute publicado o livro salvo ordem em contrario de Vossa

Magestade cujas altas virtudes que satildeo as mesmas do seu inovidavel Pai satildeo objecto

de meu culto

Imploro a Vossa Magestade venia para dedicar-lhe essa versatildeo rogando a Vossa

Magestade se digne dar-me parte de sua resoluccedilatildeo agrave que me [fl7] curvarei com respeito

e acatamento que devo e sempre tributei aacutes deliberaccedilotildees da Immortal Senhora symbolo

immaculado da Monarchia aacute que me tenho conservado fiel e aacute cuja memoria morrerei

abraccedilado

Subscrevo me submisso

De Vossa Magestade

o mais humilde suacutebdito

Baratildeo d Paranapiacaba112

111 Era de se esperar a grafia ldquopaerdquo em vez de ldquopairdquo 112 Nesse ponto a caligrafia muda pois eacute o proacuteprio Paranapiacaba que assina

284

Prefaacutecio escrito por Lafayette Rodrigues Pereira a pedido do Baratildeo de

Paranapiacaba113

[fl13]

O Prometheu de Eschylo eacute um dos productos mais admiraveis do genio antigo

Tomou o poeta para assumpto de sua tragedia a lenda mythologica

A lenda era uma creaccedilatildeo da phantasia popular dos Gregos das primitivas eacuteras

preciosa pela grandeza do pensamento e pela profundidade da significaccedilatildeo altamente

humana

Eschilo114

submetteo-a aos processos do seo genio vasou-a em moldes severos

simplificou-a condensou-a em uma summa poderosa e deo-lhe a unidade rigorosa e

inflexivel de acccedilatildeo de tempo e lugar - unidade que mais tarde Aristoteles elevou aacute

cathegoria de uma das regras fundamentaes do Drama

A coragem indomavel e a obstinaccedilatildeo feroz do Titan a altivez diante do soberano

do Olympo o desdeacutem e a impassibilidade com que supporta as torturas que lhe satildeo

infligidas a consciencia da obra que consummou e que motivou a perseguiccedilatildeo de que

eacute victima a elevaccedilatildeo e a altura dos pensamentos que o poeta lhe attribue a eloquencia

da colera e indignaccedilatildeo que irrompem de suas palavras a realidade de vida de todas as

figuras o desenlace da acccedilatildeo rapido como o raio que a determina satildeo sublimidades

primores e excellencias que teem arrancado gritos de admiraccedilatildeo aos criticos de todas as

idades

[fl14]

Todas as outras figuras da tragedia as quaes na realidade natildeo teem outro

destino sinatildeo o de fazer sobresahir a personalidade grandiosa do Titan falam a lingoa

que lhes conveacutem no desenvolvimento da acccedilatildeo

O cocircro das Oceanidas e Io teem accentos e modulaccedilotildees que pela candura pela

ingenuidade e pelo tom doce e suave lembram como observa um critico as

encantadoras estrophes de Sapho Ao ler essas bellas passagens poacutede-se dizer de

113

PARANAPIACABA 1907 ppXIII-XVI Mantemos a ortografia original 114

Foi transcrito tal qual estaacute no livro O correto para a eacutepoca seria ldquoEschylordquo e natildeo ldquoEschilordquo como foi

publicado nesse trecho do prefaacutecio Mais adiante encontra-se no livro a mesma palavra com a grafia

correta

285

Eschylo o que um critico antigo disse de Thucydides a proposito da descriccedilatildeo das

bellezas da Attica - ldquoAqui o leatildeo sorriordquo

A critica do Prometheu estaacute feita Homens da maior competencia de um bom

gosto apurado e de erudiccedilatildeo vastissima estudaram-no sob todos os aspectos Nada resta

a accrescentar E pois soacute direi da traducccedilatildeo

Traduzir para uma lingoa viva um monumento antiquissimo talhado numa

lingoa morta como o Prometheu de Eschylo eacute tarefa ardua e porventura difficillima

Eacute preciso antes de tudo entender o texto apoderar-se com vigor e clareza do

pensamento directo e intencional do poeta - pensamento envolto nas dobras e

circumvoluccedilotildees de uma lingoa cheia de obscuridades

Nesta parte importantissima do trabalho acha o traductor auxiliares de primeira

ordem Uma legiatildeo de humanistas de todos os seculos cavaram o texto e por meio de

analyses profundas e aacute forccedila de sagacidade e de erudiccedilatildeo conseguiram arrancar da lettra

morta os segredos que ella encerra

Na interpretaccedilatildeo poreacutem do texto ha discordancia de opiniotildees entre os mais

competentes Tem o traductor sem duvida o direito de preferir a que lhe parecer mais

razoavel e de suggerir segundo suas forccedilas a intelligencia que se lhe afigura a

verdadeira ou mais proxima da verdade Natildeo eacute soacute isso Cada eacutepoca tem sua

atmospheacutera115

intellectual - um composito de pensamentos de ideias de juizos de

crenccedilas de phantasias de supersticcedilotildees de modos de ver que dominam o espirito

humano no momento e que penetram e se infiltram inconscientemente nos productos do

tempo

Esta infiltraccedilatildeo se faz pelas nuanccedilas do vocabulario e pela construcccedilatildeo e geito

da phrase

[fl15]

O traductor tanto quanto eacute possiacutevel deve esforccedilar-se para que a sua versatildeo

espelhe aquella atmosphera116

Mas eacute isso de suprema sinatildeo de invencivel difficuldade A atmosphera

intellectual extinguiu-se com o seo tempo e o traductor vive num outro seculo debaixo

de outras ideacuteias117

e de outra civilisaccedilatildeo

115

Mais adiante a mesma palavra foi publicada sem o acento 116

Na paacutegina anterior a mesma palavra foi publicada com acento 117

Em trecho anterior do mesmo prefaacutecio a mesma palavra foi publicada sem o acento

286

Isso explica a razatildeo por que nenhuma traducccedilatildeo de texto antigo eacute reputada

definitiva Cada seculo tem seo modo de traduzir Cada geraccedilatildeo de traductores esforccedila-

se por descobrir pensamentos e intenccedilotildees que a seu ver escaparam aos seos

predecessores Um critico observa que Tacito soacute foi bem entendido depois das scenas da

Revoluccedilatildeo Franceza E por que Porque essas scenas tinham a certos respeitos grandes

analogias com as scenas descriptas pelo grande historiador

Um monumento litterario antigo poacutede ser comparado aos productos da natureza

cada geraccedilatildeo de chimicos os estuda e cada geraccedilatildeo descobre novas propriedades E as

difficuldades recrescem quando a traducccedilatildeo eacute de verso para verso ainda mesmo

quando o verso eacute em lingoa viva

No verso ha dous elementos que se reunem e se fundem para formal-o - a

expressatildeo e o pensamento

O pensamento poacutede ser com maior ou menor fidelidade passado de uma lingoa

para outra

Mas a expressatildeo a construcccedilatildeo metrica das palavras o rythmo Natildeo cada

lingoa tem vocabulos de uma significaccedilatildeo especialissima aacute que natildeo correspondem com

perfeita justeza tem vocabulos de outra ndash peculiaridades elegancias modos de dizer

idiotismos singularidades de construcccedilatildeo litteralmente intraduziveis

Podem-se achar palavras e phrases mais ou menos equivalentes eacute o que fazem

os bons traductores Mas na realidade o verso que traduz natildeo eacute o verso traduzido -

traduz-se o pensamento mas por via de regra natildeo se traduz o verso

Tomem-se as melhores traducccedilotildees de Virgilio nas lingoas vivas A interpretaccedilatildeo

do pensamento eacute em geral fiel mas nenhuma dellas reproduz o hexametro latino na

sua construcccedilatildeo na sua combinaccedilatildeo de palavras no seo rythmo no seo systhema de

harmonia

Por exemplo este verso

Sunt lacrimae rerum et mentem mortalia tangunt

[fl16]

Leio-o traduzido em versos portuguezes francezes hespanhoacutees italianos e

inglezes interpretam o pensamento mais ou menos segundo o sentido que lhe deram

os humanistas mas o verso da traducccedilatildeo de ordinario nem remotamente daacute ideia da

estructura e do rythmo do verso latino

287

As ponderaccedilotildees que acabo de aventurar teem por fim fazer sentir as

difficuldades qu118

o Baratildeo de Paranapiacaba tinha a vencer no seo ingente esforccedilo para

traduzir em verso portuguez o assombroso poema de Eschylo

Em homenagem aacute verdade eacute preciso dizel-o - elle as superou bem e com

galhardia

Certamente natildeo se poderia exigir do preclaro traductor que vasasse

litteralmente no metro portuguez o metro grego Satildeo radicalmente differentes as lingoas

e cada uma tem o seo systema de metrificaccedilatildeo

Espelha a traducccedilatildeo a atmosphera intellectual em que viveo o antigo poeta Eacute

difficil para um leitor moderno julgal-o Mas eacute fora de duvida que atravez do poema

traduzido corre como que um socircpro de hellenismo que lhe daacute um ar uma certa feiccedilatildeo

do pensamento antigo

O pensamento directo e intencional do poeta eacute reproduzido com fidelidade A

versificaccedilatildeo eacute admiravel

O Titan fala sempre a lingoa que lhe conveacutem em versos decasyllabos e

alexandrinos sonoros cheios fluentes de um grande vigor e que pelo brilho forccedila e

energia de expressatildeo luctam nobremente com o original

Para os coacuteros o traductor cedendo aacute natureza do assumpto preferio como era

de razatildeo os versos de arte menor - primam pela elegancia delicadeza e harmonia

As demais figuras exprimem-se em metros variados mas sempre bem e

consoante com os seos caracteres e as exigecircncias do momento Que mais poderia

requerer do illustre traductor uma critica justa e razoavel

O Prometheu de Eschylo traduzido pelo Baratildeo de Paranapiacaba viveraacute nas

nossas lettras como um monumento de boa e grande poesia e como um modelo de

vernaculidade sem os requintes de um purismo de maacuteo gosto

118

Transcrito tal qual estaacute no livro

288

Haroldo de Campos um luciferino tradutor brasileiro

Mesmo levando-se em conta o fato de que Haroldo de Campos nunca publicara

uma traduccedilatildeo sua do Prometeu Acorrentado eacute quase impossiacutevel escrever sobre traduccedilatildeo

poeacutetica sem mencionar seu nome pois ldquoentre os poetas que o Brasil jaacute teve e tem

Haroldo de Campos eacute o maior pensador da traduccedilatildeo poeacutetica tendo publicado um

nuacutemero significativo de textos que se somam num conjunto denso e coerente acerca do

assuntordquo (TAacutePIA 2013 pXI)

O presente texto natildeo foi incorporado dentro da discussatildeo encontrada no primeiro

capiacutetulo da dissertaccedilatildeo para evitar-se os seguintes problemas embora Haroldo seja o

autor do texto O Prometeu dos barotildees e sem sombra de duacutevidas um dos catalizadores

da pesquisa que realizamos tratar de sua praacutetica tradutoacuteria num capiacutetulo destinado aos

tradutores do Prometeu poderia se configurar como uma longa digressatildeo se nos

aprofundaacutessemos em seu complexo pensamento Por outro lado caso o fizeacutessemos de

passagem correriacuteamos o risco de involuntariamente sermos reducionistas

Em nossa opiniatildeo o quadro A Escola de Atenas de Rafael Sanzio parece

ilustrar bem a evoluccedilatildeo do pensamento de Campos sobre traduccedilatildeo e a influecircncia que

dois grandes pensadores sobre a linguagem tiveram sobre a sua praacutetica tradutoacuteria

Platatildeo que no quadro estaacute apontando para o ceacuteu representaria Walter Benjamin e suas

consideraccedilotildees feitas sobretudo no ensaio ldquoA tarefa do tradutorrdquo E Aristoacuteteles que no

quadro aponta para a terra representaria o linguista Roman Jakobson Haroldo afirma

que ao longo de sua carreira apreendeu uma ldquofiacutesicardquo a partir da ldquometafiacutesicardquo apresentada

por Walter Benjamin em seus escritos sobre linguagem

Sob a roupagem rabiacutenica midrashista da ironia metafiacutesica do traduzir

benjaminiana um poeta-tradutor longamente experimentado em seu ofiacutecio

pode sem dificuldade depreender uma fiacutesica (uma praacutexis) tradutoacuteria

efetivamente materializaacutevel Essa fiacutesica ndash como venho sustentando haacute muito

ndash eacute possiacutevel reconhececirc-la in nuce nos concisos teoremas de Roman Jakobson

sobre a ldquoautorreferencialidade da funcccedilatildeo poeacuteticardquo e sobre a traduccedilatildeo de

poesia como creative transposition (transposiccedilatildeo criativa) (CAMPOS 2013

pp167-9 grifo do autor)

Segundo Marcelo Taacutepia (2012 p133) o ceacutelebre ensaio de Walter Benjamin ldquoA

tarefa do tradutorrdquo de difiacutecil consenso interpretativo suscitou inuacutemeras interpretaccedilotildees e

anaacutelises Taacutepia ainda afirma que nas anotaccedilotildees de Campos sobre ldquoA tarefa do tradutorrdquo

289

de Benjamin o poeta e tradutor brasileiro explora ldquoa ideia central em Benjamin da

existecircncia de uma bdquoiacutentima relaccedilatildeo das liacutenguas umas com as outras‟ (bdquoreciprocamente

parentes‟) uma bdquorelaccedilatildeo oculta‟ que a traduccedilatildeo natildeo alcanccedila bdquoproduzir‟ podendo

contudo representaacute-lardquo (TAacutePIA 2012 p134) Campos afirma no ensaio ldquoA clausura

Metafiacutesica da Teoria da Traduccedilatildeo de Walter Benjamin Explicada Atraveacutes da Antiacutegone

de Houmllderinrdquo

Na traduccedilatildeo de um poema o essencial natildeo eacute a reconstituiccedilatildeo de mensagem

mas a reconstituiccedilatildeo do sistema de signos em que estaacute incorporada essa

mensagem da informaccedilatildeo esteacutetica natildeo da informaccedilatildeo meramente semacircntica

Por isso sustenta Walter Benjamin que a maacute traduccedilatildeo (de uma obra de arte

verbal entenda-se) caracteriza-se por ser a simples transmissatildeo da mensagem

do original ou seja ldquoa transmissatildeo inexata de um conteuacutedo inessencialrdquo

(CAMPOS 2013 p181)

Haroldo de Campos em sua leitura de Benjamin parece entender que a maacute

traduccedilatildeo eacute aquela que se preocupa apenas com a ldquosimples transmissatildeo da mensagem do

originalrdquo sem ter uma preocupaccedilatildeo esteacutetica como obra de arte Desta forma parece-nos

que na concepccedilatildeo haroldiana e tambeacutem na de Walter Benjamin o aspecto formal

esteacutetico sonoro de uma traduccedilatildeo tem um peso maior do que seu aspecto informativo

ldquomeramente semacircnticordquo Como se justificaria tal posicionamento Haroldo afirma em

ldquoA bdquoLiacutengua Pura‟ na Teoria da Traduccedilatildeo de Walter Benjaminrdquo

No contexto do ensaio benjaminiano a ldquoliacutengua supremardquo na qual se deixaria

estampar a ldquoverdaderdquo corresponde agrave ldquoliacutengua purardquo (die reine Sprache)

ldquoliacutengua da verdaderdquo (Sprache der Wahrheit) ou ainda ldquoliacutengua verdadeirardquo

(wahre Sprache) aquela que ao tradutor de uma obra de arte verbal ou

Umdichter (ldquotranscriadorrdquo) incumbe resgatar de seu cativeiro no idioma

original [] anunciando-a e deixando-a assim entrever ldquoa afinidade das

liacutenguasrdquo (die Verwandtschaft der Sprachen) ou seja ldquoo grande motivo da

intergraccedilatildeo das muitas liacutenguas na uacutenica liacutengua verdadeirardquo (ibidem p158)

Segundo Benjamin no texto Uumlber Sprache uumlberhaupt und uumlber die Sprache

(ldquoSobre a Liacutengua em Geral e Sobre a Liacutengua dos Homensrdquo) citado por Haroldo no

ensaio supramencionado a ldquonomeaccedilatildeo adacircmica eacute dada como fonte da liacutengua pura bdquoDer

Mensch ist der Nennende daran erkennen wir dass aus ihm die reine Sprache spricht‟

(bdquoO homem eacute aquele que nomeia donde se potildee de manifesto que atraveacutes dele a liacutengua

pura fala‟)rdquo (CAMPOS 2013 pp158-9) A humanidade perde o acesso a ldquoliacutengua purardquo

quando Adatildeo decai do status paradisiacuteaco que conhecia uma uacutenica liacutengua apenas ldquoEacute

uma consequecircncia ndash prossegue Benjamin citando a Biacuteblia ndash da expulsatildeo do Paraiacutesordquo

(ibidem p159) Mas no que diferiria a ldquoliacutengua purardquo das atuais liacutenguas imperfeitas

290

Segundo Campos Benjamin teria recebido influecircncia do filoacutesofo-teoacutelogo

existencial Franz Rosenzweig (1886-1929) Para Rosenzweig a ldquoliacutengua purardquo

paradoxalmente corresponde a uma forma de silecircncio mas um ldquosilecircncio (Scheigen) que

natildeo eacute como o mutismo (die Stummheit) do preacute-mundo (Vorwelt) o qual ainda natildeo tem

palavra Eacute silecircncio da compreensatildeo completa e consumada (de vollendententen

Verstehens) Para o filoacutesofo ldquoa pluralidade das liacutenguas eacute o indiacutecio mais claro de que o

mundo natildeo estaacute redimido Entre homens que falam uma liacutengua comum basta um olhar

para que se compreendamrdquo (CAMPOS 2013 p164) Seraacute que para Walter Benjamin

uma boa traduccedilatildeo se preocupa mais com a forma com a esteticidade do que a

ldquoinformaccedilatildeo meramente semacircnticardquo pois a forma poeticamente trabalhada teria um

efeito impactante e quase instantacircneo que apontaria para a compreensatildeo ldquocompleta e

consumadardquo para uma quase ldquotelepatia paradisiacuteacardquo por meio da qual os seres humanos

se comunicariam num tempo messiacircnico Eacute de se desconfiar que sim

Segundo Haroldo de Campos Benjamin pensava que ldquosoacute a graccedila divina atraveacutes

de uma apokataacutesis redentora de uma bdquoreconciliaccedilatildeo messiacircnica‟ que revogue a

sentenccedila expulsoacuteria de sinete divino poderia restituir agrave humanidade decaiacuteda por forccedila

da culpa original (Suumlndenfall) a sua bem-aventurada bdquocondiccedilatildeo edecircnica‟ e com ela a

liacutengua pura da verdaderdquo (ibidem p162) O episoacutedio biacuteblico da ldquoTorre de Babelrdquo

simbolizaria a tentativa humana de restituir a unidade da liacutengua edecircnica ldquopor iniciativa

desafiadora do homem sem o beneplaacutecito da graccedila divinardquo (ibidem p159) Poreacutem ateacute

que chegue a ldquoreconciliaccedilatildeo messiacircnicardquo apenas eacute permitido um vislumbre tecircnue da

ldquoliacutengua purardquo por meio da poesia (segundo Mallarmeacute apud CAMPOS 2013 pp157-8)

e da traduccedilatildeo poeacutetica (Benjamin) ldquoanunciando-a e deixando-a assim entrever a

afinidade das liacutenguasrdquo (die Verwandtschaft der Sprachen) ou seja o grande motivo da

integraccedilatildeo das muitas liacutenguas na uacutenica liacutengua verdadeira (ibidem p158) Nesse

sentido Benjamin ldquoconfere agrave traduccedilatildeo um encargo ou missatildeo angeacutelica (bdquoev-angeacutelica‟

de transmissatildeo da bdquoboa nova‟ eu-aacutengelos)[] Ela natildeo pode enquanto traduccedilatildeo num

sentido proacuteprio encarnar ainda que fragmentariamente bdquoo verbo‟ mas ela pode

anunciar a sua presenccedila oculta na liacutengua do original como que transparentaacute-lo

provisoriamente (vale dizer historicamente)rdquo (CAMPOS 2013 p193) Mas haacute um

preccedilo a ser pago pois ldquoos portais de uma liacutengua tatildeo expandida e subjugada (so erweitert

und durchwaltend) por forccedila de elaboraccedilatildeo se abatam e clausurem o tradutor no

silecircnciordquo (ibidem pp194-5) como teria acontecido por exemplo com Houmllderlin entre

seus contemporacircneos

291

[] o filoacutesofo Schelling escrevia a Hegel a respeito dessas traduccedilotildees e de seu

autor [Houmllderlin] amigo de ambos ldquoA versatildeo de Soacutefocles demonstra

cabalmente que se trata de um caso perdidordquo

ldquoUm dos mais burlescos bdquoprodutos‟ do pedantismordquo ldquoSe Soacutefocles tivesse

falado a seus atenienses de maneira tatildeo desgraciosa emperrada e tatildeo pouco

grega como eacute pouco alematilde esta traduccedilatildeo seus ouvintes teriam abandonado

agraves carreiras o teatrordquo ldquoSob todos os pontos de vista a traduccedilatildeo do

srHoumllderlin dos dois dramas de Soacutefocles deve ser incluiacuteda entre as pioresrdquo

ldquoToca ao leitor adivinhar se o srHoumllderlin sofreu uma metamorfose ou se ele

quis satirizar veladamente a deterioraccedilatildeo do gosto puacuteblicordquo(ibidem p175)

O caso de Houmllderlin sob a oacutetica benjaminiana lembra o mito da caverna de

Platatildeo e possui um lado traacutegico ao tradutor a incompreensatildeo por parte daqueles que

ainda estatildeo aprisionados na caverna Haroldo de Campos por sua vez procura uma via

menos dolorosa aos tradutores Campos parece superar a ideia do ldquotradutor maacutertirrdquo ao

extrair como jaacute mencionado uma ldquofiacutesicardquo de toda a ldquometafiacutesicardquo tradutoacuteria de Walter

Benjamin e tambeacutem refletindo e dialogando com a obra do linguista Roman Jakobson

Em sentido lato a poesia seria intraduziacutevel na concepccedilatildeo de Jakobson e por

isso mesmo restaria apenas o expediente da ldquotransposiccedilatildeo criativardquo numa traduccedilatildeo em

versos (CAMPOS 2013 p89) Jakobson indica desta forma uma espeacutecie de aporia que

paradoxalmente eacute estimulante e abre espaccedilo para a criatividade do tradutor Tanto a

impossibilidade das liacutenguas existentes de serem autossuficientes em abarcar o real (o

indicador apontado para o ceacuteu na ldquometafiacutesicardquo tradutoacuteria de Benjamin) quanto a

alteridade das liacutenguas em representar o mesmo objeto (palma da matildeo voltada para terra

na ldquofiacutesicardquo tradutoacuteria de Jakobson) satildeo vistas por Haroldo de Campos como desafios

estimulantes e catalisadores da criatividade (ibidem 2013 p85) pois ldquoSoacutelo lo difiacutecil es

estimulanterdquo como dizia o escritor Lezama Lima (apud CAMPOS 2013 p204) Frente

ao pressuposto da intraduzibilidade da poesia Haroldo de Campos encontrara a

ldquoasserccedilatildeo da possibilidade mesma dessa (paradoxal) operaccedilatildeo tradutora desde que

entendida como transposiccedilatildeo criativa ou seja nos meus termos como re-criaccedilatildeo

como trans-criaccedilatildeordquo (CAMPOS 2013 p90 grifo nosso)

Se por um lado a traduccedilatildeo eacute vista como uma missatildeo ldquoangeacutelicardquo na metafiacutesica

benjaminiana isto eacute como ldquoaquilo que eacute dado ao tradutor dar o dado o dom a

redoaccedilatildeo e o abandono do tradutor isso para explorar o Aufgeben benjaminiano em

todas as suas nuances semacircnticasrdquo (ibidem p141) Por outro pode-se converter ldquoa

funccedilatildeo angeacutelicardquo do tradutor de poesia numa empresa luciferina Apresentando-se

diante do original natildeo como mensageira do significado transcendental (da ldquoliacutengua

292

purardquo) mas luciferinamente como diferenccedila em devir a traduccedilatildeo usurpa-lhe o centro e

a origem (ibidem pp153-4) Desta forma o tradutor ldquopassa a ameaccedilar o original com a

ruiacutena da origem Esta como eu a chamo a uacuteltima hyacutebris do tradutor ndash bdquotranspoetizador‟

(Umdichter) transformar por um aacutetimo o original na traduccedilatildeordquo (CAMPOS 2013

p17)

E esse parece ter sido o caminho escolhido por Haroldo de Campos em sua

praacutetica tradutoacuteria natildeo o do ldquotradutor maacutertirrdquo mas sim o do ldquotranspoetizador luciferinordquo

A hyacutebris do tradutor ldquopreceito indispensaacutevel desse ponto de vista para a

traduccedilatildeo desvinculada da tradiccedilatildeo de subservinecircncia ao orignial jaacute encontra

expressatildeo na proacutepria apresentaccedilatildeo da Iliacuteada os volumes trazem como autor

Haroldo de Campos reservando-se ao tiacutetulo a forma Iliacuteada de Homero

Trata-se da assunccedilatildeo pelo tradutor do status de autor de criador de obra

autocircnoma embora paramoacuterficardquo (TAacutePIA 2012 p143)

Haroldo de Campos natildeo foi o primeiro poeta brasileiro a pensar sobre traduccedilatildeo

criativa Em 1952 a peccedila Antiacutegone de Soacutefocles foi montada no Brasil utilizando uma

traduccedilatildeo em verso de Guilherme de Almeida Ao comentar as dificuldades de verter um

texto com estrutura meacutetrica tatildeo complexa Guilherme ldquobuscou na teoria musical um

termo teacutecnico para definir seu trabalho transcriccedilatildeo (bdquoescrever para um instrumento

muacutesica escrita para outro‟)rdquo (VIEIRA 1997 p17) Na metaacutefora usada por Guilherme

de Almeida nota-se que os instrumentos diversos representam liacutenguas distintas mas

que respeitando-se suas proacuteprias especificidades podem tocar a mesma melodia Por

isso o termo transcriccedilatildeo utilizado por Almeida estaacute bem proacuteximo do que Haroldo

entende por ldquotranscriaccedilatildeordquo

Mas Transcriccedilatildeo natildeo eacute o uacutenico termo usado por Guilherme de Almeida para se

referir a sua praacutetica tradutoacuteria como nos revelam as notas escritas para cada um dos 21

poemas que traduziu das Flores do Mal de Baudelaire

[] uma repugnacircncia minha invenciacutevel pelas desmoralizadas e

desmoralizantes expressotildees ldquotraduccedilatildeordquo ou ldquoversatildeordquo que me soam vulgar e

sabem a coisa vulgar muito outra daquilo que intimamente representa para

mim o extenuante labor de oito anos que tanto me custou este minguado

ramilhete das ldquominhasrdquo Flores do Mal Resolvi pois correr do meu

vocabulaacuterio com tais palavras Nesta marginalia servi-me-ei de outra

terminologia ldquorecriaccedilatildeordquo[] ldquoreproduccedilatildeordquo ldquorecomposiccedilatildeordquo

ldquoreconstituiccedilatildeordquo ldquorestauraccedilatildeordquo ldquotransmutaccedilatildeordquo ldquocorrespondecircnciardquo etc e

principalmente ldquotransfusatildeordquo Eacute este dentre tantos o termo que mais acertado

me pareceu mais significativo das minhas intenccedilotildees O uso corrente jaacute natildeo o

separa da ideia de sangue Transfusatildeo do sangue a revificaccedilatildeo de um

organismo pela infiltraccedilatildeo de um sangue alheio mas de ldquotipordquo igual Uma

liacutengua uma poesia reabastecendo-se da seiva de outra anaacuteloga para mais e

melhor se afirmar (ALMEIDA 2010 pp97-8)

293

Ainda utilizando a analogia inspirada na teoria musical podemos dizer que

certos musicistas natildeo se contentam apenas em tocar ldquoum instrumento muacutesica escrita

para outrordquo mas tambeacutem gostam de criar novos arranjos embora a muacutesica original natildeo

deixe de ser reconhecida por causa das inovaccedilotildees Em nossa opiniatildeo esse eacute o grau

maacuteximo de transcriaccedilatildeo e justamente eacute isso que o Baratildeo de Paranapiacaba empreende

na versatildeo em que emprega as rimas Como visto na dissertaccedilatildeo ele publicou duas

traduccedilotildees de sua autoria distintas mas da mesma trageacutedia grega no mesmo livro isso

nunca mais se repetiu na histoacuteria das traduccedilotildees do Prometeu Acorrentado no Brasil Tal

decisatildeo de Joatildeo Cardoso de Menezes de certa forma dessacralizou o original mostrando

agraves claras que natildeo existe uma correspondecircncia una e definitiva entre a liacutengua de origem e

a liacutengua de chegada O Baratildeo de Paranapiacaba em sua primeira versatildeo verte os 1093

versos da trageacutedia original em 1410 versos (317 versos a mais que a obra de Eacutesquilo)

Como jaacute mencionado os versos satildeo rimados algo natildeo presente no original Tudo isso

parece indicar que a empreitada do Baratildeo de Paranapiacaba foi por demais ldquoluciferinardquo

o cuacutemulo da hyacutebris Mas nem por isso acreditamos que o gesto do Baratildeo estaria em

harmonia com a teoria de Haroldo de Campos Existe uma diferenccedila entre a hyacutebris de

Paranapiacaba e a hyacutebris de Haroldo que natildeo pode passar despercebida

Temos a impressatildeo de que mesmo entre as chamadas ldquotraduccedilotildees criativasrdquo ou

ldquotranscriaccedilotildeesrdquo natildeo se abandona por completo a ideia de fidelidade ao original Essa

ideia ainda estaacute presente poreacutem mais ligada ao efeito esteacutetico do que agrave reproduccedilatildeo do

sentido literal da obra de origem Apesar de Paranapiacaba ter conseguido criar alguns

efeitos que lembram o original como as mudanccedilas de metro no caso de Io

principalmente a traduccedilatildeo em que o Baratildeo emprega as rimas parece se distanciar

bastante do original grego sobretudo em relaccedilatildeo agrave forma A ideia de ldquoparamorfiardquo

presente no pensamento de Haroldo de Campos natildeo abonaria o tipo de distanciamento

empreendido por Joatildeo Cardoso de Menezes Talvez esteja aiacute uma das causas pelas

quais a versatildeo em que Paranapiacaba emprega as rimas foi classificada por Haroldo de

Campos como ldquoum malogro um equiacutevocordquo (CAMPOS 1997 p237)

294

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  • Prometeu Acorrentado e as poeacuteticas tradutoacuterias de Joatildeo Cardoso de Menezes e Dom Pedro II
    • AGRADECIMENTOS
    • RESUMO
    • LISTAS
      • LISTA DE QUADROS
      • LISTA DE FIGURAS
        • SUMAacuteRIO
        • PRIMEIRA PARTE O PROMETEU ACORRENTADO DE DOM PEDRO II E AS POSTERIORES TRADUCcedilOtildeES BRASILEIRAS DESSA TRAGEacuteDIA
          • INTRODUCcedilAtildeO
          • CAPIacuteTULO 1 ndash As versotildees Brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo
            • 11 Levantamento das traduccedilotildees brasileiras (consideraccedilotildees preliminares)
            • 12 Dom Pedro II
            • 13 Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba
            • 14 Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz
            • 15 JB de Mello e Souza
            • 16 Jaime Bruna
            • 17 Napoleatildeo Lopes Filho
            • 18 Maacuterio da Gama Kury
            • 19 Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves
            • 110 O Tradutor Anocircnimo
            • 111 Alberto Guzik
            • 112 Jaa Torrano
            • 113 Trajano Vieira
            • Conclusatildeo
              • CAPIacuteTULO 2 ndash Anaacutelise da traduccedilatildeo de Dom Pedro II e de suas versotildees poeacuteticas
                • 21 Primeira rodada de leitura
                • 22 Segunda rodada de leitura
                • 23Terceira rodada
                • 24 Quarta rodada
                • 25 Quinta e uacuteltima rodada
                • Conclusatildeo
                    • SEGUNDA PARTE TRANSCRICcedilOtildeES
                      • CAPIacuteTULO 3 - Transcriccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II
                      • CAPIacuteTULO 4 - Transcriccedilatildeo da primeira versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de Paranapiacaba
                      • CAPIacuteTULO 5 ndash Transcriccedilatildeo da segunda versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de Paranapiacaba
                        • CONCLUSAtildeO GERAL DA DISSERTACcedilAtildeO
                        • ANEXOS
                        • BIBLIOGRAFIA
Page 2: Prometeu Acorrentado · 2020. 7. 14. · RESUMO Prometeu Acorrentado e as poéticas tradutórias de João Cardoso de Menezes e Dom Pedro II. A presente dissertação tem como foco

RICARDO NEVES DOS SANTOS

Prometeu Acorrentado

e as poeacuteticas tradutoacuterias de Joatildeo Cardoso de Menezes e

Dom Pedro II

(versatildeo corrigida)

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Departamento de

Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas da Faculdade de

Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da

UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO para

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Letras

Orientadora ProfordfDraAdriane da Silva Duarte

Satildeo Paulo

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Autorizo a reproduccedilatildeo e divulgaccedilatildeo total ou parcial deste trabalho por qualquer meioconvencional ou eletrocircnico para fins de estudo e pesquisa desde que citada a fonte

Catalogaccedilatildeo na PublicaccedilatildeoServiccedilo de Biblioteca e Documentaccedilatildeo

Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo

S237pSantos Ricardo Neves dos Prometeu Acorrentado e as poeacuteticas tradutoacuterias deJoatildeo Cardoso de Menezes e Dom Pedro II RicardoNeves dos Santos orientadora Adriane da SilvaDuarte - Satildeo Paulo 2020 304 f

Dissertaccedilatildeo (Mestrado)- Faculdade de FilosofiaLetras e Ciecircncias Humanas da Universidade de SatildeoPaulo Departamento de Letras Claacutessicas eVernaacuteculas Aacuterea de concentraccedilatildeo Letras Claacutessicas

1 DPedro II 2 Traduccedilatildeo 3 Transcriccedilatildeodiplomaacutetica 4 Eacutesquilo 5 Recepccedilatildeo dos Claacutessicos noBrasil I Duarte Adriane da Silva orient IITiacutetulo

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo primeiramente a Deus por conceder-me a sauacutede e a paz

indispensaacuteveis ao estudo

Sou grato agrave minha esposa Janaiacutena da Silva Brito Neves por me conceder a

alegria de viver ao seu lado durante esses uacuteltimos dezessete anos Vocecirc foi a minha

maior conquista e ao seu lado a vida natildeo eacute tatildeo difiacutecil

Aos meus filhos Sofia e Estecircvatildeo por me propiciarem a alegria de ser chamado

de ldquopairdquo e a motivaccedilatildeo para trabalhar e me desenvolver

Aos meus pais Maria e Eronildes (no coraccedilatildeo) por terem feito o melhor que

podiam para o meu bem

Agrave minha orientadora Adriane da Silva Duarte seu profissionalismo talento e

erudiccedilatildeo me inspiram Sou muito feliz por poder contar com seus ensinamentos

Ao Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro e agrave Socircnia N de Lima (Chefe do

Arquivo) pelo total apoio agrave minha pesquisa dando-me acesso ao manuscrito de Dom

Pedro II transcrito na presente dissertaccedilatildeo

Ao Museu Imperial e agrave historiadora Alessandra Fraguas (Pesquisadora do

Museu) por me informar sobre a existecircncia de uma versatildeo preliminar da traduccedilatildeo que

transcrevi e por me propiciar o acesso aos manuscritos

Ao Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB - USP) agrave Daniela Piantola

(Supervisora Teacutecnica do Instituto) e agrave bibliotecaacuteria Silvana Bonifaacutecio

Agrave Luana Siqueira (Setor de Comunicaccedilatildeo da FFLCH - USP)

Ao professor Siacutelvio de Almeida Toledo Neto aacuterea de Liacutengua Portuguesa (USP)

pelas importantes indicaccedilotildees bibliograacuteficas e orientaccedilotildees

Aos professores que me ensinaram grego em ordem alfabeacutetica Adriane da Silva

Duarte Fernando Rodrigues Jaa Torrano e Paula da Cunha Correcirca Sempre me

esforccedilarei para honrar seus ensinamentos

Aos professores que ministraram aulas para mim na Poacutes-graduaccedilatildeo em ordem

alfabeacutetica Breno Battistin Sebastin Daniel Rossi Nunes Lopes Jaa Torrano e Joseacute

Marcos Mariani de Macedo

Agradeccedilo tambeacutem a Marcelo Taacutepia e Jaa Torrano pelas observaccedilotildees inteligentes

e sugestotildees valiosas feitas no exame de qualificaccedilatildeo

Agrave Lineide Salvador Mosca (Filologia e Liacutengua Portuguesa USP) por todo apoio

e incentivo desde o tempo da graduaccedilatildeo

Ao meu amigo Waldir Moreira Junior a quem chamo de JRR Tolkien por me

convencer a retomar meus estudos

Ao mentor e amigo Gary Fisher

Ao caro Dennis Allan por ler alguns poucos textos que escrevi em inglecircs e me

indicar soluccedilotildees

Aos irmatildeos do coraccedilatildeo Ceacutelio Rosa e Tamires Natildeo sei como retribuir tanto

carinho e dedicaccedilatildeo

A todos os alunos que tive e em especial Jennyffer Neovander Vinicius e

Rayssa os quais mesmo depois de 15 anos ainda se lembram de visitar seu primeiro

professor quando o recesso de fim de ano chega

Ao professor alematildeo Fridel (no coraccedilatildeo) por ter acreditado e investido em mim

Agrave professora de psicologia Janete pela influecircncia exercida enquanto me formava

professor

Agrave professora de Histoacuteria Liacutelian que no ensino baacutesico me ensinou o imenso

poder que a Memoacuteria possui

Com sincero reconhecimento e gratidatildeo a todos vocecircs

Ricardo Neves dos Santos

RESUMO

Prometeu Acorrentado e as poeacuteticas tradutoacuterias de Joatildeo Cardoso de

Menezes e Dom Pedro II

A presente dissertaccedilatildeo tem como foco a trageacutedia Prometeu Acorrentado de

Eacutesquilo e seus tradutores no Brasil dentre os quais destacamos dois Dom Pedro II o

uacuteltimo Imperador do Brasil e Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de

Paranapiacaba O trabalho estaacute estruturado e dividido em trecircs partes a saber 1)

transcriccedilatildeo integral da traduccedilatildeo feita por Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu

Acorrentado e das duas versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo de Paranapiacaba as quais

foram incentivadas pelo proacuteprio Imperador 2) cotejo criacutetico entre a Traduccedilatildeo Imperial e

as duas versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo 3) um levantamento das traduccedilotildees do

Prometeu Acorrentado publicadas no Brasil e de seus respectivos tradutores

Palavras-chave Traduccedilatildeo DPedro II recepccedilatildeo

Prometheus Bound and the translationsrsquo poetics of Joatildeo Cardoso de

Menezes and Dom Pedro II

Abstract This dissertation focuses on the Aeschylus‟ tragedy Prometheus

Bound and its translators in Brazil among which we highlight two Dom Pedro II the

last emperor of Brazil and Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza Baron of Paranapiacaba

The work is structured and divided into three parts namely 1) full transcript of the

translation made by Dom Pedro II of the tragedy Prometheus Bound and the two poetic

versions made by the Baron of Paranapiacaba which were encouraged by the Emperor

himself 2) critical comparison of the translation and the two poetic versions made by

Baron 3) a survey of the translations of Prometheus Bound published in Brazil and of

the respective translators

Keywords translation D Pedro II reception

LISTA DE QUADROS

Quadro I As versotildees de Paranapiacaba para os versos 887-93 do original (fala do

Coro) p57

Quadro II As versotildees de Paranapiacaba para os versos 1063-9 do original (fala do

Coro) p57

Quadro III Anaacutelise comparativa entre original e traduccedilatildeo p80

Quadro IV Cotejo das versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba para os versos 3-6

do original p98

Quadro V Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba

(original vv3-6) p104

Quadro VI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba

(original vv14-5) p106

Quadro VII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba

(original vv19-24) p110

Quadro VIII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba

(original vv64-5) p112

Quadro IX Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo de Ramiz Galvatildeo

(original vv64-5) p113

Quadro X Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 1 de Paranapiacaba

(original vv88-91) p117

Quadro XI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 2 de Paranapiacaba

(original vv88-91) p117

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Trecho da uacuteltima paacutegina do Documento 4695-A (IHGB) p19

Figura 2 Trecho da traduccedilatildeo de Dom Pedro II referente aos versos 1063-9

do Prometeu (Doc4695-A IHGB) p20

Figura 3 Trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A IHGB)

p20

Figura 4 Trecho da quarta paacutegina do Documento 4695-A (IHGB) natildeo numerada no

manuscrito p21

Figura 5 Trecho da primeira fala de Prometeu traduzida pelo Imperador (Doc4695-A

IHGB) p22

Figura 6 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

IHGB) p22

Figura 7 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

IHGB) p22

Figura 8 Trecho do Documento 4695-A (IHGB) p22

Figura 9 Detalhe do Documento 4695-A (IHGB) p22

Figura 10 Trecho do Documento 4695-A (IHGB) p23

Figura 11 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

IHGB) p24

Figura 12 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

IHGB) p24

Figura 13 Imagens de algumas palavras proparoxiacutetonas encontradas no Documento

4695-A (IHGB) p25

Figura 14 Imagens de palavras paroxiacutetonas terminadas em vogais ldquoordquo e ldquoardquo (Doc

4695-A IHGB) p25

Figura 15 Imagens de palavras paroxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc 4695-A

IHGB) p25

Figura 16 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A

IHGB) p25

Figura 17 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A

IHGB) p25

Figura 18 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB) p26

Figura 19 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB) p26

Figura 20 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A

IHGB) p26

Figura 21 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A

IHGB) p27

Figura 22 Imagem do texto da uacuteltima fala de Prometeu traduzida por Dom Pedro II

(Doc 4695-A IHGB) p28

Figura 23 Imagem de trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A

IHGB) p33

Figura 24 Trecho dos versos 536-54 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de Thomas

Stanley (1809) Aeschyli tragoediae quae supersunt digitalizada pela Universidade de

Cambrigde em 2010 p74

Figura 25 Trecho referente aos versos 536-50 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de

Christian Gottfried Schuumlltz Aeschyli tragoediae quae supersunt ac deperditarum

fragmenta tambeacutem de 1809 p75

Figura 26 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc 4695-

A IHGB) p271

Figura 27 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-

A IHGB) p271

Figura 28 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-

A IHGB) p272

Figura 29 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-

A IHGB) p272

SUMAacuteRIO

PARTE I ndash O PROMETEU ACORRENTADO DE DOM PEDRO II E AS

POSTERIORES TRADUCcedilOtildeES BRASILEIRAS DESSA TRAGEacuteDIA

INTRODUCcedilAtildeO p14

Cap 1 ndash As versotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo p31

11 Levantamento das traduccedilotildees brasileiras (consideraccedilotildees preliminares) p31

12 Dom Pedro II p45

13 Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba p51

14 Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz p64

15 J B de Mello e Souza p68

16 Jaime Bruna p72

17 Napoleatildeo Lopes Filho p74

18 Maacuterio da Gama Kury p78

19 Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves p80

110 O Tradutor Anocircnimo p83

111 Alberto Guzik p85

112 Jaa Torrano p87

113 Trajano Vieira p91

Conclusatildeo do primeiro capiacutetulo p95

Cap 2 ndash Anaacutelise da traduccedilatildeo de Dom Pedro II e de suas versotildees poeacuteticas

p97

21 Primeira rodada de leitura p98

22 Segunda rodada de leitura p107

23 Terceira rodada p109

24 Quarta rodada p113

25 Quinta e uacuteltima rodada p115

Conclusatildeo do segundo capiacutetulo p120

PARTE 2 ndash TRANSCRICcedilOtildeES

Cap3 ndash Transcriccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II p123

Cap4 ndash Transcriccedilatildeo da primeira versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de

Paranapiacaba p158

Cap5 ndash Transcriccedilatildeo da segunda versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de

Paranapiacaba p219

CONCLUSAtildeO GERAL DA DISSERTACcedilAtildeO p274

ANEXOS

Transcriccedilatildeo da carta do Baratildeo de Paranapiacaba enviada agrave Princesa Isabel

p283

Transcriccedilatildeo do Prefaacutecio escrito por Lafayette Rodrigues Pereira a pedido do

Baratildeo de Paranapiacaba p285

Haroldo de Campos um luciferino tradutor brasileiro p289

BIBLIOGRAFIA p295

PRIMEIRA PARTE

O PROMETEU ACORRENTADO DE DOM PEDRO II E AS POSTERIORES

TRADUCcedilOtildeES BRASILEIRAS DESSA TRAGEacuteDIA

14

INTRODUCcedilAtildeO

Muitos poetas e prosadores brasileiros dedicaram-se ao ofiacutecio da traduccedilatildeo de

obras literaacuterias entretanto tal atividade natildeo eacute geralmente mencionada nas Histoacuterias da

Literatura Brasileira (ASEFF 2012 p24) Siacutelvio Romero historiador de nossa

Literatura faz um julgamento negativo quanto agrave validade esteacutetica e literaacuteria das

traduccedilotildees em geral

Em geral sou infenso a traduccedilotildees de poetas Traslados em prosa ficam

mortos vertidos para verso ficam sempre desfigurados Uma traduccedilatildeo

poeacutetica dificilmente daraacute o desenho da obra traduzida e jamais forneceraacute o

colorido As melhores traduccedilotildees existentes como a Iliacuteada por Voss a do

Fausto por Marc Monnier satildeo obras de terceira ordem Natildeo podem jamais

reproduzir o ritmo o tom a melodia do original (ROMERO apud CAMPOS

1997 p250)

Tal concepccedilatildeo expressa a crenccedila na inferioridade da traduccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave obra

traduzida Quando muito reconhece apenas o meacuterito da instrumentalidade da praacutetica

tradutoacuteria fortalecendo ldquovalores que constituem o estigma do Traduttore Traditorerdquo

(FURLAN 2015 p256)

Parece estar longe da cogitaccedilatildeo de Romero o fato de que a traduccedilatildeo tambeacutem eacute

um espaccedilo de criaccedilatildeo (ROMANELLI 2014 p105) O tradutor criativamente busca

encontrar ldquona liacutengua em que se estaacute traduzindo aquela intenccedilatildeo por onde o eco do

original pode ser ressuscitadordquo (BENJAMIN 2008 p35) O valor de uma traduccedilatildeo

literaacuteria eacute comumente vinculado agrave proximidade conceitual eou formal que esta tem

com o texto de partida Tal proximidade pode ser explorada de forma criativa pelo

tradutor pois ldquoenquanto que por um lado todos os elementos particulares das liacutenguas

estrangeiras ndash as palavras as frases e as relaccedilotildees ndash se excluem reciprocamente por

outro lado as proacuteprias liacutenguas completam-se nas intenccedilotildees comuns que pretendem

alvejarrdquo (ibidem p32) Como toda praacutetica linguiacutestica a traduccedilatildeo ldquoeacute histoacuterica e reflete

uma concepccedilatildeo histoacuterica da linguagem e portanto mutaacutevel atraveacutes dos temposrdquo

(FURLAN 2015 p247) A concepccedilatildeo histoacuterico-materialista contemporacircnea de

linguagem e escritura ldquotorna o tradutor obrigatoriamente um coautor do texto traduzidordquo

(ibidem p247)

15

Numa das raras e tiacutemidas exceccedilotildees de dar destaque a essa praacutetica entre noacutes

Olavo Bilac na primeira parte de seu Tratado de Versificaccedilatildeo faz um breve panorama

da histoacuteria da Literatura Brasileira ateacute o seu tempo e menciona a praacutetica tradutoacuteria de

dois poetas Um deles eacute Odorico Mendes tradutor de Homero e Virgiacutelio conhecido por

muitos devido aos estudos de Haroldo de Campos este tambeacutem poeta e tradutor O

outro nas palavras de Olavo Bilac ldquoJoatildeo Cardoso de Menezes baratildeo de Paranapiacaba

nascido em 1827 e ainda hoje vivo e em plena actividade litteraria estreiou em 1849

com a Harpa Gemedora e tem publicado vaacuterias traducccedilotildees de Byron Lamartine e La

Fontainerdquo (BILAC amp PASSOS 1905 p26 ortografia original mantida)1

Bilac publicou a passagem citada em 1905 Passados dois anos o Baratildeo de

Paranapiacaba publica duas versotildees poeacuteticas da trageacutedia Prometeu Acorrentado de

Eacutesquilo Em seu livro de 19072 o Baratildeo informa que Dom Pedro II fizera uma traduccedilatildeo

em prosa do Prometeu e que o Imperador solicitou-lhe uma versatildeo em versos

portugueses a partir de sua traduccedilatildeo em prosa Mas como se sabe o Baratildeo acabou

realizando duas versotildees poeacuteticas Paranapiacaba ainda informa que Dom Pedro II foi

deposto no mesmo ano em que lhe entregou o manuscrito isto eacute em 1889 Reproduz-se

a seguir a ortografia original da ediccedilatildeo de 1907 na qual o Baratildeo de Paranapiacaba narra

o ocorrido

Ao retirar-me SMagestade recomendou-me natildeo me esquecesse do

ldquoPrometheu acorrentadordquo cujo original me havia entregado na penultima

conferencia Nunca mais o vi Partio para Petropolis donde regressou a 16 de

Novembro para ficar prisioneiro no paccedilo da cidade (PARANAPIACABA

1907 p224)

Paranapiacaba ainda informa que tentou ver o Imperador mas em vatildeo

1 Entre outros textos traduzidos pelo Baratildeo de Paranapiacaba podemos citar PLAUTO Aululaacuteria Rio

de Janeiro Typographia Chrysalida 1888 EURIacutePIDES Alceste Rio de Janeiro Renascenccedila

Bevilacqua 1908 SOacuteFOCLES Antiacutegone Rio de Janeiro Renascenccedila Bevilacqua 1909 O acervo do

Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB ndash USP) possui as ediccedilotildees citadas da Aululaacuteria de Plauto e da

Antiacutegone de Soacutefocles

2 Prometheu Acorrentado original de Eschylo ndash vertido litteralmente para o portuguez por Dom Pedro

II Imperador do Brasil trasladaccedilatildeo poetica do texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Rio de Janeiro

Imprensa Nacional 1907 Antes de publicar suas versotildees no livro de 1907 o Baratildeo afirma em carta

escrita agrave Princesa Isabel (I-POB ndash Maccedilo 204 ndash Doc 9329 Museu ImperialIbramMinisteacuterio da

Cidadania) ldquoD‟essas duas versotildees tem apparecido longos trechos na imprensardquo (ortografia original

mantida) Pode-se citar dentre as publicaccedilotildees anteriores ao livro de 1907 a da Revista do Instituto

Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro Rio de Janeiro Imprensa Nacional Tomo LXVIII 1906

16

Empreguei todos os esforccedilos para entrar naquella prisatildeo Natildeo pude

conseguil-o Passei frequentes vezes por diante das janellas que

correspondiam ao aposento em que elle estava encerrado e roguei de foacutera

ao Marechal Miranda Reis que acompanhava o Monarcha licenccedila para

entrar Respondeo-me elle natildeo m‟a podia conceder (PARANAPIACABA

1907 p224)

E ainda

[] o Monarcha com Sua Magestade a Imperatriz a princeza Imperial

DIzabel o principe consorte e um de seos filhos ficou detido n‟esta capital

no paccedilo da cidade sob a vigilacircncia de sentinelas alli postadas por ordem dos

proclamadores da Republica

Dous dias depois a horas mortas da madrugada fizeram-n‟o embarcar

no Alagocircas vapor mercante do Lloyd Brazileiro que armado em guerra

seguio barra foacutera levando-o caminho do exilio [] Em dezembro de 1889

na cidade do Porto vio morrer victimada por torturas moraes a virtuosa

esposa que lhe focircra anjo de conforto[] Na effusatildeo do entranhavel amor

com que extremeceo[DPedro II] fez transpor aacute Europa uma pouca de terra

extrahida do solo brasileiro para encamar o atauacutede em que devia ser

conduzido aacute derradeira morada E com effeito Seo coraccedilatildeo jaacute enregelado

esse coraccedilatildeo cujas fibras haviam estalado com as pulsaccedilotildees das mais

cruciantes angustias repousa hoje unido a esse punhado de terra da paacutetria

pela qual sempre palpitou afervorado ateacute o derradeiro anceio (ibidem

p265 grifo do autor)

Cerca de cinco anos depois da queda da Monarquia o Baratildeo mostra o caderno

no qual estava a traduccedilatildeo em prosa do Prometeu Acorrentado feita por DPedro II a

Lafayette Rodrigues Pereira

[] n‟uma daquellas agradaveis palestras em que roccedilas por todos os

assumptos amenisando-os e salpicando-os com o teo inexgotavel sal Attico

mostrei-te um pequeno livro contendo a traducccedilatildeo litteral do Prometheu

Acorrentado de Eschylo

Conheceste logo a lettra do manuscripto pois te era familiar desde

que occupaste e honraste os altos cargos de Presidente do Conselho e

Ministro da Fazenda

Focircra DPedro II quem escrevera aquella traducccedilatildeo por elle

litteralmente feita do original grego

Focircra o Imperador quem me entregara aquelle volumito manifestando

o desejo de que eu trasladasse para verso portuguez a sua prosa (ibidem

pIX)

Infelizmente Dom Pedro II nunca pocircde ler as versotildees poeacuteticas da lavra de

Paranapiacaba pois a primeira soacute comeccedilou a ser feita depois de quase 10 anos do dia

em que entregou seu manuscrito ao Baratildeo Haacute de se lembrar que Dom Pedro II confiou

o manuscrito a Paranapiacaba em 1889 faleceu em 1891 e o Baratildeo comeccedilou a fazer o

primeiro traslado poeacutetico somente em 1899 como se pode averiguar em carta escrita

por Paranapiacaba ao Conselheiro Lafayette em 10 de outubro de 1899 ldquoEntrando

ultimamente em forccedilado repouso de um mez metti hombros aacute empreza de que me

17

havia com satisfaccedilatildeo incumbido encetei e levei a cabo a accommodaccedilatildeo poeacutetica

daquella versatildeordquo(PARANAPIACABA 1907 pX)

Quanto agraves versotildees do Prometeu Acorrentado feitas pelo Baratildeo de Paranapiacaba

e ao manuscrito de DPedro II haacute questotildees que ainda precisam ser elucidadas

Em Manuscrito e Traduccedilatildeo espaccedilos de criaccedilatildeo Sergio Romanelli (2014

p113) escreve

Somente trecircs obras traduzidas pelo Imperador foram ateacute hoje publicadas a

saber

1)Prometheu Acorrentado Vertido literalmente por Dom Pedro II

trasladaccedilatildeo poeacutetica do texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Rio de Janeiro

Imprensa Nacional 1907

2)Poesias (originais e traduccedilotildees) de D Pedro II (1889) sendo esse uma

homenagem de seus netos

3)Poesias Hebraico-Provenccedilais do ritual israelita Comtadin impressa em

Avignon em 1891

Em visita ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Satildeo Paulo (IEB

- USP) conseguimos consultar e fotografar a primeira das obras citadas por Romanelli

(Prometheu AcorrentadoVertido literalmente por Dom Pedro II trasladaccedilatildeo poeacutetica

do texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Rio de Janeiro Imprensa Nacional 1907)

Causou-nos surpresa constatar que a ediccedilatildeo a qual eacute considerada uma das poucas

publicaccedilotildees das traduccedilotildees de DPedro II natildeo traz a reproduccedilatildeo de sua traduccedilatildeo feita em

prosa da trageacutedia de Eacutesquilo mas apenas as versotildees poeacuteticas da lavra de Paranapiacaba

Na primeira das versotildees apresentadas no livro Paranapiacaba emprega rimas aleacutem da

forma meacutetrica variar de acordo com o personagem Jaacute na segunda versatildeo predominam

os decassiacutelabos soltos isto eacute sem o emprego de rimas

Em ldquoO Prometeu dos Barotildeesrdquo (1997) Haroldo de Campos faz um

importantiacutessimo resgate de trechos da segunda versatildeo apresentada no livro de

Paranapiacaba (versatildeo em que predominam os decassiacutelabos soltos) No mesmo

compecircndio onde se encontra o ensaio (ALMEIDA amp VIEIRA Trecircs Trageacutedias Gregas

1997) haacute tambeacutem a reproduccedilatildeo integral da traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado feita por

Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz professor de grego do Coleacutegio Pedro II (pp255-86)

A traduccedilatildeo feita por Ramiz tambeacutem fora incentivada pelo Imperador

Apesar da grande importacircncia do ensaio de Haroldo de Campos para a histoacuteria

da recepccedilatildeo dos Claacutessicos no Brasil a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II natildeo entra em

anaacutelise em seu ensaio

18

Entre as produccedilotildees acadecircmicas que abordam as versotildees poeacuteticas incentivadas

por Dom Pedro II vale a pena citar o artigo de Paula da Cunha Correcirca ldquoEm busca da

tradiccedilatildeo perdidardquo (1999) Mais do que fazer uma resenha do livro supracitado Trecircs

trageacutedias gregas (ALMEIDA amp VIEIRA 1997) Correcirca empreende uma interessante

anaacutelise das versotildees do Prometeu Acorrentado feitas por Ramiz Galvatildeo e pelo Baratildeo de

Paranapiacaba (versatildeo em que predominam os decassiacutelabos soltos) trazendo tambeacutem

para a discussatildeo a traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado de autoria de Trajano Vieira

Embora o artigo evoque assim como o texto de Campos a tradiccedilatildeo de tradutores

brasileiros do Prometeu Acorrentado e tambeacutem apresente uma abordagem instigante na

anaacutelise empreendida natildeo tem como um de seus objetivos citar trechos da traduccedilatildeo em

prosa de Dom Pedro II e analisaacute-los juntamente com as outras traduccedilotildees

Em O Baratildeo de Ramiz (1972) A Mauriceacutea Filho coteja a versatildeo na qual

Paranapiacaba emprega rimas com a traduccedilatildeo de Ramiz Galvatildeo tambeacutem tendo em vista

o texto original de Eacutesquilo e agraves vezes fazendo intervir soluccedilotildees da traduccedilatildeo portuguesa

de Baziacutelio Teles Aleacutem disso o autor escreve o seguinte comentaacuterio acerca do

manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu Acorrentado

Ora tivemos a ventura de folhear com a maacutexima reverecircncia no Instituto

Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro passando e repassando pelas matildeos as suas

folhas algo amarelecidas pelo tempo o Manuscrito Imperial consistindo de

um caderno (tipo colegial simples) menos da metade escrito e mais da

metade em branco onde o Sr Imperador Pedro II deixara ficar com sua letra

pequenina mas muito bem traccedilada e bem legiacutevel a famosa trageacutedia de

Eacutesquilo sem esquecer S Magestade de apor ao fim do trabalho em

caracteres firmes a data 14 de abril de 1871 O preciosiacutessimo documento

encontra-se no Instituto Histoacuterico muito bem conservado como todas as

peccedilas que ali se acham ndash reliacutequias de nossa Tradiccedilatildeo - e devidamente

classificado (MAURICEacuteA FILHO 1972 pp243-4)

Embora A Mauriceacutea Filho faccedila uma importantiacutessima descriccedilatildeo da existecircncia

real do Manuscrito Imperial natildeo o coteja poreacutem com as traduccedilotildees de Paranapiacaba e

Ramiz Galvatildeo Quase no final da anaacutelise apenas transcreve um pequeno trecho da

traduccedilatildeo de Dom Pedro II a saber ldquodo que entatildeo se apresentava parecia o mais

acertado tomando comigo a minha Matildee auxiliar de boa vontade a Juacutepiter que o

queriardquo (MAURICEacuteA FILHO 1972 p261)

Apesar de ter fomentado pelo menos trecircs versotildees do Prometeu Acorrentado

(duas de Paranapiacaba e uma de Ramiz Galvatildeo) eacute lamentaacutevel que a versatildeo em prosa

feita por Dom Pedro II ainda natildeo tenha sido estudada mais detalhadamente

19

Como entatildeo poderiacuteamos dizer que o livro Prometeu Acorrentado de 1907

citado por Romanelli eacute uma das poucas traduccedilotildees do Imperador publicadas ateacute entatildeo

Ateacute que ponto as versotildees de Paranapiacaba estatildeo ligadas semanticamente agrave traduccedilatildeo do

Imperador Seraacute que os meacuteritos ou os pontos fracos dessas versotildees podem ser atribuiacutedos

tambeacutem agrave traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II Satildeo questotildees sobre as quais

pretendemos nos debruccedilar e responder ao longo da presente dissertaccedilatildeo Para isso

objetiva-se

1) Empreender a transcriccedilatildeo integral da traduccedilatildeo feita por Dom Pedro II da

trageacutedia Prometeu Acorrentado e das duas versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo de

Paranapiacaba

2) Realizar o cotejo criacutetico entre a Traduccedilatildeo Imperial e as duas versotildees poeacuteticas

feitas pelo Baratildeo

A histoacuteria da traduccedilatildeo de literatura greco-romana no Brasil ainda estaacute para ser

escrita (DUARTE 2016) Mas natildeo temos a pretensatildeo de escrevecirc-la sozinhos Pois ldquoum

miacutenimo de honestidade nos afasta de empresas que natildeo podemos realizarrdquo (RAMOS

2008 p63) Por outro lado entendemos que ao realizarmos a transcriccedilatildeo completa da

traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e das versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba daremos

mais um passo rumo ao atendimento dessa grande demanda nos estudos da recepccedilatildeo e

traduccedilatildeo dos Claacutessicos em nosso paiacutes

Em vista desse uacuteltimo toacutepico buscamos recuperar a histoacuteria das traduccedilotildees do

Prometeu Acorrentado publicadas no Brasil e de seus respectivos tradutores situando

nela a de D Pedro II A presenccedila do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo no Brasil pode

ser constatada pelo nuacutemero e sobretudo pela qualidade de suas traduccedilotildees O tradutor

ldquocomo o primeiro interprete de um texto eacute o elo inicial de uma rede que visa a tornar o

claacutessico vivo presente para a sociedaderdquo (DUARTE 2016 p26) O levantamento das

traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado e de seus respectivos tradutores visa

tornar ainda mais evidente essa corrente de esforccedilos individuais que contribuiu para que

a antiga trageacutedia grega permanecesse viva em liacutengua portuguesa ateacute os nossos dias

Manuscrito e sua transcriccedilatildeo integral

Graccedilas ao apoio do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro na pessoa de

Socircnia N de Lima (Chefe do Arquivo) conseguimos uma coacutepia fac-similar do

manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu Acorrentado

20

de Eacutesquilo (Doc 4695-A) O manuscrito encontra-se totalmente transcrito na presente

dissertaccedilatildeo (pp 123-57)

O trabalho de transcriccedilatildeo foi feito em diaacutelogo com as seguintes obras Noccedilotildees de

paleografia e diplomaacutetica (2008) de Anna Regina Berwanger e Joatildeo Euriacutepides Franklin

Leal Introduccedilatildeo agrave criacutetica textual (2005) de Ceacutesar Nardeli Cambraia Fundamentos da

criacutetica textual (2004) de Baacuterbara Spaggiari e Maurizio Perugi e Ediccedilotildees criacutetica e

geneacutetica de ldquoA Morgada de Romarizrdquo(2009) de Carlota Frederica Pimenta Natildeo existe

um consenso absoluto sobre os criteacuterios propostos pelos autores acima citados Por

isso procuramos utilizar aquilo que mais se adequava agraves especificidades da nossa

pesquisa A seguir teceremos algumas consideraccedilotildees gerais sobre o manuscrito da

traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e sobre os criteacuterios adotados no trabalho de

transcriccedilatildeo

O Manuscrito Imperial ocupa 47 paacuteginas de um caderno com capa de papelatildeo

indeformaacutevel 23 centiacutemetros de comprimento por 19 centiacutemetros de largura e 1

centiacutemetro de espessura (MAURICEacuteA FILHO 1972 p244) A data do teacutermino da

traduccedilatildeo eacute colocada na uacuteltima paacutegina do manuscrito A numeraccedilatildeo das paacuteginas parece

ter sido feita a laacutepis de forma alternada (somente as iacutempares satildeo numeradas) No

entanto a paacutegina 7 do manuscrito foi erroneamente marcada como paacutegina ldquo6rdquo O

equiacutevoco persiste ateacute o final do manuscrito cuja uacuteltima paacutegina traz ldquo46rdquo sendo que haacute

47 paacuteginas de traduccedilatildeo

Figura 1 Trecho da uacuteltima paacutegina do Documento 4695-A (IHGB)

O trabalho de transcriccedilatildeo seguiraacute os seguintes criteacuterios gerais

a) Palavras com ldquosrdquo duplicado apresentam uma caracteriacutestica interessante na

caligrafia do seacuteculo XIX no Brasil o primeiro ldquosrdquo eacute chamado ldquocaudadordquo

(BERWANGER amp LEAL 2008 p100) Veja-se a reproduccedilatildeo de como era

escrito o primeiro ldquosrdquo da palavra ldquoapressa-terdquo por exemplo

Essa particularidade da caligrafia natildeo era reproduzida nas publicaccedilotildees

21

tipograacuteficas da eacutepoca e seguimos essa tendecircncia em nosso trabalho de

transcriccedilatildeo

b) A pontuaccedilatildeo original foi mantida

c) As maiuacutesculas e as minuacutesculas foram mantidas tal qual estatildeo presentes no

original com exceccedilatildeo do ldquosrdquo caudado

d) A ortografia foi mantida na iacutentegra natildeo se efetuando nenhuma correccedilatildeo

gramatical

Figura 2 Trecho da traduccedilatildeo de Dom Pedro II referente aos versos 1063-9 do Prometeu

(Doc4695-A IHGB)

Chogravero

Dize e aconselha-me outra cousa pois que me seduziste com essas palavras de

nenhum modo toleraveis Como eacute que me ordenas praticar infamias Com elle quero

soffregraver o que fograver necessario pois aprendi a aborrecegraver os traidores nem ha peste que

mais me repugne do que esta ()

e) A transcriccedilatildeo do texto foi feita de forma corrida e a divisatildeo original dos

paraacutegrafos respeitada

f) Indicamos a numeraccedilatildeo original da paacutegina entre colchetes ex [fl3] mesmo

no meio do texto corrido quando necessaacuterio Os colchetes seratildeo sublinhados

para indicar que a paacutegina em questatildeo natildeo estaacute marcada no manuscrito ex

[fl4]

Figura 3 Trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A IHGB)

22

[fl3]

Forccedila

De nada vale deploral-o natildeo faze pois cousas que nada aproveitatildeo

Figura 4 Trecho da quarta paacutegina do Documento 4695-A (IHGB) natildeo numerada no

manuscrito

[fl4]

Vulcano

Estaacute feito e natildeo dura este trabalho

g) Os elementos textuais interlineares ou marginais autoacutegrafos que completam

o escrito seratildeo inseridos no texto entre os sinais ltgt

Figura 5 Trecho da primeira fala de Prometeu (vv88-126) traduzida pelo Imperador

(Doc4695-A IHGB)

Prometheu

ltOh ar divinogt e ventos de azas velozes e fontes dos rios()

h) Tambeacutem utilizaremos os seguintes sinais diacriacuteticos

= o asteriacutesco indica que algo foi riscado e estaacute ilegiacutevel no ponto em que ele

aparece

[ ] = algo foi escrito sobre

[] = escrito sobre algo que foi riscado e que estaacute ilegiacutevel

ltuarrgt = acreacutescimo textual no espaccedilo interlinear superior

ltdarrgt = acreacutescimo textual no espaccedilo interlinear inferior

Prometeu = palavra riscada mas legiacutevel

ilegiacutevel = palavra natildeo riscada mas ilegiacutevel

= manuscrito deteriorado na passagem em questatildeo

23

Veja-se a seguir algumas expressotildees comuns no uso dos sinais diacriacuteticos em

nossa transcriccedilatildeo

ltuarrgt [] = acreacutescimo textual no espaccedilo interlinear superior sobre algo que foi

riscado e que estaacute ilegiacutevel Exemplo

Figura 6 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

()pois novos ltuarrtimoneirosgt[]3 regem o Olympo ()

ltuarrgt [] = ascreacutecimo textual no espaccedilo interlinear superior sobre texto legiacutevel

Exemplo

Figura 7 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

AhltuarrQue cousagt[Tambem] tu vieste expectadograver de meus trabalhos

Quando o acreacutescimo textual interlinear natildeo eacute seguido do diacriacutetico ldquo[ ]rdquo

(ldquosobrerdquo) significa que o acreacutescimo estaacute entre duas palavras acima do espaccedilo em

branco Exemplo

Figura 8 Trecho do Documento 4695-A (IHGB)

() chamma brilhante ltuarrdogtsol ()

Pode ser que ocorra um acreacutescimo sobre algo que esteja riscado e ilegiacutevel

juntamente com outra palavra que tambeacutem fora riscada mas que pode ser lida

3 A palavra ldquoTimoneirosrdquo foi escrita sobre algo que foi riscado Apesar de natildeo ser possiacutevel ler claramente

qual palavra foi riscada no trecho destacado mesmo ampliando a imagem do manuscrito algumas letras

poreacutem satildeo legiacuteveis gadoes Brunno VG Vieira Professor de Letras Claacutessicas da UNESP

durante a arguiccedilatildeo da presente Dissertaccedilatildeo sugeriu a leitura ldquogovernadoresrdquo para a palavra riscada Ver

paacutegina 128

24

Figura 9 Detalhe do Documento 4695-A (IHGB)

() poremlt uarrdezejavagt [ queria ] ()

i) As palavras sublinhadas pelo autor do manuscrito tambeacutem seratildeo sublinhadas

na transcriccedilatildeo

Figura 10 Trecho do Documento 4695-A (IHGB)

Chegamos a terra remota aacute regiatildeo Scytha a ermo despovoado

Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu o pae de ()

f) Outras particularidades do manuscrito foram indicadas por meio de notas de

rodapeacute

Diante dos criteacuterios supramencionados pode-se afirmar que a transcriccedilatildeo

empreendida eacute de caraacuteter diplomaacutetico ou geneacutetico pois se transcreveraacute tambeacutem os

acidentes de escrita e as emendas o que de certa forma revela algo do processo criativo

do autor do manuscrito isto eacute sobre a gecircnese da sua traduccedilatildeo Por isso esse tipo de

transcriccedilatildeo eacute chamado comumente de transcriccedilatildeo geneacutetica (PIMENTA 2009 p16)

Tambeacutem afirmamos que a ortografia do Manuscrito Imperial seraacute respeitada Por isso

seria profiacutecuo tecer algumas consideraccedilotildees sobre a ortografia da liacutengua portuguesa na

segunda metade do seacuteculo XIX

Ramiz Galvatildeo (o Baratildeo de Ramiz) em seu livro Vocabulario etymologico

orthographico e prosoacutedico das palavras portuguezas derivadas da lingua grega (1909)

afirma que natildeo havia um acordo ortograacutefico uacutenico no Brasil na eacutepoca do Segundo

Impeacuterio e que os dicionaacuterios de liacutengua portuguesa de sua eacutepoca

[] cada qual grapha como entende e os proacuteprios glottologos discutem sem

resultado practico as vantagens dos systemas phonetico etymologico e

25

eclectico que correspondiam aacutes trez correntes de opiniatildeo nesta mateacuteriardquo

(RAMIZ GALVAtildeO 1909 pII)4

Ramiz Galvatildeo estava ligado agrave vertente chamada ldquoetimoloacutegicardquo Em sentido lato

esse sistema ortograacutefico preconizava que as palavras vernaacuteculas deveriam utilizar as

palavras latinas ou gregas como paradigmas para sua escrita (a etimologia nem sempre

era feita de forma rigorosa por alguns autores o que gerava confusatildeo e variedade na

grafia de algumas palavras) Era comum por exemplo transliterar as letras gregas ζ θ

ρ por th ph e ch nas palavras portuguesas que tivessem sua origem no idioma grego

como por exemplo eschola ldquoescolardquo (RAMIZ GALVAtildeO 1909 pIV-V)5 Dom Pedro

II parece seguir tal sistema ortograacutefico em sua traduccedilatildeo em prosa

Apresentar-se-aacute a seguir alguns exemplos tirados do proacuteprio Manuscrito

Imperial para explicitar as principais diferenccedilas entre a ortografia vigente em nossos

dias e a adotada pelo Imperador

1) A forma da terceira pessoa do plural do presente do indicativo tem o sufixo

em ldquondashatildeordquo em vez de ldquo- am

Figura 11 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A IHGB)

() te de tuas bogravedas alcanccedilaste oh moccedila Pois as palavras que ouviste agora

nem no proemio te pareccedilatildeo estar

2) A forma da primeira pessoa do singular do presente indicativo do verbo

ldquoodiarrdquo eacute odiacuteo em vez de ldquoodeiordquo e da terceira pessoa do singular eacute odiacutea em

vez de ldquoodeiardquo

Figura 12 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A IHGB)

4 Reproduzimos a ortografia da publicaccedilatildeo original

5A corrente etimoloacutegica foi teorizada inicialmente por Duarte Nunes de Leatildeo na sua Orthografia da

lingoa portugueza em 1576 Outro autor importante foi Madureira Feijoacute com sua Orthographia ou Arte

de Escrever e pronunciar com acerto a lingua portuguesa em 1734 obra na qual defende a etimologia na

ortografia

26

Prometheu

Em uma palavra odiacuteo todos os deuses quantos beneficiados me fazem mal

injustamente

3) As palavras proparoxiacutetonas natildeo satildeo acentuadas como por exemplo animo

(acircnimo) aspero (aacutespero) artifice (artiacutefice) colera (coacutelera) habito (haacutebito)

miseros (miacuteseros) Tartaro (Taacutertaro)

Figura 13 Imagens de algumas palavras proparoxiacutetonas encontradas no Documento 4695ndashA (IHGB)

4) As palavras paroxiacutetonas terminadas em ldquoa(s)rdquo ldquoo(s)rdquo ldquoe(s)rdquo satildeo acentuadas

com (`) se o som da siacutelaba tocircnica for fechado e com (acute) se o som for aberto

algegravemas (algemas) ansiograveso (ansioso) foacutera (fora) oceagraveno (oceano)

Figura 14 Imagens de palavras paroxiacutetonas terminadas em vogais ldquoordquo e ldquoardquo (Doc4695-A IHGB)

As paroxiacutetonas terminadas com as demais consoantes e as terminadas em

ditongo natildeo satildeo acentuadas

Figura 15 Imagens de palavras paroxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A IHGB)

5) As palavras oxiacutetonas terminadas em ldquoemrdquo e ldquoensrdquo natildeo satildeo acentuadas alem

(aleacutem) alguem (algueacutem) ninguem (ningueacutem) porem (poreacutem) tambem

(tambeacutem) Jaacute nas versotildees poeacuteticas da lavra de Paranapiacaba (1907) eacute

possiacutevel ver a forma ldquoporeacutemrdquo

Figura 16 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A IHGB)

27

6) Palavras oxiacutetonas terminadas em ldquoerrdquo e ldquoorrdquo satildeo acentuadas expectadograver

(expectador) terrograver (terror) vegraver (ver)

Figura 17 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A IHGB)

A crase eacute marcada com (acute) em vez de (`)

Figura 18 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB)

() voltaraacute ainda anciograveso aacute concordia ()

7) Uso dos pronomes aacutetonos la(s) e lo(s) eacute bastante peculiar denuncial-o-ei

(denunciaacute-lo-ei) explical-o-ei (explicaacute-lo-ei) ignoral-o (ignoraacute-lo) obtegravel-a (obtecirc-

la)

Figura 19 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB)

8) A ortografia etimoloacutegica deu origem agraves seguites grafias encontradas no

manuscrito Afflicto (aflito) dezejava (desejava) emtorno (entorno)

ephemeros (efecircmeros) irmaatildes (irmatildes) monarcha (monarca) Note-se a

seguir outros exemplos retirados do manuscrito

Figura 20 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

() donzellas anciaatildes com forma de cysne possuindo um olho commum e um

dente a quem jamais nem o sol olha com seus raios nem a nocturna lua Perto

28

estatildeo suas trez irmaatildes as aligeras anguicomas Gorgones aos mortaes odiosas

que nenhum mortal encarando conservaraacute o espirito vital

9) ldquoPorquerdquo como forma uacutenica para ldquopor querdquo e ldquoporquerdquo

Figura 21 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Io

Porque hesitas entatildeo em dizer-me tudo

Essas satildeo as caracteriacutesticas gerais do manuscrito de sua transcriccedilatildeo e de sua

ortografia Na primeira parte da presente dissertaccedilatildeo seraacute apresentado o levantamento

das traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado juntamente com algumas

consideraccedilotildees sobre a poeacutetica tradutoacuteria de cada um dos tradutores elencados (Capiacutetulo

1) O cotejo criacutetico entre as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba e a traduccedilatildeo feita por

Dom Pedro II ocorreraacute no Capiacutetulo 2 A segunda parte da dissertaccedilatildeo eacute destinada agraves

transcriccedilotildees O Capiacutetulo 3 seraacute dedicado agrave transcriccedilatildeo completa da traduccedilatildeo em prosa de

Dom Pedro II Nos Capiacutetulos 4 e 5 respectivamente encontram-se as transcriccedilotildees das

duas versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba feitas a partir do livro publicado em

1907 e seguindo os criteacuterios gerais de transcriccedilatildeo expostos anteriormente sobretudo no

que se refere agrave ortografia e agrave divisatildeo dos paraacutegrafos Apoacutes as transcriccedilotildees temos a

Conclusatildeo Final da Dissertaccedilatildeo

Em 2018 publicamos o artigo ldquoA traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II da

trageacutedia bdquoPrometeu acorrentado‟ de Eacutesquilordquo na Revista de Estudos Claacutessicos e

Tradutoacuterios Roacutenai no qual apresentamos os primeiros resultados de nossa pesquisa

Alessandra Fraguas historiadora e pesquisadora do Museu Imperial leu o artigo

Depois disso gentilmente informou-nos sobre a existecircncia dos esboccedilos da traduccedilatildeo em

prosa de Dom Pedro II depositados no Museu Imperial (Maccedilo 37 - Doc 1057 B de

Dom Pedro II Museu Imperial Ibram Ministeacuterio da Cidadania) e de uma carta escrita

pelo Baratildeo de Paranapiacaba agrave Princesa Isabel na qual fala sobre a publicaccedilatildeo de suas

versotildees poeacuteticas (Maccedilo 204 ndash Doc 9329 Museu Imperial Ibram Ministeacuterio da

Cidadania) Graccedilas agrave mediaccedilatildeo de Fraguas tivemos acesso a coacutepias digitalizadas dos

29

documentos citados Trechos dessa versatildeo preliminar de Dom Pedro II seratildeo cotejados

com sua versatildeo final no Capiacutetulo 2 A carta escrita por Paranapiacaba agrave Princesa Isabel

foi totalmente transcrita valendo-se dos mesmos criteacuterios utilizados nas outras

transcriccedilotildees e anexada agrave dissertaccedilatildeo

Encerraremos a presente introduccedilatildeo partilhando mais um trecho da transcriccedilatildeo

empreendida do Manuscrito Imperial referente agrave uacuteltima fala de Prometeu traduzida por

Dom Pedro II (vv1080-93) A passagem em questatildeo possui uma forte carga dramaacutetica

Por meio dos cataclismos naturais descritos por Prometeu Zeus e sua terriacutevel fuacuteria se

fazem presentes em cena

Figura 22 Imagem do texto da uacuteltima fala de Prometeu traduzida por Dom Pedro II(Doc4695-AIHGB)

Prometheu

E de facto e natildeo mais por palavras ltuarrbalanccedila-segt[] a terra rebogravea o echo

rugidograver do trovatildeo brilhatildeo as espiraes ltuarrardentesgt [] do relampago e os turbilhotildees

revolvem o poacute rompem os sogravepros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

oppostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Taes impetos contra mim vem

30

manifestamente de Jupiter para mettegraverem megravedo Oh nume de minha matildee [fl46]6 oh ar

que volves a luz commum de todos vegraves quatildeo injustamente soffro

14 de Abril de 1871

6Paacutegina 47 (uacuteltima paacutegina) marcada como 46 no manuscrito

31

CAPIacuteTULO 1 ndash As versotildees Brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo

11 Levantamento das traduccedilotildees brasileiras (consideraccedilotildees preliminares)7

O levantamento empreendido das traduccedilotildees brasileiras do Prometeu

Acorrentado e de seus respectivos tradutores se deu por meio de visitas a bibliotecas e

livrarias aleacutem de consultas a bancos de dados eletrocircnicos como o Sistema Integrado de

Bibliotecas da Universidade de Satildeo Paulo SIBiUSP Todas as traduccedilotildees encontradas

foram lidas integralmente Chegou-se ao seguinte resultado sendo que antes do nome

do tradutor de cada versatildeo encontra-se o ano da publicaccedilatildeo original (as datas de suas

reediccedilotildees estatildeo entre parecircnteses)

1871 - Dom Pedro II8

1907 - Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza Baratildeo de

Paranapiacaba duas versotildees distintas no mesmo livro

1909 - Ramiz Galvatildeo Baratildeo de Ramiz (1922 1997)

1950 - JB de Mello e Souza (1964 1966 1969 1970 1998

2001 2002 2005)

1964 - Jaime Bruna (1968 1977 1996)

1967 - Napoleatildeo Lopes Filho

1968 - Maacuterio da Gama Kury (1993 1998 1999 2004 2009)

1977 - Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves

1980 ndash O Tradutor Desconhecido9

1982 - Alberto Guzik

1985 ndash Jaa Torrano

1997 ndash Trajano Vieira

2009 ndash Jaa Torrano10

7Neste capiacutetulo natildeo se consideraratildeo as adaptaccedilotildees infantojuvenis do Prometeu Acorrentado as quais

mereceriam um estudo agrave parte 8 Manuscrito da traduccedilatildeo em prosa feita por Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo

(Doc4695-A ndash Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro) 9Trata-se de uma traduccedilatildeo anocircnima do Prometeu Acorrentado publicada por Otto Pierre Editores em

1980 10

Em entrevista dada a Andreacute Malta (2015) Jaa Torrano afirma que haacute mudanccedilas entre as traduccedilotildees de

Prometeu Prisioneiro (1985) e Prometeu Cadeeiro (2009) mudanccedilas estas que nos parecem substanciais

a comeccedilar pelos tiacutetulos das traduccedilotildees Por isso natildeo consideramos a traduccedilatildeo de 2009 como uma simples

reediccedilatildeo

32

Seguindo o exemplo de Jorge Luis Borges no ensaio ldquoAs Versotildees homeacutericasrdquo

(1994 pp71-8) a seguir seratildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica as versotildees

brasileiras de uma mesma passagem do Prometeu Acorrentado Borges usou recurso

semelhante quando discorria acerca das traduccedilotildees inglesas da Odisseia afirmando que

tais versotildees satildeo na verdade ldquoperspectivas variadas de um fato moacutevelrdquo (ibidem 1994

p71) Depois da apresentaccedilatildeo dos trechos das traduccedilotildees faremos algumas

consideraccedilotildees sobre a afirmaccedilatildeo de Borges e tambeacutem a exposiccedilatildeo daquilo que nos

chamou mais atenccedilatildeo nas versotildees elencadas Ao que se pretende valendo-se das

palavras de Brunno V G Vieira (2010 p70) quando discorria sobre as versotildees

brasileiras da Farsaacutelia de Lucano

[]estaacute fora de questatildeo a imposiccedilatildeo de um modo bdquocerto‟ de traduzir Ao

contraacuterio o que estaacute em jogo eacute um exerciacutecio de conhecimento das diferentes

modulaccedilotildees que um texto pode alcanccedilar quando trabalhado por tradutores de

diferentes eacutepocas estilos e concepccedilotildees translatiacutecias

No proacutelogo do Prometeu Acorrentado o titatilde que daacute nome ao drama eacute escoltado

por outras trecircs divindades Kratos (ldquoPoderrdquo) Bia (ldquoviolecircnciardquo personagem mudo) e

Hefesto o ferreiro divino Kratos insta Hefesto a cumprir as ordens de Zeus de encadear

Prometeu num inoacutespito rochedo No cumprimento das ordens dadas Hefesto lamenta

seu ofiacutecio desejando que tal pertencesse a outro Kratos entatildeo responde-lhe

ldquoἅπαλη᾽ ἐπαρζῆ πιὴλ ζενῖζη θνηξαλεῖλ ἐιεύζεξνο γὰξ νὔηηο ἐζηὶ πιὴλ Δηόοrdquo

(Prometeu Acorrentado vv49-50)11

Veja-se a seguir as diferentes versotildees brasileiras para a citada resposta de

Kratos

Dom Pedro II prosa 1871 ldquoTudo foi feito para os deuses exceto imperarem

pois ningueacutem eacute livre salvo Juacutepiterrdquo

Baratildeo de Paranapiacaba verso 1907 versatildeo em que o metro varia de

acordo com o personagem ldquoAos Imortais concedido Tudo foi menos o impeacuterio Soacute

Jove eacute livrerdquo

Baratildeo de Paranapiacaba verso 1907 versatildeo onde predominam os

decassiacutelabos brancossoltos ldquoTudo aos Deuses foi dado unicamente natildeo podem

governar A natildeo ser Jove Natildeo eacute livre ningueacutemrdquo

11 Os textos editados por Mark Griffith (1997) Paul Mazon (1953) e Christian G Schuumltz (1809) do

original do Prometeu Acorrentado natildeo apresentam divergecircncias de leitura para a passagem em questatildeo

33

Ramiz Galvatildeo verso 1909 ldquoTudo aos numes foi dado exceto o mando

ningueacutem eacute senatildeo Zeus independenterdquo

J B de Mello e Souza prosa 1950 ldquoMuito podem os deuses na verdade

poreacutem dependem de um poder supremo soacute Juacutepiter eacute onipotenterdquo

Jaime Bruna prosa 1964 ldquoTodos os quinhotildees foram negociados menos o de

governar os deuses ningueacutem eacute livre senatildeo Zeusrdquo

Napoleatildeo Lopes Filho prosa 1967 ldquoTudo eacute concedido aos deuses menos o

impeacuterio Soacute Zeus eacute livrerdquo

Maacuterio da Gama Kury verso 1968 ldquoTodos temos a sorte predeterminada a

uacutenica exceccedilatildeo eacute Zeus o rei dos deuses Somente ele eacute livre entre imortais e homensrdquo

Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves verso 1977 ldquoTudo foi

traccedilado a natildeo ser para o soberano dos deuses livre de fato ningueacutem eacute exceto Zeusrdquo

Autor desconhecido prosa 1980 ldquoTodas as atribuiccedilotildees estatildeo jaacute estabelecidas

exceto para o rei dos deuses soacute Zeus eacute livrerdquo

Alberto Guzik prosa 1982 ldquoTodos os trabalhos satildeo desagradaacuteveis menos o

de rei dos deuses pois ningueacutem eacute livre senatildeo Zeusrdquo

Jaa Torrano verso 1985 ldquoTudo se deu aos Deuses menos reinar pois livre

ningueacutem eacute aleacutem de Zeusrdquo

Trajano Vieira verso 1997 ldquoOs deuses tudo provam salvo o mando

somente Zeus conhece o livre arbiacutetriordquo

Jaa Torrano verso 2009 ldquoSoacute natildeo haacute ocircnus em ser rei de Deuses pois

ningueacutem eacute livre aleacutem de Zeusrdquo

A liacutengua grega na qual foi escrito o Prometeu Acorrentado natildeo eacute um fato

imoacutevel estanque pois seu estado e entendimento mudam agrave medida que surgem novas

descobertas no campo da filologia Mas natildeo eacute soacute o entendimento da liacutengua grega que se

transforma Subirat o tradutor espanhol do Ulysses de Joyce afirmou que ldquotraduzir eacute a

maneira mais atenta de lerrdquo (apud CAMPOS 2013 p14) e leitores tambeacutem mudam ao

longo do tempo Borges com sua ironia tatildeo peculiar toca nessa questatildeo em seu conto

Pierre Menard autor do Quixote texto no qual seu personagem Menard se empenha

por recriar o Quixote de Cervantes em pleno seacuteculo XX

Compor o Quixote em princiacutepios do seacuteculo XVII era um empreendimento

razoaacutevel necessaacuterio quem sabe fatal em princiacutepios do seacuteculo XX eacute quase

impossiacutevel Natildeo transcorreram em vatildeo trezentos anos carregados de

34

complexiacutessimos fatos Entre eles para mencionar um apenas o proacuteprio

Quixote (BORGES 1999 p495)

O narrador continua

Constitui uma revelaccedilatildeo cotejar o Dom Quixote de Menard com o de

Cervantes Este por exemplo escreveu (Dom Quixote primeira parte nono

capiacutetulo)

A verdade cuja matildee eacute a histoacuteria ecircmula do tempo depoacutesito das accedilotildees

testemunha do passado exemplo e aviso do presente advertecircncia do futuro

Redigida no seacuteculo XVII redigida pelo ldquoengenho leigordquo Cervantes essa

enumeraccedilatildeo eacute mero elogio retoacuterico da histoacuteria Menard em compensaccedilatildeo

escreve

A verdade cuja matildee eacute a histoacuteria ecircmula do tempo depoacutesito das accedilotildees

testemunha do passado exemplo e aviso do presente advertecircncia do futuro

A histoacuteria matildee da verdade a ideia eacute assombrosa Menard contemporacircneo de

Willian James natildeo define a histoacuteria como indagaccedilatildeo da realidade mas como

sua origem A verdade histoacuterica para ele natildeo eacute o que aconteceu eacute o que

julgamos que aconteceu As claacuteusulas finais ndash exemplo e aviso do presente

advertecircncia do futuro ndash satildeo descaradamente pragmaacuteticas (ibidem p495)

Como jaacute mencionado quanto maior for o desejo de ler com atenccedilatildeo uma

determinada obra de penetrar em sua complexidade maior seraacute o desejo de traduzi-la

(CAMPOS 2013 pp14 17) Cada um dos tradutores brasileiros do Prometeu

Acorrentado assim como o Menard de Borges fez sua leitura a partir de seu proacuteprio

repertoacuterio a partir de sua proacutepria eacutepoca e valores Entre os tradutores brasileiros do

Prometeu houve quem natildeo se contentou com uma uacutenica ldquoleitura atentardquo Eacute o caso

como visto do Baratildeo de Paranapiacaba Ele publicou duas distintas versotildees da mesma

trageacutedia num mesmo livro Para os versos 49 e 50 do Prometeu Acorrentado na

primeira versatildeo apresentada em seu livro o Baratildeo verte ldquoAos imortais concedido Tudo

foi menos o impeacuterio Soacute Jove eacute livrerdquo Na outra versatildeo apresentada no mesmo

compecircndio temos ldquoTudo aos Deuses foi dado unicamente natildeo podem governar A

natildeo ser Jove Natildeo eacute livre ningueacutemrdquo Outro exemplo interessante eacute o do professor de

Liacutengua e Literatura Grega da USP Joseacute Antonio Alves Torrano (Jaa Torrano) Aleacutem de

sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado publicada em 1985 Torrano empreende uma

nova traduccedilatildeo da mesma trageacutedia depois de quase 24 anos publicando-a em 2009 Em

sua primeira traduccedilatildeo lecirc-se ldquoTudo se deu aos Deuses menos reinar pois livre

ningueacutem eacute aleacutem de Zeusrdquo A traduccedilatildeo posterior por sua vez apresenta a seguinte

soluccedilatildeo ldquoSoacute natildeo haacute ocircnus em ser rei de Deuses pois ningueacutem eacute livre aleacutem de Zeusrdquo

Seraacute que algo importante mudou entre essas duas versotildees Acreditamos que sim A

35

versatildeo de 1985 afirma que tudo foi dado agraves divindades ldquomenos reinarrdquo Contudo

segundo o pensamento miacutetico grego os deuses exerciam grandiosa autoridade sobre os

mortais e tambeacutem havia reis entre os humanos Jaacute a traduccedilatildeo de 2009 deixa claro que

tipo de poder eacute esse do qual os deuses foram privados ldquoSoacute natildeo haacute ocircnus em ser rei de

Deusesrdquo ou seja eles foram privados de um poder superior pertencente apenas a Zeus

Esses exemplos indicam que a traduccedilatildeo natildeo eacute ldquouma operaccedilatildeo automaacutetica fruto

de geraccedilatildeo espontacircnea algo que demanda pouco esforccedilordquo (DUARTE 2016 p51)

como se costuma pensar no senso comum Veja-se o caso do proacuteprio Dom Pedro II Ele

leu os versos 49-50 do Prometeu da seguinte forma ldquoTudo foi feito para os deuses

exceto imperarem pois ningueacutem eacute livre salvo Juacutepiterrdquo (sentido bastante proacuteximo da

traduccedilatildeo de Torrano publicada em 1985) O manuscrito no qual se encontra a traduccedilatildeo

revela que o Imperador natildeo chegou a essa soluccedilatildeo sem hesitaccedilotildees pois nos espaccedilos

interlineares da passagem citada ele anotou em letras pequeninas (terceira paacutegina do

manuscrito) ldquo(exceto para os deuses o imperarem ndash isto eacute ndash Tudo custou trabalho

exceto imperarem os deuses pois somente Juacutepiter eacute livre (natildeo obedece impera) (Qual a

melhor interpretaccedilatildeo)rdquo12

Figura 23 Imagem de trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A IHGB)

Os pontos de divergecircncia entre tradutores na leitura de uma mesma passagem

satildeo valiosos a quem se debruccedila sobre os estudos das praacuteticas tradutoacuterias pois em tais

pontos o posicionamento pessoal de cada um dos tradutores se torna ainda mais

evidente Um exemplo disso satildeo os instigantes problemas interpretativos suscitados pelo

Coro das Oceaninas (ldquoOceacircnidesrdquo ou ldquoOceacircnidasrdquo dependendo do tradutor) e seu pai

Oceano

Assim que surgem em cena as deusas Oceaninas afirmam que escutaram o

barulho longiacutenquo das cadeias de Prometeu (vv128-35) Informam tambeacutem que vieram

depois de terem convencido com dificuldade a seu pai Oceano Prometeu pede para que

12

Interessante notar que soacute o Imperador traduz θνηξαλέσ por ldquoimperarrdquo ndash ldquoimpeacuterio ocorre em uma das

versotildees do Baratildeo de Paranabiacaba e de Napoleatildeo Lopes Filho a primeira dialogando com a de Dom

Pedro A escolha lexical revela aqui a funccedilatildeo do ldquotradutorrdquo e talvez uma certa identificaccedilatildeo de Dom

Pedro II com o panteatildeo grego ao refletir sobre os atributos inerentes ao exerciacutecio do poder

36

elas desccedilam do carro alado e se aproximem dele mas no momento exato em que as

deusas iam tocar os peacutes descalccedilos no rochedo em que o titatilde estava encadeado chega o

proacuteprio Oceano (para se compadecer de Prometeu ou para ainda tentar impedir mesmo

que veladamente as filhas se aproximarem do titatilde) Sim o mesmo Oceano que na

Teogonia de Hesiacuteodo tinha aconselhado sua filha Estige a ser a primeira a chegar ao

ajuntamento que visava sob a lideranccedila de Zeus depor Cronos Como recompensa por

essa prontidatildeo Zeus honrou-a fazendo dela proacutepria o ldquoGrande Juramento dos deusesrdquo

(Teogonia vv775-806) Jaacute na trageacutedia de Eacutesquilo Oceano chega depois de tentar

inutilmente impedir suas outras filhas de visitar Prometeu mas natildeo hesita em dizer ao

titatilde encadeado ldquo[] pois nunca diraacutes que haacute para ti amigo mais firme que Oceanordquo

(traduccedilatildeo de Dom Pedro II) Esse mesmo Oceano exorta Prometeu a se conhecer melhor

(γίγλσζθε ζαπηὸλ v309) se harmonizar com o novo tirano dos deuses e parar de

vociferar (ζὺ δ᾽ ἡζύραδε κεδ᾽ ἄγαλ ιαβξνζηόκεη v327) Enquanto isso ele proacuteprio

Oceano iria interceder junto a Zeus em favor de Prometeu (v325-9) Prometeu entatildeo

responde a Oceano (vv330-1) ldquoAdmira-me que tu natildeo hajas sido tratado como

criminoso visto que foste meu cuacutemplice e meu ajudanterdquo (Traduccedilatildeo de JB de Mello

e Souza)

A traduccedilatildeo supracitada de JB de Mello e Souza para essa resposta de Prometeu

suscita implicaccedilotildees interessantes Pois antes da chegada de Oceano Prometeu alegara

ao Coro das Oceaninas que estava sofrendo tamanho supliacutecio por se opor aos planos de

Zeus de exterminar a humanidade Aleacutem disso o Titatilde tambeacutem afirmou que doou o fogo

mestre de todas as artes aos mortais (vv193-256) Desta forma a traduccedilatildeo de JB de

Mello e Souza daacute a entender que Oceano de alguma forma foi cuacutemplice de Prometeu

nessas accedilotildees mas conseguiu contornar a situaccedilatildeo e natildeo ser punido Essa tambeacutem parece

ser a leitura de uma traduccedilatildeo anocircnima publicada por Otto Pierre Editores em 1980

ldquoInvejo-te palavra por estares livre de causa depois de teres tomado parte como eu nas

minhas empresasrdquo Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves apresentam a

seguinte interpretaccedilatildeo ao trecho ldquoEu te invejo a ti que a salvo da acusaccedilatildeo estaacutes

tendo de tudo participado e sendo ousado como eurdquo e escrevem em nota ldquoEsta

passagem faz-nos supor que Oceano deve ter colaborado com Prometeu em seus

empreendimentos em favor dos mortaisrdquo (MALHADAS amp MOURA NEVES 1977

p35) Na traduccedilatildeo de Trajano Vieira lecirc-se ldquoSoacute te posso invejar a liberdade pois tua

ousadia foi igual agrave minhardquo Trajano escreve o seguinte em nota para a passagem citada

ldquoReferecircncia provaacutevel a uma Titanomaquia perdida na qual Oceano combateu ao lado

37

de Prometeurdquo (VIEIRA 1997 p175) Entre todas as versotildees a traduccedilatildeo de Alberto

Guzik parece sugerir de forma mais expliacutecita que Oceano fora cuacutemplice de Prometeu

ldquoInvejo a sorte que tens de natildeo ser tratado como delinquente depois de ter participado

de tudo depois de teres sido soacutecio de minha audaacuteciardquo

Em contrapartida natildeo satildeo todos os tradutores que leem a passagem em questatildeo

da mesma forma Napoleatildeo Lopes Filho por exemplo entende que Oceano soacute era

cuacutemplice de Prometeu no sentido de que se dispocircs a visitaacute-lo em seu sofrimento Eis a

sua traduccedilatildeo ldquoDigo-te que eacutes feliz porque depois de ousar participar da minha dor

ainda estaacutes sem que Zeus te culperdquo - interpretaccedilatildeo diferente da apresentada nas

traduccedilotildees supracitadas Em sua traduccedilatildeo de 1985 Jaa Torrano lecirc a passagem de forma

semelhante ao que faz Napoleatildeo Lopes Filho ldquoEstimo que estejas fora da causa a

participar e ousar tudo por mimrdquo E natildeo parece que seu entendimento acerca dessa

passagem mudou em sua traduccedilatildeo de 2009 ldquoEstimo que estejas fora de causa audaz

ateacute participar de tudo comigordquo O Baratildeo de Paranapiacaba em suas versotildees de 1907

tem uma interpretaccedilatildeo semelhante agrave de Torrano e agrave de Napoleatildeo Lopes Filho ldquoAceita

embora meus pois tendo ousadoTer parte em minha docircr foste poupado E imune estaacutes

Natildeo quero te incommodesrdquo na outra versatildeo (decassiacutelabos soltos) encontra-se ldquoDou-te

os emboras por te ver imune De pena e culpa tu que a mim ligado Ousaste tomar

parte em minhas doresrdquo O curioso eacute que a traduccedilatildeo de Dom Pedro II da qual em tese

as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba teriam sido feitas diverge na interpretaccedilatildeo

ldquoInvejo-te porque ficas isento de crime tendo tudo partilhado e visado comigordquo A

traduccedilatildeo de Ramiz Galvatildeo parece estar mais alinhada agrave de Dom Pedro II nessa

passagem do que as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba ldquoEacutes feliz natildeo te inculpam bem

que houvesses tido parte na audaacutecia do meu feitordquo

Mas o problema natildeo termina aiacute Como dissemos Oceano alega estar disposto a

interceder a favor de Prometeu junto a Zeus Mas o titatilde prisioneiro cortesmente dispensa

a ajuda afirmando que natildeo desejava ver a fuacuteria de Zeus ainda mais accedilulada e recaindo

sobre Oceano tambeacutem Oceano por sua vez responde que a situaccedilatildeo de Prometeu

ensina e por isso se despede (vv374-96) O estranho eacute que Prometeu natildeo demonstra a

mesma preocupaccedilatildeo com as Oceaninas as quais ficam ao seu lado e se compadecem

dele No final da trageacutedia por exemplo Hermes (ldquoMercuacuteriordquo na traduccedilatildeo de Dom

Pedro II) discute asperamente com Prometeu Depois o Mensageiro de Zeus alerta as

Oceaninas nos seguintes termos

38

Tais resoluccedilotildees e palavras de mentecapto eacute preciso contudo ouvir Que falta

pois para ele desarrazoar se nada cede das infelizes manias Mas voacutes que

vos compadeceis dos sofrimentos dele afastai-vos rapidamente destes

lugares para qualquer outro afim de que o horrendo mugido do trovatildeo natildeo

ponha atocircnitos vossos espiacuteritos (traduccedilatildeo de Dom Pedro II)

As Oceaninas entatildeo respondem a Hermes (ainda na traduccedilatildeo do Imperador)

Dize e aconselha-me outra cousa pois que me seduziste com essas palavras

de nenhum modo toleraacuteveis Como eacute que me ordenas praticar infacircmias Com

ele quero sofrer o que for necessaacuterio pois aprendi a aborrecer os traidores

nem haacute peste que mais me repugne do que esta

Mercuacuterio

Mas recordai-vos do que predigo e caccediladas pelas desgraccedila natildeo acuseis a

sorte nem digais que Juacutepiter vos arremessou a uma infelicidade imprevista

natildeo certamente poreacutem voacutes a voacutes mesmas pois sabendo-o nem suacutebita nem

ocultamente sereis envolvidas por insensatez na imensa rede da desgraccedila

Por que Prometeu natildeo pediu para as Oceaninas irem embora quando Hermes deu

o alerta supracitado mostrando preocupaccedilatildeo semelhante agrave que sentiu ndash ou que pelo

menos aparentou sentir - pelo pai delas Oceano Nesse ponto da leitura aumenta a

expectativa acerca do que iraacute acontecer com Prometeu e com o Coro das Oceaninas

Mas eacute tarde demais Prometeu exclama

Prometeu

E de fato e natildeo mais por palavras balanccedila-se a terra reboa o eco rugidor do

trovatildeo brilham as espirais ardentes do relacircmpago e os turbilhotildees revolvem o

poacute rompem os sopros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

opostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Tais iacutempetos contra

mim vem manifestamente de Juacutepiter para meterem medo Oacute nume de minha

matildee oacute ar que volves a luz comum de todos ves quatildeo injustamente sofro

(traduccedilatildeo de Dom Pedro II)

Desta forma acaba a trageacutedia Depois disso Eacutesquilo silencia A expectaccedilatildeo ainda

estaacute agrave tona Mas uma pergunta ainda fica no ar o que aconteceu com as Oceaninas

Silecircncio silecircncio e mais silecircncio Um silecircncio tatildeo abismal quanto aquele penedo em que

Prometeu fora acorrentado Silecircncio tatildeo inquietante a ponto de fazer alguns dos

tradutores brasileiros do Prometeu tentarem quebraacute-lo

Depois da uacuteltima fala de Hermes por exemplo Napoleatildeo Lopes Filho

acrescenta ldquo(Vatildeo-se Hermes e as Oceacircnides)rdquo algo que natildeo estaacute no original que como

se sabe natildeo traz rubricas Alberto Guzik por sua vez tambeacutem quebra o silecircncio

39

escrevendo ldquoHermes se retirardquo O mesmo faz o Tradutor Anocircnimo de 1980 na fala das

Oceaninas acresce que uma delas (o corifeu) ldquo(aproxima-se de Prometeu)rdquo e depois da

fala de Hermes que ldquo(Hermes afasta-se Ouve-se um trovatildeo subterracircneo)rdquo J B de

Mello e Souza tambeacutem se posiciona ldquo(Sai Mercuacuterio)rdquo Jaacute Maacuterio da Gama Kury

escreve ldquoEntre relacircmpagos trovotildees e terremotos desaparecem PROMETEU e as

Oceacircnides do Corordquo O Baratildeo de Paranapiacaba natildeo escreve nada no corpo do texto

mas numa nota afirma que ldquoRetira-se Mercuacuterio e supotildee-se que o coro o acompanhardquo

Jaime Bruna vai aleacutem escrevendo ldquo(Relacircmpagos trovotildees ventania as Oceacircnides

fogem espavoridas e as penhas desabam sobre Prometeu)rdquo Eacute claro que com essa

interpretaccedilatildeo de Bruna as Oceaninas natildeo teriam cumprido a sua palavra de sofrerem

lealmente ao lado de Prometeu Mas nem por isso poderiacuteamos chamaacute-las de traidoras

Pois afinal de contas quem natildeo se sentiria aterrorizado diante da fuacuteria portentosa de

Zeus Veja-se por exemplo o caso do proacuteprio Prometeu Diante de Hermes ele fala

convicto e ousadamente

Por isso arremesse-se sobre mim a espiral de fogo de dois gumes e o ar seja

revolvido pelo trovatildeo e a tormenta dos ventos furiosos sacuda o furacatildeo a

terra com as proprias raiacutezes desde os alicerces e com aacutespero bramido

confunda as ondas do mar e os cursos dos astros celestes e precipite

inteiramente meu corpo no negro Taacutertaro levado pelos irresistiacuteveis turbilhotildees

da fatalidade em todo o caso natildeo me faraacute morrer (traduccedilatildeo de Dom Pedro

II)

Poreacutem quando Zeus passa ldquodas palavras agrave accedilatildeordquo Prometeu natildeo demonstra

tamanha ousadia e natildeo hesita em chamar pela matildee

E de fato e natildeo mais por palavras balanccedila-se a terra reboa o eco rugidor do

trovatildeo brilham as espirais ardentes do relacircmpago e os turbilhotildees revolvem o

poacute rompem os sopros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

opostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Oacute nume de minha

matildee oacute ar que volves a luz comum de todos vecircs quatildeo injustamente sofro

(traduccedilatildeo de Dom Pedro II grifo nosso)

Haacute de se supor portanto que Prometeu natildeo saiu a correr (como as Oceaninas na

interpretaccedilatildeo de Bruna) simplesmente por estar acorrentado pelas divinas cadeias de

Hefesto Por isso haacute de se perdoar as Oceaninas caso elas de fato tenham fugido

espavoridas

Seja como for Trajano Vieira e tambeacutem Malhadas e Moura Neves natildeo quebram

o silecircncio de Eacutesquilo em suas respectivas traduccedilotildees e o mesmo faz Jaa Torrano em suas

traduccedilotildees de 1985 e 2009 Natildeo obstante em um dos estudos que acompanham a

40

traduccedilatildeo de 2009 Torrano se manifesta a respeito Acerca de sua interpretaccedilatildeo bastante

instigante trataremos na sequecircncia

O Prometeu Acorrentado eacute muitas vezes lido como uma espeacutecie de manifesto

contra a tirania como se Eacutesquilo estivesse acusando energicamente o governante

supremo do Olimpo de injusto Acreditamos que essa leitura deve ser vista com

bastante cautela levando-se em conta que natildeo temos a trilogia completa na qual o

Prometeu Acorrentado estava incluiacutedo Aleacutem disso tomando Zeus simplesmente como

um tirano injusto e furioso tem-se a impressatildeo de que Eacutesquilo estaria indo na

contramatildeo de suas outras obras remanescentes como a trilogia Oresteia Diante disso o

estudo de Jaa Torrano sobre o Prometeu Acorrentado toca numa questatildeo importante

envolvendo o papel do Coro das Oceaninas e abre uma perspectiva interessante acerca

da justiccedila e do poder divinos dentro da trageacutedia em questatildeo Apontando para a ideia de

que Zeus dentro do pensamento miacutetico grego eacute o padratildeo absoluto de justiccedila e de que

esse entendimento estava mais de acordo com a cosmovisatildeo de Eacutesquilo Torrano

argumenta que essa trageacutedia apresenta tambeacutem o ponto de vista de Prometeu que

justamente se rebela contra o padratildeo de justiccedila dominante

A meu ver essa noccedilatildeo de verdade que estaacute no coraccedilatildeo da Oresteia de

Eacutesquilo funda e orienta o tratamento que se daacute agrave noccedilatildeo de Zeus na trageacutedia

de Eacutesquilo Prometeu Cadeeiro Trabalhando com a hipoacutetese da homologia

estrutural entre a noccedilatildeo miacutetica homeacuterica e hesioacutedica de Zeus e a noccedilatildeo

filosoacutefica platocircnica de ldquoideia do bemrdquo (t‟agathoacuten) verificamos que em toda

essa trageacutedia e especialmente na cena de Io a noccedilatildeo de Zeus ndash entendida

como o fundamento dos fundamentos e especialmente o fundamento de todo

e qualquer exerciacutecio de poder ndash eacute vista pelo lado esquerdo e eacute nessa leitura

sinistra da noccedilatildeo de Zeus que se impotildee a perspectiva que se descortina pelo

lado direito dessa mesma noccedilatildeo (TORRANO 2009 p339)

Torrano entende que Estige filha de Oceano estaacute presente dentro da trageacutedia

multiplicada no coro das Oceaninas ldquoAs Oceaninas essa multiplicaccedilatildeo de Estigerdquo

(ibidem p333) Jaa Torrano ainda escreve

Quando Zeus conclamava os imortais ao Olimpo agraves veacutesperas da

Titanomaquia aconselhada por seu pai Oceano Estige foi a primeira a

apresentar-se com seus quatro filhos [Poder Violecircncia Zelo e Vitoacuteria]

Como recompensa dessa alianccedila de primeira hora vencido o Titatilde Zeus

honrou-a fazendo dela proacutepria o ldquoGrande Juramento dos Deusesrdquo e seus

filhos residiram com ele para sempre Na ldquodescriccedilatildeo do Taacutertarordquo na

Teogonia de Hesiacuteodo no mitologema de Estige explica-se esta expressatildeo

ldquoGrande Juramento dos Deusesrdquo (theocircn meacutegas hoacuterkos T784) iacutengreme pedra

donde fria aacutegua de muitos nomes se precipita na Noite negra Cada vez que

Rixa e Briga surgem entre os imortais Zeus faz a mensageira Iacuteris buscar a

longiacutenqua aacutegua de Estige Quem a esparge pronunciando um perjuacuterio jaz

41

sem focirclego um ano inteiro sob maligno torpor depois banido por nove anos

soacute no deacutecimo frequenta de novo as reuniotildees dos Deuses Oliacutempios (T 775-

806) (TORRANO 2009 pp330)

Ao longo da trageacutedia Prometeu afirma possuir um segredo que faraacute Zeus cair de

sua posiccedilatildeo de poder O Titatilde tambeacutem alega que soacute revelaraacute essa informaccedilatildeo a Zeus se

ele o libertar daquele aviltante supliacutecio Torrano entende que Prometeu estaacute ldquoblefandordquo

ao afirmar isso e que justamente por falar uma mentira diante do coro das Oceaninas

(que seriam a Estige no ldquoGrande Juramento dos Deusesrdquo) acaba sendo punido por isso

vindo a sucumbir ao Taacutertaro

Essa interpretaccedilatildeo do sentido geral desse drama como o do grande Juramento

dos Deuses explica por que o coro de Oceaninas embora inocente de toda

acusaccedilatildeo que possa pesar sobre Prometeu no entanto se precipita no abismo

junto com ele precipita-se porque assim eacute Estige Essa precipitaccedilatildeo

demonstra que nesse drama bem como nos outros seis supeacuterstites de

Eacutesquilo Zeus eacute o transcendente fundamento da justiccedila da verdade e da

prudecircncia (TORRANO 2009 p338)

Poderemos averiguar que Torrano em sua leitura do Prometeu Acorrentado

dialoga intensamente com a obra de Hesiacuteodo Na Teogonia Estige eacute descrita como o

deacutecimo braccedilo do rio Oceano e a uacutenica de suas filhas que se precipita na Noite Negra

(vv787-9) Ainda segundo Hesiacuteodo Oceano circunda toda a Terra com seus outros

nove braccedilos (Teogonia vv789-90) Torrano tambeacutem um dos tradutores brasileiros de

Hesiacuteodo entende que Oceano seria a fronteira entre o Ser e o Natildeo Ser Mas Hesiacuteodo

natildeo eacute a uacutenica referecircncia grega que Torrano traz para dentro de sua reflexatildeo sobre o

Prometeu O Grande Juramento dos deuses tambeacutem eacute mencionado na Iliacuteada No poema

de Homero afirma-se que as divindades invocavam o Ceacuteu a Terra e as aacuteguas de Estige

quando faziam o Grande Juramento (Iliacuteada XV 34-8) Levando-se em conta que

Prometeu em sua primeira fala no drama (vv88-127) invoca o Aitheacuter (Eacuteter ldquoFulgorrdquo)

os Ventos as Fontes dos rios as Ondas marinhas a Terra e o Sol que se configurariam

como a totalidade do Ser Torrano vecirc nesses dados fortes indiacutecios de que Eacutesquilo estaria

situando a trageacutedia no Grande Juramento dos deuses Aleacutem disso o local eacute de precipiacutecio

(Prometeu v15) o que poderia sugerir a presenccedila de Estige posto que ela eacute a uacutenica

dentre as filhas de Oceano como visto que se precipita na Noite Negra Trataria-se

portanto de uma situaccedilatildeo limiacutetrofe na qual Prometeu se encontrava dentro da trageacutedia

de Eacutesquilo isto eacute entre o Ser e o Natildeo Ser

42

A proposta de Jaa Torrano eacute bastante singular haja vista a usual interpretaccedilatildeo de

considerar Prometeu como uma espeacutecie de prefiguraccedilatildeo de Cristo ou de Che Guevara

(TORRANO 1985 p23) Apesar disso entendemos que existem algumas passagens na

trageacutedia que natildeo parecem se encaixar facilmente na interpretaccedilatildeo proposta Por

exemplo Hermes foi enviado por Zeus justamente para arrancar a informaccedilatildeo de

Prometeu sob a ameaccedila de muitos males (vv944-52) atitude injustificaacutevel se tudo natildeo

passasse de um ldquobleferdquo

Em outra parte da trageacutedia Prometeu tambeacutem deu provas de sua capacidade

premonitoacuteria (vv823-77) Aleacutem disso se descer ao Taacutertaro fosse o modus operandi das

Oceaninas por que Hermes faria o seguinte alerta a elas

Mas recordai-vos do que predigo e caccediladas pela desgraccedila natildeo acuseis a sorte

nem digais que Juacutepiter vos arremessou a uma infelicidade imprevista natildeo

certamente poreacutem voacutes a voacutes mesmas pois sabendo-o nem suacutebita nem

ocultamente sereis envolvidas por insensatez na imensa rede da desgraccedila

(traduccedilatildeo de Dom Pedro II)

Embora dois dos quatro filhos de Estige estejam presentes no drama Kratos

(ldquoPoderrdquo) e Bia (ldquoViolecircnciardquo) considerar as Oceaninas como uma multiplicaccedilatildeo de

Estige eacute uma concessatildeo que o leitor daacute agrave argumentaccedilatildeo proposta por Jaa Torrano posto

que o nome ldquoEstigerdquo natildeo eacute pronunciado nenhuma vez ao longo da trageacutedia Prometeu

Acorrentado13

Se perjurar ante Estige fosse o uacutenico motivo pelo qual os deuses eram

precipitados no Taacutertaro deduzir que as Oceaninas satildeo Estige na trageacutedia em questatildeo

seria ainda mais coerente Nesse cenaacuterio hipoteacutetico poderiacuteamos recorrer ao seguinte

silogismo

1 Os deuses satildeo precipitados no Taacutertaro somente quando perjuram ante Estige

2 Prometeu foi precipitado no Taacutertaro

3 Logo Prometeu perjurou

No entanto o supracitado raciociacutenio se mostra reducionista frente a outros

dados encontrados dentro da literatura grega e inadequados para endossar a leitura que

Torrano faz Sabe-se por exemplo que Zeus poderia lanccedilar ao Taacutertaro qualquer deus

que se opusesse a seus propoacutesitos Eacute o que podemos notar numa famosa passagem do

Canto VIII da Iliacuteada na qual Zeus quando desejou equilibrar momentaneamente a

guerra em Troia ameaccedilou jogar no Taacutertaro qualquer deus que tentasse interferir nela

13 Por ser filha de Oceano mas natildeo a uacutenica como visto Estige eacute chamada de ldquoOceaninardquo ( Ὠθεαλίλε) na

Teogonia de Hesiacuteodo (v389) Estige eacute a filha mais velha de Oceano (vv775-7)

43

Na trageacutedia de Eacutesquilo Prometeu alega que o motivo pelo qual estava sofrendo

aqueles supliacutecios era sua oposiccedilatildeo aos planos de Zeus (vv231-8) e ateacute mesmo seus

inimigos confirmam isso (vv1-11)

Chegamos agrave terra remota agrave regiatildeo Cita a ermo despovoado Vulcano

cumpre cuidares das ordens que te deu o pai de ligar este malfeitor aos

rochedos alcantilados com algemas infrangiacuteveis de vinculos de accedilo Tua

chama com efeito o brilho do fogo uacutetil a todas as artes deu aos mortais

tendo-o furtado Na verdade cumpre que expie para com os deuses tal

pecado para que aprenda a venerar o poder de Juacutepiter e desista de haacutebitos

filantroacutepicos (traduccedilatildeo de Pedro II grifo nosso)

Por outro lado haacute um ponto crucial que daria forccedila agrave tese do ldquobleferdquo a

afirmaccedilatildeo feita pelo titatilde de que haveria um poder superior ao de Zeus isto eacute o poder

das Moiras (ou ldquoPartesrdquo na traduccedilatildeo de Torrano) ldquoCoro Quem eacute o timoneiro da

necessidade Prometeu Partes triformes e mecircmores Eriacutenies Coro Ora Zeus pode

menos do que elas Prometeu Natildeo escaparia agrave parte que lhe caberdquo (vv515-8 traduccedilatildeo

de Jaa Torrano) Se estiveacutessemos jogando pocircquer com Prometeu (e por certo

perderiacuteamos a natildeo ser que a filantropia do deus falasse mais alto do que a sua grandiosa

sagacidade) apostariacuteamos nossas fichas nesse ponto a questatildeo das Moiras seria o seu

blefe Pois sabemos por Hesiacuteodo que as Moiras satildeo filhas de Zeus e Thecircmis (Teogonia

vv901-6)14

e o poder delas segundo o proacuteprio Hesiacuteodo emana justamente de Zeus

ldquo[] as Partes a quem mais deu honra o saacutebio Zeus Fiandeira Distributriz e Inflexiacutevel

que atribuemAos homens mortais os haveres de bem e de mal (vv904-6 traduccedilatildeo de

Jaa Torrano) Ora se o poder das Moiras adveacutem do proacuteprio Zeus como elas teriam

poder sobre ele15

Prometeu tambeacutem afirmou que estava sofrendo injustamente

(v1093) mas em relaccedilatildeo a que padratildeo ele se refere se era Zeus que pelo menos

aparentemente dava a uacuteltima palavra Pois se dissermos por exemplo que uma linha eacute

ldquotortardquo assim o fazemos por contraposiccedilatildeo agrave ideia de uma linha que eacute reta a qual nos

serve como paracircmetro No iniacutecio da trageacutedia mesmo a contragosto Prometeu confessa

que o filho de Cronos embora aacutespero ldquotem a justiccedila junto de sirdquo (vv186-7) Diante

disso sugerimos o seguinte raciociacutenio

1 Os deuses sucumbiam ao Taacutertaro se natildeo respeitassem os propoacutesitos de Zeus eou

perjurassem diante de Estige

2 Prometeu sucumbiu ao Taacutertaro

14

Em Hesiacuteodo as Moiras tambeacutem satildeo descritas como filhas da Noite (Teogonia vv217-9) 15 No entanto Zeus natildeo poupou seu proacuteprio filho Sarpeacutedon da morte decretada pelas Moiras embora

quisesse (Iliacuteada XVI 436-49)

44

3 Logo ele se opocircs aos propoacutesitos de Zeus eou perjurou diante de Estige

Em suma se as Oceaninas satildeo uma multiplicaccedilatildeo de Estige como sugere

Torrano entatildeo eacute bastante provaacutevel que Eacutesquilo estivesse situando seu drama no

ldquoGrande Juramento dos deusesrdquo Se assim natildeo for Prometeu natildeo perjurou mas

unicamente mentiu acerca da soberania divina (pois todo perjuacuterio eacute uma mentira mas

nem toda mentira eacute um perjuacuterio) As inverdades proferidas pelo titatilde seriam indiacutecios de

sua relutacircncia em aceitar a soberania do novo Rei dos Venturosos como ele mesmo

afirma agraves Oceaninas ldquoVenera invoca lisongea quem ainda agora impera Juacutepiter

importa-me menos que nada Obre impere neste curto tempo como queira pois natildeo

governaraacute os deuses muito tempordquo (Traduccedilatildeo de Dom Pedro II) Aleacutem disso o efeito

traacutegico seria ainda mais potencializado nesse sentido pois as Oceaninas sofreriam natildeo

por serem maacutes mas por um erro de decisatildeo (ARISTOacuteTELES Poeacutetica1452 b) ao se

oporem a Zeus devido agrave grande comiseraccedilatildeo que sentiram pelo titatilde encadeado Por natildeo

terem dado atenccedilatildeo ao ultimato de Hermes foram lanccediladas juntamente com Prometeu

no Taacutertaro

Embora natildeo possamos afirmar com certeza que o Prometeu Acorrentado situa-

se no ldquoGrande Juramento dos deusesrdquo a leitura proposta por Torrano tem a virtude de

nos instigar a olhar com mais atenccedilatildeo para aspectos pouco cogitados do Prometeu

Acorrentado Eacute uma leitura rica em conexotildees com outras referecircncias dentro da literatura

grega e seu repertoacuterio de imagens Diante de sua abordagem a possibilidade de que

Eacutesquilo quisesse demonstrar pelo seu drama que contra Zeus ningueacutem pode triunfar

mesmo que esse opositor seja um simpaacutetico filantropo torna-se ainda mais forte

Pode-se notar por meio dos exemplos apresentados que a transmissatildeo de um

texto literaacuterio via traduccedilatildeo eacute uma atividade complexa e rica em debate reflexotildees e

posicionamentos Atividade em que os esforccedilos individuais de cada tradutor contribuem

para lanccedilar luz sobre questotildees desconsideradas trazendo soluccedilotildees ou suscitando pontos

a serem pensados com mais profundidade Eacute praticamente impossiacutevel que uma uacutenica

traduccedilatildeo abarque todo o potencial de sentido e efeito esteacutetico que uma obra literaacuteria

original possui

Quem herda uma liacutengua possui muito mais do que eacute dos outros do que de si

proacuteprio mesmo que natildeo tenha consciecircncia disso Revisitar a tradiccedilatildeo eacute uma

possibilidade que o tradutor tem de tomar consciecircncia daquilo que recebeu e transmitiu

45

(consciente ou inconscientemente) agrave sua geraccedilatildeo e tambeacutem daquilo que doou de si

proacuteprio numa contribuiccedilatildeo para o avanccedilo em pontos natildeo alcanccedilados pelos seus

precedentes ou ateacute mesmo pelos seus contemporacircneos

Em todo ato de comunicaccedilatildeo entre falantes de uma mesma liacutengua ocorre o

esforccedilo de interpretaccedilatildeo e transmissatildeo do que foi dito ou escrito (STEINER 2005

p73) e isso eacute algo que guardadas as devidas proporccedilotildees eacute bastante semelhante ao

proacuteprio ato de traduzir Tradutores natildeo costumam chamar muito a atenccedilatildeo satildeo como o

fermento agem silenciosamente e por isso mesmo desconfia-se que exerccedilam uma

influecircncia sutil poreacutem efetiva no sistema de uma liacutengua Se os Claacutessicos satildeo ldquolivros

que exercem uma influecircncia particular quando se impotildeem como inesqueciacuteveis e

tambeacutem quando se ocultam nas dobras da memoacuteria mimetizando-se como inconsciente

coletivo ou individualrdquo (CALVINO 2007 pp10-1) muito dessa influecircncia eacute efetivada

via tradutores Entender o trabalho destes eacute algo que pode contribuir para tambeacutem

entender a proacutepria liacutengua Talvez por isso Steiner afirmara que um estudo sobre

traduccedilatildeo eacute tambeacutem um estudo sobre a linguagem (2005 p73)

Dado a importacircncia dos tradutores para o desenvolvimento da liacutengua e da cultura

letrada de um paiacutes natildeo se poderia deixar de tecer algumas consideraccedilotildees acerca da vida

e da obra daqueles que se esforccedilaram para que o Prometeu Acorrentado fosse lido em

liacutengua portuguesa Eacute o que se pretende fazer nas proacuteximas seccedilotildees desse capiacutetulo

12 Dom Pedro II

Pedro de Alcacircntara nasceu agraves 2h30 da madrugada do dia 2 de dezembro de 1825

no Rio de Janeiro Sua matildee a Imperatriz Leopoldina morreu alguns dias depois do

primeiro aniversaacuterio de Pedro em 11 de dezembro de 1826 (CALMON 1975 p15)

Dom Pedro II faleceu em Paris em 5 de dezembro de 1891 aos 66 anos

Seu pai Dom Pedro I abdicou do trono brasileiro e voltou agrave Europa deixando

seu filho aos cuidados de tutores (CARVALHO 2007 p31) Privado de sua matildee e de

seu pai o pequeno Pedro de Alcacircntara tornou-se por assim dizer Imperador com

apenas cinco anos de idade (OLIVIERI 1999 p5) Esse primeiro choque contribuiu

para que Dom Pedro II considerasse o trono como uma espeacutecie de fardo (CARVALHO

2007) Em meio a um ambiente cheio de expectativas e de uma infacircncia sem amigos o

jovem Imperador encontrou refuacutegio nos livros

46

DPedro II era muito aplicado agraves atividades de sua educaccedilatildeo Com a idade de

nove anos dominava o Francecircs e iniciava-se na leitura e traduccedilatildeo do Inglecircs

aleacutem do Alematildeo do Latim e do Grego que eram liacutenguas indispensaacuteveis na

formaccedilatildeo de um representante da elite da eacutepoca No paccedilo de Satildeo Cristovatildeo

residecircncia imperial o herdeiro do trono recebeu liccedilotildees de Latim Loacutegica e

Matemaacutetica Religiatildeo Equitaccedilatildeo Pintura e Literatura A ele ensinavam um

pouco de tudo (SOARES et al 2013 p18)

Segundo o Baratildeo de Paranapiacaba (1907 p260) ldquoDom Pedro II tinha apenas

quinze annos e jaacute possuiacutea conhecimentos raros para sua idade adquiridos em estudo

insanordquo16

Essa rotina de estudo estaacute registrada no diaacuterio que o Imperador manteve durante

toda a sua vida Por exemplo em 4 de dezembro de 1840 quando o monarca contava 15

anos lecirc-se ldquoLevantei-me agraves horas do costume e estudarei o meu endiabrado

grego[]rdquo17

Os resultados desses estudos contudo raramente foram dados ao

conhecimento puacuteblico Ao tratar de suas produccedilotildees escritas Dom Pedro II escreve que

natildeo foram limadas para se mostrar (LYRA 1977 p93) Entre essas produccedilotildees

encontra-se a traduccedilatildeo em prosa da trageacutedia Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo da qual

eacute significativo o testemunho do diplomata francecircs Joseph Arthur de Gobineau (1816-

1882)18

Constrangido a exercer sua profissatildeo no Brasil Gobineau encontrava certo

refrigeacuterio nas palestras literaacuterias que partilhava com Pedro II aos domingos no Palaacutecio

de Satildeo Cristovatildeo Lamentava-se poreacutem que seu amigo fosse imperador pois segundo

ele Dom Pedro II possuiacutea talentos e meacuteritos demais para tal cargo (RAEDERS 1944 p

XIX) Apesar de sua estima pelo Imperador Gobineau estava cansado do Brasil e

depois de meses de insistentes pedidos ao governo francecircs conseguiu enfim a tatildeo

almejada licenccedila para voltar agrave Franccedila o que de fato ocorreu em maio de 1870

16 Ortografia original mantida

17

A transcriccedilatildeo de alguns dos diaacuterios de Dom Pedro II foi gentilmente cedida pelo Museu Imperial

localizado em Petroacutepolis Rio de Janeiro O trecho citado foi tirado dessa transcriccedilatildeo O trabalho de

transcriccedilatildeo dos diaacuterios do Imperador foi organizado por Begonha Bediaga e publicado no livro Diario do

Imperador DPedro II 1840-1890 Petroacutepolis Museu Imperial 1999

18

Gobineau filoacutesofo e escritor exerceu funccedilotildees diplomaacuteticas no Brasil entre 1869-1870 quando se

aproximou do ciacuterculo do Imperador Tornou-se mais conhecido pela publicaccedilatildeo do livro ldquoEnsaio sobre a

desigualdade das raccedilas humanasrdquo (1855) em que defendia teorias de cunho racista Tambeacutem foi autor de

uma vasta obra literaacuteria que inclue romance e poesia de ensaios de natureza histoacuterica e filoloacutegica como

por exemplo Traiteacute des eacutecritures cuneacuteiformes (1864)

47

Antes da partida de Gobineau Pedro de Alcacircntara lhe revelou o propoacutesito de

fazer uma traduccedilatildeo da famosa trageacutedia de Eacutesquilo Deste entatildeo o diplomata francecircs

passou a incentivaacute-lo a fazecirc-la em versos Mas Dom Pedro II ainda estava entregue agraves

preocupaccedilotildees acerca da longa e cruenta Guerra do Paraguai que soacute chegou ao fim

depois da morte do ditador Solano Loacutepez em marccedilo de 1870 (RAEDERS 1938 p17)

Talvez o choque entre uma monarquia constitucional e uma ditadura em efetiva

expansatildeo tenha suscitado no Imperador o interesse pelo Prometeu Acorrentado Em

geral suas traduccedilotildees eram de cunho pessoal muitas vezes suscitadas por discussotildees e

reflexotildees entre ele e pessoas de sua confianccedila (SOARES et al 2013 pp25-6 DAROS

2012 p240)

Com o fim da guerra Pedro de Alcacircntara escreve a Gobineau afirmando que iria

retomar seu projeto de traduzir o Prometeu Acorrentado e um dos livros da Biacuteblia no

caso o do profeta Isaiacuteas Gobineau responde em 7 de janeiro de 1871 (a traduccedilatildeo do

Prometeu ficaria pronta em 14 de abril do mesmo ano) ldquoA intenccedilatildeo que Vossa

Majestade tem de continuar as duas traduccedilotildees de Isaiacuteas e de Prometeu me causa um

prazer extremordquo (apud RAEDERS 1938 p34) Mas antes em 7 de agosto de 1870

(alguns meses depois da queda de Solano Loacutepez) Gobineau jaacute havia escrito ldquoTerei em

breve a honra de vos enviar senhor algumas notas para o Prometeu que eu bem quisera

ver terminado em versos Seria um lindo monumento e a ele dou grande importacircnciardquo

(ibidem pp21-2)

Apesar de todos os rogos de seu amigo francecircs Dom Pedro II decidiu fazer uma

traduccedilatildeo em prosa da trageacutedia que fora originalmente composta em versos Teimosia

imperiacutecia poeacutetica ou simplesmente prudecircncia O que teria feito Dom Pedro II tomar

essa decisatildeo Gostariacuteamos de tecer e apresentar algumas hipoacuteteses a esse respeito

No texto As versotildees Homeacutericas (1994 p 72) Jorge Luis Borges afirma que

O conceito de texto definitivo natildeo corresponde senatildeo agrave religiatildeo ou ao

cansaccedilo A supersticcedilatildeo da inferioridade das traduccedilotildees ndash cunhada pelo

conhecido adaacutegio italiano ndash procede de uma experiecircncia desatenta Natildeo

existe um bom texto que natildeo pareccedila invariaacutevel e definitivo se o percorrermos

um nuacutemero suficiente de vezes

Por outro lado o mesmo Borges confessa que agraves vezes se deixava levar pela tatildeo

inconveniente ldquosupersticcedilatildeordquo da inferioridade das traduccedilotildees em relaccedilatildeo agrave obra traduzida

48

Natildeo sei se a seguinte informaccedilatildeo seria boa para uma divindade imparcial Em

un lugar de la Mancha de cuyo nombre no quiero acordarme no ha mucho

tiempo que vivia um Hidalgo de los de lanza en astillero adarga antigua

rociacuten flaco y galgo corredor sei unicamente que toda a modificaccedilatildeo eacute

sacriacutelega e que natildeo posso conceber um outro iniacutecio para o Quijote Cervantes

creio eu prescindiu dessa leve supersticcedilatildeo e talvez natildeo tivesse identificado

esse paraacutegrafo Em contrapartida eu natildeo poderei senatildeo repudiar qualquer

divergecircncia DQuixote devido ao meu exerciacutecio congecircnito do espanhol eacute

um monumento uniforme sem outras variaccedilotildees que aquelas apresentadas

pelo editor pelo encadernador e pelo tipoacutegrafo Quanto agrave Odisseacuteia graccedilas ao

meu oportuno desconhecimento do grego eacute uma biblioteca internacional de

obras em prosa e em verso [](BORGES1994 p72 grifo do autor)

Poreacutem Pedro de Alcacircntara natildeo era desconhecedor do idioma grego como Jorge

Luis Borges E por isso mesmo paradoxalmente correria um maior risco de ldquocontrairrdquo a

supersticcedilatildeo do Traduttore Traditore alegada por Borges pois ldquotoda a modificaccedilatildeo eacute

sacriacutelegardquo para quem conhece bem a liacutengua original de uma obra Essa hipoacutetese natildeo nos

pareceraacute estapafuacuterdia se considerarmos as traduccedilotildees feitas por Dom Pedro II de poesias

escritas em liacutenguas modernas e suas tentativas agraves vezes obstinadas de manter a

estrutura presente nos originais Conforme observa Daros a respeito das traduccedilotildees de

Dante feitas pelo Imperador

A microanaacutelise das traduccedilotildees assinala a tendecircncia de Dom Pedro em manter

similaridade com as caracteriacutesticas do original do qual traduzia ou seja

mantinha com este uma relaccedilatildeo formal procurando conservar-lhe o

conteuacutedo tal como se apresentava observando a disposiccedilatildeo espacial da

meacutetrica e sempre que possiacutevel a sonoridade da rima (DAROS 2012 p240)

No entanto a traduccedilatildeo jaacute eacute em si uma modificaccedilatildeo uma espeacutecie de ldquoreescritardquo

(LEFEVERE 2007) e as dificuldades de Dom Pedro II aumentavam ainda mais quando

se tratava de uma obra poeacutetica escrita em liacutengua grega

Sendo o ritmo do verso o resultado de certa forma de junccedilatildeo de palavras de

acordo com as leis de versificaccedilatildeo conclui-se que o pensamento poeacutetico

exposto num certo idioma e cujas palavras tecircm seu feitio socircnico proacuteprio natildeo

pode reproduzir senatildeo por acaso o mesmo ritmo de traduccedilatildeo para outro

idioma A dificuldade cresce na medida das diferenciaccedilotildees dos idiomas (DE

CARVALHO 1991 p137)

Eis o dilema enfrentado pelo douto tradutor ele eacute o mais capacitado a traduzir

pois conhece bem a liacutengua original mas justamente devido a essa familiaridade com a

liacutengua da obra a ser traduzida ele hesita titubeia pois a modificaccedilatildeo do original pode

lhe parecer uma profanaccedilatildeo uma ldquomodificaccedilatildeo sacriacutelegardquo Nesse caso segundo

49

Amorim de Carvalho (1991 p138) a traduccedilatildeo em prosa ldquoeacute a mais faacutecil a favor da

fidelidade ao pensamento poeacuteticordquo Amorim de Carvalho tambeacutem afirma que um

tradutor pode escolher entre duas disposiccedilotildees numa traduccedilatildeo em prosa

1ordf Usar a vulgar disposiccedilatildeo graacutefica da prosa isto eacute sem as linhas

independentes dos respectivos versos no original por natildeo haver na traduccedilatildeo

obtida elementos manifestos e intencionais de divisotildees riacutetmicas

2ordf Manter a disposiccedilatildeo graacutefica dos versos em linhas de prosa independentes

(ldquoversos livresrdquo) para facilitar o confronto o que eacute um processo didaacutetico

interessante (ibidem p137)

Para esse autor a traduccedilatildeo em ldquoversos livresrdquo eacute uma espeacutecie de prosa jaacute que

nesse tipo de traduccedilatildeo natildeo haacute uma preocupaccedilatildeo especial com o ritmo e a melodia dos

versos (ibidem pp137-141)19

E de fato geralmente as traduccedilotildees chamadas

ldquoacadecircmicasrdquo optam pela disposiccedilatildeo em linha natildeo por uma preocupaccedilatildeo esteacutetica mas

sim ldquopara facilitar o confronto o que eacute um processo didaacutetico interessanterdquo (ibidem

p138)

Pode estar aiacute a razatildeo de Dom Pedro II ter escolhido a prosa em vez do verso

Apesar de seu apreccedilo pela arte e pela literatura suas aspiraccedilotildees linguiacutesticas prevaleciam

sobre as poeacuteticas Para ele a traduccedilatildeo era um meio privilegiado de leitura hermenecircutica

e heuriacutestica Parece que seu objetivo principal quando traduzia era o entendimento

profundo do proacuteprio texto e da liacutengua que fora escrito mais do que o anseio por criar

uma obra de arte e ser reconhecido por causa dela anseio que possuiacutea mas natildeo

prevalecia (DAROS 2012 p237-40) Por outro lado caso Dom Pedro II realmente

intentasse fazer uma traduccedilatildeo poeacutetica em versos mesmo com a impossibilidade de

reproduzir os efeitos riacutetmicos e sonoros do original uma possibilidade teria sido tentar

aplicar ao pensamento poeacutetico de Eacutesquilo um ritmo e melodia diferentes como fez

muitas vezes Castilho traduzindo Moliegravere (DE CARVALHO 1991 p141)

19 Olavo Bilac afirmou que ldquotemos na liacutengua portuguesa versos de duas ateacute doze siacutelabasrdquo (1905 p76)

Excedendo-se essa margem entraria-se no domiacutenio do ldquoverso livrerdquo Por outro lado vale a pena lembrar

que o proacuteprio Bilac compocircs o poema ldquoCantilenardquo utilizando versos de 14 siacutelabas Embora o poema de

Bilac natildeo estivesse de acordo com o limite de nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas estabelecido pela metrificaccedilatildeo

portuguesa tradicional para um verso seus efeitos sonoros poreacutem revelam a construccedilatildeo do ritmo por

parte do autor Tambeacutem para Manuel Bandeira (1997 p536) ldquoDesde que o poeta prescinde do apoio

riacutetmico fornecido pelo nuacutemero fixo de siacutelabas penetra no domiacutenio do verso livre o qual em sua extrema

liberaccedilatildeo isto eacute quando natildeo se socorre de nenhum apoio riacutetmico poderia confundir-se com a prosa

riacutetmica se natildeo houver nele a unidade formal interior aquilo que de certo modo o isola no contexto

poeacuteticordquo Diante das opiniotildees desses dois autores a afirmaccedilatildeo de Amorin de Carvalho pode parecer um

tanto quanto reducionista embora nos sirva como ponto de partida para a problematizaccedilatildeo dessa questatildeo

que seraacute mais aprofundada ao longo das anaacutelises das traduccedilotildees presentes nesse capiacutetulo e no seguinte

50

A forma extrema de recurso dentro da traduccedilatildeo em verso seraacute a chamada

traduccedilatildeo livre o pensamento poeacutetico eacute aqui tratado e ateacute desenvolvido numa

expressatildeo verbal e riacutetmica liberta das preocupaccedilotildees comuns da fidelidade da

traduccedilatildeo Eacute uma criaccedilatildeo pessoal com um tema emprestado (ibidem p140)

Eacute o que foi empreendido pelo Baratildeo de Paranapiacaba em suas duas versotildees

poeacuteticas do Prometeu Acorrentado (1907) Por outro lado acreditamos que a traduccedilatildeo

livre seria uma empreitada difiacutecil de ser realizada por um tradutor com o perfil de Dom

Pedro II embora as traduccedilotildees em versos empreendidas pelo Imperador e publicadas

originalmente no livro Poesias originais e traduccedilotildees Petroacutepolis 1889 demonstrem a

grande habilidade poeacutetica que o Imperador possuia Portanto sua recusa em traduzir em

versos a antiga trageacutedia grega natildeo estaacute ligada agrave incapacidade de versificar mas a esse

objeto especiacutefico o Prometeu Pois como jaacute mencionado suas preocupaccedilotildees com a

fidelidade ao sentido original prevaleciam em sua praacutetica tradutoacuteria Eacute o que se pode

deduzir por meio de algumas de suas anotaccedilotildees feitas no exemplar da traduccedilatildeo da

Divina Comeacutedia de Dante Alighieri empreendida pelo presidente argentino Bartolomeacute

Mitre ldquoEu teria mais respeito a Danterdquo ldquoEu natildeo quis melhorar Dante em minha

traduccedilatildeordquo ldquoSeria melhor traduzir com a simplicidade do originalrdquo ldquotraduccedilatildeo natildeo eacute

comentaacuteriordquo (apud DAROS 2019 pp234-5 280)

Talvez o olhar culto e atencioso de amigos estrangeiros o ajudasse a transpor os

obstaacuteculos que lhe impediam de se aventurar numa traduccedilatildeo livre Entre esses amigos

como jaacute mencionamos estava Gobineau que natildeo se intimidava pelo fato de Pedro de

Alcacircntara ser imperador (DAROS 2012 p237) No entanto mesmo que Dom Pedro II

mudasse de intuito e procurasse fazer uma versatildeo poeacutetica do Prometeu a partir de sua

traduccedilatildeo em prosa esse intento seria desestimulado com a morte do principal

interessado numa versatildeo poeacutetica em versos Gobineau falecido em 1882 E de fato

Dom Pedro II mesmo depois da morte do diplomata francecircs natildeo esquecera de todo o

pedido feito por seu amigo pois como visto em 1889 solicitou a Joatildeo Cardoso de

Menezes o Baratildeo de Paranapiacaba que fizesse uma versatildeo poeacutetica do Prometeu

Acorrentado a partir de sua traduccedilatildeo em prosa

Nos anos iniciais da Repuacuteblica Brasileira quem demonstrasse publicamente

simpatia pelo Imperador deposto corria o risco de sofrer retaliaccedilotildees por parte do

governo provisoacuterio Foi o que aconteceu com Carlos de Laet que foi exonerado de seu

cargo de professor por ter se oposto agrave mudanccedila de nome do Coleacutegio Pedro II para o

nome ldquoInstituto Nacional de Instruccedilatildeo Secundaacuteriardquo (MAURICEacuteA FILHO 1972

51

pp211-3) O Baratildeo de Paranapiacaba era considerado um monarquista convicto

(ABRANTES 1978 p172-3) talvez por isso ele tenha demorado quase 10 anos para

empreender a versatildeo poeacutetica solicitada pelo Imperador esperando condiccedilotildees mais

favoraacuteveis e evitando possiacuteveis retaliaccedilotildees Se Dom Pedro II natildeo tivesse sido banido do

Brasil em 1889 provavelmente as versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo seriam analisadas e

limadas no grupo de estudos que Pedro de Alcacircntara liderava (PARANAPIACABA

1907 pp192-3) No entanto o que poderia ter acontecido ou o que poderia acontecer

como escreveu Aristoacuteteles (Poeacutetica 1451b) eacute poesia natildeo histoacuteria

13 Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba

Em seu livro Vida e Obra de Olavo Bilac Fernando Jorge (1992 pp130-1)

conta-nos que o jornalista e orador abolicionista Joseacute do Patrociacutenio encomendara uma

traduccedilatildeo de um romance folhetim francecircs a Emiacutelio Roueacutede colaborador do jornal

Cidade do Rio Emiacutelio aceitou o trabalho poreacutem logo foi vencido pela indolecircncia e

esquivando-se da tarefa pediu a Guimaratildees Passos para fazer a traduccedilatildeo acertando um

determinado valor e guardando para si certa quantia Logo Guimaratildees tambeacutem desistiu

da tarefa e acabou passando o trabalho para o poeta Coelho Neto negociando outro

valor e tambeacutem guardando uma parte do dinheiro para si Coelho Neto por sua vez

achou o trabalho tedioso e transferiu a incumbecircncia a Olavo Bilac por um valor bem

menor e tambeacutem guardando uma parte do dinheiro para si Esse regime funcionou

durante algum tempo sem que cada um soubesse senatildeo daquele com quem acertou o

pagamento Fernando Jorge continua narrando o caso

Entretanto certo dia Bilac descobriu o caso

- Verifico que tenho por cima de mim trecircs parasitas ndash exclamou o poeta

E indignado resolveu vingar-se No romance havia certo trecho onde um

personagem em hora avanccedilada da noite invadia o quarto de uma mocinha a

fim de violentaacute-la Bilac natildeo modificou o texto Traduziu tudo de forma fiel

Poreacutem no momento em que o luar mostrava a fisionomia do bandido ele

escreveu

ldquoEra o Baratildeo de Paranapiacabardquo

O baratildeo que se chamava Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza era um velho

respeitaacutevel Foi diretor do Tesouro Nacional deputado pela proviacutencia de

Goiaacutes membro do Conselho de DPedro II diretor em Pernambuco da

Caixa Filial do Banco do Brasil autor de memoacuterias econocircmicas e poliacuteticas

tradutor de Byron Lamartine La Fontaine e Eacutesquilo

Aleacutem de ser uma reliacutequia do Impeacuterio esse homem circunspecto mantinha

amizade com Patrociacutenio O grande orador popular ficou exasperado Exigiu

uma explicaccedilatildeo de Roueacutede Este lanccedilou a culpa em Guimaratildees Passos E

assim cada qual ia transferindo a responsabilidade Ao chegar a vez de Bilac

52

ele teve de confessar a autoria da brincadeira protestando contra a

parasitagem dos que exploravam o seu trabalho (JORGE 1992 pp130-1)

O caso aleacutem de ser cocircmico suscita algumas questotildees interessantes sobre a

praacutetica tradutoacuteria Traduzir pode se tornar uma tarefa morosa que exige certa disciplina

de quem a exerce Quando a autoria do tradutor natildeo eacute valorizada a traduccedilatildeo acaba

sendo vista apenas por uma oacutetica meramente instrumental e pragmaacutetica A remuneraccedilatildeo

paga natildeo possibilitava aos autores se dedicarem somente a esse ofiacutecio Segundo Joseacute

Paulo Paes (1990 p25) ldquoeacute somente no seacuteculo XX sobretudo a partir dos anos 30 que

comeccedila a se criar no Brasil as condiccedilotildees miacutenimas de ordem material e social

possibilitadoras do exerciacutecio da traduccedilatildeo literaacuteria como atividade profissional ainda que

as mais das vezes subsidiaacuteriardquo Monteiro Lobato citado por Paes (ibidem pp26-7)

afirma

ldquoO povo que natildeo possui tradutores torna-se povo fechado pobre indigenterdquo

[Lobato] queixava-se do descaso desse ldquoincomensuraacutevel paquiderme de mil

ceacuterebros e orelhas a que chamamos puacuteblicordquo o qual ldquonunca tem o menor

pensamento para o maacutertir que estupidamente se sacrifica para que ele possa

ler em liacutengua sua uma obra-prima gerada em idioma estrangeirordquo

Antes do tempo de Lobato figuras como o Baratildeo de Paranapiacaba publicavam

suas traduccedilotildees natildeo porque jaacute existia um mercado pelo qual poderiam granjear um

retorno financeiro imediato mas por uma espeacutecie de diletantismo como uma atividade

paralela agraves de subsistecircncia E isso natildeo ocorria apenas aos tradutores O proacuteprio Dom

Pedro II havia patrocinado algumas das obras dos poetas romacircnticos brasileiros da

segunda metade do seacuteculo XIX como por exemplo A Confederaccedilatildeo dos Tamoios de

Joseacute Gonccedilalves de Magalhatildees obra que envolveu o Imperador numa querela literaacuteria

com Joseacute de Alencar (ABRANTES 1978 p85)

Em sua brincadeira Olavo Bilac cita o nome do tradutor que doravante estaraacute no

foco dessa seccedilatildeo Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba nascido

na cidade de Santos em 25 de abril de 1827 e falecido no Rio de Janeiro em 2 de

fevereiro de 1915 aos 87 anos

Joatildeo Cardoso ingressou na Academia de Ciecircncias Sociais e Juriacutedicas de Satildeo

Paulo em 1844 com a idade de 16 anos Embora a criacutetica o considerasse um ldquomediacuteocre

tradutor de Lamartine e La Fontaine e responsaacutevel por uma horrenda modernizaccedilatildeo e

simplificaccedilatildeo de Os Lusiacuteadasrdquo (PAES 1990 p18) algum talento poeacutetico viu nele o

professor e diretor da Academia de Ciecircncias Sociais e Juriacutedicas de Satildeo Paulo Joseacute

53

Maria de Avellar Brotero pois sabendo que o Imperador Dom Pedro II faria uma visita

agrave Academia fez o seguinte convite a Joatildeo Cardoso

- Prepare-se para amanhatilde ao meio dia na ocasiatildeo em que o Imperador

estiver de visita na Academia ir beijar-lhe a matildeo e saudaacute-lo com poesia de

sua lavra Natildeo quero objeccedilotildees ndash acrescentou o bom velho que sempre o

acolhia gracejando Vaacute brilhar porque sei que o pode querendo Ateacute amanhatilde

meu menino (ABRANTES 1978 p63)

Chegando o dia marcado Joatildeo Cardoso viu-se diante do Imperador do Brasil

que se encontrava sentado em um trono improvisado O jovem comeccedilou a recitar o seu

poema com voz trecircmula de emoccedilatildeo mas pouco a pouco foi se firmando Tendo

terminado a leitura de seu poema Joatildeo Cardoso se inclinou e ia se retirar mas

O Imperador chamando-o pediu-lhe o papel em que escrevera os versos

- Eacute um borratildeo informe Senhor ndash disse-lhe Joatildeo Cardoso Permita-me Vossa

Magestade que eu o passe a limpo

- Natildeo ndash replicou-lhe o Imperador estendendo a matildeo e sorrindo - decirc-me

assim mesmo como estaacute

Depois das homenagens que lhe prestaram no dia 3 de marccedilo DPedro voltou

agrave Academia nos dias 6 e 9 para assistir aos exames dos alunos o que era de

seu agrado com ares de professor indulgente (ABRANTES 1978 pp65-6)

Depois desse evento Joatildeo Cardoso conseguiu recitar outro poema para o

Imperador no Teatro do Largo do Coleacutegio depois de vencer a oposiccedilatildeo dos oficiais

encarregados de fiscalizar o espetaacuteculo que Dom Pedro II estava assistindo (ibidem

p67) Demoraria muito tempo para os dois se encontrarem novamente

Em 1848 Joatildeo Cardoso forma-se Bacharel em direito e aprovado em concurso

assume um cargo de professor de Histoacuteria e Geografia em Taubateacute interior de Satildeo

Paulo Em certa ocasiatildeo o deputado Bernardo de Souza Franco disse-lhe que esperava

encontrar-lhe na vida puacuteblica Joatildeo Cardoso respondeu-lhe que julgava bem se contentar

com seu cargo de professor em Taubateacute Souza Franco retruca-lhe ldquoQual Tenha feacute Eacute

muito limitado o horizonte em que vive Ateacute o Rio de Janeirordquo (ibidem p78) Passados

alguns anos em 1852 Joatildeo Cardoso de Menezes pede uma licenccedila de trecircs meses e se

dirige ao Rio de Janeiro entatildeo centro do Brasil e nunca mais reassume seu cargo de

professor

Sustentando-se como advogado em 1853 tenta se aproximar novamente do

Imperador conseguindo por fim entregar-lhe um exemplar de seu primeiro livro de

poesias Harpa Gemedora Dom Pedro II diz ao vecirc-lo novamente ldquoJaacute o havia

conhecido Lembro-me perfeitamente de seus recitativos de um dos quais conservo o

54

borratildeordquo (ibidem p81) desde esse dia como natildeo voltasse ao Paccedilo de Satildeo Cristovatildeo

Joatildeo Cardoso somente via o Imperador nos teatros sem lhe atrair a atenccedilatildeo Mas essa

situaccedilatildeo mudaria devido a um artigo que Joatildeo Cardoso de Menezes publicaria no

Correio Mercantil acerca do pregador catoacutelico Monte Alverne

Frei Francisco do Monte Alverne era professor de Filosofia e Retoacuterica Tendo

ficado cego em 1836 afastou-se da cadeira de Filosofia e do puacutelpito por dezoito anos

vivendo recluso em uma cela solitaacuteria do Convento de Santo Antocircnio Em 1854 Dom

Pedro II pediu-lhe que pregasse na Capela Imperial provavelmente impressionado com

a publicaccedilatildeo das suas obras oratoacuterias no ano anterior (CANDIDO amp CASTELLO 1973

pp234-5) Tambeacutem por ordem de Dom Pedro II o eloquente pregador recebera uma

cadeira estofada que pertencera ao Padre Anchieta (ABRANTES 1978 p83) Joatildeo

Cardoso de Menezes conseguiu um lugar na Capela Imperial para ouvir o tatildeo esperado

sermatildeo Em suas palavras

O que foi esse sermatildeo soacute pode dizecirc-lo quem ouviu Monte Alverne ao

vacilante claratildeo dos ciacuterios sagrados em arroubo sublime gesticulaccedilatildeo

eneacutergica olhar como que imergido no horizonte do Infinito e voz que

parecia um eco de outro mundo proferir aquelas palavras ldquoEacute tarde Eacute muito

tarderdquo Calafrio eleacutetrico correu pelas veias do auditoacuterio que mudo nem

pestanejava (ABRANTES 1978 p82)

Na tarde de 20 de outubro de 1854 Joatildeo Cardoso entregou um artigo que

escrevera sobre o sermatildeo para o Correio Mercantil Esse artigo granjeara bastante

sucesso na eacutepoca e por muitos anos fez parte de um livro de leitura escolar O proacuteprio

Monte Alverne natildeo demorou em visitaacute-lo agradecendo-lhe comovido (ibidem p83)

tambeacutem Dom Pedro II provavelmente lera o artigo

Passados dois anos em 1856 foi publicado a Confederaccedilatildeo dos Tamoios do

poeta Gonccedilalves de Magalhatildees obra patrocinada pelo Imperador Joseacute de Alencar foi

um dos primeiros leitores do poema e fez duras criacuteticas em oito cartas publicadas no

Diaacuterio do Rio sob o pseudocircnimo de ldquoIgrdquo tirado das primeiras letras do nome Iguaccedilu

uma das personagens do poema Arauacutejo Porto Alegre logo procurou rebatecirc-lo por meio

das colunas do Correio da Tarde utilizando o pseudocircnimo ldquoO Amigo do Poetardquo Por

uacuteltimo o proacuteprio Imperador resolveu entrar na polecircmica sob o pseudocircnimo de ldquoOutro

Amigo do Poetardquo publicando uma defesa do poema no Jornal do Comeacutercio defesa essa

soacute mais tarde identificada quando o Dr Manoel Barata descobrira o manuscrito o qual

presenteou ao Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro Mas os esforccedilos de Dom

Pedro II em defesa do poema natildeo se resumiram a esse manuscrito O Imperador tambeacutem

55

enviou o meacutedico do palaacutecio Dr Tomaacutes Gomes dos Santos para encontrar Joatildeo Cardoso

de Menezes O meacutedico estava portando um exemplar de a Confederaccedilatildeo dos Tamoios e

disse ao futuro baratildeo

Sabe o que eacute isto ndash foi perguntando a Joatildeo Cardoso Eacute um exemplar da

ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo que o Imperador lhe manda para que o leia e

se habilite a defender o nosso amigo Magalhatildees dos ataques injustificaacuteveis

que o Alencar e natildeo sei quem mais estatildeo fazendo a este belo poema de

predileccedilatildeo imperial Eu natildeo sabia que o senhor era apreciado a este ponto

pelo homem Ele mesmo disse-me que soacute o senhor podia ser o general

triufante desta guerra Aiacute deixo o livro Sei que natildeo se recusaraacute agrave

incumbecircncia pois eacute prova de alto valor que liga a seu talento e agrave sua

proficiecircncia o chefe de Estado (ABRANTES 1978 p86)

Nesta eacutepoca Joatildeo Cardoso estava ligado por laccedilos de amizade a Joseacute de Alencar

inclusive sendo um dos primeiros leitores de Iracema (ibidem p86) Por isso se

desculpou e mandou avisar o Imperador que natildeo poderia ajudar nessa empreitada

Depois Dom Pedro II louvou o ato de lealdade de Joatildeo Cardoso (ibidem p86) Naquele

mesmo ano o nome de Joatildeo Cardoso foi lembrado para um importante cargo puacuteblico

Depois da nomeaccedilatildeo Cardoso de Menezes se dirigiu ao palaacutecio para agradecer

pessoalmente a Dom Pedro O Imperador fez uma alusatildeo agrave ldquoinfecundidade da musardquo de

seu visitante que segundo supunha o proacuteprio Joatildeo Cardoso iria ficar completamente

esterilizada pela papelada do cargo que assumira (ibidem p87)

Depois de Joatildeo Cardoso de Menezes ocupar sucessivos cargos no governo Dom

Pedro II concede-lhe o tiacutetulo de Baratildeo em 1883

DOM PEDRO por Graccedila de Deus e Unacircnime Aclamaccedilatildeo dos Povos

Imperador Constitucional e Defensor Perpeacutetuo do Brasil faccedilo saber aos que

esta CARTA virem que querendo distinguir e honrar o Sr Joatildeo Cardoso de

Menezes e Souza hei por bem fazer-lhe mercecirc do tiacutetulo de Baratildeo de

Paranapiacaba E quero e mando que o dito dr Joatildeo Cardoso de Menezes e

Souza d‟aqui em diante se chame Baratildeo de Paranapiacaba e que o referido

tiacutetulo goze de todas as honras privileacutegios isenccedilotildees liberdades e franquezas

que hatildeo e tecircm e de que usam e sempre usaram os barotildees e que de direito lhe

pertencerem E por firmeza de tudo o que dito eacute lhe mandei dar esta Carta por

mim assinada a qual seraacute selada com as Armas Imperiais

Dada no Palaacutecio do RIO DE JANEIRO em 8 de maio de mil oitocentos e

oitenta e trecircs sexageacutesimo primeiro da Independecircncia e do Impeacuterio (apud

ABRANTES 1978 pp118-9)

Jaacute que tratamos de alguns pontos importantes da biografia do Baratildeo passaremos

a discorrer sobre as duas versotildees poeacuteticas do Prometeu Acorrentado de sua autoria

Natildeo se pode negar a grande importacircncia do ensaio de Haroldo de Campos ldquoO

Prometeu dos Barotildeesrdquo (1997) para o estudo da recepccedilatildeo dos Claacutessicos em nosso paiacutes

56

Segundo Paula da Cunha Correcirca esse ensaio resgata uma importante linhagem de

traduccedilatildeo de trageacutedia grega no Brasil (CORREcircA 1999 p173) Em seu texto Haroldo

procura reabilitar tanto o Baratildeo de Paranapiacaba quanto o Baratildeo de Ramiz

considerando a traduccedilatildeo deste uacuteltimo ldquomuito mais decidida e cabalmente na vertente

bdquotranscriadora‟ inaugurada entre noacutes por Odorico Mendesrdquo (CAMPOS 1997 p249)

Mas acerca das versotildees de Paranapiacaba Haroldo afirma

Do Prometheus Desmoacutetes deu-nos Cardoso de Menezes dois ldquotrasladosrdquo

Um deles em versos rimados eacute um equiacutevoco um malogro O outro que teraacute

aparentemente servido de base aos baldados e titubeantes esforccedilos de rima do

primeiro citado estaacute vazado em versos brancos (soltos) com predominacircncia

do decassiacutelabo Este oferece por vezes surpreendentes soluccedilotildees que devem

ser garimpadas em meio a outros tantos trechos malsucedidos []

(CAMPOS 1997 p237)

Em seu ensaio Haroldo de Campos faz uma seleccedilatildeo de passagens da versatildeo em

versos brancos que considerava de maior qualidade e afirma que as soluccedilotildees dessa

versatildeo ldquodevem ser garimpadas em meio a outros tantos trechos malsucedidosrdquo Quanto

agrave outra versatildeo Haroldo afirma que ela eacute ldquoum equiacutevoco um malogrordquo20

Em outra perspectiva pretende-se na presente seccedilatildeo evidenciar alguns aspectos

que consideramos relevantes na versatildeo poeacutetica em que o Baratildeo de Paranapiacaba

emprega as rimas na maioria das falas21

Em entrevista dada a TV Unicamp para o Programa Diaacutelogo sem Fronteira

Trajano Vieira disse ao entrevistador Pedro Paulo Funari22

20 Haroldo de Campos publicou um nuacutemero significativo de textos sobre traduccedilatildeo ldquoque se

somam num conjunto denso e coerente acerca do assuntordquo (TAacutePIA 2013 pXI) Para natildeo corrermos o

risco de sermos reducionistas em relaccedilatildeo ao seu pensamento ou por outro lado nos estendermos demais

numa longa digressatildeo ao refletirmos acerca de sua teoria optou-se por apresentar o que estudamos sobre

o assunto ao final da presente dissertaccedilatildeo como anexo O objetivo eacute expor algumas das teses defendidas

por Haroldo sobre traduccedilatildeo poeacutetica encontradas em alguns de seus outros escritos visando dessa forma

entender os possiacuteveis motivos pelos quais o eminente poeta e tradutor natildeo apreciara a versatildeo em que o

Baratildeo de Paranapiacaba emprega as rimas na maioria das falas

21 A Mauriceacutea Filho cotejou a versatildeo em que Paranapiacaba emprega as rimas com os respectivos versos

da versatildeo de Ramiz Galvatildeo e tambeacutem com a versatildeo portuguesa de Baziacutelio Teles (1972 pp248-63) No

iniacutecio da anaacutelise logo apoacutes citar as traduccedilotildees para os versos 1-2 do Prometeu Mauriceacutea Filho escreve

ldquoRaacutepido exame bastaria para nos sugerir qual dos trecircs eacute o melhorOs heptassiacutelabos do Baratildeo de

Paranapiacaba natildeo se exibem agrave altura de seu talento de escol e invulgar erudiccedilatildeo Poeticamente fracos ateacute

mesmo em face da accedilatildeo dramaacutetica com que Eacutesquilo comeccedila a enormidade de sua trageacutedia Jaacute Ramiz

indiscutivamente supera com a majestosa simplicidade dos seus decassiacutelabos onde se entrelaccedilam o

ritmo a meacutetrica a elegacircncia e a pureza vernaacuteculardquo (p254) Em outro ponto o autor tambeacutem assevera

ldquoAo traduzir o verso das As cegas Esperanccedilas o Baratildeo de Paranapiacaba usou este dei agrave cega Esperanccedila

entre eles moradia No confronto pertence a Ramiz a palma as cegas Esperanccedilas inspirei-lhesrdquo (p258

grifo do autor)

57

Se vocecirc me permite fazer uma analogia eu recentemente revi um programa

no youtube de um grande pianista que eu admiro muito jaacute no final de sua

vida o Arthur Rubinstein E perguntavam ao Rubinstein se ele estava a par

dos novos pianistas Ele respondeu ldquoBem eu tenho ouvido aqui e ali e o que

tem me impressionado eacute o seguinte eles possuem uma teacutecnica formidaacutevel

mas eu me pergunto e gostaria de perguntar a alguns deles quando eacute que eles

vatildeo fazer a muacutesica soarrdquo Ou seja natildeo basta conhecimento da liacutengua grega

para se traduzir de uma forma razoaacutevel De fato em nossa tradiccedilatildeo e em

outros paiacuteses o peso da filologia mais convencional foi muito forte e foi

muito difiacutecil romper com essa tradiccedilatildeo Entatildeo houve de fato nas traduccedilotildees

claacutessicas do repertoacuterio grego uma forte preocupaccedilatildeo digamos com o aspecto

normativo da linguagem Mas um tradutor na minha opiniatildeo que se interesse

por poesia deve estar atento a esse segundo aspecto Eu pelo menos procuro

estar e procuro ensinar meus alunos Isso depende de um conviacutevio com a

poesia Natildeo soacute com a poesia de liacutengua grega mas tambeacutem com outros tipos

de poesia Quanto maior for o repertoacuterio melhor para o tradutor

Sabemos que Paranapiacaba era um versificador exercitava-se numa poeacutetica

apreciada no Brasil durante a segunda metade do seacuteculo XIX (CANDIDO amp

CASTELLO 1973) Tambeacutem era um homem de conviacutevio iacutentimo com a literatura Eacute o

que mostram as suas traduccedilotildees de La Fontaine Byron e Larmatine23

Diante disso seria

interessante perguntar-nos se ele conseguiu pelo menos alguma vez fazer ldquoa muacutesica

soarrdquo ou natildeo em sua ldquomalogradardquo versatildeo do Prometeu

Segundo MSaid Ali (2006 pp125-26)

Na Europa da Idade Meacutedia compunham-se poesias vernaacuteculas caracterizadas

ora pela aliteraccedilatildeo (rima de consoantes iniciais) ora pela assonacircncia ora pela

rima final No seacuteculo XIV vigorava por toda a parte somente essa uacuteltima

forma menos na Espanha onde a assonacircncia resistiu ainda durante bastante

tempo O gosto pelos estudos humanistas fez crer a alguns poetas que o ideal

da meacutetrica estaria nos antigos versos latinos Natildeo haacute rimas em Horaacutecio nem

em Virgiacutelio Logo condenavam eles tal escravidatildeo Invertiam esses anseios

de independecircncia a ordem cronoloacutegica Os latinos natildeo usaram isto eacute

intencionalmente nem podiam discutir coisa de invenccedilatildeo posterior

Fascinados pelos modelos claacutessicos os renovadores da poesia moderna

trataram de libertaacute-la das cadeias entregando-a - ilusatildeo natildeo rara na vida

humana - a nova espeacutecie de cativeiro Compuseram versos sem rima

submetidos agrave meacutetrica quantitativa dos antigos Chegaram a criar diz notaacutevel

conhecedor portentos de fealdade

Sabe-se que Dom Pedro II era um profundo conhecedor dos claacutessicos greco-

latinos Ele sabia que na poesia antiga natildeo havia rimas e que o sistema poeacutetico era

bastante diverso agrave poeacutetica das liacutenguas neolatinas Por outro lado natildeo era raro o

Imperador desafiar Paranapiacaba a ldquoglosarrdquo alguns de seus proacuteprios sonetos O desafio

22

Disponiacutevel emlthttpswwwyoutubecomwatchv=PSsOftFgIxMgt viacutedeo publicado em 03042012 23 Ver paacutegina 15 nota 1

58

consistia em Paranapiacaba criar estrofes que finalizavam com os versos de Dom Pedro

II (PARANAPIACABA 1907 pp218-22) Como visto o Imperador tambeacutem solicitou

uma versatildeo poeacutetica do Prometeu a Ramiz Galvatildeo que natildeo era poeta mas renomado

filoacutelogo humanista Este natildeo se atreveu a empreender uma versatildeo completamente em

rimas mas arriscou-se a fazecirc-las nos cantos corais Quem sabe se tal decisatildeo natildeo foi

fruto de uma espeacutecie de desafio lanccedilado pelo Imperador ou de um cotejo feito

posteriormente entre sua proacutepria traduccedilatildeo com as versotildees de Paranapiacaba24

O fato eacute que traduzir um texto claacutessico valendo-se dos recursos poeacuteticos das

liacutenguas neolatinas como a rima natildeo eacute uma empreitada faacutecil arriscada mesmo nos

primoacuterdios do movimento romacircntico do Brasil Paranapiacaba afirmou ldquoEntre noacutes eacute a

primeira tentativa Variei o metro conforme o caracter do personagem que falardquo

(PARANAPIACABA 1907 pXII) Diante disso vale evocar o que dissera Trajano

Vieira na entrevista jaacute citada

De uma forma geral eu acho que agente como tradutor deve assumir riscos

Mesmo que o resultado natildeo possa ser o mais adequado no final mas o gesto

corajoso me parece ser mais interessante do que uma atitude submissa

O gesto de Paranapiacaba foi corajoso quase batendo agraves portas da temeridade

Como visto ele publicou duas traduccedilotildees de sua autoria distintas da mesma trageacutedia

grega no mesmo livro Isso nunca mais se repetiu na histoacuteria das traduccedilotildees do Prometeu

Acorrentado no Brasil Tal decisatildeo de Joatildeo Cardoso de Menezes de certa forma

dessacralizou o original mostrando agraves claras que natildeo existe uma correspondecircncia una e

definitiva entre a liacutengua de origem e a liacutengua de chegada No prefaacutecio escrito para seu

livro Lafayette Rodrigues Pereira escreve (manteremos a ortografia do original de

1907) ldquocertamente natildeo se poderia exigir do preclaro tradutor que vasasse literalmente

no metro portuguez o metro grego Satildeo radicalmente differentes as lingoas e cada um

tem seo systema de metrificaccedilatildeordquo (PARANAPIACABA 1907 pXIII)

Como jaacute mencionado a primeira versatildeo apresentada em seu livro eacute a que

emprega as rimas na maioria das falas logo seguida pela versatildeo na qual predominam os

decassiacutelabos soltos Haroldo de Campos afirma que talvez a versatildeo em decassiacutelabos

soltos tenha ldquoservido de base aos baldados e titubeantes esforccedilos de rima da outra

versatildeordquo (CAMPOS 1997 p237) Poreacutem nas duas versotildees as falas do Coro das

24

No prefaacutecio escrito para sua traduccedilatildeo do Prometeu acorrentado Ramiz Galvatildeo nos informa que havia

lido as versotildees de Paranapiacaba antes de publicar a sua proacutepria traduccedilatildeo

59

Oceaninas satildeo rimadas em heptassiacutelabos Se a versatildeo em que predominam os

decassiacutelabos soltos tivesse servido como base para a outra era de se esperar que natildeo

houvesse mudanccedilas substanciais nas falas das Oceaninas nas duas versotildees visto que

foram compostas com o mesmo nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas e valendo-se da rima Mas

natildeo eacute isso o que ocorre como pode-se notar a seguir

Versatildeo na qual as rimas

predominam e que a meacutetrica varia

de acordo com o personagem que

fala (citam-se falas do Coro a

seguir)

Versatildeo na qual predominam os

decassiacutelabos soltos mas em trechos

que o Baratildeo tambeacutem emprega os

heptassiacutelabos rimados (somente nas

falas do Coro)

Foi saacutebio e saacutebio emeacuterito

Aquele a quem lembrou

Esta discreta maacutexima

E aos homens a ensinou

Eacute casamento proacutespero

O feito entre os iguais

Quem vive soacute dos reditos

De ofiacutecios manuais

Nunca procure cocircnjuge

Na classe da opulecircncia

Nem da orgulhosa em tiacutetulos

De nobre descendecircncia

Saacutebio foi saacutebio eminente

Quem primeiro formulou

Este conceito na mente

E em palavras o explicou

Eacute o melhor dos casamentos

O que se faz entre iguais

Quem vive dos rudimentos

De trabalhos manuais

Natildeo busque alianccedila na classe

Soberba pela riqueza

E fuja igualmente a enlance

Co‟os que pompeiam nobreza

Quadro I As versotildees de Paranapiacaba para os versos 887-93 do original (fala do Coro)

[]

Diverso alvitre inspira-nos

Honesto e convinhaacutevel

O que lembraste eacute peacutessimo

Covarde intoleraacutevel

Pois tu nos daacutes estimulo

A infame proceder

Havemos ser partiacutecipes

[]

Daacute-me conselho aceitaacutevel

E seraacutes obedecido

Eacute de todo intoleraacutevel

O que me tens dirigido

Estranho o teu sentimento

Cobarde nunca serei

Seja qual for seu tormento

60

Do que ele padecer

Fundo a traiccedilatildeo esquaacutelida

A muito aborrecemos

Nem peste deleteacuteria

Como ela conhecemos

Com ele o compartirei

Dos vis traidores a peste

Experiente aborreccedilo

Nem coisa que eu mais deteste

Em minha vida conheccedilo

Quadro II As versotildees de Paranapiacaba para os versos 1063-9 do original (fala do Coro)

Enquanto cogitaacutevamos sobre essa questatildeo Alessandra Fraguas historiadora e

Pesquisadora do Museu Imperial informou-nos sobre a existecircncia de uma carta escrita

por Paranapiacaba agrave Princesa Isabel em 9 de setembro de 1905 na qual afirma que a

versatildeo em que as rimas predominam foi a primeira a ser realizada por Paranapiacaba

(Maccedilo 204 ndash Doc 9329 - Museu ImperialIbramMinisteacuterio da Cidadania) O trecho em

que Paranapiacaba fala sobre suas versotildees poeacuteticas eacute o seguinte25

Em 8brordm de 1889 ao despedir-me de S Magestade o Imperador DPedro 2ordm

na Tijuca deu-me SMagestade por letra sua uma versatildeo em prosa da

tragedia de Eschylo ldquoPrometheu encadeadordquo encarregando-me de a trasladar

para verso portuguez Tractei logo de adquirir as versotildees e os commentarios

que d‟aquella obra prima existem em varias linguas e encetei e levei a cabo

com o maior esmero a traducccedilatildeo d‟ella Ha cerca de 8 annos publicou o

Jornal do Commercio a versatildeo da scena em que figura Prometheu nos

confins da Scythia pordf onde eacute conduzido pela Forccedila e pela Violencia

acompanhadas de Vulcano que o acorrenta ao rochedo Precedia a essa

publicaccedilatildeo uma carta minha ao Conselheiro Lafayette rogando-lhe

prefaciasse o livro[] A pedido do mesmo Lafayette fiz outra versatildeo da

tragedia em verso livre (menos os coacuteros que satildeo sempre rimados)

D‟essas duas versotildees tem apparecido longos trechos na imprensa e

notadamente nos almanaques do Garnier

Diante desse importante dado doravante a versatildeo na qual Paranapiacaba

emprega as rimas na maioria das falas seraacute chamada de ldquoprimeira versatildeordquo ao longo do

presente texto

Antocircnio Candido e J Aderado de Castelo transcrevem na iacutentegra o prefaacutecio do

livro Suspiros Poeacuteticos e Saudades de Domingos Joseacute Gonccedilalves de Magalhatildees

Visconte de Araguaia Esse texto eacute praticamente um manifesto do movimento

romacircntico em sua primeira fase no Brasil Quanto agrave dicccedilatildeo romacircntica Gonccedilalves de

Magalhatildees afirma ldquoQuanto agrave forma isto eacute a construccedilatildeo por assim dizer material das

estrofes e de cada cacircntico em particular nenhuma ordem seguimos exprimindo as

ideias como elas se apresentam para natildeo destruir o acento de inspiraccedilatildeo

25 A ortografia original foi mantida

61

[]rdquo(CANDIDO amp CASTELLO 1973 p264) Mesmo assim a rima e a contagem de

siacutelabas poeacuteticas eram recursos riacutetmicos e meloacutedicos que os poetas romacircnticos natildeo

tinham pejo de usaacute-las quando contribuiacuteam para expressar uma ideia e criar certo efeito

sonoro No caso da primeira versatildeo poeacutetica do Baratildeo as rimas empregadas parecem

atrapalhar a carga dramaacutetica da trageacutedia em algumas passagens No diaacutelogo irado entre

Hermes e Prometeu por exemplo a utilizaccedilatildeo das rimas natildeo foi beneacutefica Embora a

citada passagem natildeo chegue a ser um agon agrave maneira de Euriacutepides nada obstante eacute um

dos diaacutelogos mais raacutepidos da trageacutedia no original e as rimas feitas pelo Baratildeo

infelizmente quebraram-lhe o ritmo Contudo seraacute que o uso da rima e da meacutetrica

contribuiu positivamente em alguma outra passagem

O Baratildeo de Paranapiacaba natildeo variou o nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas apenas para

distinguir um personagem do outro mas tambeacutem varia o metro para um mesmo

personagem dependendo da situaccedilatildeo ou do interlocutor com quem entabula o diaacutelogo

Segundo Mark Griffith existe uma alternacircncia de metros baacutesicos no original grego o

que foi importante para fornecer certa variaccedilatildeo de tom e humor para uma trageacutedia tatildeo

estaacutetica em seu enredo (GRIFFITH 1997 pp21-2) Segundo o mesmo autor os

personagens no texto original costumam conversar em jambos mas nas entradas e

saiacutedas de alguns personagens mudanccedilas de metros ocorrem (anapesto vv284-97 561-

5) e em outros momentos metros liacutericos como no caso de Io (vv575-89) Desta forma

o Baratildeo de Paranapiacaba estaria refletindo uma caracteriacutestica semelhante a do original

Quando Io entra agitada em cena por exemplo se expressa em versos hendecassiacutelabos

(onze siacutelabas poeacuteticas) ldquoQue siacutetio me surge Por quem habitadordquo Numa estrofe a

partir do verso 575 no original grego Paranapiacaba faz com que Io se expresse em

versos eneassiacutelabos (nove siacutelabas)

Solta a avena de ceacuterea juntura

Melodia que ao sono convida

Quando deve durar a tortura

Quando conversa com Prometeu agraves vezes Io se expressa em versos

dodecassiacutelabos

Io

Quem foi que te cravou aqui sobre o rochedo (dodecassiacutelabo)

Prometeu

62

O decreto de Jove e de Vulcano a matildeo (dodecassiacutelabo)

Io

Que atentado atraiu tatildeo grave puniccedilatildeo (dodecassiacutelabo)

Prometeu

Para ser compreendido eu disse o necessaacuterio (dodecassiacutelabo)26

Manuel Bandeira (1997 p542) afirma que o metro de onze siacutelabas tambeacutem

chamado de arte maior pode favorecer um ritmo dinacircmico e ao mesmo tempo marcado

ldquopelo que foi preferido por Gonccedilalves Dias em alguns de seus poemas indianistas de

feiccedilatildeo eacutepicardquo como se pode ver a seguir

Satildeo rudos severos sedentos de gloacuteria

Jaacute preacutelios incitam jaacute cantam vitoacuteria

Jaacute meigos atendem agrave voz do cantor

Satildeo todos Timbiras guerreiros valentes

Seu nome laacute voa na boca das gentes

Condatildeo de prodiacutegios de gloacuteria e terror

I-juca Pirama de Gonccedilalves Dias

Veja-se na passagem destacada o ordenamento regular da posiccedilatildeo das tocircnicas

ao longo dos versos ldquoCondatildeo de prodiacutegios de gloacuteria e terrorrdquo (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )27

26 Os versos citados satildeo alexandrinos 27 Eacute preciso fazer algumas consideraccedilotildees acerca do emprego dos siacutembolos ldquo ᵕ rdquo e ldquo ‒ rdquo nas apreciaccedilotildees

que se seguiratildeo e sobre as diferenccedilas entre a metrificaccedilatildeo grega e a portuguesa no que se refere agrave

construccedilatildeo do ritmo dentro do verso O estudo da metrificaccedilatildeo grega pode ser dividido em prosoacutedia

meacutetrica e estroacutefica A prosoacutedia estuda os aspectos sonoros na pronunciaccedilatildeo das siacutelabas que constituem a

palavra dentro do verso Os siacutembolos usados para assinalar o tempo e o modo de pronunciaccedilatildeo das siacutelabas

satildeo ldquo ᵕ rdquo (breve) = 1 tempo ou mora (chroacutenos) e ldquo ‒ rdquo (longa) = 2 tempos ou morae existindo elevaccedilotildees e

descensos na acentuaccedilatildeo das siacutelabas durante a pronunciaccedilatildeo o que natildeo parece ocorrer na versificaccedilatildeo

portuguesa Apesar da diferenccedila utilizam-se os mesmos nomes dos peacutes riacutetmicos gregos em liacutengua

portuguesa (ex daacutetilo ‒ ᵕ ᵕ anapesto ᵕ ᵕ ‒ ) sendo que o siacutembolo ldquo ‒ rdquo eacute usado para marcar as ldquosiacutelabas

tocircnicasrdquo em liacutengua portuguesa em vez de ldquolongasrdquo e ldquo ᵕ rdquo as ldquosiacutelabas aacutetonasrdquo em vez de ldquobrevesrdquo

Por outro lado Olavo Bilac em seu Tratado de Versificaccedilatildeo afirma que eacute possiacutevel constatar que se

demora mais tempo na pronunciaccedilatildeo das siacutelabas tocircnicas em liacutengua portuguesa do que na pronunciaccedilatildeo

das siacutelabas aacutetonas Bilac escreve (1905 p44) ldquoO accento predominante ou a pausa numa palavra eacute

aquella syllaba em que parecemos insistir assinalando-a [] A demora na syllaba isto eacute no accento eacute o

que determina a pausa [] O som mais ou menos aberto da vogal natildeo influe sobre o accento a demora eacute

na pronunciaccedilatildeo o que o caracteriza Exemplo - em tampa o accento estaacute na primeira onde mais nos

demoramos e o onde o som eacute talvez mais frouxordquo Nesse aspecto pode-se ver certa correspondecircncia

entre a liacutengua grega e a portuguesa no emprego dos siacutembolos ldquo ‒rdquo (dois tempos morae) e ldquoᵕrdquo (um

tempo mora) Outro ponto interessante eacute que em liacutengua grega todas as siacutelabas satildeo contadas na escansatildeo

do verso Em contrapartida em liacutengua portuguesa as siacutelabas satildeo contadas ateacute a uacuteltima siacutelaba tocircnica do

verso Tal sistema de escansatildeo tambeacutem usado no idioma francecircs foi introduzido em nossa liacutengua por

Antocircnio Feliciano de Castilho no seu Tratado de metrificaccedilatildeo portuguesa Antes dele contavam-se todas

as siacutelabas do verso que terminava com palavra paroxiacutetona natildeo se contava a uacuteltima siacutelaba do verso

terminado com palavra proparoxiacutetona e considerava-se incompleto o verso que terminava com palavra

oxiacutetona pelo que contava como duas a uacuteltima siacutelaba M Said Ali tentou restaurar tal sistema mas ao que

63

Paranapiacaba opta por esse mesmo metro na passagem na qual Io narra o

asseacutedio que sofreu de Zeus seguido por sua expulsatildeo da casa paterna e o iniacutecio de sua

marcha maldita Talvez o Baratildeo entendera que as possibilidades riacutetmicas do

hendecassiacutelabo poderiam evocar a agitaccedilatildeo de Io (tambeacutem eacute o mesmo metro utilizado

quando Io entra em cena) Nesse sentido haveria nessa passagem uma relaccedilatildeo

harmocircnica entre forma e sentido algo que eacute perseguido numa traduccedilatildeo criativa

O rei seus correios mandou em mensagens

A Pytho e Dodona Queria informar-se

Por quais pensamentos accedilotildees ou linguagem

Podia agradaacutevel aos Deuses tornar-se

Voltaram os nuacutencios trazendo somente

Respostas ambiacuteguas de duplo sentido

Ateacute que da parte do Nume vidente

Oraacuteculo claro lhe foi transmitido

Em termos expressos eu fui condenada

A ser expelida da paacutetria e do lar

E entregue a mim mesma correndo agitada

Por terras longiacutenquas sem peias vagar

[]

E logo de formas e mente mudando

Munida de pontas fiquei desde entatildeo

Sentindo contiacutenuo pungir-me o nefando

Acuacuteleo acerado de um bravo tavatildeo

Em saltos violentos agraves doidas furente

De Lerna agrave colina fugida fui ter

No siacutetio onde mana perene a nascente

Cencreia de linfa suave a beber

Mas Argos o filho da Terra o vaqueiro

De inuacutemeros olhos e d‟alma feroz

Expiando-me os passos com golpe certeiro

Dos fixos olhares seguia-me apoacutes

Sucesso imprevisto de suacutebito veio

Privaacute-lo da vida Mas eu (desgraccedilada)

De plagas em plagas sem pausa vagueio

parece sem muito sucesso (BANDEIRA 1997 p6) Quando for necessaacuterio escandir um verso em nosso

estudo empregaremos o sistema introduzido por Castilho

64

De laacutetego infesto de Juno accediloitada

Veja-se a seguir o esquema escolhido por Paranapiacaba na ordenaccedilatildeo das

siacutelabas tocircnicas e aacutetonas ao longo dos versos

Voltaram os nuacutencios trazendo somente (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)

Respostas ambiacuteguas de duplo sentido (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)

Ateacute que da parte do Nume vidente (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)

Oraacuteculo claro lhe foi transmitido (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)

Diante do que foi analisado parece-nos que pelo menos na passagem em que Io

narra sua histoacuteria o Baratildeo de Paranapiacaba conseguiu fazer ldquoa muacutesica soarrdquo

14 Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz

Esse doutor da lexicologia

que amava os gregos nos originais

e com Platatildeo decerto se entendia

e conversava coisas imortais

Esse de cuja a vida bem-fadada

eacute justo se dizer sinceramente

que foi tatildeo longa quanto devotada

agrave sua Paacutetria como agrave sua gente

Esse ilustre Varatildeo de nossa raccedila

ilustre pelo espiacuterito perfeito

e a feacute cristatilde e a tecircmpera sem jaccedila

e a paixatildeo da Justiccedila e do Direito

bem que merece que de sul a norte

o coraccedilatildeo de todo brasileiro

exclame num soluccedilo verdadeiro

a dor de sua morte28

Benjamin Franklin Ramiz Galvatildeo nascido em 16 de junho de 1846 em Rio

Pardo (hoje Ramiz Galvatildeo) no Rio Grande do Sul falecido em 9 de marccedilo de 1938

ano em que completaria 92 anos de idade Seu pai Joatildeo Galvatildeo morre em 1852 tendo

28

J Pereira da Silva em homenagem a Ramiz Galvatildeo in Revista da Academia de Letrasvol55 ano 30

pp75-76 apud Mauriceacutea Filho 1972

65

Ramiz apenas 6 anos de idade Sua matildee Joana Ramiz Galvatildeo muda-se para o Rio de

Janeiro com seu filho Nessa eacutepoca Ramiz comeccedila a frenquentar a escola puacuteblica

Custoacutedio Mafra Completa seus estudos primaacuterios numa escola mantida pela Sociedade

Amantes da Instruccedilatildeo onde recebeu as primeiras liccedilotildees de Latim do professor

Inocecircncio de Drummond Nessa escola Ramiz Galvatildeo recebeu o 1ordm precircmio por

aplicaccedilatildeo aos estudos em 1855 ano em que tambeacutem foi admitido como aluno gratuito

do Coleacutegio Pedro II (MAURICEacuteA FILHO 1972 pp4-6) Em 1861 Ramiz recebe o

diploma de Bacharel em Letras pelo Coleacutegio Pedro II e prepara-se para o ingresso na

Faculdade de Medicina que era a carreira escolhida pelo jovem Em 3 de dezembro de

1868 forma-se meacutedico e eacute escolhido para ser o orador da turma Estava presente

naquela cerimocircnia entre diversas outras autoridades o Imperador Dom Pedro II

Com apenas 19 anos de idade Ramiz Galvatildeo escreve o livro ldquoO Puacutelpito no

Brasilrdquo no qual divide a oratoacuteria sacra brasileira em distintos periacuteodos a partir do seacuteculo

XVI ateacute chegar ao seu contemporacircneo Francisco Joseacute de Carvalho mais conhecido

como Monte Alverne jaacute mencionado na presente dissertaccedilatildeo Em 1869 Ramiz Galvatildeo

exerceu funccedilotildees de meacutedico no Exeacutercito Nos hospitais militares de Armaccedilatildeo e de

Andaraiacute atendeu feridos advindos da Guerra do Paraguai (MAURICEacuteA FILHO 1972

p34) nessa eacutepoca foi convidado para substituir seus mestres Schiefer e Cocircnego

Pinheiro respectivamente nas disciplinas de Grego e Retoacuterica do Coleacutegio Pedro II

(ibidem p37) aleacutem de ser indicado pelo proacuteprio Imperador para ser o Diretor da

Biblioteca Nacional O Decreto Imperial nomeando-o tem a data de 14 de dezembro de

1870 (MAURICEacuteA FILHO 1972 p102) Aleacutem disso Ramiz foi professor na

Faculdade de Medicina em 1881 No ano de 1882 Ramiz deixa a cadeira que lecionava

na Faculdade de Medicina bem como a direccedilatildeo da Biblioteca Nacional para se tornar

preceptor dos netos do Imperador levando sete anos a ensinaacute-los ateacute o banimento da

famiacutelia imperial (ibidem p46) Existe um rascunho a laacutepis de uma carta que Ramiz

Galvatildeo escreveu a Dom Luiz neto de Dom Pedro II que estava vivendo no exiacutelio Esse

rascunho estaacute depositado no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro O seguinte

trecho da carta foi transcrito por Mauriceacutea Filho (1972 pp47-8)

Tenho firme esperanccedila que aiacute se hatildeo de acentuar os bons predicados que o

senhor sempre revelou enquanto tive ocasiatildeo de ser seu mestre o amor ao

trabalho o rigoroso cumprimento do dever o culto da Verdade e da Justiccedila

Estude muito e aprimore o coraccedilatildeo Os frutos deste trabalho e deste

aperfeiccediloamento colhe-los-aacute mais tarde com toda a seguranccedila natildeo digo jaacute

como Priacutencipe brasileiro porque a vontade soberana do povo entendeu

66

chegado o momento de mudar a forma do nosso Governo mas como

particular e como homem [] Se ainda se lembra do entusiasmo e do amor

com que lhe ensinei e se me julga digno de sua estima apesar de me haver

feito sincero e leal servidor da Repuacuteblica escreva-me dando notiacutecia do que

faz do que vence e do que espera vencer Quando estudar sociologia saberaacute

que a forma republicana eacute a mais perfeita e a que pode realizar o ideal dos

povos [] O que fez portanto o Brasil agrave imitaccedilatildeo dos seus irmatildeos

americanos o que fazemos todos noacutes aceitando de coraccedilatildeo as consequecircncias

do golpe de 15 de novembro emprestando o nosso concurso agrave consolidaccedilatildeo

da Repuacuteblica eacute um ato de patriotismo Se alguma coisa haacute que admirar em

tudo isso eacute a heroicidade com que sacrificamos os afetos por amor do Bem

geral Certo pois de que o seu Preceptor cumpriu e cumpre o seu dever

confio que o estimaraacute e lhe daraacute sempre o gozo inefaacutevel de suas cartas Mil

saudades ao bom e simpaacutetico Dom Pedro e ao meigo Totocircnio Beije-os a

ambos por mim abrace-os muitas e muitas vezes e natildeo esqueccedila seu velho

amigo (Assinado Doutor ndash 1890)

No livro Estante Claacutessica da Revista de Liacutengua Portuguesa volume X 1922

dirigido por Laudelino Freire encontra-se o seguinte testemunho de Ramiz Galvatildeo

acerca de sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo29

Em 1888 dPedro II nosso ilustre e saudoso imperador confiando-me a

traducccedilatildeo literal em prosa que fizera do Prometeu de Eschylo pediu-me que

tentasse pocirc-la em verso Sem pretensatildeo alguma a poeta e pouco afeito a

exercicios deste genero quis corresponder entretanto ao honroso convite e

pus matildeos agrave obra fazendo particular empenho em cingir-me ao texto grego

com a maior exacccedilatildeo

Natildeo foi pequeno o Labor

Em dias do anno seguinte conclui a rude tarefa e tive a fortuna de ler parte

desta traducccedilatildeo ao venerando monarca que me fez algumas observaccedilotildees

judiciosas pugnando sempre pela versatildeo literal

Esta absoluta fidelidade sabem todos o quanto eacute difficil em obras de tal

natureza Fiz poreacutem o possiacutevel para dar conta agrave missatildeo calcando quase

verso sobre verso e natildeo raro sacrificando sem duvida a belleza do estilo

Baste dizer que esta traducccedilatildeo estaacute feita em 1084 versos quando o original

grego conta com 1093

Natildeo deixei por justificavel escrupulo de cotejar meu trabalho com varias

outras versotildees do grande tragico e particularmente me prestaram auxilio em

algumas passagens a traducccedilatildeo latina de Ahrens e a francesa de Leconnte de

Lisle que satildeo ambas fideliacutessimas Ainda por ultimo fiz este mesmo cotejo

com as bellas e esmeradas versotildees em verso portuguecircs da lavra do meu

eminente e caro patricio o Sr baratildeo de Paranapiacaba cujo recente livro eacute

um attestado de talento e erudiccedilatildeo De todas ellas algum fruto colhi por

vezes mas a todas antepus invariavelmente o religioso respeito ao original

grego que estudei e procurei interpretar com amor Natildeo tem este trabalho jaacute

se vecirc outro merito publico-o vinte annos depois como homenagem aacute

memoacuteria do illustre cultor de letras que me honrou com sua estima desde os

primeiros dias da minha mocidade e de quem guardo a mais respeitosa e

grata recordaccedilatildeo como amigo e brasileiro

BFRamiz Galvatildeo

Asylo Golccedilalves d‟Araujo 3 de junho de 1909

29

Mantemos a ortografia orginal da obra consultada a qual fotografamos na Faculdade de Direito da USP

67

Dessa versatildeo de Ramiz Galvatildeo destacamos os seguintes decassiacutelabos Trata-se

da traduccedilatildeo dos versos 454-8 pertencentes a uma das falas de Prometeu

Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

frutuoso mas inscientes procediam

em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros

o nascer e os ocasos pouco certos

Numa produccedilatildeo poeacutetica o ritmo pode ser construiacutedo por meio da reiteraccedilatildeo de

vaacuterios elementos como por exemplo o nuacutemero fixo de siacutelabas poeacuteticas a posiccedilatildeo

regular das silaacutebas tocircnicas aliteraccedilotildees e assonacircncias Tais recursos funcionam como que

combinaccedilotildees de diferentes ldquoacordesrdquo ao longo dos versos dando musicalidade ao texto

Ramiz afirmou que natildeo tinha ldquopretensatildeo alguma a poetardquo e que era ldquopouco afeito a

exerciacutecios deste gecircnerordquo Mas veja-se o emprego das assonacircncias e aliteraccedilotildees por

Ramiz Galvatildeo em seus versos

1) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

frutuoso mas inscientes procediam

em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros

o nascer e os ocasos pouco certos

2) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

frutuoso mas inscientes procediam

em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros

o nascer e os ocasos pouco certos

3) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

4) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

frutuoso mas inscientes procediam

5) em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros

o nascer e os ocasos pouco certos

Como visto Ramiz Galvatildeo afirmou que seu maior criteacuterio era o ldquoreligioso

respeito ao original gregordquo Mesmo assim Ramiz procurou dar certa regularidade agrave sua

traduccedilatildeo valendo-se de um metro muito apreciado em liacutengua portuguesa o

68

decassiacutelabo30

Para o coro embora o metro natildeo seja tatildeo regular quanto nas falas de

Prometeu Ramiz utilizou as rimas

Saacutebio era prudente (a)

quem disse quem primeiro concebeu na mente(a)

que soacute a alianccedila igual traz bem que dure (b)

nos paccedilos enervados da riqueza (c)

nos altivos solares da nobreza (c)

o humilde artista esposa natildeo procure (b)

Mais um exemplo

Sempre audaz desabrido(a)

Natildeo te curvas vencido (a)

ao acerbo infortuacutenio (b)

Fere-me o coraccedilatildeo pungente(c)

Temendo por teu fado (d)

Quando veraacutes findado (d)

Teu sofrer inclemente (c)

Pois eacute de aacutespero caraacuteter intrataacutevel (e)

esse filho de Cronos indomaacutevel (e)

Ramiz ainda teve a sensibilidade de natildeo utilizar esse recurso poeacutetico no ponto

alto do drama quando Hermes exorta o coro a fugir Se o eminente filoacutelogo brasileiro

tivesse utilizado as rimas nesse momento provavelmente a carga dramaacutetica da

passagem seria atenuada

[] profere aconselha o que eu possa(a)

convencida fazer a teu discurso (b)

escutar meus ouvidos se recusam (c)

Como podes agrave infacircmia incitar-me (d)

Co‟ ele quero sofrer o destino (e)

os traidores a odiar aprendi (f)

nem haacute delito (g)

dentre todos que eu mais abomine (h)

Diante dos exemplos analisados na presente seccedilatildeo pode-se dizer que Ramiz

Galvatildeo professor de Grego e Retoacuterica do Coleacutegio Pedro II correspondeu com maestria

ao honroso convite feito pelo Imperador

15 JB de Mello e Souza

Joatildeo Batista de Mello e Souza (1888-1969) formado Bacharel em Ciecircncias e

Letras pelo Coleacutegio Pedro II em 1905 era irmatildeo mais velho do engenheiro civil Juacutelio

30

A Mauriceacutea Filho afirma ldquoRamiz emprega este decassiacutelabo agrave moda Bilaqueana preciosa prenda aos

homens outorgaste Basta ter ouvido afeito agrave muacutesica da Poesiardquo (1972 p258)

69

Ceacutesar Mello e Souza (1895-1974) mais conhecido pelo pseudocircnimo de Malba Tahan o

autor do livro O Homem que calculava J B de Mello e Souza tornou-se professor de

Histoacuteria Universal do Coleacutegio Pedro II em 1926 (SANTOS 2009 p135) Tambeacutem se

dedicou agrave literatura e ao jornalismo Dentre suas obras destacam-se Histoacuterias do Rio

Paraiacuteba Majupira (1938) Meninos de Queluz (1949) e Histoacuterias famosas do velho

mundo e estudantes do meu tempo (1958) Sabia falar e escrever em Esperanto liacutengua

criada por Lejzeu Ludwik Zamenhof Lejzeu ldquodefendia que o Esperanto deveria ser a

segunda liacutengua de cada povordquo facilitando o diaacutelogo mundial e a resoluccedilatildeo de conflitos

(ibidem p136) JB de Mello e Souza representou o Brasil em importante congresso

mundial de Esperanto Fernando Segismundo ex-aluno de Mello e Souza faz a seguinte

descriccedilatildeo de seu antigo professor

Fui aluno de Joatildeo Batista no Externato do Coleacutegio Pedro II para onde se

transferira Alto forte e alegre comunicava-se paternalmente com os

educandos Suas preleccedilotildees patenteavam elevado fundo moral Missionaacuterio

presenccedila valor Natildeo se lhe percebia ambiguidade ou segredo era franco

extrovertido espontacircneo Haacutebil em motivar a turma tinha sempre um fato

divertido a transmitir uma narrativa envolvendo heroacuteis ou mulheres

exemplares como Corneacutelia matildee dos Gracos A mitologia Greco-romana a

crenccedila no Brasil os libertadores da Ameacuterica-Boliacutevar e Joseacute Bonifaacutecio agrave

frente citaccedilotildees de Ciacutecero Virgiacutelio Horaacutecio Oviacutedio Catatildeo Rui e Padre

Vieira tudo lhe valia para atrair-nos ao estudo da Histoacuteria fortalecendo-nos

o senso patrioacutetico e a conduta moral Irradiar conhecimentos brunir

caracteres constituiu missatildeo de que jamais abdicou Construtor de almas -

assim poderiacuteamos sintetizar-lhe a personalidade (apud SANTOS 2009

p137)

Outro aluno Geraldo Pinto Vieira daacute o seguinte testemunho acerca de Mello e

Souza ldquoO Joatildeo Batista de Mello e Souza foi um grande humanista Era um homem que

conhecia de tudo Latim Grego Esperanto Muacutesica etcrdquo (ibidem p138) Essas

informaccedilotildees satildeo muito importantes visto que no livro no qual estaacute sua traduccedilatildeo do

Prometeu Acorrentado de 1950 natildeo encontramos indicaccedilotildees claras se a sua versatildeo fora

feita a partir do original grego ou natildeo

Mello bem como Dom Pedro II e o Baratildeo de Paranapiacaba usa os nomes

romanos para as divindades gregas Ele natildeo explica o porquecirc de tal escolha

Paranapiacaba por exemplo em sua primeira nota afirma que ldquoOs Deuses tecircm a

nomenclatura romana que eacute a mais conhecidardquo (PARANAPIACABA 1907 p139)

Odorico Mendes toma a mesma decisatildeo em suas traduccedilotildees da Iliacuteada e Odisseia Em

contrapartida Ramiz Galvatildeo (professor de Grego no Coleacutegio Pedro II na eacutepoca do

70

Imperador) natildeo segue essa tendecircncia presente entre os primeiros tradutores brasileiros

dos Claacutessicos

Pascale Casanova em seu livro A Repuacuteblica Mundial das Letras discorre como

a tradiccedilatildeo humanista advinda da Renascenccedila influenciara fortissimamente os escritores

e tradutores do seacuteculo XIX

O latim acumula com o grego reintroduzido pelos eruditos humanistas a

quase totalidade do capital literaacuterio e mais amplamente cultural entatildeo

existente mas tambeacutem a liacutengua da qual Roma e a instituiccedilatildeo religiosa inteira

detecircm o monopoacutelio o papa estando investido da autoridade dupla [] a do

sacerdotium - as coisas da feacute - mas tambeacutem a do studium ndash isto eacute tudo o que

se refere ao saber ao estudo e agraves coisas intelectuais[] Por isso eacute possiacutevel

compreender o empreeendimento humanista pelo menos parte dele como

uma tentativa dos ldquoleigosrdquo em luta contra os cleacutericos latinizantes de criar

uma autonomia intelectual e reapropriar-se contra o uso escolaacutestico do latim

da heranccedila latina laicizada Explicitando claramente a natureza de sua luta os

humanistas opotildeem dessa forma ao latim ldquobaacuterbarordquo dos cleacutericos escolaacutesticos o

refinamento de sua praacutetica recuperada do latim ldquociceronianordquo [] O

humanismo europeu eacute tambeacutem uma das primeiras formas de emancipaccedilatildeo

dos letrados da ascendecircncia e da dominaccedilatildeo da Igreja (CASANOVA 2002

p69 grifo da autora)

Embora JB de Mello e Souza natildeo explicite claramente quais os princiacutepios que

regeram seu trabalho de traduccedilatildeo por outro lado revela algo sobre a sua leitura do

Prometeu Acorrentado em prefaacutecio

Como nas demais peccedilas do grande traacutegico eleusiano as personagens do

ldquoPrometeu Acorrentadordquo satildeo viacutetimas impotentes da fatalidade inexoraacutevel O

anuacutencio poreacutem de um futuro melhor uma brisa de esperanccedila perpassa

afinal para conforto dos que sofrem os males do destino Prometeu seria

libertado ao cabo de longo tempo de supliacutecio O ldquoPrometeu Acorrentadordquo eacute o

primeiro episoacutedio de uma magestosa trilogia da qual se perderam as outras

partes Perda lamentaacutevel sem duacutevida pois natildeo nos permite conhecer toda a

significaccedilatildeo moral dessa trageacutedia em que se vecirc o deus supremo perseguir

atrozmente a um nume tutelar dos miacuteseros mortais a um benfeitor da

humanidade (1950 p5)

Tratemos agora de algumas das caracteriacutesticas de sua traduccedilatildeo em prosa

No original Prometeu aconselha Io a natildeo atravessar um determinado rio (versos

717-21) Dom Pedro II translitera o nome desse rio em sua traduccedilatildeo ldquoChegaraacutes ao rio

Hybristes (violento) natildeo falsamente chamado o qual natildeo atravesses pois natildeo eacute facil de

atravessarrdquo O nome desse rio adveacutem da palavra grega hyacutebris que entre outras coisas

pode significar ldquodesmedidardquo sobretudo do ponto de vista moral (inclusive Jaa Torrano

tende a traduzir essa palavra por ldquosoberbiardquo) Torrano traduz da seguinte forma o trecho

71

supracitado ldquoIraacutes ao rio Soberbo de natildeo falso nome que natildeo transporaacutes difiacutecil de

transporrdquo Eacute interessante notar o fato de que em 1950 JB de Mello e Souza jaacute havia

chegado a uma soluccedilatildeo semelhante agrave de Torrano traduzindo Hybristeacutes por

ldquoOrgulhosordquo ldquoAtingiraacutes as margens do rio Orgulhoso que natildeo desmente o seu nomerdquo

Veja-se tambeacutem a traduccedilatildeo de JB de Mellho e Souza para os versos 780-1

ldquoEscolhe pois ou sabes o que te resta a sofrer ainda ou o nome de meu libertadorrdquo

(grifo nosso) Trata-se das possibilidades de revelaccedilotildees do futuro que Prometeu deu agrave

Io

O fato curioso eacute que Prometeu natildeo revela o nome de ldquoHeacuteraclesrdquo na trageacutedia mas

apenas daacute as caracteriacutesticas desse descendente de Io Teria sido um equiacutevoco de Eacutesquilo

prometer o nome do libertador e depois natildeo o revelar De modo nenhum Pois no

original grego natildeo existe a palavra ldquonomerdquo na passagem em questatildeo Literalmente o

texto esquiliano reza ldquodigo claro teus vindouros males ou quem haacute de me libertarrdquo

Portanto a traduccedilatildeo de JB de Mello e Souza cria um equiacutevoco que natildeo haacute no texto

original de Eacutesquilo

Em sentido lato a traduccedilatildeo em prosa de Mello e Souza tende agrave paraacutefrase e agrave

grandiloquecircncia Em contrapartida a uacuteltima fala de Prometeu (vv1080-93) foi

traduzida de forma muito sucinta

Com efeito natildeo foi uma ameaccedila apenas a terra potildee-se a tremerO Soturno

ronco jaacute se faz ouvirturbilhotildees de poeira se erguemtodos os furacotildees

desencadeados parece que estatildeo contra mim Contra mim eacute que Juacutepiter

desfecha tatildeo horrendo cataclismo Oacute minha augusta matildee oacute tu divino eacuteter que

cercais o universo de luz eternavede que injustos tormentos me fazem

sofrer

Compare-se o trecho citado com a traduccedilatildeo feita por Dom Pedro II para a

mesma passagem

E de fato e natildeo mais por palavras balanccedila-se a terra reboa o eco rugidor do

trovatildeo brilham as espirais ardentes do relacircmpago e os turbilhotildees revolvem o

poacute rompem os sopros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

opostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Tais iacutempetos contra

mim vem manifestamente de Juacutepiter para meterem medo Oacute nume de minha

matildee oacute ar que volves a luz comum de todos vecircs quatildeo injustamente sofro

Apesar dos pontos problemaacuteticos mencionados pode-se dizer que a traduccedilatildeo de

JB de Mello e Souza de 1950 deve ser considerada um marco na histoacuteria da traduccedilatildeo

do Prometeu Acorrentado no Brasil pois ela retoma a tradiccedilatildeo iniciada por Dom Pedro

II Paranapiacaba e Ramiz Galvatildeo Se natildeo contarmos a reediccedilatildeo da traduccedilatildeo de Ramiz

Galvatildeo em 1922 mas apenas a publicaccedilatildeo original de 1909 o Prometeu ficou sem ter

72

uma nova traduccedilatildeo por no miacutenimo 40 anos Com sua traduccedilatildeo JB de Mello e Souza

quebrou esse grande silecircncio Sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado eacute a que teve o

maior nuacutemero de reediccedilotildees ateacute agora (1964 1966 1969 1970 1998 2001 2002

2005)31

16 Jaime Bruna

O professor Jaime Bruna nasceu no dia 15 de setembro de 1910 Seu nome

consta no Sistema USP (banco de dados da Universidade de Satildeo Paulo) com viacutenculo

inicial em 25 de janeiro de 1934 que eacute a data da fundaccedilatildeo da entatildeo Faculdade de

Filosofia Ciecircncias e Letras (FFCL) criada como o polo central da Universidade de Satildeo

Paulo (USP) No entanto natildeo eacute possiacutevel verificar qual era o viacutenculo naquela altura se

ele ingressou como aluno de graduaccedilatildeo ou em outra condiccedilatildeo de pesquisador A sua

contrataccedilatildeo ocorreu em 1965 na condiccedilatildeo de instrutor da cadeira de Liacutengua e Literatura

Latina Ele se aposentou em 1980 como professor assistente doutor do Departamento de

Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Jaime faleceu em 19 de setembro de 1988 quatro dias

depois de completar 78 anos de idade Essas foram as informaccedilotildees que encontramos na

ficha do Departamento Pessoal da FFLCH-USP

Devido a uma ldquoepifacircnicardquo coincidecircncia descobrimos que o professor de Liacutengua

e Literatura Grega da USP Jaa Torrano em seu tempo de graduando no curso de Letras

da FFLCH pegava carona no carro da entatildeo professora da USP Aiacuteda Costa O professor

Jaime Bruna tambeacutem ia de carona no carro de Aiacuteda e segundo Torrano Bruna descia

na chamada ldquoPraccedila da Paineirardquo (Hoje o nome oficial da praccedila eacute Jorge de Lima esquina

da Av Vital Brasil com a Av Valdemar Ferreira bairro Butantatilde Satildeo Paulo SP) Havia

uma uacutenica paineira nesse local Torrano conta que numa destas caronas foi comentado

que a Prefeitura derrubaria a paineira Houve um princiacutepio de revolta por parte de

alguns estudantes e moradores da regiatildeo que se mobilizaram contra Jaime ouvindo

isso exclamou ldquoVai dar paina para mangasrdquo o que revela ao menos senso de humor

Em conversa com o Prof Antonio da Silveira Mendonccedila (professor de latim

aposentado da USP) descobrimos que Jaime fora bancaacuterio antes de se dedicar ao ensino

e agraves letras claacutessicas Jaime Bruna ldquoera bastante iacutentegro e metoacutedico em seu trabalhordquo

comentou o professsor Mendonccedila

31

Atualmente a editora Martin Claret tem reimpresso essa traduccedilatildeo talvez por causa das facilidades

ligadas aos Direitos Autorais

73

Embora desconhecido para muitos acadecircmicos Jaime Bruna foi bastante

proliacutefero em sua praacutetica tradutoacuteria Joseacute Paulo Paes em sua retrospectiva da praacutetica

tradutoacuteria no Brasil menciona o nome de Bruna na seguinte passagem

Quanto a traduccedilotildees contemporacircneas de textos claacutessicos em verso e prosa

mencionem-se as realizadas por Carlos Alberto Nunes Jaime Bruna Maacuterio

da Gama Kury Joseacute Cavalcanti de Sousa Tassilo Orfeu Spalding Almeida

Cousin etc (PAES1990 p31)

Em nossa opiniatildeo o projeto tradutoacuterio de Bruna era traduzir pelo menos uma

obra dos grandes escritores da Greacutecia e da Roma antiga (embora tenha traduzido mais

de uma obra de autores de sua preferecircncia) Jaime Traduziu Platatildeo Diaacutelogos (1945)

Euriacutepides Heacutecuba (1957) Soacutefocles Electra (1960) Marco Aureacutelio Meditaccedilotildees

(1964) Teatro Grego Eacutesquilo Prometeu Acorrentado Soacutefocles Rei Eacutedipo

EuriacutepidesHipoacutelito AristoacutefanesNuvens (1964) Xenofonte A educaccedilatildeo de Ciro (1965)

Eloquecircncia grega e latina trechos de Tuciacutedides Demoacutestenes Saluacutestio Ciacutecero Liacutesias

Isoacutecrates e Eacutesquines (1968) Platatildeo Goacutergias ou a oratoacuteria (1970) Plauto interprete de

sentimentos populares (1972) Lucretius Carus Titus Da Natureza (1973) Homero

Odisseia (1976) Plautus Titus e Maccius Comeacutedias O Cabo Caruncho Os

Menecmos Os Prisioneiros O Soldado Fanfarratildeo (1978) Epiacutecuro Antologia de textos

(1981) Poeacutetica Claacutessica Aristoacuteteles Horaacutecio e Longino (1981)

Jaime natildeo costuma falar de sua praacutetica tradutoacuteria nas introduccedilotildees de seus

trabalhos Quanto a Eacutesquilo poreacutem o tradutor escreve

Caracteriza a poesia de Eacutesquilo a amplidatildeo Aristoacutefanes sem embargo seu

admirador apelidou-o de ldquocriador de precipiacuteciosrdquo Compraz-se em

representar paixotildees violentas em emitir pensamentos soberbos ideias

sombrias sua religiatildeo eacute a do terror sua moral sofrer para aprender A

constante de sua obra se confina aos conceitos de ldquohybrisrdquo ndash a insolecircncia o

crime o pecado ndash ldquoaterdquo o castigo fatal provocado pela ldquohybrisrdquo Seus coros

satildeo muito desenvolvidos e a accedilatildeo eacute pouca Um grande liacuterico cujo meio de

expressatildeo foi a trageacutedia (BRUNA 1964 p11)

Bruna natildeo faz uma traduccedilatildeo literal do Prometeu Acorrentado A impressatildeo eacute

que em certas passagens Jaime procura entender o sentido geral do texto e a partir

disso natildeo tem receio em criar algo para tentar comunicar bem o que os personagens

envolvidos estariam sentindo no momento da accedilatildeo Veja-se a seguir uma das falas de

Hefesto traduzida por ele ldquoAi Prometeu gemo baixinho por teus sofrimentosrdquo

enquanto Dom Pedro II verte a mesma fala da seguinte forma ldquoAi ai Prometeu gemo

74

com tuas desgraccedilasrdquo Tambeacutem eacute possiacutevel que o leitor tenha certa dificuldade com o

leacutexico escolhido em algumas passagens de sua traduccedilatildeo ldquo[] infeliz de mim poreacutem

para gaacuteudio dos inimigos sofro como grimpa ao sabor dos ventosrdquo e ainda ldquoResponda

a essa mofinardquo Embora sua traduccedilatildeo seja em prosa em alguns trechos Bruna alcanccedila

efeitos sonoros interessantes ldquoDestino Destino Sinto arrepios ao ver as desventuras

de Iordquo (grifo nosso marcando assonacircncia)

Excetuando-se a curta menccedilatildeo feita por Joseacute Paulo Paes citada nessa seccedilatildeo natildeo

encontramos nenhuma outra referecircncia ao trabalho tradutoacuterio de Jaime Bruna embora

ele tivesse sido um incansaacutevel tradutor como demonstra muito bem o grande nuacutemero de

suas traduccedilotildees

17 Napoleatildeo Lopes Filho

Infelizmente natildeo conseguimos muitas informaccedilotildees biograacuteficas acerca de

Napoleatildeo Lopes Filho aleacutem das partilhadas por ele mesmo na introduccedilatildeo de sua

traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo (1967) publicada na Coleccedilatildeo Diaacutelogo da

Ribalta (Editora Vozes) Entre as traduccedilotildees publicadas pela coleccedilatildeo encontram-se a

Antiacutegone de Soacutefocles com traduccedilatildeo de Guilherme de Almeida e A Maacutequina Infernal de

Jean Cocteau com traduccedilatildeo de Manuel Bandeira Essa coleccedilatildeo traz muitas traduccedilotildees

que foram encenadas no Brasil o que nos faz acreditar que Napoleatildeo Lopes Filho esteja

de alguma forma ligado ao teatro e que sua traduccedilatildeo fora concebida para a encenaccedilatildeo

Essa hipoacutetese ganha forccedila quando lemos a seguinte advertecircncia encontrada na

contracapa do seu livro ldquoEsta peccedila natildeo poderaacute ser representada sem licenccedila da

Sociedade Brasileira de Autores Teatraisrdquo No final de seu texto introdutoacuterio o autor

tambeacutem escreve ldquoNapoleatildeo Lopes Filho Cidade do Salvador 1959rdquo Tal informaccedilatildeo eacute

bastante sugestiva pois encontramos um registro na enciclopeacutedia Itauacute Cultural de que

em 1959 no Teatro Guarany em Salvador foi encenada a peccedila A Dama das Cameacutelias

de Alexandre Dumas Filho com traduccedilatildeo de Gilda de Mello e Adaptaccedilatildeo de Benedito

de Corsi No elenco da peccedila encontramos o nome de ldquoNapoleatildeo Lopes Filhordquo Se for a

mesma pessoa nosso tradutor tambeacutem era um ator Ainda em sua introduccedilatildeo Lopes

Filho escreve

Regeu-nos neste trabalho o criteacuterio de que o verso eacute intraduziacutevel e de que a

poesia quando eacute autecircntica pode passar livremente de um a outro idioma

levando o que tem de essencial ndash a sua presenccedila (1967 p65)

75

Tais afirmaccedilotildees nos parecem um tanto quanto contraditoacuterias pois se o verso eacute

ldquointraduziacutevelrdquo como a poesia mesmo sendo ldquoautecircnticardquo poderia ldquopassar livremente de

um a outro idiomardquo Napoleatildeo natildeo explica

Aleacutem de sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado Napoleatildeo nos apresenta a

traduccedilatildeo de As Suplicantes de Eacutesquilo e a traduccedilatildeo do ensaio ldquoEacutesquilo como poeta das

ideiasrdquo de Gilbert Murray Vale mencionar tambeacutem o seguinte levantamento feito por

Napoleatildeo Lopes Filho das ediccedilotildees dos originais gregos de Eacutesquilo

A ediccedilatildeo princeps das trageacutedias de Eacutesquilo data de 1517 e foi impressa em

Veneza nas oficinas de Aldus Manutius Essa publicaccedilatildeo se ressente de ter

unificado uma parte das ldquoCoeacuteforasrdquo com o ldquoAgamenonrdquo falha grave que foi

reparada por Vettori quarenta anos depois quando veio a lume a ediccedilatildeo

francesa de Henri Estienne Trecircs anos mais tarde Canter em ediccedilatildeo cuidada

e conhecida pelo nome de Anvers apurou ainda mais o texto

reaproximando-o do original manuscrito A ediccedilatildeo inglesa feita sob a

responsabilidade de Lord Stanley data de 1663 e somente um seacuteculo depois

na sua ediccedilatildeo de Haia Cornelius Paw reuniu aos escoacutelios anteriormente

achegados por Stanley as notas de Robortel de Turnegravede de Henry Estienne

e de Canter publicaccedilatildeo essa feita no ano de 1745 em dois volumes Apesar

de todos esses trabalhos resultarem de estudos e pesquisas em torno do teatro

grego com o cuidado e o apuro dos eruditos as ediccedilotildees Schuumlltz em trecircs

volumes reuniram todos os textos conhecidos de Eacutesquilo e eacute reputada como a

melhor tendo aparecido em Halle nos anos de 1782 e seguintes (LOPES

FILHO 1967 p66)

A ediccedilatildeo de Stanley citada por Lopes Filho tambeacutem eacute mencionada em carta

escrita pelo Baratildeo de Paranapiacaba agrave Princesa Isabel (manter-se-aacute a ortografia original

na citaccedilatildeo)

Falta-me para elemento de consulta a traducccedilatildeo de Thomaz Stanley ediccedilatildeo

de Londres (do seculo 17) com o texto grego de um lado e do outro o latino

Depois de alguns annos de inutil pesquiza por todas as livrarias da

Europa foi descoberta essa obra (a melhor que ha sobre Eschylo) na

bibliotheca de Napoles pelo Dor Alambary Luz que ahi fez extrahir copias

da versatildeo latina de Prometheu e suas respectivas notas e m‟as remetteu

O texto original grego editado por Stanley natildeo foi remetido ao Baratildeo de

Paranapiacaba mas apenas a versatildeo latina encontrada no mesmo livro Natildeo

encontramos nenhuma menccedilatildeo feita por Dom Pedro II acerca de qual ediccedilatildeo do texto

grego utilizara para fazer sua traduccedilatildeo em prosa Contudo eacute possiacutevel que a ediccedilatildeo de

Christian Gottfried Schuumlltz tenha sido utilizada pelo Imperador tambeacutem citada por

Napoleatildeo Lopes Filho ldquoas ediccedilotildees Schuumlltz em trecircs volumes reuniram todos os textos

conhecidos de Eacutesquilo e eacute reputada como a melhor tendo aparecido em Halle nos anos

76

de 1782 e seguintesrdquo Em sua traduccedilatildeo em prosa Dom Pedro II faz a marcaccedilatildeo dos

trechos que estavam corrompidos na ediccedilatildeo que consultara (marcaccedilatildeo com ldquoXrdquo)

Doce eacute estendegraver longa vida por confiadas esperanccedilas nutrindo a alma de

brilhantes alegrias mas horroriso-me observando porque infinitos

ltuarrsoffrimentosgt [eacutes atorm]entado ltx x x x xgt Natildeo temendo Jupiter honras

demasiadamente os mortaes Prometheu por tua propria vontade ltuarrStrophe

2ordfgt32

Eia Que ingrata gratidatildeo oh amigo dize onde auxilio Que socograverro

dos ephemeros Natildeo observaste a importante fraqueza similhante a um

sonho ltuarrcomgt[] que a dos mortaes x x x cega geraccedilatildeo estaacute algemada Os

conselhos dos mortaes ltuarrnuncagt[] preferem aacute ordem estabelecida por

Jupiter

Trata-se da traduccedilatildeo de um trecho do segundo estaacutesimo da trageacutedia Na ediccedilatildeo

de Stanley publicada em 1809 natildeo haacute a indicaccedilatildeo de corrupccedilatildeo na passagem citada

Figura 24 Trecho dos versos 536-54 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de Thomas Stanley

(1809) Aeschyli tragoediae quae supersunt digitalizada pela Universidade de Cambrigde em 2010

Mas a ediccedilatildeo de Schuumlltz traz as indicaccedilotildees de corrupccedilatildeo indicadas por Dom

Pedro II (haacute de se lembrar que a traduccedilatildeo de Dom Pedro II eacute de 1871)33

32

A indicaccedilatildeo do iniacutecio da estrofe 2ordf foi feita por meio de linhas ascendentes no manuscrito partindo

dentre as palavras ldquovontaderdquo e ldquoeiardquo nas quais eacute escrito ldquo(Strophe 2ordf)rdquo como uma espeacutecie de correccedilatildeo

feita pelo autor 33 A ediccedilatildeo de Schuumlltz que tivemos acesso eacute a de 1809 embora Napoleatildeo Lopes Filho afirme que existe

uma mais antiga a de 1782

77

Figura 25 Trecho referente aos versos 536-50 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de Christian

Gottfried Schuumlltz Aeschyli tragoediae quae supersunt ac deperditarum fragmenta tambeacutem de

1809

Textos estabelecidos modernamente como o de Paul Mazon (1953) e Mark

Griffith (1997) natildeo trazem a marcaccedilatildeo de corrupccedilatildeo no verso 550 como o faz Christian

Gottfried Schuumlltz Eacute claro que Dom Pedro II poderia ter usado ediccedilotildees anteriores agraves de

Schuumlltz e Stanley Apesar disso levando-se em conta que a ediccedilatildeo de Shuumlltz era

ldquoreputada como a melhorrdquo (LOPES FILHO 1967 p66) sendo anterior a traduccedilatildeo

Imperial e tendo marcaccedilotildees de corrupccedilatildeo semelhantes eacute possiacutevel que Dom Pedro II

tenha se valido dela para fazer sua traduccedilatildeo em prosa

Ediccedilotildees modernas do original grego como a de Griffith por exemplo natildeo

constumam trazer um levantamento das ediccedilotildees anteriores sobretudo das mais antigas

Pensando nisso devemos reconhecer que as indicaccedilotildees feitas pelo tradutor Napoleatildeo

Lopes Filho foram bastante uacuteteis para termos algum conhecimento acerca das ediccedilotildees

do texto original do Prometeu Acorrentado empreendidas nos seacuteculos XVIII e XIX 34

Ao final de sua bibliografia Lopes Filho ainda escreve

34 A ediccedilatildeo de Thomas Stanley de (1809) Aeschyli tragoediae quae supersunt digitalizada pela

Universidade de Cambrigde em 2010 conteacutem os originais gregos das trageacutedias Prometeu acorrentado e

78

Para a presente traduccedilatildeo tomamos os textos de Paul Mazon ldquoEschylerdquo

Societeacute d‟Edition ldquoLes Belles Lettresrdquo acima citado Bem como o texto

castelhano impresso por Pedro Henrique Urentildea da Editorial Losada SA

Buenos Aires 1941 que se deve a uma traduccedilatildeo direta do grego de autoria de

Fernando Segundo Brieva de Salvatierra (LOPES FILHO 1967 p103)

Embora seja uma traduccedilatildeo em prosa a versatildeo de Napoleatildeo Lopes Filho natildeo

recorre geralmente agrave paraacutefrase Ele opta tambeacutem pelos nomes gregos das divindades em

vez dos advindos da tradiccedilatildeo latina Em sua traduccedilatildeo Lopes Filho distingue as partes

cantadas do coro das partes faladas escrevendo-as em itaacutelico Embora natildeo declare

abertamente parece ser possiacutevel que Napoleatildeo Lopes Filho conhecesse a liacutengua grega

pois se observa certa literalidade em sua traduccedilatildeo

Agrave guisa de exemplo veja-se o seguinte trecho de sua traduccedilatildeo

Hermes

Essas satildeo palavras e razotildees que soacute eacute possiacutevel ouvir de mentecaptos Que

coisa falta agrave tua demecircncia Porventura fosses melhor tratado se acalmariam

os teus furores Ao menos voacutes que vos condoeis de suas miseacuterias afastai-

vos deste lugar imediatamente O horrendo rugir do trovatildeo vos deixaria

atocircnitas

Coro

Dize-me e aconselha-me qualquer outra coisa e seraacutes obedecido mas as

palavras que pronunciastes natildeo as posso tolerar Como Mandas que renda

culto agrave covardia Nos males que haacute de padecer quero tomar parte com ele

pois aprendi a odiar aos traidores e natildeo haacute vileza que mais me repugne do

que essa

18 Maacuterio da Gama Kury

Segundo Adriane da Silva Duarte (2016 pp52-3)

Maacuterio da Gama Kury (1922 Sena MadureiraAC) eacute um dos mais produtivos

tradutores do grego antigo [] Advogado trabalhou por 30 anos na Vale

enquanto em paralelo estudava grego por conta proacutepria e dava iniacutecio agraves

primeiras traduccedilotildees Com a aposentadoria em 1976 dedicou-se

integralmente agrave atividade vertendo todo o teatro grego trageacutedias e comeacutedias

[] e o principal da historiografia as obras monumentais de Heroacutedoto

suplicantes com traduccedilatildeo e notas em latim do proacuteprio Stanley reunidos pelo erudito do seacuteculo XIX

Samuel Butler (1774-1839) O fac-siacutemile digitalizado da ediccedilatildeo de Christian Gottfried Schuumlltz Aeschyli

tragoediae quae supersunt ac deperditarum fragmenta tambeacutem de 1809 entre tantos e-books vendidos

no aplicativo Play Livros eacute disponibilizado gratuitamente aos seus usuaacuterios como uma espeacutecie de

ldquobrinderdquo

79

Tuciacutedides e Poliacutebio aleacutem de Aristoacuteteles e Dioacutegenes Laeacutecio editadas pela

UNB

Quando se estudam as traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado eacute faacutecil

notar que os tradutores natildeo costumam falar do seu modus operandi talvez encorajados

por seus editores a natildeo revelar o segredo do prodigioso ofiacutecio de verter um texto

estrangeiro reescrevendo-o em liacutengua portuguesa como o faria seu proacuteprio autor se

tivesse domiacutenio de nossa liacutengua mas sem deixar de ser estrangeiro

Verter um poema do grego por exemplo ou de qualquer outro idioma eacute

teoricamente pelo menos reescrevecirc-lo em portuguecircs como o faria seu proacuteprio

autor se tivesse domiacutenio operativo de nossa liacutengua mas sem no entanto

deixar de ser grego (PAES 1990 p93)

Maacuterio da Gama Kury por sua vez escreve algumas linhas revelando-nos algo

sobre sua praacutetica tradutoacuteria

Embora evitando uma linguagem empolada procuramos manter em

portuguecircs a grandiosidade tambeacutem verbal que a proacutepria peccedila tem no original

decorrecircncia loacutegica da condiccedilatildeo divina dos personagens

Para nossa traduccedilatildeo servimo-nos principalmente do texto editado por Gilbert

Murray (KURY 1993 p12)

Quando o tradutor explicita alguns de seus criteacuterios como fez Kury o criacutetico

literaacuterio pode se valer deles para apreciar e julgar a traduccedilatildeo E de fato Mario da Gama

Kury procura evitar a ldquolinguagem empoladardquo sem deixar sua traduccedilatildeo coloquial

demais Veja-se por exemplo a traduccedilatildeo da uacuteltima fala de Prometeu

Mas eis os fatos natildeo simples palavras

a terra treme e tambeacutem repercute

em seus abismos a voz do trovatildeo

em sinuosidades abrasadas

jaacute resplandece o raio um ciclone

volteia e forma turbilhotildees de poacute

os sopros do ar luacutecido se lanccedilam

uns contra os outros e se digladiam

os ventos jaacute estatildeo em plena guerra

o ceacuteu jaacute se confunde com o mar

Eis a rajada que para espantar-me

vem decididamente contra mim

mandada por Zeus todo-poderoso

Ah Minha majestosa matildee e o Eacuteter

Que faz girar ao redor deste mundo

a luz oferecida a todos noacutes

Vedes a iniquumlidade que me atinge

80

Eacutesquilo escreveu a fala citada de Prometeu em 14 versos Gama Kury a verteu

em 17 Nota-se portanto que Maacuterio da Gama Kury natildeo tende agrave literalidade

No trecho supracitado vale a pena destacar o belo verso ldquoos ventos jaacute estatildeo em

plena guerrardquo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒) trata-se de um decassiacutelabo em pentacircmetro iacircmbico um

tipo de meacutetrica que une as caracteriacutesticas de um verso heroacuteico (marcaccedilatildeo nas sexta e

deacutecima siacutelabas) e as de um saacutefico (marcaccedilatildeo na quarta oitava e deacutecima siacutelabas)

Tambeacutem nota-se um ordenamento interessante na posiccedilatildeo das siacutelabas tocircnicas nesses

outros dois versos ldquoa terra treme e tambeacutem repercute em seus abismos a voz do

trovatildeordquo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

A grande quantidade de traduccedilotildees feitas por Maacuterio da Gama Kury denota o

imenso apreccedilo que ele devota agrave cultura e agrave literatura gregas Natildeo se conformando em

usufruir sozinho das qualidades dos textos claacutessicos Kury esforccedilou-se diligentemente

para despertar interesse semelhante em outros leitores Sua importacircncia para a histoacuteria

da traduccedilatildeo no Brasil eacute grande O nuacutemero de reediccedilotildees de sua traduccedilatildeo do Prometeu

Acorrentado (1993 1998 1999 2004 2009) soacute eacute inferior ao de JB de Mello e Souza

19 Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves

Por ser uma traduccedilatildeo com um nuacutemero escasso de exemplares encontrados e

ainda levando-se em conta que a encontramos apenas na universidade que a publicou

originalmente (Araraquara Universidade Estadual Paulista ndash Instituto de Letras

Ciecircncias Sociais e Educaccedilatildeo 1977) eacute de se supor que a traduccedilatildeo feita por Daisi

Malhadas e Maria Helena de Moura Neves era destinada principalmente aos alunos de

grego em Araraquara Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves satildeo professoras

aposentadas da Unesp embora Moura Neves ainda esteja em plena atividade aos 88

anos de idade (no tempo que a presente seccedilatildeo foi redigida) lecionando como voluntaacuteria

no Programa de Poacutes-graduccedilatildeo da Unesp aleacutem de trabalhar na Universidade

Presbiteriana Mackenzie Maria Helena de Moura Neves foi aluna de Daisi Malhadas

Embora o livro traga uma interessante introduccedilatildeo e uacuteteis notas de rodapeacute natildeo se

encontra nele a explicitaccedilatildeo dos princiacutepios que nortearam o trabalho de traduccedilatildeo e nem

a indicaccedilatildeo de quais trechos Malhadas traduziu ou Moura Neves Aleacutem das duas

autoras o livro apresenta como colaboradores Aldo Bellagamba Colesanti Leila Curi

Rodrigues Olivi Maria Nazareth Guimaratildees Cardoso e Marisa Giannecchini Gonccedilalves

81

de Souza Tambeacutem natildeo eacute informado como cada uma dessas pessoas contribui no

trabalho

Diante desses dados parece que as autoras natildeo deram tanta ecircnfase ao aspecto

autoral da traduccedilatildeo em questatildeo e a dicccedilatildeo de cada uma delas natildeo eacute facilmente

perceptiacutevel ao longo do texto

No artigo ldquoO Espetaacuteculo na Trageacutediardquo (1993) Daisi Malhadas apresenta a

traduccedilatildeo de um trecho da uacuteltima fala de Prometeu (p56) Esse trecho eacute idecircntico agrave

mesma passagem encontrada na traduccedilatildeo de 1977 ainda que natildeo faccedila referecircncia direta agrave

obra no corpo do texto e nem nas ldquoReferecircnciasrdquo Seraacute que a passagem foi traduzida

especificamente por Malhadas em 1977 Natildeo se sabe Veja-se a seguir o trecho

mencionado

Eis que com fatos natildeo mais com palavras

a terra eacute sacudida

a voz subterracircnea do trovatildeo em torno

ruge os ziguezagues do relacircmpago

brilham em chamas um turbilhatildeo remoinha

a poeira lanccedilam-se os sopros

dos ventos todos uns contra os outros

a guerra de lufadas contraacuterias estaacute declarada

confunde-se o ceacuteu com o mar

Eis que contra mim uma rajada por vontade de Zeus

para amedrontar avanccedila sob a vista de todos

No trecho destacado percebe-se que o nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas varia para

cada verso Tal decisatildeo natildeo parece ter sido tomada visando realccedilar um determinado

efeito poeacutetico mas sim para se permitir a transmissatildeo do sentido sem a restriccedilatildeo que o

nuacutemero fixo de siacutelabas poeacuteticas poderia ocasionar Tem-se a impressatildeo de que uma

correspondecircncia numeacuterica dos termos com o original natildeo eacute procurada a todo custo e

por isso natildeo proliferam os neologismos no trecho citado Desta forma o portuguecircs natildeo

eacute por assim dizer forccedilado a se tornar mais ldquohelenizadordquo Em contrapartida percebe-se

que em certos trechos uma proximidade numeacuterica e sonora dos termos com o texto de

partida parece ser mais perseguida Natildeo nos esqueccedilamos que a traduccedilatildeo foi feita por

pelo menos duas tradutoras e tais diferenccedilas embora sejam sutis talvez sejam como

que digitais de cada uma delas No seguinte trecho por exemplo percebe-se uma

82

correspondecircncia maior com o original no que se refere ao som e ao nuacutemero das palavras

em cada verso

Quadro III Anaacutelise comparativa entre original e traduccedilatildeo

Do verso 3 ao 6 a posiccedilatildeo dos termos eacute praticamente idecircntica ao original Veja-

se por exemplo a posiccedilatildeo de Ἥθαηζηε e ldquoHefestordquo ζνὶ e ldquoa tirdquo ρξὴ κέιεηλ e

ldquocompete cumprirrdquo ἐπηζηνιὰο e ldquoordensrdquo no terceiro verso Se no primeiro verso natildeo

haacute uma correspondecircncia indecircntica na posiccedilatildeo dos termos por outro lado uma

interessante semelhanccedila sonora eacute alcanccedilada Χζνλὸο (ldquosolordquo) por exemplo eacute a primeira

palavra do primeiro verso mas sua traduccedilatildeo ldquosolordquo eacute a quarta palavra na versatildeo

brasileira Apesar disso a consonte velar ldquoqrdquo de ldquoaquirdquo (primeira palavra na traduccedilatildeo)

encontra certa ressonacircncia com a tambeacutem consoante velar ldquoΧrdquo de Χζνλὸο (primeira

palavra do original) Veja-se tambeacutem a correspondecircncia sonora entre κὲν ἐς τελουξὸλ

e ldquoestamos em solordquo

A traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado natildeo foi o uacutenico projeto no qual Daisi

Malhadas e Maria Helena de Moura Neves trabalharam juntas Pode-se destacar

tambeacutem o primeiro Dicionaacuterio de Grego Claacutessico-Portuguecircs feito por helenistas

brasileiros organizado por Malhadas Moura Neves e Maria Celeste Consolin Dezotti

(publicado pela editora Ateliecirc Editorial) Ao ser perguntada pela Folha de Satildeo Paulo se

o conhecimento do grego eacute imprescindiacutevel para estudar filosofia ou literatura Daisi

Malhadas respondeu

Perguntam-me para que estudar o grego desde que comecei a estudaacute-lo Eu

procurava justificativas como ser uma das origens da liacutengua portuguesa da

filosofia uma literatura da qual se originam gecircneros atuais Atualmente digo

que o grego natildeo eacute produto de supermercado Natildeo vou procurar uma foacutermula

para que serve O grego tem a beleza da arte eacute importante em si35

35 ldquoPara ler Platatildeo no originalrdquo Folha de Satildeo Paulo caderno MAIS ediccedilatildeo de 25 de fevereiro de 2007

1Χζνλὸο κὲλ ἐο ηεινπξὸλ ἥθνκελ πέδνλ

2Σθύζελ ἐο νἷκνλ ἄβαηνλ εἰο ἐξεκίαλ

3Ἥθαηζηε ζνὶ δὲ ρξὴ κέιεηλ ἐπηζηνιὰο

4ἅο ζνη παηὴξ ἐθεῖην ηόλδε πξὸο πέηξαηο

5ὑςεινθξήκλνηο ηὸλ ιεσξγὸλ ὀρκάζαη

6ἀδακαληίλσλ δεζκῶλ ἐλ ἀξξήθηνηο πέδαηο

1Aqui estamos em solo de longiacutenqua terra

2o paiacutes cita um deserto sem vivalma

3Hefesto a ti compete cumprir as ordens

4que teu pai ditou sobre penedos

5de alcantis agrestes este celerado prender

6em infrangiacuteveis elos de grilhotildees de accedilo

83

110 O Tradutor Anocircnimo

Em nossa busca por traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado

encontramos um livro com traduccedilotildees de trecircs trageacutedias gregas e uma comeacutedia a saber

Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo Antiacutegona de Soacutefocles Medeacuteia de Euriacutepedes e As

vespas de Aristoacutefanes O livro natildeo traz nenhuma indicaccedilatildeo de quem teria sido o tradutor

ou tradutores dessas obras gregas O Tiacutetulo do livro eacute Teatro Grego Os grandes

claacutessicos Foi publicado no Rio de Janeiro no ano de 1980 Na contracapa do livro estaacute

escrito ldquoEsta ediccedilatildeo eacute reservada ao ciacuterculo de amigos de OTTO PIERRE EDITORES

LTDArdquo

Eacute difiacutecil assegurar se a mencionada ediccedilatildeo de 1980 eacute uma copilaccedilatildeo de traduccedilotildees

brasileiras anteriormente publicadas ou natildeo Antes da traduccedilatildeo do Prometeu

Acorrentado empreendida pelo Tradutor Anocircnimo foram publicadas as traduccedilotildees de

Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves (1977) de Maacuterio da Gama Kury

(1968) de Napoleatildeo Lopes Filho (1967) de Jaime Bruna (1964) JB de Mello e Souza

(1950) de Ramiz Galvatildeo (1909) e as versotildees do Baratildeo de Paranapiacaba (1907) A

traduccedilatildeo de Dom Pedro II nunca foi publicada e por isso dificilmente poderia ser

plagiada Entre todas essas traduccedilotildees a de JB de Mello e Souza eacute a que possuiu o

maior nuacutemero de reediccedilotildees (pelo menos quatro antes de 1980) Mesmo assim a uacuteltima

fala de Prometeu foi traduzida de forma muito resumida na versatildeo de Mello e Souza

Caso a traduccedilatildeo de 1980 do Tradutor Anocircnimo fosse um plaacutegio da traduccedilatildeo de JB de

Mello e Souza provavelmente existiriam rastros do plaacutegio nessa uacuteltima fala Mas natildeo eacute

isso o que acontece como se pode averiguar a seguir

Prometeu

Com efeito natildeo foi uma ameaccedila apenas a terra potildee-se a tremerO soturno

ronco jaacute se faz ouvir Turbilhotildees de poeira se erguemtodos os furacotildees

desencadeados parece que estatildeo contra mim Contra mim eacute que Jupiter

desfecha tatildeo horrendo cataclismo Oacute minha algusta matildee oacute tu divino eacuteter que

cercais o universo de luz eternavede que injustos tormentos me fazem

sofrer (JB de Mello e Souza)

Prometeu

Agraves palavras seguiram-se os atos A Terra vacila e o trovatildeo ruge surdamente

nas suas profundidades em ziguezagues inflamados estalam os raios no ar e

o furioso ceacuteu levanta o poacute em torvelinhos Os ventos precipitam-se uns contra

os outros abriu-se entre eles a contenda e o ar e o mar confundem-se Eis a

forccedila desencadeada lanccedilada com certeza contra mim pela matildeo de Zeus para

infundir-me medo Oh Majestade de minha matildee Oacute eacuteter que fazes girar ao

84

redor do mundo a luz que nos alumia a todos contemplem as iniquidades

que tenho de padecer (O Tradutor Anocircnimo)

Mas outras trecircs traduccedilotildees vertem a mesma fala de Prometeu de forma

semelhante agrave do Tradutor Anocircnimo em alguns aspectos Uma eacute anterior e a outra eacute

posterior agrave traduccedilatildeo publicada pela OTTO PIERRE EDITORES LTDA

Oacute eacuteter que fazes girar ao redor do mundo a luz que nos alumia a todos

contemplem as iniquidades que tenho de padecer (O Tradutor Anocircnimo

1980)

[] e o Eacuteter que faz girar ao redor deste mundo a luz oferecida a todos

noacutes Vedes a iniquidade que me atinge (Maacuterio da Gama Kury 1968)

Eacuteter que fazes rodar ao redor do mundo a luz comum a todos vede o

tratamento ultrajante que me afligem (Alberto Guzik 1982)

Veja-se agora o texto original (vv1091-3)

[] ὦ πάλησλ

αἰζὴξ θνηλὸλ θάνο εἱιίζζσλ

ἐζνξᾷο κ᾽ ὡο ἔθδηθα πάζρσ36

A traduccedilatildeo literal da passagem supracitada seria algo como ldquoOacute Eacuteter que volves

a luz comum de todos Vecircs quatildeo injustamente sofrordquo37

Portanto natildeo existe a palavra

ldquomundordquo no original grego embora tal palavra possa ser subentendida a partir da

expressatildeo ldquoao redor derdquo (εἱιίζζσλ) e isso eacute feito nas trecircs traduccedilotildees brasileiras

anteriormente citadas Nos trechos supracitados pode-se notar ainda que o comeccedilo da

fala de Prometeu na traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury parece ser diferente das outras

duas

ldquoMas eis os fatos natildeo simples palavrasrdquo (Maacuterio da Gama Kury)

ldquoAgraves palavras seguiram-se os atosrdquo (O Tradutor Anocircnimo)

ldquoOs atos se seguem agraves palavrasrdquo (Alberto Guzik)

36 Passagem transcrita igualmente nas ediccedilotildees de Staley (1809) Shuumlltz (1809) Paul Mazon (1953) e

Mark Griffith (1997) 37

Traduccedilatildeo literal de Dom Pedro II com exceccedilatildeo da palavra ldquoEacuteterrdquo vertida por ldquoarrdquo pelo Imperador

85

O texto original correspondente a esse trecho eacute o seguinte (v 1080)

θαὶ κὴλ ἔξγῳ θνὐθέηη κύζῳ A traduccedilatildeo literal desse verso seria algo como ldquoE de fato

e natildeo mais por palavrardquo38

Portanto natildeo haacute o verbo ldquoseguirrdquo no original grego

Seria difiacutecil o Tradutor Anocircnimo plagiar em 1980 uma traduccedilatildeo que ainda natildeo

havia sido publicada ou seja a de Alberto Guzik de 1982 (a natildeo ser que os dois autores

fossem conhecidos e tivessem acesso muacutetuo aos originais ainda natildeo publicados o que

parece ser improvaacutevel ou ainda que se tratasse do mesmo autor isto eacute o proacuteprio

Alberto Guzik algo que nos parece inverossiacutemil) Por outro lado natildeo acreditamos que

Guzik tenha plagiado a traduccedilatildeo do Tradutor Anocircnimo A traduccedilatildeo deste natildeo foi

publicada em larga escala mas reservada a um ldquociacuterculo de amigos de OTTO PIERRE

EDITORES LTDArdquo natildeo era um livro que circulava em profusatildeo Por isso supomos

que elas tenham uma influecircncia comum aleacutem do texto original grego talvez uma

traduccedilatildeo estrangeira do Prometeu Acorrentado

Conta-se que em meio ao panteatildeo grego os atenienses contruiacuteram um altar com

a seguinte inscriccedilatildeo ldquoAo deus desconhecidordquo (agnoacutestoi theocirci) No caso presente o

exemplo ateniense nos inspira a natildeo privar o Tradutor Desconhecido de um lugar no rol

das versotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado em nosso trabalho

111 Alberto Guzik

Segundo a Enciclopeacutedia Itauacute Cultural Alberto Guzik (1944 - 2010) foi um autor

e ator de peccedilas teatrais Envolveu-se com a atividade teatral desde os 5 anos

quando ingressou no Teatro Escola Satildeo Paulo grupo orientado por Tatiana Belinky e

Juacutelio Gouvecirca participando do elenco de Peter Pan em 1949 Formou-se em direito pela

Mackenzie mas nunca exerceu a profissatildeo Tambeacutem cursou a Escola de Arte

Dramaacutetica (EAD) que concluiu em 1966 Alberto Guzik foi criacutetico de teatro da Isto Eacute

de 1978 a 1981 Desde 1984 coolaborou com o Caderno 2 de O Estado de S Paulo

Mestre em teatro pela Escola de Comunicaccedilotildees e Artes da Universidade de Satildeo Paulo

ECAUSP defendeu em 1982 a dissertaccedilatildeo TBC Crocircnica de Um Sonho Em 1995

Alberto publica o romance Um Risco de Vida indicado ao Precircmio Jabuti Como

dramaturgo estreacuteia com a peccedila Um Deus Cruel em 1997

Alberto Guzik fez parte de uma equipe de tradutores sob a direccedilatildeo de J

Guinsburg na qual contribuiu com a traduccedilatildeo dos livros A trageacutedia Grega de Albin

38

Traduccedilatildeo de Dom Pedro II

86

Lesky (1971) Fim do povo judeu de Georges Friedmann (1969) e Rei de Carne e

Osso de Moscheacute Schamir (1971)

Natildeo existem referecircncias claras se Alberto traduziu o Prometeu Acorrentado a

partir do original grego e tambeacutem em nenhuma das biografias encontradas foi

mencionado que ele estudara essa liacutengua Enviamos uma mensagem para seu blog

visando encontrar alguma pista a esse respeito Aimar Labaki depois de consultar a

dramaturga Maria Adelaide do Amaral respondeu-nos que provavelmente Alberto

fizera sua traduccedilatildeo do inglecircs ou do francecircs Isso daria forccedila agrave hipoacutetese apresentada na

seccedilatildeo anterior de que O Tradutor Desconhecido e Alberto Guzik teriam consultado a

mesma traduccedilatildeo estrangeira do Prometeu para fazerem suas respectivas traduccedilotildees em

portuguecircs

Existem vaacuterias indicaccedilotildees de cena ao longo de sua traduccedilatildeo o que nos faz

pensar que Guzik vislumbrava a possibilidade de sua traduccedilatildeo ser encenada Sua prosa eacute

fluente conseguindo expressar bem a tenacidade de Prometeu ldquoFaccedilas o que fizeres natildeo

conseguiraacutes fazer perecer o deus que eu sourdquo Outras vezes vale-se da ambiguidade dos

termos para potencializar a dramaticidade ldquoEle deus desejou unir a esta mortal e fez

dela a vagabunda que podes verrdquo

Guzik tambeacutem faz um uso bastante peculiar das interjeiccedilotildees

Io

Aaah As convulccedilotildees voltam a se apoderar de mim e o deliacuterio que transporta

minha alma queima e inflama

[]

Hermes

Pareces natildeo querer dizer nada do que deseja meu pai

Prometeu

Ooh Mas claro Vista minha diacutevida para com ele eu deveria lhe pagar com

meu reconhecimento natildeo eacute mesmo

Sendo um homem do teatro Guzik se dispocircs a traduzir uma obra daquele que

fora considerado o ldquopai da trageacutediardquo Talvez ao traduzi-la esse importante dramaturgo

brasileiro refletiu mais atentamente sobre a origem do gecircnero de arte a que tanto se

dedicou o drama

87

112 Jaa Torrano

Em marccedilo de 1971 Joseacute Antonio Alves Torrano (Jaa Torrano) chegara a Satildeo

Paulo para iniciar seus estudos de Liacutengua e Literatura Grega na Universidade de Satildeo

Paulo

Eu estava desempregado e incerto a respeito de que fazer e de como me

manter sozinho longe de minha famiacutelia na imensa erma e solitaacuteria cidade de

Satildeo Paulo [] Quando ainda morava em Catanduva fiz uma esforccedilada e

malsucedida tentativa de estudar grego claacutessico sozinho com os livros

tomados agraves bibliotecas do coleacutegio e da prefeitura (TORRANO 2006 p4)

O ProfAntonio da Silveira Mendonccedila professor de latim aposentado da USP

guarda algumas lembranccedilas daquele jovem aluno da USP

Como a maioria de noacutes Torrano chegou agrave USP de bolsos vazios Teve que

trabalhar enquanto estudava Se eu natildeo me engano ele trabalhou em uma

reparticcedilatildeo do Estado Mesmo assim ele natildeo se descurava dos estudos Era

extremamente esforccedilado Tambeacutem me lembro que o Torrano tinha um

profundo respeito e admiraccedilatildeo pelo seu professor de Grego O nome desse

professor era Cavalcante

Sobre o professor Cavalcante Jaa Torrano escreve em seu Memorial

No segundo semestre de 1971 convidado por uma colega mais experiente

fui assistir como ouvinte as aulas do curso sobre os filoacutesofos preacute-socraacuteticos

ministrado pelo Prof Dr Joseacute Cavalcante de Souza no Dept de Filosofia A

colega mais experiente me disse ldquoObserva como os olhos dele brilham

quando ele explica as palavras dos versos ou dos fragmentosrdquo Era verdade

Tambeacutem fiquei encantado com as aulas do Prof Cavalcante decorei os

versos de Parmecircnides e os fragmentos de Heraacuteclito recitava-os repetidas

vezes em silecircncio ou em voz alta lia e refletia sobre os enigmas da liacutengua e

do pensamento gregos assinalados pelo professor e desafiados em suas aulas

A meu ver na figura algo socraacutetica do Prof Cavalcante tanto durante suas

aulas quanto fora delas brilhava a magnificecircncia do simples (TORRANO

2006 p5)

A concepccedilatildeo que o Prof Cavalcante tinha sobre traduccedilatildeo teve um grande

impacto sobre a poeacutetica tradutoacuteria de seu aluno

A traduccedilatildeo para o professor Cavalcante estava a serviccedilo da hermenecircutica de

documentos literaacuterios e portanto o acircmbito da traduccedilatildeo eacute o da

interdisciplinaridade entre Histoacuteria Filosofia e Poesia (TORRANO apud

MALTA 2015 p186)

Para Torrano essa busca hermenecircutica de um entendimento mais acurado do

texto antigo por meio da traduccedilatildeo encontrou um eco expressivo nos famosos

ldquoparaacutegrafos metodoloacutegicosrdquo de Tuciacutedides (Histoacuteria da Guerra do Peloponeso 120-22)

Nesses paraacutegrafos o famoso historiador grego utiliza a palavra ldquoacribiardquo (rigor

88

exatidatildeo) afirmando que em seu trabalho a busca pela exatidatildeo no relato dos fatos

prevaleceria sobre o agrado que pudesse despertar em seus leitores Da mesma forma

parece que a preocupaccedilatildeo maior no trabalho tradutoacuterio de Torrano eacute a busca pela

exatidatildeo dos termos originais Isso eacute peceptiacutevel por exemplo no proacuteprio tiacutetulo de sua

traduccedilatildeo de 2009 Prometeu Cadeeiro como ele mesmo explica

O nome ldquodesmoacutetesrdquo eacute formado do mesmo tema de desmaacute e do sufixo de

nome de agente -tes Com esses elementos o sentido originaacuterio desse nome

eacute ldquoo encadeadorrdquo e aponta a competecircncia teacutecnica que faz de Prometeu um

Deus congecircnere (syggeneacutes cf Pr 14 e 39) de Hefesto a saber a arte

metaluacutergica com que se fabricam cadeias e todos os meios de encadear e de

prender Desmoacutetes portanto significa ldquoo senhor das cadeiasrdquo [] Ao dar

tiacutetulo a esta trageacutedia cujo tema central eacute a privaccedilatildeo de poderes e a

passividade em que se vecirc encadeado e imobilizado o Titatilde ao ser excluiacutedo de

toda participaccedilatildeo em Zeus o nome Desmoacutetes sofre uma mutaccedilatildeo de sentido

e adquire o sentido passivo que figura nos tiacutetulos das traduccedilotildees tradicionais

ldquoPrometeu encadeadordquo ou ldquoacorrentadordquo ou ldquoagrilhoadordquo etc Para indicar

essa mutaccedilatildeo e ambiguidade do tiacutetulo eacute necessaacuterio um nome de fabricante de

cadeias que tenha essa duplicidade de sentido ativo e passivo Em dois textos

diversos numa paacutegina de Memoacuterias do Caacutercere de Graciliano Ramos e no

verbete do Grande e Noviacutessimo Dicionaacuterio de Liacutengua Portuguesa de

Laudelino Freire pode-se verificar que a palavra ldquocadeeirordquo tem essa

duplicidade de sentido (TORRANO 2009 pp 327-8)

Essa busca por exatidatildeo (ldquoacribiardquo) natildeo tem sido um caminho faacutecil para Torrano

como ele mesmo afirma em entrevista dada a Andreacute Malta

[] mas este ideal estiliacutestico de precisatildeo concisatildeo e simplicidade ainda me

parece ora uma perene aspiraccedilatildeo ora a miragem de uma perene aspiraccedilatildeo

Sob esse aspecto o pior foi a traduccedilatildeo de Prometeu Prisioneiro publicada

em 1985 pelo seguinte motivo aleacutem de todas as exigecircncias impostas pelos

ideais estiliacutesticos de precisatildeo clareza e acribia poeacutetica havia uma

inacreditaacutevel exigecircncia extraordinaacuteria de manter no ponto de chegada

vernaacuteculo ndash tanto quanto possiacutevel ndash a mesma ordem das palavras que do

ponto de partida helecircnico Natildeo atribuo esse disparate ao meu professor mas a

uma brincadeira de Hermes com a minha admiraccedilatildeo amizade e estima por

meu professor quando percebi a piscada de Hermes refiz a traduccedilatildeo a que

dei o novo tiacutetulo Prometeu Cadeeiro (MALTA 2015 p187)

Veja-se a seguir algumas comparaccedilotildees entre as duas traduccedilotildees

ὦ δῖνο αἰζὴξ καὶ ηαρύπηεξνη πλναί

πνηακῶλ τε πεγαί πνληίσλ τε θπκάησλ

ἀλήξηζκνλ γέιαζκα πακκῆηόξ τε γῆ

θαὶ ηὸλ παλόπηελ θύθινλ ἡιίνπ θαιῶ

ἴδεζζέ κ᾽ νἷα πξὸο ζεῶλ πάζρσ ζεόο (vv89-92 grifo nosso)

89

Oacute divino Aitheacuter velozes alados ventos

fontes de rios das marinas ondas

inuacutemero riso omnimatildee Terra

e o omnividente ciacuterculo do Sol invoco

Vede-me o que dos Deuses padeccedilo Deus

(Prometeu Prisioneiro 1985)

Oacute divino Fulgor e velozes alados ventos

e fontes de rios e inuacutemero brilho

de ondas marinhas e Terra matildee de todos

e invoco o onividente ciacuterculo do sol

Vede-me que dos Deuses padeccedilo Deus

(Prometeu Cadeeiro 2009 grifo nosso)

Na traduccedilatildeo de 2009 nota-se que Torrano procura reproduzir a sequecircncia de

conjuccedilotildees presentes no original grego (θαὶηεηεηε) Ele natildeo fizera isso em sua

traduccedilatildeo de 1985 Esse recurso daacute um tom mais declamatoacuterio e meloacutedico agrave traduccedilatildeo de

2009 como se ela tivesse sido pensada natildeo soacute para ser lida em silecircncio Como visto

Torrano contara que em seu tempo de estudante decorava versos de Parmecircnides e

fragmentos de Heraacuteclito os quais recitava ldquorepetidas vezes em silecircncio ou em voz altardquo

Diante disso natildeo nos parece improvaacutevel que Torrano faccedila o mesmo com suas

traduccedilotildees Embora a versatildeo de 2009 natildeo possua um nuacutemero fixo de siacutelabas poeacuteticas

para todos os versos eacute possiacutevel perceber certo cuidado por parte de Torrano em relaccedilatildeo

agrave sonoridade de seu texto E de fato para M Said Ali

Ritmo eacute o que nos impressiona quer a vista quer o ouvido pela sua repeticcedilatildeo

frequente com intervalos regulares Condiccedilatildeo essencial deste conceito eacute que

os nossos sentidos possam perceber com facilidade a reiteraccedilatildeo [] Os olhos

notam ritmo no andamento do pecircndulo na marcha de um batalhatildeo e natildeo o

percebem na carreira veloz nem no rastejar [] Produzem no ouvido a

sensaccedilatildeo do ritmo reiteraccedilotildees superiores a 30 por minuto e inferiores a 140

(ALI 2006 p29-30)

Embora o perfil de tradutor de Torrano natildeo nos permita imaginar que ele fique

tamborilando na mesa contanto siacutelabas poeacuteticas enquanto escreve suas traduccedilotildees jaacute

tivemos por outro lado a ventura de ouvi-lo lendo alguns trechos de suas traduccedilotildees das

trageacutedias de Euriacutepides A impressatildeo que tivemos eacute que haacute certa regularidade no ritmo de

seus versos durante a leitura Veja-se por exemplo como os hendecassiacutelabos

prevalecem em sua dicccedilatildeo no trecho a seguir

90

1Oacute divino Fulgor e velozes alados ventos (14 siacutelabas poeacuteticas)

2e fontes de rios e inuacutemero brilho (Hendecassiacutelabo)

3de ondas marinhas e Terra matildee de todos (Hendecassiacutelabo)

4e invoco o onividente ciacuterculo do Sol (Dodecassiacutelabo)

5Vede-me que dos Deuses padeccedilo Deus (Hendecassiacutelabo)

(Prometeu Cadeeiro 2009)

Percebe-se um nuacutemero maior de neologismos em Prometeu Prisioneiro (1985)

em comparaccedilatildeo com Prometeu Cadeeiro (2009) ldquorectivolenterdquo ldquomarimuacutermeresrdquo

ldquoaltiacutengremesrdquo ldquoomnimatildeerdquo ldquolargiacutefluosrdquo Mas existem elementos no trabalho de

Torrano que natildeo mudam com o passar dos anos Satildeo como marcas que em conjunto

possibilitam distinguir suas traduccedilotildees das outras mesmo que natildeo estivessem assinadas

Uma delas eacute o fato de que Torrano natildeo traduz ndash talvez movido pelo seu princiacutepio de

ldquoacribiardquo ndash nenhuma das interjeiccedilotildees gregas

A liacutengua grega possui uma grande variedade de interjeiccedilotildees quase sempre

traduzidas simplesmente por ldquoAirdquo Torrano por sua vez apenas lhes translitera Sobre

esse ponto ele escreveu em nota para sua traduccedilatildeo da Medeia de Euriacutepides (1991)

Gritos de dor de alegria ou de espanto natildeo se traduzem Mantivemos as

interjeiccedilotildees tatildeo peculiares agrave trageacutedia tais e quais apenas transliterando-as

por supormos que o sentido geral do contexto e da situaccedilatildeo baste para

libertar-hes toda a carga emotiva e valor afetivo (TORRANO 1991 p25)

Outra caracteriacutestica notaacutevel e sempre utilizada por Torrano em suas traduccedilotildees

de trageacutedia grega eacute escrever as palavras ldquodeusrdquo e ldquodeusesrdquo ldquodeusardquo e ldquodeusasrdquo com a

inicial em letra maiuacutescula Dentre todas as versotildees brasileiras do Prometeu

Acorrentado somente o Baratildeo de Paranapiacaba e Torrano fazem isso Se olharmos

aleacutem das traduccedilotildees do Prometeu Haroldo de Campos tambeacutem empregou tal recurso em

sua traduccedilatildeo da Iliacuteada Veja-se a seguir

A ira Deusa celebra do peleio Aquiles

o irado desvario que aos Aqueus tantas penas

trouxe e incontaacuteveis almas arrojou no Hades

de valentes de heroacuteis espoacutelio para os catildees

pasto de aves rapaces fez-se a lei de Zeus

desde que por primeiro a discoacuterdia apartou

o Atreide chefe de homens e o divino Aquiles

Que Deus posto entre ambos provocou a rixa

91

Por outro lado veja-se a proposta de Carlos Alberto Nunes para a mesma

passagem

Canta-me a coacutelera ndash oacute deusa ndash funesta do Aquileu Pelida

causa que foi de os aquivos sofrerem trabalhos sem conta

e de baixarem para o Hades as almas de heroacuteis numerosos

e esclarecidos ficando eles proacuteprios aos catildees atirados

e como pasto das aves Cumpriu-se de Zeus o desiacutegno

desde o princiacutepio em que os dois em discoacuterdia ficaram cindidos

o de Atreu filho senhor de guerreiros e Aquileu divino

Qual dentre os deuses eternos foi a causa de que eles brigassem

Por fim aquele jovem que chegou de bolsos vazios na USP atualmente

completou mais de 40 anos como professor de Liacutengua e Literatura Grega na mesma

universidade onde se formou aleacutem de ser um dos mais proliacuteferos tradutores brasileiros

Ele ldquocriou uma forma muito particular de transposiccedilatildeo segundo a qual verter eacute fonte e

fim da atividade de interpretaccedilatildeordquo (MALTA 2015 p185)

113 Trajano Vieira

Segundo a Professora de Liacutengua e Literatura Grega da USP Adriane da Silva

Duarte (2016 p52)

Trajano Vieira tambeacutem fez seus estudos na USP e hoje eacute professor no IEL

[Intituto de Estudos da Linguagem] Unicamp Sua atividade acadecircmica eacute

indissociaacutevel de seu projeto tradutoacuterio Colaborador de Haroldo de Campos

na transcriaccedilatildeo da Iliacuteada de cuja poeacutetica se aproxima verteu a Odisseia (SP

Editora 34 2011) obra que fez juz ao precircmio Jabuti de traduccedilatildeo em 2012

Tem se dedicado agrave traduccedilatildeo do teatro grego sempre procurando soluccedilotildees

poeacuteticas variadas

Devemos reconhecer que o livro Trecircs Trageacutedias Gregas (1997) organizado por

Trajano Vieira (no qual estaacute o ensaio ldquoO Prometeu dos barotildeesrdquo de Haroldo de Campos)

e o texto apresentado por Adriane da Silva Duarte na XVI Jornada de Estudos da

Antiguidade ldquoEm Bom Portuguecircs a traduccedilatildeo dos claacutessicos greco-latinos no Brasilrdquo

(CEIA UFF publicado em 2016) foram os principais catalizadores da presente

pesquisa

Duarte (2016) faz um apanhado geral dos nomes significativos para a histoacuteria da

traduccedilatildeo dos claacutessicos greco-latinos no Brasil Entre essas figuras eacute mencionado o nome

de Dom Pedro II O texto tambeacutem informa que o Imperador solicitara aos barotildees a

92

realizaccedilatildeo de versotildees poeacuteticas a partir de sua traduccedilatildeo em prosa Na eacutepoca em que

lemos o texto em 2016 jaacute conheciacuteamos o papel de Dom Pedro II como patrocinador

das letras e das artes no Segundo Impeacuterio mas natildeo sabiacuteamos que ele proacuteprio se

dedicava agrave praacutetica tradutoacuteria e que tinha traduzido o Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo

Por meio da bibliografia encontrada no texto de Duarte chegamos ao livro Trecircs

Trageacutedias Gregas na esperanccedila de encontrarmos a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II

na iacutentegra Embora natildeo haja nenhuma transcriccedilatildeo ou anaacutelise da traduccedilatildeo em prosa de

Dom Pedro II nessas duas produccedilotildees acadecircmicas seriacuteamos injustos se natildeo

mencionaacutessemos a importacircncia que tiveram o texto de Adriane da Silva Duarte e o livro

organizado por Trajano Vieira despertando-nos o interesse para esse tema Olhando

para traacutes percebemos que sem essas duas produccedilotildees provavelmente a presente

dissertaccedilatildeo natildeo existiria

Em entrevista dada a Pedro Paulo Funari (Programa Diaacutelogo sem Fronteira

2012) Trajano Vieira afirma que a ldquotraduccedilatildeo criativa natildeo se coloca diante do original

de maneira submissa [] O tradutor aceita o desafio de dialogar com o originalrdquo Eacute

interessante essa afirmaccedilatildeo de Vieira A traduccedilatildeo criativa natildeo eacute um monoacutelogo no qual

apenas o autor originial se revela Isso fica evidente no seguinte trecho de sua

ldquotranscriaccedilatildeordquo da trageacutedia Prometeu Acorrentado

Prometeu

Adora adula invoca sempre o rei

Natildeo vale para mim nenhum vinteacutem

Que ele vigore em seu fugaz impeacuterio

No Olimpo seu poder seraacute efecircmero

Jaacute posso ver o leva-e-traz de Zeus

moleque-de-recado do tirano

Creio que traz consigo alguma nova

Embora expressem bem o desprezo que Prometeu estava sentindo por Hermes

no momento da fala as palavras em negrito (ldquovinteacutemrdquo ldquoleva-e-trazrdquo e ldquomoleque-de-

recadordquo) satildeo pouco convencionais em traduccedilotildees dos claacutessicos gregos Trajano em seu

diaacutelogo com o texto original alude a expressotildees proverbiais famosas em portuguecircs

como nesses versos de sua traduccedilatildeo do Aacutejax ldquo Quem te viu infeliz e quem te vecirc

digno de pranto ateacute dos inimigosrdquo ou nesta fala de Menelau ldquoBato na mesma tecla natildeo

o enterresrdquo A voz moderna de Trajano aqui eacute expliacutecita pois evidentemente entre os

gregos antigos natildeo existiam calculadoras maacutequinas de escrever ou piano para se bater

93

ldquona mesma teclardquo Ainda no trecho supracitado do Prometeu eacute possiacutevel notar as

seguintes aliteraccedilotildees e assonacircncias

Adora adula invoca sempre o rei

Natildeo vale para mim nenhum vinteacutem

Nota-se tambeacutem a intencionalidade poeacutetica do tradutor por meio da regularidade

do nuacutemero das siacutelabas poeacuteticas

Adora adula invoca sempre o rei (Decassiacutelabo)

Natildeo vale para mim nenhum vinteacutem (Decassiacutelabo)

Que ele vigore em seu fugaz impeacuterio (Decassiacutelabo)

No Olimpo seu poder seraacute efecircmero (Decassiacutelabo)

Jaacute posso ver o leva-e-traz de Zeus (Decassiacutelabo)

Moleque-de-recado do tirano (Decassiacutelabo)

Creio que traz consigo alguma nova (Decassiacutelabo)

Veja-se outra passagem interessante de sua traduccedilatildeo

Me cansas Natildeo sou onda para entrar

no teu embalo Deixo tudo claro

Zeus natildeo me atemoriza como agrave fecircmea

Natildeo peccedilo que me livre das algemas

como a mulher que estende palmas suacuteplices

Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter

Na traduccedilatildeo literal de Dom Pedro II encontra-se a mesma passagem vertida da

seguinte forma

Debalde me importunas como uma onda convencendo-me Nunca te entre

na cabeccedila que eu aterrado pelo designio de Juacutepiter me tornarei mulheril e

suplicarei com elevaccedilotildees femininas de matildeos ao grandemente odiado que me

solte destas cadeias estou inteiramente longe disto

Cotejando-se a soluccedilatildeo de Trajano Vieira com a versatildeo do Imperador a

proposta ldquotranscriadorardquo de Vieira se torna ainda mais evidente ldquoMe cansas Natildeo sou

onda para entrar no teu embalordquo

Em sentido lato os tradutores brasileiros tecircm optado por escolher ou os nomes

gregos das divindades ou os da tradiccedilatildeo latina Vieira por seu turno opta por utilizar as

duas tradiccedilotildees na passagem citada visando alcanccedilar uma criativa rima soante (rima de

vogais)

Me cansas Natildeo sou onda para entrar

no teu embalo Deixo tudo claro

Zeus natildeo me atemoriza como agrave fecircmea

94

Natildeo peccedilo que me livre das algemas

como a mulher que estende palmas suacuteplices

Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter

Nota-se ainda a confluecircncia de sons encontrada entre as palavras ldquosuacuteplicesrdquo e

ldquoexpliacutecitordquo

como a mulher que estende palmas suacuteplices

Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter

E a rima soante e interna encontrada no segundo verso da passagem citada

Me cansas Natildeo sou onda para entrar

no teu embalo Deixo tudo claro

A sequecircncia de trecircs proparoxiacutetonas intercaladas por duas palavras entre elas

cria um efeito interessante como se Prometeu estivesse ldquocuspindordquo as palavras cheio de

oacutedio

como a mulher que estende palmas suacuteplices

Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter

Vale a pena ainda citar a uacuteltima fala de Prometeu Trajano Veira visando

expressar adequadamente a carga emotiva do Titatilde diante da portentosa fuacuteria de Zeus

opta por um metro mais curto (octossiacutelabo) fazendo com que a fala do titatilde se torne

ainda mais acelerada

Cala a palavra Fala o ato

a terra toda treme rouco

o ronco do trovatildeo ecoa

relacircmpagos acendem tranccedilas

de fogo o remoinho roda

a poeira rajadas irrompem

e encenam uma guerra aeacuteria

Ceacuteu no mar confusatildeo extrema

Eacute Zeus o autor dessa intempeacuterie

Quer abater-me de pavor

Matildee veneraacutevel Eacuteter luz

Moldura moacutevel do universo

Contempla minha pena injusta

Para finalizar a presente seccedilatildeo cita-se a seguir mais um trecho da entrevista jaacute

mencionada de Trajano Vieira

95

De uma forma geral acho que a gente como tradutor deve assumir riscos

Mesmo que o resultado natildeo seja o mais adequado no final Mas o gesto

corajoso me parece ser mais interessante do que uma atitude submissa Eacute pelo

menos assim que eu penso [] Para mim a traduccedilatildeo estaacute ligada agrave satisfaccedilatildeo

Eu jamais conseguiria traduzir um texto sob encomenda ateacute gostaria mas eu

natildeo consigo Soacute consigo traduzir textos que despertem num certo momento

de leitura a minha atenccedilatildeo para algo e a partir dali eu comeccedilo a traduzir

Conclusatildeo

Mauri Furlan afirma que a traduccedilatildeo eacute ldquohistoacuterica e reflete uma concepccedilatildeo

histoacuterica da linguagem e portanto mutaacutevel atraveacutes dos temposrdquo (2015 p247) O

exemplo das versotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado parece confirmar tal

afirmaccedilatildeo Natildeo haacute versotildees idecircnticas nem mesmo entre duas traduccedilotildees empreendidas

pelo mesmo autor como nos casos de Paranapiacaba e Jaa Torrano Tambeacutem os

exemplos citados parecem indicar que devemos ter cuidado em ver as versotildees poeacuteticas

do Baratildeo de Paranapiacaba unicamente como a ldquo traduccedilatildeo de Dom Pedro II em versosrdquo

A leitura da trageacutedia diverge em pontos importantes como por exemplo a questatildeo da

cumplicidade entre Oceano e Prometeu Nas versotildees de Paranapiacaba Oceano eacute

cuacutemplice de Prometeu apenas no sentido de se condoer com a situaccedilatildeo do Titatilde

encadeado mas nas traduccedilotildees de Dom Pedro II e Ramiz Galvatildeo a leitura parece sugerir

que Oceano participara de alguma forma dos planos de Prometeu para socorrer a

humanidade mas saiu ileso Portanto se as versotildees de Paranapiacaba fossem apenas

adaptaccedilotildees da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II elas dificilmente difeririam na

leitura dessa passagem Uma anaacutelise mais detalhada da traduccedilatildeo Imperial e das versotildees

poeacuteticas de Paranapiacaba como a empreendida no proacuteximo capiacutetulo parece tambeacutem

fortalecer essa tese

A traduccedilatildeo de J B de Mello e Souza eacute a que possui o maior nuacutemero de ediccedilotildees

nove no total se contarmos tambeacutem a ediccedilatildeo original (1950 1964 1966 19691970

1998 2001 2002 2005) Ela retoma a tradiccedilatildeo comeccedilada pelos barotildees e Dom Pedro II

depois de quatro deacutecadas sem que o Prometeu fosse novamente traduzido

Contando com as reediccedilotildees as deacutecadas de 60 e a de 90 do seacuteculo passado foram

as que nos deram o maior nuacutemero de publicaccedilotildees do Prometeu Acorrentado sete para

96

cada uma delas39

Coincidecircncia ou natildeo foi justamente na deacutecada de 60 que ocorreu o

golpe militar no Brasil iniciando um periacuteodo de ditadura que soacute terminaria no final da

deacutecada de 80 Isso parece indicar certa tendecircncia pela qual a famosa trageacutedia de Eacutesquilo

foi lida e interpretada40

Dom Pedro II manifestou o desejo de traduzir o Prometeu Acorrentado enquanto

estava envolvido na longa e cruenta Guerra do Paraguai Talvez o choque entre uma

monarquia constitucional e uma ditadura em efetiva expansatildeo tenha suscitado no

Imperador o interesse por essa trageacutedia grega Como se sabe Dom Pedro II era um

inegaacutevel incentivador das letras e das artes e natildeo seria difiacutecil para ele se identificar com

Prometeu que afirma em uma passagem da trageacutedia ldquoEm poucas palavras aprende tudo

de uma vez todas as artes proviram aos mortais de Prometeurdquo (traduccedilatildeo de Dom Pedro

II) No entanto a leitura proposta por Jaa Torrano nos chama atenccedilatildeo para a

possibilidade de que Eacutesquilo natildeo pretendesse encenar uma espeacutecie de manifesto contra a

tirania mas instigar uma interessante e complexa reflexatildeo sobre a soberania de Zeus

39

Deacutecada de 60 J B de Mello e Souza (1964 1966 1969) Jaime Bruna (1964 1968) Napoleatildeo Lopes

Filho (1967) e Maacuterio da Gama Kury (1968) Deacutecada de 90 Maacuterio da Gama Kury (1993 1998 1999)

Trajano Vieira (1997) Jaime Bruna (1996) JB de Mello e Souza (1998) e Ramiz Galvatildeo (1997)

40 Segundo Daisi Malhadas (1988 p105) ldquoCom uma certa regularidade particularmente a partir da

deacutecada de sessenta tem havido no Brasil montagens de peccedilas gregas do seacuteculo V aCrdquo Entre as

encenaccedilotildees modernas ocorridas no periacuteodo pode-se destacar Eacutedipo Rei em 1967 dirigida por Flaacutevio

Rangel com Paulo Autran no papel de Eacutedipo Electra em 1965 direccedilatildeo de Antocircnio Abujanra Prometeu

Acorrentado em 1969 direccedilatildeo de Emiacutelio Di Biasi Em 1975 ldquotivemos uma das mais expressivas criaccedilotildees

inspirada na trageacutedia Medeia de Euriacutepides A Gota d‟aacutegua do dramaturgo e diretor de teatro Paulo Pontes

e de Francisco Buarque de Holanda famoso compositor de muacutesica popular brasileira tratado mais

comumente pelo cognome de Chico Buarquerdquo(ibidem p109) No ano de 1979 houve mais uma

encenaccedilatildeo do Prometeu Acorrentado desta vez sob a direccedilatildeo de Ivan Albuquerque

97

CAPIacuteTULO 2 ndash Anaacutelise da traduccedilatildeo de Dom Pedro II e de suas versotildees

poeacuteticas

No artigo ldquoEm busca da tradiccedilatildeo perdidardquo Paula da Cunha Correcirca professora de

Liacutengua e Literatura Grega da Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da

USP coteja trechos de trecircs traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo

Os autores das traduccedilotildees analisadas por Correcirca satildeo Ramiz Galvatildeo Joatildeo Cardoso de

Menezes e Trajano Vieira Dentre as duas versotildees de Paranapiacaba Paula da Cunha

Correcirca analisa a versatildeo na qual predominam os decassiacutelabos soltos No presente

capiacutetulo a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e a versatildeo poeacutetica na qual o Baratildeo de

Paranapiacaba emprega as rimas seratildeo observadas em confronto com a versatildeo em que

predominam os decassiacutelabos soltos evocando-se muitas vezes as consideraccedilotildees feitas

por Correcirca em seu artigo A proposta nos parece vantajosa pelos seguintes motivos

1) Correcirca faz uma anaacutelise cuidadosa baseando-se em estudos filoloacutegicos de

autores como Chantraine (1954) Griffith (1983) e ML West (1990)41

Prudentemente a professora e pesquisadora uspiana comenta

Fazer criacutetica de traduccedilatildeo eacute tarefa ingrata na qual eacute possiacutevel cometer as mais

graves injusticcedilas Pois se o bom tradutor estaacute sempre sacrificando uma

passagem ou um aspecto do texto para compensaacute-lo de outra forma ou em

outro lugar a lente do criacutetico pode incidir justamente sobre seus versos

menos felizes ou ao contraacuterio apenas pinccedilar os melhores para favorececirc-lo

(CORREcircA 1999 p175)

2) Como Correcirca natildeo tinha DPedro II em mente valendo-se de seus

comentaacuterios acerca das soluccedilotildees oferecidas pelas traduccedilotildees de Trajano

Vieira Ramiz Galvatildeo e Joatildeo Cardozo de Menezes pode-se alcanccedilar um

escopo maior com a inclusatildeo da versatildeo de D Pedro II e da outra versatildeo do

Baratildeo de Paranapicaba

Na anaacutelise proposta seguir-se-aacute a ordem encontrada no artigo de Correcirca quanto

agraves citaccedilotildees dos textos gregos e dos seus posicionamentos frente agraves traduccedilotildees analisadas

Levando-se em conta que as versotildees do Baratildeo de Paranapiacaba e a de Ramiz Galvatildeo

41 Aleacutem da contribuiccedilatildeo dada por Chantraine em seu artigo ldquoA propos de ladverbe ionien ιmicroίσο ιέσοrdquo

cita-se a contribuiccedilatildeo de ML West em Studies in Aeschylus Stuttgart 1990

98

foram incentivadas por Dom Pedro II dar-se-aacute ecircnfase a elas nas citaccedilotildees as quais seratildeo

seguidas pelos comentaacuterios de Correcirca e pelos trechos correspondentes da traduccedilatildeo em

prosa de DPedro II e da outra versatildeo poeacutetica de Paranapiacaba

21 Primeira rodada de leitura

Principiemos a anaacutelise proposta pela primeira passagem do Prometeu

Acorrentado citado no artigo Em busca da tradiccedilatildeo perdida de Paula da Cunha Correcirca

Ἥθαηζηε ζνὶ δὲ ρξὴ κέιεηλ ἐπηζηνιὰο

ἅο ζνη παηὴξ ἐθεῖην ηόλδε πξὸο πέηξαηο

ὑςεινθξήκλνηο ηὸλ ιεσξγὸλ ὀρκάζαη

ἀδακαληίλσλ δεζκῶλ ἐλ ἀξξήθηνηο πέδαηο (vv3-6)

O filoacutelogo brasileiro Ramiz Galvatildeo lecirc a passagem da seguinte forma

Das ordens de teu pai Hefesto cuida

e o criminoso prende agraves escarpadas

rochas co‟algemas de accedilo que natildeo quebrem

O Baratildeo de Paranapiacaba por sua vez traduz os mesmos versos nestes termos

Tempo eacute de dar execuccedilatildeo agraves ordens

Que o Pai te impocircs Vulcano Neste abrupto

Alcantil prende em rede inquebrantaacutevel

De adamantinos viacutenculos formada

Este amotinador do povo []

Eis o comentaacuterio de Correcirca para as versotildees apresentadas

Na primeira caracterizaccedilatildeo de Prometeu o Poder o chama de criminoso (v5

leotildergoacutes) Eacute impressionante que o Baratildeo de Ramiz no final do seacuteculo

passado tenha chegado agrave mesma soluccedilatildeo que Chantraine em 1954 obteve

apoacutes estudar esse termo importante e tatildeo difiacutecil Segundo Chantraine leotildergoacutes

eacute derivado de leicircos que significa liso o que foi aplanado reduzido a poacute e

portanto destruiacutedo Hesiacutequio (III 3196) glosa leotildergoacutes por malfeitor

espertalhatildeo e homicida e segundo Poacutelux (III134) nas Memorabilia (I39)

de Xenofonte eacute uma palavra grosseira chula Esse termo injurioso mas

ldquosem valor juriacutedicordquo serviu como ldquoum dos diversos substitutos de

kakoucircrgosrdquo e seguindo o seu modelo designa um ldquomalfeitorrdquo que eacute capaz de

99

tudo Ao citar o fragmento 177 W de Arquiacuteloco e esses dois versos do

Prometeu (vv4-5) Chantraine traduziu o termo por ldquocriminosordquo assim como

o fizeram Ramiz Galvatildeo e Trajano Vieira42

(CORREcircA 1999 p176)

Tratando-se da soluccedilatildeo de Paranapiacaba Correcirca afirma

O Baratildeo de Paranapiacaba por sua vez verte leotildergoacutes por bdquoamotinador do

povo‟ A expressatildeo aleacutem de ser longa especifica o crime de Prometeu que

no epiacuteteto original permanece indeterminado (ibidem p176)

O interessante eacute que a mesma soluccedilatildeo de Paranapiacaba eacute tambeacutem encontrada na

traduccedilatildeo de Napoleatildeo Lopes Filho Napoleatildeo afirmou que tambeacutem consultara um

ldquotexto castelhano impresso por Pedro Henrique Urentildea da Editorial Losada SA

Buenos Aires 1941 que se deve a uma traduccedilatildeo direta do grego de autoria de Fernando

Segundo Brieva de Salvatierrardquo (LOPES FILHO 1967 p103) A traduccedilatildeo de

Salvatierra por sua vez foi publicada em 1880 e como se sabe Joatildeo Cardoso de

Menezes publicou suas versotildees poeacuteticas em 1907 Seraacute que o Baratildeo tambeacutem teria

consultado a traduccedilatildeo de Salvatierra enquanto fazia suas versotildees poeacuteticas A traduccedilatildeo

de ldquoleotildergoacutesrdquo por ldquoamotinador do povordquo feita tanto por Paranapiacaba quanto por

Napoleatildeo Lopes Filho pode indicar uma influecircncia comum A soluccedilatildeo de Lopes Filho

para o trecho comentado por Correcirca eacute a seguinte

A ti pois Hefestos importa dar cumprimento agraves ordens do Pai amarrar este

agitador do povo no alto precipiacutecio destas rochas [] (grifo nosso)

E de fato a influecircncia de Salvatierra na traduccedilatildeo de Paranapiacaba pode ser

atestada pela seguinte nota escrita pelo Baratildeo em seu livro de 1907

Salvatierra diz que leorgograven quer dizer ldquoalborotador do povordquo baseando a sua

interpretaccedilatildeo na rigorosa etymologia do termo ldquoque actuacutea sobre o povo e o

moverdquo ldquotomando a palavra actuacutea em sentido indifferente e natildeo aacute boa ou maacute

parterdquo O Escholiasta e Suidas datildeo a esta palavra cinco significados diversos

(PARANAPIACABA 1907 p141)43

42

Deves cumprir agrave risca Hefesto o eacutedito

paterno aprisionar o criminoso

com fortes cabos de accedilo no rochedo iacutengreme

(Trajano Vieira)

43 A ortografia original foi mantida na citaccedilatildeo Vale lembrar que a anaacutelise do termo por

Chantraine eacute de 1954 A etimologia de ldquoleotildergoacutesrdquo na acepccedilatildeo de ldquoalborotador do povordquo era possiacutevel na

eacutepoca em que os barotildees fizeram suas versotildees embora hoje desacreditada

100

Veja-se a seguir as duas versotildees de Paranapiacaba em confronto Doravante

chamar-se-aacute a versatildeo que emprega rimas e natildeo analisada por Correcirca de ldquoversatildeo 1rdquo pois

foi a primeira versatildeo composta por Joatildeo Cardoso de Menezes como demonstrado no

Capiacutetulo 144

A versatildeo analisada por Paula Correcirca a que emprega os decassiacutelabos

soltos seraacute denominada ldquoversatildeo 2rdquo

Quadro IV Cotejo das versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba para os versos 3-6 do original

Nota-se que a versatildeo 1 harmoniza-se mais com o comentaacuterio de Correcirca isto eacute

Paranapiacaba traduziu o termo ldquoleotildergoacutesrdquo por ldquomalfeitorrdquo palavra com significado

mais proacuteximo ao de ldquocriminosordquo acepccedilatildeo esta empregada tanto por Ramiz Galvatildeo

como por Trajano Vieira Eacute perceptiacutevel tambeacutem que a exigecircncia de rima autoimposta

por Paranapiacaba deixou a versatildeo 1 mais prolixa do que a versatildeo 2 Como visto no

Capiacutetulo 1 o original grego possui 1093 versos e a versatildeo 1 de Paranapicaba conta com

1410 versos (317 versos a mais que o original) A versatildeo 2 por sua vez conta com

1338 versos perfazendo 245 versos a mais do que o texto grego A traduccedilatildeo de Ramiz

Galvatildeo por outro lado possui 1084 versos 9 versos a menos que o original

Como seraacute que a versatildeo em prosa de Dom Pedro II se sairia diante do

comentaacuterio de Correcirca Veja-se a seguir o trecho que Pedro de Alcacircntara traduziu

Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu o Pai de ligar este malfeitor

aos rochedos alcantilados com algemas infrangiacuteveis de viacutenculos de accedilo

(grifo nosso)

44 Ver paacutegina 60 da presente dissertaccedilatildeo

Versatildeo 1

Vulcano Eacute tempo Executa

Ordens que o Pai quis impor

Nesta penedia abrupta

Prega este audaz malfeitor

Em forte indomaacutevel trama

De liames adamantinos

Intrinca-o bem []

Versatildeo 2

Tempo eacute de dar execuccedilatildeo agraves ordens

Que o Pai te impocircs Vulcano Neste abrupto

Alcantil prende em rede inquebrantaacutevel

De adamantinos viacutenculos formada

Este amotinador do povo []

101

D Pedro II bem como Paranapiacaba (versatildeo 1) vertem leotildergoacutes como

ldquomalfeitorrdquo Mesmo assim existem mais divergecircncias que convergecircncias na escolha

das expressotildees no restante da passagem em questatildeo Se Paranapiacaba traduz

ldquoἀδακαληίλσλ δεζκῶλ ἐλ ἀξξήθηνηο πέδαηοrdquo por ldquoidomaacutevel trama de liames

adamantinosrdquo (versatildeo 1) e ldquorede inquebrantaacutevel de adamantinos viacutenculos formadardquo

(versatildeo 2) Dom Pedro II por sua vez traduz ldquocom algemas infrangiacuteveis de viacutenculos de

accedilordquo Eacute importante salientar que o Baratildeo procurou uma correspondecircncia sonora maior

com o termo grego ldquoἀδακαληίλσλrdquo vertendo-o por ldquoadamantinosrdquo em suas duas versotildees

poeacuteticas

Como jaacute mencionado na Introduccedilatildeo da presente dissertaccedilatildeo Alessandra Fraguas

historiadora e pesquisadora do Museu Imperial informou-nos acerca da existecircncia de

uma versatildeo preliminar feita por Dom Pedro II da traduccedilatildeo em prosa que transcrevemos

no presente trabalho Esse ldquoesboccedilordquo estaacute depositado no Museu Imperial localizado no

Rio de Janeiro (Maccedilo 37 ndash Doc 1057 ndash B de Dom Pedro II ndash Ensaio sobre Prometeu

Acorrentado Museu Imperial Ibram Ministeacuterio da Cidadania)

Diante dessa inusitada descoberta tambeacutem poderemos cotejar trechos das duas

versotildees Imperiais ao longo desse capiacutetulo algo natildeo vislumbrado no iniacutecio de nossa

pesquisa

Nos momentos em que a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro) for cotejada com a versatildeo depositada no

Museu Imperial (Doc 1057 ndash B) as citaccedilotildees dos respectivos manuscritos seratildeo feitas

levando-se em conta os criteacuterios expostos na Introduccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo sobretudo no

que se refere ao uso dos sinais diacriacuteticos Por meio de tais sinais a transcriccedilatildeo indicaraacute

as rasuras feitas no processo de redaccedilatildeo Segundo Daros (2019 p199) ldquoeacute a anaacutelise das

rasuras que permite reconstruir a cronologia das diversas versotildees e vislumbrar o

encadeamento do processo criativordquo Tendo isso em mente veja-se a seguir o cotejo das

versotildees feitas por Dom Pedro II da passagem do Prometeu Acorrentado analisada ateacute

aqui Marcaremos as palavras idecircnticas nas duas versotildees em negrito

102

Versatildeo final

Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu o pae de ligar este

malfeitograver aos rochedos alcantilados com algemas infrangiveis de vinculos

de accedilo (Doc 4695-A Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro)

Versatildeo preliminar

Oh Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu (deacutera) o pae de ligar

a este ao malfeitor aos rochedos cheios de precipicios em prisotildees

indestructiveis de ferreos vinculos (Maccedilo 37 ndash Doc 1057 ndash Museu

Imperial Ibram Ministeacuterio da Cidadania)45

Nota-se por meio do cotejo que a versatildeo preliminar se mostra mais prolixa

Tambeacutem o Imperador registra a duacutevida sobre qual tempo verbal iria utilizar ldquodeu

(dera)rdquo Aleacutem disso tem-se a impressatildeo de que a versatildeo final eacute mais fluente e mais

elegante em sua sonoridade Diante de tais nuanccedilas seria interessante questionar em que

consiste tal impressatildeo suscitada pela versatildeo final do Imperador

Guilherme de Almeida em ldquoA poesia d‟Os Sertotildeesrdquo46

afirma que ldquo Poesia natildeo eacute

apenas verso Antes e acima da medida estaacute o Ritmo que eacute como Deus primeiro

Poesia eacute essencialmente Ritmo no sentir no pensar e no dizerrdquo (CAMPOS amp

ALMEIDA 2010 p60) Em seu artigo Almeida apresenta elementos presentes na

prosa de Euclides da Cunha que indicariam uma intencionalidade poeacutetica nas linhas d‟

Os Sertotildees Exiacutemio poeta Guilherme de Almeida consegue perceber vaacuterios decassiacutelabos

na prosa de Euclides afirmando que ldquoEacute notaacutevel a preferecircncia de Euclides pelo verso

decassiacutelabo Haacute nisso certo uma imposiccedilatildeo ataacutevica pois que essa de dez siacutelabas eacute a

medida nobre do verso portuguecircs a pauta uniforme d‟Os Lusiacuteadasrdquo (CAMPOS amp

ALMEIDA 2010 p59) E ainda

45 Diferentemente da versatildeo depositada no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro a versatildeo do Museu

Imperial natildeo traz a data de sua redaccedilatildeo mas devido agraves caracteriacutesticas de esboccedilo eacute muito provaacutevel que ela

seja anterior agrave versatildeo depositada no IHGB Supotildee-se que a versatildeo do Museu Imperial foi redigida no final

do ano de 1870 e comeccedilo de 1871 As paacuteginas dessa provaacutevel versatildeo preliminar apresentam um estaacutegio

maior de deterioraccedilatildeo provocado pelo tempo em comparaccedilatildeo com a versatildeo de abril de 1971 depositada

no IHGB Tambeacutem a versatildeo do Museu Imperial apresenta um nuacutemero maior de rasuras e emendas feitas

pelo Imperador o que a torna bastante interessante Nota-se que a caligrafia eacute a mesma nos dois

documentos mas na versatildeo do Museu Imperial a redaccedilatildeo eacute mais descuidada fazendo com que se tenha

um nuacutemero maior de palavras ilegiacuteveis

46

Artigo publicado originalmente no Diaacuterio de SPaulo em 18 de agosto de 1946 e reimpresso

novamente em 2010 juntamente com o a artigo Transertotildees de Augusto de Campos sob a organizaccedilatildeo de

Marcelo Taacutepia Ambos os artigos tratam da poesia existente na prosa de Euclides da Cunha em Os

Sertotildees

103

Tatildeo dominante eacute em Euclides como em todo grande poeta essa necessidade

teacutecnica da chave de oiro que a derradeira linha d‟Os Sertotildees a uacuteltima d‟ ldquoA

Lutardquo conteacutem na macabra descriccedilatildeo do cadaacutever do Conselheiro um dos

mais belos alexandrinos jamais compostos em nossas letras pela profundeza

do fundo e pela formosura da forma este verso magistral

As linhas essenciais do crime e da loucura (CAMPOS amp ALMEIDA 2010

p60)

Antes de ler o artigo de Guilherme de Almeida o poeta e tradutor Augusto de

Campos tambeacutem chega a conclusotildees semelhantes Em sua pesquisa particular consegue

encontrar mais de 500 decassiacutelabos em Os Sertotildees Depois de tomar conhecimento da

publicaccedilatildeo de Almeida Campos se impressiona com o fato de que muitos dos

decassiacutelabos encontrados por Guilherme tambeacutem foram encontrados por ele Talvez

essa convergecircncia de resultados seja um forte indiacutecio de que de fato Eucliacutedes da Cunha

intencionava suscitar um efeito esteacutetico em seus leitores em vez de unicamente narrar os

fatos da guerra Augusto de Campos escreve

Qual o sentido dessa perquiriccedilatildeo textual e desses exerciacutecios de estilo que

potildeem a noacutes os extratos poeacuteticos de Os Sertotildees Natildeo eacute por certo querer

ingenuamente converter em poesia a prosa de Euclides num torneio

artificioso de alquimia verbal O que se pretende eacute demonstrar o quanto as

estruturas poeacuteticas ndash no seu adensamento riacutetmico plaacutestico e sonoro ndash

contribuiacuteram para dar ao texto o ldquotonusrdquo peculiar que eacute de seu livro naqueles

precisamente em que ele se revela mais original e persuasivo recorreu

Euclides aos meacutetodos da poesia ndash o que eacute claro natildeo se restringe agrave adoccedilatildeo de

ritmos e metros embora estes intervenham com significativa parcela para

essa caracterizaccedilatildeo mas tambeacutem no emprego de condensadas figuras de

linguagem ndash metaacuteforas metoniacutemias antiacuteteses - tudo convergindo para

transformar o discurso meramente didaacutetico ou expositivo e dar-lhe a

configuraccedilatildeo sensiacutevel e diferencial que eleva o repoacuterter de Canudos agraves alturas

de um notaacutevel criador literaacuterio (CAMPOS amp ALMEIDA 2010 p30)

Como jaacute comentado Joseph Arthur de Gobineau instava Dom Pedro II a fazer a

traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado em versos O Imperador natildeo atendera ao pedido do

diplomata francecircs Apesar disso sabe-se que Pedro de Alcacircntara era um versificador

experiente e por isso deduz-se que sua recusa natildeo fora motivada por incompetecircncia

poeacutetica Paranapiacaba por exemplo cita o seguinte soneto escrito por Dom Pedro II

no exiacutelio (a ortografia original seraacute mantida)

ASPIRACcedilAtildeO

Deos que os orbes regulas esplendentes

Em numero e medida ponderados

Nelles abrigo daacutes aos desterrados

Que se vatildeo suspirosos e plangentes

104

Assim dos ceacuteos aacutes vastidotildees silentes

Ergo os meos pobres olhos fatigados

Indagando em que mundos apartados

Lenitivo aacute saudade nos consentes

Breve Senhor do carcere d‟argilla

Hei de evolar-me murmurando ansioso

Timida prece digna-te de ouvil-a

Potildee-me ao peacute do Cruzeiro majestoso

Que no antarctico ceacuteo vivo scintilla

Fitando sempre o meo Brasil saudoso

(PARANAPIACABA1907 p247)

Sua habilidade em versejar tambeacutem foi demonstrada em suas traduccedilotildees como a

que fez de alguns cantos da Divina Comeacutedia de Dante Alighieri ou nos seguintes

versos da sua traduccedilatildeo de Cinco de maio poema de Alessandro Manzoni que tem como

tema a morte de Napoleatildeo Bonaparte47

Morreo e qual marmoacutereo

Solto o postremo alento

O corpo jaz exanime

Orpham d‟um tal portento

Assim sorpresa attonita

A terra co‟ a nova estaacute

Muda pensando na ultima

Hora do homem fatal

Nem sabe si tatildeo celebre

Planta de peacute mortal

Seo poacute de sangue avido

Inda pisar viraacute

Seraacute que o conviacutevio iacutentimo do Imperador com a poesia refletiu-se de alguma

forma em sua traduccedilatildeo em prosa do Prometeu Acorrentado Seraacute que assim como no

47 Tambeacutem citado por Paranapiacaba (1907 p 244)

105

caso de Os Sertotildees de Euclides da Cunha existiriam alguns versos ocultos em sua

traduccedilatildeo da antiga trageacutedia de Eacutesquilo

Natildeo seria uma empreitada impossiacutevel reorganizar um texto em prosa em versos

com nuacutemeros de siacutelabas poeacuteticas relativamente semelhantes Mas escandir uma linha de

prosa natildeo eacute o bastante para se comprovar que nela subjazem versos poeacuteticos O ritmo

em poesia afirmou Guilherme de Almeida tem a primazia eacute ldquocomo Deusrdquo

Geralmente em liacutengua portuguesa o ritmo eacute marcado num poema por meio de

unidades regulares como rima aliteraccedilotildees assonacircncias e siacutelabas tocircnicas No trecho

visto da versatildeo final de Dom Pedro II por exemplo pode-se notar algo interessante se

reconfigurarmos sua prosa nos seguintes versos respeitando a ordem das palavras e natildeo

trucando as mesmas para se alcanccedilar um mesmo nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas em cada

verso o que seria algo arbitraacuterio (vale a pena ressaltar que o esquema proposto a seguir

eacute apenas um entre outras possibilidades)

1Vulcano cumpre cuidares Heptassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

2das ordens que te deu o pai Octossiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ )

3 de ligar este malfeitor Octossiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ )

4 Aos rochedos alcantilados Octossiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ᵕ ‒)

5 com algemas infrangiacuteveis Heptassiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ )

6 de viacutenculos de accedilo Pentassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

Veja-se por exemplo que os versos 3 4 e 5 comeccedilam com peacutes anapestos e

terminam de forma semelhante ( ᵕ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒

ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) e os versos 1 2 e 6 comeccedilam com jambos ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ

‒ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) sendo que os versos 1 e 6 aleacutem de comeccedilarem com o mesmo

peacute tambeacutem terminam com anapesto Fazendo o mesmo exerciacutecio com a versatildeo

preliminar da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II percebe-se que natildeo se alcanccedila um

resultado mais harmocircnico do que o conseguido com a versatildeo final do Imperador

embora seja possiacutevel dispor a prosa em versos com nuacutemeros de siacutelabas poeacuteticas

relativamente semelhantes

1Oacute vulcano cumpre cuidares Octossiacutelabo ( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

2das ordens que te deu (dera) Heptassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ‒ )

3o Pai de ligar a este Heptassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ )

4ao malfeitor aos rochedos Heptassiacutelabo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

5cheios de precipiacutecios Pentassiacutelabo ( ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒)

106

6em prisotildees indestrutiacuteveis Heptassiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒)

7 de feacuterreos viacutenculos Tetrassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ )

A impressatildeo eacute de que as posiccedilotildees das siacutelabas tocircnicas e aacutetonas satildeo mais aleatoacuterias

na versatildeo preliminar o que natildeo contribui para a construccedilatildeo da melopeia no texto

(POUND 1977 p63) como se pode averiguar a seguir

Versatildeo Final

( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ᵕ ‒) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

Versatildeo preliminar

( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒) ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ )

Ao longo deste capiacutetulo tentaremos tambeacutem evidenciar os elementos presentes

na prosa do Imperador que parecem indicar a intencionalidade na construccedilatildeo de efeitos

sonoros em sua versatildeo final do Prometeu Acorrentado Por ora coteja-se a seguir a

versatildeo final de Dom Pedro II com as versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba As

palavras e as expressotildees convergentes com a traduccedilatildeo do Imperador seratildeo marcadas em

negrito

Quadro V Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (original vv3-6)

Como se pode notar pouca eacute a correspondecircncia entre as versotildees poeacuteticas de

Paranapiacaba e a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II Se entre as versotildees em prosa do

Imperador a correspondecircncia eacute de 17 palavras excetuando-se os artigos e as

preposiccedilotildees entre a traduccedilatildeo Imperial (versatildeo final) e as versotildees do Baratildeo a

correspondecircncia eacute de apenas 5 palavras

Dom Pedro II

Vulcano cumpre cuidares das

ordens que te deu o Pai de

ligar este malfeitor aos

rochedos alcantilados com

algemas infrangiacuteveis de

viacutenculos de accedilo

Paranapiacaba (versatildeo 1)

1Vulcano Eacute tempo Executa

2Ordens que o Pai quis impor

3Nesta penedia abrupta

4Prega este audaz malfeitor

5Em forte indomaacutevel trama

6De liames adamantinos

Paranapiacaba (versatildeo 2)

1Tempo eacute de dar execuccedilatildeo agraves ordens

2Que o Pai te impocircs Vulcano Neste

[abrupto

4Alcantil prende em rede

[inquebrantaacutevel

5De adamantinos viacutenculos formada

[Este amotinador do povo []

107

22 Segunda rodada de leitura

Passemos aos outros versos analisados por Paula da Cunha Correcirca

ἐγὼ δ᾽ ἄηνικόο εἰκη ζπγγελῆ ζεὸλ

δῆζαη βίᾳ θάξαγγη πξὸο δπζρεηκέξῳ (vv14-5)

Ramiz Galvatildeo

Falta-me contudo o acircnimo de ataacute-lo

um deus parente agrave rocha procelosa

Baratildeo de Paranapiacaba

Agora quanto a mimsinto faltar-me

Coragem de fincar nessa quebrada

Que algente bruma intoleraacutevel torna

Um Deus parente meu Mas o Destino[]

Correcirca comenta

Destaca-se mais uma vez a linguagem clara e direta de Trajano48

concisa

como a de Ramiz Em ldquoprecipiacutecioparenterdquo a aliteraccedilatildeo (ζπγγελῆ

θάξαγγη) eacute reconfigurada mas perde-se a qualificaccedilatildeo da escarpa como sendo

dyskheicircmeros (ldquoprocelosardquo em Ramiz e parafraseada por Paranapiacaba em

ldquoque algente bruma intoleraacutevel tornardquo) Por outro lado eacute preferiacutevel a versatildeo

de aacutetolmos como ldquofalta de coragemrdquo presente em Paranapiacaba e Trajano agrave

arcaizante soluccedilatildeo de Ramiz (ldquofalta de acircnimordquo) (CORREcircA 1999 p177)

Agrave luz do comentaacuterio citado veja-se as respectivas traduccedilotildees de DPedro II e

Baratildeo de Paranapiacaba (versatildeo 1) a comeccedilar pela do Imperador (versatildeo final)

Sou tiacutemido para encadear com violecircncia um deus parente ao despenhadeiro hibernoso

DPedro II traduz o adjetivo dyskheicircmeros (invernal) por ldquohibernosordquo e consegue

verter aacutetolmos por uma uacutenica palavra ldquotiacutemidordquo que eacute justamente algueacutem em que falta a

coragem

48

Trajano Vieira

Pregar no precipiacutecio um deus parente

exige uma coragem que eu natildeo tenho

108

Compara-se a seguir as duas versotildees do Imperador marcando-se em negrito as

palavras convergentes

Versatildeo final

Sou tiacutemido para encadear com violecircncia um deus parente ao

despenhadeiro hibernoso

Versatildeo preliminar

Sou tiacutemido para encadear ltuarraacute forccedilagt um ilegiacutevel deus parente no

alcantilado vale hibernoso

Neste ponto seria profiacutecuo tambeacutem cotejar a versatildeo final do Imperador com as

versotildees poeacuteticas da lavra de Paranapiacaba Marcar-se-aacute tambeacutem em negrito as palavras

que coincidem com a versatildeo final de Dom Pedro II

Quadro VI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (originalvv14-5)

Observa-se que a escolha vocabular eacute bastante diversa entre Paranapiacaba e

Dom Pedro II Apenas as palavras ldquodeusrdquo e ldquoparenterdquo coincidem Ainda assim ldquodeusrdquo eacute

escrito com inicial maiuacutescula nas versotildees de Paranapiacaba e o Imperador faz o inverso

em sua traduccedilatildeo Outro ponto interessante eacute que apenas DPedro II entre os tradutores

analisados traduz a palavra βίᾳ em seu uso adverbial ldquocom violecircnciardquo (versatildeo final) e

ldquoagrave forccedilardquo (versatildeo preliminar) δῆζαι βίᾳ φάραγγι πρὸς δσζτειμέρῳ ldquoencadear com

violecircncia ao despenhadeiro hibernosordquo

Dom Pedro II

Sou tiacutemido para encadear com

violecircncia um deus parente ao

despenhadeiro hibernoso

Paranapiacaba (versatildeo 1)

E a mim falece coragem

De nesta algente quebrada

A um Deus de minha

[linhagem

Prender em teia cerrada

Paranapiacaba (versatildeo 2 )

Agora quanto a mimsinto

[faltar-me

Coragem de fincar nessa

[quebrada

Que algente bruma

[intoleraacutevel torna

Um Deus parente meu[]

109

23Terceira rodada

ἄθνληά ζ᾽ ἄθσλ δπζιύηνηο ραιθεύκαζη

πξνζπαζζαιεύζσ ηῷδ᾽ ἀπαλζξώπῳ πάγῳ

ἵλ᾽ νὔηε θσλὴλ νὔηε ηνπ κνξθὴλ βξνηῶλ

ὄςεη ζηαζεπηὸο δ᾽ ἡιίνπ θνίβῃ θινγὶ

ρξνηᾶο ἀκείςεηο ἄλζνο ἀζκέλῳ δέ ζνη

ἡ πνηθηιείκσλ λὺμ ἀπνθξύςεη θάνο

(vv19-24)

Ramiz Galvatildeo

pregar-te-ei nesta rocha desabrida

onde natildeo vejas voz nem forma humana

a tez mimosa fanaraacutes ansioso

pela noite de estrelas recamada

Baratildeo de Paranapiacaba

Em noacutes de bronze indissoluacuteveis

- A meu e teu pesar - eu vou pregar-te

Aqui nunca haacutes de ouvir mortal acento

Nem face de homem ver antes crestado

Lento pelas do sol ferventes chamas

Perderaacutes dia a dia a flor da pele

Haacute de a noite por ti sempre almejada

Sumir o dia no estrelado manto

Correcirca comenta

Novamente os versos de Paranapiacaba satildeo quase prosaicos quando

comparados com os de Ramiz e Trajano49

e o acreacutescimo desnecessaacuterio de

expressotildees adverbiais inexistentes no texto original (ldquolentordquo ldquonuncardquo ldquodia a

diardquo) torna exacerbada a jaacute forte carga de emoccedilatildeo da passagem Nota-se

tambeacutem um cochilo de Ramiz Galvatildeo que deixou de traduzir um verso

49

contra noacutes dois o bronze indissoluacutevel

te imobiliza no penedo inoacutespito

de onde natildeo vecircs nem voz nem cor humana

O sol aceso troca a flor da pele

queimada Para teu aliacutevio a noite

encobre o lume com seu manto ruacutetilo

(Trajano Vieira)

110

inteiro Haacute outras liccedilotildees para o verso 19 como por exemplo a presente na

ediccedilatildeo de West Mas poderia Ramiz estar trabalhando com um texto no qual

o verso simplesmente natildeo constasse O ldquobronze indissoluacutevelrdquo de Trajano

recupera de forma enxuta a boa soluccedilatildeo de Paranapiacaba e no verso

seguinte ldquopenedo inoacutespitordquo reproduz a aliteraccedilatildeo grega [ἀπαλζξώπῳ πάγῳ]

vertendo o adjetivo apanthroacutepoi com maior precisatildeo do que o ldquodesabridardquo de

Ramiz[] Quanto agrave uacuteltima frase desse excerto mais sonora e precisa eacute a

soluccedilatildeo de Trajano que natildeo empalidece nem vulgariza a imagem original

Pois a ldquonoiterdquo natildeo eacute ldquorecamada de estrelasrdquo (Ramiz) nem se trata de um

ldquomanto estreladordquo (Paranapiacaba) Os trajes da noite satildeo poikiacuteloi

(ldquovariegadosrdquo ldquobordadosrdquo ldquomultifacetadosrdquo eacute antes um ldquomanto ruacutetilordquo que a

veste (CORREcircA 1999 p178)

Tendo em mente o comentaacuterio de Paula Correcirca leia-se a seguir a traduccedilatildeo em

prosa do Imperador e a versatildeo 1 de Paranapiacaba iniciando novamente pela de D

Pedro (versatildeo final)

[] constrangido pregar-te-ei constrangido com cadeias indissoluacuteveis neste

monte inoacutespito onde nem voz nem figura de homem veraacutes mas queimado

lentamente pela chama brilhante do sol perderaacutes o mimo da cor A ti alegrado

a noite de manto variegado ocultaraacute a luz e o sol dissiparaacute de novo a geada

matutinardquo (grifo nosso)

Segue abaixo a soluccedilatildeo de Paranabiacaba para a mesma passagem (versatildeo 1)

Neste vatildeo sem treita humana

Muito a meu e teu pesar

Por injunccedilatildeo soberana

Vou em seguida cravar

Natildeo veraacutes humano rosto

Nem voz mortal ouviraacutes

Ao queimor do sol exposto

A flocircr da tez perderaacutes

A noite que sempre ansioso

Estaraacutes por ver surgir

Haacute de o dia luminoso

No veacuteu de estrelas sumir

Segundo o comentaacuterio de Paula da Cunha Correcirca ldquoOs trajes da noite satildeo

poikiacuteloi (bdquovariegados‟ bdquobordados‟ bdquomultifacetados‟ eacute antes um bdquomanto ruacutetilo‟ que a

veste)rdquo (CORREA 1999 p178) Diante desse comentaacuterio DPedro II fez uma boa

111

escolha ldquo [] a noite de manto variegado ocultaraacute a luzrdquo (grifo nosso) Infelizmente o

manuscrito da versatildeo preliminar estaacute deteriorado no trecho em questatildeo mas algo do

processo criativo do Imperador pode ser notado se cotejarmos a versatildeo final com o que

ainda permanece legiacutevel na versatildeo preliminar Para isso novamente se utilizaraacute

transcriccedilotildees diplomaacuteticas Como de praxe marcar-se-aacute em negrito as palavras

coincidentes

Versatildeo final

constrangido pregar-te-ei constrangido com cadegraveas indissoluveis n‟este

ltuarrmontegt inhospito onde nem voz nem figura de homem veraacutes mas

queimado lentamente pela chamma brilhante ltuarrdogt sol perderaacutes o mimo

da cograver A ti alegrado a noite de manto varie[fl2]gado occultaraacute a luz e o sol

dissiparaacute de nogravevo a geada matutina Porem sempre te atormentaraacute o pesar

do mal presente pois quem deve livrar-te natildeo nasceu ainda

Versatildeo preliminar

ltuarrconstrangidogt[] te pregarei constrangido com bronzes indissoluveis

no monte inhospitoltuarrOndegt [ para que ] natildeo ltuarrsentiraacutesgt [ te sintas ] nem

voz nem forma de homem queimado lentamente pela ma brilhante

do sol perderaacutes a belleza da cograver A ti cont de

[fl2] te a ti

sempre te atormentaraacute pois quem de alliviar-te natildeo nasceu ainda

Apesar de algumas diferenccedilas pontuais a correspondecircncia eacute muito grande entre

as duas versotildees Salta agrave vista que a versatildeo preliminar possui mais emendas do que a

final como era de se esperar Na versatildeo final por exemplo Dom Pedro II opta por

colocar o pronome em mesoacuteclise (ldquopregar-te-eirdquo) em vez de ldquote pregareirdquo (versatildeo

preliminar) ldquocadeias indissoluacuteveisrdquo em lugar de ldquobronzes indissoluacuteveisrdquo ldquofigura de

homemrdquo substituindo ldquoforma de homemrdquo ldquomimo da corrdquo em vez de ldquobeleza da corrdquo e

ldquolivrar-terdquo substituindo ldquoaliviar-terdquo A expressatildeo grega ldquoἄθνληά ζ᾽ ἄθσλrdquo apresenta um

interessante desafio aos tradutores como expressar em liacutengua portuguesa os

simultacircneos e ao mesmo tempo diversos constrangimentos de Hefesto e Prometheu (o

constrangimento de quem executa e o de quem padece) sem soar estranho Trajano

Vieira apresenta uma soluccedilatildeo interessante ldquocontra noacutes dois o bronze indissoluacutevel te

imobilizardquo Nota-se na traduccedilatildeo de Vieira a projeccedilatildeo da culpa do ato de prender

Prometeu a um objeto inanimado no caso ldquoo bronze indissoluacutevelrdquo sujeito do periacuteodo

na traduccedilatildeo de Vieira Em contrapartida Hefesto eacute o agente no original grego ldquoeu

112

cravareirdquo (πξνζπαζζαιεύζσ) Dom Pedro II traduz ldquo[]constrangido pregar-te-ei

constrangido com cadeias indissoluacuteveisrdquo (versatildeo final) e ldquoconstrangido te pregarei

constrangido com bronzes indissoluacuteveisrdquo (versatildeo preliminar) Na versatildeo 2

Paranapiacaba verte ldquo[] a meu e teu pesar eu vou pregar-terdquo Na versatildeo 1 encontra-

se ldquo Muito a meu e teu pesar Por injunccedilatildeo soberana Vou em seguida cravarrdquo

Percebe-se a grande correspondecircncia entre as duas versotildees em prosa de Dom

Pedro II na passagem citada O que dizer entatildeo das versotildees poeacuteticas do Baratildeo de

Paranapiacaba Veja-se a seguir

Quadro VII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (original vv19-

24)

Excetuando-se os artigos e as preposiccedilotildees na versatildeo 1 de Paranapiacaba

encontram-se apenas 6 palavras que tambeacutem foram usadas por Dom Pedro II Na versatildeo

2 o nuacutemero eacute de 9 palavras embora a palavra ldquochamardquo esteja no plural na versatildeo do

Baratildeo Jaacute entre as versotildees em prosa do Imperador a correspondecircncia eacute de 27 palavras

excetuando-se os artigos e preposiccedilotildees e mesmo havendo uma grande lacuna causada

pela deterioraccedilatildeo do manuscrito da versatildeo preliminar

Dom Pedro II (versatildeo final)

[] constrangido pregar-te-ei

constrangido com cadeias

indissoluacuteveis neste monte inoacutespito

onde nem voz nem figura de

homem veraacutes mas queimado

lentamente pela chama brilhante

do sol perderaacutes o mimo da cor A

ti alegrado a noite de manto

variegado ocultaraacute a luz e o sol

dissiparaacute de novo a geada

matutinardquo

Baratildeo de Paranapiacaba

(versatildeo 1)

Neste vatildeo sem treita humana

Muito a meu e teu pesar

Por injunccedilatildeo soberana

Vou em seguida cravar

Natildeo veraacutes humano rosto

Nem voz mortal ouviraacutes

Ao queimor do sol exposto

A flocircr da tez perderaacutes

A noite que sempre ansioso

Estaraacutes por ver surgir

Haacute de o dia luminoso

No veacuteu de estrelas sumir

Paranapiacaba (versatildeo 2)

A meu e teu pesar eu vou

[pregar-te

Aqui nunca haacutes de ouvir mortal

[acento

Nem face de homem ver

antes [crestado

Lento pelas do sol ferventes

[chamas

Perderaacutes dia a dia a flor da

[pele

Haacute de a noite por ti sempre

[almejada

Sumir o dia no estrelado

[manto

113

24 Quarta rodada

ἀδακαληίλνπ λῦλ ζθελὸο αὐζάδε γλάζνλ

ζηέξλσλ δηακπὰμ παζζάιεπ᾽ ἐξξσκέλσο

(vv64-5)

Ramiz Galvatildeo

Agora enterra-lhe por sobre os peitos

Da cunha de accedilo os arrogantes dentes

Baratildeo de Paranapiacaba (versatildeo 2)

O dente ousado dessa cunha d‟accedilo

Embebe em cheio por seu peito adentro

Eis o comentaacuterio de Correcirca

Prometeu recebe nos versos 436 964 1012 1034 e 1037 a mesma

adjetivaccedilatildeo aqui conferida ao ldquodenterdquo da cunha que iraacute feri-lo Como ele o

accedilo eacute authaacutedes isto eacute ldquorefrataacuteriordquo ldquoobstinadordquo ou ldquosem remorsordquo A atitude

de espiacuterito atribuiacuteda ao accedilo jaacute humanizado por meio da metaacutefora

(ldquomandiacutebulardquo) transparece de forma mais clara nos versos dos barotildees

(ldquoarrogantes dentesrdquo ldquodente ousadordquo) Por outro lado o verbo ldquoencravarrdquo

empregado por Trajano50

significa exatamente (como o grego passaleacuteuo)

afixar prender como ou com um ldquocravordquo (paacutessalos) (CORREcircA 1999

p178)

A seguir as respectivas versotildees de Dom Pedro II

Versatildeo final

Agora forte enterra atravez dos peitos os dentes arrogantes da cunha de accedilo

Versatildeo preliminar

ora prega ltuarrfortementegt [] ltuarr a bocagt [em fio presunccediloso] (que se

compraz ndash isso ltuarrcomgt [de] feacuterrea cunha ltuarr passando por cimagt [

atravez] dos peitos

50

Trajano Vieira

No meio do seu peito encrava agora

O dente afiado desta cunha de accedilo

114

A grande quantidade de rasuras e correccedilotildees presentes na versatildeo preliminar

revela que o Imperador repensou bastante a passagem em questatildeo Valeu o esforccedilo Um

efeito sonoro interessante eacute alcanccedilado em sua versatildeo final como se pode observar por

exemplo dividindo-se o periacuteodo em dois versos hendecassiacutelabos

1 Agora forte enterra atraveacutes dos peitos

2 os dentes arrogantes da cunha de accedilo

O primeiro verso apresenta o seguinte esquema riacutetmico ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒

e o segundo ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒

Veja-se a seguir a versatildeo 1 de Paranapiacaba em confronto com a versatildeo 2 e

tambeacutem com a versatildeo final de Dom Pedro II

Quadro VIII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (original vv64-

5)

Se abonarmos o fato de que a palavra ldquopeitordquo estaacute no singular nas versotildees de

Paranapiacaba e no plural na do Imperador encontram-se 3 palavras convergentes na

primeira versatildeo e 4 na segunda (a palavra ldquodenterdquo tambeacutem apresenta diferenccedila de

nuacutemero) Por outro lado veja-se a traduccedilatildeo de Ramiz Galvatildeo em confronto com a

versatildeo de Dom Pedro II

Quadro IX Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo de Ramiz Galvatildeo (originalvv64-5)

Dom Pedro II

Agora forte enterra atraveacutes dos

peitos os dentes arrogantes da

cunha de accedilo

Paranapicaba (versatildeo 1)

D‟essa cunha drsquoaccedilo o corte

-Fundo- Embebe-lhe no peito

Baratildeo de Paranapiacaba

(versatildeo 2)

O dente ousado dessa

[cunha drsquoaccedilo

Embebe em cheio por

[seu peito adentro

Dom Pedro II

Agora forte enterra atraveacutes dos

peitos os dentes arrogantes da

cunha de accedilo

Ramiz Galvatildeo

Agora enterra-lhe por sobre os

[peitos

Da cunha de accedilo os arrogantes

[dentes

115

As traduccedilotildees de Ramiz Galvatildeo e a D Pedro II se mostram bastante semelhantes

nesse trecho Ramiz traduz ldquoAgora enterra-lhe por sobre os peitos da cunha de accedilo os

arrogantes dentesrdquo e Dom Pedro ldquoAgora forte enterra atravez dos peitos os dentes

arrogantes da cunha de accedilordquo A humanizaccedilatildeo da cunha pelo emprego da palavra

authaacutedes (ldquoobstinadordquo ldquosem remorsordquo) presente na versatildeo 2 de Paranapiacaba e nesse

ponto elogiada por Correa ldquoO dente ousado dessa cunha d‟accedilo Embebe em cheio por

seu peito adentrordquo (grifo nosso) eacute perdida na versatildeo 1 ldquoD‟essa cunha d‟accedilo o corte -

Fundo- Embebe-lhe no peitordquo Harmonizando-se ao comentaacuterio de Paula da Cunha

Correcirca o Imperador traduz ldquoarrogantes dentesrdquo Como visto Ramiz a quem Dom

Pedro II tambeacutem confiou o encargo de fazer uma versatildeo poeacutetica a partir de sua traduccedilatildeo

em prosa repete a mesma expressatildeo em sua versatildeo

25 Quinta e uacuteltima rodada

ὦ δῖνο αἰζὴξ θαὶ ηαρύπηεξνη πλναί

πνηακῶλ ηε πεγαί πνληίσλ ηε θπκάησλ

ἀλήξηζκνλ γέιαζκα πακκῆηόξ ηε γῆ

θαὶ ηὸλ παλόπηελ θύθινλ ἡιίνπ θαιῶ

(vv88-91)

Ramiz Galvatildeo

Eacuteter divino alados prestos ventos

Fontes dos rios ondular das vagas

Terra ndash matildee comum sol omnividente

Eu vos invoco

Baratildeo de Paranapiacaba (versatildeo 2)

Oacute Eacuteter divinal auras velozes

Mananciais dos rios voacutes oacute risos

Inumeraacuteveis de marinhas ondas

Oacute Terra matildee universal oacute disco

Do sol omnividente Aqui me tendes

O comentaacuterio de Paula Correcirca para a passagem citada eacute

116

Ao inverter a ordem dos dois primeiros elementos invocados (aparentemente

por questotildees meacutetricas) Trajano51

sacrifica a composiccedilatildeo em anel (ldquopriamelrdquo)

uma figura comum na poesia grega arcaica Se acompanhamos no texto

grego a sequecircncia das invocaccedilotildees notamos que Prometeu dirige-se primeiro

ao elemento mais alto o Eacuteter depois aos ventos agraves aacuteguas e agrave terra antes de

voltar ao sol Ao ldquodiscordquo do sol (v91) e ao seu trajeto circular corresponde a

figura traccedilada pela enumeraccedilatildeo Verter dicircos aitheacuter por ldquoar divinordquo em vez

de ldquoEacuteter divinordquo ou ldquodivinalrdquo tambeacutem acarreta dificuldades porque aleacutem de

ldquoarrdquo e ldquoEacuteterrdquo serem coisas distintas dada a sua colocaccedilatildeo entre viacutergulas apoacutes

ldquoventosrdquo (e natildeo coordenado como no original) eacute faacutecil confundi-lo com um

aposto (CORREcircA 1999 p179)

Paula da Cunha Correcirca tambeacutem escreve a seguinte nota

Segundo Griffith na eacutepica arcaica o Eacuteter eacute ldquoo espaccedilo entre terra e ceacuteu ou o

proacuteprio ceacuteurdquo Veja poreacutem GSKirk JERaven e MSchofield em The

Presocratic Philosophers (Cambridge 1983 p 9) que citam Homero

Hesiacuteodo e Xenoacutefanes para a distinccedilatildeo entre aeacuter e aitheacuter o primeiro eacute o ldquoarrdquo

da parte inferior do ceacuteu (ceacuteu e terra) ldquoenquanto a parte superior (chamada agraves

vezes de ouranaacutes) eacute o Eacuteter o ar superior que eacute brilhante e pode ser concebido

como fogordquo (ibidem p179)

Talvez por isso Jaa Torrano agrave guisa de exemplo translitera aitheacuter em sua

traduccedilatildeo de 1985 e verte o mesmo termo por ldquoFulgorrdquo em sua traduccedilatildeo de 2009

Oacute divino Aitheacuter velozes alados ventos

fontes de rios das marinas ondas

inuacutemero riso omnimatildee Terra

e o omnividente ciacuterculo do Sol invoco

Vede-me o que dos Deuses padeccedilo Deus

(Prometeu Prisioneiro 1985)

Oacute divino Fulgor e velozes alados ventos

e fontes dos rios e inuacutemero brilho

de ondas marinhas e Terra matildee de todos

e invoco o onividente ciacuterculo do Sol

Vede-me que dos Deuses padeccedilo Deus

51

Trajano Vieira

Ventos alivelozes ar divino

Fontes dos rios inuacutemeros sorrisos

de ondas salinas Terra matildee-de-todos

eu vos invoco e ao sol visatildeo total

no disco[]

117

(Prometeu Cadeeiro 2009)

Dom Pedro II assim como Trajano Vieira opta por traduzir o termo grego

aitheacuter por ldquoarrdquo algo natildeo abonado pelo comentaacuterio de Correcirca Contudo a transcriccedilatildeo

diplomaacutetica da versatildeo final da traduccedilatildeo em prosa revela que o termo ldquoarrdquo foi uma

substituiccedilatildeo feita posteriormente pelo Imperador

ltuarrOh ar divinogt[] e ventos de azas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees

innumeraveis das ondas marinhas e terra matildee universal e disco

omnividente do sol a voacutes invoco vede-me quanto eu deus soffro dos deuses

A expressatildeo ldquoOh ar divinordquo foi escrita sobre algo que foi riscado e que estaacute

ilegiacutevel no manuscrito do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro Felizmente com a

descoberta dos esboccedilos dessa traduccedilatildeo eacute possiacutevel saber como o Imperador havia

traduzido aitheacuter antes da correccedilatildeo citada Veja-se a seguir

Ether de Jupiter ventos de azas raacutepidas ltuarrfontesgt[] dos rios innumeravel

ondulaccedilatildeo (inumeraacuteveis ondulaccedilotildees) das ondas marinhas Terra matildee

universal e invoco o circulo (o disco) omnividente do sol olhae-me deus

soffro taes cousas da parte dos deuses

Dom Pedro II substituiu a expressatildeo ldquoEther de Jupiterrdquo por ldquoOh ar divinordquo

Se por um lado a traduccedilatildeo da palavra grega ldquoaitheacuterrdquo natildeo foi adequada na versatildeo

final de Dom Pedro segundo o comentaacuterio de Correcirca por outro essa mesma versatildeo

reproduz outro aspecto presente no original grego e que foi desconsiderado por todos

os outros tradutores brasileiros (exceto Jaa Torrano com sua versatildeo de 2009) a

coordenaccedilatildeo por meio da reinteraccedilatildeo da conjunccedilatildeo ldquoerdquo dando agrave traduccedilatildeo um tom mais

declamatoacuterio

ὦ δῖνο αἰζὴξ καὶ ηαρύπηεξνη πλναί

πνηακῶλ τε πεγαί πνληίσλ τε θπκάησλ

ἀλήξηζκνλ γέιαζκα πακκῆηόξ τε γῆ

καὶ ηὸλ παλόπηελ θύθινλ ἡιίνπ θαιῶ

ltuarrOh ar divinogt[] e ventos de azas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees

innumeraveis das ondas marinhas e terra matildee universal e disco

omnividente do sol a voacutes invoco vede-me quanto eu deus soffro dos deuses

118

Comparando-se as duas versotildees de Dom Pedro II eacute possiacutevel notar um cuidado

maior em relaccedilatildeo agrave sonoridade na versatildeo final

Versatildeo preliminar

[]olhae-me deus soffro taes cousas da parte dos deuses (Catorze siacutelabas )

Versatildeo final

[]vede-me quanto eu deus soffro dos deuses (Decassiacutelabo heroico com assonacircncia em ldquoeurdquo )

Ainda explorando a sonoridade do texto da versatildeo final da traduccedilatildeo em prosa de

Dom Pedro II nota-se

‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ

Oacute ar divino e ventos de asas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees inumeraacuteveis das

‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ

ondas marinhas e terra matildee universal e disco onividente do sol a voacutes invoco

‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ‒

vede-me quanto eu deus sofro dos deuses

As palavras ldquoondulaccedilotildeesrdquo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ldquoinumeraacuteveisrdquo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ldquouniversalrdquo ( ᵕ ᵕ

ᵕ ‒ ) e ldquoonividenterdquo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) parecem suscitar um efeito sonoro que evoca a vastidatildeo

do ermo no qual Prometeu estava aprisionado Dessarte o Imperador natildeo soacute reproduz a

composiccedilatildeo em ldquopriamelrdquo pela enumeraccedilatildeo adequada dos termos mas tambeacutem a evoca

por meio do ritmo Veja-se tambeacutem a interessante aliteraccedilatildeo entre os termos ldquouniversalrdquo

(consoantes finais) e ldquosolrdquo as assonacircncias em ldquooacuterdquo e a correspondecircncia sonora entre

ldquouni-rdquo e ldquooni-rdquo no trecho seguinte da versatildeo final

[]e terra matildee universal e disco onividente do sol a voacutes invoco[]

A mudanccedila regular de peacutes no trecho em questatildeo eacute notoacuteria

‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒

ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒

ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ‒

119

A passagem comeccedila com trecircs peacutes trocaicos ( ‒ ᵕ ) seguidos por trecircs datiacutelicos ( ‒

ᵕ ᵕ ) que datildeo lugar a dois peacutes que lembram o peocircnio grego ( ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ) em seguida o

ritmo retorna aos trecircs peacutes datiacutelicos ( ‒ ᵕ ᵕ ) Passa-se entatildeo para um movimento

interessante dois peacutes troicaicos intercalados com dois ldquopeocircniosrdquo e seguidos por um

datiacutelico ( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ) eacute Prometeu bradando ldquo terra matildee

universal e disco onividente dordquo Em seguida temos uma sequecircncia de trecircs peacutes

trocaicos ( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ) antes de um admiraacutevel decassiacutelabo heroacuteico que eacute a chave de

ouro ldquovede-me quanto eu deus sofro dos deusesrdquo ( ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) Dificilmente

escapa aos ouvidos a melopeia desse trecho

Veja-se agora a versatildeo 1 do Baratildeo de Paranapiacaba ao lado da versatildeo final do

Imperador Marca-se em negrito as palavras que coincidem

Quadro X Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 1 de Paranapiacaba (original vv88-91)

Apenas 6 palavras coincidem Seraacute que algo semelhante ocorre ao cotejar-se a

versatildeo 2 com a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro

Quadro XI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 2 de Paranapiacaba (original vv88-91)

Desta vez encontram-se quatorze palavras idecircnticas Embora a correspondecircncia

seja ainda pequena a versatildeo 2 de Paranapiacaba se mostrou mais proacutexima da traduccedilatildeo

Baratildeo de Paranapiacaba

Oacute Ether divinal oacute ventos d‟asa promta

Oacute fontes fluviais risos do mar sem conta

Oacute Terra genetriz de cujo seio ingente

Tudo brota do sol oacute disco onividente

Ouvi-me a invocaccedilatildeo Eu peccedilo que vejais

Quantas dores impotildeem a um Nume os Imortais

Dom Pedro II

Oacute ar divino e ventos de asas velozes e fontes

dos rios e ondulaccedilotildees inumeraacuteveis das ondas

marinhas e terra matildee universal e disco

onividente do sol a voacutes invoco vede-me

quanto eu deus sofro dos deuses

Baratildeo de Paranapiacaba

Oacute Eacuteter divinal auras velozes

Mananciais dos rios voacutes oacute risos

Inumeraacuteveis das marinhas ondas

Oacute Terra matildee universal oacute disco

Do Sol onividente Aqui me tendes

Vede que dor a um Deus infligem Deuses

Dom Pedro II

Oacute ar divino e ventos de asas velozes e fontes dos

rios e ondulaccedilotildees inumeraacuteveis das ondas

marinhas e terra matildee universal e disco

onividente do sol a voacutes invoco vede-me quanto

eu deus sofro dos deuses

120

em prosa de Dom Pedro II do que a primeira nos trechos analisados Sabemos pela carta

escrita pelo Baratildeo agrave Princesa Isabel que a versatildeo 2 foi feita a pedido de Lafayette

Rodrigues Pereira Seraacute que Lafayette tambeacutem sugeriu ao Baratildeo que procurasse uma

proximidade maior com a traduccedilatildeo em prosa do Imperador Infelizmente a carta

enviada agrave Princesa natildeo nos daacute mais detalhes a esse respeito

Paula da Cunha Correcirca termina seu artigo com as seguintes palavras

No final entre perdas e ganhos apoacutes confrontar essa pequena amostra dos

versos de Trajano e dos barotildees seria muito difiacutecil se tiveacutessemos que escolher

entre eles como Dioniso no concurso cocircmico de poetas traacutegicos nas Ratildes Os

finalistas provavelmente seriam Ramiz e Trajano ora a balanccedila pende para

um ora para o outro Mas daiacute entre esses dois faccedilo minhas as palavras do

deus (Aristoacutefanes As Ratildes vv1411-13)

Queridos satildeo e natildeo irei julgaacute-los

Odiosa a nenhum dos dois serei

pois um tenho por saacutebio o outro me agrada (CORREA 1999 p179)

A disputa eacute dura Mas em vista do que foi analisado parece-nos que Dom Pedro

II natildeo ficaria atraacutes

Conclusatildeo

Como se pode observar pelos exemplos elencados ao longo do presente capiacutetulo

as versotildees poeacuteticas e a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II satildeo obras distintas e por

isso seus meacuteritos e demeacuteritos natildeo podem ser associados indistintamente umas as outras

Tal conclusatildeo poderaacute ser ainda mais fortalecida pela leitura completa das transcriccedilotildees

integrais dessas obras presentes nos capiacutetulos finais da presente dissertaccedilatildeo

Depois da anaacutelise empreendida eacute possiacutevel supor que a traduccedilatildeo de Dom Pedro II

serviu como um estiacutemulo ao trabalho de Paranapiacaba em vez de servir-lhe

propriamente como um paradigma a ser imitado O cotejo entre as versotildees revelou que

quase sempre o Baratildeo seguiu o seu proacuteprio caminho Mesmo em notas preparadas para

a sua versatildeo 1 quando citava uma versatildeo literal natildeo era a de Dom Pedro II Veja-se

por exemplo a nota 111 escrita por Paranapiacaba

Litteralmente De sua horrenda guela expedia um sibilo de morte de seus

olhos dardejava como o raio um fogo de goacutergone

121

Jaacute a traduccedilatildeo literal de Dom Pedro II para a mesma passagem eacute ldquo soprando

exterminio pelas medonhas queixadas fulminava dos olhos gorgoneo lampejo []rdquo

Apenas a palavra ldquoolhosrdquo eacute coincidente

Se a palavra ldquotrasladaccedilatildeordquo encontrada no tiacutetulo do livro do Baratildeo for

entendida como apenas ldquoadaptaccedilatildeordquo poeacutetica da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II

(Prometheu Acorrentado original de Eschylo Vertido litteralmente para o portuguez

por Dom Pedro II Imperador do Brasil trasladaccedilatildeo poeacutetica do texto pelo Baratildeo de

Paranapiacaba grifo nosso) tal tiacutetulo induziraacute a um erro de entendimento pois

nenhuma das versotildees poeacuteticas eacute por assim dizer ldquoDom Pedro II em versosrdquo

Embora Dom Pedro II natildeo tivesse atendido a solicitaccedilatildeo do diplomata Joseph

Arthur de Gobineau de empreender uma traduccedilatildeo em versos percebe-se na anaacutelise

realizada que o Imperador natildeo descurou da sonoridade de sua traduccedilatildeo em prosa do

Prometeu Acorrentado Se a primeira versatildeo lembra traduccedilotildees escolares que visam

apenas o aprendizado de uma liacutengua estrangeira a versatildeo final por sua vez revela um

tratamento mais acurado quanto agrave sonoridade do texto valendo-se de assonacircncias

aliteraccedilotildees e criando padrotildees interessantes com as posiccedilotildees das siacutelabas tocircnicas ao longo

dos periacuteodos Veja-se por exemplo os efeitos sonoros produzidos pela sequecircncia

ldquorevolvemrdquo ldquoventosrdquo e ldquorevoltardquo na uacuteltima fala de Prometeu (vv1080-93) ou as

combinaccedilotildees ldquorevolvem o poacuterdquo e ldquorevolta de opostosrdquo ou ainda a rima interna ldquo ar e

marrdquo no seguinte trecho ldquo[] e os turbilhotildees revolvem o poacute rompem os sopros de

todos os ventos suscitando entre si a revolta de opostos furacotildees e satildeo abalados ar e

marrdquo (traduccedilatildeo de Dom Pedro II para os versos 1084-88 do texto grego)

Em suma Dom Pedro II natildeo foi prosaico ao realizar sua traduccedilatildeo em prosa do

Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo que ateacute onde se sabe eacute a primeira traduccedilatildeo dessa

trageacutedia grega feita no Brasil o que por si soacute lhe assegura um lugar de destaque na

longa cadeia das versotildees dessa peccedila em nosso idioma52

52 Ver Conclusatildeo Geral da presente dissertaccedilatildeo (p273) logo apoacutes as transcriccedilotildees da traduccedilatildeo do

Imperador e das versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba

122

SEGUNDA PARTE

TRANSCRICcedilOtildeES

123

CAPIacuteTULO 3 - Transcriccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II

[fl1]Prometheu encadegraveado53

de Eschylo

A Forccedila a Violencia Vulcagraveno Prometheu

A Forccedila

Chegamos a terra remota aacute regiatildeo Scytha a ermo despovoado Vulcano cumpre

cuidares das ordens que te deu o pae de ligar este malfeitor aos rochedos alcantilados

com algemas infrangiveis de vinculos de accedilo Tua chamma com effeito o brilho do

fogo util a todas as artes deu-o aos mortaes tendo o furtado Na verdade cumpre que

expie para com os deuses tal peccado para que aprenda a venerar o podegraver de Jupiter e

desista de habitos philanthropicos

Vulcagraveno

Forccedila e Violencia o mandado de Jupiter teve cumprimento de vossa parte e

nada mais resta Sou timido para encadegravear com violencia um deus parente ao

despenhadeiro hibernograveso Mas em todo o caso a necessidade d‟isto deve dar-me

audacia pois descurar as ordens do pae eacute grave Filho profundamente pensadograver da recta

conselheira Themis constrangido pregar-te-ei constrangido com cadegraveas indissoluveis

n‟esteltuarrmontegt inhospito onde nem voz nem figura de homem veraacutes mas queimado

lentamente pela chamma brilhante ltuarrdogt sol perderaacutes o mimo da cograver A ti alegrado a

noite de manto varie[fl2]gado occultaraacute a luz e o sol dissiparaacute de nogravevo a geada

matutina Porem sempre te atormentaraacute o pesar do mal presente pois quem deve livrar-

te natildeo nasceu ainda Isto colheste de teus habitos philanthropicos pois qual deus natildeo

temendo a colera dos deuses deste aos mortaes honras alem do justo Por cuja causa

guardaraacutes este ingrato rochegravedo em peacute insomne natildeo curvando o joelho e voltaraacutes

muitas lamentaccedilotildees e gemidos inuteis porque o animo de Jupiter eacute difficilmente

flexivel Rigoroso eacute quem recentemente governa

Forccedila

53

A numeraccedilatildeo das paacuteginas parece ter sido feita a laacutepis no manuscrito a marcaccedilatildeo eacute feita de forma

alternada (se uma paacutegina possui a numeraccedilatildeo a proacutexima natildeo) No entando a paacutegina 7 do manuscrito foi

erroneamente marcada como paacutegina ldquo6rdquo O equiacutevoco persiste ateacute o final do manuscrito cuja a uacuteltima

paacutegina eacute marcada como ldquo46rdquo sendo que haacute 47 paacuteginas de traduccedilatildeo Natildeo sabemos quem fez a marcaccedilatildeo

124

Faccedila-se Porque tardas e te compadeces em vatildeo Porque natildeo odiacuteas o deus mais

inimigo dos deuses que deu traiccediloeiramente teu privilegio aos mortaes

Vulcano54

O parentesco eacute na verltuarrdgt[a]de muito forte assim como a familiaridade

Forccedila

Concordo mas desattendegraver aacutes palavras do pae como eacute possivel Natildeo temes isto

mais

Vulcano

Tu sempre desapiedada e cheia de audacia

[fl3]

Forccedila

De nada vale deploral-o natildeo faze pois cousas que nada aproveitatildeo

Vulcano

Oh muito odiado trabalho manual

Forccedila

Porque o odiacuteas Pois dizendo a verdade natildeo eacute a arte a causa dos males

presentes

Vulcano

A outrem conviria cabegraver ella por sorte

Forccedila

Tudo foi feito para os deuses excepto imperarem55

pois ningueacutem eacute livre salvo

Jupiter

Vulcano

54

Daqui por diante o acento da palavra ldquoVulcagravenordquo soacute seraacute empregado novamente na paacutegina 26 do

manuscrito 55

No manuscrito o trecho ldquo() para os deuses excepto imperaremrdquo eacute sublinhado Tambeacutem entre as

linhas dessa fala DPedro II redige o seguinte comentaacuterio ldquo(excepto para os deuses o imperarem ndash isto eacute

ndash tudo custou trabalho excepcto imperarem os deuses pois somente Jupiter eacute livre (natildeo obedece impera)

(Qual a melhor interpretaccedilatildeo)rdquo

125

Sei-o e nada tenho que contradizer a isto

Forccedila

Natildeo te apressaraacutes pois a circundal-o de cadeagraves para que a ti tergiversante natildeo

ltuarrvejagt[] o pae

Vulcano

E jaacute aacute matildeo se podem vegraver os elos

Forccedila

Tomando-os emtorno das matildeos bate com o malho com grande forccedila finca-os

nas pedras

[fl4]

Vulcano

Estaacute feito e natildeo dura este trabalho

Forccedila

Bate mais aperta de nenhum modo alarga pois eacute astuto para achar sahidas

mesmo de cousas sem remedio

Vulcano

O braccedilo jaacute foi fixado inabalavelmente

Forccedila

E agora liga est‟outro firmemente para que o astuto saiba que eacute mais obtuso que

Jupiter

Vulcano

Excepto este ninguem justamente se houvera queixado de mim

Forccedila

Agora forte enterra atravez dos peitos os dentes arrogantes da cunha de accedilo

Vulcano

Ai ai Prometheu gemo com tuas desgraccedilas

Forccedila

126

De novo hesitas e gemes com os inimigos de Jupiter Que natildeo te compadeccedilas

de ti um dia

[fl5]

Vulcano

Vegraves um espectaculo horriacutevel de vegraver

Forccedila

Vejo-o conseguindo o que eacute justo mas lanccedila os vinculos axillares em torno das

costellas

Vulcano

Eacute necessario fazel-o natildeo m‟o ordenes demais

Forccedila

Ordenarei certamente e incitarei com gritos alem d‟isso Anda para baixo e

aperta com anneis as pernas aacute forccedila

Vulcano

E fez-se o trabalho sem grande custo

Forccedila

Agora finca fortemente as algemas dos peacutes pois que o censor de tuas obras eacute

severo

Vulcano

A tua linguagem falla cousas similhantes aacute tua forma

Forccedila

Segrave molle mas a minha insolencia e crueza d‟indole natildeo m‟ltuarrexprobesgt[]

Vulcano

Vamo-nos pois tem regravedes nos membros

[fl 6]

Forccedila

Procede agora aqui indolenltuarrtegtte[m] e furtando os privilegios dos deuses daacute-

os aos ephemeros Que valem os mortaes para te aliviarem d‟estes trabalhos Os deuses

127

te chamatildeo com o pseudonymo de Prometheu (previdente) quando tu mesmo precisas

d‟um Prometheu de modo a te desembaraccedilares d‟estes artefactos

Prometheu

ltuarrOh ar divinogt[] e ventos de azas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees

innumeraveis das ondas marinhas e terra matildee universal e disco omnividente do sol a

voacutes invoco vede-me quanto eu deus soffro dos deuses Vegravede por quaes ignominias

vexado luctarei infindos annos O nogravevo reguladograver dos felizes inventou por causa de

mim este vinculo aviltante Ai ai Lamento o soffrimento presente e o superveniente

De que modo cumpre que um dia surja o termo d‟estes males Comtudo que digo Sei

de antematildeo claramente tudo o que deve vir nenhum soffrimento chegar-me-aacute

inesperado Eacute preciso supportar da melhor mente a sorte destinada reconhecendo que a

forccedila da necessidade eacute invencivel Mas nem calar nem natildeo calar me eacute possivel esta

sorte porque dando privilegios aos mortaes estou subjugado por estes supplicios

Pesquizo a origem furtiva do fogravego [fl6 (7)]56

occulta na ferula a qual foi para os

mortaes mestra de todas as artes e grande auxilio Cumpro estes castigos das culpas

estando a ceu descoberto pregado com cadegraveas Ah Ah Ai Ai Que rumograver que cheiro

imperceptivel voou ateacute mim Divino mortal ou mixto Veio ao cimo do rochedo

algum expectadograver de meus males ou querendo o que Vegravede-me deus infeliz encadeado

inimigo de Jupiter incorrendo no odio de todos os deuses que frenquentatildeo o palacio de

Jupiter por causa de amizade demasiada aos mortaes Ai Ai Que rumorejar de

voadores ouccedilo de nogravevo perto O ltuarrar sussurragt[] com as ligeiras vibraccedilotildees das azas

Tudo o que se aproxima eacute para mim atemorizadograver

Chogravero

(Strophe 1ordf)

Nada temas pois este bando amigo de azasltuarrcom rapidas porfiacuteasgt[]ltdarrelevou-

se agt este rochegravedo apegravenas convencendo as paternas vontades Auras velozes me

conduziram porque o echo do tinido do ferro penetrou o recesso dos antros expelliu de

mim o veneravel pudograver e descalccedila precipitei-me no carro alado

Prometheu

56

Paacutegina 7 do manuscrito erroneamente marcada como paacutegina ldquo6rdquo O equiacutevoco persiste ateacute o final do

manuscrito marcando a uacuteltima paacutegina como ldquo46rdquo sendo que haacute 47 paacuteginas de traduccedilatildeo Doravante

colocaremos a numeraccedilatildeo correta entre parecircnteses

128

Ai Ai Ai Ai Prole da fecunda Tethys filhas do pae Oceano que circumvolve toda a

terra com insomne fluxo olhae observae com que cadegravea ligado supportarei natildeo

invejavel sentinella no cume dos rochegravedos d‟este precipicio

[fl8]

Chogravero (antistrophe 1ordf)

Vejo-o Prometheu uma nevoa temivel cheia de lagrimas precipitou-se sobre

meus olhos observando eu teu corpo mirrando-se pregado nos rochegravedos com estes

ferreos flagellos pois novos ltuarrtimoneirosgt[]57

regem o Olympo e com leis novas

impera Jove illegitimamente destroe agora o que era antes veneravel

Prometheu

ltuarrProuveragt[Oxalaacute]58

me houvesse arremessado para baixo da terra e Orco

recebedograver dos mortos para o Tartaro immenso tendo me lanccedilado crueis e indissoluveis

cadegraveas de modo que nem deus nem outro qualquer se regozijasse d‟isto Agora

desgraccedilado dos ventos ludibrio soffro o que alegra os inimigos

Chogravero (Strophe 2ordf)

Qual dos deuses de coraccedilatildeo assim endurecido a quem isto agraacutede Quem natildeo

partilha a dograver de teus males excepto Jupiter Elle irosamente tendo se posto de animo

inflexivel doma a celeste progenie nem cessaraacute antes que ou sacie o coraccedilatildeo ou

alguem por qualquer artificio se tenha apossado do governo difficil de tomar

Prometheu

Certamente o governador dos felizes ainda teraacute necessidade de mim maltratado

embora por fortes algegravemas para eu lhe [fl8 (9)] manifestar o novo trama59

pelo qual

sceptro e honras lhe seratildeo roubados Nem me abrandaraacute com os mellifluos

incantamentos da persuasatildeo nem aterrado por graves ameaccedilas denuncial-o-ei antes que

me tenha soltado das crueis cadegraveas e reparado esta ignominia

57 Ver paacutegina 23 nota 58

A palavra ldquoOxalaacuterdquo estaacute sublinhada no manuscrito e logo acima estaacute escrita a palavra ldquoprouverardquo com

tinta diferente Ao contraacuterio das outras ocorrecircncias natildeo houve rasura o que indica duacutevida 59

Palavra normalmente feminina no entanto o dicionaacuterio Houaiss anota a ocorrecircncia desse termo

tambeacutem como um substantivo masculino no sentido de ldquoconluiordquo ldquomaquinaccedilatildeordquo

129

Chogravero (Antistrophe 2ordf)

Na verdade audaz nada te dobras aos males acerbos e demasiadamente livre

fallas Terrograver profundo abalou-me o animo pois temi quanto ao teu destino o como

cumpra chegares a vegraver o termo d‟estes trabalhos porquanto o filho de Saturno tem

caracter inexoravel e coraccedilatildeo inflexivel

Prometheu

Sei que Jupiter eacute aspero julgando a seu bel-prazegraver comtudo seraacute um dia de

animo brando quando fograver de certo modo ferido abatendo a indomavel colera voltaraacute

ainda anciograveso aacute concordia e a amizade commigo anciograveso

Chogravero

Revela tudo e dize-nos em que crime surpreh[enltuarrdengtd]o-te Jupiter assim te

maltrata ignominiosa e acerbamente Conta-nos se nada teltuarr+gt60

offende na narraccedilatildeo

Prometheu

Na verdade eacute doloroso para [mim ltuarro que tenho degt referir ]ltuarrmasgt doloroso

calar em todos os casos desgraccedilado Logo que os ltdarrcelicolasgthabitantes do ceu[fl10]

se deixaram ltuarrdominargt pela coacutelera e a discordia suscitou de entre elles querendo uns

derrubar Saturno do throno sem duvida para que Jupiter imperasse outros anhelando o

contrario que Jupiter jamais governasse os deuses entatildeo aconselhando eu o melhor

natildeo ltuarrpude convencegravergt[] os Titatildees filhos do Ceu e da Terra mas desprezando os

meios brandos em seus violentos pensamentos julgaratildeo haver de governar sem custo aacute

forccedila Natildeo ltuarrsomentegt uma vez minha matildee Themis e a Terra forma unica de

muitos nomes predissera-me como se ratificaria o futuro que nem por forccedila nem por

violencia ltuarrcumpririagt mas por dolo ltuarros quegt[] ltuarrse tornassemgt [superiores]

vencegraverem ltuarr+gt61

[] ltA mim quando dizia taes cousas com palavras natildeo se dignaram de

60

Entre ldquoterdquo e ldquoofenderdquo estaacute um sinal ldquo+rdquo (adiccedilatildeo ou cruz) feito em tonalidade de tinta diferente A cruz

costuma indicar passagens corrompidas nos manuscritos Mas natildeo parece o caso aqui em vista do grego 61 Acima do ponto final haacute uma cruz (ou adiccedilatildeo) aparentemente marcada a laacutepis No entanto antes do

ponto final temos a palavra ldquovencegraveremrdquo e acima dela haacute outro sinal um ciacuterculo com uma cruz dentro

No comeccedilo da paacutegina do manuscrito onde estaacute escrita a passagem em questatildeo [fl10] haacute um sinal

idecircntico ao que fora escrito sobre a palavra ldquovencegraveremrdquo Perto desse sinal estaacute escrito ldquofaltam aqui dous

versosrdquo Esses dois versos foram escritos mais agrave esquerda desse sinal ldquoA mim quando dizia taes cousas

com palavras natildeo se dignaram de nada attender totalmenterdquo Portanto o sinal no corpo do texto se trata

de uma chamada e a cruz acima do ponto final talvez indique que eacute depois dele que os versos esquecidos

na traduccedilatildeo devem ser lidos Por isso os incluiacutemos no corpo do texto

130

nada attender totalmentegt62

Do que entatildeo se apresentava parecia-me ser o mais

acertado tomando commigo minha matildee auxiliar de boa vontade a Jupiter que o queria

Por meus conselhos o abysmo do Tartaro profundamente negro esconde o anciatildeo

Saturno com seus alliados De tal sorte por mim ajudado o Senhor dos deuses com estes

duros trabalhos recompensou-me Ha na verdade como este achaque na soberania de

natildeo confiar nos amigos Jaacute que perguntaes porque motivo me maltrata explical-o-ei

Logo que se assentou no throno paterno immediatamente distribuiu recompensas pelos

habit celicolas a cada um sua e regulou o governo Mas em nenhuma conta teve os

miseros mortaes porem ltuarrdezejavagt[queria] destruindo toda a geraccedilatildeo crear nova E

a isto ninguem resistiu [fl10 (11)]excepto eu Eu porem atrevi-me livrei os mortaes de

irem anniquilados para o Orco Pelo que sou vergado por estas desgraccedilas dolorosas de

soffregraver tristes de vegraver Tendo compaixatildeo dos mortaes natildeo fui achado digno de obtegravel-a

mas desapiedadamente assim fui castigado espectaculo deshonrograveso para Jupiter

Chogravero

De coraccedilatildeo de ferro e feito de pedra eacute quem oh Prometheu natildeo partilha teus

soffrimentos natildeo dezejava eu pois tegraver visto estas cousas e tendo as visto foi o coraccedilatildeo

angustiado

Prometheu

E na verdade para os amigos triste sou eu de vegraver

Chogravero

Por ventura natildeo foste mais longe do que ltuarristogt[]

Prometheu

Impedi os mortaes de prevegraver o destino

Chogravero

Que remedio achando d‟este mal

Prometheu

62

Ver nota anterior

131

ltuarrEstabelecigt[] n‟elles cegas esperanccedilas

Chogravero

Esta grande vantagem doaste aos mortaes

Prometheu

[fl12]

Alem d‟isso dei-lhes o fogravego

Chogravero

Pois ephemeros possuem ltuarragoragt o fogo chamejante

Prometheu

Pelo qual conheceratildeo muitas artes

Chogravero

Por taes crimes pois maltrata-te Jupiter nem abranda os males Nem ha para ti

termo assentado do soffrimento

Prometheu

Nenhum outro senatildeo quando aacutequelle praza

Chogravero

Como porem lhe aprazeraacute Que esperanccedila Natildeo vegraves que delinquiste Como

delinquiste natildeo me eacute agradavel dizer e para ti eacute dograver mas deixemos estas cousas

procura pois qualquer libertaccedilatildeo do soffrimento

Prometheu

Facil eacute quem tem o peacute foacutera das desgraccedilas aconselhar e ltuarradmoestargt[] o

afflicto mas eu sabia tudo isto voluntaria voluntariamente delinqui natildeo negarei

favorecendo os mortaes acarretei-me os trabalhos Comtudo natildeo pensava havegraver de

mirrar-me com taes trabalhos sobre alcantilados rochegravedos cabendo-me este monte

ltuarrermogt[] sem visinhos Natildeo lamenteis comtudo as desgraccedilas presentes mas

132

ltuarrvindasgt[] aacute terra [fl12(13)] ltuarrouvigt [] a sorte que s‟aproxima63

afim de que tudo

saibaes ateacute o fim Crede-me crede compadecei-vos de quem soffre agora Do mesmo

modo certamente a desgraccedila vagando liga-se ora a um ora a outro

Chogravero

Natildeo clamaste isto a ltuarrpessoas que natildeo quizessem (ouvir)gt[ Prometheu E jaacute

com] peacute ligeiro deixando a seacutede velozmente impellida e o puro ltuarrargt[] passagem

ltdos aligerosgt[] chego a este solo fragograveso desejo ouvir inteiramente os teus

trabalhos

Oceagraveno

Chego a ti Prometheu tendo percorrido o termo de longo caminho governando

este aligero de rapido voo pela vontade sem freio Condograveo-me de tua sorte sabegrave-o pois

a isto julgo me obriga o parentesco e parentesco aacute parte a ninguem daria maior

quinhatildeo do que a ti Conheceraacutes porem quatildeo verdadeiras satildeo estas cousas nem que eacute de

mim fallar agradavelmente com leviandade Vamos pois indica em que cumpre

socorrer-te pois nunca diraacutes que ha para ti amigo mais firme que o Oceagraveno

Prometheu

Ah ltuarrQue cousagt64

[Tambem tu] vieste expectadograver de meus trabalhos Como

ousastes deixando a corrente que ltuarrtira de tigt [] o nome e os antros nativos cobertos

de pedra vir aacute terra matildee do ferro Por ventura [fl14] chegaste para observares minha

sorte e partilhares meus males Vegrave o espectaculo o amigo de Jupiter quem com elle

estabeleceu a soberania sob que desgraccedilas sou por elle vergado

Oceagraveno

Vejo-o Prometheu e quero na verdade aconselhar-te melhor embora a quem eacute

astuciograveso Conhece-te a ti mesmo e muda para novos habitos pois tambem novo eacute o

soberagraveno entre os deuses Se arremessas palavras tatildeo asperas e aguccediladas talvez logo te

ouccedila Jupiter mesmo assentando-se muito mais alto de modo que a amargura actual

ltdos malesgt[ dos soffrimentos]paregraveccedila ser divertimento Mas oh infeliz perde a colera

63

O sinal ldquo+rdquo foi marcado acima dessa palavra no manuscrito 64

O trecho ldquoQue cousardquo foi escrito logo acima da palavra ldquotambeacutemrdquo seu lugar na frase eacute indicado por

meio de traccedilo Nota-se tambeacutem o sinal (+) em outra cor com o qual provavelmente o autor marcava

onde em revisatildeo deveria inserir algo

133

que tens procura a libertaccedilatildeo d‟estes soffrimentos Talvez pareccedila-te dizegraver cousas

antiquadas comtudo tal eacute a recompensa d‟uma lingua demasiadamente arrogante Tu

porem natildeo eacutes humilde nem cedes aos males mas queres ajuntar outros aos actuaes

Portanto servindo-te de mim ltcomogt[] mestre natildeo daraacutes ponta- peacutes na espora vendo

que impera um monarcha severo e irresponsavel E agora vou-me e tentarei se posso

livrar-te d‟estes trabalhos Tu aquieta-te e natildeo falla intemperantemente Acaso natildeo

sabes perfeitamente sendo tatildeo prudente que eacute infligido castigo aacute lingua insensata

[fl14 (15)]

Prometheu

Invejo-te porque ficas isento de crime tendo tudo partilhado e visado commigo

Mas agora desiste nem te importes pois de nenhum modo o convenceraacutes porquanto eacute

inexoravel Examina bem tu mesmo se nada soffres com a viagem

Oceagraveno

Na verdade muito melhor aconselhas os outros que a ti proprio e reconheccedilo-o

pelas obras e natildeo pelas palavras De nenhum modo faccedilas retrocedegraver a mim que venho

apressado pois gloriacuteo-me gloriacuteo-me de havegraver Jupiter de concedegraver-me o dom de

libertar-te d‟estes trabalhos

Prometheu

Louvo-te por isso e jamais deixarei de louvar-te Natildeo poupas diligencia

comtudo nada faccedilas pois nada aproveitando-me debalde trabalharaacutes ainda que

trabalhar queiras mas aquieta-te conservando-te afastado porquanto se eu sou infeliz

natildeo quizera por esta causa que tocassem desgraccedilas a muitosltuarrOceanogt65

[Natildeo]

certamente pois que me atormentatildeo os destinos do irmatildeo Atlante que estaacute nas regiotildees

occidentaes sustentando nos hombros a columna do ceu e da terra peso difficil de

suportar ltuarrCondoi-megt [vendo o] terrigena habitante dos antros Cilicios monstro

funesto o violento Typhatildeo de cem cabeccedilas subjugando os outros agrave forccedila o qual

rebellou-se [fl16] contra todos os deuses soprando exterminio pelas medonhas

queixadas fulminava dos olhos gorgoneo lampegravejo como se destruira aacute forccedila a

soberania de Jupiter Mas veio a elle o dardo insomne de Jupiter o cadente raio

65 Ver nota 69

134

expirando chammas que abateu as arrogantes jactancias pois ferido nas proprias

entranhas foi o vigor incinerado e fulminado e agora corpo inerte e estirado jaz

perto de estreito maritimo comprimido sob as raizes do Etna Nos altos cumes

assentado forja Vulcano massas incandescentes d‟onde jorraratildeo um dia rios de fogravego

devorando com ferozes queixos as campinas da Sicilia de bellos fructos Typhatildeo

vomitaraacute essa biles com os ardentes dardos d‟inextinguivel ignivomo ltuarr+gt[turbilhatildeo]66

Carbonisado embora pelo raio de [Jupiter] ltuarrPrometheugt67

Tu natildeo eacutes inexperiente nem

precisas de mim como mestre salva-te a ti mesmo como souberes Eu supportarei o

presente destino ateacute que o animo de Jupiter cesse da colera

Oceagraveno

Pois natildeo [sabes]ltuarristogt Prometheu que as fallas satildeo medicos de alma doente

Prometheu

Se alguem ltuarracalmargt[] o coraccedilatildeo opportunamente e natildeo reprimir aacute forccedila a

paixatildeo intumescente

Oceagraveno

[fl16(17)]

Mas no interessar-se e ousal-o que damno vegraves existir Ensina-m‟o

Prometheu

Trabalho inutil e stultice de ltanimogt[espirito] leviagraveno

66

Acima de ldquoturbilhatildeordquo encontra-se o sinal de adiccedilatildeo 67 A palavra ldquoPrometheurdquo foi escrita no espaccedilo interlinear entre as palavras ldquoJupiterrdquo e ldquoTurdquo Num

primeiro momento pensamos que o Imperador estava apenas indicando ao leitor que a longa fala de

Prometeu continuava (vv340-76) tiacutenhamos em mente o texto original editado por Mark Griffith (1997)

No entando Brunno VGVieira Professor de Letras Claacutessicas da UNESP e um dos arguidores da

presente pesquisa chamou a atenccedilatildeo para esse detalhe Posteriormente consultamos a ediccedilatildeo de 1809 do

texto original grego empeendida por Christian Gottfried Schuumlltz e constatamos que a disposiccedilatildeo das falas

difere da ediccedilatildeo de Griffith A ediccedilatildeo de Schultz tem a seguinte disposiccedilatildeo Prometeu vv 340-46

Oceano vv347-72 Prometeu vv373-6 A ediccedilatildeo de Thomas Stanley (1809) possui a mesma disposiccedilatildeo

de Schuumlltz para a passagem em questatildeo A palavra ldquoPrometheurdquo escrita no espaccedilo interlinear destaca um

trecho idecircntico ao da fala de Prometeu editada por Schuumlltz e Stanley Logo acima do iniacutecio da traduccedilatildeo

para o verso 347 o Imperador escreveu no espaccedilo interlinear a palavra ldquoOceanordquo[fl15] (p133) mas

riscou-a Se levarmos em conta esses dois acreacutescimos a traduccedilatildeo fica com a mesma disposiccedilatildeo das

ediccedilotildees de Schuumlltz e Stanley para os versos 340-76 O interessante eacute que na versatildeo preliminar da traduccedilatildeo

em prosa guardada no Museu Imperial natildeo haacute esses dois acreacutescimos o que nos faz pensar que Dom

Pedro II estava trabalhando com mais de uma ediccedilatildeo do texto original Eis a traduccedilatildeo dos versos 373-6 no

manuscrito do Museu Imperial ldquoTu natildeo inexperiente natildeo precisas de mim como mestre salva-te a ti

como sabes Eu sofrerei a sorte presente ateacute que o espirito de Jupiter tenha descansado da colerardquo

135

Oceagraveno

Deixa-me padecegraver d‟esta molestia pois que eacute ltuarr+gt[vantajogravesissimo]68

que quem

pensa sensatamente natildeo o pareccedila

Prometheu

Esta culpa pareceraacute segraver minha

Oceagraveno

Teu discurso reenvia-me para casa

Prometheu

Natildeo te lance ao odio a compaixatildeo de mim

Oceano69

Porventura de quem assenta-se recentemente na sede omnipotente

Prometheu

Guarda-te d‟elle que jamais seu coraccedilatildeo seja irritado

Oceagraveno

Tua desgraccedila Prometheu eacute minha mestra

Prometheu

Vae-te apressa-te ltuarrconservagt[] tua actual resoluccedilatildeo

Oceagraveno

[fl 18]

Disseste-o a quem tem pressa pois o aligero quadrupede roccedila com as azas o

caminho plagraveno do ar contente por tegraver de dobrar o joegravelho nos estabulos

ltuarrdomesticosgt[]

68

Haacute uma cruz ou adiccedilatildeo marcada a grafite acima dessa palavra 69

Aqui o acento foi esquecido

136

Chogravero (Strophe 1ordf)70

Deploro-te pela sorte perniciosa Prometheu e molhei as faces com humidas

fontes derramando de ternos olhos uma corrente gotejando lagrimas pois Jupiter

ordenando estas cousas desapiedadamente por leis suas mostra ltuarraosgt[] deuses de

outrora a haste orgulhosa

(antistrophe 1ordf)

Jaacute toda a regiatildeo resoou lamentavelmente e tua magnifica e antiga dignidade

deploratildeo e quantos mortaes habitatildeo o vizinho solo da sacra Asia condoem-se de tuas

desgraccedilas dignas de altos gemidos

(Strophe 2ordf)

e as virgens habitantes da terra da Colchida impavidas nos combates e a

ltuarrhordagt[] Scytha que ocuppa o logar extremo da terra emtograverno do pauacutel Meotide

(antistrophe 2ordf)

e a flograver marcial da Araacutebia e os que habitatildeo71

aldegravea cheia de precipicios perto

do Caucaso chusma bellicosa fremente com agudas hastes

[fl18 (19)]

(Epodo)

Somente outro vi antes subjugado ltuarremgt[por]ferreos trabalhos pelos flagellos

dos deuses Atlante que sempre um esforccedilo immenso o solido polo celeste sustenta nas

costas Muge o marulho do mar chocando-se geme o abysmo o negro fundo da

regiatildeo do Orco sub-freme e as fontes dos rios sacro-fluentes deploratildeo a lamentavel dograver

Prometheu

ltuarrDe nenhum modogt[ julgueis] que por pertinacia ou insolencia me cale mas

o desgosto ltuarrdevoragt[dilacera]-me o coraccedilatildeo vendo-me assim ultrajado Comtudo

quem senatildeo eu distribuiu privilegios por todos estes novos deuses Calo-o porem jaacute

que o diria a voacutes que o sabeis Ouvi a desgraccedila que houve para os mortaes como a elles

estupidos antes ltuarrfizgt[] prudentes e dotados de intelligencia mas dil-o-ei natildeo tendo

exprobaccedilatildeo para os homens porem expondo a benevolencia das cousas que dei Na

verdade os que d‟antes viatildeo debalde viatildeo os que ouviatildeo natildeo ouviatildeo mas similhantes aacutes

70

Havia uma linha de texto abaixo da palavra ldquochograverordquo que foi totalmente riscada em sua maior parte

estaacute ilegiacutevel Lecirc-se contudo algumas palavras ldquolamentordquo na primeira posiccedilatildeo ldquoperniciosardquo e a uacuteltima

ldquoPrometheurdquo 71

O trecho ldquoda Arabia e os que habitatildeordquo foi sublinhado no manuscrito e logo acima dele foi escrito

entre parecircnteses ldquo(de Aryas que habita)rdquo sem indicaccedilatildeo de inclusatildeo

137

formas dos sonhos por muito tempo tudo ltuarrconfudiatildeogt[] ao acaso nem conheciatildeo as

casas de tijogravelo expostas ao sol nem carpinteria mas habitavatildeo encovados como as

pequegravenas formigas nas profundezas natildeo assoalhadas dos antros Natildeo havia para elles

limite de inverno nem de florida primavera nem de fructifero estiacuteo mas tudo faziatildeo

[fl20] sem sciencia ateacute que lhes mostrei os nascimentos dos astros e os occasos

difficeis de notar E inventei-lhes a numeraccedilatildeo a mais excelente das doutrinas e os

arranjos das letras e a memoria matildee das musas artiacutefice de todas as cousas Jungi

[primeiro ao jugo os animaes] ltuarrtornando-se escravos da cordagt72

ltuarre para quegt[]

com os corpos fossem substitutos aos mortaes nos maiores trabalhos sujeitei ao carro

os cavallos doceis ltuarrde reacutedeagt [] ornamento da molleza excessivamente rica

Ninguem senao73

eu inventei esses vehiculos undivagos de azas de linho Descobrindo

taes inventos para os mortaes infeliz natildeo tenho eu proprio artificio com que me

ltuarrlivregt[] da desgraccedila actual

Chogravero

Soffres affrontosa desgraccedila aberras privado da razatildeo mas como mau medico

cahindo doente desanimas e natildeo podes achar com que remedios sejas curavel

Prometheu

Ouvindo-me o resto mais admiraraacutes as artes e cousas uteis que excogitei O que

eacute o mais importante se alguem cahisse doente natildeo havia nenhum remedio nem de

comegraver nem de untar nem de bebegraver mas definhavatildeo por falta de remedios antes que eu

lhes mostrasse as misturas dos saudaveis remedios com que expellem de si todas as

molestias

[fl20 (21)]

Institui muitos modos de adevinhaccedilatildeo e primeiro e distingui o q74

dos sogravenhos

deve segraver sogravenho verdadeiro expliquei-lhes os agouros vocaes difficeis de entendegraver e

os accidentaes dos caminhos e defini exatamente o vograveo das aves de unhas

recurvadas quaes as favoraveis por natureza quaes as sinistras que comida tem cada

uma que inimizades amograveres e reuniotildees entre ellas e a lisura das entranhas e com que

72

O trecho ldquotornando-se escravos da cordardquo foi escrito logo acima do trecho ldquoprimeiro ao jugo os

animaisrdquo seu lugar na frase eacute indicado por meio de traccedilo Depois da palavra ldquoanimaesrdquo o trecho ldquoe para

querdquo foi escrito logo acima de algo que fora riscado e estaacute ilegiacutevel 73

O autor esqueceu de colocar o til na palavra ldquosenatildeordquo 74

O autor anota ldquoqrdquo com um til no manuscrito Eacute a abreviaccedilatildeo da palavra ldquoquerdquo Recurso bastante comum

na eacutepoca do Imperador e recorrente em seu manuscrito

138

cograver sejatildeo do prazegraver para os celicolas e a bella forma variegada do fel e do lobulo do

figado Queimando membros cobertos de gordura e um comprido lombo guiei os

mortaes na difficil arte de adevinhar e revelei os signaes igneos d‟antes caliginosos

Taes na verdade estas cousas mas quem diria ter descoberto antes o ltuarrcobregt[] o

ferro a prata e o ouro recursos occultos aos homens embaixo da terra Ninguem

perfeitamente o sei a natildeo queregraver palrar em vatildeo Em poucas palavras aprende tudo

d‟uma vez todas as artes proviratildeo aos mortaes de Prometheu

Chogravero

Natildeo soccograverras os mortaes alem do que convem nem te descuides de ti

desgraccedilado pois que tenho boas esperanccedilas de que um dia sogravelto d‟essas cadegraveas natildeo

segravejas menos poderograveso que Jupiter

Prometheu

[fl22]

Prometheu

Ainda natildeo estaacute fadado que ltuarrde tal maneiragt[assim] ratifique isto a

Parca que tudo perfaz mas vergado sob infinitas desgraccedilas e calamidades assim

livrar-me-ei a final das cadegraveas A arte eacute muito mais fraca do que a fatalidade

Chogravero

Quem eacute o timoneiro da fatalidade

Prometheu

As triformes Parcas e as memoriosas Furias

Chogravero

Pois Jupiter eacute mais fraco do que ellas

Prometheu

Certamente natildeo evitaria o fadado

Chogravero

Que ha pois fatal para Jupiter senatildeo imperar

139

Prometheu

Jamais o saberias nem me rogues

Chogravero

Eacute porventura alguma cousa ltuarrvenerandagt[] o que occultas

Prometheu

Lembrae-vos de outro discurso proferir este de nenhum modo eacute

opportuno mas deve-se occultal-o o mais possivel pois reservando-o evito cadegraveas

affrontosas e calamidades

[fl22 (23)]

Chogravero (Strophe 1ordf)

Jamais quem rege tudo Jupiter opponha seu podegraver aacute minha vontade

Nem tarde ltuarreugt em approximar-me dos deuses com os banquegravetes ltuarrrituaesgt de

bois sacrificados junto ao curso incessante do pae Oceagraveno nem delinqua por palavras

mas fique-me isto e jamais se desvanegraveccedila

(antistrophe 1ordf)

Doce eacute estendegraver longa vida por confiadas esperanccedilas nutrindo a alma de

brilhantes alegrias mas horroriso-me observando porque infinitos ltuarrsoffrimentosgt

[eacutes atorm]entado ltx x x x xgt75

Natildeo temendo Jupiter honras demasiadamente os

mortaes Prometheu por tua propria vontade ltuarrStrophe 2ordfgt76

Eia Que ingrata gratidatildeo

oh amigo dize onde auxilio Que socograverro dos ephemeros Natildeo observaste a importante

fraqueza similhante a um sonho ltuarrcomgt[] que a dos mortaes x x x77

cega geraccedilatildeo

estaacute algemada Os conselhos dos mortaes ltuarrnuncagt[] preferem aacute ordem estabelecida

por Jupiter

(antistrophe 2ordf)

Aprendi-o ltuarrobservandogt[] tua misera sorte Prometheu Diverso voou

para mim este e aquelle canto quando emtograverno do banho e de teu leito com alegria

75

Logo apoacutes a esse ponto encontra-se um traccedilo ascendente sobre o qual estaacute marcado ldquox x x x xrdquo

indicando que o texto original nessa passagem estaacute corrompido Ver pp75-7 da presente dissertaccedilatildeo 76

A indicaccedilatildeo do o iniacutecio da estrofe 2ordf foi feita por meio de linhas ascendentes partindo dentre as

palavras ldquovontaderdquo e ldquoeiardquo nas quais eacute escrito ldquo(Strophe 2ordf)rdquo como uma espeacutecie de correccedilatildeo feita pelo

autor 77

Marcaccedilatildeo feita no corpo do texto Ver nota 78

140

cantava o hymeneu na occasiatildeo que persuadindo com as dadivas esposalicias minha

irmatildea paterna Hesione levaste-a como espogravesa socia de leito

[fl24]

Io

Que terra Que geraccedilatildeo Quem direi ser este que eu vejo expogravesto aacutes intemperies

encadeado aos rochegravedos De que delicto te faz perecegraver o castigo Mostra-me em que

parte da terra vago ltuarrAh Ah Ai Aigt[Novamente ferra-me] infeliz um tavatildeo

imagem do terrigena Argos Afasta terra tenho megravedo o boieiro ltuarrde numerosos olhos

que me observagt[ infinitos] Elle anda tendo ogravelho dolograveso e morto natildeo o esconde a

terra mas escapando d‟entre os que estatildeo debaixo da terra caccedila-me desgraccedilada e faz-

me vagar famelica pela maritima aregravea78

(Strophe)

A canna ltuarrmelodiosagt[sonora] ligada com cegravera resogravea um canto soporifero

Ai ai ah Onde ah Onde me levatildeo as longinquas peregrinaccedilotildees Em q a final ltoh

uarrSaturniogt[] filho em que a final achando-me delinquente prendeste-me n‟estas

desgraccedilas Ai ai Assim me atormentas infeliz delirante com o megravedo das ferroadas do

tavatildeo Queima-me com fogravego ou esconde-me na terra ou daacute-me como pasto de feras

marinhas natildeo me rejeites as preces oh rei ltuarrBastantegt[] me ltuarrforccedilaram a

exerciciogt[ multivagas] peregrinaccedilotildees nem tenho onde aprenda como evite as

desgraccedilas Ouves a voz da virgem bovicornuta

Prometheu

Como natildeo ouvirei a donzella pungida pelo tavatildeo a filha d‟Inacho [fl24

(25)]que abraza de amograver o coraccedilatildeo de Jupiter e agora odiosa a Juno ltuarreacutegt[] forccedilada ao

exercicio de interminaveis carreiras

Io (antistrophe)

Porque pronuncias ltuarrtugt o nome de meu pae Dize a mim infeliz quem eacutes

quem portanto falla a mim oh misera assim verdadeiramente desgraccedilada nomeando

ltuarro malgt[] proveniente dos deuses que me consome pungindo-me com furiograveso

ferratildeo Ai ai Vim em rapido curso impellida pelos famelicos flagellos dos saltos (vim

78

ldquoaregraveardquo = ldquoareiardquo(forma atualizada)

141

em rapido curso esfomeada e aos saltos) domada pelos designios rancorosos de Juno

Quaes dos infelizes quaes ai ai soffrem como eu Mas aponta-me claramente que me

resta ou natildeo me cumpre padecegraver Indica-me o remedio do mal se o conheces Falla

explica-o aacute virgem desaventuradamente vagabunda

Prometheu

Claramente dir-te-ei tudo o que desejas sabegraver natildeo enredando enigmas porem

singelo discurso como eacute justo abrir a bocca ltuarrcomgt[] amigos Vegraves Prometheu o

dadograver do fogo aos mortaes

Io

Oh tu que revelaste aos mortaes o bem commum desgraccedilado Prometheu em

castigo de que padeces isto

Prometheu

Ainda ha pouco deixei de lamentar meus males

[fl26]

Io

Natildeo me concederias essa graccedila

Prometheu

Dize que pedes Pois tudo saberias de mim

Io

Revela-me quem te ligou a este precipicio

Prometheu

A resoluccedilatildeo de Jupiter e a matildeo de Vulcagraveno

Io

Mas de que delictos soffres a pena

Prometheu

142

Tatildeo somente isto posso explicar-te

Io

E alem d‟isto mostra-me o termo de minha peregrinaccedilatildeo e qual o tempo para a

infeliz

Prometheu

Melhor eacute para ti ignoral-o que sabegravel-o

Io

Natildeo me escondas o que tenho de sofregraver

Prometeu

Mas natildeo te recuso este favograver

Io

Porque hesitas entatildeo em dizer-me tudo

[fl26 (27)]

Prometheu

Natildeo haacute nenhuma recusa porem receio perturbar teu espirito

Io

Natildeo cuides ltuarrmaisgt de mim pois eacute me agradavel

Prometheu

Pois dezejas cumpre dizegravel-o ouve entatildeo

Chogravero

Ainda natildeo concede-me tambem parte do prazegraver Indaguemos primeiro o mal

d‟ella contando ella mesma sua sorte cheia de odios do resto das infelicidades seja

informada por ti

Prometheu

143

Eacute teu cuidado ltuarrIogtfazegraver a estas o favograver em todo o caso e por serem irmaatildes

de teu pae visto que chorar e deplorar as desgraccedilas ali onde ltuarralguemgt hade obtegraver

lagrimas dos ouvintes vale a demora

Io

Natildeo sei como desobedecegraver-vos por claro discurso sabereis tudo o que dezejaes

posto que [me envergonhe de dizegraverltuarrd‟onde sobrevieratildeo a mim desaventuradagt79

a

calami]dade proveniente dos deuses e a mudanccedila de forma Visotildees nocturnas

frequentando sempre meus aposentos virginaes exhortavatildeo-me com suaves palavras oh

felicissima donzella porq80

te conservas muito tempo virgem sendo-te permittido

alcan81

[fl28] o maior casamento Pois Jupiter estaacute abrasado por ti pelo dardo dos

dezejos e quer gozar Cypris contigo mas tu oh moccedila natildeo recuses o leito de Jupiter

porem sahe para o fertil prado de Lerna e os rebanhos e abegoarias de teu pae afim

de que a vista de Jupiter descanse dos dezejos Todas as noites era dominada por taes

sogravenhos ateacute que ousei referir a meu pae os sogravenhos nocturnos Elle enviou a Delphos e a

Dodona numerosos consultantes do oraculo para que ltuarrsoubessegt[] como

ltuarrobrando ougt fallando cumpria fazer cousas agradaveis aos celicolas Voltavatildeo

annunciando oraculos ambiguos obscuros e expressos por modo difficil d‟ entendegraver

Em fim um vaticinio evidente chegou a Inacho claramente ltuarrrecomendandogt[] e

dizendo que me expelisse de casa e ltuarrmesmogt[] da patria para abandonada eu vagar

ateacute as regiotildees extremas da terra E se eu natildeo quizesse viria de Jupiter o flammigero raio

que tudo anniquilaria Persuadido por estes oraculos de Apollo (do Ambiguo) contra

vontade expelliu e excluiu-me de casa contra minha vontade mas o freio de Jupiter

forccedilou-o a fazegraver isto Minha forma e meu espirito eratildeo logo mudados cornigera pois

como vegravedes picada por um tavatildeo de aguda bocca pulava com furiosos saltos para o

arrograveio de agradavel bebida de Cenchrea e a fonte de Lerna o terrigena boieiro

d‟inflexi[fl28 (29)]vel rancograver Argos ltuarrseguegt observando com

ltuarrnumerososgt[innumero] olhos as minhas peacutegadas Sorte imprevista e subita privou-

o de vivegraver eu porem picada pelo tavatildeo sou impellida de terra em terra pelo flagello

divino Ouves o que se fez se tens porem que dizer do resto dos males declara-o nem

79

O trecho ldquod‟onde sobrevieratildeo a mim desaventuradardquo foi escrito logo acima do trecho ldquome envergonhe

de dizer a calami-()rdquo seu lugar na frase eacute indicado por meio de traccedilo 80

Abreviaccedilatildeo encontrada no manuscrito haacute um til logo acima da letra ldquoqrdquo 81

A paacutegina 27 termina com ldquoalcan()rdquo mas a siacutelaba ldquoccedilarrdquo natildeo foi escrita na proacutexima paacutegina

144

compadecendo-te me consoles com falsas palavras pois eacute o mais vergonhograveso dos

defeitos proferir discursos artificiosos

Chogravero

Ai ai ltuarrPaacuteragt[ai] de mim Jamais jamais julguei que estranhos discursos

viessem a meus ouvidos nem que desgraccedilas tatildeo ltuarrtristesgt de vegraver e insupportaveis

desgraccedilas expiaccedilotildees e horrograveres gelassem minha alma com farpatildeo de dous gumes Ai

ai Destino destino arrepiei-me observando a sorte de Io

ltuarrPrometheu

Gemes antes do tempo e estaacutes cheia de megravedo Espera ateacute que conheccedilas tambeacutem

o resto

Chogravero

Dize explica Doce eacute para os q soffrem sabegraver d‟antematildeo claramte o resto da

dogravergt82

Prometheu

[Jaacute alcanccedilaste de mim facilmente] ltuarrvossogt[] dezejo pois dezejastes sabegraver

d‟esta primeiramente sua desgraccedila narrando-a ella mesma Ouvi agora o resto dos

males que ltuarragt esta mograveccedila cumpre soffregraver por causa de Juno e tu sangue de Inacho

lanccedilas no espirito minhas palavras para que saibas o termo do caminho

Primeiramente voltando-te daacutequi para o levantar do sol anda para campos natildeo

lavrados mas chegaraacutes aos Sythas nomadas que habitatildeo elevados [fl30] sobre carros

bem providos de rodas tectos entrelaccedilados pendendo-lhes arcos que atiratildeo longe Natildeo

chegando avisinhar-se d‟elles mas aproximando os peacutes das fragosas praias

fluctisonantes atravessar a regiatildeo Aacute matildeo esquegraverda moratildeo os Chalybes ferreiros de que

cumpre acautelares-te pois satildeo ferozes e inaccessiveis aos estranhos Chegaraacutes ao rio

Hybristes (violento) natildeo falsamente chamado o qual natildeo atravesses pois natildeo eacute facil de

atravessar antes que chegues ao proprio Caucaso o mais alto dos montes onde o rio

jorra o impeto ltuarrmesmogt[] do cume Cumpre que atravessando os cumes visinhos

82

Todo o texto em ltgt foi escrito em letras pequeninas acima da fala de Prometeu ldquoJaacute alcanccedilastes de

mim facilmenterdquo

145

dos astros ande a viagem para o meio dia onde chegaraacutes ao povo das Amazonas que

odiacutea os homens as quaes habitaratildeo um dia Themiscyra junto ao Thermodonte onde

estaacute o aspero queixo Salmydessio inhospito aos nautas ltuarrmadrastagt[] dos navios

Ellas mesmas te guiaratildeo e com o maior prazegraver Chegaraacutes ao isthmo Cimmerio nas

proprias portas apertadas do pauacutel deixando o qual cumpre que intrepidamente

atravesses os canaes Meoticos Seraacute para sempre grande entre os mortaes a fama de

tua passagem e chamar-se-aacute com o sobrenome de Bosphoro Bosporos(Bosphoro) e

deixando o solo da Europa chegaraacutes ao continente Asiatico Natildeo vos parece segraver o

senhor dos deuses em tudo [fl30 (31)] igualmente violento Pois dezejando esse deus

tegraver commercio com esta mortal a lanccedilou n‟estas peregrinaccedilotildees Cruel pretendente de

tuas bogravedas alcanccedilaste oh moccedila Pois as palavras que ouviste agora nem no proemio te

pareccedilatildeo estar

Io

Ai de mim de mim Ai ai

Prometheu

Tu clamas de novo e gemes que faraacutes quando souberes os restantes males

Chogravero

Pois diraacutes a esta o resto das infelicidades

Prometheu

ltuarrPelagogt[] na verdade tempestuograveso de ltuarrfatalgt[] calamidade

Io

Que lucro eacute para mim viveacuter83

e pelo contrario natildeo me atirei depressa d‟este

rochegravedo escarpado de modo que precipitada sobre o solo me libertasse d‟estes

trabalhos Pois eacute melhor morregraver d‟uma vez do que penar todos os dias

Prometheu

83

Palavra acentuada conforme o manuscrito De acordo com outros exemplos observados o correto seria

ldquovivegraverrdquo

146

Sem duvida difficilmente supportarias meus soffrimentos a mim natildeo eacute fadado

morregraver pois [seria]ltuarrpara mimgt a libertaccedilatildeo das infelicidades Agora natildeo se me

apresenta nenhum termo das desgraccedilas antes que Jupiter decaia do podegraver

[fl32]

Io

Hade acaso um dia Jupiter decahir do mando

Prometheu

Regozijar-te-ias penso-o vendo essa desgraccedila

Io

E como natildeo eu que padeccedilo por causa de Jupiter

Prometheu

De ti depende sabegraver isto como devendo segraver na verdade

Io

Por quem seraacute ltuarrespoliadogt[] do regio sceptro

Prometheu

Elle mesmo por ltuarrseusgt[] estultos ltuarrdesignosgt[]

Io

De que modo Explica se natildeo ha risco

Prometheu

Faraacute tal casamento de que um dia se doeraacute

Io

Divino ou humano Se eacute licito dize-o

Prometheu

Porque qual Natildeo eacute licito dizegravel-o

147

Io

Acasoltuarrseraacutegt[] derribado do thrograveno pela espogravesa

[fl32 (33)]

Prometheu

Ella pariraacute um filho mais forte do que o pae

Io

Natildeo ha para elle recurso d‟este destino

Prometheu

Natildeo certamente antes que eu seja sogravelto das cadegraveas

Io

Quem te hade comtudo soltar natildeo querendo Jupiter

Prometheu

Cumpre que seja um de teus descendentes

Io

Que dizes Por ventura um filho meu te libertaraacute dos males

Prometheu

ltuarrSem duvida umgt[Um] terceiro em geraccedilatildeo depois de outras dez geraccedilotildees

Io

Este vaticinio natildeo eacute de facil conjectura

Prometheu

Tambem natildeo desejes ltuarrsabegraver teusgt[proprios] trabalhos

Io

Offerecendo-me a dadiva natildeo m‟a a negues depois

148

Prometheu

Com um de dous discursos te favorecerei

Io

[fl34]

Quaes Dize e daacute-me a escolha

Prometheu

Concedo Escolhe ou te direi claramente o resto de teus trabalhos ou quem hade

libertar-me

Chogravero

D‟estes favograveres queiras fazegraver um a esta outro a mim nem desprezes minhas

palavras Declara-lhe a restante peregrinaccedilatildeo e a mim o libertadograver pois dezejo isto

Prometheu

Visto que o desejaes ardentemente natildeo me recusarei a declarar tudo o que

quereis A ti primeiro Io referirei a muita agitada peregrinaccedilatildeo que tu ltuarrdeves

gravargt[] nas tabuas commemorativas do espirito Quando tenhas atravessado a

corrente limite dos continentes para o brilhante oriente visitado pelo sol x x x x84

tendo

atravessado o bramido do mar ateacute que chegues aos campos gorgoneos de Cisthenes

onde habitatildeo as Phorcides trez donzellas anciaatildes com forma de cysne possuindo um

olho commum e um dente a quem nem o sol olha com seus raios nem a nocturna lua

Perto estatildeo suas trez irmaatildes as aligeras anguicomas Gorgones aos mortaes odiosas que

nenhum mortal encarando conservaraacute o espirito vital Digo-te isto por cautela Ouve

porem outro penograveso espectaculo pois guarda-te dos catildees mudos de guelas pontudas

[fl34 (35)] de Jupiter os gryphos e do exercito equestre monocular dos Arimaspos

que habitatildeo junto aacute corrente auriflua ao rio de Plutatildeo Natildeo te approximes d‟estes mas

iraacutes a terra longinqua a um povo negro que habita perto das fontes do sol onde estaacute o

rio Ethiope Caminha cegraverca das margens d‟este ateacute que chegues aacute queda onde dos

montes Byblinos o Nilo lanccedila a corrente veneranda e bogravea de bebegraver Este te

84 Marcaccedilatildeo de lacuna no texto original grego consultado pelo Imperador e tambeacutem encontrada na ediccedilatildeo

de Christian Gottfried Schuumlltz de 1809 (verso 797)

149

encaminharaacute para a terra triangular Nilotica onde estaacute fadado a ti Io e a teus filhos

fundar remota colonia Se alguma d‟estas cousas [eacute ltpara tigt85

embara]ccedilosa e difficil

d‟entendegraver repete-a e sabe-a claramente ha para mim maior lazegraver do que quero

Chogravero

Se algum resto ou ltuarromittidogt[] da funesta peregrinaccedilatildeo tens de

declarar a esta dize-o mas se tudo disseste entatildeo faze-nos ltuarrtambemgt [o favor] que

pedimos do qual te lembras sem duvida

Prometheu

Ella ouviu todo o termo da viagem Mas para que saiba natildeo me ter

ouvido em vatildeo direi o que soffreu antes de vir caacute dando este proprio testemunho de

minhas palavras Omittirei a maior abundancia de palavras e vou mesmo ao termo de

tuas peregrinaccedilotildees Depois que vieste aos campos Molossos e aacute alcantilada Dodone

onde estatildeo o oraculo e a seacutede [fl36] de Jupiter Thesproto e o prodigio incrivel os

carvalhos fallantes pelos quaes ltuarrclaragt[] e nada ambiguamente foste saudada como

devendo segraver illustre espogravesa de Jupiter se qualquer d‟estas cousas te lisongegravea d‟ahi

pungida pelo tavatildeo ao longo do caminho junto ao mar chegaste ao grande gogravelpho de

Rhea d‟onde eacutes agitada por cursos retrogados Em tempo vindouro essa ensegraveada

mariacutetima seraacute chamada Ionia como lembranccedila de ltuarr2gt[tua] viagem [para]ltuarrtodosgt

ltuarr1gt[os] mortaes86

Satildeo Provas satildeo estas de que como meu espirito vegrave mais do que o

apparente O resto direi igualmente a voacutes e a ella voltando aacutes proprias peacutegadas das

palavras de antes Eacute Canopo a cidade extrema da regiatildeo junto aacute propria bocca do Nilo e

ao coacutemoro Ahi Jupiter tornar-te-aacute racional acariciando-te com placida matildeo e tocando-

te somente Pariraacutes o negro Epapho (epaphan = acariciar tocar de leve) sobrenograveme

proveniente da geraccedilatildeo de Jupiter o qual se apossaraacute de tudo quanto rega o latifluo

Nilo A quinta geraccedilatildeo d‟elle composta de cincoenta donzellas voltaraacute natildeo o querendo

para Argos fugindo do casamento consaguineo dos primos paternos mas elles com o

espirito fortemente agitado como gaviotildees natildeo muito afastados das pombas viratildeo

85

O trecho ldquopara tirdquo foi escrito logo acima do trecho ldquoeacute embaraccedilosardquo seu lugar na frase eacute indicado por

meio de traccedilo 86

O trecho ldquode tua viagem para os mortaesrdquo foi sublinhado no manuscrito Tambeacutem o nuacutemero 2 foi

escrito acima da palavra ldquotuardquo e o nuacutemero 1 escrito acima do artigo plural ldquoosrdquo A palavra ldquotodosrdquo foi

escrita acima do trecho sublinhado seu lugar na frase eacute indicado por meio de traccedilo Seria para propor

inversatildeo na ordem (lembranccedila ldquopara todos os mortaesrdquo ldquode tua viagemrdquo)

150

caccedilando nupcias natildeo caccedilaveis um deus lhes invejaraacute os corpos A Pelasgia os receberaacute

com feminina matanccedila domados por audacia nocturna vigilante pois cada mu[fl36

(37)]lher privaraacute da vida cada homem enterrando ltuarrnagt[] garganta a espada de dous

gumes Tal viesse Venus sobre meus inimigos A paixatildeo abrandaraacute uma soacute das

donzellas de modo a natildeo matar seu companheiro de leito mas se ltuarrconfundir-se-lhe-

aacutegt[] o juizo resolveraacute uma de duas ouvir-se chamar fraca antes do que sanguinaria

Esta pariraacute ltuarrem Argosgt geraccedilatildeo real Eacute preciso grande discurso para explicar estas

cousas claramente D‟esta linhagem nasceraacute o audaz illustre pelo arco o qual me livraraacute

d‟estes trabalhos Tal oraculo me expoz minha matildee anciaatilde a Titanide Themis Como

e onde eacute preciso muito tempo para dizegravel-o e nada lucraraacutes sabendo-o

Io

Ai ai ltuarrDe nogravevogt[] me abrasatildeo profundamente violenta dograver e

phreneticos delirios e do tavatildeo me punge o ferratildeo ardente Na verdade o coraccedilatildeo

abala de megravedo as entranhas os olhos volvem-se em espiral e sou impellida foacutera do

curso pelo influxo insensato da raiva natildeo podendo com a lingua palavras confusas

porem datildeo d‟encontro aacutes ondas da triste fatalidade ltuarrChoacutero (Strophe)gt87

Certamente

sabio certamente sabio era quem primeiro concebeu na mente e dissertou com a

lingua que muito prefere o casar com os da propria igualha e nem dos enervados pela

[fl38] riqueza nem dos engrandecidos pela linhagem deveraacute apaixonar-se o

mercenario

(antistrophe)

Jamais jamais oh Parcas me x x x88

vejaes companheira de leito de

Jupiter nem unindo-me a qualquer espograveso do ceu pois temo a virgindade inimiga dos

varotildees vendo Io grandemente atormentada pelas acerbas peregrinaccedilotildees de Juno

(epodo)

Quanto a mim natildeo receio porque um casamento igual natildeo eacute temivel mas

natildeo me olhe a paixatildeo dos deuses mais poderosos olhar inevitavel Guerra esta natildeo

guerreavel facil em difficuldades nem sei que seraacute de mim pois natildeo vejo como fugir

do designio de JupiterltuarrPrometheugt89

[Na verdade] ainda um dia Jupiter pensando

87

O trecho ldquoChogravero (strophe)rdquo foi escrito logo acima das palavras ldquofatalidaderdquo e ldquocertamenterdquo seu lugar

no texto foi indicado por meio de traccediloAqui natildeo pulou linha para indicar mudanccedila de fala 88

Marcaccedilatildeo feita pelo autor indicando corrupccedilatildeo no texto original grego 89

Essa palavra foi escrita logo acima do trecho ldquona verdaderdquo Haacute um traccedilo vertical depois da palavra

ldquoJupiterrdquo indicando que comeccedilaria a fala de Prometeu

151

embora cousas arrogantes seraacute humilde tal casamento prepara-se a contrahir que o

derribaraacute [anniquilado ltuarrdo governo egt do] thrograveno Entatildeo do pae Saturno jaacute se

cumpriraacute inteiramente o que imprecava cahindo do antigo thrograveno O desviacuteo d‟estes

males nenhum dos deuses excepto eu poderia mostrar claramente

Sei isto e de que modo Por isso ltuarr3gt[ltuarrdestemidogt] [] ltuarr1gt[assente-se]

ltuarr2gt[ltuarragoragt]90

fiado nos sublimes estrondos brandindo nas matildeos ignisomo dardo

ltuarrNada poremgt[] o ajudaratildeo estas cousas para natildeo cahirem ltuarrdeshonrosamentegt

[ruinas natildeo] sustentadas Tal antagonista [fl38 (39)] prepara elle para si mesmo

monstro difficillimo de combategraver que acharaacute fogo mais poderograveso que o raio estrondo

forte excedente ao trovatildeo e desfaraacute o flagelo maritimo tridente flagello abaladograver da

terra a haste de Neptuno Dando d‟encontro a esta desgraccedila aprenderaacute quanto distatildeo o

imperar e o servir

Chogravero

Tu vociferas na verdade o que desejas contra Jupiter

Prometheu

O que hade succedegraver e alem d‟isto quero digo eu

Chogravero

E cumpre aguardar que alguem governe a Jupiter

Prometheu

E supportaraacute trabalhos mais intoleraveis do que estes

Chogravero

Como porem natildeo ltuarrreceiasgt [] proferindo essas palavras

Prometheu

Porque temeria eu a quem natildeo eacute fadado morregraver

90 A passagem foi transcrita tal qual estava no manuscrito No entanto outra possiacutevel leitura foi indicada

por meio de nuacutemeros escritos logo acima de algumas palavras ldquodestemidordquo(3) ldquoassente-serdquo(1) e

ldquoagorardquo(2) ou seja ldquo() assenta-se agora destemidordquo As palavras ldquodestemidordquo ldquoassente-serdquo e ldquoagorardquo

foram sublinhadas no manuscrito

152

Chogravero

Mas te daria trabalho mais dolorograveso do que este

Prometheu

Faccedila-o elle pois tudo eacute aguardado por mim

[fl40]

Chogravero

Os que adoratildeo Adrastea (a providencia dos pagatildeos) satildeo sabios

Prometheu

Venera invoca lisongegravea quem ainda agora impera Jupiter importa-me

menos do que nada Obre impere n‟este curto tempo como queira pois natildeo governaraacute

os deuses muito tempo Vejo porem o mensageiro de Jupiter o ministro do novo

senhograver em todo o caso veio annunciar cousa nova

Mercurio

A ti astucioso acerbamente sobremodo acerbo que peccas contra os

deuses dando honras aos ephemeros chamo ladratildeo do fogravego o pae ordena que digas

quaes as nupcias de que blazonas e por cuja causa aquelle decahiraacute do ltuarrpodegravergt[] E

estas cousas comtudo nada ambiguamente mas uma por uma expotildee nem me

ltuarrtragasgt[] Prometheu caminhos duplos pois vegraves Jupiter natildeo abrandar-se com taes

cousas91

ltuarrPrometheugt Grandiloquo e [cheio de soberba] eacute o discurso como de

creado dos deuses e novos governaes de nogravevo e julgaes habitar castellos isentos de

tristeza Natildeo sei ltuarreugt [que] dous senhores cahiram d‟elles Observarei (cahir) o

terceiro que impera agora celerrima e vergonhosissimamente Acaso te paregraveccedilo

ltuarrreceiar-megt[] ou tremegraver de megravedo dos novos deuses Mui[fl40 (41)]to e de todo

longe estou (do megravedo) Tu pelo caminho porque vieste retrocede depressa pois nada

saberaacutes do que me interrogas

Mercurio

91

Neste ponto haacute um traccedilo vertical separando a fala de Mercuacuterio da fala de Prometeu que estavam

unidas A palavra ldquoPormeteurdquo foi escrita logo acima do trecho ldquocheio de soberbardquo para indicar que a fala

eacute de Prometeu Indicaccedilatildeo do proacuteprio Imperador

153

Todavia d‟antes com ltuarrtaesgt[]arroganciasltuarrappontaste agt[] estas

desgraccedilas

Prometheu

Por teu serviccedilo sabe-o tu claramente natildeo trocaria eu minha desgraccedila

Julgo pois melhor servir esta pedra do que segraver mensageiro fiel do pae Jupiter Cumpre

tratar assim com arrogancia os arrogantes

Mercurio

Pareces deleitar-te com as cousas presentes

Prometheu

Deleito-me Assim visse eu meus amigos92

deleitando-se e entre elles te

nomegraveo

Mercurio

Acaso pois m‟imputas alguma cousa em tuas infelicidades

Prometheu

Em uma palavra odiacuteo todos os deuses quantos beneficiados me fazem

mal injustamente

Mercurio

[fl42]

Ouccedilo-te enlouquecido por natildeo pequena molestia

Prometheu

Adoecegravesse eu se doenccedila eacute odiar os inimigos

Mercurio

Natildeo serias supportavel se fosses feliz

92

O correto seria ldquoinimigosrdquo provavelmente um equiacutevoco cometido pelo autor enquanto passava agrave limpo

sua traduccedilatildeoVer verso 973 do Prometeu Acorrentado

154

Prometheu

Ai

Mercurio

Esta palavra Jupiter natildeo conhece

Prometheu

Mas o tempo envelhecendo tudo ensina

Mercurio

E comtudo ainda natildeo sabes segraver previdente assizado

Prometheu

Do contrario natildeo te estaria fallando a um creado

Mercurio

Nada pareces dizer do que o pae dezegraveja

Prometheu

E entatildeo dar-lhe-ia graccedilas como seu obrigado

Mercurio

Tens escarnecido de mim como se eu fosse ltuarrumgt menino

Prometheu

Por ventura natildeo eacutes um menino e ainda mais desassizado [fl42 (43)] do

que este se esperas sabegraver alguma cousa de mim Natildeo ha tortura nem [artificio ltuarrcom

que Jupitergt93

me provoque] a declarar essas cousas antes que os funestos vinculos

sejatildeo sograveltos Por isso arremesse a chamma abrazadogravera confunda-se e abale-se tudo

com a neve branco-alada e os trovotildees subterraneos que nada d‟isso me dobraraacute a que

diga por quem cumpre decahir ele do governo

93

O trecho ldquocom que Jupiterrdquo foi escrito logo acima das palavras ldquoartificiordquo e ldquoprovoquerdquo seu lugar na

frase eacute indicado por meio de traccedilo

155

Mercurio

Considera ltuarragoragt[] se isto parece ltproveitogravesogt[] para ti

Prometheu

Jaacute foi visto e resolvido de ha muito

Mercurio

Ousa oh insensato ousa uma vez pensar rectamente ltuarrconformegt[] as

presentes desgraccedilas

Prometheu

Debalde me importunas como ltuarruma onda convencendo-megt[] Nunca

te entre na cabeccedila que eu aterrado pelo designio de Jupiter me tornarei mulheril e

supplicarei com elevaccedilotildees femininas de matildeos ao grandemente odiado que me solte

d‟estas cadegraveas estou inteiramente longe d‟isto

Mercurio

Parece-me fallar debalde fallando embora muito pois nada abrandaraacutes

nem amolleceraacutes o coraccedilatildeo com as [fl44] preces porem mordendo o boccado do freio

como pograveldro recentemente domado forcegravejas e combate contra as reacutedeas Comtudo

orgulhas-te de fraco expediente porque a audacia de quem natildeo pensa bem vale menos

do que nada Olha pois se natildeo fores convencido por minhas palavras que tempestade

e escarceacuteo de males cahiraacute inevitavel sobre ti primeiramente o pae despedaccedilaraacute este

fragograveso despenhadeiro com o trovatildeo e a fulminea chamma e esconderaacute o teu corpo e o

petreo seio te traraacute Tendo se completado grande espaccedilo de tempo veraacutes novamente aacute

luz mas o catildeo volatil de Jupiter a cruenta aguia dilaceraraacute ltuarravidamentegt[] grande

pedaccedilo de teu corpo conviva que natildeo convidado vem todos os dias e devorar-te-aacute o

fiacutegado negra comida Natildeo esperes o termo d‟este soffrimento antes que appareccedila

ltuarrumgt[algum] dos deuses successograver de teus trabalhos que queira ir ao inferno natildeo

allumiado e aacute escura profundidade do Tartaro Portanto resolve pois que natildeo eacute uma

van jactancia porem um dicto muito serio ltuarrvisto qgt[] a bocca de Jupiter natildeo sabe

mentir mas cumpre a palavra Examina bem e reflecte nem julgues jamais a audacia

melhor que a prudencia

156

Chogravero

[fl44 (45)]

Na verdade Mercurio natildeo parece dizegraver cousas inopportunas pois te exhorta a

ltuarrquegt depondo a audacia procures a sabia prudencia Cede pois a um sabio

vergonhograveso eacute errar

Prometheu

Elle proclamou estes annuncios a mim que os sabia mas natildeo eacute indigno segraver um

inimigo maltratado pelos inimigos Por isso arremesse-se sobre mim a espiral de fogravego

de dous gumes e o ltuarrargt[] seja revolvido pelo trovatildeo e a tormenta dos ventos

furiosos sacuda o furacatildeo a terra com as proprias raizes desde os alicerces e com

ltuarrasperogt[] bramido confunda as ondas do mar e os cursos dos astros celestes e

precipite inteiramente meu corpo no negro Tartaro ltuarrlevadogt pelos irresistiveis

turbilhotildees da fatalidade ltuarrem todo o casogt[] natildeo me faraacute morregraver

Mercurio

Taes resoluccedilotildees e palavras de mentecapto eacute preciso comtudo ouvir Que

falta pois para elle desarrazoar se nada cede das infelizes manias Mas voacutes que vos

compadeceis dos soffrimentos d‟elle afastae-vos rapidamente d‟estes lugares para

qualquer outro ltuarrafimgt[][fl46] de que o horrendo mugido do trovatildeo natildeo ponha

attonitos vossos espiritos

Chogravero

Dize e aconselha-me outra cousa pois que me seduziste com essas

palavras de nenhum modo toleraveis Como eacute que me ordenas praticar infamias Com

elle quero soffregraver o que fograver necessario pois aprendi a aborrecegraver os traidores nem ha

peste que mais me repugne do que esta

Mercurio

Mas recordae-vos do que predigo e caccediladas pelas desgraccedila natildeo accuseis

a sorte nem digaes que Jupiter vos arremessou a uma infelicidade imprevista natildeo

certamente porem voacutes a voacutes mesmas pois sabendo-o nem subita nem occultamente

sereis ltuarrenvolvidasgt por insensatez na immensa regravede da desgraccedila

157

Prometheu

E de facto e natildeo mais por palavras ltuarrbalanccedila-segt[] a terra rebogravea o

echo rugidograver do trovatildeo brilhatildeo as espiraes ltuarrardentesgt[]do relampago e os turbilhotildees

revolvem o poacute rompem os sogravepros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

oppostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Taes impetos contra mim vem

manifestamente de Jupiter para mettegraverem megravedo Oh nume de minha matildee [fl46 (47)] oh

ar que volves a luz commum de todos vegraves quatildeo injustamente soffro

14 de Abril de 1871

158

CAPIacuteTULO 4 - Transcriccedilatildeo da primeira versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de

Paranapiacaba

Aacute MEMORIA

DE

Dom Pedro II do Brazil

Saudade e admiraccedilatildeo94

94

O livro publicado pelo Baratildeo de Paranapiacaba em 1907 comeccedila com a citada dedicatoacuteria seguida por

outra destinada agrave Princesa Isabel (reproduzida a seguir) Logo depois encontram-se as correspondecircncias

trocadas entre Paranapiacaba e Lafayette Rodrigues Pereira nas quais o Baratildeo solicita a Lafayette que

faccedila um prefaacutecio ao seu livro e Lafayette aceita o convite (ppIX-XIII) O prefaacutecio escrito por Lafayette

encontra-se depois das cartas (ppIX-XIII) O livro divide-se em duas partes Na primeira encontram-se

as duas versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba e suas notas explicativas (pp49-165) precedidas por dois

juiacutezos criacuteticos acerca do Prometeu Acorrentado traduzidos pelo Baratildeo Eschylo de A e M Croiset

(pp19-32) e Juizo de Paul de Saint-Victor (pp33-48) Na segunda parte do livro encontra-se um texto

no qual o Baratildeo de Paranapiacaba narra sua convivecircncia com o Imperador desde o primeiro encontro ateacute

a partida do monarca para o exiacutelio (pp170-265) O livro encerra-se com um texto no qual o Baratildeo traccedila

uma visatildeo panoracircmica do teatro antigo e moderno (pp267-333)

159

Aacute SERENISSIMA PRINCEZA

A Senhora Dona Izabel a Redemptora

Veneraccedilatildeo e lealdade

160

[fl49] PROMETHEU ACORRENTADO95

__________

A FORCcedilA E VULCANO (KRATOS E HEPHAISTOS)

(A violencia (Bia) eacute personagem mudo)

A FORCcedilA

Chegaacutemos do mundo ao termo

Ao mais longiquo recesso

Da Terra Scythica um ermo

A humanos peacutes inaccesso

Vulcano Eacute tempo Executa

Ordens que o Pae quis impocircr

Nesta penedia abrupta

Preacutega este audaz malfeitor

Em forte indomavel trama

De liames adamantinos

Intrinca-o bem pois a chamma

Exclusiva dos Divinos

O fogo teo dote e orgulho

Que tanto aacute artes servio

Tirando-o ao ceacuteo por esbulho

C‟os homens o dividio

D‟esse peccado hoje o fere

A pena afim de aprender

Qual conveacutem que elle venere

De Jupiter o poder

Sendo forccedila renuncie

95 A meacutetrica varia conforme a personagem nessa versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de Paranapiacaba a

primeira a ser apresentada no livro de 1907 Paacutegina 49 na publicaccedilatildeo original

161

A sua philantropia

E nunca mais auxilie

A creatura de um dia

[fl50] VULCANO

Forccedila e violencia Cumpridas

Prescripccedilotildees que o Pae dictou

De estorvo algum sois tolhidas

Vossa incumbencia findou

E a mim fallece coragem

De nesta algente quebrada

A um Deos de minha linhagem

Prender em teia cerrada

Mas dura Necessidade

A ousal-o obrigar-me vae

Que eacute de summa gravidade

Desleixar ordens do Pae

A ti filho altipensante

De Themis justa e sensata

Por enleio flagellante

De noacutes que ninguem desata

Neste vatildeo sem treita humana

Muito a meo e teo pesar

Por injuncccedilatildeo soberana

Vou em seguida cravar

Natildeo veraacutes humano rosto

Nem voz mortal ouviraacutes

Ao queimocircr do sol exposto

A flocircr da tez perderaacutes

162

A noite que sempre ancioso

Estaraacutes por ver surgir

Ha-de o dia luminoso

No veacuteo de estrellas sumir

Crastino sol novamente

Dissipar ha de a neblina

E enxugar ao raio ardente

A geada matutina

Sem que cesse de pungir-te

Da angustia o acuacuteleo profundo

Que ninguem a redimir-te

Surgio ainda no mundo

[fl51] Pagaste aos homens tributo

De affectos em profusatildeo

E estaacutes vendo qual o fructo

De tanta dedicaccedilatildeo

Nume- os Numes affrontaste-

Pois da terra aos moradores

Sem reserva prodigaste

Harto quinhatildeo de favores

Has-de pois nestes algares

Como guarda persistir

Sem os joelhos dobrares

Firme de peacute sem dormir

Quanto a expansatildeo dos tormentos

Te irromper dos penetraes

Seratildeo vatildeos os teos lamentos

163

Inuteis seratildeo teos ais

Coraccedilatildeo rigido e feacutero

Tem dos Numes o Regente

De natureza eacute severo

Todo o tyranno recente

A FORCcedilA

Potildee matildeos aacute obra Que esperas

Vamos Acccedilatildeo instantanea

Debalde te commiseras

Tua emoccedilatildeo eacute frustranea

Natildeo execras este Nume

Odioso aos celestiaes

Que teo patrimonio - o lume

(Traidor) ha dado aos mortaes

VULCANO

Podem sangue e convivencia

Muito

A FORCcedilA

Sim Natildeo eacute peior

Tardar a Jove obediencia

Poacutede haver falta maior

[fl52] VULCANO

Oh Sempre dureza e audacia

A FORCcedilA

Nada poacutedes delle em proacute

Eacute vatildeo e sem efficacia

Natildeo lhe eacute remedio esse doacute

164

VULCANO (olhando para as cadeias)

D‟arte minha oacute fructo horrendo

A FORCcedilA

Por que tal odio Bofeacute

De tudo que estamos vendo

Tua arte causa natildeo eacute

VULCANO

Houvesse a outrem cabido

Este cruel ministerio

A FORCcedilA

Aos Immortaes concedido

Tudo foi menos o imperio

Soacute Jove eacute livre

VULCANO

Negal-o

Natildeo ha nem pocircr contradictas

A FORCcedilA

Tracta pois de vinculal-o

Antes do Pae vecircr que hesitas

VULCANO

Vecirc as algemas

[fl53] A FORCcedilA

Arrocha

Seos pulsos vibrando o malho

Crava-lhe as matildeos nessa rocha

165

VULCANO

Sim E natildeo foi vatildeo trabalho

A FORCcedilA

Mais forte Estreita-lhe os braccedilos

No mais comprimido arrocho

Estica todos os laccedilos

Nenhum noacute deixes a frouxo

Podem ser por elle achadas

(Tatildeo habil eacute) soluccedilotildees

Ainda em desesperadas

Perdidas situaccedilotildees

VULCANO

Com irrompiveis cadeias

Este braccedilo preso tem

A FORCcedilA

Nas mesmas solidas peias

Prende-lhe o outro tambem

- Sophista d‟alta sciencia -

Ensine-lhe este flagello

Que eacute de tarda intelligencia

Si com Jove em parallelo

VULCANO

Ninguem que em razatildeo se firme

Poacutede increpar-me as acccedilotildees

Este poacutede dirigir-me

(Mais ninguem) exprobaccedilotildees

[fl54] A FORCcedilA

166

Dessa cunha d‟accedilo o coacuterte

-Fundo - embebe-lhe no peito

Vara-o com golpe bem forte

Natildeo lhe amorteccedilas o effeito

VULCANO

Prometheu Gemo comtigo

A FORCcedilA

Outra vez Sinto deplores

Quem eacute de Jove inimigo

Oxalaacute por ti natildeo chores

VULCANO

Oh A que espetaculo infando

Assisto

A FORCcedilA

O que a lei condemna

Estou a ver expiando

De seo crime a justa pena

Peitoraes potildee-lhe aacutes axillas

VULCANO

Sei Eacute fatal Jove a mim

Deo ordens Devo cumpril-as

Natildeo instes commigo assim

A FORCcedilA

Hei-de instar e aacute teo esforccedilo

Bradar pois vejo que afrouxas

Ao rochedo une-lhe o docircrso

E em aneis lhe adstringe as cocircxas

167

VULCANO

Estaacute feito e leacutesto

[fl55] A FORCcedilA

Aperta

Rebatendo-os nos fuzis

Os cravos dos peacutes Alerta

Tens fiscal de olhos subtis

VULCANO

Qual teo rosto eacute fera e audace

Tua lingoa

A FORCcedilA

Mostra fraqueza

Mas natildeo que lances em face

Minha inflexivel rudeza

VULCANO

Vamos que o cinge uma recircde

A FORCcedilA (apostrophando a Prometheu)

Desadoacutera Furta o egregio

Fogo e aos homens leva adrecircde

Dos Numes o privilegio

Os ephemeros nem podem

Prestar-te o auxilio commum

Neste lance natildeo te acodem

Pois seo valor eacute nenhum

Os Immortaes accordaram

Em chamar-te Prometheu

Falso nome te applicaram

168

Que natildeo quadra ao genio teo

Pois precisas nesse transe

Que de um Prometheu te valhas

Cujo sabio esforccedilo alcance

Libertar-te d‟essas malhas

(Sahem Vulcano a Forccedila e a Violencia)

[fl56] PROMETHEU

Oacute Ether divinal oacute ventos d‟aza prompta

Oacute fontes fluviaes risos do mar sem conta

Oacute Terra genetriz de cujo seio ingente

Tudo brota do sol oacute disco omnividente

Ouvi-me a invocaccedilatildeo Eu peccedilo que vejaes

Quantas docircres impoem a um Nume os Immortaes

Vecircde em que regiotildees em vinculos tatildeo sevos

Condemnam-me a penar por longa serie de eacutevos

Para mim ideiou o Chefe dos Ditosos

Este apparelho vil de ferros vergonhosos

Ai Choro o mal presente e o mal em perspectiva

Suspiro pelo fim desta pena afflictiva

Que digo Vejo claro e com o olhar seguro

Quanto encerram de occulto as dobras do futuro

Ai Natildeo ha para mim successo inopinado

Natildeo se foge ao Destino E pois do melhor grado

Eu devo submetter-me aacute Sorte irreparavel

Porque Necessidade eacute forccedila inexpugnavel

Natildeo quizera falar deste injusto supplicio

Mas como calarei si um grande beneficio

Tendo feito aos mortaes em paga ao jugo oppresso

Estou deste martyrio inteacutermino indefesso

Em feacuterula guardei do fogo a fonte occulta

O fogo mestre foi das artes e resulta

Delle para os mortaes moacuter commodo e proveito

169

Por isso eacute que me vejo aacute tanta docircr sujeito

Aacute mercecirc da intemperie em toda a acccedilatildeo tolhido

Fazendo expiaccedilatildeo do crime commettido

Ai ai Que sons escuto e que vago perfume

Se evola e sobe aqui Eacute porventura um Nume

Eacute mortal Ou talvez eacute mixta creatura

Que vem presenciar esta rude tortura

E quer de perto vecircr meo hoacuterrido castigo

Vecircde um Deos infeliz de quem Jove eacute inimigo

Que os Numes tem hostis e hostil quanto frequenta

De Jupiter a reacutegia E tudo porque alenta

Muito amor aos mortaes Ai Proximos jaacute soam

Os ruidos que ouvi Satildeo passaros que voam

Os ares ao bater de azas que se equilibram

Em remigio subtil harmoniosos vibram

Mofina condiccedilatildeo infausta sorte a minha

Infunde-me pavor quanto a mim se avizinha

[fl57] CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE 1

Socega O bando aligero

Que do alto aqui desceo

Inteiro te eacute sympathico

E amigo Prometheu

Mal aacute vontade explicita

Do Pae venia extorquida

Porfiaacutemos qual mais ceacutelere

Seria na partida

O pavoroso estrepito

Dessas correntes d‟accedilo

Das grutas oceanicas

170

Foi restrugir no espaccedilo

De parte pondo estimulos

Do pejo natildeo calccediladas

Ao voador vehiculo

Subimos apressadas

Pelas do ethereo paacuteramo

Plagas de azul serenas

Trouxe-nos brando zephyro

Sobre frouxel de pennas

PROMETHEU

Voacutes que nascidas sois de Thetis a fecunda

Tendo por genitor o Oceano que circunda

A Terra com seo fluxo insomne inextinguivel

Contemplai-me eis-me aqui Preso em recircde infrangivel

No vatildeo de hispida fraga unido aacute penedia

Constrangem-me a occupar o posto de vigia

CORO DAS OCEANIDAS

ANTISTROPHE II

Vecircmos sentindo subito

Das palpebras aacute flocircr

Prenhe de ternas lagrimas

Vir nevoa de terror

[fl58] Porque teu corpo em vinculos

Torpes aacute rocha preso

Vae definhando taacutebido

De tanta angustia ao peso

Pilotos ha novissimos

No ceacuteo Legisla injusto

171

Jove e extinguio tyrannico

Quanto era outr‟ora augusto

PROMETHEU

Antes da Terra ao fundo ao Orco onde tecircm pouso

Mortos ou na amplidatildeo do Tartaro trevoso

Pelo braccedilo de Jove eu fosse arremessado

De indesataveis noacutes no encerro emmaranhado

Nesse caso - ninguem ou Nume ou ser diverso -

Jubilaacutera ao me ver em dissabor submerso

Hoje suspenso aqui - ludibrio aos soltos ventos -

Vejo Deoses hostis folgar c‟os meos tormentos

CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE II

Qual tem dentre os Celicolas

Tatildeo duro coraccedilatildeo

Que ao ver-te em tanta lastima

Natildeo sinta compaixatildeo

Soacute Jove Sempre rabido

Em nada quer ceder

E aacute toda a Olympia geacutenese

Impotildee o seo poder

Declinaraacute da colera

Quando a vinganccedila estanque

Ou alguem de assalto o imperio

Arduo a roubar lhe arranque

PROMETHEU

Maacuteo grado aos que me impoz grilhotildees vituperosos

Precisaraacute de mim o Rei dos Venturosos

Para um dia sustal-o em seo recente plano

172

Que o deve derribar do solio soberano

Entatildeo natildeo haveraacute blandicia que me torccedila

Natildeo me hatildeo de intimidar ameaccedila nem forccedila

Soacute falarei ao ter os vinculos partidos

E apoacutes satisfaccedilatildeo de ultrajes recebidos

[fl59] CORO DAS OCEANIDAS

ANTISTROPHE II

Sempre altivez No cumulo

Da angustia em nada cedes

Falas bem solto e impavido

E as expressotildees natildeo medes

Por teo destino incognito

Toma-nos o terror

Quando no porto incolume

Veraacutes o termo aacute dor

Jove Saturnia sobole

Eacute rispido inflexivel

Seo animo recondito

Foi sempre incomprehensivel

PROMETHEU

Bem sei que Jove eacute duro e em lugar da justiccedila

Seo alvedrio potildee mas um dia submissa

A vontade haacute de ter e mostraraacute brandura

Quando por esse modo o fira a desventura

Nesse dia depondo a furia pertinaz

Viraacute soldar commigo a desejada paz

O CORO DAS OCEANIDAS

Revela tudo Dize-nos

Quando te succedeo

173

Em que alto maleficio

Jupiter te colheo

Que com iguaes opprobrios

Acerbos te angustia

Fala alto salvo o incommodo

De expocircr tanta agonia

PROMETHEU

Si doacutee de caso taes fazer a narrativa

Calal-os tambem pecircza Ingrata alternativa

Quando a primeira vez os Deoses insurgidos

Foram pela Discordia em facccedilotildees divididos

Uns tentavam privar Saturno do poder

E a Jove filho seo do ceacuteo ao throno erguer

Os que partido infenso a Jupiter seguiam

Confiar-lhe do Olympo o mando natildeo queriam

[fl60] Eu de alvitre melhor natildeo pude dos Titanes

- Prole de Terra e Ceacuteo - vencer planos inanes

Surdos aacute deducccedilatildeo de claros argumentos

Avecircssos aacute doccedilura altivos violentos

Intentaram lograr aacute forccedila por sorpresa

Sua injustificada e temeraria empresa

Que vezes minha matildee Themis excelsa ndash a Terra

Que varios nomes tem e uma soacute forma encerra -

Do porvir descerrando os veacuteos caliginosos

Predissera que soacute por meios ardilosos

Caberia aos Titans a palma da victoria

Recusaram ouvir-me a justa suasoria

Tenazes insistindo em seo louco projecto

Sem me olharem siquer e com desdeacutem completo

Julguei que era melhor naquella conjunctura

De minha matildee ao lado ir de Jove em procura

174

(Pois de prestar-lhe auxilio era chegado o ensejo)

E entatildeo realizar o delle e o meo desejo

Por mim Saturno antigo e aquelles que o seguiram

Na funda escuridatildeo do Tartaro immergiram

Para remunerar serviccedilos desta monta

Dos Numes deo-me o Rei deste castigo a affronta

Por achaque usual recusa a tyrannia

De amigos a affeiccedilatildeo e nelles natildeo confia

Inqueris da razatildeo por que elle assim me oprime

De contumelia tanta Eu vou dizel-o Ouvi-me

Quando posse tomou e assente foi no solio

De que arredara o Pae por odioso espolio

Depois que cada qual dos Numes quinhocircou

Com honras e mercecircs o Estado organizou

Mas da raccedila aacute quem dera o terreal dominio

Cabedal nenhum fez Quiz votal-a exterminio

E outra nova crear Nenhum Deos combatia

A ideacuteia subversiva Eu tive essa ousadia

E os mortaes preservei de serem arrojados

Do Averno aacute escuridatildeo por Jove fulminados

Por isso agora estou (aspecto miserando)

De incomportavel docircr sob a pressatildeo penando

Immensa compaixatildeo votei aacute humanidade

Sem obter para mim a minima piedade

Quanto a Jove que leva um Nume a tal opprobrio

O estado em que me potildee de aviltamento cobre-o

O CORO DAS OCEANIDAS

Teraacute nativa tempera

De ferro ou pedra rija

Quem teo castigo insolito

Contemple e natildeo se afflija

[fl61] Tatildeo misero espectaculo

175

Pudessemos natildeo vecircr

E hoje que o vemos punge-nos

De vivo desprazer

PROMETHEU

Para os amigos sou tatildeo fraco e miseravel

Vivo painel de docircr aacute vista intoleravel

O CORO DAS OCEANIDAS

Tendo da terra aos incolas

Tanto favorecido

Certo outros beneficios

Lhes tens distribuido

PROMETHEU

Livrei-os do terror que infunde na hora da morte

O CORO DAS OCEANIDAS

Que remedio servio de cura aacute mal tatildeo forte

PROMETHEU

Dei aacute cega esperanccedila entre elles moradia

O CORO DAS OCEANIDAS

Foi na verdade um dom de maxima valia

PROMETHEU

E do fogo por fim tambem lhes fiz presente

O CORO DAS OCEANIDAS

Pois que Na posse estatildeo do fogo resplendente

PROMETHEU

176

E por meio do fogo hatildeo feito esses inventos

De artes misteres mil fecundos em proventos

[fl62] O CORO DAS OCEANIDAS

E por crimes iguaes Jove te supplicia

Sem que de modo algum te abrande essa agonia

E um termo aacute tua docircr assignalou siquer

PROMETHEU

Nenhum Tem de durar emquanto lhe aprouver

O CORO DAS OCEANIDAS

E ha de aprazer-lhe Dize-nos

Como abrandal-o esperas

No teo erro gravissimo

Acaso natildeo ponderas

Por nossa parte pecircza-nos

Dizer-te que has errado

E natildeo te causa jubilo

Ouvil-o de teo lado

Deixemos estas praticas

Tracta de excogitar

O como essas artisticas

Malhas espedaccedilar

PROMETHEU

Facil quem o peacute tem foacutera da desventura

Afflige o que padece e inflige-lhe censura

Nada disto ignorei de tudo consciente

Resolvi delinquir tornei-me delinquente

Natildeo nego acinte o fiz Servindo a humana raccedila

Contava provocar os golpes da desgraccedila

177

Nunca julguei poreacutem que purgaria o crime

Ligado aacute este alcantil que o corpo me dirime

Adstricto aacute solidatildeo deste monte intractavel

Oh Natildeo me lastimeis a sorte miseravel

Eacute melhor que desccedilaes a mim nesta fragura

E de perto escuteis a minha docircr futura

Piedosas ora ouvi cercae de sympathia

A victima infeliz que geme na agonia

Anda solto o Infortunio errante se desgarra

E num tal vagueiar naquelle e neste esbarra

[fl63] O CORO DAS OCEANIDAS

Falas aacutes que por habito

Te acodem sempre aacute voz

Descemos jaacute do aerio

Carro com peacute veloz

O ether ndash que eacute dos passaros

Dominio - atravessando

Eis-nos em baixo o aspero

Fragoso chatildeo pisando

Promptas em vocirco rapido

Cuidamos de servir-te

Queremos todo o multiplo

Duro soffrer ouvir-te

(Apparece o Oceano montado em um dragatildeo alado)

OCEANO

Eis-me aqui Prometheu apoacutes vencido

Longo percurso Chego conduzido

Neste alado que soacute vontade minha

Pelos ares sem redeas encaminha

178

Leva-me o parentesco a lastirmar-te

Mas do sangue as prisotildees pondo de parte

A ti mais que a ninguem tenho amizade

Sabes que sempre dei culto aacute verdade

Guardo aacute lisonja minha lingoa extranha

Dessa tortura de aflicccedilatildeo tamanha

De que modo o rigor posso lenir-te

Dize E natildeo possa alguem um dia ouvir-te

Que mais firme que Oceano amigo houveste

PROMETHEU

Que vejo Eacutes tu Tu mesmo aqui vieste

A ser espectador de minhas magoas

Abandonaste as correntias agoas

Do nome teo a gruta primitiva

Que a natureza abrio na rocha viva

Pela terra do ferro Testemunha

Mera vens ser da docircr que me acabrunha

Ou compassivo lastimar-me Vecirc-me

Que espectaculo Assim Jupiter preme

O amigo que com elle accorde em tudo

Lhe foi para reinar matildeo forte e escudo

[fl64] OCEANO

Vendo estou Prometheu Tens mente arguta

Assaacutes No emtanto um bom conselho escuta

Conhece-te E tomar novos costumes

Pois tambem novo rei preside os Numes

Vibras exprobraccedilotildees da lingoa fera

Que si Jove as ouvir na erguida esphera

Irado te imporaacute tatildeo graves penas

Que as actuaes seratildeo brinquedo apenas

Oh desgraccedilado Expelle o que no fundo

Do coraccedilatildeo fermentas de iracundo

179

Vecirc como achar livranccedila dessas malhas

Crecircs que te digo estultas antigualhas

Falo assim Prometheu porque contemplo

Em ti da lingoa socirclta o triste exemplo

Natildeo te humildas natildeo cedes aacutes desgraccedilas

E outras queres juntar aacutes que hoje passas

Daacute que eu te guie e contra o mal precate

Natildeo batas com o peacute contra o acicate

Reina um monarcha duro e refractario

A contas de poder discricionario

Natildeo fales tatildeo procaz quecircda-te inerte

Teo indulto a impetrar corro solerte

Sabio demais natildeo vecircs que aacute intemperante

Lingoa se impotildee estimulo aviltante

PROMETHEU

Acceita embora meos pois tendo ousado

Ter parte em minha docircr foste poupado

E immune estaacutes Natildeo quero te incommodes

Por mim a interceder Levar natildeo podes

A Jove persuasatildeo Toma comtigo

Tento Espia em redor Que algum perigo

Por minha causa natildeo te venha Evita

Possa custar-te caro esta visita

OCEANO

Natildeo segues os conselhos tatildeo sensatos

Que daacutes A prova tenho-a nos teos actos

Natildeo falo em vatildeo livrar-te eacute meo empenho

Natildeo cedo aacute reflexatildeo natildeo me detenho

Lisonjeio-me sim de obter em breve

Que Jove desta pena te releve

[fl65] PROMETHEU

180

Sou-te grato e o serei constantemente

Natildeo poacutedes mais energico e fervente

De util me seres revelar o almejo

Baldaraacutes teos esforccedilos Antevejo

Seguro que seraacute de nullo effeito

Quanto queiras tentar em meo proveito

De risco a salvo quecircda O meu desastre

Outrem natildeo vaacute ferir e apoacutes o arrastre

Sim Bem me afflige o quadro da miseria

De Atlante meo irmatildeo que em peacute na Hesperia

Nos hombros libra (insupportavel cargo)

De Terra e Ceacuteo columnas Bem amargo

Me eacute lembrar o outro irmatildeo filho da Terra

Ciliceo troglodita - horror na guerra -

Centifronte Typheo Sempre invencivel

Dominado por forccedila irresistivel

Rebelde aos Numes sibilava a morte

Das tetras fauces Quando a dextra forte

Contra o imperio de Jupiter erguia

Fulminava ao chispar que despendia

Do seo gorgoacuteneo olhar O vigilante

Dardo - de Jove o raio chammejante

Ruio e lhe abateo a vatilde jactancia

No coraccedilatildeo combusto da flammancia

Celeste - e apavorado do estrondoso

Trovatildeo - esse valor tatildeo poderoso

Tombou sem energia aniquilado

E como corpo vatildeo jaz estirado

Junto do estreito e sob o Etna arfando

Ao passo que no cimo estaacute forjando

Vulcano as massas e fusotildees candentes

Dalli com estridocircr igneas torrentes

Jorrando iratildeo co‟os brutos maxillares

Da Sicilia abrazar ferteis pomares

181

Assim Typhecirco que o raio malferira

Ha de ao resfolgo espadanar a ira

Em turbilhotildees de chammas que no arrocircjo

Vivo inexhausto expelliraacute do bocircjo

Certo a tua provada experiencia

Dispensa meos conselhos e assistencia

Guarda-te pois do modo mais asado

No que me toca seguirei meo fado

Teacute que se extingua a colera que lavra

No animo aacute Jove

OCEANO

Sabes que a palavra

Prometheu d‟alma enferma eacute medicina

[fl66] PROMETHEU

Si alguem a tempo o coraccedilatildeo domina

E opportuno e prudente o volve aacute calma

Sem que aacute forccedila reprima os eacutestos d‟alma

OCEANO

Que mal faz ao tental-o acautelado

E audaz

PROMETHEU

Estolidez afan baldado

OCEANO

Deixa que desse mal ora padeccedila

Paro o sabio eacute melhor que o natildeo pareccedila

PROMETHEU

Responsavel da culpa commettida

182

Por ti fora eu

OCEANO

Eacute dar-me a despedida

Falar assim

PROMETHEU

Receio haja motivo

D‟odio em seres commigo compassivo

OCEANO

Odio De quem Daquelle que recente

Tomou posse do solio omnipotente

PROMETHEU

Ai Si lhe irritas o animo

[fl67] OCEANO

De ensino

Serve-me Prometheu o teo destino

PROMETHEU

Adeos Nesse bom senso persevera

OCEANO

Daacutes pressa ao que aacute partida se accelera

Meo quadrupede alado costumeiro

De curvar o joelho em seo caseiro

Redil sacode as azas desdobradas

Que do ether puro roccedilam as camadas

CORO DAS OCEANIDAS

ESTROFE I

183

O Teo destino tragico

Carpimos compungidas

As lagrimas affluem-nos

Faceis enternecidas

E iguaes a fontes humidas

Nos sulcam o semblante

Jove que em seo arbitrio

Faz timbre de arrogante

Ao sceptro seo despotico

Preme os antigos Numes

ANTISTROPHE I

Jaacute nestes vastos sitios

Ressoam ais queixumes

Quantos na terra proxima

Da Asia sagrada moram

Tuas passadas glorias

E as de irmatildeos teos deploram

[fl68] ESTROPHE II

Choram-te as virgens Colchidas

Intrepidas na guerra

E os Scythas da Meoacutetida

Sita em confins da Terra

ANTISTROPHE II

Chora-te o escol dos Arabes

- Marcial lanceira cohorte -

E os que manteacutem no Caucaso

O seo roqueiro forte

184

EPODO

Outro que da titanica

Raccedila ligado eu vi

Em laccedilos incansaveis

Soffrer antes de ti

Atlante foi que o symbolo

Eacute do maior esforccedilo

Pois que do poacutelo ao carrego

Geme o seo forte dorso

Muge a seos peacutes o pelago

Fervendo o abysmo freme

Ateacute nas furnas infimas

O inferno todo treme

As fontes sacratissimas

Das fluviaes correntes

Manam carpindo murmures

Os males seos ingentes

PROMETHEU

Si me nego a falar natildeo eacute por arrogante

Ou desdenhoso natildeo Mas sinto que incessante

Devoro o coraccedilatildeo ao ver-me envilecido

Pelo horrendo flagello aacute que estou submettido

E quem a natildeo ser eu aos novos Deoses fez

Partilha em proporccedilatildeo das honras e mercecircs

Lembro apenas o caso e delle mais natildeo trato

Pois focircra repetir a quem o sabe um facto

O melhor eacute narrar os males differentes

Que vexavam outr‟ora os miseros viventes

[fl69] Eram rudes boccedilaes dotei-os de prudencia

E conscios os tornei da propria intelligencia

185

Exprimindo-me assim natildeo eacute porque me queixe

Delles mas eacute mister que declarado deixe

Que os beneficios meos em prol da humanidade

Devidos foram soacute a impulsos de amizade

Olhavam de principio e ver natildeo conseguiam

Applicavam o ouvido em balde Nada ouviam

Nelles era a noccedilatildeo confusa e mal distincta

Como as figuras vatildes que aacute mente o sonho pinta

Nem casa de tijolo olhando ao sol construiam

Nem de lavrar madeira a industria conheciam

Moravam quaes subtis formigas pressurosas

Em cavernas sem ar humidas tenebrosas

Natildeo marcavam inicio e fim do inverno frio

Da floacuterida96

estaccedilatildeo do fructuoso estio

Assim sem reflexatildeo por seculos viveram

Teacute que minhas liccedilotildees ouvindo conheceram

O instante em que no ceacuteo os astros appparecem

E aquelle menos certo em que no occaso descem

Tambem o achado fiz do Numero Este invento

Aos homens ha prestado o maximo provento

Disse como a juncccedilatildeo das lettras se fazia

Formei-lhes a memoria - a matildee da Poesia

Logrei domesticar bravias alimarias

E do humano labocircr tornei-as tributarias

Sujeitando-as ao jugo As mais gravosas cargas

Pesaram desde entatildeo dos brutos nas ilhargas

Cavallos animaes tatildeo doceis ao bridatildeo

- Da faustosa opulencia o luxo a ostentaccedilatildeo -

Quem poz entre varaes Carros de azas de linho

Que sulcam velozmente o azul plaino marinho

Engenhei E eu que fiz em bem da humanidade

Multiplas invenccedilotildees de grande utilidade

96 Nota-se que em 1907 jaacute se encontravam algumas palavras proparoxiacutetonas acentuadas Ver paacutegina 26

da presente dissertaccedilatildeo

186

Natildeo posso descobrir agora ardil ou traccedila

Para me libertar de tatildeo cruel desgraccedila

O CORO DAS OCEANIDAS

Supplicio infando Affligem-nos

Sobejo as maguas tuas

Enfermas e maacuteo medico

Na indecisatildeo fluctuas

Em teo turbado cerebro

Natildeo poacutedes acertar

C‟os adaptados simplices

Que o mal devem curar

[fl70] PROMETHEU

Falta o mais Pasmareis ouvindo enumeradas

As muitas invenccedilotildees uteis e variadas

Das quaes hei sido autor Aponto a mais saliente

Faltavam medicina e auxilios ao doente

- As poccedilotildees a dieta o resguardo as uncturas -

Ateacute que os instrui das plantas e misturas

Que preservam do mal que sustam seos progressos

E o curam Ensinei tambem novos processos

De magia Em visotildees que em sonhos appareciam

Distingui as reaes daquellas que mentiam

Expliquei os signaes pressagos das estradas

Dos passaros que teem a unhas encurvadas

O vocirco defini e dei seguro auspicio

Declarando qual era infenso e qual propicio

Por miuacutedo apontei seos odios e affeiccedilotildees

Seo usado alimento encontros reuniotildees

Das visceras o liso e o matiz mais dilecto

Aos Deoses revelei qual seja o bom aspecto

Do figado e do fel o adiposo tecido

187

Das cocircxas lhes notei seos rins tendo incendido

Os arcanos abri da arte divinatoria

Tatildeo difficil e escura e ao mundo a fiz notoria

Do fogo antes de alguem aos olhos dos mortaes

Que eram cegos aacute luz dei fulgidos signaes

O que a terra guardava altissimo thesouro

- Copia enorme de cobre e ferro e prata e ouro -

Achei Si deste invento alguem se haja ufanado

De basofio e mendaz seraacute por mim taxado

De Prometheu (direi em conclusatildeo de partes)

Vieram dos mortaes aacutes matildeos todas artes

O CORO DAS OCEANIDAS

Natildeo tractes dos ephemeros

De mais lhes foste amigo

Deixa de ser apathico

Aacute docircr a teo castigo

Dize-me esperanccedila intrinseca

Que livre te hei de ver

Tendo com Jove identicas

Honras e igual poder

[fl71] PROMETHEU

Assim poreacutem97

natildeo quer a Parca inevitavel

Por alta decisatildeo do Fado inexoravel

Soacute depois de curtir innumeros flagellos

Partidos me seratildeo desta cadeia os eacutelos

Ante a Necessidade eacute mui fraca a Sciencia

O CORO DAS OCEANIDAS

97 No Manuscrito Imperial pode-se notar que palavras oxiacutetonas terminadas em ldquoemensrdquo natildeo satildeo

acentuadas Em 1907 observam-se mudanccedilas nesse sentidoVer paacutegina 26 da presente dissertaccedilatildeo

188

Do timatildeo do Destino a quem cabe a regencia

PROMETHEU

Esse grande poder teem-no a Parca triforme

E as Furias de feliz memoria que natildeo dorme

O CORO DAS OCEANIDAS

Em face do de Jove eacute seo poder mais forte

PROMETHEU

O Deos fugir natildeo poacutede aacutes ferreas leis da Sorte

O CORO DAS OCEANIDAS

A Jove algo eacute fatal sinatildeo o eterno imperio

PROMETHEU

Disto nada direi nem que instes

O CORO DAS OCEANIDAS

Que mysterio

Sobre arcano sagrado acaso te pergunto

PROMETHEU

Sim Passemos aleacutem deixemos este assumpto

Reserval-o conveacutem Si o guardo impenetravel

Livro-me de infortunio e vilta deploravel

[fl72] CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE I

Jaacutemais dos mundos o Arbitro

O grande Ordenador

Sua vontade altissima

Aacute nossa queira oppocircr

189

Busquemos ter propicios

Os Numes adorados

Pela usual frequencia

A seos festins sagrados

Dando-lhes cada victima

Que na hecatombe cahe

Junto das agoas turbidas

Do Oceano nosso pae

Nada de offensa aos Superos

Em actos e expressotildees

Sejam em noacutes continuas

Tatildeo puras intenccedilotildees

ANTISTROPHE I

Doce eacute vida longuissima

Si na esperanccedila a libras

Em alegrias lucidas

D‟alma banhando as fibras

Por tua irreverencia

Dos Numes ao Regente

Do coraccedilatildeo no amago

Nos cocirca horror ingente

Fiado em teos designios

E soacute de impulso teo

C‟os homens foste prodigo

Em dons oacute Prometheu

ESTROPHE II

Que ingrato premio aacutes dadivas

190

Esperas porventura

Te seja escudo e auxilio

A humana creatura

[fl73] Natildeo tens a consciencia

Dessa debilidade

Que qual somno lethargico

Opprime a humanidade

Jaacutemais projecto ou calculo

De homem prevaleceo

Contra o systema harmonico

Que Jove prescreveo

ANTISTROPHE II

Ferio-nos isto o espirito

Vendo-te aqui penar

Oh que diversa musica

Alegre de exultar

A que de entorno ao thalamo

E ao teu lavacro ouvias

- Festivo epithalamio

De doces harmonias -

Quando a irmatilde nossa Hesione

Aos dons nupciaes rendida

Em marital consorcio

Por ti foi recebida

( Apparece Io)

IO

Que sitio me surge Por quem habitado

Quem eacutes que no saxeo hyemal precipicio

191

Por ferreas cadeias eu vejo ligado

Credor de tal pena qual foi o flagicio

Oh Dize que plagas me acolhem errante

Ai ai desgraccedilada De novo me afferra

O d‟Argos espectro tavatildeo lanscinante

Invade-me o susto Afasta-m‟o oacute Terra

De innumeros olhos vaqueiro diviso

Esperto a fitar-me com a vista fallaz

De facto a existencia perdeo de improviso

No emtanto seo corpo sepulto natildeo jaz

Surgindo do Averno por lei do Destino

Apoacutes minha treita constante caminha

E traz-me agitada faminta sem tino

Correndo a arenosa planicie marinha

[fl74]ESTROPHE

Soacutelta a avena de ceacuterea junctura

Melodia que ao somno convida

Quanto deve durar a tortura

Desta longa e cansada corrida

Oacute progenie Saturnia de crimes

Porventura culpada me achaste

Pois de tantas angustias me opprimes

E a taes penas sem doacute me avergaste

Por que trazes gemendo ao martyrio

Do terror que lhe infunde um insecto

A infeliz em continuo delirio

Sem parada sem paz e sem tecto

Presta ouvidos oacute Rei a meu rocircgo

Ou em vida me manda enterrar

Ou lanccedilar-me entre lingoas de fogo

192

Ou nas garras dos monstros do mar

Do multivago andar sem descanso

O exercicio forccedilado e violento

Exhaurio-me e saber natildeo alcanccedilo

Qual o termo a tatildeo agro tormento

O CORO DAS OCEANIDAS

Da bicorne donzella escutas o gemido

PROMETHEU

Como de Inacho aacute filha eu fecharei ouvidos

Pois natildeo hei de attender aacute juvenil donzella

Que de um feroz tavatildeo o estimulo flagella

Io abrazou de amor o coraccedilatildeo de Jove

Juno que odio lhe tem perseguiccedilatildeo lhe move

Coagindo-a a gyrar transviada e erradia

Por toda a regiatildeo em doida correria

IO

ANTISTROPHE

Tu que daacutes a meo pae o seo nome

E designas tambem esse ultriz

E divino aguilhatildeo que consome

Minha vida - quem eacutes infeliz

[fl75] Eu faminta a saltar desvairada

Perseguida por Juno aqui vim

Desgraccediladas qual98

mais desgraccedilada

D‟entre voacutes do que a pobre de mim

Dize aacute virgem que vecircs peregrina

Que infortunios lhe guarda o porvir

98 Era de se esperar que a palavra comeccedilasse com letra maiuacutescula

193

Prescrevendo si a tens medicina

Para as docircres sanar-lhe ou lenir

PROMETHEU

Quanto queres saber com jubilo te digo

Sem ambages e claro e qual de amigo a amigo

Eacute costume falar Contemplas neste affocircgo

A luctar Prometheu que aos homens trouxe o fogo

IO

Tu - auxilio aos mortaes ndash por que tatildeo crus tormentos

Padeces Prometheu

PROMETHEU

De ha pouco inda aos lamentos

Por meo mal deacutera fim

IO

Natildeo poacutedes uma graccedila

Conceder-me

PROMETHEU

Eacute falar O queres que eu faccedila

Para satisfazer-te em dizer tudo accedo

IO

Quem foi que te cravou aqui sobre o rochedo

PROMETHEU

O decreto de Jove e de Vulcano a matildeo

IO

Que attentado attrahio tatildeo grave puniccedilatildeo

194

[fl76] PROMETHEU

Para ser comprehendido eu disse o necessario

IO

Assignala siquer o fim de meo fadario

PROMETHEU

Natildeo sabel-o eacute melhor

IO

Rogo-te natildeo me escondas

O que tenho a passar e a tudo me respondas

PROMETHEU

Estaacute longe de mim serviccedilo tal negar-te

IO

Por que tardas entatildeo

PROMETHEU

Natildeo ha de minha parte

Maacute vontade qualquer mas receio em tua alma

De todo destruir a jaacute turbada calma

IO

Oh natildeo zeles de mim mais do que eu mesma zeacutelo

PROMETHEU

Insistes Falarei e tudo te revelo

O CORO DAS OCEANIDAS

Por ora natildeo Concede-nos

Parte no gozo ter

195

Ouccedilamos d‟ella a historia

De seo agro soffrer

Quando sabida a authentica

Exposiccedilatildeo veraacutez

Entatildeo dos passos ultimos

De seo porvir diraacutes

[fl77] PROMETHEU

Cumpre oacute Io fazer o que ellas solicitam

Aleacutem d‟outras razotildees que a seo favor militam

Satildeo irmatildes de teo Pae Justa causa aacute demora

Eacute para o narrador que o fado seo deplora

O vecircr junto de si sympathico auditorio

Em que o doacute se traduz em lagrimas notorio

IO

Vou tudo contar-vos cedendo aacute insistencia

Si bem que me pecircze dizer por que meio

Mudando de forma por diva influencia

O siso turbou-me fatal devaneio

Nos meos aposentos revoluteava

Em todas as noites sonhada visatildeo

Que aos castos ouvidos si os olhos cerrava

Assim me dizia com doce expressatildeo

ldquoPor que virgindade tatildeo longa conservas

Tu que entre as felizes a Sorte escolheo

Si te eacute permittido gozar sem reservas

As inclytas glorias de augusto hymenecirco

Adora-te Jove De amocircr abrazado

Farpatildeo de desejo setteia-lhe o peito

196

Quem eacute que repelle tatildeo alto esposado

Do Nume supremo natildeo fujas ao leito

Afasta-te presto Nos altos de Lerna

Tem Inacho apriscos e pastos bovinos

Daraacutes com a ausencia da casa paterna

Descanso aos desejos dos olhos divinosrdquo

Ai Todas as noites a voz repetia

Affagos que eu tinha por forccedila de ouvir

Alfim jaacute cansada cobrei ousadia

E fui do ocorrido meo pae instruir

O rei seos correios mandou em mensagem

A Pytho e Dodocircna Queria informar-se

Por quaes pensamentos acccedilotildees ou lingoagem

Podia agradavel aos Deoses tornar-se

Voltaram os nuncios trazendo somente

Respostas ambiguas de duplo sentido

Ateacute que da parte do Nume vidente

Oraculo claro lhe foi transmittido

[fl78] Em termos expressos eu fui condemnada

A ser expellida da patria e do lar

E entregue a mim mesma correndo agitada

Por terras longinquas sem peias vagar

Si em todas as partes natildeo fosse cumprida

A ordem prescripta no tal vaticinio

A nossa progenie seria extinguida

Aacute olympica flamma do dardo fulmineo

Aacute Loxias submisso temendo ao mandado

197

E ao freio de Jove mostrar-se revel

Meo pae expulsou-me de casa obrigado

Co‟a filha innocente tornou-se cruel

E logo de foacutermas e mente mudando

Munida de pontas fiquei desde entatildeo

Sentindo continuo pungir-me o nefando

Acuacuteleo acerado de um bravo tavatildeo

Em saltos violentos aacutes doidas furente

De Lerna aacute collina fugida fui ter

No sitio onde mana perenne a nascente

Cenchreia de Lynpha suave ao beber

Mas Argos o filho da Terra o vaqueiro

De innumeros olhos e d‟alma feroz

Espiando-me os passos com golpe certeiro

Dos fixos olhares seguia-me apoacutes

Successo imprevisto de subito veio

Prival-o da vida Mas eu (desgraccedilada)

De plagas em plagas sem pausa vagueio

De laacutetego infesto de Juno accediloitada

Ahi estaacute minha historia Si sabes meos males

Futuros revela-os e nem a piedade

Te leve a attenual-os Exijo me fales

Extranho aacute lisonja severa verdade

O CORO DAS OCEANIDAS

Oh basta Para Cala-te

Suspende-te Jaacutemais

Julgaacutemos filha de Inacho

Ouvir successos taes

198

Que males e piaculos

Desgosto eacute contemplal-os

Ferindo mais a misera

Que tem de supportal-os

[fl79] E todos esses horridos

Funestos pesadumes

Nos veem ferir no intimo

Qual dardo de dous gumes

Oh Fado Fado tetrico

De horror fica transido

Nosso animo ante o barbaro

Tormento que has soffrido

PROMETHEU

Mui de pressa o terror em voacutes se manifesta

Natildeo choreis de ante-matildeo Esperae o que resta

O CORO DAS OCEANIDAS

Fala Ao que soffre ha balsamo

Si sabe prematuro

Ao certo quantas magoas

O esperam no futuro

PROMETHEU

Quizestes que ella propria os males seos contasse

Concordei Vou chegar agora ao desenlace

Falta as docircres narrar que Juno altiva irosa

No porvir te reserva oacute virgem desditosa

Grava oacute Io em tu‟alma a minha narraccedilatildeo

Por ella saberaacutes quando tua excursatildeo

Ha de chegar ao fim Deste lugar partindo

199

Rumo constante ao sol em recta iraacutes seguindo

Depois de atravessar por natildeo aradas terras

Aos Scythas chegaraacutes uns nomades das serras

Que em muitas rodas teem os carros seos montados

E dentro construcccedilotildees de vimes entranccedilados

Onde fazem morada Aacute gran distancia alcanccedilam

Mortiferos farpotildees que de seos arcos lanccedilam

Evita-os Sege roacuteta ao longo dessas fragas

Onde quebram do mar as mugidoras vagas

Os Chaacutelybes veraacutes do ferro forjadores

Cuida de lhes fugir Mal junto delles focircres

Parte eacute bando feroz e nada hospitaleiro

Que tracta brutalmente a todo o forasteiro

Quando os passos te embargue o Hybristes empolado

- Rio esse a que natildeo foi um falso nome dado -

Natildeo lhe tentes correr o risco da passagem

Sinatildeo quando chegada aacute altissima paragem

Do Caucaso elle arroje a borbotante sanha

Irrompendo em cachotildees das fontes da montanha

[fl80] Vencidos afinal os picos desses montes

Que proximos do ceacuteo erguem soberbas frontes

Descendo ao meio-dia iraacutes aacutes regiotildees

De Amazonas viris avessas a varotildees

Mais tarde em Themiscyra iratildeo fixar morada

Do Thermodonte aacute borda e junto da queixada

Do mar Salmydisseo aos nauticos nefasta

E aacute toda a embarcaccedilatildeo inhospita madrasta

Ellas de boa mente ir-te-hatildeo de seu imperio

A sahida mostrar Vinda ao isthmo Cimmerio

Da Meotida aacute foz avanccedila e com denodo

Do apertado canal tranpotildee o espaccedilo todo

Dahi te proviraacute e aos teos immensa gloria

Pois da passagem tua ha de guardar memoria

O estreito desde ahi de Bosporo chamado

200

Da Europa tendo assim as regiotildees deixado

Da Asia no solo estaacutes Natildeo achaes francamente

Que procedendo assim dos Deoses o Regente

De violencia cruel qual sempre se revela

Sendo Nume e esposar querendo essa donzella

Arrojou-a em corrida inteacutermina e sem norte

Que ruim proacuteco te coube oh misera por sorte

Tudo quanto narrei de prologo natildeo passa

Do que o porvir te guarda asperrima desgraccedila

IO

Ai de mim

PROMMETHEU

Outra vez lastimosa a gemer

Que seraacute quando o resto houveres de saber

O CORO DAS OCEANIDAS

Tens de lhe predizer entatildeo novas desditas

PROMETHEU

Um tormentoso mar de docircres infinitas

IO

Ai Que acerbo existir Quem poacutede dar-lhe apreccedilo

Antes deste alcantil lanccedilar-me de arremesso

E no auge de exaspecircro em arranco espontaneo

Tombando sobre a caute espedaccedilar o craneo

Eacute melhor perecer de um golpe violento

Que gemer toda a vida ao peso do tormento

[fl81] PROMETHEU

Quanto mais afflictivo o meo penar te focircra

Pois natildeo posso morrer Seria redemptora

201

Deste castigo a morte Eacute-me poreacutem vedado

O saber qual seraacute seo fim determinado

Emquanto Jove empunhe as redeas do poder

IO

E Jove cahiraacute Poacutede isto succeder

PROMETHEU

Apoacutesto exultaraacutes com essa queda oacute Io

IO

Sim pois99

me tracta assim por seo meacutero alvedrio

PROMETHEU

Has de vel-o Eu te rasgo um porvindouro arcano

IO

Quem deve desthronar dos Numes o tyranno

PROMETHEU

Ha de a propria estulticia um dia derribal-o

IO

Como Diz si natildeo vecircs perigo em declaral-o

PROMETHEU

Celebrando uniatildeo que lhe ha de ser penosa

IO

Eacute mortal ou divina a mulher que elle esposa

[fl82] PROMETHEU

99 Era de se esperar que a palavra comeccedilasse com letra maiuacutescula

202

Debalde eacute perguntar Dizel-o algo me veacuteda

IO

Dessa esposa viraacute de Jupiter a queacuteda

PROMETHEU

Ella teraacute de Jove um filho inda mais forte

Que o Pae

IO

Natildeo poacutede Jove esquivar-se aacute tal sorte

PROMETHEU

Natildeo salvo si eu rompendo esses grilhotildees infames

IO

E quem ha de quebrar tatildeo solidos liames

Si Jove o natildeo permitta

PROMETHEU

Ha de um teo descendente

Das injustas prisotildees livrar-me fatalmente

IO

Que escuto Ha de salvar-te algum dentre os meos netos

PROMETHEU

Apoacutes dez geraccedilotildees de posteros directos

A terceira o daraacute

IO

O vaticinio eacute escuro

PROMETHEU

203

Natildeo procures saber teo horrido futuro

[fl83] IO

Da concedida graccedila acaso ora recusas

PROMETHEU

Duas revelaccedilotildees posso fazer das duas

Cumpre uma preferir

IO

Qual dellas ha de ser

Perrmittes-me que possa aacute escolha proceder

PROMETHEU

Dou-te opccedilatildeo Dize pois De ti queres que eu tracte

Ou de quem deve ser o autor de meo resgate

O CORO DAS OCEANIDAS

Secirc-lhe agradavel Dize-lhe

Sua futura docircr

E a noacutes os feito inclytos

Do teo libertador

PROMETHEU

Natildeo desejo furtar-me aacute vossa rogativa

Primeiramente oacute Io escuta a narrativa

De teo peregrinar multivago e obrigado

E na memoria guarda o augurio meo gravado

Deixa o canal que extrema um do outro continente

E a rota encaminhando ao rumo do nascente

Passa do mar o estrondo e presto chegaraacutes

Aacute gorgoacutenea campina onde Cisthene jaacutez

Eacute nessa regiatildeo que as Phorcidas habitam

Satildeo tres virgens senis que na canicie imitam

204

Cisnes Em commum teem um soacute olho e um soacute dente

Natildeo veem fugido sol nem lua alvidenitente

De suas tres irmatildes - das Goacutergones aladas -

Odiosas aos mortaes frontes angui-comadas

Perto a morada estaacute Quem lhes fita o semblante

Morre qual si o ferisse um raio fulminante

Acautela-te pois Teraacutes odioso quadro

Nos Griphos esses catildees de Jupiter - sem ladro -

De ponteagudo rostro Afasta-te aacutes carreiras

De Arimaspos veraacutes as tribos cavalleiras

Eacute gente de um soacute olho e moacutera junto aacutes bordas

Do aurifero Plutatildeo Foge d‟aquellas hordas

Alfim a um povoado iraacutes de negra gente

[fl84] Junto ao berccedilo do sol em zona onde a corrente

Do rio da Ethiopia ao longo se dilata

Vae avante a enfrentar a grande catarata

Cahe do Biblos o Nilo e a lympha veneravel

Alli derrama aacute flux ao beber agradavel

Desce as margens do rio e pisa na planura

Que um triangulo exacto imita na figura

Quer o Fado que vaacutes aacute esta plaga afastada

Fundar uma colonia e nella ter morada

Adoptando-a por patria aacute tua descendencia

Si algo vos referi de obscura intelligencia

Ou que seja confuso eacute soacute dizer-me o ponto

Que bom grado darei explicaccedilatildeo de prompto

Para tudo esplanar lazer tenho sobejo

Aleacutem do que eacute mister e mais do que desejo

O CORO DAS OCEANIDAS

Si lapso de memoria

Sobre Io has comettido

Suprre-o depois attende-nos

Benevolo ao pedido

205

PROMETHEU

Ella dos labios meos ouvio que serie nova

De corridas teraacute E para dar-lhe a prova

De que natildeo falo em vatildeo direi quanto ha soffrido

Teacute aqui O augurio meo vereis assim cumprido

Muitos dos passos teos deixarei de parte

Afim de aacutes excursotildees o termo assignalar-te

Dos Molossos havendo atravessado a zona

Chegaste aacutes regiotildees excelsas de Dodocircna

Onde o Thesproacutecio100

Jove oraculo e sacrario

Tem assente e onde ouviste (oh caso extraordinario)

Os carvalhos falar O Deos sem veacuteo qualquer

De ambages te saudou de Jupiter mulher

Ufanosa ficaste aacute honrosa predicccedilatildeo

Sentindo mais intenso o acuacuteleo do tavatildeo

Seguiste pela costa em teo percurso inquieto

De Rheacutea foste ao mar fizeste-lhe o trajecto

Em doido phrenesi da docircr sob os assaltos

De laacute retrocedeste a furiosos saltos

Para sempre lembrar aquella travessia

Mar Ionio seraacute chamada essa bacia

Documento assim dou que a minha intelligencia

Vinga o tempo e possue o dom da presciencia

De minha narraccedilatildeo volto agora aacute sequella

E em commum me dirijo a voacutes todas e aacute ella

Na areia aacute foz do Nilo e n‟uma extremidade

Do Egypto sita jaz de Canoacutepo a cidade

[fl85] Jove nesse lugar - tocando-te de leve

Com delicada matildeo - volver-te aacute calma deve

Negro filho haveraacutes Eacutepapho nomeado

De modo original por que ha de ser gerado

100 Um caso de palavra paroxiacutetona acentuada terminada com ditongo Ver paacutegina 26

206

Nesse encontro com Jove Elle naquella plaga

Que o Nilo caudaloso em sua enchente alaga

Ha de meacutesses colher na vastidatildeo fecunda

Na quinta geraccedilatildeo desse filho oriunda

Cincoenta hatildeo de voltar das tuas descendentes

Para Argos evitando os primos pretendentes

A esposal-as De amor ardendo em chammas vivas

Todos elles iratildeo no encalccedilo aacutes fugitivas

Da enjeitada uniatildeo na supplica insistindo

E quaes terccediloacutes de perto a pombas persiguindo

Ha de dos corpos seos odio invejoso ter

Um Nume ha de a Pelasgia em si os receber

Depois que os dominar um Marte que assassina

Armando para o golpe a dextra feminina

E a tudo presidindo uma audacia que vela

Como durante a noite esperta sentinella

Ha de levado a effeito o plano insidioso

Sorprhender e ferir cada mulher o esposo

Com gladio de duplo fio arrancando-lhe a vida

Que aos inimigos meos assim Venus aggrida

Amor enervaraacute de uma dellas o peito

Para natildeo degollar o esposo no seo leito

Ella preferiraacute infiel aacute trama urdida

Arguiccedilatildeo de fraqueza aacute macula homicida

A matildee esta seraacute dos soberanos d‟ Argos

Para tudo explanar satildeo mister contos largos

Soacute direi que viraacute desta extirpe selecta

O heroacutee d‟alta pericia em desferir a seacutetta

Que ha de por seo valor obter meo livramento

Pondo termo de vez a tal padecimento

Disse isso minha matildee Themis Titania O mais

Calo Nem ha proveito algum em que o saibais

IO

207

Ai de mim Outra vez delirio atroz me assalta

Potildee-me vertiginosa e o cerebro me exalta

Abraza-me sem fogo o espinho do tavatildeo

Salta-me de terror com forccedila o coraccedilatildeo

E verbera-me o peito O olhar vesgo me gira

Para longe me arroja o impeto da ira

Minha lingoa em torpocircr aacute fala se recusa

Vozes que soacutelto aacute custo em turbaccedilatildeo confusa

Tavam baldada luta aacutes cegas e sem tino

C‟os altos escarceacuteos de meo cruel destino

(sahe Io)

[fl86] O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE I

Foi sabio e sabio emerito

Aquelle aacute quem lembrou

Esta discreta maxima

E aos homens a ensinou

Eacute casamento proacutespero

O feito entre os iguaes

Quem vive soacute dos redditos

De officios manuaes

Nunca procure conjuge

Na classe da opulencia

Nem da orgulhosa em titulos

De nobre descendencia

ANTISTROPHE

Jaacutemais possamos Atropos

A um Nume nos unir

E nem de Jove proacutenubas

208

O thoro compartir

De medo estamos tremulas

Vendo Io a virgem casta

Soffrer de Juno a colera

Que a curso infindo a arrasta

EPODO

Iguaes a iguaes alliem-se

E nunca os olhos seos

Repouse em noacutes fitando-nos

Algum mais alto Deos

Sem que lutemos vence-nos

A guerra quem a faz

Forccedila inexhauriveis

Para a victoria traz

Si uma de noacutes por Jupiter

Solicitada focircr

Nenhuma resistencia

Ao Deos lhe eacute dado oppocircr

[fl87] PROMETHEU

E no emtanto apezar da pertinaz vontade

Jove deve chegar a termos de humildade

Pois quer levar a effeito o enlance projectado

Que motivo seraacute de ver-se despojado

Do sceptro ingloriamente Ha de entatildeo de Saturno

De quem Jove usurpou o imperio diuturno

Cumprir-se a maldicccedilatildeo Remover-lhe o perigo

Nenhum Deos poderaacute Soacute eu tenho commigo

O remedio do mal e o segredo da cura

209

Estadeie-se Jove em radiosa altura

Fiado no poder do raio igni-expirante

Que produz ao tombar fragor tonitroante

Armas taes natildeo seratildeo poreacutem de valimento

Para lhe attenuar da queacuteda o aviltamento

Prepara contra si tremendo antagonista

Que uma arma ha de empregar aacute que ninguem resista

Um fogo - invento seo - mais que o raio damnoso

Cujo estrondo vencendo o trovatildeo fragoroso

Quebraraacute de Neptuno a haste de tres dentes

- O flagello do mar que abala os continentes -

Saberaacute Jove entatildeo de propria experiencia

A distancia que vae do mando aacute obediencia

O CORO DAS OCEANIDAS

Predizes sobre Jove as cousas que em desejo

Ardes vel-o passar

PROMETHEU

Nada disso Prevejo

Successos que hatildeo de ser mais tarde realidade

E que em factos quer vecircr o anceio da vontade

O CORO DAS OCEANIDAS

Que Veremos Jove obedecer vencido

PROMOTHEU

E de pena maior do que a minha affligido

[fl88] O CORO DAS OCEANIDAS

Natildeo receias dizer de Jove tanto mal

PROMETHEU

Que posso recceiar Sou por sorte immortal

210

O CORO DAS OCEANIDAS

E si elle te impuzer castigo mais severo

PROMETHEU

Eacute livre de o fazer De Jove tudo espero

O CORO DAS OCEANIDAS

De Adastreacuteia em presenccedila eacute sabio quem se prostra

PROMETHEU

Festejai quem governa e humildes dai-lhe mostra

De culto aduladocircr Jove no meu criterio

Menos que nada val Seo passageiro imperio

Lucte para manter mas perca a velleidade

De sobre os Numes ter perpetua autoridade

O andarilho do Olympo eu vejo Que mensagem

Da parte de seo Pae me traz n‟esta viagem

MERCURIO

Alma de feacutel espirito ardiloso

Reacuteo ante os Numes do attentado odioso

De teres dado a seres de um soacute dia

Divina reservada regalia

Ladratildeo do fogo Venho aqui da parte

E por ordem do Pae interpellar-te

Qual o consorcio que do Rei do Olympo

Ha de o Throno alluir Potildee toda a limpo

A verdade de equivocos despida

Poupa-me assim aacute terra outra descida

Negando obediencia aacute seo mandado

Natildeo poacutedes desarmar a Jove irado

211

[fl89] PROMETHEU

Discorreste grandiloquo e protervo

Como quem eacute dos Immortaes o servo

Reinaes d‟hontem De docircres e embaraccedilos

Isentos vos julgaes nos regios paccedilos

Dous tyrannos jaacute vi perder o imperio

E o terceiro com grande vituperio

Em breve cahiraacute tambem Presumes

Que eu tenha medo desses novos Numes

Quatildeo longe disso estou Vae-te depressa

Jaacute jaacute por onde has vindo ao ceacuteo regressa

Natildeo dou explicaccedilotildees Do que vieste

Averiguar de mim nada soubeste

MERCURIO

Jazes de pertinaz d‟este supplicio

No porto

PROMETHEU

Eu o prefiro a teo officio

Antes d‟este rochedo o captiveiro

Que ser qual eacutes do Pae vil mensageiro

Aacute insolente altivez com que me insultas

Eu retalio assim

MERCURIO

Creio que exultas

Na cruciante docircr de teo castigo

PROMETHEU

Que os inimigos meos (falo comigo)

Rejubilem assim

MERCURIO

212

Acaso crecircs

Que tive parte no teo mal talvez

PROMETHEU

Franco - esses novos Deoses aborreccedilo

Pois me pagam com tanto menospreccedilo

Os beneficios que lhes fiz

[fl90] MERCURIO

Intensa

Loucura lavra em ti Grave doenccedila

PROMETHEU

Si aborrecer tyrannos eacute loucura

Desejo que meo mal natildeo tenha cura

MERCURIO

Si livre das cadeias oppressocircras

Feliz te eu visse intoleravel focircras

PROMETHEU (gemendo)

Ai

MERCURIO

Tal palavra Jove natildeo conhece

PROMETHEU

O tempo sem parar nos envelhece

E dando experiencia ensina tudo

MERCURIO

Natildeo te ensinou no emtanto a ser sisudo

PROMETHEU

213

Natildeo pois de igual a igual falo a um criado

MERCURIO

Que digo ao Pae

PROMETHEU

De graccedilas penhorado

Signaes de gratidatildeo lhe devo e rendo

[fl91] MERCURIO

Qual a infante me estaacutes escarnecendo

PROMETHEU

Natildeo eacutes mais que infantil na ingenuidade

Si acreditas dobrando-me a vontade

Que eu te abra meos secretos pensamentos

Nem por meio de ardis nem de tormentos

O tyranno dos Deoses me compelle

A que fale e os segredos lhe revele

Antes de eu ver aos peacutes feitos pedaccedilos

Os que me ligam flagellantes laccedilos

Vibre-me embora a chamma coruscante

De neve alados turbilhotildees levante

Faccedila tremer com horrido estampido

O chatildeo do terremoto sacudido

E tudo em confusatildeo profunda immerso

Abale nas raizes o Universo

Natildeo lhe descubro quem por lei suprema

Do Fado ha de arrancar-lhe o diadema

MERCURIO

Peacutesa dos actos teos o resultado

PROMETHEU

Previ de ha muito estaacute deliberado

214

MERCURIO

Oh misero Uma vez serio medita

Na que te afflige insolita desdita

PROMETHEU

Importuno O discurso em que divagas

Eacute qual si fosse dirigido aacutes vagas

Por medo ter de Jove oh nunca esperes

Que eu vestindo a fraqueza das mulheres

E erguendo as matildeos em supplicante gesto

Implore a quem de coraccedilatildeo detesto

Me quebre estes grilhotildees Em tal natildeo penso

[fl92] MERCURIO

Falei debalde bem que fosse extenso

Natildeo te abrandas nem supplicas escutas

Qual poldro mal domado em furia luctas

Contra as redeas e mordes o bocado

Impando estaacutes de focircfo orgulho inflado

Tiras de vatildeo saber garbosa audacia

Nada vale de um louco a pertinacia

Olha Si meos conselhos desprezares

Que tropel infinito de pezares

Em ti desabaraacute Nenhum escudo

Frustra o golpe Haacute de o Pae antes de tudo

Do raio aacute chamma e ao trom da trovoada

Arrasar esta fraga alcantilada

Ha de o granito n‟um abraccedilo estreito

Premer-te os membros sobre o ingrato leito

Deves ser afinal restituido

Aacute luz do dia quando focircr volvido

De seculos um tracto dilatado

Entatildeo voraz de Jove o catildeo alado

215

- A aguia sanguisedenta ndash ha de uma parte

Do corpo em mil pedaccedilos devorar-te

Conviva diario que ninguem convida

Ha de ser de teo figado nutrida

Flagello curtiraacutes desta maneira

Ateacute que um Deos que succeder-te queira

Na pena desccedila ao Barathro sombrio

E aacute torva margem do Tartareo rio

Reflecte bem Natildeo faccedilo agora praccedila

De phrases vatildes Eacute seacuteria esta ameaccedila

O assumpto eacute muito grave e transcendente

Cumpre Jove o que diz e nunca mente

O melhor parecer seguir procura

Nem pervicacia opponhas aacute cordura

O CORO DAS OCEANIDAS

Mercurio tem proposito

Na sua admoestaccedilatildeo

Suggere-te a prudencia

Condemna a obstinaccedilatildeo

Segue a liccedilatildeo proficua

Que acaba de dictar

Natildeo eacute de sabio proacutevido

No erro perseverar

[fl93] PROMETHEU

Quanto elle em brados repetio agora

Tudo eu sabia ponto a ponto Embora

Ninguem extranha ou fica desairado

Quando pelo inimigo eacute maltratado

E pois que Jove sobre mim desfira

A de dous gumes sinuosa espira

Ribombantes trovotildees rabidos ventos

216

Convulsem o ar a embates violentos

Nute a terra nos eixos abalada

O mar em escarceacuteos mugindo invada

A do giro sidereo azul esphera

E Jupiter cedendo aacute lei severa

Do Fado arroje o corpo meo no Averno

Natildeo poacutede a morte dar-me Eu sou eterno

MERCURIO

Taes palavras iguaes arrazoados

Soacute se podem ouvir dos tresloucados

Que lhe falta d‟aqui para a demencia

Si ao furor natildeo modera a violencia

E voacutes que doacute mostraes deste inditoso

Parti antes que o ronco estrepitoso

Do trovatildeo abalando este rochedo

N‟alma vos cocirce a turbaccedilatildeo do medo

O CORO DAS OCEANIDAS

Diverso alvitre inspira-nos

Honesto e convinhavel

O que lembraste eacute pessimo

Covarde intoleravel

Pois tu nos daacutes estimulo

A infame proceder

Havemos ser participes

Do que elle padecer

Fundo a traiccedilatildeo esqualida

Ha muito aborrecemos

Nem peste deleteria

Como ella conhecemos

217

[fl94] MERCURIO

Phrases lembraes alhures proferidas

Por mim Si focircrdes de uma dor feridas

Deixae de attribuir o golpe ao Fado

Nem digaes que de modo inopinado

Jupiter vos ferio Tendo a certeza

Do mal conscientes claro sem sorpreza

Colheo-vos pelos actos de loucura

Na inextricavel recircde a Desventura

PROMETHEU

Segue aacute palavra a acccedilatildeo ndash Vacilla a Terra

Rouco trovatildeo nas visceras lhe berra

A offuscante espiral rasga e chammeja

Torvelinhando o poacute sobe e volteja

Ventos soltos soprando em rude estrondo

Forccedilam seos mutuos impetos oppondo

Tufotildees uns contra os outros impellidos

Ether e mar avisto confundidos

Jupiter manifesto rue agora

Sobre mim e quer ver si me apavora

Augusto Nume minha matildee divina

Ether onde a luz pura que illumina

Tudo flue a girar na immensidade

Vecircde Hostia sou de immensa iniquidade

218

CAPIacuteTULO 5 ndash Transcriccedilatildeo da segunda versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de

Paranapiacaba

[fl95] PROMETHEU ACORRENTADO

(Versatildeo em que predomina o decassyllabo socirclto)

_________________

A FORCcedilA A VIOLENCIA (KRATOS E BIA) VULCANO (HEPHAISTOS) E

PROMETHEU

(A violencia eacute personagem mudo)

A FORCcedilA

Somos chegados onde acaba a Terra

- Regiotildees da Scythia - solidatildeo remota

Virgem teacute hoje de peacutegada humana

Tempo eacute de dar execuccedilatildeo aacutes ordens

Que o Pae te impoz Vulcano Neste abrupto

Alcantil prende em recircde inquebrantavel

De adamantinos vinculos formada

Este amotinador do povo Aos homens

Deo em partilha apoacutes o haver furtado

Teo mimo ndash o claro fogo idoneo aacutes artes

Por isso cumpre que de seo peccado

O castigo supporte e assim punido

Aprenda a respeitar de Jove o imperio

E cesse de ostentar philantropia

VULCANO

Forccedila e Violencia As injuncccedilotildees seguistes

De Jove e nada mais vos causa estorvo

Agora quanto a mim sinto faltar-me

Coragem de fincar nesta quebrada

Que algente bruma intoleravel torna

219

Um Deos parente meo Mas o Destino

Aacute tatildeo dura tarefa me constrange

Que eacute grave desleixar de Jove encargos

De Themis recta e consultriz oacute filho

Altipensante Neste algar sem treita

Humana em noacutes de bronze indissoluveis

- A meo e teo pezar - eu vou pregar-te

Aqui nunca has de ouvir mortal accento

Nem face de homem ver antes crestado

Lento pelas do sol ferventes chammas

Perderaacutes dia a dia a flor da pelle

[fl96] Ha de a noite por ti sempre almejada

Sumir o dia no estrellado manto

Ha de voltando o sol seccar a geada

Sem que um momento aligeirado o peso

Sintas aacute torva dor que te acabrunha

Que inda ninguem nasceo para livrar-te

De amar tanto os mortaes ahi tens o fructo

Prodigando-lhes dons e regalias

- Deos - affrontaste a colera dos Deoses

Por isso - guarda d‟esta rocha ingrata -

De peacute insomne e sem dobrar os joelhos

Has de em queixas inuteis consumir-te

Dotado eacute Jove de animo implacavel

Novo tyranno eacute sempre rigoroso

A FORCcedilA

Age Tardas e em vatildeo te commiseras

Natildeo execras o Deos odioso aos Numes

Que deo trecircdo aos mortaes teo privilegio

VULCANO

Mui fortes satildeo o sangue e a convivencia

220

A FORCcedilA

Como has de retardar de Jove as ordens

Natildeo eacute mais de temer menosprezal-as

VULCANO

Oh Sempre audaz e aacute compaixatildeo extranha

A FORCcedilA

Que val piedade Sentimento inutil

O lamentar-lhe a docircr natildeo eacute remedio

VULCANO (olhando para as cadeias)

Primor de minhas matildeos como te odeio

A FORCcedilA

Por que tal odio A bem dizer tua arte

Em nada causa foi do mal presente

[fl97] VULCANO

D‟outro que natildeo de mim fosse ella o dote

A FORCcedilA

Tudo aos Deoses foi dado unicamente

Natildeo podem governar A natildeo ser Jove

Natildeo eacute livre ningueacutem

VULCANO

Sim Natildeo contesto

A FORCcedilA

E por que natildeo n‟o enlaccedilas de cadeias

Antes que o Pae a hesitaccedilatildeo te avente

VULCANO

221

Vecirc Promptos satildeo os argolotildees dos braccedilos

A FORCcedilA

Desce-lh‟os pelas matildeos Crava-as na pedra

Com toda a forccedila descarrega o malho

VULCANO

Eacute obra de um momento e natildeo frustranea

A FORCcedilA

Mais forte Bate arrocha nada affrouxes

Poacutede astuto qual eacute achar sahida

Do que a natildeo tem

VULCANO

Involvem este braccedilo

Indissoluveis peias

[fl98] A FORCcedilA

Bem seguro

Prende o outro em tatildeo solidos liames

Saiba que eacute seo talento de sophista

Mais tardo que o de Jove

VULCANO (apontando para Prometheu)

A natildeo ser elle

Outro natildeo tem de mim razatildeo de queixa

A FORCcedilA

O dente ousado dessa cunha d‟accedilo

Embebe em cheio por seo peito a dentro

Golpea-o rude

VULCANO

222

Ai Prometheu Deploro

O teo supplicio

A FORCcedilA

Inda outra vez tardanccedila

O inimigo de Jove a lastimares

Olha a ti mesmo a lastimar natildeo venhas

VULCANO

Espectaculo vecircs horrido aos olhos

A FORCcedilA

Vejo applicar-se a um reacuteo a justa pena

Mette-lhe os peitoraes pelas axillas

VULCANO

Sei que eacute fatal Escusa de insistires

A FORCcedilA

Natildeo e inda mais co‟a a voz hei de incitar-te

Do tronco abaixo em fortes noacutes lhe adstringe

As pernas

[fl99] VULCANO

Concluido e sem demora

A FORCcedilA

Justa-lhe aos peacutes grilhotildees rebita os cravos

Nos orificios dos fuzis Cuidado

Fiscal de fino olhar vela o que fazes

VULCANO

Diz com tuas feiccedilotildees a lingoa tua

223

A FORCcedilA

Secirc fraco embora poreacutem natildeo me increpes

A ingenita inflexivel aspereza

VULCANO

Desccedilamos Tem os membros n‟uma recircde

A FORCcedilA (apostrophando a Prometheu)

Poacutedes d‟hai assoberbar os Numes

E usurpando protervo os dons divinos

Entregal-os aacutes matildeos da raccedila ephemera

Esta valor natildeo tem que te libere

Deste afan Prometheu chamam-te os Deoses

Falso nome A ti mesmo eacute necessario

Um Prometheu para ensinar-te como

Soltar-te poderaacutes desse artefacto

(Sahem Vulcano a Forccedila e a Violencia)

PROMETHEU

Oacute Ether divinal auras velozes

Mananciaes dos rios voacutes oacute risos

Innumeraveis das marinhas ondas

Oacute terra matildee universal oacute disco

Do Sol omnividente Aqui me tendes

Vecircde que docircr a um Deos infligem Deoses

Vecircde em que regiotildees acorrentado

Tenho a gemer indefinitos eacutevos

[fl100] Para mim engenhou tatildeo vis ligames

O Prytano recente dos Divinos

Ai Hoje e no porvir sempre a desdita

Quando o termo viraacute deste piaculo

Que digo Claro no futuro leio

Quanto ha de acontecer nenhum successo

Me poacutede sobrevir inesperado

224

Cumpre que aceite da melhor maneira

A sorte minha como quem conhece

Ser invencivel o rigor do Fado

Natildeo devecircra falar de meos pezares

Mas como hei de cerral-os no silencio

Si por ter feito beneficio aos homens

Supporto agora preso aacute penedia

Deste supplicio nunca visto o julgo

Tomei qual caccedilador a matildee furtiva

Do fogo n‟uma ferula guardei-a

E aos olhos dos mortaes mostrei seo brilho

E o fogo mestre foi das artes todas

E o moacuter commodo e prestimo da vida

Eis-me aqui a purgar esse delicto

Preso aacute esta rocha exposto aacutes intemperies

Ai Ai Que rumorejo Que invisivel

Perfume sobe a mim De quem se evola

De um Deos mortal ou mixta creatura

Vem assistir aos tratos que me applicam

Neste ermo cimo Traz diverso intento

Vecircde aqui preso um desditoso Nume

A quem Jove detesta odioso aos Deoses

E a tudo que frequenta o atrio do Olympo

Soacute porque dos mortaes se mostra amigo

Ai Vem perto o sonido Eacute de quem vocirca

Doce remegio d‟azas no ar cicia

Quanto se achega a mim pavor me infunde

O CORO DAS OCEANIDAS

(Fala sempre o coryphecirco)

ESTROPHE I

Natildeo temas Amigo eacute o bando

Alado que aacute esta eminencia

225

Vem ter a custo abrandando

A paterna resistencia

Neste coche que deslisa

Pela azulada amplidatildeo

Cheguei nas azas da brisa

Apoacutes rapida excursatildeo

[fl101]Das rijas correntes d‟ accedilo

O estrepitoso tinir

Foi aleacutem do equoreo espaccedilo

Nas furnas repercutir

Presurosa entatildeo subindo

A este carro voador

Descalccedila vim transgredindo

O rubescente pudor

PROMETHEU

Ai Ai Oacute prole da fecunda Tethis

Filhas do Oceano cujo inquieto fluxo

A Terra circumvolve - contemplae-me

Involto em eacutelos que jaacutemais se rompem

Deste excelso alcantil na cavidade

Forccedilada sentinella estou fazendo

O CORO DAS OCEANIDAS

ANTISTROPHE I

Vejo e ante a vista nublada

Sinto nuvem de terror

Que de lagrimas pejada

Traduz minha intensa docircr

Porque ao fraguedo cosido

226

Por vergonhosa prisatildeo

Teo corpo de docircr pungido

Findaraacute de inaniccedilatildeo

No Olympo ha nova regencia

E Jove arbitrario e injusto

Proscreveo com violencia

Quanto era dbdquoantes augusto

PROMETHEU

Antes abaixo do amago da Terra

No Orco trevoso albergue dos finados

Ou no Tartaro immenso me arrojasse

Atado nestes noacutes Jaacutemais desdaveis

Assim nem Deos algum nem outros seres

Poderiam folgar vendo-me em pena

Hoje - aos ventos ludibrio - em docircr immerso

Dou a inimigos meos perpetuo jubilo

[fl102] O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE II

Qual dos Numes eacute dotado

De tatildeo duro coraccedilatildeo

Que ao ver-te assim flagellado

Natildeo revele compaixatildeo

Soacute Jove que em paroxismo

De furia que natildeo declina

Preme ao ferreo despotismo

De Urano a prole divina

Brando seraacute quando estanque

Sua vinganccedila ficar

Ou de assalto alguem lhe arranque

227

Poder arduo a conquistar

PROMETHEU

Bem que tatildeo fortes e ultrajantes peias

Me adstrinjam ha de o Principe dos Deoses

Ter precisatildeo de mim por que lhe indique

O projecto fatal aacute permanencia

De seu poder Ameaccedilas ou blandicias

Sem que d‟estes grilhotildees me solte os membros

E da injuria me decirc razatildeo - frustraneas

Seratildeo ndash Soacute falarei desaffrontado

O CORO DAS OCEANIDAS

ANTISTROPHE II

Eacutes audaz e natildeo te dobra

O acerbo martyrio teo

Ha liberdade de sobra

Em teo falar Prometheu

O teo destino futuro

Apavorada me traz

Quando no porto seguro

Aacute docircr o termo veraacutes

Coraccedilatildeo rijo implacavel

De Saturno o filho tem

Em seo animo intractavel

Jaacutemais penetrou ninguem

[fl103] PROMETHEU

Bem sei que Jove eacute rispido e sujeita

Ao alvedrio seo toda a justiccedila

Mas ha de moderar o aspero genio

228

Quando ferido focircr por esse modo

Entatildeo a furia pertinaz calmada

Viraacute commigo accorde no desejo

De amizade e uniatildeo soldar os laccedilos

O CORO DAS OCEANIDAS

Si natildeo te magocircas conta

O que succedeo comtigo

Por que foi que Jove a affronta

Te irrogou deste castigo

PROMETHEU

Pecircza-me certo referir taes casos

E doacutee calar Acerba alternativa

Quando os Deoses em odio conflagrados

Pela primeira vez se rebellaram

Logo a Discordia dominou seos animos

Uns pretendiam derrubar Saturno

E a Jove pocircr no throno outros votavam

Que Jaacutemais fosse Jove o Rei do Olympo

Eu que prudente alvitre suggerira

Desattendidos vi meos satildeo conselhos

Pelos Titans da Terra e Ceacuteo oriundos

Petulantes por indole enjeitaram

Os meios brandos na illusoria crenccedila

De aacute viva forccedila o imperio conquistarem

Sem astucia sem plano e por surpreza

Que vezes minha matildee Themis ndash a Terra

(- Uma soacute foacuterma com diversos nomes -)

Desvendando o porvir me revelara

Ser lei fatal que o vencedor o fosse

Soacute por ardis e sem recurso aacutes armas

Isto lhes ponderei e nem me olharam

Julguei melhor de minha matildee seguido

229

A Jove procurar prestar-lhe auxilio

Attendendo espontaneo a seo desejo

Pelos esforccedilos meos o negro abysmo

Do Tartaro sorveo nas profundezas

O vetusto Saturno e seos proselytos

Dos Deoses o Primaz a taes serviccedilos

Correspondeo impondo-me esta pena

[fl104] Eacute Molestia inherente aacute tyrannia

O natildeo ter confianccedila em seos amigos

Perguntaste por que me ultraja Escuta

Quando assentado no paterno solio

Talhou em proporccedilatildeo aos novos Deoses

Honras mercecircs e organizou o imperio

Mas natildeo fez cabedal da especie humana

Antes quiz destruil-a e nova raccedila

Crear Ninguem sahio a contrastal-o

Ousei-o eu soacute A ephemera progenie

Livrei de ir de roldatildeo aacutes trevas do Orco

Fulminada Por isso hoje me estorccedilo

Na incessante pressatildeo deste flagello

Miserando ao que o vecirc duro ao que o passa

Eu que me apiedei tanto dos homens

Credor de compaixatildeo natildeo fui julgado

E punido sem doacute exhibo um quadro

Que eacute para Jove deshonroso estygma

O CORO DAS OCEANIDAS

De ferro ou de pedra rija

Forrado o peito ha de ser

Daquelle que natildeo se afflija

Com teo seacutevo padecer

De tanta angustia prouveacutera

Que eu testemunha natildeo focircra

230

Mas vendo-a me dilacera

Funda tristeza oppressora

PROMETHEU

Sou na verdade para meos amigos

Lastimavel de ver

O CORO DAS OCEANIDAS

E natildeo levaste

Teo favor aos mortaes inda mais longe

PROMETHEU

Forrei-os ao terror da hora da morte

O CORO DAS OCEANIDAS

Que remedio inventaste a mal tatildeo grave

[fl105] PROMETHEU

Entre elles fiz morar cega esperanccedila

O CORO DAS OCEANIDAS

Presente de valor inestimavel

PROMETHEU

Trouxe tambem a suas matildeos o fogo

O CORO DAS OCEANIDAS

Que Do fogo esplendente estatildeo na posse

Os entes de um soacute dia

PROMETHEU

Oh Sim e o fogo

Seo mestre ha sido em variadas artes

231

O CORO DAS OCEANIDAS

Por delictos semelhantes

Eacute que Jove te crucia

E nem siquer por instantes

Estas penas te allivia

E natildeo sabes qual a dura

De teo padecer algoz

A tatildeo medonha tortura

Jove limite natildeo pocircz

PROMETHEU

Nenhum Terminaraacute quando lhe apraza

O CORO DAS OCEANIDAS

E ha de aprazer-lhe Olvidaste

Que em culpa tens incidido

E que o dizer-te que erraste

Me desgosta e te eacute dorido

Deixemos poreacutem de parte

Este proposito ingrato

E procura libertar-te

Das peias deste artefacto

[fl106] PROMETHEU

A quem natildeo prendem do Infortunio as malhas

Nada custa exprobar severo o afflicto

Tudo fiz voluntario e consciente

Quiz delinquir e o fiz caso pensado

Natildeo me era estranho que valendo aos homens

Para mim preparava intensas magoas

Nunca emtanto esperei tatildeo feacutero tracto

Macerado de encontro aacute rocha viva

232

Nesta remota inhabitavel fraga

Mas natildeo lamentes meos presentes males

Eacute melhor que descendo a este rochedo

Ouccedilas de perto todo o meo destino

Presta-me este serviccedilo officioso

Condoe-te do infeliz que vecircs em transes

Anda a Desgraccedila errante sem parada

E assim vagando ora um ora outro fere

O CORO DAS OCEANIDAS

Falas a quem sempre accede

E obedece aacute tua voz

Do carro abandono a seacutede

E desccedilo com peacute veloz

Deslisando no ether puro

- Dos passaros travessia -

Eu jaacute piso o soacutelo duro

Da escabrosa penedia

Com empenho verdadeiro

Vim teo desejo cumprir

Pois o meo eacute ndash por inteiro

Teos males todos ouvir

(Apparece Oceano no ar cavalgando um dragatildeo alado)

OCEANO

Aqui estou Prometheu vim ter comtigo

Longo caminho rapido vencendo

Neste alado veloz que rejo e guio

Sem freio e apenas da vontade aacute forccedila

Penalisa-me assaz teo soffrimento

E o parentesco impelle-me a carpir-te

Mas pondo ao lado os vinculos do sangue

233

Ninguem tanta affeiccedilatildeo qual eu te rende

Sabes quanta verdade ha nestas phrases

Nunca foi lisonjeira a lingoa minha

Vamos Indica o meio de acudir-te

E natildeo diraacutes em tempo algum que houveste

Outro amigo mais firme que Oceano

[fl107] PROMETHEU

Que vejo Eacutes tu Tu mesmo aqui vieste

A ser espectador de meo tormento

Abandonaste o rio de teo nome

Grutas que a natureza abrio na rocha

Por esta regiatildeo que eacute matildee do ferro

Soacute vens testemunhar meo triste estado

Ou piedoso compartir meos males

Olha de que baldatildeo Jove nodocirca

Seo mais forte auxiliar na lucta ingente

Cuja victoria lhe manteve o throno

OCEANO

Vendo estou Prometheu Mais que avisado

Eacutes escuta poreacutem um bom conselho

Conhece-te outros habitos adopta

Pois hoje novo Rei preside os Numes

Si exprobraccedilotildees tatildeo acres arremessas

Vociferando poacutede ouvil-as Jupiter

Bem que do Olympo na mais alta seacutede

Sua colera entatildeo levada a extremo

Sevicias te imporaacute de tal quilate

Que as de agora seratildeo mero brinquedo

Dos seios d‟alma desgraccedilado expelle

Todo o levedo de iracundia e orgulho

Busca aacute teos males proximo remate

234

Cres que te falo como velho estulto

Mas tu oacute Prometheu eacutes viva mostra

Dos damnos que produz lingoa arrogante

Natildeo dobras a cerviz ante as desditas

E outras queres juntar aacutes que te avexam

Deixa uma vez assessorar-te e attende

Natildeo batas com o peacute de encontro aacute espora

Inclemente monarcha hoje governa

Irresponsavel a ninguem daacute contas

Parto jaacute Vou tractar de teo resgate

Fica inerte natildeo fales tatildeo protervo

Fino de mais qual eacutes acaso ignoras

Que se inflige ferrete aacute lingoa socirclta

PROMETHEU

Dou-te os emboras por te ver immune

De pena e culpa tu que a mim ligado

Ousate tomar parte em minhas docircres

Quero poreacutem o incommodo poupar-te

[fl108] De ires interceder por mim Eacute Jove

De indole feacutera Conseguir natildeo poacutedes

Leval-o aacute persuasatildeo Comtigo mesmo

Toma cautela Observa tudo em roda

Natildeo te venha algum mal desta visita

OCEANO

Melhor que a ti os outros aconselhas

Os infortunios teos satildeo disto a prova

Natildeo queiras refrear-me ao zelo o impulso

Eu me ufaneio sim eu me ufaneio

De alcanccedilar para ti de Jove o indulto

PROMETHEU

Louvo-te grato e sempre hei de louvar-te

235

Natildeo ha mostrar mais vehemente o anhelo

De prestar-me um favor Mas infructifero

Teo esforccedilo veraacutes Quanto tentares

Natildeo me aproveitaraacute Quecircda-te isento

De riscos Infeliz que sou natildeo quero

Que minha desventura envolva os outros

Sim Jaacute bastante me atormenta a sorte

De meo irmatildeo Atlante que postado

De peacute na extrema occidental da Hesperia

As columnas susteacutem do Ceacuteo da Terra

Sobre as espaduas (carga insupportavel)

Faz-me doacute o terrigena habitante

Dos antros cilicecircos monstro da guerra

O impetuoso Tiphecirco de cem cabeccedilas

De irresistivel forccedila dominado

Revel aos Numes sibilava o excidio

Da tetra guela Emquanto dava assalto

Contra o poder de Jove e fulminava

Dos olhos seos ao fulgurar gorgoacuteneo

Vibrou-lhe o Pae o vigilante dardo

- O raio que ao cahir expira chammas ndash

E abateo-lhe as farromas blasonantes

Nas mais intimas visceras ferido

Paacutevido do estridor tonitroante

Perdeo forccedilas cahindo incinerado

Hoje soacute delle resta um corpo inutil

Estirado do mar junto aacute angustura

Do Etna sob as raizes comprimido

Emquanto em cima tem Vulcano a forja

E prepara fusotildees Dalli jorrando

Um dia com fragocircr igneas torrentes

Queimaratildeo nas mandibulas selvagens

Os frugiferos valles da Sicilia

[fl109] Assim ha de Typhecirco mesmo combusto

236

Do ethereo fogo evaporar os eacutestos

E em ferventos rojotildees de inexhauriveis

Torvelins vomitar chammas do bocircjo

Tens longa experiencia e nem precisas

Que eu me torne teo guia e conselheiro

Guarda-te pois da mais segura foacuterma

Que ficarei cumprindo o meo fadario

Teacute que a ira deserte a alma de Jove

OCEANO

Natildeo sabes que da colera espumante

As palavras satildeo medico

PROMETHEU

Si a tempo

Alguem o coraccedilatildeo nos pacifica

E sem que reprimir aacute forccedila intente

D‟alma tumida os impetos

OCEANO

Que damno

Vecircs em tental-o audaz e cauteloso

PROMETHEU

Simplicidade vatilde canseira inutil

OCEANO

Permite-me enfermar de tal achaque

Lucra o sabio em passar por nescio aacutes vezes

PROMETHEU

Focircras autor da culpa eu responsavel

OCEANO

237

Vejo uma despedida em taes palavras

[fl110] PROMETHEU

Lastimando-me a sorte odios provocas

OCEANO

De quem Daquelle que em recente data

Tomou posse do solio omnipotente

PROMETHEU

Ai misero de ti si n‟alma o irritas

OCEANO

Tuas desgraccedilas de licccedilatildeo me servem

PROMETHEU

Vae presto Insiste nos teos bons designios

OCEANO

Daacutes pressa ao que a partida accelerava

Meo quadrupede alado impaciente

De dobrar o joelho em seo caseiro

Aprisco as azas distendidas roccedila

Nas camadas azues do ethereo plaino

O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE I

Prometheu Que docircr me causa

Teo destino miserando

As lagrimas que sem pausa

Dos olhos me estatildeo manando

Qual humida fonte a fio

Minhas faces vem regar

238

Jupiter seu poderio

Vive arrogante a ostentar

E humilha os antigos Numes

Aacute tyrannica oppressatildeo

[fl111] ANTISTROPHE I

Socirca em lugubres queixumes

Esta vasta regiatildeo

Da vizinha Asia sagrada

Os incolas compungidos

Choram-te a gloria passada

E a de teos irmatildeos vencidos

ESTROPHE II

Choram-te as fortes na guerra

Virgens de Colchos - o Scytha

Que n‟um extremo da Terra

Junto aacute Meotida habitada

ANTISTROPHE II

O arabe escol guerreiro

Fremente de agudas lanccedilas

E que tem forte roqueiro

Do Caucaso em vizinhanccedilas

EPODO

De incansaveis noacutes ligado

Um soacute dos Titans eu vi

Pelos Deoses castigado

Padecer antes de ti

Atlas foi Quem tatildeo valente

239

De tanto esforccedilo capaz

Pois sobre o docircrso gemente

O Polo gravoso traz

O peacutego fervendo muge

A seos peacutes a terra treme

O negro Averno restruge

E ateacute nos recessos freme

Todas as fontes sagradas

Das correntes fluviaes

Lamentam angustiadas

Suas desgraccedilas fataes

[fl112] PROMETHEU

Natildeo de tedio ou de orgulho eacute meo silencio

Mas eu devoro o coraccedilatildeo pensando

Que sou exhibiccedilatildeo de tanta vilta

Quem sinatildeo eu por esses novos Deoses

Talhou proporcionaes mercecircs e graccedilas

Sobre este ponto nada mais ajunto

Seria expocircr um facto aos que o conhecem

Ouve os males que aos homens affligiam

E como de boccedilaes os fiz cordatos

E scientes da proacutepria intelligencia

Si assim falo natildeo eacute porque os censure

Lembro soacute que o que fiz em proacutel da raccedila

Eacute prova da affeiccedilatildeo que lhe consagro

Antigamente olhavam sem que vissem

Inclinavam-se aacute escuta e nada ouviam

Como as figuras que desenha o sonho

Tudo por longo tempo confundiram

Aacutes casas de tijolo ao sol expostas

E ao lavrar da madeira extranhos eram

240

Como graacuteceis formigas diligentes

Tinham habitaccedilotildees de sob o soacutelo

No mais fundo de lobregas cavernas

Nem por algum signal differenccedilavam

O inverno da florida primavera

Ou do veratildeo em fructos abundante

Assim sem reflexatildeo viveram seculos

Ateacute que o instante do nascer dos astros

E o menos regular de seos occasos

Lhes dei a conhecer Em seo proveito

O numero inventei - a mais proficua

Das descobertas que a sciencia illustram

Ensinei-lhes a ler grupando as lettras

Formei-lhes a memoria ndash a matildee das Musas

Domesticando os animaes selvagens

Fil-os aacute sujeiccedilatildeo doacuteceis Pesaram

De irracionaes no dorso as graves cargas

Que oneravam teacute ahi hombros humanos

Puz ao carro os frenigeros cavallos

- Trastes de luxo de faustosos ricos -

Vehiculos navaes d‟azas de linho

Sulcadores do mar a mim se devem

E eu (desditoso) autor de tanto invento

Em bem dos homens descobrir natildeo posso

Um que logre partir estes liames

[fl113] O CORO DAS OCEANIDAS

Grave castigo padeces

Fluctuas leso o juiacutezo

Qual maacuteo medico adoeces

E eacutes no curar-te indeciso

Ao animo perturbado

Certamente natildeo te acode

241

O remedio apropriado

Que prompto sanar-te poacutede

PROMETHEU

Ouve o que falta e pasmaraacutes sabendo

De quantas artes e misteres uteis

Fui inventor O principal foi este

Medicina nenhuma o enfermo tinha

No comer no beber na uncccedilatildeo do corpo

De curativos definhava aacute mingoa

Teacute que graccedilas a mim noticia houveramos

Dos remedios e mixtos salutares

- Preservativo e cura das molestias-

Aos presagios marquei processos novos

Disse em que pontos as visotildees sonhadas

Reaes seriam aacutes escuras phrases

Das predicccedilotildees vocaes fixei sentido

Dos accidentes que em jornada occorrem

Dei plena explicaccedilatildeo ao viandante

Mui por miudo defini o vocirco

Dos passaros de garras encurvadas

Qual delles eacute propicio e qual sinistro

Disse de que alimentos se nutriam

Quaes seos odios e amores seos encontros

Notei-lhes das entranhas a lisura

Bem como a cocircr que mais apraz aos Deoses

Quaes da bile os aspectos favoraveis

E os do figado e o aacutedipo das cocircxas

Seos rins queimando descobri segredos

D‟arte de adivinhar que era difficil

Do fogo occulto revelei o augurio

Outr‟ora nebuloso Aleacutem de tudo

As riquezas que a terra nas entranhas

Guardava ndash o ferro o bronze a prata o ouro -

242

Qual outro antes de mim as desvelaacutera

Quem se chamar tal gloria eacute temerario

Jactancioso Em summa as artes todas

Por Prometheu hatildeo vindo aacutes matildeos dos homens

[fl114] O CORO DAS OCEANIDAS

Basta dos homens natildeo fales

Quinhoaste-os amplamente

Tracta de ti A teos males

Natildeo sejas indifferente

Sinto em mim tenho por certo

Que ainda um dia te hei de ver

Destas cadeias liberto

Igual a Jove em poder

PROMETHEU

Isto natildeo prouve aacute Parca poderosa

Pelo Destino decretado estava

Que soacute de longas provaccedilotildees ao cabo

Destas peias alfim solto me veja

Muito mais debeis satildeo por certo as artes

Do que a Fatalidade

O CORO DAS OCEANIDAS

E a quem pertence

Do Destino o timatildeo reger101

PROMETHEU

Aacute Parca

Triforme e aacutes sempre meacutemores Erynnes

101

Era de se esperar um ponto de interrogaccedilatildeo

243

O CORO DAS OCEANIDAS

Eacute Jove menos forte que o Destino

PROMETHEU

Sim natildeo102

lhe foge aacutes leis irrecusaveis

O CORO DAS OCEANIDAS

Para elle algo eacute fatal aleacutem do imperio

PROMETHEU

Natildeo t‟o direi nem mesmo a instantes rogos

[fl115] O CORO DAS OCEANIDAS

Eacute de certo bem grave o que me escondes

PROMETHEU

Lembra outra cousa descabida eacute esta

Para mim eacute mister quanto possivel

Guardal-a occulta Deste modo evito

Mil infortunios e estes ferros quebro

O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE I

Natildeo apraza aacute Potestade

Que os mundos todos governa

Oppocircr aacute minha vontade

Sua vontade superna

Seja meo constante fito

Manter os Numes propicios

Fazendo sempre os do rito

102 A palavra comeccedila com letra minuacutescula no livro

244

Tributarios sacrificios

Offertando-lhes de plano

As victimas immoladas

Junto aacutes do Padre Oceano

Correntes sempre agitadas

Que eu nunca aos Deoses aggrave

No intuito ou na expressatildeo

Que perpetua em mim se agrave

Tatildeo louvavel intenccedilatildeo

ANTISTROPHE I

Doce eacute firmar longa vida

Sobre esperanccedilas estaveis

Conservando a alma nutrida

De jubilos ineffaveis

Fundo horror minha alma sente

Por teo duro padecer

Foste muito irreverente

Com Jove em teo proceder

Nos teos planos confiado

E soacute por impulso teo

Aos homens has dispensado

Honras de mais Prometheu

[fl116] ESTROPHE II

Que maacuteo pago houveste disso

Jugas que em teos dissabores

Te prestem algum serviccedilo

Os terraqueos moradores

245

Perdeste acaso a lembranccedila

Da tibia imbecialidade

Que de um somno aacute semelhanccedila

Peacutesa sobre a humanidade

Dos homens nunca os projectos

Teratildeo forccedilas de inverter

A ordem que em seos decretos

Quis Jupiter prescrever

ANTISTROPHE II

Convenci-me disto emquanto

Teo supplicio contemplava

Quatildeo diverso deste canto

Era o que nos arroubava

Quando cercando-te o thoro

E o lavacro accordes todas

Entoavamos em cocircro

Hymno festivo de bocircdas

Vendo Hesione nascida

Do Oceano esposo aceitar-te

E a teos presentes rendida

Em teo leito ser comparte

(Apparece Io)

IO

Que terra esta eacute Que gente nella habita

E quem eacutes tu por vinculos atado

Nesta rocha hybernal Aacute que flagicio

Serve de expiaccedilatildeo tamanha pena

Dize-me aacute que regiatildeo chego agitada

Ai Ai Ai Eis de novo me afferrocirca

246

(Desditosa) o tavatildeo - o simulacro

D‟Argos da Terra filho Oacute terra afasta-o

Tenho medo O pastor de olhos innumeros

Me estaacute fitando co‟a dolosa vista

Bem que finado natildeo n‟o esconde a terra

Volta do Inferno segue-me as pisadas

E arrasta-me a vagar faminta aos saltos

Pelas marinhas arenosas praias

[fl117] ESTROPHE

Da avena de cecircrea junctura a harmonia

Ao somno convida

Teacute onde na infinda fatal correria

Serei impellida

Saturnia progenie qual foi o meo crime

Por que me condemna

A colera tua e ao jugo me opprime

De tatildeo dura pena

Por que n‟um continuo terror flagellante

Que arrasta aacute loucura

Me impotildees deste insano correr incessante

A rude tortura

Ou manda-me em chammas morrer abrazada

Ou viva enterrar

Ou- pasto animado - que eu seja lanccedilada

Aacutes feacuteras do mar

Oh Rei Daacute-me ouvidos Aacute angustia que raia

Meo animo enfermo

Modera os rigores Siquer assignala

Qual seja seo termo

247

O CORO DAS OCEANIDAS

A voz natildeo ouves da bicorne virgem

PROMETHEU

Como natildeo hei de ouvir d‟Inacho a filha

A moccedila virgem do tavatildeo pungida

Ella inflammou de amor a alma Jove

E hoje de Juno odiada eacute compulsada

Aacute correria longa e sem repouso

IO

ANTISTROPHE

Donde soubeste de meo pae o nome

Como infeliz

Conheces esta docircr que me consome

Aacute triste o diz

Quem te deo novas do divino accediloite

Desse feroz

Ferratildeo que me caustica dia e noite

Com furia atroz

[fl118] Da colera de Juno perseguida

Aqui por fim

Tresvariada pela fome urgida

Saltando vim

Mais desditosa dentre os desditosos

Quem poacutede haver

Diz-me sem veacuteos os lances desastrosos

Que hei de soffrer

Si allivio ou cura tens aacute tatildeo pesada

Fera agonia

Aponta-o sem rebuccedilo aacute flagellada

248

Moccedila erradia

PROMETHEU

Dizer-te vou o que saber desejas

Simples e claro sem usar de enigmas

Qual de um amigo a outro Em mim presente

Tens Prometheu que trouxe o fogo aos homens

IO

Tu ndash auxilio commum da raccedila humana -

Tu - Prometheu por que razatildeo padeces

PROMETHEU

Pouco ha findaacutera a historia de meos males

IO

Agora a mim natildeo te seraacute possivel

Uma graccedila fazer

PROMETHEU

Sim Interroga

Eu te satisfarei

IO

Quem te ha cravado

Nesta rocha precipite

PROMETHEU

O decreto

De Jupiter e o braccedilo de Vulcano

[fl119] IO

Que attentado eacute credor de tal castigo

249

PROMETHEU

Eacute bastante o que eu disse

IO

Expotildee ao menos

Todos os golpes que o povir me guarda

E qual deste correr o termo certo

PROMETHEU

Natildeo me inquiras Mais val que tudo ignores

IO

Do que tenho a passar nada me occultes

PROMETHEU

Natildeo me posso escusar a teo pedido

IO

Por que tardas

PROMETHEU

Natildeo eacute por maacute vontade

Sim porque temo o animo turbar-te

IO

Oh Natildeo zeles de mim mais do que eu zelo

PROMETHEU

Insistes Vou falar expondo tudo

[fl120] O CORO DAS OCEANIDAS

Ainda natildeo Daacute que me caiba

Uma parte do prazer

Que dos labios della eu saiba

250

Quanto teve de soffrer

De sua sorte funesta

Sciente depois de a ouvir

Narraraacutes o que lhe resta

A padecer no porvir

PROMETHEU

Cumpre attendel-as Io Aleacutem de tudo

Satildeo irmatildes de teo pae Quem natildeo releva

Tardanccedila ao narrador dos proprios males

Si lagrimas de doacute de seos ouvintes

O acolhem

IO

Sim Natildeo haacute como esquivar-me

Vou claramente relatar os casos

Que anciaes por saber bem que me pecircze

Dizer a causa da procella horrenda

Por matildeo divina contra mim lanccedilada

E d‟esta vil transfigurada foacuterma

Visotildees sonhadas voltejando aacute noite

Pelo meo aposento de donzella

Vinham continuo em seductoras phrases

Dizer-me ldquoOacute tu a mais feliz das virgens

Por que tatildeo longa virgindade guardas

Se poacutedes contrahir consorcio augusto

Do farpatildeo do desejo assetteado

Arde Jove por ti e almeja o instante

De comtigo fruir de Chypre os gozos

Teme o leito enjeitar do Pae dos Deoses

Vae Da profunda Lerna em prados busca

Os pascigos e estabulos paternos

Daacute repouso aos desejos que desperta

251

Tua presenccedila nos divinos olhosrdquo

Ai de mim desgraccedilada Em cada noite

Identica visatildeo vinha assaltar-me

Teacute que fazendo esforccedilo de coragem

Fui a meo pae narrar aquelles sonhos

Nuncios elle expedio que consultando

O oraculo de Pytho e o de Dodocircna

Conhecessem o que de grato aos Numes

Lhe cumpria por actos e palavras

Praticar Ao regresso os mensajeiros

[fl121] Soacute trouxeram respostas duvidosas

Natildeo comprehensiveis de expressotildees obscuras

Veio alfim vaticinio manifesto

Ordenando a meo pae de modo explicito

Que do lar e da patria me expellisse

Mandando-me vagar livre de laccedilos

Teacute os longiquos terminos do mundo

Si fosse opposta resistencia aacutes ordens

Jove arrojando o coruscante raio

Extinguiria inteira a nossa estirpe

Submisso aacute voz prophetica de Loxias

Meo pae mandou-me pocircr fora de casa

E prohibio-me que lhe entrasse as portas

Na ancia da docircr gemiam nossas almas

Jove poreacutem aacute freio o subjugava

E era preciso obedecer aacute forccedila

Turbou-se-me a razatildeo mudei de foacuterma

E estas pontas na fronte me nasceram

Do acuacuteleo de um tavatildeo aguilhoada

Atirei-me de um salto furibundo

Aacute Cenchreia de Lympha saborosa

Da collina de Lerna em verdes prados

Mas Argos o terrigena vaqueiro

Sanhudo e maacuteo no encalccedilo me seguia

252

A espiar por miudo os meos vestigios

Inopinado e suacutebito successo

Da existencia o privou Eu fustigada

Do latego divino em furia vago

De clima em clima Ouviste tudo Agora

Si conheces os meos futuros males

Dize-os e nem a compaixatildeo te induza

A agradar-me com phrases mentirosas

Eacute no conceito meo vicio ominoso

Por lisonja tecer falaz discurso

O CORO DAS OCEANIDAS

Oh Basta Cala-te Paacutera

Jaacutemais jaacutemais (ai de mim)

Pude suppocircr que escutaacutera

Um caso insolito assim

Expiaccedilotildees e pezadumes

Tristes de ver e cortir

Que qual dardo de dous gumes

Me vem gelar e ferir

Oh Fado Fado inclemente

De horror sinto-me transida

Ao pensar na docircr pungente

De tua cansada vida

[fl122] PROMETHEU

Teos ais e esse terror satildeo prematuros

Gemeraacutes com razatildeo sabendo o resto

O CORO DAS OCEANIDAS

Fala Ao triste que padece

O tormento se modera

253

Si d‟outro ouvindo-o conhece

De ante-matildeo o mal que o espera

PROMETHEU

Facil de mim houveste o que pediste

Pois foi desejo teo ouvir primeiro

Dos proprios labios d‟ella o que ha soffrido

Falta narrar os transes que esta virgem

A vindicta de Juno inda reserva

Grava no coraccedilatildeo minhas palavras

De Inacho oacute filha Deveraacutes ouvindo-as

De tuas excursotildees saber o termo

Parte com direcccedilatildeo ao sol nascente

E atravessando natildeo lavrados campos

Veraacutes os Scythas montanhezes nomadas

Armados de farpotildees de longo alcance

Habitam choccedilas de tranccedilados vimes

Dentro de carros d‟optima rodagem

Passa e o caminho trilha que se abeira

Das fragas em que o mar gemente quebra

Pela esquerda aacute morada iraacutes dos Chaacutelybes

Peritos Artesotildees do ferro Evita-os

Ferozes satildeo e avessos aacute hospedagem

Chegando aacute margem do empolgado Hybristos

Rio que o nome seo bem justifica

Natildeo queiras desde logo vadeal-o

Soacute lhe faraacutes sem risco a travessia

No Caucaso o mais alto d‟entre os montes

Onde a caudal com impeto rebenta

Ampla a ferver das temporas da serra

Salva as cumiadas que do ceacuteo vizinham

Fitando entatildeo ao meio dia o rumo

Encontraraacutes as hordas de Amazonas

Avessas a varotildees e cuja seacutede

254

Themiscyra seraacute ndash do Thermodonte

Aacute foz onde a maxilla se escancara

Do mar Salmydessecirco infensa aos nautas

E inhospita madrasta dos navios

[fl123] Hatildeo de ellas proprias da melhor vontade

Prestadias mostrar o teo caminho

Vinda em seguida ao isthmo dos Cimmerios

Junto ao cerrado estreito da Meoacutetida

Transpotildee-n‟o com arrojo Ingente fama

Perpetua entre os mortaes ha de provir-te

Desse transito e Bosporo chamado

O estreito Tendo assim deixado a Europa

Do continente d‟Asia ao soacutelo aportas

Natildeo vos parece que o Reitor dos Deoses

Em tudo manifesta igual violencia

Nume querendo a esta mortal unir-se

Numa carreira intermina arrojou-a

Que ruim proacuteco te coube oh pobre virgem

Para comtigo convolar a nupcias

Quanto narrei natildeo passa de proemio

Dos soffrimentos que o porvir te guarda

IO

Ai de mim

PROMETHEU

Outra vez choras suspiras

Que seraacute quando o mais ter for notorio

O CORO DAS OCEANIDAS

Pois tens de annunciar-lhe outras desgraccedilas

PROMETHEU

Sim Um revocirclto mar de horriveis docircres

255

IO

Que monta este viver Antes de arranco

Deste rijo alcantil me arremessasse

Ao chatildeo de pedra e nelle espedaccedilada

Me libertasse de miseria tanta

Mais val de um golpe violenta morte

Que existencia arrastada em docircr sem termo

PROMETHEU

Quanto no meo lugar te lamentaacuteras

Pois o Destino me ha vedado a morte

Ella me focircra paz e livramento

Mas desta pena natildeo terei resgate

Emquanto Jove natildeo perder o imperio

[fl124] IO

E poacutede acontecer que um dia o perca

PROMETHEU

Creio te fora grato o ver-lhe a queacuteda

IO

E como natildeo si delle eu tanto soffro

PROMETHEU

Isso ha de succeder Dou-te a certeza

IO

Quem o despojaraacute do regio sceptro

PROMETHEU

Elle a si proprio por acccedilotildees estultas

256

IO

E como Explica-o natildeo havendo risco

PROMETHEU

Por um consorcio fonte de amarguras

IO

Eacute com Deosa ou mortal Dize si o poacutedes

PROMETHEU

Para que perguntal-o Ha neste ponto

Mysterio e natildeo me eacute dado descobril-o

IO

Desthronado seraacute por essa esposa

[fl125] PROMETHEU

Ella ha de dar o nascimento a um filho

Mais forte do que o Pae

IO

Natildeo poacutede Jove

O desastre evitar

PROMETHEU

Natildeo lhe eacute possivel

A natildeo ser que eu liberto destas peias

IO

Quem Jupiter invito ha que te livre

PROMETHEU

Eacute fatal seja alguem da prole tua

257

IO

Que Viraacute libertar-te um de meos filhos

PROMETHEU

Apoacutes dez geraccedilotildees um da terceira

Seguinte geraccedilatildeo ha de livrar-me

IO

Difficil comprehensatildeo a deste augurio

PROMETHEU

Dos reveses por vir natildeo mais indagues

IO

Recusas-me o favor jaacute concedido

[fl126] PROMETHEU

Uma revelaccedilatildeo posso fazer-te

Escolhida entre duas

IO

Das-me a escolha

PROMETHEU

Sim Tractarei dos males que te aguardam

Ou de quem deve resgatar-me um dia

CORO

Serve aos dous A esta donzella

Prediz a futura docircr

Em seguimento revela

Quem seraacute teo salvador

PROMETHEU

258

Natildeo quero ao rogo teo mostrar-me esquerdo

E tudo vou dizer Primeiro oacute Io

Narrarei tuas multiplas corridas

Grava-as nas taboas memoraveis d‟alma

Abandonando o estreito que separa

Os continentes vae seguindo a rota

Para o lado em que o sol nasce infllammado

Sem parar o bramir do mar transpondo

Aacutes gorgoacuteneas campinas em Cisthene

Iraacutes No sitio as Phorcidas habitam

Satildeo tres virgens senis e cigniformes

Possuindo em commum um olho e um dente

Jaacutemais as visitou do sol um raio

E nem da argentea lua a luz serena

Suas irmatildes - as Goacutergones aligeras

Angui-comadas aos mortaes funestas

Teem perto os lares Quem lhes fita o aspecto

O espirito vital subito perde

Aponto os riscos Cabe-te evital-os

Outra sinistra repulsiva imagem

Veraacutes nos Gryphos catildees de Jove mudos

De agudos rostos Foge-os Foge aacute turba

De Arimaspos equestres de um soacute olho

Que do aurifluo Plutatildeo ribas occupam

[fl127] Aacute seacutede aportaraacutes de um povo negro

Junto ao berccedilo do sol nas longes plagas

Por onde corre da Ethiopia o rio

Rasga passagem pelas margens d‟elle

Teacute que enfrentes a grande catarata

Onde o Nilo a tombar dos montes Biblos

Derrama sua lympha veneranda

E de grato sabor Prosegue e alcanccedila

A terra que um triangulo figura

Praz ao Fado que em tatildeo remota zona

259

Fundes uma colonia onde te fixes

E mores Io e a descendencia tua

Si em minha narrativa ha ponto obscuro

Ou de difficil comprehensatildeo indica-o

Que tudo a esclarecer de prompto acudo

Tempo hei de sobra Nem quizera tanto

O CORO DAS OCEANIDAS

Si algo foi della omittido

Suppre o lapso da memoria

Apoacutes cede a meo pedido

Relata-nos tua historia

PROMETHEU

Do seo peregrinar futuro ouvio-me

A exposiccedilatildeo fiel Vou dar-lhe a prova

De que natildeo falo em vatildeo narrando as dores

Que antes de aqui parar ha padecido

Serei succinto pouparei palavras

E ao termo irei de seo correr infrene

Tendo chegado aos campos dos Molossos

Em Dodocircna elevada onde se encontram

De Jupiter Thesproacutecio altar e oraculo

E o carvalho que fala (alto prodigio)

Saudou-te claramente a voz divina

(Que lisonjeira saudaccedilatildeo foi essa)

Qual de Jove futura inclyta esposa

Picada do tavatildeo seguiste a costa

Ao mar de Rheacutea foste e o transpuzeste

Arredou-te dalli o errante impulso

Para commemorar esse trajecto

Mar Ionio seraacute denominado

Pela posteridade aquelle golpho

Assim daacute testemunho a mente minha

260

De que penetra aleacutem do que eacute visivel

Atando agora aacute minha historia o fio

A ella a ti conjunctamente falo

[fl128] No extremo Egyto em comoro de areia

Fronteando do Nilo a embocadura

De Canoacutepo a cidade eacute situada

Alli Jove tocando-te de leve

E affagando-te a matildeo blandicioso

Ha de acalmar-te o espirito agitado

Daraacutes mais tarde aacute luz Eacutepapho o negro

Nome que lembra as condiccedilotildees e modo

Como ha de ser de Jupiter gerado

Elle semearaacute nas ferteis glebas

Que no vasto percurso o Nilo banha

Na quinta geraccedilatildeo dahi provinda

Para Argos voltaratildeo cincoenta virgens

Fugindo ao casamento pretendido

Pelos primos paternos Exaltados

Inda insistindo no enjeitado enlace

(Que nunca houvesse de lhes vir aacute ideacuteia)

Seguindo iratildeo no encalccedilo as fugitivas

Quaes terccediloacutes que de perto as pombas seguem

Um Deos ha de invejar os corpos delles

E no gremio a Pelasgia recebel-os

Quando domados por um Marte fero

Que mata com a dextra das mulheres

E por audacia que durante a noite

Vigia como esperta sentinella

Degollar cada esposa o seo marido

Levando-lhe aacute garganta o duplo corte

De aguda espada e lhe arrancar a vida

Que Venus fira assim meos inimigos

Ha de amor ameigar uma das virgens

Para que natildeo trucide o companheiro

261

Esta hesitando no assassino plano

Preferiraacute ser fraca a ser cruenta

A matildee ella seraacute dos reis argolicos

Para o assumpto eacute mister longo discurso

Basta dizer que desta regia soacutebole

Deve provir o audacioso illustre

Perito no atirar as saggitarias

Que me ha de libertar destas cadeias

Themis Titania minha matildee predisse-o

Como e quando seraacute Eacute longa historia

E nada lucraraacutes em que a repita

IO

Ai de mim Ai de mim Novo delirio

Me lanccedila em phrenesi me abraza o cerebro

Queima-me do tavatildeo sem fogo a puacutea

De terror agitado em fortes golpes

Do peito a arcada o coraccedilatildeo verbera-me

Nas orbitas os olhos se retorcem

[fl129] Longe de mim me arroja impetuoso

O vento do furor Natildeo me obedece

A lingoa Minhas vozes conturbadas

Luctam a esmo em confusatildeo debalde

Co‟as vagas de meo barbaro infortunio

(Sahe Io)

O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE

Sabio foi sabio eminente

Quem primeiro formulou

Este conceito na mente

E em palavras o explicou

Eacute o melhor dos casamentos

262

O que se faz entre iguaes

Quem vive dos rendimentos

De trabalhos manuaes

Natildeo busque allianccedila na classe

Soberba pela riqueza

E fuja igualmente aacute enlace

Co‟os que pompeiam nobreza

Oacute Parcas De Jove o leito

Nunca eu possa compartir

Nem jaacutemais por laccedilo estreito

A um Nume qualquer me unir

Tremo ao ver a virgindade

De Io a varotildees tatildeo hostil

Por Juno sem piedade

Votada a corridas mil

EPODO

Entre iguaes natildeo temo allianccedila

Mas nunca nos olhos meos

Fixe o olhar - que natildeo se alcanccedila

Evitar - um alto Deos

Guerra em que a luta se exclue

E em que eacute nulla a resistencia

Pois o inimigo possue

Recursos sem competencia

Si um dia a Jove o desejo

De distinguir-me acudir

Maneira nenhuma vejo

De ao poder lhe resistir

263

[fl130] PROMETHEU

Mas apezar de pertinaz orgulho

Inda humilde ha de Jupiter volver-se

Pois se prepara a contrahir consorcio

Que tem de o derribar de modo inglorio

Do solio arrebatando-lhe o dominio

Entatildeo ha de cumprir-se inteiro e pleno

O anathema lanccedilado por Saturno

Quando o filho o expellio do antigo throno

Fuga aacute desastre tal nenhum dos Numes

Conhece a natildeo ser eu sei o remedio

E sei tambem o modo de applical-o

Estadeie-se Jove nas alturas

Fiado no estampido pavoroso

Que retumba atravez da immensidade

Sacuda o raio ignivomo na dextra

Pois natildeo teratildeo valor taes apparelhos

Para lhe attenuar o vilipendio

Da queacuteda e a perda do poder sem volta

Agora mesmo contra si levanta

Antagonista de expugnar difficil

Que uma chamma inventou melhor que o raio

E um fragor qua ao trovatildeo de muito excede

Hatildeo de taes armas reduzir a estilhas

De Neptuno nas matildeos esse tridente

Que o mar subleva que sacode a terra

Naufrago sobre o escolho do Infortunio

Ha de saber qual a distancia

Que entre mandar e obedecer existe

O CORO DAS OCEANIDAS

Predizes contra Jove o que desejas

264

Lhe aconteccedila

PROMETHEU

Refiro-me a successos

Que hatildeo de realizar-se e que me aprazem

Ver a seo tempo em factos convertidos

O CORO DAS OCEANIDAS

Que Jupiter vencido e dominado

PROMETHEU

E a supplicio maior que o meo sujeito

[fl131] O CORO DAS OCEANIDAS

E natildeo receias proferir taes phrases

PROMETHEU

Por que Si o natildeo morrer eacute meo destino

O CORO DAS OCEANIDAS

E si elle te aggravar esses tormentos

PROMETHEU

Que o faccedila Tudo delle espero

O CORO DAS OCEANIDAS

Eacute sabio

Quem de Adastreia aos peacutes dobra os joelhos

PROMETHEU

Submissa implora adula a quem governa

Menos que nada val Jove a meos olhos

Como eacute desejo seo no Olympo exerccedila

Ephemero poder pois sobre os Deoses

265

Imperio natildeo teraacute por longo tempo

Mas vejo alli o batedor de Jupiter

O fido servo do actual tyranno

Certo vem transmittir-me ordens recentes

MERCURIO

Alma de fel sophista astucioso

De engenho a mais natildeo ser agudo e fino

Que contra os Numes commetteste o crime

De dar ao ser de um dia honras divinas

Ladratildeo do fogo interpellar-te venho

Dize pois manda o Pae qual o consorcio

Que ha de ser causa consoante o affirmas

De sua queacuteda do poder Expotildee-me

Livre de ambages ponto a ponto a historia

Dispensa-me o descer de novo aacute terra

Prometheu Procedendo de outro modo

Natildeo abrandas a Jupiter

[fl132] PROMETHEU

Grandiloquo

E cheio de arrogancia eacute teo discurso

Qual cabe dos celicolas ao servo

Novos de ha pouco dominando crecircdes

Que em vossa fortaleza estaes a salvo

Da docircr Cahir do throno dous tyrannos

Vi e em breve hei de ver este terceiro

De modo ignominioso prosternado

Julgas talvez que hei medo aos novos Deoses

Quatildeo longe estou de receial-os Volta

Jaacute pela mesma estrada e sem que saibas

Nada de quanto investigar vieste

MERCURIO

266

Por fera obstinaccedilatildeo - desta miseria

Te arremessaste ao porto

PROMETHEU

Este infortunio

Por teo officio permutar natildeo quero

Antes escravo ser deste penhasco

Do que do Pae correio complascente

Represalia eacute do teo este doesto

MERCURIO

Pareces exultar com teo supplicio

PROMETHEU

Quem Eu Pudesse ver meos inimigos

Deste modo exultar tu como os outros

MERCURIO

Crecircs que nos males teos hei tido parte

PROMETHEU

Lhano a falar execro os novos Deoses

Que enchi de bens e em troca assim me affligem

[fl133] MERCURIO

Soffres grave molestia - a da loucura

PROMETHEU

Si eacute molestia odiar os inimigos

Desejo se prolongue a que eu padeccedilo

MERCURIO

Quem si foras feliz te supportaacutera

267

PROMETHEU (soltando um gemido)

Ai

MERCURIO

Jove desconhece essa palavra

PROMETHEU

Traz o tempo a velhice e tudo ensina

MERCURIO

Natildeo te ensinou comtudo a ter bom senso

PROMETHEU

Natildeo pois falando estou comtigo oh servo

MERCURIO

Aacutes perguntas do Pae natildeo daacutes respostas

PROMETHEU

Muito lhe devo na verdade Cabe-me

De minha gratidatildeo mostrar-lhe provas

MERCURIO

Qual de crianccedila estaacutes de mim zombando

[fl134] PROMETHEU

Natildeo eacutes acaso menos que crianccedila

No siso si de mim obter pretendes

Revelaccedilatildeo qualquer Natildeo logra Jove

Por meio de artificio ou de tortura

Levar-me a desvendar-lhe o meo segredo

Sem que elle destes ferros me desprenda

Poacutede a candente chamma arremessar-me

Confundir e abalar todo o Universo

268

Com turbilhotildees de neve d‟azas brancas

E ao troar dos estrondos subterraneos

Natildeo ha dizer-lhe quem por lei do Fado

Tem de prival-o do poder supremo

MERCURIO

Medita Em que aproveita a contumacia

PROMETHEU

Tudo ha muito hei previsto e resolvido

MERCURIO

Ousa uma vez siquer ousa insensato

Pensar maduro no teo mal presente

PROMETHEU

Importunas-me em vatildeo Teo suasorio

Eacute qual si fosse dirigido aacutes ondas

E nem possa acudir-te ao pensamento

Que aterrado de Jove ante os designios

Coraccedilatildeo feminil revista e erguendo

Como debil mulher supplices palmas

Peccedila a quem aborreccedilo em graacuteo supremo

Destes grilhotildees me livre Em tal natildeo penso

MERCURIO

Em vatildeo falei si bem demais falasse

Nada te abranda a rogos natildeo attendes

Qual poldro mal domado o freio tascas

Forcejas reluctando contra as redeas

Confianccedila orgulhosa depositas

No impotente saber Nada mais fraco

Que a pertinacia esteril da loucura

[fl135] Olha Si as minhas suggestotildees desprezas

269

Que vendaval que oceano de infortunios

Em ti vae desabar Inevitavel

Isto ha de ser O Pae antes de tudo

Dos trovotildees ao fragor do raio aacute chamma

Destruiraacute este alcantil fragoso

Sob os escombros sumiraacute teo corpo

Estatelado em braccedilos de granito

Tens de voltar aacute luz apoacutes volvidos

Longos eacutevos Entatildeo a aguia cruenta

- Catildeo volatil de Jove - em mil pedaccedilos

Ha de voraz atassalhar-te as carnes

Qual diario conviva sem convite

Faraacute banquete com teo negro figado

- Uacutenico do festim manjar sangrento ndash

Natildeo esperes o fim do atroz supplicio

Emquanto um Deos que padecel-o queira

Por ti natildeo desccedila ao Orco tenebroso

E aacute voragem do Tartaro profundo

Pensa Natildeo vejas ameaccedila inane

No que te digo Eacute muito grave o assumpto

Nunca mentio de Jupiter a bocca

Cumpre o que diz Reflecte delibera

Nem aacute prudencia opponhas arrogancia

O CORO DAS OCEANIDAS

Natildeo parece impertinente

De Mercurio a allocuccedilatildeo

Pois te exhorta a ser prudente

E a deixar a obstinaccedilatildeo

O seo conselho cordato

Deves ouvir e acceitar

Eacute vergonhoso ao sensato

Na falta perseverar

270

PROMETHEU

Eu conhecia os termos da embaixada

Que elle vociferou Poreacutem que importa

Natildeo produzem sorpreza e nem deslustram

Apocircdos e desfeitas de inimigo

E pois que seja sobre mim vibrada

A bi-partida flammejante espira

Abalem o ether dos trovotildees o estrondo

E o sibilante urrar dos soltos ventos

Medonho furacatildeo sacuda a Terra

Desde a raiz nos imos fundamentos

[fl136] Equoreos escarceacuteos mugindo invadam

Celestes plainos onde os astros giram

E Jove pelo vortice arrastado

Da rigida fatal Necessidade

Arroje o corpo meo no negro Tartaro

Em vatildeo Natildeo tem poder de dar-me a morte

MERCURIO

Taes palavras iguaes arrazoados

Soacute se podem ouvir de um mentecapto

Eil-o que attinge as raias da loucura

Pois natildeo doma ao furor a violencia

E voacutes que do seo mal haveis piedade

Destes lugares afastai-vos presto

Por que o trovatildeo que ahi vem rugindo horrivel

Natildeo vos transtorne de pavor a mente

O CORO DAS OCEANIDAS

Daacute-me conselho aceitavel

E seraacutes obedecido

Eacute de todo intoleravel

O que me tens dirigido

271

Estranho o teo sentimento

Cobarde nunca serei

Seja qual focircr seo tormento

Com elle o compartirei

Dos vis traidores a peste

Experiente aborreccedilo

Nem cousa que eu mais deteste

Em minha vida conheccedilo

MERCURIO

Lembre-te ao menos que te dei o aviso

Nunca em transe de docircr digas que a Sorte

Ou Jove de improviso te ha ferido

E sim Eu mesma fui do mal sciente

Nelle cahir por falta de cautela

E natildeo por laccedilo armado ou por sorpresa

A humana insensatez nos prende aacutes malhas

Da inextricavel recircde do Infortunio

De que jaacutemais algueacutem logrou soltar-se

[fl137] PROMETHEU

Eis se cumpre a ameaccedila A Terra nuta

Rouco trovatildeo no bocircjo lhe restruge

Rasga a espiral a poeira torvelinha

Irropem a soprar todos os ventos

E mutuamente os impetos oppondo

Forccedilam varios bulcotildees que se abalroam

O Ether combalido ao mar confunde-se

Contra mim Jove manifesto rue

Violento e quer ver se me apavora

272

Oh santo103

amocircr de minha matildee Oh Ether

Em cujo seio a luz commum circula

Vecircde a que me atormenta injusta pena

103 A palavra comeccedila com letra minuacutescula no livro

273

CONCLUSAtildeO GERAL DA DISSERTACcedilAtildeO

Dentre as centenas de trageacutedias gregas que vieram a lume na antiguidade apenas

32 chegaram agrave posteridade Desse nuacutemero reduzido de ldquosobreviventesrdquo sete trageacutedias

satildeo atribuiacutedas a Eacutesquilo O Prometeu Acorrentado eacute uma delas

As trageacutedias gregas do seacuteculo V aC foram compostas primeiramente para uma

performance Depois da encenaccedilatildeo textos das trageacutedias mais populares provavelmente

circulavam para uma leitura privada alguns desses textos eram mais confiaacuteveis que

outros (GRIFFITH 1997 p35 MAZON 1953 pX) No quarto seacuteculo aC encenaccedilotildees

de ldquovelhas trageacutediasrdquo do seacuteculo V tornaram-se comuns em Atenas Essas encenaccedilotildees

foram aparentemente suscetiacuteveis a desvios em relaccedilatildeo ao texto original tanto que um

decreto foi aprovado exigindo que coacutepias oficiais das peccedilas dos trecircs grandes

tragedioacutegrafos fossem guardadas (Licurgo 330 aC) e proibindo os atores de se

desviarem delas (GRIFFITH1997 pp35-6 MAZON 1953 pXI) Isso indica que a

proeminecircncia de Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides jaacute ocorrera na antiguidade e que esse

fenocircmeno influenciara de certa forma na preservaccedilatildeo de algumas de suas obras

Natildeo se sabe ao certo com que base os textos oficiais dos trecircs grandes

dramaturgos gregos foram escolhidos no seacuteculo IV aC mas eacute supostamente deles que

os estudiosos da Biblioteca de Alexandria no final do terceiro e no iniacutecio do segundo

seacuteculo aC estabeleceram os textos dos quais a tradiccedilatildeo posterior provavelmente

depende

Os estudiosos de Alexandria conheciam cerca de nove tiacutetulos das trageacutedias de

Eacutesquilo e possuiacuteam cerca de sete delas entre as quais se encontrava o Prometeu

Acorrentado (GRIFFTH 1997 pp36-7) Hoje contestada a autoria de Eacutesquilo para o

Prometeu Acorrentado nunca foi posta em duacutevida na antiguidade104

Na presente

104

Mark Griffth em 1977 contestou a autoria de Eacutesquilo em seu livro The authenticity of bdquoPrometheus

Bound‟ (Cambridge University) focando sua anaacutelise em questotildees meacutetricas e escolha de vocabulaacuterio

MLWest endossa a posiccedilatildeo de Griffth em seu texto ldquoThe Prometheus Trilogyrdquo (Oxford University

[1979] 2008) trazendo para a discussatildeo a opiniatildeo de que uma peccedila como o ldquoPrometeu Acorrentadordquo natildeo

poderia ser encenada num teatro com as proporccedilotildees do Teatro de Dioniso no seacuteculo V aC (proporccedilotildees

estas tambeacutem sujeitas a muitas contestaccedilotildees entre os especialistas) Ainda em ldquoThe authorship of the

Prometheus Trilogy Studies in Aeschylus Stuttgart 1990 West afirma que o ldquoPrometeu Acorrentadordquo eacute

uma trageacutedia inorgacircnica e inconsistente com seus personagens e teologia ela seria por assim dizer uma

trageacutedia indigna do gecircnio de Eacutesquilo Por outro lado interessantes argumentos a favor da autoria de

Eacutesquilo satildeo encontrados no livro de Maria Pia Pattoni L‟autenticitaacute del Prometeo Incatenato Pisa 1987

274

dissertaccedilatildeo seguimos a tradiccedilatildeo milenar que considera Eacutesquilo o autor do Prometeu

Acorrentado

Atualmente eacute possiacutevel utilizar canetas esferograacuteficas para redigir um manuscrito

Tais canetas possuem uma minuacutescula esfera localizada na ponta a qual eacute

completamente envolvida pela tinta o que possibilita a distribuiccedilatildeo constante e

uniforme do traccedilo Dom Pedro II natildeo possuiacutea esse recurso quando redigiu sua traduccedilatildeo

em prosa do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo pois a primeira caneta esferograacutefica foi

patenteada somente em 1930 por Laacuteszloacute Biroacute (STOYLES amp PENTLAND 2006) O

instrumento graacutefico utilizado pelo Imperador foi uma caneta bico de pena a qual era

embebida em tinteiro sempre que necessaacuterio Quando a caneta era carregada o traccedilo do

Imperador era mais espesso como se pode notar na seguinte reproduccedilatildeo do manuscrito

depositado no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro

Figura 26 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Agrave medida que Pedro II ia escrevendo a tinta evidentemente diminuiacutea e seu traccedilo

tornava-se mais tecircnue

Figura 27 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Agraves vezes as correccedilotildees interlineares eram feitas com um traccedilo tecircnue indicando

que a mudaccedila fora feita quase que imediatamente

275

Figura 28 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Outras vezes a correccedilatildeo se apresenta num traccedilo mais espesso parecendo indicar

que a correccedilatildeo natildeo fora feita de imediato Veja-se a seguir a diferenccedila de quantidade de

tinta entre o texto e a sua posterior correccedilatildeo interlinear

Figura 29 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Estudar o Manuscrito Imperial eacute tambeacutem ter a possibilidade de perceber os

gestos de sua redaccedilatildeo Gestos que natildeo mais existem a natildeo ser nas marcas deixadas no

papel e nas hipoacuteteses imageacuteticas que habitam a mente de um pesquisador Na leitura do

manuscrito eacute possiacutevel ver por meio da imaginaccedilatildeo Dom Pedro II fazendo uma pausa

para embeber a sua caneta no tinteiro e em seguida retomar seu trabalho de redaccedilatildeo

Ter essa possibilidade eacute uma experiecircncia de estudo privilegiada Um termo que poderia

ser evocado para tentar sintetizar a experiecircncia vivenciada ao longo da presente

pesquisa eacute ldquoserendipidaderdquo Tal palavra se emprega geralmente para se referir a

descobertas afortunadas feitas aparentemente por acaso

De iniacutecio supuacutenhamos que jaacute houvesse uma ediccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de

Dom Pedro II e almejaacutevamos apenas estudaacute-la e cotejaacute-la com outras traduccedilotildees Grande

foi a surpresa para natildeo dizer ldquoespantordquo ao percebermos que teriacuteamos a possibilidade de

transcrevecirc-la pela primeira vez e trazecirc-la a lume Mas as descobertas afortunadas natildeo

terminaram aiacute Como visto com a publicaccedilatildeo dos primeiros resultados da pesquisa

Alessandra Fraguas nos informou sobre a existecircncia de uma versatildeo preliminar

depositada no Museu Imperial aleacutem de uma carta escrita pelo Baratildeo de Paranapiacaba agrave

Princesa Isabel em 9 de setembro de 1905 na qual informa mais detalhes sobre a obra

que publicaria em 1907 ldquoEacute esta no meu conceito e nos meus amigos a minha melhor

produccedilatildeordquo afirma o Baratildeo e continua ldquoComo jaacute estou muito velho conveacutem natildeo

276

demorar a publicaccedilatildeordquo105

Tal declaraccedilatildeo do Baratildeo de Paranapiacaba tem algo de

tocante e belo Nela se revela a autoconsciecircncia de Joatildeo Cardoso de Menezes de que a

morte se aproximava Por isso mesmo revela o desejo de deixar mais uma marca no

mundo algo que de certa forma mantivesse a sua presenccedila na histoacuteria por meio da

memoacuteria Isso faz lembrar a leitura que Jacques Derrida faz de uma conhecida passagem

de A tarefa do tradutor de Walter Benjamin

Pois eacute a partir da histoacuteria natildeo da natureza que eacute preciso finalmente

circunscrever o domiacutenio da vida Assim nasce para o filoacutesofo a tarefa

(Aufgabe) de compreender toda vida natural a partir dessa vida de mais vasta

extensatildeo que eacute aquela da histoacuteria (DERRIDA 2006 p32)

Graccedilas ao texto de Haroldo de Campos ldquoO Prometeu dos Barotildeesrdquo fomos

capazes de perceber a importacircncia do livro do Baratildeo de Paranapiacaba para os estudos

de recepccedilatildeo dos Claacutessicos no Brasil Ter acesso posteriormente agrave declaraccedilatildeo do Baratildeo

sobre o valor que ele proacuteprio dava ao seu livro despertou-nos o sentimento de

reverecircncia o que de certa forma nos empenhou ainda mais em nosso trabalho Apesar

dos acertos e desacertos das versotildees poeacuteticas de Joatildeo Cardoso de Menezes elas

representam o legado de um homem que teve o privileacutegio de conviver com o Imperador

Dom Pedro II e que se valeu desse livro para que isso natildeo se perdesse no esquecimento

Sentimento semelhante moveu-nos a fazer o levantamento das versotildees

brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo A USP eacute um importante centro de

estudo e de traduccedilatildeo de obras claacutessicas Seria incoerente que aquele que estuda e

acompanha de perto a tarefa desafiadora e aacuterdua que eacute traduzir obras claacutessicas natildeo lhe

desse a devida atenccedilatildeo O que natildeo eacute relembrado como jaacute dito perece O esforccedilo

daqueles que doaram parte de seu tempo de vida para que o Prometeu Acorrentado

permanecesse vivo em seu tempo natildeo poderia ser desprezado numa pesquisa como a

nossa Muitos dos tradutores citados em nosso trabalho estatildeo mortos mas o fruto de

sua reflexatildeo e trabalho tradutoacuterio ainda existe Tais obras ao serem consideradas e

relembradas tecircm o potencial de influenciar futuras traduccedilotildees Por meio de suas versotildees

os tradutores de certa forma ainda vivem e agem

105 I-POB- Maccedilo 204 ndash Doc 9329 - Carta de Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza Baratildeo de Paranapiacaba

a D Isabel condessa dEu Assinada e datada Rio [de Janeiro] 09091905 Museu

ImperialIbramMinisteacuterio da Cidadania reproduzida integralmente e anexada agrave dissertaccedilatildeo

277

No iniciacuteo da presente dissertaccedilatildeo foram levantadas algumas questotildees que em

nosso entedimento podem ser respondidas de forma mais segura depois da pesquisa

empreendida

O livro Prometheu Acorrentado original de Eschylo Vertido litteralmente

para o portuguez por Dom Pedro II Imperador do Brasil transladaccedilatildeo poeacutetica do

texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Imprensa Nacional 1907 poderia ser

considerado um dos poucos livros de traduccedilatildeo do Imperador Dom Pedro II

publicados ateacute entatildeo

O livro natildeo conteacutem a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II do Prometeu

Acorrentado e sim as versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba embora o Baratildeo cite

a traduccedilatildeo empreendida pelo Imperador do poema Cinque maggio (ldquoCinco de maiordquo)

de Alessandro Manzoni (pp244-6) enquanto narrava fatos de sua convivecircncia com

Dom Pedro II Paranapiacaba tambeacutem cita alguns poemas de autoria do Imperador (ldquoAgrave

Imperatrizrdquo p246-7 ldquoAspiraccedilatildeordquo p247 ldquoGrande Povordquo p247-8 ldquoNo Brasil brilhou

sempre o mecircs de maiordquo p218) O livro embora faccedila uma grande homenagem a Dom

Pedro II focaliza mais as versotildees poeacuteticas do Baratildeo em vez da praacutetica tradutoacuteria do

Imperador e sua traduccedilatildeo da antiga trageacutedia grega Eacute sobretudo um livro de traduccedilotildees e

escritos do Baratildeo de Paranapiacaba106

Ateacute que ponto as versotildees de Paranapiacaba estatildeo ligadas semanticamente agrave

traduccedilatildeo do Imperador Seraacute que os meacuteritos ou os pontos fracos das versotildees

poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba podem ser atribuiacutedos tambeacutem agrave traduccedilatildeo em

prosa de Dom Pedro II

Notou-se por meio da anaacutelise empreendida que Paranapiacaba seguiu o seu

proacuteprio caminho empreendendo mais um trabalho paralelo do que propriamente uma

adaptaccedilatildeo Apesar de o Imperador e Paranapiacaba utilizarem os nomes latinos para as

divindades gregas a palavra ldquoJoverdquo usada frequentemente nas versotildees poeacuteticas de

Paranapiacaba para se referir a Zeus eacute utilizada apenas uma vez no Manuscrito Imperial

(oitava paacutegina do manuscrito)107

A escolha dos vocaacutebulos empregados eacute bastante

106

Para mais detalhes ver paacutegina 158 nota 107

ldquo() pois novos timoneiros regem o Olympo e com leis novas impera Jove illegitimamente destroe

agora o que era antes veneravelrdquo

278

diversa entre eles Aleacutem disso a leitura da trageacutedia tambeacutem difere quanto ao papel de

Oceano no mito de Prometeu Satildeo obras distintas e demandam anaacutelises diferenciadas

Seria equivocado considerar as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba como a ldquotraduccedilatildeo de

Dom Pedro II em versosrdquo

Entendemos que a maior influecircncia que a traduccedilatildeo em prosa de Pedro II exerceu

sobre as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba foi o estiacutemulo Se Dom Pedro II natildeo tivesse

encarregado o Baratildeo para fazer as versotildees poeacuteticas em liacutengua portuguesa talvez

Paranapiacaba nunca tivesse se interessado pelo Prometeu Acorrentado Mesmo assim

eacute estranho o fato de que o Baratildeo natildeo tenha citado uma uacutenica passagem da traduccedilatildeo em

prosa do Imperador em seu livro Mesmo quando cita uma versatildeo literal em nota natildeo eacute

a de Dom Pedro II que Joatildeo Cardoso de Menezes apresenta Como entender por um

lado tamanha admiraccedilatildeo de Paranapiacaba ao Imperador e por outro tanta relutacircncia

em citar passagens da traduccedilatildeo em prosa de quem tanto admirou

Temos uma hipoacutetese

Alguns dos poemas e traduccedilotildees de Dom Pedro II foram publicados em 1889 no

livro Poesias (Originais e traduccedilotildees) como homenagem de seus netos Essa mesma

obra foi reeditada em 1932 pelo republicano Medeiros e Albuquerque autor do Hino da

Repuacuteblica Segundo Daros (2019 pp207-10) tal publicaccedilatildeo aleacutem de possuir erros natildeo

presentes na ediccedilatildeo original traz um prefaacutecio no qual Medeiros e Albuquerque

vilipendia Dom Pedro II nos seguintes termos

Ele sempre foi (podem vecirc-lo) integralmente peacutessimo deficiecircncia de ideias

imperfeiccedilatildeo teacutecnica [] O que se sabe eacute que ele natildeo tinha nenhuma daquelas

qualidades E foi exatamente por isso que se viu muito justamente deposto

Os aduladores excessivos de sua memoacuteria esquecem-se de que para exaltaacute-

lo precisam deprimir o Brasil (1932 pp7 20 apud DAROS 2019 p296)

Diante de tais palavras Romeu Porto Daros (2019 p298) afirma

No entanto o que o prefaacutecio desse escritor e poliacutetico natildeo consegue ocultar eacute

que por traacutes da cruzada para reduzir a qualidade poeacutetica e intelectual do

homem Pedro de Alcacircntara se dissimulava a verdadeira razatildeo de sua criacutetica

apagar da memoacuteria da naccedilatildeo o governante Dom Pedro II e o seu regime

Se em 1932 a competecircncia literaacuteria e intelectual de Dom Pedro II eram atacadas

de tal forma pelo republicano Medeiros e Albuquerque o que dizer entatildeo do cenaacuterio

poliacutetico da republica ainda recente no ano de 1907 ano em que o livro do Baratildeo de

Paranapiacaba foi publicado Desconfiamos que a traduccedilatildeo de ldquoCinco de maiordquo e os

279

poemas do Imperador citados pelo Baratildeo jaacute eram de conhecimento puacuteblico antes de

publicar o seu livro e por isso natildeo temeu citaacute-los Seraacute que o Baratildeo mesmo querendo

homenagear Dom Pedro II receava publicar a ineacutedita traduccedilatildeo em prosa ou ateacute mesmo

citar trechos dela temendo dar um pretexto aos caluniadores do Imperador Eacute de se

desconfiar que sim Sobretudo se atentarmos para as declaraccedilotildees supracitadas de

Medeiros e Albuquerque e a seguinte declaraccedilatildeo do Baratildeo de Paranapiacaba sobre

Dom Pedro II em carta a Lafayette Rodrigues Pereira escrita em 10 de outubro de

1899 e reproduzida em seu livro ldquoAssignalarei ahi factos que serviratildeo para accentuar

as feiccedilotildees daquella physionomia moral injustamente desfiguradas por algunsrdquo (1907

pXI)

Na carta escrita agrave Princesa Isabel Joatildeo Cardoso de Menezes afirma que ldquoo livro

daraacute um bello volume de 500 paacuteginasrdquo Tambeacutem diz agrave Princesa que ldquoComo esse

trabalho eacute uma homenagem aacute memoria do nosso Monarcha e Pai expansiva como ainda

ningueacutem a fez entendi que natildeo devia editar sem licenccedila de Vossa Magestaderdquo No

entanto o livro em vez das 500 paacuteginas mencionadas na carta foi publicado com 333

paacuteginas Seraacute que a publicaccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa do Imperador fazia parte do

projeto original de Paranapiacaba Seraacute que a Princesa Isabel teria respondido ao Baratildeo

orientando-o a natildeo publicar a traduccedilatildeo ineacutedita de seu pai receando que inimigos

poliacuteticos vilipendiassem a memoacuteria do Imperador por meio de anaacutelises literaacuterias

tendenciosas Eacute claro que a reduccedilatildeo de paacuteginas poderia ter ocorrido por outros motivos

como a economia de custos para a publicaccedilatildeo por exemplo Mesmo assim

desconfiamos que a estranha relutacircncia de Paranapiacaba em publicar a traduccedilatildeo em

prosa ou trechos dela pode estar ligada a uma tentativa de se evitar ataques contra a

imagem do falecido monarca

Discordando da opiniatildeo de Medeiros e Albuquerque a anaacutelise feita da traduccedilatildeo

em prosa de Dom Pedro II (capiacutetulo 2) evidenciou elementos que apontam para a

competecircncia do Imperador tanto do ponto de vista filoloacutegico quanto esteacutetico Ao longo

de nossa pesquisa percebemos que Dom Pedro II procurava uma proximidade com o

original tanto na forma quanto no sentido em suas traduccedilotildees Quando isso natildeo era

possiacutevel o Imperador dava preferecircncia ao sentido das palavras via traduccedilatildeo literal

como Ramiz Galvatildeo afirmou em prefaacutecio agrave versatildeo que fizera do Prometeu Acorrentado

Embora Pedro de Alcacircntara possuiacutesse notaacutevel competecircncia poeacutetica parece que seus

interesses filoloacutegicos e hermenecircuticos prevaleciam em sua praacutetica tradutoacuteria

280

Expressotildees como ldquoeu natildeo quis melhorar Dante na minha traduccedilatildeordquo ou ldquoeu teria mais

respeito a Danterdquo ou ainda ldquoseria melhor traduzir com a simplicidade do originalrdquo

escritas por Dom Pedro II (apud DAROS 2019 pp234-5) parecem indicar que o perfil

de tradutor do Imperador natildeo era por assim dizer o de um ldquotranspoetizador luciferinordquo

valendo-se de expressotildees comuns a Haroldo de Campos (2013 pp 17 153-4)108

Por fim reafirmamos que a ldquohistoacuteria da traduccedilatildeo de Literatura Grega no Brasil

ainda estaacute para ser escritardquo (DUARTE 2016) e natildeo temos a prentensatildeo de escrevecirc-la

sozinhos pois ldquoum miacutenimo de honestidade nos afasta de empresas que natildeo podemos

realizarrdquo (RAMOS 2008 p63) Mesmo assim entendemos que realizando a

transcriccedilatildeo completa da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e das versotildees poeacuteticas de

Paranapiacaba estamos dando mais um pequeno passo rumo ao atendimento dessa

grande demanda nos estudos da recepccedilatildeo e traduccedilatildeo dos claacutessicos no Brasil Mesmo que

seja uma marcha longa e aacuterdua como o caminho para Santiago de Compostela ter a

possibilidade de dar alguma contribuiccedilatildeo nesse sentido foi algo intelectualmente

enriquecedor Foi de fato um Buen camino

108

Para mais detalhes sobre o que entendemos acerca da poeacutetica tradutoacuteria de Haroldo de Campos veja-

se o texto ldquoHaroldo de Campos um luciferino tradutor brasileirordquo (p289) anexado agrave dissertaccedilatildeo

281

ANEXOS

282

Carta do Baratildeo de Paranapiacaba agrave Princesa Isabel

[fl1]109

Senhora

Rio 9 de Setembro de 1905

Releve-me Vossa Magestade a ousadia de dirigir-lhe estas linhas por matildeo de

minha mulher pois me eacute difficilimo escrever

Em 8brordm de 1889 ao despedir-me de S Magestade o Imperador DPedro 2ordm na

Tijuca deu-me SMagestade por letra sua uma versatildeo em prosa da tragedia de Eschylo

ldquoPrometheu encadeadordquo encarregando-me de a trasladar para verso portuguez Tractei

logo de adquirir as versotildees e os com- [fl2] mentarios que d‟aquella obra prima

existem em varias linguas e incetei110

e levei a cabo com o maior esmero a traducccedilatildeo

d‟ella

Ha cerca de 8 annos publicou o Jornal do Commercio a versatildeo da scena em que

figura Prometheu nos confins da Scythia pordf onde eacute conduzido pela Forccedila e pela

Violencia acompanhadas de Vulcano que o acorrenta ao rochedo Precedia a essa

publicaccedilatildeo uma carta minha ao Conselheiro Lafayette rogando-lhe prefaciasse o livro

que teria prologos meus narrando um d‟elles as minhas relaccedilotildees com Sua Magestade

desde que em Fevevereiro[fl3] de 1846 o saudei com uma poesia em SPaulo ateacute que

D‟elle me separei no Palacio de Itamaraty em 8brordm de 1889 contendo os outros

prologos a vida de Eschylo critica de suas obras e a comparaccedilatildeo do teatro antigo com o

moderno Figurava tambem na referida publicaccedilatildeo a resposta do Lafayette aceitando a

incumbencia de escrever o prologo

A pedido do mesmo Lafayette fiz outra versatildeo da tragedia em verso livre

(menos os coacuteros que satildeo sempre rimados)

D‟essas duas versotildees tem apparecido longos trechos na imprensa e notadamente

nos almanaques do Garnier [fl4] Falta-me para elemento de consulta a traducccedilatildeo de

109

I-POB- Maccedilo 204 ndash Doc 9329 - Carta de Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza baratildeo de Paranapiacaba a

D Isabel condessa dEu Assinada e datada Rio [de Janeiro] 09091905 Museu

ImperialIbramMinisteacuterio da Cidadania 110 Era de se esperar ldquoenceteirdquo

283

Thomaz Stanley ediccedilatildeo de Londres (do seculo 17) com o texto grego de um lado e do

outro o latino

Depois de alguns annos de inutil pesquiza por todas as livrarias da Europa foi

descoberta essa obra (a melhor que ha sobre Eschylo) na bibliotheca de Napoles pelo

Dor Alambary Luz que ahi fez extrahir copias da versatildeo latina de Prometheu e suas

respectivas notas e m‟as remetteu Tenho jaacute modificado para melhor a traducccedilatildeo pelo

texto de Stanley achando-se promptas os originaes para serem [fl5] levados ao preacutelo

O livro daraacute um bello volume de 500 paginas mais ou menos E esta no meu

conceito e nos de meus amigos a minha melhor producccedilatildeo Como jaacute estou muito

velho conveacutem natildeo demorar a publicaccedilatildeo que pretendo saia bem escoimada de erros

A biographia de S M o Imperador seraacute a mais completa possivel regulando-se

pelo estylo do panegyrico que a respeito d‟esse grande e saudoso vulto pronunciei

entre estrondosas palmas no Instituto Historico e de que tomo a liberdade de offerecer a

Vossa Magestade [fl6] alguns exemplares

Como esse trabalho eacute uma homenagem aacute memoria do nosso Monarcha e Pai111

expansiva como ainda ninguem a fez entendi que natildeo o devia editar sem licenccedila de

Vossa Magestade

Em todo o caso vai ser jaacute publicado o livro salvo ordem em contrario de Vossa

Magestade cujas altas virtudes que satildeo as mesmas do seu inovidavel Pai satildeo objecto

de meu culto

Imploro a Vossa Magestade venia para dedicar-lhe essa versatildeo rogando a Vossa

Magestade se digne dar-me parte de sua resoluccedilatildeo agrave que me [fl7] curvarei com respeito

e acatamento que devo e sempre tributei aacutes deliberaccedilotildees da Immortal Senhora symbolo

immaculado da Monarchia aacute que me tenho conservado fiel e aacute cuja memoria morrerei

abraccedilado

Subscrevo me submisso

De Vossa Magestade

o mais humilde suacutebdito

Baratildeo d Paranapiacaba112

111 Era de se esperar a grafia ldquopaerdquo em vez de ldquopairdquo 112 Nesse ponto a caligrafia muda pois eacute o proacuteprio Paranapiacaba que assina

284

Prefaacutecio escrito por Lafayette Rodrigues Pereira a pedido do Baratildeo de

Paranapiacaba113

[fl13]

O Prometheu de Eschylo eacute um dos productos mais admiraveis do genio antigo

Tomou o poeta para assumpto de sua tragedia a lenda mythologica

A lenda era uma creaccedilatildeo da phantasia popular dos Gregos das primitivas eacuteras

preciosa pela grandeza do pensamento e pela profundidade da significaccedilatildeo altamente

humana

Eschilo114

submetteo-a aos processos do seo genio vasou-a em moldes severos

simplificou-a condensou-a em uma summa poderosa e deo-lhe a unidade rigorosa e

inflexivel de acccedilatildeo de tempo e lugar - unidade que mais tarde Aristoteles elevou aacute

cathegoria de uma das regras fundamentaes do Drama

A coragem indomavel e a obstinaccedilatildeo feroz do Titan a altivez diante do soberano

do Olympo o desdeacutem e a impassibilidade com que supporta as torturas que lhe satildeo

infligidas a consciencia da obra que consummou e que motivou a perseguiccedilatildeo de que

eacute victima a elevaccedilatildeo e a altura dos pensamentos que o poeta lhe attribue a eloquencia

da colera e indignaccedilatildeo que irrompem de suas palavras a realidade de vida de todas as

figuras o desenlace da acccedilatildeo rapido como o raio que a determina satildeo sublimidades

primores e excellencias que teem arrancado gritos de admiraccedilatildeo aos criticos de todas as

idades

[fl14]

Todas as outras figuras da tragedia as quaes na realidade natildeo teem outro

destino sinatildeo o de fazer sobresahir a personalidade grandiosa do Titan falam a lingoa

que lhes conveacutem no desenvolvimento da acccedilatildeo

O cocircro das Oceanidas e Io teem accentos e modulaccedilotildees que pela candura pela

ingenuidade e pelo tom doce e suave lembram como observa um critico as

encantadoras estrophes de Sapho Ao ler essas bellas passagens poacutede-se dizer de

113

PARANAPIACABA 1907 ppXIII-XVI Mantemos a ortografia original 114

Foi transcrito tal qual estaacute no livro O correto para a eacutepoca seria ldquoEschylordquo e natildeo ldquoEschilordquo como foi

publicado nesse trecho do prefaacutecio Mais adiante encontra-se no livro a mesma palavra com a grafia

correta

285

Eschylo o que um critico antigo disse de Thucydides a proposito da descriccedilatildeo das

bellezas da Attica - ldquoAqui o leatildeo sorriordquo

A critica do Prometheu estaacute feita Homens da maior competencia de um bom

gosto apurado e de erudiccedilatildeo vastissima estudaram-no sob todos os aspectos Nada resta

a accrescentar E pois soacute direi da traducccedilatildeo

Traduzir para uma lingoa viva um monumento antiquissimo talhado numa

lingoa morta como o Prometheu de Eschylo eacute tarefa ardua e porventura difficillima

Eacute preciso antes de tudo entender o texto apoderar-se com vigor e clareza do

pensamento directo e intencional do poeta - pensamento envolto nas dobras e

circumvoluccedilotildees de uma lingoa cheia de obscuridades

Nesta parte importantissima do trabalho acha o traductor auxiliares de primeira

ordem Uma legiatildeo de humanistas de todos os seculos cavaram o texto e por meio de

analyses profundas e aacute forccedila de sagacidade e de erudiccedilatildeo conseguiram arrancar da lettra

morta os segredos que ella encerra

Na interpretaccedilatildeo poreacutem do texto ha discordancia de opiniotildees entre os mais

competentes Tem o traductor sem duvida o direito de preferir a que lhe parecer mais

razoavel e de suggerir segundo suas forccedilas a intelligencia que se lhe afigura a

verdadeira ou mais proxima da verdade Natildeo eacute soacute isso Cada eacutepoca tem sua

atmospheacutera115

intellectual - um composito de pensamentos de ideias de juizos de

crenccedilas de phantasias de supersticcedilotildees de modos de ver que dominam o espirito

humano no momento e que penetram e se infiltram inconscientemente nos productos do

tempo

Esta infiltraccedilatildeo se faz pelas nuanccedilas do vocabulario e pela construcccedilatildeo e geito

da phrase

[fl15]

O traductor tanto quanto eacute possiacutevel deve esforccedilar-se para que a sua versatildeo

espelhe aquella atmosphera116

Mas eacute isso de suprema sinatildeo de invencivel difficuldade A atmosphera

intellectual extinguiu-se com o seo tempo e o traductor vive num outro seculo debaixo

de outras ideacuteias117

e de outra civilisaccedilatildeo

115

Mais adiante a mesma palavra foi publicada sem o acento 116

Na paacutegina anterior a mesma palavra foi publicada com acento 117

Em trecho anterior do mesmo prefaacutecio a mesma palavra foi publicada sem o acento

286

Isso explica a razatildeo por que nenhuma traducccedilatildeo de texto antigo eacute reputada

definitiva Cada seculo tem seo modo de traduzir Cada geraccedilatildeo de traductores esforccedila-

se por descobrir pensamentos e intenccedilotildees que a seu ver escaparam aos seos

predecessores Um critico observa que Tacito soacute foi bem entendido depois das scenas da

Revoluccedilatildeo Franceza E por que Porque essas scenas tinham a certos respeitos grandes

analogias com as scenas descriptas pelo grande historiador

Um monumento litterario antigo poacutede ser comparado aos productos da natureza

cada geraccedilatildeo de chimicos os estuda e cada geraccedilatildeo descobre novas propriedades E as

difficuldades recrescem quando a traducccedilatildeo eacute de verso para verso ainda mesmo

quando o verso eacute em lingoa viva

No verso ha dous elementos que se reunem e se fundem para formal-o - a

expressatildeo e o pensamento

O pensamento poacutede ser com maior ou menor fidelidade passado de uma lingoa

para outra

Mas a expressatildeo a construcccedilatildeo metrica das palavras o rythmo Natildeo cada

lingoa tem vocabulos de uma significaccedilatildeo especialissima aacute que natildeo correspondem com

perfeita justeza tem vocabulos de outra ndash peculiaridades elegancias modos de dizer

idiotismos singularidades de construcccedilatildeo litteralmente intraduziveis

Podem-se achar palavras e phrases mais ou menos equivalentes eacute o que fazem

os bons traductores Mas na realidade o verso que traduz natildeo eacute o verso traduzido -

traduz-se o pensamento mas por via de regra natildeo se traduz o verso

Tomem-se as melhores traducccedilotildees de Virgilio nas lingoas vivas A interpretaccedilatildeo

do pensamento eacute em geral fiel mas nenhuma dellas reproduz o hexametro latino na

sua construcccedilatildeo na sua combinaccedilatildeo de palavras no seo rythmo no seo systhema de

harmonia

Por exemplo este verso

Sunt lacrimae rerum et mentem mortalia tangunt

[fl16]

Leio-o traduzido em versos portuguezes francezes hespanhoacutees italianos e

inglezes interpretam o pensamento mais ou menos segundo o sentido que lhe deram

os humanistas mas o verso da traducccedilatildeo de ordinario nem remotamente daacute ideia da

estructura e do rythmo do verso latino

287

As ponderaccedilotildees que acabo de aventurar teem por fim fazer sentir as

difficuldades qu118

o Baratildeo de Paranapiacaba tinha a vencer no seo ingente esforccedilo para

traduzir em verso portuguez o assombroso poema de Eschylo

Em homenagem aacute verdade eacute preciso dizel-o - elle as superou bem e com

galhardia

Certamente natildeo se poderia exigir do preclaro traductor que vasasse

litteralmente no metro portuguez o metro grego Satildeo radicalmente differentes as lingoas

e cada uma tem o seo systema de metrificaccedilatildeo

Espelha a traducccedilatildeo a atmosphera intellectual em que viveo o antigo poeta Eacute

difficil para um leitor moderno julgal-o Mas eacute fora de duvida que atravez do poema

traduzido corre como que um socircpro de hellenismo que lhe daacute um ar uma certa feiccedilatildeo

do pensamento antigo

O pensamento directo e intencional do poeta eacute reproduzido com fidelidade A

versificaccedilatildeo eacute admiravel

O Titan fala sempre a lingoa que lhe conveacutem em versos decasyllabos e

alexandrinos sonoros cheios fluentes de um grande vigor e que pelo brilho forccedila e

energia de expressatildeo luctam nobremente com o original

Para os coacuteros o traductor cedendo aacute natureza do assumpto preferio como era

de razatildeo os versos de arte menor - primam pela elegancia delicadeza e harmonia

As demais figuras exprimem-se em metros variados mas sempre bem e

consoante com os seos caracteres e as exigecircncias do momento Que mais poderia

requerer do illustre traductor uma critica justa e razoavel

O Prometheu de Eschylo traduzido pelo Baratildeo de Paranapiacaba viveraacute nas

nossas lettras como um monumento de boa e grande poesia e como um modelo de

vernaculidade sem os requintes de um purismo de maacuteo gosto

118

Transcrito tal qual estaacute no livro

288

Haroldo de Campos um luciferino tradutor brasileiro

Mesmo levando-se em conta o fato de que Haroldo de Campos nunca publicara

uma traduccedilatildeo sua do Prometeu Acorrentado eacute quase impossiacutevel escrever sobre traduccedilatildeo

poeacutetica sem mencionar seu nome pois ldquoentre os poetas que o Brasil jaacute teve e tem

Haroldo de Campos eacute o maior pensador da traduccedilatildeo poeacutetica tendo publicado um

nuacutemero significativo de textos que se somam num conjunto denso e coerente acerca do

assuntordquo (TAacutePIA 2013 pXI)

O presente texto natildeo foi incorporado dentro da discussatildeo encontrada no primeiro

capiacutetulo da dissertaccedilatildeo para evitar-se os seguintes problemas embora Haroldo seja o

autor do texto O Prometeu dos barotildees e sem sombra de duacutevidas um dos catalizadores

da pesquisa que realizamos tratar de sua praacutetica tradutoacuteria num capiacutetulo destinado aos

tradutores do Prometeu poderia se configurar como uma longa digressatildeo se nos

aprofundaacutessemos em seu complexo pensamento Por outro lado caso o fizeacutessemos de

passagem correriacuteamos o risco de involuntariamente sermos reducionistas

Em nossa opiniatildeo o quadro A Escola de Atenas de Rafael Sanzio parece

ilustrar bem a evoluccedilatildeo do pensamento de Campos sobre traduccedilatildeo e a influecircncia que

dois grandes pensadores sobre a linguagem tiveram sobre a sua praacutetica tradutoacuteria

Platatildeo que no quadro estaacute apontando para o ceacuteu representaria Walter Benjamin e suas

consideraccedilotildees feitas sobretudo no ensaio ldquoA tarefa do tradutorrdquo E Aristoacuteteles que no

quadro aponta para a terra representaria o linguista Roman Jakobson Haroldo afirma

que ao longo de sua carreira apreendeu uma ldquofiacutesicardquo a partir da ldquometafiacutesicardquo apresentada

por Walter Benjamin em seus escritos sobre linguagem

Sob a roupagem rabiacutenica midrashista da ironia metafiacutesica do traduzir

benjaminiana um poeta-tradutor longamente experimentado em seu ofiacutecio

pode sem dificuldade depreender uma fiacutesica (uma praacutexis) tradutoacuteria

efetivamente materializaacutevel Essa fiacutesica ndash como venho sustentando haacute muito

ndash eacute possiacutevel reconhececirc-la in nuce nos concisos teoremas de Roman Jakobson

sobre a ldquoautorreferencialidade da funcccedilatildeo poeacuteticardquo e sobre a traduccedilatildeo de

poesia como creative transposition (transposiccedilatildeo criativa) (CAMPOS 2013

pp167-9 grifo do autor)

Segundo Marcelo Taacutepia (2012 p133) o ceacutelebre ensaio de Walter Benjamin ldquoA

tarefa do tradutorrdquo de difiacutecil consenso interpretativo suscitou inuacutemeras interpretaccedilotildees e

anaacutelises Taacutepia ainda afirma que nas anotaccedilotildees de Campos sobre ldquoA tarefa do tradutorrdquo

289

de Benjamin o poeta e tradutor brasileiro explora ldquoa ideia central em Benjamin da

existecircncia de uma bdquoiacutentima relaccedilatildeo das liacutenguas umas com as outras‟ (bdquoreciprocamente

parentes‟) uma bdquorelaccedilatildeo oculta‟ que a traduccedilatildeo natildeo alcanccedila bdquoproduzir‟ podendo

contudo representaacute-lardquo (TAacutePIA 2012 p134) Campos afirma no ensaio ldquoA clausura

Metafiacutesica da Teoria da Traduccedilatildeo de Walter Benjamin Explicada Atraveacutes da Antiacutegone

de Houmllderinrdquo

Na traduccedilatildeo de um poema o essencial natildeo eacute a reconstituiccedilatildeo de mensagem

mas a reconstituiccedilatildeo do sistema de signos em que estaacute incorporada essa

mensagem da informaccedilatildeo esteacutetica natildeo da informaccedilatildeo meramente semacircntica

Por isso sustenta Walter Benjamin que a maacute traduccedilatildeo (de uma obra de arte

verbal entenda-se) caracteriza-se por ser a simples transmissatildeo da mensagem

do original ou seja ldquoa transmissatildeo inexata de um conteuacutedo inessencialrdquo

(CAMPOS 2013 p181)

Haroldo de Campos em sua leitura de Benjamin parece entender que a maacute

traduccedilatildeo eacute aquela que se preocupa apenas com a ldquosimples transmissatildeo da mensagem do

originalrdquo sem ter uma preocupaccedilatildeo esteacutetica como obra de arte Desta forma parece-nos

que na concepccedilatildeo haroldiana e tambeacutem na de Walter Benjamin o aspecto formal

esteacutetico sonoro de uma traduccedilatildeo tem um peso maior do que seu aspecto informativo

ldquomeramente semacircnticordquo Como se justificaria tal posicionamento Haroldo afirma em

ldquoA bdquoLiacutengua Pura‟ na Teoria da Traduccedilatildeo de Walter Benjaminrdquo

No contexto do ensaio benjaminiano a ldquoliacutengua supremardquo na qual se deixaria

estampar a ldquoverdaderdquo corresponde agrave ldquoliacutengua purardquo (die reine Sprache)

ldquoliacutengua da verdaderdquo (Sprache der Wahrheit) ou ainda ldquoliacutengua verdadeirardquo

(wahre Sprache) aquela que ao tradutor de uma obra de arte verbal ou

Umdichter (ldquotranscriadorrdquo) incumbe resgatar de seu cativeiro no idioma

original [] anunciando-a e deixando-a assim entrever ldquoa afinidade das

liacutenguasrdquo (die Verwandtschaft der Sprachen) ou seja ldquoo grande motivo da

intergraccedilatildeo das muitas liacutenguas na uacutenica liacutengua verdadeirardquo (ibidem p158)

Segundo Benjamin no texto Uumlber Sprache uumlberhaupt und uumlber die Sprache

(ldquoSobre a Liacutengua em Geral e Sobre a Liacutengua dos Homensrdquo) citado por Haroldo no

ensaio supramencionado a ldquonomeaccedilatildeo adacircmica eacute dada como fonte da liacutengua pura bdquoDer

Mensch ist der Nennende daran erkennen wir dass aus ihm die reine Sprache spricht‟

(bdquoO homem eacute aquele que nomeia donde se potildee de manifesto que atraveacutes dele a liacutengua

pura fala‟)rdquo (CAMPOS 2013 pp158-9) A humanidade perde o acesso a ldquoliacutengua purardquo

quando Adatildeo decai do status paradisiacuteaco que conhecia uma uacutenica liacutengua apenas ldquoEacute

uma consequecircncia ndash prossegue Benjamin citando a Biacuteblia ndash da expulsatildeo do Paraiacutesordquo

(ibidem p159) Mas no que diferiria a ldquoliacutengua purardquo das atuais liacutenguas imperfeitas

290

Segundo Campos Benjamin teria recebido influecircncia do filoacutesofo-teoacutelogo

existencial Franz Rosenzweig (1886-1929) Para Rosenzweig a ldquoliacutengua purardquo

paradoxalmente corresponde a uma forma de silecircncio mas um ldquosilecircncio (Scheigen) que

natildeo eacute como o mutismo (die Stummheit) do preacute-mundo (Vorwelt) o qual ainda natildeo tem

palavra Eacute silecircncio da compreensatildeo completa e consumada (de vollendententen

Verstehens) Para o filoacutesofo ldquoa pluralidade das liacutenguas eacute o indiacutecio mais claro de que o

mundo natildeo estaacute redimido Entre homens que falam uma liacutengua comum basta um olhar

para que se compreendamrdquo (CAMPOS 2013 p164) Seraacute que para Walter Benjamin

uma boa traduccedilatildeo se preocupa mais com a forma com a esteticidade do que a

ldquoinformaccedilatildeo meramente semacircnticardquo pois a forma poeticamente trabalhada teria um

efeito impactante e quase instantacircneo que apontaria para a compreensatildeo ldquocompleta e

consumadardquo para uma quase ldquotelepatia paradisiacuteacardquo por meio da qual os seres humanos

se comunicariam num tempo messiacircnico Eacute de se desconfiar que sim

Segundo Haroldo de Campos Benjamin pensava que ldquosoacute a graccedila divina atraveacutes

de uma apokataacutesis redentora de uma bdquoreconciliaccedilatildeo messiacircnica‟ que revogue a

sentenccedila expulsoacuteria de sinete divino poderia restituir agrave humanidade decaiacuteda por forccedila

da culpa original (Suumlndenfall) a sua bem-aventurada bdquocondiccedilatildeo edecircnica‟ e com ela a

liacutengua pura da verdaderdquo (ibidem p162) O episoacutedio biacuteblico da ldquoTorre de Babelrdquo

simbolizaria a tentativa humana de restituir a unidade da liacutengua edecircnica ldquopor iniciativa

desafiadora do homem sem o beneplaacutecito da graccedila divinardquo (ibidem p159) Poreacutem ateacute

que chegue a ldquoreconciliaccedilatildeo messiacircnicardquo apenas eacute permitido um vislumbre tecircnue da

ldquoliacutengua purardquo por meio da poesia (segundo Mallarmeacute apud CAMPOS 2013 pp157-8)

e da traduccedilatildeo poeacutetica (Benjamin) ldquoanunciando-a e deixando-a assim entrever a

afinidade das liacutenguasrdquo (die Verwandtschaft der Sprachen) ou seja o grande motivo da

integraccedilatildeo das muitas liacutenguas na uacutenica liacutengua verdadeira (ibidem p158) Nesse

sentido Benjamin ldquoconfere agrave traduccedilatildeo um encargo ou missatildeo angeacutelica (bdquoev-angeacutelica‟

de transmissatildeo da bdquoboa nova‟ eu-aacutengelos)[] Ela natildeo pode enquanto traduccedilatildeo num

sentido proacuteprio encarnar ainda que fragmentariamente bdquoo verbo‟ mas ela pode

anunciar a sua presenccedila oculta na liacutengua do original como que transparentaacute-lo

provisoriamente (vale dizer historicamente)rdquo (CAMPOS 2013 p193) Mas haacute um

preccedilo a ser pago pois ldquoos portais de uma liacutengua tatildeo expandida e subjugada (so erweitert

und durchwaltend) por forccedila de elaboraccedilatildeo se abatam e clausurem o tradutor no

silecircnciordquo (ibidem pp194-5) como teria acontecido por exemplo com Houmllderlin entre

seus contemporacircneos

291

[] o filoacutesofo Schelling escrevia a Hegel a respeito dessas traduccedilotildees e de seu

autor [Houmllderlin] amigo de ambos ldquoA versatildeo de Soacutefocles demonstra

cabalmente que se trata de um caso perdidordquo

ldquoUm dos mais burlescos bdquoprodutos‟ do pedantismordquo ldquoSe Soacutefocles tivesse

falado a seus atenienses de maneira tatildeo desgraciosa emperrada e tatildeo pouco

grega como eacute pouco alematilde esta traduccedilatildeo seus ouvintes teriam abandonado

agraves carreiras o teatrordquo ldquoSob todos os pontos de vista a traduccedilatildeo do

srHoumllderlin dos dois dramas de Soacutefocles deve ser incluiacuteda entre as pioresrdquo

ldquoToca ao leitor adivinhar se o srHoumllderlin sofreu uma metamorfose ou se ele

quis satirizar veladamente a deterioraccedilatildeo do gosto puacuteblicordquo(ibidem p175)

O caso de Houmllderlin sob a oacutetica benjaminiana lembra o mito da caverna de

Platatildeo e possui um lado traacutegico ao tradutor a incompreensatildeo por parte daqueles que

ainda estatildeo aprisionados na caverna Haroldo de Campos por sua vez procura uma via

menos dolorosa aos tradutores Campos parece superar a ideia do ldquotradutor maacutertirrdquo ao

extrair como jaacute mencionado uma ldquofiacutesicardquo de toda a ldquometafiacutesicardquo tradutoacuteria de Walter

Benjamin e tambeacutem refletindo e dialogando com a obra do linguista Roman Jakobson

Em sentido lato a poesia seria intraduziacutevel na concepccedilatildeo de Jakobson e por

isso mesmo restaria apenas o expediente da ldquotransposiccedilatildeo criativardquo numa traduccedilatildeo em

versos (CAMPOS 2013 p89) Jakobson indica desta forma uma espeacutecie de aporia que

paradoxalmente eacute estimulante e abre espaccedilo para a criatividade do tradutor Tanto a

impossibilidade das liacutenguas existentes de serem autossuficientes em abarcar o real (o

indicador apontado para o ceacuteu na ldquometafiacutesicardquo tradutoacuteria de Benjamin) quanto a

alteridade das liacutenguas em representar o mesmo objeto (palma da matildeo voltada para terra

na ldquofiacutesicardquo tradutoacuteria de Jakobson) satildeo vistas por Haroldo de Campos como desafios

estimulantes e catalisadores da criatividade (ibidem 2013 p85) pois ldquoSoacutelo lo difiacutecil es

estimulanterdquo como dizia o escritor Lezama Lima (apud CAMPOS 2013 p204) Frente

ao pressuposto da intraduzibilidade da poesia Haroldo de Campos encontrara a

ldquoasserccedilatildeo da possibilidade mesma dessa (paradoxal) operaccedilatildeo tradutora desde que

entendida como transposiccedilatildeo criativa ou seja nos meus termos como re-criaccedilatildeo

como trans-criaccedilatildeordquo (CAMPOS 2013 p90 grifo nosso)

Se por um lado a traduccedilatildeo eacute vista como uma missatildeo ldquoangeacutelicardquo na metafiacutesica

benjaminiana isto eacute como ldquoaquilo que eacute dado ao tradutor dar o dado o dom a

redoaccedilatildeo e o abandono do tradutor isso para explorar o Aufgeben benjaminiano em

todas as suas nuances semacircnticasrdquo (ibidem p141) Por outro pode-se converter ldquoa

funccedilatildeo angeacutelicardquo do tradutor de poesia numa empresa luciferina Apresentando-se

diante do original natildeo como mensageira do significado transcendental (da ldquoliacutengua

292

purardquo) mas luciferinamente como diferenccedila em devir a traduccedilatildeo usurpa-lhe o centro e

a origem (ibidem pp153-4) Desta forma o tradutor ldquopassa a ameaccedilar o original com a

ruiacutena da origem Esta como eu a chamo a uacuteltima hyacutebris do tradutor ndash bdquotranspoetizador‟

(Umdichter) transformar por um aacutetimo o original na traduccedilatildeordquo (CAMPOS 2013

p17)

E esse parece ter sido o caminho escolhido por Haroldo de Campos em sua

praacutetica tradutoacuteria natildeo o do ldquotradutor maacutertirrdquo mas sim o do ldquotranspoetizador luciferinordquo

A hyacutebris do tradutor ldquopreceito indispensaacutevel desse ponto de vista para a

traduccedilatildeo desvinculada da tradiccedilatildeo de subservinecircncia ao orignial jaacute encontra

expressatildeo na proacutepria apresentaccedilatildeo da Iliacuteada os volumes trazem como autor

Haroldo de Campos reservando-se ao tiacutetulo a forma Iliacuteada de Homero

Trata-se da assunccedilatildeo pelo tradutor do status de autor de criador de obra

autocircnoma embora paramoacuterficardquo (TAacutePIA 2012 p143)

Haroldo de Campos natildeo foi o primeiro poeta brasileiro a pensar sobre traduccedilatildeo

criativa Em 1952 a peccedila Antiacutegone de Soacutefocles foi montada no Brasil utilizando uma

traduccedilatildeo em verso de Guilherme de Almeida Ao comentar as dificuldades de verter um

texto com estrutura meacutetrica tatildeo complexa Guilherme ldquobuscou na teoria musical um

termo teacutecnico para definir seu trabalho transcriccedilatildeo (bdquoescrever para um instrumento

muacutesica escrita para outro‟)rdquo (VIEIRA 1997 p17) Na metaacutefora usada por Guilherme

de Almeida nota-se que os instrumentos diversos representam liacutenguas distintas mas

que respeitando-se suas proacuteprias especificidades podem tocar a mesma melodia Por

isso o termo transcriccedilatildeo utilizado por Almeida estaacute bem proacuteximo do que Haroldo

entende por ldquotranscriaccedilatildeordquo

Mas Transcriccedilatildeo natildeo eacute o uacutenico termo usado por Guilherme de Almeida para se

referir a sua praacutetica tradutoacuteria como nos revelam as notas escritas para cada um dos 21

poemas que traduziu das Flores do Mal de Baudelaire

[] uma repugnacircncia minha invenciacutevel pelas desmoralizadas e

desmoralizantes expressotildees ldquotraduccedilatildeordquo ou ldquoversatildeordquo que me soam vulgar e

sabem a coisa vulgar muito outra daquilo que intimamente representa para

mim o extenuante labor de oito anos que tanto me custou este minguado

ramilhete das ldquominhasrdquo Flores do Mal Resolvi pois correr do meu

vocabulaacuterio com tais palavras Nesta marginalia servi-me-ei de outra

terminologia ldquorecriaccedilatildeordquo[] ldquoreproduccedilatildeordquo ldquorecomposiccedilatildeordquo

ldquoreconstituiccedilatildeordquo ldquorestauraccedilatildeordquo ldquotransmutaccedilatildeordquo ldquocorrespondecircnciardquo etc e

principalmente ldquotransfusatildeordquo Eacute este dentre tantos o termo que mais acertado

me pareceu mais significativo das minhas intenccedilotildees O uso corrente jaacute natildeo o

separa da ideia de sangue Transfusatildeo do sangue a revificaccedilatildeo de um

organismo pela infiltraccedilatildeo de um sangue alheio mas de ldquotipordquo igual Uma

liacutengua uma poesia reabastecendo-se da seiva de outra anaacuteloga para mais e

melhor se afirmar (ALMEIDA 2010 pp97-8)

293

Ainda utilizando a analogia inspirada na teoria musical podemos dizer que

certos musicistas natildeo se contentam apenas em tocar ldquoum instrumento muacutesica escrita

para outrordquo mas tambeacutem gostam de criar novos arranjos embora a muacutesica original natildeo

deixe de ser reconhecida por causa das inovaccedilotildees Em nossa opiniatildeo esse eacute o grau

maacuteximo de transcriaccedilatildeo e justamente eacute isso que o Baratildeo de Paranapiacaba empreende

na versatildeo em que emprega as rimas Como visto na dissertaccedilatildeo ele publicou duas

traduccedilotildees de sua autoria distintas mas da mesma trageacutedia grega no mesmo livro isso

nunca mais se repetiu na histoacuteria das traduccedilotildees do Prometeu Acorrentado no Brasil Tal

decisatildeo de Joatildeo Cardoso de Menezes de certa forma dessacralizou o original mostrando

agraves claras que natildeo existe uma correspondecircncia una e definitiva entre a liacutengua de origem e

a liacutengua de chegada O Baratildeo de Paranapiacaba em sua primeira versatildeo verte os 1093

versos da trageacutedia original em 1410 versos (317 versos a mais que a obra de Eacutesquilo)

Como jaacute mencionado os versos satildeo rimados algo natildeo presente no original Tudo isso

parece indicar que a empreitada do Baratildeo de Paranapiacaba foi por demais ldquoluciferinardquo

o cuacutemulo da hyacutebris Mas nem por isso acreditamos que o gesto do Baratildeo estaria em

harmonia com a teoria de Haroldo de Campos Existe uma diferenccedila entre a hyacutebris de

Paranapiacaba e a hyacutebris de Haroldo que natildeo pode passar despercebida

Temos a impressatildeo de que mesmo entre as chamadas ldquotraduccedilotildees criativasrdquo ou

ldquotranscriaccedilotildeesrdquo natildeo se abandona por completo a ideia de fidelidade ao original Essa

ideia ainda estaacute presente poreacutem mais ligada ao efeito esteacutetico do que agrave reproduccedilatildeo do

sentido literal da obra de origem Apesar de Paranapiacaba ter conseguido criar alguns

efeitos que lembram o original como as mudanccedilas de metro no caso de Io

principalmente a traduccedilatildeo em que o Baratildeo emprega as rimas parece se distanciar

bastante do original grego sobretudo em relaccedilatildeo agrave forma A ideia de ldquoparamorfiardquo

presente no pensamento de Haroldo de Campos natildeo abonaria o tipo de distanciamento

empreendido por Joatildeo Cardoso de Menezes Talvez esteja aiacute uma das causas pelas

quais a versatildeo em que Paranapiacaba emprega as rimas foi classificada por Haroldo de

Campos como ldquoum malogro um equiacutevocordquo (CAMPOS 1997 p237)

294

BIBLIOGRAFIA

ABRANTES Camilo Baratildeo de Paranapiacaba vida e obra Santos A tribuna

de Santos Jornal e Editora 1978

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  • Prometeu Acorrentado e as poeacuteticas tradutoacuterias de Joatildeo Cardoso de Menezes e Dom Pedro II
    • AGRADECIMENTOS
    • RESUMO
    • LISTAS
      • LISTA DE QUADROS
      • LISTA DE FIGURAS
        • SUMAacuteRIO
        • PRIMEIRA PARTE O PROMETEU ACORRENTADO DE DOM PEDRO II E AS POSTERIORES TRADUCcedilOtildeES BRASILEIRAS DESSA TRAGEacuteDIA
          • INTRODUCcedilAtildeO
          • CAPIacuteTULO 1 ndash As versotildees Brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo
            • 11 Levantamento das traduccedilotildees brasileiras (consideraccedilotildees preliminares)
            • 12 Dom Pedro II
            • 13 Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba
            • 14 Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz
            • 15 JB de Mello e Souza
            • 16 Jaime Bruna
            • 17 Napoleatildeo Lopes Filho
            • 18 Maacuterio da Gama Kury
            • 19 Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves
            • 110 O Tradutor Anocircnimo
            • 111 Alberto Guzik
            • 112 Jaa Torrano
            • 113 Trajano Vieira
            • Conclusatildeo
              • CAPIacuteTULO 2 ndash Anaacutelise da traduccedilatildeo de Dom Pedro II e de suas versotildees poeacuteticas
                • 21 Primeira rodada de leitura
                • 22 Segunda rodada de leitura
                • 23Terceira rodada
                • 24 Quarta rodada
                • 25 Quinta e uacuteltima rodada
                • Conclusatildeo
                    • SEGUNDA PARTE TRANSCRICcedilOtildeES
                      • CAPIacuteTULO 3 - Transcriccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II
                      • CAPIacuteTULO 4 - Transcriccedilatildeo da primeira versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de Paranapiacaba
                      • CAPIacuteTULO 5 ndash Transcriccedilatildeo da segunda versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de Paranapiacaba
                        • CONCLUSAtildeO GERAL DA DISSERTACcedilAtildeO
                        • ANEXOS
                        • BIBLIOGRAFIA
Page 3: Prometeu Acorrentado · 2020. 7. 14. · RESUMO Prometeu Acorrentado e as poéticas tradutórias de João Cardoso de Menezes e Dom Pedro II. A presente dissertação tem como foco

Autorizo a reproduccedilatildeo e divulgaccedilatildeo total ou parcial deste trabalho por qualquer meioconvencional ou eletrocircnico para fins de estudo e pesquisa desde que citada a fonte

Catalogaccedilatildeo na PublicaccedilatildeoServiccedilo de Biblioteca e Documentaccedilatildeo

Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo

S237pSantos Ricardo Neves dos Prometeu Acorrentado e as poeacuteticas tradutoacuterias deJoatildeo Cardoso de Menezes e Dom Pedro II RicardoNeves dos Santos orientadora Adriane da SilvaDuarte - Satildeo Paulo 2020 304 f

Dissertaccedilatildeo (Mestrado)- Faculdade de FilosofiaLetras e Ciecircncias Humanas da Universidade de SatildeoPaulo Departamento de Letras Claacutessicas eVernaacuteculas Aacuterea de concentraccedilatildeo Letras Claacutessicas

1 DPedro II 2 Traduccedilatildeo 3 Transcriccedilatildeodiplomaacutetica 4 Eacutesquilo 5 Recepccedilatildeo dos Claacutessicos noBrasil I Duarte Adriane da Silva orient IITiacutetulo

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo primeiramente a Deus por conceder-me a sauacutede e a paz

indispensaacuteveis ao estudo

Sou grato agrave minha esposa Janaiacutena da Silva Brito Neves por me conceder a

alegria de viver ao seu lado durante esses uacuteltimos dezessete anos Vocecirc foi a minha

maior conquista e ao seu lado a vida natildeo eacute tatildeo difiacutecil

Aos meus filhos Sofia e Estecircvatildeo por me propiciarem a alegria de ser chamado

de ldquopairdquo e a motivaccedilatildeo para trabalhar e me desenvolver

Aos meus pais Maria e Eronildes (no coraccedilatildeo) por terem feito o melhor que

podiam para o meu bem

Agrave minha orientadora Adriane da Silva Duarte seu profissionalismo talento e

erudiccedilatildeo me inspiram Sou muito feliz por poder contar com seus ensinamentos

Ao Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro e agrave Socircnia N de Lima (Chefe do

Arquivo) pelo total apoio agrave minha pesquisa dando-me acesso ao manuscrito de Dom

Pedro II transcrito na presente dissertaccedilatildeo

Ao Museu Imperial e agrave historiadora Alessandra Fraguas (Pesquisadora do

Museu) por me informar sobre a existecircncia de uma versatildeo preliminar da traduccedilatildeo que

transcrevi e por me propiciar o acesso aos manuscritos

Ao Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB - USP) agrave Daniela Piantola

(Supervisora Teacutecnica do Instituto) e agrave bibliotecaacuteria Silvana Bonifaacutecio

Agrave Luana Siqueira (Setor de Comunicaccedilatildeo da FFLCH - USP)

Ao professor Siacutelvio de Almeida Toledo Neto aacuterea de Liacutengua Portuguesa (USP)

pelas importantes indicaccedilotildees bibliograacuteficas e orientaccedilotildees

Aos professores que me ensinaram grego em ordem alfabeacutetica Adriane da Silva

Duarte Fernando Rodrigues Jaa Torrano e Paula da Cunha Correcirca Sempre me

esforccedilarei para honrar seus ensinamentos

Aos professores que ministraram aulas para mim na Poacutes-graduaccedilatildeo em ordem

alfabeacutetica Breno Battistin Sebastin Daniel Rossi Nunes Lopes Jaa Torrano e Joseacute

Marcos Mariani de Macedo

Agradeccedilo tambeacutem a Marcelo Taacutepia e Jaa Torrano pelas observaccedilotildees inteligentes

e sugestotildees valiosas feitas no exame de qualificaccedilatildeo

Agrave Lineide Salvador Mosca (Filologia e Liacutengua Portuguesa USP) por todo apoio

e incentivo desde o tempo da graduaccedilatildeo

Ao meu amigo Waldir Moreira Junior a quem chamo de JRR Tolkien por me

convencer a retomar meus estudos

Ao mentor e amigo Gary Fisher

Ao caro Dennis Allan por ler alguns poucos textos que escrevi em inglecircs e me

indicar soluccedilotildees

Aos irmatildeos do coraccedilatildeo Ceacutelio Rosa e Tamires Natildeo sei como retribuir tanto

carinho e dedicaccedilatildeo

A todos os alunos que tive e em especial Jennyffer Neovander Vinicius e

Rayssa os quais mesmo depois de 15 anos ainda se lembram de visitar seu primeiro

professor quando o recesso de fim de ano chega

Ao professor alematildeo Fridel (no coraccedilatildeo) por ter acreditado e investido em mim

Agrave professora de psicologia Janete pela influecircncia exercida enquanto me formava

professor

Agrave professora de Histoacuteria Liacutelian que no ensino baacutesico me ensinou o imenso

poder que a Memoacuteria possui

Com sincero reconhecimento e gratidatildeo a todos vocecircs

Ricardo Neves dos Santos

RESUMO

Prometeu Acorrentado e as poeacuteticas tradutoacuterias de Joatildeo Cardoso de

Menezes e Dom Pedro II

A presente dissertaccedilatildeo tem como foco a trageacutedia Prometeu Acorrentado de

Eacutesquilo e seus tradutores no Brasil dentre os quais destacamos dois Dom Pedro II o

uacuteltimo Imperador do Brasil e Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de

Paranapiacaba O trabalho estaacute estruturado e dividido em trecircs partes a saber 1)

transcriccedilatildeo integral da traduccedilatildeo feita por Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu

Acorrentado e das duas versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo de Paranapiacaba as quais

foram incentivadas pelo proacuteprio Imperador 2) cotejo criacutetico entre a Traduccedilatildeo Imperial e

as duas versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo 3) um levantamento das traduccedilotildees do

Prometeu Acorrentado publicadas no Brasil e de seus respectivos tradutores

Palavras-chave Traduccedilatildeo DPedro II recepccedilatildeo

Prometheus Bound and the translationsrsquo poetics of Joatildeo Cardoso de

Menezes and Dom Pedro II

Abstract This dissertation focuses on the Aeschylus‟ tragedy Prometheus

Bound and its translators in Brazil among which we highlight two Dom Pedro II the

last emperor of Brazil and Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza Baron of Paranapiacaba

The work is structured and divided into three parts namely 1) full transcript of the

translation made by Dom Pedro II of the tragedy Prometheus Bound and the two poetic

versions made by the Baron of Paranapiacaba which were encouraged by the Emperor

himself 2) critical comparison of the translation and the two poetic versions made by

Baron 3) a survey of the translations of Prometheus Bound published in Brazil and of

the respective translators

Keywords translation D Pedro II reception

LISTA DE QUADROS

Quadro I As versotildees de Paranapiacaba para os versos 887-93 do original (fala do

Coro) p57

Quadro II As versotildees de Paranapiacaba para os versos 1063-9 do original (fala do

Coro) p57

Quadro III Anaacutelise comparativa entre original e traduccedilatildeo p80

Quadro IV Cotejo das versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba para os versos 3-6

do original p98

Quadro V Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba

(original vv3-6) p104

Quadro VI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba

(original vv14-5) p106

Quadro VII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba

(original vv19-24) p110

Quadro VIII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba

(original vv64-5) p112

Quadro IX Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo de Ramiz Galvatildeo

(original vv64-5) p113

Quadro X Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 1 de Paranapiacaba

(original vv88-91) p117

Quadro XI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 2 de Paranapiacaba

(original vv88-91) p117

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Trecho da uacuteltima paacutegina do Documento 4695-A (IHGB) p19

Figura 2 Trecho da traduccedilatildeo de Dom Pedro II referente aos versos 1063-9

do Prometeu (Doc4695-A IHGB) p20

Figura 3 Trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A IHGB)

p20

Figura 4 Trecho da quarta paacutegina do Documento 4695-A (IHGB) natildeo numerada no

manuscrito p21

Figura 5 Trecho da primeira fala de Prometeu traduzida pelo Imperador (Doc4695-A

IHGB) p22

Figura 6 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

IHGB) p22

Figura 7 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

IHGB) p22

Figura 8 Trecho do Documento 4695-A (IHGB) p22

Figura 9 Detalhe do Documento 4695-A (IHGB) p22

Figura 10 Trecho do Documento 4695-A (IHGB) p23

Figura 11 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

IHGB) p24

Figura 12 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

IHGB) p24

Figura 13 Imagens de algumas palavras proparoxiacutetonas encontradas no Documento

4695-A (IHGB) p25

Figura 14 Imagens de palavras paroxiacutetonas terminadas em vogais ldquoordquo e ldquoardquo (Doc

4695-A IHGB) p25

Figura 15 Imagens de palavras paroxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc 4695-A

IHGB) p25

Figura 16 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A

IHGB) p25

Figura 17 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A

IHGB) p25

Figura 18 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB) p26

Figura 19 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB) p26

Figura 20 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A

IHGB) p26

Figura 21 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A

IHGB) p27

Figura 22 Imagem do texto da uacuteltima fala de Prometeu traduzida por Dom Pedro II

(Doc 4695-A IHGB) p28

Figura 23 Imagem de trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A

IHGB) p33

Figura 24 Trecho dos versos 536-54 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de Thomas

Stanley (1809) Aeschyli tragoediae quae supersunt digitalizada pela Universidade de

Cambrigde em 2010 p74

Figura 25 Trecho referente aos versos 536-50 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de

Christian Gottfried Schuumlltz Aeschyli tragoediae quae supersunt ac deperditarum

fragmenta tambeacutem de 1809 p75

Figura 26 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc 4695-

A IHGB) p271

Figura 27 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-

A IHGB) p271

Figura 28 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-

A IHGB) p272

Figura 29 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-

A IHGB) p272

SUMAacuteRIO

PARTE I ndash O PROMETEU ACORRENTADO DE DOM PEDRO II E AS

POSTERIORES TRADUCcedilOtildeES BRASILEIRAS DESSA TRAGEacuteDIA

INTRODUCcedilAtildeO p14

Cap 1 ndash As versotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo p31

11 Levantamento das traduccedilotildees brasileiras (consideraccedilotildees preliminares) p31

12 Dom Pedro II p45

13 Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba p51

14 Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz p64

15 J B de Mello e Souza p68

16 Jaime Bruna p72

17 Napoleatildeo Lopes Filho p74

18 Maacuterio da Gama Kury p78

19 Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves p80

110 O Tradutor Anocircnimo p83

111 Alberto Guzik p85

112 Jaa Torrano p87

113 Trajano Vieira p91

Conclusatildeo do primeiro capiacutetulo p95

Cap 2 ndash Anaacutelise da traduccedilatildeo de Dom Pedro II e de suas versotildees poeacuteticas

p97

21 Primeira rodada de leitura p98

22 Segunda rodada de leitura p107

23 Terceira rodada p109

24 Quarta rodada p113

25 Quinta e uacuteltima rodada p115

Conclusatildeo do segundo capiacutetulo p120

PARTE 2 ndash TRANSCRICcedilOtildeES

Cap3 ndash Transcriccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II p123

Cap4 ndash Transcriccedilatildeo da primeira versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de

Paranapiacaba p158

Cap5 ndash Transcriccedilatildeo da segunda versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de

Paranapiacaba p219

CONCLUSAtildeO GERAL DA DISSERTACcedilAtildeO p274

ANEXOS

Transcriccedilatildeo da carta do Baratildeo de Paranapiacaba enviada agrave Princesa Isabel

p283

Transcriccedilatildeo do Prefaacutecio escrito por Lafayette Rodrigues Pereira a pedido do

Baratildeo de Paranapiacaba p285

Haroldo de Campos um luciferino tradutor brasileiro p289

BIBLIOGRAFIA p295

PRIMEIRA PARTE

O PROMETEU ACORRENTADO DE DOM PEDRO II E AS POSTERIORES

TRADUCcedilOtildeES BRASILEIRAS DESSA TRAGEacuteDIA

14

INTRODUCcedilAtildeO

Muitos poetas e prosadores brasileiros dedicaram-se ao ofiacutecio da traduccedilatildeo de

obras literaacuterias entretanto tal atividade natildeo eacute geralmente mencionada nas Histoacuterias da

Literatura Brasileira (ASEFF 2012 p24) Siacutelvio Romero historiador de nossa

Literatura faz um julgamento negativo quanto agrave validade esteacutetica e literaacuteria das

traduccedilotildees em geral

Em geral sou infenso a traduccedilotildees de poetas Traslados em prosa ficam

mortos vertidos para verso ficam sempre desfigurados Uma traduccedilatildeo

poeacutetica dificilmente daraacute o desenho da obra traduzida e jamais forneceraacute o

colorido As melhores traduccedilotildees existentes como a Iliacuteada por Voss a do

Fausto por Marc Monnier satildeo obras de terceira ordem Natildeo podem jamais

reproduzir o ritmo o tom a melodia do original (ROMERO apud CAMPOS

1997 p250)

Tal concepccedilatildeo expressa a crenccedila na inferioridade da traduccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave obra

traduzida Quando muito reconhece apenas o meacuterito da instrumentalidade da praacutetica

tradutoacuteria fortalecendo ldquovalores que constituem o estigma do Traduttore Traditorerdquo

(FURLAN 2015 p256)

Parece estar longe da cogitaccedilatildeo de Romero o fato de que a traduccedilatildeo tambeacutem eacute

um espaccedilo de criaccedilatildeo (ROMANELLI 2014 p105) O tradutor criativamente busca

encontrar ldquona liacutengua em que se estaacute traduzindo aquela intenccedilatildeo por onde o eco do

original pode ser ressuscitadordquo (BENJAMIN 2008 p35) O valor de uma traduccedilatildeo

literaacuteria eacute comumente vinculado agrave proximidade conceitual eou formal que esta tem

com o texto de partida Tal proximidade pode ser explorada de forma criativa pelo

tradutor pois ldquoenquanto que por um lado todos os elementos particulares das liacutenguas

estrangeiras ndash as palavras as frases e as relaccedilotildees ndash se excluem reciprocamente por

outro lado as proacuteprias liacutenguas completam-se nas intenccedilotildees comuns que pretendem

alvejarrdquo (ibidem p32) Como toda praacutetica linguiacutestica a traduccedilatildeo ldquoeacute histoacuterica e reflete

uma concepccedilatildeo histoacuterica da linguagem e portanto mutaacutevel atraveacutes dos temposrdquo

(FURLAN 2015 p247) A concepccedilatildeo histoacuterico-materialista contemporacircnea de

linguagem e escritura ldquotorna o tradutor obrigatoriamente um coautor do texto traduzidordquo

(ibidem p247)

15

Numa das raras e tiacutemidas exceccedilotildees de dar destaque a essa praacutetica entre noacutes

Olavo Bilac na primeira parte de seu Tratado de Versificaccedilatildeo faz um breve panorama

da histoacuteria da Literatura Brasileira ateacute o seu tempo e menciona a praacutetica tradutoacuteria de

dois poetas Um deles eacute Odorico Mendes tradutor de Homero e Virgiacutelio conhecido por

muitos devido aos estudos de Haroldo de Campos este tambeacutem poeta e tradutor O

outro nas palavras de Olavo Bilac ldquoJoatildeo Cardoso de Menezes baratildeo de Paranapiacaba

nascido em 1827 e ainda hoje vivo e em plena actividade litteraria estreiou em 1849

com a Harpa Gemedora e tem publicado vaacuterias traducccedilotildees de Byron Lamartine e La

Fontainerdquo (BILAC amp PASSOS 1905 p26 ortografia original mantida)1

Bilac publicou a passagem citada em 1905 Passados dois anos o Baratildeo de

Paranapiacaba publica duas versotildees poeacuteticas da trageacutedia Prometeu Acorrentado de

Eacutesquilo Em seu livro de 19072 o Baratildeo informa que Dom Pedro II fizera uma traduccedilatildeo

em prosa do Prometeu e que o Imperador solicitou-lhe uma versatildeo em versos

portugueses a partir de sua traduccedilatildeo em prosa Mas como se sabe o Baratildeo acabou

realizando duas versotildees poeacuteticas Paranapiacaba ainda informa que Dom Pedro II foi

deposto no mesmo ano em que lhe entregou o manuscrito isto eacute em 1889 Reproduz-se

a seguir a ortografia original da ediccedilatildeo de 1907 na qual o Baratildeo de Paranapiacaba narra

o ocorrido

Ao retirar-me SMagestade recomendou-me natildeo me esquecesse do

ldquoPrometheu acorrentadordquo cujo original me havia entregado na penultima

conferencia Nunca mais o vi Partio para Petropolis donde regressou a 16 de

Novembro para ficar prisioneiro no paccedilo da cidade (PARANAPIACABA

1907 p224)

Paranapiacaba ainda informa que tentou ver o Imperador mas em vatildeo

1 Entre outros textos traduzidos pelo Baratildeo de Paranapiacaba podemos citar PLAUTO Aululaacuteria Rio

de Janeiro Typographia Chrysalida 1888 EURIacutePIDES Alceste Rio de Janeiro Renascenccedila

Bevilacqua 1908 SOacuteFOCLES Antiacutegone Rio de Janeiro Renascenccedila Bevilacqua 1909 O acervo do

Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB ndash USP) possui as ediccedilotildees citadas da Aululaacuteria de Plauto e da

Antiacutegone de Soacutefocles

2 Prometheu Acorrentado original de Eschylo ndash vertido litteralmente para o portuguez por Dom Pedro

II Imperador do Brasil trasladaccedilatildeo poetica do texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Rio de Janeiro

Imprensa Nacional 1907 Antes de publicar suas versotildees no livro de 1907 o Baratildeo afirma em carta

escrita agrave Princesa Isabel (I-POB ndash Maccedilo 204 ndash Doc 9329 Museu ImperialIbramMinisteacuterio da

Cidadania) ldquoD‟essas duas versotildees tem apparecido longos trechos na imprensardquo (ortografia original

mantida) Pode-se citar dentre as publicaccedilotildees anteriores ao livro de 1907 a da Revista do Instituto

Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro Rio de Janeiro Imprensa Nacional Tomo LXVIII 1906

16

Empreguei todos os esforccedilos para entrar naquella prisatildeo Natildeo pude

conseguil-o Passei frequentes vezes por diante das janellas que

correspondiam ao aposento em que elle estava encerrado e roguei de foacutera

ao Marechal Miranda Reis que acompanhava o Monarcha licenccedila para

entrar Respondeo-me elle natildeo m‟a podia conceder (PARANAPIACABA

1907 p224)

E ainda

[] o Monarcha com Sua Magestade a Imperatriz a princeza Imperial

DIzabel o principe consorte e um de seos filhos ficou detido n‟esta capital

no paccedilo da cidade sob a vigilacircncia de sentinelas alli postadas por ordem dos

proclamadores da Republica

Dous dias depois a horas mortas da madrugada fizeram-n‟o embarcar

no Alagocircas vapor mercante do Lloyd Brazileiro que armado em guerra

seguio barra foacutera levando-o caminho do exilio [] Em dezembro de 1889

na cidade do Porto vio morrer victimada por torturas moraes a virtuosa

esposa que lhe focircra anjo de conforto[] Na effusatildeo do entranhavel amor

com que extremeceo[DPedro II] fez transpor aacute Europa uma pouca de terra

extrahida do solo brasileiro para encamar o atauacutede em que devia ser

conduzido aacute derradeira morada E com effeito Seo coraccedilatildeo jaacute enregelado

esse coraccedilatildeo cujas fibras haviam estalado com as pulsaccedilotildees das mais

cruciantes angustias repousa hoje unido a esse punhado de terra da paacutetria

pela qual sempre palpitou afervorado ateacute o derradeiro anceio (ibidem

p265 grifo do autor)

Cerca de cinco anos depois da queda da Monarquia o Baratildeo mostra o caderno

no qual estava a traduccedilatildeo em prosa do Prometeu Acorrentado feita por DPedro II a

Lafayette Rodrigues Pereira

[] n‟uma daquellas agradaveis palestras em que roccedilas por todos os

assumptos amenisando-os e salpicando-os com o teo inexgotavel sal Attico

mostrei-te um pequeno livro contendo a traducccedilatildeo litteral do Prometheu

Acorrentado de Eschylo

Conheceste logo a lettra do manuscripto pois te era familiar desde

que occupaste e honraste os altos cargos de Presidente do Conselho e

Ministro da Fazenda

Focircra DPedro II quem escrevera aquella traducccedilatildeo por elle

litteralmente feita do original grego

Focircra o Imperador quem me entregara aquelle volumito manifestando

o desejo de que eu trasladasse para verso portuguez a sua prosa (ibidem

pIX)

Infelizmente Dom Pedro II nunca pocircde ler as versotildees poeacuteticas da lavra de

Paranapiacaba pois a primeira soacute comeccedilou a ser feita depois de quase 10 anos do dia

em que entregou seu manuscrito ao Baratildeo Haacute de se lembrar que Dom Pedro II confiou

o manuscrito a Paranapiacaba em 1889 faleceu em 1891 e o Baratildeo comeccedilou a fazer o

primeiro traslado poeacutetico somente em 1899 como se pode averiguar em carta escrita

por Paranapiacaba ao Conselheiro Lafayette em 10 de outubro de 1899 ldquoEntrando

ultimamente em forccedilado repouso de um mez metti hombros aacute empreza de que me

17

havia com satisfaccedilatildeo incumbido encetei e levei a cabo a accommodaccedilatildeo poeacutetica

daquella versatildeordquo(PARANAPIACABA 1907 pX)

Quanto agraves versotildees do Prometeu Acorrentado feitas pelo Baratildeo de Paranapiacaba

e ao manuscrito de DPedro II haacute questotildees que ainda precisam ser elucidadas

Em Manuscrito e Traduccedilatildeo espaccedilos de criaccedilatildeo Sergio Romanelli (2014

p113) escreve

Somente trecircs obras traduzidas pelo Imperador foram ateacute hoje publicadas a

saber

1)Prometheu Acorrentado Vertido literalmente por Dom Pedro II

trasladaccedilatildeo poeacutetica do texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Rio de Janeiro

Imprensa Nacional 1907

2)Poesias (originais e traduccedilotildees) de D Pedro II (1889) sendo esse uma

homenagem de seus netos

3)Poesias Hebraico-Provenccedilais do ritual israelita Comtadin impressa em

Avignon em 1891

Em visita ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Satildeo Paulo (IEB

- USP) conseguimos consultar e fotografar a primeira das obras citadas por Romanelli

(Prometheu AcorrentadoVertido literalmente por Dom Pedro II trasladaccedilatildeo poeacutetica

do texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Rio de Janeiro Imprensa Nacional 1907)

Causou-nos surpresa constatar que a ediccedilatildeo a qual eacute considerada uma das poucas

publicaccedilotildees das traduccedilotildees de DPedro II natildeo traz a reproduccedilatildeo de sua traduccedilatildeo feita em

prosa da trageacutedia de Eacutesquilo mas apenas as versotildees poeacuteticas da lavra de Paranapiacaba

Na primeira das versotildees apresentadas no livro Paranapiacaba emprega rimas aleacutem da

forma meacutetrica variar de acordo com o personagem Jaacute na segunda versatildeo predominam

os decassiacutelabos soltos isto eacute sem o emprego de rimas

Em ldquoO Prometeu dos Barotildeesrdquo (1997) Haroldo de Campos faz um

importantiacutessimo resgate de trechos da segunda versatildeo apresentada no livro de

Paranapiacaba (versatildeo em que predominam os decassiacutelabos soltos) No mesmo

compecircndio onde se encontra o ensaio (ALMEIDA amp VIEIRA Trecircs Trageacutedias Gregas

1997) haacute tambeacutem a reproduccedilatildeo integral da traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado feita por

Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz professor de grego do Coleacutegio Pedro II (pp255-86)

A traduccedilatildeo feita por Ramiz tambeacutem fora incentivada pelo Imperador

Apesar da grande importacircncia do ensaio de Haroldo de Campos para a histoacuteria

da recepccedilatildeo dos Claacutessicos no Brasil a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II natildeo entra em

anaacutelise em seu ensaio

18

Entre as produccedilotildees acadecircmicas que abordam as versotildees poeacuteticas incentivadas

por Dom Pedro II vale a pena citar o artigo de Paula da Cunha Correcirca ldquoEm busca da

tradiccedilatildeo perdidardquo (1999) Mais do que fazer uma resenha do livro supracitado Trecircs

trageacutedias gregas (ALMEIDA amp VIEIRA 1997) Correcirca empreende uma interessante

anaacutelise das versotildees do Prometeu Acorrentado feitas por Ramiz Galvatildeo e pelo Baratildeo de

Paranapiacaba (versatildeo em que predominam os decassiacutelabos soltos) trazendo tambeacutem

para a discussatildeo a traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado de autoria de Trajano Vieira

Embora o artigo evoque assim como o texto de Campos a tradiccedilatildeo de tradutores

brasileiros do Prometeu Acorrentado e tambeacutem apresente uma abordagem instigante na

anaacutelise empreendida natildeo tem como um de seus objetivos citar trechos da traduccedilatildeo em

prosa de Dom Pedro II e analisaacute-los juntamente com as outras traduccedilotildees

Em O Baratildeo de Ramiz (1972) A Mauriceacutea Filho coteja a versatildeo na qual

Paranapiacaba emprega rimas com a traduccedilatildeo de Ramiz Galvatildeo tambeacutem tendo em vista

o texto original de Eacutesquilo e agraves vezes fazendo intervir soluccedilotildees da traduccedilatildeo portuguesa

de Baziacutelio Teles Aleacutem disso o autor escreve o seguinte comentaacuterio acerca do

manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu Acorrentado

Ora tivemos a ventura de folhear com a maacutexima reverecircncia no Instituto

Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro passando e repassando pelas matildeos as suas

folhas algo amarelecidas pelo tempo o Manuscrito Imperial consistindo de

um caderno (tipo colegial simples) menos da metade escrito e mais da

metade em branco onde o Sr Imperador Pedro II deixara ficar com sua letra

pequenina mas muito bem traccedilada e bem legiacutevel a famosa trageacutedia de

Eacutesquilo sem esquecer S Magestade de apor ao fim do trabalho em

caracteres firmes a data 14 de abril de 1871 O preciosiacutessimo documento

encontra-se no Instituto Histoacuterico muito bem conservado como todas as

peccedilas que ali se acham ndash reliacutequias de nossa Tradiccedilatildeo - e devidamente

classificado (MAURICEacuteA FILHO 1972 pp243-4)

Embora A Mauriceacutea Filho faccedila uma importantiacutessima descriccedilatildeo da existecircncia

real do Manuscrito Imperial natildeo o coteja poreacutem com as traduccedilotildees de Paranapiacaba e

Ramiz Galvatildeo Quase no final da anaacutelise apenas transcreve um pequeno trecho da

traduccedilatildeo de Dom Pedro II a saber ldquodo que entatildeo se apresentava parecia o mais

acertado tomando comigo a minha Matildee auxiliar de boa vontade a Juacutepiter que o

queriardquo (MAURICEacuteA FILHO 1972 p261)

Apesar de ter fomentado pelo menos trecircs versotildees do Prometeu Acorrentado

(duas de Paranapiacaba e uma de Ramiz Galvatildeo) eacute lamentaacutevel que a versatildeo em prosa

feita por Dom Pedro II ainda natildeo tenha sido estudada mais detalhadamente

19

Como entatildeo poderiacuteamos dizer que o livro Prometeu Acorrentado de 1907

citado por Romanelli eacute uma das poucas traduccedilotildees do Imperador publicadas ateacute entatildeo

Ateacute que ponto as versotildees de Paranapiacaba estatildeo ligadas semanticamente agrave traduccedilatildeo do

Imperador Seraacute que os meacuteritos ou os pontos fracos dessas versotildees podem ser atribuiacutedos

tambeacutem agrave traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II Satildeo questotildees sobre as quais

pretendemos nos debruccedilar e responder ao longo da presente dissertaccedilatildeo Para isso

objetiva-se

1) Empreender a transcriccedilatildeo integral da traduccedilatildeo feita por Dom Pedro II da

trageacutedia Prometeu Acorrentado e das duas versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo de

Paranapiacaba

2) Realizar o cotejo criacutetico entre a Traduccedilatildeo Imperial e as duas versotildees poeacuteticas

feitas pelo Baratildeo

A histoacuteria da traduccedilatildeo de literatura greco-romana no Brasil ainda estaacute para ser

escrita (DUARTE 2016) Mas natildeo temos a pretensatildeo de escrevecirc-la sozinhos Pois ldquoum

miacutenimo de honestidade nos afasta de empresas que natildeo podemos realizarrdquo (RAMOS

2008 p63) Por outro lado entendemos que ao realizarmos a transcriccedilatildeo completa da

traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e das versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba daremos

mais um passo rumo ao atendimento dessa grande demanda nos estudos da recepccedilatildeo e

traduccedilatildeo dos Claacutessicos em nosso paiacutes

Em vista desse uacuteltimo toacutepico buscamos recuperar a histoacuteria das traduccedilotildees do

Prometeu Acorrentado publicadas no Brasil e de seus respectivos tradutores situando

nela a de D Pedro II A presenccedila do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo no Brasil pode

ser constatada pelo nuacutemero e sobretudo pela qualidade de suas traduccedilotildees O tradutor

ldquocomo o primeiro interprete de um texto eacute o elo inicial de uma rede que visa a tornar o

claacutessico vivo presente para a sociedaderdquo (DUARTE 2016 p26) O levantamento das

traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado e de seus respectivos tradutores visa

tornar ainda mais evidente essa corrente de esforccedilos individuais que contribuiu para que

a antiga trageacutedia grega permanecesse viva em liacutengua portuguesa ateacute os nossos dias

Manuscrito e sua transcriccedilatildeo integral

Graccedilas ao apoio do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro na pessoa de

Socircnia N de Lima (Chefe do Arquivo) conseguimos uma coacutepia fac-similar do

manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu Acorrentado

20

de Eacutesquilo (Doc 4695-A) O manuscrito encontra-se totalmente transcrito na presente

dissertaccedilatildeo (pp 123-57)

O trabalho de transcriccedilatildeo foi feito em diaacutelogo com as seguintes obras Noccedilotildees de

paleografia e diplomaacutetica (2008) de Anna Regina Berwanger e Joatildeo Euriacutepides Franklin

Leal Introduccedilatildeo agrave criacutetica textual (2005) de Ceacutesar Nardeli Cambraia Fundamentos da

criacutetica textual (2004) de Baacuterbara Spaggiari e Maurizio Perugi e Ediccedilotildees criacutetica e

geneacutetica de ldquoA Morgada de Romarizrdquo(2009) de Carlota Frederica Pimenta Natildeo existe

um consenso absoluto sobre os criteacuterios propostos pelos autores acima citados Por

isso procuramos utilizar aquilo que mais se adequava agraves especificidades da nossa

pesquisa A seguir teceremos algumas consideraccedilotildees gerais sobre o manuscrito da

traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e sobre os criteacuterios adotados no trabalho de

transcriccedilatildeo

O Manuscrito Imperial ocupa 47 paacuteginas de um caderno com capa de papelatildeo

indeformaacutevel 23 centiacutemetros de comprimento por 19 centiacutemetros de largura e 1

centiacutemetro de espessura (MAURICEacuteA FILHO 1972 p244) A data do teacutermino da

traduccedilatildeo eacute colocada na uacuteltima paacutegina do manuscrito A numeraccedilatildeo das paacuteginas parece

ter sido feita a laacutepis de forma alternada (somente as iacutempares satildeo numeradas) No

entanto a paacutegina 7 do manuscrito foi erroneamente marcada como paacutegina ldquo6rdquo O

equiacutevoco persiste ateacute o final do manuscrito cuja uacuteltima paacutegina traz ldquo46rdquo sendo que haacute

47 paacuteginas de traduccedilatildeo

Figura 1 Trecho da uacuteltima paacutegina do Documento 4695-A (IHGB)

O trabalho de transcriccedilatildeo seguiraacute os seguintes criteacuterios gerais

a) Palavras com ldquosrdquo duplicado apresentam uma caracteriacutestica interessante na

caligrafia do seacuteculo XIX no Brasil o primeiro ldquosrdquo eacute chamado ldquocaudadordquo

(BERWANGER amp LEAL 2008 p100) Veja-se a reproduccedilatildeo de como era

escrito o primeiro ldquosrdquo da palavra ldquoapressa-terdquo por exemplo

Essa particularidade da caligrafia natildeo era reproduzida nas publicaccedilotildees

21

tipograacuteficas da eacutepoca e seguimos essa tendecircncia em nosso trabalho de

transcriccedilatildeo

b) A pontuaccedilatildeo original foi mantida

c) As maiuacutesculas e as minuacutesculas foram mantidas tal qual estatildeo presentes no

original com exceccedilatildeo do ldquosrdquo caudado

d) A ortografia foi mantida na iacutentegra natildeo se efetuando nenhuma correccedilatildeo

gramatical

Figura 2 Trecho da traduccedilatildeo de Dom Pedro II referente aos versos 1063-9 do Prometeu

(Doc4695-A IHGB)

Chogravero

Dize e aconselha-me outra cousa pois que me seduziste com essas palavras de

nenhum modo toleraveis Como eacute que me ordenas praticar infamias Com elle quero

soffregraver o que fograver necessario pois aprendi a aborrecegraver os traidores nem ha peste que

mais me repugne do que esta ()

e) A transcriccedilatildeo do texto foi feita de forma corrida e a divisatildeo original dos

paraacutegrafos respeitada

f) Indicamos a numeraccedilatildeo original da paacutegina entre colchetes ex [fl3] mesmo

no meio do texto corrido quando necessaacuterio Os colchetes seratildeo sublinhados

para indicar que a paacutegina em questatildeo natildeo estaacute marcada no manuscrito ex

[fl4]

Figura 3 Trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A IHGB)

22

[fl3]

Forccedila

De nada vale deploral-o natildeo faze pois cousas que nada aproveitatildeo

Figura 4 Trecho da quarta paacutegina do Documento 4695-A (IHGB) natildeo numerada no

manuscrito

[fl4]

Vulcano

Estaacute feito e natildeo dura este trabalho

g) Os elementos textuais interlineares ou marginais autoacutegrafos que completam

o escrito seratildeo inseridos no texto entre os sinais ltgt

Figura 5 Trecho da primeira fala de Prometeu (vv88-126) traduzida pelo Imperador

(Doc4695-A IHGB)

Prometheu

ltOh ar divinogt e ventos de azas velozes e fontes dos rios()

h) Tambeacutem utilizaremos os seguintes sinais diacriacuteticos

= o asteriacutesco indica que algo foi riscado e estaacute ilegiacutevel no ponto em que ele

aparece

[ ] = algo foi escrito sobre

[] = escrito sobre algo que foi riscado e que estaacute ilegiacutevel

ltuarrgt = acreacutescimo textual no espaccedilo interlinear superior

ltdarrgt = acreacutescimo textual no espaccedilo interlinear inferior

Prometeu = palavra riscada mas legiacutevel

ilegiacutevel = palavra natildeo riscada mas ilegiacutevel

= manuscrito deteriorado na passagem em questatildeo

23

Veja-se a seguir algumas expressotildees comuns no uso dos sinais diacriacuteticos em

nossa transcriccedilatildeo

ltuarrgt [] = acreacutescimo textual no espaccedilo interlinear superior sobre algo que foi

riscado e que estaacute ilegiacutevel Exemplo

Figura 6 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

()pois novos ltuarrtimoneirosgt[]3 regem o Olympo ()

ltuarrgt [] = ascreacutecimo textual no espaccedilo interlinear superior sobre texto legiacutevel

Exemplo

Figura 7 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

AhltuarrQue cousagt[Tambem] tu vieste expectadograver de meus trabalhos

Quando o acreacutescimo textual interlinear natildeo eacute seguido do diacriacutetico ldquo[ ]rdquo

(ldquosobrerdquo) significa que o acreacutescimo estaacute entre duas palavras acima do espaccedilo em

branco Exemplo

Figura 8 Trecho do Documento 4695-A (IHGB)

() chamma brilhante ltuarrdogtsol ()

Pode ser que ocorra um acreacutescimo sobre algo que esteja riscado e ilegiacutevel

juntamente com outra palavra que tambeacutem fora riscada mas que pode ser lida

3 A palavra ldquoTimoneirosrdquo foi escrita sobre algo que foi riscado Apesar de natildeo ser possiacutevel ler claramente

qual palavra foi riscada no trecho destacado mesmo ampliando a imagem do manuscrito algumas letras

poreacutem satildeo legiacuteveis gadoes Brunno VG Vieira Professor de Letras Claacutessicas da UNESP

durante a arguiccedilatildeo da presente Dissertaccedilatildeo sugeriu a leitura ldquogovernadoresrdquo para a palavra riscada Ver

paacutegina 128

24

Figura 9 Detalhe do Documento 4695-A (IHGB)

() poremlt uarrdezejavagt [ queria ] ()

i) As palavras sublinhadas pelo autor do manuscrito tambeacutem seratildeo sublinhadas

na transcriccedilatildeo

Figura 10 Trecho do Documento 4695-A (IHGB)

Chegamos a terra remota aacute regiatildeo Scytha a ermo despovoado

Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu o pae de ()

f) Outras particularidades do manuscrito foram indicadas por meio de notas de

rodapeacute

Diante dos criteacuterios supramencionados pode-se afirmar que a transcriccedilatildeo

empreendida eacute de caraacuteter diplomaacutetico ou geneacutetico pois se transcreveraacute tambeacutem os

acidentes de escrita e as emendas o que de certa forma revela algo do processo criativo

do autor do manuscrito isto eacute sobre a gecircnese da sua traduccedilatildeo Por isso esse tipo de

transcriccedilatildeo eacute chamado comumente de transcriccedilatildeo geneacutetica (PIMENTA 2009 p16)

Tambeacutem afirmamos que a ortografia do Manuscrito Imperial seraacute respeitada Por isso

seria profiacutecuo tecer algumas consideraccedilotildees sobre a ortografia da liacutengua portuguesa na

segunda metade do seacuteculo XIX

Ramiz Galvatildeo (o Baratildeo de Ramiz) em seu livro Vocabulario etymologico

orthographico e prosoacutedico das palavras portuguezas derivadas da lingua grega (1909)

afirma que natildeo havia um acordo ortograacutefico uacutenico no Brasil na eacutepoca do Segundo

Impeacuterio e que os dicionaacuterios de liacutengua portuguesa de sua eacutepoca

[] cada qual grapha como entende e os proacuteprios glottologos discutem sem

resultado practico as vantagens dos systemas phonetico etymologico e

25

eclectico que correspondiam aacutes trez correntes de opiniatildeo nesta mateacuteriardquo

(RAMIZ GALVAtildeO 1909 pII)4

Ramiz Galvatildeo estava ligado agrave vertente chamada ldquoetimoloacutegicardquo Em sentido lato

esse sistema ortograacutefico preconizava que as palavras vernaacuteculas deveriam utilizar as

palavras latinas ou gregas como paradigmas para sua escrita (a etimologia nem sempre

era feita de forma rigorosa por alguns autores o que gerava confusatildeo e variedade na

grafia de algumas palavras) Era comum por exemplo transliterar as letras gregas ζ θ

ρ por th ph e ch nas palavras portuguesas que tivessem sua origem no idioma grego

como por exemplo eschola ldquoescolardquo (RAMIZ GALVAtildeO 1909 pIV-V)5 Dom Pedro

II parece seguir tal sistema ortograacutefico em sua traduccedilatildeo em prosa

Apresentar-se-aacute a seguir alguns exemplos tirados do proacuteprio Manuscrito

Imperial para explicitar as principais diferenccedilas entre a ortografia vigente em nossos

dias e a adotada pelo Imperador

1) A forma da terceira pessoa do plural do presente do indicativo tem o sufixo

em ldquondashatildeordquo em vez de ldquo- am

Figura 11 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A IHGB)

() te de tuas bogravedas alcanccedilaste oh moccedila Pois as palavras que ouviste agora

nem no proemio te pareccedilatildeo estar

2) A forma da primeira pessoa do singular do presente indicativo do verbo

ldquoodiarrdquo eacute odiacuteo em vez de ldquoodeiordquo e da terceira pessoa do singular eacute odiacutea em

vez de ldquoodeiardquo

Figura 12 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A IHGB)

4 Reproduzimos a ortografia da publicaccedilatildeo original

5A corrente etimoloacutegica foi teorizada inicialmente por Duarte Nunes de Leatildeo na sua Orthografia da

lingoa portugueza em 1576 Outro autor importante foi Madureira Feijoacute com sua Orthographia ou Arte

de Escrever e pronunciar com acerto a lingua portuguesa em 1734 obra na qual defende a etimologia na

ortografia

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Prometheu

Em uma palavra odiacuteo todos os deuses quantos beneficiados me fazem mal

injustamente

3) As palavras proparoxiacutetonas natildeo satildeo acentuadas como por exemplo animo

(acircnimo) aspero (aacutespero) artifice (artiacutefice) colera (coacutelera) habito (haacutebito)

miseros (miacuteseros) Tartaro (Taacutertaro)

Figura 13 Imagens de algumas palavras proparoxiacutetonas encontradas no Documento 4695ndashA (IHGB)

4) As palavras paroxiacutetonas terminadas em ldquoa(s)rdquo ldquoo(s)rdquo ldquoe(s)rdquo satildeo acentuadas

com (`) se o som da siacutelaba tocircnica for fechado e com (acute) se o som for aberto

algegravemas (algemas) ansiograveso (ansioso) foacutera (fora) oceagraveno (oceano)

Figura 14 Imagens de palavras paroxiacutetonas terminadas em vogais ldquoordquo e ldquoardquo (Doc4695-A IHGB)

As paroxiacutetonas terminadas com as demais consoantes e as terminadas em

ditongo natildeo satildeo acentuadas

Figura 15 Imagens de palavras paroxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A IHGB)

5) As palavras oxiacutetonas terminadas em ldquoemrdquo e ldquoensrdquo natildeo satildeo acentuadas alem

(aleacutem) alguem (algueacutem) ninguem (ningueacutem) porem (poreacutem) tambem

(tambeacutem) Jaacute nas versotildees poeacuteticas da lavra de Paranapiacaba (1907) eacute

possiacutevel ver a forma ldquoporeacutemrdquo

Figura 16 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A IHGB)

27

6) Palavras oxiacutetonas terminadas em ldquoerrdquo e ldquoorrdquo satildeo acentuadas expectadograver

(expectador) terrograver (terror) vegraver (ver)

Figura 17 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A IHGB)

A crase eacute marcada com (acute) em vez de (`)

Figura 18 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB)

() voltaraacute ainda anciograveso aacute concordia ()

7) Uso dos pronomes aacutetonos la(s) e lo(s) eacute bastante peculiar denuncial-o-ei

(denunciaacute-lo-ei) explical-o-ei (explicaacute-lo-ei) ignoral-o (ignoraacute-lo) obtegravel-a (obtecirc-

la)

Figura 19 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB)

8) A ortografia etimoloacutegica deu origem agraves seguites grafias encontradas no

manuscrito Afflicto (aflito) dezejava (desejava) emtorno (entorno)

ephemeros (efecircmeros) irmaatildes (irmatildes) monarcha (monarca) Note-se a

seguir outros exemplos retirados do manuscrito

Figura 20 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

() donzellas anciaatildes com forma de cysne possuindo um olho commum e um

dente a quem jamais nem o sol olha com seus raios nem a nocturna lua Perto

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estatildeo suas trez irmaatildes as aligeras anguicomas Gorgones aos mortaes odiosas

que nenhum mortal encarando conservaraacute o espirito vital

9) ldquoPorquerdquo como forma uacutenica para ldquopor querdquo e ldquoporquerdquo

Figura 21 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Io

Porque hesitas entatildeo em dizer-me tudo

Essas satildeo as caracteriacutesticas gerais do manuscrito de sua transcriccedilatildeo e de sua

ortografia Na primeira parte da presente dissertaccedilatildeo seraacute apresentado o levantamento

das traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado juntamente com algumas

consideraccedilotildees sobre a poeacutetica tradutoacuteria de cada um dos tradutores elencados (Capiacutetulo

1) O cotejo criacutetico entre as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba e a traduccedilatildeo feita por

Dom Pedro II ocorreraacute no Capiacutetulo 2 A segunda parte da dissertaccedilatildeo eacute destinada agraves

transcriccedilotildees O Capiacutetulo 3 seraacute dedicado agrave transcriccedilatildeo completa da traduccedilatildeo em prosa de

Dom Pedro II Nos Capiacutetulos 4 e 5 respectivamente encontram-se as transcriccedilotildees das

duas versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba feitas a partir do livro publicado em

1907 e seguindo os criteacuterios gerais de transcriccedilatildeo expostos anteriormente sobretudo no

que se refere agrave ortografia e agrave divisatildeo dos paraacutegrafos Apoacutes as transcriccedilotildees temos a

Conclusatildeo Final da Dissertaccedilatildeo

Em 2018 publicamos o artigo ldquoA traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II da

trageacutedia bdquoPrometeu acorrentado‟ de Eacutesquilordquo na Revista de Estudos Claacutessicos e

Tradutoacuterios Roacutenai no qual apresentamos os primeiros resultados de nossa pesquisa

Alessandra Fraguas historiadora e pesquisadora do Museu Imperial leu o artigo

Depois disso gentilmente informou-nos sobre a existecircncia dos esboccedilos da traduccedilatildeo em

prosa de Dom Pedro II depositados no Museu Imperial (Maccedilo 37 - Doc 1057 B de

Dom Pedro II Museu Imperial Ibram Ministeacuterio da Cidadania) e de uma carta escrita

pelo Baratildeo de Paranapiacaba agrave Princesa Isabel na qual fala sobre a publicaccedilatildeo de suas

versotildees poeacuteticas (Maccedilo 204 ndash Doc 9329 Museu Imperial Ibram Ministeacuterio da

Cidadania) Graccedilas agrave mediaccedilatildeo de Fraguas tivemos acesso a coacutepias digitalizadas dos

29

documentos citados Trechos dessa versatildeo preliminar de Dom Pedro II seratildeo cotejados

com sua versatildeo final no Capiacutetulo 2 A carta escrita por Paranapiacaba agrave Princesa Isabel

foi totalmente transcrita valendo-se dos mesmos criteacuterios utilizados nas outras

transcriccedilotildees e anexada agrave dissertaccedilatildeo

Encerraremos a presente introduccedilatildeo partilhando mais um trecho da transcriccedilatildeo

empreendida do Manuscrito Imperial referente agrave uacuteltima fala de Prometeu traduzida por

Dom Pedro II (vv1080-93) A passagem em questatildeo possui uma forte carga dramaacutetica

Por meio dos cataclismos naturais descritos por Prometeu Zeus e sua terriacutevel fuacuteria se

fazem presentes em cena

Figura 22 Imagem do texto da uacuteltima fala de Prometeu traduzida por Dom Pedro II(Doc4695-AIHGB)

Prometheu

E de facto e natildeo mais por palavras ltuarrbalanccedila-segt[] a terra rebogravea o echo

rugidograver do trovatildeo brilhatildeo as espiraes ltuarrardentesgt [] do relampago e os turbilhotildees

revolvem o poacute rompem os sogravepros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

oppostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Taes impetos contra mim vem

30

manifestamente de Jupiter para mettegraverem megravedo Oh nume de minha matildee [fl46]6 oh ar

que volves a luz commum de todos vegraves quatildeo injustamente soffro

14 de Abril de 1871

6Paacutegina 47 (uacuteltima paacutegina) marcada como 46 no manuscrito

31

CAPIacuteTULO 1 ndash As versotildees Brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo

11 Levantamento das traduccedilotildees brasileiras (consideraccedilotildees preliminares)7

O levantamento empreendido das traduccedilotildees brasileiras do Prometeu

Acorrentado e de seus respectivos tradutores se deu por meio de visitas a bibliotecas e

livrarias aleacutem de consultas a bancos de dados eletrocircnicos como o Sistema Integrado de

Bibliotecas da Universidade de Satildeo Paulo SIBiUSP Todas as traduccedilotildees encontradas

foram lidas integralmente Chegou-se ao seguinte resultado sendo que antes do nome

do tradutor de cada versatildeo encontra-se o ano da publicaccedilatildeo original (as datas de suas

reediccedilotildees estatildeo entre parecircnteses)

1871 - Dom Pedro II8

1907 - Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza Baratildeo de

Paranapiacaba duas versotildees distintas no mesmo livro

1909 - Ramiz Galvatildeo Baratildeo de Ramiz (1922 1997)

1950 - JB de Mello e Souza (1964 1966 1969 1970 1998

2001 2002 2005)

1964 - Jaime Bruna (1968 1977 1996)

1967 - Napoleatildeo Lopes Filho

1968 - Maacuterio da Gama Kury (1993 1998 1999 2004 2009)

1977 - Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves

1980 ndash O Tradutor Desconhecido9

1982 - Alberto Guzik

1985 ndash Jaa Torrano

1997 ndash Trajano Vieira

2009 ndash Jaa Torrano10

7Neste capiacutetulo natildeo se consideraratildeo as adaptaccedilotildees infantojuvenis do Prometeu Acorrentado as quais

mereceriam um estudo agrave parte 8 Manuscrito da traduccedilatildeo em prosa feita por Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo

(Doc4695-A ndash Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro) 9Trata-se de uma traduccedilatildeo anocircnima do Prometeu Acorrentado publicada por Otto Pierre Editores em

1980 10

Em entrevista dada a Andreacute Malta (2015) Jaa Torrano afirma que haacute mudanccedilas entre as traduccedilotildees de

Prometeu Prisioneiro (1985) e Prometeu Cadeeiro (2009) mudanccedilas estas que nos parecem substanciais

a comeccedilar pelos tiacutetulos das traduccedilotildees Por isso natildeo consideramos a traduccedilatildeo de 2009 como uma simples

reediccedilatildeo

32

Seguindo o exemplo de Jorge Luis Borges no ensaio ldquoAs Versotildees homeacutericasrdquo

(1994 pp71-8) a seguir seratildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica as versotildees

brasileiras de uma mesma passagem do Prometeu Acorrentado Borges usou recurso

semelhante quando discorria acerca das traduccedilotildees inglesas da Odisseia afirmando que

tais versotildees satildeo na verdade ldquoperspectivas variadas de um fato moacutevelrdquo (ibidem 1994

p71) Depois da apresentaccedilatildeo dos trechos das traduccedilotildees faremos algumas

consideraccedilotildees sobre a afirmaccedilatildeo de Borges e tambeacutem a exposiccedilatildeo daquilo que nos

chamou mais atenccedilatildeo nas versotildees elencadas Ao que se pretende valendo-se das

palavras de Brunno V G Vieira (2010 p70) quando discorria sobre as versotildees

brasileiras da Farsaacutelia de Lucano

[]estaacute fora de questatildeo a imposiccedilatildeo de um modo bdquocerto‟ de traduzir Ao

contraacuterio o que estaacute em jogo eacute um exerciacutecio de conhecimento das diferentes

modulaccedilotildees que um texto pode alcanccedilar quando trabalhado por tradutores de

diferentes eacutepocas estilos e concepccedilotildees translatiacutecias

No proacutelogo do Prometeu Acorrentado o titatilde que daacute nome ao drama eacute escoltado

por outras trecircs divindades Kratos (ldquoPoderrdquo) Bia (ldquoviolecircnciardquo personagem mudo) e

Hefesto o ferreiro divino Kratos insta Hefesto a cumprir as ordens de Zeus de encadear

Prometeu num inoacutespito rochedo No cumprimento das ordens dadas Hefesto lamenta

seu ofiacutecio desejando que tal pertencesse a outro Kratos entatildeo responde-lhe

ldquoἅπαλη᾽ ἐπαρζῆ πιὴλ ζενῖζη θνηξαλεῖλ ἐιεύζεξνο γὰξ νὔηηο ἐζηὶ πιὴλ Δηόοrdquo

(Prometeu Acorrentado vv49-50)11

Veja-se a seguir as diferentes versotildees brasileiras para a citada resposta de

Kratos

Dom Pedro II prosa 1871 ldquoTudo foi feito para os deuses exceto imperarem

pois ningueacutem eacute livre salvo Juacutepiterrdquo

Baratildeo de Paranapiacaba verso 1907 versatildeo em que o metro varia de

acordo com o personagem ldquoAos Imortais concedido Tudo foi menos o impeacuterio Soacute

Jove eacute livrerdquo

Baratildeo de Paranapiacaba verso 1907 versatildeo onde predominam os

decassiacutelabos brancossoltos ldquoTudo aos Deuses foi dado unicamente natildeo podem

governar A natildeo ser Jove Natildeo eacute livre ningueacutemrdquo

11 Os textos editados por Mark Griffith (1997) Paul Mazon (1953) e Christian G Schuumltz (1809) do

original do Prometeu Acorrentado natildeo apresentam divergecircncias de leitura para a passagem em questatildeo

33

Ramiz Galvatildeo verso 1909 ldquoTudo aos numes foi dado exceto o mando

ningueacutem eacute senatildeo Zeus independenterdquo

J B de Mello e Souza prosa 1950 ldquoMuito podem os deuses na verdade

poreacutem dependem de um poder supremo soacute Juacutepiter eacute onipotenterdquo

Jaime Bruna prosa 1964 ldquoTodos os quinhotildees foram negociados menos o de

governar os deuses ningueacutem eacute livre senatildeo Zeusrdquo

Napoleatildeo Lopes Filho prosa 1967 ldquoTudo eacute concedido aos deuses menos o

impeacuterio Soacute Zeus eacute livrerdquo

Maacuterio da Gama Kury verso 1968 ldquoTodos temos a sorte predeterminada a

uacutenica exceccedilatildeo eacute Zeus o rei dos deuses Somente ele eacute livre entre imortais e homensrdquo

Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves verso 1977 ldquoTudo foi

traccedilado a natildeo ser para o soberano dos deuses livre de fato ningueacutem eacute exceto Zeusrdquo

Autor desconhecido prosa 1980 ldquoTodas as atribuiccedilotildees estatildeo jaacute estabelecidas

exceto para o rei dos deuses soacute Zeus eacute livrerdquo

Alberto Guzik prosa 1982 ldquoTodos os trabalhos satildeo desagradaacuteveis menos o

de rei dos deuses pois ningueacutem eacute livre senatildeo Zeusrdquo

Jaa Torrano verso 1985 ldquoTudo se deu aos Deuses menos reinar pois livre

ningueacutem eacute aleacutem de Zeusrdquo

Trajano Vieira verso 1997 ldquoOs deuses tudo provam salvo o mando

somente Zeus conhece o livre arbiacutetriordquo

Jaa Torrano verso 2009 ldquoSoacute natildeo haacute ocircnus em ser rei de Deuses pois

ningueacutem eacute livre aleacutem de Zeusrdquo

A liacutengua grega na qual foi escrito o Prometeu Acorrentado natildeo eacute um fato

imoacutevel estanque pois seu estado e entendimento mudam agrave medida que surgem novas

descobertas no campo da filologia Mas natildeo eacute soacute o entendimento da liacutengua grega que se

transforma Subirat o tradutor espanhol do Ulysses de Joyce afirmou que ldquotraduzir eacute a

maneira mais atenta de lerrdquo (apud CAMPOS 2013 p14) e leitores tambeacutem mudam ao

longo do tempo Borges com sua ironia tatildeo peculiar toca nessa questatildeo em seu conto

Pierre Menard autor do Quixote texto no qual seu personagem Menard se empenha

por recriar o Quixote de Cervantes em pleno seacuteculo XX

Compor o Quixote em princiacutepios do seacuteculo XVII era um empreendimento

razoaacutevel necessaacuterio quem sabe fatal em princiacutepios do seacuteculo XX eacute quase

impossiacutevel Natildeo transcorreram em vatildeo trezentos anos carregados de

34

complexiacutessimos fatos Entre eles para mencionar um apenas o proacuteprio

Quixote (BORGES 1999 p495)

O narrador continua

Constitui uma revelaccedilatildeo cotejar o Dom Quixote de Menard com o de

Cervantes Este por exemplo escreveu (Dom Quixote primeira parte nono

capiacutetulo)

A verdade cuja matildee eacute a histoacuteria ecircmula do tempo depoacutesito das accedilotildees

testemunha do passado exemplo e aviso do presente advertecircncia do futuro

Redigida no seacuteculo XVII redigida pelo ldquoengenho leigordquo Cervantes essa

enumeraccedilatildeo eacute mero elogio retoacuterico da histoacuteria Menard em compensaccedilatildeo

escreve

A verdade cuja matildee eacute a histoacuteria ecircmula do tempo depoacutesito das accedilotildees

testemunha do passado exemplo e aviso do presente advertecircncia do futuro

A histoacuteria matildee da verdade a ideia eacute assombrosa Menard contemporacircneo de

Willian James natildeo define a histoacuteria como indagaccedilatildeo da realidade mas como

sua origem A verdade histoacuterica para ele natildeo eacute o que aconteceu eacute o que

julgamos que aconteceu As claacuteusulas finais ndash exemplo e aviso do presente

advertecircncia do futuro ndash satildeo descaradamente pragmaacuteticas (ibidem p495)

Como jaacute mencionado quanto maior for o desejo de ler com atenccedilatildeo uma

determinada obra de penetrar em sua complexidade maior seraacute o desejo de traduzi-la

(CAMPOS 2013 pp14 17) Cada um dos tradutores brasileiros do Prometeu

Acorrentado assim como o Menard de Borges fez sua leitura a partir de seu proacuteprio

repertoacuterio a partir de sua proacutepria eacutepoca e valores Entre os tradutores brasileiros do

Prometeu houve quem natildeo se contentou com uma uacutenica ldquoleitura atentardquo Eacute o caso

como visto do Baratildeo de Paranapiacaba Ele publicou duas distintas versotildees da mesma

trageacutedia num mesmo livro Para os versos 49 e 50 do Prometeu Acorrentado na

primeira versatildeo apresentada em seu livro o Baratildeo verte ldquoAos imortais concedido Tudo

foi menos o impeacuterio Soacute Jove eacute livrerdquo Na outra versatildeo apresentada no mesmo

compecircndio temos ldquoTudo aos Deuses foi dado unicamente natildeo podem governar A

natildeo ser Jove Natildeo eacute livre ningueacutemrdquo Outro exemplo interessante eacute o do professor de

Liacutengua e Literatura Grega da USP Joseacute Antonio Alves Torrano (Jaa Torrano) Aleacutem de

sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado publicada em 1985 Torrano empreende uma

nova traduccedilatildeo da mesma trageacutedia depois de quase 24 anos publicando-a em 2009 Em

sua primeira traduccedilatildeo lecirc-se ldquoTudo se deu aos Deuses menos reinar pois livre

ningueacutem eacute aleacutem de Zeusrdquo A traduccedilatildeo posterior por sua vez apresenta a seguinte

soluccedilatildeo ldquoSoacute natildeo haacute ocircnus em ser rei de Deuses pois ningueacutem eacute livre aleacutem de Zeusrdquo

Seraacute que algo importante mudou entre essas duas versotildees Acreditamos que sim A

35

versatildeo de 1985 afirma que tudo foi dado agraves divindades ldquomenos reinarrdquo Contudo

segundo o pensamento miacutetico grego os deuses exerciam grandiosa autoridade sobre os

mortais e tambeacutem havia reis entre os humanos Jaacute a traduccedilatildeo de 2009 deixa claro que

tipo de poder eacute esse do qual os deuses foram privados ldquoSoacute natildeo haacute ocircnus em ser rei de

Deusesrdquo ou seja eles foram privados de um poder superior pertencente apenas a Zeus

Esses exemplos indicam que a traduccedilatildeo natildeo eacute ldquouma operaccedilatildeo automaacutetica fruto

de geraccedilatildeo espontacircnea algo que demanda pouco esforccedilordquo (DUARTE 2016 p51)

como se costuma pensar no senso comum Veja-se o caso do proacuteprio Dom Pedro II Ele

leu os versos 49-50 do Prometeu da seguinte forma ldquoTudo foi feito para os deuses

exceto imperarem pois ningueacutem eacute livre salvo Juacutepiterrdquo (sentido bastante proacuteximo da

traduccedilatildeo de Torrano publicada em 1985) O manuscrito no qual se encontra a traduccedilatildeo

revela que o Imperador natildeo chegou a essa soluccedilatildeo sem hesitaccedilotildees pois nos espaccedilos

interlineares da passagem citada ele anotou em letras pequeninas (terceira paacutegina do

manuscrito) ldquo(exceto para os deuses o imperarem ndash isto eacute ndash Tudo custou trabalho

exceto imperarem os deuses pois somente Juacutepiter eacute livre (natildeo obedece impera) (Qual a

melhor interpretaccedilatildeo)rdquo12

Figura 23 Imagem de trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A IHGB)

Os pontos de divergecircncia entre tradutores na leitura de uma mesma passagem

satildeo valiosos a quem se debruccedila sobre os estudos das praacuteticas tradutoacuterias pois em tais

pontos o posicionamento pessoal de cada um dos tradutores se torna ainda mais

evidente Um exemplo disso satildeo os instigantes problemas interpretativos suscitados pelo

Coro das Oceaninas (ldquoOceacircnidesrdquo ou ldquoOceacircnidasrdquo dependendo do tradutor) e seu pai

Oceano

Assim que surgem em cena as deusas Oceaninas afirmam que escutaram o

barulho longiacutenquo das cadeias de Prometeu (vv128-35) Informam tambeacutem que vieram

depois de terem convencido com dificuldade a seu pai Oceano Prometeu pede para que

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Interessante notar que soacute o Imperador traduz θνηξαλέσ por ldquoimperarrdquo ndash ldquoimpeacuterio ocorre em uma das

versotildees do Baratildeo de Paranabiacaba e de Napoleatildeo Lopes Filho a primeira dialogando com a de Dom

Pedro A escolha lexical revela aqui a funccedilatildeo do ldquotradutorrdquo e talvez uma certa identificaccedilatildeo de Dom

Pedro II com o panteatildeo grego ao refletir sobre os atributos inerentes ao exerciacutecio do poder

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elas desccedilam do carro alado e se aproximem dele mas no momento exato em que as

deusas iam tocar os peacutes descalccedilos no rochedo em que o titatilde estava encadeado chega o

proacuteprio Oceano (para se compadecer de Prometeu ou para ainda tentar impedir mesmo

que veladamente as filhas se aproximarem do titatilde) Sim o mesmo Oceano que na

Teogonia de Hesiacuteodo tinha aconselhado sua filha Estige a ser a primeira a chegar ao

ajuntamento que visava sob a lideranccedila de Zeus depor Cronos Como recompensa por

essa prontidatildeo Zeus honrou-a fazendo dela proacutepria o ldquoGrande Juramento dos deusesrdquo

(Teogonia vv775-806) Jaacute na trageacutedia de Eacutesquilo Oceano chega depois de tentar

inutilmente impedir suas outras filhas de visitar Prometeu mas natildeo hesita em dizer ao

titatilde encadeado ldquo[] pois nunca diraacutes que haacute para ti amigo mais firme que Oceanordquo

(traduccedilatildeo de Dom Pedro II) Esse mesmo Oceano exorta Prometeu a se conhecer melhor

(γίγλσζθε ζαπηὸλ v309) se harmonizar com o novo tirano dos deuses e parar de

vociferar (ζὺ δ᾽ ἡζύραδε κεδ᾽ ἄγαλ ιαβξνζηόκεη v327) Enquanto isso ele proacuteprio

Oceano iria interceder junto a Zeus em favor de Prometeu (v325-9) Prometeu entatildeo

responde a Oceano (vv330-1) ldquoAdmira-me que tu natildeo hajas sido tratado como

criminoso visto que foste meu cuacutemplice e meu ajudanterdquo (Traduccedilatildeo de JB de Mello

e Souza)

A traduccedilatildeo supracitada de JB de Mello e Souza para essa resposta de Prometeu

suscita implicaccedilotildees interessantes Pois antes da chegada de Oceano Prometeu alegara

ao Coro das Oceaninas que estava sofrendo tamanho supliacutecio por se opor aos planos de

Zeus de exterminar a humanidade Aleacutem disso o Titatilde tambeacutem afirmou que doou o fogo

mestre de todas as artes aos mortais (vv193-256) Desta forma a traduccedilatildeo de JB de

Mello e Souza daacute a entender que Oceano de alguma forma foi cuacutemplice de Prometeu

nessas accedilotildees mas conseguiu contornar a situaccedilatildeo e natildeo ser punido Essa tambeacutem parece

ser a leitura de uma traduccedilatildeo anocircnima publicada por Otto Pierre Editores em 1980

ldquoInvejo-te palavra por estares livre de causa depois de teres tomado parte como eu nas

minhas empresasrdquo Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves apresentam a

seguinte interpretaccedilatildeo ao trecho ldquoEu te invejo a ti que a salvo da acusaccedilatildeo estaacutes

tendo de tudo participado e sendo ousado como eurdquo e escrevem em nota ldquoEsta

passagem faz-nos supor que Oceano deve ter colaborado com Prometeu em seus

empreendimentos em favor dos mortaisrdquo (MALHADAS amp MOURA NEVES 1977

p35) Na traduccedilatildeo de Trajano Vieira lecirc-se ldquoSoacute te posso invejar a liberdade pois tua

ousadia foi igual agrave minhardquo Trajano escreve o seguinte em nota para a passagem citada

ldquoReferecircncia provaacutevel a uma Titanomaquia perdida na qual Oceano combateu ao lado

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de Prometeurdquo (VIEIRA 1997 p175) Entre todas as versotildees a traduccedilatildeo de Alberto

Guzik parece sugerir de forma mais expliacutecita que Oceano fora cuacutemplice de Prometeu

ldquoInvejo a sorte que tens de natildeo ser tratado como delinquente depois de ter participado

de tudo depois de teres sido soacutecio de minha audaacuteciardquo

Em contrapartida natildeo satildeo todos os tradutores que leem a passagem em questatildeo

da mesma forma Napoleatildeo Lopes Filho por exemplo entende que Oceano soacute era

cuacutemplice de Prometeu no sentido de que se dispocircs a visitaacute-lo em seu sofrimento Eis a

sua traduccedilatildeo ldquoDigo-te que eacutes feliz porque depois de ousar participar da minha dor

ainda estaacutes sem que Zeus te culperdquo - interpretaccedilatildeo diferente da apresentada nas

traduccedilotildees supracitadas Em sua traduccedilatildeo de 1985 Jaa Torrano lecirc a passagem de forma

semelhante ao que faz Napoleatildeo Lopes Filho ldquoEstimo que estejas fora da causa a

participar e ousar tudo por mimrdquo E natildeo parece que seu entendimento acerca dessa

passagem mudou em sua traduccedilatildeo de 2009 ldquoEstimo que estejas fora de causa audaz

ateacute participar de tudo comigordquo O Baratildeo de Paranapiacaba em suas versotildees de 1907

tem uma interpretaccedilatildeo semelhante agrave de Torrano e agrave de Napoleatildeo Lopes Filho ldquoAceita

embora meus pois tendo ousadoTer parte em minha docircr foste poupado E imune estaacutes

Natildeo quero te incommodesrdquo na outra versatildeo (decassiacutelabos soltos) encontra-se ldquoDou-te

os emboras por te ver imune De pena e culpa tu que a mim ligado Ousaste tomar

parte em minhas doresrdquo O curioso eacute que a traduccedilatildeo de Dom Pedro II da qual em tese

as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba teriam sido feitas diverge na interpretaccedilatildeo

ldquoInvejo-te porque ficas isento de crime tendo tudo partilhado e visado comigordquo A

traduccedilatildeo de Ramiz Galvatildeo parece estar mais alinhada agrave de Dom Pedro II nessa

passagem do que as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba ldquoEacutes feliz natildeo te inculpam bem

que houvesses tido parte na audaacutecia do meu feitordquo

Mas o problema natildeo termina aiacute Como dissemos Oceano alega estar disposto a

interceder a favor de Prometeu junto a Zeus Mas o titatilde prisioneiro cortesmente dispensa

a ajuda afirmando que natildeo desejava ver a fuacuteria de Zeus ainda mais accedilulada e recaindo

sobre Oceano tambeacutem Oceano por sua vez responde que a situaccedilatildeo de Prometeu

ensina e por isso se despede (vv374-96) O estranho eacute que Prometeu natildeo demonstra a

mesma preocupaccedilatildeo com as Oceaninas as quais ficam ao seu lado e se compadecem

dele No final da trageacutedia por exemplo Hermes (ldquoMercuacuteriordquo na traduccedilatildeo de Dom

Pedro II) discute asperamente com Prometeu Depois o Mensageiro de Zeus alerta as

Oceaninas nos seguintes termos

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Tais resoluccedilotildees e palavras de mentecapto eacute preciso contudo ouvir Que falta

pois para ele desarrazoar se nada cede das infelizes manias Mas voacutes que

vos compadeceis dos sofrimentos dele afastai-vos rapidamente destes

lugares para qualquer outro afim de que o horrendo mugido do trovatildeo natildeo

ponha atocircnitos vossos espiacuteritos (traduccedilatildeo de Dom Pedro II)

As Oceaninas entatildeo respondem a Hermes (ainda na traduccedilatildeo do Imperador)

Dize e aconselha-me outra cousa pois que me seduziste com essas palavras

de nenhum modo toleraacuteveis Como eacute que me ordenas praticar infacircmias Com

ele quero sofrer o que for necessaacuterio pois aprendi a aborrecer os traidores

nem haacute peste que mais me repugne do que esta

Mercuacuterio

Mas recordai-vos do que predigo e caccediladas pelas desgraccedila natildeo acuseis a

sorte nem digais que Juacutepiter vos arremessou a uma infelicidade imprevista

natildeo certamente poreacutem voacutes a voacutes mesmas pois sabendo-o nem suacutebita nem

ocultamente sereis envolvidas por insensatez na imensa rede da desgraccedila

Por que Prometeu natildeo pediu para as Oceaninas irem embora quando Hermes deu

o alerta supracitado mostrando preocupaccedilatildeo semelhante agrave que sentiu ndash ou que pelo

menos aparentou sentir - pelo pai delas Oceano Nesse ponto da leitura aumenta a

expectativa acerca do que iraacute acontecer com Prometeu e com o Coro das Oceaninas

Mas eacute tarde demais Prometeu exclama

Prometeu

E de fato e natildeo mais por palavras balanccedila-se a terra reboa o eco rugidor do

trovatildeo brilham as espirais ardentes do relacircmpago e os turbilhotildees revolvem o

poacute rompem os sopros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

opostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Tais iacutempetos contra

mim vem manifestamente de Juacutepiter para meterem medo Oacute nume de minha

matildee oacute ar que volves a luz comum de todos ves quatildeo injustamente sofro

(traduccedilatildeo de Dom Pedro II)

Desta forma acaba a trageacutedia Depois disso Eacutesquilo silencia A expectaccedilatildeo ainda

estaacute agrave tona Mas uma pergunta ainda fica no ar o que aconteceu com as Oceaninas

Silecircncio silecircncio e mais silecircncio Um silecircncio tatildeo abismal quanto aquele penedo em que

Prometeu fora acorrentado Silecircncio tatildeo inquietante a ponto de fazer alguns dos

tradutores brasileiros do Prometeu tentarem quebraacute-lo

Depois da uacuteltima fala de Hermes por exemplo Napoleatildeo Lopes Filho

acrescenta ldquo(Vatildeo-se Hermes e as Oceacircnides)rdquo algo que natildeo estaacute no original que como

se sabe natildeo traz rubricas Alberto Guzik por sua vez tambeacutem quebra o silecircncio

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escrevendo ldquoHermes se retirardquo O mesmo faz o Tradutor Anocircnimo de 1980 na fala das

Oceaninas acresce que uma delas (o corifeu) ldquo(aproxima-se de Prometeu)rdquo e depois da

fala de Hermes que ldquo(Hermes afasta-se Ouve-se um trovatildeo subterracircneo)rdquo J B de

Mello e Souza tambeacutem se posiciona ldquo(Sai Mercuacuterio)rdquo Jaacute Maacuterio da Gama Kury

escreve ldquoEntre relacircmpagos trovotildees e terremotos desaparecem PROMETEU e as

Oceacircnides do Corordquo O Baratildeo de Paranapiacaba natildeo escreve nada no corpo do texto

mas numa nota afirma que ldquoRetira-se Mercuacuterio e supotildee-se que o coro o acompanhardquo

Jaime Bruna vai aleacutem escrevendo ldquo(Relacircmpagos trovotildees ventania as Oceacircnides

fogem espavoridas e as penhas desabam sobre Prometeu)rdquo Eacute claro que com essa

interpretaccedilatildeo de Bruna as Oceaninas natildeo teriam cumprido a sua palavra de sofrerem

lealmente ao lado de Prometeu Mas nem por isso poderiacuteamos chamaacute-las de traidoras

Pois afinal de contas quem natildeo se sentiria aterrorizado diante da fuacuteria portentosa de

Zeus Veja-se por exemplo o caso do proacuteprio Prometeu Diante de Hermes ele fala

convicto e ousadamente

Por isso arremesse-se sobre mim a espiral de fogo de dois gumes e o ar seja

revolvido pelo trovatildeo e a tormenta dos ventos furiosos sacuda o furacatildeo a

terra com as proprias raiacutezes desde os alicerces e com aacutespero bramido

confunda as ondas do mar e os cursos dos astros celestes e precipite

inteiramente meu corpo no negro Taacutertaro levado pelos irresistiacuteveis turbilhotildees

da fatalidade em todo o caso natildeo me faraacute morrer (traduccedilatildeo de Dom Pedro

II)

Poreacutem quando Zeus passa ldquodas palavras agrave accedilatildeordquo Prometeu natildeo demonstra

tamanha ousadia e natildeo hesita em chamar pela matildee

E de fato e natildeo mais por palavras balanccedila-se a terra reboa o eco rugidor do

trovatildeo brilham as espirais ardentes do relacircmpago e os turbilhotildees revolvem o

poacute rompem os sopros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

opostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Oacute nume de minha

matildee oacute ar que volves a luz comum de todos vecircs quatildeo injustamente sofro

(traduccedilatildeo de Dom Pedro II grifo nosso)

Haacute de se supor portanto que Prometeu natildeo saiu a correr (como as Oceaninas na

interpretaccedilatildeo de Bruna) simplesmente por estar acorrentado pelas divinas cadeias de

Hefesto Por isso haacute de se perdoar as Oceaninas caso elas de fato tenham fugido

espavoridas

Seja como for Trajano Vieira e tambeacutem Malhadas e Moura Neves natildeo quebram

o silecircncio de Eacutesquilo em suas respectivas traduccedilotildees e o mesmo faz Jaa Torrano em suas

traduccedilotildees de 1985 e 2009 Natildeo obstante em um dos estudos que acompanham a

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traduccedilatildeo de 2009 Torrano se manifesta a respeito Acerca de sua interpretaccedilatildeo bastante

instigante trataremos na sequecircncia

O Prometeu Acorrentado eacute muitas vezes lido como uma espeacutecie de manifesto

contra a tirania como se Eacutesquilo estivesse acusando energicamente o governante

supremo do Olimpo de injusto Acreditamos que essa leitura deve ser vista com

bastante cautela levando-se em conta que natildeo temos a trilogia completa na qual o

Prometeu Acorrentado estava incluiacutedo Aleacutem disso tomando Zeus simplesmente como

um tirano injusto e furioso tem-se a impressatildeo de que Eacutesquilo estaria indo na

contramatildeo de suas outras obras remanescentes como a trilogia Oresteia Diante disso o

estudo de Jaa Torrano sobre o Prometeu Acorrentado toca numa questatildeo importante

envolvendo o papel do Coro das Oceaninas e abre uma perspectiva interessante acerca

da justiccedila e do poder divinos dentro da trageacutedia em questatildeo Apontando para a ideia de

que Zeus dentro do pensamento miacutetico grego eacute o padratildeo absoluto de justiccedila e de que

esse entendimento estava mais de acordo com a cosmovisatildeo de Eacutesquilo Torrano

argumenta que essa trageacutedia apresenta tambeacutem o ponto de vista de Prometeu que

justamente se rebela contra o padratildeo de justiccedila dominante

A meu ver essa noccedilatildeo de verdade que estaacute no coraccedilatildeo da Oresteia de

Eacutesquilo funda e orienta o tratamento que se daacute agrave noccedilatildeo de Zeus na trageacutedia

de Eacutesquilo Prometeu Cadeeiro Trabalhando com a hipoacutetese da homologia

estrutural entre a noccedilatildeo miacutetica homeacuterica e hesioacutedica de Zeus e a noccedilatildeo

filosoacutefica platocircnica de ldquoideia do bemrdquo (t‟agathoacuten) verificamos que em toda

essa trageacutedia e especialmente na cena de Io a noccedilatildeo de Zeus ndash entendida

como o fundamento dos fundamentos e especialmente o fundamento de todo

e qualquer exerciacutecio de poder ndash eacute vista pelo lado esquerdo e eacute nessa leitura

sinistra da noccedilatildeo de Zeus que se impotildee a perspectiva que se descortina pelo

lado direito dessa mesma noccedilatildeo (TORRANO 2009 p339)

Torrano entende que Estige filha de Oceano estaacute presente dentro da trageacutedia

multiplicada no coro das Oceaninas ldquoAs Oceaninas essa multiplicaccedilatildeo de Estigerdquo

(ibidem p333) Jaa Torrano ainda escreve

Quando Zeus conclamava os imortais ao Olimpo agraves veacutesperas da

Titanomaquia aconselhada por seu pai Oceano Estige foi a primeira a

apresentar-se com seus quatro filhos [Poder Violecircncia Zelo e Vitoacuteria]

Como recompensa dessa alianccedila de primeira hora vencido o Titatilde Zeus

honrou-a fazendo dela proacutepria o ldquoGrande Juramento dos Deusesrdquo e seus

filhos residiram com ele para sempre Na ldquodescriccedilatildeo do Taacutertarordquo na

Teogonia de Hesiacuteodo no mitologema de Estige explica-se esta expressatildeo

ldquoGrande Juramento dos Deusesrdquo (theocircn meacutegas hoacuterkos T784) iacutengreme pedra

donde fria aacutegua de muitos nomes se precipita na Noite negra Cada vez que

Rixa e Briga surgem entre os imortais Zeus faz a mensageira Iacuteris buscar a

longiacutenqua aacutegua de Estige Quem a esparge pronunciando um perjuacuterio jaz

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sem focirclego um ano inteiro sob maligno torpor depois banido por nove anos

soacute no deacutecimo frequenta de novo as reuniotildees dos Deuses Oliacutempios (T 775-

806) (TORRANO 2009 pp330)

Ao longo da trageacutedia Prometeu afirma possuir um segredo que faraacute Zeus cair de

sua posiccedilatildeo de poder O Titatilde tambeacutem alega que soacute revelaraacute essa informaccedilatildeo a Zeus se

ele o libertar daquele aviltante supliacutecio Torrano entende que Prometeu estaacute ldquoblefandordquo

ao afirmar isso e que justamente por falar uma mentira diante do coro das Oceaninas

(que seriam a Estige no ldquoGrande Juramento dos Deusesrdquo) acaba sendo punido por isso

vindo a sucumbir ao Taacutertaro

Essa interpretaccedilatildeo do sentido geral desse drama como o do grande Juramento

dos Deuses explica por que o coro de Oceaninas embora inocente de toda

acusaccedilatildeo que possa pesar sobre Prometeu no entanto se precipita no abismo

junto com ele precipita-se porque assim eacute Estige Essa precipitaccedilatildeo

demonstra que nesse drama bem como nos outros seis supeacuterstites de

Eacutesquilo Zeus eacute o transcendente fundamento da justiccedila da verdade e da

prudecircncia (TORRANO 2009 p338)

Poderemos averiguar que Torrano em sua leitura do Prometeu Acorrentado

dialoga intensamente com a obra de Hesiacuteodo Na Teogonia Estige eacute descrita como o

deacutecimo braccedilo do rio Oceano e a uacutenica de suas filhas que se precipita na Noite Negra

(vv787-9) Ainda segundo Hesiacuteodo Oceano circunda toda a Terra com seus outros

nove braccedilos (Teogonia vv789-90) Torrano tambeacutem um dos tradutores brasileiros de

Hesiacuteodo entende que Oceano seria a fronteira entre o Ser e o Natildeo Ser Mas Hesiacuteodo

natildeo eacute a uacutenica referecircncia grega que Torrano traz para dentro de sua reflexatildeo sobre o

Prometeu O Grande Juramento dos deuses tambeacutem eacute mencionado na Iliacuteada No poema

de Homero afirma-se que as divindades invocavam o Ceacuteu a Terra e as aacuteguas de Estige

quando faziam o Grande Juramento (Iliacuteada XV 34-8) Levando-se em conta que

Prometeu em sua primeira fala no drama (vv88-127) invoca o Aitheacuter (Eacuteter ldquoFulgorrdquo)

os Ventos as Fontes dos rios as Ondas marinhas a Terra e o Sol que se configurariam

como a totalidade do Ser Torrano vecirc nesses dados fortes indiacutecios de que Eacutesquilo estaria

situando a trageacutedia no Grande Juramento dos deuses Aleacutem disso o local eacute de precipiacutecio

(Prometeu v15) o que poderia sugerir a presenccedila de Estige posto que ela eacute a uacutenica

dentre as filhas de Oceano como visto que se precipita na Noite Negra Trataria-se

portanto de uma situaccedilatildeo limiacutetrofe na qual Prometeu se encontrava dentro da trageacutedia

de Eacutesquilo isto eacute entre o Ser e o Natildeo Ser

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A proposta de Jaa Torrano eacute bastante singular haja vista a usual interpretaccedilatildeo de

considerar Prometeu como uma espeacutecie de prefiguraccedilatildeo de Cristo ou de Che Guevara

(TORRANO 1985 p23) Apesar disso entendemos que existem algumas passagens na

trageacutedia que natildeo parecem se encaixar facilmente na interpretaccedilatildeo proposta Por

exemplo Hermes foi enviado por Zeus justamente para arrancar a informaccedilatildeo de

Prometeu sob a ameaccedila de muitos males (vv944-52) atitude injustificaacutevel se tudo natildeo

passasse de um ldquobleferdquo

Em outra parte da trageacutedia Prometeu tambeacutem deu provas de sua capacidade

premonitoacuteria (vv823-77) Aleacutem disso se descer ao Taacutertaro fosse o modus operandi das

Oceaninas por que Hermes faria o seguinte alerta a elas

Mas recordai-vos do que predigo e caccediladas pela desgraccedila natildeo acuseis a sorte

nem digais que Juacutepiter vos arremessou a uma infelicidade imprevista natildeo

certamente poreacutem voacutes a voacutes mesmas pois sabendo-o nem suacutebita nem

ocultamente sereis envolvidas por insensatez na imensa rede da desgraccedila

(traduccedilatildeo de Dom Pedro II)

Embora dois dos quatro filhos de Estige estejam presentes no drama Kratos

(ldquoPoderrdquo) e Bia (ldquoViolecircnciardquo) considerar as Oceaninas como uma multiplicaccedilatildeo de

Estige eacute uma concessatildeo que o leitor daacute agrave argumentaccedilatildeo proposta por Jaa Torrano posto

que o nome ldquoEstigerdquo natildeo eacute pronunciado nenhuma vez ao longo da trageacutedia Prometeu

Acorrentado13

Se perjurar ante Estige fosse o uacutenico motivo pelo qual os deuses eram

precipitados no Taacutertaro deduzir que as Oceaninas satildeo Estige na trageacutedia em questatildeo

seria ainda mais coerente Nesse cenaacuterio hipoteacutetico poderiacuteamos recorrer ao seguinte

silogismo

1 Os deuses satildeo precipitados no Taacutertaro somente quando perjuram ante Estige

2 Prometeu foi precipitado no Taacutertaro

3 Logo Prometeu perjurou

No entanto o supracitado raciociacutenio se mostra reducionista frente a outros

dados encontrados dentro da literatura grega e inadequados para endossar a leitura que

Torrano faz Sabe-se por exemplo que Zeus poderia lanccedilar ao Taacutertaro qualquer deus

que se opusesse a seus propoacutesitos Eacute o que podemos notar numa famosa passagem do

Canto VIII da Iliacuteada na qual Zeus quando desejou equilibrar momentaneamente a

guerra em Troia ameaccedilou jogar no Taacutertaro qualquer deus que tentasse interferir nela

13 Por ser filha de Oceano mas natildeo a uacutenica como visto Estige eacute chamada de ldquoOceaninardquo ( Ὠθεαλίλε) na

Teogonia de Hesiacuteodo (v389) Estige eacute a filha mais velha de Oceano (vv775-7)

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Na trageacutedia de Eacutesquilo Prometeu alega que o motivo pelo qual estava sofrendo

aqueles supliacutecios era sua oposiccedilatildeo aos planos de Zeus (vv231-8) e ateacute mesmo seus

inimigos confirmam isso (vv1-11)

Chegamos agrave terra remota agrave regiatildeo Cita a ermo despovoado Vulcano

cumpre cuidares das ordens que te deu o pai de ligar este malfeitor aos

rochedos alcantilados com algemas infrangiacuteveis de vinculos de accedilo Tua

chama com efeito o brilho do fogo uacutetil a todas as artes deu aos mortais

tendo-o furtado Na verdade cumpre que expie para com os deuses tal

pecado para que aprenda a venerar o poder de Juacutepiter e desista de haacutebitos

filantroacutepicos (traduccedilatildeo de Pedro II grifo nosso)

Por outro lado haacute um ponto crucial que daria forccedila agrave tese do ldquobleferdquo a

afirmaccedilatildeo feita pelo titatilde de que haveria um poder superior ao de Zeus isto eacute o poder

das Moiras (ou ldquoPartesrdquo na traduccedilatildeo de Torrano) ldquoCoro Quem eacute o timoneiro da

necessidade Prometeu Partes triformes e mecircmores Eriacutenies Coro Ora Zeus pode

menos do que elas Prometeu Natildeo escaparia agrave parte que lhe caberdquo (vv515-8 traduccedilatildeo

de Jaa Torrano) Se estiveacutessemos jogando pocircquer com Prometeu (e por certo

perderiacuteamos a natildeo ser que a filantropia do deus falasse mais alto do que a sua grandiosa

sagacidade) apostariacuteamos nossas fichas nesse ponto a questatildeo das Moiras seria o seu

blefe Pois sabemos por Hesiacuteodo que as Moiras satildeo filhas de Zeus e Thecircmis (Teogonia

vv901-6)14

e o poder delas segundo o proacuteprio Hesiacuteodo emana justamente de Zeus

ldquo[] as Partes a quem mais deu honra o saacutebio Zeus Fiandeira Distributriz e Inflexiacutevel

que atribuemAos homens mortais os haveres de bem e de mal (vv904-6 traduccedilatildeo de

Jaa Torrano) Ora se o poder das Moiras adveacutem do proacuteprio Zeus como elas teriam

poder sobre ele15

Prometeu tambeacutem afirmou que estava sofrendo injustamente

(v1093) mas em relaccedilatildeo a que padratildeo ele se refere se era Zeus que pelo menos

aparentemente dava a uacuteltima palavra Pois se dissermos por exemplo que uma linha eacute

ldquotortardquo assim o fazemos por contraposiccedilatildeo agrave ideia de uma linha que eacute reta a qual nos

serve como paracircmetro No iniacutecio da trageacutedia mesmo a contragosto Prometeu confessa

que o filho de Cronos embora aacutespero ldquotem a justiccedila junto de sirdquo (vv186-7) Diante

disso sugerimos o seguinte raciociacutenio

1 Os deuses sucumbiam ao Taacutertaro se natildeo respeitassem os propoacutesitos de Zeus eou

perjurassem diante de Estige

2 Prometeu sucumbiu ao Taacutertaro

14

Em Hesiacuteodo as Moiras tambeacutem satildeo descritas como filhas da Noite (Teogonia vv217-9) 15 No entanto Zeus natildeo poupou seu proacuteprio filho Sarpeacutedon da morte decretada pelas Moiras embora

quisesse (Iliacuteada XVI 436-49)

44

3 Logo ele se opocircs aos propoacutesitos de Zeus eou perjurou diante de Estige

Em suma se as Oceaninas satildeo uma multiplicaccedilatildeo de Estige como sugere

Torrano entatildeo eacute bastante provaacutevel que Eacutesquilo estivesse situando seu drama no

ldquoGrande Juramento dos deusesrdquo Se assim natildeo for Prometeu natildeo perjurou mas

unicamente mentiu acerca da soberania divina (pois todo perjuacuterio eacute uma mentira mas

nem toda mentira eacute um perjuacuterio) As inverdades proferidas pelo titatilde seriam indiacutecios de

sua relutacircncia em aceitar a soberania do novo Rei dos Venturosos como ele mesmo

afirma agraves Oceaninas ldquoVenera invoca lisongea quem ainda agora impera Juacutepiter

importa-me menos que nada Obre impere neste curto tempo como queira pois natildeo

governaraacute os deuses muito tempordquo (Traduccedilatildeo de Dom Pedro II) Aleacutem disso o efeito

traacutegico seria ainda mais potencializado nesse sentido pois as Oceaninas sofreriam natildeo

por serem maacutes mas por um erro de decisatildeo (ARISTOacuteTELES Poeacutetica1452 b) ao se

oporem a Zeus devido agrave grande comiseraccedilatildeo que sentiram pelo titatilde encadeado Por natildeo

terem dado atenccedilatildeo ao ultimato de Hermes foram lanccediladas juntamente com Prometeu

no Taacutertaro

Embora natildeo possamos afirmar com certeza que o Prometeu Acorrentado situa-

se no ldquoGrande Juramento dos deusesrdquo a leitura proposta por Torrano tem a virtude de

nos instigar a olhar com mais atenccedilatildeo para aspectos pouco cogitados do Prometeu

Acorrentado Eacute uma leitura rica em conexotildees com outras referecircncias dentro da literatura

grega e seu repertoacuterio de imagens Diante de sua abordagem a possibilidade de que

Eacutesquilo quisesse demonstrar pelo seu drama que contra Zeus ningueacutem pode triunfar

mesmo que esse opositor seja um simpaacutetico filantropo torna-se ainda mais forte

Pode-se notar por meio dos exemplos apresentados que a transmissatildeo de um

texto literaacuterio via traduccedilatildeo eacute uma atividade complexa e rica em debate reflexotildees e

posicionamentos Atividade em que os esforccedilos individuais de cada tradutor contribuem

para lanccedilar luz sobre questotildees desconsideradas trazendo soluccedilotildees ou suscitando pontos

a serem pensados com mais profundidade Eacute praticamente impossiacutevel que uma uacutenica

traduccedilatildeo abarque todo o potencial de sentido e efeito esteacutetico que uma obra literaacuteria

original possui

Quem herda uma liacutengua possui muito mais do que eacute dos outros do que de si

proacuteprio mesmo que natildeo tenha consciecircncia disso Revisitar a tradiccedilatildeo eacute uma

possibilidade que o tradutor tem de tomar consciecircncia daquilo que recebeu e transmitiu

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(consciente ou inconscientemente) agrave sua geraccedilatildeo e tambeacutem daquilo que doou de si

proacuteprio numa contribuiccedilatildeo para o avanccedilo em pontos natildeo alcanccedilados pelos seus

precedentes ou ateacute mesmo pelos seus contemporacircneos

Em todo ato de comunicaccedilatildeo entre falantes de uma mesma liacutengua ocorre o

esforccedilo de interpretaccedilatildeo e transmissatildeo do que foi dito ou escrito (STEINER 2005

p73) e isso eacute algo que guardadas as devidas proporccedilotildees eacute bastante semelhante ao

proacuteprio ato de traduzir Tradutores natildeo costumam chamar muito a atenccedilatildeo satildeo como o

fermento agem silenciosamente e por isso mesmo desconfia-se que exerccedilam uma

influecircncia sutil poreacutem efetiva no sistema de uma liacutengua Se os Claacutessicos satildeo ldquolivros

que exercem uma influecircncia particular quando se impotildeem como inesqueciacuteveis e

tambeacutem quando se ocultam nas dobras da memoacuteria mimetizando-se como inconsciente

coletivo ou individualrdquo (CALVINO 2007 pp10-1) muito dessa influecircncia eacute efetivada

via tradutores Entender o trabalho destes eacute algo que pode contribuir para tambeacutem

entender a proacutepria liacutengua Talvez por isso Steiner afirmara que um estudo sobre

traduccedilatildeo eacute tambeacutem um estudo sobre a linguagem (2005 p73)

Dado a importacircncia dos tradutores para o desenvolvimento da liacutengua e da cultura

letrada de um paiacutes natildeo se poderia deixar de tecer algumas consideraccedilotildees acerca da vida

e da obra daqueles que se esforccedilaram para que o Prometeu Acorrentado fosse lido em

liacutengua portuguesa Eacute o que se pretende fazer nas proacuteximas seccedilotildees desse capiacutetulo

12 Dom Pedro II

Pedro de Alcacircntara nasceu agraves 2h30 da madrugada do dia 2 de dezembro de 1825

no Rio de Janeiro Sua matildee a Imperatriz Leopoldina morreu alguns dias depois do

primeiro aniversaacuterio de Pedro em 11 de dezembro de 1826 (CALMON 1975 p15)

Dom Pedro II faleceu em Paris em 5 de dezembro de 1891 aos 66 anos

Seu pai Dom Pedro I abdicou do trono brasileiro e voltou agrave Europa deixando

seu filho aos cuidados de tutores (CARVALHO 2007 p31) Privado de sua matildee e de

seu pai o pequeno Pedro de Alcacircntara tornou-se por assim dizer Imperador com

apenas cinco anos de idade (OLIVIERI 1999 p5) Esse primeiro choque contribuiu

para que Dom Pedro II considerasse o trono como uma espeacutecie de fardo (CARVALHO

2007) Em meio a um ambiente cheio de expectativas e de uma infacircncia sem amigos o

jovem Imperador encontrou refuacutegio nos livros

46

DPedro II era muito aplicado agraves atividades de sua educaccedilatildeo Com a idade de

nove anos dominava o Francecircs e iniciava-se na leitura e traduccedilatildeo do Inglecircs

aleacutem do Alematildeo do Latim e do Grego que eram liacutenguas indispensaacuteveis na

formaccedilatildeo de um representante da elite da eacutepoca No paccedilo de Satildeo Cristovatildeo

residecircncia imperial o herdeiro do trono recebeu liccedilotildees de Latim Loacutegica e

Matemaacutetica Religiatildeo Equitaccedilatildeo Pintura e Literatura A ele ensinavam um

pouco de tudo (SOARES et al 2013 p18)

Segundo o Baratildeo de Paranapiacaba (1907 p260) ldquoDom Pedro II tinha apenas

quinze annos e jaacute possuiacutea conhecimentos raros para sua idade adquiridos em estudo

insanordquo16

Essa rotina de estudo estaacute registrada no diaacuterio que o Imperador manteve durante

toda a sua vida Por exemplo em 4 de dezembro de 1840 quando o monarca contava 15

anos lecirc-se ldquoLevantei-me agraves horas do costume e estudarei o meu endiabrado

grego[]rdquo17

Os resultados desses estudos contudo raramente foram dados ao

conhecimento puacuteblico Ao tratar de suas produccedilotildees escritas Dom Pedro II escreve que

natildeo foram limadas para se mostrar (LYRA 1977 p93) Entre essas produccedilotildees

encontra-se a traduccedilatildeo em prosa da trageacutedia Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo da qual

eacute significativo o testemunho do diplomata francecircs Joseph Arthur de Gobineau (1816-

1882)18

Constrangido a exercer sua profissatildeo no Brasil Gobineau encontrava certo

refrigeacuterio nas palestras literaacuterias que partilhava com Pedro II aos domingos no Palaacutecio

de Satildeo Cristovatildeo Lamentava-se poreacutem que seu amigo fosse imperador pois segundo

ele Dom Pedro II possuiacutea talentos e meacuteritos demais para tal cargo (RAEDERS 1944 p

XIX) Apesar de sua estima pelo Imperador Gobineau estava cansado do Brasil e

depois de meses de insistentes pedidos ao governo francecircs conseguiu enfim a tatildeo

almejada licenccedila para voltar agrave Franccedila o que de fato ocorreu em maio de 1870

16 Ortografia original mantida

17

A transcriccedilatildeo de alguns dos diaacuterios de Dom Pedro II foi gentilmente cedida pelo Museu Imperial

localizado em Petroacutepolis Rio de Janeiro O trecho citado foi tirado dessa transcriccedilatildeo O trabalho de

transcriccedilatildeo dos diaacuterios do Imperador foi organizado por Begonha Bediaga e publicado no livro Diario do

Imperador DPedro II 1840-1890 Petroacutepolis Museu Imperial 1999

18

Gobineau filoacutesofo e escritor exerceu funccedilotildees diplomaacuteticas no Brasil entre 1869-1870 quando se

aproximou do ciacuterculo do Imperador Tornou-se mais conhecido pela publicaccedilatildeo do livro ldquoEnsaio sobre a

desigualdade das raccedilas humanasrdquo (1855) em que defendia teorias de cunho racista Tambeacutem foi autor de

uma vasta obra literaacuteria que inclue romance e poesia de ensaios de natureza histoacuterica e filoloacutegica como

por exemplo Traiteacute des eacutecritures cuneacuteiformes (1864)

47

Antes da partida de Gobineau Pedro de Alcacircntara lhe revelou o propoacutesito de

fazer uma traduccedilatildeo da famosa trageacutedia de Eacutesquilo Deste entatildeo o diplomata francecircs

passou a incentivaacute-lo a fazecirc-la em versos Mas Dom Pedro II ainda estava entregue agraves

preocupaccedilotildees acerca da longa e cruenta Guerra do Paraguai que soacute chegou ao fim

depois da morte do ditador Solano Loacutepez em marccedilo de 1870 (RAEDERS 1938 p17)

Talvez o choque entre uma monarquia constitucional e uma ditadura em efetiva

expansatildeo tenha suscitado no Imperador o interesse pelo Prometeu Acorrentado Em

geral suas traduccedilotildees eram de cunho pessoal muitas vezes suscitadas por discussotildees e

reflexotildees entre ele e pessoas de sua confianccedila (SOARES et al 2013 pp25-6 DAROS

2012 p240)

Com o fim da guerra Pedro de Alcacircntara escreve a Gobineau afirmando que iria

retomar seu projeto de traduzir o Prometeu Acorrentado e um dos livros da Biacuteblia no

caso o do profeta Isaiacuteas Gobineau responde em 7 de janeiro de 1871 (a traduccedilatildeo do

Prometeu ficaria pronta em 14 de abril do mesmo ano) ldquoA intenccedilatildeo que Vossa

Majestade tem de continuar as duas traduccedilotildees de Isaiacuteas e de Prometeu me causa um

prazer extremordquo (apud RAEDERS 1938 p34) Mas antes em 7 de agosto de 1870

(alguns meses depois da queda de Solano Loacutepez) Gobineau jaacute havia escrito ldquoTerei em

breve a honra de vos enviar senhor algumas notas para o Prometeu que eu bem quisera

ver terminado em versos Seria um lindo monumento e a ele dou grande importacircnciardquo

(ibidem pp21-2)

Apesar de todos os rogos de seu amigo francecircs Dom Pedro II decidiu fazer uma

traduccedilatildeo em prosa da trageacutedia que fora originalmente composta em versos Teimosia

imperiacutecia poeacutetica ou simplesmente prudecircncia O que teria feito Dom Pedro II tomar

essa decisatildeo Gostariacuteamos de tecer e apresentar algumas hipoacuteteses a esse respeito

No texto As versotildees Homeacutericas (1994 p 72) Jorge Luis Borges afirma que

O conceito de texto definitivo natildeo corresponde senatildeo agrave religiatildeo ou ao

cansaccedilo A supersticcedilatildeo da inferioridade das traduccedilotildees ndash cunhada pelo

conhecido adaacutegio italiano ndash procede de uma experiecircncia desatenta Natildeo

existe um bom texto que natildeo pareccedila invariaacutevel e definitivo se o percorrermos

um nuacutemero suficiente de vezes

Por outro lado o mesmo Borges confessa que agraves vezes se deixava levar pela tatildeo

inconveniente ldquosupersticcedilatildeordquo da inferioridade das traduccedilotildees em relaccedilatildeo agrave obra traduzida

48

Natildeo sei se a seguinte informaccedilatildeo seria boa para uma divindade imparcial Em

un lugar de la Mancha de cuyo nombre no quiero acordarme no ha mucho

tiempo que vivia um Hidalgo de los de lanza en astillero adarga antigua

rociacuten flaco y galgo corredor sei unicamente que toda a modificaccedilatildeo eacute

sacriacutelega e que natildeo posso conceber um outro iniacutecio para o Quijote Cervantes

creio eu prescindiu dessa leve supersticcedilatildeo e talvez natildeo tivesse identificado

esse paraacutegrafo Em contrapartida eu natildeo poderei senatildeo repudiar qualquer

divergecircncia DQuixote devido ao meu exerciacutecio congecircnito do espanhol eacute

um monumento uniforme sem outras variaccedilotildees que aquelas apresentadas

pelo editor pelo encadernador e pelo tipoacutegrafo Quanto agrave Odisseacuteia graccedilas ao

meu oportuno desconhecimento do grego eacute uma biblioteca internacional de

obras em prosa e em verso [](BORGES1994 p72 grifo do autor)

Poreacutem Pedro de Alcacircntara natildeo era desconhecedor do idioma grego como Jorge

Luis Borges E por isso mesmo paradoxalmente correria um maior risco de ldquocontrairrdquo a

supersticcedilatildeo do Traduttore Traditore alegada por Borges pois ldquotoda a modificaccedilatildeo eacute

sacriacutelegardquo para quem conhece bem a liacutengua original de uma obra Essa hipoacutetese natildeo nos

pareceraacute estapafuacuterdia se considerarmos as traduccedilotildees feitas por Dom Pedro II de poesias

escritas em liacutenguas modernas e suas tentativas agraves vezes obstinadas de manter a

estrutura presente nos originais Conforme observa Daros a respeito das traduccedilotildees de

Dante feitas pelo Imperador

A microanaacutelise das traduccedilotildees assinala a tendecircncia de Dom Pedro em manter

similaridade com as caracteriacutesticas do original do qual traduzia ou seja

mantinha com este uma relaccedilatildeo formal procurando conservar-lhe o

conteuacutedo tal como se apresentava observando a disposiccedilatildeo espacial da

meacutetrica e sempre que possiacutevel a sonoridade da rima (DAROS 2012 p240)

No entanto a traduccedilatildeo jaacute eacute em si uma modificaccedilatildeo uma espeacutecie de ldquoreescritardquo

(LEFEVERE 2007) e as dificuldades de Dom Pedro II aumentavam ainda mais quando

se tratava de uma obra poeacutetica escrita em liacutengua grega

Sendo o ritmo do verso o resultado de certa forma de junccedilatildeo de palavras de

acordo com as leis de versificaccedilatildeo conclui-se que o pensamento poeacutetico

exposto num certo idioma e cujas palavras tecircm seu feitio socircnico proacuteprio natildeo

pode reproduzir senatildeo por acaso o mesmo ritmo de traduccedilatildeo para outro

idioma A dificuldade cresce na medida das diferenciaccedilotildees dos idiomas (DE

CARVALHO 1991 p137)

Eis o dilema enfrentado pelo douto tradutor ele eacute o mais capacitado a traduzir

pois conhece bem a liacutengua original mas justamente devido a essa familiaridade com a

liacutengua da obra a ser traduzida ele hesita titubeia pois a modificaccedilatildeo do original pode

lhe parecer uma profanaccedilatildeo uma ldquomodificaccedilatildeo sacriacutelegardquo Nesse caso segundo

49

Amorim de Carvalho (1991 p138) a traduccedilatildeo em prosa ldquoeacute a mais faacutecil a favor da

fidelidade ao pensamento poeacuteticordquo Amorim de Carvalho tambeacutem afirma que um

tradutor pode escolher entre duas disposiccedilotildees numa traduccedilatildeo em prosa

1ordf Usar a vulgar disposiccedilatildeo graacutefica da prosa isto eacute sem as linhas

independentes dos respectivos versos no original por natildeo haver na traduccedilatildeo

obtida elementos manifestos e intencionais de divisotildees riacutetmicas

2ordf Manter a disposiccedilatildeo graacutefica dos versos em linhas de prosa independentes

(ldquoversos livresrdquo) para facilitar o confronto o que eacute um processo didaacutetico

interessante (ibidem p137)

Para esse autor a traduccedilatildeo em ldquoversos livresrdquo eacute uma espeacutecie de prosa jaacute que

nesse tipo de traduccedilatildeo natildeo haacute uma preocupaccedilatildeo especial com o ritmo e a melodia dos

versos (ibidem pp137-141)19

E de fato geralmente as traduccedilotildees chamadas

ldquoacadecircmicasrdquo optam pela disposiccedilatildeo em linha natildeo por uma preocupaccedilatildeo esteacutetica mas

sim ldquopara facilitar o confronto o que eacute um processo didaacutetico interessanterdquo (ibidem

p138)

Pode estar aiacute a razatildeo de Dom Pedro II ter escolhido a prosa em vez do verso

Apesar de seu apreccedilo pela arte e pela literatura suas aspiraccedilotildees linguiacutesticas prevaleciam

sobre as poeacuteticas Para ele a traduccedilatildeo era um meio privilegiado de leitura hermenecircutica

e heuriacutestica Parece que seu objetivo principal quando traduzia era o entendimento

profundo do proacuteprio texto e da liacutengua que fora escrito mais do que o anseio por criar

uma obra de arte e ser reconhecido por causa dela anseio que possuiacutea mas natildeo

prevalecia (DAROS 2012 p237-40) Por outro lado caso Dom Pedro II realmente

intentasse fazer uma traduccedilatildeo poeacutetica em versos mesmo com a impossibilidade de

reproduzir os efeitos riacutetmicos e sonoros do original uma possibilidade teria sido tentar

aplicar ao pensamento poeacutetico de Eacutesquilo um ritmo e melodia diferentes como fez

muitas vezes Castilho traduzindo Moliegravere (DE CARVALHO 1991 p141)

19 Olavo Bilac afirmou que ldquotemos na liacutengua portuguesa versos de duas ateacute doze siacutelabasrdquo (1905 p76)

Excedendo-se essa margem entraria-se no domiacutenio do ldquoverso livrerdquo Por outro lado vale a pena lembrar

que o proacuteprio Bilac compocircs o poema ldquoCantilenardquo utilizando versos de 14 siacutelabas Embora o poema de

Bilac natildeo estivesse de acordo com o limite de nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas estabelecido pela metrificaccedilatildeo

portuguesa tradicional para um verso seus efeitos sonoros poreacutem revelam a construccedilatildeo do ritmo por

parte do autor Tambeacutem para Manuel Bandeira (1997 p536) ldquoDesde que o poeta prescinde do apoio

riacutetmico fornecido pelo nuacutemero fixo de siacutelabas penetra no domiacutenio do verso livre o qual em sua extrema

liberaccedilatildeo isto eacute quando natildeo se socorre de nenhum apoio riacutetmico poderia confundir-se com a prosa

riacutetmica se natildeo houver nele a unidade formal interior aquilo que de certo modo o isola no contexto

poeacuteticordquo Diante das opiniotildees desses dois autores a afirmaccedilatildeo de Amorin de Carvalho pode parecer um

tanto quanto reducionista embora nos sirva como ponto de partida para a problematizaccedilatildeo dessa questatildeo

que seraacute mais aprofundada ao longo das anaacutelises das traduccedilotildees presentes nesse capiacutetulo e no seguinte

50

A forma extrema de recurso dentro da traduccedilatildeo em verso seraacute a chamada

traduccedilatildeo livre o pensamento poeacutetico eacute aqui tratado e ateacute desenvolvido numa

expressatildeo verbal e riacutetmica liberta das preocupaccedilotildees comuns da fidelidade da

traduccedilatildeo Eacute uma criaccedilatildeo pessoal com um tema emprestado (ibidem p140)

Eacute o que foi empreendido pelo Baratildeo de Paranapiacaba em suas duas versotildees

poeacuteticas do Prometeu Acorrentado (1907) Por outro lado acreditamos que a traduccedilatildeo

livre seria uma empreitada difiacutecil de ser realizada por um tradutor com o perfil de Dom

Pedro II embora as traduccedilotildees em versos empreendidas pelo Imperador e publicadas

originalmente no livro Poesias originais e traduccedilotildees Petroacutepolis 1889 demonstrem a

grande habilidade poeacutetica que o Imperador possuia Portanto sua recusa em traduzir em

versos a antiga trageacutedia grega natildeo estaacute ligada agrave incapacidade de versificar mas a esse

objeto especiacutefico o Prometeu Pois como jaacute mencionado suas preocupaccedilotildees com a

fidelidade ao sentido original prevaleciam em sua praacutetica tradutoacuteria Eacute o que se pode

deduzir por meio de algumas de suas anotaccedilotildees feitas no exemplar da traduccedilatildeo da

Divina Comeacutedia de Dante Alighieri empreendida pelo presidente argentino Bartolomeacute

Mitre ldquoEu teria mais respeito a Danterdquo ldquoEu natildeo quis melhorar Dante em minha

traduccedilatildeordquo ldquoSeria melhor traduzir com a simplicidade do originalrdquo ldquotraduccedilatildeo natildeo eacute

comentaacuteriordquo (apud DAROS 2019 pp234-5 280)

Talvez o olhar culto e atencioso de amigos estrangeiros o ajudasse a transpor os

obstaacuteculos que lhe impediam de se aventurar numa traduccedilatildeo livre Entre esses amigos

como jaacute mencionamos estava Gobineau que natildeo se intimidava pelo fato de Pedro de

Alcacircntara ser imperador (DAROS 2012 p237) No entanto mesmo que Dom Pedro II

mudasse de intuito e procurasse fazer uma versatildeo poeacutetica do Prometeu a partir de sua

traduccedilatildeo em prosa esse intento seria desestimulado com a morte do principal

interessado numa versatildeo poeacutetica em versos Gobineau falecido em 1882 E de fato

Dom Pedro II mesmo depois da morte do diplomata francecircs natildeo esquecera de todo o

pedido feito por seu amigo pois como visto em 1889 solicitou a Joatildeo Cardoso de

Menezes o Baratildeo de Paranapiacaba que fizesse uma versatildeo poeacutetica do Prometeu

Acorrentado a partir de sua traduccedilatildeo em prosa

Nos anos iniciais da Repuacuteblica Brasileira quem demonstrasse publicamente

simpatia pelo Imperador deposto corria o risco de sofrer retaliaccedilotildees por parte do

governo provisoacuterio Foi o que aconteceu com Carlos de Laet que foi exonerado de seu

cargo de professor por ter se oposto agrave mudanccedila de nome do Coleacutegio Pedro II para o

nome ldquoInstituto Nacional de Instruccedilatildeo Secundaacuteriardquo (MAURICEacuteA FILHO 1972

51

pp211-3) O Baratildeo de Paranapiacaba era considerado um monarquista convicto

(ABRANTES 1978 p172-3) talvez por isso ele tenha demorado quase 10 anos para

empreender a versatildeo poeacutetica solicitada pelo Imperador esperando condiccedilotildees mais

favoraacuteveis e evitando possiacuteveis retaliaccedilotildees Se Dom Pedro II natildeo tivesse sido banido do

Brasil em 1889 provavelmente as versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo seriam analisadas e

limadas no grupo de estudos que Pedro de Alcacircntara liderava (PARANAPIACABA

1907 pp192-3) No entanto o que poderia ter acontecido ou o que poderia acontecer

como escreveu Aristoacuteteles (Poeacutetica 1451b) eacute poesia natildeo histoacuteria

13 Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba

Em seu livro Vida e Obra de Olavo Bilac Fernando Jorge (1992 pp130-1)

conta-nos que o jornalista e orador abolicionista Joseacute do Patrociacutenio encomendara uma

traduccedilatildeo de um romance folhetim francecircs a Emiacutelio Roueacutede colaborador do jornal

Cidade do Rio Emiacutelio aceitou o trabalho poreacutem logo foi vencido pela indolecircncia e

esquivando-se da tarefa pediu a Guimaratildees Passos para fazer a traduccedilatildeo acertando um

determinado valor e guardando para si certa quantia Logo Guimaratildees tambeacutem desistiu

da tarefa e acabou passando o trabalho para o poeta Coelho Neto negociando outro

valor e tambeacutem guardando uma parte do dinheiro para si Coelho Neto por sua vez

achou o trabalho tedioso e transferiu a incumbecircncia a Olavo Bilac por um valor bem

menor e tambeacutem guardando uma parte do dinheiro para si Esse regime funcionou

durante algum tempo sem que cada um soubesse senatildeo daquele com quem acertou o

pagamento Fernando Jorge continua narrando o caso

Entretanto certo dia Bilac descobriu o caso

- Verifico que tenho por cima de mim trecircs parasitas ndash exclamou o poeta

E indignado resolveu vingar-se No romance havia certo trecho onde um

personagem em hora avanccedilada da noite invadia o quarto de uma mocinha a

fim de violentaacute-la Bilac natildeo modificou o texto Traduziu tudo de forma fiel

Poreacutem no momento em que o luar mostrava a fisionomia do bandido ele

escreveu

ldquoEra o Baratildeo de Paranapiacabardquo

O baratildeo que se chamava Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza era um velho

respeitaacutevel Foi diretor do Tesouro Nacional deputado pela proviacutencia de

Goiaacutes membro do Conselho de DPedro II diretor em Pernambuco da

Caixa Filial do Banco do Brasil autor de memoacuterias econocircmicas e poliacuteticas

tradutor de Byron Lamartine La Fontaine e Eacutesquilo

Aleacutem de ser uma reliacutequia do Impeacuterio esse homem circunspecto mantinha

amizade com Patrociacutenio O grande orador popular ficou exasperado Exigiu

uma explicaccedilatildeo de Roueacutede Este lanccedilou a culpa em Guimaratildees Passos E

assim cada qual ia transferindo a responsabilidade Ao chegar a vez de Bilac

52

ele teve de confessar a autoria da brincadeira protestando contra a

parasitagem dos que exploravam o seu trabalho (JORGE 1992 pp130-1)

O caso aleacutem de ser cocircmico suscita algumas questotildees interessantes sobre a

praacutetica tradutoacuteria Traduzir pode se tornar uma tarefa morosa que exige certa disciplina

de quem a exerce Quando a autoria do tradutor natildeo eacute valorizada a traduccedilatildeo acaba

sendo vista apenas por uma oacutetica meramente instrumental e pragmaacutetica A remuneraccedilatildeo

paga natildeo possibilitava aos autores se dedicarem somente a esse ofiacutecio Segundo Joseacute

Paulo Paes (1990 p25) ldquoeacute somente no seacuteculo XX sobretudo a partir dos anos 30 que

comeccedila a se criar no Brasil as condiccedilotildees miacutenimas de ordem material e social

possibilitadoras do exerciacutecio da traduccedilatildeo literaacuteria como atividade profissional ainda que

as mais das vezes subsidiaacuteriardquo Monteiro Lobato citado por Paes (ibidem pp26-7)

afirma

ldquoO povo que natildeo possui tradutores torna-se povo fechado pobre indigenterdquo

[Lobato] queixava-se do descaso desse ldquoincomensuraacutevel paquiderme de mil

ceacuterebros e orelhas a que chamamos puacuteblicordquo o qual ldquonunca tem o menor

pensamento para o maacutertir que estupidamente se sacrifica para que ele possa

ler em liacutengua sua uma obra-prima gerada em idioma estrangeirordquo

Antes do tempo de Lobato figuras como o Baratildeo de Paranapiacaba publicavam

suas traduccedilotildees natildeo porque jaacute existia um mercado pelo qual poderiam granjear um

retorno financeiro imediato mas por uma espeacutecie de diletantismo como uma atividade

paralela agraves de subsistecircncia E isso natildeo ocorria apenas aos tradutores O proacuteprio Dom

Pedro II havia patrocinado algumas das obras dos poetas romacircnticos brasileiros da

segunda metade do seacuteculo XIX como por exemplo A Confederaccedilatildeo dos Tamoios de

Joseacute Gonccedilalves de Magalhatildees obra que envolveu o Imperador numa querela literaacuteria

com Joseacute de Alencar (ABRANTES 1978 p85)

Em sua brincadeira Olavo Bilac cita o nome do tradutor que doravante estaraacute no

foco dessa seccedilatildeo Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba nascido

na cidade de Santos em 25 de abril de 1827 e falecido no Rio de Janeiro em 2 de

fevereiro de 1915 aos 87 anos

Joatildeo Cardoso ingressou na Academia de Ciecircncias Sociais e Juriacutedicas de Satildeo

Paulo em 1844 com a idade de 16 anos Embora a criacutetica o considerasse um ldquomediacuteocre

tradutor de Lamartine e La Fontaine e responsaacutevel por uma horrenda modernizaccedilatildeo e

simplificaccedilatildeo de Os Lusiacuteadasrdquo (PAES 1990 p18) algum talento poeacutetico viu nele o

professor e diretor da Academia de Ciecircncias Sociais e Juriacutedicas de Satildeo Paulo Joseacute

53

Maria de Avellar Brotero pois sabendo que o Imperador Dom Pedro II faria uma visita

agrave Academia fez o seguinte convite a Joatildeo Cardoso

- Prepare-se para amanhatilde ao meio dia na ocasiatildeo em que o Imperador

estiver de visita na Academia ir beijar-lhe a matildeo e saudaacute-lo com poesia de

sua lavra Natildeo quero objeccedilotildees ndash acrescentou o bom velho que sempre o

acolhia gracejando Vaacute brilhar porque sei que o pode querendo Ateacute amanhatilde

meu menino (ABRANTES 1978 p63)

Chegando o dia marcado Joatildeo Cardoso viu-se diante do Imperador do Brasil

que se encontrava sentado em um trono improvisado O jovem comeccedilou a recitar o seu

poema com voz trecircmula de emoccedilatildeo mas pouco a pouco foi se firmando Tendo

terminado a leitura de seu poema Joatildeo Cardoso se inclinou e ia se retirar mas

O Imperador chamando-o pediu-lhe o papel em que escrevera os versos

- Eacute um borratildeo informe Senhor ndash disse-lhe Joatildeo Cardoso Permita-me Vossa

Magestade que eu o passe a limpo

- Natildeo ndash replicou-lhe o Imperador estendendo a matildeo e sorrindo - decirc-me

assim mesmo como estaacute

Depois das homenagens que lhe prestaram no dia 3 de marccedilo DPedro voltou

agrave Academia nos dias 6 e 9 para assistir aos exames dos alunos o que era de

seu agrado com ares de professor indulgente (ABRANTES 1978 pp65-6)

Depois desse evento Joatildeo Cardoso conseguiu recitar outro poema para o

Imperador no Teatro do Largo do Coleacutegio depois de vencer a oposiccedilatildeo dos oficiais

encarregados de fiscalizar o espetaacuteculo que Dom Pedro II estava assistindo (ibidem

p67) Demoraria muito tempo para os dois se encontrarem novamente

Em 1848 Joatildeo Cardoso forma-se Bacharel em direito e aprovado em concurso

assume um cargo de professor de Histoacuteria e Geografia em Taubateacute interior de Satildeo

Paulo Em certa ocasiatildeo o deputado Bernardo de Souza Franco disse-lhe que esperava

encontrar-lhe na vida puacuteblica Joatildeo Cardoso respondeu-lhe que julgava bem se contentar

com seu cargo de professor em Taubateacute Souza Franco retruca-lhe ldquoQual Tenha feacute Eacute

muito limitado o horizonte em que vive Ateacute o Rio de Janeirordquo (ibidem p78) Passados

alguns anos em 1852 Joatildeo Cardoso de Menezes pede uma licenccedila de trecircs meses e se

dirige ao Rio de Janeiro entatildeo centro do Brasil e nunca mais reassume seu cargo de

professor

Sustentando-se como advogado em 1853 tenta se aproximar novamente do

Imperador conseguindo por fim entregar-lhe um exemplar de seu primeiro livro de

poesias Harpa Gemedora Dom Pedro II diz ao vecirc-lo novamente ldquoJaacute o havia

conhecido Lembro-me perfeitamente de seus recitativos de um dos quais conservo o

54

borratildeordquo (ibidem p81) desde esse dia como natildeo voltasse ao Paccedilo de Satildeo Cristovatildeo

Joatildeo Cardoso somente via o Imperador nos teatros sem lhe atrair a atenccedilatildeo Mas essa

situaccedilatildeo mudaria devido a um artigo que Joatildeo Cardoso de Menezes publicaria no

Correio Mercantil acerca do pregador catoacutelico Monte Alverne

Frei Francisco do Monte Alverne era professor de Filosofia e Retoacuterica Tendo

ficado cego em 1836 afastou-se da cadeira de Filosofia e do puacutelpito por dezoito anos

vivendo recluso em uma cela solitaacuteria do Convento de Santo Antocircnio Em 1854 Dom

Pedro II pediu-lhe que pregasse na Capela Imperial provavelmente impressionado com

a publicaccedilatildeo das suas obras oratoacuterias no ano anterior (CANDIDO amp CASTELLO 1973

pp234-5) Tambeacutem por ordem de Dom Pedro II o eloquente pregador recebera uma

cadeira estofada que pertencera ao Padre Anchieta (ABRANTES 1978 p83) Joatildeo

Cardoso de Menezes conseguiu um lugar na Capela Imperial para ouvir o tatildeo esperado

sermatildeo Em suas palavras

O que foi esse sermatildeo soacute pode dizecirc-lo quem ouviu Monte Alverne ao

vacilante claratildeo dos ciacuterios sagrados em arroubo sublime gesticulaccedilatildeo

eneacutergica olhar como que imergido no horizonte do Infinito e voz que

parecia um eco de outro mundo proferir aquelas palavras ldquoEacute tarde Eacute muito

tarderdquo Calafrio eleacutetrico correu pelas veias do auditoacuterio que mudo nem

pestanejava (ABRANTES 1978 p82)

Na tarde de 20 de outubro de 1854 Joatildeo Cardoso entregou um artigo que

escrevera sobre o sermatildeo para o Correio Mercantil Esse artigo granjeara bastante

sucesso na eacutepoca e por muitos anos fez parte de um livro de leitura escolar O proacuteprio

Monte Alverne natildeo demorou em visitaacute-lo agradecendo-lhe comovido (ibidem p83)

tambeacutem Dom Pedro II provavelmente lera o artigo

Passados dois anos em 1856 foi publicado a Confederaccedilatildeo dos Tamoios do

poeta Gonccedilalves de Magalhatildees obra patrocinada pelo Imperador Joseacute de Alencar foi

um dos primeiros leitores do poema e fez duras criacuteticas em oito cartas publicadas no

Diaacuterio do Rio sob o pseudocircnimo de ldquoIgrdquo tirado das primeiras letras do nome Iguaccedilu

uma das personagens do poema Arauacutejo Porto Alegre logo procurou rebatecirc-lo por meio

das colunas do Correio da Tarde utilizando o pseudocircnimo ldquoO Amigo do Poetardquo Por

uacuteltimo o proacuteprio Imperador resolveu entrar na polecircmica sob o pseudocircnimo de ldquoOutro

Amigo do Poetardquo publicando uma defesa do poema no Jornal do Comeacutercio defesa essa

soacute mais tarde identificada quando o Dr Manoel Barata descobrira o manuscrito o qual

presenteou ao Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro Mas os esforccedilos de Dom

Pedro II em defesa do poema natildeo se resumiram a esse manuscrito O Imperador tambeacutem

55

enviou o meacutedico do palaacutecio Dr Tomaacutes Gomes dos Santos para encontrar Joatildeo Cardoso

de Menezes O meacutedico estava portando um exemplar de a Confederaccedilatildeo dos Tamoios e

disse ao futuro baratildeo

Sabe o que eacute isto ndash foi perguntando a Joatildeo Cardoso Eacute um exemplar da

ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo que o Imperador lhe manda para que o leia e

se habilite a defender o nosso amigo Magalhatildees dos ataques injustificaacuteveis

que o Alencar e natildeo sei quem mais estatildeo fazendo a este belo poema de

predileccedilatildeo imperial Eu natildeo sabia que o senhor era apreciado a este ponto

pelo homem Ele mesmo disse-me que soacute o senhor podia ser o general

triufante desta guerra Aiacute deixo o livro Sei que natildeo se recusaraacute agrave

incumbecircncia pois eacute prova de alto valor que liga a seu talento e agrave sua

proficiecircncia o chefe de Estado (ABRANTES 1978 p86)

Nesta eacutepoca Joatildeo Cardoso estava ligado por laccedilos de amizade a Joseacute de Alencar

inclusive sendo um dos primeiros leitores de Iracema (ibidem p86) Por isso se

desculpou e mandou avisar o Imperador que natildeo poderia ajudar nessa empreitada

Depois Dom Pedro II louvou o ato de lealdade de Joatildeo Cardoso (ibidem p86) Naquele

mesmo ano o nome de Joatildeo Cardoso foi lembrado para um importante cargo puacuteblico

Depois da nomeaccedilatildeo Cardoso de Menezes se dirigiu ao palaacutecio para agradecer

pessoalmente a Dom Pedro O Imperador fez uma alusatildeo agrave ldquoinfecundidade da musardquo de

seu visitante que segundo supunha o proacuteprio Joatildeo Cardoso iria ficar completamente

esterilizada pela papelada do cargo que assumira (ibidem p87)

Depois de Joatildeo Cardoso de Menezes ocupar sucessivos cargos no governo Dom

Pedro II concede-lhe o tiacutetulo de Baratildeo em 1883

DOM PEDRO por Graccedila de Deus e Unacircnime Aclamaccedilatildeo dos Povos

Imperador Constitucional e Defensor Perpeacutetuo do Brasil faccedilo saber aos que

esta CARTA virem que querendo distinguir e honrar o Sr Joatildeo Cardoso de

Menezes e Souza hei por bem fazer-lhe mercecirc do tiacutetulo de Baratildeo de

Paranapiacaba E quero e mando que o dito dr Joatildeo Cardoso de Menezes e

Souza d‟aqui em diante se chame Baratildeo de Paranapiacaba e que o referido

tiacutetulo goze de todas as honras privileacutegios isenccedilotildees liberdades e franquezas

que hatildeo e tecircm e de que usam e sempre usaram os barotildees e que de direito lhe

pertencerem E por firmeza de tudo o que dito eacute lhe mandei dar esta Carta por

mim assinada a qual seraacute selada com as Armas Imperiais

Dada no Palaacutecio do RIO DE JANEIRO em 8 de maio de mil oitocentos e

oitenta e trecircs sexageacutesimo primeiro da Independecircncia e do Impeacuterio (apud

ABRANTES 1978 pp118-9)

Jaacute que tratamos de alguns pontos importantes da biografia do Baratildeo passaremos

a discorrer sobre as duas versotildees poeacuteticas do Prometeu Acorrentado de sua autoria

Natildeo se pode negar a grande importacircncia do ensaio de Haroldo de Campos ldquoO

Prometeu dos Barotildeesrdquo (1997) para o estudo da recepccedilatildeo dos Claacutessicos em nosso paiacutes

56

Segundo Paula da Cunha Correcirca esse ensaio resgata uma importante linhagem de

traduccedilatildeo de trageacutedia grega no Brasil (CORREcircA 1999 p173) Em seu texto Haroldo

procura reabilitar tanto o Baratildeo de Paranapiacaba quanto o Baratildeo de Ramiz

considerando a traduccedilatildeo deste uacuteltimo ldquomuito mais decidida e cabalmente na vertente

bdquotranscriadora‟ inaugurada entre noacutes por Odorico Mendesrdquo (CAMPOS 1997 p249)

Mas acerca das versotildees de Paranapiacaba Haroldo afirma

Do Prometheus Desmoacutetes deu-nos Cardoso de Menezes dois ldquotrasladosrdquo

Um deles em versos rimados eacute um equiacutevoco um malogro O outro que teraacute

aparentemente servido de base aos baldados e titubeantes esforccedilos de rima do

primeiro citado estaacute vazado em versos brancos (soltos) com predominacircncia

do decassiacutelabo Este oferece por vezes surpreendentes soluccedilotildees que devem

ser garimpadas em meio a outros tantos trechos malsucedidos []

(CAMPOS 1997 p237)

Em seu ensaio Haroldo de Campos faz uma seleccedilatildeo de passagens da versatildeo em

versos brancos que considerava de maior qualidade e afirma que as soluccedilotildees dessa

versatildeo ldquodevem ser garimpadas em meio a outros tantos trechos malsucedidosrdquo Quanto

agrave outra versatildeo Haroldo afirma que ela eacute ldquoum equiacutevoco um malogrordquo20

Em outra perspectiva pretende-se na presente seccedilatildeo evidenciar alguns aspectos

que consideramos relevantes na versatildeo poeacutetica em que o Baratildeo de Paranapiacaba

emprega as rimas na maioria das falas21

Em entrevista dada a TV Unicamp para o Programa Diaacutelogo sem Fronteira

Trajano Vieira disse ao entrevistador Pedro Paulo Funari22

20 Haroldo de Campos publicou um nuacutemero significativo de textos sobre traduccedilatildeo ldquoque se

somam num conjunto denso e coerente acerca do assuntordquo (TAacutePIA 2013 pXI) Para natildeo corrermos o

risco de sermos reducionistas em relaccedilatildeo ao seu pensamento ou por outro lado nos estendermos demais

numa longa digressatildeo ao refletirmos acerca de sua teoria optou-se por apresentar o que estudamos sobre

o assunto ao final da presente dissertaccedilatildeo como anexo O objetivo eacute expor algumas das teses defendidas

por Haroldo sobre traduccedilatildeo poeacutetica encontradas em alguns de seus outros escritos visando dessa forma

entender os possiacuteveis motivos pelos quais o eminente poeta e tradutor natildeo apreciara a versatildeo em que o

Baratildeo de Paranapiacaba emprega as rimas na maioria das falas

21 A Mauriceacutea Filho cotejou a versatildeo em que Paranapiacaba emprega as rimas com os respectivos versos

da versatildeo de Ramiz Galvatildeo e tambeacutem com a versatildeo portuguesa de Baziacutelio Teles (1972 pp248-63) No

iniacutecio da anaacutelise logo apoacutes citar as traduccedilotildees para os versos 1-2 do Prometeu Mauriceacutea Filho escreve

ldquoRaacutepido exame bastaria para nos sugerir qual dos trecircs eacute o melhorOs heptassiacutelabos do Baratildeo de

Paranapiacaba natildeo se exibem agrave altura de seu talento de escol e invulgar erudiccedilatildeo Poeticamente fracos ateacute

mesmo em face da accedilatildeo dramaacutetica com que Eacutesquilo comeccedila a enormidade de sua trageacutedia Jaacute Ramiz

indiscutivamente supera com a majestosa simplicidade dos seus decassiacutelabos onde se entrelaccedilam o

ritmo a meacutetrica a elegacircncia e a pureza vernaacuteculardquo (p254) Em outro ponto o autor tambeacutem assevera

ldquoAo traduzir o verso das As cegas Esperanccedilas o Baratildeo de Paranapiacaba usou este dei agrave cega Esperanccedila

entre eles moradia No confronto pertence a Ramiz a palma as cegas Esperanccedilas inspirei-lhesrdquo (p258

grifo do autor)

57

Se vocecirc me permite fazer uma analogia eu recentemente revi um programa

no youtube de um grande pianista que eu admiro muito jaacute no final de sua

vida o Arthur Rubinstein E perguntavam ao Rubinstein se ele estava a par

dos novos pianistas Ele respondeu ldquoBem eu tenho ouvido aqui e ali e o que

tem me impressionado eacute o seguinte eles possuem uma teacutecnica formidaacutevel

mas eu me pergunto e gostaria de perguntar a alguns deles quando eacute que eles

vatildeo fazer a muacutesica soarrdquo Ou seja natildeo basta conhecimento da liacutengua grega

para se traduzir de uma forma razoaacutevel De fato em nossa tradiccedilatildeo e em

outros paiacuteses o peso da filologia mais convencional foi muito forte e foi

muito difiacutecil romper com essa tradiccedilatildeo Entatildeo houve de fato nas traduccedilotildees

claacutessicas do repertoacuterio grego uma forte preocupaccedilatildeo digamos com o aspecto

normativo da linguagem Mas um tradutor na minha opiniatildeo que se interesse

por poesia deve estar atento a esse segundo aspecto Eu pelo menos procuro

estar e procuro ensinar meus alunos Isso depende de um conviacutevio com a

poesia Natildeo soacute com a poesia de liacutengua grega mas tambeacutem com outros tipos

de poesia Quanto maior for o repertoacuterio melhor para o tradutor

Sabemos que Paranapiacaba era um versificador exercitava-se numa poeacutetica

apreciada no Brasil durante a segunda metade do seacuteculo XIX (CANDIDO amp

CASTELLO 1973) Tambeacutem era um homem de conviacutevio iacutentimo com a literatura Eacute o

que mostram as suas traduccedilotildees de La Fontaine Byron e Larmatine23

Diante disso seria

interessante perguntar-nos se ele conseguiu pelo menos alguma vez fazer ldquoa muacutesica

soarrdquo ou natildeo em sua ldquomalogradardquo versatildeo do Prometeu

Segundo MSaid Ali (2006 pp125-26)

Na Europa da Idade Meacutedia compunham-se poesias vernaacuteculas caracterizadas

ora pela aliteraccedilatildeo (rima de consoantes iniciais) ora pela assonacircncia ora pela

rima final No seacuteculo XIV vigorava por toda a parte somente essa uacuteltima

forma menos na Espanha onde a assonacircncia resistiu ainda durante bastante

tempo O gosto pelos estudos humanistas fez crer a alguns poetas que o ideal

da meacutetrica estaria nos antigos versos latinos Natildeo haacute rimas em Horaacutecio nem

em Virgiacutelio Logo condenavam eles tal escravidatildeo Invertiam esses anseios

de independecircncia a ordem cronoloacutegica Os latinos natildeo usaram isto eacute

intencionalmente nem podiam discutir coisa de invenccedilatildeo posterior

Fascinados pelos modelos claacutessicos os renovadores da poesia moderna

trataram de libertaacute-la das cadeias entregando-a - ilusatildeo natildeo rara na vida

humana - a nova espeacutecie de cativeiro Compuseram versos sem rima

submetidos agrave meacutetrica quantitativa dos antigos Chegaram a criar diz notaacutevel

conhecedor portentos de fealdade

Sabe-se que Dom Pedro II era um profundo conhecedor dos claacutessicos greco-

latinos Ele sabia que na poesia antiga natildeo havia rimas e que o sistema poeacutetico era

bastante diverso agrave poeacutetica das liacutenguas neolatinas Por outro lado natildeo era raro o

Imperador desafiar Paranapiacaba a ldquoglosarrdquo alguns de seus proacuteprios sonetos O desafio

22

Disponiacutevel emlthttpswwwyoutubecomwatchv=PSsOftFgIxMgt viacutedeo publicado em 03042012 23 Ver paacutegina 15 nota 1

58

consistia em Paranapiacaba criar estrofes que finalizavam com os versos de Dom Pedro

II (PARANAPIACABA 1907 pp218-22) Como visto o Imperador tambeacutem solicitou

uma versatildeo poeacutetica do Prometeu a Ramiz Galvatildeo que natildeo era poeta mas renomado

filoacutelogo humanista Este natildeo se atreveu a empreender uma versatildeo completamente em

rimas mas arriscou-se a fazecirc-las nos cantos corais Quem sabe se tal decisatildeo natildeo foi

fruto de uma espeacutecie de desafio lanccedilado pelo Imperador ou de um cotejo feito

posteriormente entre sua proacutepria traduccedilatildeo com as versotildees de Paranapiacaba24

O fato eacute que traduzir um texto claacutessico valendo-se dos recursos poeacuteticos das

liacutenguas neolatinas como a rima natildeo eacute uma empreitada faacutecil arriscada mesmo nos

primoacuterdios do movimento romacircntico do Brasil Paranapiacaba afirmou ldquoEntre noacutes eacute a

primeira tentativa Variei o metro conforme o caracter do personagem que falardquo

(PARANAPIACABA 1907 pXII) Diante disso vale evocar o que dissera Trajano

Vieira na entrevista jaacute citada

De uma forma geral eu acho que agente como tradutor deve assumir riscos

Mesmo que o resultado natildeo possa ser o mais adequado no final mas o gesto

corajoso me parece ser mais interessante do que uma atitude submissa

O gesto de Paranapiacaba foi corajoso quase batendo agraves portas da temeridade

Como visto ele publicou duas traduccedilotildees de sua autoria distintas da mesma trageacutedia

grega no mesmo livro Isso nunca mais se repetiu na histoacuteria das traduccedilotildees do Prometeu

Acorrentado no Brasil Tal decisatildeo de Joatildeo Cardoso de Menezes de certa forma

dessacralizou o original mostrando agraves claras que natildeo existe uma correspondecircncia una e

definitiva entre a liacutengua de origem e a liacutengua de chegada No prefaacutecio escrito para seu

livro Lafayette Rodrigues Pereira escreve (manteremos a ortografia do original de

1907) ldquocertamente natildeo se poderia exigir do preclaro tradutor que vasasse literalmente

no metro portuguez o metro grego Satildeo radicalmente differentes as lingoas e cada um

tem seo systema de metrificaccedilatildeordquo (PARANAPIACABA 1907 pXIII)

Como jaacute mencionado a primeira versatildeo apresentada em seu livro eacute a que

emprega as rimas na maioria das falas logo seguida pela versatildeo na qual predominam os

decassiacutelabos soltos Haroldo de Campos afirma que talvez a versatildeo em decassiacutelabos

soltos tenha ldquoservido de base aos baldados e titubeantes esforccedilos de rima da outra

versatildeordquo (CAMPOS 1997 p237) Poreacutem nas duas versotildees as falas do Coro das

24

No prefaacutecio escrito para sua traduccedilatildeo do Prometeu acorrentado Ramiz Galvatildeo nos informa que havia

lido as versotildees de Paranapiacaba antes de publicar a sua proacutepria traduccedilatildeo

59

Oceaninas satildeo rimadas em heptassiacutelabos Se a versatildeo em que predominam os

decassiacutelabos soltos tivesse servido como base para a outra era de se esperar que natildeo

houvesse mudanccedilas substanciais nas falas das Oceaninas nas duas versotildees visto que

foram compostas com o mesmo nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas e valendo-se da rima Mas

natildeo eacute isso o que ocorre como pode-se notar a seguir

Versatildeo na qual as rimas

predominam e que a meacutetrica varia

de acordo com o personagem que

fala (citam-se falas do Coro a

seguir)

Versatildeo na qual predominam os

decassiacutelabos soltos mas em trechos

que o Baratildeo tambeacutem emprega os

heptassiacutelabos rimados (somente nas

falas do Coro)

Foi saacutebio e saacutebio emeacuterito

Aquele a quem lembrou

Esta discreta maacutexima

E aos homens a ensinou

Eacute casamento proacutespero

O feito entre os iguais

Quem vive soacute dos reditos

De ofiacutecios manuais

Nunca procure cocircnjuge

Na classe da opulecircncia

Nem da orgulhosa em tiacutetulos

De nobre descendecircncia

Saacutebio foi saacutebio eminente

Quem primeiro formulou

Este conceito na mente

E em palavras o explicou

Eacute o melhor dos casamentos

O que se faz entre iguais

Quem vive dos rudimentos

De trabalhos manuais

Natildeo busque alianccedila na classe

Soberba pela riqueza

E fuja igualmente a enlance

Co‟os que pompeiam nobreza

Quadro I As versotildees de Paranapiacaba para os versos 887-93 do original (fala do Coro)

[]

Diverso alvitre inspira-nos

Honesto e convinhaacutevel

O que lembraste eacute peacutessimo

Covarde intoleraacutevel

Pois tu nos daacutes estimulo

A infame proceder

Havemos ser partiacutecipes

[]

Daacute-me conselho aceitaacutevel

E seraacutes obedecido

Eacute de todo intoleraacutevel

O que me tens dirigido

Estranho o teu sentimento

Cobarde nunca serei

Seja qual for seu tormento

60

Do que ele padecer

Fundo a traiccedilatildeo esquaacutelida

A muito aborrecemos

Nem peste deleteacuteria

Como ela conhecemos

Com ele o compartirei

Dos vis traidores a peste

Experiente aborreccedilo

Nem coisa que eu mais deteste

Em minha vida conheccedilo

Quadro II As versotildees de Paranapiacaba para os versos 1063-9 do original (fala do Coro)

Enquanto cogitaacutevamos sobre essa questatildeo Alessandra Fraguas historiadora e

Pesquisadora do Museu Imperial informou-nos sobre a existecircncia de uma carta escrita

por Paranapiacaba agrave Princesa Isabel em 9 de setembro de 1905 na qual afirma que a

versatildeo em que as rimas predominam foi a primeira a ser realizada por Paranapiacaba

(Maccedilo 204 ndash Doc 9329 - Museu ImperialIbramMinisteacuterio da Cidadania) O trecho em

que Paranapiacaba fala sobre suas versotildees poeacuteticas eacute o seguinte25

Em 8brordm de 1889 ao despedir-me de S Magestade o Imperador DPedro 2ordm

na Tijuca deu-me SMagestade por letra sua uma versatildeo em prosa da

tragedia de Eschylo ldquoPrometheu encadeadordquo encarregando-me de a trasladar

para verso portuguez Tractei logo de adquirir as versotildees e os commentarios

que d‟aquella obra prima existem em varias linguas e encetei e levei a cabo

com o maior esmero a traducccedilatildeo d‟ella Ha cerca de 8 annos publicou o

Jornal do Commercio a versatildeo da scena em que figura Prometheu nos

confins da Scythia pordf onde eacute conduzido pela Forccedila e pela Violencia

acompanhadas de Vulcano que o acorrenta ao rochedo Precedia a essa

publicaccedilatildeo uma carta minha ao Conselheiro Lafayette rogando-lhe

prefaciasse o livro[] A pedido do mesmo Lafayette fiz outra versatildeo da

tragedia em verso livre (menos os coacuteros que satildeo sempre rimados)

D‟essas duas versotildees tem apparecido longos trechos na imprensa e

notadamente nos almanaques do Garnier

Diante desse importante dado doravante a versatildeo na qual Paranapiacaba

emprega as rimas na maioria das falas seraacute chamada de ldquoprimeira versatildeordquo ao longo do

presente texto

Antocircnio Candido e J Aderado de Castelo transcrevem na iacutentegra o prefaacutecio do

livro Suspiros Poeacuteticos e Saudades de Domingos Joseacute Gonccedilalves de Magalhatildees

Visconte de Araguaia Esse texto eacute praticamente um manifesto do movimento

romacircntico em sua primeira fase no Brasil Quanto agrave dicccedilatildeo romacircntica Gonccedilalves de

Magalhatildees afirma ldquoQuanto agrave forma isto eacute a construccedilatildeo por assim dizer material das

estrofes e de cada cacircntico em particular nenhuma ordem seguimos exprimindo as

ideias como elas se apresentam para natildeo destruir o acento de inspiraccedilatildeo

25 A ortografia original foi mantida

61

[]rdquo(CANDIDO amp CASTELLO 1973 p264) Mesmo assim a rima e a contagem de

siacutelabas poeacuteticas eram recursos riacutetmicos e meloacutedicos que os poetas romacircnticos natildeo

tinham pejo de usaacute-las quando contribuiacuteam para expressar uma ideia e criar certo efeito

sonoro No caso da primeira versatildeo poeacutetica do Baratildeo as rimas empregadas parecem

atrapalhar a carga dramaacutetica da trageacutedia em algumas passagens No diaacutelogo irado entre

Hermes e Prometeu por exemplo a utilizaccedilatildeo das rimas natildeo foi beneacutefica Embora a

citada passagem natildeo chegue a ser um agon agrave maneira de Euriacutepides nada obstante eacute um

dos diaacutelogos mais raacutepidos da trageacutedia no original e as rimas feitas pelo Baratildeo

infelizmente quebraram-lhe o ritmo Contudo seraacute que o uso da rima e da meacutetrica

contribuiu positivamente em alguma outra passagem

O Baratildeo de Paranapiacaba natildeo variou o nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas apenas para

distinguir um personagem do outro mas tambeacutem varia o metro para um mesmo

personagem dependendo da situaccedilatildeo ou do interlocutor com quem entabula o diaacutelogo

Segundo Mark Griffith existe uma alternacircncia de metros baacutesicos no original grego o

que foi importante para fornecer certa variaccedilatildeo de tom e humor para uma trageacutedia tatildeo

estaacutetica em seu enredo (GRIFFITH 1997 pp21-2) Segundo o mesmo autor os

personagens no texto original costumam conversar em jambos mas nas entradas e

saiacutedas de alguns personagens mudanccedilas de metros ocorrem (anapesto vv284-97 561-

5) e em outros momentos metros liacutericos como no caso de Io (vv575-89) Desta forma

o Baratildeo de Paranapiacaba estaria refletindo uma caracteriacutestica semelhante a do original

Quando Io entra agitada em cena por exemplo se expressa em versos hendecassiacutelabos

(onze siacutelabas poeacuteticas) ldquoQue siacutetio me surge Por quem habitadordquo Numa estrofe a

partir do verso 575 no original grego Paranapiacaba faz com que Io se expresse em

versos eneassiacutelabos (nove siacutelabas)

Solta a avena de ceacuterea juntura

Melodia que ao sono convida

Quando deve durar a tortura

Quando conversa com Prometeu agraves vezes Io se expressa em versos

dodecassiacutelabos

Io

Quem foi que te cravou aqui sobre o rochedo (dodecassiacutelabo)

Prometeu

62

O decreto de Jove e de Vulcano a matildeo (dodecassiacutelabo)

Io

Que atentado atraiu tatildeo grave puniccedilatildeo (dodecassiacutelabo)

Prometeu

Para ser compreendido eu disse o necessaacuterio (dodecassiacutelabo)26

Manuel Bandeira (1997 p542) afirma que o metro de onze siacutelabas tambeacutem

chamado de arte maior pode favorecer um ritmo dinacircmico e ao mesmo tempo marcado

ldquopelo que foi preferido por Gonccedilalves Dias em alguns de seus poemas indianistas de

feiccedilatildeo eacutepicardquo como se pode ver a seguir

Satildeo rudos severos sedentos de gloacuteria

Jaacute preacutelios incitam jaacute cantam vitoacuteria

Jaacute meigos atendem agrave voz do cantor

Satildeo todos Timbiras guerreiros valentes

Seu nome laacute voa na boca das gentes

Condatildeo de prodiacutegios de gloacuteria e terror

I-juca Pirama de Gonccedilalves Dias

Veja-se na passagem destacada o ordenamento regular da posiccedilatildeo das tocircnicas

ao longo dos versos ldquoCondatildeo de prodiacutegios de gloacuteria e terrorrdquo (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )27

26 Os versos citados satildeo alexandrinos 27 Eacute preciso fazer algumas consideraccedilotildees acerca do emprego dos siacutembolos ldquo ᵕ rdquo e ldquo ‒ rdquo nas apreciaccedilotildees

que se seguiratildeo e sobre as diferenccedilas entre a metrificaccedilatildeo grega e a portuguesa no que se refere agrave

construccedilatildeo do ritmo dentro do verso O estudo da metrificaccedilatildeo grega pode ser dividido em prosoacutedia

meacutetrica e estroacutefica A prosoacutedia estuda os aspectos sonoros na pronunciaccedilatildeo das siacutelabas que constituem a

palavra dentro do verso Os siacutembolos usados para assinalar o tempo e o modo de pronunciaccedilatildeo das siacutelabas

satildeo ldquo ᵕ rdquo (breve) = 1 tempo ou mora (chroacutenos) e ldquo ‒ rdquo (longa) = 2 tempos ou morae existindo elevaccedilotildees e

descensos na acentuaccedilatildeo das siacutelabas durante a pronunciaccedilatildeo o que natildeo parece ocorrer na versificaccedilatildeo

portuguesa Apesar da diferenccedila utilizam-se os mesmos nomes dos peacutes riacutetmicos gregos em liacutengua

portuguesa (ex daacutetilo ‒ ᵕ ᵕ anapesto ᵕ ᵕ ‒ ) sendo que o siacutembolo ldquo ‒ rdquo eacute usado para marcar as ldquosiacutelabas

tocircnicasrdquo em liacutengua portuguesa em vez de ldquolongasrdquo e ldquo ᵕ rdquo as ldquosiacutelabas aacutetonasrdquo em vez de ldquobrevesrdquo

Por outro lado Olavo Bilac em seu Tratado de Versificaccedilatildeo afirma que eacute possiacutevel constatar que se

demora mais tempo na pronunciaccedilatildeo das siacutelabas tocircnicas em liacutengua portuguesa do que na pronunciaccedilatildeo

das siacutelabas aacutetonas Bilac escreve (1905 p44) ldquoO accento predominante ou a pausa numa palavra eacute

aquella syllaba em que parecemos insistir assinalando-a [] A demora na syllaba isto eacute no accento eacute o

que determina a pausa [] O som mais ou menos aberto da vogal natildeo influe sobre o accento a demora eacute

na pronunciaccedilatildeo o que o caracteriza Exemplo - em tampa o accento estaacute na primeira onde mais nos

demoramos e o onde o som eacute talvez mais frouxordquo Nesse aspecto pode-se ver certa correspondecircncia

entre a liacutengua grega e a portuguesa no emprego dos siacutembolos ldquo ‒rdquo (dois tempos morae) e ldquoᵕrdquo (um

tempo mora) Outro ponto interessante eacute que em liacutengua grega todas as siacutelabas satildeo contadas na escansatildeo

do verso Em contrapartida em liacutengua portuguesa as siacutelabas satildeo contadas ateacute a uacuteltima siacutelaba tocircnica do

verso Tal sistema de escansatildeo tambeacutem usado no idioma francecircs foi introduzido em nossa liacutengua por

Antocircnio Feliciano de Castilho no seu Tratado de metrificaccedilatildeo portuguesa Antes dele contavam-se todas

as siacutelabas do verso que terminava com palavra paroxiacutetona natildeo se contava a uacuteltima siacutelaba do verso

terminado com palavra proparoxiacutetona e considerava-se incompleto o verso que terminava com palavra

oxiacutetona pelo que contava como duas a uacuteltima siacutelaba M Said Ali tentou restaurar tal sistema mas ao que

63

Paranapiacaba opta por esse mesmo metro na passagem na qual Io narra o

asseacutedio que sofreu de Zeus seguido por sua expulsatildeo da casa paterna e o iniacutecio de sua

marcha maldita Talvez o Baratildeo entendera que as possibilidades riacutetmicas do

hendecassiacutelabo poderiam evocar a agitaccedilatildeo de Io (tambeacutem eacute o mesmo metro utilizado

quando Io entra em cena) Nesse sentido haveria nessa passagem uma relaccedilatildeo

harmocircnica entre forma e sentido algo que eacute perseguido numa traduccedilatildeo criativa

O rei seus correios mandou em mensagens

A Pytho e Dodona Queria informar-se

Por quais pensamentos accedilotildees ou linguagem

Podia agradaacutevel aos Deuses tornar-se

Voltaram os nuacutencios trazendo somente

Respostas ambiacuteguas de duplo sentido

Ateacute que da parte do Nume vidente

Oraacuteculo claro lhe foi transmitido

Em termos expressos eu fui condenada

A ser expelida da paacutetria e do lar

E entregue a mim mesma correndo agitada

Por terras longiacutenquas sem peias vagar

[]

E logo de formas e mente mudando

Munida de pontas fiquei desde entatildeo

Sentindo contiacutenuo pungir-me o nefando

Acuacuteleo acerado de um bravo tavatildeo

Em saltos violentos agraves doidas furente

De Lerna agrave colina fugida fui ter

No siacutetio onde mana perene a nascente

Cencreia de linfa suave a beber

Mas Argos o filho da Terra o vaqueiro

De inuacutemeros olhos e d‟alma feroz

Expiando-me os passos com golpe certeiro

Dos fixos olhares seguia-me apoacutes

Sucesso imprevisto de suacutebito veio

Privaacute-lo da vida Mas eu (desgraccedilada)

De plagas em plagas sem pausa vagueio

parece sem muito sucesso (BANDEIRA 1997 p6) Quando for necessaacuterio escandir um verso em nosso

estudo empregaremos o sistema introduzido por Castilho

64

De laacutetego infesto de Juno accediloitada

Veja-se a seguir o esquema escolhido por Paranapiacaba na ordenaccedilatildeo das

siacutelabas tocircnicas e aacutetonas ao longo dos versos

Voltaram os nuacutencios trazendo somente (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)

Respostas ambiacuteguas de duplo sentido (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)

Ateacute que da parte do Nume vidente (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)

Oraacuteculo claro lhe foi transmitido (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)

Diante do que foi analisado parece-nos que pelo menos na passagem em que Io

narra sua histoacuteria o Baratildeo de Paranapiacaba conseguiu fazer ldquoa muacutesica soarrdquo

14 Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz

Esse doutor da lexicologia

que amava os gregos nos originais

e com Platatildeo decerto se entendia

e conversava coisas imortais

Esse de cuja a vida bem-fadada

eacute justo se dizer sinceramente

que foi tatildeo longa quanto devotada

agrave sua Paacutetria como agrave sua gente

Esse ilustre Varatildeo de nossa raccedila

ilustre pelo espiacuterito perfeito

e a feacute cristatilde e a tecircmpera sem jaccedila

e a paixatildeo da Justiccedila e do Direito

bem que merece que de sul a norte

o coraccedilatildeo de todo brasileiro

exclame num soluccedilo verdadeiro

a dor de sua morte28

Benjamin Franklin Ramiz Galvatildeo nascido em 16 de junho de 1846 em Rio

Pardo (hoje Ramiz Galvatildeo) no Rio Grande do Sul falecido em 9 de marccedilo de 1938

ano em que completaria 92 anos de idade Seu pai Joatildeo Galvatildeo morre em 1852 tendo

28

J Pereira da Silva em homenagem a Ramiz Galvatildeo in Revista da Academia de Letrasvol55 ano 30

pp75-76 apud Mauriceacutea Filho 1972

65

Ramiz apenas 6 anos de idade Sua matildee Joana Ramiz Galvatildeo muda-se para o Rio de

Janeiro com seu filho Nessa eacutepoca Ramiz comeccedila a frenquentar a escola puacuteblica

Custoacutedio Mafra Completa seus estudos primaacuterios numa escola mantida pela Sociedade

Amantes da Instruccedilatildeo onde recebeu as primeiras liccedilotildees de Latim do professor

Inocecircncio de Drummond Nessa escola Ramiz Galvatildeo recebeu o 1ordm precircmio por

aplicaccedilatildeo aos estudos em 1855 ano em que tambeacutem foi admitido como aluno gratuito

do Coleacutegio Pedro II (MAURICEacuteA FILHO 1972 pp4-6) Em 1861 Ramiz recebe o

diploma de Bacharel em Letras pelo Coleacutegio Pedro II e prepara-se para o ingresso na

Faculdade de Medicina que era a carreira escolhida pelo jovem Em 3 de dezembro de

1868 forma-se meacutedico e eacute escolhido para ser o orador da turma Estava presente

naquela cerimocircnia entre diversas outras autoridades o Imperador Dom Pedro II

Com apenas 19 anos de idade Ramiz Galvatildeo escreve o livro ldquoO Puacutelpito no

Brasilrdquo no qual divide a oratoacuteria sacra brasileira em distintos periacuteodos a partir do seacuteculo

XVI ateacute chegar ao seu contemporacircneo Francisco Joseacute de Carvalho mais conhecido

como Monte Alverne jaacute mencionado na presente dissertaccedilatildeo Em 1869 Ramiz Galvatildeo

exerceu funccedilotildees de meacutedico no Exeacutercito Nos hospitais militares de Armaccedilatildeo e de

Andaraiacute atendeu feridos advindos da Guerra do Paraguai (MAURICEacuteA FILHO 1972

p34) nessa eacutepoca foi convidado para substituir seus mestres Schiefer e Cocircnego

Pinheiro respectivamente nas disciplinas de Grego e Retoacuterica do Coleacutegio Pedro II

(ibidem p37) aleacutem de ser indicado pelo proacuteprio Imperador para ser o Diretor da

Biblioteca Nacional O Decreto Imperial nomeando-o tem a data de 14 de dezembro de

1870 (MAURICEacuteA FILHO 1972 p102) Aleacutem disso Ramiz foi professor na

Faculdade de Medicina em 1881 No ano de 1882 Ramiz deixa a cadeira que lecionava

na Faculdade de Medicina bem como a direccedilatildeo da Biblioteca Nacional para se tornar

preceptor dos netos do Imperador levando sete anos a ensinaacute-los ateacute o banimento da

famiacutelia imperial (ibidem p46) Existe um rascunho a laacutepis de uma carta que Ramiz

Galvatildeo escreveu a Dom Luiz neto de Dom Pedro II que estava vivendo no exiacutelio Esse

rascunho estaacute depositado no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro O seguinte

trecho da carta foi transcrito por Mauriceacutea Filho (1972 pp47-8)

Tenho firme esperanccedila que aiacute se hatildeo de acentuar os bons predicados que o

senhor sempre revelou enquanto tive ocasiatildeo de ser seu mestre o amor ao

trabalho o rigoroso cumprimento do dever o culto da Verdade e da Justiccedila

Estude muito e aprimore o coraccedilatildeo Os frutos deste trabalho e deste

aperfeiccediloamento colhe-los-aacute mais tarde com toda a seguranccedila natildeo digo jaacute

como Priacutencipe brasileiro porque a vontade soberana do povo entendeu

66

chegado o momento de mudar a forma do nosso Governo mas como

particular e como homem [] Se ainda se lembra do entusiasmo e do amor

com que lhe ensinei e se me julga digno de sua estima apesar de me haver

feito sincero e leal servidor da Repuacuteblica escreva-me dando notiacutecia do que

faz do que vence e do que espera vencer Quando estudar sociologia saberaacute

que a forma republicana eacute a mais perfeita e a que pode realizar o ideal dos

povos [] O que fez portanto o Brasil agrave imitaccedilatildeo dos seus irmatildeos

americanos o que fazemos todos noacutes aceitando de coraccedilatildeo as consequecircncias

do golpe de 15 de novembro emprestando o nosso concurso agrave consolidaccedilatildeo

da Repuacuteblica eacute um ato de patriotismo Se alguma coisa haacute que admirar em

tudo isso eacute a heroicidade com que sacrificamos os afetos por amor do Bem

geral Certo pois de que o seu Preceptor cumpriu e cumpre o seu dever

confio que o estimaraacute e lhe daraacute sempre o gozo inefaacutevel de suas cartas Mil

saudades ao bom e simpaacutetico Dom Pedro e ao meigo Totocircnio Beije-os a

ambos por mim abrace-os muitas e muitas vezes e natildeo esqueccedila seu velho

amigo (Assinado Doutor ndash 1890)

No livro Estante Claacutessica da Revista de Liacutengua Portuguesa volume X 1922

dirigido por Laudelino Freire encontra-se o seguinte testemunho de Ramiz Galvatildeo

acerca de sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo29

Em 1888 dPedro II nosso ilustre e saudoso imperador confiando-me a

traducccedilatildeo literal em prosa que fizera do Prometeu de Eschylo pediu-me que

tentasse pocirc-la em verso Sem pretensatildeo alguma a poeta e pouco afeito a

exercicios deste genero quis corresponder entretanto ao honroso convite e

pus matildeos agrave obra fazendo particular empenho em cingir-me ao texto grego

com a maior exacccedilatildeo

Natildeo foi pequeno o Labor

Em dias do anno seguinte conclui a rude tarefa e tive a fortuna de ler parte

desta traducccedilatildeo ao venerando monarca que me fez algumas observaccedilotildees

judiciosas pugnando sempre pela versatildeo literal

Esta absoluta fidelidade sabem todos o quanto eacute difficil em obras de tal

natureza Fiz poreacutem o possiacutevel para dar conta agrave missatildeo calcando quase

verso sobre verso e natildeo raro sacrificando sem duvida a belleza do estilo

Baste dizer que esta traducccedilatildeo estaacute feita em 1084 versos quando o original

grego conta com 1093

Natildeo deixei por justificavel escrupulo de cotejar meu trabalho com varias

outras versotildees do grande tragico e particularmente me prestaram auxilio em

algumas passagens a traducccedilatildeo latina de Ahrens e a francesa de Leconnte de

Lisle que satildeo ambas fideliacutessimas Ainda por ultimo fiz este mesmo cotejo

com as bellas e esmeradas versotildees em verso portuguecircs da lavra do meu

eminente e caro patricio o Sr baratildeo de Paranapiacaba cujo recente livro eacute

um attestado de talento e erudiccedilatildeo De todas ellas algum fruto colhi por

vezes mas a todas antepus invariavelmente o religioso respeito ao original

grego que estudei e procurei interpretar com amor Natildeo tem este trabalho jaacute

se vecirc outro merito publico-o vinte annos depois como homenagem aacute

memoacuteria do illustre cultor de letras que me honrou com sua estima desde os

primeiros dias da minha mocidade e de quem guardo a mais respeitosa e

grata recordaccedilatildeo como amigo e brasileiro

BFRamiz Galvatildeo

Asylo Golccedilalves d‟Araujo 3 de junho de 1909

29

Mantemos a ortografia orginal da obra consultada a qual fotografamos na Faculdade de Direito da USP

67

Dessa versatildeo de Ramiz Galvatildeo destacamos os seguintes decassiacutelabos Trata-se

da traduccedilatildeo dos versos 454-8 pertencentes a uma das falas de Prometeu

Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

frutuoso mas inscientes procediam

em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros

o nascer e os ocasos pouco certos

Numa produccedilatildeo poeacutetica o ritmo pode ser construiacutedo por meio da reiteraccedilatildeo de

vaacuterios elementos como por exemplo o nuacutemero fixo de siacutelabas poeacuteticas a posiccedilatildeo

regular das silaacutebas tocircnicas aliteraccedilotildees e assonacircncias Tais recursos funcionam como que

combinaccedilotildees de diferentes ldquoacordesrdquo ao longo dos versos dando musicalidade ao texto

Ramiz afirmou que natildeo tinha ldquopretensatildeo alguma a poetardquo e que era ldquopouco afeito a

exerciacutecios deste gecircnerordquo Mas veja-se o emprego das assonacircncias e aliteraccedilotildees por

Ramiz Galvatildeo em seus versos

1) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

frutuoso mas inscientes procediam

em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros

o nascer e os ocasos pouco certos

2) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

frutuoso mas inscientes procediam

em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros

o nascer e os ocasos pouco certos

3) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

4) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

frutuoso mas inscientes procediam

5) em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros

o nascer e os ocasos pouco certos

Como visto Ramiz Galvatildeo afirmou que seu maior criteacuterio era o ldquoreligioso

respeito ao original gregordquo Mesmo assim Ramiz procurou dar certa regularidade agrave sua

traduccedilatildeo valendo-se de um metro muito apreciado em liacutengua portuguesa o

68

decassiacutelabo30

Para o coro embora o metro natildeo seja tatildeo regular quanto nas falas de

Prometeu Ramiz utilizou as rimas

Saacutebio era prudente (a)

quem disse quem primeiro concebeu na mente(a)

que soacute a alianccedila igual traz bem que dure (b)

nos paccedilos enervados da riqueza (c)

nos altivos solares da nobreza (c)

o humilde artista esposa natildeo procure (b)

Mais um exemplo

Sempre audaz desabrido(a)

Natildeo te curvas vencido (a)

ao acerbo infortuacutenio (b)

Fere-me o coraccedilatildeo pungente(c)

Temendo por teu fado (d)

Quando veraacutes findado (d)

Teu sofrer inclemente (c)

Pois eacute de aacutespero caraacuteter intrataacutevel (e)

esse filho de Cronos indomaacutevel (e)

Ramiz ainda teve a sensibilidade de natildeo utilizar esse recurso poeacutetico no ponto

alto do drama quando Hermes exorta o coro a fugir Se o eminente filoacutelogo brasileiro

tivesse utilizado as rimas nesse momento provavelmente a carga dramaacutetica da

passagem seria atenuada

[] profere aconselha o que eu possa(a)

convencida fazer a teu discurso (b)

escutar meus ouvidos se recusam (c)

Como podes agrave infacircmia incitar-me (d)

Co‟ ele quero sofrer o destino (e)

os traidores a odiar aprendi (f)

nem haacute delito (g)

dentre todos que eu mais abomine (h)

Diante dos exemplos analisados na presente seccedilatildeo pode-se dizer que Ramiz

Galvatildeo professor de Grego e Retoacuterica do Coleacutegio Pedro II correspondeu com maestria

ao honroso convite feito pelo Imperador

15 JB de Mello e Souza

Joatildeo Batista de Mello e Souza (1888-1969) formado Bacharel em Ciecircncias e

Letras pelo Coleacutegio Pedro II em 1905 era irmatildeo mais velho do engenheiro civil Juacutelio

30

A Mauriceacutea Filho afirma ldquoRamiz emprega este decassiacutelabo agrave moda Bilaqueana preciosa prenda aos

homens outorgaste Basta ter ouvido afeito agrave muacutesica da Poesiardquo (1972 p258)

69

Ceacutesar Mello e Souza (1895-1974) mais conhecido pelo pseudocircnimo de Malba Tahan o

autor do livro O Homem que calculava J B de Mello e Souza tornou-se professor de

Histoacuteria Universal do Coleacutegio Pedro II em 1926 (SANTOS 2009 p135) Tambeacutem se

dedicou agrave literatura e ao jornalismo Dentre suas obras destacam-se Histoacuterias do Rio

Paraiacuteba Majupira (1938) Meninos de Queluz (1949) e Histoacuterias famosas do velho

mundo e estudantes do meu tempo (1958) Sabia falar e escrever em Esperanto liacutengua

criada por Lejzeu Ludwik Zamenhof Lejzeu ldquodefendia que o Esperanto deveria ser a

segunda liacutengua de cada povordquo facilitando o diaacutelogo mundial e a resoluccedilatildeo de conflitos

(ibidem p136) JB de Mello e Souza representou o Brasil em importante congresso

mundial de Esperanto Fernando Segismundo ex-aluno de Mello e Souza faz a seguinte

descriccedilatildeo de seu antigo professor

Fui aluno de Joatildeo Batista no Externato do Coleacutegio Pedro II para onde se

transferira Alto forte e alegre comunicava-se paternalmente com os

educandos Suas preleccedilotildees patenteavam elevado fundo moral Missionaacuterio

presenccedila valor Natildeo se lhe percebia ambiguidade ou segredo era franco

extrovertido espontacircneo Haacutebil em motivar a turma tinha sempre um fato

divertido a transmitir uma narrativa envolvendo heroacuteis ou mulheres

exemplares como Corneacutelia matildee dos Gracos A mitologia Greco-romana a

crenccedila no Brasil os libertadores da Ameacuterica-Boliacutevar e Joseacute Bonifaacutecio agrave

frente citaccedilotildees de Ciacutecero Virgiacutelio Horaacutecio Oviacutedio Catatildeo Rui e Padre

Vieira tudo lhe valia para atrair-nos ao estudo da Histoacuteria fortalecendo-nos

o senso patrioacutetico e a conduta moral Irradiar conhecimentos brunir

caracteres constituiu missatildeo de que jamais abdicou Construtor de almas -

assim poderiacuteamos sintetizar-lhe a personalidade (apud SANTOS 2009

p137)

Outro aluno Geraldo Pinto Vieira daacute o seguinte testemunho acerca de Mello e

Souza ldquoO Joatildeo Batista de Mello e Souza foi um grande humanista Era um homem que

conhecia de tudo Latim Grego Esperanto Muacutesica etcrdquo (ibidem p138) Essas

informaccedilotildees satildeo muito importantes visto que no livro no qual estaacute sua traduccedilatildeo do

Prometeu Acorrentado de 1950 natildeo encontramos indicaccedilotildees claras se a sua versatildeo fora

feita a partir do original grego ou natildeo

Mello bem como Dom Pedro II e o Baratildeo de Paranapiacaba usa os nomes

romanos para as divindades gregas Ele natildeo explica o porquecirc de tal escolha

Paranapiacaba por exemplo em sua primeira nota afirma que ldquoOs Deuses tecircm a

nomenclatura romana que eacute a mais conhecidardquo (PARANAPIACABA 1907 p139)

Odorico Mendes toma a mesma decisatildeo em suas traduccedilotildees da Iliacuteada e Odisseia Em

contrapartida Ramiz Galvatildeo (professor de Grego no Coleacutegio Pedro II na eacutepoca do

70

Imperador) natildeo segue essa tendecircncia presente entre os primeiros tradutores brasileiros

dos Claacutessicos

Pascale Casanova em seu livro A Repuacuteblica Mundial das Letras discorre como

a tradiccedilatildeo humanista advinda da Renascenccedila influenciara fortissimamente os escritores

e tradutores do seacuteculo XIX

O latim acumula com o grego reintroduzido pelos eruditos humanistas a

quase totalidade do capital literaacuterio e mais amplamente cultural entatildeo

existente mas tambeacutem a liacutengua da qual Roma e a instituiccedilatildeo religiosa inteira

detecircm o monopoacutelio o papa estando investido da autoridade dupla [] a do

sacerdotium - as coisas da feacute - mas tambeacutem a do studium ndash isto eacute tudo o que

se refere ao saber ao estudo e agraves coisas intelectuais[] Por isso eacute possiacutevel

compreender o empreeendimento humanista pelo menos parte dele como

uma tentativa dos ldquoleigosrdquo em luta contra os cleacutericos latinizantes de criar

uma autonomia intelectual e reapropriar-se contra o uso escolaacutestico do latim

da heranccedila latina laicizada Explicitando claramente a natureza de sua luta os

humanistas opotildeem dessa forma ao latim ldquobaacuterbarordquo dos cleacutericos escolaacutesticos o

refinamento de sua praacutetica recuperada do latim ldquociceronianordquo [] O

humanismo europeu eacute tambeacutem uma das primeiras formas de emancipaccedilatildeo

dos letrados da ascendecircncia e da dominaccedilatildeo da Igreja (CASANOVA 2002

p69 grifo da autora)

Embora JB de Mello e Souza natildeo explicite claramente quais os princiacutepios que

regeram seu trabalho de traduccedilatildeo por outro lado revela algo sobre a sua leitura do

Prometeu Acorrentado em prefaacutecio

Como nas demais peccedilas do grande traacutegico eleusiano as personagens do

ldquoPrometeu Acorrentadordquo satildeo viacutetimas impotentes da fatalidade inexoraacutevel O

anuacutencio poreacutem de um futuro melhor uma brisa de esperanccedila perpassa

afinal para conforto dos que sofrem os males do destino Prometeu seria

libertado ao cabo de longo tempo de supliacutecio O ldquoPrometeu Acorrentadordquo eacute o

primeiro episoacutedio de uma magestosa trilogia da qual se perderam as outras

partes Perda lamentaacutevel sem duacutevida pois natildeo nos permite conhecer toda a

significaccedilatildeo moral dessa trageacutedia em que se vecirc o deus supremo perseguir

atrozmente a um nume tutelar dos miacuteseros mortais a um benfeitor da

humanidade (1950 p5)

Tratemos agora de algumas das caracteriacutesticas de sua traduccedilatildeo em prosa

No original Prometeu aconselha Io a natildeo atravessar um determinado rio (versos

717-21) Dom Pedro II translitera o nome desse rio em sua traduccedilatildeo ldquoChegaraacutes ao rio

Hybristes (violento) natildeo falsamente chamado o qual natildeo atravesses pois natildeo eacute facil de

atravessarrdquo O nome desse rio adveacutem da palavra grega hyacutebris que entre outras coisas

pode significar ldquodesmedidardquo sobretudo do ponto de vista moral (inclusive Jaa Torrano

tende a traduzir essa palavra por ldquosoberbiardquo) Torrano traduz da seguinte forma o trecho

71

supracitado ldquoIraacutes ao rio Soberbo de natildeo falso nome que natildeo transporaacutes difiacutecil de

transporrdquo Eacute interessante notar o fato de que em 1950 JB de Mello e Souza jaacute havia

chegado a uma soluccedilatildeo semelhante agrave de Torrano traduzindo Hybristeacutes por

ldquoOrgulhosordquo ldquoAtingiraacutes as margens do rio Orgulhoso que natildeo desmente o seu nomerdquo

Veja-se tambeacutem a traduccedilatildeo de JB de Mellho e Souza para os versos 780-1

ldquoEscolhe pois ou sabes o que te resta a sofrer ainda ou o nome de meu libertadorrdquo

(grifo nosso) Trata-se das possibilidades de revelaccedilotildees do futuro que Prometeu deu agrave

Io

O fato curioso eacute que Prometeu natildeo revela o nome de ldquoHeacuteraclesrdquo na trageacutedia mas

apenas daacute as caracteriacutesticas desse descendente de Io Teria sido um equiacutevoco de Eacutesquilo

prometer o nome do libertador e depois natildeo o revelar De modo nenhum Pois no

original grego natildeo existe a palavra ldquonomerdquo na passagem em questatildeo Literalmente o

texto esquiliano reza ldquodigo claro teus vindouros males ou quem haacute de me libertarrdquo

Portanto a traduccedilatildeo de JB de Mello e Souza cria um equiacutevoco que natildeo haacute no texto

original de Eacutesquilo

Em sentido lato a traduccedilatildeo em prosa de Mello e Souza tende agrave paraacutefrase e agrave

grandiloquecircncia Em contrapartida a uacuteltima fala de Prometeu (vv1080-93) foi

traduzida de forma muito sucinta

Com efeito natildeo foi uma ameaccedila apenas a terra potildee-se a tremerO Soturno

ronco jaacute se faz ouvirturbilhotildees de poeira se erguemtodos os furacotildees

desencadeados parece que estatildeo contra mim Contra mim eacute que Juacutepiter

desfecha tatildeo horrendo cataclismo Oacute minha augusta matildee oacute tu divino eacuteter que

cercais o universo de luz eternavede que injustos tormentos me fazem

sofrer

Compare-se o trecho citado com a traduccedilatildeo feita por Dom Pedro II para a

mesma passagem

E de fato e natildeo mais por palavras balanccedila-se a terra reboa o eco rugidor do

trovatildeo brilham as espirais ardentes do relacircmpago e os turbilhotildees revolvem o

poacute rompem os sopros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

opostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Tais iacutempetos contra

mim vem manifestamente de Juacutepiter para meterem medo Oacute nume de minha

matildee oacute ar que volves a luz comum de todos vecircs quatildeo injustamente sofro

Apesar dos pontos problemaacuteticos mencionados pode-se dizer que a traduccedilatildeo de

JB de Mello e Souza de 1950 deve ser considerada um marco na histoacuteria da traduccedilatildeo

do Prometeu Acorrentado no Brasil pois ela retoma a tradiccedilatildeo iniciada por Dom Pedro

II Paranapiacaba e Ramiz Galvatildeo Se natildeo contarmos a reediccedilatildeo da traduccedilatildeo de Ramiz

Galvatildeo em 1922 mas apenas a publicaccedilatildeo original de 1909 o Prometeu ficou sem ter

72

uma nova traduccedilatildeo por no miacutenimo 40 anos Com sua traduccedilatildeo JB de Mello e Souza

quebrou esse grande silecircncio Sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado eacute a que teve o

maior nuacutemero de reediccedilotildees ateacute agora (1964 1966 1969 1970 1998 2001 2002

2005)31

16 Jaime Bruna

O professor Jaime Bruna nasceu no dia 15 de setembro de 1910 Seu nome

consta no Sistema USP (banco de dados da Universidade de Satildeo Paulo) com viacutenculo

inicial em 25 de janeiro de 1934 que eacute a data da fundaccedilatildeo da entatildeo Faculdade de

Filosofia Ciecircncias e Letras (FFCL) criada como o polo central da Universidade de Satildeo

Paulo (USP) No entanto natildeo eacute possiacutevel verificar qual era o viacutenculo naquela altura se

ele ingressou como aluno de graduaccedilatildeo ou em outra condiccedilatildeo de pesquisador A sua

contrataccedilatildeo ocorreu em 1965 na condiccedilatildeo de instrutor da cadeira de Liacutengua e Literatura

Latina Ele se aposentou em 1980 como professor assistente doutor do Departamento de

Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Jaime faleceu em 19 de setembro de 1988 quatro dias

depois de completar 78 anos de idade Essas foram as informaccedilotildees que encontramos na

ficha do Departamento Pessoal da FFLCH-USP

Devido a uma ldquoepifacircnicardquo coincidecircncia descobrimos que o professor de Liacutengua

e Literatura Grega da USP Jaa Torrano em seu tempo de graduando no curso de Letras

da FFLCH pegava carona no carro da entatildeo professora da USP Aiacuteda Costa O professor

Jaime Bruna tambeacutem ia de carona no carro de Aiacuteda e segundo Torrano Bruna descia

na chamada ldquoPraccedila da Paineirardquo (Hoje o nome oficial da praccedila eacute Jorge de Lima esquina

da Av Vital Brasil com a Av Valdemar Ferreira bairro Butantatilde Satildeo Paulo SP) Havia

uma uacutenica paineira nesse local Torrano conta que numa destas caronas foi comentado

que a Prefeitura derrubaria a paineira Houve um princiacutepio de revolta por parte de

alguns estudantes e moradores da regiatildeo que se mobilizaram contra Jaime ouvindo

isso exclamou ldquoVai dar paina para mangasrdquo o que revela ao menos senso de humor

Em conversa com o Prof Antonio da Silveira Mendonccedila (professor de latim

aposentado da USP) descobrimos que Jaime fora bancaacuterio antes de se dedicar ao ensino

e agraves letras claacutessicas Jaime Bruna ldquoera bastante iacutentegro e metoacutedico em seu trabalhordquo

comentou o professsor Mendonccedila

31

Atualmente a editora Martin Claret tem reimpresso essa traduccedilatildeo talvez por causa das facilidades

ligadas aos Direitos Autorais

73

Embora desconhecido para muitos acadecircmicos Jaime Bruna foi bastante

proliacutefero em sua praacutetica tradutoacuteria Joseacute Paulo Paes em sua retrospectiva da praacutetica

tradutoacuteria no Brasil menciona o nome de Bruna na seguinte passagem

Quanto a traduccedilotildees contemporacircneas de textos claacutessicos em verso e prosa

mencionem-se as realizadas por Carlos Alberto Nunes Jaime Bruna Maacuterio

da Gama Kury Joseacute Cavalcanti de Sousa Tassilo Orfeu Spalding Almeida

Cousin etc (PAES1990 p31)

Em nossa opiniatildeo o projeto tradutoacuterio de Bruna era traduzir pelo menos uma

obra dos grandes escritores da Greacutecia e da Roma antiga (embora tenha traduzido mais

de uma obra de autores de sua preferecircncia) Jaime Traduziu Platatildeo Diaacutelogos (1945)

Euriacutepides Heacutecuba (1957) Soacutefocles Electra (1960) Marco Aureacutelio Meditaccedilotildees

(1964) Teatro Grego Eacutesquilo Prometeu Acorrentado Soacutefocles Rei Eacutedipo

EuriacutepidesHipoacutelito AristoacutefanesNuvens (1964) Xenofonte A educaccedilatildeo de Ciro (1965)

Eloquecircncia grega e latina trechos de Tuciacutedides Demoacutestenes Saluacutestio Ciacutecero Liacutesias

Isoacutecrates e Eacutesquines (1968) Platatildeo Goacutergias ou a oratoacuteria (1970) Plauto interprete de

sentimentos populares (1972) Lucretius Carus Titus Da Natureza (1973) Homero

Odisseia (1976) Plautus Titus e Maccius Comeacutedias O Cabo Caruncho Os

Menecmos Os Prisioneiros O Soldado Fanfarratildeo (1978) Epiacutecuro Antologia de textos

(1981) Poeacutetica Claacutessica Aristoacuteteles Horaacutecio e Longino (1981)

Jaime natildeo costuma falar de sua praacutetica tradutoacuteria nas introduccedilotildees de seus

trabalhos Quanto a Eacutesquilo poreacutem o tradutor escreve

Caracteriza a poesia de Eacutesquilo a amplidatildeo Aristoacutefanes sem embargo seu

admirador apelidou-o de ldquocriador de precipiacuteciosrdquo Compraz-se em

representar paixotildees violentas em emitir pensamentos soberbos ideias

sombrias sua religiatildeo eacute a do terror sua moral sofrer para aprender A

constante de sua obra se confina aos conceitos de ldquohybrisrdquo ndash a insolecircncia o

crime o pecado ndash ldquoaterdquo o castigo fatal provocado pela ldquohybrisrdquo Seus coros

satildeo muito desenvolvidos e a accedilatildeo eacute pouca Um grande liacuterico cujo meio de

expressatildeo foi a trageacutedia (BRUNA 1964 p11)

Bruna natildeo faz uma traduccedilatildeo literal do Prometeu Acorrentado A impressatildeo eacute

que em certas passagens Jaime procura entender o sentido geral do texto e a partir

disso natildeo tem receio em criar algo para tentar comunicar bem o que os personagens

envolvidos estariam sentindo no momento da accedilatildeo Veja-se a seguir uma das falas de

Hefesto traduzida por ele ldquoAi Prometeu gemo baixinho por teus sofrimentosrdquo

enquanto Dom Pedro II verte a mesma fala da seguinte forma ldquoAi ai Prometeu gemo

74

com tuas desgraccedilasrdquo Tambeacutem eacute possiacutevel que o leitor tenha certa dificuldade com o

leacutexico escolhido em algumas passagens de sua traduccedilatildeo ldquo[] infeliz de mim poreacutem

para gaacuteudio dos inimigos sofro como grimpa ao sabor dos ventosrdquo e ainda ldquoResponda

a essa mofinardquo Embora sua traduccedilatildeo seja em prosa em alguns trechos Bruna alcanccedila

efeitos sonoros interessantes ldquoDestino Destino Sinto arrepios ao ver as desventuras

de Iordquo (grifo nosso marcando assonacircncia)

Excetuando-se a curta menccedilatildeo feita por Joseacute Paulo Paes citada nessa seccedilatildeo natildeo

encontramos nenhuma outra referecircncia ao trabalho tradutoacuterio de Jaime Bruna embora

ele tivesse sido um incansaacutevel tradutor como demonstra muito bem o grande nuacutemero de

suas traduccedilotildees

17 Napoleatildeo Lopes Filho

Infelizmente natildeo conseguimos muitas informaccedilotildees biograacuteficas acerca de

Napoleatildeo Lopes Filho aleacutem das partilhadas por ele mesmo na introduccedilatildeo de sua

traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo (1967) publicada na Coleccedilatildeo Diaacutelogo da

Ribalta (Editora Vozes) Entre as traduccedilotildees publicadas pela coleccedilatildeo encontram-se a

Antiacutegone de Soacutefocles com traduccedilatildeo de Guilherme de Almeida e A Maacutequina Infernal de

Jean Cocteau com traduccedilatildeo de Manuel Bandeira Essa coleccedilatildeo traz muitas traduccedilotildees

que foram encenadas no Brasil o que nos faz acreditar que Napoleatildeo Lopes Filho esteja

de alguma forma ligado ao teatro e que sua traduccedilatildeo fora concebida para a encenaccedilatildeo

Essa hipoacutetese ganha forccedila quando lemos a seguinte advertecircncia encontrada na

contracapa do seu livro ldquoEsta peccedila natildeo poderaacute ser representada sem licenccedila da

Sociedade Brasileira de Autores Teatraisrdquo No final de seu texto introdutoacuterio o autor

tambeacutem escreve ldquoNapoleatildeo Lopes Filho Cidade do Salvador 1959rdquo Tal informaccedilatildeo eacute

bastante sugestiva pois encontramos um registro na enciclopeacutedia Itauacute Cultural de que

em 1959 no Teatro Guarany em Salvador foi encenada a peccedila A Dama das Cameacutelias

de Alexandre Dumas Filho com traduccedilatildeo de Gilda de Mello e Adaptaccedilatildeo de Benedito

de Corsi No elenco da peccedila encontramos o nome de ldquoNapoleatildeo Lopes Filhordquo Se for a

mesma pessoa nosso tradutor tambeacutem era um ator Ainda em sua introduccedilatildeo Lopes

Filho escreve

Regeu-nos neste trabalho o criteacuterio de que o verso eacute intraduziacutevel e de que a

poesia quando eacute autecircntica pode passar livremente de um a outro idioma

levando o que tem de essencial ndash a sua presenccedila (1967 p65)

75

Tais afirmaccedilotildees nos parecem um tanto quanto contraditoacuterias pois se o verso eacute

ldquointraduziacutevelrdquo como a poesia mesmo sendo ldquoautecircnticardquo poderia ldquopassar livremente de

um a outro idiomardquo Napoleatildeo natildeo explica

Aleacutem de sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado Napoleatildeo nos apresenta a

traduccedilatildeo de As Suplicantes de Eacutesquilo e a traduccedilatildeo do ensaio ldquoEacutesquilo como poeta das

ideiasrdquo de Gilbert Murray Vale mencionar tambeacutem o seguinte levantamento feito por

Napoleatildeo Lopes Filho das ediccedilotildees dos originais gregos de Eacutesquilo

A ediccedilatildeo princeps das trageacutedias de Eacutesquilo data de 1517 e foi impressa em

Veneza nas oficinas de Aldus Manutius Essa publicaccedilatildeo se ressente de ter

unificado uma parte das ldquoCoeacuteforasrdquo com o ldquoAgamenonrdquo falha grave que foi

reparada por Vettori quarenta anos depois quando veio a lume a ediccedilatildeo

francesa de Henri Estienne Trecircs anos mais tarde Canter em ediccedilatildeo cuidada

e conhecida pelo nome de Anvers apurou ainda mais o texto

reaproximando-o do original manuscrito A ediccedilatildeo inglesa feita sob a

responsabilidade de Lord Stanley data de 1663 e somente um seacuteculo depois

na sua ediccedilatildeo de Haia Cornelius Paw reuniu aos escoacutelios anteriormente

achegados por Stanley as notas de Robortel de Turnegravede de Henry Estienne

e de Canter publicaccedilatildeo essa feita no ano de 1745 em dois volumes Apesar

de todos esses trabalhos resultarem de estudos e pesquisas em torno do teatro

grego com o cuidado e o apuro dos eruditos as ediccedilotildees Schuumlltz em trecircs

volumes reuniram todos os textos conhecidos de Eacutesquilo e eacute reputada como a

melhor tendo aparecido em Halle nos anos de 1782 e seguintes (LOPES

FILHO 1967 p66)

A ediccedilatildeo de Stanley citada por Lopes Filho tambeacutem eacute mencionada em carta

escrita pelo Baratildeo de Paranapiacaba agrave Princesa Isabel (manter-se-aacute a ortografia original

na citaccedilatildeo)

Falta-me para elemento de consulta a traducccedilatildeo de Thomaz Stanley ediccedilatildeo

de Londres (do seculo 17) com o texto grego de um lado e do outro o latino

Depois de alguns annos de inutil pesquiza por todas as livrarias da

Europa foi descoberta essa obra (a melhor que ha sobre Eschylo) na

bibliotheca de Napoles pelo Dor Alambary Luz que ahi fez extrahir copias

da versatildeo latina de Prometheu e suas respectivas notas e m‟as remetteu

O texto original grego editado por Stanley natildeo foi remetido ao Baratildeo de

Paranapiacaba mas apenas a versatildeo latina encontrada no mesmo livro Natildeo

encontramos nenhuma menccedilatildeo feita por Dom Pedro II acerca de qual ediccedilatildeo do texto

grego utilizara para fazer sua traduccedilatildeo em prosa Contudo eacute possiacutevel que a ediccedilatildeo de

Christian Gottfried Schuumlltz tenha sido utilizada pelo Imperador tambeacutem citada por

Napoleatildeo Lopes Filho ldquoas ediccedilotildees Schuumlltz em trecircs volumes reuniram todos os textos

conhecidos de Eacutesquilo e eacute reputada como a melhor tendo aparecido em Halle nos anos

76

de 1782 e seguintesrdquo Em sua traduccedilatildeo em prosa Dom Pedro II faz a marcaccedilatildeo dos

trechos que estavam corrompidos na ediccedilatildeo que consultara (marcaccedilatildeo com ldquoXrdquo)

Doce eacute estendegraver longa vida por confiadas esperanccedilas nutrindo a alma de

brilhantes alegrias mas horroriso-me observando porque infinitos

ltuarrsoffrimentosgt [eacutes atorm]entado ltx x x x xgt Natildeo temendo Jupiter honras

demasiadamente os mortaes Prometheu por tua propria vontade ltuarrStrophe

2ordfgt32

Eia Que ingrata gratidatildeo oh amigo dize onde auxilio Que socograverro

dos ephemeros Natildeo observaste a importante fraqueza similhante a um

sonho ltuarrcomgt[] que a dos mortaes x x x cega geraccedilatildeo estaacute algemada Os

conselhos dos mortaes ltuarrnuncagt[] preferem aacute ordem estabelecida por

Jupiter

Trata-se da traduccedilatildeo de um trecho do segundo estaacutesimo da trageacutedia Na ediccedilatildeo

de Stanley publicada em 1809 natildeo haacute a indicaccedilatildeo de corrupccedilatildeo na passagem citada

Figura 24 Trecho dos versos 536-54 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de Thomas Stanley

(1809) Aeschyli tragoediae quae supersunt digitalizada pela Universidade de Cambrigde em 2010

Mas a ediccedilatildeo de Schuumlltz traz as indicaccedilotildees de corrupccedilatildeo indicadas por Dom

Pedro II (haacute de se lembrar que a traduccedilatildeo de Dom Pedro II eacute de 1871)33

32

A indicaccedilatildeo do iniacutecio da estrofe 2ordf foi feita por meio de linhas ascendentes no manuscrito partindo

dentre as palavras ldquovontaderdquo e ldquoeiardquo nas quais eacute escrito ldquo(Strophe 2ordf)rdquo como uma espeacutecie de correccedilatildeo

feita pelo autor 33 A ediccedilatildeo de Schuumlltz que tivemos acesso eacute a de 1809 embora Napoleatildeo Lopes Filho afirme que existe

uma mais antiga a de 1782

77

Figura 25 Trecho referente aos versos 536-50 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de Christian

Gottfried Schuumlltz Aeschyli tragoediae quae supersunt ac deperditarum fragmenta tambeacutem de

1809

Textos estabelecidos modernamente como o de Paul Mazon (1953) e Mark

Griffith (1997) natildeo trazem a marcaccedilatildeo de corrupccedilatildeo no verso 550 como o faz Christian

Gottfried Schuumlltz Eacute claro que Dom Pedro II poderia ter usado ediccedilotildees anteriores agraves de

Schuumlltz e Stanley Apesar disso levando-se em conta que a ediccedilatildeo de Shuumlltz era

ldquoreputada como a melhorrdquo (LOPES FILHO 1967 p66) sendo anterior a traduccedilatildeo

Imperial e tendo marcaccedilotildees de corrupccedilatildeo semelhantes eacute possiacutevel que Dom Pedro II

tenha se valido dela para fazer sua traduccedilatildeo em prosa

Ediccedilotildees modernas do original grego como a de Griffith por exemplo natildeo

constumam trazer um levantamento das ediccedilotildees anteriores sobretudo das mais antigas

Pensando nisso devemos reconhecer que as indicaccedilotildees feitas pelo tradutor Napoleatildeo

Lopes Filho foram bastante uacuteteis para termos algum conhecimento acerca das ediccedilotildees

do texto original do Prometeu Acorrentado empreendidas nos seacuteculos XVIII e XIX 34

Ao final de sua bibliografia Lopes Filho ainda escreve

34 A ediccedilatildeo de Thomas Stanley de (1809) Aeschyli tragoediae quae supersunt digitalizada pela

Universidade de Cambrigde em 2010 conteacutem os originais gregos das trageacutedias Prometeu acorrentado e

78

Para a presente traduccedilatildeo tomamos os textos de Paul Mazon ldquoEschylerdquo

Societeacute d‟Edition ldquoLes Belles Lettresrdquo acima citado Bem como o texto

castelhano impresso por Pedro Henrique Urentildea da Editorial Losada SA

Buenos Aires 1941 que se deve a uma traduccedilatildeo direta do grego de autoria de

Fernando Segundo Brieva de Salvatierra (LOPES FILHO 1967 p103)

Embora seja uma traduccedilatildeo em prosa a versatildeo de Napoleatildeo Lopes Filho natildeo

recorre geralmente agrave paraacutefrase Ele opta tambeacutem pelos nomes gregos das divindades em

vez dos advindos da tradiccedilatildeo latina Em sua traduccedilatildeo Lopes Filho distingue as partes

cantadas do coro das partes faladas escrevendo-as em itaacutelico Embora natildeo declare

abertamente parece ser possiacutevel que Napoleatildeo Lopes Filho conhecesse a liacutengua grega

pois se observa certa literalidade em sua traduccedilatildeo

Agrave guisa de exemplo veja-se o seguinte trecho de sua traduccedilatildeo

Hermes

Essas satildeo palavras e razotildees que soacute eacute possiacutevel ouvir de mentecaptos Que

coisa falta agrave tua demecircncia Porventura fosses melhor tratado se acalmariam

os teus furores Ao menos voacutes que vos condoeis de suas miseacuterias afastai-

vos deste lugar imediatamente O horrendo rugir do trovatildeo vos deixaria

atocircnitas

Coro

Dize-me e aconselha-me qualquer outra coisa e seraacutes obedecido mas as

palavras que pronunciastes natildeo as posso tolerar Como Mandas que renda

culto agrave covardia Nos males que haacute de padecer quero tomar parte com ele

pois aprendi a odiar aos traidores e natildeo haacute vileza que mais me repugne do

que essa

18 Maacuterio da Gama Kury

Segundo Adriane da Silva Duarte (2016 pp52-3)

Maacuterio da Gama Kury (1922 Sena MadureiraAC) eacute um dos mais produtivos

tradutores do grego antigo [] Advogado trabalhou por 30 anos na Vale

enquanto em paralelo estudava grego por conta proacutepria e dava iniacutecio agraves

primeiras traduccedilotildees Com a aposentadoria em 1976 dedicou-se

integralmente agrave atividade vertendo todo o teatro grego trageacutedias e comeacutedias

[] e o principal da historiografia as obras monumentais de Heroacutedoto

suplicantes com traduccedilatildeo e notas em latim do proacuteprio Stanley reunidos pelo erudito do seacuteculo XIX

Samuel Butler (1774-1839) O fac-siacutemile digitalizado da ediccedilatildeo de Christian Gottfried Schuumlltz Aeschyli

tragoediae quae supersunt ac deperditarum fragmenta tambeacutem de 1809 entre tantos e-books vendidos

no aplicativo Play Livros eacute disponibilizado gratuitamente aos seus usuaacuterios como uma espeacutecie de

ldquobrinderdquo

79

Tuciacutedides e Poliacutebio aleacutem de Aristoacuteteles e Dioacutegenes Laeacutecio editadas pela

UNB

Quando se estudam as traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado eacute faacutecil

notar que os tradutores natildeo costumam falar do seu modus operandi talvez encorajados

por seus editores a natildeo revelar o segredo do prodigioso ofiacutecio de verter um texto

estrangeiro reescrevendo-o em liacutengua portuguesa como o faria seu proacuteprio autor se

tivesse domiacutenio de nossa liacutengua mas sem deixar de ser estrangeiro

Verter um poema do grego por exemplo ou de qualquer outro idioma eacute

teoricamente pelo menos reescrevecirc-lo em portuguecircs como o faria seu proacuteprio

autor se tivesse domiacutenio operativo de nossa liacutengua mas sem no entanto

deixar de ser grego (PAES 1990 p93)

Maacuterio da Gama Kury por sua vez escreve algumas linhas revelando-nos algo

sobre sua praacutetica tradutoacuteria

Embora evitando uma linguagem empolada procuramos manter em

portuguecircs a grandiosidade tambeacutem verbal que a proacutepria peccedila tem no original

decorrecircncia loacutegica da condiccedilatildeo divina dos personagens

Para nossa traduccedilatildeo servimo-nos principalmente do texto editado por Gilbert

Murray (KURY 1993 p12)

Quando o tradutor explicita alguns de seus criteacuterios como fez Kury o criacutetico

literaacuterio pode se valer deles para apreciar e julgar a traduccedilatildeo E de fato Mario da Gama

Kury procura evitar a ldquolinguagem empoladardquo sem deixar sua traduccedilatildeo coloquial

demais Veja-se por exemplo a traduccedilatildeo da uacuteltima fala de Prometeu

Mas eis os fatos natildeo simples palavras

a terra treme e tambeacutem repercute

em seus abismos a voz do trovatildeo

em sinuosidades abrasadas

jaacute resplandece o raio um ciclone

volteia e forma turbilhotildees de poacute

os sopros do ar luacutecido se lanccedilam

uns contra os outros e se digladiam

os ventos jaacute estatildeo em plena guerra

o ceacuteu jaacute se confunde com o mar

Eis a rajada que para espantar-me

vem decididamente contra mim

mandada por Zeus todo-poderoso

Ah Minha majestosa matildee e o Eacuteter

Que faz girar ao redor deste mundo

a luz oferecida a todos noacutes

Vedes a iniquumlidade que me atinge

80

Eacutesquilo escreveu a fala citada de Prometeu em 14 versos Gama Kury a verteu

em 17 Nota-se portanto que Maacuterio da Gama Kury natildeo tende agrave literalidade

No trecho supracitado vale a pena destacar o belo verso ldquoos ventos jaacute estatildeo em

plena guerrardquo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒) trata-se de um decassiacutelabo em pentacircmetro iacircmbico um

tipo de meacutetrica que une as caracteriacutesticas de um verso heroacuteico (marcaccedilatildeo nas sexta e

deacutecima siacutelabas) e as de um saacutefico (marcaccedilatildeo na quarta oitava e deacutecima siacutelabas)

Tambeacutem nota-se um ordenamento interessante na posiccedilatildeo das siacutelabas tocircnicas nesses

outros dois versos ldquoa terra treme e tambeacutem repercute em seus abismos a voz do

trovatildeordquo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

A grande quantidade de traduccedilotildees feitas por Maacuterio da Gama Kury denota o

imenso apreccedilo que ele devota agrave cultura e agrave literatura gregas Natildeo se conformando em

usufruir sozinho das qualidades dos textos claacutessicos Kury esforccedilou-se diligentemente

para despertar interesse semelhante em outros leitores Sua importacircncia para a histoacuteria

da traduccedilatildeo no Brasil eacute grande O nuacutemero de reediccedilotildees de sua traduccedilatildeo do Prometeu

Acorrentado (1993 1998 1999 2004 2009) soacute eacute inferior ao de JB de Mello e Souza

19 Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves

Por ser uma traduccedilatildeo com um nuacutemero escasso de exemplares encontrados e

ainda levando-se em conta que a encontramos apenas na universidade que a publicou

originalmente (Araraquara Universidade Estadual Paulista ndash Instituto de Letras

Ciecircncias Sociais e Educaccedilatildeo 1977) eacute de se supor que a traduccedilatildeo feita por Daisi

Malhadas e Maria Helena de Moura Neves era destinada principalmente aos alunos de

grego em Araraquara Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves satildeo professoras

aposentadas da Unesp embora Moura Neves ainda esteja em plena atividade aos 88

anos de idade (no tempo que a presente seccedilatildeo foi redigida) lecionando como voluntaacuteria

no Programa de Poacutes-graduccedilatildeo da Unesp aleacutem de trabalhar na Universidade

Presbiteriana Mackenzie Maria Helena de Moura Neves foi aluna de Daisi Malhadas

Embora o livro traga uma interessante introduccedilatildeo e uacuteteis notas de rodapeacute natildeo se

encontra nele a explicitaccedilatildeo dos princiacutepios que nortearam o trabalho de traduccedilatildeo e nem

a indicaccedilatildeo de quais trechos Malhadas traduziu ou Moura Neves Aleacutem das duas

autoras o livro apresenta como colaboradores Aldo Bellagamba Colesanti Leila Curi

Rodrigues Olivi Maria Nazareth Guimaratildees Cardoso e Marisa Giannecchini Gonccedilalves

81

de Souza Tambeacutem natildeo eacute informado como cada uma dessas pessoas contribui no

trabalho

Diante desses dados parece que as autoras natildeo deram tanta ecircnfase ao aspecto

autoral da traduccedilatildeo em questatildeo e a dicccedilatildeo de cada uma delas natildeo eacute facilmente

perceptiacutevel ao longo do texto

No artigo ldquoO Espetaacuteculo na Trageacutediardquo (1993) Daisi Malhadas apresenta a

traduccedilatildeo de um trecho da uacuteltima fala de Prometeu (p56) Esse trecho eacute idecircntico agrave

mesma passagem encontrada na traduccedilatildeo de 1977 ainda que natildeo faccedila referecircncia direta agrave

obra no corpo do texto e nem nas ldquoReferecircnciasrdquo Seraacute que a passagem foi traduzida

especificamente por Malhadas em 1977 Natildeo se sabe Veja-se a seguir o trecho

mencionado

Eis que com fatos natildeo mais com palavras

a terra eacute sacudida

a voz subterracircnea do trovatildeo em torno

ruge os ziguezagues do relacircmpago

brilham em chamas um turbilhatildeo remoinha

a poeira lanccedilam-se os sopros

dos ventos todos uns contra os outros

a guerra de lufadas contraacuterias estaacute declarada

confunde-se o ceacuteu com o mar

Eis que contra mim uma rajada por vontade de Zeus

para amedrontar avanccedila sob a vista de todos

No trecho destacado percebe-se que o nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas varia para

cada verso Tal decisatildeo natildeo parece ter sido tomada visando realccedilar um determinado

efeito poeacutetico mas sim para se permitir a transmissatildeo do sentido sem a restriccedilatildeo que o

nuacutemero fixo de siacutelabas poeacuteticas poderia ocasionar Tem-se a impressatildeo de que uma

correspondecircncia numeacuterica dos termos com o original natildeo eacute procurada a todo custo e

por isso natildeo proliferam os neologismos no trecho citado Desta forma o portuguecircs natildeo

eacute por assim dizer forccedilado a se tornar mais ldquohelenizadordquo Em contrapartida percebe-se

que em certos trechos uma proximidade numeacuterica e sonora dos termos com o texto de

partida parece ser mais perseguida Natildeo nos esqueccedilamos que a traduccedilatildeo foi feita por

pelo menos duas tradutoras e tais diferenccedilas embora sejam sutis talvez sejam como

que digitais de cada uma delas No seguinte trecho por exemplo percebe-se uma

82

correspondecircncia maior com o original no que se refere ao som e ao nuacutemero das palavras

em cada verso

Quadro III Anaacutelise comparativa entre original e traduccedilatildeo

Do verso 3 ao 6 a posiccedilatildeo dos termos eacute praticamente idecircntica ao original Veja-

se por exemplo a posiccedilatildeo de Ἥθαηζηε e ldquoHefestordquo ζνὶ e ldquoa tirdquo ρξὴ κέιεηλ e

ldquocompete cumprirrdquo ἐπηζηνιὰο e ldquoordensrdquo no terceiro verso Se no primeiro verso natildeo

haacute uma correspondecircncia indecircntica na posiccedilatildeo dos termos por outro lado uma

interessante semelhanccedila sonora eacute alcanccedilada Χζνλὸο (ldquosolordquo) por exemplo eacute a primeira

palavra do primeiro verso mas sua traduccedilatildeo ldquosolordquo eacute a quarta palavra na versatildeo

brasileira Apesar disso a consonte velar ldquoqrdquo de ldquoaquirdquo (primeira palavra na traduccedilatildeo)

encontra certa ressonacircncia com a tambeacutem consoante velar ldquoΧrdquo de Χζνλὸο (primeira

palavra do original) Veja-se tambeacutem a correspondecircncia sonora entre κὲν ἐς τελουξὸλ

e ldquoestamos em solordquo

A traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado natildeo foi o uacutenico projeto no qual Daisi

Malhadas e Maria Helena de Moura Neves trabalharam juntas Pode-se destacar

tambeacutem o primeiro Dicionaacuterio de Grego Claacutessico-Portuguecircs feito por helenistas

brasileiros organizado por Malhadas Moura Neves e Maria Celeste Consolin Dezotti

(publicado pela editora Ateliecirc Editorial) Ao ser perguntada pela Folha de Satildeo Paulo se

o conhecimento do grego eacute imprescindiacutevel para estudar filosofia ou literatura Daisi

Malhadas respondeu

Perguntam-me para que estudar o grego desde que comecei a estudaacute-lo Eu

procurava justificativas como ser uma das origens da liacutengua portuguesa da

filosofia uma literatura da qual se originam gecircneros atuais Atualmente digo

que o grego natildeo eacute produto de supermercado Natildeo vou procurar uma foacutermula

para que serve O grego tem a beleza da arte eacute importante em si35

35 ldquoPara ler Platatildeo no originalrdquo Folha de Satildeo Paulo caderno MAIS ediccedilatildeo de 25 de fevereiro de 2007

1Χζνλὸο κὲλ ἐο ηεινπξὸλ ἥθνκελ πέδνλ

2Σθύζελ ἐο νἷκνλ ἄβαηνλ εἰο ἐξεκίαλ

3Ἥθαηζηε ζνὶ δὲ ρξὴ κέιεηλ ἐπηζηνιὰο

4ἅο ζνη παηὴξ ἐθεῖην ηόλδε πξὸο πέηξαηο

5ὑςεινθξήκλνηο ηὸλ ιεσξγὸλ ὀρκάζαη

6ἀδακαληίλσλ δεζκῶλ ἐλ ἀξξήθηνηο πέδαηο

1Aqui estamos em solo de longiacutenqua terra

2o paiacutes cita um deserto sem vivalma

3Hefesto a ti compete cumprir as ordens

4que teu pai ditou sobre penedos

5de alcantis agrestes este celerado prender

6em infrangiacuteveis elos de grilhotildees de accedilo

83

110 O Tradutor Anocircnimo

Em nossa busca por traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado

encontramos um livro com traduccedilotildees de trecircs trageacutedias gregas e uma comeacutedia a saber

Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo Antiacutegona de Soacutefocles Medeacuteia de Euriacutepedes e As

vespas de Aristoacutefanes O livro natildeo traz nenhuma indicaccedilatildeo de quem teria sido o tradutor

ou tradutores dessas obras gregas O Tiacutetulo do livro eacute Teatro Grego Os grandes

claacutessicos Foi publicado no Rio de Janeiro no ano de 1980 Na contracapa do livro estaacute

escrito ldquoEsta ediccedilatildeo eacute reservada ao ciacuterculo de amigos de OTTO PIERRE EDITORES

LTDArdquo

Eacute difiacutecil assegurar se a mencionada ediccedilatildeo de 1980 eacute uma copilaccedilatildeo de traduccedilotildees

brasileiras anteriormente publicadas ou natildeo Antes da traduccedilatildeo do Prometeu

Acorrentado empreendida pelo Tradutor Anocircnimo foram publicadas as traduccedilotildees de

Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves (1977) de Maacuterio da Gama Kury

(1968) de Napoleatildeo Lopes Filho (1967) de Jaime Bruna (1964) JB de Mello e Souza

(1950) de Ramiz Galvatildeo (1909) e as versotildees do Baratildeo de Paranapiacaba (1907) A

traduccedilatildeo de Dom Pedro II nunca foi publicada e por isso dificilmente poderia ser

plagiada Entre todas essas traduccedilotildees a de JB de Mello e Souza eacute a que possuiu o

maior nuacutemero de reediccedilotildees (pelo menos quatro antes de 1980) Mesmo assim a uacuteltima

fala de Prometeu foi traduzida de forma muito resumida na versatildeo de Mello e Souza

Caso a traduccedilatildeo de 1980 do Tradutor Anocircnimo fosse um plaacutegio da traduccedilatildeo de JB de

Mello e Souza provavelmente existiriam rastros do plaacutegio nessa uacuteltima fala Mas natildeo eacute

isso o que acontece como se pode averiguar a seguir

Prometeu

Com efeito natildeo foi uma ameaccedila apenas a terra potildee-se a tremerO soturno

ronco jaacute se faz ouvir Turbilhotildees de poeira se erguemtodos os furacotildees

desencadeados parece que estatildeo contra mim Contra mim eacute que Jupiter

desfecha tatildeo horrendo cataclismo Oacute minha algusta matildee oacute tu divino eacuteter que

cercais o universo de luz eternavede que injustos tormentos me fazem

sofrer (JB de Mello e Souza)

Prometeu

Agraves palavras seguiram-se os atos A Terra vacila e o trovatildeo ruge surdamente

nas suas profundidades em ziguezagues inflamados estalam os raios no ar e

o furioso ceacuteu levanta o poacute em torvelinhos Os ventos precipitam-se uns contra

os outros abriu-se entre eles a contenda e o ar e o mar confundem-se Eis a

forccedila desencadeada lanccedilada com certeza contra mim pela matildeo de Zeus para

infundir-me medo Oh Majestade de minha matildee Oacute eacuteter que fazes girar ao

84

redor do mundo a luz que nos alumia a todos contemplem as iniquidades

que tenho de padecer (O Tradutor Anocircnimo)

Mas outras trecircs traduccedilotildees vertem a mesma fala de Prometeu de forma

semelhante agrave do Tradutor Anocircnimo em alguns aspectos Uma eacute anterior e a outra eacute

posterior agrave traduccedilatildeo publicada pela OTTO PIERRE EDITORES LTDA

Oacute eacuteter que fazes girar ao redor do mundo a luz que nos alumia a todos

contemplem as iniquidades que tenho de padecer (O Tradutor Anocircnimo

1980)

[] e o Eacuteter que faz girar ao redor deste mundo a luz oferecida a todos

noacutes Vedes a iniquidade que me atinge (Maacuterio da Gama Kury 1968)

Eacuteter que fazes rodar ao redor do mundo a luz comum a todos vede o

tratamento ultrajante que me afligem (Alberto Guzik 1982)

Veja-se agora o texto original (vv1091-3)

[] ὦ πάλησλ

αἰζὴξ θνηλὸλ θάνο εἱιίζζσλ

ἐζνξᾷο κ᾽ ὡο ἔθδηθα πάζρσ36

A traduccedilatildeo literal da passagem supracitada seria algo como ldquoOacute Eacuteter que volves

a luz comum de todos Vecircs quatildeo injustamente sofrordquo37

Portanto natildeo existe a palavra

ldquomundordquo no original grego embora tal palavra possa ser subentendida a partir da

expressatildeo ldquoao redor derdquo (εἱιίζζσλ) e isso eacute feito nas trecircs traduccedilotildees brasileiras

anteriormente citadas Nos trechos supracitados pode-se notar ainda que o comeccedilo da

fala de Prometeu na traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury parece ser diferente das outras

duas

ldquoMas eis os fatos natildeo simples palavrasrdquo (Maacuterio da Gama Kury)

ldquoAgraves palavras seguiram-se os atosrdquo (O Tradutor Anocircnimo)

ldquoOs atos se seguem agraves palavrasrdquo (Alberto Guzik)

36 Passagem transcrita igualmente nas ediccedilotildees de Staley (1809) Shuumlltz (1809) Paul Mazon (1953) e

Mark Griffith (1997) 37

Traduccedilatildeo literal de Dom Pedro II com exceccedilatildeo da palavra ldquoEacuteterrdquo vertida por ldquoarrdquo pelo Imperador

85

O texto original correspondente a esse trecho eacute o seguinte (v 1080)

θαὶ κὴλ ἔξγῳ θνὐθέηη κύζῳ A traduccedilatildeo literal desse verso seria algo como ldquoE de fato

e natildeo mais por palavrardquo38

Portanto natildeo haacute o verbo ldquoseguirrdquo no original grego

Seria difiacutecil o Tradutor Anocircnimo plagiar em 1980 uma traduccedilatildeo que ainda natildeo

havia sido publicada ou seja a de Alberto Guzik de 1982 (a natildeo ser que os dois autores

fossem conhecidos e tivessem acesso muacutetuo aos originais ainda natildeo publicados o que

parece ser improvaacutevel ou ainda que se tratasse do mesmo autor isto eacute o proacuteprio

Alberto Guzik algo que nos parece inverossiacutemil) Por outro lado natildeo acreditamos que

Guzik tenha plagiado a traduccedilatildeo do Tradutor Anocircnimo A traduccedilatildeo deste natildeo foi

publicada em larga escala mas reservada a um ldquociacuterculo de amigos de OTTO PIERRE

EDITORES LTDArdquo natildeo era um livro que circulava em profusatildeo Por isso supomos

que elas tenham uma influecircncia comum aleacutem do texto original grego talvez uma

traduccedilatildeo estrangeira do Prometeu Acorrentado

Conta-se que em meio ao panteatildeo grego os atenienses contruiacuteram um altar com

a seguinte inscriccedilatildeo ldquoAo deus desconhecidordquo (agnoacutestoi theocirci) No caso presente o

exemplo ateniense nos inspira a natildeo privar o Tradutor Desconhecido de um lugar no rol

das versotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado em nosso trabalho

111 Alberto Guzik

Segundo a Enciclopeacutedia Itauacute Cultural Alberto Guzik (1944 - 2010) foi um autor

e ator de peccedilas teatrais Envolveu-se com a atividade teatral desde os 5 anos

quando ingressou no Teatro Escola Satildeo Paulo grupo orientado por Tatiana Belinky e

Juacutelio Gouvecirca participando do elenco de Peter Pan em 1949 Formou-se em direito pela

Mackenzie mas nunca exerceu a profissatildeo Tambeacutem cursou a Escola de Arte

Dramaacutetica (EAD) que concluiu em 1966 Alberto Guzik foi criacutetico de teatro da Isto Eacute

de 1978 a 1981 Desde 1984 coolaborou com o Caderno 2 de O Estado de S Paulo

Mestre em teatro pela Escola de Comunicaccedilotildees e Artes da Universidade de Satildeo Paulo

ECAUSP defendeu em 1982 a dissertaccedilatildeo TBC Crocircnica de Um Sonho Em 1995

Alberto publica o romance Um Risco de Vida indicado ao Precircmio Jabuti Como

dramaturgo estreacuteia com a peccedila Um Deus Cruel em 1997

Alberto Guzik fez parte de uma equipe de tradutores sob a direccedilatildeo de J

Guinsburg na qual contribuiu com a traduccedilatildeo dos livros A trageacutedia Grega de Albin

38

Traduccedilatildeo de Dom Pedro II

86

Lesky (1971) Fim do povo judeu de Georges Friedmann (1969) e Rei de Carne e

Osso de Moscheacute Schamir (1971)

Natildeo existem referecircncias claras se Alberto traduziu o Prometeu Acorrentado a

partir do original grego e tambeacutem em nenhuma das biografias encontradas foi

mencionado que ele estudara essa liacutengua Enviamos uma mensagem para seu blog

visando encontrar alguma pista a esse respeito Aimar Labaki depois de consultar a

dramaturga Maria Adelaide do Amaral respondeu-nos que provavelmente Alberto

fizera sua traduccedilatildeo do inglecircs ou do francecircs Isso daria forccedila agrave hipoacutetese apresentada na

seccedilatildeo anterior de que O Tradutor Desconhecido e Alberto Guzik teriam consultado a

mesma traduccedilatildeo estrangeira do Prometeu para fazerem suas respectivas traduccedilotildees em

portuguecircs

Existem vaacuterias indicaccedilotildees de cena ao longo de sua traduccedilatildeo o que nos faz

pensar que Guzik vislumbrava a possibilidade de sua traduccedilatildeo ser encenada Sua prosa eacute

fluente conseguindo expressar bem a tenacidade de Prometeu ldquoFaccedilas o que fizeres natildeo

conseguiraacutes fazer perecer o deus que eu sourdquo Outras vezes vale-se da ambiguidade dos

termos para potencializar a dramaticidade ldquoEle deus desejou unir a esta mortal e fez

dela a vagabunda que podes verrdquo

Guzik tambeacutem faz um uso bastante peculiar das interjeiccedilotildees

Io

Aaah As convulccedilotildees voltam a se apoderar de mim e o deliacuterio que transporta

minha alma queima e inflama

[]

Hermes

Pareces natildeo querer dizer nada do que deseja meu pai

Prometeu

Ooh Mas claro Vista minha diacutevida para com ele eu deveria lhe pagar com

meu reconhecimento natildeo eacute mesmo

Sendo um homem do teatro Guzik se dispocircs a traduzir uma obra daquele que

fora considerado o ldquopai da trageacutediardquo Talvez ao traduzi-la esse importante dramaturgo

brasileiro refletiu mais atentamente sobre a origem do gecircnero de arte a que tanto se

dedicou o drama

87

112 Jaa Torrano

Em marccedilo de 1971 Joseacute Antonio Alves Torrano (Jaa Torrano) chegara a Satildeo

Paulo para iniciar seus estudos de Liacutengua e Literatura Grega na Universidade de Satildeo

Paulo

Eu estava desempregado e incerto a respeito de que fazer e de como me

manter sozinho longe de minha famiacutelia na imensa erma e solitaacuteria cidade de

Satildeo Paulo [] Quando ainda morava em Catanduva fiz uma esforccedilada e

malsucedida tentativa de estudar grego claacutessico sozinho com os livros

tomados agraves bibliotecas do coleacutegio e da prefeitura (TORRANO 2006 p4)

O ProfAntonio da Silveira Mendonccedila professor de latim aposentado da USP

guarda algumas lembranccedilas daquele jovem aluno da USP

Como a maioria de noacutes Torrano chegou agrave USP de bolsos vazios Teve que

trabalhar enquanto estudava Se eu natildeo me engano ele trabalhou em uma

reparticcedilatildeo do Estado Mesmo assim ele natildeo se descurava dos estudos Era

extremamente esforccedilado Tambeacutem me lembro que o Torrano tinha um

profundo respeito e admiraccedilatildeo pelo seu professor de Grego O nome desse

professor era Cavalcante

Sobre o professor Cavalcante Jaa Torrano escreve em seu Memorial

No segundo semestre de 1971 convidado por uma colega mais experiente

fui assistir como ouvinte as aulas do curso sobre os filoacutesofos preacute-socraacuteticos

ministrado pelo Prof Dr Joseacute Cavalcante de Souza no Dept de Filosofia A

colega mais experiente me disse ldquoObserva como os olhos dele brilham

quando ele explica as palavras dos versos ou dos fragmentosrdquo Era verdade

Tambeacutem fiquei encantado com as aulas do Prof Cavalcante decorei os

versos de Parmecircnides e os fragmentos de Heraacuteclito recitava-os repetidas

vezes em silecircncio ou em voz alta lia e refletia sobre os enigmas da liacutengua e

do pensamento gregos assinalados pelo professor e desafiados em suas aulas

A meu ver na figura algo socraacutetica do Prof Cavalcante tanto durante suas

aulas quanto fora delas brilhava a magnificecircncia do simples (TORRANO

2006 p5)

A concepccedilatildeo que o Prof Cavalcante tinha sobre traduccedilatildeo teve um grande

impacto sobre a poeacutetica tradutoacuteria de seu aluno

A traduccedilatildeo para o professor Cavalcante estava a serviccedilo da hermenecircutica de

documentos literaacuterios e portanto o acircmbito da traduccedilatildeo eacute o da

interdisciplinaridade entre Histoacuteria Filosofia e Poesia (TORRANO apud

MALTA 2015 p186)

Para Torrano essa busca hermenecircutica de um entendimento mais acurado do

texto antigo por meio da traduccedilatildeo encontrou um eco expressivo nos famosos

ldquoparaacutegrafos metodoloacutegicosrdquo de Tuciacutedides (Histoacuteria da Guerra do Peloponeso 120-22)

Nesses paraacutegrafos o famoso historiador grego utiliza a palavra ldquoacribiardquo (rigor

88

exatidatildeo) afirmando que em seu trabalho a busca pela exatidatildeo no relato dos fatos

prevaleceria sobre o agrado que pudesse despertar em seus leitores Da mesma forma

parece que a preocupaccedilatildeo maior no trabalho tradutoacuterio de Torrano eacute a busca pela

exatidatildeo dos termos originais Isso eacute peceptiacutevel por exemplo no proacuteprio tiacutetulo de sua

traduccedilatildeo de 2009 Prometeu Cadeeiro como ele mesmo explica

O nome ldquodesmoacutetesrdquo eacute formado do mesmo tema de desmaacute e do sufixo de

nome de agente -tes Com esses elementos o sentido originaacuterio desse nome

eacute ldquoo encadeadorrdquo e aponta a competecircncia teacutecnica que faz de Prometeu um

Deus congecircnere (syggeneacutes cf Pr 14 e 39) de Hefesto a saber a arte

metaluacutergica com que se fabricam cadeias e todos os meios de encadear e de

prender Desmoacutetes portanto significa ldquoo senhor das cadeiasrdquo [] Ao dar

tiacutetulo a esta trageacutedia cujo tema central eacute a privaccedilatildeo de poderes e a

passividade em que se vecirc encadeado e imobilizado o Titatilde ao ser excluiacutedo de

toda participaccedilatildeo em Zeus o nome Desmoacutetes sofre uma mutaccedilatildeo de sentido

e adquire o sentido passivo que figura nos tiacutetulos das traduccedilotildees tradicionais

ldquoPrometeu encadeadordquo ou ldquoacorrentadordquo ou ldquoagrilhoadordquo etc Para indicar

essa mutaccedilatildeo e ambiguidade do tiacutetulo eacute necessaacuterio um nome de fabricante de

cadeias que tenha essa duplicidade de sentido ativo e passivo Em dois textos

diversos numa paacutegina de Memoacuterias do Caacutercere de Graciliano Ramos e no

verbete do Grande e Noviacutessimo Dicionaacuterio de Liacutengua Portuguesa de

Laudelino Freire pode-se verificar que a palavra ldquocadeeirordquo tem essa

duplicidade de sentido (TORRANO 2009 pp 327-8)

Essa busca por exatidatildeo (ldquoacribiardquo) natildeo tem sido um caminho faacutecil para Torrano

como ele mesmo afirma em entrevista dada a Andreacute Malta

[] mas este ideal estiliacutestico de precisatildeo concisatildeo e simplicidade ainda me

parece ora uma perene aspiraccedilatildeo ora a miragem de uma perene aspiraccedilatildeo

Sob esse aspecto o pior foi a traduccedilatildeo de Prometeu Prisioneiro publicada

em 1985 pelo seguinte motivo aleacutem de todas as exigecircncias impostas pelos

ideais estiliacutesticos de precisatildeo clareza e acribia poeacutetica havia uma

inacreditaacutevel exigecircncia extraordinaacuteria de manter no ponto de chegada

vernaacuteculo ndash tanto quanto possiacutevel ndash a mesma ordem das palavras que do

ponto de partida helecircnico Natildeo atribuo esse disparate ao meu professor mas a

uma brincadeira de Hermes com a minha admiraccedilatildeo amizade e estima por

meu professor quando percebi a piscada de Hermes refiz a traduccedilatildeo a que

dei o novo tiacutetulo Prometeu Cadeeiro (MALTA 2015 p187)

Veja-se a seguir algumas comparaccedilotildees entre as duas traduccedilotildees

ὦ δῖνο αἰζὴξ καὶ ηαρύπηεξνη πλναί

πνηακῶλ τε πεγαί πνληίσλ τε θπκάησλ

ἀλήξηζκνλ γέιαζκα πακκῆηόξ τε γῆ

θαὶ ηὸλ παλόπηελ θύθινλ ἡιίνπ θαιῶ

ἴδεζζέ κ᾽ νἷα πξὸο ζεῶλ πάζρσ ζεόο (vv89-92 grifo nosso)

89

Oacute divino Aitheacuter velozes alados ventos

fontes de rios das marinas ondas

inuacutemero riso omnimatildee Terra

e o omnividente ciacuterculo do Sol invoco

Vede-me o que dos Deuses padeccedilo Deus

(Prometeu Prisioneiro 1985)

Oacute divino Fulgor e velozes alados ventos

e fontes de rios e inuacutemero brilho

de ondas marinhas e Terra matildee de todos

e invoco o onividente ciacuterculo do sol

Vede-me que dos Deuses padeccedilo Deus

(Prometeu Cadeeiro 2009 grifo nosso)

Na traduccedilatildeo de 2009 nota-se que Torrano procura reproduzir a sequecircncia de

conjuccedilotildees presentes no original grego (θαὶηεηεηε) Ele natildeo fizera isso em sua

traduccedilatildeo de 1985 Esse recurso daacute um tom mais declamatoacuterio e meloacutedico agrave traduccedilatildeo de

2009 como se ela tivesse sido pensada natildeo soacute para ser lida em silecircncio Como visto

Torrano contara que em seu tempo de estudante decorava versos de Parmecircnides e

fragmentos de Heraacuteclito os quais recitava ldquorepetidas vezes em silecircncio ou em voz altardquo

Diante disso natildeo nos parece improvaacutevel que Torrano faccedila o mesmo com suas

traduccedilotildees Embora a versatildeo de 2009 natildeo possua um nuacutemero fixo de siacutelabas poeacuteticas

para todos os versos eacute possiacutevel perceber certo cuidado por parte de Torrano em relaccedilatildeo

agrave sonoridade de seu texto E de fato para M Said Ali

Ritmo eacute o que nos impressiona quer a vista quer o ouvido pela sua repeticcedilatildeo

frequente com intervalos regulares Condiccedilatildeo essencial deste conceito eacute que

os nossos sentidos possam perceber com facilidade a reiteraccedilatildeo [] Os olhos

notam ritmo no andamento do pecircndulo na marcha de um batalhatildeo e natildeo o

percebem na carreira veloz nem no rastejar [] Produzem no ouvido a

sensaccedilatildeo do ritmo reiteraccedilotildees superiores a 30 por minuto e inferiores a 140

(ALI 2006 p29-30)

Embora o perfil de tradutor de Torrano natildeo nos permita imaginar que ele fique

tamborilando na mesa contanto siacutelabas poeacuteticas enquanto escreve suas traduccedilotildees jaacute

tivemos por outro lado a ventura de ouvi-lo lendo alguns trechos de suas traduccedilotildees das

trageacutedias de Euriacutepides A impressatildeo que tivemos eacute que haacute certa regularidade no ritmo de

seus versos durante a leitura Veja-se por exemplo como os hendecassiacutelabos

prevalecem em sua dicccedilatildeo no trecho a seguir

90

1Oacute divino Fulgor e velozes alados ventos (14 siacutelabas poeacuteticas)

2e fontes de rios e inuacutemero brilho (Hendecassiacutelabo)

3de ondas marinhas e Terra matildee de todos (Hendecassiacutelabo)

4e invoco o onividente ciacuterculo do Sol (Dodecassiacutelabo)

5Vede-me que dos Deuses padeccedilo Deus (Hendecassiacutelabo)

(Prometeu Cadeeiro 2009)

Percebe-se um nuacutemero maior de neologismos em Prometeu Prisioneiro (1985)

em comparaccedilatildeo com Prometeu Cadeeiro (2009) ldquorectivolenterdquo ldquomarimuacutermeresrdquo

ldquoaltiacutengremesrdquo ldquoomnimatildeerdquo ldquolargiacutefluosrdquo Mas existem elementos no trabalho de

Torrano que natildeo mudam com o passar dos anos Satildeo como marcas que em conjunto

possibilitam distinguir suas traduccedilotildees das outras mesmo que natildeo estivessem assinadas

Uma delas eacute o fato de que Torrano natildeo traduz ndash talvez movido pelo seu princiacutepio de

ldquoacribiardquo ndash nenhuma das interjeiccedilotildees gregas

A liacutengua grega possui uma grande variedade de interjeiccedilotildees quase sempre

traduzidas simplesmente por ldquoAirdquo Torrano por sua vez apenas lhes translitera Sobre

esse ponto ele escreveu em nota para sua traduccedilatildeo da Medeia de Euriacutepides (1991)

Gritos de dor de alegria ou de espanto natildeo se traduzem Mantivemos as

interjeiccedilotildees tatildeo peculiares agrave trageacutedia tais e quais apenas transliterando-as

por supormos que o sentido geral do contexto e da situaccedilatildeo baste para

libertar-hes toda a carga emotiva e valor afetivo (TORRANO 1991 p25)

Outra caracteriacutestica notaacutevel e sempre utilizada por Torrano em suas traduccedilotildees

de trageacutedia grega eacute escrever as palavras ldquodeusrdquo e ldquodeusesrdquo ldquodeusardquo e ldquodeusasrdquo com a

inicial em letra maiuacutescula Dentre todas as versotildees brasileiras do Prometeu

Acorrentado somente o Baratildeo de Paranapiacaba e Torrano fazem isso Se olharmos

aleacutem das traduccedilotildees do Prometeu Haroldo de Campos tambeacutem empregou tal recurso em

sua traduccedilatildeo da Iliacuteada Veja-se a seguir

A ira Deusa celebra do peleio Aquiles

o irado desvario que aos Aqueus tantas penas

trouxe e incontaacuteveis almas arrojou no Hades

de valentes de heroacuteis espoacutelio para os catildees

pasto de aves rapaces fez-se a lei de Zeus

desde que por primeiro a discoacuterdia apartou

o Atreide chefe de homens e o divino Aquiles

Que Deus posto entre ambos provocou a rixa

91

Por outro lado veja-se a proposta de Carlos Alberto Nunes para a mesma

passagem

Canta-me a coacutelera ndash oacute deusa ndash funesta do Aquileu Pelida

causa que foi de os aquivos sofrerem trabalhos sem conta

e de baixarem para o Hades as almas de heroacuteis numerosos

e esclarecidos ficando eles proacuteprios aos catildees atirados

e como pasto das aves Cumpriu-se de Zeus o desiacutegno

desde o princiacutepio em que os dois em discoacuterdia ficaram cindidos

o de Atreu filho senhor de guerreiros e Aquileu divino

Qual dentre os deuses eternos foi a causa de que eles brigassem

Por fim aquele jovem que chegou de bolsos vazios na USP atualmente

completou mais de 40 anos como professor de Liacutengua e Literatura Grega na mesma

universidade onde se formou aleacutem de ser um dos mais proliacuteferos tradutores brasileiros

Ele ldquocriou uma forma muito particular de transposiccedilatildeo segundo a qual verter eacute fonte e

fim da atividade de interpretaccedilatildeordquo (MALTA 2015 p185)

113 Trajano Vieira

Segundo a Professora de Liacutengua e Literatura Grega da USP Adriane da Silva

Duarte (2016 p52)

Trajano Vieira tambeacutem fez seus estudos na USP e hoje eacute professor no IEL

[Intituto de Estudos da Linguagem] Unicamp Sua atividade acadecircmica eacute

indissociaacutevel de seu projeto tradutoacuterio Colaborador de Haroldo de Campos

na transcriaccedilatildeo da Iliacuteada de cuja poeacutetica se aproxima verteu a Odisseia (SP

Editora 34 2011) obra que fez juz ao precircmio Jabuti de traduccedilatildeo em 2012

Tem se dedicado agrave traduccedilatildeo do teatro grego sempre procurando soluccedilotildees

poeacuteticas variadas

Devemos reconhecer que o livro Trecircs Trageacutedias Gregas (1997) organizado por

Trajano Vieira (no qual estaacute o ensaio ldquoO Prometeu dos barotildeesrdquo de Haroldo de Campos)

e o texto apresentado por Adriane da Silva Duarte na XVI Jornada de Estudos da

Antiguidade ldquoEm Bom Portuguecircs a traduccedilatildeo dos claacutessicos greco-latinos no Brasilrdquo

(CEIA UFF publicado em 2016) foram os principais catalizadores da presente

pesquisa

Duarte (2016) faz um apanhado geral dos nomes significativos para a histoacuteria da

traduccedilatildeo dos claacutessicos greco-latinos no Brasil Entre essas figuras eacute mencionado o nome

de Dom Pedro II O texto tambeacutem informa que o Imperador solicitara aos barotildees a

92

realizaccedilatildeo de versotildees poeacuteticas a partir de sua traduccedilatildeo em prosa Na eacutepoca em que

lemos o texto em 2016 jaacute conheciacuteamos o papel de Dom Pedro II como patrocinador

das letras e das artes no Segundo Impeacuterio mas natildeo sabiacuteamos que ele proacuteprio se

dedicava agrave praacutetica tradutoacuteria e que tinha traduzido o Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo

Por meio da bibliografia encontrada no texto de Duarte chegamos ao livro Trecircs

Trageacutedias Gregas na esperanccedila de encontrarmos a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II

na iacutentegra Embora natildeo haja nenhuma transcriccedilatildeo ou anaacutelise da traduccedilatildeo em prosa de

Dom Pedro II nessas duas produccedilotildees acadecircmicas seriacuteamos injustos se natildeo

mencionaacutessemos a importacircncia que tiveram o texto de Adriane da Silva Duarte e o livro

organizado por Trajano Vieira despertando-nos o interesse para esse tema Olhando

para traacutes percebemos que sem essas duas produccedilotildees provavelmente a presente

dissertaccedilatildeo natildeo existiria

Em entrevista dada a Pedro Paulo Funari (Programa Diaacutelogo sem Fronteira

2012) Trajano Vieira afirma que a ldquotraduccedilatildeo criativa natildeo se coloca diante do original

de maneira submissa [] O tradutor aceita o desafio de dialogar com o originalrdquo Eacute

interessante essa afirmaccedilatildeo de Vieira A traduccedilatildeo criativa natildeo eacute um monoacutelogo no qual

apenas o autor originial se revela Isso fica evidente no seguinte trecho de sua

ldquotranscriaccedilatildeordquo da trageacutedia Prometeu Acorrentado

Prometeu

Adora adula invoca sempre o rei

Natildeo vale para mim nenhum vinteacutem

Que ele vigore em seu fugaz impeacuterio

No Olimpo seu poder seraacute efecircmero

Jaacute posso ver o leva-e-traz de Zeus

moleque-de-recado do tirano

Creio que traz consigo alguma nova

Embora expressem bem o desprezo que Prometeu estava sentindo por Hermes

no momento da fala as palavras em negrito (ldquovinteacutemrdquo ldquoleva-e-trazrdquo e ldquomoleque-de-

recadordquo) satildeo pouco convencionais em traduccedilotildees dos claacutessicos gregos Trajano em seu

diaacutelogo com o texto original alude a expressotildees proverbiais famosas em portuguecircs

como nesses versos de sua traduccedilatildeo do Aacutejax ldquo Quem te viu infeliz e quem te vecirc

digno de pranto ateacute dos inimigosrdquo ou nesta fala de Menelau ldquoBato na mesma tecla natildeo

o enterresrdquo A voz moderna de Trajano aqui eacute expliacutecita pois evidentemente entre os

gregos antigos natildeo existiam calculadoras maacutequinas de escrever ou piano para se bater

93

ldquona mesma teclardquo Ainda no trecho supracitado do Prometeu eacute possiacutevel notar as

seguintes aliteraccedilotildees e assonacircncias

Adora adula invoca sempre o rei

Natildeo vale para mim nenhum vinteacutem

Nota-se tambeacutem a intencionalidade poeacutetica do tradutor por meio da regularidade

do nuacutemero das siacutelabas poeacuteticas

Adora adula invoca sempre o rei (Decassiacutelabo)

Natildeo vale para mim nenhum vinteacutem (Decassiacutelabo)

Que ele vigore em seu fugaz impeacuterio (Decassiacutelabo)

No Olimpo seu poder seraacute efecircmero (Decassiacutelabo)

Jaacute posso ver o leva-e-traz de Zeus (Decassiacutelabo)

Moleque-de-recado do tirano (Decassiacutelabo)

Creio que traz consigo alguma nova (Decassiacutelabo)

Veja-se outra passagem interessante de sua traduccedilatildeo

Me cansas Natildeo sou onda para entrar

no teu embalo Deixo tudo claro

Zeus natildeo me atemoriza como agrave fecircmea

Natildeo peccedilo que me livre das algemas

como a mulher que estende palmas suacuteplices

Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter

Na traduccedilatildeo literal de Dom Pedro II encontra-se a mesma passagem vertida da

seguinte forma

Debalde me importunas como uma onda convencendo-me Nunca te entre

na cabeccedila que eu aterrado pelo designio de Juacutepiter me tornarei mulheril e

suplicarei com elevaccedilotildees femininas de matildeos ao grandemente odiado que me

solte destas cadeias estou inteiramente longe disto

Cotejando-se a soluccedilatildeo de Trajano Vieira com a versatildeo do Imperador a

proposta ldquotranscriadorardquo de Vieira se torna ainda mais evidente ldquoMe cansas Natildeo sou

onda para entrar no teu embalordquo

Em sentido lato os tradutores brasileiros tecircm optado por escolher ou os nomes

gregos das divindades ou os da tradiccedilatildeo latina Vieira por seu turno opta por utilizar as

duas tradiccedilotildees na passagem citada visando alcanccedilar uma criativa rima soante (rima de

vogais)

Me cansas Natildeo sou onda para entrar

no teu embalo Deixo tudo claro

Zeus natildeo me atemoriza como agrave fecircmea

94

Natildeo peccedilo que me livre das algemas

como a mulher que estende palmas suacuteplices

Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter

Nota-se ainda a confluecircncia de sons encontrada entre as palavras ldquosuacuteplicesrdquo e

ldquoexpliacutecitordquo

como a mulher que estende palmas suacuteplices

Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter

E a rima soante e interna encontrada no segundo verso da passagem citada

Me cansas Natildeo sou onda para entrar

no teu embalo Deixo tudo claro

A sequecircncia de trecircs proparoxiacutetonas intercaladas por duas palavras entre elas

cria um efeito interessante como se Prometeu estivesse ldquocuspindordquo as palavras cheio de

oacutedio

como a mulher que estende palmas suacuteplices

Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter

Vale a pena ainda citar a uacuteltima fala de Prometeu Trajano Veira visando

expressar adequadamente a carga emotiva do Titatilde diante da portentosa fuacuteria de Zeus

opta por um metro mais curto (octossiacutelabo) fazendo com que a fala do titatilde se torne

ainda mais acelerada

Cala a palavra Fala o ato

a terra toda treme rouco

o ronco do trovatildeo ecoa

relacircmpagos acendem tranccedilas

de fogo o remoinho roda

a poeira rajadas irrompem

e encenam uma guerra aeacuteria

Ceacuteu no mar confusatildeo extrema

Eacute Zeus o autor dessa intempeacuterie

Quer abater-me de pavor

Matildee veneraacutevel Eacuteter luz

Moldura moacutevel do universo

Contempla minha pena injusta

Para finalizar a presente seccedilatildeo cita-se a seguir mais um trecho da entrevista jaacute

mencionada de Trajano Vieira

95

De uma forma geral acho que a gente como tradutor deve assumir riscos

Mesmo que o resultado natildeo seja o mais adequado no final Mas o gesto

corajoso me parece ser mais interessante do que uma atitude submissa Eacute pelo

menos assim que eu penso [] Para mim a traduccedilatildeo estaacute ligada agrave satisfaccedilatildeo

Eu jamais conseguiria traduzir um texto sob encomenda ateacute gostaria mas eu

natildeo consigo Soacute consigo traduzir textos que despertem num certo momento

de leitura a minha atenccedilatildeo para algo e a partir dali eu comeccedilo a traduzir

Conclusatildeo

Mauri Furlan afirma que a traduccedilatildeo eacute ldquohistoacuterica e reflete uma concepccedilatildeo

histoacuterica da linguagem e portanto mutaacutevel atraveacutes dos temposrdquo (2015 p247) O

exemplo das versotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado parece confirmar tal

afirmaccedilatildeo Natildeo haacute versotildees idecircnticas nem mesmo entre duas traduccedilotildees empreendidas

pelo mesmo autor como nos casos de Paranapiacaba e Jaa Torrano Tambeacutem os

exemplos citados parecem indicar que devemos ter cuidado em ver as versotildees poeacuteticas

do Baratildeo de Paranapiacaba unicamente como a ldquo traduccedilatildeo de Dom Pedro II em versosrdquo

A leitura da trageacutedia diverge em pontos importantes como por exemplo a questatildeo da

cumplicidade entre Oceano e Prometeu Nas versotildees de Paranapiacaba Oceano eacute

cuacutemplice de Prometeu apenas no sentido de se condoer com a situaccedilatildeo do Titatilde

encadeado mas nas traduccedilotildees de Dom Pedro II e Ramiz Galvatildeo a leitura parece sugerir

que Oceano participara de alguma forma dos planos de Prometeu para socorrer a

humanidade mas saiu ileso Portanto se as versotildees de Paranapiacaba fossem apenas

adaptaccedilotildees da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II elas dificilmente difeririam na

leitura dessa passagem Uma anaacutelise mais detalhada da traduccedilatildeo Imperial e das versotildees

poeacuteticas de Paranapiacaba como a empreendida no proacuteximo capiacutetulo parece tambeacutem

fortalecer essa tese

A traduccedilatildeo de J B de Mello e Souza eacute a que possui o maior nuacutemero de ediccedilotildees

nove no total se contarmos tambeacutem a ediccedilatildeo original (1950 1964 1966 19691970

1998 2001 2002 2005) Ela retoma a tradiccedilatildeo comeccedilada pelos barotildees e Dom Pedro II

depois de quatro deacutecadas sem que o Prometeu fosse novamente traduzido

Contando com as reediccedilotildees as deacutecadas de 60 e a de 90 do seacuteculo passado foram

as que nos deram o maior nuacutemero de publicaccedilotildees do Prometeu Acorrentado sete para

96

cada uma delas39

Coincidecircncia ou natildeo foi justamente na deacutecada de 60 que ocorreu o

golpe militar no Brasil iniciando um periacuteodo de ditadura que soacute terminaria no final da

deacutecada de 80 Isso parece indicar certa tendecircncia pela qual a famosa trageacutedia de Eacutesquilo

foi lida e interpretada40

Dom Pedro II manifestou o desejo de traduzir o Prometeu Acorrentado enquanto

estava envolvido na longa e cruenta Guerra do Paraguai Talvez o choque entre uma

monarquia constitucional e uma ditadura em efetiva expansatildeo tenha suscitado no

Imperador o interesse por essa trageacutedia grega Como se sabe Dom Pedro II era um

inegaacutevel incentivador das letras e das artes e natildeo seria difiacutecil para ele se identificar com

Prometeu que afirma em uma passagem da trageacutedia ldquoEm poucas palavras aprende tudo

de uma vez todas as artes proviram aos mortais de Prometeurdquo (traduccedilatildeo de Dom Pedro

II) No entanto a leitura proposta por Jaa Torrano nos chama atenccedilatildeo para a

possibilidade de que Eacutesquilo natildeo pretendesse encenar uma espeacutecie de manifesto contra a

tirania mas instigar uma interessante e complexa reflexatildeo sobre a soberania de Zeus

39

Deacutecada de 60 J B de Mello e Souza (1964 1966 1969) Jaime Bruna (1964 1968) Napoleatildeo Lopes

Filho (1967) e Maacuterio da Gama Kury (1968) Deacutecada de 90 Maacuterio da Gama Kury (1993 1998 1999)

Trajano Vieira (1997) Jaime Bruna (1996) JB de Mello e Souza (1998) e Ramiz Galvatildeo (1997)

40 Segundo Daisi Malhadas (1988 p105) ldquoCom uma certa regularidade particularmente a partir da

deacutecada de sessenta tem havido no Brasil montagens de peccedilas gregas do seacuteculo V aCrdquo Entre as

encenaccedilotildees modernas ocorridas no periacuteodo pode-se destacar Eacutedipo Rei em 1967 dirigida por Flaacutevio

Rangel com Paulo Autran no papel de Eacutedipo Electra em 1965 direccedilatildeo de Antocircnio Abujanra Prometeu

Acorrentado em 1969 direccedilatildeo de Emiacutelio Di Biasi Em 1975 ldquotivemos uma das mais expressivas criaccedilotildees

inspirada na trageacutedia Medeia de Euriacutepides A Gota d‟aacutegua do dramaturgo e diretor de teatro Paulo Pontes

e de Francisco Buarque de Holanda famoso compositor de muacutesica popular brasileira tratado mais

comumente pelo cognome de Chico Buarquerdquo(ibidem p109) No ano de 1979 houve mais uma

encenaccedilatildeo do Prometeu Acorrentado desta vez sob a direccedilatildeo de Ivan Albuquerque

97

CAPIacuteTULO 2 ndash Anaacutelise da traduccedilatildeo de Dom Pedro II e de suas versotildees

poeacuteticas

No artigo ldquoEm busca da tradiccedilatildeo perdidardquo Paula da Cunha Correcirca professora de

Liacutengua e Literatura Grega da Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da

USP coteja trechos de trecircs traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo

Os autores das traduccedilotildees analisadas por Correcirca satildeo Ramiz Galvatildeo Joatildeo Cardoso de

Menezes e Trajano Vieira Dentre as duas versotildees de Paranapiacaba Paula da Cunha

Correcirca analisa a versatildeo na qual predominam os decassiacutelabos soltos No presente

capiacutetulo a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e a versatildeo poeacutetica na qual o Baratildeo de

Paranapiacaba emprega as rimas seratildeo observadas em confronto com a versatildeo em que

predominam os decassiacutelabos soltos evocando-se muitas vezes as consideraccedilotildees feitas

por Correcirca em seu artigo A proposta nos parece vantajosa pelos seguintes motivos

1) Correcirca faz uma anaacutelise cuidadosa baseando-se em estudos filoloacutegicos de

autores como Chantraine (1954) Griffith (1983) e ML West (1990)41

Prudentemente a professora e pesquisadora uspiana comenta

Fazer criacutetica de traduccedilatildeo eacute tarefa ingrata na qual eacute possiacutevel cometer as mais

graves injusticcedilas Pois se o bom tradutor estaacute sempre sacrificando uma

passagem ou um aspecto do texto para compensaacute-lo de outra forma ou em

outro lugar a lente do criacutetico pode incidir justamente sobre seus versos

menos felizes ou ao contraacuterio apenas pinccedilar os melhores para favorececirc-lo

(CORREcircA 1999 p175)

2) Como Correcirca natildeo tinha DPedro II em mente valendo-se de seus

comentaacuterios acerca das soluccedilotildees oferecidas pelas traduccedilotildees de Trajano

Vieira Ramiz Galvatildeo e Joatildeo Cardozo de Menezes pode-se alcanccedilar um

escopo maior com a inclusatildeo da versatildeo de D Pedro II e da outra versatildeo do

Baratildeo de Paranapicaba

Na anaacutelise proposta seguir-se-aacute a ordem encontrada no artigo de Correcirca quanto

agraves citaccedilotildees dos textos gregos e dos seus posicionamentos frente agraves traduccedilotildees analisadas

Levando-se em conta que as versotildees do Baratildeo de Paranapiacaba e a de Ramiz Galvatildeo

41 Aleacutem da contribuiccedilatildeo dada por Chantraine em seu artigo ldquoA propos de ladverbe ionien ιmicroίσο ιέσοrdquo

cita-se a contribuiccedilatildeo de ML West em Studies in Aeschylus Stuttgart 1990

98

foram incentivadas por Dom Pedro II dar-se-aacute ecircnfase a elas nas citaccedilotildees as quais seratildeo

seguidas pelos comentaacuterios de Correcirca e pelos trechos correspondentes da traduccedilatildeo em

prosa de DPedro II e da outra versatildeo poeacutetica de Paranapiacaba

21 Primeira rodada de leitura

Principiemos a anaacutelise proposta pela primeira passagem do Prometeu

Acorrentado citado no artigo Em busca da tradiccedilatildeo perdida de Paula da Cunha Correcirca

Ἥθαηζηε ζνὶ δὲ ρξὴ κέιεηλ ἐπηζηνιὰο

ἅο ζνη παηὴξ ἐθεῖην ηόλδε πξὸο πέηξαηο

ὑςεινθξήκλνηο ηὸλ ιεσξγὸλ ὀρκάζαη

ἀδακαληίλσλ δεζκῶλ ἐλ ἀξξήθηνηο πέδαηο (vv3-6)

O filoacutelogo brasileiro Ramiz Galvatildeo lecirc a passagem da seguinte forma

Das ordens de teu pai Hefesto cuida

e o criminoso prende agraves escarpadas

rochas co‟algemas de accedilo que natildeo quebrem

O Baratildeo de Paranapiacaba por sua vez traduz os mesmos versos nestes termos

Tempo eacute de dar execuccedilatildeo agraves ordens

Que o Pai te impocircs Vulcano Neste abrupto

Alcantil prende em rede inquebrantaacutevel

De adamantinos viacutenculos formada

Este amotinador do povo []

Eis o comentaacuterio de Correcirca para as versotildees apresentadas

Na primeira caracterizaccedilatildeo de Prometeu o Poder o chama de criminoso (v5

leotildergoacutes) Eacute impressionante que o Baratildeo de Ramiz no final do seacuteculo

passado tenha chegado agrave mesma soluccedilatildeo que Chantraine em 1954 obteve

apoacutes estudar esse termo importante e tatildeo difiacutecil Segundo Chantraine leotildergoacutes

eacute derivado de leicircos que significa liso o que foi aplanado reduzido a poacute e

portanto destruiacutedo Hesiacutequio (III 3196) glosa leotildergoacutes por malfeitor

espertalhatildeo e homicida e segundo Poacutelux (III134) nas Memorabilia (I39)

de Xenofonte eacute uma palavra grosseira chula Esse termo injurioso mas

ldquosem valor juriacutedicordquo serviu como ldquoum dos diversos substitutos de

kakoucircrgosrdquo e seguindo o seu modelo designa um ldquomalfeitorrdquo que eacute capaz de

99

tudo Ao citar o fragmento 177 W de Arquiacuteloco e esses dois versos do

Prometeu (vv4-5) Chantraine traduziu o termo por ldquocriminosordquo assim como

o fizeram Ramiz Galvatildeo e Trajano Vieira42

(CORREcircA 1999 p176)

Tratando-se da soluccedilatildeo de Paranapiacaba Correcirca afirma

O Baratildeo de Paranapiacaba por sua vez verte leotildergoacutes por bdquoamotinador do

povo‟ A expressatildeo aleacutem de ser longa especifica o crime de Prometeu que

no epiacuteteto original permanece indeterminado (ibidem p176)

O interessante eacute que a mesma soluccedilatildeo de Paranapiacaba eacute tambeacutem encontrada na

traduccedilatildeo de Napoleatildeo Lopes Filho Napoleatildeo afirmou que tambeacutem consultara um

ldquotexto castelhano impresso por Pedro Henrique Urentildea da Editorial Losada SA

Buenos Aires 1941 que se deve a uma traduccedilatildeo direta do grego de autoria de Fernando

Segundo Brieva de Salvatierrardquo (LOPES FILHO 1967 p103) A traduccedilatildeo de

Salvatierra por sua vez foi publicada em 1880 e como se sabe Joatildeo Cardoso de

Menezes publicou suas versotildees poeacuteticas em 1907 Seraacute que o Baratildeo tambeacutem teria

consultado a traduccedilatildeo de Salvatierra enquanto fazia suas versotildees poeacuteticas A traduccedilatildeo

de ldquoleotildergoacutesrdquo por ldquoamotinador do povordquo feita tanto por Paranapiacaba quanto por

Napoleatildeo Lopes Filho pode indicar uma influecircncia comum A soluccedilatildeo de Lopes Filho

para o trecho comentado por Correcirca eacute a seguinte

A ti pois Hefestos importa dar cumprimento agraves ordens do Pai amarrar este

agitador do povo no alto precipiacutecio destas rochas [] (grifo nosso)

E de fato a influecircncia de Salvatierra na traduccedilatildeo de Paranapiacaba pode ser

atestada pela seguinte nota escrita pelo Baratildeo em seu livro de 1907

Salvatierra diz que leorgograven quer dizer ldquoalborotador do povordquo baseando a sua

interpretaccedilatildeo na rigorosa etymologia do termo ldquoque actuacutea sobre o povo e o

moverdquo ldquotomando a palavra actuacutea em sentido indifferente e natildeo aacute boa ou maacute

parterdquo O Escholiasta e Suidas datildeo a esta palavra cinco significados diversos

(PARANAPIACABA 1907 p141)43

42

Deves cumprir agrave risca Hefesto o eacutedito

paterno aprisionar o criminoso

com fortes cabos de accedilo no rochedo iacutengreme

(Trajano Vieira)

43 A ortografia original foi mantida na citaccedilatildeo Vale lembrar que a anaacutelise do termo por

Chantraine eacute de 1954 A etimologia de ldquoleotildergoacutesrdquo na acepccedilatildeo de ldquoalborotador do povordquo era possiacutevel na

eacutepoca em que os barotildees fizeram suas versotildees embora hoje desacreditada

100

Veja-se a seguir as duas versotildees de Paranapiacaba em confronto Doravante

chamar-se-aacute a versatildeo que emprega rimas e natildeo analisada por Correcirca de ldquoversatildeo 1rdquo pois

foi a primeira versatildeo composta por Joatildeo Cardoso de Menezes como demonstrado no

Capiacutetulo 144

A versatildeo analisada por Paula Correcirca a que emprega os decassiacutelabos

soltos seraacute denominada ldquoversatildeo 2rdquo

Quadro IV Cotejo das versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba para os versos 3-6 do original

Nota-se que a versatildeo 1 harmoniza-se mais com o comentaacuterio de Correcirca isto eacute

Paranapiacaba traduziu o termo ldquoleotildergoacutesrdquo por ldquomalfeitorrdquo palavra com significado

mais proacuteximo ao de ldquocriminosordquo acepccedilatildeo esta empregada tanto por Ramiz Galvatildeo

como por Trajano Vieira Eacute perceptiacutevel tambeacutem que a exigecircncia de rima autoimposta

por Paranapiacaba deixou a versatildeo 1 mais prolixa do que a versatildeo 2 Como visto no

Capiacutetulo 1 o original grego possui 1093 versos e a versatildeo 1 de Paranapicaba conta com

1410 versos (317 versos a mais que o original) A versatildeo 2 por sua vez conta com

1338 versos perfazendo 245 versos a mais do que o texto grego A traduccedilatildeo de Ramiz

Galvatildeo por outro lado possui 1084 versos 9 versos a menos que o original

Como seraacute que a versatildeo em prosa de Dom Pedro II se sairia diante do

comentaacuterio de Correcirca Veja-se a seguir o trecho que Pedro de Alcacircntara traduziu

Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu o Pai de ligar este malfeitor

aos rochedos alcantilados com algemas infrangiacuteveis de viacutenculos de accedilo

(grifo nosso)

44 Ver paacutegina 60 da presente dissertaccedilatildeo

Versatildeo 1

Vulcano Eacute tempo Executa

Ordens que o Pai quis impor

Nesta penedia abrupta

Prega este audaz malfeitor

Em forte indomaacutevel trama

De liames adamantinos

Intrinca-o bem []

Versatildeo 2

Tempo eacute de dar execuccedilatildeo agraves ordens

Que o Pai te impocircs Vulcano Neste abrupto

Alcantil prende em rede inquebrantaacutevel

De adamantinos viacutenculos formada

Este amotinador do povo []

101

D Pedro II bem como Paranapiacaba (versatildeo 1) vertem leotildergoacutes como

ldquomalfeitorrdquo Mesmo assim existem mais divergecircncias que convergecircncias na escolha

das expressotildees no restante da passagem em questatildeo Se Paranapiacaba traduz

ldquoἀδακαληίλσλ δεζκῶλ ἐλ ἀξξήθηνηο πέδαηοrdquo por ldquoidomaacutevel trama de liames

adamantinosrdquo (versatildeo 1) e ldquorede inquebrantaacutevel de adamantinos viacutenculos formadardquo

(versatildeo 2) Dom Pedro II por sua vez traduz ldquocom algemas infrangiacuteveis de viacutenculos de

accedilordquo Eacute importante salientar que o Baratildeo procurou uma correspondecircncia sonora maior

com o termo grego ldquoἀδακαληίλσλrdquo vertendo-o por ldquoadamantinosrdquo em suas duas versotildees

poeacuteticas

Como jaacute mencionado na Introduccedilatildeo da presente dissertaccedilatildeo Alessandra Fraguas

historiadora e pesquisadora do Museu Imperial informou-nos acerca da existecircncia de

uma versatildeo preliminar feita por Dom Pedro II da traduccedilatildeo em prosa que transcrevemos

no presente trabalho Esse ldquoesboccedilordquo estaacute depositado no Museu Imperial localizado no

Rio de Janeiro (Maccedilo 37 ndash Doc 1057 ndash B de Dom Pedro II ndash Ensaio sobre Prometeu

Acorrentado Museu Imperial Ibram Ministeacuterio da Cidadania)

Diante dessa inusitada descoberta tambeacutem poderemos cotejar trechos das duas

versotildees Imperiais ao longo desse capiacutetulo algo natildeo vislumbrado no iniacutecio de nossa

pesquisa

Nos momentos em que a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro) for cotejada com a versatildeo depositada no

Museu Imperial (Doc 1057 ndash B) as citaccedilotildees dos respectivos manuscritos seratildeo feitas

levando-se em conta os criteacuterios expostos na Introduccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo sobretudo no

que se refere ao uso dos sinais diacriacuteticos Por meio de tais sinais a transcriccedilatildeo indicaraacute

as rasuras feitas no processo de redaccedilatildeo Segundo Daros (2019 p199) ldquoeacute a anaacutelise das

rasuras que permite reconstruir a cronologia das diversas versotildees e vislumbrar o

encadeamento do processo criativordquo Tendo isso em mente veja-se a seguir o cotejo das

versotildees feitas por Dom Pedro II da passagem do Prometeu Acorrentado analisada ateacute

aqui Marcaremos as palavras idecircnticas nas duas versotildees em negrito

102

Versatildeo final

Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu o pae de ligar este

malfeitograver aos rochedos alcantilados com algemas infrangiveis de vinculos

de accedilo (Doc 4695-A Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro)

Versatildeo preliminar

Oh Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu (deacutera) o pae de ligar

a este ao malfeitor aos rochedos cheios de precipicios em prisotildees

indestructiveis de ferreos vinculos (Maccedilo 37 ndash Doc 1057 ndash Museu

Imperial Ibram Ministeacuterio da Cidadania)45

Nota-se por meio do cotejo que a versatildeo preliminar se mostra mais prolixa

Tambeacutem o Imperador registra a duacutevida sobre qual tempo verbal iria utilizar ldquodeu

(dera)rdquo Aleacutem disso tem-se a impressatildeo de que a versatildeo final eacute mais fluente e mais

elegante em sua sonoridade Diante de tais nuanccedilas seria interessante questionar em que

consiste tal impressatildeo suscitada pela versatildeo final do Imperador

Guilherme de Almeida em ldquoA poesia d‟Os Sertotildeesrdquo46

afirma que ldquo Poesia natildeo eacute

apenas verso Antes e acima da medida estaacute o Ritmo que eacute como Deus primeiro

Poesia eacute essencialmente Ritmo no sentir no pensar e no dizerrdquo (CAMPOS amp

ALMEIDA 2010 p60) Em seu artigo Almeida apresenta elementos presentes na

prosa de Euclides da Cunha que indicariam uma intencionalidade poeacutetica nas linhas d‟

Os Sertotildees Exiacutemio poeta Guilherme de Almeida consegue perceber vaacuterios decassiacutelabos

na prosa de Euclides afirmando que ldquoEacute notaacutevel a preferecircncia de Euclides pelo verso

decassiacutelabo Haacute nisso certo uma imposiccedilatildeo ataacutevica pois que essa de dez siacutelabas eacute a

medida nobre do verso portuguecircs a pauta uniforme d‟Os Lusiacuteadasrdquo (CAMPOS amp

ALMEIDA 2010 p59) E ainda

45 Diferentemente da versatildeo depositada no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro a versatildeo do Museu

Imperial natildeo traz a data de sua redaccedilatildeo mas devido agraves caracteriacutesticas de esboccedilo eacute muito provaacutevel que ela

seja anterior agrave versatildeo depositada no IHGB Supotildee-se que a versatildeo do Museu Imperial foi redigida no final

do ano de 1870 e comeccedilo de 1871 As paacuteginas dessa provaacutevel versatildeo preliminar apresentam um estaacutegio

maior de deterioraccedilatildeo provocado pelo tempo em comparaccedilatildeo com a versatildeo de abril de 1971 depositada

no IHGB Tambeacutem a versatildeo do Museu Imperial apresenta um nuacutemero maior de rasuras e emendas feitas

pelo Imperador o que a torna bastante interessante Nota-se que a caligrafia eacute a mesma nos dois

documentos mas na versatildeo do Museu Imperial a redaccedilatildeo eacute mais descuidada fazendo com que se tenha

um nuacutemero maior de palavras ilegiacuteveis

46

Artigo publicado originalmente no Diaacuterio de SPaulo em 18 de agosto de 1946 e reimpresso

novamente em 2010 juntamente com o a artigo Transertotildees de Augusto de Campos sob a organizaccedilatildeo de

Marcelo Taacutepia Ambos os artigos tratam da poesia existente na prosa de Euclides da Cunha em Os

Sertotildees

103

Tatildeo dominante eacute em Euclides como em todo grande poeta essa necessidade

teacutecnica da chave de oiro que a derradeira linha d‟Os Sertotildees a uacuteltima d‟ ldquoA

Lutardquo conteacutem na macabra descriccedilatildeo do cadaacutever do Conselheiro um dos

mais belos alexandrinos jamais compostos em nossas letras pela profundeza

do fundo e pela formosura da forma este verso magistral

As linhas essenciais do crime e da loucura (CAMPOS amp ALMEIDA 2010

p60)

Antes de ler o artigo de Guilherme de Almeida o poeta e tradutor Augusto de

Campos tambeacutem chega a conclusotildees semelhantes Em sua pesquisa particular consegue

encontrar mais de 500 decassiacutelabos em Os Sertotildees Depois de tomar conhecimento da

publicaccedilatildeo de Almeida Campos se impressiona com o fato de que muitos dos

decassiacutelabos encontrados por Guilherme tambeacutem foram encontrados por ele Talvez

essa convergecircncia de resultados seja um forte indiacutecio de que de fato Eucliacutedes da Cunha

intencionava suscitar um efeito esteacutetico em seus leitores em vez de unicamente narrar os

fatos da guerra Augusto de Campos escreve

Qual o sentido dessa perquiriccedilatildeo textual e desses exerciacutecios de estilo que

potildeem a noacutes os extratos poeacuteticos de Os Sertotildees Natildeo eacute por certo querer

ingenuamente converter em poesia a prosa de Euclides num torneio

artificioso de alquimia verbal O que se pretende eacute demonstrar o quanto as

estruturas poeacuteticas ndash no seu adensamento riacutetmico plaacutestico e sonoro ndash

contribuiacuteram para dar ao texto o ldquotonusrdquo peculiar que eacute de seu livro naqueles

precisamente em que ele se revela mais original e persuasivo recorreu

Euclides aos meacutetodos da poesia ndash o que eacute claro natildeo se restringe agrave adoccedilatildeo de

ritmos e metros embora estes intervenham com significativa parcela para

essa caracterizaccedilatildeo mas tambeacutem no emprego de condensadas figuras de

linguagem ndash metaacuteforas metoniacutemias antiacuteteses - tudo convergindo para

transformar o discurso meramente didaacutetico ou expositivo e dar-lhe a

configuraccedilatildeo sensiacutevel e diferencial que eleva o repoacuterter de Canudos agraves alturas

de um notaacutevel criador literaacuterio (CAMPOS amp ALMEIDA 2010 p30)

Como jaacute comentado Joseph Arthur de Gobineau instava Dom Pedro II a fazer a

traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado em versos O Imperador natildeo atendera ao pedido do

diplomata francecircs Apesar disso sabe-se que Pedro de Alcacircntara era um versificador

experiente e por isso deduz-se que sua recusa natildeo fora motivada por incompetecircncia

poeacutetica Paranapiacaba por exemplo cita o seguinte soneto escrito por Dom Pedro II

no exiacutelio (a ortografia original seraacute mantida)

ASPIRACcedilAtildeO

Deos que os orbes regulas esplendentes

Em numero e medida ponderados

Nelles abrigo daacutes aos desterrados

Que se vatildeo suspirosos e plangentes

104

Assim dos ceacuteos aacutes vastidotildees silentes

Ergo os meos pobres olhos fatigados

Indagando em que mundos apartados

Lenitivo aacute saudade nos consentes

Breve Senhor do carcere d‟argilla

Hei de evolar-me murmurando ansioso

Timida prece digna-te de ouvil-a

Potildee-me ao peacute do Cruzeiro majestoso

Que no antarctico ceacuteo vivo scintilla

Fitando sempre o meo Brasil saudoso

(PARANAPIACABA1907 p247)

Sua habilidade em versejar tambeacutem foi demonstrada em suas traduccedilotildees como a

que fez de alguns cantos da Divina Comeacutedia de Dante Alighieri ou nos seguintes

versos da sua traduccedilatildeo de Cinco de maio poema de Alessandro Manzoni que tem como

tema a morte de Napoleatildeo Bonaparte47

Morreo e qual marmoacutereo

Solto o postremo alento

O corpo jaz exanime

Orpham d‟um tal portento

Assim sorpresa attonita

A terra co‟ a nova estaacute

Muda pensando na ultima

Hora do homem fatal

Nem sabe si tatildeo celebre

Planta de peacute mortal

Seo poacute de sangue avido

Inda pisar viraacute

Seraacute que o conviacutevio iacutentimo do Imperador com a poesia refletiu-se de alguma

forma em sua traduccedilatildeo em prosa do Prometeu Acorrentado Seraacute que assim como no

47 Tambeacutem citado por Paranapiacaba (1907 p 244)

105

caso de Os Sertotildees de Euclides da Cunha existiriam alguns versos ocultos em sua

traduccedilatildeo da antiga trageacutedia de Eacutesquilo

Natildeo seria uma empreitada impossiacutevel reorganizar um texto em prosa em versos

com nuacutemeros de siacutelabas poeacuteticas relativamente semelhantes Mas escandir uma linha de

prosa natildeo eacute o bastante para se comprovar que nela subjazem versos poeacuteticos O ritmo

em poesia afirmou Guilherme de Almeida tem a primazia eacute ldquocomo Deusrdquo

Geralmente em liacutengua portuguesa o ritmo eacute marcado num poema por meio de

unidades regulares como rima aliteraccedilotildees assonacircncias e siacutelabas tocircnicas No trecho

visto da versatildeo final de Dom Pedro II por exemplo pode-se notar algo interessante se

reconfigurarmos sua prosa nos seguintes versos respeitando a ordem das palavras e natildeo

trucando as mesmas para se alcanccedilar um mesmo nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas em cada

verso o que seria algo arbitraacuterio (vale a pena ressaltar que o esquema proposto a seguir

eacute apenas um entre outras possibilidades)

1Vulcano cumpre cuidares Heptassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

2das ordens que te deu o pai Octossiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ )

3 de ligar este malfeitor Octossiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ )

4 Aos rochedos alcantilados Octossiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ᵕ ‒)

5 com algemas infrangiacuteveis Heptassiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ )

6 de viacutenculos de accedilo Pentassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

Veja-se por exemplo que os versos 3 4 e 5 comeccedilam com peacutes anapestos e

terminam de forma semelhante ( ᵕ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒

ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) e os versos 1 2 e 6 comeccedilam com jambos ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ

‒ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) sendo que os versos 1 e 6 aleacutem de comeccedilarem com o mesmo

peacute tambeacutem terminam com anapesto Fazendo o mesmo exerciacutecio com a versatildeo

preliminar da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II percebe-se que natildeo se alcanccedila um

resultado mais harmocircnico do que o conseguido com a versatildeo final do Imperador

embora seja possiacutevel dispor a prosa em versos com nuacutemeros de siacutelabas poeacuteticas

relativamente semelhantes

1Oacute vulcano cumpre cuidares Octossiacutelabo ( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

2das ordens que te deu (dera) Heptassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ‒ )

3o Pai de ligar a este Heptassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ )

4ao malfeitor aos rochedos Heptassiacutelabo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

5cheios de precipiacutecios Pentassiacutelabo ( ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒)

106

6em prisotildees indestrutiacuteveis Heptassiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒)

7 de feacuterreos viacutenculos Tetrassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ )

A impressatildeo eacute de que as posiccedilotildees das siacutelabas tocircnicas e aacutetonas satildeo mais aleatoacuterias

na versatildeo preliminar o que natildeo contribui para a construccedilatildeo da melopeia no texto

(POUND 1977 p63) como se pode averiguar a seguir

Versatildeo Final

( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ᵕ ‒) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

Versatildeo preliminar

( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒) ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ )

Ao longo deste capiacutetulo tentaremos tambeacutem evidenciar os elementos presentes

na prosa do Imperador que parecem indicar a intencionalidade na construccedilatildeo de efeitos

sonoros em sua versatildeo final do Prometeu Acorrentado Por ora coteja-se a seguir a

versatildeo final de Dom Pedro II com as versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba As

palavras e as expressotildees convergentes com a traduccedilatildeo do Imperador seratildeo marcadas em

negrito

Quadro V Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (original vv3-6)

Como se pode notar pouca eacute a correspondecircncia entre as versotildees poeacuteticas de

Paranapiacaba e a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II Se entre as versotildees em prosa do

Imperador a correspondecircncia eacute de 17 palavras excetuando-se os artigos e as

preposiccedilotildees entre a traduccedilatildeo Imperial (versatildeo final) e as versotildees do Baratildeo a

correspondecircncia eacute de apenas 5 palavras

Dom Pedro II

Vulcano cumpre cuidares das

ordens que te deu o Pai de

ligar este malfeitor aos

rochedos alcantilados com

algemas infrangiacuteveis de

viacutenculos de accedilo

Paranapiacaba (versatildeo 1)

1Vulcano Eacute tempo Executa

2Ordens que o Pai quis impor

3Nesta penedia abrupta

4Prega este audaz malfeitor

5Em forte indomaacutevel trama

6De liames adamantinos

Paranapiacaba (versatildeo 2)

1Tempo eacute de dar execuccedilatildeo agraves ordens

2Que o Pai te impocircs Vulcano Neste

[abrupto

4Alcantil prende em rede

[inquebrantaacutevel

5De adamantinos viacutenculos formada

[Este amotinador do povo []

107

22 Segunda rodada de leitura

Passemos aos outros versos analisados por Paula da Cunha Correcirca

ἐγὼ δ᾽ ἄηνικόο εἰκη ζπγγελῆ ζεὸλ

δῆζαη βίᾳ θάξαγγη πξὸο δπζρεηκέξῳ (vv14-5)

Ramiz Galvatildeo

Falta-me contudo o acircnimo de ataacute-lo

um deus parente agrave rocha procelosa

Baratildeo de Paranapiacaba

Agora quanto a mimsinto faltar-me

Coragem de fincar nessa quebrada

Que algente bruma intoleraacutevel torna

Um Deus parente meu Mas o Destino[]

Correcirca comenta

Destaca-se mais uma vez a linguagem clara e direta de Trajano48

concisa

como a de Ramiz Em ldquoprecipiacutecioparenterdquo a aliteraccedilatildeo (ζπγγελῆ

θάξαγγη) eacute reconfigurada mas perde-se a qualificaccedilatildeo da escarpa como sendo

dyskheicircmeros (ldquoprocelosardquo em Ramiz e parafraseada por Paranapiacaba em

ldquoque algente bruma intoleraacutevel tornardquo) Por outro lado eacute preferiacutevel a versatildeo

de aacutetolmos como ldquofalta de coragemrdquo presente em Paranapiacaba e Trajano agrave

arcaizante soluccedilatildeo de Ramiz (ldquofalta de acircnimordquo) (CORREcircA 1999 p177)

Agrave luz do comentaacuterio citado veja-se as respectivas traduccedilotildees de DPedro II e

Baratildeo de Paranapiacaba (versatildeo 1) a comeccedilar pela do Imperador (versatildeo final)

Sou tiacutemido para encadear com violecircncia um deus parente ao despenhadeiro hibernoso

DPedro II traduz o adjetivo dyskheicircmeros (invernal) por ldquohibernosordquo e consegue

verter aacutetolmos por uma uacutenica palavra ldquotiacutemidordquo que eacute justamente algueacutem em que falta a

coragem

48

Trajano Vieira

Pregar no precipiacutecio um deus parente

exige uma coragem que eu natildeo tenho

108

Compara-se a seguir as duas versotildees do Imperador marcando-se em negrito as

palavras convergentes

Versatildeo final

Sou tiacutemido para encadear com violecircncia um deus parente ao

despenhadeiro hibernoso

Versatildeo preliminar

Sou tiacutemido para encadear ltuarraacute forccedilagt um ilegiacutevel deus parente no

alcantilado vale hibernoso

Neste ponto seria profiacutecuo tambeacutem cotejar a versatildeo final do Imperador com as

versotildees poeacuteticas da lavra de Paranapiacaba Marcar-se-aacute tambeacutem em negrito as palavras

que coincidem com a versatildeo final de Dom Pedro II

Quadro VI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (originalvv14-5)

Observa-se que a escolha vocabular eacute bastante diversa entre Paranapiacaba e

Dom Pedro II Apenas as palavras ldquodeusrdquo e ldquoparenterdquo coincidem Ainda assim ldquodeusrdquo eacute

escrito com inicial maiuacutescula nas versotildees de Paranapiacaba e o Imperador faz o inverso

em sua traduccedilatildeo Outro ponto interessante eacute que apenas DPedro II entre os tradutores

analisados traduz a palavra βίᾳ em seu uso adverbial ldquocom violecircnciardquo (versatildeo final) e

ldquoagrave forccedilardquo (versatildeo preliminar) δῆζαι βίᾳ φάραγγι πρὸς δσζτειμέρῳ ldquoencadear com

violecircncia ao despenhadeiro hibernosordquo

Dom Pedro II

Sou tiacutemido para encadear com

violecircncia um deus parente ao

despenhadeiro hibernoso

Paranapiacaba (versatildeo 1)

E a mim falece coragem

De nesta algente quebrada

A um Deus de minha

[linhagem

Prender em teia cerrada

Paranapiacaba (versatildeo 2 )

Agora quanto a mimsinto

[faltar-me

Coragem de fincar nessa

[quebrada

Que algente bruma

[intoleraacutevel torna

Um Deus parente meu[]

109

23Terceira rodada

ἄθνληά ζ᾽ ἄθσλ δπζιύηνηο ραιθεύκαζη

πξνζπαζζαιεύζσ ηῷδ᾽ ἀπαλζξώπῳ πάγῳ

ἵλ᾽ νὔηε θσλὴλ νὔηε ηνπ κνξθὴλ βξνηῶλ

ὄςεη ζηαζεπηὸο δ᾽ ἡιίνπ θνίβῃ θινγὶ

ρξνηᾶο ἀκείςεηο ἄλζνο ἀζκέλῳ δέ ζνη

ἡ πνηθηιείκσλ λὺμ ἀπνθξύςεη θάνο

(vv19-24)

Ramiz Galvatildeo

pregar-te-ei nesta rocha desabrida

onde natildeo vejas voz nem forma humana

a tez mimosa fanaraacutes ansioso

pela noite de estrelas recamada

Baratildeo de Paranapiacaba

Em noacutes de bronze indissoluacuteveis

- A meu e teu pesar - eu vou pregar-te

Aqui nunca haacutes de ouvir mortal acento

Nem face de homem ver antes crestado

Lento pelas do sol ferventes chamas

Perderaacutes dia a dia a flor da pele

Haacute de a noite por ti sempre almejada

Sumir o dia no estrelado manto

Correcirca comenta

Novamente os versos de Paranapiacaba satildeo quase prosaicos quando

comparados com os de Ramiz e Trajano49

e o acreacutescimo desnecessaacuterio de

expressotildees adverbiais inexistentes no texto original (ldquolentordquo ldquonuncardquo ldquodia a

diardquo) torna exacerbada a jaacute forte carga de emoccedilatildeo da passagem Nota-se

tambeacutem um cochilo de Ramiz Galvatildeo que deixou de traduzir um verso

49

contra noacutes dois o bronze indissoluacutevel

te imobiliza no penedo inoacutespito

de onde natildeo vecircs nem voz nem cor humana

O sol aceso troca a flor da pele

queimada Para teu aliacutevio a noite

encobre o lume com seu manto ruacutetilo

(Trajano Vieira)

110

inteiro Haacute outras liccedilotildees para o verso 19 como por exemplo a presente na

ediccedilatildeo de West Mas poderia Ramiz estar trabalhando com um texto no qual

o verso simplesmente natildeo constasse O ldquobronze indissoluacutevelrdquo de Trajano

recupera de forma enxuta a boa soluccedilatildeo de Paranapiacaba e no verso

seguinte ldquopenedo inoacutespitordquo reproduz a aliteraccedilatildeo grega [ἀπαλζξώπῳ πάγῳ]

vertendo o adjetivo apanthroacutepoi com maior precisatildeo do que o ldquodesabridardquo de

Ramiz[] Quanto agrave uacuteltima frase desse excerto mais sonora e precisa eacute a

soluccedilatildeo de Trajano que natildeo empalidece nem vulgariza a imagem original

Pois a ldquonoiterdquo natildeo eacute ldquorecamada de estrelasrdquo (Ramiz) nem se trata de um

ldquomanto estreladordquo (Paranapiacaba) Os trajes da noite satildeo poikiacuteloi

(ldquovariegadosrdquo ldquobordadosrdquo ldquomultifacetadosrdquo eacute antes um ldquomanto ruacutetilordquo que a

veste (CORREcircA 1999 p178)

Tendo em mente o comentaacuterio de Paula Correcirca leia-se a seguir a traduccedilatildeo em

prosa do Imperador e a versatildeo 1 de Paranapiacaba iniciando novamente pela de D

Pedro (versatildeo final)

[] constrangido pregar-te-ei constrangido com cadeias indissoluacuteveis neste

monte inoacutespito onde nem voz nem figura de homem veraacutes mas queimado

lentamente pela chama brilhante do sol perderaacutes o mimo da cor A ti alegrado

a noite de manto variegado ocultaraacute a luz e o sol dissiparaacute de novo a geada

matutinardquo (grifo nosso)

Segue abaixo a soluccedilatildeo de Paranabiacaba para a mesma passagem (versatildeo 1)

Neste vatildeo sem treita humana

Muito a meu e teu pesar

Por injunccedilatildeo soberana

Vou em seguida cravar

Natildeo veraacutes humano rosto

Nem voz mortal ouviraacutes

Ao queimor do sol exposto

A flocircr da tez perderaacutes

A noite que sempre ansioso

Estaraacutes por ver surgir

Haacute de o dia luminoso

No veacuteu de estrelas sumir

Segundo o comentaacuterio de Paula da Cunha Correcirca ldquoOs trajes da noite satildeo

poikiacuteloi (bdquovariegados‟ bdquobordados‟ bdquomultifacetados‟ eacute antes um bdquomanto ruacutetilo‟ que a

veste)rdquo (CORREA 1999 p178) Diante desse comentaacuterio DPedro II fez uma boa

111

escolha ldquo [] a noite de manto variegado ocultaraacute a luzrdquo (grifo nosso) Infelizmente o

manuscrito da versatildeo preliminar estaacute deteriorado no trecho em questatildeo mas algo do

processo criativo do Imperador pode ser notado se cotejarmos a versatildeo final com o que

ainda permanece legiacutevel na versatildeo preliminar Para isso novamente se utilizaraacute

transcriccedilotildees diplomaacuteticas Como de praxe marcar-se-aacute em negrito as palavras

coincidentes

Versatildeo final

constrangido pregar-te-ei constrangido com cadegraveas indissoluveis n‟este

ltuarrmontegt inhospito onde nem voz nem figura de homem veraacutes mas

queimado lentamente pela chamma brilhante ltuarrdogt sol perderaacutes o mimo

da cograver A ti alegrado a noite de manto varie[fl2]gado occultaraacute a luz e o sol

dissiparaacute de nogravevo a geada matutina Porem sempre te atormentaraacute o pesar

do mal presente pois quem deve livrar-te natildeo nasceu ainda

Versatildeo preliminar

ltuarrconstrangidogt[] te pregarei constrangido com bronzes indissoluveis

no monte inhospitoltuarrOndegt [ para que ] natildeo ltuarrsentiraacutesgt [ te sintas ] nem

voz nem forma de homem queimado lentamente pela ma brilhante

do sol perderaacutes a belleza da cograver A ti cont de

[fl2] te a ti

sempre te atormentaraacute pois quem de alliviar-te natildeo nasceu ainda

Apesar de algumas diferenccedilas pontuais a correspondecircncia eacute muito grande entre

as duas versotildees Salta agrave vista que a versatildeo preliminar possui mais emendas do que a

final como era de se esperar Na versatildeo final por exemplo Dom Pedro II opta por

colocar o pronome em mesoacuteclise (ldquopregar-te-eirdquo) em vez de ldquote pregareirdquo (versatildeo

preliminar) ldquocadeias indissoluacuteveisrdquo em lugar de ldquobronzes indissoluacuteveisrdquo ldquofigura de

homemrdquo substituindo ldquoforma de homemrdquo ldquomimo da corrdquo em vez de ldquobeleza da corrdquo e

ldquolivrar-terdquo substituindo ldquoaliviar-terdquo A expressatildeo grega ldquoἄθνληά ζ᾽ ἄθσλrdquo apresenta um

interessante desafio aos tradutores como expressar em liacutengua portuguesa os

simultacircneos e ao mesmo tempo diversos constrangimentos de Hefesto e Prometheu (o

constrangimento de quem executa e o de quem padece) sem soar estranho Trajano

Vieira apresenta uma soluccedilatildeo interessante ldquocontra noacutes dois o bronze indissoluacutevel te

imobilizardquo Nota-se na traduccedilatildeo de Vieira a projeccedilatildeo da culpa do ato de prender

Prometeu a um objeto inanimado no caso ldquoo bronze indissoluacutevelrdquo sujeito do periacuteodo

na traduccedilatildeo de Vieira Em contrapartida Hefesto eacute o agente no original grego ldquoeu

112

cravareirdquo (πξνζπαζζαιεύζσ) Dom Pedro II traduz ldquo[]constrangido pregar-te-ei

constrangido com cadeias indissoluacuteveisrdquo (versatildeo final) e ldquoconstrangido te pregarei

constrangido com bronzes indissoluacuteveisrdquo (versatildeo preliminar) Na versatildeo 2

Paranapiacaba verte ldquo[] a meu e teu pesar eu vou pregar-terdquo Na versatildeo 1 encontra-

se ldquo Muito a meu e teu pesar Por injunccedilatildeo soberana Vou em seguida cravarrdquo

Percebe-se a grande correspondecircncia entre as duas versotildees em prosa de Dom

Pedro II na passagem citada O que dizer entatildeo das versotildees poeacuteticas do Baratildeo de

Paranapiacaba Veja-se a seguir

Quadro VII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (original vv19-

24)

Excetuando-se os artigos e as preposiccedilotildees na versatildeo 1 de Paranapiacaba

encontram-se apenas 6 palavras que tambeacutem foram usadas por Dom Pedro II Na versatildeo

2 o nuacutemero eacute de 9 palavras embora a palavra ldquochamardquo esteja no plural na versatildeo do

Baratildeo Jaacute entre as versotildees em prosa do Imperador a correspondecircncia eacute de 27 palavras

excetuando-se os artigos e preposiccedilotildees e mesmo havendo uma grande lacuna causada

pela deterioraccedilatildeo do manuscrito da versatildeo preliminar

Dom Pedro II (versatildeo final)

[] constrangido pregar-te-ei

constrangido com cadeias

indissoluacuteveis neste monte inoacutespito

onde nem voz nem figura de

homem veraacutes mas queimado

lentamente pela chama brilhante

do sol perderaacutes o mimo da cor A

ti alegrado a noite de manto

variegado ocultaraacute a luz e o sol

dissiparaacute de novo a geada

matutinardquo

Baratildeo de Paranapiacaba

(versatildeo 1)

Neste vatildeo sem treita humana

Muito a meu e teu pesar

Por injunccedilatildeo soberana

Vou em seguida cravar

Natildeo veraacutes humano rosto

Nem voz mortal ouviraacutes

Ao queimor do sol exposto

A flocircr da tez perderaacutes

A noite que sempre ansioso

Estaraacutes por ver surgir

Haacute de o dia luminoso

No veacuteu de estrelas sumir

Paranapiacaba (versatildeo 2)

A meu e teu pesar eu vou

[pregar-te

Aqui nunca haacutes de ouvir mortal

[acento

Nem face de homem ver

antes [crestado

Lento pelas do sol ferventes

[chamas

Perderaacutes dia a dia a flor da

[pele

Haacute de a noite por ti sempre

[almejada

Sumir o dia no estrelado

[manto

113

24 Quarta rodada

ἀδακαληίλνπ λῦλ ζθελὸο αὐζάδε γλάζνλ

ζηέξλσλ δηακπὰμ παζζάιεπ᾽ ἐξξσκέλσο

(vv64-5)

Ramiz Galvatildeo

Agora enterra-lhe por sobre os peitos

Da cunha de accedilo os arrogantes dentes

Baratildeo de Paranapiacaba (versatildeo 2)

O dente ousado dessa cunha d‟accedilo

Embebe em cheio por seu peito adentro

Eis o comentaacuterio de Correcirca

Prometeu recebe nos versos 436 964 1012 1034 e 1037 a mesma

adjetivaccedilatildeo aqui conferida ao ldquodenterdquo da cunha que iraacute feri-lo Como ele o

accedilo eacute authaacutedes isto eacute ldquorefrataacuteriordquo ldquoobstinadordquo ou ldquosem remorsordquo A atitude

de espiacuterito atribuiacuteda ao accedilo jaacute humanizado por meio da metaacutefora

(ldquomandiacutebulardquo) transparece de forma mais clara nos versos dos barotildees

(ldquoarrogantes dentesrdquo ldquodente ousadordquo) Por outro lado o verbo ldquoencravarrdquo

empregado por Trajano50

significa exatamente (como o grego passaleacuteuo)

afixar prender como ou com um ldquocravordquo (paacutessalos) (CORREcircA 1999

p178)

A seguir as respectivas versotildees de Dom Pedro II

Versatildeo final

Agora forte enterra atravez dos peitos os dentes arrogantes da cunha de accedilo

Versatildeo preliminar

ora prega ltuarrfortementegt [] ltuarr a bocagt [em fio presunccediloso] (que se

compraz ndash isso ltuarrcomgt [de] feacuterrea cunha ltuarr passando por cimagt [

atravez] dos peitos

50

Trajano Vieira

No meio do seu peito encrava agora

O dente afiado desta cunha de accedilo

114

A grande quantidade de rasuras e correccedilotildees presentes na versatildeo preliminar

revela que o Imperador repensou bastante a passagem em questatildeo Valeu o esforccedilo Um

efeito sonoro interessante eacute alcanccedilado em sua versatildeo final como se pode observar por

exemplo dividindo-se o periacuteodo em dois versos hendecassiacutelabos

1 Agora forte enterra atraveacutes dos peitos

2 os dentes arrogantes da cunha de accedilo

O primeiro verso apresenta o seguinte esquema riacutetmico ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒

e o segundo ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒

Veja-se a seguir a versatildeo 1 de Paranapiacaba em confronto com a versatildeo 2 e

tambeacutem com a versatildeo final de Dom Pedro II

Quadro VIII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (original vv64-

5)

Se abonarmos o fato de que a palavra ldquopeitordquo estaacute no singular nas versotildees de

Paranapiacaba e no plural na do Imperador encontram-se 3 palavras convergentes na

primeira versatildeo e 4 na segunda (a palavra ldquodenterdquo tambeacutem apresenta diferenccedila de

nuacutemero) Por outro lado veja-se a traduccedilatildeo de Ramiz Galvatildeo em confronto com a

versatildeo de Dom Pedro II

Quadro IX Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo de Ramiz Galvatildeo (originalvv64-5)

Dom Pedro II

Agora forte enterra atraveacutes dos

peitos os dentes arrogantes da

cunha de accedilo

Paranapicaba (versatildeo 1)

D‟essa cunha drsquoaccedilo o corte

-Fundo- Embebe-lhe no peito

Baratildeo de Paranapiacaba

(versatildeo 2)

O dente ousado dessa

[cunha drsquoaccedilo

Embebe em cheio por

[seu peito adentro

Dom Pedro II

Agora forte enterra atraveacutes dos

peitos os dentes arrogantes da

cunha de accedilo

Ramiz Galvatildeo

Agora enterra-lhe por sobre os

[peitos

Da cunha de accedilo os arrogantes

[dentes

115

As traduccedilotildees de Ramiz Galvatildeo e a D Pedro II se mostram bastante semelhantes

nesse trecho Ramiz traduz ldquoAgora enterra-lhe por sobre os peitos da cunha de accedilo os

arrogantes dentesrdquo e Dom Pedro ldquoAgora forte enterra atravez dos peitos os dentes

arrogantes da cunha de accedilordquo A humanizaccedilatildeo da cunha pelo emprego da palavra

authaacutedes (ldquoobstinadordquo ldquosem remorsordquo) presente na versatildeo 2 de Paranapiacaba e nesse

ponto elogiada por Correa ldquoO dente ousado dessa cunha d‟accedilo Embebe em cheio por

seu peito adentrordquo (grifo nosso) eacute perdida na versatildeo 1 ldquoD‟essa cunha d‟accedilo o corte -

Fundo- Embebe-lhe no peitordquo Harmonizando-se ao comentaacuterio de Paula da Cunha

Correcirca o Imperador traduz ldquoarrogantes dentesrdquo Como visto Ramiz a quem Dom

Pedro II tambeacutem confiou o encargo de fazer uma versatildeo poeacutetica a partir de sua traduccedilatildeo

em prosa repete a mesma expressatildeo em sua versatildeo

25 Quinta e uacuteltima rodada

ὦ δῖνο αἰζὴξ θαὶ ηαρύπηεξνη πλναί

πνηακῶλ ηε πεγαί πνληίσλ ηε θπκάησλ

ἀλήξηζκνλ γέιαζκα πακκῆηόξ ηε γῆ

θαὶ ηὸλ παλόπηελ θύθινλ ἡιίνπ θαιῶ

(vv88-91)

Ramiz Galvatildeo

Eacuteter divino alados prestos ventos

Fontes dos rios ondular das vagas

Terra ndash matildee comum sol omnividente

Eu vos invoco

Baratildeo de Paranapiacaba (versatildeo 2)

Oacute Eacuteter divinal auras velozes

Mananciais dos rios voacutes oacute risos

Inumeraacuteveis de marinhas ondas

Oacute Terra matildee universal oacute disco

Do sol omnividente Aqui me tendes

O comentaacuterio de Paula Correcirca para a passagem citada eacute

116

Ao inverter a ordem dos dois primeiros elementos invocados (aparentemente

por questotildees meacutetricas) Trajano51

sacrifica a composiccedilatildeo em anel (ldquopriamelrdquo)

uma figura comum na poesia grega arcaica Se acompanhamos no texto

grego a sequecircncia das invocaccedilotildees notamos que Prometeu dirige-se primeiro

ao elemento mais alto o Eacuteter depois aos ventos agraves aacuteguas e agrave terra antes de

voltar ao sol Ao ldquodiscordquo do sol (v91) e ao seu trajeto circular corresponde a

figura traccedilada pela enumeraccedilatildeo Verter dicircos aitheacuter por ldquoar divinordquo em vez

de ldquoEacuteter divinordquo ou ldquodivinalrdquo tambeacutem acarreta dificuldades porque aleacutem de

ldquoarrdquo e ldquoEacuteterrdquo serem coisas distintas dada a sua colocaccedilatildeo entre viacutergulas apoacutes

ldquoventosrdquo (e natildeo coordenado como no original) eacute faacutecil confundi-lo com um

aposto (CORREcircA 1999 p179)

Paula da Cunha Correcirca tambeacutem escreve a seguinte nota

Segundo Griffith na eacutepica arcaica o Eacuteter eacute ldquoo espaccedilo entre terra e ceacuteu ou o

proacuteprio ceacuteurdquo Veja poreacutem GSKirk JERaven e MSchofield em The

Presocratic Philosophers (Cambridge 1983 p 9) que citam Homero

Hesiacuteodo e Xenoacutefanes para a distinccedilatildeo entre aeacuter e aitheacuter o primeiro eacute o ldquoarrdquo

da parte inferior do ceacuteu (ceacuteu e terra) ldquoenquanto a parte superior (chamada agraves

vezes de ouranaacutes) eacute o Eacuteter o ar superior que eacute brilhante e pode ser concebido

como fogordquo (ibidem p179)

Talvez por isso Jaa Torrano agrave guisa de exemplo translitera aitheacuter em sua

traduccedilatildeo de 1985 e verte o mesmo termo por ldquoFulgorrdquo em sua traduccedilatildeo de 2009

Oacute divino Aitheacuter velozes alados ventos

fontes de rios das marinas ondas

inuacutemero riso omnimatildee Terra

e o omnividente ciacuterculo do Sol invoco

Vede-me o que dos Deuses padeccedilo Deus

(Prometeu Prisioneiro 1985)

Oacute divino Fulgor e velozes alados ventos

e fontes dos rios e inuacutemero brilho

de ondas marinhas e Terra matildee de todos

e invoco o onividente ciacuterculo do Sol

Vede-me que dos Deuses padeccedilo Deus

51

Trajano Vieira

Ventos alivelozes ar divino

Fontes dos rios inuacutemeros sorrisos

de ondas salinas Terra matildee-de-todos

eu vos invoco e ao sol visatildeo total

no disco[]

117

(Prometeu Cadeeiro 2009)

Dom Pedro II assim como Trajano Vieira opta por traduzir o termo grego

aitheacuter por ldquoarrdquo algo natildeo abonado pelo comentaacuterio de Correcirca Contudo a transcriccedilatildeo

diplomaacutetica da versatildeo final da traduccedilatildeo em prosa revela que o termo ldquoarrdquo foi uma

substituiccedilatildeo feita posteriormente pelo Imperador

ltuarrOh ar divinogt[] e ventos de azas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees

innumeraveis das ondas marinhas e terra matildee universal e disco

omnividente do sol a voacutes invoco vede-me quanto eu deus soffro dos deuses

A expressatildeo ldquoOh ar divinordquo foi escrita sobre algo que foi riscado e que estaacute

ilegiacutevel no manuscrito do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro Felizmente com a

descoberta dos esboccedilos dessa traduccedilatildeo eacute possiacutevel saber como o Imperador havia

traduzido aitheacuter antes da correccedilatildeo citada Veja-se a seguir

Ether de Jupiter ventos de azas raacutepidas ltuarrfontesgt[] dos rios innumeravel

ondulaccedilatildeo (inumeraacuteveis ondulaccedilotildees) das ondas marinhas Terra matildee

universal e invoco o circulo (o disco) omnividente do sol olhae-me deus

soffro taes cousas da parte dos deuses

Dom Pedro II substituiu a expressatildeo ldquoEther de Jupiterrdquo por ldquoOh ar divinordquo

Se por um lado a traduccedilatildeo da palavra grega ldquoaitheacuterrdquo natildeo foi adequada na versatildeo

final de Dom Pedro segundo o comentaacuterio de Correcirca por outro essa mesma versatildeo

reproduz outro aspecto presente no original grego e que foi desconsiderado por todos

os outros tradutores brasileiros (exceto Jaa Torrano com sua versatildeo de 2009) a

coordenaccedilatildeo por meio da reinteraccedilatildeo da conjunccedilatildeo ldquoerdquo dando agrave traduccedilatildeo um tom mais

declamatoacuterio

ὦ δῖνο αἰζὴξ καὶ ηαρύπηεξνη πλναί

πνηακῶλ τε πεγαί πνληίσλ τε θπκάησλ

ἀλήξηζκνλ γέιαζκα πακκῆηόξ τε γῆ

καὶ ηὸλ παλόπηελ θύθινλ ἡιίνπ θαιῶ

ltuarrOh ar divinogt[] e ventos de azas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees

innumeraveis das ondas marinhas e terra matildee universal e disco

omnividente do sol a voacutes invoco vede-me quanto eu deus soffro dos deuses

118

Comparando-se as duas versotildees de Dom Pedro II eacute possiacutevel notar um cuidado

maior em relaccedilatildeo agrave sonoridade na versatildeo final

Versatildeo preliminar

[]olhae-me deus soffro taes cousas da parte dos deuses (Catorze siacutelabas )

Versatildeo final

[]vede-me quanto eu deus soffro dos deuses (Decassiacutelabo heroico com assonacircncia em ldquoeurdquo )

Ainda explorando a sonoridade do texto da versatildeo final da traduccedilatildeo em prosa de

Dom Pedro II nota-se

‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ

Oacute ar divino e ventos de asas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees inumeraacuteveis das

‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ

ondas marinhas e terra matildee universal e disco onividente do sol a voacutes invoco

‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ‒

vede-me quanto eu deus sofro dos deuses

As palavras ldquoondulaccedilotildeesrdquo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ldquoinumeraacuteveisrdquo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ldquouniversalrdquo ( ᵕ ᵕ

ᵕ ‒ ) e ldquoonividenterdquo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) parecem suscitar um efeito sonoro que evoca a vastidatildeo

do ermo no qual Prometeu estava aprisionado Dessarte o Imperador natildeo soacute reproduz a

composiccedilatildeo em ldquopriamelrdquo pela enumeraccedilatildeo adequada dos termos mas tambeacutem a evoca

por meio do ritmo Veja-se tambeacutem a interessante aliteraccedilatildeo entre os termos ldquouniversalrdquo

(consoantes finais) e ldquosolrdquo as assonacircncias em ldquooacuterdquo e a correspondecircncia sonora entre

ldquouni-rdquo e ldquooni-rdquo no trecho seguinte da versatildeo final

[]e terra matildee universal e disco onividente do sol a voacutes invoco[]

A mudanccedila regular de peacutes no trecho em questatildeo eacute notoacuteria

‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒

ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒

ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ‒

119

A passagem comeccedila com trecircs peacutes trocaicos ( ‒ ᵕ ) seguidos por trecircs datiacutelicos ( ‒

ᵕ ᵕ ) que datildeo lugar a dois peacutes que lembram o peocircnio grego ( ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ) em seguida o

ritmo retorna aos trecircs peacutes datiacutelicos ( ‒ ᵕ ᵕ ) Passa-se entatildeo para um movimento

interessante dois peacutes troicaicos intercalados com dois ldquopeocircniosrdquo e seguidos por um

datiacutelico ( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ) eacute Prometeu bradando ldquo terra matildee

universal e disco onividente dordquo Em seguida temos uma sequecircncia de trecircs peacutes

trocaicos ( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ) antes de um admiraacutevel decassiacutelabo heroacuteico que eacute a chave de

ouro ldquovede-me quanto eu deus sofro dos deusesrdquo ( ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) Dificilmente

escapa aos ouvidos a melopeia desse trecho

Veja-se agora a versatildeo 1 do Baratildeo de Paranapiacaba ao lado da versatildeo final do

Imperador Marca-se em negrito as palavras que coincidem

Quadro X Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 1 de Paranapiacaba (original vv88-91)

Apenas 6 palavras coincidem Seraacute que algo semelhante ocorre ao cotejar-se a

versatildeo 2 com a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro

Quadro XI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 2 de Paranapiacaba (original vv88-91)

Desta vez encontram-se quatorze palavras idecircnticas Embora a correspondecircncia

seja ainda pequena a versatildeo 2 de Paranapiacaba se mostrou mais proacutexima da traduccedilatildeo

Baratildeo de Paranapiacaba

Oacute Ether divinal oacute ventos d‟asa promta

Oacute fontes fluviais risos do mar sem conta

Oacute Terra genetriz de cujo seio ingente

Tudo brota do sol oacute disco onividente

Ouvi-me a invocaccedilatildeo Eu peccedilo que vejais

Quantas dores impotildeem a um Nume os Imortais

Dom Pedro II

Oacute ar divino e ventos de asas velozes e fontes

dos rios e ondulaccedilotildees inumeraacuteveis das ondas

marinhas e terra matildee universal e disco

onividente do sol a voacutes invoco vede-me

quanto eu deus sofro dos deuses

Baratildeo de Paranapiacaba

Oacute Eacuteter divinal auras velozes

Mananciais dos rios voacutes oacute risos

Inumeraacuteveis das marinhas ondas

Oacute Terra matildee universal oacute disco

Do Sol onividente Aqui me tendes

Vede que dor a um Deus infligem Deuses

Dom Pedro II

Oacute ar divino e ventos de asas velozes e fontes dos

rios e ondulaccedilotildees inumeraacuteveis das ondas

marinhas e terra matildee universal e disco

onividente do sol a voacutes invoco vede-me quanto

eu deus sofro dos deuses

120

em prosa de Dom Pedro II do que a primeira nos trechos analisados Sabemos pela carta

escrita pelo Baratildeo agrave Princesa Isabel que a versatildeo 2 foi feita a pedido de Lafayette

Rodrigues Pereira Seraacute que Lafayette tambeacutem sugeriu ao Baratildeo que procurasse uma

proximidade maior com a traduccedilatildeo em prosa do Imperador Infelizmente a carta

enviada agrave Princesa natildeo nos daacute mais detalhes a esse respeito

Paula da Cunha Correcirca termina seu artigo com as seguintes palavras

No final entre perdas e ganhos apoacutes confrontar essa pequena amostra dos

versos de Trajano e dos barotildees seria muito difiacutecil se tiveacutessemos que escolher

entre eles como Dioniso no concurso cocircmico de poetas traacutegicos nas Ratildes Os

finalistas provavelmente seriam Ramiz e Trajano ora a balanccedila pende para

um ora para o outro Mas daiacute entre esses dois faccedilo minhas as palavras do

deus (Aristoacutefanes As Ratildes vv1411-13)

Queridos satildeo e natildeo irei julgaacute-los

Odiosa a nenhum dos dois serei

pois um tenho por saacutebio o outro me agrada (CORREA 1999 p179)

A disputa eacute dura Mas em vista do que foi analisado parece-nos que Dom Pedro

II natildeo ficaria atraacutes

Conclusatildeo

Como se pode observar pelos exemplos elencados ao longo do presente capiacutetulo

as versotildees poeacuteticas e a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II satildeo obras distintas e por

isso seus meacuteritos e demeacuteritos natildeo podem ser associados indistintamente umas as outras

Tal conclusatildeo poderaacute ser ainda mais fortalecida pela leitura completa das transcriccedilotildees

integrais dessas obras presentes nos capiacutetulos finais da presente dissertaccedilatildeo

Depois da anaacutelise empreendida eacute possiacutevel supor que a traduccedilatildeo de Dom Pedro II

serviu como um estiacutemulo ao trabalho de Paranapiacaba em vez de servir-lhe

propriamente como um paradigma a ser imitado O cotejo entre as versotildees revelou que

quase sempre o Baratildeo seguiu o seu proacuteprio caminho Mesmo em notas preparadas para

a sua versatildeo 1 quando citava uma versatildeo literal natildeo era a de Dom Pedro II Veja-se

por exemplo a nota 111 escrita por Paranapiacaba

Litteralmente De sua horrenda guela expedia um sibilo de morte de seus

olhos dardejava como o raio um fogo de goacutergone

121

Jaacute a traduccedilatildeo literal de Dom Pedro II para a mesma passagem eacute ldquo soprando

exterminio pelas medonhas queixadas fulminava dos olhos gorgoneo lampejo []rdquo

Apenas a palavra ldquoolhosrdquo eacute coincidente

Se a palavra ldquotrasladaccedilatildeordquo encontrada no tiacutetulo do livro do Baratildeo for

entendida como apenas ldquoadaptaccedilatildeordquo poeacutetica da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II

(Prometheu Acorrentado original de Eschylo Vertido litteralmente para o portuguez

por Dom Pedro II Imperador do Brasil trasladaccedilatildeo poeacutetica do texto pelo Baratildeo de

Paranapiacaba grifo nosso) tal tiacutetulo induziraacute a um erro de entendimento pois

nenhuma das versotildees poeacuteticas eacute por assim dizer ldquoDom Pedro II em versosrdquo

Embora Dom Pedro II natildeo tivesse atendido a solicitaccedilatildeo do diplomata Joseph

Arthur de Gobineau de empreender uma traduccedilatildeo em versos percebe-se na anaacutelise

realizada que o Imperador natildeo descurou da sonoridade de sua traduccedilatildeo em prosa do

Prometeu Acorrentado Se a primeira versatildeo lembra traduccedilotildees escolares que visam

apenas o aprendizado de uma liacutengua estrangeira a versatildeo final por sua vez revela um

tratamento mais acurado quanto agrave sonoridade do texto valendo-se de assonacircncias

aliteraccedilotildees e criando padrotildees interessantes com as posiccedilotildees das siacutelabas tocircnicas ao longo

dos periacuteodos Veja-se por exemplo os efeitos sonoros produzidos pela sequecircncia

ldquorevolvemrdquo ldquoventosrdquo e ldquorevoltardquo na uacuteltima fala de Prometeu (vv1080-93) ou as

combinaccedilotildees ldquorevolvem o poacuterdquo e ldquorevolta de opostosrdquo ou ainda a rima interna ldquo ar e

marrdquo no seguinte trecho ldquo[] e os turbilhotildees revolvem o poacute rompem os sopros de

todos os ventos suscitando entre si a revolta de opostos furacotildees e satildeo abalados ar e

marrdquo (traduccedilatildeo de Dom Pedro II para os versos 1084-88 do texto grego)

Em suma Dom Pedro II natildeo foi prosaico ao realizar sua traduccedilatildeo em prosa do

Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo que ateacute onde se sabe eacute a primeira traduccedilatildeo dessa

trageacutedia grega feita no Brasil o que por si soacute lhe assegura um lugar de destaque na

longa cadeia das versotildees dessa peccedila em nosso idioma52

52 Ver Conclusatildeo Geral da presente dissertaccedilatildeo (p273) logo apoacutes as transcriccedilotildees da traduccedilatildeo do

Imperador e das versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba

122

SEGUNDA PARTE

TRANSCRICcedilOtildeES

123

CAPIacuteTULO 3 - Transcriccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II

[fl1]Prometheu encadegraveado53

de Eschylo

A Forccedila a Violencia Vulcagraveno Prometheu

A Forccedila

Chegamos a terra remota aacute regiatildeo Scytha a ermo despovoado Vulcano cumpre

cuidares das ordens que te deu o pae de ligar este malfeitor aos rochedos alcantilados

com algemas infrangiveis de vinculos de accedilo Tua chamma com effeito o brilho do

fogo util a todas as artes deu-o aos mortaes tendo o furtado Na verdade cumpre que

expie para com os deuses tal peccado para que aprenda a venerar o podegraver de Jupiter e

desista de habitos philanthropicos

Vulcagraveno

Forccedila e Violencia o mandado de Jupiter teve cumprimento de vossa parte e

nada mais resta Sou timido para encadegravear com violencia um deus parente ao

despenhadeiro hibernograveso Mas em todo o caso a necessidade d‟isto deve dar-me

audacia pois descurar as ordens do pae eacute grave Filho profundamente pensadograver da recta

conselheira Themis constrangido pregar-te-ei constrangido com cadegraveas indissoluveis

n‟esteltuarrmontegt inhospito onde nem voz nem figura de homem veraacutes mas queimado

lentamente pela chamma brilhante ltuarrdogt sol perderaacutes o mimo da cograver A ti alegrado a

noite de manto varie[fl2]gado occultaraacute a luz e o sol dissiparaacute de nogravevo a geada

matutina Porem sempre te atormentaraacute o pesar do mal presente pois quem deve livrar-

te natildeo nasceu ainda Isto colheste de teus habitos philanthropicos pois qual deus natildeo

temendo a colera dos deuses deste aos mortaes honras alem do justo Por cuja causa

guardaraacutes este ingrato rochegravedo em peacute insomne natildeo curvando o joelho e voltaraacutes

muitas lamentaccedilotildees e gemidos inuteis porque o animo de Jupiter eacute difficilmente

flexivel Rigoroso eacute quem recentemente governa

Forccedila

53

A numeraccedilatildeo das paacuteginas parece ter sido feita a laacutepis no manuscrito a marcaccedilatildeo eacute feita de forma

alternada (se uma paacutegina possui a numeraccedilatildeo a proacutexima natildeo) No entando a paacutegina 7 do manuscrito foi

erroneamente marcada como paacutegina ldquo6rdquo O equiacutevoco persiste ateacute o final do manuscrito cuja a uacuteltima

paacutegina eacute marcada como ldquo46rdquo sendo que haacute 47 paacuteginas de traduccedilatildeo Natildeo sabemos quem fez a marcaccedilatildeo

124

Faccedila-se Porque tardas e te compadeces em vatildeo Porque natildeo odiacuteas o deus mais

inimigo dos deuses que deu traiccediloeiramente teu privilegio aos mortaes

Vulcano54

O parentesco eacute na verltuarrdgt[a]de muito forte assim como a familiaridade

Forccedila

Concordo mas desattendegraver aacutes palavras do pae como eacute possivel Natildeo temes isto

mais

Vulcano

Tu sempre desapiedada e cheia de audacia

[fl3]

Forccedila

De nada vale deploral-o natildeo faze pois cousas que nada aproveitatildeo

Vulcano

Oh muito odiado trabalho manual

Forccedila

Porque o odiacuteas Pois dizendo a verdade natildeo eacute a arte a causa dos males

presentes

Vulcano

A outrem conviria cabegraver ella por sorte

Forccedila

Tudo foi feito para os deuses excepto imperarem55

pois ningueacutem eacute livre salvo

Jupiter

Vulcano

54

Daqui por diante o acento da palavra ldquoVulcagravenordquo soacute seraacute empregado novamente na paacutegina 26 do

manuscrito 55

No manuscrito o trecho ldquo() para os deuses excepto imperaremrdquo eacute sublinhado Tambeacutem entre as

linhas dessa fala DPedro II redige o seguinte comentaacuterio ldquo(excepto para os deuses o imperarem ndash isto eacute

ndash tudo custou trabalho excepcto imperarem os deuses pois somente Jupiter eacute livre (natildeo obedece impera)

(Qual a melhor interpretaccedilatildeo)rdquo

125

Sei-o e nada tenho que contradizer a isto

Forccedila

Natildeo te apressaraacutes pois a circundal-o de cadeagraves para que a ti tergiversante natildeo

ltuarrvejagt[] o pae

Vulcano

E jaacute aacute matildeo se podem vegraver os elos

Forccedila

Tomando-os emtorno das matildeos bate com o malho com grande forccedila finca-os

nas pedras

[fl4]

Vulcano

Estaacute feito e natildeo dura este trabalho

Forccedila

Bate mais aperta de nenhum modo alarga pois eacute astuto para achar sahidas

mesmo de cousas sem remedio

Vulcano

O braccedilo jaacute foi fixado inabalavelmente

Forccedila

E agora liga est‟outro firmemente para que o astuto saiba que eacute mais obtuso que

Jupiter

Vulcano

Excepto este ninguem justamente se houvera queixado de mim

Forccedila

Agora forte enterra atravez dos peitos os dentes arrogantes da cunha de accedilo

Vulcano

Ai ai Prometheu gemo com tuas desgraccedilas

Forccedila

126

De novo hesitas e gemes com os inimigos de Jupiter Que natildeo te compadeccedilas

de ti um dia

[fl5]

Vulcano

Vegraves um espectaculo horriacutevel de vegraver

Forccedila

Vejo-o conseguindo o que eacute justo mas lanccedila os vinculos axillares em torno das

costellas

Vulcano

Eacute necessario fazel-o natildeo m‟o ordenes demais

Forccedila

Ordenarei certamente e incitarei com gritos alem d‟isso Anda para baixo e

aperta com anneis as pernas aacute forccedila

Vulcano

E fez-se o trabalho sem grande custo

Forccedila

Agora finca fortemente as algemas dos peacutes pois que o censor de tuas obras eacute

severo

Vulcano

A tua linguagem falla cousas similhantes aacute tua forma

Forccedila

Segrave molle mas a minha insolencia e crueza d‟indole natildeo m‟ltuarrexprobesgt[]

Vulcano

Vamo-nos pois tem regravedes nos membros

[fl 6]

Forccedila

Procede agora aqui indolenltuarrtegtte[m] e furtando os privilegios dos deuses daacute-

os aos ephemeros Que valem os mortaes para te aliviarem d‟estes trabalhos Os deuses

127

te chamatildeo com o pseudonymo de Prometheu (previdente) quando tu mesmo precisas

d‟um Prometheu de modo a te desembaraccedilares d‟estes artefactos

Prometheu

ltuarrOh ar divinogt[] e ventos de azas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees

innumeraveis das ondas marinhas e terra matildee universal e disco omnividente do sol a

voacutes invoco vede-me quanto eu deus soffro dos deuses Vegravede por quaes ignominias

vexado luctarei infindos annos O nogravevo reguladograver dos felizes inventou por causa de

mim este vinculo aviltante Ai ai Lamento o soffrimento presente e o superveniente

De que modo cumpre que um dia surja o termo d‟estes males Comtudo que digo Sei

de antematildeo claramente tudo o que deve vir nenhum soffrimento chegar-me-aacute

inesperado Eacute preciso supportar da melhor mente a sorte destinada reconhecendo que a

forccedila da necessidade eacute invencivel Mas nem calar nem natildeo calar me eacute possivel esta

sorte porque dando privilegios aos mortaes estou subjugado por estes supplicios

Pesquizo a origem furtiva do fogravego [fl6 (7)]56

occulta na ferula a qual foi para os

mortaes mestra de todas as artes e grande auxilio Cumpro estes castigos das culpas

estando a ceu descoberto pregado com cadegraveas Ah Ah Ai Ai Que rumograver que cheiro

imperceptivel voou ateacute mim Divino mortal ou mixto Veio ao cimo do rochedo

algum expectadograver de meus males ou querendo o que Vegravede-me deus infeliz encadeado

inimigo de Jupiter incorrendo no odio de todos os deuses que frenquentatildeo o palacio de

Jupiter por causa de amizade demasiada aos mortaes Ai Ai Que rumorejar de

voadores ouccedilo de nogravevo perto O ltuarrar sussurragt[] com as ligeiras vibraccedilotildees das azas

Tudo o que se aproxima eacute para mim atemorizadograver

Chogravero

(Strophe 1ordf)

Nada temas pois este bando amigo de azasltuarrcom rapidas porfiacuteasgt[]ltdarrelevou-

se agt este rochegravedo apegravenas convencendo as paternas vontades Auras velozes me

conduziram porque o echo do tinido do ferro penetrou o recesso dos antros expelliu de

mim o veneravel pudograver e descalccedila precipitei-me no carro alado

Prometheu

56

Paacutegina 7 do manuscrito erroneamente marcada como paacutegina ldquo6rdquo O equiacutevoco persiste ateacute o final do

manuscrito marcando a uacuteltima paacutegina como ldquo46rdquo sendo que haacute 47 paacuteginas de traduccedilatildeo Doravante

colocaremos a numeraccedilatildeo correta entre parecircnteses

128

Ai Ai Ai Ai Prole da fecunda Tethys filhas do pae Oceano que circumvolve toda a

terra com insomne fluxo olhae observae com que cadegravea ligado supportarei natildeo

invejavel sentinella no cume dos rochegravedos d‟este precipicio

[fl8]

Chogravero (antistrophe 1ordf)

Vejo-o Prometheu uma nevoa temivel cheia de lagrimas precipitou-se sobre

meus olhos observando eu teu corpo mirrando-se pregado nos rochegravedos com estes

ferreos flagellos pois novos ltuarrtimoneirosgt[]57

regem o Olympo e com leis novas

impera Jove illegitimamente destroe agora o que era antes veneravel

Prometheu

ltuarrProuveragt[Oxalaacute]58

me houvesse arremessado para baixo da terra e Orco

recebedograver dos mortos para o Tartaro immenso tendo me lanccedilado crueis e indissoluveis

cadegraveas de modo que nem deus nem outro qualquer se regozijasse d‟isto Agora

desgraccedilado dos ventos ludibrio soffro o que alegra os inimigos

Chogravero (Strophe 2ordf)

Qual dos deuses de coraccedilatildeo assim endurecido a quem isto agraacutede Quem natildeo

partilha a dograver de teus males excepto Jupiter Elle irosamente tendo se posto de animo

inflexivel doma a celeste progenie nem cessaraacute antes que ou sacie o coraccedilatildeo ou

alguem por qualquer artificio se tenha apossado do governo difficil de tomar

Prometheu

Certamente o governador dos felizes ainda teraacute necessidade de mim maltratado

embora por fortes algegravemas para eu lhe [fl8 (9)] manifestar o novo trama59

pelo qual

sceptro e honras lhe seratildeo roubados Nem me abrandaraacute com os mellifluos

incantamentos da persuasatildeo nem aterrado por graves ameaccedilas denuncial-o-ei antes que

me tenha soltado das crueis cadegraveas e reparado esta ignominia

57 Ver paacutegina 23 nota 58

A palavra ldquoOxalaacuterdquo estaacute sublinhada no manuscrito e logo acima estaacute escrita a palavra ldquoprouverardquo com

tinta diferente Ao contraacuterio das outras ocorrecircncias natildeo houve rasura o que indica duacutevida 59

Palavra normalmente feminina no entanto o dicionaacuterio Houaiss anota a ocorrecircncia desse termo

tambeacutem como um substantivo masculino no sentido de ldquoconluiordquo ldquomaquinaccedilatildeordquo

129

Chogravero (Antistrophe 2ordf)

Na verdade audaz nada te dobras aos males acerbos e demasiadamente livre

fallas Terrograver profundo abalou-me o animo pois temi quanto ao teu destino o como

cumpra chegares a vegraver o termo d‟estes trabalhos porquanto o filho de Saturno tem

caracter inexoravel e coraccedilatildeo inflexivel

Prometheu

Sei que Jupiter eacute aspero julgando a seu bel-prazegraver comtudo seraacute um dia de

animo brando quando fograver de certo modo ferido abatendo a indomavel colera voltaraacute

ainda anciograveso aacute concordia e a amizade commigo anciograveso

Chogravero

Revela tudo e dize-nos em que crime surpreh[enltuarrdengtd]o-te Jupiter assim te

maltrata ignominiosa e acerbamente Conta-nos se nada teltuarr+gt60

offende na narraccedilatildeo

Prometheu

Na verdade eacute doloroso para [mim ltuarro que tenho degt referir ]ltuarrmasgt doloroso

calar em todos os casos desgraccedilado Logo que os ltdarrcelicolasgthabitantes do ceu[fl10]

se deixaram ltuarrdominargt pela coacutelera e a discordia suscitou de entre elles querendo uns

derrubar Saturno do throno sem duvida para que Jupiter imperasse outros anhelando o

contrario que Jupiter jamais governasse os deuses entatildeo aconselhando eu o melhor

natildeo ltuarrpude convencegravergt[] os Titatildees filhos do Ceu e da Terra mas desprezando os

meios brandos em seus violentos pensamentos julgaratildeo haver de governar sem custo aacute

forccedila Natildeo ltuarrsomentegt uma vez minha matildee Themis e a Terra forma unica de

muitos nomes predissera-me como se ratificaria o futuro que nem por forccedila nem por

violencia ltuarrcumpririagt mas por dolo ltuarros quegt[] ltuarrse tornassemgt [superiores]

vencegraverem ltuarr+gt61

[] ltA mim quando dizia taes cousas com palavras natildeo se dignaram de

60

Entre ldquoterdquo e ldquoofenderdquo estaacute um sinal ldquo+rdquo (adiccedilatildeo ou cruz) feito em tonalidade de tinta diferente A cruz

costuma indicar passagens corrompidas nos manuscritos Mas natildeo parece o caso aqui em vista do grego 61 Acima do ponto final haacute uma cruz (ou adiccedilatildeo) aparentemente marcada a laacutepis No entanto antes do

ponto final temos a palavra ldquovencegraveremrdquo e acima dela haacute outro sinal um ciacuterculo com uma cruz dentro

No comeccedilo da paacutegina do manuscrito onde estaacute escrita a passagem em questatildeo [fl10] haacute um sinal

idecircntico ao que fora escrito sobre a palavra ldquovencegraveremrdquo Perto desse sinal estaacute escrito ldquofaltam aqui dous

versosrdquo Esses dois versos foram escritos mais agrave esquerda desse sinal ldquoA mim quando dizia taes cousas

com palavras natildeo se dignaram de nada attender totalmenterdquo Portanto o sinal no corpo do texto se trata

de uma chamada e a cruz acima do ponto final talvez indique que eacute depois dele que os versos esquecidos

na traduccedilatildeo devem ser lidos Por isso os incluiacutemos no corpo do texto

130

nada attender totalmentegt62

Do que entatildeo se apresentava parecia-me ser o mais

acertado tomando commigo minha matildee auxiliar de boa vontade a Jupiter que o queria

Por meus conselhos o abysmo do Tartaro profundamente negro esconde o anciatildeo

Saturno com seus alliados De tal sorte por mim ajudado o Senhor dos deuses com estes

duros trabalhos recompensou-me Ha na verdade como este achaque na soberania de

natildeo confiar nos amigos Jaacute que perguntaes porque motivo me maltrata explical-o-ei

Logo que se assentou no throno paterno immediatamente distribuiu recompensas pelos

habit celicolas a cada um sua e regulou o governo Mas em nenhuma conta teve os

miseros mortaes porem ltuarrdezejavagt[queria] destruindo toda a geraccedilatildeo crear nova E

a isto ninguem resistiu [fl10 (11)]excepto eu Eu porem atrevi-me livrei os mortaes de

irem anniquilados para o Orco Pelo que sou vergado por estas desgraccedilas dolorosas de

soffregraver tristes de vegraver Tendo compaixatildeo dos mortaes natildeo fui achado digno de obtegravel-a

mas desapiedadamente assim fui castigado espectaculo deshonrograveso para Jupiter

Chogravero

De coraccedilatildeo de ferro e feito de pedra eacute quem oh Prometheu natildeo partilha teus

soffrimentos natildeo dezejava eu pois tegraver visto estas cousas e tendo as visto foi o coraccedilatildeo

angustiado

Prometheu

E na verdade para os amigos triste sou eu de vegraver

Chogravero

Por ventura natildeo foste mais longe do que ltuarristogt[]

Prometheu

Impedi os mortaes de prevegraver o destino

Chogravero

Que remedio achando d‟este mal

Prometheu

62

Ver nota anterior

131

ltuarrEstabelecigt[] n‟elles cegas esperanccedilas

Chogravero

Esta grande vantagem doaste aos mortaes

Prometheu

[fl12]

Alem d‟isso dei-lhes o fogravego

Chogravero

Pois ephemeros possuem ltuarragoragt o fogo chamejante

Prometheu

Pelo qual conheceratildeo muitas artes

Chogravero

Por taes crimes pois maltrata-te Jupiter nem abranda os males Nem ha para ti

termo assentado do soffrimento

Prometheu

Nenhum outro senatildeo quando aacutequelle praza

Chogravero

Como porem lhe aprazeraacute Que esperanccedila Natildeo vegraves que delinquiste Como

delinquiste natildeo me eacute agradavel dizer e para ti eacute dograver mas deixemos estas cousas

procura pois qualquer libertaccedilatildeo do soffrimento

Prometheu

Facil eacute quem tem o peacute foacutera das desgraccedilas aconselhar e ltuarradmoestargt[] o

afflicto mas eu sabia tudo isto voluntaria voluntariamente delinqui natildeo negarei

favorecendo os mortaes acarretei-me os trabalhos Comtudo natildeo pensava havegraver de

mirrar-me com taes trabalhos sobre alcantilados rochegravedos cabendo-me este monte

ltuarrermogt[] sem visinhos Natildeo lamenteis comtudo as desgraccedilas presentes mas

132

ltuarrvindasgt[] aacute terra [fl12(13)] ltuarrouvigt [] a sorte que s‟aproxima63

afim de que tudo

saibaes ateacute o fim Crede-me crede compadecei-vos de quem soffre agora Do mesmo

modo certamente a desgraccedila vagando liga-se ora a um ora a outro

Chogravero

Natildeo clamaste isto a ltuarrpessoas que natildeo quizessem (ouvir)gt[ Prometheu E jaacute

com] peacute ligeiro deixando a seacutede velozmente impellida e o puro ltuarrargt[] passagem

ltdos aligerosgt[] chego a este solo fragograveso desejo ouvir inteiramente os teus

trabalhos

Oceagraveno

Chego a ti Prometheu tendo percorrido o termo de longo caminho governando

este aligero de rapido voo pela vontade sem freio Condograveo-me de tua sorte sabegrave-o pois

a isto julgo me obriga o parentesco e parentesco aacute parte a ninguem daria maior

quinhatildeo do que a ti Conheceraacutes porem quatildeo verdadeiras satildeo estas cousas nem que eacute de

mim fallar agradavelmente com leviandade Vamos pois indica em que cumpre

socorrer-te pois nunca diraacutes que ha para ti amigo mais firme que o Oceagraveno

Prometheu

Ah ltuarrQue cousagt64

[Tambem tu] vieste expectadograver de meus trabalhos Como

ousastes deixando a corrente que ltuarrtira de tigt [] o nome e os antros nativos cobertos

de pedra vir aacute terra matildee do ferro Por ventura [fl14] chegaste para observares minha

sorte e partilhares meus males Vegrave o espectaculo o amigo de Jupiter quem com elle

estabeleceu a soberania sob que desgraccedilas sou por elle vergado

Oceagraveno

Vejo-o Prometheu e quero na verdade aconselhar-te melhor embora a quem eacute

astuciograveso Conhece-te a ti mesmo e muda para novos habitos pois tambem novo eacute o

soberagraveno entre os deuses Se arremessas palavras tatildeo asperas e aguccediladas talvez logo te

ouccedila Jupiter mesmo assentando-se muito mais alto de modo que a amargura actual

ltdos malesgt[ dos soffrimentos]paregraveccedila ser divertimento Mas oh infeliz perde a colera

63

O sinal ldquo+rdquo foi marcado acima dessa palavra no manuscrito 64

O trecho ldquoQue cousardquo foi escrito logo acima da palavra ldquotambeacutemrdquo seu lugar na frase eacute indicado por

meio de traccedilo Nota-se tambeacutem o sinal (+) em outra cor com o qual provavelmente o autor marcava

onde em revisatildeo deveria inserir algo

133

que tens procura a libertaccedilatildeo d‟estes soffrimentos Talvez pareccedila-te dizegraver cousas

antiquadas comtudo tal eacute a recompensa d‟uma lingua demasiadamente arrogante Tu

porem natildeo eacutes humilde nem cedes aos males mas queres ajuntar outros aos actuaes

Portanto servindo-te de mim ltcomogt[] mestre natildeo daraacutes ponta- peacutes na espora vendo

que impera um monarcha severo e irresponsavel E agora vou-me e tentarei se posso

livrar-te d‟estes trabalhos Tu aquieta-te e natildeo falla intemperantemente Acaso natildeo

sabes perfeitamente sendo tatildeo prudente que eacute infligido castigo aacute lingua insensata

[fl14 (15)]

Prometheu

Invejo-te porque ficas isento de crime tendo tudo partilhado e visado commigo

Mas agora desiste nem te importes pois de nenhum modo o convenceraacutes porquanto eacute

inexoravel Examina bem tu mesmo se nada soffres com a viagem

Oceagraveno

Na verdade muito melhor aconselhas os outros que a ti proprio e reconheccedilo-o

pelas obras e natildeo pelas palavras De nenhum modo faccedilas retrocedegraver a mim que venho

apressado pois gloriacuteo-me gloriacuteo-me de havegraver Jupiter de concedegraver-me o dom de

libertar-te d‟estes trabalhos

Prometheu

Louvo-te por isso e jamais deixarei de louvar-te Natildeo poupas diligencia

comtudo nada faccedilas pois nada aproveitando-me debalde trabalharaacutes ainda que

trabalhar queiras mas aquieta-te conservando-te afastado porquanto se eu sou infeliz

natildeo quizera por esta causa que tocassem desgraccedilas a muitosltuarrOceanogt65

[Natildeo]

certamente pois que me atormentatildeo os destinos do irmatildeo Atlante que estaacute nas regiotildees

occidentaes sustentando nos hombros a columna do ceu e da terra peso difficil de

suportar ltuarrCondoi-megt [vendo o] terrigena habitante dos antros Cilicios monstro

funesto o violento Typhatildeo de cem cabeccedilas subjugando os outros agrave forccedila o qual

rebellou-se [fl16] contra todos os deuses soprando exterminio pelas medonhas

queixadas fulminava dos olhos gorgoneo lampegravejo como se destruira aacute forccedila a

soberania de Jupiter Mas veio a elle o dardo insomne de Jupiter o cadente raio

65 Ver nota 69

134

expirando chammas que abateu as arrogantes jactancias pois ferido nas proprias

entranhas foi o vigor incinerado e fulminado e agora corpo inerte e estirado jaz

perto de estreito maritimo comprimido sob as raizes do Etna Nos altos cumes

assentado forja Vulcano massas incandescentes d‟onde jorraratildeo um dia rios de fogravego

devorando com ferozes queixos as campinas da Sicilia de bellos fructos Typhatildeo

vomitaraacute essa biles com os ardentes dardos d‟inextinguivel ignivomo ltuarr+gt[turbilhatildeo]66

Carbonisado embora pelo raio de [Jupiter] ltuarrPrometheugt67

Tu natildeo eacutes inexperiente nem

precisas de mim como mestre salva-te a ti mesmo como souberes Eu supportarei o

presente destino ateacute que o animo de Jupiter cesse da colera

Oceagraveno

Pois natildeo [sabes]ltuarristogt Prometheu que as fallas satildeo medicos de alma doente

Prometheu

Se alguem ltuarracalmargt[] o coraccedilatildeo opportunamente e natildeo reprimir aacute forccedila a

paixatildeo intumescente

Oceagraveno

[fl16(17)]

Mas no interessar-se e ousal-o que damno vegraves existir Ensina-m‟o

Prometheu

Trabalho inutil e stultice de ltanimogt[espirito] leviagraveno

66

Acima de ldquoturbilhatildeordquo encontra-se o sinal de adiccedilatildeo 67 A palavra ldquoPrometheurdquo foi escrita no espaccedilo interlinear entre as palavras ldquoJupiterrdquo e ldquoTurdquo Num

primeiro momento pensamos que o Imperador estava apenas indicando ao leitor que a longa fala de

Prometeu continuava (vv340-76) tiacutenhamos em mente o texto original editado por Mark Griffith (1997)

No entando Brunno VGVieira Professor de Letras Claacutessicas da UNESP e um dos arguidores da

presente pesquisa chamou a atenccedilatildeo para esse detalhe Posteriormente consultamos a ediccedilatildeo de 1809 do

texto original grego empeendida por Christian Gottfried Schuumlltz e constatamos que a disposiccedilatildeo das falas

difere da ediccedilatildeo de Griffith A ediccedilatildeo de Schultz tem a seguinte disposiccedilatildeo Prometeu vv 340-46

Oceano vv347-72 Prometeu vv373-6 A ediccedilatildeo de Thomas Stanley (1809) possui a mesma disposiccedilatildeo

de Schuumlltz para a passagem em questatildeo A palavra ldquoPrometheurdquo escrita no espaccedilo interlinear destaca um

trecho idecircntico ao da fala de Prometeu editada por Schuumlltz e Stanley Logo acima do iniacutecio da traduccedilatildeo

para o verso 347 o Imperador escreveu no espaccedilo interlinear a palavra ldquoOceanordquo[fl15] (p133) mas

riscou-a Se levarmos em conta esses dois acreacutescimos a traduccedilatildeo fica com a mesma disposiccedilatildeo das

ediccedilotildees de Schuumlltz e Stanley para os versos 340-76 O interessante eacute que na versatildeo preliminar da traduccedilatildeo

em prosa guardada no Museu Imperial natildeo haacute esses dois acreacutescimos o que nos faz pensar que Dom

Pedro II estava trabalhando com mais de uma ediccedilatildeo do texto original Eis a traduccedilatildeo dos versos 373-6 no

manuscrito do Museu Imperial ldquoTu natildeo inexperiente natildeo precisas de mim como mestre salva-te a ti

como sabes Eu sofrerei a sorte presente ateacute que o espirito de Jupiter tenha descansado da colerardquo

135

Oceagraveno

Deixa-me padecegraver d‟esta molestia pois que eacute ltuarr+gt[vantajogravesissimo]68

que quem

pensa sensatamente natildeo o pareccedila

Prometheu

Esta culpa pareceraacute segraver minha

Oceagraveno

Teu discurso reenvia-me para casa

Prometheu

Natildeo te lance ao odio a compaixatildeo de mim

Oceano69

Porventura de quem assenta-se recentemente na sede omnipotente

Prometheu

Guarda-te d‟elle que jamais seu coraccedilatildeo seja irritado

Oceagraveno

Tua desgraccedila Prometheu eacute minha mestra

Prometheu

Vae-te apressa-te ltuarrconservagt[] tua actual resoluccedilatildeo

Oceagraveno

[fl 18]

Disseste-o a quem tem pressa pois o aligero quadrupede roccedila com as azas o

caminho plagraveno do ar contente por tegraver de dobrar o joegravelho nos estabulos

ltuarrdomesticosgt[]

68

Haacute uma cruz ou adiccedilatildeo marcada a grafite acima dessa palavra 69

Aqui o acento foi esquecido

136

Chogravero (Strophe 1ordf)70

Deploro-te pela sorte perniciosa Prometheu e molhei as faces com humidas

fontes derramando de ternos olhos uma corrente gotejando lagrimas pois Jupiter

ordenando estas cousas desapiedadamente por leis suas mostra ltuarraosgt[] deuses de

outrora a haste orgulhosa

(antistrophe 1ordf)

Jaacute toda a regiatildeo resoou lamentavelmente e tua magnifica e antiga dignidade

deploratildeo e quantos mortaes habitatildeo o vizinho solo da sacra Asia condoem-se de tuas

desgraccedilas dignas de altos gemidos

(Strophe 2ordf)

e as virgens habitantes da terra da Colchida impavidas nos combates e a

ltuarrhordagt[] Scytha que ocuppa o logar extremo da terra emtograverno do pauacutel Meotide

(antistrophe 2ordf)

e a flograver marcial da Araacutebia e os que habitatildeo71

aldegravea cheia de precipicios perto

do Caucaso chusma bellicosa fremente com agudas hastes

[fl18 (19)]

(Epodo)

Somente outro vi antes subjugado ltuarremgt[por]ferreos trabalhos pelos flagellos

dos deuses Atlante que sempre um esforccedilo immenso o solido polo celeste sustenta nas

costas Muge o marulho do mar chocando-se geme o abysmo o negro fundo da

regiatildeo do Orco sub-freme e as fontes dos rios sacro-fluentes deploratildeo a lamentavel dograver

Prometheu

ltuarrDe nenhum modogt[ julgueis] que por pertinacia ou insolencia me cale mas

o desgosto ltuarrdevoragt[dilacera]-me o coraccedilatildeo vendo-me assim ultrajado Comtudo

quem senatildeo eu distribuiu privilegios por todos estes novos deuses Calo-o porem jaacute

que o diria a voacutes que o sabeis Ouvi a desgraccedila que houve para os mortaes como a elles

estupidos antes ltuarrfizgt[] prudentes e dotados de intelligencia mas dil-o-ei natildeo tendo

exprobaccedilatildeo para os homens porem expondo a benevolencia das cousas que dei Na

verdade os que d‟antes viatildeo debalde viatildeo os que ouviatildeo natildeo ouviatildeo mas similhantes aacutes

70

Havia uma linha de texto abaixo da palavra ldquochograverordquo que foi totalmente riscada em sua maior parte

estaacute ilegiacutevel Lecirc-se contudo algumas palavras ldquolamentordquo na primeira posiccedilatildeo ldquoperniciosardquo e a uacuteltima

ldquoPrometheurdquo 71

O trecho ldquoda Arabia e os que habitatildeordquo foi sublinhado no manuscrito e logo acima dele foi escrito

entre parecircnteses ldquo(de Aryas que habita)rdquo sem indicaccedilatildeo de inclusatildeo

137

formas dos sonhos por muito tempo tudo ltuarrconfudiatildeogt[] ao acaso nem conheciatildeo as

casas de tijogravelo expostas ao sol nem carpinteria mas habitavatildeo encovados como as

pequegravenas formigas nas profundezas natildeo assoalhadas dos antros Natildeo havia para elles

limite de inverno nem de florida primavera nem de fructifero estiacuteo mas tudo faziatildeo

[fl20] sem sciencia ateacute que lhes mostrei os nascimentos dos astros e os occasos

difficeis de notar E inventei-lhes a numeraccedilatildeo a mais excelente das doutrinas e os

arranjos das letras e a memoria matildee das musas artiacutefice de todas as cousas Jungi

[primeiro ao jugo os animaes] ltuarrtornando-se escravos da cordagt72

ltuarre para quegt[]

com os corpos fossem substitutos aos mortaes nos maiores trabalhos sujeitei ao carro

os cavallos doceis ltuarrde reacutedeagt [] ornamento da molleza excessivamente rica

Ninguem senao73

eu inventei esses vehiculos undivagos de azas de linho Descobrindo

taes inventos para os mortaes infeliz natildeo tenho eu proprio artificio com que me

ltuarrlivregt[] da desgraccedila actual

Chogravero

Soffres affrontosa desgraccedila aberras privado da razatildeo mas como mau medico

cahindo doente desanimas e natildeo podes achar com que remedios sejas curavel

Prometheu

Ouvindo-me o resto mais admiraraacutes as artes e cousas uteis que excogitei O que

eacute o mais importante se alguem cahisse doente natildeo havia nenhum remedio nem de

comegraver nem de untar nem de bebegraver mas definhavatildeo por falta de remedios antes que eu

lhes mostrasse as misturas dos saudaveis remedios com que expellem de si todas as

molestias

[fl20 (21)]

Institui muitos modos de adevinhaccedilatildeo e primeiro e distingui o q74

dos sogravenhos

deve segraver sogravenho verdadeiro expliquei-lhes os agouros vocaes difficeis de entendegraver e

os accidentaes dos caminhos e defini exatamente o vograveo das aves de unhas

recurvadas quaes as favoraveis por natureza quaes as sinistras que comida tem cada

uma que inimizades amograveres e reuniotildees entre ellas e a lisura das entranhas e com que

72

O trecho ldquotornando-se escravos da cordardquo foi escrito logo acima do trecho ldquoprimeiro ao jugo os

animaisrdquo seu lugar na frase eacute indicado por meio de traccedilo Depois da palavra ldquoanimaesrdquo o trecho ldquoe para

querdquo foi escrito logo acima de algo que fora riscado e estaacute ilegiacutevel 73

O autor esqueceu de colocar o til na palavra ldquosenatildeordquo 74

O autor anota ldquoqrdquo com um til no manuscrito Eacute a abreviaccedilatildeo da palavra ldquoquerdquo Recurso bastante comum

na eacutepoca do Imperador e recorrente em seu manuscrito

138

cograver sejatildeo do prazegraver para os celicolas e a bella forma variegada do fel e do lobulo do

figado Queimando membros cobertos de gordura e um comprido lombo guiei os

mortaes na difficil arte de adevinhar e revelei os signaes igneos d‟antes caliginosos

Taes na verdade estas cousas mas quem diria ter descoberto antes o ltuarrcobregt[] o

ferro a prata e o ouro recursos occultos aos homens embaixo da terra Ninguem

perfeitamente o sei a natildeo queregraver palrar em vatildeo Em poucas palavras aprende tudo

d‟uma vez todas as artes proviratildeo aos mortaes de Prometheu

Chogravero

Natildeo soccograverras os mortaes alem do que convem nem te descuides de ti

desgraccedilado pois que tenho boas esperanccedilas de que um dia sogravelto d‟essas cadegraveas natildeo

segravejas menos poderograveso que Jupiter

Prometheu

[fl22]

Prometheu

Ainda natildeo estaacute fadado que ltuarrde tal maneiragt[assim] ratifique isto a

Parca que tudo perfaz mas vergado sob infinitas desgraccedilas e calamidades assim

livrar-me-ei a final das cadegraveas A arte eacute muito mais fraca do que a fatalidade

Chogravero

Quem eacute o timoneiro da fatalidade

Prometheu

As triformes Parcas e as memoriosas Furias

Chogravero

Pois Jupiter eacute mais fraco do que ellas

Prometheu

Certamente natildeo evitaria o fadado

Chogravero

Que ha pois fatal para Jupiter senatildeo imperar

139

Prometheu

Jamais o saberias nem me rogues

Chogravero

Eacute porventura alguma cousa ltuarrvenerandagt[] o que occultas

Prometheu

Lembrae-vos de outro discurso proferir este de nenhum modo eacute

opportuno mas deve-se occultal-o o mais possivel pois reservando-o evito cadegraveas

affrontosas e calamidades

[fl22 (23)]

Chogravero (Strophe 1ordf)

Jamais quem rege tudo Jupiter opponha seu podegraver aacute minha vontade

Nem tarde ltuarreugt em approximar-me dos deuses com os banquegravetes ltuarrrituaesgt de

bois sacrificados junto ao curso incessante do pae Oceagraveno nem delinqua por palavras

mas fique-me isto e jamais se desvanegraveccedila

(antistrophe 1ordf)

Doce eacute estendegraver longa vida por confiadas esperanccedilas nutrindo a alma de

brilhantes alegrias mas horroriso-me observando porque infinitos ltuarrsoffrimentosgt

[eacutes atorm]entado ltx x x x xgt75

Natildeo temendo Jupiter honras demasiadamente os

mortaes Prometheu por tua propria vontade ltuarrStrophe 2ordfgt76

Eia Que ingrata gratidatildeo

oh amigo dize onde auxilio Que socograverro dos ephemeros Natildeo observaste a importante

fraqueza similhante a um sonho ltuarrcomgt[] que a dos mortaes x x x77

cega geraccedilatildeo

estaacute algemada Os conselhos dos mortaes ltuarrnuncagt[] preferem aacute ordem estabelecida

por Jupiter

(antistrophe 2ordf)

Aprendi-o ltuarrobservandogt[] tua misera sorte Prometheu Diverso voou

para mim este e aquelle canto quando emtograverno do banho e de teu leito com alegria

75

Logo apoacutes a esse ponto encontra-se um traccedilo ascendente sobre o qual estaacute marcado ldquox x x x xrdquo

indicando que o texto original nessa passagem estaacute corrompido Ver pp75-7 da presente dissertaccedilatildeo 76

A indicaccedilatildeo do o iniacutecio da estrofe 2ordf foi feita por meio de linhas ascendentes partindo dentre as

palavras ldquovontaderdquo e ldquoeiardquo nas quais eacute escrito ldquo(Strophe 2ordf)rdquo como uma espeacutecie de correccedilatildeo feita pelo

autor 77

Marcaccedilatildeo feita no corpo do texto Ver nota 78

140

cantava o hymeneu na occasiatildeo que persuadindo com as dadivas esposalicias minha

irmatildea paterna Hesione levaste-a como espogravesa socia de leito

[fl24]

Io

Que terra Que geraccedilatildeo Quem direi ser este que eu vejo expogravesto aacutes intemperies

encadeado aos rochegravedos De que delicto te faz perecegraver o castigo Mostra-me em que

parte da terra vago ltuarrAh Ah Ai Aigt[Novamente ferra-me] infeliz um tavatildeo

imagem do terrigena Argos Afasta terra tenho megravedo o boieiro ltuarrde numerosos olhos

que me observagt[ infinitos] Elle anda tendo ogravelho dolograveso e morto natildeo o esconde a

terra mas escapando d‟entre os que estatildeo debaixo da terra caccedila-me desgraccedilada e faz-

me vagar famelica pela maritima aregravea78

(Strophe)

A canna ltuarrmelodiosagt[sonora] ligada com cegravera resogravea um canto soporifero

Ai ai ah Onde ah Onde me levatildeo as longinquas peregrinaccedilotildees Em q a final ltoh

uarrSaturniogt[] filho em que a final achando-me delinquente prendeste-me n‟estas

desgraccedilas Ai ai Assim me atormentas infeliz delirante com o megravedo das ferroadas do

tavatildeo Queima-me com fogravego ou esconde-me na terra ou daacute-me como pasto de feras

marinhas natildeo me rejeites as preces oh rei ltuarrBastantegt[] me ltuarrforccedilaram a

exerciciogt[ multivagas] peregrinaccedilotildees nem tenho onde aprenda como evite as

desgraccedilas Ouves a voz da virgem bovicornuta

Prometheu

Como natildeo ouvirei a donzella pungida pelo tavatildeo a filha d‟Inacho [fl24

(25)]que abraza de amograver o coraccedilatildeo de Jupiter e agora odiosa a Juno ltuarreacutegt[] forccedilada ao

exercicio de interminaveis carreiras

Io (antistrophe)

Porque pronuncias ltuarrtugt o nome de meu pae Dize a mim infeliz quem eacutes

quem portanto falla a mim oh misera assim verdadeiramente desgraccedilada nomeando

ltuarro malgt[] proveniente dos deuses que me consome pungindo-me com furiograveso

ferratildeo Ai ai Vim em rapido curso impellida pelos famelicos flagellos dos saltos (vim

78

ldquoaregraveardquo = ldquoareiardquo(forma atualizada)

141

em rapido curso esfomeada e aos saltos) domada pelos designios rancorosos de Juno

Quaes dos infelizes quaes ai ai soffrem como eu Mas aponta-me claramente que me

resta ou natildeo me cumpre padecegraver Indica-me o remedio do mal se o conheces Falla

explica-o aacute virgem desaventuradamente vagabunda

Prometheu

Claramente dir-te-ei tudo o que desejas sabegraver natildeo enredando enigmas porem

singelo discurso como eacute justo abrir a bocca ltuarrcomgt[] amigos Vegraves Prometheu o

dadograver do fogo aos mortaes

Io

Oh tu que revelaste aos mortaes o bem commum desgraccedilado Prometheu em

castigo de que padeces isto

Prometheu

Ainda ha pouco deixei de lamentar meus males

[fl26]

Io

Natildeo me concederias essa graccedila

Prometheu

Dize que pedes Pois tudo saberias de mim

Io

Revela-me quem te ligou a este precipicio

Prometheu

A resoluccedilatildeo de Jupiter e a matildeo de Vulcagraveno

Io

Mas de que delictos soffres a pena

Prometheu

142

Tatildeo somente isto posso explicar-te

Io

E alem d‟isto mostra-me o termo de minha peregrinaccedilatildeo e qual o tempo para a

infeliz

Prometheu

Melhor eacute para ti ignoral-o que sabegravel-o

Io

Natildeo me escondas o que tenho de sofregraver

Prometeu

Mas natildeo te recuso este favograver

Io

Porque hesitas entatildeo em dizer-me tudo

[fl26 (27)]

Prometheu

Natildeo haacute nenhuma recusa porem receio perturbar teu espirito

Io

Natildeo cuides ltuarrmaisgt de mim pois eacute me agradavel

Prometheu

Pois dezejas cumpre dizegravel-o ouve entatildeo

Chogravero

Ainda natildeo concede-me tambem parte do prazegraver Indaguemos primeiro o mal

d‟ella contando ella mesma sua sorte cheia de odios do resto das infelicidades seja

informada por ti

Prometheu

143

Eacute teu cuidado ltuarrIogtfazegraver a estas o favograver em todo o caso e por serem irmaatildes

de teu pae visto que chorar e deplorar as desgraccedilas ali onde ltuarralguemgt hade obtegraver

lagrimas dos ouvintes vale a demora

Io

Natildeo sei como desobedecegraver-vos por claro discurso sabereis tudo o que dezejaes

posto que [me envergonhe de dizegraverltuarrd‟onde sobrevieratildeo a mim desaventuradagt79

a

calami]dade proveniente dos deuses e a mudanccedila de forma Visotildees nocturnas

frequentando sempre meus aposentos virginaes exhortavatildeo-me com suaves palavras oh

felicissima donzella porq80

te conservas muito tempo virgem sendo-te permittido

alcan81

[fl28] o maior casamento Pois Jupiter estaacute abrasado por ti pelo dardo dos

dezejos e quer gozar Cypris contigo mas tu oh moccedila natildeo recuses o leito de Jupiter

porem sahe para o fertil prado de Lerna e os rebanhos e abegoarias de teu pae afim

de que a vista de Jupiter descanse dos dezejos Todas as noites era dominada por taes

sogravenhos ateacute que ousei referir a meu pae os sogravenhos nocturnos Elle enviou a Delphos e a

Dodona numerosos consultantes do oraculo para que ltuarrsoubessegt[] como

ltuarrobrando ougt fallando cumpria fazer cousas agradaveis aos celicolas Voltavatildeo

annunciando oraculos ambiguos obscuros e expressos por modo difficil d‟ entendegraver

Em fim um vaticinio evidente chegou a Inacho claramente ltuarrrecomendandogt[] e

dizendo que me expelisse de casa e ltuarrmesmogt[] da patria para abandonada eu vagar

ateacute as regiotildees extremas da terra E se eu natildeo quizesse viria de Jupiter o flammigero raio

que tudo anniquilaria Persuadido por estes oraculos de Apollo (do Ambiguo) contra

vontade expelliu e excluiu-me de casa contra minha vontade mas o freio de Jupiter

forccedilou-o a fazegraver isto Minha forma e meu espirito eratildeo logo mudados cornigera pois

como vegravedes picada por um tavatildeo de aguda bocca pulava com furiosos saltos para o

arrograveio de agradavel bebida de Cenchrea e a fonte de Lerna o terrigena boieiro

d‟inflexi[fl28 (29)]vel rancograver Argos ltuarrseguegt observando com

ltuarrnumerososgt[innumero] olhos as minhas peacutegadas Sorte imprevista e subita privou-

o de vivegraver eu porem picada pelo tavatildeo sou impellida de terra em terra pelo flagello

divino Ouves o que se fez se tens porem que dizer do resto dos males declara-o nem

79

O trecho ldquod‟onde sobrevieratildeo a mim desaventuradardquo foi escrito logo acima do trecho ldquome envergonhe

de dizer a calami-()rdquo seu lugar na frase eacute indicado por meio de traccedilo 80

Abreviaccedilatildeo encontrada no manuscrito haacute um til logo acima da letra ldquoqrdquo 81

A paacutegina 27 termina com ldquoalcan()rdquo mas a siacutelaba ldquoccedilarrdquo natildeo foi escrita na proacutexima paacutegina

144

compadecendo-te me consoles com falsas palavras pois eacute o mais vergonhograveso dos

defeitos proferir discursos artificiosos

Chogravero

Ai ai ltuarrPaacuteragt[ai] de mim Jamais jamais julguei que estranhos discursos

viessem a meus ouvidos nem que desgraccedilas tatildeo ltuarrtristesgt de vegraver e insupportaveis

desgraccedilas expiaccedilotildees e horrograveres gelassem minha alma com farpatildeo de dous gumes Ai

ai Destino destino arrepiei-me observando a sorte de Io

ltuarrPrometheu

Gemes antes do tempo e estaacutes cheia de megravedo Espera ateacute que conheccedilas tambeacutem

o resto

Chogravero

Dize explica Doce eacute para os q soffrem sabegraver d‟antematildeo claramte o resto da

dogravergt82

Prometheu

[Jaacute alcanccedilaste de mim facilmente] ltuarrvossogt[] dezejo pois dezejastes sabegraver

d‟esta primeiramente sua desgraccedila narrando-a ella mesma Ouvi agora o resto dos

males que ltuarragt esta mograveccedila cumpre soffregraver por causa de Juno e tu sangue de Inacho

lanccedilas no espirito minhas palavras para que saibas o termo do caminho

Primeiramente voltando-te daacutequi para o levantar do sol anda para campos natildeo

lavrados mas chegaraacutes aos Sythas nomadas que habitatildeo elevados [fl30] sobre carros

bem providos de rodas tectos entrelaccedilados pendendo-lhes arcos que atiratildeo longe Natildeo

chegando avisinhar-se d‟elles mas aproximando os peacutes das fragosas praias

fluctisonantes atravessar a regiatildeo Aacute matildeo esquegraverda moratildeo os Chalybes ferreiros de que

cumpre acautelares-te pois satildeo ferozes e inaccessiveis aos estranhos Chegaraacutes ao rio

Hybristes (violento) natildeo falsamente chamado o qual natildeo atravesses pois natildeo eacute facil de

atravessar antes que chegues ao proprio Caucaso o mais alto dos montes onde o rio

jorra o impeto ltuarrmesmogt[] do cume Cumpre que atravessando os cumes visinhos

82

Todo o texto em ltgt foi escrito em letras pequeninas acima da fala de Prometeu ldquoJaacute alcanccedilastes de

mim facilmenterdquo

145

dos astros ande a viagem para o meio dia onde chegaraacutes ao povo das Amazonas que

odiacutea os homens as quaes habitaratildeo um dia Themiscyra junto ao Thermodonte onde

estaacute o aspero queixo Salmydessio inhospito aos nautas ltuarrmadrastagt[] dos navios

Ellas mesmas te guiaratildeo e com o maior prazegraver Chegaraacutes ao isthmo Cimmerio nas

proprias portas apertadas do pauacutel deixando o qual cumpre que intrepidamente

atravesses os canaes Meoticos Seraacute para sempre grande entre os mortaes a fama de

tua passagem e chamar-se-aacute com o sobrenome de Bosphoro Bosporos(Bosphoro) e

deixando o solo da Europa chegaraacutes ao continente Asiatico Natildeo vos parece segraver o

senhor dos deuses em tudo [fl30 (31)] igualmente violento Pois dezejando esse deus

tegraver commercio com esta mortal a lanccedilou n‟estas peregrinaccedilotildees Cruel pretendente de

tuas bogravedas alcanccedilaste oh moccedila Pois as palavras que ouviste agora nem no proemio te

pareccedilatildeo estar

Io

Ai de mim de mim Ai ai

Prometheu

Tu clamas de novo e gemes que faraacutes quando souberes os restantes males

Chogravero

Pois diraacutes a esta o resto das infelicidades

Prometheu

ltuarrPelagogt[] na verdade tempestuograveso de ltuarrfatalgt[] calamidade

Io

Que lucro eacute para mim viveacuter83

e pelo contrario natildeo me atirei depressa d‟este

rochegravedo escarpado de modo que precipitada sobre o solo me libertasse d‟estes

trabalhos Pois eacute melhor morregraver d‟uma vez do que penar todos os dias

Prometheu

83

Palavra acentuada conforme o manuscrito De acordo com outros exemplos observados o correto seria

ldquovivegraverrdquo

146

Sem duvida difficilmente supportarias meus soffrimentos a mim natildeo eacute fadado

morregraver pois [seria]ltuarrpara mimgt a libertaccedilatildeo das infelicidades Agora natildeo se me

apresenta nenhum termo das desgraccedilas antes que Jupiter decaia do podegraver

[fl32]

Io

Hade acaso um dia Jupiter decahir do mando

Prometheu

Regozijar-te-ias penso-o vendo essa desgraccedila

Io

E como natildeo eu que padeccedilo por causa de Jupiter

Prometheu

De ti depende sabegraver isto como devendo segraver na verdade

Io

Por quem seraacute ltuarrespoliadogt[] do regio sceptro

Prometheu

Elle mesmo por ltuarrseusgt[] estultos ltuarrdesignosgt[]

Io

De que modo Explica se natildeo ha risco

Prometheu

Faraacute tal casamento de que um dia se doeraacute

Io

Divino ou humano Se eacute licito dize-o

Prometheu

Porque qual Natildeo eacute licito dizegravel-o

147

Io

Acasoltuarrseraacutegt[] derribado do thrograveno pela espogravesa

[fl32 (33)]

Prometheu

Ella pariraacute um filho mais forte do que o pae

Io

Natildeo ha para elle recurso d‟este destino

Prometheu

Natildeo certamente antes que eu seja sogravelto das cadegraveas

Io

Quem te hade comtudo soltar natildeo querendo Jupiter

Prometheu

Cumpre que seja um de teus descendentes

Io

Que dizes Por ventura um filho meu te libertaraacute dos males

Prometheu

ltuarrSem duvida umgt[Um] terceiro em geraccedilatildeo depois de outras dez geraccedilotildees

Io

Este vaticinio natildeo eacute de facil conjectura

Prometheu

Tambem natildeo desejes ltuarrsabegraver teusgt[proprios] trabalhos

Io

Offerecendo-me a dadiva natildeo m‟a a negues depois

148

Prometheu

Com um de dous discursos te favorecerei

Io

[fl34]

Quaes Dize e daacute-me a escolha

Prometheu

Concedo Escolhe ou te direi claramente o resto de teus trabalhos ou quem hade

libertar-me

Chogravero

D‟estes favograveres queiras fazegraver um a esta outro a mim nem desprezes minhas

palavras Declara-lhe a restante peregrinaccedilatildeo e a mim o libertadograver pois dezejo isto

Prometheu

Visto que o desejaes ardentemente natildeo me recusarei a declarar tudo o que

quereis A ti primeiro Io referirei a muita agitada peregrinaccedilatildeo que tu ltuarrdeves

gravargt[] nas tabuas commemorativas do espirito Quando tenhas atravessado a

corrente limite dos continentes para o brilhante oriente visitado pelo sol x x x x84

tendo

atravessado o bramido do mar ateacute que chegues aos campos gorgoneos de Cisthenes

onde habitatildeo as Phorcides trez donzellas anciaatildes com forma de cysne possuindo um

olho commum e um dente a quem nem o sol olha com seus raios nem a nocturna lua

Perto estatildeo suas trez irmaatildes as aligeras anguicomas Gorgones aos mortaes odiosas que

nenhum mortal encarando conservaraacute o espirito vital Digo-te isto por cautela Ouve

porem outro penograveso espectaculo pois guarda-te dos catildees mudos de guelas pontudas

[fl34 (35)] de Jupiter os gryphos e do exercito equestre monocular dos Arimaspos

que habitatildeo junto aacute corrente auriflua ao rio de Plutatildeo Natildeo te approximes d‟estes mas

iraacutes a terra longinqua a um povo negro que habita perto das fontes do sol onde estaacute o

rio Ethiope Caminha cegraverca das margens d‟este ateacute que chegues aacute queda onde dos

montes Byblinos o Nilo lanccedila a corrente veneranda e bogravea de bebegraver Este te

84 Marcaccedilatildeo de lacuna no texto original grego consultado pelo Imperador e tambeacutem encontrada na ediccedilatildeo

de Christian Gottfried Schuumlltz de 1809 (verso 797)

149

encaminharaacute para a terra triangular Nilotica onde estaacute fadado a ti Io e a teus filhos

fundar remota colonia Se alguma d‟estas cousas [eacute ltpara tigt85

embara]ccedilosa e difficil

d‟entendegraver repete-a e sabe-a claramente ha para mim maior lazegraver do que quero

Chogravero

Se algum resto ou ltuarromittidogt[] da funesta peregrinaccedilatildeo tens de

declarar a esta dize-o mas se tudo disseste entatildeo faze-nos ltuarrtambemgt [o favor] que

pedimos do qual te lembras sem duvida

Prometheu

Ella ouviu todo o termo da viagem Mas para que saiba natildeo me ter

ouvido em vatildeo direi o que soffreu antes de vir caacute dando este proprio testemunho de

minhas palavras Omittirei a maior abundancia de palavras e vou mesmo ao termo de

tuas peregrinaccedilotildees Depois que vieste aos campos Molossos e aacute alcantilada Dodone

onde estatildeo o oraculo e a seacutede [fl36] de Jupiter Thesproto e o prodigio incrivel os

carvalhos fallantes pelos quaes ltuarrclaragt[] e nada ambiguamente foste saudada como

devendo segraver illustre espogravesa de Jupiter se qualquer d‟estas cousas te lisongegravea d‟ahi

pungida pelo tavatildeo ao longo do caminho junto ao mar chegaste ao grande gogravelpho de

Rhea d‟onde eacutes agitada por cursos retrogados Em tempo vindouro essa ensegraveada

mariacutetima seraacute chamada Ionia como lembranccedila de ltuarr2gt[tua] viagem [para]ltuarrtodosgt

ltuarr1gt[os] mortaes86

Satildeo Provas satildeo estas de que como meu espirito vegrave mais do que o

apparente O resto direi igualmente a voacutes e a ella voltando aacutes proprias peacutegadas das

palavras de antes Eacute Canopo a cidade extrema da regiatildeo junto aacute propria bocca do Nilo e

ao coacutemoro Ahi Jupiter tornar-te-aacute racional acariciando-te com placida matildeo e tocando-

te somente Pariraacutes o negro Epapho (epaphan = acariciar tocar de leve) sobrenograveme

proveniente da geraccedilatildeo de Jupiter o qual se apossaraacute de tudo quanto rega o latifluo

Nilo A quinta geraccedilatildeo d‟elle composta de cincoenta donzellas voltaraacute natildeo o querendo

para Argos fugindo do casamento consaguineo dos primos paternos mas elles com o

espirito fortemente agitado como gaviotildees natildeo muito afastados das pombas viratildeo

85

O trecho ldquopara tirdquo foi escrito logo acima do trecho ldquoeacute embaraccedilosardquo seu lugar na frase eacute indicado por

meio de traccedilo 86

O trecho ldquode tua viagem para os mortaesrdquo foi sublinhado no manuscrito Tambeacutem o nuacutemero 2 foi

escrito acima da palavra ldquotuardquo e o nuacutemero 1 escrito acima do artigo plural ldquoosrdquo A palavra ldquotodosrdquo foi

escrita acima do trecho sublinhado seu lugar na frase eacute indicado por meio de traccedilo Seria para propor

inversatildeo na ordem (lembranccedila ldquopara todos os mortaesrdquo ldquode tua viagemrdquo)

150

caccedilando nupcias natildeo caccedilaveis um deus lhes invejaraacute os corpos A Pelasgia os receberaacute

com feminina matanccedila domados por audacia nocturna vigilante pois cada mu[fl36

(37)]lher privaraacute da vida cada homem enterrando ltuarrnagt[] garganta a espada de dous

gumes Tal viesse Venus sobre meus inimigos A paixatildeo abrandaraacute uma soacute das

donzellas de modo a natildeo matar seu companheiro de leito mas se ltuarrconfundir-se-lhe-

aacutegt[] o juizo resolveraacute uma de duas ouvir-se chamar fraca antes do que sanguinaria

Esta pariraacute ltuarrem Argosgt geraccedilatildeo real Eacute preciso grande discurso para explicar estas

cousas claramente D‟esta linhagem nasceraacute o audaz illustre pelo arco o qual me livraraacute

d‟estes trabalhos Tal oraculo me expoz minha matildee anciaatilde a Titanide Themis Como

e onde eacute preciso muito tempo para dizegravel-o e nada lucraraacutes sabendo-o

Io

Ai ai ltuarrDe nogravevogt[] me abrasatildeo profundamente violenta dograver e

phreneticos delirios e do tavatildeo me punge o ferratildeo ardente Na verdade o coraccedilatildeo

abala de megravedo as entranhas os olhos volvem-se em espiral e sou impellida foacutera do

curso pelo influxo insensato da raiva natildeo podendo com a lingua palavras confusas

porem datildeo d‟encontro aacutes ondas da triste fatalidade ltuarrChoacutero (Strophe)gt87

Certamente

sabio certamente sabio era quem primeiro concebeu na mente e dissertou com a

lingua que muito prefere o casar com os da propria igualha e nem dos enervados pela

[fl38] riqueza nem dos engrandecidos pela linhagem deveraacute apaixonar-se o

mercenario

(antistrophe)

Jamais jamais oh Parcas me x x x88

vejaes companheira de leito de

Jupiter nem unindo-me a qualquer espograveso do ceu pois temo a virgindade inimiga dos

varotildees vendo Io grandemente atormentada pelas acerbas peregrinaccedilotildees de Juno

(epodo)

Quanto a mim natildeo receio porque um casamento igual natildeo eacute temivel mas

natildeo me olhe a paixatildeo dos deuses mais poderosos olhar inevitavel Guerra esta natildeo

guerreavel facil em difficuldades nem sei que seraacute de mim pois natildeo vejo como fugir

do designio de JupiterltuarrPrometheugt89

[Na verdade] ainda um dia Jupiter pensando

87

O trecho ldquoChogravero (strophe)rdquo foi escrito logo acima das palavras ldquofatalidaderdquo e ldquocertamenterdquo seu lugar

no texto foi indicado por meio de traccediloAqui natildeo pulou linha para indicar mudanccedila de fala 88

Marcaccedilatildeo feita pelo autor indicando corrupccedilatildeo no texto original grego 89

Essa palavra foi escrita logo acima do trecho ldquona verdaderdquo Haacute um traccedilo vertical depois da palavra

ldquoJupiterrdquo indicando que comeccedilaria a fala de Prometeu

151

embora cousas arrogantes seraacute humilde tal casamento prepara-se a contrahir que o

derribaraacute [anniquilado ltuarrdo governo egt do] thrograveno Entatildeo do pae Saturno jaacute se

cumpriraacute inteiramente o que imprecava cahindo do antigo thrograveno O desviacuteo d‟estes

males nenhum dos deuses excepto eu poderia mostrar claramente

Sei isto e de que modo Por isso ltuarr3gt[ltuarrdestemidogt] [] ltuarr1gt[assente-se]

ltuarr2gt[ltuarragoragt]90

fiado nos sublimes estrondos brandindo nas matildeos ignisomo dardo

ltuarrNada poremgt[] o ajudaratildeo estas cousas para natildeo cahirem ltuarrdeshonrosamentegt

[ruinas natildeo] sustentadas Tal antagonista [fl38 (39)] prepara elle para si mesmo

monstro difficillimo de combategraver que acharaacute fogo mais poderograveso que o raio estrondo

forte excedente ao trovatildeo e desfaraacute o flagelo maritimo tridente flagello abaladograver da

terra a haste de Neptuno Dando d‟encontro a esta desgraccedila aprenderaacute quanto distatildeo o

imperar e o servir

Chogravero

Tu vociferas na verdade o que desejas contra Jupiter

Prometheu

O que hade succedegraver e alem d‟isto quero digo eu

Chogravero

E cumpre aguardar que alguem governe a Jupiter

Prometheu

E supportaraacute trabalhos mais intoleraveis do que estes

Chogravero

Como porem natildeo ltuarrreceiasgt [] proferindo essas palavras

Prometheu

Porque temeria eu a quem natildeo eacute fadado morregraver

90 A passagem foi transcrita tal qual estava no manuscrito No entanto outra possiacutevel leitura foi indicada

por meio de nuacutemeros escritos logo acima de algumas palavras ldquodestemidordquo(3) ldquoassente-serdquo(1) e

ldquoagorardquo(2) ou seja ldquo() assenta-se agora destemidordquo As palavras ldquodestemidordquo ldquoassente-serdquo e ldquoagorardquo

foram sublinhadas no manuscrito

152

Chogravero

Mas te daria trabalho mais dolorograveso do que este

Prometheu

Faccedila-o elle pois tudo eacute aguardado por mim

[fl40]

Chogravero

Os que adoratildeo Adrastea (a providencia dos pagatildeos) satildeo sabios

Prometheu

Venera invoca lisongegravea quem ainda agora impera Jupiter importa-me

menos do que nada Obre impere n‟este curto tempo como queira pois natildeo governaraacute

os deuses muito tempo Vejo porem o mensageiro de Jupiter o ministro do novo

senhograver em todo o caso veio annunciar cousa nova

Mercurio

A ti astucioso acerbamente sobremodo acerbo que peccas contra os

deuses dando honras aos ephemeros chamo ladratildeo do fogravego o pae ordena que digas

quaes as nupcias de que blazonas e por cuja causa aquelle decahiraacute do ltuarrpodegravergt[] E

estas cousas comtudo nada ambiguamente mas uma por uma expotildee nem me

ltuarrtragasgt[] Prometheu caminhos duplos pois vegraves Jupiter natildeo abrandar-se com taes

cousas91

ltuarrPrometheugt Grandiloquo e [cheio de soberba] eacute o discurso como de

creado dos deuses e novos governaes de nogravevo e julgaes habitar castellos isentos de

tristeza Natildeo sei ltuarreugt [que] dous senhores cahiram d‟elles Observarei (cahir) o

terceiro que impera agora celerrima e vergonhosissimamente Acaso te paregraveccedilo

ltuarrreceiar-megt[] ou tremegraver de megravedo dos novos deuses Mui[fl40 (41)]to e de todo

longe estou (do megravedo) Tu pelo caminho porque vieste retrocede depressa pois nada

saberaacutes do que me interrogas

Mercurio

91

Neste ponto haacute um traccedilo vertical separando a fala de Mercuacuterio da fala de Prometeu que estavam

unidas A palavra ldquoPormeteurdquo foi escrita logo acima do trecho ldquocheio de soberbardquo para indicar que a fala

eacute de Prometeu Indicaccedilatildeo do proacuteprio Imperador

153

Todavia d‟antes com ltuarrtaesgt[]arroganciasltuarrappontaste agt[] estas

desgraccedilas

Prometheu

Por teu serviccedilo sabe-o tu claramente natildeo trocaria eu minha desgraccedila

Julgo pois melhor servir esta pedra do que segraver mensageiro fiel do pae Jupiter Cumpre

tratar assim com arrogancia os arrogantes

Mercurio

Pareces deleitar-te com as cousas presentes

Prometheu

Deleito-me Assim visse eu meus amigos92

deleitando-se e entre elles te

nomegraveo

Mercurio

Acaso pois m‟imputas alguma cousa em tuas infelicidades

Prometheu

Em uma palavra odiacuteo todos os deuses quantos beneficiados me fazem

mal injustamente

Mercurio

[fl42]

Ouccedilo-te enlouquecido por natildeo pequena molestia

Prometheu

Adoecegravesse eu se doenccedila eacute odiar os inimigos

Mercurio

Natildeo serias supportavel se fosses feliz

92

O correto seria ldquoinimigosrdquo provavelmente um equiacutevoco cometido pelo autor enquanto passava agrave limpo

sua traduccedilatildeoVer verso 973 do Prometeu Acorrentado

154

Prometheu

Ai

Mercurio

Esta palavra Jupiter natildeo conhece

Prometheu

Mas o tempo envelhecendo tudo ensina

Mercurio

E comtudo ainda natildeo sabes segraver previdente assizado

Prometheu

Do contrario natildeo te estaria fallando a um creado

Mercurio

Nada pareces dizer do que o pae dezegraveja

Prometheu

E entatildeo dar-lhe-ia graccedilas como seu obrigado

Mercurio

Tens escarnecido de mim como se eu fosse ltuarrumgt menino

Prometheu

Por ventura natildeo eacutes um menino e ainda mais desassizado [fl42 (43)] do

que este se esperas sabegraver alguma cousa de mim Natildeo ha tortura nem [artificio ltuarrcom

que Jupitergt93

me provoque] a declarar essas cousas antes que os funestos vinculos

sejatildeo sograveltos Por isso arremesse a chamma abrazadogravera confunda-se e abale-se tudo

com a neve branco-alada e os trovotildees subterraneos que nada d‟isso me dobraraacute a que

diga por quem cumpre decahir ele do governo

93

O trecho ldquocom que Jupiterrdquo foi escrito logo acima das palavras ldquoartificiordquo e ldquoprovoquerdquo seu lugar na

frase eacute indicado por meio de traccedilo

155

Mercurio

Considera ltuarragoragt[] se isto parece ltproveitogravesogt[] para ti

Prometheu

Jaacute foi visto e resolvido de ha muito

Mercurio

Ousa oh insensato ousa uma vez pensar rectamente ltuarrconformegt[] as

presentes desgraccedilas

Prometheu

Debalde me importunas como ltuarruma onda convencendo-megt[] Nunca

te entre na cabeccedila que eu aterrado pelo designio de Jupiter me tornarei mulheril e

supplicarei com elevaccedilotildees femininas de matildeos ao grandemente odiado que me solte

d‟estas cadegraveas estou inteiramente longe d‟isto

Mercurio

Parece-me fallar debalde fallando embora muito pois nada abrandaraacutes

nem amolleceraacutes o coraccedilatildeo com as [fl44] preces porem mordendo o boccado do freio

como pograveldro recentemente domado forcegravejas e combate contra as reacutedeas Comtudo

orgulhas-te de fraco expediente porque a audacia de quem natildeo pensa bem vale menos

do que nada Olha pois se natildeo fores convencido por minhas palavras que tempestade

e escarceacuteo de males cahiraacute inevitavel sobre ti primeiramente o pae despedaccedilaraacute este

fragograveso despenhadeiro com o trovatildeo e a fulminea chamma e esconderaacute o teu corpo e o

petreo seio te traraacute Tendo se completado grande espaccedilo de tempo veraacutes novamente aacute

luz mas o catildeo volatil de Jupiter a cruenta aguia dilaceraraacute ltuarravidamentegt[] grande

pedaccedilo de teu corpo conviva que natildeo convidado vem todos os dias e devorar-te-aacute o

fiacutegado negra comida Natildeo esperes o termo d‟este soffrimento antes que appareccedila

ltuarrumgt[algum] dos deuses successograver de teus trabalhos que queira ir ao inferno natildeo

allumiado e aacute escura profundidade do Tartaro Portanto resolve pois que natildeo eacute uma

van jactancia porem um dicto muito serio ltuarrvisto qgt[] a bocca de Jupiter natildeo sabe

mentir mas cumpre a palavra Examina bem e reflecte nem julgues jamais a audacia

melhor que a prudencia

156

Chogravero

[fl44 (45)]

Na verdade Mercurio natildeo parece dizegraver cousas inopportunas pois te exhorta a

ltuarrquegt depondo a audacia procures a sabia prudencia Cede pois a um sabio

vergonhograveso eacute errar

Prometheu

Elle proclamou estes annuncios a mim que os sabia mas natildeo eacute indigno segraver um

inimigo maltratado pelos inimigos Por isso arremesse-se sobre mim a espiral de fogravego

de dous gumes e o ltuarrargt[] seja revolvido pelo trovatildeo e a tormenta dos ventos

furiosos sacuda o furacatildeo a terra com as proprias raizes desde os alicerces e com

ltuarrasperogt[] bramido confunda as ondas do mar e os cursos dos astros celestes e

precipite inteiramente meu corpo no negro Tartaro ltuarrlevadogt pelos irresistiveis

turbilhotildees da fatalidade ltuarrem todo o casogt[] natildeo me faraacute morregraver

Mercurio

Taes resoluccedilotildees e palavras de mentecapto eacute preciso comtudo ouvir Que

falta pois para elle desarrazoar se nada cede das infelizes manias Mas voacutes que vos

compadeceis dos soffrimentos d‟elle afastae-vos rapidamente d‟estes lugares para

qualquer outro ltuarrafimgt[][fl46] de que o horrendo mugido do trovatildeo natildeo ponha

attonitos vossos espiritos

Chogravero

Dize e aconselha-me outra cousa pois que me seduziste com essas

palavras de nenhum modo toleraveis Como eacute que me ordenas praticar infamias Com

elle quero soffregraver o que fograver necessario pois aprendi a aborrecegraver os traidores nem ha

peste que mais me repugne do que esta

Mercurio

Mas recordae-vos do que predigo e caccediladas pelas desgraccedila natildeo accuseis

a sorte nem digaes que Jupiter vos arremessou a uma infelicidade imprevista natildeo

certamente porem voacutes a voacutes mesmas pois sabendo-o nem subita nem occultamente

sereis ltuarrenvolvidasgt por insensatez na immensa regravede da desgraccedila

157

Prometheu

E de facto e natildeo mais por palavras ltuarrbalanccedila-segt[] a terra rebogravea o

echo rugidograver do trovatildeo brilhatildeo as espiraes ltuarrardentesgt[]do relampago e os turbilhotildees

revolvem o poacute rompem os sogravepros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

oppostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Taes impetos contra mim vem

manifestamente de Jupiter para mettegraverem megravedo Oh nume de minha matildee [fl46 (47)] oh

ar que volves a luz commum de todos vegraves quatildeo injustamente soffro

14 de Abril de 1871

158

CAPIacuteTULO 4 - Transcriccedilatildeo da primeira versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de

Paranapiacaba

Aacute MEMORIA

DE

Dom Pedro II do Brazil

Saudade e admiraccedilatildeo94

94

O livro publicado pelo Baratildeo de Paranapiacaba em 1907 comeccedila com a citada dedicatoacuteria seguida por

outra destinada agrave Princesa Isabel (reproduzida a seguir) Logo depois encontram-se as correspondecircncias

trocadas entre Paranapiacaba e Lafayette Rodrigues Pereira nas quais o Baratildeo solicita a Lafayette que

faccedila um prefaacutecio ao seu livro e Lafayette aceita o convite (ppIX-XIII) O prefaacutecio escrito por Lafayette

encontra-se depois das cartas (ppIX-XIII) O livro divide-se em duas partes Na primeira encontram-se

as duas versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba e suas notas explicativas (pp49-165) precedidas por dois

juiacutezos criacuteticos acerca do Prometeu Acorrentado traduzidos pelo Baratildeo Eschylo de A e M Croiset

(pp19-32) e Juizo de Paul de Saint-Victor (pp33-48) Na segunda parte do livro encontra-se um texto

no qual o Baratildeo de Paranapiacaba narra sua convivecircncia com o Imperador desde o primeiro encontro ateacute

a partida do monarca para o exiacutelio (pp170-265) O livro encerra-se com um texto no qual o Baratildeo traccedila

uma visatildeo panoracircmica do teatro antigo e moderno (pp267-333)

159

Aacute SERENISSIMA PRINCEZA

A Senhora Dona Izabel a Redemptora

Veneraccedilatildeo e lealdade

160

[fl49] PROMETHEU ACORRENTADO95

__________

A FORCcedilA E VULCANO (KRATOS E HEPHAISTOS)

(A violencia (Bia) eacute personagem mudo)

A FORCcedilA

Chegaacutemos do mundo ao termo

Ao mais longiquo recesso

Da Terra Scythica um ermo

A humanos peacutes inaccesso

Vulcano Eacute tempo Executa

Ordens que o Pae quis impocircr

Nesta penedia abrupta

Preacutega este audaz malfeitor

Em forte indomavel trama

De liames adamantinos

Intrinca-o bem pois a chamma

Exclusiva dos Divinos

O fogo teo dote e orgulho

Que tanto aacute artes servio

Tirando-o ao ceacuteo por esbulho

C‟os homens o dividio

D‟esse peccado hoje o fere

A pena afim de aprender

Qual conveacutem que elle venere

De Jupiter o poder

Sendo forccedila renuncie

95 A meacutetrica varia conforme a personagem nessa versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de Paranapiacaba a

primeira a ser apresentada no livro de 1907 Paacutegina 49 na publicaccedilatildeo original

161

A sua philantropia

E nunca mais auxilie

A creatura de um dia

[fl50] VULCANO

Forccedila e violencia Cumpridas

Prescripccedilotildees que o Pae dictou

De estorvo algum sois tolhidas

Vossa incumbencia findou

E a mim fallece coragem

De nesta algente quebrada

A um Deos de minha linhagem

Prender em teia cerrada

Mas dura Necessidade

A ousal-o obrigar-me vae

Que eacute de summa gravidade

Desleixar ordens do Pae

A ti filho altipensante

De Themis justa e sensata

Por enleio flagellante

De noacutes que ninguem desata

Neste vatildeo sem treita humana

Muito a meo e teo pesar

Por injuncccedilatildeo soberana

Vou em seguida cravar

Natildeo veraacutes humano rosto

Nem voz mortal ouviraacutes

Ao queimocircr do sol exposto

A flocircr da tez perderaacutes

162

A noite que sempre ancioso

Estaraacutes por ver surgir

Ha-de o dia luminoso

No veacuteo de estrellas sumir

Crastino sol novamente

Dissipar ha de a neblina

E enxugar ao raio ardente

A geada matutina

Sem que cesse de pungir-te

Da angustia o acuacuteleo profundo

Que ninguem a redimir-te

Surgio ainda no mundo

[fl51] Pagaste aos homens tributo

De affectos em profusatildeo

E estaacutes vendo qual o fructo

De tanta dedicaccedilatildeo

Nume- os Numes affrontaste-

Pois da terra aos moradores

Sem reserva prodigaste

Harto quinhatildeo de favores

Has-de pois nestes algares

Como guarda persistir

Sem os joelhos dobrares

Firme de peacute sem dormir

Quanto a expansatildeo dos tormentos

Te irromper dos penetraes

Seratildeo vatildeos os teos lamentos

163

Inuteis seratildeo teos ais

Coraccedilatildeo rigido e feacutero

Tem dos Numes o Regente

De natureza eacute severo

Todo o tyranno recente

A FORCcedilA

Potildee matildeos aacute obra Que esperas

Vamos Acccedilatildeo instantanea

Debalde te commiseras

Tua emoccedilatildeo eacute frustranea

Natildeo execras este Nume

Odioso aos celestiaes

Que teo patrimonio - o lume

(Traidor) ha dado aos mortaes

VULCANO

Podem sangue e convivencia

Muito

A FORCcedilA

Sim Natildeo eacute peior

Tardar a Jove obediencia

Poacutede haver falta maior

[fl52] VULCANO

Oh Sempre dureza e audacia

A FORCcedilA

Nada poacutedes delle em proacute

Eacute vatildeo e sem efficacia

Natildeo lhe eacute remedio esse doacute

164

VULCANO (olhando para as cadeias)

D‟arte minha oacute fructo horrendo

A FORCcedilA

Por que tal odio Bofeacute

De tudo que estamos vendo

Tua arte causa natildeo eacute

VULCANO

Houvesse a outrem cabido

Este cruel ministerio

A FORCcedilA

Aos Immortaes concedido

Tudo foi menos o imperio

Soacute Jove eacute livre

VULCANO

Negal-o

Natildeo ha nem pocircr contradictas

A FORCcedilA

Tracta pois de vinculal-o

Antes do Pae vecircr que hesitas

VULCANO

Vecirc as algemas

[fl53] A FORCcedilA

Arrocha

Seos pulsos vibrando o malho

Crava-lhe as matildeos nessa rocha

165

VULCANO

Sim E natildeo foi vatildeo trabalho

A FORCcedilA

Mais forte Estreita-lhe os braccedilos

No mais comprimido arrocho

Estica todos os laccedilos

Nenhum noacute deixes a frouxo

Podem ser por elle achadas

(Tatildeo habil eacute) soluccedilotildees

Ainda em desesperadas

Perdidas situaccedilotildees

VULCANO

Com irrompiveis cadeias

Este braccedilo preso tem

A FORCcedilA

Nas mesmas solidas peias

Prende-lhe o outro tambem

- Sophista d‟alta sciencia -

Ensine-lhe este flagello

Que eacute de tarda intelligencia

Si com Jove em parallelo

VULCANO

Ninguem que em razatildeo se firme

Poacutede increpar-me as acccedilotildees

Este poacutede dirigir-me

(Mais ninguem) exprobaccedilotildees

[fl54] A FORCcedilA

166

Dessa cunha d‟accedilo o coacuterte

-Fundo - embebe-lhe no peito

Vara-o com golpe bem forte

Natildeo lhe amorteccedilas o effeito

VULCANO

Prometheu Gemo comtigo

A FORCcedilA

Outra vez Sinto deplores

Quem eacute de Jove inimigo

Oxalaacute por ti natildeo chores

VULCANO

Oh A que espetaculo infando

Assisto

A FORCcedilA

O que a lei condemna

Estou a ver expiando

De seo crime a justa pena

Peitoraes potildee-lhe aacutes axillas

VULCANO

Sei Eacute fatal Jove a mim

Deo ordens Devo cumpril-as

Natildeo instes commigo assim

A FORCcedilA

Hei-de instar e aacute teo esforccedilo

Bradar pois vejo que afrouxas

Ao rochedo une-lhe o docircrso

E em aneis lhe adstringe as cocircxas

167

VULCANO

Estaacute feito e leacutesto

[fl55] A FORCcedilA

Aperta

Rebatendo-os nos fuzis

Os cravos dos peacutes Alerta

Tens fiscal de olhos subtis

VULCANO

Qual teo rosto eacute fera e audace

Tua lingoa

A FORCcedilA

Mostra fraqueza

Mas natildeo que lances em face

Minha inflexivel rudeza

VULCANO

Vamos que o cinge uma recircde

A FORCcedilA (apostrophando a Prometheu)

Desadoacutera Furta o egregio

Fogo e aos homens leva adrecircde

Dos Numes o privilegio

Os ephemeros nem podem

Prestar-te o auxilio commum

Neste lance natildeo te acodem

Pois seo valor eacute nenhum

Os Immortaes accordaram

Em chamar-te Prometheu

Falso nome te applicaram

168

Que natildeo quadra ao genio teo

Pois precisas nesse transe

Que de um Prometheu te valhas

Cujo sabio esforccedilo alcance

Libertar-te d‟essas malhas

(Sahem Vulcano a Forccedila e a Violencia)

[fl56] PROMETHEU

Oacute Ether divinal oacute ventos d‟aza prompta

Oacute fontes fluviaes risos do mar sem conta

Oacute Terra genetriz de cujo seio ingente

Tudo brota do sol oacute disco omnividente

Ouvi-me a invocaccedilatildeo Eu peccedilo que vejaes

Quantas docircres impoem a um Nume os Immortaes

Vecircde em que regiotildees em vinculos tatildeo sevos

Condemnam-me a penar por longa serie de eacutevos

Para mim ideiou o Chefe dos Ditosos

Este apparelho vil de ferros vergonhosos

Ai Choro o mal presente e o mal em perspectiva

Suspiro pelo fim desta pena afflictiva

Que digo Vejo claro e com o olhar seguro

Quanto encerram de occulto as dobras do futuro

Ai Natildeo ha para mim successo inopinado

Natildeo se foge ao Destino E pois do melhor grado

Eu devo submetter-me aacute Sorte irreparavel

Porque Necessidade eacute forccedila inexpugnavel

Natildeo quizera falar deste injusto supplicio

Mas como calarei si um grande beneficio

Tendo feito aos mortaes em paga ao jugo oppresso

Estou deste martyrio inteacutermino indefesso

Em feacuterula guardei do fogo a fonte occulta

O fogo mestre foi das artes e resulta

Delle para os mortaes moacuter commodo e proveito

169

Por isso eacute que me vejo aacute tanta docircr sujeito

Aacute mercecirc da intemperie em toda a acccedilatildeo tolhido

Fazendo expiaccedilatildeo do crime commettido

Ai ai Que sons escuto e que vago perfume

Se evola e sobe aqui Eacute porventura um Nume

Eacute mortal Ou talvez eacute mixta creatura

Que vem presenciar esta rude tortura

E quer de perto vecircr meo hoacuterrido castigo

Vecircde um Deos infeliz de quem Jove eacute inimigo

Que os Numes tem hostis e hostil quanto frequenta

De Jupiter a reacutegia E tudo porque alenta

Muito amor aos mortaes Ai Proximos jaacute soam

Os ruidos que ouvi Satildeo passaros que voam

Os ares ao bater de azas que se equilibram

Em remigio subtil harmoniosos vibram

Mofina condiccedilatildeo infausta sorte a minha

Infunde-me pavor quanto a mim se avizinha

[fl57] CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE 1

Socega O bando aligero

Que do alto aqui desceo

Inteiro te eacute sympathico

E amigo Prometheu

Mal aacute vontade explicita

Do Pae venia extorquida

Porfiaacutemos qual mais ceacutelere

Seria na partida

O pavoroso estrepito

Dessas correntes d‟accedilo

Das grutas oceanicas

170

Foi restrugir no espaccedilo

De parte pondo estimulos

Do pejo natildeo calccediladas

Ao voador vehiculo

Subimos apressadas

Pelas do ethereo paacuteramo

Plagas de azul serenas

Trouxe-nos brando zephyro

Sobre frouxel de pennas

PROMETHEU

Voacutes que nascidas sois de Thetis a fecunda

Tendo por genitor o Oceano que circunda

A Terra com seo fluxo insomne inextinguivel

Contemplai-me eis-me aqui Preso em recircde infrangivel

No vatildeo de hispida fraga unido aacute penedia

Constrangem-me a occupar o posto de vigia

CORO DAS OCEANIDAS

ANTISTROPHE II

Vecircmos sentindo subito

Das palpebras aacute flocircr

Prenhe de ternas lagrimas

Vir nevoa de terror

[fl58] Porque teu corpo em vinculos

Torpes aacute rocha preso

Vae definhando taacutebido

De tanta angustia ao peso

Pilotos ha novissimos

No ceacuteo Legisla injusto

171

Jove e extinguio tyrannico

Quanto era outr‟ora augusto

PROMETHEU

Antes da Terra ao fundo ao Orco onde tecircm pouso

Mortos ou na amplidatildeo do Tartaro trevoso

Pelo braccedilo de Jove eu fosse arremessado

De indesataveis noacutes no encerro emmaranhado

Nesse caso - ninguem ou Nume ou ser diverso -

Jubilaacutera ao me ver em dissabor submerso

Hoje suspenso aqui - ludibrio aos soltos ventos -

Vejo Deoses hostis folgar c‟os meos tormentos

CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE II

Qual tem dentre os Celicolas

Tatildeo duro coraccedilatildeo

Que ao ver-te em tanta lastima

Natildeo sinta compaixatildeo

Soacute Jove Sempre rabido

Em nada quer ceder

E aacute toda a Olympia geacutenese

Impotildee o seo poder

Declinaraacute da colera

Quando a vinganccedila estanque

Ou alguem de assalto o imperio

Arduo a roubar lhe arranque

PROMETHEU

Maacuteo grado aos que me impoz grilhotildees vituperosos

Precisaraacute de mim o Rei dos Venturosos

Para um dia sustal-o em seo recente plano

172

Que o deve derribar do solio soberano

Entatildeo natildeo haveraacute blandicia que me torccedila

Natildeo me hatildeo de intimidar ameaccedila nem forccedila

Soacute falarei ao ter os vinculos partidos

E apoacutes satisfaccedilatildeo de ultrajes recebidos

[fl59] CORO DAS OCEANIDAS

ANTISTROPHE II

Sempre altivez No cumulo

Da angustia em nada cedes

Falas bem solto e impavido

E as expressotildees natildeo medes

Por teo destino incognito

Toma-nos o terror

Quando no porto incolume

Veraacutes o termo aacute dor

Jove Saturnia sobole

Eacute rispido inflexivel

Seo animo recondito

Foi sempre incomprehensivel

PROMETHEU

Bem sei que Jove eacute duro e em lugar da justiccedila

Seo alvedrio potildee mas um dia submissa

A vontade haacute de ter e mostraraacute brandura

Quando por esse modo o fira a desventura

Nesse dia depondo a furia pertinaz

Viraacute soldar commigo a desejada paz

O CORO DAS OCEANIDAS

Revela tudo Dize-nos

Quando te succedeo

173

Em que alto maleficio

Jupiter te colheo

Que com iguaes opprobrios

Acerbos te angustia

Fala alto salvo o incommodo

De expocircr tanta agonia

PROMETHEU

Si doacutee de caso taes fazer a narrativa

Calal-os tambem pecircza Ingrata alternativa

Quando a primeira vez os Deoses insurgidos

Foram pela Discordia em facccedilotildees divididos

Uns tentavam privar Saturno do poder

E a Jove filho seo do ceacuteo ao throno erguer

Os que partido infenso a Jupiter seguiam

Confiar-lhe do Olympo o mando natildeo queriam

[fl60] Eu de alvitre melhor natildeo pude dos Titanes

- Prole de Terra e Ceacuteo - vencer planos inanes

Surdos aacute deducccedilatildeo de claros argumentos

Avecircssos aacute doccedilura altivos violentos

Intentaram lograr aacute forccedila por sorpresa

Sua injustificada e temeraria empresa

Que vezes minha matildee Themis excelsa ndash a Terra

Que varios nomes tem e uma soacute forma encerra -

Do porvir descerrando os veacuteos caliginosos

Predissera que soacute por meios ardilosos

Caberia aos Titans a palma da victoria

Recusaram ouvir-me a justa suasoria

Tenazes insistindo em seo louco projecto

Sem me olharem siquer e com desdeacutem completo

Julguei que era melhor naquella conjunctura

De minha matildee ao lado ir de Jove em procura

174

(Pois de prestar-lhe auxilio era chegado o ensejo)

E entatildeo realizar o delle e o meo desejo

Por mim Saturno antigo e aquelles que o seguiram

Na funda escuridatildeo do Tartaro immergiram

Para remunerar serviccedilos desta monta

Dos Numes deo-me o Rei deste castigo a affronta

Por achaque usual recusa a tyrannia

De amigos a affeiccedilatildeo e nelles natildeo confia

Inqueris da razatildeo por que elle assim me oprime

De contumelia tanta Eu vou dizel-o Ouvi-me

Quando posse tomou e assente foi no solio

De que arredara o Pae por odioso espolio

Depois que cada qual dos Numes quinhocircou

Com honras e mercecircs o Estado organizou

Mas da raccedila aacute quem dera o terreal dominio

Cabedal nenhum fez Quiz votal-a exterminio

E outra nova crear Nenhum Deos combatia

A ideacuteia subversiva Eu tive essa ousadia

E os mortaes preservei de serem arrojados

Do Averno aacute escuridatildeo por Jove fulminados

Por isso agora estou (aspecto miserando)

De incomportavel docircr sob a pressatildeo penando

Immensa compaixatildeo votei aacute humanidade

Sem obter para mim a minima piedade

Quanto a Jove que leva um Nume a tal opprobrio

O estado em que me potildee de aviltamento cobre-o

O CORO DAS OCEANIDAS

Teraacute nativa tempera

De ferro ou pedra rija

Quem teo castigo insolito

Contemple e natildeo se afflija

[fl61] Tatildeo misero espectaculo

175

Pudessemos natildeo vecircr

E hoje que o vemos punge-nos

De vivo desprazer

PROMETHEU

Para os amigos sou tatildeo fraco e miseravel

Vivo painel de docircr aacute vista intoleravel

O CORO DAS OCEANIDAS

Tendo da terra aos incolas

Tanto favorecido

Certo outros beneficios

Lhes tens distribuido

PROMETHEU

Livrei-os do terror que infunde na hora da morte

O CORO DAS OCEANIDAS

Que remedio servio de cura aacute mal tatildeo forte

PROMETHEU

Dei aacute cega esperanccedila entre elles moradia

O CORO DAS OCEANIDAS

Foi na verdade um dom de maxima valia

PROMETHEU

E do fogo por fim tambem lhes fiz presente

O CORO DAS OCEANIDAS

Pois que Na posse estatildeo do fogo resplendente

PROMETHEU

176

E por meio do fogo hatildeo feito esses inventos

De artes misteres mil fecundos em proventos

[fl62] O CORO DAS OCEANIDAS

E por crimes iguaes Jove te supplicia

Sem que de modo algum te abrande essa agonia

E um termo aacute tua docircr assignalou siquer

PROMETHEU

Nenhum Tem de durar emquanto lhe aprouver

O CORO DAS OCEANIDAS

E ha de aprazer-lhe Dize-nos

Como abrandal-o esperas

No teo erro gravissimo

Acaso natildeo ponderas

Por nossa parte pecircza-nos

Dizer-te que has errado

E natildeo te causa jubilo

Ouvil-o de teo lado

Deixemos estas praticas

Tracta de excogitar

O como essas artisticas

Malhas espedaccedilar

PROMETHEU

Facil quem o peacute tem foacutera da desventura

Afflige o que padece e inflige-lhe censura

Nada disto ignorei de tudo consciente

Resolvi delinquir tornei-me delinquente

Natildeo nego acinte o fiz Servindo a humana raccedila

Contava provocar os golpes da desgraccedila

177

Nunca julguei poreacutem que purgaria o crime

Ligado aacute este alcantil que o corpo me dirime

Adstricto aacute solidatildeo deste monte intractavel

Oh Natildeo me lastimeis a sorte miseravel

Eacute melhor que desccedilaes a mim nesta fragura

E de perto escuteis a minha docircr futura

Piedosas ora ouvi cercae de sympathia

A victima infeliz que geme na agonia

Anda solto o Infortunio errante se desgarra

E num tal vagueiar naquelle e neste esbarra

[fl63] O CORO DAS OCEANIDAS

Falas aacutes que por habito

Te acodem sempre aacute voz

Descemos jaacute do aerio

Carro com peacute veloz

O ether ndash que eacute dos passaros

Dominio - atravessando

Eis-nos em baixo o aspero

Fragoso chatildeo pisando

Promptas em vocirco rapido

Cuidamos de servir-te

Queremos todo o multiplo

Duro soffrer ouvir-te

(Apparece o Oceano montado em um dragatildeo alado)

OCEANO

Eis-me aqui Prometheu apoacutes vencido

Longo percurso Chego conduzido

Neste alado que soacute vontade minha

Pelos ares sem redeas encaminha

178

Leva-me o parentesco a lastirmar-te

Mas do sangue as prisotildees pondo de parte

A ti mais que a ninguem tenho amizade

Sabes que sempre dei culto aacute verdade

Guardo aacute lisonja minha lingoa extranha

Dessa tortura de aflicccedilatildeo tamanha

De que modo o rigor posso lenir-te

Dize E natildeo possa alguem um dia ouvir-te

Que mais firme que Oceano amigo houveste

PROMETHEU

Que vejo Eacutes tu Tu mesmo aqui vieste

A ser espectador de minhas magoas

Abandonaste as correntias agoas

Do nome teo a gruta primitiva

Que a natureza abrio na rocha viva

Pela terra do ferro Testemunha

Mera vens ser da docircr que me acabrunha

Ou compassivo lastimar-me Vecirc-me

Que espectaculo Assim Jupiter preme

O amigo que com elle accorde em tudo

Lhe foi para reinar matildeo forte e escudo

[fl64] OCEANO

Vendo estou Prometheu Tens mente arguta

Assaacutes No emtanto um bom conselho escuta

Conhece-te E tomar novos costumes

Pois tambem novo rei preside os Numes

Vibras exprobraccedilotildees da lingoa fera

Que si Jove as ouvir na erguida esphera

Irado te imporaacute tatildeo graves penas

Que as actuaes seratildeo brinquedo apenas

Oh desgraccedilado Expelle o que no fundo

Do coraccedilatildeo fermentas de iracundo

179

Vecirc como achar livranccedila dessas malhas

Crecircs que te digo estultas antigualhas

Falo assim Prometheu porque contemplo

Em ti da lingoa socirclta o triste exemplo

Natildeo te humildas natildeo cedes aacutes desgraccedilas

E outras queres juntar aacutes que hoje passas

Daacute que eu te guie e contra o mal precate

Natildeo batas com o peacute contra o acicate

Reina um monarcha duro e refractario

A contas de poder discricionario

Natildeo fales tatildeo procaz quecircda-te inerte

Teo indulto a impetrar corro solerte

Sabio demais natildeo vecircs que aacute intemperante

Lingoa se impotildee estimulo aviltante

PROMETHEU

Acceita embora meos pois tendo ousado

Ter parte em minha docircr foste poupado

E immune estaacutes Natildeo quero te incommodes

Por mim a interceder Levar natildeo podes

A Jove persuasatildeo Toma comtigo

Tento Espia em redor Que algum perigo

Por minha causa natildeo te venha Evita

Possa custar-te caro esta visita

OCEANO

Natildeo segues os conselhos tatildeo sensatos

Que daacutes A prova tenho-a nos teos actos

Natildeo falo em vatildeo livrar-te eacute meo empenho

Natildeo cedo aacute reflexatildeo natildeo me detenho

Lisonjeio-me sim de obter em breve

Que Jove desta pena te releve

[fl65] PROMETHEU

180

Sou-te grato e o serei constantemente

Natildeo poacutedes mais energico e fervente

De util me seres revelar o almejo

Baldaraacutes teos esforccedilos Antevejo

Seguro que seraacute de nullo effeito

Quanto queiras tentar em meo proveito

De risco a salvo quecircda O meu desastre

Outrem natildeo vaacute ferir e apoacutes o arrastre

Sim Bem me afflige o quadro da miseria

De Atlante meo irmatildeo que em peacute na Hesperia

Nos hombros libra (insupportavel cargo)

De Terra e Ceacuteo columnas Bem amargo

Me eacute lembrar o outro irmatildeo filho da Terra

Ciliceo troglodita - horror na guerra -

Centifronte Typheo Sempre invencivel

Dominado por forccedila irresistivel

Rebelde aos Numes sibilava a morte

Das tetras fauces Quando a dextra forte

Contra o imperio de Jupiter erguia

Fulminava ao chispar que despendia

Do seo gorgoacuteneo olhar O vigilante

Dardo - de Jove o raio chammejante

Ruio e lhe abateo a vatilde jactancia

No coraccedilatildeo combusto da flammancia

Celeste - e apavorado do estrondoso

Trovatildeo - esse valor tatildeo poderoso

Tombou sem energia aniquilado

E como corpo vatildeo jaz estirado

Junto do estreito e sob o Etna arfando

Ao passo que no cimo estaacute forjando

Vulcano as massas e fusotildees candentes

Dalli com estridocircr igneas torrentes

Jorrando iratildeo co‟os brutos maxillares

Da Sicilia abrazar ferteis pomares

181

Assim Typhecirco que o raio malferira

Ha de ao resfolgo espadanar a ira

Em turbilhotildees de chammas que no arrocircjo

Vivo inexhausto expelliraacute do bocircjo

Certo a tua provada experiencia

Dispensa meos conselhos e assistencia

Guarda-te pois do modo mais asado

No que me toca seguirei meo fado

Teacute que se extingua a colera que lavra

No animo aacute Jove

OCEANO

Sabes que a palavra

Prometheu d‟alma enferma eacute medicina

[fl66] PROMETHEU

Si alguem a tempo o coraccedilatildeo domina

E opportuno e prudente o volve aacute calma

Sem que aacute forccedila reprima os eacutestos d‟alma

OCEANO

Que mal faz ao tental-o acautelado

E audaz

PROMETHEU

Estolidez afan baldado

OCEANO

Deixa que desse mal ora padeccedila

Paro o sabio eacute melhor que o natildeo pareccedila

PROMETHEU

Responsavel da culpa commettida

182

Por ti fora eu

OCEANO

Eacute dar-me a despedida

Falar assim

PROMETHEU

Receio haja motivo

D‟odio em seres commigo compassivo

OCEANO

Odio De quem Daquelle que recente

Tomou posse do solio omnipotente

PROMETHEU

Ai Si lhe irritas o animo

[fl67] OCEANO

De ensino

Serve-me Prometheu o teo destino

PROMETHEU

Adeos Nesse bom senso persevera

OCEANO

Daacutes pressa ao que aacute partida se accelera

Meo quadrupede alado costumeiro

De curvar o joelho em seo caseiro

Redil sacode as azas desdobradas

Que do ether puro roccedilam as camadas

CORO DAS OCEANIDAS

ESTROFE I

183

O Teo destino tragico

Carpimos compungidas

As lagrimas affluem-nos

Faceis enternecidas

E iguaes a fontes humidas

Nos sulcam o semblante

Jove que em seo arbitrio

Faz timbre de arrogante

Ao sceptro seo despotico

Preme os antigos Numes

ANTISTROPHE I

Jaacute nestes vastos sitios

Ressoam ais queixumes

Quantos na terra proxima

Da Asia sagrada moram

Tuas passadas glorias

E as de irmatildeos teos deploram

[fl68] ESTROPHE II

Choram-te as virgens Colchidas

Intrepidas na guerra

E os Scythas da Meoacutetida

Sita em confins da Terra

ANTISTROPHE II

Chora-te o escol dos Arabes

- Marcial lanceira cohorte -

E os que manteacutem no Caucaso

O seo roqueiro forte

184

EPODO

Outro que da titanica

Raccedila ligado eu vi

Em laccedilos incansaveis

Soffrer antes de ti

Atlante foi que o symbolo

Eacute do maior esforccedilo

Pois que do poacutelo ao carrego

Geme o seo forte dorso

Muge a seos peacutes o pelago

Fervendo o abysmo freme

Ateacute nas furnas infimas

O inferno todo treme

As fontes sacratissimas

Das fluviaes correntes

Manam carpindo murmures

Os males seos ingentes

PROMETHEU

Si me nego a falar natildeo eacute por arrogante

Ou desdenhoso natildeo Mas sinto que incessante

Devoro o coraccedilatildeo ao ver-me envilecido

Pelo horrendo flagello aacute que estou submettido

E quem a natildeo ser eu aos novos Deoses fez

Partilha em proporccedilatildeo das honras e mercecircs

Lembro apenas o caso e delle mais natildeo trato

Pois focircra repetir a quem o sabe um facto

O melhor eacute narrar os males differentes

Que vexavam outr‟ora os miseros viventes

[fl69] Eram rudes boccedilaes dotei-os de prudencia

E conscios os tornei da propria intelligencia

185

Exprimindo-me assim natildeo eacute porque me queixe

Delles mas eacute mister que declarado deixe

Que os beneficios meos em prol da humanidade

Devidos foram soacute a impulsos de amizade

Olhavam de principio e ver natildeo conseguiam

Applicavam o ouvido em balde Nada ouviam

Nelles era a noccedilatildeo confusa e mal distincta

Como as figuras vatildes que aacute mente o sonho pinta

Nem casa de tijolo olhando ao sol construiam

Nem de lavrar madeira a industria conheciam

Moravam quaes subtis formigas pressurosas

Em cavernas sem ar humidas tenebrosas

Natildeo marcavam inicio e fim do inverno frio

Da floacuterida96

estaccedilatildeo do fructuoso estio

Assim sem reflexatildeo por seculos viveram

Teacute que minhas liccedilotildees ouvindo conheceram

O instante em que no ceacuteo os astros appparecem

E aquelle menos certo em que no occaso descem

Tambem o achado fiz do Numero Este invento

Aos homens ha prestado o maximo provento

Disse como a juncccedilatildeo das lettras se fazia

Formei-lhes a memoria - a matildee da Poesia

Logrei domesticar bravias alimarias

E do humano labocircr tornei-as tributarias

Sujeitando-as ao jugo As mais gravosas cargas

Pesaram desde entatildeo dos brutos nas ilhargas

Cavallos animaes tatildeo doceis ao bridatildeo

- Da faustosa opulencia o luxo a ostentaccedilatildeo -

Quem poz entre varaes Carros de azas de linho

Que sulcam velozmente o azul plaino marinho

Engenhei E eu que fiz em bem da humanidade

Multiplas invenccedilotildees de grande utilidade

96 Nota-se que em 1907 jaacute se encontravam algumas palavras proparoxiacutetonas acentuadas Ver paacutegina 26

da presente dissertaccedilatildeo

186

Natildeo posso descobrir agora ardil ou traccedila

Para me libertar de tatildeo cruel desgraccedila

O CORO DAS OCEANIDAS

Supplicio infando Affligem-nos

Sobejo as maguas tuas

Enfermas e maacuteo medico

Na indecisatildeo fluctuas

Em teo turbado cerebro

Natildeo poacutedes acertar

C‟os adaptados simplices

Que o mal devem curar

[fl70] PROMETHEU

Falta o mais Pasmareis ouvindo enumeradas

As muitas invenccedilotildees uteis e variadas

Das quaes hei sido autor Aponto a mais saliente

Faltavam medicina e auxilios ao doente

- As poccedilotildees a dieta o resguardo as uncturas -

Ateacute que os instrui das plantas e misturas

Que preservam do mal que sustam seos progressos

E o curam Ensinei tambem novos processos

De magia Em visotildees que em sonhos appareciam

Distingui as reaes daquellas que mentiam

Expliquei os signaes pressagos das estradas

Dos passaros que teem a unhas encurvadas

O vocirco defini e dei seguro auspicio

Declarando qual era infenso e qual propicio

Por miuacutedo apontei seos odios e affeiccedilotildees

Seo usado alimento encontros reuniotildees

Das visceras o liso e o matiz mais dilecto

Aos Deoses revelei qual seja o bom aspecto

Do figado e do fel o adiposo tecido

187

Das cocircxas lhes notei seos rins tendo incendido

Os arcanos abri da arte divinatoria

Tatildeo difficil e escura e ao mundo a fiz notoria

Do fogo antes de alguem aos olhos dos mortaes

Que eram cegos aacute luz dei fulgidos signaes

O que a terra guardava altissimo thesouro

- Copia enorme de cobre e ferro e prata e ouro -

Achei Si deste invento alguem se haja ufanado

De basofio e mendaz seraacute por mim taxado

De Prometheu (direi em conclusatildeo de partes)

Vieram dos mortaes aacutes matildeos todas artes

O CORO DAS OCEANIDAS

Natildeo tractes dos ephemeros

De mais lhes foste amigo

Deixa de ser apathico

Aacute docircr a teo castigo

Dize-me esperanccedila intrinseca

Que livre te hei de ver

Tendo com Jove identicas

Honras e igual poder

[fl71] PROMETHEU

Assim poreacutem97

natildeo quer a Parca inevitavel

Por alta decisatildeo do Fado inexoravel

Soacute depois de curtir innumeros flagellos

Partidos me seratildeo desta cadeia os eacutelos

Ante a Necessidade eacute mui fraca a Sciencia

O CORO DAS OCEANIDAS

97 No Manuscrito Imperial pode-se notar que palavras oxiacutetonas terminadas em ldquoemensrdquo natildeo satildeo

acentuadas Em 1907 observam-se mudanccedilas nesse sentidoVer paacutegina 26 da presente dissertaccedilatildeo

188

Do timatildeo do Destino a quem cabe a regencia

PROMETHEU

Esse grande poder teem-no a Parca triforme

E as Furias de feliz memoria que natildeo dorme

O CORO DAS OCEANIDAS

Em face do de Jove eacute seo poder mais forte

PROMETHEU

O Deos fugir natildeo poacutede aacutes ferreas leis da Sorte

O CORO DAS OCEANIDAS

A Jove algo eacute fatal sinatildeo o eterno imperio

PROMETHEU

Disto nada direi nem que instes

O CORO DAS OCEANIDAS

Que mysterio

Sobre arcano sagrado acaso te pergunto

PROMETHEU

Sim Passemos aleacutem deixemos este assumpto

Reserval-o conveacutem Si o guardo impenetravel

Livro-me de infortunio e vilta deploravel

[fl72] CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE I

Jaacutemais dos mundos o Arbitro

O grande Ordenador

Sua vontade altissima

Aacute nossa queira oppocircr

189

Busquemos ter propicios

Os Numes adorados

Pela usual frequencia

A seos festins sagrados

Dando-lhes cada victima

Que na hecatombe cahe

Junto das agoas turbidas

Do Oceano nosso pae

Nada de offensa aos Superos

Em actos e expressotildees

Sejam em noacutes continuas

Tatildeo puras intenccedilotildees

ANTISTROPHE I

Doce eacute vida longuissima

Si na esperanccedila a libras

Em alegrias lucidas

D‟alma banhando as fibras

Por tua irreverencia

Dos Numes ao Regente

Do coraccedilatildeo no amago

Nos cocirca horror ingente

Fiado em teos designios

E soacute de impulso teo

C‟os homens foste prodigo

Em dons oacute Prometheu

ESTROPHE II

Que ingrato premio aacutes dadivas

190

Esperas porventura

Te seja escudo e auxilio

A humana creatura

[fl73] Natildeo tens a consciencia

Dessa debilidade

Que qual somno lethargico

Opprime a humanidade

Jaacutemais projecto ou calculo

De homem prevaleceo

Contra o systema harmonico

Que Jove prescreveo

ANTISTROPHE II

Ferio-nos isto o espirito

Vendo-te aqui penar

Oh que diversa musica

Alegre de exultar

A que de entorno ao thalamo

E ao teu lavacro ouvias

- Festivo epithalamio

De doces harmonias -

Quando a irmatilde nossa Hesione

Aos dons nupciaes rendida

Em marital consorcio

Por ti foi recebida

( Apparece Io)

IO

Que sitio me surge Por quem habitado

Quem eacutes que no saxeo hyemal precipicio

191

Por ferreas cadeias eu vejo ligado

Credor de tal pena qual foi o flagicio

Oh Dize que plagas me acolhem errante

Ai ai desgraccedilada De novo me afferra

O d‟Argos espectro tavatildeo lanscinante

Invade-me o susto Afasta-m‟o oacute Terra

De innumeros olhos vaqueiro diviso

Esperto a fitar-me com a vista fallaz

De facto a existencia perdeo de improviso

No emtanto seo corpo sepulto natildeo jaz

Surgindo do Averno por lei do Destino

Apoacutes minha treita constante caminha

E traz-me agitada faminta sem tino

Correndo a arenosa planicie marinha

[fl74]ESTROPHE

Soacutelta a avena de ceacuterea junctura

Melodia que ao somno convida

Quanto deve durar a tortura

Desta longa e cansada corrida

Oacute progenie Saturnia de crimes

Porventura culpada me achaste

Pois de tantas angustias me opprimes

E a taes penas sem doacute me avergaste

Por que trazes gemendo ao martyrio

Do terror que lhe infunde um insecto

A infeliz em continuo delirio

Sem parada sem paz e sem tecto

Presta ouvidos oacute Rei a meu rocircgo

Ou em vida me manda enterrar

Ou lanccedilar-me entre lingoas de fogo

192

Ou nas garras dos monstros do mar

Do multivago andar sem descanso

O exercicio forccedilado e violento

Exhaurio-me e saber natildeo alcanccedilo

Qual o termo a tatildeo agro tormento

O CORO DAS OCEANIDAS

Da bicorne donzella escutas o gemido

PROMETHEU

Como de Inacho aacute filha eu fecharei ouvidos

Pois natildeo hei de attender aacute juvenil donzella

Que de um feroz tavatildeo o estimulo flagella

Io abrazou de amor o coraccedilatildeo de Jove

Juno que odio lhe tem perseguiccedilatildeo lhe move

Coagindo-a a gyrar transviada e erradia

Por toda a regiatildeo em doida correria

IO

ANTISTROPHE

Tu que daacutes a meo pae o seo nome

E designas tambem esse ultriz

E divino aguilhatildeo que consome

Minha vida - quem eacutes infeliz

[fl75] Eu faminta a saltar desvairada

Perseguida por Juno aqui vim

Desgraccediladas qual98

mais desgraccedilada

D‟entre voacutes do que a pobre de mim

Dize aacute virgem que vecircs peregrina

Que infortunios lhe guarda o porvir

98 Era de se esperar que a palavra comeccedilasse com letra maiuacutescula

193

Prescrevendo si a tens medicina

Para as docircres sanar-lhe ou lenir

PROMETHEU

Quanto queres saber com jubilo te digo

Sem ambages e claro e qual de amigo a amigo

Eacute costume falar Contemplas neste affocircgo

A luctar Prometheu que aos homens trouxe o fogo

IO

Tu - auxilio aos mortaes ndash por que tatildeo crus tormentos

Padeces Prometheu

PROMETHEU

De ha pouco inda aos lamentos

Por meo mal deacutera fim

IO

Natildeo poacutedes uma graccedila

Conceder-me

PROMETHEU

Eacute falar O queres que eu faccedila

Para satisfazer-te em dizer tudo accedo

IO

Quem foi que te cravou aqui sobre o rochedo

PROMETHEU

O decreto de Jove e de Vulcano a matildeo

IO

Que attentado attrahio tatildeo grave puniccedilatildeo

194

[fl76] PROMETHEU

Para ser comprehendido eu disse o necessario

IO

Assignala siquer o fim de meo fadario

PROMETHEU

Natildeo sabel-o eacute melhor

IO

Rogo-te natildeo me escondas

O que tenho a passar e a tudo me respondas

PROMETHEU

Estaacute longe de mim serviccedilo tal negar-te

IO

Por que tardas entatildeo

PROMETHEU

Natildeo ha de minha parte

Maacute vontade qualquer mas receio em tua alma

De todo destruir a jaacute turbada calma

IO

Oh natildeo zeles de mim mais do que eu mesma zeacutelo

PROMETHEU

Insistes Falarei e tudo te revelo

O CORO DAS OCEANIDAS

Por ora natildeo Concede-nos

Parte no gozo ter

195

Ouccedilamos d‟ella a historia

De seo agro soffrer

Quando sabida a authentica

Exposiccedilatildeo veraacutez

Entatildeo dos passos ultimos

De seo porvir diraacutes

[fl77] PROMETHEU

Cumpre oacute Io fazer o que ellas solicitam

Aleacutem d‟outras razotildees que a seo favor militam

Satildeo irmatildes de teo Pae Justa causa aacute demora

Eacute para o narrador que o fado seo deplora

O vecircr junto de si sympathico auditorio

Em que o doacute se traduz em lagrimas notorio

IO

Vou tudo contar-vos cedendo aacute insistencia

Si bem que me pecircze dizer por que meio

Mudando de forma por diva influencia

O siso turbou-me fatal devaneio

Nos meos aposentos revoluteava

Em todas as noites sonhada visatildeo

Que aos castos ouvidos si os olhos cerrava

Assim me dizia com doce expressatildeo

ldquoPor que virgindade tatildeo longa conservas

Tu que entre as felizes a Sorte escolheo

Si te eacute permittido gozar sem reservas

As inclytas glorias de augusto hymenecirco

Adora-te Jove De amocircr abrazado

Farpatildeo de desejo setteia-lhe o peito

196

Quem eacute que repelle tatildeo alto esposado

Do Nume supremo natildeo fujas ao leito

Afasta-te presto Nos altos de Lerna

Tem Inacho apriscos e pastos bovinos

Daraacutes com a ausencia da casa paterna

Descanso aos desejos dos olhos divinosrdquo

Ai Todas as noites a voz repetia

Affagos que eu tinha por forccedila de ouvir

Alfim jaacute cansada cobrei ousadia

E fui do ocorrido meo pae instruir

O rei seos correios mandou em mensagem

A Pytho e Dodocircna Queria informar-se

Por quaes pensamentos acccedilotildees ou lingoagem

Podia agradavel aos Deoses tornar-se

Voltaram os nuncios trazendo somente

Respostas ambiguas de duplo sentido

Ateacute que da parte do Nume vidente

Oraculo claro lhe foi transmittido

[fl78] Em termos expressos eu fui condemnada

A ser expellida da patria e do lar

E entregue a mim mesma correndo agitada

Por terras longinquas sem peias vagar

Si em todas as partes natildeo fosse cumprida

A ordem prescripta no tal vaticinio

A nossa progenie seria extinguida

Aacute olympica flamma do dardo fulmineo

Aacute Loxias submisso temendo ao mandado

197

E ao freio de Jove mostrar-se revel

Meo pae expulsou-me de casa obrigado

Co‟a filha innocente tornou-se cruel

E logo de foacutermas e mente mudando

Munida de pontas fiquei desde entatildeo

Sentindo continuo pungir-me o nefando

Acuacuteleo acerado de um bravo tavatildeo

Em saltos violentos aacutes doidas furente

De Lerna aacute collina fugida fui ter

No sitio onde mana perenne a nascente

Cenchreia de Lynpha suave ao beber

Mas Argos o filho da Terra o vaqueiro

De innumeros olhos e d‟alma feroz

Espiando-me os passos com golpe certeiro

Dos fixos olhares seguia-me apoacutes

Successo imprevisto de subito veio

Prival-o da vida Mas eu (desgraccedilada)

De plagas em plagas sem pausa vagueio

De laacutetego infesto de Juno accediloitada

Ahi estaacute minha historia Si sabes meos males

Futuros revela-os e nem a piedade

Te leve a attenual-os Exijo me fales

Extranho aacute lisonja severa verdade

O CORO DAS OCEANIDAS

Oh basta Para Cala-te

Suspende-te Jaacutemais

Julgaacutemos filha de Inacho

Ouvir successos taes

198

Que males e piaculos

Desgosto eacute contemplal-os

Ferindo mais a misera

Que tem de supportal-os

[fl79] E todos esses horridos

Funestos pesadumes

Nos veem ferir no intimo

Qual dardo de dous gumes

Oh Fado Fado tetrico

De horror fica transido

Nosso animo ante o barbaro

Tormento que has soffrido

PROMETHEU

Mui de pressa o terror em voacutes se manifesta

Natildeo choreis de ante-matildeo Esperae o que resta

O CORO DAS OCEANIDAS

Fala Ao que soffre ha balsamo

Si sabe prematuro

Ao certo quantas magoas

O esperam no futuro

PROMETHEU

Quizestes que ella propria os males seos contasse

Concordei Vou chegar agora ao desenlace

Falta as docircres narrar que Juno altiva irosa

No porvir te reserva oacute virgem desditosa

Grava oacute Io em tu‟alma a minha narraccedilatildeo

Por ella saberaacutes quando tua excursatildeo

Ha de chegar ao fim Deste lugar partindo

199

Rumo constante ao sol em recta iraacutes seguindo

Depois de atravessar por natildeo aradas terras

Aos Scythas chegaraacutes uns nomades das serras

Que em muitas rodas teem os carros seos montados

E dentro construcccedilotildees de vimes entranccedilados

Onde fazem morada Aacute gran distancia alcanccedilam

Mortiferos farpotildees que de seos arcos lanccedilam

Evita-os Sege roacuteta ao longo dessas fragas

Onde quebram do mar as mugidoras vagas

Os Chaacutelybes veraacutes do ferro forjadores

Cuida de lhes fugir Mal junto delles focircres

Parte eacute bando feroz e nada hospitaleiro

Que tracta brutalmente a todo o forasteiro

Quando os passos te embargue o Hybristes empolado

- Rio esse a que natildeo foi um falso nome dado -

Natildeo lhe tentes correr o risco da passagem

Sinatildeo quando chegada aacute altissima paragem

Do Caucaso elle arroje a borbotante sanha

Irrompendo em cachotildees das fontes da montanha

[fl80] Vencidos afinal os picos desses montes

Que proximos do ceacuteo erguem soberbas frontes

Descendo ao meio-dia iraacutes aacutes regiotildees

De Amazonas viris avessas a varotildees

Mais tarde em Themiscyra iratildeo fixar morada

Do Thermodonte aacute borda e junto da queixada

Do mar Salmydisseo aos nauticos nefasta

E aacute toda a embarcaccedilatildeo inhospita madrasta

Ellas de boa mente ir-te-hatildeo de seu imperio

A sahida mostrar Vinda ao isthmo Cimmerio

Da Meotida aacute foz avanccedila e com denodo

Do apertado canal tranpotildee o espaccedilo todo

Dahi te proviraacute e aos teos immensa gloria

Pois da passagem tua ha de guardar memoria

O estreito desde ahi de Bosporo chamado

200

Da Europa tendo assim as regiotildees deixado

Da Asia no solo estaacutes Natildeo achaes francamente

Que procedendo assim dos Deoses o Regente

De violencia cruel qual sempre se revela

Sendo Nume e esposar querendo essa donzella

Arrojou-a em corrida inteacutermina e sem norte

Que ruim proacuteco te coube oh misera por sorte

Tudo quanto narrei de prologo natildeo passa

Do que o porvir te guarda asperrima desgraccedila

IO

Ai de mim

PROMMETHEU

Outra vez lastimosa a gemer

Que seraacute quando o resto houveres de saber

O CORO DAS OCEANIDAS

Tens de lhe predizer entatildeo novas desditas

PROMETHEU

Um tormentoso mar de docircres infinitas

IO

Ai Que acerbo existir Quem poacutede dar-lhe apreccedilo

Antes deste alcantil lanccedilar-me de arremesso

E no auge de exaspecircro em arranco espontaneo

Tombando sobre a caute espedaccedilar o craneo

Eacute melhor perecer de um golpe violento

Que gemer toda a vida ao peso do tormento

[fl81] PROMETHEU

Quanto mais afflictivo o meo penar te focircra

Pois natildeo posso morrer Seria redemptora

201

Deste castigo a morte Eacute-me poreacutem vedado

O saber qual seraacute seo fim determinado

Emquanto Jove empunhe as redeas do poder

IO

E Jove cahiraacute Poacutede isto succeder

PROMETHEU

Apoacutesto exultaraacutes com essa queda oacute Io

IO

Sim pois99

me tracta assim por seo meacutero alvedrio

PROMETHEU

Has de vel-o Eu te rasgo um porvindouro arcano

IO

Quem deve desthronar dos Numes o tyranno

PROMETHEU

Ha de a propria estulticia um dia derribal-o

IO

Como Diz si natildeo vecircs perigo em declaral-o

PROMETHEU

Celebrando uniatildeo que lhe ha de ser penosa

IO

Eacute mortal ou divina a mulher que elle esposa

[fl82] PROMETHEU

99 Era de se esperar que a palavra comeccedilasse com letra maiuacutescula

202

Debalde eacute perguntar Dizel-o algo me veacuteda

IO

Dessa esposa viraacute de Jupiter a queacuteda

PROMETHEU

Ella teraacute de Jove um filho inda mais forte

Que o Pae

IO

Natildeo poacutede Jove esquivar-se aacute tal sorte

PROMETHEU

Natildeo salvo si eu rompendo esses grilhotildees infames

IO

E quem ha de quebrar tatildeo solidos liames

Si Jove o natildeo permitta

PROMETHEU

Ha de um teo descendente

Das injustas prisotildees livrar-me fatalmente

IO

Que escuto Ha de salvar-te algum dentre os meos netos

PROMETHEU

Apoacutes dez geraccedilotildees de posteros directos

A terceira o daraacute

IO

O vaticinio eacute escuro

PROMETHEU

203

Natildeo procures saber teo horrido futuro

[fl83] IO

Da concedida graccedila acaso ora recusas

PROMETHEU

Duas revelaccedilotildees posso fazer das duas

Cumpre uma preferir

IO

Qual dellas ha de ser

Perrmittes-me que possa aacute escolha proceder

PROMETHEU

Dou-te opccedilatildeo Dize pois De ti queres que eu tracte

Ou de quem deve ser o autor de meo resgate

O CORO DAS OCEANIDAS

Secirc-lhe agradavel Dize-lhe

Sua futura docircr

E a noacutes os feito inclytos

Do teo libertador

PROMETHEU

Natildeo desejo furtar-me aacute vossa rogativa

Primeiramente oacute Io escuta a narrativa

De teo peregrinar multivago e obrigado

E na memoria guarda o augurio meo gravado

Deixa o canal que extrema um do outro continente

E a rota encaminhando ao rumo do nascente

Passa do mar o estrondo e presto chegaraacutes

Aacute gorgoacutenea campina onde Cisthene jaacutez

Eacute nessa regiatildeo que as Phorcidas habitam

Satildeo tres virgens senis que na canicie imitam

204

Cisnes Em commum teem um soacute olho e um soacute dente

Natildeo veem fugido sol nem lua alvidenitente

De suas tres irmatildes - das Goacutergones aladas -

Odiosas aos mortaes frontes angui-comadas

Perto a morada estaacute Quem lhes fita o semblante

Morre qual si o ferisse um raio fulminante

Acautela-te pois Teraacutes odioso quadro

Nos Griphos esses catildees de Jupiter - sem ladro -

De ponteagudo rostro Afasta-te aacutes carreiras

De Arimaspos veraacutes as tribos cavalleiras

Eacute gente de um soacute olho e moacutera junto aacutes bordas

Do aurifero Plutatildeo Foge d‟aquellas hordas

Alfim a um povoado iraacutes de negra gente

[fl84] Junto ao berccedilo do sol em zona onde a corrente

Do rio da Ethiopia ao longo se dilata

Vae avante a enfrentar a grande catarata

Cahe do Biblos o Nilo e a lympha veneravel

Alli derrama aacute flux ao beber agradavel

Desce as margens do rio e pisa na planura

Que um triangulo exacto imita na figura

Quer o Fado que vaacutes aacute esta plaga afastada

Fundar uma colonia e nella ter morada

Adoptando-a por patria aacute tua descendencia

Si algo vos referi de obscura intelligencia

Ou que seja confuso eacute soacute dizer-me o ponto

Que bom grado darei explicaccedilatildeo de prompto

Para tudo esplanar lazer tenho sobejo

Aleacutem do que eacute mister e mais do que desejo

O CORO DAS OCEANIDAS

Si lapso de memoria

Sobre Io has comettido

Suprre-o depois attende-nos

Benevolo ao pedido

205

PROMETHEU

Ella dos labios meos ouvio que serie nova

De corridas teraacute E para dar-lhe a prova

De que natildeo falo em vatildeo direi quanto ha soffrido

Teacute aqui O augurio meo vereis assim cumprido

Muitos dos passos teos deixarei de parte

Afim de aacutes excursotildees o termo assignalar-te

Dos Molossos havendo atravessado a zona

Chegaste aacutes regiotildees excelsas de Dodocircna

Onde o Thesproacutecio100

Jove oraculo e sacrario

Tem assente e onde ouviste (oh caso extraordinario)

Os carvalhos falar O Deos sem veacuteo qualquer

De ambages te saudou de Jupiter mulher

Ufanosa ficaste aacute honrosa predicccedilatildeo

Sentindo mais intenso o acuacuteleo do tavatildeo

Seguiste pela costa em teo percurso inquieto

De Rheacutea foste ao mar fizeste-lhe o trajecto

Em doido phrenesi da docircr sob os assaltos

De laacute retrocedeste a furiosos saltos

Para sempre lembrar aquella travessia

Mar Ionio seraacute chamada essa bacia

Documento assim dou que a minha intelligencia

Vinga o tempo e possue o dom da presciencia

De minha narraccedilatildeo volto agora aacute sequella

E em commum me dirijo a voacutes todas e aacute ella

Na areia aacute foz do Nilo e n‟uma extremidade

Do Egypto sita jaz de Canoacutepo a cidade

[fl85] Jove nesse lugar - tocando-te de leve

Com delicada matildeo - volver-te aacute calma deve

Negro filho haveraacutes Eacutepapho nomeado

De modo original por que ha de ser gerado

100 Um caso de palavra paroxiacutetona acentuada terminada com ditongo Ver paacutegina 26

206

Nesse encontro com Jove Elle naquella plaga

Que o Nilo caudaloso em sua enchente alaga

Ha de meacutesses colher na vastidatildeo fecunda

Na quinta geraccedilatildeo desse filho oriunda

Cincoenta hatildeo de voltar das tuas descendentes

Para Argos evitando os primos pretendentes

A esposal-as De amor ardendo em chammas vivas

Todos elles iratildeo no encalccedilo aacutes fugitivas

Da enjeitada uniatildeo na supplica insistindo

E quaes terccediloacutes de perto a pombas persiguindo

Ha de dos corpos seos odio invejoso ter

Um Nume ha de a Pelasgia em si os receber

Depois que os dominar um Marte que assassina

Armando para o golpe a dextra feminina

E a tudo presidindo uma audacia que vela

Como durante a noite esperta sentinella

Ha de levado a effeito o plano insidioso

Sorprhender e ferir cada mulher o esposo

Com gladio de duplo fio arrancando-lhe a vida

Que aos inimigos meos assim Venus aggrida

Amor enervaraacute de uma dellas o peito

Para natildeo degollar o esposo no seo leito

Ella preferiraacute infiel aacute trama urdida

Arguiccedilatildeo de fraqueza aacute macula homicida

A matildee esta seraacute dos soberanos d‟ Argos

Para tudo explanar satildeo mister contos largos

Soacute direi que viraacute desta extirpe selecta

O heroacutee d‟alta pericia em desferir a seacutetta

Que ha de por seo valor obter meo livramento

Pondo termo de vez a tal padecimento

Disse isso minha matildee Themis Titania O mais

Calo Nem ha proveito algum em que o saibais

IO

207

Ai de mim Outra vez delirio atroz me assalta

Potildee-me vertiginosa e o cerebro me exalta

Abraza-me sem fogo o espinho do tavatildeo

Salta-me de terror com forccedila o coraccedilatildeo

E verbera-me o peito O olhar vesgo me gira

Para longe me arroja o impeto da ira

Minha lingoa em torpocircr aacute fala se recusa

Vozes que soacutelto aacute custo em turbaccedilatildeo confusa

Tavam baldada luta aacutes cegas e sem tino

C‟os altos escarceacuteos de meo cruel destino

(sahe Io)

[fl86] O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE I

Foi sabio e sabio emerito

Aquelle aacute quem lembrou

Esta discreta maxima

E aos homens a ensinou

Eacute casamento proacutespero

O feito entre os iguaes

Quem vive soacute dos redditos

De officios manuaes

Nunca procure conjuge

Na classe da opulencia

Nem da orgulhosa em titulos

De nobre descendencia

ANTISTROPHE

Jaacutemais possamos Atropos

A um Nume nos unir

E nem de Jove proacutenubas

208

O thoro compartir

De medo estamos tremulas

Vendo Io a virgem casta

Soffrer de Juno a colera

Que a curso infindo a arrasta

EPODO

Iguaes a iguaes alliem-se

E nunca os olhos seos

Repouse em noacutes fitando-nos

Algum mais alto Deos

Sem que lutemos vence-nos

A guerra quem a faz

Forccedila inexhauriveis

Para a victoria traz

Si uma de noacutes por Jupiter

Solicitada focircr

Nenhuma resistencia

Ao Deos lhe eacute dado oppocircr

[fl87] PROMETHEU

E no emtanto apezar da pertinaz vontade

Jove deve chegar a termos de humildade

Pois quer levar a effeito o enlance projectado

Que motivo seraacute de ver-se despojado

Do sceptro ingloriamente Ha de entatildeo de Saturno

De quem Jove usurpou o imperio diuturno

Cumprir-se a maldicccedilatildeo Remover-lhe o perigo

Nenhum Deos poderaacute Soacute eu tenho commigo

O remedio do mal e o segredo da cura

209

Estadeie-se Jove em radiosa altura

Fiado no poder do raio igni-expirante

Que produz ao tombar fragor tonitroante

Armas taes natildeo seratildeo poreacutem de valimento

Para lhe attenuar da queacuteda o aviltamento

Prepara contra si tremendo antagonista

Que uma arma ha de empregar aacute que ninguem resista

Um fogo - invento seo - mais que o raio damnoso

Cujo estrondo vencendo o trovatildeo fragoroso

Quebraraacute de Neptuno a haste de tres dentes

- O flagello do mar que abala os continentes -

Saberaacute Jove entatildeo de propria experiencia

A distancia que vae do mando aacute obediencia

O CORO DAS OCEANIDAS

Predizes sobre Jove as cousas que em desejo

Ardes vel-o passar

PROMETHEU

Nada disso Prevejo

Successos que hatildeo de ser mais tarde realidade

E que em factos quer vecircr o anceio da vontade

O CORO DAS OCEANIDAS

Que Veremos Jove obedecer vencido

PROMOTHEU

E de pena maior do que a minha affligido

[fl88] O CORO DAS OCEANIDAS

Natildeo receias dizer de Jove tanto mal

PROMETHEU

Que posso recceiar Sou por sorte immortal

210

O CORO DAS OCEANIDAS

E si elle te impuzer castigo mais severo

PROMETHEU

Eacute livre de o fazer De Jove tudo espero

O CORO DAS OCEANIDAS

De Adastreacuteia em presenccedila eacute sabio quem se prostra

PROMETHEU

Festejai quem governa e humildes dai-lhe mostra

De culto aduladocircr Jove no meu criterio

Menos que nada val Seo passageiro imperio

Lucte para manter mas perca a velleidade

De sobre os Numes ter perpetua autoridade

O andarilho do Olympo eu vejo Que mensagem

Da parte de seo Pae me traz n‟esta viagem

MERCURIO

Alma de feacutel espirito ardiloso

Reacuteo ante os Numes do attentado odioso

De teres dado a seres de um soacute dia

Divina reservada regalia

Ladratildeo do fogo Venho aqui da parte

E por ordem do Pae interpellar-te

Qual o consorcio que do Rei do Olympo

Ha de o Throno alluir Potildee toda a limpo

A verdade de equivocos despida

Poupa-me assim aacute terra outra descida

Negando obediencia aacute seo mandado

Natildeo poacutedes desarmar a Jove irado

211

[fl89] PROMETHEU

Discorreste grandiloquo e protervo

Como quem eacute dos Immortaes o servo

Reinaes d‟hontem De docircres e embaraccedilos

Isentos vos julgaes nos regios paccedilos

Dous tyrannos jaacute vi perder o imperio

E o terceiro com grande vituperio

Em breve cahiraacute tambem Presumes

Que eu tenha medo desses novos Numes

Quatildeo longe disso estou Vae-te depressa

Jaacute jaacute por onde has vindo ao ceacuteo regressa

Natildeo dou explicaccedilotildees Do que vieste

Averiguar de mim nada soubeste

MERCURIO

Jazes de pertinaz d‟este supplicio

No porto

PROMETHEU

Eu o prefiro a teo officio

Antes d‟este rochedo o captiveiro

Que ser qual eacutes do Pae vil mensageiro

Aacute insolente altivez com que me insultas

Eu retalio assim

MERCURIO

Creio que exultas

Na cruciante docircr de teo castigo

PROMETHEU

Que os inimigos meos (falo comigo)

Rejubilem assim

MERCURIO

212

Acaso crecircs

Que tive parte no teo mal talvez

PROMETHEU

Franco - esses novos Deoses aborreccedilo

Pois me pagam com tanto menospreccedilo

Os beneficios que lhes fiz

[fl90] MERCURIO

Intensa

Loucura lavra em ti Grave doenccedila

PROMETHEU

Si aborrecer tyrannos eacute loucura

Desejo que meo mal natildeo tenha cura

MERCURIO

Si livre das cadeias oppressocircras

Feliz te eu visse intoleravel focircras

PROMETHEU (gemendo)

Ai

MERCURIO

Tal palavra Jove natildeo conhece

PROMETHEU

O tempo sem parar nos envelhece

E dando experiencia ensina tudo

MERCURIO

Natildeo te ensinou no emtanto a ser sisudo

PROMETHEU

213

Natildeo pois de igual a igual falo a um criado

MERCURIO

Que digo ao Pae

PROMETHEU

De graccedilas penhorado

Signaes de gratidatildeo lhe devo e rendo

[fl91] MERCURIO

Qual a infante me estaacutes escarnecendo

PROMETHEU

Natildeo eacutes mais que infantil na ingenuidade

Si acreditas dobrando-me a vontade

Que eu te abra meos secretos pensamentos

Nem por meio de ardis nem de tormentos

O tyranno dos Deoses me compelle

A que fale e os segredos lhe revele

Antes de eu ver aos peacutes feitos pedaccedilos

Os que me ligam flagellantes laccedilos

Vibre-me embora a chamma coruscante

De neve alados turbilhotildees levante

Faccedila tremer com horrido estampido

O chatildeo do terremoto sacudido

E tudo em confusatildeo profunda immerso

Abale nas raizes o Universo

Natildeo lhe descubro quem por lei suprema

Do Fado ha de arrancar-lhe o diadema

MERCURIO

Peacutesa dos actos teos o resultado

PROMETHEU

Previ de ha muito estaacute deliberado

214

MERCURIO

Oh misero Uma vez serio medita

Na que te afflige insolita desdita

PROMETHEU

Importuno O discurso em que divagas

Eacute qual si fosse dirigido aacutes vagas

Por medo ter de Jove oh nunca esperes

Que eu vestindo a fraqueza das mulheres

E erguendo as matildeos em supplicante gesto

Implore a quem de coraccedilatildeo detesto

Me quebre estes grilhotildees Em tal natildeo penso

[fl92] MERCURIO

Falei debalde bem que fosse extenso

Natildeo te abrandas nem supplicas escutas

Qual poldro mal domado em furia luctas

Contra as redeas e mordes o bocado

Impando estaacutes de focircfo orgulho inflado

Tiras de vatildeo saber garbosa audacia

Nada vale de um louco a pertinacia

Olha Si meos conselhos desprezares

Que tropel infinito de pezares

Em ti desabaraacute Nenhum escudo

Frustra o golpe Haacute de o Pae antes de tudo

Do raio aacute chamma e ao trom da trovoada

Arrasar esta fraga alcantilada

Ha de o granito n‟um abraccedilo estreito

Premer-te os membros sobre o ingrato leito

Deves ser afinal restituido

Aacute luz do dia quando focircr volvido

De seculos um tracto dilatado

Entatildeo voraz de Jove o catildeo alado

215

- A aguia sanguisedenta ndash ha de uma parte

Do corpo em mil pedaccedilos devorar-te

Conviva diario que ninguem convida

Ha de ser de teo figado nutrida

Flagello curtiraacutes desta maneira

Ateacute que um Deos que succeder-te queira

Na pena desccedila ao Barathro sombrio

E aacute torva margem do Tartareo rio

Reflecte bem Natildeo faccedilo agora praccedila

De phrases vatildes Eacute seacuteria esta ameaccedila

O assumpto eacute muito grave e transcendente

Cumpre Jove o que diz e nunca mente

O melhor parecer seguir procura

Nem pervicacia opponhas aacute cordura

O CORO DAS OCEANIDAS

Mercurio tem proposito

Na sua admoestaccedilatildeo

Suggere-te a prudencia

Condemna a obstinaccedilatildeo

Segue a liccedilatildeo proficua

Que acaba de dictar

Natildeo eacute de sabio proacutevido

No erro perseverar

[fl93] PROMETHEU

Quanto elle em brados repetio agora

Tudo eu sabia ponto a ponto Embora

Ninguem extranha ou fica desairado

Quando pelo inimigo eacute maltratado

E pois que Jove sobre mim desfira

A de dous gumes sinuosa espira

Ribombantes trovotildees rabidos ventos

216

Convulsem o ar a embates violentos

Nute a terra nos eixos abalada

O mar em escarceacuteos mugindo invada

A do giro sidereo azul esphera

E Jupiter cedendo aacute lei severa

Do Fado arroje o corpo meo no Averno

Natildeo poacutede a morte dar-me Eu sou eterno

MERCURIO

Taes palavras iguaes arrazoados

Soacute se podem ouvir dos tresloucados

Que lhe falta d‟aqui para a demencia

Si ao furor natildeo modera a violencia

E voacutes que doacute mostraes deste inditoso

Parti antes que o ronco estrepitoso

Do trovatildeo abalando este rochedo

N‟alma vos cocirce a turbaccedilatildeo do medo

O CORO DAS OCEANIDAS

Diverso alvitre inspira-nos

Honesto e convinhavel

O que lembraste eacute pessimo

Covarde intoleravel

Pois tu nos daacutes estimulo

A infame proceder

Havemos ser participes

Do que elle padecer

Fundo a traiccedilatildeo esqualida

Ha muito aborrecemos

Nem peste deleteria

Como ella conhecemos

217

[fl94] MERCURIO

Phrases lembraes alhures proferidas

Por mim Si focircrdes de uma dor feridas

Deixae de attribuir o golpe ao Fado

Nem digaes que de modo inopinado

Jupiter vos ferio Tendo a certeza

Do mal conscientes claro sem sorpreza

Colheo-vos pelos actos de loucura

Na inextricavel recircde a Desventura

PROMETHEU

Segue aacute palavra a acccedilatildeo ndash Vacilla a Terra

Rouco trovatildeo nas visceras lhe berra

A offuscante espiral rasga e chammeja

Torvelinhando o poacute sobe e volteja

Ventos soltos soprando em rude estrondo

Forccedilam seos mutuos impetos oppondo

Tufotildees uns contra os outros impellidos

Ether e mar avisto confundidos

Jupiter manifesto rue agora

Sobre mim e quer ver si me apavora

Augusto Nume minha matildee divina

Ether onde a luz pura que illumina

Tudo flue a girar na immensidade

Vecircde Hostia sou de immensa iniquidade

218

CAPIacuteTULO 5 ndash Transcriccedilatildeo da segunda versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de

Paranapiacaba

[fl95] PROMETHEU ACORRENTADO

(Versatildeo em que predomina o decassyllabo socirclto)

_________________

A FORCcedilA A VIOLENCIA (KRATOS E BIA) VULCANO (HEPHAISTOS) E

PROMETHEU

(A violencia eacute personagem mudo)

A FORCcedilA

Somos chegados onde acaba a Terra

- Regiotildees da Scythia - solidatildeo remota

Virgem teacute hoje de peacutegada humana

Tempo eacute de dar execuccedilatildeo aacutes ordens

Que o Pae te impoz Vulcano Neste abrupto

Alcantil prende em recircde inquebrantavel

De adamantinos vinculos formada

Este amotinador do povo Aos homens

Deo em partilha apoacutes o haver furtado

Teo mimo ndash o claro fogo idoneo aacutes artes

Por isso cumpre que de seo peccado

O castigo supporte e assim punido

Aprenda a respeitar de Jove o imperio

E cesse de ostentar philantropia

VULCANO

Forccedila e Violencia As injuncccedilotildees seguistes

De Jove e nada mais vos causa estorvo

Agora quanto a mim sinto faltar-me

Coragem de fincar nesta quebrada

Que algente bruma intoleravel torna

219

Um Deos parente meo Mas o Destino

Aacute tatildeo dura tarefa me constrange

Que eacute grave desleixar de Jove encargos

De Themis recta e consultriz oacute filho

Altipensante Neste algar sem treita

Humana em noacutes de bronze indissoluveis

- A meo e teo pezar - eu vou pregar-te

Aqui nunca has de ouvir mortal accento

Nem face de homem ver antes crestado

Lento pelas do sol ferventes chammas

Perderaacutes dia a dia a flor da pelle

[fl96] Ha de a noite por ti sempre almejada

Sumir o dia no estrellado manto

Ha de voltando o sol seccar a geada

Sem que um momento aligeirado o peso

Sintas aacute torva dor que te acabrunha

Que inda ninguem nasceo para livrar-te

De amar tanto os mortaes ahi tens o fructo

Prodigando-lhes dons e regalias

- Deos - affrontaste a colera dos Deoses

Por isso - guarda d‟esta rocha ingrata -

De peacute insomne e sem dobrar os joelhos

Has de em queixas inuteis consumir-te

Dotado eacute Jove de animo implacavel

Novo tyranno eacute sempre rigoroso

A FORCcedilA

Age Tardas e em vatildeo te commiseras

Natildeo execras o Deos odioso aos Numes

Que deo trecircdo aos mortaes teo privilegio

VULCANO

Mui fortes satildeo o sangue e a convivencia

220

A FORCcedilA

Como has de retardar de Jove as ordens

Natildeo eacute mais de temer menosprezal-as

VULCANO

Oh Sempre audaz e aacute compaixatildeo extranha

A FORCcedilA

Que val piedade Sentimento inutil

O lamentar-lhe a docircr natildeo eacute remedio

VULCANO (olhando para as cadeias)

Primor de minhas matildeos como te odeio

A FORCcedilA

Por que tal odio A bem dizer tua arte

Em nada causa foi do mal presente

[fl97] VULCANO

D‟outro que natildeo de mim fosse ella o dote

A FORCcedilA

Tudo aos Deoses foi dado unicamente

Natildeo podem governar A natildeo ser Jove

Natildeo eacute livre ningueacutem

VULCANO

Sim Natildeo contesto

A FORCcedilA

E por que natildeo n‟o enlaccedilas de cadeias

Antes que o Pae a hesitaccedilatildeo te avente

VULCANO

221

Vecirc Promptos satildeo os argolotildees dos braccedilos

A FORCcedilA

Desce-lh‟os pelas matildeos Crava-as na pedra

Com toda a forccedila descarrega o malho

VULCANO

Eacute obra de um momento e natildeo frustranea

A FORCcedilA

Mais forte Bate arrocha nada affrouxes

Poacutede astuto qual eacute achar sahida

Do que a natildeo tem

VULCANO

Involvem este braccedilo

Indissoluveis peias

[fl98] A FORCcedilA

Bem seguro

Prende o outro em tatildeo solidos liames

Saiba que eacute seo talento de sophista

Mais tardo que o de Jove

VULCANO (apontando para Prometheu)

A natildeo ser elle

Outro natildeo tem de mim razatildeo de queixa

A FORCcedilA

O dente ousado dessa cunha d‟accedilo

Embebe em cheio por seo peito a dentro

Golpea-o rude

VULCANO

222

Ai Prometheu Deploro

O teo supplicio

A FORCcedilA

Inda outra vez tardanccedila

O inimigo de Jove a lastimares

Olha a ti mesmo a lastimar natildeo venhas

VULCANO

Espectaculo vecircs horrido aos olhos

A FORCcedilA

Vejo applicar-se a um reacuteo a justa pena

Mette-lhe os peitoraes pelas axillas

VULCANO

Sei que eacute fatal Escusa de insistires

A FORCcedilA

Natildeo e inda mais co‟a a voz hei de incitar-te

Do tronco abaixo em fortes noacutes lhe adstringe

As pernas

[fl99] VULCANO

Concluido e sem demora

A FORCcedilA

Justa-lhe aos peacutes grilhotildees rebita os cravos

Nos orificios dos fuzis Cuidado

Fiscal de fino olhar vela o que fazes

VULCANO

Diz com tuas feiccedilotildees a lingoa tua

223

A FORCcedilA

Secirc fraco embora poreacutem natildeo me increpes

A ingenita inflexivel aspereza

VULCANO

Desccedilamos Tem os membros n‟uma recircde

A FORCcedilA (apostrophando a Prometheu)

Poacutedes d‟hai assoberbar os Numes

E usurpando protervo os dons divinos

Entregal-os aacutes matildeos da raccedila ephemera

Esta valor natildeo tem que te libere

Deste afan Prometheu chamam-te os Deoses

Falso nome A ti mesmo eacute necessario

Um Prometheu para ensinar-te como

Soltar-te poderaacutes desse artefacto

(Sahem Vulcano a Forccedila e a Violencia)

PROMETHEU

Oacute Ether divinal auras velozes

Mananciaes dos rios voacutes oacute risos

Innumeraveis das marinhas ondas

Oacute terra matildee universal oacute disco

Do Sol omnividente Aqui me tendes

Vecircde que docircr a um Deos infligem Deoses

Vecircde em que regiotildees acorrentado

Tenho a gemer indefinitos eacutevos

[fl100] Para mim engenhou tatildeo vis ligames

O Prytano recente dos Divinos

Ai Hoje e no porvir sempre a desdita

Quando o termo viraacute deste piaculo

Que digo Claro no futuro leio

Quanto ha de acontecer nenhum successo

Me poacutede sobrevir inesperado

224

Cumpre que aceite da melhor maneira

A sorte minha como quem conhece

Ser invencivel o rigor do Fado

Natildeo devecircra falar de meos pezares

Mas como hei de cerral-os no silencio

Si por ter feito beneficio aos homens

Supporto agora preso aacute penedia

Deste supplicio nunca visto o julgo

Tomei qual caccedilador a matildee furtiva

Do fogo n‟uma ferula guardei-a

E aos olhos dos mortaes mostrei seo brilho

E o fogo mestre foi das artes todas

E o moacuter commodo e prestimo da vida

Eis-me aqui a purgar esse delicto

Preso aacute esta rocha exposto aacutes intemperies

Ai Ai Que rumorejo Que invisivel

Perfume sobe a mim De quem se evola

De um Deos mortal ou mixta creatura

Vem assistir aos tratos que me applicam

Neste ermo cimo Traz diverso intento

Vecircde aqui preso um desditoso Nume

A quem Jove detesta odioso aos Deoses

E a tudo que frequenta o atrio do Olympo

Soacute porque dos mortaes se mostra amigo

Ai Vem perto o sonido Eacute de quem vocirca

Doce remegio d‟azas no ar cicia

Quanto se achega a mim pavor me infunde

O CORO DAS OCEANIDAS

(Fala sempre o coryphecirco)

ESTROPHE I

Natildeo temas Amigo eacute o bando

Alado que aacute esta eminencia

225

Vem ter a custo abrandando

A paterna resistencia

Neste coche que deslisa

Pela azulada amplidatildeo

Cheguei nas azas da brisa

Apoacutes rapida excursatildeo

[fl101]Das rijas correntes d‟ accedilo

O estrepitoso tinir

Foi aleacutem do equoreo espaccedilo

Nas furnas repercutir

Presurosa entatildeo subindo

A este carro voador

Descalccedila vim transgredindo

O rubescente pudor

PROMETHEU

Ai Ai Oacute prole da fecunda Tethis

Filhas do Oceano cujo inquieto fluxo

A Terra circumvolve - contemplae-me

Involto em eacutelos que jaacutemais se rompem

Deste excelso alcantil na cavidade

Forccedilada sentinella estou fazendo

O CORO DAS OCEANIDAS

ANTISTROPHE I

Vejo e ante a vista nublada

Sinto nuvem de terror

Que de lagrimas pejada

Traduz minha intensa docircr

Porque ao fraguedo cosido

226

Por vergonhosa prisatildeo

Teo corpo de docircr pungido

Findaraacute de inaniccedilatildeo

No Olympo ha nova regencia

E Jove arbitrario e injusto

Proscreveo com violencia

Quanto era dbdquoantes augusto

PROMETHEU

Antes abaixo do amago da Terra

No Orco trevoso albergue dos finados

Ou no Tartaro immenso me arrojasse

Atado nestes noacutes Jaacutemais desdaveis

Assim nem Deos algum nem outros seres

Poderiam folgar vendo-me em pena

Hoje - aos ventos ludibrio - em docircr immerso

Dou a inimigos meos perpetuo jubilo

[fl102] O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE II

Qual dos Numes eacute dotado

De tatildeo duro coraccedilatildeo

Que ao ver-te assim flagellado

Natildeo revele compaixatildeo

Soacute Jove que em paroxismo

De furia que natildeo declina

Preme ao ferreo despotismo

De Urano a prole divina

Brando seraacute quando estanque

Sua vinganccedila ficar

Ou de assalto alguem lhe arranque

227

Poder arduo a conquistar

PROMETHEU

Bem que tatildeo fortes e ultrajantes peias

Me adstrinjam ha de o Principe dos Deoses

Ter precisatildeo de mim por que lhe indique

O projecto fatal aacute permanencia

De seu poder Ameaccedilas ou blandicias

Sem que d‟estes grilhotildees me solte os membros

E da injuria me decirc razatildeo - frustraneas

Seratildeo ndash Soacute falarei desaffrontado

O CORO DAS OCEANIDAS

ANTISTROPHE II

Eacutes audaz e natildeo te dobra

O acerbo martyrio teo

Ha liberdade de sobra

Em teo falar Prometheu

O teo destino futuro

Apavorada me traz

Quando no porto seguro

Aacute docircr o termo veraacutes

Coraccedilatildeo rijo implacavel

De Saturno o filho tem

Em seo animo intractavel

Jaacutemais penetrou ninguem

[fl103] PROMETHEU

Bem sei que Jove eacute rispido e sujeita

Ao alvedrio seo toda a justiccedila

Mas ha de moderar o aspero genio

228

Quando ferido focircr por esse modo

Entatildeo a furia pertinaz calmada

Viraacute commigo accorde no desejo

De amizade e uniatildeo soldar os laccedilos

O CORO DAS OCEANIDAS

Si natildeo te magocircas conta

O que succedeo comtigo

Por que foi que Jove a affronta

Te irrogou deste castigo

PROMETHEU

Pecircza-me certo referir taes casos

E doacutee calar Acerba alternativa

Quando os Deoses em odio conflagrados

Pela primeira vez se rebellaram

Logo a Discordia dominou seos animos

Uns pretendiam derrubar Saturno

E a Jove pocircr no throno outros votavam

Que Jaacutemais fosse Jove o Rei do Olympo

Eu que prudente alvitre suggerira

Desattendidos vi meos satildeo conselhos

Pelos Titans da Terra e Ceacuteo oriundos

Petulantes por indole enjeitaram

Os meios brandos na illusoria crenccedila

De aacute viva forccedila o imperio conquistarem

Sem astucia sem plano e por surpreza

Que vezes minha matildee Themis ndash a Terra

(- Uma soacute foacuterma com diversos nomes -)

Desvendando o porvir me revelara

Ser lei fatal que o vencedor o fosse

Soacute por ardis e sem recurso aacutes armas

Isto lhes ponderei e nem me olharam

Julguei melhor de minha matildee seguido

229

A Jove procurar prestar-lhe auxilio

Attendendo espontaneo a seo desejo

Pelos esforccedilos meos o negro abysmo

Do Tartaro sorveo nas profundezas

O vetusto Saturno e seos proselytos

Dos Deoses o Primaz a taes serviccedilos

Correspondeo impondo-me esta pena

[fl104] Eacute Molestia inherente aacute tyrannia

O natildeo ter confianccedila em seos amigos

Perguntaste por que me ultraja Escuta

Quando assentado no paterno solio

Talhou em proporccedilatildeo aos novos Deoses

Honras mercecircs e organizou o imperio

Mas natildeo fez cabedal da especie humana

Antes quiz destruil-a e nova raccedila

Crear Ninguem sahio a contrastal-o

Ousei-o eu soacute A ephemera progenie

Livrei de ir de roldatildeo aacutes trevas do Orco

Fulminada Por isso hoje me estorccedilo

Na incessante pressatildeo deste flagello

Miserando ao que o vecirc duro ao que o passa

Eu que me apiedei tanto dos homens

Credor de compaixatildeo natildeo fui julgado

E punido sem doacute exhibo um quadro

Que eacute para Jove deshonroso estygma

O CORO DAS OCEANIDAS

De ferro ou de pedra rija

Forrado o peito ha de ser

Daquelle que natildeo se afflija

Com teo seacutevo padecer

De tanta angustia prouveacutera

Que eu testemunha natildeo focircra

230

Mas vendo-a me dilacera

Funda tristeza oppressora

PROMETHEU

Sou na verdade para meos amigos

Lastimavel de ver

O CORO DAS OCEANIDAS

E natildeo levaste

Teo favor aos mortaes inda mais longe

PROMETHEU

Forrei-os ao terror da hora da morte

O CORO DAS OCEANIDAS

Que remedio inventaste a mal tatildeo grave

[fl105] PROMETHEU

Entre elles fiz morar cega esperanccedila

O CORO DAS OCEANIDAS

Presente de valor inestimavel

PROMETHEU

Trouxe tambem a suas matildeos o fogo

O CORO DAS OCEANIDAS

Que Do fogo esplendente estatildeo na posse

Os entes de um soacute dia

PROMETHEU

Oh Sim e o fogo

Seo mestre ha sido em variadas artes

231

O CORO DAS OCEANIDAS

Por delictos semelhantes

Eacute que Jove te crucia

E nem siquer por instantes

Estas penas te allivia

E natildeo sabes qual a dura

De teo padecer algoz

A tatildeo medonha tortura

Jove limite natildeo pocircz

PROMETHEU

Nenhum Terminaraacute quando lhe apraza

O CORO DAS OCEANIDAS

E ha de aprazer-lhe Olvidaste

Que em culpa tens incidido

E que o dizer-te que erraste

Me desgosta e te eacute dorido

Deixemos poreacutem de parte

Este proposito ingrato

E procura libertar-te

Das peias deste artefacto

[fl106] PROMETHEU

A quem natildeo prendem do Infortunio as malhas

Nada custa exprobar severo o afflicto

Tudo fiz voluntario e consciente

Quiz delinquir e o fiz caso pensado

Natildeo me era estranho que valendo aos homens

Para mim preparava intensas magoas

Nunca emtanto esperei tatildeo feacutero tracto

Macerado de encontro aacute rocha viva

232

Nesta remota inhabitavel fraga

Mas natildeo lamentes meos presentes males

Eacute melhor que descendo a este rochedo

Ouccedilas de perto todo o meo destino

Presta-me este serviccedilo officioso

Condoe-te do infeliz que vecircs em transes

Anda a Desgraccedila errante sem parada

E assim vagando ora um ora outro fere

O CORO DAS OCEANIDAS

Falas a quem sempre accede

E obedece aacute tua voz

Do carro abandono a seacutede

E desccedilo com peacute veloz

Deslisando no ether puro

- Dos passaros travessia -

Eu jaacute piso o soacutelo duro

Da escabrosa penedia

Com empenho verdadeiro

Vim teo desejo cumprir

Pois o meo eacute ndash por inteiro

Teos males todos ouvir

(Apparece Oceano no ar cavalgando um dragatildeo alado)

OCEANO

Aqui estou Prometheu vim ter comtigo

Longo caminho rapido vencendo

Neste alado veloz que rejo e guio

Sem freio e apenas da vontade aacute forccedila

Penalisa-me assaz teo soffrimento

E o parentesco impelle-me a carpir-te

Mas pondo ao lado os vinculos do sangue

233

Ninguem tanta affeiccedilatildeo qual eu te rende

Sabes quanta verdade ha nestas phrases

Nunca foi lisonjeira a lingoa minha

Vamos Indica o meio de acudir-te

E natildeo diraacutes em tempo algum que houveste

Outro amigo mais firme que Oceano

[fl107] PROMETHEU

Que vejo Eacutes tu Tu mesmo aqui vieste

A ser espectador de meo tormento

Abandonaste o rio de teo nome

Grutas que a natureza abrio na rocha

Por esta regiatildeo que eacute matildee do ferro

Soacute vens testemunhar meo triste estado

Ou piedoso compartir meos males

Olha de que baldatildeo Jove nodocirca

Seo mais forte auxiliar na lucta ingente

Cuja victoria lhe manteve o throno

OCEANO

Vendo estou Prometheu Mais que avisado

Eacutes escuta poreacutem um bom conselho

Conhece-te outros habitos adopta

Pois hoje novo Rei preside os Numes

Si exprobraccedilotildees tatildeo acres arremessas

Vociferando poacutede ouvil-as Jupiter

Bem que do Olympo na mais alta seacutede

Sua colera entatildeo levada a extremo

Sevicias te imporaacute de tal quilate

Que as de agora seratildeo mero brinquedo

Dos seios d‟alma desgraccedilado expelle

Todo o levedo de iracundia e orgulho

Busca aacute teos males proximo remate

234

Cres que te falo como velho estulto

Mas tu oacute Prometheu eacutes viva mostra

Dos damnos que produz lingoa arrogante

Natildeo dobras a cerviz ante as desditas

E outras queres juntar aacutes que te avexam

Deixa uma vez assessorar-te e attende

Natildeo batas com o peacute de encontro aacute espora

Inclemente monarcha hoje governa

Irresponsavel a ninguem daacute contas

Parto jaacute Vou tractar de teo resgate

Fica inerte natildeo fales tatildeo protervo

Fino de mais qual eacutes acaso ignoras

Que se inflige ferrete aacute lingoa socirclta

PROMETHEU

Dou-te os emboras por te ver immune

De pena e culpa tu que a mim ligado

Ousate tomar parte em minhas docircres

Quero poreacutem o incommodo poupar-te

[fl108] De ires interceder por mim Eacute Jove

De indole feacutera Conseguir natildeo poacutedes

Leval-o aacute persuasatildeo Comtigo mesmo

Toma cautela Observa tudo em roda

Natildeo te venha algum mal desta visita

OCEANO

Melhor que a ti os outros aconselhas

Os infortunios teos satildeo disto a prova

Natildeo queiras refrear-me ao zelo o impulso

Eu me ufaneio sim eu me ufaneio

De alcanccedilar para ti de Jove o indulto

PROMETHEU

Louvo-te grato e sempre hei de louvar-te

235

Natildeo ha mostrar mais vehemente o anhelo

De prestar-me um favor Mas infructifero

Teo esforccedilo veraacutes Quanto tentares

Natildeo me aproveitaraacute Quecircda-te isento

De riscos Infeliz que sou natildeo quero

Que minha desventura envolva os outros

Sim Jaacute bastante me atormenta a sorte

De meo irmatildeo Atlante que postado

De peacute na extrema occidental da Hesperia

As columnas susteacutem do Ceacuteo da Terra

Sobre as espaduas (carga insupportavel)

Faz-me doacute o terrigena habitante

Dos antros cilicecircos monstro da guerra

O impetuoso Tiphecirco de cem cabeccedilas

De irresistivel forccedila dominado

Revel aos Numes sibilava o excidio

Da tetra guela Emquanto dava assalto

Contra o poder de Jove e fulminava

Dos olhos seos ao fulgurar gorgoacuteneo

Vibrou-lhe o Pae o vigilante dardo

- O raio que ao cahir expira chammas ndash

E abateo-lhe as farromas blasonantes

Nas mais intimas visceras ferido

Paacutevido do estridor tonitroante

Perdeo forccedilas cahindo incinerado

Hoje soacute delle resta um corpo inutil

Estirado do mar junto aacute angustura

Do Etna sob as raizes comprimido

Emquanto em cima tem Vulcano a forja

E prepara fusotildees Dalli jorrando

Um dia com fragocircr igneas torrentes

Queimaratildeo nas mandibulas selvagens

Os frugiferos valles da Sicilia

[fl109] Assim ha de Typhecirco mesmo combusto

236

Do ethereo fogo evaporar os eacutestos

E em ferventos rojotildees de inexhauriveis

Torvelins vomitar chammas do bocircjo

Tens longa experiencia e nem precisas

Que eu me torne teo guia e conselheiro

Guarda-te pois da mais segura foacuterma

Que ficarei cumprindo o meo fadario

Teacute que a ira deserte a alma de Jove

OCEANO

Natildeo sabes que da colera espumante

As palavras satildeo medico

PROMETHEU

Si a tempo

Alguem o coraccedilatildeo nos pacifica

E sem que reprimir aacute forccedila intente

D‟alma tumida os impetos

OCEANO

Que damno

Vecircs em tental-o audaz e cauteloso

PROMETHEU

Simplicidade vatilde canseira inutil

OCEANO

Permite-me enfermar de tal achaque

Lucra o sabio em passar por nescio aacutes vezes

PROMETHEU

Focircras autor da culpa eu responsavel

OCEANO

237

Vejo uma despedida em taes palavras

[fl110] PROMETHEU

Lastimando-me a sorte odios provocas

OCEANO

De quem Daquelle que em recente data

Tomou posse do solio omnipotente

PROMETHEU

Ai misero de ti si n‟alma o irritas

OCEANO

Tuas desgraccedilas de licccedilatildeo me servem

PROMETHEU

Vae presto Insiste nos teos bons designios

OCEANO

Daacutes pressa ao que a partida accelerava

Meo quadrupede alado impaciente

De dobrar o joelho em seo caseiro

Aprisco as azas distendidas roccedila

Nas camadas azues do ethereo plaino

O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE I

Prometheu Que docircr me causa

Teo destino miserando

As lagrimas que sem pausa

Dos olhos me estatildeo manando

Qual humida fonte a fio

Minhas faces vem regar

238

Jupiter seu poderio

Vive arrogante a ostentar

E humilha os antigos Numes

Aacute tyrannica oppressatildeo

[fl111] ANTISTROPHE I

Socirca em lugubres queixumes

Esta vasta regiatildeo

Da vizinha Asia sagrada

Os incolas compungidos

Choram-te a gloria passada

E a de teos irmatildeos vencidos

ESTROPHE II

Choram-te as fortes na guerra

Virgens de Colchos - o Scytha

Que n‟um extremo da Terra

Junto aacute Meotida habitada

ANTISTROPHE II

O arabe escol guerreiro

Fremente de agudas lanccedilas

E que tem forte roqueiro

Do Caucaso em vizinhanccedilas

EPODO

De incansaveis noacutes ligado

Um soacute dos Titans eu vi

Pelos Deoses castigado

Padecer antes de ti

Atlas foi Quem tatildeo valente

239

De tanto esforccedilo capaz

Pois sobre o docircrso gemente

O Polo gravoso traz

O peacutego fervendo muge

A seos peacutes a terra treme

O negro Averno restruge

E ateacute nos recessos freme

Todas as fontes sagradas

Das correntes fluviaes

Lamentam angustiadas

Suas desgraccedilas fataes

[fl112] PROMETHEU

Natildeo de tedio ou de orgulho eacute meo silencio

Mas eu devoro o coraccedilatildeo pensando

Que sou exhibiccedilatildeo de tanta vilta

Quem sinatildeo eu por esses novos Deoses

Talhou proporcionaes mercecircs e graccedilas

Sobre este ponto nada mais ajunto

Seria expocircr um facto aos que o conhecem

Ouve os males que aos homens affligiam

E como de boccedilaes os fiz cordatos

E scientes da proacutepria intelligencia

Si assim falo natildeo eacute porque os censure

Lembro soacute que o que fiz em proacutel da raccedila

Eacute prova da affeiccedilatildeo que lhe consagro

Antigamente olhavam sem que vissem

Inclinavam-se aacute escuta e nada ouviam

Como as figuras que desenha o sonho

Tudo por longo tempo confundiram

Aacutes casas de tijolo ao sol expostas

E ao lavrar da madeira extranhos eram

240

Como graacuteceis formigas diligentes

Tinham habitaccedilotildees de sob o soacutelo

No mais fundo de lobregas cavernas

Nem por algum signal differenccedilavam

O inverno da florida primavera

Ou do veratildeo em fructos abundante

Assim sem reflexatildeo viveram seculos

Ateacute que o instante do nascer dos astros

E o menos regular de seos occasos

Lhes dei a conhecer Em seo proveito

O numero inventei - a mais proficua

Das descobertas que a sciencia illustram

Ensinei-lhes a ler grupando as lettras

Formei-lhes a memoria ndash a matildee das Musas

Domesticando os animaes selvagens

Fil-os aacute sujeiccedilatildeo doacuteceis Pesaram

De irracionaes no dorso as graves cargas

Que oneravam teacute ahi hombros humanos

Puz ao carro os frenigeros cavallos

- Trastes de luxo de faustosos ricos -

Vehiculos navaes d‟azas de linho

Sulcadores do mar a mim se devem

E eu (desditoso) autor de tanto invento

Em bem dos homens descobrir natildeo posso

Um que logre partir estes liames

[fl113] O CORO DAS OCEANIDAS

Grave castigo padeces

Fluctuas leso o juiacutezo

Qual maacuteo medico adoeces

E eacutes no curar-te indeciso

Ao animo perturbado

Certamente natildeo te acode

241

O remedio apropriado

Que prompto sanar-te poacutede

PROMETHEU

Ouve o que falta e pasmaraacutes sabendo

De quantas artes e misteres uteis

Fui inventor O principal foi este

Medicina nenhuma o enfermo tinha

No comer no beber na uncccedilatildeo do corpo

De curativos definhava aacute mingoa

Teacute que graccedilas a mim noticia houveramos

Dos remedios e mixtos salutares

- Preservativo e cura das molestias-

Aos presagios marquei processos novos

Disse em que pontos as visotildees sonhadas

Reaes seriam aacutes escuras phrases

Das predicccedilotildees vocaes fixei sentido

Dos accidentes que em jornada occorrem

Dei plena explicaccedilatildeo ao viandante

Mui por miudo defini o vocirco

Dos passaros de garras encurvadas

Qual delles eacute propicio e qual sinistro

Disse de que alimentos se nutriam

Quaes seos odios e amores seos encontros

Notei-lhes das entranhas a lisura

Bem como a cocircr que mais apraz aos Deoses

Quaes da bile os aspectos favoraveis

E os do figado e o aacutedipo das cocircxas

Seos rins queimando descobri segredos

D‟arte de adivinhar que era difficil

Do fogo occulto revelei o augurio

Outr‟ora nebuloso Aleacutem de tudo

As riquezas que a terra nas entranhas

Guardava ndash o ferro o bronze a prata o ouro -

242

Qual outro antes de mim as desvelaacutera

Quem se chamar tal gloria eacute temerario

Jactancioso Em summa as artes todas

Por Prometheu hatildeo vindo aacutes matildeos dos homens

[fl114] O CORO DAS OCEANIDAS

Basta dos homens natildeo fales

Quinhoaste-os amplamente

Tracta de ti A teos males

Natildeo sejas indifferente

Sinto em mim tenho por certo

Que ainda um dia te hei de ver

Destas cadeias liberto

Igual a Jove em poder

PROMETHEU

Isto natildeo prouve aacute Parca poderosa

Pelo Destino decretado estava

Que soacute de longas provaccedilotildees ao cabo

Destas peias alfim solto me veja

Muito mais debeis satildeo por certo as artes

Do que a Fatalidade

O CORO DAS OCEANIDAS

E a quem pertence

Do Destino o timatildeo reger101

PROMETHEU

Aacute Parca

Triforme e aacutes sempre meacutemores Erynnes

101

Era de se esperar um ponto de interrogaccedilatildeo

243

O CORO DAS OCEANIDAS

Eacute Jove menos forte que o Destino

PROMETHEU

Sim natildeo102

lhe foge aacutes leis irrecusaveis

O CORO DAS OCEANIDAS

Para elle algo eacute fatal aleacutem do imperio

PROMETHEU

Natildeo t‟o direi nem mesmo a instantes rogos

[fl115] O CORO DAS OCEANIDAS

Eacute de certo bem grave o que me escondes

PROMETHEU

Lembra outra cousa descabida eacute esta

Para mim eacute mister quanto possivel

Guardal-a occulta Deste modo evito

Mil infortunios e estes ferros quebro

O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE I

Natildeo apraza aacute Potestade

Que os mundos todos governa

Oppocircr aacute minha vontade

Sua vontade superna

Seja meo constante fito

Manter os Numes propicios

Fazendo sempre os do rito

102 A palavra comeccedila com letra minuacutescula no livro

244

Tributarios sacrificios

Offertando-lhes de plano

As victimas immoladas

Junto aacutes do Padre Oceano

Correntes sempre agitadas

Que eu nunca aos Deoses aggrave

No intuito ou na expressatildeo

Que perpetua em mim se agrave

Tatildeo louvavel intenccedilatildeo

ANTISTROPHE I

Doce eacute firmar longa vida

Sobre esperanccedilas estaveis

Conservando a alma nutrida

De jubilos ineffaveis

Fundo horror minha alma sente

Por teo duro padecer

Foste muito irreverente

Com Jove em teo proceder

Nos teos planos confiado

E soacute por impulso teo

Aos homens has dispensado

Honras de mais Prometheu

[fl116] ESTROPHE II

Que maacuteo pago houveste disso

Jugas que em teos dissabores

Te prestem algum serviccedilo

Os terraqueos moradores

245

Perdeste acaso a lembranccedila

Da tibia imbecialidade

Que de um somno aacute semelhanccedila

Peacutesa sobre a humanidade

Dos homens nunca os projectos

Teratildeo forccedilas de inverter

A ordem que em seos decretos

Quis Jupiter prescrever

ANTISTROPHE II

Convenci-me disto emquanto

Teo supplicio contemplava

Quatildeo diverso deste canto

Era o que nos arroubava

Quando cercando-te o thoro

E o lavacro accordes todas

Entoavamos em cocircro

Hymno festivo de bocircdas

Vendo Hesione nascida

Do Oceano esposo aceitar-te

E a teos presentes rendida

Em teo leito ser comparte

(Apparece Io)

IO

Que terra esta eacute Que gente nella habita

E quem eacutes tu por vinculos atado

Nesta rocha hybernal Aacute que flagicio

Serve de expiaccedilatildeo tamanha pena

Dize-me aacute que regiatildeo chego agitada

Ai Ai Ai Eis de novo me afferrocirca

246

(Desditosa) o tavatildeo - o simulacro

D‟Argos da Terra filho Oacute terra afasta-o

Tenho medo O pastor de olhos innumeros

Me estaacute fitando co‟a dolosa vista

Bem que finado natildeo n‟o esconde a terra

Volta do Inferno segue-me as pisadas

E arrasta-me a vagar faminta aos saltos

Pelas marinhas arenosas praias

[fl117] ESTROPHE

Da avena de cecircrea junctura a harmonia

Ao somno convida

Teacute onde na infinda fatal correria

Serei impellida

Saturnia progenie qual foi o meo crime

Por que me condemna

A colera tua e ao jugo me opprime

De tatildeo dura pena

Por que n‟um continuo terror flagellante

Que arrasta aacute loucura

Me impotildees deste insano correr incessante

A rude tortura

Ou manda-me em chammas morrer abrazada

Ou viva enterrar

Ou- pasto animado - que eu seja lanccedilada

Aacutes feacuteras do mar

Oh Rei Daacute-me ouvidos Aacute angustia que raia

Meo animo enfermo

Modera os rigores Siquer assignala

Qual seja seo termo

247

O CORO DAS OCEANIDAS

A voz natildeo ouves da bicorne virgem

PROMETHEU

Como natildeo hei de ouvir d‟Inacho a filha

A moccedila virgem do tavatildeo pungida

Ella inflammou de amor a alma Jove

E hoje de Juno odiada eacute compulsada

Aacute correria longa e sem repouso

IO

ANTISTROPHE

Donde soubeste de meo pae o nome

Como infeliz

Conheces esta docircr que me consome

Aacute triste o diz

Quem te deo novas do divino accediloite

Desse feroz

Ferratildeo que me caustica dia e noite

Com furia atroz

[fl118] Da colera de Juno perseguida

Aqui por fim

Tresvariada pela fome urgida

Saltando vim

Mais desditosa dentre os desditosos

Quem poacutede haver

Diz-me sem veacuteos os lances desastrosos

Que hei de soffrer

Si allivio ou cura tens aacute tatildeo pesada

Fera agonia

Aponta-o sem rebuccedilo aacute flagellada

248

Moccedila erradia

PROMETHEU

Dizer-te vou o que saber desejas

Simples e claro sem usar de enigmas

Qual de um amigo a outro Em mim presente

Tens Prometheu que trouxe o fogo aos homens

IO

Tu ndash auxilio commum da raccedila humana -

Tu - Prometheu por que razatildeo padeces

PROMETHEU

Pouco ha findaacutera a historia de meos males

IO

Agora a mim natildeo te seraacute possivel

Uma graccedila fazer

PROMETHEU

Sim Interroga

Eu te satisfarei

IO

Quem te ha cravado

Nesta rocha precipite

PROMETHEU

O decreto

De Jupiter e o braccedilo de Vulcano

[fl119] IO

Que attentado eacute credor de tal castigo

249

PROMETHEU

Eacute bastante o que eu disse

IO

Expotildee ao menos

Todos os golpes que o povir me guarda

E qual deste correr o termo certo

PROMETHEU

Natildeo me inquiras Mais val que tudo ignores

IO

Do que tenho a passar nada me occultes

PROMETHEU

Natildeo me posso escusar a teo pedido

IO

Por que tardas

PROMETHEU

Natildeo eacute por maacute vontade

Sim porque temo o animo turbar-te

IO

Oh Natildeo zeles de mim mais do que eu zelo

PROMETHEU

Insistes Vou falar expondo tudo

[fl120] O CORO DAS OCEANIDAS

Ainda natildeo Daacute que me caiba

Uma parte do prazer

Que dos labios della eu saiba

250

Quanto teve de soffrer

De sua sorte funesta

Sciente depois de a ouvir

Narraraacutes o que lhe resta

A padecer no porvir

PROMETHEU

Cumpre attendel-as Io Aleacutem de tudo

Satildeo irmatildes de teo pae Quem natildeo releva

Tardanccedila ao narrador dos proprios males

Si lagrimas de doacute de seos ouvintes

O acolhem

IO

Sim Natildeo haacute como esquivar-me

Vou claramente relatar os casos

Que anciaes por saber bem que me pecircze

Dizer a causa da procella horrenda

Por matildeo divina contra mim lanccedilada

E d‟esta vil transfigurada foacuterma

Visotildees sonhadas voltejando aacute noite

Pelo meo aposento de donzella

Vinham continuo em seductoras phrases

Dizer-me ldquoOacute tu a mais feliz das virgens

Por que tatildeo longa virgindade guardas

Se poacutedes contrahir consorcio augusto

Do farpatildeo do desejo assetteado

Arde Jove por ti e almeja o instante

De comtigo fruir de Chypre os gozos

Teme o leito enjeitar do Pae dos Deoses

Vae Da profunda Lerna em prados busca

Os pascigos e estabulos paternos

Daacute repouso aos desejos que desperta

251

Tua presenccedila nos divinos olhosrdquo

Ai de mim desgraccedilada Em cada noite

Identica visatildeo vinha assaltar-me

Teacute que fazendo esforccedilo de coragem

Fui a meo pae narrar aquelles sonhos

Nuncios elle expedio que consultando

O oraculo de Pytho e o de Dodocircna

Conhecessem o que de grato aos Numes

Lhe cumpria por actos e palavras

Praticar Ao regresso os mensajeiros

[fl121] Soacute trouxeram respostas duvidosas

Natildeo comprehensiveis de expressotildees obscuras

Veio alfim vaticinio manifesto

Ordenando a meo pae de modo explicito

Que do lar e da patria me expellisse

Mandando-me vagar livre de laccedilos

Teacute os longiquos terminos do mundo

Si fosse opposta resistencia aacutes ordens

Jove arrojando o coruscante raio

Extinguiria inteira a nossa estirpe

Submisso aacute voz prophetica de Loxias

Meo pae mandou-me pocircr fora de casa

E prohibio-me que lhe entrasse as portas

Na ancia da docircr gemiam nossas almas

Jove poreacutem aacute freio o subjugava

E era preciso obedecer aacute forccedila

Turbou-se-me a razatildeo mudei de foacuterma

E estas pontas na fronte me nasceram

Do acuacuteleo de um tavatildeo aguilhoada

Atirei-me de um salto furibundo

Aacute Cenchreia de Lympha saborosa

Da collina de Lerna em verdes prados

Mas Argos o terrigena vaqueiro

Sanhudo e maacuteo no encalccedilo me seguia

252

A espiar por miudo os meos vestigios

Inopinado e suacutebito successo

Da existencia o privou Eu fustigada

Do latego divino em furia vago

De clima em clima Ouviste tudo Agora

Si conheces os meos futuros males

Dize-os e nem a compaixatildeo te induza

A agradar-me com phrases mentirosas

Eacute no conceito meo vicio ominoso

Por lisonja tecer falaz discurso

O CORO DAS OCEANIDAS

Oh Basta Cala-te Paacutera

Jaacutemais jaacutemais (ai de mim)

Pude suppocircr que escutaacutera

Um caso insolito assim

Expiaccedilotildees e pezadumes

Tristes de ver e cortir

Que qual dardo de dous gumes

Me vem gelar e ferir

Oh Fado Fado inclemente

De horror sinto-me transida

Ao pensar na docircr pungente

De tua cansada vida

[fl122] PROMETHEU

Teos ais e esse terror satildeo prematuros

Gemeraacutes com razatildeo sabendo o resto

O CORO DAS OCEANIDAS

Fala Ao triste que padece

O tormento se modera

253

Si d‟outro ouvindo-o conhece

De ante-matildeo o mal que o espera

PROMETHEU

Facil de mim houveste o que pediste

Pois foi desejo teo ouvir primeiro

Dos proprios labios d‟ella o que ha soffrido

Falta narrar os transes que esta virgem

A vindicta de Juno inda reserva

Grava no coraccedilatildeo minhas palavras

De Inacho oacute filha Deveraacutes ouvindo-as

De tuas excursotildees saber o termo

Parte com direcccedilatildeo ao sol nascente

E atravessando natildeo lavrados campos

Veraacutes os Scythas montanhezes nomadas

Armados de farpotildees de longo alcance

Habitam choccedilas de tranccedilados vimes

Dentro de carros d‟optima rodagem

Passa e o caminho trilha que se abeira

Das fragas em que o mar gemente quebra

Pela esquerda aacute morada iraacutes dos Chaacutelybes

Peritos Artesotildees do ferro Evita-os

Ferozes satildeo e avessos aacute hospedagem

Chegando aacute margem do empolgado Hybristos

Rio que o nome seo bem justifica

Natildeo queiras desde logo vadeal-o

Soacute lhe faraacutes sem risco a travessia

No Caucaso o mais alto d‟entre os montes

Onde a caudal com impeto rebenta

Ampla a ferver das temporas da serra

Salva as cumiadas que do ceacuteo vizinham

Fitando entatildeo ao meio dia o rumo

Encontraraacutes as hordas de Amazonas

Avessas a varotildees e cuja seacutede

254

Themiscyra seraacute ndash do Thermodonte

Aacute foz onde a maxilla se escancara

Do mar Salmydessecirco infensa aos nautas

E inhospita madrasta dos navios

[fl123] Hatildeo de ellas proprias da melhor vontade

Prestadias mostrar o teo caminho

Vinda em seguida ao isthmo dos Cimmerios

Junto ao cerrado estreito da Meoacutetida

Transpotildee-n‟o com arrojo Ingente fama

Perpetua entre os mortaes ha de provir-te

Desse transito e Bosporo chamado

O estreito Tendo assim deixado a Europa

Do continente d‟Asia ao soacutelo aportas

Natildeo vos parece que o Reitor dos Deoses

Em tudo manifesta igual violencia

Nume querendo a esta mortal unir-se

Numa carreira intermina arrojou-a

Que ruim proacuteco te coube oh pobre virgem

Para comtigo convolar a nupcias

Quanto narrei natildeo passa de proemio

Dos soffrimentos que o porvir te guarda

IO

Ai de mim

PROMETHEU

Outra vez choras suspiras

Que seraacute quando o mais ter for notorio

O CORO DAS OCEANIDAS

Pois tens de annunciar-lhe outras desgraccedilas

PROMETHEU

Sim Um revocirclto mar de horriveis docircres

255

IO

Que monta este viver Antes de arranco

Deste rijo alcantil me arremessasse

Ao chatildeo de pedra e nelle espedaccedilada

Me libertasse de miseria tanta

Mais val de um golpe violenta morte

Que existencia arrastada em docircr sem termo

PROMETHEU

Quanto no meo lugar te lamentaacuteras

Pois o Destino me ha vedado a morte

Ella me focircra paz e livramento

Mas desta pena natildeo terei resgate

Emquanto Jove natildeo perder o imperio

[fl124] IO

E poacutede acontecer que um dia o perca

PROMETHEU

Creio te fora grato o ver-lhe a queacuteda

IO

E como natildeo si delle eu tanto soffro

PROMETHEU

Isso ha de succeder Dou-te a certeza

IO

Quem o despojaraacute do regio sceptro

PROMETHEU

Elle a si proprio por acccedilotildees estultas

256

IO

E como Explica-o natildeo havendo risco

PROMETHEU

Por um consorcio fonte de amarguras

IO

Eacute com Deosa ou mortal Dize si o poacutedes

PROMETHEU

Para que perguntal-o Ha neste ponto

Mysterio e natildeo me eacute dado descobril-o

IO

Desthronado seraacute por essa esposa

[fl125] PROMETHEU

Ella ha de dar o nascimento a um filho

Mais forte do que o Pae

IO

Natildeo poacutede Jove

O desastre evitar

PROMETHEU

Natildeo lhe eacute possivel

A natildeo ser que eu liberto destas peias

IO

Quem Jupiter invito ha que te livre

PROMETHEU

Eacute fatal seja alguem da prole tua

257

IO

Que Viraacute libertar-te um de meos filhos

PROMETHEU

Apoacutes dez geraccedilotildees um da terceira

Seguinte geraccedilatildeo ha de livrar-me

IO

Difficil comprehensatildeo a deste augurio

PROMETHEU

Dos reveses por vir natildeo mais indagues

IO

Recusas-me o favor jaacute concedido

[fl126] PROMETHEU

Uma revelaccedilatildeo posso fazer-te

Escolhida entre duas

IO

Das-me a escolha

PROMETHEU

Sim Tractarei dos males que te aguardam

Ou de quem deve resgatar-me um dia

CORO

Serve aos dous A esta donzella

Prediz a futura docircr

Em seguimento revela

Quem seraacute teo salvador

PROMETHEU

258

Natildeo quero ao rogo teo mostrar-me esquerdo

E tudo vou dizer Primeiro oacute Io

Narrarei tuas multiplas corridas

Grava-as nas taboas memoraveis d‟alma

Abandonando o estreito que separa

Os continentes vae seguindo a rota

Para o lado em que o sol nasce infllammado

Sem parar o bramir do mar transpondo

Aacutes gorgoacuteneas campinas em Cisthene

Iraacutes No sitio as Phorcidas habitam

Satildeo tres virgens senis e cigniformes

Possuindo em commum um olho e um dente

Jaacutemais as visitou do sol um raio

E nem da argentea lua a luz serena

Suas irmatildes - as Goacutergones aligeras

Angui-comadas aos mortaes funestas

Teem perto os lares Quem lhes fita o aspecto

O espirito vital subito perde

Aponto os riscos Cabe-te evital-os

Outra sinistra repulsiva imagem

Veraacutes nos Gryphos catildees de Jove mudos

De agudos rostos Foge-os Foge aacute turba

De Arimaspos equestres de um soacute olho

Que do aurifluo Plutatildeo ribas occupam

[fl127] Aacute seacutede aportaraacutes de um povo negro

Junto ao berccedilo do sol nas longes plagas

Por onde corre da Ethiopia o rio

Rasga passagem pelas margens d‟elle

Teacute que enfrentes a grande catarata

Onde o Nilo a tombar dos montes Biblos

Derrama sua lympha veneranda

E de grato sabor Prosegue e alcanccedila

A terra que um triangulo figura

Praz ao Fado que em tatildeo remota zona

259

Fundes uma colonia onde te fixes

E mores Io e a descendencia tua

Si em minha narrativa ha ponto obscuro

Ou de difficil comprehensatildeo indica-o

Que tudo a esclarecer de prompto acudo

Tempo hei de sobra Nem quizera tanto

O CORO DAS OCEANIDAS

Si algo foi della omittido

Suppre o lapso da memoria

Apoacutes cede a meo pedido

Relata-nos tua historia

PROMETHEU

Do seo peregrinar futuro ouvio-me

A exposiccedilatildeo fiel Vou dar-lhe a prova

De que natildeo falo em vatildeo narrando as dores

Que antes de aqui parar ha padecido

Serei succinto pouparei palavras

E ao termo irei de seo correr infrene

Tendo chegado aos campos dos Molossos

Em Dodocircna elevada onde se encontram

De Jupiter Thesproacutecio altar e oraculo

E o carvalho que fala (alto prodigio)

Saudou-te claramente a voz divina

(Que lisonjeira saudaccedilatildeo foi essa)

Qual de Jove futura inclyta esposa

Picada do tavatildeo seguiste a costa

Ao mar de Rheacutea foste e o transpuzeste

Arredou-te dalli o errante impulso

Para commemorar esse trajecto

Mar Ionio seraacute denominado

Pela posteridade aquelle golpho

Assim daacute testemunho a mente minha

260

De que penetra aleacutem do que eacute visivel

Atando agora aacute minha historia o fio

A ella a ti conjunctamente falo

[fl128] No extremo Egyto em comoro de areia

Fronteando do Nilo a embocadura

De Canoacutepo a cidade eacute situada

Alli Jove tocando-te de leve

E affagando-te a matildeo blandicioso

Ha de acalmar-te o espirito agitado

Daraacutes mais tarde aacute luz Eacutepapho o negro

Nome que lembra as condiccedilotildees e modo

Como ha de ser de Jupiter gerado

Elle semearaacute nas ferteis glebas

Que no vasto percurso o Nilo banha

Na quinta geraccedilatildeo dahi provinda

Para Argos voltaratildeo cincoenta virgens

Fugindo ao casamento pretendido

Pelos primos paternos Exaltados

Inda insistindo no enjeitado enlace

(Que nunca houvesse de lhes vir aacute ideacuteia)

Seguindo iratildeo no encalccedilo as fugitivas

Quaes terccediloacutes que de perto as pombas seguem

Um Deos ha de invejar os corpos delles

E no gremio a Pelasgia recebel-os

Quando domados por um Marte fero

Que mata com a dextra das mulheres

E por audacia que durante a noite

Vigia como esperta sentinella

Degollar cada esposa o seo marido

Levando-lhe aacute garganta o duplo corte

De aguda espada e lhe arrancar a vida

Que Venus fira assim meos inimigos

Ha de amor ameigar uma das virgens

Para que natildeo trucide o companheiro

261

Esta hesitando no assassino plano

Preferiraacute ser fraca a ser cruenta

A matildee ella seraacute dos reis argolicos

Para o assumpto eacute mister longo discurso

Basta dizer que desta regia soacutebole

Deve provir o audacioso illustre

Perito no atirar as saggitarias

Que me ha de libertar destas cadeias

Themis Titania minha matildee predisse-o

Como e quando seraacute Eacute longa historia

E nada lucraraacutes em que a repita

IO

Ai de mim Ai de mim Novo delirio

Me lanccedila em phrenesi me abraza o cerebro

Queima-me do tavatildeo sem fogo a puacutea

De terror agitado em fortes golpes

Do peito a arcada o coraccedilatildeo verbera-me

Nas orbitas os olhos se retorcem

[fl129] Longe de mim me arroja impetuoso

O vento do furor Natildeo me obedece

A lingoa Minhas vozes conturbadas

Luctam a esmo em confusatildeo debalde

Co‟as vagas de meo barbaro infortunio

(Sahe Io)

O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE

Sabio foi sabio eminente

Quem primeiro formulou

Este conceito na mente

E em palavras o explicou

Eacute o melhor dos casamentos

262

O que se faz entre iguaes

Quem vive dos rendimentos

De trabalhos manuaes

Natildeo busque allianccedila na classe

Soberba pela riqueza

E fuja igualmente aacute enlace

Co‟os que pompeiam nobreza

Oacute Parcas De Jove o leito

Nunca eu possa compartir

Nem jaacutemais por laccedilo estreito

A um Nume qualquer me unir

Tremo ao ver a virgindade

De Io a varotildees tatildeo hostil

Por Juno sem piedade

Votada a corridas mil

EPODO

Entre iguaes natildeo temo allianccedila

Mas nunca nos olhos meos

Fixe o olhar - que natildeo se alcanccedila

Evitar - um alto Deos

Guerra em que a luta se exclue

E em que eacute nulla a resistencia

Pois o inimigo possue

Recursos sem competencia

Si um dia a Jove o desejo

De distinguir-me acudir

Maneira nenhuma vejo

De ao poder lhe resistir

263

[fl130] PROMETHEU

Mas apezar de pertinaz orgulho

Inda humilde ha de Jupiter volver-se

Pois se prepara a contrahir consorcio

Que tem de o derribar de modo inglorio

Do solio arrebatando-lhe o dominio

Entatildeo ha de cumprir-se inteiro e pleno

O anathema lanccedilado por Saturno

Quando o filho o expellio do antigo throno

Fuga aacute desastre tal nenhum dos Numes

Conhece a natildeo ser eu sei o remedio

E sei tambem o modo de applical-o

Estadeie-se Jove nas alturas

Fiado no estampido pavoroso

Que retumba atravez da immensidade

Sacuda o raio ignivomo na dextra

Pois natildeo teratildeo valor taes apparelhos

Para lhe attenuar o vilipendio

Da queacuteda e a perda do poder sem volta

Agora mesmo contra si levanta

Antagonista de expugnar difficil

Que uma chamma inventou melhor que o raio

E um fragor qua ao trovatildeo de muito excede

Hatildeo de taes armas reduzir a estilhas

De Neptuno nas matildeos esse tridente

Que o mar subleva que sacode a terra

Naufrago sobre o escolho do Infortunio

Ha de saber qual a distancia

Que entre mandar e obedecer existe

O CORO DAS OCEANIDAS

Predizes contra Jove o que desejas

264

Lhe aconteccedila

PROMETHEU

Refiro-me a successos

Que hatildeo de realizar-se e que me aprazem

Ver a seo tempo em factos convertidos

O CORO DAS OCEANIDAS

Que Jupiter vencido e dominado

PROMETHEU

E a supplicio maior que o meo sujeito

[fl131] O CORO DAS OCEANIDAS

E natildeo receias proferir taes phrases

PROMETHEU

Por que Si o natildeo morrer eacute meo destino

O CORO DAS OCEANIDAS

E si elle te aggravar esses tormentos

PROMETHEU

Que o faccedila Tudo delle espero

O CORO DAS OCEANIDAS

Eacute sabio

Quem de Adastreia aos peacutes dobra os joelhos

PROMETHEU

Submissa implora adula a quem governa

Menos que nada val Jove a meos olhos

Como eacute desejo seo no Olympo exerccedila

Ephemero poder pois sobre os Deoses

265

Imperio natildeo teraacute por longo tempo

Mas vejo alli o batedor de Jupiter

O fido servo do actual tyranno

Certo vem transmittir-me ordens recentes

MERCURIO

Alma de fel sophista astucioso

De engenho a mais natildeo ser agudo e fino

Que contra os Numes commetteste o crime

De dar ao ser de um dia honras divinas

Ladratildeo do fogo interpellar-te venho

Dize pois manda o Pae qual o consorcio

Que ha de ser causa consoante o affirmas

De sua queacuteda do poder Expotildee-me

Livre de ambages ponto a ponto a historia

Dispensa-me o descer de novo aacute terra

Prometheu Procedendo de outro modo

Natildeo abrandas a Jupiter

[fl132] PROMETHEU

Grandiloquo

E cheio de arrogancia eacute teo discurso

Qual cabe dos celicolas ao servo

Novos de ha pouco dominando crecircdes

Que em vossa fortaleza estaes a salvo

Da docircr Cahir do throno dous tyrannos

Vi e em breve hei de ver este terceiro

De modo ignominioso prosternado

Julgas talvez que hei medo aos novos Deoses

Quatildeo longe estou de receial-os Volta

Jaacute pela mesma estrada e sem que saibas

Nada de quanto investigar vieste

MERCURIO

266

Por fera obstinaccedilatildeo - desta miseria

Te arremessaste ao porto

PROMETHEU

Este infortunio

Por teo officio permutar natildeo quero

Antes escravo ser deste penhasco

Do que do Pae correio complascente

Represalia eacute do teo este doesto

MERCURIO

Pareces exultar com teo supplicio

PROMETHEU

Quem Eu Pudesse ver meos inimigos

Deste modo exultar tu como os outros

MERCURIO

Crecircs que nos males teos hei tido parte

PROMETHEU

Lhano a falar execro os novos Deoses

Que enchi de bens e em troca assim me affligem

[fl133] MERCURIO

Soffres grave molestia - a da loucura

PROMETHEU

Si eacute molestia odiar os inimigos

Desejo se prolongue a que eu padeccedilo

MERCURIO

Quem si foras feliz te supportaacutera

267

PROMETHEU (soltando um gemido)

Ai

MERCURIO

Jove desconhece essa palavra

PROMETHEU

Traz o tempo a velhice e tudo ensina

MERCURIO

Natildeo te ensinou comtudo a ter bom senso

PROMETHEU

Natildeo pois falando estou comtigo oh servo

MERCURIO

Aacutes perguntas do Pae natildeo daacutes respostas

PROMETHEU

Muito lhe devo na verdade Cabe-me

De minha gratidatildeo mostrar-lhe provas

MERCURIO

Qual de crianccedila estaacutes de mim zombando

[fl134] PROMETHEU

Natildeo eacutes acaso menos que crianccedila

No siso si de mim obter pretendes

Revelaccedilatildeo qualquer Natildeo logra Jove

Por meio de artificio ou de tortura

Levar-me a desvendar-lhe o meo segredo

Sem que elle destes ferros me desprenda

Poacutede a candente chamma arremessar-me

Confundir e abalar todo o Universo

268

Com turbilhotildees de neve d‟azas brancas

E ao troar dos estrondos subterraneos

Natildeo ha dizer-lhe quem por lei do Fado

Tem de prival-o do poder supremo

MERCURIO

Medita Em que aproveita a contumacia

PROMETHEU

Tudo ha muito hei previsto e resolvido

MERCURIO

Ousa uma vez siquer ousa insensato

Pensar maduro no teo mal presente

PROMETHEU

Importunas-me em vatildeo Teo suasorio

Eacute qual si fosse dirigido aacutes ondas

E nem possa acudir-te ao pensamento

Que aterrado de Jove ante os designios

Coraccedilatildeo feminil revista e erguendo

Como debil mulher supplices palmas

Peccedila a quem aborreccedilo em graacuteo supremo

Destes grilhotildees me livre Em tal natildeo penso

MERCURIO

Em vatildeo falei si bem demais falasse

Nada te abranda a rogos natildeo attendes

Qual poldro mal domado o freio tascas

Forcejas reluctando contra as redeas

Confianccedila orgulhosa depositas

No impotente saber Nada mais fraco

Que a pertinacia esteril da loucura

[fl135] Olha Si as minhas suggestotildees desprezas

269

Que vendaval que oceano de infortunios

Em ti vae desabar Inevitavel

Isto ha de ser O Pae antes de tudo

Dos trovotildees ao fragor do raio aacute chamma

Destruiraacute este alcantil fragoso

Sob os escombros sumiraacute teo corpo

Estatelado em braccedilos de granito

Tens de voltar aacute luz apoacutes volvidos

Longos eacutevos Entatildeo a aguia cruenta

- Catildeo volatil de Jove - em mil pedaccedilos

Ha de voraz atassalhar-te as carnes

Qual diario conviva sem convite

Faraacute banquete com teo negro figado

- Uacutenico do festim manjar sangrento ndash

Natildeo esperes o fim do atroz supplicio

Emquanto um Deos que padecel-o queira

Por ti natildeo desccedila ao Orco tenebroso

E aacute voragem do Tartaro profundo

Pensa Natildeo vejas ameaccedila inane

No que te digo Eacute muito grave o assumpto

Nunca mentio de Jupiter a bocca

Cumpre o que diz Reflecte delibera

Nem aacute prudencia opponhas arrogancia

O CORO DAS OCEANIDAS

Natildeo parece impertinente

De Mercurio a allocuccedilatildeo

Pois te exhorta a ser prudente

E a deixar a obstinaccedilatildeo

O seo conselho cordato

Deves ouvir e acceitar

Eacute vergonhoso ao sensato

Na falta perseverar

270

PROMETHEU

Eu conhecia os termos da embaixada

Que elle vociferou Poreacutem que importa

Natildeo produzem sorpreza e nem deslustram

Apocircdos e desfeitas de inimigo

E pois que seja sobre mim vibrada

A bi-partida flammejante espira

Abalem o ether dos trovotildees o estrondo

E o sibilante urrar dos soltos ventos

Medonho furacatildeo sacuda a Terra

Desde a raiz nos imos fundamentos

[fl136] Equoreos escarceacuteos mugindo invadam

Celestes plainos onde os astros giram

E Jove pelo vortice arrastado

Da rigida fatal Necessidade

Arroje o corpo meo no negro Tartaro

Em vatildeo Natildeo tem poder de dar-me a morte

MERCURIO

Taes palavras iguaes arrazoados

Soacute se podem ouvir de um mentecapto

Eil-o que attinge as raias da loucura

Pois natildeo doma ao furor a violencia

E voacutes que do seo mal haveis piedade

Destes lugares afastai-vos presto

Por que o trovatildeo que ahi vem rugindo horrivel

Natildeo vos transtorne de pavor a mente

O CORO DAS OCEANIDAS

Daacute-me conselho aceitavel

E seraacutes obedecido

Eacute de todo intoleravel

O que me tens dirigido

271

Estranho o teo sentimento

Cobarde nunca serei

Seja qual focircr seo tormento

Com elle o compartirei

Dos vis traidores a peste

Experiente aborreccedilo

Nem cousa que eu mais deteste

Em minha vida conheccedilo

MERCURIO

Lembre-te ao menos que te dei o aviso

Nunca em transe de docircr digas que a Sorte

Ou Jove de improviso te ha ferido

E sim Eu mesma fui do mal sciente

Nelle cahir por falta de cautela

E natildeo por laccedilo armado ou por sorpresa

A humana insensatez nos prende aacutes malhas

Da inextricavel recircde do Infortunio

De que jaacutemais algueacutem logrou soltar-se

[fl137] PROMETHEU

Eis se cumpre a ameaccedila A Terra nuta

Rouco trovatildeo no bocircjo lhe restruge

Rasga a espiral a poeira torvelinha

Irropem a soprar todos os ventos

E mutuamente os impetos oppondo

Forccedilam varios bulcotildees que se abalroam

O Ether combalido ao mar confunde-se

Contra mim Jove manifesto rue

Violento e quer ver se me apavora

272

Oh santo103

amocircr de minha matildee Oh Ether

Em cujo seio a luz commum circula

Vecircde a que me atormenta injusta pena

103 A palavra comeccedila com letra minuacutescula no livro

273

CONCLUSAtildeO GERAL DA DISSERTACcedilAtildeO

Dentre as centenas de trageacutedias gregas que vieram a lume na antiguidade apenas

32 chegaram agrave posteridade Desse nuacutemero reduzido de ldquosobreviventesrdquo sete trageacutedias

satildeo atribuiacutedas a Eacutesquilo O Prometeu Acorrentado eacute uma delas

As trageacutedias gregas do seacuteculo V aC foram compostas primeiramente para uma

performance Depois da encenaccedilatildeo textos das trageacutedias mais populares provavelmente

circulavam para uma leitura privada alguns desses textos eram mais confiaacuteveis que

outros (GRIFFITH 1997 p35 MAZON 1953 pX) No quarto seacuteculo aC encenaccedilotildees

de ldquovelhas trageacutediasrdquo do seacuteculo V tornaram-se comuns em Atenas Essas encenaccedilotildees

foram aparentemente suscetiacuteveis a desvios em relaccedilatildeo ao texto original tanto que um

decreto foi aprovado exigindo que coacutepias oficiais das peccedilas dos trecircs grandes

tragedioacutegrafos fossem guardadas (Licurgo 330 aC) e proibindo os atores de se

desviarem delas (GRIFFITH1997 pp35-6 MAZON 1953 pXI) Isso indica que a

proeminecircncia de Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides jaacute ocorrera na antiguidade e que esse

fenocircmeno influenciara de certa forma na preservaccedilatildeo de algumas de suas obras

Natildeo se sabe ao certo com que base os textos oficiais dos trecircs grandes

dramaturgos gregos foram escolhidos no seacuteculo IV aC mas eacute supostamente deles que

os estudiosos da Biblioteca de Alexandria no final do terceiro e no iniacutecio do segundo

seacuteculo aC estabeleceram os textos dos quais a tradiccedilatildeo posterior provavelmente

depende

Os estudiosos de Alexandria conheciam cerca de nove tiacutetulos das trageacutedias de

Eacutesquilo e possuiacuteam cerca de sete delas entre as quais se encontrava o Prometeu

Acorrentado (GRIFFTH 1997 pp36-7) Hoje contestada a autoria de Eacutesquilo para o

Prometeu Acorrentado nunca foi posta em duacutevida na antiguidade104

Na presente

104

Mark Griffth em 1977 contestou a autoria de Eacutesquilo em seu livro The authenticity of bdquoPrometheus

Bound‟ (Cambridge University) focando sua anaacutelise em questotildees meacutetricas e escolha de vocabulaacuterio

MLWest endossa a posiccedilatildeo de Griffth em seu texto ldquoThe Prometheus Trilogyrdquo (Oxford University

[1979] 2008) trazendo para a discussatildeo a opiniatildeo de que uma peccedila como o ldquoPrometeu Acorrentadordquo natildeo

poderia ser encenada num teatro com as proporccedilotildees do Teatro de Dioniso no seacuteculo V aC (proporccedilotildees

estas tambeacutem sujeitas a muitas contestaccedilotildees entre os especialistas) Ainda em ldquoThe authorship of the

Prometheus Trilogy Studies in Aeschylus Stuttgart 1990 West afirma que o ldquoPrometeu Acorrentadordquo eacute

uma trageacutedia inorgacircnica e inconsistente com seus personagens e teologia ela seria por assim dizer uma

trageacutedia indigna do gecircnio de Eacutesquilo Por outro lado interessantes argumentos a favor da autoria de

Eacutesquilo satildeo encontrados no livro de Maria Pia Pattoni L‟autenticitaacute del Prometeo Incatenato Pisa 1987

274

dissertaccedilatildeo seguimos a tradiccedilatildeo milenar que considera Eacutesquilo o autor do Prometeu

Acorrentado

Atualmente eacute possiacutevel utilizar canetas esferograacuteficas para redigir um manuscrito

Tais canetas possuem uma minuacutescula esfera localizada na ponta a qual eacute

completamente envolvida pela tinta o que possibilita a distribuiccedilatildeo constante e

uniforme do traccedilo Dom Pedro II natildeo possuiacutea esse recurso quando redigiu sua traduccedilatildeo

em prosa do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo pois a primeira caneta esferograacutefica foi

patenteada somente em 1930 por Laacuteszloacute Biroacute (STOYLES amp PENTLAND 2006) O

instrumento graacutefico utilizado pelo Imperador foi uma caneta bico de pena a qual era

embebida em tinteiro sempre que necessaacuterio Quando a caneta era carregada o traccedilo do

Imperador era mais espesso como se pode notar na seguinte reproduccedilatildeo do manuscrito

depositado no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro

Figura 26 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Agrave medida que Pedro II ia escrevendo a tinta evidentemente diminuiacutea e seu traccedilo

tornava-se mais tecircnue

Figura 27 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Agraves vezes as correccedilotildees interlineares eram feitas com um traccedilo tecircnue indicando

que a mudaccedila fora feita quase que imediatamente

275

Figura 28 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Outras vezes a correccedilatildeo se apresenta num traccedilo mais espesso parecendo indicar

que a correccedilatildeo natildeo fora feita de imediato Veja-se a seguir a diferenccedila de quantidade de

tinta entre o texto e a sua posterior correccedilatildeo interlinear

Figura 29 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Estudar o Manuscrito Imperial eacute tambeacutem ter a possibilidade de perceber os

gestos de sua redaccedilatildeo Gestos que natildeo mais existem a natildeo ser nas marcas deixadas no

papel e nas hipoacuteteses imageacuteticas que habitam a mente de um pesquisador Na leitura do

manuscrito eacute possiacutevel ver por meio da imaginaccedilatildeo Dom Pedro II fazendo uma pausa

para embeber a sua caneta no tinteiro e em seguida retomar seu trabalho de redaccedilatildeo

Ter essa possibilidade eacute uma experiecircncia de estudo privilegiada Um termo que poderia

ser evocado para tentar sintetizar a experiecircncia vivenciada ao longo da presente

pesquisa eacute ldquoserendipidaderdquo Tal palavra se emprega geralmente para se referir a

descobertas afortunadas feitas aparentemente por acaso

De iniacutecio supuacutenhamos que jaacute houvesse uma ediccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de

Dom Pedro II e almejaacutevamos apenas estudaacute-la e cotejaacute-la com outras traduccedilotildees Grande

foi a surpresa para natildeo dizer ldquoespantordquo ao percebermos que teriacuteamos a possibilidade de

transcrevecirc-la pela primeira vez e trazecirc-la a lume Mas as descobertas afortunadas natildeo

terminaram aiacute Como visto com a publicaccedilatildeo dos primeiros resultados da pesquisa

Alessandra Fraguas nos informou sobre a existecircncia de uma versatildeo preliminar

depositada no Museu Imperial aleacutem de uma carta escrita pelo Baratildeo de Paranapiacaba agrave

Princesa Isabel em 9 de setembro de 1905 na qual informa mais detalhes sobre a obra

que publicaria em 1907 ldquoEacute esta no meu conceito e nos meus amigos a minha melhor

produccedilatildeordquo afirma o Baratildeo e continua ldquoComo jaacute estou muito velho conveacutem natildeo

276

demorar a publicaccedilatildeordquo105

Tal declaraccedilatildeo do Baratildeo de Paranapiacaba tem algo de

tocante e belo Nela se revela a autoconsciecircncia de Joatildeo Cardoso de Menezes de que a

morte se aproximava Por isso mesmo revela o desejo de deixar mais uma marca no

mundo algo que de certa forma mantivesse a sua presenccedila na histoacuteria por meio da

memoacuteria Isso faz lembrar a leitura que Jacques Derrida faz de uma conhecida passagem

de A tarefa do tradutor de Walter Benjamin

Pois eacute a partir da histoacuteria natildeo da natureza que eacute preciso finalmente

circunscrever o domiacutenio da vida Assim nasce para o filoacutesofo a tarefa

(Aufgabe) de compreender toda vida natural a partir dessa vida de mais vasta

extensatildeo que eacute aquela da histoacuteria (DERRIDA 2006 p32)

Graccedilas ao texto de Haroldo de Campos ldquoO Prometeu dos Barotildeesrdquo fomos

capazes de perceber a importacircncia do livro do Baratildeo de Paranapiacaba para os estudos

de recepccedilatildeo dos Claacutessicos no Brasil Ter acesso posteriormente agrave declaraccedilatildeo do Baratildeo

sobre o valor que ele proacuteprio dava ao seu livro despertou-nos o sentimento de

reverecircncia o que de certa forma nos empenhou ainda mais em nosso trabalho Apesar

dos acertos e desacertos das versotildees poeacuteticas de Joatildeo Cardoso de Menezes elas

representam o legado de um homem que teve o privileacutegio de conviver com o Imperador

Dom Pedro II e que se valeu desse livro para que isso natildeo se perdesse no esquecimento

Sentimento semelhante moveu-nos a fazer o levantamento das versotildees

brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo A USP eacute um importante centro de

estudo e de traduccedilatildeo de obras claacutessicas Seria incoerente que aquele que estuda e

acompanha de perto a tarefa desafiadora e aacuterdua que eacute traduzir obras claacutessicas natildeo lhe

desse a devida atenccedilatildeo O que natildeo eacute relembrado como jaacute dito perece O esforccedilo

daqueles que doaram parte de seu tempo de vida para que o Prometeu Acorrentado

permanecesse vivo em seu tempo natildeo poderia ser desprezado numa pesquisa como a

nossa Muitos dos tradutores citados em nosso trabalho estatildeo mortos mas o fruto de

sua reflexatildeo e trabalho tradutoacuterio ainda existe Tais obras ao serem consideradas e

relembradas tecircm o potencial de influenciar futuras traduccedilotildees Por meio de suas versotildees

os tradutores de certa forma ainda vivem e agem

105 I-POB- Maccedilo 204 ndash Doc 9329 - Carta de Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza Baratildeo de Paranapiacaba

a D Isabel condessa dEu Assinada e datada Rio [de Janeiro] 09091905 Museu

ImperialIbramMinisteacuterio da Cidadania reproduzida integralmente e anexada agrave dissertaccedilatildeo

277

No iniciacuteo da presente dissertaccedilatildeo foram levantadas algumas questotildees que em

nosso entedimento podem ser respondidas de forma mais segura depois da pesquisa

empreendida

O livro Prometheu Acorrentado original de Eschylo Vertido litteralmente

para o portuguez por Dom Pedro II Imperador do Brasil transladaccedilatildeo poeacutetica do

texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Imprensa Nacional 1907 poderia ser

considerado um dos poucos livros de traduccedilatildeo do Imperador Dom Pedro II

publicados ateacute entatildeo

O livro natildeo conteacutem a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II do Prometeu

Acorrentado e sim as versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba embora o Baratildeo cite

a traduccedilatildeo empreendida pelo Imperador do poema Cinque maggio (ldquoCinco de maiordquo)

de Alessandro Manzoni (pp244-6) enquanto narrava fatos de sua convivecircncia com

Dom Pedro II Paranapiacaba tambeacutem cita alguns poemas de autoria do Imperador (ldquoAgrave

Imperatrizrdquo p246-7 ldquoAspiraccedilatildeordquo p247 ldquoGrande Povordquo p247-8 ldquoNo Brasil brilhou

sempre o mecircs de maiordquo p218) O livro embora faccedila uma grande homenagem a Dom

Pedro II focaliza mais as versotildees poeacuteticas do Baratildeo em vez da praacutetica tradutoacuteria do

Imperador e sua traduccedilatildeo da antiga trageacutedia grega Eacute sobretudo um livro de traduccedilotildees e

escritos do Baratildeo de Paranapiacaba106

Ateacute que ponto as versotildees de Paranapiacaba estatildeo ligadas semanticamente agrave

traduccedilatildeo do Imperador Seraacute que os meacuteritos ou os pontos fracos das versotildees

poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba podem ser atribuiacutedos tambeacutem agrave traduccedilatildeo em

prosa de Dom Pedro II

Notou-se por meio da anaacutelise empreendida que Paranapiacaba seguiu o seu

proacuteprio caminho empreendendo mais um trabalho paralelo do que propriamente uma

adaptaccedilatildeo Apesar de o Imperador e Paranapiacaba utilizarem os nomes latinos para as

divindades gregas a palavra ldquoJoverdquo usada frequentemente nas versotildees poeacuteticas de

Paranapiacaba para se referir a Zeus eacute utilizada apenas uma vez no Manuscrito Imperial

(oitava paacutegina do manuscrito)107

A escolha dos vocaacutebulos empregados eacute bastante

106

Para mais detalhes ver paacutegina 158 nota 107

ldquo() pois novos timoneiros regem o Olympo e com leis novas impera Jove illegitimamente destroe

agora o que era antes veneravelrdquo

278

diversa entre eles Aleacutem disso a leitura da trageacutedia tambeacutem difere quanto ao papel de

Oceano no mito de Prometeu Satildeo obras distintas e demandam anaacutelises diferenciadas

Seria equivocado considerar as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba como a ldquotraduccedilatildeo de

Dom Pedro II em versosrdquo

Entendemos que a maior influecircncia que a traduccedilatildeo em prosa de Pedro II exerceu

sobre as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba foi o estiacutemulo Se Dom Pedro II natildeo tivesse

encarregado o Baratildeo para fazer as versotildees poeacuteticas em liacutengua portuguesa talvez

Paranapiacaba nunca tivesse se interessado pelo Prometeu Acorrentado Mesmo assim

eacute estranho o fato de que o Baratildeo natildeo tenha citado uma uacutenica passagem da traduccedilatildeo em

prosa do Imperador em seu livro Mesmo quando cita uma versatildeo literal em nota natildeo eacute

a de Dom Pedro II que Joatildeo Cardoso de Menezes apresenta Como entender por um

lado tamanha admiraccedilatildeo de Paranapiacaba ao Imperador e por outro tanta relutacircncia

em citar passagens da traduccedilatildeo em prosa de quem tanto admirou

Temos uma hipoacutetese

Alguns dos poemas e traduccedilotildees de Dom Pedro II foram publicados em 1889 no

livro Poesias (Originais e traduccedilotildees) como homenagem de seus netos Essa mesma

obra foi reeditada em 1932 pelo republicano Medeiros e Albuquerque autor do Hino da

Repuacuteblica Segundo Daros (2019 pp207-10) tal publicaccedilatildeo aleacutem de possuir erros natildeo

presentes na ediccedilatildeo original traz um prefaacutecio no qual Medeiros e Albuquerque

vilipendia Dom Pedro II nos seguintes termos

Ele sempre foi (podem vecirc-lo) integralmente peacutessimo deficiecircncia de ideias

imperfeiccedilatildeo teacutecnica [] O que se sabe eacute que ele natildeo tinha nenhuma daquelas

qualidades E foi exatamente por isso que se viu muito justamente deposto

Os aduladores excessivos de sua memoacuteria esquecem-se de que para exaltaacute-

lo precisam deprimir o Brasil (1932 pp7 20 apud DAROS 2019 p296)

Diante de tais palavras Romeu Porto Daros (2019 p298) afirma

No entanto o que o prefaacutecio desse escritor e poliacutetico natildeo consegue ocultar eacute

que por traacutes da cruzada para reduzir a qualidade poeacutetica e intelectual do

homem Pedro de Alcacircntara se dissimulava a verdadeira razatildeo de sua criacutetica

apagar da memoacuteria da naccedilatildeo o governante Dom Pedro II e o seu regime

Se em 1932 a competecircncia literaacuteria e intelectual de Dom Pedro II eram atacadas

de tal forma pelo republicano Medeiros e Albuquerque o que dizer entatildeo do cenaacuterio

poliacutetico da republica ainda recente no ano de 1907 ano em que o livro do Baratildeo de

Paranapiacaba foi publicado Desconfiamos que a traduccedilatildeo de ldquoCinco de maiordquo e os

279

poemas do Imperador citados pelo Baratildeo jaacute eram de conhecimento puacuteblico antes de

publicar o seu livro e por isso natildeo temeu citaacute-los Seraacute que o Baratildeo mesmo querendo

homenagear Dom Pedro II receava publicar a ineacutedita traduccedilatildeo em prosa ou ateacute mesmo

citar trechos dela temendo dar um pretexto aos caluniadores do Imperador Eacute de se

desconfiar que sim Sobretudo se atentarmos para as declaraccedilotildees supracitadas de

Medeiros e Albuquerque e a seguinte declaraccedilatildeo do Baratildeo de Paranapiacaba sobre

Dom Pedro II em carta a Lafayette Rodrigues Pereira escrita em 10 de outubro de

1899 e reproduzida em seu livro ldquoAssignalarei ahi factos que serviratildeo para accentuar

as feiccedilotildees daquella physionomia moral injustamente desfiguradas por algunsrdquo (1907

pXI)

Na carta escrita agrave Princesa Isabel Joatildeo Cardoso de Menezes afirma que ldquoo livro

daraacute um bello volume de 500 paacuteginasrdquo Tambeacutem diz agrave Princesa que ldquoComo esse

trabalho eacute uma homenagem aacute memoria do nosso Monarcha e Pai expansiva como ainda

ningueacutem a fez entendi que natildeo devia editar sem licenccedila de Vossa Magestaderdquo No

entanto o livro em vez das 500 paacuteginas mencionadas na carta foi publicado com 333

paacuteginas Seraacute que a publicaccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa do Imperador fazia parte do

projeto original de Paranapiacaba Seraacute que a Princesa Isabel teria respondido ao Baratildeo

orientando-o a natildeo publicar a traduccedilatildeo ineacutedita de seu pai receando que inimigos

poliacuteticos vilipendiassem a memoacuteria do Imperador por meio de anaacutelises literaacuterias

tendenciosas Eacute claro que a reduccedilatildeo de paacuteginas poderia ter ocorrido por outros motivos

como a economia de custos para a publicaccedilatildeo por exemplo Mesmo assim

desconfiamos que a estranha relutacircncia de Paranapiacaba em publicar a traduccedilatildeo em

prosa ou trechos dela pode estar ligada a uma tentativa de se evitar ataques contra a

imagem do falecido monarca

Discordando da opiniatildeo de Medeiros e Albuquerque a anaacutelise feita da traduccedilatildeo

em prosa de Dom Pedro II (capiacutetulo 2) evidenciou elementos que apontam para a

competecircncia do Imperador tanto do ponto de vista filoloacutegico quanto esteacutetico Ao longo

de nossa pesquisa percebemos que Dom Pedro II procurava uma proximidade com o

original tanto na forma quanto no sentido em suas traduccedilotildees Quando isso natildeo era

possiacutevel o Imperador dava preferecircncia ao sentido das palavras via traduccedilatildeo literal

como Ramiz Galvatildeo afirmou em prefaacutecio agrave versatildeo que fizera do Prometeu Acorrentado

Embora Pedro de Alcacircntara possuiacutesse notaacutevel competecircncia poeacutetica parece que seus

interesses filoloacutegicos e hermenecircuticos prevaleciam em sua praacutetica tradutoacuteria

280

Expressotildees como ldquoeu natildeo quis melhorar Dante na minha traduccedilatildeordquo ou ldquoeu teria mais

respeito a Danterdquo ou ainda ldquoseria melhor traduzir com a simplicidade do originalrdquo

escritas por Dom Pedro II (apud DAROS 2019 pp234-5) parecem indicar que o perfil

de tradutor do Imperador natildeo era por assim dizer o de um ldquotranspoetizador luciferinordquo

valendo-se de expressotildees comuns a Haroldo de Campos (2013 pp 17 153-4)108

Por fim reafirmamos que a ldquohistoacuteria da traduccedilatildeo de Literatura Grega no Brasil

ainda estaacute para ser escritardquo (DUARTE 2016) e natildeo temos a prentensatildeo de escrevecirc-la

sozinhos pois ldquoum miacutenimo de honestidade nos afasta de empresas que natildeo podemos

realizarrdquo (RAMOS 2008 p63) Mesmo assim entendemos que realizando a

transcriccedilatildeo completa da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e das versotildees poeacuteticas de

Paranapiacaba estamos dando mais um pequeno passo rumo ao atendimento dessa

grande demanda nos estudos da recepccedilatildeo e traduccedilatildeo dos claacutessicos no Brasil Mesmo que

seja uma marcha longa e aacuterdua como o caminho para Santiago de Compostela ter a

possibilidade de dar alguma contribuiccedilatildeo nesse sentido foi algo intelectualmente

enriquecedor Foi de fato um Buen camino

108

Para mais detalhes sobre o que entendemos acerca da poeacutetica tradutoacuteria de Haroldo de Campos veja-

se o texto ldquoHaroldo de Campos um luciferino tradutor brasileirordquo (p289) anexado agrave dissertaccedilatildeo

281

ANEXOS

282

Carta do Baratildeo de Paranapiacaba agrave Princesa Isabel

[fl1]109

Senhora

Rio 9 de Setembro de 1905

Releve-me Vossa Magestade a ousadia de dirigir-lhe estas linhas por matildeo de

minha mulher pois me eacute difficilimo escrever

Em 8brordm de 1889 ao despedir-me de S Magestade o Imperador DPedro 2ordm na

Tijuca deu-me SMagestade por letra sua uma versatildeo em prosa da tragedia de Eschylo

ldquoPrometheu encadeadordquo encarregando-me de a trasladar para verso portuguez Tractei

logo de adquirir as versotildees e os com- [fl2] mentarios que d‟aquella obra prima

existem em varias linguas e incetei110

e levei a cabo com o maior esmero a traducccedilatildeo

d‟ella

Ha cerca de 8 annos publicou o Jornal do Commercio a versatildeo da scena em que

figura Prometheu nos confins da Scythia pordf onde eacute conduzido pela Forccedila e pela

Violencia acompanhadas de Vulcano que o acorrenta ao rochedo Precedia a essa

publicaccedilatildeo uma carta minha ao Conselheiro Lafayette rogando-lhe prefaciasse o livro

que teria prologos meus narrando um d‟elles as minhas relaccedilotildees com Sua Magestade

desde que em Fevevereiro[fl3] de 1846 o saudei com uma poesia em SPaulo ateacute que

D‟elle me separei no Palacio de Itamaraty em 8brordm de 1889 contendo os outros

prologos a vida de Eschylo critica de suas obras e a comparaccedilatildeo do teatro antigo com o

moderno Figurava tambem na referida publicaccedilatildeo a resposta do Lafayette aceitando a

incumbencia de escrever o prologo

A pedido do mesmo Lafayette fiz outra versatildeo da tragedia em verso livre

(menos os coacuteros que satildeo sempre rimados)

D‟essas duas versotildees tem apparecido longos trechos na imprensa e notadamente

nos almanaques do Garnier [fl4] Falta-me para elemento de consulta a traducccedilatildeo de

109

I-POB- Maccedilo 204 ndash Doc 9329 - Carta de Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza baratildeo de Paranapiacaba a

D Isabel condessa dEu Assinada e datada Rio [de Janeiro] 09091905 Museu

ImperialIbramMinisteacuterio da Cidadania 110 Era de se esperar ldquoenceteirdquo

283

Thomaz Stanley ediccedilatildeo de Londres (do seculo 17) com o texto grego de um lado e do

outro o latino

Depois de alguns annos de inutil pesquiza por todas as livrarias da Europa foi

descoberta essa obra (a melhor que ha sobre Eschylo) na bibliotheca de Napoles pelo

Dor Alambary Luz que ahi fez extrahir copias da versatildeo latina de Prometheu e suas

respectivas notas e m‟as remetteu Tenho jaacute modificado para melhor a traducccedilatildeo pelo

texto de Stanley achando-se promptas os originaes para serem [fl5] levados ao preacutelo

O livro daraacute um bello volume de 500 paginas mais ou menos E esta no meu

conceito e nos de meus amigos a minha melhor producccedilatildeo Como jaacute estou muito

velho conveacutem natildeo demorar a publicaccedilatildeo que pretendo saia bem escoimada de erros

A biographia de S M o Imperador seraacute a mais completa possivel regulando-se

pelo estylo do panegyrico que a respeito d‟esse grande e saudoso vulto pronunciei

entre estrondosas palmas no Instituto Historico e de que tomo a liberdade de offerecer a

Vossa Magestade [fl6] alguns exemplares

Como esse trabalho eacute uma homenagem aacute memoria do nosso Monarcha e Pai111

expansiva como ainda ninguem a fez entendi que natildeo o devia editar sem licenccedila de

Vossa Magestade

Em todo o caso vai ser jaacute publicado o livro salvo ordem em contrario de Vossa

Magestade cujas altas virtudes que satildeo as mesmas do seu inovidavel Pai satildeo objecto

de meu culto

Imploro a Vossa Magestade venia para dedicar-lhe essa versatildeo rogando a Vossa

Magestade se digne dar-me parte de sua resoluccedilatildeo agrave que me [fl7] curvarei com respeito

e acatamento que devo e sempre tributei aacutes deliberaccedilotildees da Immortal Senhora symbolo

immaculado da Monarchia aacute que me tenho conservado fiel e aacute cuja memoria morrerei

abraccedilado

Subscrevo me submisso

De Vossa Magestade

o mais humilde suacutebdito

Baratildeo d Paranapiacaba112

111 Era de se esperar a grafia ldquopaerdquo em vez de ldquopairdquo 112 Nesse ponto a caligrafia muda pois eacute o proacuteprio Paranapiacaba que assina

284

Prefaacutecio escrito por Lafayette Rodrigues Pereira a pedido do Baratildeo de

Paranapiacaba113

[fl13]

O Prometheu de Eschylo eacute um dos productos mais admiraveis do genio antigo

Tomou o poeta para assumpto de sua tragedia a lenda mythologica

A lenda era uma creaccedilatildeo da phantasia popular dos Gregos das primitivas eacuteras

preciosa pela grandeza do pensamento e pela profundidade da significaccedilatildeo altamente

humana

Eschilo114

submetteo-a aos processos do seo genio vasou-a em moldes severos

simplificou-a condensou-a em uma summa poderosa e deo-lhe a unidade rigorosa e

inflexivel de acccedilatildeo de tempo e lugar - unidade que mais tarde Aristoteles elevou aacute

cathegoria de uma das regras fundamentaes do Drama

A coragem indomavel e a obstinaccedilatildeo feroz do Titan a altivez diante do soberano

do Olympo o desdeacutem e a impassibilidade com que supporta as torturas que lhe satildeo

infligidas a consciencia da obra que consummou e que motivou a perseguiccedilatildeo de que

eacute victima a elevaccedilatildeo e a altura dos pensamentos que o poeta lhe attribue a eloquencia

da colera e indignaccedilatildeo que irrompem de suas palavras a realidade de vida de todas as

figuras o desenlace da acccedilatildeo rapido como o raio que a determina satildeo sublimidades

primores e excellencias que teem arrancado gritos de admiraccedilatildeo aos criticos de todas as

idades

[fl14]

Todas as outras figuras da tragedia as quaes na realidade natildeo teem outro

destino sinatildeo o de fazer sobresahir a personalidade grandiosa do Titan falam a lingoa

que lhes conveacutem no desenvolvimento da acccedilatildeo

O cocircro das Oceanidas e Io teem accentos e modulaccedilotildees que pela candura pela

ingenuidade e pelo tom doce e suave lembram como observa um critico as

encantadoras estrophes de Sapho Ao ler essas bellas passagens poacutede-se dizer de

113

PARANAPIACABA 1907 ppXIII-XVI Mantemos a ortografia original 114

Foi transcrito tal qual estaacute no livro O correto para a eacutepoca seria ldquoEschylordquo e natildeo ldquoEschilordquo como foi

publicado nesse trecho do prefaacutecio Mais adiante encontra-se no livro a mesma palavra com a grafia

correta

285

Eschylo o que um critico antigo disse de Thucydides a proposito da descriccedilatildeo das

bellezas da Attica - ldquoAqui o leatildeo sorriordquo

A critica do Prometheu estaacute feita Homens da maior competencia de um bom

gosto apurado e de erudiccedilatildeo vastissima estudaram-no sob todos os aspectos Nada resta

a accrescentar E pois soacute direi da traducccedilatildeo

Traduzir para uma lingoa viva um monumento antiquissimo talhado numa

lingoa morta como o Prometheu de Eschylo eacute tarefa ardua e porventura difficillima

Eacute preciso antes de tudo entender o texto apoderar-se com vigor e clareza do

pensamento directo e intencional do poeta - pensamento envolto nas dobras e

circumvoluccedilotildees de uma lingoa cheia de obscuridades

Nesta parte importantissima do trabalho acha o traductor auxiliares de primeira

ordem Uma legiatildeo de humanistas de todos os seculos cavaram o texto e por meio de

analyses profundas e aacute forccedila de sagacidade e de erudiccedilatildeo conseguiram arrancar da lettra

morta os segredos que ella encerra

Na interpretaccedilatildeo poreacutem do texto ha discordancia de opiniotildees entre os mais

competentes Tem o traductor sem duvida o direito de preferir a que lhe parecer mais

razoavel e de suggerir segundo suas forccedilas a intelligencia que se lhe afigura a

verdadeira ou mais proxima da verdade Natildeo eacute soacute isso Cada eacutepoca tem sua

atmospheacutera115

intellectual - um composito de pensamentos de ideias de juizos de

crenccedilas de phantasias de supersticcedilotildees de modos de ver que dominam o espirito

humano no momento e que penetram e se infiltram inconscientemente nos productos do

tempo

Esta infiltraccedilatildeo se faz pelas nuanccedilas do vocabulario e pela construcccedilatildeo e geito

da phrase

[fl15]

O traductor tanto quanto eacute possiacutevel deve esforccedilar-se para que a sua versatildeo

espelhe aquella atmosphera116

Mas eacute isso de suprema sinatildeo de invencivel difficuldade A atmosphera

intellectual extinguiu-se com o seo tempo e o traductor vive num outro seculo debaixo

de outras ideacuteias117

e de outra civilisaccedilatildeo

115

Mais adiante a mesma palavra foi publicada sem o acento 116

Na paacutegina anterior a mesma palavra foi publicada com acento 117

Em trecho anterior do mesmo prefaacutecio a mesma palavra foi publicada sem o acento

286

Isso explica a razatildeo por que nenhuma traducccedilatildeo de texto antigo eacute reputada

definitiva Cada seculo tem seo modo de traduzir Cada geraccedilatildeo de traductores esforccedila-

se por descobrir pensamentos e intenccedilotildees que a seu ver escaparam aos seos

predecessores Um critico observa que Tacito soacute foi bem entendido depois das scenas da

Revoluccedilatildeo Franceza E por que Porque essas scenas tinham a certos respeitos grandes

analogias com as scenas descriptas pelo grande historiador

Um monumento litterario antigo poacutede ser comparado aos productos da natureza

cada geraccedilatildeo de chimicos os estuda e cada geraccedilatildeo descobre novas propriedades E as

difficuldades recrescem quando a traducccedilatildeo eacute de verso para verso ainda mesmo

quando o verso eacute em lingoa viva

No verso ha dous elementos que se reunem e se fundem para formal-o - a

expressatildeo e o pensamento

O pensamento poacutede ser com maior ou menor fidelidade passado de uma lingoa

para outra

Mas a expressatildeo a construcccedilatildeo metrica das palavras o rythmo Natildeo cada

lingoa tem vocabulos de uma significaccedilatildeo especialissima aacute que natildeo correspondem com

perfeita justeza tem vocabulos de outra ndash peculiaridades elegancias modos de dizer

idiotismos singularidades de construcccedilatildeo litteralmente intraduziveis

Podem-se achar palavras e phrases mais ou menos equivalentes eacute o que fazem

os bons traductores Mas na realidade o verso que traduz natildeo eacute o verso traduzido -

traduz-se o pensamento mas por via de regra natildeo se traduz o verso

Tomem-se as melhores traducccedilotildees de Virgilio nas lingoas vivas A interpretaccedilatildeo

do pensamento eacute em geral fiel mas nenhuma dellas reproduz o hexametro latino na

sua construcccedilatildeo na sua combinaccedilatildeo de palavras no seo rythmo no seo systhema de

harmonia

Por exemplo este verso

Sunt lacrimae rerum et mentem mortalia tangunt

[fl16]

Leio-o traduzido em versos portuguezes francezes hespanhoacutees italianos e

inglezes interpretam o pensamento mais ou menos segundo o sentido que lhe deram

os humanistas mas o verso da traducccedilatildeo de ordinario nem remotamente daacute ideia da

estructura e do rythmo do verso latino

287

As ponderaccedilotildees que acabo de aventurar teem por fim fazer sentir as

difficuldades qu118

o Baratildeo de Paranapiacaba tinha a vencer no seo ingente esforccedilo para

traduzir em verso portuguez o assombroso poema de Eschylo

Em homenagem aacute verdade eacute preciso dizel-o - elle as superou bem e com

galhardia

Certamente natildeo se poderia exigir do preclaro traductor que vasasse

litteralmente no metro portuguez o metro grego Satildeo radicalmente differentes as lingoas

e cada uma tem o seo systema de metrificaccedilatildeo

Espelha a traducccedilatildeo a atmosphera intellectual em que viveo o antigo poeta Eacute

difficil para um leitor moderno julgal-o Mas eacute fora de duvida que atravez do poema

traduzido corre como que um socircpro de hellenismo que lhe daacute um ar uma certa feiccedilatildeo

do pensamento antigo

O pensamento directo e intencional do poeta eacute reproduzido com fidelidade A

versificaccedilatildeo eacute admiravel

O Titan fala sempre a lingoa que lhe conveacutem em versos decasyllabos e

alexandrinos sonoros cheios fluentes de um grande vigor e que pelo brilho forccedila e

energia de expressatildeo luctam nobremente com o original

Para os coacuteros o traductor cedendo aacute natureza do assumpto preferio como era

de razatildeo os versos de arte menor - primam pela elegancia delicadeza e harmonia

As demais figuras exprimem-se em metros variados mas sempre bem e

consoante com os seos caracteres e as exigecircncias do momento Que mais poderia

requerer do illustre traductor uma critica justa e razoavel

O Prometheu de Eschylo traduzido pelo Baratildeo de Paranapiacaba viveraacute nas

nossas lettras como um monumento de boa e grande poesia e como um modelo de

vernaculidade sem os requintes de um purismo de maacuteo gosto

118

Transcrito tal qual estaacute no livro

288

Haroldo de Campos um luciferino tradutor brasileiro

Mesmo levando-se em conta o fato de que Haroldo de Campos nunca publicara

uma traduccedilatildeo sua do Prometeu Acorrentado eacute quase impossiacutevel escrever sobre traduccedilatildeo

poeacutetica sem mencionar seu nome pois ldquoentre os poetas que o Brasil jaacute teve e tem

Haroldo de Campos eacute o maior pensador da traduccedilatildeo poeacutetica tendo publicado um

nuacutemero significativo de textos que se somam num conjunto denso e coerente acerca do

assuntordquo (TAacutePIA 2013 pXI)

O presente texto natildeo foi incorporado dentro da discussatildeo encontrada no primeiro

capiacutetulo da dissertaccedilatildeo para evitar-se os seguintes problemas embora Haroldo seja o

autor do texto O Prometeu dos barotildees e sem sombra de duacutevidas um dos catalizadores

da pesquisa que realizamos tratar de sua praacutetica tradutoacuteria num capiacutetulo destinado aos

tradutores do Prometeu poderia se configurar como uma longa digressatildeo se nos

aprofundaacutessemos em seu complexo pensamento Por outro lado caso o fizeacutessemos de

passagem correriacuteamos o risco de involuntariamente sermos reducionistas

Em nossa opiniatildeo o quadro A Escola de Atenas de Rafael Sanzio parece

ilustrar bem a evoluccedilatildeo do pensamento de Campos sobre traduccedilatildeo e a influecircncia que

dois grandes pensadores sobre a linguagem tiveram sobre a sua praacutetica tradutoacuteria

Platatildeo que no quadro estaacute apontando para o ceacuteu representaria Walter Benjamin e suas

consideraccedilotildees feitas sobretudo no ensaio ldquoA tarefa do tradutorrdquo E Aristoacuteteles que no

quadro aponta para a terra representaria o linguista Roman Jakobson Haroldo afirma

que ao longo de sua carreira apreendeu uma ldquofiacutesicardquo a partir da ldquometafiacutesicardquo apresentada

por Walter Benjamin em seus escritos sobre linguagem

Sob a roupagem rabiacutenica midrashista da ironia metafiacutesica do traduzir

benjaminiana um poeta-tradutor longamente experimentado em seu ofiacutecio

pode sem dificuldade depreender uma fiacutesica (uma praacutexis) tradutoacuteria

efetivamente materializaacutevel Essa fiacutesica ndash como venho sustentando haacute muito

ndash eacute possiacutevel reconhececirc-la in nuce nos concisos teoremas de Roman Jakobson

sobre a ldquoautorreferencialidade da funcccedilatildeo poeacuteticardquo e sobre a traduccedilatildeo de

poesia como creative transposition (transposiccedilatildeo criativa) (CAMPOS 2013

pp167-9 grifo do autor)

Segundo Marcelo Taacutepia (2012 p133) o ceacutelebre ensaio de Walter Benjamin ldquoA

tarefa do tradutorrdquo de difiacutecil consenso interpretativo suscitou inuacutemeras interpretaccedilotildees e

anaacutelises Taacutepia ainda afirma que nas anotaccedilotildees de Campos sobre ldquoA tarefa do tradutorrdquo

289

de Benjamin o poeta e tradutor brasileiro explora ldquoa ideia central em Benjamin da

existecircncia de uma bdquoiacutentima relaccedilatildeo das liacutenguas umas com as outras‟ (bdquoreciprocamente

parentes‟) uma bdquorelaccedilatildeo oculta‟ que a traduccedilatildeo natildeo alcanccedila bdquoproduzir‟ podendo

contudo representaacute-lardquo (TAacutePIA 2012 p134) Campos afirma no ensaio ldquoA clausura

Metafiacutesica da Teoria da Traduccedilatildeo de Walter Benjamin Explicada Atraveacutes da Antiacutegone

de Houmllderinrdquo

Na traduccedilatildeo de um poema o essencial natildeo eacute a reconstituiccedilatildeo de mensagem

mas a reconstituiccedilatildeo do sistema de signos em que estaacute incorporada essa

mensagem da informaccedilatildeo esteacutetica natildeo da informaccedilatildeo meramente semacircntica

Por isso sustenta Walter Benjamin que a maacute traduccedilatildeo (de uma obra de arte

verbal entenda-se) caracteriza-se por ser a simples transmissatildeo da mensagem

do original ou seja ldquoa transmissatildeo inexata de um conteuacutedo inessencialrdquo

(CAMPOS 2013 p181)

Haroldo de Campos em sua leitura de Benjamin parece entender que a maacute

traduccedilatildeo eacute aquela que se preocupa apenas com a ldquosimples transmissatildeo da mensagem do

originalrdquo sem ter uma preocupaccedilatildeo esteacutetica como obra de arte Desta forma parece-nos

que na concepccedilatildeo haroldiana e tambeacutem na de Walter Benjamin o aspecto formal

esteacutetico sonoro de uma traduccedilatildeo tem um peso maior do que seu aspecto informativo

ldquomeramente semacircnticordquo Como se justificaria tal posicionamento Haroldo afirma em

ldquoA bdquoLiacutengua Pura‟ na Teoria da Traduccedilatildeo de Walter Benjaminrdquo

No contexto do ensaio benjaminiano a ldquoliacutengua supremardquo na qual se deixaria

estampar a ldquoverdaderdquo corresponde agrave ldquoliacutengua purardquo (die reine Sprache)

ldquoliacutengua da verdaderdquo (Sprache der Wahrheit) ou ainda ldquoliacutengua verdadeirardquo

(wahre Sprache) aquela que ao tradutor de uma obra de arte verbal ou

Umdichter (ldquotranscriadorrdquo) incumbe resgatar de seu cativeiro no idioma

original [] anunciando-a e deixando-a assim entrever ldquoa afinidade das

liacutenguasrdquo (die Verwandtschaft der Sprachen) ou seja ldquoo grande motivo da

intergraccedilatildeo das muitas liacutenguas na uacutenica liacutengua verdadeirardquo (ibidem p158)

Segundo Benjamin no texto Uumlber Sprache uumlberhaupt und uumlber die Sprache

(ldquoSobre a Liacutengua em Geral e Sobre a Liacutengua dos Homensrdquo) citado por Haroldo no

ensaio supramencionado a ldquonomeaccedilatildeo adacircmica eacute dada como fonte da liacutengua pura bdquoDer

Mensch ist der Nennende daran erkennen wir dass aus ihm die reine Sprache spricht‟

(bdquoO homem eacute aquele que nomeia donde se potildee de manifesto que atraveacutes dele a liacutengua

pura fala‟)rdquo (CAMPOS 2013 pp158-9) A humanidade perde o acesso a ldquoliacutengua purardquo

quando Adatildeo decai do status paradisiacuteaco que conhecia uma uacutenica liacutengua apenas ldquoEacute

uma consequecircncia ndash prossegue Benjamin citando a Biacuteblia ndash da expulsatildeo do Paraiacutesordquo

(ibidem p159) Mas no que diferiria a ldquoliacutengua purardquo das atuais liacutenguas imperfeitas

290

Segundo Campos Benjamin teria recebido influecircncia do filoacutesofo-teoacutelogo

existencial Franz Rosenzweig (1886-1929) Para Rosenzweig a ldquoliacutengua purardquo

paradoxalmente corresponde a uma forma de silecircncio mas um ldquosilecircncio (Scheigen) que

natildeo eacute como o mutismo (die Stummheit) do preacute-mundo (Vorwelt) o qual ainda natildeo tem

palavra Eacute silecircncio da compreensatildeo completa e consumada (de vollendententen

Verstehens) Para o filoacutesofo ldquoa pluralidade das liacutenguas eacute o indiacutecio mais claro de que o

mundo natildeo estaacute redimido Entre homens que falam uma liacutengua comum basta um olhar

para que se compreendamrdquo (CAMPOS 2013 p164) Seraacute que para Walter Benjamin

uma boa traduccedilatildeo se preocupa mais com a forma com a esteticidade do que a

ldquoinformaccedilatildeo meramente semacircnticardquo pois a forma poeticamente trabalhada teria um

efeito impactante e quase instantacircneo que apontaria para a compreensatildeo ldquocompleta e

consumadardquo para uma quase ldquotelepatia paradisiacuteacardquo por meio da qual os seres humanos

se comunicariam num tempo messiacircnico Eacute de se desconfiar que sim

Segundo Haroldo de Campos Benjamin pensava que ldquosoacute a graccedila divina atraveacutes

de uma apokataacutesis redentora de uma bdquoreconciliaccedilatildeo messiacircnica‟ que revogue a

sentenccedila expulsoacuteria de sinete divino poderia restituir agrave humanidade decaiacuteda por forccedila

da culpa original (Suumlndenfall) a sua bem-aventurada bdquocondiccedilatildeo edecircnica‟ e com ela a

liacutengua pura da verdaderdquo (ibidem p162) O episoacutedio biacuteblico da ldquoTorre de Babelrdquo

simbolizaria a tentativa humana de restituir a unidade da liacutengua edecircnica ldquopor iniciativa

desafiadora do homem sem o beneplaacutecito da graccedila divinardquo (ibidem p159) Poreacutem ateacute

que chegue a ldquoreconciliaccedilatildeo messiacircnicardquo apenas eacute permitido um vislumbre tecircnue da

ldquoliacutengua purardquo por meio da poesia (segundo Mallarmeacute apud CAMPOS 2013 pp157-8)

e da traduccedilatildeo poeacutetica (Benjamin) ldquoanunciando-a e deixando-a assim entrever a

afinidade das liacutenguasrdquo (die Verwandtschaft der Sprachen) ou seja o grande motivo da

integraccedilatildeo das muitas liacutenguas na uacutenica liacutengua verdadeira (ibidem p158) Nesse

sentido Benjamin ldquoconfere agrave traduccedilatildeo um encargo ou missatildeo angeacutelica (bdquoev-angeacutelica‟

de transmissatildeo da bdquoboa nova‟ eu-aacutengelos)[] Ela natildeo pode enquanto traduccedilatildeo num

sentido proacuteprio encarnar ainda que fragmentariamente bdquoo verbo‟ mas ela pode

anunciar a sua presenccedila oculta na liacutengua do original como que transparentaacute-lo

provisoriamente (vale dizer historicamente)rdquo (CAMPOS 2013 p193) Mas haacute um

preccedilo a ser pago pois ldquoos portais de uma liacutengua tatildeo expandida e subjugada (so erweitert

und durchwaltend) por forccedila de elaboraccedilatildeo se abatam e clausurem o tradutor no

silecircnciordquo (ibidem pp194-5) como teria acontecido por exemplo com Houmllderlin entre

seus contemporacircneos

291

[] o filoacutesofo Schelling escrevia a Hegel a respeito dessas traduccedilotildees e de seu

autor [Houmllderlin] amigo de ambos ldquoA versatildeo de Soacutefocles demonstra

cabalmente que se trata de um caso perdidordquo

ldquoUm dos mais burlescos bdquoprodutos‟ do pedantismordquo ldquoSe Soacutefocles tivesse

falado a seus atenienses de maneira tatildeo desgraciosa emperrada e tatildeo pouco

grega como eacute pouco alematilde esta traduccedilatildeo seus ouvintes teriam abandonado

agraves carreiras o teatrordquo ldquoSob todos os pontos de vista a traduccedilatildeo do

srHoumllderlin dos dois dramas de Soacutefocles deve ser incluiacuteda entre as pioresrdquo

ldquoToca ao leitor adivinhar se o srHoumllderlin sofreu uma metamorfose ou se ele

quis satirizar veladamente a deterioraccedilatildeo do gosto puacuteblicordquo(ibidem p175)

O caso de Houmllderlin sob a oacutetica benjaminiana lembra o mito da caverna de

Platatildeo e possui um lado traacutegico ao tradutor a incompreensatildeo por parte daqueles que

ainda estatildeo aprisionados na caverna Haroldo de Campos por sua vez procura uma via

menos dolorosa aos tradutores Campos parece superar a ideia do ldquotradutor maacutertirrdquo ao

extrair como jaacute mencionado uma ldquofiacutesicardquo de toda a ldquometafiacutesicardquo tradutoacuteria de Walter

Benjamin e tambeacutem refletindo e dialogando com a obra do linguista Roman Jakobson

Em sentido lato a poesia seria intraduziacutevel na concepccedilatildeo de Jakobson e por

isso mesmo restaria apenas o expediente da ldquotransposiccedilatildeo criativardquo numa traduccedilatildeo em

versos (CAMPOS 2013 p89) Jakobson indica desta forma uma espeacutecie de aporia que

paradoxalmente eacute estimulante e abre espaccedilo para a criatividade do tradutor Tanto a

impossibilidade das liacutenguas existentes de serem autossuficientes em abarcar o real (o

indicador apontado para o ceacuteu na ldquometafiacutesicardquo tradutoacuteria de Benjamin) quanto a

alteridade das liacutenguas em representar o mesmo objeto (palma da matildeo voltada para terra

na ldquofiacutesicardquo tradutoacuteria de Jakobson) satildeo vistas por Haroldo de Campos como desafios

estimulantes e catalisadores da criatividade (ibidem 2013 p85) pois ldquoSoacutelo lo difiacutecil es

estimulanterdquo como dizia o escritor Lezama Lima (apud CAMPOS 2013 p204) Frente

ao pressuposto da intraduzibilidade da poesia Haroldo de Campos encontrara a

ldquoasserccedilatildeo da possibilidade mesma dessa (paradoxal) operaccedilatildeo tradutora desde que

entendida como transposiccedilatildeo criativa ou seja nos meus termos como re-criaccedilatildeo

como trans-criaccedilatildeordquo (CAMPOS 2013 p90 grifo nosso)

Se por um lado a traduccedilatildeo eacute vista como uma missatildeo ldquoangeacutelicardquo na metafiacutesica

benjaminiana isto eacute como ldquoaquilo que eacute dado ao tradutor dar o dado o dom a

redoaccedilatildeo e o abandono do tradutor isso para explorar o Aufgeben benjaminiano em

todas as suas nuances semacircnticasrdquo (ibidem p141) Por outro pode-se converter ldquoa

funccedilatildeo angeacutelicardquo do tradutor de poesia numa empresa luciferina Apresentando-se

diante do original natildeo como mensageira do significado transcendental (da ldquoliacutengua

292

purardquo) mas luciferinamente como diferenccedila em devir a traduccedilatildeo usurpa-lhe o centro e

a origem (ibidem pp153-4) Desta forma o tradutor ldquopassa a ameaccedilar o original com a

ruiacutena da origem Esta como eu a chamo a uacuteltima hyacutebris do tradutor ndash bdquotranspoetizador‟

(Umdichter) transformar por um aacutetimo o original na traduccedilatildeordquo (CAMPOS 2013

p17)

E esse parece ter sido o caminho escolhido por Haroldo de Campos em sua

praacutetica tradutoacuteria natildeo o do ldquotradutor maacutertirrdquo mas sim o do ldquotranspoetizador luciferinordquo

A hyacutebris do tradutor ldquopreceito indispensaacutevel desse ponto de vista para a

traduccedilatildeo desvinculada da tradiccedilatildeo de subservinecircncia ao orignial jaacute encontra

expressatildeo na proacutepria apresentaccedilatildeo da Iliacuteada os volumes trazem como autor

Haroldo de Campos reservando-se ao tiacutetulo a forma Iliacuteada de Homero

Trata-se da assunccedilatildeo pelo tradutor do status de autor de criador de obra

autocircnoma embora paramoacuterficardquo (TAacutePIA 2012 p143)

Haroldo de Campos natildeo foi o primeiro poeta brasileiro a pensar sobre traduccedilatildeo

criativa Em 1952 a peccedila Antiacutegone de Soacutefocles foi montada no Brasil utilizando uma

traduccedilatildeo em verso de Guilherme de Almeida Ao comentar as dificuldades de verter um

texto com estrutura meacutetrica tatildeo complexa Guilherme ldquobuscou na teoria musical um

termo teacutecnico para definir seu trabalho transcriccedilatildeo (bdquoescrever para um instrumento

muacutesica escrita para outro‟)rdquo (VIEIRA 1997 p17) Na metaacutefora usada por Guilherme

de Almeida nota-se que os instrumentos diversos representam liacutenguas distintas mas

que respeitando-se suas proacuteprias especificidades podem tocar a mesma melodia Por

isso o termo transcriccedilatildeo utilizado por Almeida estaacute bem proacuteximo do que Haroldo

entende por ldquotranscriaccedilatildeordquo

Mas Transcriccedilatildeo natildeo eacute o uacutenico termo usado por Guilherme de Almeida para se

referir a sua praacutetica tradutoacuteria como nos revelam as notas escritas para cada um dos 21

poemas que traduziu das Flores do Mal de Baudelaire

[] uma repugnacircncia minha invenciacutevel pelas desmoralizadas e

desmoralizantes expressotildees ldquotraduccedilatildeordquo ou ldquoversatildeordquo que me soam vulgar e

sabem a coisa vulgar muito outra daquilo que intimamente representa para

mim o extenuante labor de oito anos que tanto me custou este minguado

ramilhete das ldquominhasrdquo Flores do Mal Resolvi pois correr do meu

vocabulaacuterio com tais palavras Nesta marginalia servi-me-ei de outra

terminologia ldquorecriaccedilatildeordquo[] ldquoreproduccedilatildeordquo ldquorecomposiccedilatildeordquo

ldquoreconstituiccedilatildeordquo ldquorestauraccedilatildeordquo ldquotransmutaccedilatildeordquo ldquocorrespondecircnciardquo etc e

principalmente ldquotransfusatildeordquo Eacute este dentre tantos o termo que mais acertado

me pareceu mais significativo das minhas intenccedilotildees O uso corrente jaacute natildeo o

separa da ideia de sangue Transfusatildeo do sangue a revificaccedilatildeo de um

organismo pela infiltraccedilatildeo de um sangue alheio mas de ldquotipordquo igual Uma

liacutengua uma poesia reabastecendo-se da seiva de outra anaacuteloga para mais e

melhor se afirmar (ALMEIDA 2010 pp97-8)

293

Ainda utilizando a analogia inspirada na teoria musical podemos dizer que

certos musicistas natildeo se contentam apenas em tocar ldquoum instrumento muacutesica escrita

para outrordquo mas tambeacutem gostam de criar novos arranjos embora a muacutesica original natildeo

deixe de ser reconhecida por causa das inovaccedilotildees Em nossa opiniatildeo esse eacute o grau

maacuteximo de transcriaccedilatildeo e justamente eacute isso que o Baratildeo de Paranapiacaba empreende

na versatildeo em que emprega as rimas Como visto na dissertaccedilatildeo ele publicou duas

traduccedilotildees de sua autoria distintas mas da mesma trageacutedia grega no mesmo livro isso

nunca mais se repetiu na histoacuteria das traduccedilotildees do Prometeu Acorrentado no Brasil Tal

decisatildeo de Joatildeo Cardoso de Menezes de certa forma dessacralizou o original mostrando

agraves claras que natildeo existe uma correspondecircncia una e definitiva entre a liacutengua de origem e

a liacutengua de chegada O Baratildeo de Paranapiacaba em sua primeira versatildeo verte os 1093

versos da trageacutedia original em 1410 versos (317 versos a mais que a obra de Eacutesquilo)

Como jaacute mencionado os versos satildeo rimados algo natildeo presente no original Tudo isso

parece indicar que a empreitada do Baratildeo de Paranapiacaba foi por demais ldquoluciferinardquo

o cuacutemulo da hyacutebris Mas nem por isso acreditamos que o gesto do Baratildeo estaria em

harmonia com a teoria de Haroldo de Campos Existe uma diferenccedila entre a hyacutebris de

Paranapiacaba e a hyacutebris de Haroldo que natildeo pode passar despercebida

Temos a impressatildeo de que mesmo entre as chamadas ldquotraduccedilotildees criativasrdquo ou

ldquotranscriaccedilotildeesrdquo natildeo se abandona por completo a ideia de fidelidade ao original Essa

ideia ainda estaacute presente poreacutem mais ligada ao efeito esteacutetico do que agrave reproduccedilatildeo do

sentido literal da obra de origem Apesar de Paranapiacaba ter conseguido criar alguns

efeitos que lembram o original como as mudanccedilas de metro no caso de Io

principalmente a traduccedilatildeo em que o Baratildeo emprega as rimas parece se distanciar

bastante do original grego sobretudo em relaccedilatildeo agrave forma A ideia de ldquoparamorfiardquo

presente no pensamento de Haroldo de Campos natildeo abonaria o tipo de distanciamento

empreendido por Joatildeo Cardoso de Menezes Talvez esteja aiacute uma das causas pelas

quais a versatildeo em que Paranapiacaba emprega as rimas foi classificada por Haroldo de

Campos como ldquoum malogro um equiacutevocordquo (CAMPOS 1997 p237)

294

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  • Prometeu Acorrentado e as poeacuteticas tradutoacuterias de Joatildeo Cardoso de Menezes e Dom Pedro II
    • AGRADECIMENTOS
    • RESUMO
    • LISTAS
      • LISTA DE QUADROS
      • LISTA DE FIGURAS
        • SUMAacuteRIO
        • PRIMEIRA PARTE O PROMETEU ACORRENTADO DE DOM PEDRO II E AS POSTERIORES TRADUCcedilOtildeES BRASILEIRAS DESSA TRAGEacuteDIA
          • INTRODUCcedilAtildeO
          • CAPIacuteTULO 1 ndash As versotildees Brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo
            • 11 Levantamento das traduccedilotildees brasileiras (consideraccedilotildees preliminares)
            • 12 Dom Pedro II
            • 13 Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba
            • 14 Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz
            • 15 JB de Mello e Souza
            • 16 Jaime Bruna
            • 17 Napoleatildeo Lopes Filho
            • 18 Maacuterio da Gama Kury
            • 19 Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves
            • 110 O Tradutor Anocircnimo
            • 111 Alberto Guzik
            • 112 Jaa Torrano
            • 113 Trajano Vieira
            • Conclusatildeo
              • CAPIacuteTULO 2 ndash Anaacutelise da traduccedilatildeo de Dom Pedro II e de suas versotildees poeacuteticas
                • 21 Primeira rodada de leitura
                • 22 Segunda rodada de leitura
                • 23Terceira rodada
                • 24 Quarta rodada
                • 25 Quinta e uacuteltima rodada
                • Conclusatildeo
                    • SEGUNDA PARTE TRANSCRICcedilOtildeES
                      • CAPIacuteTULO 3 - Transcriccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II
                      • CAPIacuteTULO 4 - Transcriccedilatildeo da primeira versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de Paranapiacaba
                      • CAPIacuteTULO 5 ndash Transcriccedilatildeo da segunda versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de Paranapiacaba
                        • CONCLUSAtildeO GERAL DA DISSERTACcedilAtildeO
                        • ANEXOS
                        • BIBLIOGRAFIA
Page 4: Prometeu Acorrentado · 2020. 7. 14. · RESUMO Prometeu Acorrentado e as poéticas tradutórias de João Cardoso de Menezes e Dom Pedro II. A presente dissertação tem como foco

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo primeiramente a Deus por conceder-me a sauacutede e a paz

indispensaacuteveis ao estudo

Sou grato agrave minha esposa Janaiacutena da Silva Brito Neves por me conceder a

alegria de viver ao seu lado durante esses uacuteltimos dezessete anos Vocecirc foi a minha

maior conquista e ao seu lado a vida natildeo eacute tatildeo difiacutecil

Aos meus filhos Sofia e Estecircvatildeo por me propiciarem a alegria de ser chamado

de ldquopairdquo e a motivaccedilatildeo para trabalhar e me desenvolver

Aos meus pais Maria e Eronildes (no coraccedilatildeo) por terem feito o melhor que

podiam para o meu bem

Agrave minha orientadora Adriane da Silva Duarte seu profissionalismo talento e

erudiccedilatildeo me inspiram Sou muito feliz por poder contar com seus ensinamentos

Ao Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro e agrave Socircnia N de Lima (Chefe do

Arquivo) pelo total apoio agrave minha pesquisa dando-me acesso ao manuscrito de Dom

Pedro II transcrito na presente dissertaccedilatildeo

Ao Museu Imperial e agrave historiadora Alessandra Fraguas (Pesquisadora do

Museu) por me informar sobre a existecircncia de uma versatildeo preliminar da traduccedilatildeo que

transcrevi e por me propiciar o acesso aos manuscritos

Ao Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB - USP) agrave Daniela Piantola

(Supervisora Teacutecnica do Instituto) e agrave bibliotecaacuteria Silvana Bonifaacutecio

Agrave Luana Siqueira (Setor de Comunicaccedilatildeo da FFLCH - USP)

Ao professor Siacutelvio de Almeida Toledo Neto aacuterea de Liacutengua Portuguesa (USP)

pelas importantes indicaccedilotildees bibliograacuteficas e orientaccedilotildees

Aos professores que me ensinaram grego em ordem alfabeacutetica Adriane da Silva

Duarte Fernando Rodrigues Jaa Torrano e Paula da Cunha Correcirca Sempre me

esforccedilarei para honrar seus ensinamentos

Aos professores que ministraram aulas para mim na Poacutes-graduaccedilatildeo em ordem

alfabeacutetica Breno Battistin Sebastin Daniel Rossi Nunes Lopes Jaa Torrano e Joseacute

Marcos Mariani de Macedo

Agradeccedilo tambeacutem a Marcelo Taacutepia e Jaa Torrano pelas observaccedilotildees inteligentes

e sugestotildees valiosas feitas no exame de qualificaccedilatildeo

Agrave Lineide Salvador Mosca (Filologia e Liacutengua Portuguesa USP) por todo apoio

e incentivo desde o tempo da graduaccedilatildeo

Ao meu amigo Waldir Moreira Junior a quem chamo de JRR Tolkien por me

convencer a retomar meus estudos

Ao mentor e amigo Gary Fisher

Ao caro Dennis Allan por ler alguns poucos textos que escrevi em inglecircs e me

indicar soluccedilotildees

Aos irmatildeos do coraccedilatildeo Ceacutelio Rosa e Tamires Natildeo sei como retribuir tanto

carinho e dedicaccedilatildeo

A todos os alunos que tive e em especial Jennyffer Neovander Vinicius e

Rayssa os quais mesmo depois de 15 anos ainda se lembram de visitar seu primeiro

professor quando o recesso de fim de ano chega

Ao professor alematildeo Fridel (no coraccedilatildeo) por ter acreditado e investido em mim

Agrave professora de psicologia Janete pela influecircncia exercida enquanto me formava

professor

Agrave professora de Histoacuteria Liacutelian que no ensino baacutesico me ensinou o imenso

poder que a Memoacuteria possui

Com sincero reconhecimento e gratidatildeo a todos vocecircs

Ricardo Neves dos Santos

RESUMO

Prometeu Acorrentado e as poeacuteticas tradutoacuterias de Joatildeo Cardoso de

Menezes e Dom Pedro II

A presente dissertaccedilatildeo tem como foco a trageacutedia Prometeu Acorrentado de

Eacutesquilo e seus tradutores no Brasil dentre os quais destacamos dois Dom Pedro II o

uacuteltimo Imperador do Brasil e Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de

Paranapiacaba O trabalho estaacute estruturado e dividido em trecircs partes a saber 1)

transcriccedilatildeo integral da traduccedilatildeo feita por Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu

Acorrentado e das duas versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo de Paranapiacaba as quais

foram incentivadas pelo proacuteprio Imperador 2) cotejo criacutetico entre a Traduccedilatildeo Imperial e

as duas versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo 3) um levantamento das traduccedilotildees do

Prometeu Acorrentado publicadas no Brasil e de seus respectivos tradutores

Palavras-chave Traduccedilatildeo DPedro II recepccedilatildeo

Prometheus Bound and the translationsrsquo poetics of Joatildeo Cardoso de

Menezes and Dom Pedro II

Abstract This dissertation focuses on the Aeschylus‟ tragedy Prometheus

Bound and its translators in Brazil among which we highlight two Dom Pedro II the

last emperor of Brazil and Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza Baron of Paranapiacaba

The work is structured and divided into three parts namely 1) full transcript of the

translation made by Dom Pedro II of the tragedy Prometheus Bound and the two poetic

versions made by the Baron of Paranapiacaba which were encouraged by the Emperor

himself 2) critical comparison of the translation and the two poetic versions made by

Baron 3) a survey of the translations of Prometheus Bound published in Brazil and of

the respective translators

Keywords translation D Pedro II reception

LISTA DE QUADROS

Quadro I As versotildees de Paranapiacaba para os versos 887-93 do original (fala do

Coro) p57

Quadro II As versotildees de Paranapiacaba para os versos 1063-9 do original (fala do

Coro) p57

Quadro III Anaacutelise comparativa entre original e traduccedilatildeo p80

Quadro IV Cotejo das versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba para os versos 3-6

do original p98

Quadro V Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba

(original vv3-6) p104

Quadro VI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba

(original vv14-5) p106

Quadro VII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba

(original vv19-24) p110

Quadro VIII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba

(original vv64-5) p112

Quadro IX Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo de Ramiz Galvatildeo

(original vv64-5) p113

Quadro X Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 1 de Paranapiacaba

(original vv88-91) p117

Quadro XI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 2 de Paranapiacaba

(original vv88-91) p117

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Trecho da uacuteltima paacutegina do Documento 4695-A (IHGB) p19

Figura 2 Trecho da traduccedilatildeo de Dom Pedro II referente aos versos 1063-9

do Prometeu (Doc4695-A IHGB) p20

Figura 3 Trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A IHGB)

p20

Figura 4 Trecho da quarta paacutegina do Documento 4695-A (IHGB) natildeo numerada no

manuscrito p21

Figura 5 Trecho da primeira fala de Prometeu traduzida pelo Imperador (Doc4695-A

IHGB) p22

Figura 6 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

IHGB) p22

Figura 7 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

IHGB) p22

Figura 8 Trecho do Documento 4695-A (IHGB) p22

Figura 9 Detalhe do Documento 4695-A (IHGB) p22

Figura 10 Trecho do Documento 4695-A (IHGB) p23

Figura 11 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

IHGB) p24

Figura 12 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

IHGB) p24

Figura 13 Imagens de algumas palavras proparoxiacutetonas encontradas no Documento

4695-A (IHGB) p25

Figura 14 Imagens de palavras paroxiacutetonas terminadas em vogais ldquoordquo e ldquoardquo (Doc

4695-A IHGB) p25

Figura 15 Imagens de palavras paroxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc 4695-A

IHGB) p25

Figura 16 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A

IHGB) p25

Figura 17 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A

IHGB) p25

Figura 18 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB) p26

Figura 19 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB) p26

Figura 20 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A

IHGB) p26

Figura 21 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A

IHGB) p27

Figura 22 Imagem do texto da uacuteltima fala de Prometeu traduzida por Dom Pedro II

(Doc 4695-A IHGB) p28

Figura 23 Imagem de trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A

IHGB) p33

Figura 24 Trecho dos versos 536-54 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de Thomas

Stanley (1809) Aeschyli tragoediae quae supersunt digitalizada pela Universidade de

Cambrigde em 2010 p74

Figura 25 Trecho referente aos versos 536-50 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de

Christian Gottfried Schuumlltz Aeschyli tragoediae quae supersunt ac deperditarum

fragmenta tambeacutem de 1809 p75

Figura 26 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc 4695-

A IHGB) p271

Figura 27 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-

A IHGB) p271

Figura 28 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-

A IHGB) p272

Figura 29 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-

A IHGB) p272

SUMAacuteRIO

PARTE I ndash O PROMETEU ACORRENTADO DE DOM PEDRO II E AS

POSTERIORES TRADUCcedilOtildeES BRASILEIRAS DESSA TRAGEacuteDIA

INTRODUCcedilAtildeO p14

Cap 1 ndash As versotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo p31

11 Levantamento das traduccedilotildees brasileiras (consideraccedilotildees preliminares) p31

12 Dom Pedro II p45

13 Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba p51

14 Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz p64

15 J B de Mello e Souza p68

16 Jaime Bruna p72

17 Napoleatildeo Lopes Filho p74

18 Maacuterio da Gama Kury p78

19 Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves p80

110 O Tradutor Anocircnimo p83

111 Alberto Guzik p85

112 Jaa Torrano p87

113 Trajano Vieira p91

Conclusatildeo do primeiro capiacutetulo p95

Cap 2 ndash Anaacutelise da traduccedilatildeo de Dom Pedro II e de suas versotildees poeacuteticas

p97

21 Primeira rodada de leitura p98

22 Segunda rodada de leitura p107

23 Terceira rodada p109

24 Quarta rodada p113

25 Quinta e uacuteltima rodada p115

Conclusatildeo do segundo capiacutetulo p120

PARTE 2 ndash TRANSCRICcedilOtildeES

Cap3 ndash Transcriccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II p123

Cap4 ndash Transcriccedilatildeo da primeira versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de

Paranapiacaba p158

Cap5 ndash Transcriccedilatildeo da segunda versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de

Paranapiacaba p219

CONCLUSAtildeO GERAL DA DISSERTACcedilAtildeO p274

ANEXOS

Transcriccedilatildeo da carta do Baratildeo de Paranapiacaba enviada agrave Princesa Isabel

p283

Transcriccedilatildeo do Prefaacutecio escrito por Lafayette Rodrigues Pereira a pedido do

Baratildeo de Paranapiacaba p285

Haroldo de Campos um luciferino tradutor brasileiro p289

BIBLIOGRAFIA p295

PRIMEIRA PARTE

O PROMETEU ACORRENTADO DE DOM PEDRO II E AS POSTERIORES

TRADUCcedilOtildeES BRASILEIRAS DESSA TRAGEacuteDIA

14

INTRODUCcedilAtildeO

Muitos poetas e prosadores brasileiros dedicaram-se ao ofiacutecio da traduccedilatildeo de

obras literaacuterias entretanto tal atividade natildeo eacute geralmente mencionada nas Histoacuterias da

Literatura Brasileira (ASEFF 2012 p24) Siacutelvio Romero historiador de nossa

Literatura faz um julgamento negativo quanto agrave validade esteacutetica e literaacuteria das

traduccedilotildees em geral

Em geral sou infenso a traduccedilotildees de poetas Traslados em prosa ficam

mortos vertidos para verso ficam sempre desfigurados Uma traduccedilatildeo

poeacutetica dificilmente daraacute o desenho da obra traduzida e jamais forneceraacute o

colorido As melhores traduccedilotildees existentes como a Iliacuteada por Voss a do

Fausto por Marc Monnier satildeo obras de terceira ordem Natildeo podem jamais

reproduzir o ritmo o tom a melodia do original (ROMERO apud CAMPOS

1997 p250)

Tal concepccedilatildeo expressa a crenccedila na inferioridade da traduccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave obra

traduzida Quando muito reconhece apenas o meacuterito da instrumentalidade da praacutetica

tradutoacuteria fortalecendo ldquovalores que constituem o estigma do Traduttore Traditorerdquo

(FURLAN 2015 p256)

Parece estar longe da cogitaccedilatildeo de Romero o fato de que a traduccedilatildeo tambeacutem eacute

um espaccedilo de criaccedilatildeo (ROMANELLI 2014 p105) O tradutor criativamente busca

encontrar ldquona liacutengua em que se estaacute traduzindo aquela intenccedilatildeo por onde o eco do

original pode ser ressuscitadordquo (BENJAMIN 2008 p35) O valor de uma traduccedilatildeo

literaacuteria eacute comumente vinculado agrave proximidade conceitual eou formal que esta tem

com o texto de partida Tal proximidade pode ser explorada de forma criativa pelo

tradutor pois ldquoenquanto que por um lado todos os elementos particulares das liacutenguas

estrangeiras ndash as palavras as frases e as relaccedilotildees ndash se excluem reciprocamente por

outro lado as proacuteprias liacutenguas completam-se nas intenccedilotildees comuns que pretendem

alvejarrdquo (ibidem p32) Como toda praacutetica linguiacutestica a traduccedilatildeo ldquoeacute histoacuterica e reflete

uma concepccedilatildeo histoacuterica da linguagem e portanto mutaacutevel atraveacutes dos temposrdquo

(FURLAN 2015 p247) A concepccedilatildeo histoacuterico-materialista contemporacircnea de

linguagem e escritura ldquotorna o tradutor obrigatoriamente um coautor do texto traduzidordquo

(ibidem p247)

15

Numa das raras e tiacutemidas exceccedilotildees de dar destaque a essa praacutetica entre noacutes

Olavo Bilac na primeira parte de seu Tratado de Versificaccedilatildeo faz um breve panorama

da histoacuteria da Literatura Brasileira ateacute o seu tempo e menciona a praacutetica tradutoacuteria de

dois poetas Um deles eacute Odorico Mendes tradutor de Homero e Virgiacutelio conhecido por

muitos devido aos estudos de Haroldo de Campos este tambeacutem poeta e tradutor O

outro nas palavras de Olavo Bilac ldquoJoatildeo Cardoso de Menezes baratildeo de Paranapiacaba

nascido em 1827 e ainda hoje vivo e em plena actividade litteraria estreiou em 1849

com a Harpa Gemedora e tem publicado vaacuterias traducccedilotildees de Byron Lamartine e La

Fontainerdquo (BILAC amp PASSOS 1905 p26 ortografia original mantida)1

Bilac publicou a passagem citada em 1905 Passados dois anos o Baratildeo de

Paranapiacaba publica duas versotildees poeacuteticas da trageacutedia Prometeu Acorrentado de

Eacutesquilo Em seu livro de 19072 o Baratildeo informa que Dom Pedro II fizera uma traduccedilatildeo

em prosa do Prometeu e que o Imperador solicitou-lhe uma versatildeo em versos

portugueses a partir de sua traduccedilatildeo em prosa Mas como se sabe o Baratildeo acabou

realizando duas versotildees poeacuteticas Paranapiacaba ainda informa que Dom Pedro II foi

deposto no mesmo ano em que lhe entregou o manuscrito isto eacute em 1889 Reproduz-se

a seguir a ortografia original da ediccedilatildeo de 1907 na qual o Baratildeo de Paranapiacaba narra

o ocorrido

Ao retirar-me SMagestade recomendou-me natildeo me esquecesse do

ldquoPrometheu acorrentadordquo cujo original me havia entregado na penultima

conferencia Nunca mais o vi Partio para Petropolis donde regressou a 16 de

Novembro para ficar prisioneiro no paccedilo da cidade (PARANAPIACABA

1907 p224)

Paranapiacaba ainda informa que tentou ver o Imperador mas em vatildeo

1 Entre outros textos traduzidos pelo Baratildeo de Paranapiacaba podemos citar PLAUTO Aululaacuteria Rio

de Janeiro Typographia Chrysalida 1888 EURIacutePIDES Alceste Rio de Janeiro Renascenccedila

Bevilacqua 1908 SOacuteFOCLES Antiacutegone Rio de Janeiro Renascenccedila Bevilacqua 1909 O acervo do

Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB ndash USP) possui as ediccedilotildees citadas da Aululaacuteria de Plauto e da

Antiacutegone de Soacutefocles

2 Prometheu Acorrentado original de Eschylo ndash vertido litteralmente para o portuguez por Dom Pedro

II Imperador do Brasil trasladaccedilatildeo poetica do texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Rio de Janeiro

Imprensa Nacional 1907 Antes de publicar suas versotildees no livro de 1907 o Baratildeo afirma em carta

escrita agrave Princesa Isabel (I-POB ndash Maccedilo 204 ndash Doc 9329 Museu ImperialIbramMinisteacuterio da

Cidadania) ldquoD‟essas duas versotildees tem apparecido longos trechos na imprensardquo (ortografia original

mantida) Pode-se citar dentre as publicaccedilotildees anteriores ao livro de 1907 a da Revista do Instituto

Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro Rio de Janeiro Imprensa Nacional Tomo LXVIII 1906

16

Empreguei todos os esforccedilos para entrar naquella prisatildeo Natildeo pude

conseguil-o Passei frequentes vezes por diante das janellas que

correspondiam ao aposento em que elle estava encerrado e roguei de foacutera

ao Marechal Miranda Reis que acompanhava o Monarcha licenccedila para

entrar Respondeo-me elle natildeo m‟a podia conceder (PARANAPIACABA

1907 p224)

E ainda

[] o Monarcha com Sua Magestade a Imperatriz a princeza Imperial

DIzabel o principe consorte e um de seos filhos ficou detido n‟esta capital

no paccedilo da cidade sob a vigilacircncia de sentinelas alli postadas por ordem dos

proclamadores da Republica

Dous dias depois a horas mortas da madrugada fizeram-n‟o embarcar

no Alagocircas vapor mercante do Lloyd Brazileiro que armado em guerra

seguio barra foacutera levando-o caminho do exilio [] Em dezembro de 1889

na cidade do Porto vio morrer victimada por torturas moraes a virtuosa

esposa que lhe focircra anjo de conforto[] Na effusatildeo do entranhavel amor

com que extremeceo[DPedro II] fez transpor aacute Europa uma pouca de terra

extrahida do solo brasileiro para encamar o atauacutede em que devia ser

conduzido aacute derradeira morada E com effeito Seo coraccedilatildeo jaacute enregelado

esse coraccedilatildeo cujas fibras haviam estalado com as pulsaccedilotildees das mais

cruciantes angustias repousa hoje unido a esse punhado de terra da paacutetria

pela qual sempre palpitou afervorado ateacute o derradeiro anceio (ibidem

p265 grifo do autor)

Cerca de cinco anos depois da queda da Monarquia o Baratildeo mostra o caderno

no qual estava a traduccedilatildeo em prosa do Prometeu Acorrentado feita por DPedro II a

Lafayette Rodrigues Pereira

[] n‟uma daquellas agradaveis palestras em que roccedilas por todos os

assumptos amenisando-os e salpicando-os com o teo inexgotavel sal Attico

mostrei-te um pequeno livro contendo a traducccedilatildeo litteral do Prometheu

Acorrentado de Eschylo

Conheceste logo a lettra do manuscripto pois te era familiar desde

que occupaste e honraste os altos cargos de Presidente do Conselho e

Ministro da Fazenda

Focircra DPedro II quem escrevera aquella traducccedilatildeo por elle

litteralmente feita do original grego

Focircra o Imperador quem me entregara aquelle volumito manifestando

o desejo de que eu trasladasse para verso portuguez a sua prosa (ibidem

pIX)

Infelizmente Dom Pedro II nunca pocircde ler as versotildees poeacuteticas da lavra de

Paranapiacaba pois a primeira soacute comeccedilou a ser feita depois de quase 10 anos do dia

em que entregou seu manuscrito ao Baratildeo Haacute de se lembrar que Dom Pedro II confiou

o manuscrito a Paranapiacaba em 1889 faleceu em 1891 e o Baratildeo comeccedilou a fazer o

primeiro traslado poeacutetico somente em 1899 como se pode averiguar em carta escrita

por Paranapiacaba ao Conselheiro Lafayette em 10 de outubro de 1899 ldquoEntrando

ultimamente em forccedilado repouso de um mez metti hombros aacute empreza de que me

17

havia com satisfaccedilatildeo incumbido encetei e levei a cabo a accommodaccedilatildeo poeacutetica

daquella versatildeordquo(PARANAPIACABA 1907 pX)

Quanto agraves versotildees do Prometeu Acorrentado feitas pelo Baratildeo de Paranapiacaba

e ao manuscrito de DPedro II haacute questotildees que ainda precisam ser elucidadas

Em Manuscrito e Traduccedilatildeo espaccedilos de criaccedilatildeo Sergio Romanelli (2014

p113) escreve

Somente trecircs obras traduzidas pelo Imperador foram ateacute hoje publicadas a

saber

1)Prometheu Acorrentado Vertido literalmente por Dom Pedro II

trasladaccedilatildeo poeacutetica do texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Rio de Janeiro

Imprensa Nacional 1907

2)Poesias (originais e traduccedilotildees) de D Pedro II (1889) sendo esse uma

homenagem de seus netos

3)Poesias Hebraico-Provenccedilais do ritual israelita Comtadin impressa em

Avignon em 1891

Em visita ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Satildeo Paulo (IEB

- USP) conseguimos consultar e fotografar a primeira das obras citadas por Romanelli

(Prometheu AcorrentadoVertido literalmente por Dom Pedro II trasladaccedilatildeo poeacutetica

do texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Rio de Janeiro Imprensa Nacional 1907)

Causou-nos surpresa constatar que a ediccedilatildeo a qual eacute considerada uma das poucas

publicaccedilotildees das traduccedilotildees de DPedro II natildeo traz a reproduccedilatildeo de sua traduccedilatildeo feita em

prosa da trageacutedia de Eacutesquilo mas apenas as versotildees poeacuteticas da lavra de Paranapiacaba

Na primeira das versotildees apresentadas no livro Paranapiacaba emprega rimas aleacutem da

forma meacutetrica variar de acordo com o personagem Jaacute na segunda versatildeo predominam

os decassiacutelabos soltos isto eacute sem o emprego de rimas

Em ldquoO Prometeu dos Barotildeesrdquo (1997) Haroldo de Campos faz um

importantiacutessimo resgate de trechos da segunda versatildeo apresentada no livro de

Paranapiacaba (versatildeo em que predominam os decassiacutelabos soltos) No mesmo

compecircndio onde se encontra o ensaio (ALMEIDA amp VIEIRA Trecircs Trageacutedias Gregas

1997) haacute tambeacutem a reproduccedilatildeo integral da traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado feita por

Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz professor de grego do Coleacutegio Pedro II (pp255-86)

A traduccedilatildeo feita por Ramiz tambeacutem fora incentivada pelo Imperador

Apesar da grande importacircncia do ensaio de Haroldo de Campos para a histoacuteria

da recepccedilatildeo dos Claacutessicos no Brasil a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II natildeo entra em

anaacutelise em seu ensaio

18

Entre as produccedilotildees acadecircmicas que abordam as versotildees poeacuteticas incentivadas

por Dom Pedro II vale a pena citar o artigo de Paula da Cunha Correcirca ldquoEm busca da

tradiccedilatildeo perdidardquo (1999) Mais do que fazer uma resenha do livro supracitado Trecircs

trageacutedias gregas (ALMEIDA amp VIEIRA 1997) Correcirca empreende uma interessante

anaacutelise das versotildees do Prometeu Acorrentado feitas por Ramiz Galvatildeo e pelo Baratildeo de

Paranapiacaba (versatildeo em que predominam os decassiacutelabos soltos) trazendo tambeacutem

para a discussatildeo a traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado de autoria de Trajano Vieira

Embora o artigo evoque assim como o texto de Campos a tradiccedilatildeo de tradutores

brasileiros do Prometeu Acorrentado e tambeacutem apresente uma abordagem instigante na

anaacutelise empreendida natildeo tem como um de seus objetivos citar trechos da traduccedilatildeo em

prosa de Dom Pedro II e analisaacute-los juntamente com as outras traduccedilotildees

Em O Baratildeo de Ramiz (1972) A Mauriceacutea Filho coteja a versatildeo na qual

Paranapiacaba emprega rimas com a traduccedilatildeo de Ramiz Galvatildeo tambeacutem tendo em vista

o texto original de Eacutesquilo e agraves vezes fazendo intervir soluccedilotildees da traduccedilatildeo portuguesa

de Baziacutelio Teles Aleacutem disso o autor escreve o seguinte comentaacuterio acerca do

manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu Acorrentado

Ora tivemos a ventura de folhear com a maacutexima reverecircncia no Instituto

Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro passando e repassando pelas matildeos as suas

folhas algo amarelecidas pelo tempo o Manuscrito Imperial consistindo de

um caderno (tipo colegial simples) menos da metade escrito e mais da

metade em branco onde o Sr Imperador Pedro II deixara ficar com sua letra

pequenina mas muito bem traccedilada e bem legiacutevel a famosa trageacutedia de

Eacutesquilo sem esquecer S Magestade de apor ao fim do trabalho em

caracteres firmes a data 14 de abril de 1871 O preciosiacutessimo documento

encontra-se no Instituto Histoacuterico muito bem conservado como todas as

peccedilas que ali se acham ndash reliacutequias de nossa Tradiccedilatildeo - e devidamente

classificado (MAURICEacuteA FILHO 1972 pp243-4)

Embora A Mauriceacutea Filho faccedila uma importantiacutessima descriccedilatildeo da existecircncia

real do Manuscrito Imperial natildeo o coteja poreacutem com as traduccedilotildees de Paranapiacaba e

Ramiz Galvatildeo Quase no final da anaacutelise apenas transcreve um pequeno trecho da

traduccedilatildeo de Dom Pedro II a saber ldquodo que entatildeo se apresentava parecia o mais

acertado tomando comigo a minha Matildee auxiliar de boa vontade a Juacutepiter que o

queriardquo (MAURICEacuteA FILHO 1972 p261)

Apesar de ter fomentado pelo menos trecircs versotildees do Prometeu Acorrentado

(duas de Paranapiacaba e uma de Ramiz Galvatildeo) eacute lamentaacutevel que a versatildeo em prosa

feita por Dom Pedro II ainda natildeo tenha sido estudada mais detalhadamente

19

Como entatildeo poderiacuteamos dizer que o livro Prometeu Acorrentado de 1907

citado por Romanelli eacute uma das poucas traduccedilotildees do Imperador publicadas ateacute entatildeo

Ateacute que ponto as versotildees de Paranapiacaba estatildeo ligadas semanticamente agrave traduccedilatildeo do

Imperador Seraacute que os meacuteritos ou os pontos fracos dessas versotildees podem ser atribuiacutedos

tambeacutem agrave traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II Satildeo questotildees sobre as quais

pretendemos nos debruccedilar e responder ao longo da presente dissertaccedilatildeo Para isso

objetiva-se

1) Empreender a transcriccedilatildeo integral da traduccedilatildeo feita por Dom Pedro II da

trageacutedia Prometeu Acorrentado e das duas versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo de

Paranapiacaba

2) Realizar o cotejo criacutetico entre a Traduccedilatildeo Imperial e as duas versotildees poeacuteticas

feitas pelo Baratildeo

A histoacuteria da traduccedilatildeo de literatura greco-romana no Brasil ainda estaacute para ser

escrita (DUARTE 2016) Mas natildeo temos a pretensatildeo de escrevecirc-la sozinhos Pois ldquoum

miacutenimo de honestidade nos afasta de empresas que natildeo podemos realizarrdquo (RAMOS

2008 p63) Por outro lado entendemos que ao realizarmos a transcriccedilatildeo completa da

traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e das versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba daremos

mais um passo rumo ao atendimento dessa grande demanda nos estudos da recepccedilatildeo e

traduccedilatildeo dos Claacutessicos em nosso paiacutes

Em vista desse uacuteltimo toacutepico buscamos recuperar a histoacuteria das traduccedilotildees do

Prometeu Acorrentado publicadas no Brasil e de seus respectivos tradutores situando

nela a de D Pedro II A presenccedila do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo no Brasil pode

ser constatada pelo nuacutemero e sobretudo pela qualidade de suas traduccedilotildees O tradutor

ldquocomo o primeiro interprete de um texto eacute o elo inicial de uma rede que visa a tornar o

claacutessico vivo presente para a sociedaderdquo (DUARTE 2016 p26) O levantamento das

traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado e de seus respectivos tradutores visa

tornar ainda mais evidente essa corrente de esforccedilos individuais que contribuiu para que

a antiga trageacutedia grega permanecesse viva em liacutengua portuguesa ateacute os nossos dias

Manuscrito e sua transcriccedilatildeo integral

Graccedilas ao apoio do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro na pessoa de

Socircnia N de Lima (Chefe do Arquivo) conseguimos uma coacutepia fac-similar do

manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu Acorrentado

20

de Eacutesquilo (Doc 4695-A) O manuscrito encontra-se totalmente transcrito na presente

dissertaccedilatildeo (pp 123-57)

O trabalho de transcriccedilatildeo foi feito em diaacutelogo com as seguintes obras Noccedilotildees de

paleografia e diplomaacutetica (2008) de Anna Regina Berwanger e Joatildeo Euriacutepides Franklin

Leal Introduccedilatildeo agrave criacutetica textual (2005) de Ceacutesar Nardeli Cambraia Fundamentos da

criacutetica textual (2004) de Baacuterbara Spaggiari e Maurizio Perugi e Ediccedilotildees criacutetica e

geneacutetica de ldquoA Morgada de Romarizrdquo(2009) de Carlota Frederica Pimenta Natildeo existe

um consenso absoluto sobre os criteacuterios propostos pelos autores acima citados Por

isso procuramos utilizar aquilo que mais se adequava agraves especificidades da nossa

pesquisa A seguir teceremos algumas consideraccedilotildees gerais sobre o manuscrito da

traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e sobre os criteacuterios adotados no trabalho de

transcriccedilatildeo

O Manuscrito Imperial ocupa 47 paacuteginas de um caderno com capa de papelatildeo

indeformaacutevel 23 centiacutemetros de comprimento por 19 centiacutemetros de largura e 1

centiacutemetro de espessura (MAURICEacuteA FILHO 1972 p244) A data do teacutermino da

traduccedilatildeo eacute colocada na uacuteltima paacutegina do manuscrito A numeraccedilatildeo das paacuteginas parece

ter sido feita a laacutepis de forma alternada (somente as iacutempares satildeo numeradas) No

entanto a paacutegina 7 do manuscrito foi erroneamente marcada como paacutegina ldquo6rdquo O

equiacutevoco persiste ateacute o final do manuscrito cuja uacuteltima paacutegina traz ldquo46rdquo sendo que haacute

47 paacuteginas de traduccedilatildeo

Figura 1 Trecho da uacuteltima paacutegina do Documento 4695-A (IHGB)

O trabalho de transcriccedilatildeo seguiraacute os seguintes criteacuterios gerais

a) Palavras com ldquosrdquo duplicado apresentam uma caracteriacutestica interessante na

caligrafia do seacuteculo XIX no Brasil o primeiro ldquosrdquo eacute chamado ldquocaudadordquo

(BERWANGER amp LEAL 2008 p100) Veja-se a reproduccedilatildeo de como era

escrito o primeiro ldquosrdquo da palavra ldquoapressa-terdquo por exemplo

Essa particularidade da caligrafia natildeo era reproduzida nas publicaccedilotildees

21

tipograacuteficas da eacutepoca e seguimos essa tendecircncia em nosso trabalho de

transcriccedilatildeo

b) A pontuaccedilatildeo original foi mantida

c) As maiuacutesculas e as minuacutesculas foram mantidas tal qual estatildeo presentes no

original com exceccedilatildeo do ldquosrdquo caudado

d) A ortografia foi mantida na iacutentegra natildeo se efetuando nenhuma correccedilatildeo

gramatical

Figura 2 Trecho da traduccedilatildeo de Dom Pedro II referente aos versos 1063-9 do Prometeu

(Doc4695-A IHGB)

Chogravero

Dize e aconselha-me outra cousa pois que me seduziste com essas palavras de

nenhum modo toleraveis Como eacute que me ordenas praticar infamias Com elle quero

soffregraver o que fograver necessario pois aprendi a aborrecegraver os traidores nem ha peste que

mais me repugne do que esta ()

e) A transcriccedilatildeo do texto foi feita de forma corrida e a divisatildeo original dos

paraacutegrafos respeitada

f) Indicamos a numeraccedilatildeo original da paacutegina entre colchetes ex [fl3] mesmo

no meio do texto corrido quando necessaacuterio Os colchetes seratildeo sublinhados

para indicar que a paacutegina em questatildeo natildeo estaacute marcada no manuscrito ex

[fl4]

Figura 3 Trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A IHGB)

22

[fl3]

Forccedila

De nada vale deploral-o natildeo faze pois cousas que nada aproveitatildeo

Figura 4 Trecho da quarta paacutegina do Documento 4695-A (IHGB) natildeo numerada no

manuscrito

[fl4]

Vulcano

Estaacute feito e natildeo dura este trabalho

g) Os elementos textuais interlineares ou marginais autoacutegrafos que completam

o escrito seratildeo inseridos no texto entre os sinais ltgt

Figura 5 Trecho da primeira fala de Prometeu (vv88-126) traduzida pelo Imperador

(Doc4695-A IHGB)

Prometheu

ltOh ar divinogt e ventos de azas velozes e fontes dos rios()

h) Tambeacutem utilizaremos os seguintes sinais diacriacuteticos

= o asteriacutesco indica que algo foi riscado e estaacute ilegiacutevel no ponto em que ele

aparece

[ ] = algo foi escrito sobre

[] = escrito sobre algo que foi riscado e que estaacute ilegiacutevel

ltuarrgt = acreacutescimo textual no espaccedilo interlinear superior

ltdarrgt = acreacutescimo textual no espaccedilo interlinear inferior

Prometeu = palavra riscada mas legiacutevel

ilegiacutevel = palavra natildeo riscada mas ilegiacutevel

= manuscrito deteriorado na passagem em questatildeo

23

Veja-se a seguir algumas expressotildees comuns no uso dos sinais diacriacuteticos em

nossa transcriccedilatildeo

ltuarrgt [] = acreacutescimo textual no espaccedilo interlinear superior sobre algo que foi

riscado e que estaacute ilegiacutevel Exemplo

Figura 6 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

()pois novos ltuarrtimoneirosgt[]3 regem o Olympo ()

ltuarrgt [] = ascreacutecimo textual no espaccedilo interlinear superior sobre texto legiacutevel

Exemplo

Figura 7 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

AhltuarrQue cousagt[Tambem] tu vieste expectadograver de meus trabalhos

Quando o acreacutescimo textual interlinear natildeo eacute seguido do diacriacutetico ldquo[ ]rdquo

(ldquosobrerdquo) significa que o acreacutescimo estaacute entre duas palavras acima do espaccedilo em

branco Exemplo

Figura 8 Trecho do Documento 4695-A (IHGB)

() chamma brilhante ltuarrdogtsol ()

Pode ser que ocorra um acreacutescimo sobre algo que esteja riscado e ilegiacutevel

juntamente com outra palavra que tambeacutem fora riscada mas que pode ser lida

3 A palavra ldquoTimoneirosrdquo foi escrita sobre algo que foi riscado Apesar de natildeo ser possiacutevel ler claramente

qual palavra foi riscada no trecho destacado mesmo ampliando a imagem do manuscrito algumas letras

poreacutem satildeo legiacuteveis gadoes Brunno VG Vieira Professor de Letras Claacutessicas da UNESP

durante a arguiccedilatildeo da presente Dissertaccedilatildeo sugeriu a leitura ldquogovernadoresrdquo para a palavra riscada Ver

paacutegina 128

24

Figura 9 Detalhe do Documento 4695-A (IHGB)

() poremlt uarrdezejavagt [ queria ] ()

i) As palavras sublinhadas pelo autor do manuscrito tambeacutem seratildeo sublinhadas

na transcriccedilatildeo

Figura 10 Trecho do Documento 4695-A (IHGB)

Chegamos a terra remota aacute regiatildeo Scytha a ermo despovoado

Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu o pae de ()

f) Outras particularidades do manuscrito foram indicadas por meio de notas de

rodapeacute

Diante dos criteacuterios supramencionados pode-se afirmar que a transcriccedilatildeo

empreendida eacute de caraacuteter diplomaacutetico ou geneacutetico pois se transcreveraacute tambeacutem os

acidentes de escrita e as emendas o que de certa forma revela algo do processo criativo

do autor do manuscrito isto eacute sobre a gecircnese da sua traduccedilatildeo Por isso esse tipo de

transcriccedilatildeo eacute chamado comumente de transcriccedilatildeo geneacutetica (PIMENTA 2009 p16)

Tambeacutem afirmamos que a ortografia do Manuscrito Imperial seraacute respeitada Por isso

seria profiacutecuo tecer algumas consideraccedilotildees sobre a ortografia da liacutengua portuguesa na

segunda metade do seacuteculo XIX

Ramiz Galvatildeo (o Baratildeo de Ramiz) em seu livro Vocabulario etymologico

orthographico e prosoacutedico das palavras portuguezas derivadas da lingua grega (1909)

afirma que natildeo havia um acordo ortograacutefico uacutenico no Brasil na eacutepoca do Segundo

Impeacuterio e que os dicionaacuterios de liacutengua portuguesa de sua eacutepoca

[] cada qual grapha como entende e os proacuteprios glottologos discutem sem

resultado practico as vantagens dos systemas phonetico etymologico e

25

eclectico que correspondiam aacutes trez correntes de opiniatildeo nesta mateacuteriardquo

(RAMIZ GALVAtildeO 1909 pII)4

Ramiz Galvatildeo estava ligado agrave vertente chamada ldquoetimoloacutegicardquo Em sentido lato

esse sistema ortograacutefico preconizava que as palavras vernaacuteculas deveriam utilizar as

palavras latinas ou gregas como paradigmas para sua escrita (a etimologia nem sempre

era feita de forma rigorosa por alguns autores o que gerava confusatildeo e variedade na

grafia de algumas palavras) Era comum por exemplo transliterar as letras gregas ζ θ

ρ por th ph e ch nas palavras portuguesas que tivessem sua origem no idioma grego

como por exemplo eschola ldquoescolardquo (RAMIZ GALVAtildeO 1909 pIV-V)5 Dom Pedro

II parece seguir tal sistema ortograacutefico em sua traduccedilatildeo em prosa

Apresentar-se-aacute a seguir alguns exemplos tirados do proacuteprio Manuscrito

Imperial para explicitar as principais diferenccedilas entre a ortografia vigente em nossos

dias e a adotada pelo Imperador

1) A forma da terceira pessoa do plural do presente do indicativo tem o sufixo

em ldquondashatildeordquo em vez de ldquo- am

Figura 11 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A IHGB)

() te de tuas bogravedas alcanccedilaste oh moccedila Pois as palavras que ouviste agora

nem no proemio te pareccedilatildeo estar

2) A forma da primeira pessoa do singular do presente indicativo do verbo

ldquoodiarrdquo eacute odiacuteo em vez de ldquoodeiordquo e da terceira pessoa do singular eacute odiacutea em

vez de ldquoodeiardquo

Figura 12 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A IHGB)

4 Reproduzimos a ortografia da publicaccedilatildeo original

5A corrente etimoloacutegica foi teorizada inicialmente por Duarte Nunes de Leatildeo na sua Orthografia da

lingoa portugueza em 1576 Outro autor importante foi Madureira Feijoacute com sua Orthographia ou Arte

de Escrever e pronunciar com acerto a lingua portuguesa em 1734 obra na qual defende a etimologia na

ortografia

26

Prometheu

Em uma palavra odiacuteo todos os deuses quantos beneficiados me fazem mal

injustamente

3) As palavras proparoxiacutetonas natildeo satildeo acentuadas como por exemplo animo

(acircnimo) aspero (aacutespero) artifice (artiacutefice) colera (coacutelera) habito (haacutebito)

miseros (miacuteseros) Tartaro (Taacutertaro)

Figura 13 Imagens de algumas palavras proparoxiacutetonas encontradas no Documento 4695ndashA (IHGB)

4) As palavras paroxiacutetonas terminadas em ldquoa(s)rdquo ldquoo(s)rdquo ldquoe(s)rdquo satildeo acentuadas

com (`) se o som da siacutelaba tocircnica for fechado e com (acute) se o som for aberto

algegravemas (algemas) ansiograveso (ansioso) foacutera (fora) oceagraveno (oceano)

Figura 14 Imagens de palavras paroxiacutetonas terminadas em vogais ldquoordquo e ldquoardquo (Doc4695-A IHGB)

As paroxiacutetonas terminadas com as demais consoantes e as terminadas em

ditongo natildeo satildeo acentuadas

Figura 15 Imagens de palavras paroxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A IHGB)

5) As palavras oxiacutetonas terminadas em ldquoemrdquo e ldquoensrdquo natildeo satildeo acentuadas alem

(aleacutem) alguem (algueacutem) ninguem (ningueacutem) porem (poreacutem) tambem

(tambeacutem) Jaacute nas versotildees poeacuteticas da lavra de Paranapiacaba (1907) eacute

possiacutevel ver a forma ldquoporeacutemrdquo

Figura 16 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A IHGB)

27

6) Palavras oxiacutetonas terminadas em ldquoerrdquo e ldquoorrdquo satildeo acentuadas expectadograver

(expectador) terrograver (terror) vegraver (ver)

Figura 17 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A IHGB)

A crase eacute marcada com (acute) em vez de (`)

Figura 18 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB)

() voltaraacute ainda anciograveso aacute concordia ()

7) Uso dos pronomes aacutetonos la(s) e lo(s) eacute bastante peculiar denuncial-o-ei

(denunciaacute-lo-ei) explical-o-ei (explicaacute-lo-ei) ignoral-o (ignoraacute-lo) obtegravel-a (obtecirc-

la)

Figura 19 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB)

8) A ortografia etimoloacutegica deu origem agraves seguites grafias encontradas no

manuscrito Afflicto (aflito) dezejava (desejava) emtorno (entorno)

ephemeros (efecircmeros) irmaatildes (irmatildes) monarcha (monarca) Note-se a

seguir outros exemplos retirados do manuscrito

Figura 20 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

() donzellas anciaatildes com forma de cysne possuindo um olho commum e um

dente a quem jamais nem o sol olha com seus raios nem a nocturna lua Perto

28

estatildeo suas trez irmaatildes as aligeras anguicomas Gorgones aos mortaes odiosas

que nenhum mortal encarando conservaraacute o espirito vital

9) ldquoPorquerdquo como forma uacutenica para ldquopor querdquo e ldquoporquerdquo

Figura 21 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Io

Porque hesitas entatildeo em dizer-me tudo

Essas satildeo as caracteriacutesticas gerais do manuscrito de sua transcriccedilatildeo e de sua

ortografia Na primeira parte da presente dissertaccedilatildeo seraacute apresentado o levantamento

das traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado juntamente com algumas

consideraccedilotildees sobre a poeacutetica tradutoacuteria de cada um dos tradutores elencados (Capiacutetulo

1) O cotejo criacutetico entre as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba e a traduccedilatildeo feita por

Dom Pedro II ocorreraacute no Capiacutetulo 2 A segunda parte da dissertaccedilatildeo eacute destinada agraves

transcriccedilotildees O Capiacutetulo 3 seraacute dedicado agrave transcriccedilatildeo completa da traduccedilatildeo em prosa de

Dom Pedro II Nos Capiacutetulos 4 e 5 respectivamente encontram-se as transcriccedilotildees das

duas versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba feitas a partir do livro publicado em

1907 e seguindo os criteacuterios gerais de transcriccedilatildeo expostos anteriormente sobretudo no

que se refere agrave ortografia e agrave divisatildeo dos paraacutegrafos Apoacutes as transcriccedilotildees temos a

Conclusatildeo Final da Dissertaccedilatildeo

Em 2018 publicamos o artigo ldquoA traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II da

trageacutedia bdquoPrometeu acorrentado‟ de Eacutesquilordquo na Revista de Estudos Claacutessicos e

Tradutoacuterios Roacutenai no qual apresentamos os primeiros resultados de nossa pesquisa

Alessandra Fraguas historiadora e pesquisadora do Museu Imperial leu o artigo

Depois disso gentilmente informou-nos sobre a existecircncia dos esboccedilos da traduccedilatildeo em

prosa de Dom Pedro II depositados no Museu Imperial (Maccedilo 37 - Doc 1057 B de

Dom Pedro II Museu Imperial Ibram Ministeacuterio da Cidadania) e de uma carta escrita

pelo Baratildeo de Paranapiacaba agrave Princesa Isabel na qual fala sobre a publicaccedilatildeo de suas

versotildees poeacuteticas (Maccedilo 204 ndash Doc 9329 Museu Imperial Ibram Ministeacuterio da

Cidadania) Graccedilas agrave mediaccedilatildeo de Fraguas tivemos acesso a coacutepias digitalizadas dos

29

documentos citados Trechos dessa versatildeo preliminar de Dom Pedro II seratildeo cotejados

com sua versatildeo final no Capiacutetulo 2 A carta escrita por Paranapiacaba agrave Princesa Isabel

foi totalmente transcrita valendo-se dos mesmos criteacuterios utilizados nas outras

transcriccedilotildees e anexada agrave dissertaccedilatildeo

Encerraremos a presente introduccedilatildeo partilhando mais um trecho da transcriccedilatildeo

empreendida do Manuscrito Imperial referente agrave uacuteltima fala de Prometeu traduzida por

Dom Pedro II (vv1080-93) A passagem em questatildeo possui uma forte carga dramaacutetica

Por meio dos cataclismos naturais descritos por Prometeu Zeus e sua terriacutevel fuacuteria se

fazem presentes em cena

Figura 22 Imagem do texto da uacuteltima fala de Prometeu traduzida por Dom Pedro II(Doc4695-AIHGB)

Prometheu

E de facto e natildeo mais por palavras ltuarrbalanccedila-segt[] a terra rebogravea o echo

rugidograver do trovatildeo brilhatildeo as espiraes ltuarrardentesgt [] do relampago e os turbilhotildees

revolvem o poacute rompem os sogravepros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

oppostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Taes impetos contra mim vem

30

manifestamente de Jupiter para mettegraverem megravedo Oh nume de minha matildee [fl46]6 oh ar

que volves a luz commum de todos vegraves quatildeo injustamente soffro

14 de Abril de 1871

6Paacutegina 47 (uacuteltima paacutegina) marcada como 46 no manuscrito

31

CAPIacuteTULO 1 ndash As versotildees Brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo

11 Levantamento das traduccedilotildees brasileiras (consideraccedilotildees preliminares)7

O levantamento empreendido das traduccedilotildees brasileiras do Prometeu

Acorrentado e de seus respectivos tradutores se deu por meio de visitas a bibliotecas e

livrarias aleacutem de consultas a bancos de dados eletrocircnicos como o Sistema Integrado de

Bibliotecas da Universidade de Satildeo Paulo SIBiUSP Todas as traduccedilotildees encontradas

foram lidas integralmente Chegou-se ao seguinte resultado sendo que antes do nome

do tradutor de cada versatildeo encontra-se o ano da publicaccedilatildeo original (as datas de suas

reediccedilotildees estatildeo entre parecircnteses)

1871 - Dom Pedro II8

1907 - Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza Baratildeo de

Paranapiacaba duas versotildees distintas no mesmo livro

1909 - Ramiz Galvatildeo Baratildeo de Ramiz (1922 1997)

1950 - JB de Mello e Souza (1964 1966 1969 1970 1998

2001 2002 2005)

1964 - Jaime Bruna (1968 1977 1996)

1967 - Napoleatildeo Lopes Filho

1968 - Maacuterio da Gama Kury (1993 1998 1999 2004 2009)

1977 - Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves

1980 ndash O Tradutor Desconhecido9

1982 - Alberto Guzik

1985 ndash Jaa Torrano

1997 ndash Trajano Vieira

2009 ndash Jaa Torrano10

7Neste capiacutetulo natildeo se consideraratildeo as adaptaccedilotildees infantojuvenis do Prometeu Acorrentado as quais

mereceriam um estudo agrave parte 8 Manuscrito da traduccedilatildeo em prosa feita por Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo

(Doc4695-A ndash Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro) 9Trata-se de uma traduccedilatildeo anocircnima do Prometeu Acorrentado publicada por Otto Pierre Editores em

1980 10

Em entrevista dada a Andreacute Malta (2015) Jaa Torrano afirma que haacute mudanccedilas entre as traduccedilotildees de

Prometeu Prisioneiro (1985) e Prometeu Cadeeiro (2009) mudanccedilas estas que nos parecem substanciais

a comeccedilar pelos tiacutetulos das traduccedilotildees Por isso natildeo consideramos a traduccedilatildeo de 2009 como uma simples

reediccedilatildeo

32

Seguindo o exemplo de Jorge Luis Borges no ensaio ldquoAs Versotildees homeacutericasrdquo

(1994 pp71-8) a seguir seratildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica as versotildees

brasileiras de uma mesma passagem do Prometeu Acorrentado Borges usou recurso

semelhante quando discorria acerca das traduccedilotildees inglesas da Odisseia afirmando que

tais versotildees satildeo na verdade ldquoperspectivas variadas de um fato moacutevelrdquo (ibidem 1994

p71) Depois da apresentaccedilatildeo dos trechos das traduccedilotildees faremos algumas

consideraccedilotildees sobre a afirmaccedilatildeo de Borges e tambeacutem a exposiccedilatildeo daquilo que nos

chamou mais atenccedilatildeo nas versotildees elencadas Ao que se pretende valendo-se das

palavras de Brunno V G Vieira (2010 p70) quando discorria sobre as versotildees

brasileiras da Farsaacutelia de Lucano

[]estaacute fora de questatildeo a imposiccedilatildeo de um modo bdquocerto‟ de traduzir Ao

contraacuterio o que estaacute em jogo eacute um exerciacutecio de conhecimento das diferentes

modulaccedilotildees que um texto pode alcanccedilar quando trabalhado por tradutores de

diferentes eacutepocas estilos e concepccedilotildees translatiacutecias

No proacutelogo do Prometeu Acorrentado o titatilde que daacute nome ao drama eacute escoltado

por outras trecircs divindades Kratos (ldquoPoderrdquo) Bia (ldquoviolecircnciardquo personagem mudo) e

Hefesto o ferreiro divino Kratos insta Hefesto a cumprir as ordens de Zeus de encadear

Prometeu num inoacutespito rochedo No cumprimento das ordens dadas Hefesto lamenta

seu ofiacutecio desejando que tal pertencesse a outro Kratos entatildeo responde-lhe

ldquoἅπαλη᾽ ἐπαρζῆ πιὴλ ζενῖζη θνηξαλεῖλ ἐιεύζεξνο γὰξ νὔηηο ἐζηὶ πιὴλ Δηόοrdquo

(Prometeu Acorrentado vv49-50)11

Veja-se a seguir as diferentes versotildees brasileiras para a citada resposta de

Kratos

Dom Pedro II prosa 1871 ldquoTudo foi feito para os deuses exceto imperarem

pois ningueacutem eacute livre salvo Juacutepiterrdquo

Baratildeo de Paranapiacaba verso 1907 versatildeo em que o metro varia de

acordo com o personagem ldquoAos Imortais concedido Tudo foi menos o impeacuterio Soacute

Jove eacute livrerdquo

Baratildeo de Paranapiacaba verso 1907 versatildeo onde predominam os

decassiacutelabos brancossoltos ldquoTudo aos Deuses foi dado unicamente natildeo podem

governar A natildeo ser Jove Natildeo eacute livre ningueacutemrdquo

11 Os textos editados por Mark Griffith (1997) Paul Mazon (1953) e Christian G Schuumltz (1809) do

original do Prometeu Acorrentado natildeo apresentam divergecircncias de leitura para a passagem em questatildeo

33

Ramiz Galvatildeo verso 1909 ldquoTudo aos numes foi dado exceto o mando

ningueacutem eacute senatildeo Zeus independenterdquo

J B de Mello e Souza prosa 1950 ldquoMuito podem os deuses na verdade

poreacutem dependem de um poder supremo soacute Juacutepiter eacute onipotenterdquo

Jaime Bruna prosa 1964 ldquoTodos os quinhotildees foram negociados menos o de

governar os deuses ningueacutem eacute livre senatildeo Zeusrdquo

Napoleatildeo Lopes Filho prosa 1967 ldquoTudo eacute concedido aos deuses menos o

impeacuterio Soacute Zeus eacute livrerdquo

Maacuterio da Gama Kury verso 1968 ldquoTodos temos a sorte predeterminada a

uacutenica exceccedilatildeo eacute Zeus o rei dos deuses Somente ele eacute livre entre imortais e homensrdquo

Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves verso 1977 ldquoTudo foi

traccedilado a natildeo ser para o soberano dos deuses livre de fato ningueacutem eacute exceto Zeusrdquo

Autor desconhecido prosa 1980 ldquoTodas as atribuiccedilotildees estatildeo jaacute estabelecidas

exceto para o rei dos deuses soacute Zeus eacute livrerdquo

Alberto Guzik prosa 1982 ldquoTodos os trabalhos satildeo desagradaacuteveis menos o

de rei dos deuses pois ningueacutem eacute livre senatildeo Zeusrdquo

Jaa Torrano verso 1985 ldquoTudo se deu aos Deuses menos reinar pois livre

ningueacutem eacute aleacutem de Zeusrdquo

Trajano Vieira verso 1997 ldquoOs deuses tudo provam salvo o mando

somente Zeus conhece o livre arbiacutetriordquo

Jaa Torrano verso 2009 ldquoSoacute natildeo haacute ocircnus em ser rei de Deuses pois

ningueacutem eacute livre aleacutem de Zeusrdquo

A liacutengua grega na qual foi escrito o Prometeu Acorrentado natildeo eacute um fato

imoacutevel estanque pois seu estado e entendimento mudam agrave medida que surgem novas

descobertas no campo da filologia Mas natildeo eacute soacute o entendimento da liacutengua grega que se

transforma Subirat o tradutor espanhol do Ulysses de Joyce afirmou que ldquotraduzir eacute a

maneira mais atenta de lerrdquo (apud CAMPOS 2013 p14) e leitores tambeacutem mudam ao

longo do tempo Borges com sua ironia tatildeo peculiar toca nessa questatildeo em seu conto

Pierre Menard autor do Quixote texto no qual seu personagem Menard se empenha

por recriar o Quixote de Cervantes em pleno seacuteculo XX

Compor o Quixote em princiacutepios do seacuteculo XVII era um empreendimento

razoaacutevel necessaacuterio quem sabe fatal em princiacutepios do seacuteculo XX eacute quase

impossiacutevel Natildeo transcorreram em vatildeo trezentos anos carregados de

34

complexiacutessimos fatos Entre eles para mencionar um apenas o proacuteprio

Quixote (BORGES 1999 p495)

O narrador continua

Constitui uma revelaccedilatildeo cotejar o Dom Quixote de Menard com o de

Cervantes Este por exemplo escreveu (Dom Quixote primeira parte nono

capiacutetulo)

A verdade cuja matildee eacute a histoacuteria ecircmula do tempo depoacutesito das accedilotildees

testemunha do passado exemplo e aviso do presente advertecircncia do futuro

Redigida no seacuteculo XVII redigida pelo ldquoengenho leigordquo Cervantes essa

enumeraccedilatildeo eacute mero elogio retoacuterico da histoacuteria Menard em compensaccedilatildeo

escreve

A verdade cuja matildee eacute a histoacuteria ecircmula do tempo depoacutesito das accedilotildees

testemunha do passado exemplo e aviso do presente advertecircncia do futuro

A histoacuteria matildee da verdade a ideia eacute assombrosa Menard contemporacircneo de

Willian James natildeo define a histoacuteria como indagaccedilatildeo da realidade mas como

sua origem A verdade histoacuterica para ele natildeo eacute o que aconteceu eacute o que

julgamos que aconteceu As claacuteusulas finais ndash exemplo e aviso do presente

advertecircncia do futuro ndash satildeo descaradamente pragmaacuteticas (ibidem p495)

Como jaacute mencionado quanto maior for o desejo de ler com atenccedilatildeo uma

determinada obra de penetrar em sua complexidade maior seraacute o desejo de traduzi-la

(CAMPOS 2013 pp14 17) Cada um dos tradutores brasileiros do Prometeu

Acorrentado assim como o Menard de Borges fez sua leitura a partir de seu proacuteprio

repertoacuterio a partir de sua proacutepria eacutepoca e valores Entre os tradutores brasileiros do

Prometeu houve quem natildeo se contentou com uma uacutenica ldquoleitura atentardquo Eacute o caso

como visto do Baratildeo de Paranapiacaba Ele publicou duas distintas versotildees da mesma

trageacutedia num mesmo livro Para os versos 49 e 50 do Prometeu Acorrentado na

primeira versatildeo apresentada em seu livro o Baratildeo verte ldquoAos imortais concedido Tudo

foi menos o impeacuterio Soacute Jove eacute livrerdquo Na outra versatildeo apresentada no mesmo

compecircndio temos ldquoTudo aos Deuses foi dado unicamente natildeo podem governar A

natildeo ser Jove Natildeo eacute livre ningueacutemrdquo Outro exemplo interessante eacute o do professor de

Liacutengua e Literatura Grega da USP Joseacute Antonio Alves Torrano (Jaa Torrano) Aleacutem de

sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado publicada em 1985 Torrano empreende uma

nova traduccedilatildeo da mesma trageacutedia depois de quase 24 anos publicando-a em 2009 Em

sua primeira traduccedilatildeo lecirc-se ldquoTudo se deu aos Deuses menos reinar pois livre

ningueacutem eacute aleacutem de Zeusrdquo A traduccedilatildeo posterior por sua vez apresenta a seguinte

soluccedilatildeo ldquoSoacute natildeo haacute ocircnus em ser rei de Deuses pois ningueacutem eacute livre aleacutem de Zeusrdquo

Seraacute que algo importante mudou entre essas duas versotildees Acreditamos que sim A

35

versatildeo de 1985 afirma que tudo foi dado agraves divindades ldquomenos reinarrdquo Contudo

segundo o pensamento miacutetico grego os deuses exerciam grandiosa autoridade sobre os

mortais e tambeacutem havia reis entre os humanos Jaacute a traduccedilatildeo de 2009 deixa claro que

tipo de poder eacute esse do qual os deuses foram privados ldquoSoacute natildeo haacute ocircnus em ser rei de

Deusesrdquo ou seja eles foram privados de um poder superior pertencente apenas a Zeus

Esses exemplos indicam que a traduccedilatildeo natildeo eacute ldquouma operaccedilatildeo automaacutetica fruto

de geraccedilatildeo espontacircnea algo que demanda pouco esforccedilordquo (DUARTE 2016 p51)

como se costuma pensar no senso comum Veja-se o caso do proacuteprio Dom Pedro II Ele

leu os versos 49-50 do Prometeu da seguinte forma ldquoTudo foi feito para os deuses

exceto imperarem pois ningueacutem eacute livre salvo Juacutepiterrdquo (sentido bastante proacuteximo da

traduccedilatildeo de Torrano publicada em 1985) O manuscrito no qual se encontra a traduccedilatildeo

revela que o Imperador natildeo chegou a essa soluccedilatildeo sem hesitaccedilotildees pois nos espaccedilos

interlineares da passagem citada ele anotou em letras pequeninas (terceira paacutegina do

manuscrito) ldquo(exceto para os deuses o imperarem ndash isto eacute ndash Tudo custou trabalho

exceto imperarem os deuses pois somente Juacutepiter eacute livre (natildeo obedece impera) (Qual a

melhor interpretaccedilatildeo)rdquo12

Figura 23 Imagem de trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A IHGB)

Os pontos de divergecircncia entre tradutores na leitura de uma mesma passagem

satildeo valiosos a quem se debruccedila sobre os estudos das praacuteticas tradutoacuterias pois em tais

pontos o posicionamento pessoal de cada um dos tradutores se torna ainda mais

evidente Um exemplo disso satildeo os instigantes problemas interpretativos suscitados pelo

Coro das Oceaninas (ldquoOceacircnidesrdquo ou ldquoOceacircnidasrdquo dependendo do tradutor) e seu pai

Oceano

Assim que surgem em cena as deusas Oceaninas afirmam que escutaram o

barulho longiacutenquo das cadeias de Prometeu (vv128-35) Informam tambeacutem que vieram

depois de terem convencido com dificuldade a seu pai Oceano Prometeu pede para que

12

Interessante notar que soacute o Imperador traduz θνηξαλέσ por ldquoimperarrdquo ndash ldquoimpeacuterio ocorre em uma das

versotildees do Baratildeo de Paranabiacaba e de Napoleatildeo Lopes Filho a primeira dialogando com a de Dom

Pedro A escolha lexical revela aqui a funccedilatildeo do ldquotradutorrdquo e talvez uma certa identificaccedilatildeo de Dom

Pedro II com o panteatildeo grego ao refletir sobre os atributos inerentes ao exerciacutecio do poder

36

elas desccedilam do carro alado e se aproximem dele mas no momento exato em que as

deusas iam tocar os peacutes descalccedilos no rochedo em que o titatilde estava encadeado chega o

proacuteprio Oceano (para se compadecer de Prometeu ou para ainda tentar impedir mesmo

que veladamente as filhas se aproximarem do titatilde) Sim o mesmo Oceano que na

Teogonia de Hesiacuteodo tinha aconselhado sua filha Estige a ser a primeira a chegar ao

ajuntamento que visava sob a lideranccedila de Zeus depor Cronos Como recompensa por

essa prontidatildeo Zeus honrou-a fazendo dela proacutepria o ldquoGrande Juramento dos deusesrdquo

(Teogonia vv775-806) Jaacute na trageacutedia de Eacutesquilo Oceano chega depois de tentar

inutilmente impedir suas outras filhas de visitar Prometeu mas natildeo hesita em dizer ao

titatilde encadeado ldquo[] pois nunca diraacutes que haacute para ti amigo mais firme que Oceanordquo

(traduccedilatildeo de Dom Pedro II) Esse mesmo Oceano exorta Prometeu a se conhecer melhor

(γίγλσζθε ζαπηὸλ v309) se harmonizar com o novo tirano dos deuses e parar de

vociferar (ζὺ δ᾽ ἡζύραδε κεδ᾽ ἄγαλ ιαβξνζηόκεη v327) Enquanto isso ele proacuteprio

Oceano iria interceder junto a Zeus em favor de Prometeu (v325-9) Prometeu entatildeo

responde a Oceano (vv330-1) ldquoAdmira-me que tu natildeo hajas sido tratado como

criminoso visto que foste meu cuacutemplice e meu ajudanterdquo (Traduccedilatildeo de JB de Mello

e Souza)

A traduccedilatildeo supracitada de JB de Mello e Souza para essa resposta de Prometeu

suscita implicaccedilotildees interessantes Pois antes da chegada de Oceano Prometeu alegara

ao Coro das Oceaninas que estava sofrendo tamanho supliacutecio por se opor aos planos de

Zeus de exterminar a humanidade Aleacutem disso o Titatilde tambeacutem afirmou que doou o fogo

mestre de todas as artes aos mortais (vv193-256) Desta forma a traduccedilatildeo de JB de

Mello e Souza daacute a entender que Oceano de alguma forma foi cuacutemplice de Prometeu

nessas accedilotildees mas conseguiu contornar a situaccedilatildeo e natildeo ser punido Essa tambeacutem parece

ser a leitura de uma traduccedilatildeo anocircnima publicada por Otto Pierre Editores em 1980

ldquoInvejo-te palavra por estares livre de causa depois de teres tomado parte como eu nas

minhas empresasrdquo Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves apresentam a

seguinte interpretaccedilatildeo ao trecho ldquoEu te invejo a ti que a salvo da acusaccedilatildeo estaacutes

tendo de tudo participado e sendo ousado como eurdquo e escrevem em nota ldquoEsta

passagem faz-nos supor que Oceano deve ter colaborado com Prometeu em seus

empreendimentos em favor dos mortaisrdquo (MALHADAS amp MOURA NEVES 1977

p35) Na traduccedilatildeo de Trajano Vieira lecirc-se ldquoSoacute te posso invejar a liberdade pois tua

ousadia foi igual agrave minhardquo Trajano escreve o seguinte em nota para a passagem citada

ldquoReferecircncia provaacutevel a uma Titanomaquia perdida na qual Oceano combateu ao lado

37

de Prometeurdquo (VIEIRA 1997 p175) Entre todas as versotildees a traduccedilatildeo de Alberto

Guzik parece sugerir de forma mais expliacutecita que Oceano fora cuacutemplice de Prometeu

ldquoInvejo a sorte que tens de natildeo ser tratado como delinquente depois de ter participado

de tudo depois de teres sido soacutecio de minha audaacuteciardquo

Em contrapartida natildeo satildeo todos os tradutores que leem a passagem em questatildeo

da mesma forma Napoleatildeo Lopes Filho por exemplo entende que Oceano soacute era

cuacutemplice de Prometeu no sentido de que se dispocircs a visitaacute-lo em seu sofrimento Eis a

sua traduccedilatildeo ldquoDigo-te que eacutes feliz porque depois de ousar participar da minha dor

ainda estaacutes sem que Zeus te culperdquo - interpretaccedilatildeo diferente da apresentada nas

traduccedilotildees supracitadas Em sua traduccedilatildeo de 1985 Jaa Torrano lecirc a passagem de forma

semelhante ao que faz Napoleatildeo Lopes Filho ldquoEstimo que estejas fora da causa a

participar e ousar tudo por mimrdquo E natildeo parece que seu entendimento acerca dessa

passagem mudou em sua traduccedilatildeo de 2009 ldquoEstimo que estejas fora de causa audaz

ateacute participar de tudo comigordquo O Baratildeo de Paranapiacaba em suas versotildees de 1907

tem uma interpretaccedilatildeo semelhante agrave de Torrano e agrave de Napoleatildeo Lopes Filho ldquoAceita

embora meus pois tendo ousadoTer parte em minha docircr foste poupado E imune estaacutes

Natildeo quero te incommodesrdquo na outra versatildeo (decassiacutelabos soltos) encontra-se ldquoDou-te

os emboras por te ver imune De pena e culpa tu que a mim ligado Ousaste tomar

parte em minhas doresrdquo O curioso eacute que a traduccedilatildeo de Dom Pedro II da qual em tese

as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba teriam sido feitas diverge na interpretaccedilatildeo

ldquoInvejo-te porque ficas isento de crime tendo tudo partilhado e visado comigordquo A

traduccedilatildeo de Ramiz Galvatildeo parece estar mais alinhada agrave de Dom Pedro II nessa

passagem do que as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba ldquoEacutes feliz natildeo te inculpam bem

que houvesses tido parte na audaacutecia do meu feitordquo

Mas o problema natildeo termina aiacute Como dissemos Oceano alega estar disposto a

interceder a favor de Prometeu junto a Zeus Mas o titatilde prisioneiro cortesmente dispensa

a ajuda afirmando que natildeo desejava ver a fuacuteria de Zeus ainda mais accedilulada e recaindo

sobre Oceano tambeacutem Oceano por sua vez responde que a situaccedilatildeo de Prometeu

ensina e por isso se despede (vv374-96) O estranho eacute que Prometeu natildeo demonstra a

mesma preocupaccedilatildeo com as Oceaninas as quais ficam ao seu lado e se compadecem

dele No final da trageacutedia por exemplo Hermes (ldquoMercuacuteriordquo na traduccedilatildeo de Dom

Pedro II) discute asperamente com Prometeu Depois o Mensageiro de Zeus alerta as

Oceaninas nos seguintes termos

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Tais resoluccedilotildees e palavras de mentecapto eacute preciso contudo ouvir Que falta

pois para ele desarrazoar se nada cede das infelizes manias Mas voacutes que

vos compadeceis dos sofrimentos dele afastai-vos rapidamente destes

lugares para qualquer outro afim de que o horrendo mugido do trovatildeo natildeo

ponha atocircnitos vossos espiacuteritos (traduccedilatildeo de Dom Pedro II)

As Oceaninas entatildeo respondem a Hermes (ainda na traduccedilatildeo do Imperador)

Dize e aconselha-me outra cousa pois que me seduziste com essas palavras

de nenhum modo toleraacuteveis Como eacute que me ordenas praticar infacircmias Com

ele quero sofrer o que for necessaacuterio pois aprendi a aborrecer os traidores

nem haacute peste que mais me repugne do que esta

Mercuacuterio

Mas recordai-vos do que predigo e caccediladas pelas desgraccedila natildeo acuseis a

sorte nem digais que Juacutepiter vos arremessou a uma infelicidade imprevista

natildeo certamente poreacutem voacutes a voacutes mesmas pois sabendo-o nem suacutebita nem

ocultamente sereis envolvidas por insensatez na imensa rede da desgraccedila

Por que Prometeu natildeo pediu para as Oceaninas irem embora quando Hermes deu

o alerta supracitado mostrando preocupaccedilatildeo semelhante agrave que sentiu ndash ou que pelo

menos aparentou sentir - pelo pai delas Oceano Nesse ponto da leitura aumenta a

expectativa acerca do que iraacute acontecer com Prometeu e com o Coro das Oceaninas

Mas eacute tarde demais Prometeu exclama

Prometeu

E de fato e natildeo mais por palavras balanccedila-se a terra reboa o eco rugidor do

trovatildeo brilham as espirais ardentes do relacircmpago e os turbilhotildees revolvem o

poacute rompem os sopros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

opostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Tais iacutempetos contra

mim vem manifestamente de Juacutepiter para meterem medo Oacute nume de minha

matildee oacute ar que volves a luz comum de todos ves quatildeo injustamente sofro

(traduccedilatildeo de Dom Pedro II)

Desta forma acaba a trageacutedia Depois disso Eacutesquilo silencia A expectaccedilatildeo ainda

estaacute agrave tona Mas uma pergunta ainda fica no ar o que aconteceu com as Oceaninas

Silecircncio silecircncio e mais silecircncio Um silecircncio tatildeo abismal quanto aquele penedo em que

Prometeu fora acorrentado Silecircncio tatildeo inquietante a ponto de fazer alguns dos

tradutores brasileiros do Prometeu tentarem quebraacute-lo

Depois da uacuteltima fala de Hermes por exemplo Napoleatildeo Lopes Filho

acrescenta ldquo(Vatildeo-se Hermes e as Oceacircnides)rdquo algo que natildeo estaacute no original que como

se sabe natildeo traz rubricas Alberto Guzik por sua vez tambeacutem quebra o silecircncio

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escrevendo ldquoHermes se retirardquo O mesmo faz o Tradutor Anocircnimo de 1980 na fala das

Oceaninas acresce que uma delas (o corifeu) ldquo(aproxima-se de Prometeu)rdquo e depois da

fala de Hermes que ldquo(Hermes afasta-se Ouve-se um trovatildeo subterracircneo)rdquo J B de

Mello e Souza tambeacutem se posiciona ldquo(Sai Mercuacuterio)rdquo Jaacute Maacuterio da Gama Kury

escreve ldquoEntre relacircmpagos trovotildees e terremotos desaparecem PROMETEU e as

Oceacircnides do Corordquo O Baratildeo de Paranapiacaba natildeo escreve nada no corpo do texto

mas numa nota afirma que ldquoRetira-se Mercuacuterio e supotildee-se que o coro o acompanhardquo

Jaime Bruna vai aleacutem escrevendo ldquo(Relacircmpagos trovotildees ventania as Oceacircnides

fogem espavoridas e as penhas desabam sobre Prometeu)rdquo Eacute claro que com essa

interpretaccedilatildeo de Bruna as Oceaninas natildeo teriam cumprido a sua palavra de sofrerem

lealmente ao lado de Prometeu Mas nem por isso poderiacuteamos chamaacute-las de traidoras

Pois afinal de contas quem natildeo se sentiria aterrorizado diante da fuacuteria portentosa de

Zeus Veja-se por exemplo o caso do proacuteprio Prometeu Diante de Hermes ele fala

convicto e ousadamente

Por isso arremesse-se sobre mim a espiral de fogo de dois gumes e o ar seja

revolvido pelo trovatildeo e a tormenta dos ventos furiosos sacuda o furacatildeo a

terra com as proprias raiacutezes desde os alicerces e com aacutespero bramido

confunda as ondas do mar e os cursos dos astros celestes e precipite

inteiramente meu corpo no negro Taacutertaro levado pelos irresistiacuteveis turbilhotildees

da fatalidade em todo o caso natildeo me faraacute morrer (traduccedilatildeo de Dom Pedro

II)

Poreacutem quando Zeus passa ldquodas palavras agrave accedilatildeordquo Prometeu natildeo demonstra

tamanha ousadia e natildeo hesita em chamar pela matildee

E de fato e natildeo mais por palavras balanccedila-se a terra reboa o eco rugidor do

trovatildeo brilham as espirais ardentes do relacircmpago e os turbilhotildees revolvem o

poacute rompem os sopros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

opostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Oacute nume de minha

matildee oacute ar que volves a luz comum de todos vecircs quatildeo injustamente sofro

(traduccedilatildeo de Dom Pedro II grifo nosso)

Haacute de se supor portanto que Prometeu natildeo saiu a correr (como as Oceaninas na

interpretaccedilatildeo de Bruna) simplesmente por estar acorrentado pelas divinas cadeias de

Hefesto Por isso haacute de se perdoar as Oceaninas caso elas de fato tenham fugido

espavoridas

Seja como for Trajano Vieira e tambeacutem Malhadas e Moura Neves natildeo quebram

o silecircncio de Eacutesquilo em suas respectivas traduccedilotildees e o mesmo faz Jaa Torrano em suas

traduccedilotildees de 1985 e 2009 Natildeo obstante em um dos estudos que acompanham a

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traduccedilatildeo de 2009 Torrano se manifesta a respeito Acerca de sua interpretaccedilatildeo bastante

instigante trataremos na sequecircncia

O Prometeu Acorrentado eacute muitas vezes lido como uma espeacutecie de manifesto

contra a tirania como se Eacutesquilo estivesse acusando energicamente o governante

supremo do Olimpo de injusto Acreditamos que essa leitura deve ser vista com

bastante cautela levando-se em conta que natildeo temos a trilogia completa na qual o

Prometeu Acorrentado estava incluiacutedo Aleacutem disso tomando Zeus simplesmente como

um tirano injusto e furioso tem-se a impressatildeo de que Eacutesquilo estaria indo na

contramatildeo de suas outras obras remanescentes como a trilogia Oresteia Diante disso o

estudo de Jaa Torrano sobre o Prometeu Acorrentado toca numa questatildeo importante

envolvendo o papel do Coro das Oceaninas e abre uma perspectiva interessante acerca

da justiccedila e do poder divinos dentro da trageacutedia em questatildeo Apontando para a ideia de

que Zeus dentro do pensamento miacutetico grego eacute o padratildeo absoluto de justiccedila e de que

esse entendimento estava mais de acordo com a cosmovisatildeo de Eacutesquilo Torrano

argumenta que essa trageacutedia apresenta tambeacutem o ponto de vista de Prometeu que

justamente se rebela contra o padratildeo de justiccedila dominante

A meu ver essa noccedilatildeo de verdade que estaacute no coraccedilatildeo da Oresteia de

Eacutesquilo funda e orienta o tratamento que se daacute agrave noccedilatildeo de Zeus na trageacutedia

de Eacutesquilo Prometeu Cadeeiro Trabalhando com a hipoacutetese da homologia

estrutural entre a noccedilatildeo miacutetica homeacuterica e hesioacutedica de Zeus e a noccedilatildeo

filosoacutefica platocircnica de ldquoideia do bemrdquo (t‟agathoacuten) verificamos que em toda

essa trageacutedia e especialmente na cena de Io a noccedilatildeo de Zeus ndash entendida

como o fundamento dos fundamentos e especialmente o fundamento de todo

e qualquer exerciacutecio de poder ndash eacute vista pelo lado esquerdo e eacute nessa leitura

sinistra da noccedilatildeo de Zeus que se impotildee a perspectiva que se descortina pelo

lado direito dessa mesma noccedilatildeo (TORRANO 2009 p339)

Torrano entende que Estige filha de Oceano estaacute presente dentro da trageacutedia

multiplicada no coro das Oceaninas ldquoAs Oceaninas essa multiplicaccedilatildeo de Estigerdquo

(ibidem p333) Jaa Torrano ainda escreve

Quando Zeus conclamava os imortais ao Olimpo agraves veacutesperas da

Titanomaquia aconselhada por seu pai Oceano Estige foi a primeira a

apresentar-se com seus quatro filhos [Poder Violecircncia Zelo e Vitoacuteria]

Como recompensa dessa alianccedila de primeira hora vencido o Titatilde Zeus

honrou-a fazendo dela proacutepria o ldquoGrande Juramento dos Deusesrdquo e seus

filhos residiram com ele para sempre Na ldquodescriccedilatildeo do Taacutertarordquo na

Teogonia de Hesiacuteodo no mitologema de Estige explica-se esta expressatildeo

ldquoGrande Juramento dos Deusesrdquo (theocircn meacutegas hoacuterkos T784) iacutengreme pedra

donde fria aacutegua de muitos nomes se precipita na Noite negra Cada vez que

Rixa e Briga surgem entre os imortais Zeus faz a mensageira Iacuteris buscar a

longiacutenqua aacutegua de Estige Quem a esparge pronunciando um perjuacuterio jaz

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sem focirclego um ano inteiro sob maligno torpor depois banido por nove anos

soacute no deacutecimo frequenta de novo as reuniotildees dos Deuses Oliacutempios (T 775-

806) (TORRANO 2009 pp330)

Ao longo da trageacutedia Prometeu afirma possuir um segredo que faraacute Zeus cair de

sua posiccedilatildeo de poder O Titatilde tambeacutem alega que soacute revelaraacute essa informaccedilatildeo a Zeus se

ele o libertar daquele aviltante supliacutecio Torrano entende que Prometeu estaacute ldquoblefandordquo

ao afirmar isso e que justamente por falar uma mentira diante do coro das Oceaninas

(que seriam a Estige no ldquoGrande Juramento dos Deusesrdquo) acaba sendo punido por isso

vindo a sucumbir ao Taacutertaro

Essa interpretaccedilatildeo do sentido geral desse drama como o do grande Juramento

dos Deuses explica por que o coro de Oceaninas embora inocente de toda

acusaccedilatildeo que possa pesar sobre Prometeu no entanto se precipita no abismo

junto com ele precipita-se porque assim eacute Estige Essa precipitaccedilatildeo

demonstra que nesse drama bem como nos outros seis supeacuterstites de

Eacutesquilo Zeus eacute o transcendente fundamento da justiccedila da verdade e da

prudecircncia (TORRANO 2009 p338)

Poderemos averiguar que Torrano em sua leitura do Prometeu Acorrentado

dialoga intensamente com a obra de Hesiacuteodo Na Teogonia Estige eacute descrita como o

deacutecimo braccedilo do rio Oceano e a uacutenica de suas filhas que se precipita na Noite Negra

(vv787-9) Ainda segundo Hesiacuteodo Oceano circunda toda a Terra com seus outros

nove braccedilos (Teogonia vv789-90) Torrano tambeacutem um dos tradutores brasileiros de

Hesiacuteodo entende que Oceano seria a fronteira entre o Ser e o Natildeo Ser Mas Hesiacuteodo

natildeo eacute a uacutenica referecircncia grega que Torrano traz para dentro de sua reflexatildeo sobre o

Prometeu O Grande Juramento dos deuses tambeacutem eacute mencionado na Iliacuteada No poema

de Homero afirma-se que as divindades invocavam o Ceacuteu a Terra e as aacuteguas de Estige

quando faziam o Grande Juramento (Iliacuteada XV 34-8) Levando-se em conta que

Prometeu em sua primeira fala no drama (vv88-127) invoca o Aitheacuter (Eacuteter ldquoFulgorrdquo)

os Ventos as Fontes dos rios as Ondas marinhas a Terra e o Sol que se configurariam

como a totalidade do Ser Torrano vecirc nesses dados fortes indiacutecios de que Eacutesquilo estaria

situando a trageacutedia no Grande Juramento dos deuses Aleacutem disso o local eacute de precipiacutecio

(Prometeu v15) o que poderia sugerir a presenccedila de Estige posto que ela eacute a uacutenica

dentre as filhas de Oceano como visto que se precipita na Noite Negra Trataria-se

portanto de uma situaccedilatildeo limiacutetrofe na qual Prometeu se encontrava dentro da trageacutedia

de Eacutesquilo isto eacute entre o Ser e o Natildeo Ser

42

A proposta de Jaa Torrano eacute bastante singular haja vista a usual interpretaccedilatildeo de

considerar Prometeu como uma espeacutecie de prefiguraccedilatildeo de Cristo ou de Che Guevara

(TORRANO 1985 p23) Apesar disso entendemos que existem algumas passagens na

trageacutedia que natildeo parecem se encaixar facilmente na interpretaccedilatildeo proposta Por

exemplo Hermes foi enviado por Zeus justamente para arrancar a informaccedilatildeo de

Prometeu sob a ameaccedila de muitos males (vv944-52) atitude injustificaacutevel se tudo natildeo

passasse de um ldquobleferdquo

Em outra parte da trageacutedia Prometeu tambeacutem deu provas de sua capacidade

premonitoacuteria (vv823-77) Aleacutem disso se descer ao Taacutertaro fosse o modus operandi das

Oceaninas por que Hermes faria o seguinte alerta a elas

Mas recordai-vos do que predigo e caccediladas pela desgraccedila natildeo acuseis a sorte

nem digais que Juacutepiter vos arremessou a uma infelicidade imprevista natildeo

certamente poreacutem voacutes a voacutes mesmas pois sabendo-o nem suacutebita nem

ocultamente sereis envolvidas por insensatez na imensa rede da desgraccedila

(traduccedilatildeo de Dom Pedro II)

Embora dois dos quatro filhos de Estige estejam presentes no drama Kratos

(ldquoPoderrdquo) e Bia (ldquoViolecircnciardquo) considerar as Oceaninas como uma multiplicaccedilatildeo de

Estige eacute uma concessatildeo que o leitor daacute agrave argumentaccedilatildeo proposta por Jaa Torrano posto

que o nome ldquoEstigerdquo natildeo eacute pronunciado nenhuma vez ao longo da trageacutedia Prometeu

Acorrentado13

Se perjurar ante Estige fosse o uacutenico motivo pelo qual os deuses eram

precipitados no Taacutertaro deduzir que as Oceaninas satildeo Estige na trageacutedia em questatildeo

seria ainda mais coerente Nesse cenaacuterio hipoteacutetico poderiacuteamos recorrer ao seguinte

silogismo

1 Os deuses satildeo precipitados no Taacutertaro somente quando perjuram ante Estige

2 Prometeu foi precipitado no Taacutertaro

3 Logo Prometeu perjurou

No entanto o supracitado raciociacutenio se mostra reducionista frente a outros

dados encontrados dentro da literatura grega e inadequados para endossar a leitura que

Torrano faz Sabe-se por exemplo que Zeus poderia lanccedilar ao Taacutertaro qualquer deus

que se opusesse a seus propoacutesitos Eacute o que podemos notar numa famosa passagem do

Canto VIII da Iliacuteada na qual Zeus quando desejou equilibrar momentaneamente a

guerra em Troia ameaccedilou jogar no Taacutertaro qualquer deus que tentasse interferir nela

13 Por ser filha de Oceano mas natildeo a uacutenica como visto Estige eacute chamada de ldquoOceaninardquo ( Ὠθεαλίλε) na

Teogonia de Hesiacuteodo (v389) Estige eacute a filha mais velha de Oceano (vv775-7)

43

Na trageacutedia de Eacutesquilo Prometeu alega que o motivo pelo qual estava sofrendo

aqueles supliacutecios era sua oposiccedilatildeo aos planos de Zeus (vv231-8) e ateacute mesmo seus

inimigos confirmam isso (vv1-11)

Chegamos agrave terra remota agrave regiatildeo Cita a ermo despovoado Vulcano

cumpre cuidares das ordens que te deu o pai de ligar este malfeitor aos

rochedos alcantilados com algemas infrangiacuteveis de vinculos de accedilo Tua

chama com efeito o brilho do fogo uacutetil a todas as artes deu aos mortais

tendo-o furtado Na verdade cumpre que expie para com os deuses tal

pecado para que aprenda a venerar o poder de Juacutepiter e desista de haacutebitos

filantroacutepicos (traduccedilatildeo de Pedro II grifo nosso)

Por outro lado haacute um ponto crucial que daria forccedila agrave tese do ldquobleferdquo a

afirmaccedilatildeo feita pelo titatilde de que haveria um poder superior ao de Zeus isto eacute o poder

das Moiras (ou ldquoPartesrdquo na traduccedilatildeo de Torrano) ldquoCoro Quem eacute o timoneiro da

necessidade Prometeu Partes triformes e mecircmores Eriacutenies Coro Ora Zeus pode

menos do que elas Prometeu Natildeo escaparia agrave parte que lhe caberdquo (vv515-8 traduccedilatildeo

de Jaa Torrano) Se estiveacutessemos jogando pocircquer com Prometeu (e por certo

perderiacuteamos a natildeo ser que a filantropia do deus falasse mais alto do que a sua grandiosa

sagacidade) apostariacuteamos nossas fichas nesse ponto a questatildeo das Moiras seria o seu

blefe Pois sabemos por Hesiacuteodo que as Moiras satildeo filhas de Zeus e Thecircmis (Teogonia

vv901-6)14

e o poder delas segundo o proacuteprio Hesiacuteodo emana justamente de Zeus

ldquo[] as Partes a quem mais deu honra o saacutebio Zeus Fiandeira Distributriz e Inflexiacutevel

que atribuemAos homens mortais os haveres de bem e de mal (vv904-6 traduccedilatildeo de

Jaa Torrano) Ora se o poder das Moiras adveacutem do proacuteprio Zeus como elas teriam

poder sobre ele15

Prometeu tambeacutem afirmou que estava sofrendo injustamente

(v1093) mas em relaccedilatildeo a que padratildeo ele se refere se era Zeus que pelo menos

aparentemente dava a uacuteltima palavra Pois se dissermos por exemplo que uma linha eacute

ldquotortardquo assim o fazemos por contraposiccedilatildeo agrave ideia de uma linha que eacute reta a qual nos

serve como paracircmetro No iniacutecio da trageacutedia mesmo a contragosto Prometeu confessa

que o filho de Cronos embora aacutespero ldquotem a justiccedila junto de sirdquo (vv186-7) Diante

disso sugerimos o seguinte raciociacutenio

1 Os deuses sucumbiam ao Taacutertaro se natildeo respeitassem os propoacutesitos de Zeus eou

perjurassem diante de Estige

2 Prometeu sucumbiu ao Taacutertaro

14

Em Hesiacuteodo as Moiras tambeacutem satildeo descritas como filhas da Noite (Teogonia vv217-9) 15 No entanto Zeus natildeo poupou seu proacuteprio filho Sarpeacutedon da morte decretada pelas Moiras embora

quisesse (Iliacuteada XVI 436-49)

44

3 Logo ele se opocircs aos propoacutesitos de Zeus eou perjurou diante de Estige

Em suma se as Oceaninas satildeo uma multiplicaccedilatildeo de Estige como sugere

Torrano entatildeo eacute bastante provaacutevel que Eacutesquilo estivesse situando seu drama no

ldquoGrande Juramento dos deusesrdquo Se assim natildeo for Prometeu natildeo perjurou mas

unicamente mentiu acerca da soberania divina (pois todo perjuacuterio eacute uma mentira mas

nem toda mentira eacute um perjuacuterio) As inverdades proferidas pelo titatilde seriam indiacutecios de

sua relutacircncia em aceitar a soberania do novo Rei dos Venturosos como ele mesmo

afirma agraves Oceaninas ldquoVenera invoca lisongea quem ainda agora impera Juacutepiter

importa-me menos que nada Obre impere neste curto tempo como queira pois natildeo

governaraacute os deuses muito tempordquo (Traduccedilatildeo de Dom Pedro II) Aleacutem disso o efeito

traacutegico seria ainda mais potencializado nesse sentido pois as Oceaninas sofreriam natildeo

por serem maacutes mas por um erro de decisatildeo (ARISTOacuteTELES Poeacutetica1452 b) ao se

oporem a Zeus devido agrave grande comiseraccedilatildeo que sentiram pelo titatilde encadeado Por natildeo

terem dado atenccedilatildeo ao ultimato de Hermes foram lanccediladas juntamente com Prometeu

no Taacutertaro

Embora natildeo possamos afirmar com certeza que o Prometeu Acorrentado situa-

se no ldquoGrande Juramento dos deusesrdquo a leitura proposta por Torrano tem a virtude de

nos instigar a olhar com mais atenccedilatildeo para aspectos pouco cogitados do Prometeu

Acorrentado Eacute uma leitura rica em conexotildees com outras referecircncias dentro da literatura

grega e seu repertoacuterio de imagens Diante de sua abordagem a possibilidade de que

Eacutesquilo quisesse demonstrar pelo seu drama que contra Zeus ningueacutem pode triunfar

mesmo que esse opositor seja um simpaacutetico filantropo torna-se ainda mais forte

Pode-se notar por meio dos exemplos apresentados que a transmissatildeo de um

texto literaacuterio via traduccedilatildeo eacute uma atividade complexa e rica em debate reflexotildees e

posicionamentos Atividade em que os esforccedilos individuais de cada tradutor contribuem

para lanccedilar luz sobre questotildees desconsideradas trazendo soluccedilotildees ou suscitando pontos

a serem pensados com mais profundidade Eacute praticamente impossiacutevel que uma uacutenica

traduccedilatildeo abarque todo o potencial de sentido e efeito esteacutetico que uma obra literaacuteria

original possui

Quem herda uma liacutengua possui muito mais do que eacute dos outros do que de si

proacuteprio mesmo que natildeo tenha consciecircncia disso Revisitar a tradiccedilatildeo eacute uma

possibilidade que o tradutor tem de tomar consciecircncia daquilo que recebeu e transmitiu

45

(consciente ou inconscientemente) agrave sua geraccedilatildeo e tambeacutem daquilo que doou de si

proacuteprio numa contribuiccedilatildeo para o avanccedilo em pontos natildeo alcanccedilados pelos seus

precedentes ou ateacute mesmo pelos seus contemporacircneos

Em todo ato de comunicaccedilatildeo entre falantes de uma mesma liacutengua ocorre o

esforccedilo de interpretaccedilatildeo e transmissatildeo do que foi dito ou escrito (STEINER 2005

p73) e isso eacute algo que guardadas as devidas proporccedilotildees eacute bastante semelhante ao

proacuteprio ato de traduzir Tradutores natildeo costumam chamar muito a atenccedilatildeo satildeo como o

fermento agem silenciosamente e por isso mesmo desconfia-se que exerccedilam uma

influecircncia sutil poreacutem efetiva no sistema de uma liacutengua Se os Claacutessicos satildeo ldquolivros

que exercem uma influecircncia particular quando se impotildeem como inesqueciacuteveis e

tambeacutem quando se ocultam nas dobras da memoacuteria mimetizando-se como inconsciente

coletivo ou individualrdquo (CALVINO 2007 pp10-1) muito dessa influecircncia eacute efetivada

via tradutores Entender o trabalho destes eacute algo que pode contribuir para tambeacutem

entender a proacutepria liacutengua Talvez por isso Steiner afirmara que um estudo sobre

traduccedilatildeo eacute tambeacutem um estudo sobre a linguagem (2005 p73)

Dado a importacircncia dos tradutores para o desenvolvimento da liacutengua e da cultura

letrada de um paiacutes natildeo se poderia deixar de tecer algumas consideraccedilotildees acerca da vida

e da obra daqueles que se esforccedilaram para que o Prometeu Acorrentado fosse lido em

liacutengua portuguesa Eacute o que se pretende fazer nas proacuteximas seccedilotildees desse capiacutetulo

12 Dom Pedro II

Pedro de Alcacircntara nasceu agraves 2h30 da madrugada do dia 2 de dezembro de 1825

no Rio de Janeiro Sua matildee a Imperatriz Leopoldina morreu alguns dias depois do

primeiro aniversaacuterio de Pedro em 11 de dezembro de 1826 (CALMON 1975 p15)

Dom Pedro II faleceu em Paris em 5 de dezembro de 1891 aos 66 anos

Seu pai Dom Pedro I abdicou do trono brasileiro e voltou agrave Europa deixando

seu filho aos cuidados de tutores (CARVALHO 2007 p31) Privado de sua matildee e de

seu pai o pequeno Pedro de Alcacircntara tornou-se por assim dizer Imperador com

apenas cinco anos de idade (OLIVIERI 1999 p5) Esse primeiro choque contribuiu

para que Dom Pedro II considerasse o trono como uma espeacutecie de fardo (CARVALHO

2007) Em meio a um ambiente cheio de expectativas e de uma infacircncia sem amigos o

jovem Imperador encontrou refuacutegio nos livros

46

DPedro II era muito aplicado agraves atividades de sua educaccedilatildeo Com a idade de

nove anos dominava o Francecircs e iniciava-se na leitura e traduccedilatildeo do Inglecircs

aleacutem do Alematildeo do Latim e do Grego que eram liacutenguas indispensaacuteveis na

formaccedilatildeo de um representante da elite da eacutepoca No paccedilo de Satildeo Cristovatildeo

residecircncia imperial o herdeiro do trono recebeu liccedilotildees de Latim Loacutegica e

Matemaacutetica Religiatildeo Equitaccedilatildeo Pintura e Literatura A ele ensinavam um

pouco de tudo (SOARES et al 2013 p18)

Segundo o Baratildeo de Paranapiacaba (1907 p260) ldquoDom Pedro II tinha apenas

quinze annos e jaacute possuiacutea conhecimentos raros para sua idade adquiridos em estudo

insanordquo16

Essa rotina de estudo estaacute registrada no diaacuterio que o Imperador manteve durante

toda a sua vida Por exemplo em 4 de dezembro de 1840 quando o monarca contava 15

anos lecirc-se ldquoLevantei-me agraves horas do costume e estudarei o meu endiabrado

grego[]rdquo17

Os resultados desses estudos contudo raramente foram dados ao

conhecimento puacuteblico Ao tratar de suas produccedilotildees escritas Dom Pedro II escreve que

natildeo foram limadas para se mostrar (LYRA 1977 p93) Entre essas produccedilotildees

encontra-se a traduccedilatildeo em prosa da trageacutedia Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo da qual

eacute significativo o testemunho do diplomata francecircs Joseph Arthur de Gobineau (1816-

1882)18

Constrangido a exercer sua profissatildeo no Brasil Gobineau encontrava certo

refrigeacuterio nas palestras literaacuterias que partilhava com Pedro II aos domingos no Palaacutecio

de Satildeo Cristovatildeo Lamentava-se poreacutem que seu amigo fosse imperador pois segundo

ele Dom Pedro II possuiacutea talentos e meacuteritos demais para tal cargo (RAEDERS 1944 p

XIX) Apesar de sua estima pelo Imperador Gobineau estava cansado do Brasil e

depois de meses de insistentes pedidos ao governo francecircs conseguiu enfim a tatildeo

almejada licenccedila para voltar agrave Franccedila o que de fato ocorreu em maio de 1870

16 Ortografia original mantida

17

A transcriccedilatildeo de alguns dos diaacuterios de Dom Pedro II foi gentilmente cedida pelo Museu Imperial

localizado em Petroacutepolis Rio de Janeiro O trecho citado foi tirado dessa transcriccedilatildeo O trabalho de

transcriccedilatildeo dos diaacuterios do Imperador foi organizado por Begonha Bediaga e publicado no livro Diario do

Imperador DPedro II 1840-1890 Petroacutepolis Museu Imperial 1999

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Gobineau filoacutesofo e escritor exerceu funccedilotildees diplomaacuteticas no Brasil entre 1869-1870 quando se

aproximou do ciacuterculo do Imperador Tornou-se mais conhecido pela publicaccedilatildeo do livro ldquoEnsaio sobre a

desigualdade das raccedilas humanasrdquo (1855) em que defendia teorias de cunho racista Tambeacutem foi autor de

uma vasta obra literaacuteria que inclue romance e poesia de ensaios de natureza histoacuterica e filoloacutegica como

por exemplo Traiteacute des eacutecritures cuneacuteiformes (1864)

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Antes da partida de Gobineau Pedro de Alcacircntara lhe revelou o propoacutesito de

fazer uma traduccedilatildeo da famosa trageacutedia de Eacutesquilo Deste entatildeo o diplomata francecircs

passou a incentivaacute-lo a fazecirc-la em versos Mas Dom Pedro II ainda estava entregue agraves

preocupaccedilotildees acerca da longa e cruenta Guerra do Paraguai que soacute chegou ao fim

depois da morte do ditador Solano Loacutepez em marccedilo de 1870 (RAEDERS 1938 p17)

Talvez o choque entre uma monarquia constitucional e uma ditadura em efetiva

expansatildeo tenha suscitado no Imperador o interesse pelo Prometeu Acorrentado Em

geral suas traduccedilotildees eram de cunho pessoal muitas vezes suscitadas por discussotildees e

reflexotildees entre ele e pessoas de sua confianccedila (SOARES et al 2013 pp25-6 DAROS

2012 p240)

Com o fim da guerra Pedro de Alcacircntara escreve a Gobineau afirmando que iria

retomar seu projeto de traduzir o Prometeu Acorrentado e um dos livros da Biacuteblia no

caso o do profeta Isaiacuteas Gobineau responde em 7 de janeiro de 1871 (a traduccedilatildeo do

Prometeu ficaria pronta em 14 de abril do mesmo ano) ldquoA intenccedilatildeo que Vossa

Majestade tem de continuar as duas traduccedilotildees de Isaiacuteas e de Prometeu me causa um

prazer extremordquo (apud RAEDERS 1938 p34) Mas antes em 7 de agosto de 1870

(alguns meses depois da queda de Solano Loacutepez) Gobineau jaacute havia escrito ldquoTerei em

breve a honra de vos enviar senhor algumas notas para o Prometeu que eu bem quisera

ver terminado em versos Seria um lindo monumento e a ele dou grande importacircnciardquo

(ibidem pp21-2)

Apesar de todos os rogos de seu amigo francecircs Dom Pedro II decidiu fazer uma

traduccedilatildeo em prosa da trageacutedia que fora originalmente composta em versos Teimosia

imperiacutecia poeacutetica ou simplesmente prudecircncia O que teria feito Dom Pedro II tomar

essa decisatildeo Gostariacuteamos de tecer e apresentar algumas hipoacuteteses a esse respeito

No texto As versotildees Homeacutericas (1994 p 72) Jorge Luis Borges afirma que

O conceito de texto definitivo natildeo corresponde senatildeo agrave religiatildeo ou ao

cansaccedilo A supersticcedilatildeo da inferioridade das traduccedilotildees ndash cunhada pelo

conhecido adaacutegio italiano ndash procede de uma experiecircncia desatenta Natildeo

existe um bom texto que natildeo pareccedila invariaacutevel e definitivo se o percorrermos

um nuacutemero suficiente de vezes

Por outro lado o mesmo Borges confessa que agraves vezes se deixava levar pela tatildeo

inconveniente ldquosupersticcedilatildeordquo da inferioridade das traduccedilotildees em relaccedilatildeo agrave obra traduzida

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Natildeo sei se a seguinte informaccedilatildeo seria boa para uma divindade imparcial Em

un lugar de la Mancha de cuyo nombre no quiero acordarme no ha mucho

tiempo que vivia um Hidalgo de los de lanza en astillero adarga antigua

rociacuten flaco y galgo corredor sei unicamente que toda a modificaccedilatildeo eacute

sacriacutelega e que natildeo posso conceber um outro iniacutecio para o Quijote Cervantes

creio eu prescindiu dessa leve supersticcedilatildeo e talvez natildeo tivesse identificado

esse paraacutegrafo Em contrapartida eu natildeo poderei senatildeo repudiar qualquer

divergecircncia DQuixote devido ao meu exerciacutecio congecircnito do espanhol eacute

um monumento uniforme sem outras variaccedilotildees que aquelas apresentadas

pelo editor pelo encadernador e pelo tipoacutegrafo Quanto agrave Odisseacuteia graccedilas ao

meu oportuno desconhecimento do grego eacute uma biblioteca internacional de

obras em prosa e em verso [](BORGES1994 p72 grifo do autor)

Poreacutem Pedro de Alcacircntara natildeo era desconhecedor do idioma grego como Jorge

Luis Borges E por isso mesmo paradoxalmente correria um maior risco de ldquocontrairrdquo a

supersticcedilatildeo do Traduttore Traditore alegada por Borges pois ldquotoda a modificaccedilatildeo eacute

sacriacutelegardquo para quem conhece bem a liacutengua original de uma obra Essa hipoacutetese natildeo nos

pareceraacute estapafuacuterdia se considerarmos as traduccedilotildees feitas por Dom Pedro II de poesias

escritas em liacutenguas modernas e suas tentativas agraves vezes obstinadas de manter a

estrutura presente nos originais Conforme observa Daros a respeito das traduccedilotildees de

Dante feitas pelo Imperador

A microanaacutelise das traduccedilotildees assinala a tendecircncia de Dom Pedro em manter

similaridade com as caracteriacutesticas do original do qual traduzia ou seja

mantinha com este uma relaccedilatildeo formal procurando conservar-lhe o

conteuacutedo tal como se apresentava observando a disposiccedilatildeo espacial da

meacutetrica e sempre que possiacutevel a sonoridade da rima (DAROS 2012 p240)

No entanto a traduccedilatildeo jaacute eacute em si uma modificaccedilatildeo uma espeacutecie de ldquoreescritardquo

(LEFEVERE 2007) e as dificuldades de Dom Pedro II aumentavam ainda mais quando

se tratava de uma obra poeacutetica escrita em liacutengua grega

Sendo o ritmo do verso o resultado de certa forma de junccedilatildeo de palavras de

acordo com as leis de versificaccedilatildeo conclui-se que o pensamento poeacutetico

exposto num certo idioma e cujas palavras tecircm seu feitio socircnico proacuteprio natildeo

pode reproduzir senatildeo por acaso o mesmo ritmo de traduccedilatildeo para outro

idioma A dificuldade cresce na medida das diferenciaccedilotildees dos idiomas (DE

CARVALHO 1991 p137)

Eis o dilema enfrentado pelo douto tradutor ele eacute o mais capacitado a traduzir

pois conhece bem a liacutengua original mas justamente devido a essa familiaridade com a

liacutengua da obra a ser traduzida ele hesita titubeia pois a modificaccedilatildeo do original pode

lhe parecer uma profanaccedilatildeo uma ldquomodificaccedilatildeo sacriacutelegardquo Nesse caso segundo

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Amorim de Carvalho (1991 p138) a traduccedilatildeo em prosa ldquoeacute a mais faacutecil a favor da

fidelidade ao pensamento poeacuteticordquo Amorim de Carvalho tambeacutem afirma que um

tradutor pode escolher entre duas disposiccedilotildees numa traduccedilatildeo em prosa

1ordf Usar a vulgar disposiccedilatildeo graacutefica da prosa isto eacute sem as linhas

independentes dos respectivos versos no original por natildeo haver na traduccedilatildeo

obtida elementos manifestos e intencionais de divisotildees riacutetmicas

2ordf Manter a disposiccedilatildeo graacutefica dos versos em linhas de prosa independentes

(ldquoversos livresrdquo) para facilitar o confronto o que eacute um processo didaacutetico

interessante (ibidem p137)

Para esse autor a traduccedilatildeo em ldquoversos livresrdquo eacute uma espeacutecie de prosa jaacute que

nesse tipo de traduccedilatildeo natildeo haacute uma preocupaccedilatildeo especial com o ritmo e a melodia dos

versos (ibidem pp137-141)19

E de fato geralmente as traduccedilotildees chamadas

ldquoacadecircmicasrdquo optam pela disposiccedilatildeo em linha natildeo por uma preocupaccedilatildeo esteacutetica mas

sim ldquopara facilitar o confronto o que eacute um processo didaacutetico interessanterdquo (ibidem

p138)

Pode estar aiacute a razatildeo de Dom Pedro II ter escolhido a prosa em vez do verso

Apesar de seu apreccedilo pela arte e pela literatura suas aspiraccedilotildees linguiacutesticas prevaleciam

sobre as poeacuteticas Para ele a traduccedilatildeo era um meio privilegiado de leitura hermenecircutica

e heuriacutestica Parece que seu objetivo principal quando traduzia era o entendimento

profundo do proacuteprio texto e da liacutengua que fora escrito mais do que o anseio por criar

uma obra de arte e ser reconhecido por causa dela anseio que possuiacutea mas natildeo

prevalecia (DAROS 2012 p237-40) Por outro lado caso Dom Pedro II realmente

intentasse fazer uma traduccedilatildeo poeacutetica em versos mesmo com a impossibilidade de

reproduzir os efeitos riacutetmicos e sonoros do original uma possibilidade teria sido tentar

aplicar ao pensamento poeacutetico de Eacutesquilo um ritmo e melodia diferentes como fez

muitas vezes Castilho traduzindo Moliegravere (DE CARVALHO 1991 p141)

19 Olavo Bilac afirmou que ldquotemos na liacutengua portuguesa versos de duas ateacute doze siacutelabasrdquo (1905 p76)

Excedendo-se essa margem entraria-se no domiacutenio do ldquoverso livrerdquo Por outro lado vale a pena lembrar

que o proacuteprio Bilac compocircs o poema ldquoCantilenardquo utilizando versos de 14 siacutelabas Embora o poema de

Bilac natildeo estivesse de acordo com o limite de nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas estabelecido pela metrificaccedilatildeo

portuguesa tradicional para um verso seus efeitos sonoros poreacutem revelam a construccedilatildeo do ritmo por

parte do autor Tambeacutem para Manuel Bandeira (1997 p536) ldquoDesde que o poeta prescinde do apoio

riacutetmico fornecido pelo nuacutemero fixo de siacutelabas penetra no domiacutenio do verso livre o qual em sua extrema

liberaccedilatildeo isto eacute quando natildeo se socorre de nenhum apoio riacutetmico poderia confundir-se com a prosa

riacutetmica se natildeo houver nele a unidade formal interior aquilo que de certo modo o isola no contexto

poeacuteticordquo Diante das opiniotildees desses dois autores a afirmaccedilatildeo de Amorin de Carvalho pode parecer um

tanto quanto reducionista embora nos sirva como ponto de partida para a problematizaccedilatildeo dessa questatildeo

que seraacute mais aprofundada ao longo das anaacutelises das traduccedilotildees presentes nesse capiacutetulo e no seguinte

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A forma extrema de recurso dentro da traduccedilatildeo em verso seraacute a chamada

traduccedilatildeo livre o pensamento poeacutetico eacute aqui tratado e ateacute desenvolvido numa

expressatildeo verbal e riacutetmica liberta das preocupaccedilotildees comuns da fidelidade da

traduccedilatildeo Eacute uma criaccedilatildeo pessoal com um tema emprestado (ibidem p140)

Eacute o que foi empreendido pelo Baratildeo de Paranapiacaba em suas duas versotildees

poeacuteticas do Prometeu Acorrentado (1907) Por outro lado acreditamos que a traduccedilatildeo

livre seria uma empreitada difiacutecil de ser realizada por um tradutor com o perfil de Dom

Pedro II embora as traduccedilotildees em versos empreendidas pelo Imperador e publicadas

originalmente no livro Poesias originais e traduccedilotildees Petroacutepolis 1889 demonstrem a

grande habilidade poeacutetica que o Imperador possuia Portanto sua recusa em traduzir em

versos a antiga trageacutedia grega natildeo estaacute ligada agrave incapacidade de versificar mas a esse

objeto especiacutefico o Prometeu Pois como jaacute mencionado suas preocupaccedilotildees com a

fidelidade ao sentido original prevaleciam em sua praacutetica tradutoacuteria Eacute o que se pode

deduzir por meio de algumas de suas anotaccedilotildees feitas no exemplar da traduccedilatildeo da

Divina Comeacutedia de Dante Alighieri empreendida pelo presidente argentino Bartolomeacute

Mitre ldquoEu teria mais respeito a Danterdquo ldquoEu natildeo quis melhorar Dante em minha

traduccedilatildeordquo ldquoSeria melhor traduzir com a simplicidade do originalrdquo ldquotraduccedilatildeo natildeo eacute

comentaacuteriordquo (apud DAROS 2019 pp234-5 280)

Talvez o olhar culto e atencioso de amigos estrangeiros o ajudasse a transpor os

obstaacuteculos que lhe impediam de se aventurar numa traduccedilatildeo livre Entre esses amigos

como jaacute mencionamos estava Gobineau que natildeo se intimidava pelo fato de Pedro de

Alcacircntara ser imperador (DAROS 2012 p237) No entanto mesmo que Dom Pedro II

mudasse de intuito e procurasse fazer uma versatildeo poeacutetica do Prometeu a partir de sua

traduccedilatildeo em prosa esse intento seria desestimulado com a morte do principal

interessado numa versatildeo poeacutetica em versos Gobineau falecido em 1882 E de fato

Dom Pedro II mesmo depois da morte do diplomata francecircs natildeo esquecera de todo o

pedido feito por seu amigo pois como visto em 1889 solicitou a Joatildeo Cardoso de

Menezes o Baratildeo de Paranapiacaba que fizesse uma versatildeo poeacutetica do Prometeu

Acorrentado a partir de sua traduccedilatildeo em prosa

Nos anos iniciais da Repuacuteblica Brasileira quem demonstrasse publicamente

simpatia pelo Imperador deposto corria o risco de sofrer retaliaccedilotildees por parte do

governo provisoacuterio Foi o que aconteceu com Carlos de Laet que foi exonerado de seu

cargo de professor por ter se oposto agrave mudanccedila de nome do Coleacutegio Pedro II para o

nome ldquoInstituto Nacional de Instruccedilatildeo Secundaacuteriardquo (MAURICEacuteA FILHO 1972

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pp211-3) O Baratildeo de Paranapiacaba era considerado um monarquista convicto

(ABRANTES 1978 p172-3) talvez por isso ele tenha demorado quase 10 anos para

empreender a versatildeo poeacutetica solicitada pelo Imperador esperando condiccedilotildees mais

favoraacuteveis e evitando possiacuteveis retaliaccedilotildees Se Dom Pedro II natildeo tivesse sido banido do

Brasil em 1889 provavelmente as versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo seriam analisadas e

limadas no grupo de estudos que Pedro de Alcacircntara liderava (PARANAPIACABA

1907 pp192-3) No entanto o que poderia ter acontecido ou o que poderia acontecer

como escreveu Aristoacuteteles (Poeacutetica 1451b) eacute poesia natildeo histoacuteria

13 Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba

Em seu livro Vida e Obra de Olavo Bilac Fernando Jorge (1992 pp130-1)

conta-nos que o jornalista e orador abolicionista Joseacute do Patrociacutenio encomendara uma

traduccedilatildeo de um romance folhetim francecircs a Emiacutelio Roueacutede colaborador do jornal

Cidade do Rio Emiacutelio aceitou o trabalho poreacutem logo foi vencido pela indolecircncia e

esquivando-se da tarefa pediu a Guimaratildees Passos para fazer a traduccedilatildeo acertando um

determinado valor e guardando para si certa quantia Logo Guimaratildees tambeacutem desistiu

da tarefa e acabou passando o trabalho para o poeta Coelho Neto negociando outro

valor e tambeacutem guardando uma parte do dinheiro para si Coelho Neto por sua vez

achou o trabalho tedioso e transferiu a incumbecircncia a Olavo Bilac por um valor bem

menor e tambeacutem guardando uma parte do dinheiro para si Esse regime funcionou

durante algum tempo sem que cada um soubesse senatildeo daquele com quem acertou o

pagamento Fernando Jorge continua narrando o caso

Entretanto certo dia Bilac descobriu o caso

- Verifico que tenho por cima de mim trecircs parasitas ndash exclamou o poeta

E indignado resolveu vingar-se No romance havia certo trecho onde um

personagem em hora avanccedilada da noite invadia o quarto de uma mocinha a

fim de violentaacute-la Bilac natildeo modificou o texto Traduziu tudo de forma fiel

Poreacutem no momento em que o luar mostrava a fisionomia do bandido ele

escreveu

ldquoEra o Baratildeo de Paranapiacabardquo

O baratildeo que se chamava Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza era um velho

respeitaacutevel Foi diretor do Tesouro Nacional deputado pela proviacutencia de

Goiaacutes membro do Conselho de DPedro II diretor em Pernambuco da

Caixa Filial do Banco do Brasil autor de memoacuterias econocircmicas e poliacuteticas

tradutor de Byron Lamartine La Fontaine e Eacutesquilo

Aleacutem de ser uma reliacutequia do Impeacuterio esse homem circunspecto mantinha

amizade com Patrociacutenio O grande orador popular ficou exasperado Exigiu

uma explicaccedilatildeo de Roueacutede Este lanccedilou a culpa em Guimaratildees Passos E

assim cada qual ia transferindo a responsabilidade Ao chegar a vez de Bilac

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ele teve de confessar a autoria da brincadeira protestando contra a

parasitagem dos que exploravam o seu trabalho (JORGE 1992 pp130-1)

O caso aleacutem de ser cocircmico suscita algumas questotildees interessantes sobre a

praacutetica tradutoacuteria Traduzir pode se tornar uma tarefa morosa que exige certa disciplina

de quem a exerce Quando a autoria do tradutor natildeo eacute valorizada a traduccedilatildeo acaba

sendo vista apenas por uma oacutetica meramente instrumental e pragmaacutetica A remuneraccedilatildeo

paga natildeo possibilitava aos autores se dedicarem somente a esse ofiacutecio Segundo Joseacute

Paulo Paes (1990 p25) ldquoeacute somente no seacuteculo XX sobretudo a partir dos anos 30 que

comeccedila a se criar no Brasil as condiccedilotildees miacutenimas de ordem material e social

possibilitadoras do exerciacutecio da traduccedilatildeo literaacuteria como atividade profissional ainda que

as mais das vezes subsidiaacuteriardquo Monteiro Lobato citado por Paes (ibidem pp26-7)

afirma

ldquoO povo que natildeo possui tradutores torna-se povo fechado pobre indigenterdquo

[Lobato] queixava-se do descaso desse ldquoincomensuraacutevel paquiderme de mil

ceacuterebros e orelhas a que chamamos puacuteblicordquo o qual ldquonunca tem o menor

pensamento para o maacutertir que estupidamente se sacrifica para que ele possa

ler em liacutengua sua uma obra-prima gerada em idioma estrangeirordquo

Antes do tempo de Lobato figuras como o Baratildeo de Paranapiacaba publicavam

suas traduccedilotildees natildeo porque jaacute existia um mercado pelo qual poderiam granjear um

retorno financeiro imediato mas por uma espeacutecie de diletantismo como uma atividade

paralela agraves de subsistecircncia E isso natildeo ocorria apenas aos tradutores O proacuteprio Dom

Pedro II havia patrocinado algumas das obras dos poetas romacircnticos brasileiros da

segunda metade do seacuteculo XIX como por exemplo A Confederaccedilatildeo dos Tamoios de

Joseacute Gonccedilalves de Magalhatildees obra que envolveu o Imperador numa querela literaacuteria

com Joseacute de Alencar (ABRANTES 1978 p85)

Em sua brincadeira Olavo Bilac cita o nome do tradutor que doravante estaraacute no

foco dessa seccedilatildeo Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba nascido

na cidade de Santos em 25 de abril de 1827 e falecido no Rio de Janeiro em 2 de

fevereiro de 1915 aos 87 anos

Joatildeo Cardoso ingressou na Academia de Ciecircncias Sociais e Juriacutedicas de Satildeo

Paulo em 1844 com a idade de 16 anos Embora a criacutetica o considerasse um ldquomediacuteocre

tradutor de Lamartine e La Fontaine e responsaacutevel por uma horrenda modernizaccedilatildeo e

simplificaccedilatildeo de Os Lusiacuteadasrdquo (PAES 1990 p18) algum talento poeacutetico viu nele o

professor e diretor da Academia de Ciecircncias Sociais e Juriacutedicas de Satildeo Paulo Joseacute

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Maria de Avellar Brotero pois sabendo que o Imperador Dom Pedro II faria uma visita

agrave Academia fez o seguinte convite a Joatildeo Cardoso

- Prepare-se para amanhatilde ao meio dia na ocasiatildeo em que o Imperador

estiver de visita na Academia ir beijar-lhe a matildeo e saudaacute-lo com poesia de

sua lavra Natildeo quero objeccedilotildees ndash acrescentou o bom velho que sempre o

acolhia gracejando Vaacute brilhar porque sei que o pode querendo Ateacute amanhatilde

meu menino (ABRANTES 1978 p63)

Chegando o dia marcado Joatildeo Cardoso viu-se diante do Imperador do Brasil

que se encontrava sentado em um trono improvisado O jovem comeccedilou a recitar o seu

poema com voz trecircmula de emoccedilatildeo mas pouco a pouco foi se firmando Tendo

terminado a leitura de seu poema Joatildeo Cardoso se inclinou e ia se retirar mas

O Imperador chamando-o pediu-lhe o papel em que escrevera os versos

- Eacute um borratildeo informe Senhor ndash disse-lhe Joatildeo Cardoso Permita-me Vossa

Magestade que eu o passe a limpo

- Natildeo ndash replicou-lhe o Imperador estendendo a matildeo e sorrindo - decirc-me

assim mesmo como estaacute

Depois das homenagens que lhe prestaram no dia 3 de marccedilo DPedro voltou

agrave Academia nos dias 6 e 9 para assistir aos exames dos alunos o que era de

seu agrado com ares de professor indulgente (ABRANTES 1978 pp65-6)

Depois desse evento Joatildeo Cardoso conseguiu recitar outro poema para o

Imperador no Teatro do Largo do Coleacutegio depois de vencer a oposiccedilatildeo dos oficiais

encarregados de fiscalizar o espetaacuteculo que Dom Pedro II estava assistindo (ibidem

p67) Demoraria muito tempo para os dois se encontrarem novamente

Em 1848 Joatildeo Cardoso forma-se Bacharel em direito e aprovado em concurso

assume um cargo de professor de Histoacuteria e Geografia em Taubateacute interior de Satildeo

Paulo Em certa ocasiatildeo o deputado Bernardo de Souza Franco disse-lhe que esperava

encontrar-lhe na vida puacuteblica Joatildeo Cardoso respondeu-lhe que julgava bem se contentar

com seu cargo de professor em Taubateacute Souza Franco retruca-lhe ldquoQual Tenha feacute Eacute

muito limitado o horizonte em que vive Ateacute o Rio de Janeirordquo (ibidem p78) Passados

alguns anos em 1852 Joatildeo Cardoso de Menezes pede uma licenccedila de trecircs meses e se

dirige ao Rio de Janeiro entatildeo centro do Brasil e nunca mais reassume seu cargo de

professor

Sustentando-se como advogado em 1853 tenta se aproximar novamente do

Imperador conseguindo por fim entregar-lhe um exemplar de seu primeiro livro de

poesias Harpa Gemedora Dom Pedro II diz ao vecirc-lo novamente ldquoJaacute o havia

conhecido Lembro-me perfeitamente de seus recitativos de um dos quais conservo o

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borratildeordquo (ibidem p81) desde esse dia como natildeo voltasse ao Paccedilo de Satildeo Cristovatildeo

Joatildeo Cardoso somente via o Imperador nos teatros sem lhe atrair a atenccedilatildeo Mas essa

situaccedilatildeo mudaria devido a um artigo que Joatildeo Cardoso de Menezes publicaria no

Correio Mercantil acerca do pregador catoacutelico Monte Alverne

Frei Francisco do Monte Alverne era professor de Filosofia e Retoacuterica Tendo

ficado cego em 1836 afastou-se da cadeira de Filosofia e do puacutelpito por dezoito anos

vivendo recluso em uma cela solitaacuteria do Convento de Santo Antocircnio Em 1854 Dom

Pedro II pediu-lhe que pregasse na Capela Imperial provavelmente impressionado com

a publicaccedilatildeo das suas obras oratoacuterias no ano anterior (CANDIDO amp CASTELLO 1973

pp234-5) Tambeacutem por ordem de Dom Pedro II o eloquente pregador recebera uma

cadeira estofada que pertencera ao Padre Anchieta (ABRANTES 1978 p83) Joatildeo

Cardoso de Menezes conseguiu um lugar na Capela Imperial para ouvir o tatildeo esperado

sermatildeo Em suas palavras

O que foi esse sermatildeo soacute pode dizecirc-lo quem ouviu Monte Alverne ao

vacilante claratildeo dos ciacuterios sagrados em arroubo sublime gesticulaccedilatildeo

eneacutergica olhar como que imergido no horizonte do Infinito e voz que

parecia um eco de outro mundo proferir aquelas palavras ldquoEacute tarde Eacute muito

tarderdquo Calafrio eleacutetrico correu pelas veias do auditoacuterio que mudo nem

pestanejava (ABRANTES 1978 p82)

Na tarde de 20 de outubro de 1854 Joatildeo Cardoso entregou um artigo que

escrevera sobre o sermatildeo para o Correio Mercantil Esse artigo granjeara bastante

sucesso na eacutepoca e por muitos anos fez parte de um livro de leitura escolar O proacuteprio

Monte Alverne natildeo demorou em visitaacute-lo agradecendo-lhe comovido (ibidem p83)

tambeacutem Dom Pedro II provavelmente lera o artigo

Passados dois anos em 1856 foi publicado a Confederaccedilatildeo dos Tamoios do

poeta Gonccedilalves de Magalhatildees obra patrocinada pelo Imperador Joseacute de Alencar foi

um dos primeiros leitores do poema e fez duras criacuteticas em oito cartas publicadas no

Diaacuterio do Rio sob o pseudocircnimo de ldquoIgrdquo tirado das primeiras letras do nome Iguaccedilu

uma das personagens do poema Arauacutejo Porto Alegre logo procurou rebatecirc-lo por meio

das colunas do Correio da Tarde utilizando o pseudocircnimo ldquoO Amigo do Poetardquo Por

uacuteltimo o proacuteprio Imperador resolveu entrar na polecircmica sob o pseudocircnimo de ldquoOutro

Amigo do Poetardquo publicando uma defesa do poema no Jornal do Comeacutercio defesa essa

soacute mais tarde identificada quando o Dr Manoel Barata descobrira o manuscrito o qual

presenteou ao Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro Mas os esforccedilos de Dom

Pedro II em defesa do poema natildeo se resumiram a esse manuscrito O Imperador tambeacutem

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enviou o meacutedico do palaacutecio Dr Tomaacutes Gomes dos Santos para encontrar Joatildeo Cardoso

de Menezes O meacutedico estava portando um exemplar de a Confederaccedilatildeo dos Tamoios e

disse ao futuro baratildeo

Sabe o que eacute isto ndash foi perguntando a Joatildeo Cardoso Eacute um exemplar da

ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo que o Imperador lhe manda para que o leia e

se habilite a defender o nosso amigo Magalhatildees dos ataques injustificaacuteveis

que o Alencar e natildeo sei quem mais estatildeo fazendo a este belo poema de

predileccedilatildeo imperial Eu natildeo sabia que o senhor era apreciado a este ponto

pelo homem Ele mesmo disse-me que soacute o senhor podia ser o general

triufante desta guerra Aiacute deixo o livro Sei que natildeo se recusaraacute agrave

incumbecircncia pois eacute prova de alto valor que liga a seu talento e agrave sua

proficiecircncia o chefe de Estado (ABRANTES 1978 p86)

Nesta eacutepoca Joatildeo Cardoso estava ligado por laccedilos de amizade a Joseacute de Alencar

inclusive sendo um dos primeiros leitores de Iracema (ibidem p86) Por isso se

desculpou e mandou avisar o Imperador que natildeo poderia ajudar nessa empreitada

Depois Dom Pedro II louvou o ato de lealdade de Joatildeo Cardoso (ibidem p86) Naquele

mesmo ano o nome de Joatildeo Cardoso foi lembrado para um importante cargo puacuteblico

Depois da nomeaccedilatildeo Cardoso de Menezes se dirigiu ao palaacutecio para agradecer

pessoalmente a Dom Pedro O Imperador fez uma alusatildeo agrave ldquoinfecundidade da musardquo de

seu visitante que segundo supunha o proacuteprio Joatildeo Cardoso iria ficar completamente

esterilizada pela papelada do cargo que assumira (ibidem p87)

Depois de Joatildeo Cardoso de Menezes ocupar sucessivos cargos no governo Dom

Pedro II concede-lhe o tiacutetulo de Baratildeo em 1883

DOM PEDRO por Graccedila de Deus e Unacircnime Aclamaccedilatildeo dos Povos

Imperador Constitucional e Defensor Perpeacutetuo do Brasil faccedilo saber aos que

esta CARTA virem que querendo distinguir e honrar o Sr Joatildeo Cardoso de

Menezes e Souza hei por bem fazer-lhe mercecirc do tiacutetulo de Baratildeo de

Paranapiacaba E quero e mando que o dito dr Joatildeo Cardoso de Menezes e

Souza d‟aqui em diante se chame Baratildeo de Paranapiacaba e que o referido

tiacutetulo goze de todas as honras privileacutegios isenccedilotildees liberdades e franquezas

que hatildeo e tecircm e de que usam e sempre usaram os barotildees e que de direito lhe

pertencerem E por firmeza de tudo o que dito eacute lhe mandei dar esta Carta por

mim assinada a qual seraacute selada com as Armas Imperiais

Dada no Palaacutecio do RIO DE JANEIRO em 8 de maio de mil oitocentos e

oitenta e trecircs sexageacutesimo primeiro da Independecircncia e do Impeacuterio (apud

ABRANTES 1978 pp118-9)

Jaacute que tratamos de alguns pontos importantes da biografia do Baratildeo passaremos

a discorrer sobre as duas versotildees poeacuteticas do Prometeu Acorrentado de sua autoria

Natildeo se pode negar a grande importacircncia do ensaio de Haroldo de Campos ldquoO

Prometeu dos Barotildeesrdquo (1997) para o estudo da recepccedilatildeo dos Claacutessicos em nosso paiacutes

56

Segundo Paula da Cunha Correcirca esse ensaio resgata uma importante linhagem de

traduccedilatildeo de trageacutedia grega no Brasil (CORREcircA 1999 p173) Em seu texto Haroldo

procura reabilitar tanto o Baratildeo de Paranapiacaba quanto o Baratildeo de Ramiz

considerando a traduccedilatildeo deste uacuteltimo ldquomuito mais decidida e cabalmente na vertente

bdquotranscriadora‟ inaugurada entre noacutes por Odorico Mendesrdquo (CAMPOS 1997 p249)

Mas acerca das versotildees de Paranapiacaba Haroldo afirma

Do Prometheus Desmoacutetes deu-nos Cardoso de Menezes dois ldquotrasladosrdquo

Um deles em versos rimados eacute um equiacutevoco um malogro O outro que teraacute

aparentemente servido de base aos baldados e titubeantes esforccedilos de rima do

primeiro citado estaacute vazado em versos brancos (soltos) com predominacircncia

do decassiacutelabo Este oferece por vezes surpreendentes soluccedilotildees que devem

ser garimpadas em meio a outros tantos trechos malsucedidos []

(CAMPOS 1997 p237)

Em seu ensaio Haroldo de Campos faz uma seleccedilatildeo de passagens da versatildeo em

versos brancos que considerava de maior qualidade e afirma que as soluccedilotildees dessa

versatildeo ldquodevem ser garimpadas em meio a outros tantos trechos malsucedidosrdquo Quanto

agrave outra versatildeo Haroldo afirma que ela eacute ldquoum equiacutevoco um malogrordquo20

Em outra perspectiva pretende-se na presente seccedilatildeo evidenciar alguns aspectos

que consideramos relevantes na versatildeo poeacutetica em que o Baratildeo de Paranapiacaba

emprega as rimas na maioria das falas21

Em entrevista dada a TV Unicamp para o Programa Diaacutelogo sem Fronteira

Trajano Vieira disse ao entrevistador Pedro Paulo Funari22

20 Haroldo de Campos publicou um nuacutemero significativo de textos sobre traduccedilatildeo ldquoque se

somam num conjunto denso e coerente acerca do assuntordquo (TAacutePIA 2013 pXI) Para natildeo corrermos o

risco de sermos reducionistas em relaccedilatildeo ao seu pensamento ou por outro lado nos estendermos demais

numa longa digressatildeo ao refletirmos acerca de sua teoria optou-se por apresentar o que estudamos sobre

o assunto ao final da presente dissertaccedilatildeo como anexo O objetivo eacute expor algumas das teses defendidas

por Haroldo sobre traduccedilatildeo poeacutetica encontradas em alguns de seus outros escritos visando dessa forma

entender os possiacuteveis motivos pelos quais o eminente poeta e tradutor natildeo apreciara a versatildeo em que o

Baratildeo de Paranapiacaba emprega as rimas na maioria das falas

21 A Mauriceacutea Filho cotejou a versatildeo em que Paranapiacaba emprega as rimas com os respectivos versos

da versatildeo de Ramiz Galvatildeo e tambeacutem com a versatildeo portuguesa de Baziacutelio Teles (1972 pp248-63) No

iniacutecio da anaacutelise logo apoacutes citar as traduccedilotildees para os versos 1-2 do Prometeu Mauriceacutea Filho escreve

ldquoRaacutepido exame bastaria para nos sugerir qual dos trecircs eacute o melhorOs heptassiacutelabos do Baratildeo de

Paranapiacaba natildeo se exibem agrave altura de seu talento de escol e invulgar erudiccedilatildeo Poeticamente fracos ateacute

mesmo em face da accedilatildeo dramaacutetica com que Eacutesquilo comeccedila a enormidade de sua trageacutedia Jaacute Ramiz

indiscutivamente supera com a majestosa simplicidade dos seus decassiacutelabos onde se entrelaccedilam o

ritmo a meacutetrica a elegacircncia e a pureza vernaacuteculardquo (p254) Em outro ponto o autor tambeacutem assevera

ldquoAo traduzir o verso das As cegas Esperanccedilas o Baratildeo de Paranapiacaba usou este dei agrave cega Esperanccedila

entre eles moradia No confronto pertence a Ramiz a palma as cegas Esperanccedilas inspirei-lhesrdquo (p258

grifo do autor)

57

Se vocecirc me permite fazer uma analogia eu recentemente revi um programa

no youtube de um grande pianista que eu admiro muito jaacute no final de sua

vida o Arthur Rubinstein E perguntavam ao Rubinstein se ele estava a par

dos novos pianistas Ele respondeu ldquoBem eu tenho ouvido aqui e ali e o que

tem me impressionado eacute o seguinte eles possuem uma teacutecnica formidaacutevel

mas eu me pergunto e gostaria de perguntar a alguns deles quando eacute que eles

vatildeo fazer a muacutesica soarrdquo Ou seja natildeo basta conhecimento da liacutengua grega

para se traduzir de uma forma razoaacutevel De fato em nossa tradiccedilatildeo e em

outros paiacuteses o peso da filologia mais convencional foi muito forte e foi

muito difiacutecil romper com essa tradiccedilatildeo Entatildeo houve de fato nas traduccedilotildees

claacutessicas do repertoacuterio grego uma forte preocupaccedilatildeo digamos com o aspecto

normativo da linguagem Mas um tradutor na minha opiniatildeo que se interesse

por poesia deve estar atento a esse segundo aspecto Eu pelo menos procuro

estar e procuro ensinar meus alunos Isso depende de um conviacutevio com a

poesia Natildeo soacute com a poesia de liacutengua grega mas tambeacutem com outros tipos

de poesia Quanto maior for o repertoacuterio melhor para o tradutor

Sabemos que Paranapiacaba era um versificador exercitava-se numa poeacutetica

apreciada no Brasil durante a segunda metade do seacuteculo XIX (CANDIDO amp

CASTELLO 1973) Tambeacutem era um homem de conviacutevio iacutentimo com a literatura Eacute o

que mostram as suas traduccedilotildees de La Fontaine Byron e Larmatine23

Diante disso seria

interessante perguntar-nos se ele conseguiu pelo menos alguma vez fazer ldquoa muacutesica

soarrdquo ou natildeo em sua ldquomalogradardquo versatildeo do Prometeu

Segundo MSaid Ali (2006 pp125-26)

Na Europa da Idade Meacutedia compunham-se poesias vernaacuteculas caracterizadas

ora pela aliteraccedilatildeo (rima de consoantes iniciais) ora pela assonacircncia ora pela

rima final No seacuteculo XIV vigorava por toda a parte somente essa uacuteltima

forma menos na Espanha onde a assonacircncia resistiu ainda durante bastante

tempo O gosto pelos estudos humanistas fez crer a alguns poetas que o ideal

da meacutetrica estaria nos antigos versos latinos Natildeo haacute rimas em Horaacutecio nem

em Virgiacutelio Logo condenavam eles tal escravidatildeo Invertiam esses anseios

de independecircncia a ordem cronoloacutegica Os latinos natildeo usaram isto eacute

intencionalmente nem podiam discutir coisa de invenccedilatildeo posterior

Fascinados pelos modelos claacutessicos os renovadores da poesia moderna

trataram de libertaacute-la das cadeias entregando-a - ilusatildeo natildeo rara na vida

humana - a nova espeacutecie de cativeiro Compuseram versos sem rima

submetidos agrave meacutetrica quantitativa dos antigos Chegaram a criar diz notaacutevel

conhecedor portentos de fealdade

Sabe-se que Dom Pedro II era um profundo conhecedor dos claacutessicos greco-

latinos Ele sabia que na poesia antiga natildeo havia rimas e que o sistema poeacutetico era

bastante diverso agrave poeacutetica das liacutenguas neolatinas Por outro lado natildeo era raro o

Imperador desafiar Paranapiacaba a ldquoglosarrdquo alguns de seus proacuteprios sonetos O desafio

22

Disponiacutevel emlthttpswwwyoutubecomwatchv=PSsOftFgIxMgt viacutedeo publicado em 03042012 23 Ver paacutegina 15 nota 1

58

consistia em Paranapiacaba criar estrofes que finalizavam com os versos de Dom Pedro

II (PARANAPIACABA 1907 pp218-22) Como visto o Imperador tambeacutem solicitou

uma versatildeo poeacutetica do Prometeu a Ramiz Galvatildeo que natildeo era poeta mas renomado

filoacutelogo humanista Este natildeo se atreveu a empreender uma versatildeo completamente em

rimas mas arriscou-se a fazecirc-las nos cantos corais Quem sabe se tal decisatildeo natildeo foi

fruto de uma espeacutecie de desafio lanccedilado pelo Imperador ou de um cotejo feito

posteriormente entre sua proacutepria traduccedilatildeo com as versotildees de Paranapiacaba24

O fato eacute que traduzir um texto claacutessico valendo-se dos recursos poeacuteticos das

liacutenguas neolatinas como a rima natildeo eacute uma empreitada faacutecil arriscada mesmo nos

primoacuterdios do movimento romacircntico do Brasil Paranapiacaba afirmou ldquoEntre noacutes eacute a

primeira tentativa Variei o metro conforme o caracter do personagem que falardquo

(PARANAPIACABA 1907 pXII) Diante disso vale evocar o que dissera Trajano

Vieira na entrevista jaacute citada

De uma forma geral eu acho que agente como tradutor deve assumir riscos

Mesmo que o resultado natildeo possa ser o mais adequado no final mas o gesto

corajoso me parece ser mais interessante do que uma atitude submissa

O gesto de Paranapiacaba foi corajoso quase batendo agraves portas da temeridade

Como visto ele publicou duas traduccedilotildees de sua autoria distintas da mesma trageacutedia

grega no mesmo livro Isso nunca mais se repetiu na histoacuteria das traduccedilotildees do Prometeu

Acorrentado no Brasil Tal decisatildeo de Joatildeo Cardoso de Menezes de certa forma

dessacralizou o original mostrando agraves claras que natildeo existe uma correspondecircncia una e

definitiva entre a liacutengua de origem e a liacutengua de chegada No prefaacutecio escrito para seu

livro Lafayette Rodrigues Pereira escreve (manteremos a ortografia do original de

1907) ldquocertamente natildeo se poderia exigir do preclaro tradutor que vasasse literalmente

no metro portuguez o metro grego Satildeo radicalmente differentes as lingoas e cada um

tem seo systema de metrificaccedilatildeordquo (PARANAPIACABA 1907 pXIII)

Como jaacute mencionado a primeira versatildeo apresentada em seu livro eacute a que

emprega as rimas na maioria das falas logo seguida pela versatildeo na qual predominam os

decassiacutelabos soltos Haroldo de Campos afirma que talvez a versatildeo em decassiacutelabos

soltos tenha ldquoservido de base aos baldados e titubeantes esforccedilos de rima da outra

versatildeordquo (CAMPOS 1997 p237) Poreacutem nas duas versotildees as falas do Coro das

24

No prefaacutecio escrito para sua traduccedilatildeo do Prometeu acorrentado Ramiz Galvatildeo nos informa que havia

lido as versotildees de Paranapiacaba antes de publicar a sua proacutepria traduccedilatildeo

59

Oceaninas satildeo rimadas em heptassiacutelabos Se a versatildeo em que predominam os

decassiacutelabos soltos tivesse servido como base para a outra era de se esperar que natildeo

houvesse mudanccedilas substanciais nas falas das Oceaninas nas duas versotildees visto que

foram compostas com o mesmo nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas e valendo-se da rima Mas

natildeo eacute isso o que ocorre como pode-se notar a seguir

Versatildeo na qual as rimas

predominam e que a meacutetrica varia

de acordo com o personagem que

fala (citam-se falas do Coro a

seguir)

Versatildeo na qual predominam os

decassiacutelabos soltos mas em trechos

que o Baratildeo tambeacutem emprega os

heptassiacutelabos rimados (somente nas

falas do Coro)

Foi saacutebio e saacutebio emeacuterito

Aquele a quem lembrou

Esta discreta maacutexima

E aos homens a ensinou

Eacute casamento proacutespero

O feito entre os iguais

Quem vive soacute dos reditos

De ofiacutecios manuais

Nunca procure cocircnjuge

Na classe da opulecircncia

Nem da orgulhosa em tiacutetulos

De nobre descendecircncia

Saacutebio foi saacutebio eminente

Quem primeiro formulou

Este conceito na mente

E em palavras o explicou

Eacute o melhor dos casamentos

O que se faz entre iguais

Quem vive dos rudimentos

De trabalhos manuais

Natildeo busque alianccedila na classe

Soberba pela riqueza

E fuja igualmente a enlance

Co‟os que pompeiam nobreza

Quadro I As versotildees de Paranapiacaba para os versos 887-93 do original (fala do Coro)

[]

Diverso alvitre inspira-nos

Honesto e convinhaacutevel

O que lembraste eacute peacutessimo

Covarde intoleraacutevel

Pois tu nos daacutes estimulo

A infame proceder

Havemos ser partiacutecipes

[]

Daacute-me conselho aceitaacutevel

E seraacutes obedecido

Eacute de todo intoleraacutevel

O que me tens dirigido

Estranho o teu sentimento

Cobarde nunca serei

Seja qual for seu tormento

60

Do que ele padecer

Fundo a traiccedilatildeo esquaacutelida

A muito aborrecemos

Nem peste deleteacuteria

Como ela conhecemos

Com ele o compartirei

Dos vis traidores a peste

Experiente aborreccedilo

Nem coisa que eu mais deteste

Em minha vida conheccedilo

Quadro II As versotildees de Paranapiacaba para os versos 1063-9 do original (fala do Coro)

Enquanto cogitaacutevamos sobre essa questatildeo Alessandra Fraguas historiadora e

Pesquisadora do Museu Imperial informou-nos sobre a existecircncia de uma carta escrita

por Paranapiacaba agrave Princesa Isabel em 9 de setembro de 1905 na qual afirma que a

versatildeo em que as rimas predominam foi a primeira a ser realizada por Paranapiacaba

(Maccedilo 204 ndash Doc 9329 - Museu ImperialIbramMinisteacuterio da Cidadania) O trecho em

que Paranapiacaba fala sobre suas versotildees poeacuteticas eacute o seguinte25

Em 8brordm de 1889 ao despedir-me de S Magestade o Imperador DPedro 2ordm

na Tijuca deu-me SMagestade por letra sua uma versatildeo em prosa da

tragedia de Eschylo ldquoPrometheu encadeadordquo encarregando-me de a trasladar

para verso portuguez Tractei logo de adquirir as versotildees e os commentarios

que d‟aquella obra prima existem em varias linguas e encetei e levei a cabo

com o maior esmero a traducccedilatildeo d‟ella Ha cerca de 8 annos publicou o

Jornal do Commercio a versatildeo da scena em que figura Prometheu nos

confins da Scythia pordf onde eacute conduzido pela Forccedila e pela Violencia

acompanhadas de Vulcano que o acorrenta ao rochedo Precedia a essa

publicaccedilatildeo uma carta minha ao Conselheiro Lafayette rogando-lhe

prefaciasse o livro[] A pedido do mesmo Lafayette fiz outra versatildeo da

tragedia em verso livre (menos os coacuteros que satildeo sempre rimados)

D‟essas duas versotildees tem apparecido longos trechos na imprensa e

notadamente nos almanaques do Garnier

Diante desse importante dado doravante a versatildeo na qual Paranapiacaba

emprega as rimas na maioria das falas seraacute chamada de ldquoprimeira versatildeordquo ao longo do

presente texto

Antocircnio Candido e J Aderado de Castelo transcrevem na iacutentegra o prefaacutecio do

livro Suspiros Poeacuteticos e Saudades de Domingos Joseacute Gonccedilalves de Magalhatildees

Visconte de Araguaia Esse texto eacute praticamente um manifesto do movimento

romacircntico em sua primeira fase no Brasil Quanto agrave dicccedilatildeo romacircntica Gonccedilalves de

Magalhatildees afirma ldquoQuanto agrave forma isto eacute a construccedilatildeo por assim dizer material das

estrofes e de cada cacircntico em particular nenhuma ordem seguimos exprimindo as

ideias como elas se apresentam para natildeo destruir o acento de inspiraccedilatildeo

25 A ortografia original foi mantida

61

[]rdquo(CANDIDO amp CASTELLO 1973 p264) Mesmo assim a rima e a contagem de

siacutelabas poeacuteticas eram recursos riacutetmicos e meloacutedicos que os poetas romacircnticos natildeo

tinham pejo de usaacute-las quando contribuiacuteam para expressar uma ideia e criar certo efeito

sonoro No caso da primeira versatildeo poeacutetica do Baratildeo as rimas empregadas parecem

atrapalhar a carga dramaacutetica da trageacutedia em algumas passagens No diaacutelogo irado entre

Hermes e Prometeu por exemplo a utilizaccedilatildeo das rimas natildeo foi beneacutefica Embora a

citada passagem natildeo chegue a ser um agon agrave maneira de Euriacutepides nada obstante eacute um

dos diaacutelogos mais raacutepidos da trageacutedia no original e as rimas feitas pelo Baratildeo

infelizmente quebraram-lhe o ritmo Contudo seraacute que o uso da rima e da meacutetrica

contribuiu positivamente em alguma outra passagem

O Baratildeo de Paranapiacaba natildeo variou o nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas apenas para

distinguir um personagem do outro mas tambeacutem varia o metro para um mesmo

personagem dependendo da situaccedilatildeo ou do interlocutor com quem entabula o diaacutelogo

Segundo Mark Griffith existe uma alternacircncia de metros baacutesicos no original grego o

que foi importante para fornecer certa variaccedilatildeo de tom e humor para uma trageacutedia tatildeo

estaacutetica em seu enredo (GRIFFITH 1997 pp21-2) Segundo o mesmo autor os

personagens no texto original costumam conversar em jambos mas nas entradas e

saiacutedas de alguns personagens mudanccedilas de metros ocorrem (anapesto vv284-97 561-

5) e em outros momentos metros liacutericos como no caso de Io (vv575-89) Desta forma

o Baratildeo de Paranapiacaba estaria refletindo uma caracteriacutestica semelhante a do original

Quando Io entra agitada em cena por exemplo se expressa em versos hendecassiacutelabos

(onze siacutelabas poeacuteticas) ldquoQue siacutetio me surge Por quem habitadordquo Numa estrofe a

partir do verso 575 no original grego Paranapiacaba faz com que Io se expresse em

versos eneassiacutelabos (nove siacutelabas)

Solta a avena de ceacuterea juntura

Melodia que ao sono convida

Quando deve durar a tortura

Quando conversa com Prometeu agraves vezes Io se expressa em versos

dodecassiacutelabos

Io

Quem foi que te cravou aqui sobre o rochedo (dodecassiacutelabo)

Prometeu

62

O decreto de Jove e de Vulcano a matildeo (dodecassiacutelabo)

Io

Que atentado atraiu tatildeo grave puniccedilatildeo (dodecassiacutelabo)

Prometeu

Para ser compreendido eu disse o necessaacuterio (dodecassiacutelabo)26

Manuel Bandeira (1997 p542) afirma que o metro de onze siacutelabas tambeacutem

chamado de arte maior pode favorecer um ritmo dinacircmico e ao mesmo tempo marcado

ldquopelo que foi preferido por Gonccedilalves Dias em alguns de seus poemas indianistas de

feiccedilatildeo eacutepicardquo como se pode ver a seguir

Satildeo rudos severos sedentos de gloacuteria

Jaacute preacutelios incitam jaacute cantam vitoacuteria

Jaacute meigos atendem agrave voz do cantor

Satildeo todos Timbiras guerreiros valentes

Seu nome laacute voa na boca das gentes

Condatildeo de prodiacutegios de gloacuteria e terror

I-juca Pirama de Gonccedilalves Dias

Veja-se na passagem destacada o ordenamento regular da posiccedilatildeo das tocircnicas

ao longo dos versos ldquoCondatildeo de prodiacutegios de gloacuteria e terrorrdquo (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )27

26 Os versos citados satildeo alexandrinos 27 Eacute preciso fazer algumas consideraccedilotildees acerca do emprego dos siacutembolos ldquo ᵕ rdquo e ldquo ‒ rdquo nas apreciaccedilotildees

que se seguiratildeo e sobre as diferenccedilas entre a metrificaccedilatildeo grega e a portuguesa no que se refere agrave

construccedilatildeo do ritmo dentro do verso O estudo da metrificaccedilatildeo grega pode ser dividido em prosoacutedia

meacutetrica e estroacutefica A prosoacutedia estuda os aspectos sonoros na pronunciaccedilatildeo das siacutelabas que constituem a

palavra dentro do verso Os siacutembolos usados para assinalar o tempo e o modo de pronunciaccedilatildeo das siacutelabas

satildeo ldquo ᵕ rdquo (breve) = 1 tempo ou mora (chroacutenos) e ldquo ‒ rdquo (longa) = 2 tempos ou morae existindo elevaccedilotildees e

descensos na acentuaccedilatildeo das siacutelabas durante a pronunciaccedilatildeo o que natildeo parece ocorrer na versificaccedilatildeo

portuguesa Apesar da diferenccedila utilizam-se os mesmos nomes dos peacutes riacutetmicos gregos em liacutengua

portuguesa (ex daacutetilo ‒ ᵕ ᵕ anapesto ᵕ ᵕ ‒ ) sendo que o siacutembolo ldquo ‒ rdquo eacute usado para marcar as ldquosiacutelabas

tocircnicasrdquo em liacutengua portuguesa em vez de ldquolongasrdquo e ldquo ᵕ rdquo as ldquosiacutelabas aacutetonasrdquo em vez de ldquobrevesrdquo

Por outro lado Olavo Bilac em seu Tratado de Versificaccedilatildeo afirma que eacute possiacutevel constatar que se

demora mais tempo na pronunciaccedilatildeo das siacutelabas tocircnicas em liacutengua portuguesa do que na pronunciaccedilatildeo

das siacutelabas aacutetonas Bilac escreve (1905 p44) ldquoO accento predominante ou a pausa numa palavra eacute

aquella syllaba em que parecemos insistir assinalando-a [] A demora na syllaba isto eacute no accento eacute o

que determina a pausa [] O som mais ou menos aberto da vogal natildeo influe sobre o accento a demora eacute

na pronunciaccedilatildeo o que o caracteriza Exemplo - em tampa o accento estaacute na primeira onde mais nos

demoramos e o onde o som eacute talvez mais frouxordquo Nesse aspecto pode-se ver certa correspondecircncia

entre a liacutengua grega e a portuguesa no emprego dos siacutembolos ldquo ‒rdquo (dois tempos morae) e ldquoᵕrdquo (um

tempo mora) Outro ponto interessante eacute que em liacutengua grega todas as siacutelabas satildeo contadas na escansatildeo

do verso Em contrapartida em liacutengua portuguesa as siacutelabas satildeo contadas ateacute a uacuteltima siacutelaba tocircnica do

verso Tal sistema de escansatildeo tambeacutem usado no idioma francecircs foi introduzido em nossa liacutengua por

Antocircnio Feliciano de Castilho no seu Tratado de metrificaccedilatildeo portuguesa Antes dele contavam-se todas

as siacutelabas do verso que terminava com palavra paroxiacutetona natildeo se contava a uacuteltima siacutelaba do verso

terminado com palavra proparoxiacutetona e considerava-se incompleto o verso que terminava com palavra

oxiacutetona pelo que contava como duas a uacuteltima siacutelaba M Said Ali tentou restaurar tal sistema mas ao que

63

Paranapiacaba opta por esse mesmo metro na passagem na qual Io narra o

asseacutedio que sofreu de Zeus seguido por sua expulsatildeo da casa paterna e o iniacutecio de sua

marcha maldita Talvez o Baratildeo entendera que as possibilidades riacutetmicas do

hendecassiacutelabo poderiam evocar a agitaccedilatildeo de Io (tambeacutem eacute o mesmo metro utilizado

quando Io entra em cena) Nesse sentido haveria nessa passagem uma relaccedilatildeo

harmocircnica entre forma e sentido algo que eacute perseguido numa traduccedilatildeo criativa

O rei seus correios mandou em mensagens

A Pytho e Dodona Queria informar-se

Por quais pensamentos accedilotildees ou linguagem

Podia agradaacutevel aos Deuses tornar-se

Voltaram os nuacutencios trazendo somente

Respostas ambiacuteguas de duplo sentido

Ateacute que da parte do Nume vidente

Oraacuteculo claro lhe foi transmitido

Em termos expressos eu fui condenada

A ser expelida da paacutetria e do lar

E entregue a mim mesma correndo agitada

Por terras longiacutenquas sem peias vagar

[]

E logo de formas e mente mudando

Munida de pontas fiquei desde entatildeo

Sentindo contiacutenuo pungir-me o nefando

Acuacuteleo acerado de um bravo tavatildeo

Em saltos violentos agraves doidas furente

De Lerna agrave colina fugida fui ter

No siacutetio onde mana perene a nascente

Cencreia de linfa suave a beber

Mas Argos o filho da Terra o vaqueiro

De inuacutemeros olhos e d‟alma feroz

Expiando-me os passos com golpe certeiro

Dos fixos olhares seguia-me apoacutes

Sucesso imprevisto de suacutebito veio

Privaacute-lo da vida Mas eu (desgraccedilada)

De plagas em plagas sem pausa vagueio

parece sem muito sucesso (BANDEIRA 1997 p6) Quando for necessaacuterio escandir um verso em nosso

estudo empregaremos o sistema introduzido por Castilho

64

De laacutetego infesto de Juno accediloitada

Veja-se a seguir o esquema escolhido por Paranapiacaba na ordenaccedilatildeo das

siacutelabas tocircnicas e aacutetonas ao longo dos versos

Voltaram os nuacutencios trazendo somente (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)

Respostas ambiacuteguas de duplo sentido (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)

Ateacute que da parte do Nume vidente (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)

Oraacuteculo claro lhe foi transmitido (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)

Diante do que foi analisado parece-nos que pelo menos na passagem em que Io

narra sua histoacuteria o Baratildeo de Paranapiacaba conseguiu fazer ldquoa muacutesica soarrdquo

14 Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz

Esse doutor da lexicologia

que amava os gregos nos originais

e com Platatildeo decerto se entendia

e conversava coisas imortais

Esse de cuja a vida bem-fadada

eacute justo se dizer sinceramente

que foi tatildeo longa quanto devotada

agrave sua Paacutetria como agrave sua gente

Esse ilustre Varatildeo de nossa raccedila

ilustre pelo espiacuterito perfeito

e a feacute cristatilde e a tecircmpera sem jaccedila

e a paixatildeo da Justiccedila e do Direito

bem que merece que de sul a norte

o coraccedilatildeo de todo brasileiro

exclame num soluccedilo verdadeiro

a dor de sua morte28

Benjamin Franklin Ramiz Galvatildeo nascido em 16 de junho de 1846 em Rio

Pardo (hoje Ramiz Galvatildeo) no Rio Grande do Sul falecido em 9 de marccedilo de 1938

ano em que completaria 92 anos de idade Seu pai Joatildeo Galvatildeo morre em 1852 tendo

28

J Pereira da Silva em homenagem a Ramiz Galvatildeo in Revista da Academia de Letrasvol55 ano 30

pp75-76 apud Mauriceacutea Filho 1972

65

Ramiz apenas 6 anos de idade Sua matildee Joana Ramiz Galvatildeo muda-se para o Rio de

Janeiro com seu filho Nessa eacutepoca Ramiz comeccedila a frenquentar a escola puacuteblica

Custoacutedio Mafra Completa seus estudos primaacuterios numa escola mantida pela Sociedade

Amantes da Instruccedilatildeo onde recebeu as primeiras liccedilotildees de Latim do professor

Inocecircncio de Drummond Nessa escola Ramiz Galvatildeo recebeu o 1ordm precircmio por

aplicaccedilatildeo aos estudos em 1855 ano em que tambeacutem foi admitido como aluno gratuito

do Coleacutegio Pedro II (MAURICEacuteA FILHO 1972 pp4-6) Em 1861 Ramiz recebe o

diploma de Bacharel em Letras pelo Coleacutegio Pedro II e prepara-se para o ingresso na

Faculdade de Medicina que era a carreira escolhida pelo jovem Em 3 de dezembro de

1868 forma-se meacutedico e eacute escolhido para ser o orador da turma Estava presente

naquela cerimocircnia entre diversas outras autoridades o Imperador Dom Pedro II

Com apenas 19 anos de idade Ramiz Galvatildeo escreve o livro ldquoO Puacutelpito no

Brasilrdquo no qual divide a oratoacuteria sacra brasileira em distintos periacuteodos a partir do seacuteculo

XVI ateacute chegar ao seu contemporacircneo Francisco Joseacute de Carvalho mais conhecido

como Monte Alverne jaacute mencionado na presente dissertaccedilatildeo Em 1869 Ramiz Galvatildeo

exerceu funccedilotildees de meacutedico no Exeacutercito Nos hospitais militares de Armaccedilatildeo e de

Andaraiacute atendeu feridos advindos da Guerra do Paraguai (MAURICEacuteA FILHO 1972

p34) nessa eacutepoca foi convidado para substituir seus mestres Schiefer e Cocircnego

Pinheiro respectivamente nas disciplinas de Grego e Retoacuterica do Coleacutegio Pedro II

(ibidem p37) aleacutem de ser indicado pelo proacuteprio Imperador para ser o Diretor da

Biblioteca Nacional O Decreto Imperial nomeando-o tem a data de 14 de dezembro de

1870 (MAURICEacuteA FILHO 1972 p102) Aleacutem disso Ramiz foi professor na

Faculdade de Medicina em 1881 No ano de 1882 Ramiz deixa a cadeira que lecionava

na Faculdade de Medicina bem como a direccedilatildeo da Biblioteca Nacional para se tornar

preceptor dos netos do Imperador levando sete anos a ensinaacute-los ateacute o banimento da

famiacutelia imperial (ibidem p46) Existe um rascunho a laacutepis de uma carta que Ramiz

Galvatildeo escreveu a Dom Luiz neto de Dom Pedro II que estava vivendo no exiacutelio Esse

rascunho estaacute depositado no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro O seguinte

trecho da carta foi transcrito por Mauriceacutea Filho (1972 pp47-8)

Tenho firme esperanccedila que aiacute se hatildeo de acentuar os bons predicados que o

senhor sempre revelou enquanto tive ocasiatildeo de ser seu mestre o amor ao

trabalho o rigoroso cumprimento do dever o culto da Verdade e da Justiccedila

Estude muito e aprimore o coraccedilatildeo Os frutos deste trabalho e deste

aperfeiccediloamento colhe-los-aacute mais tarde com toda a seguranccedila natildeo digo jaacute

como Priacutencipe brasileiro porque a vontade soberana do povo entendeu

66

chegado o momento de mudar a forma do nosso Governo mas como

particular e como homem [] Se ainda se lembra do entusiasmo e do amor

com que lhe ensinei e se me julga digno de sua estima apesar de me haver

feito sincero e leal servidor da Repuacuteblica escreva-me dando notiacutecia do que

faz do que vence e do que espera vencer Quando estudar sociologia saberaacute

que a forma republicana eacute a mais perfeita e a que pode realizar o ideal dos

povos [] O que fez portanto o Brasil agrave imitaccedilatildeo dos seus irmatildeos

americanos o que fazemos todos noacutes aceitando de coraccedilatildeo as consequecircncias

do golpe de 15 de novembro emprestando o nosso concurso agrave consolidaccedilatildeo

da Repuacuteblica eacute um ato de patriotismo Se alguma coisa haacute que admirar em

tudo isso eacute a heroicidade com que sacrificamos os afetos por amor do Bem

geral Certo pois de que o seu Preceptor cumpriu e cumpre o seu dever

confio que o estimaraacute e lhe daraacute sempre o gozo inefaacutevel de suas cartas Mil

saudades ao bom e simpaacutetico Dom Pedro e ao meigo Totocircnio Beije-os a

ambos por mim abrace-os muitas e muitas vezes e natildeo esqueccedila seu velho

amigo (Assinado Doutor ndash 1890)

No livro Estante Claacutessica da Revista de Liacutengua Portuguesa volume X 1922

dirigido por Laudelino Freire encontra-se o seguinte testemunho de Ramiz Galvatildeo

acerca de sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo29

Em 1888 dPedro II nosso ilustre e saudoso imperador confiando-me a

traducccedilatildeo literal em prosa que fizera do Prometeu de Eschylo pediu-me que

tentasse pocirc-la em verso Sem pretensatildeo alguma a poeta e pouco afeito a

exercicios deste genero quis corresponder entretanto ao honroso convite e

pus matildeos agrave obra fazendo particular empenho em cingir-me ao texto grego

com a maior exacccedilatildeo

Natildeo foi pequeno o Labor

Em dias do anno seguinte conclui a rude tarefa e tive a fortuna de ler parte

desta traducccedilatildeo ao venerando monarca que me fez algumas observaccedilotildees

judiciosas pugnando sempre pela versatildeo literal

Esta absoluta fidelidade sabem todos o quanto eacute difficil em obras de tal

natureza Fiz poreacutem o possiacutevel para dar conta agrave missatildeo calcando quase

verso sobre verso e natildeo raro sacrificando sem duvida a belleza do estilo

Baste dizer que esta traducccedilatildeo estaacute feita em 1084 versos quando o original

grego conta com 1093

Natildeo deixei por justificavel escrupulo de cotejar meu trabalho com varias

outras versotildees do grande tragico e particularmente me prestaram auxilio em

algumas passagens a traducccedilatildeo latina de Ahrens e a francesa de Leconnte de

Lisle que satildeo ambas fideliacutessimas Ainda por ultimo fiz este mesmo cotejo

com as bellas e esmeradas versotildees em verso portuguecircs da lavra do meu

eminente e caro patricio o Sr baratildeo de Paranapiacaba cujo recente livro eacute

um attestado de talento e erudiccedilatildeo De todas ellas algum fruto colhi por

vezes mas a todas antepus invariavelmente o religioso respeito ao original

grego que estudei e procurei interpretar com amor Natildeo tem este trabalho jaacute

se vecirc outro merito publico-o vinte annos depois como homenagem aacute

memoacuteria do illustre cultor de letras que me honrou com sua estima desde os

primeiros dias da minha mocidade e de quem guardo a mais respeitosa e

grata recordaccedilatildeo como amigo e brasileiro

BFRamiz Galvatildeo

Asylo Golccedilalves d‟Araujo 3 de junho de 1909

29

Mantemos a ortografia orginal da obra consultada a qual fotografamos na Faculdade de Direito da USP

67

Dessa versatildeo de Ramiz Galvatildeo destacamos os seguintes decassiacutelabos Trata-se

da traduccedilatildeo dos versos 454-8 pertencentes a uma das falas de Prometeu

Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

frutuoso mas inscientes procediam

em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros

o nascer e os ocasos pouco certos

Numa produccedilatildeo poeacutetica o ritmo pode ser construiacutedo por meio da reiteraccedilatildeo de

vaacuterios elementos como por exemplo o nuacutemero fixo de siacutelabas poeacuteticas a posiccedilatildeo

regular das silaacutebas tocircnicas aliteraccedilotildees e assonacircncias Tais recursos funcionam como que

combinaccedilotildees de diferentes ldquoacordesrdquo ao longo dos versos dando musicalidade ao texto

Ramiz afirmou que natildeo tinha ldquopretensatildeo alguma a poetardquo e que era ldquopouco afeito a

exerciacutecios deste gecircnerordquo Mas veja-se o emprego das assonacircncias e aliteraccedilotildees por

Ramiz Galvatildeo em seus versos

1) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

frutuoso mas inscientes procediam

em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros

o nascer e os ocasos pouco certos

2) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

frutuoso mas inscientes procediam

em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros

o nascer e os ocasos pouco certos

3) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

4) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno

da floacuterea primavera nem do estio

frutuoso mas inscientes procediam

5) em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros

o nascer e os ocasos pouco certos

Como visto Ramiz Galvatildeo afirmou que seu maior criteacuterio era o ldquoreligioso

respeito ao original gregordquo Mesmo assim Ramiz procurou dar certa regularidade agrave sua

traduccedilatildeo valendo-se de um metro muito apreciado em liacutengua portuguesa o

68

decassiacutelabo30

Para o coro embora o metro natildeo seja tatildeo regular quanto nas falas de

Prometeu Ramiz utilizou as rimas

Saacutebio era prudente (a)

quem disse quem primeiro concebeu na mente(a)

que soacute a alianccedila igual traz bem que dure (b)

nos paccedilos enervados da riqueza (c)

nos altivos solares da nobreza (c)

o humilde artista esposa natildeo procure (b)

Mais um exemplo

Sempre audaz desabrido(a)

Natildeo te curvas vencido (a)

ao acerbo infortuacutenio (b)

Fere-me o coraccedilatildeo pungente(c)

Temendo por teu fado (d)

Quando veraacutes findado (d)

Teu sofrer inclemente (c)

Pois eacute de aacutespero caraacuteter intrataacutevel (e)

esse filho de Cronos indomaacutevel (e)

Ramiz ainda teve a sensibilidade de natildeo utilizar esse recurso poeacutetico no ponto

alto do drama quando Hermes exorta o coro a fugir Se o eminente filoacutelogo brasileiro

tivesse utilizado as rimas nesse momento provavelmente a carga dramaacutetica da

passagem seria atenuada

[] profere aconselha o que eu possa(a)

convencida fazer a teu discurso (b)

escutar meus ouvidos se recusam (c)

Como podes agrave infacircmia incitar-me (d)

Co‟ ele quero sofrer o destino (e)

os traidores a odiar aprendi (f)

nem haacute delito (g)

dentre todos que eu mais abomine (h)

Diante dos exemplos analisados na presente seccedilatildeo pode-se dizer que Ramiz

Galvatildeo professor de Grego e Retoacuterica do Coleacutegio Pedro II correspondeu com maestria

ao honroso convite feito pelo Imperador

15 JB de Mello e Souza

Joatildeo Batista de Mello e Souza (1888-1969) formado Bacharel em Ciecircncias e

Letras pelo Coleacutegio Pedro II em 1905 era irmatildeo mais velho do engenheiro civil Juacutelio

30

A Mauriceacutea Filho afirma ldquoRamiz emprega este decassiacutelabo agrave moda Bilaqueana preciosa prenda aos

homens outorgaste Basta ter ouvido afeito agrave muacutesica da Poesiardquo (1972 p258)

69

Ceacutesar Mello e Souza (1895-1974) mais conhecido pelo pseudocircnimo de Malba Tahan o

autor do livro O Homem que calculava J B de Mello e Souza tornou-se professor de

Histoacuteria Universal do Coleacutegio Pedro II em 1926 (SANTOS 2009 p135) Tambeacutem se

dedicou agrave literatura e ao jornalismo Dentre suas obras destacam-se Histoacuterias do Rio

Paraiacuteba Majupira (1938) Meninos de Queluz (1949) e Histoacuterias famosas do velho

mundo e estudantes do meu tempo (1958) Sabia falar e escrever em Esperanto liacutengua

criada por Lejzeu Ludwik Zamenhof Lejzeu ldquodefendia que o Esperanto deveria ser a

segunda liacutengua de cada povordquo facilitando o diaacutelogo mundial e a resoluccedilatildeo de conflitos

(ibidem p136) JB de Mello e Souza representou o Brasil em importante congresso

mundial de Esperanto Fernando Segismundo ex-aluno de Mello e Souza faz a seguinte

descriccedilatildeo de seu antigo professor

Fui aluno de Joatildeo Batista no Externato do Coleacutegio Pedro II para onde se

transferira Alto forte e alegre comunicava-se paternalmente com os

educandos Suas preleccedilotildees patenteavam elevado fundo moral Missionaacuterio

presenccedila valor Natildeo se lhe percebia ambiguidade ou segredo era franco

extrovertido espontacircneo Haacutebil em motivar a turma tinha sempre um fato

divertido a transmitir uma narrativa envolvendo heroacuteis ou mulheres

exemplares como Corneacutelia matildee dos Gracos A mitologia Greco-romana a

crenccedila no Brasil os libertadores da Ameacuterica-Boliacutevar e Joseacute Bonifaacutecio agrave

frente citaccedilotildees de Ciacutecero Virgiacutelio Horaacutecio Oviacutedio Catatildeo Rui e Padre

Vieira tudo lhe valia para atrair-nos ao estudo da Histoacuteria fortalecendo-nos

o senso patrioacutetico e a conduta moral Irradiar conhecimentos brunir

caracteres constituiu missatildeo de que jamais abdicou Construtor de almas -

assim poderiacuteamos sintetizar-lhe a personalidade (apud SANTOS 2009

p137)

Outro aluno Geraldo Pinto Vieira daacute o seguinte testemunho acerca de Mello e

Souza ldquoO Joatildeo Batista de Mello e Souza foi um grande humanista Era um homem que

conhecia de tudo Latim Grego Esperanto Muacutesica etcrdquo (ibidem p138) Essas

informaccedilotildees satildeo muito importantes visto que no livro no qual estaacute sua traduccedilatildeo do

Prometeu Acorrentado de 1950 natildeo encontramos indicaccedilotildees claras se a sua versatildeo fora

feita a partir do original grego ou natildeo

Mello bem como Dom Pedro II e o Baratildeo de Paranapiacaba usa os nomes

romanos para as divindades gregas Ele natildeo explica o porquecirc de tal escolha

Paranapiacaba por exemplo em sua primeira nota afirma que ldquoOs Deuses tecircm a

nomenclatura romana que eacute a mais conhecidardquo (PARANAPIACABA 1907 p139)

Odorico Mendes toma a mesma decisatildeo em suas traduccedilotildees da Iliacuteada e Odisseia Em

contrapartida Ramiz Galvatildeo (professor de Grego no Coleacutegio Pedro II na eacutepoca do

70

Imperador) natildeo segue essa tendecircncia presente entre os primeiros tradutores brasileiros

dos Claacutessicos

Pascale Casanova em seu livro A Repuacuteblica Mundial das Letras discorre como

a tradiccedilatildeo humanista advinda da Renascenccedila influenciara fortissimamente os escritores

e tradutores do seacuteculo XIX

O latim acumula com o grego reintroduzido pelos eruditos humanistas a

quase totalidade do capital literaacuterio e mais amplamente cultural entatildeo

existente mas tambeacutem a liacutengua da qual Roma e a instituiccedilatildeo religiosa inteira

detecircm o monopoacutelio o papa estando investido da autoridade dupla [] a do

sacerdotium - as coisas da feacute - mas tambeacutem a do studium ndash isto eacute tudo o que

se refere ao saber ao estudo e agraves coisas intelectuais[] Por isso eacute possiacutevel

compreender o empreeendimento humanista pelo menos parte dele como

uma tentativa dos ldquoleigosrdquo em luta contra os cleacutericos latinizantes de criar

uma autonomia intelectual e reapropriar-se contra o uso escolaacutestico do latim

da heranccedila latina laicizada Explicitando claramente a natureza de sua luta os

humanistas opotildeem dessa forma ao latim ldquobaacuterbarordquo dos cleacutericos escolaacutesticos o

refinamento de sua praacutetica recuperada do latim ldquociceronianordquo [] O

humanismo europeu eacute tambeacutem uma das primeiras formas de emancipaccedilatildeo

dos letrados da ascendecircncia e da dominaccedilatildeo da Igreja (CASANOVA 2002

p69 grifo da autora)

Embora JB de Mello e Souza natildeo explicite claramente quais os princiacutepios que

regeram seu trabalho de traduccedilatildeo por outro lado revela algo sobre a sua leitura do

Prometeu Acorrentado em prefaacutecio

Como nas demais peccedilas do grande traacutegico eleusiano as personagens do

ldquoPrometeu Acorrentadordquo satildeo viacutetimas impotentes da fatalidade inexoraacutevel O

anuacutencio poreacutem de um futuro melhor uma brisa de esperanccedila perpassa

afinal para conforto dos que sofrem os males do destino Prometeu seria

libertado ao cabo de longo tempo de supliacutecio O ldquoPrometeu Acorrentadordquo eacute o

primeiro episoacutedio de uma magestosa trilogia da qual se perderam as outras

partes Perda lamentaacutevel sem duacutevida pois natildeo nos permite conhecer toda a

significaccedilatildeo moral dessa trageacutedia em que se vecirc o deus supremo perseguir

atrozmente a um nume tutelar dos miacuteseros mortais a um benfeitor da

humanidade (1950 p5)

Tratemos agora de algumas das caracteriacutesticas de sua traduccedilatildeo em prosa

No original Prometeu aconselha Io a natildeo atravessar um determinado rio (versos

717-21) Dom Pedro II translitera o nome desse rio em sua traduccedilatildeo ldquoChegaraacutes ao rio

Hybristes (violento) natildeo falsamente chamado o qual natildeo atravesses pois natildeo eacute facil de

atravessarrdquo O nome desse rio adveacutem da palavra grega hyacutebris que entre outras coisas

pode significar ldquodesmedidardquo sobretudo do ponto de vista moral (inclusive Jaa Torrano

tende a traduzir essa palavra por ldquosoberbiardquo) Torrano traduz da seguinte forma o trecho

71

supracitado ldquoIraacutes ao rio Soberbo de natildeo falso nome que natildeo transporaacutes difiacutecil de

transporrdquo Eacute interessante notar o fato de que em 1950 JB de Mello e Souza jaacute havia

chegado a uma soluccedilatildeo semelhante agrave de Torrano traduzindo Hybristeacutes por

ldquoOrgulhosordquo ldquoAtingiraacutes as margens do rio Orgulhoso que natildeo desmente o seu nomerdquo

Veja-se tambeacutem a traduccedilatildeo de JB de Mellho e Souza para os versos 780-1

ldquoEscolhe pois ou sabes o que te resta a sofrer ainda ou o nome de meu libertadorrdquo

(grifo nosso) Trata-se das possibilidades de revelaccedilotildees do futuro que Prometeu deu agrave

Io

O fato curioso eacute que Prometeu natildeo revela o nome de ldquoHeacuteraclesrdquo na trageacutedia mas

apenas daacute as caracteriacutesticas desse descendente de Io Teria sido um equiacutevoco de Eacutesquilo

prometer o nome do libertador e depois natildeo o revelar De modo nenhum Pois no

original grego natildeo existe a palavra ldquonomerdquo na passagem em questatildeo Literalmente o

texto esquiliano reza ldquodigo claro teus vindouros males ou quem haacute de me libertarrdquo

Portanto a traduccedilatildeo de JB de Mello e Souza cria um equiacutevoco que natildeo haacute no texto

original de Eacutesquilo

Em sentido lato a traduccedilatildeo em prosa de Mello e Souza tende agrave paraacutefrase e agrave

grandiloquecircncia Em contrapartida a uacuteltima fala de Prometeu (vv1080-93) foi

traduzida de forma muito sucinta

Com efeito natildeo foi uma ameaccedila apenas a terra potildee-se a tremerO Soturno

ronco jaacute se faz ouvirturbilhotildees de poeira se erguemtodos os furacotildees

desencadeados parece que estatildeo contra mim Contra mim eacute que Juacutepiter

desfecha tatildeo horrendo cataclismo Oacute minha augusta matildee oacute tu divino eacuteter que

cercais o universo de luz eternavede que injustos tormentos me fazem

sofrer

Compare-se o trecho citado com a traduccedilatildeo feita por Dom Pedro II para a

mesma passagem

E de fato e natildeo mais por palavras balanccedila-se a terra reboa o eco rugidor do

trovatildeo brilham as espirais ardentes do relacircmpago e os turbilhotildees revolvem o

poacute rompem os sopros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

opostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Tais iacutempetos contra

mim vem manifestamente de Juacutepiter para meterem medo Oacute nume de minha

matildee oacute ar que volves a luz comum de todos vecircs quatildeo injustamente sofro

Apesar dos pontos problemaacuteticos mencionados pode-se dizer que a traduccedilatildeo de

JB de Mello e Souza de 1950 deve ser considerada um marco na histoacuteria da traduccedilatildeo

do Prometeu Acorrentado no Brasil pois ela retoma a tradiccedilatildeo iniciada por Dom Pedro

II Paranapiacaba e Ramiz Galvatildeo Se natildeo contarmos a reediccedilatildeo da traduccedilatildeo de Ramiz

Galvatildeo em 1922 mas apenas a publicaccedilatildeo original de 1909 o Prometeu ficou sem ter

72

uma nova traduccedilatildeo por no miacutenimo 40 anos Com sua traduccedilatildeo JB de Mello e Souza

quebrou esse grande silecircncio Sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado eacute a que teve o

maior nuacutemero de reediccedilotildees ateacute agora (1964 1966 1969 1970 1998 2001 2002

2005)31

16 Jaime Bruna

O professor Jaime Bruna nasceu no dia 15 de setembro de 1910 Seu nome

consta no Sistema USP (banco de dados da Universidade de Satildeo Paulo) com viacutenculo

inicial em 25 de janeiro de 1934 que eacute a data da fundaccedilatildeo da entatildeo Faculdade de

Filosofia Ciecircncias e Letras (FFCL) criada como o polo central da Universidade de Satildeo

Paulo (USP) No entanto natildeo eacute possiacutevel verificar qual era o viacutenculo naquela altura se

ele ingressou como aluno de graduaccedilatildeo ou em outra condiccedilatildeo de pesquisador A sua

contrataccedilatildeo ocorreu em 1965 na condiccedilatildeo de instrutor da cadeira de Liacutengua e Literatura

Latina Ele se aposentou em 1980 como professor assistente doutor do Departamento de

Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Jaime faleceu em 19 de setembro de 1988 quatro dias

depois de completar 78 anos de idade Essas foram as informaccedilotildees que encontramos na

ficha do Departamento Pessoal da FFLCH-USP

Devido a uma ldquoepifacircnicardquo coincidecircncia descobrimos que o professor de Liacutengua

e Literatura Grega da USP Jaa Torrano em seu tempo de graduando no curso de Letras

da FFLCH pegava carona no carro da entatildeo professora da USP Aiacuteda Costa O professor

Jaime Bruna tambeacutem ia de carona no carro de Aiacuteda e segundo Torrano Bruna descia

na chamada ldquoPraccedila da Paineirardquo (Hoje o nome oficial da praccedila eacute Jorge de Lima esquina

da Av Vital Brasil com a Av Valdemar Ferreira bairro Butantatilde Satildeo Paulo SP) Havia

uma uacutenica paineira nesse local Torrano conta que numa destas caronas foi comentado

que a Prefeitura derrubaria a paineira Houve um princiacutepio de revolta por parte de

alguns estudantes e moradores da regiatildeo que se mobilizaram contra Jaime ouvindo

isso exclamou ldquoVai dar paina para mangasrdquo o que revela ao menos senso de humor

Em conversa com o Prof Antonio da Silveira Mendonccedila (professor de latim

aposentado da USP) descobrimos que Jaime fora bancaacuterio antes de se dedicar ao ensino

e agraves letras claacutessicas Jaime Bruna ldquoera bastante iacutentegro e metoacutedico em seu trabalhordquo

comentou o professsor Mendonccedila

31

Atualmente a editora Martin Claret tem reimpresso essa traduccedilatildeo talvez por causa das facilidades

ligadas aos Direitos Autorais

73

Embora desconhecido para muitos acadecircmicos Jaime Bruna foi bastante

proliacutefero em sua praacutetica tradutoacuteria Joseacute Paulo Paes em sua retrospectiva da praacutetica

tradutoacuteria no Brasil menciona o nome de Bruna na seguinte passagem

Quanto a traduccedilotildees contemporacircneas de textos claacutessicos em verso e prosa

mencionem-se as realizadas por Carlos Alberto Nunes Jaime Bruna Maacuterio

da Gama Kury Joseacute Cavalcanti de Sousa Tassilo Orfeu Spalding Almeida

Cousin etc (PAES1990 p31)

Em nossa opiniatildeo o projeto tradutoacuterio de Bruna era traduzir pelo menos uma

obra dos grandes escritores da Greacutecia e da Roma antiga (embora tenha traduzido mais

de uma obra de autores de sua preferecircncia) Jaime Traduziu Platatildeo Diaacutelogos (1945)

Euriacutepides Heacutecuba (1957) Soacutefocles Electra (1960) Marco Aureacutelio Meditaccedilotildees

(1964) Teatro Grego Eacutesquilo Prometeu Acorrentado Soacutefocles Rei Eacutedipo

EuriacutepidesHipoacutelito AristoacutefanesNuvens (1964) Xenofonte A educaccedilatildeo de Ciro (1965)

Eloquecircncia grega e latina trechos de Tuciacutedides Demoacutestenes Saluacutestio Ciacutecero Liacutesias

Isoacutecrates e Eacutesquines (1968) Platatildeo Goacutergias ou a oratoacuteria (1970) Plauto interprete de

sentimentos populares (1972) Lucretius Carus Titus Da Natureza (1973) Homero

Odisseia (1976) Plautus Titus e Maccius Comeacutedias O Cabo Caruncho Os

Menecmos Os Prisioneiros O Soldado Fanfarratildeo (1978) Epiacutecuro Antologia de textos

(1981) Poeacutetica Claacutessica Aristoacuteteles Horaacutecio e Longino (1981)

Jaime natildeo costuma falar de sua praacutetica tradutoacuteria nas introduccedilotildees de seus

trabalhos Quanto a Eacutesquilo poreacutem o tradutor escreve

Caracteriza a poesia de Eacutesquilo a amplidatildeo Aristoacutefanes sem embargo seu

admirador apelidou-o de ldquocriador de precipiacuteciosrdquo Compraz-se em

representar paixotildees violentas em emitir pensamentos soberbos ideias

sombrias sua religiatildeo eacute a do terror sua moral sofrer para aprender A

constante de sua obra se confina aos conceitos de ldquohybrisrdquo ndash a insolecircncia o

crime o pecado ndash ldquoaterdquo o castigo fatal provocado pela ldquohybrisrdquo Seus coros

satildeo muito desenvolvidos e a accedilatildeo eacute pouca Um grande liacuterico cujo meio de

expressatildeo foi a trageacutedia (BRUNA 1964 p11)

Bruna natildeo faz uma traduccedilatildeo literal do Prometeu Acorrentado A impressatildeo eacute

que em certas passagens Jaime procura entender o sentido geral do texto e a partir

disso natildeo tem receio em criar algo para tentar comunicar bem o que os personagens

envolvidos estariam sentindo no momento da accedilatildeo Veja-se a seguir uma das falas de

Hefesto traduzida por ele ldquoAi Prometeu gemo baixinho por teus sofrimentosrdquo

enquanto Dom Pedro II verte a mesma fala da seguinte forma ldquoAi ai Prometeu gemo

74

com tuas desgraccedilasrdquo Tambeacutem eacute possiacutevel que o leitor tenha certa dificuldade com o

leacutexico escolhido em algumas passagens de sua traduccedilatildeo ldquo[] infeliz de mim poreacutem

para gaacuteudio dos inimigos sofro como grimpa ao sabor dos ventosrdquo e ainda ldquoResponda

a essa mofinardquo Embora sua traduccedilatildeo seja em prosa em alguns trechos Bruna alcanccedila

efeitos sonoros interessantes ldquoDestino Destino Sinto arrepios ao ver as desventuras

de Iordquo (grifo nosso marcando assonacircncia)

Excetuando-se a curta menccedilatildeo feita por Joseacute Paulo Paes citada nessa seccedilatildeo natildeo

encontramos nenhuma outra referecircncia ao trabalho tradutoacuterio de Jaime Bruna embora

ele tivesse sido um incansaacutevel tradutor como demonstra muito bem o grande nuacutemero de

suas traduccedilotildees

17 Napoleatildeo Lopes Filho

Infelizmente natildeo conseguimos muitas informaccedilotildees biograacuteficas acerca de

Napoleatildeo Lopes Filho aleacutem das partilhadas por ele mesmo na introduccedilatildeo de sua

traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo (1967) publicada na Coleccedilatildeo Diaacutelogo da

Ribalta (Editora Vozes) Entre as traduccedilotildees publicadas pela coleccedilatildeo encontram-se a

Antiacutegone de Soacutefocles com traduccedilatildeo de Guilherme de Almeida e A Maacutequina Infernal de

Jean Cocteau com traduccedilatildeo de Manuel Bandeira Essa coleccedilatildeo traz muitas traduccedilotildees

que foram encenadas no Brasil o que nos faz acreditar que Napoleatildeo Lopes Filho esteja

de alguma forma ligado ao teatro e que sua traduccedilatildeo fora concebida para a encenaccedilatildeo

Essa hipoacutetese ganha forccedila quando lemos a seguinte advertecircncia encontrada na

contracapa do seu livro ldquoEsta peccedila natildeo poderaacute ser representada sem licenccedila da

Sociedade Brasileira de Autores Teatraisrdquo No final de seu texto introdutoacuterio o autor

tambeacutem escreve ldquoNapoleatildeo Lopes Filho Cidade do Salvador 1959rdquo Tal informaccedilatildeo eacute

bastante sugestiva pois encontramos um registro na enciclopeacutedia Itauacute Cultural de que

em 1959 no Teatro Guarany em Salvador foi encenada a peccedila A Dama das Cameacutelias

de Alexandre Dumas Filho com traduccedilatildeo de Gilda de Mello e Adaptaccedilatildeo de Benedito

de Corsi No elenco da peccedila encontramos o nome de ldquoNapoleatildeo Lopes Filhordquo Se for a

mesma pessoa nosso tradutor tambeacutem era um ator Ainda em sua introduccedilatildeo Lopes

Filho escreve

Regeu-nos neste trabalho o criteacuterio de que o verso eacute intraduziacutevel e de que a

poesia quando eacute autecircntica pode passar livremente de um a outro idioma

levando o que tem de essencial ndash a sua presenccedila (1967 p65)

75

Tais afirmaccedilotildees nos parecem um tanto quanto contraditoacuterias pois se o verso eacute

ldquointraduziacutevelrdquo como a poesia mesmo sendo ldquoautecircnticardquo poderia ldquopassar livremente de

um a outro idiomardquo Napoleatildeo natildeo explica

Aleacutem de sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado Napoleatildeo nos apresenta a

traduccedilatildeo de As Suplicantes de Eacutesquilo e a traduccedilatildeo do ensaio ldquoEacutesquilo como poeta das

ideiasrdquo de Gilbert Murray Vale mencionar tambeacutem o seguinte levantamento feito por

Napoleatildeo Lopes Filho das ediccedilotildees dos originais gregos de Eacutesquilo

A ediccedilatildeo princeps das trageacutedias de Eacutesquilo data de 1517 e foi impressa em

Veneza nas oficinas de Aldus Manutius Essa publicaccedilatildeo se ressente de ter

unificado uma parte das ldquoCoeacuteforasrdquo com o ldquoAgamenonrdquo falha grave que foi

reparada por Vettori quarenta anos depois quando veio a lume a ediccedilatildeo

francesa de Henri Estienne Trecircs anos mais tarde Canter em ediccedilatildeo cuidada

e conhecida pelo nome de Anvers apurou ainda mais o texto

reaproximando-o do original manuscrito A ediccedilatildeo inglesa feita sob a

responsabilidade de Lord Stanley data de 1663 e somente um seacuteculo depois

na sua ediccedilatildeo de Haia Cornelius Paw reuniu aos escoacutelios anteriormente

achegados por Stanley as notas de Robortel de Turnegravede de Henry Estienne

e de Canter publicaccedilatildeo essa feita no ano de 1745 em dois volumes Apesar

de todos esses trabalhos resultarem de estudos e pesquisas em torno do teatro

grego com o cuidado e o apuro dos eruditos as ediccedilotildees Schuumlltz em trecircs

volumes reuniram todos os textos conhecidos de Eacutesquilo e eacute reputada como a

melhor tendo aparecido em Halle nos anos de 1782 e seguintes (LOPES

FILHO 1967 p66)

A ediccedilatildeo de Stanley citada por Lopes Filho tambeacutem eacute mencionada em carta

escrita pelo Baratildeo de Paranapiacaba agrave Princesa Isabel (manter-se-aacute a ortografia original

na citaccedilatildeo)

Falta-me para elemento de consulta a traducccedilatildeo de Thomaz Stanley ediccedilatildeo

de Londres (do seculo 17) com o texto grego de um lado e do outro o latino

Depois de alguns annos de inutil pesquiza por todas as livrarias da

Europa foi descoberta essa obra (a melhor que ha sobre Eschylo) na

bibliotheca de Napoles pelo Dor Alambary Luz que ahi fez extrahir copias

da versatildeo latina de Prometheu e suas respectivas notas e m‟as remetteu

O texto original grego editado por Stanley natildeo foi remetido ao Baratildeo de

Paranapiacaba mas apenas a versatildeo latina encontrada no mesmo livro Natildeo

encontramos nenhuma menccedilatildeo feita por Dom Pedro II acerca de qual ediccedilatildeo do texto

grego utilizara para fazer sua traduccedilatildeo em prosa Contudo eacute possiacutevel que a ediccedilatildeo de

Christian Gottfried Schuumlltz tenha sido utilizada pelo Imperador tambeacutem citada por

Napoleatildeo Lopes Filho ldquoas ediccedilotildees Schuumlltz em trecircs volumes reuniram todos os textos

conhecidos de Eacutesquilo e eacute reputada como a melhor tendo aparecido em Halle nos anos

76

de 1782 e seguintesrdquo Em sua traduccedilatildeo em prosa Dom Pedro II faz a marcaccedilatildeo dos

trechos que estavam corrompidos na ediccedilatildeo que consultara (marcaccedilatildeo com ldquoXrdquo)

Doce eacute estendegraver longa vida por confiadas esperanccedilas nutrindo a alma de

brilhantes alegrias mas horroriso-me observando porque infinitos

ltuarrsoffrimentosgt [eacutes atorm]entado ltx x x x xgt Natildeo temendo Jupiter honras

demasiadamente os mortaes Prometheu por tua propria vontade ltuarrStrophe

2ordfgt32

Eia Que ingrata gratidatildeo oh amigo dize onde auxilio Que socograverro

dos ephemeros Natildeo observaste a importante fraqueza similhante a um

sonho ltuarrcomgt[] que a dos mortaes x x x cega geraccedilatildeo estaacute algemada Os

conselhos dos mortaes ltuarrnuncagt[] preferem aacute ordem estabelecida por

Jupiter

Trata-se da traduccedilatildeo de um trecho do segundo estaacutesimo da trageacutedia Na ediccedilatildeo

de Stanley publicada em 1809 natildeo haacute a indicaccedilatildeo de corrupccedilatildeo na passagem citada

Figura 24 Trecho dos versos 536-54 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de Thomas Stanley

(1809) Aeschyli tragoediae quae supersunt digitalizada pela Universidade de Cambrigde em 2010

Mas a ediccedilatildeo de Schuumlltz traz as indicaccedilotildees de corrupccedilatildeo indicadas por Dom

Pedro II (haacute de se lembrar que a traduccedilatildeo de Dom Pedro II eacute de 1871)33

32

A indicaccedilatildeo do iniacutecio da estrofe 2ordf foi feita por meio de linhas ascendentes no manuscrito partindo

dentre as palavras ldquovontaderdquo e ldquoeiardquo nas quais eacute escrito ldquo(Strophe 2ordf)rdquo como uma espeacutecie de correccedilatildeo

feita pelo autor 33 A ediccedilatildeo de Schuumlltz que tivemos acesso eacute a de 1809 embora Napoleatildeo Lopes Filho afirme que existe

uma mais antiga a de 1782

77

Figura 25 Trecho referente aos versos 536-50 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de Christian

Gottfried Schuumlltz Aeschyli tragoediae quae supersunt ac deperditarum fragmenta tambeacutem de

1809

Textos estabelecidos modernamente como o de Paul Mazon (1953) e Mark

Griffith (1997) natildeo trazem a marcaccedilatildeo de corrupccedilatildeo no verso 550 como o faz Christian

Gottfried Schuumlltz Eacute claro que Dom Pedro II poderia ter usado ediccedilotildees anteriores agraves de

Schuumlltz e Stanley Apesar disso levando-se em conta que a ediccedilatildeo de Shuumlltz era

ldquoreputada como a melhorrdquo (LOPES FILHO 1967 p66) sendo anterior a traduccedilatildeo

Imperial e tendo marcaccedilotildees de corrupccedilatildeo semelhantes eacute possiacutevel que Dom Pedro II

tenha se valido dela para fazer sua traduccedilatildeo em prosa

Ediccedilotildees modernas do original grego como a de Griffith por exemplo natildeo

constumam trazer um levantamento das ediccedilotildees anteriores sobretudo das mais antigas

Pensando nisso devemos reconhecer que as indicaccedilotildees feitas pelo tradutor Napoleatildeo

Lopes Filho foram bastante uacuteteis para termos algum conhecimento acerca das ediccedilotildees

do texto original do Prometeu Acorrentado empreendidas nos seacuteculos XVIII e XIX 34

Ao final de sua bibliografia Lopes Filho ainda escreve

34 A ediccedilatildeo de Thomas Stanley de (1809) Aeschyli tragoediae quae supersunt digitalizada pela

Universidade de Cambrigde em 2010 conteacutem os originais gregos das trageacutedias Prometeu acorrentado e

78

Para a presente traduccedilatildeo tomamos os textos de Paul Mazon ldquoEschylerdquo

Societeacute d‟Edition ldquoLes Belles Lettresrdquo acima citado Bem como o texto

castelhano impresso por Pedro Henrique Urentildea da Editorial Losada SA

Buenos Aires 1941 que se deve a uma traduccedilatildeo direta do grego de autoria de

Fernando Segundo Brieva de Salvatierra (LOPES FILHO 1967 p103)

Embora seja uma traduccedilatildeo em prosa a versatildeo de Napoleatildeo Lopes Filho natildeo

recorre geralmente agrave paraacutefrase Ele opta tambeacutem pelos nomes gregos das divindades em

vez dos advindos da tradiccedilatildeo latina Em sua traduccedilatildeo Lopes Filho distingue as partes

cantadas do coro das partes faladas escrevendo-as em itaacutelico Embora natildeo declare

abertamente parece ser possiacutevel que Napoleatildeo Lopes Filho conhecesse a liacutengua grega

pois se observa certa literalidade em sua traduccedilatildeo

Agrave guisa de exemplo veja-se o seguinte trecho de sua traduccedilatildeo

Hermes

Essas satildeo palavras e razotildees que soacute eacute possiacutevel ouvir de mentecaptos Que

coisa falta agrave tua demecircncia Porventura fosses melhor tratado se acalmariam

os teus furores Ao menos voacutes que vos condoeis de suas miseacuterias afastai-

vos deste lugar imediatamente O horrendo rugir do trovatildeo vos deixaria

atocircnitas

Coro

Dize-me e aconselha-me qualquer outra coisa e seraacutes obedecido mas as

palavras que pronunciastes natildeo as posso tolerar Como Mandas que renda

culto agrave covardia Nos males que haacute de padecer quero tomar parte com ele

pois aprendi a odiar aos traidores e natildeo haacute vileza que mais me repugne do

que essa

18 Maacuterio da Gama Kury

Segundo Adriane da Silva Duarte (2016 pp52-3)

Maacuterio da Gama Kury (1922 Sena MadureiraAC) eacute um dos mais produtivos

tradutores do grego antigo [] Advogado trabalhou por 30 anos na Vale

enquanto em paralelo estudava grego por conta proacutepria e dava iniacutecio agraves

primeiras traduccedilotildees Com a aposentadoria em 1976 dedicou-se

integralmente agrave atividade vertendo todo o teatro grego trageacutedias e comeacutedias

[] e o principal da historiografia as obras monumentais de Heroacutedoto

suplicantes com traduccedilatildeo e notas em latim do proacuteprio Stanley reunidos pelo erudito do seacuteculo XIX

Samuel Butler (1774-1839) O fac-siacutemile digitalizado da ediccedilatildeo de Christian Gottfried Schuumlltz Aeschyli

tragoediae quae supersunt ac deperditarum fragmenta tambeacutem de 1809 entre tantos e-books vendidos

no aplicativo Play Livros eacute disponibilizado gratuitamente aos seus usuaacuterios como uma espeacutecie de

ldquobrinderdquo

79

Tuciacutedides e Poliacutebio aleacutem de Aristoacuteteles e Dioacutegenes Laeacutecio editadas pela

UNB

Quando se estudam as traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado eacute faacutecil

notar que os tradutores natildeo costumam falar do seu modus operandi talvez encorajados

por seus editores a natildeo revelar o segredo do prodigioso ofiacutecio de verter um texto

estrangeiro reescrevendo-o em liacutengua portuguesa como o faria seu proacuteprio autor se

tivesse domiacutenio de nossa liacutengua mas sem deixar de ser estrangeiro

Verter um poema do grego por exemplo ou de qualquer outro idioma eacute

teoricamente pelo menos reescrevecirc-lo em portuguecircs como o faria seu proacuteprio

autor se tivesse domiacutenio operativo de nossa liacutengua mas sem no entanto

deixar de ser grego (PAES 1990 p93)

Maacuterio da Gama Kury por sua vez escreve algumas linhas revelando-nos algo

sobre sua praacutetica tradutoacuteria

Embora evitando uma linguagem empolada procuramos manter em

portuguecircs a grandiosidade tambeacutem verbal que a proacutepria peccedila tem no original

decorrecircncia loacutegica da condiccedilatildeo divina dos personagens

Para nossa traduccedilatildeo servimo-nos principalmente do texto editado por Gilbert

Murray (KURY 1993 p12)

Quando o tradutor explicita alguns de seus criteacuterios como fez Kury o criacutetico

literaacuterio pode se valer deles para apreciar e julgar a traduccedilatildeo E de fato Mario da Gama

Kury procura evitar a ldquolinguagem empoladardquo sem deixar sua traduccedilatildeo coloquial

demais Veja-se por exemplo a traduccedilatildeo da uacuteltima fala de Prometeu

Mas eis os fatos natildeo simples palavras

a terra treme e tambeacutem repercute

em seus abismos a voz do trovatildeo

em sinuosidades abrasadas

jaacute resplandece o raio um ciclone

volteia e forma turbilhotildees de poacute

os sopros do ar luacutecido se lanccedilam

uns contra os outros e se digladiam

os ventos jaacute estatildeo em plena guerra

o ceacuteu jaacute se confunde com o mar

Eis a rajada que para espantar-me

vem decididamente contra mim

mandada por Zeus todo-poderoso

Ah Minha majestosa matildee e o Eacuteter

Que faz girar ao redor deste mundo

a luz oferecida a todos noacutes

Vedes a iniquumlidade que me atinge

80

Eacutesquilo escreveu a fala citada de Prometeu em 14 versos Gama Kury a verteu

em 17 Nota-se portanto que Maacuterio da Gama Kury natildeo tende agrave literalidade

No trecho supracitado vale a pena destacar o belo verso ldquoos ventos jaacute estatildeo em

plena guerrardquo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒) trata-se de um decassiacutelabo em pentacircmetro iacircmbico um

tipo de meacutetrica que une as caracteriacutesticas de um verso heroacuteico (marcaccedilatildeo nas sexta e

deacutecima siacutelabas) e as de um saacutefico (marcaccedilatildeo na quarta oitava e deacutecima siacutelabas)

Tambeacutem nota-se um ordenamento interessante na posiccedilatildeo das siacutelabas tocircnicas nesses

outros dois versos ldquoa terra treme e tambeacutem repercute em seus abismos a voz do

trovatildeordquo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

A grande quantidade de traduccedilotildees feitas por Maacuterio da Gama Kury denota o

imenso apreccedilo que ele devota agrave cultura e agrave literatura gregas Natildeo se conformando em

usufruir sozinho das qualidades dos textos claacutessicos Kury esforccedilou-se diligentemente

para despertar interesse semelhante em outros leitores Sua importacircncia para a histoacuteria

da traduccedilatildeo no Brasil eacute grande O nuacutemero de reediccedilotildees de sua traduccedilatildeo do Prometeu

Acorrentado (1993 1998 1999 2004 2009) soacute eacute inferior ao de JB de Mello e Souza

19 Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves

Por ser uma traduccedilatildeo com um nuacutemero escasso de exemplares encontrados e

ainda levando-se em conta que a encontramos apenas na universidade que a publicou

originalmente (Araraquara Universidade Estadual Paulista ndash Instituto de Letras

Ciecircncias Sociais e Educaccedilatildeo 1977) eacute de se supor que a traduccedilatildeo feita por Daisi

Malhadas e Maria Helena de Moura Neves era destinada principalmente aos alunos de

grego em Araraquara Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves satildeo professoras

aposentadas da Unesp embora Moura Neves ainda esteja em plena atividade aos 88

anos de idade (no tempo que a presente seccedilatildeo foi redigida) lecionando como voluntaacuteria

no Programa de Poacutes-graduccedilatildeo da Unesp aleacutem de trabalhar na Universidade

Presbiteriana Mackenzie Maria Helena de Moura Neves foi aluna de Daisi Malhadas

Embora o livro traga uma interessante introduccedilatildeo e uacuteteis notas de rodapeacute natildeo se

encontra nele a explicitaccedilatildeo dos princiacutepios que nortearam o trabalho de traduccedilatildeo e nem

a indicaccedilatildeo de quais trechos Malhadas traduziu ou Moura Neves Aleacutem das duas

autoras o livro apresenta como colaboradores Aldo Bellagamba Colesanti Leila Curi

Rodrigues Olivi Maria Nazareth Guimaratildees Cardoso e Marisa Giannecchini Gonccedilalves

81

de Souza Tambeacutem natildeo eacute informado como cada uma dessas pessoas contribui no

trabalho

Diante desses dados parece que as autoras natildeo deram tanta ecircnfase ao aspecto

autoral da traduccedilatildeo em questatildeo e a dicccedilatildeo de cada uma delas natildeo eacute facilmente

perceptiacutevel ao longo do texto

No artigo ldquoO Espetaacuteculo na Trageacutediardquo (1993) Daisi Malhadas apresenta a

traduccedilatildeo de um trecho da uacuteltima fala de Prometeu (p56) Esse trecho eacute idecircntico agrave

mesma passagem encontrada na traduccedilatildeo de 1977 ainda que natildeo faccedila referecircncia direta agrave

obra no corpo do texto e nem nas ldquoReferecircnciasrdquo Seraacute que a passagem foi traduzida

especificamente por Malhadas em 1977 Natildeo se sabe Veja-se a seguir o trecho

mencionado

Eis que com fatos natildeo mais com palavras

a terra eacute sacudida

a voz subterracircnea do trovatildeo em torno

ruge os ziguezagues do relacircmpago

brilham em chamas um turbilhatildeo remoinha

a poeira lanccedilam-se os sopros

dos ventos todos uns contra os outros

a guerra de lufadas contraacuterias estaacute declarada

confunde-se o ceacuteu com o mar

Eis que contra mim uma rajada por vontade de Zeus

para amedrontar avanccedila sob a vista de todos

No trecho destacado percebe-se que o nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas varia para

cada verso Tal decisatildeo natildeo parece ter sido tomada visando realccedilar um determinado

efeito poeacutetico mas sim para se permitir a transmissatildeo do sentido sem a restriccedilatildeo que o

nuacutemero fixo de siacutelabas poeacuteticas poderia ocasionar Tem-se a impressatildeo de que uma

correspondecircncia numeacuterica dos termos com o original natildeo eacute procurada a todo custo e

por isso natildeo proliferam os neologismos no trecho citado Desta forma o portuguecircs natildeo

eacute por assim dizer forccedilado a se tornar mais ldquohelenizadordquo Em contrapartida percebe-se

que em certos trechos uma proximidade numeacuterica e sonora dos termos com o texto de

partida parece ser mais perseguida Natildeo nos esqueccedilamos que a traduccedilatildeo foi feita por

pelo menos duas tradutoras e tais diferenccedilas embora sejam sutis talvez sejam como

que digitais de cada uma delas No seguinte trecho por exemplo percebe-se uma

82

correspondecircncia maior com o original no que se refere ao som e ao nuacutemero das palavras

em cada verso

Quadro III Anaacutelise comparativa entre original e traduccedilatildeo

Do verso 3 ao 6 a posiccedilatildeo dos termos eacute praticamente idecircntica ao original Veja-

se por exemplo a posiccedilatildeo de Ἥθαηζηε e ldquoHefestordquo ζνὶ e ldquoa tirdquo ρξὴ κέιεηλ e

ldquocompete cumprirrdquo ἐπηζηνιὰο e ldquoordensrdquo no terceiro verso Se no primeiro verso natildeo

haacute uma correspondecircncia indecircntica na posiccedilatildeo dos termos por outro lado uma

interessante semelhanccedila sonora eacute alcanccedilada Χζνλὸο (ldquosolordquo) por exemplo eacute a primeira

palavra do primeiro verso mas sua traduccedilatildeo ldquosolordquo eacute a quarta palavra na versatildeo

brasileira Apesar disso a consonte velar ldquoqrdquo de ldquoaquirdquo (primeira palavra na traduccedilatildeo)

encontra certa ressonacircncia com a tambeacutem consoante velar ldquoΧrdquo de Χζνλὸο (primeira

palavra do original) Veja-se tambeacutem a correspondecircncia sonora entre κὲν ἐς τελουξὸλ

e ldquoestamos em solordquo

A traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado natildeo foi o uacutenico projeto no qual Daisi

Malhadas e Maria Helena de Moura Neves trabalharam juntas Pode-se destacar

tambeacutem o primeiro Dicionaacuterio de Grego Claacutessico-Portuguecircs feito por helenistas

brasileiros organizado por Malhadas Moura Neves e Maria Celeste Consolin Dezotti

(publicado pela editora Ateliecirc Editorial) Ao ser perguntada pela Folha de Satildeo Paulo se

o conhecimento do grego eacute imprescindiacutevel para estudar filosofia ou literatura Daisi

Malhadas respondeu

Perguntam-me para que estudar o grego desde que comecei a estudaacute-lo Eu

procurava justificativas como ser uma das origens da liacutengua portuguesa da

filosofia uma literatura da qual se originam gecircneros atuais Atualmente digo

que o grego natildeo eacute produto de supermercado Natildeo vou procurar uma foacutermula

para que serve O grego tem a beleza da arte eacute importante em si35

35 ldquoPara ler Platatildeo no originalrdquo Folha de Satildeo Paulo caderno MAIS ediccedilatildeo de 25 de fevereiro de 2007

1Χζνλὸο κὲλ ἐο ηεινπξὸλ ἥθνκελ πέδνλ

2Σθύζελ ἐο νἷκνλ ἄβαηνλ εἰο ἐξεκίαλ

3Ἥθαηζηε ζνὶ δὲ ρξὴ κέιεηλ ἐπηζηνιὰο

4ἅο ζνη παηὴξ ἐθεῖην ηόλδε πξὸο πέηξαηο

5ὑςεινθξήκλνηο ηὸλ ιεσξγὸλ ὀρκάζαη

6ἀδακαληίλσλ δεζκῶλ ἐλ ἀξξήθηνηο πέδαηο

1Aqui estamos em solo de longiacutenqua terra

2o paiacutes cita um deserto sem vivalma

3Hefesto a ti compete cumprir as ordens

4que teu pai ditou sobre penedos

5de alcantis agrestes este celerado prender

6em infrangiacuteveis elos de grilhotildees de accedilo

83

110 O Tradutor Anocircnimo

Em nossa busca por traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado

encontramos um livro com traduccedilotildees de trecircs trageacutedias gregas e uma comeacutedia a saber

Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo Antiacutegona de Soacutefocles Medeacuteia de Euriacutepedes e As

vespas de Aristoacutefanes O livro natildeo traz nenhuma indicaccedilatildeo de quem teria sido o tradutor

ou tradutores dessas obras gregas O Tiacutetulo do livro eacute Teatro Grego Os grandes

claacutessicos Foi publicado no Rio de Janeiro no ano de 1980 Na contracapa do livro estaacute

escrito ldquoEsta ediccedilatildeo eacute reservada ao ciacuterculo de amigos de OTTO PIERRE EDITORES

LTDArdquo

Eacute difiacutecil assegurar se a mencionada ediccedilatildeo de 1980 eacute uma copilaccedilatildeo de traduccedilotildees

brasileiras anteriormente publicadas ou natildeo Antes da traduccedilatildeo do Prometeu

Acorrentado empreendida pelo Tradutor Anocircnimo foram publicadas as traduccedilotildees de

Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves (1977) de Maacuterio da Gama Kury

(1968) de Napoleatildeo Lopes Filho (1967) de Jaime Bruna (1964) JB de Mello e Souza

(1950) de Ramiz Galvatildeo (1909) e as versotildees do Baratildeo de Paranapiacaba (1907) A

traduccedilatildeo de Dom Pedro II nunca foi publicada e por isso dificilmente poderia ser

plagiada Entre todas essas traduccedilotildees a de JB de Mello e Souza eacute a que possuiu o

maior nuacutemero de reediccedilotildees (pelo menos quatro antes de 1980) Mesmo assim a uacuteltima

fala de Prometeu foi traduzida de forma muito resumida na versatildeo de Mello e Souza

Caso a traduccedilatildeo de 1980 do Tradutor Anocircnimo fosse um plaacutegio da traduccedilatildeo de JB de

Mello e Souza provavelmente existiriam rastros do plaacutegio nessa uacuteltima fala Mas natildeo eacute

isso o que acontece como se pode averiguar a seguir

Prometeu

Com efeito natildeo foi uma ameaccedila apenas a terra potildee-se a tremerO soturno

ronco jaacute se faz ouvir Turbilhotildees de poeira se erguemtodos os furacotildees

desencadeados parece que estatildeo contra mim Contra mim eacute que Jupiter

desfecha tatildeo horrendo cataclismo Oacute minha algusta matildee oacute tu divino eacuteter que

cercais o universo de luz eternavede que injustos tormentos me fazem

sofrer (JB de Mello e Souza)

Prometeu

Agraves palavras seguiram-se os atos A Terra vacila e o trovatildeo ruge surdamente

nas suas profundidades em ziguezagues inflamados estalam os raios no ar e

o furioso ceacuteu levanta o poacute em torvelinhos Os ventos precipitam-se uns contra

os outros abriu-se entre eles a contenda e o ar e o mar confundem-se Eis a

forccedila desencadeada lanccedilada com certeza contra mim pela matildeo de Zeus para

infundir-me medo Oh Majestade de minha matildee Oacute eacuteter que fazes girar ao

84

redor do mundo a luz que nos alumia a todos contemplem as iniquidades

que tenho de padecer (O Tradutor Anocircnimo)

Mas outras trecircs traduccedilotildees vertem a mesma fala de Prometeu de forma

semelhante agrave do Tradutor Anocircnimo em alguns aspectos Uma eacute anterior e a outra eacute

posterior agrave traduccedilatildeo publicada pela OTTO PIERRE EDITORES LTDA

Oacute eacuteter que fazes girar ao redor do mundo a luz que nos alumia a todos

contemplem as iniquidades que tenho de padecer (O Tradutor Anocircnimo

1980)

[] e o Eacuteter que faz girar ao redor deste mundo a luz oferecida a todos

noacutes Vedes a iniquidade que me atinge (Maacuterio da Gama Kury 1968)

Eacuteter que fazes rodar ao redor do mundo a luz comum a todos vede o

tratamento ultrajante que me afligem (Alberto Guzik 1982)

Veja-se agora o texto original (vv1091-3)

[] ὦ πάλησλ

αἰζὴξ θνηλὸλ θάνο εἱιίζζσλ

ἐζνξᾷο κ᾽ ὡο ἔθδηθα πάζρσ36

A traduccedilatildeo literal da passagem supracitada seria algo como ldquoOacute Eacuteter que volves

a luz comum de todos Vecircs quatildeo injustamente sofrordquo37

Portanto natildeo existe a palavra

ldquomundordquo no original grego embora tal palavra possa ser subentendida a partir da

expressatildeo ldquoao redor derdquo (εἱιίζζσλ) e isso eacute feito nas trecircs traduccedilotildees brasileiras

anteriormente citadas Nos trechos supracitados pode-se notar ainda que o comeccedilo da

fala de Prometeu na traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury parece ser diferente das outras

duas

ldquoMas eis os fatos natildeo simples palavrasrdquo (Maacuterio da Gama Kury)

ldquoAgraves palavras seguiram-se os atosrdquo (O Tradutor Anocircnimo)

ldquoOs atos se seguem agraves palavrasrdquo (Alberto Guzik)

36 Passagem transcrita igualmente nas ediccedilotildees de Staley (1809) Shuumlltz (1809) Paul Mazon (1953) e

Mark Griffith (1997) 37

Traduccedilatildeo literal de Dom Pedro II com exceccedilatildeo da palavra ldquoEacuteterrdquo vertida por ldquoarrdquo pelo Imperador

85

O texto original correspondente a esse trecho eacute o seguinte (v 1080)

θαὶ κὴλ ἔξγῳ θνὐθέηη κύζῳ A traduccedilatildeo literal desse verso seria algo como ldquoE de fato

e natildeo mais por palavrardquo38

Portanto natildeo haacute o verbo ldquoseguirrdquo no original grego

Seria difiacutecil o Tradutor Anocircnimo plagiar em 1980 uma traduccedilatildeo que ainda natildeo

havia sido publicada ou seja a de Alberto Guzik de 1982 (a natildeo ser que os dois autores

fossem conhecidos e tivessem acesso muacutetuo aos originais ainda natildeo publicados o que

parece ser improvaacutevel ou ainda que se tratasse do mesmo autor isto eacute o proacuteprio

Alberto Guzik algo que nos parece inverossiacutemil) Por outro lado natildeo acreditamos que

Guzik tenha plagiado a traduccedilatildeo do Tradutor Anocircnimo A traduccedilatildeo deste natildeo foi

publicada em larga escala mas reservada a um ldquociacuterculo de amigos de OTTO PIERRE

EDITORES LTDArdquo natildeo era um livro que circulava em profusatildeo Por isso supomos

que elas tenham uma influecircncia comum aleacutem do texto original grego talvez uma

traduccedilatildeo estrangeira do Prometeu Acorrentado

Conta-se que em meio ao panteatildeo grego os atenienses contruiacuteram um altar com

a seguinte inscriccedilatildeo ldquoAo deus desconhecidordquo (agnoacutestoi theocirci) No caso presente o

exemplo ateniense nos inspira a natildeo privar o Tradutor Desconhecido de um lugar no rol

das versotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado em nosso trabalho

111 Alberto Guzik

Segundo a Enciclopeacutedia Itauacute Cultural Alberto Guzik (1944 - 2010) foi um autor

e ator de peccedilas teatrais Envolveu-se com a atividade teatral desde os 5 anos

quando ingressou no Teatro Escola Satildeo Paulo grupo orientado por Tatiana Belinky e

Juacutelio Gouvecirca participando do elenco de Peter Pan em 1949 Formou-se em direito pela

Mackenzie mas nunca exerceu a profissatildeo Tambeacutem cursou a Escola de Arte

Dramaacutetica (EAD) que concluiu em 1966 Alberto Guzik foi criacutetico de teatro da Isto Eacute

de 1978 a 1981 Desde 1984 coolaborou com o Caderno 2 de O Estado de S Paulo

Mestre em teatro pela Escola de Comunicaccedilotildees e Artes da Universidade de Satildeo Paulo

ECAUSP defendeu em 1982 a dissertaccedilatildeo TBC Crocircnica de Um Sonho Em 1995

Alberto publica o romance Um Risco de Vida indicado ao Precircmio Jabuti Como

dramaturgo estreacuteia com a peccedila Um Deus Cruel em 1997

Alberto Guzik fez parte de uma equipe de tradutores sob a direccedilatildeo de J

Guinsburg na qual contribuiu com a traduccedilatildeo dos livros A trageacutedia Grega de Albin

38

Traduccedilatildeo de Dom Pedro II

86

Lesky (1971) Fim do povo judeu de Georges Friedmann (1969) e Rei de Carne e

Osso de Moscheacute Schamir (1971)

Natildeo existem referecircncias claras se Alberto traduziu o Prometeu Acorrentado a

partir do original grego e tambeacutem em nenhuma das biografias encontradas foi

mencionado que ele estudara essa liacutengua Enviamos uma mensagem para seu blog

visando encontrar alguma pista a esse respeito Aimar Labaki depois de consultar a

dramaturga Maria Adelaide do Amaral respondeu-nos que provavelmente Alberto

fizera sua traduccedilatildeo do inglecircs ou do francecircs Isso daria forccedila agrave hipoacutetese apresentada na

seccedilatildeo anterior de que O Tradutor Desconhecido e Alberto Guzik teriam consultado a

mesma traduccedilatildeo estrangeira do Prometeu para fazerem suas respectivas traduccedilotildees em

portuguecircs

Existem vaacuterias indicaccedilotildees de cena ao longo de sua traduccedilatildeo o que nos faz

pensar que Guzik vislumbrava a possibilidade de sua traduccedilatildeo ser encenada Sua prosa eacute

fluente conseguindo expressar bem a tenacidade de Prometeu ldquoFaccedilas o que fizeres natildeo

conseguiraacutes fazer perecer o deus que eu sourdquo Outras vezes vale-se da ambiguidade dos

termos para potencializar a dramaticidade ldquoEle deus desejou unir a esta mortal e fez

dela a vagabunda que podes verrdquo

Guzik tambeacutem faz um uso bastante peculiar das interjeiccedilotildees

Io

Aaah As convulccedilotildees voltam a se apoderar de mim e o deliacuterio que transporta

minha alma queima e inflama

[]

Hermes

Pareces natildeo querer dizer nada do que deseja meu pai

Prometeu

Ooh Mas claro Vista minha diacutevida para com ele eu deveria lhe pagar com

meu reconhecimento natildeo eacute mesmo

Sendo um homem do teatro Guzik se dispocircs a traduzir uma obra daquele que

fora considerado o ldquopai da trageacutediardquo Talvez ao traduzi-la esse importante dramaturgo

brasileiro refletiu mais atentamente sobre a origem do gecircnero de arte a que tanto se

dedicou o drama

87

112 Jaa Torrano

Em marccedilo de 1971 Joseacute Antonio Alves Torrano (Jaa Torrano) chegara a Satildeo

Paulo para iniciar seus estudos de Liacutengua e Literatura Grega na Universidade de Satildeo

Paulo

Eu estava desempregado e incerto a respeito de que fazer e de como me

manter sozinho longe de minha famiacutelia na imensa erma e solitaacuteria cidade de

Satildeo Paulo [] Quando ainda morava em Catanduva fiz uma esforccedilada e

malsucedida tentativa de estudar grego claacutessico sozinho com os livros

tomados agraves bibliotecas do coleacutegio e da prefeitura (TORRANO 2006 p4)

O ProfAntonio da Silveira Mendonccedila professor de latim aposentado da USP

guarda algumas lembranccedilas daquele jovem aluno da USP

Como a maioria de noacutes Torrano chegou agrave USP de bolsos vazios Teve que

trabalhar enquanto estudava Se eu natildeo me engano ele trabalhou em uma

reparticcedilatildeo do Estado Mesmo assim ele natildeo se descurava dos estudos Era

extremamente esforccedilado Tambeacutem me lembro que o Torrano tinha um

profundo respeito e admiraccedilatildeo pelo seu professor de Grego O nome desse

professor era Cavalcante

Sobre o professor Cavalcante Jaa Torrano escreve em seu Memorial

No segundo semestre de 1971 convidado por uma colega mais experiente

fui assistir como ouvinte as aulas do curso sobre os filoacutesofos preacute-socraacuteticos

ministrado pelo Prof Dr Joseacute Cavalcante de Souza no Dept de Filosofia A

colega mais experiente me disse ldquoObserva como os olhos dele brilham

quando ele explica as palavras dos versos ou dos fragmentosrdquo Era verdade

Tambeacutem fiquei encantado com as aulas do Prof Cavalcante decorei os

versos de Parmecircnides e os fragmentos de Heraacuteclito recitava-os repetidas

vezes em silecircncio ou em voz alta lia e refletia sobre os enigmas da liacutengua e

do pensamento gregos assinalados pelo professor e desafiados em suas aulas

A meu ver na figura algo socraacutetica do Prof Cavalcante tanto durante suas

aulas quanto fora delas brilhava a magnificecircncia do simples (TORRANO

2006 p5)

A concepccedilatildeo que o Prof Cavalcante tinha sobre traduccedilatildeo teve um grande

impacto sobre a poeacutetica tradutoacuteria de seu aluno

A traduccedilatildeo para o professor Cavalcante estava a serviccedilo da hermenecircutica de

documentos literaacuterios e portanto o acircmbito da traduccedilatildeo eacute o da

interdisciplinaridade entre Histoacuteria Filosofia e Poesia (TORRANO apud

MALTA 2015 p186)

Para Torrano essa busca hermenecircutica de um entendimento mais acurado do

texto antigo por meio da traduccedilatildeo encontrou um eco expressivo nos famosos

ldquoparaacutegrafos metodoloacutegicosrdquo de Tuciacutedides (Histoacuteria da Guerra do Peloponeso 120-22)

Nesses paraacutegrafos o famoso historiador grego utiliza a palavra ldquoacribiardquo (rigor

88

exatidatildeo) afirmando que em seu trabalho a busca pela exatidatildeo no relato dos fatos

prevaleceria sobre o agrado que pudesse despertar em seus leitores Da mesma forma

parece que a preocupaccedilatildeo maior no trabalho tradutoacuterio de Torrano eacute a busca pela

exatidatildeo dos termos originais Isso eacute peceptiacutevel por exemplo no proacuteprio tiacutetulo de sua

traduccedilatildeo de 2009 Prometeu Cadeeiro como ele mesmo explica

O nome ldquodesmoacutetesrdquo eacute formado do mesmo tema de desmaacute e do sufixo de

nome de agente -tes Com esses elementos o sentido originaacuterio desse nome

eacute ldquoo encadeadorrdquo e aponta a competecircncia teacutecnica que faz de Prometeu um

Deus congecircnere (syggeneacutes cf Pr 14 e 39) de Hefesto a saber a arte

metaluacutergica com que se fabricam cadeias e todos os meios de encadear e de

prender Desmoacutetes portanto significa ldquoo senhor das cadeiasrdquo [] Ao dar

tiacutetulo a esta trageacutedia cujo tema central eacute a privaccedilatildeo de poderes e a

passividade em que se vecirc encadeado e imobilizado o Titatilde ao ser excluiacutedo de

toda participaccedilatildeo em Zeus o nome Desmoacutetes sofre uma mutaccedilatildeo de sentido

e adquire o sentido passivo que figura nos tiacutetulos das traduccedilotildees tradicionais

ldquoPrometeu encadeadordquo ou ldquoacorrentadordquo ou ldquoagrilhoadordquo etc Para indicar

essa mutaccedilatildeo e ambiguidade do tiacutetulo eacute necessaacuterio um nome de fabricante de

cadeias que tenha essa duplicidade de sentido ativo e passivo Em dois textos

diversos numa paacutegina de Memoacuterias do Caacutercere de Graciliano Ramos e no

verbete do Grande e Noviacutessimo Dicionaacuterio de Liacutengua Portuguesa de

Laudelino Freire pode-se verificar que a palavra ldquocadeeirordquo tem essa

duplicidade de sentido (TORRANO 2009 pp 327-8)

Essa busca por exatidatildeo (ldquoacribiardquo) natildeo tem sido um caminho faacutecil para Torrano

como ele mesmo afirma em entrevista dada a Andreacute Malta

[] mas este ideal estiliacutestico de precisatildeo concisatildeo e simplicidade ainda me

parece ora uma perene aspiraccedilatildeo ora a miragem de uma perene aspiraccedilatildeo

Sob esse aspecto o pior foi a traduccedilatildeo de Prometeu Prisioneiro publicada

em 1985 pelo seguinte motivo aleacutem de todas as exigecircncias impostas pelos

ideais estiliacutesticos de precisatildeo clareza e acribia poeacutetica havia uma

inacreditaacutevel exigecircncia extraordinaacuteria de manter no ponto de chegada

vernaacuteculo ndash tanto quanto possiacutevel ndash a mesma ordem das palavras que do

ponto de partida helecircnico Natildeo atribuo esse disparate ao meu professor mas a

uma brincadeira de Hermes com a minha admiraccedilatildeo amizade e estima por

meu professor quando percebi a piscada de Hermes refiz a traduccedilatildeo a que

dei o novo tiacutetulo Prometeu Cadeeiro (MALTA 2015 p187)

Veja-se a seguir algumas comparaccedilotildees entre as duas traduccedilotildees

ὦ δῖνο αἰζὴξ καὶ ηαρύπηεξνη πλναί

πνηακῶλ τε πεγαί πνληίσλ τε θπκάησλ

ἀλήξηζκνλ γέιαζκα πακκῆηόξ τε γῆ

θαὶ ηὸλ παλόπηελ θύθινλ ἡιίνπ θαιῶ

ἴδεζζέ κ᾽ νἷα πξὸο ζεῶλ πάζρσ ζεόο (vv89-92 grifo nosso)

89

Oacute divino Aitheacuter velozes alados ventos

fontes de rios das marinas ondas

inuacutemero riso omnimatildee Terra

e o omnividente ciacuterculo do Sol invoco

Vede-me o que dos Deuses padeccedilo Deus

(Prometeu Prisioneiro 1985)

Oacute divino Fulgor e velozes alados ventos

e fontes de rios e inuacutemero brilho

de ondas marinhas e Terra matildee de todos

e invoco o onividente ciacuterculo do sol

Vede-me que dos Deuses padeccedilo Deus

(Prometeu Cadeeiro 2009 grifo nosso)

Na traduccedilatildeo de 2009 nota-se que Torrano procura reproduzir a sequecircncia de

conjuccedilotildees presentes no original grego (θαὶηεηεηε) Ele natildeo fizera isso em sua

traduccedilatildeo de 1985 Esse recurso daacute um tom mais declamatoacuterio e meloacutedico agrave traduccedilatildeo de

2009 como se ela tivesse sido pensada natildeo soacute para ser lida em silecircncio Como visto

Torrano contara que em seu tempo de estudante decorava versos de Parmecircnides e

fragmentos de Heraacuteclito os quais recitava ldquorepetidas vezes em silecircncio ou em voz altardquo

Diante disso natildeo nos parece improvaacutevel que Torrano faccedila o mesmo com suas

traduccedilotildees Embora a versatildeo de 2009 natildeo possua um nuacutemero fixo de siacutelabas poeacuteticas

para todos os versos eacute possiacutevel perceber certo cuidado por parte de Torrano em relaccedilatildeo

agrave sonoridade de seu texto E de fato para M Said Ali

Ritmo eacute o que nos impressiona quer a vista quer o ouvido pela sua repeticcedilatildeo

frequente com intervalos regulares Condiccedilatildeo essencial deste conceito eacute que

os nossos sentidos possam perceber com facilidade a reiteraccedilatildeo [] Os olhos

notam ritmo no andamento do pecircndulo na marcha de um batalhatildeo e natildeo o

percebem na carreira veloz nem no rastejar [] Produzem no ouvido a

sensaccedilatildeo do ritmo reiteraccedilotildees superiores a 30 por minuto e inferiores a 140

(ALI 2006 p29-30)

Embora o perfil de tradutor de Torrano natildeo nos permita imaginar que ele fique

tamborilando na mesa contanto siacutelabas poeacuteticas enquanto escreve suas traduccedilotildees jaacute

tivemos por outro lado a ventura de ouvi-lo lendo alguns trechos de suas traduccedilotildees das

trageacutedias de Euriacutepides A impressatildeo que tivemos eacute que haacute certa regularidade no ritmo de

seus versos durante a leitura Veja-se por exemplo como os hendecassiacutelabos

prevalecem em sua dicccedilatildeo no trecho a seguir

90

1Oacute divino Fulgor e velozes alados ventos (14 siacutelabas poeacuteticas)

2e fontes de rios e inuacutemero brilho (Hendecassiacutelabo)

3de ondas marinhas e Terra matildee de todos (Hendecassiacutelabo)

4e invoco o onividente ciacuterculo do Sol (Dodecassiacutelabo)

5Vede-me que dos Deuses padeccedilo Deus (Hendecassiacutelabo)

(Prometeu Cadeeiro 2009)

Percebe-se um nuacutemero maior de neologismos em Prometeu Prisioneiro (1985)

em comparaccedilatildeo com Prometeu Cadeeiro (2009) ldquorectivolenterdquo ldquomarimuacutermeresrdquo

ldquoaltiacutengremesrdquo ldquoomnimatildeerdquo ldquolargiacutefluosrdquo Mas existem elementos no trabalho de

Torrano que natildeo mudam com o passar dos anos Satildeo como marcas que em conjunto

possibilitam distinguir suas traduccedilotildees das outras mesmo que natildeo estivessem assinadas

Uma delas eacute o fato de que Torrano natildeo traduz ndash talvez movido pelo seu princiacutepio de

ldquoacribiardquo ndash nenhuma das interjeiccedilotildees gregas

A liacutengua grega possui uma grande variedade de interjeiccedilotildees quase sempre

traduzidas simplesmente por ldquoAirdquo Torrano por sua vez apenas lhes translitera Sobre

esse ponto ele escreveu em nota para sua traduccedilatildeo da Medeia de Euriacutepides (1991)

Gritos de dor de alegria ou de espanto natildeo se traduzem Mantivemos as

interjeiccedilotildees tatildeo peculiares agrave trageacutedia tais e quais apenas transliterando-as

por supormos que o sentido geral do contexto e da situaccedilatildeo baste para

libertar-hes toda a carga emotiva e valor afetivo (TORRANO 1991 p25)

Outra caracteriacutestica notaacutevel e sempre utilizada por Torrano em suas traduccedilotildees

de trageacutedia grega eacute escrever as palavras ldquodeusrdquo e ldquodeusesrdquo ldquodeusardquo e ldquodeusasrdquo com a

inicial em letra maiuacutescula Dentre todas as versotildees brasileiras do Prometeu

Acorrentado somente o Baratildeo de Paranapiacaba e Torrano fazem isso Se olharmos

aleacutem das traduccedilotildees do Prometeu Haroldo de Campos tambeacutem empregou tal recurso em

sua traduccedilatildeo da Iliacuteada Veja-se a seguir

A ira Deusa celebra do peleio Aquiles

o irado desvario que aos Aqueus tantas penas

trouxe e incontaacuteveis almas arrojou no Hades

de valentes de heroacuteis espoacutelio para os catildees

pasto de aves rapaces fez-se a lei de Zeus

desde que por primeiro a discoacuterdia apartou

o Atreide chefe de homens e o divino Aquiles

Que Deus posto entre ambos provocou a rixa

91

Por outro lado veja-se a proposta de Carlos Alberto Nunes para a mesma

passagem

Canta-me a coacutelera ndash oacute deusa ndash funesta do Aquileu Pelida

causa que foi de os aquivos sofrerem trabalhos sem conta

e de baixarem para o Hades as almas de heroacuteis numerosos

e esclarecidos ficando eles proacuteprios aos catildees atirados

e como pasto das aves Cumpriu-se de Zeus o desiacutegno

desde o princiacutepio em que os dois em discoacuterdia ficaram cindidos

o de Atreu filho senhor de guerreiros e Aquileu divino

Qual dentre os deuses eternos foi a causa de que eles brigassem

Por fim aquele jovem que chegou de bolsos vazios na USP atualmente

completou mais de 40 anos como professor de Liacutengua e Literatura Grega na mesma

universidade onde se formou aleacutem de ser um dos mais proliacuteferos tradutores brasileiros

Ele ldquocriou uma forma muito particular de transposiccedilatildeo segundo a qual verter eacute fonte e

fim da atividade de interpretaccedilatildeordquo (MALTA 2015 p185)

113 Trajano Vieira

Segundo a Professora de Liacutengua e Literatura Grega da USP Adriane da Silva

Duarte (2016 p52)

Trajano Vieira tambeacutem fez seus estudos na USP e hoje eacute professor no IEL

[Intituto de Estudos da Linguagem] Unicamp Sua atividade acadecircmica eacute

indissociaacutevel de seu projeto tradutoacuterio Colaborador de Haroldo de Campos

na transcriaccedilatildeo da Iliacuteada de cuja poeacutetica se aproxima verteu a Odisseia (SP

Editora 34 2011) obra que fez juz ao precircmio Jabuti de traduccedilatildeo em 2012

Tem se dedicado agrave traduccedilatildeo do teatro grego sempre procurando soluccedilotildees

poeacuteticas variadas

Devemos reconhecer que o livro Trecircs Trageacutedias Gregas (1997) organizado por

Trajano Vieira (no qual estaacute o ensaio ldquoO Prometeu dos barotildeesrdquo de Haroldo de Campos)

e o texto apresentado por Adriane da Silva Duarte na XVI Jornada de Estudos da

Antiguidade ldquoEm Bom Portuguecircs a traduccedilatildeo dos claacutessicos greco-latinos no Brasilrdquo

(CEIA UFF publicado em 2016) foram os principais catalizadores da presente

pesquisa

Duarte (2016) faz um apanhado geral dos nomes significativos para a histoacuteria da

traduccedilatildeo dos claacutessicos greco-latinos no Brasil Entre essas figuras eacute mencionado o nome

de Dom Pedro II O texto tambeacutem informa que o Imperador solicitara aos barotildees a

92

realizaccedilatildeo de versotildees poeacuteticas a partir de sua traduccedilatildeo em prosa Na eacutepoca em que

lemos o texto em 2016 jaacute conheciacuteamos o papel de Dom Pedro II como patrocinador

das letras e das artes no Segundo Impeacuterio mas natildeo sabiacuteamos que ele proacuteprio se

dedicava agrave praacutetica tradutoacuteria e que tinha traduzido o Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo

Por meio da bibliografia encontrada no texto de Duarte chegamos ao livro Trecircs

Trageacutedias Gregas na esperanccedila de encontrarmos a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II

na iacutentegra Embora natildeo haja nenhuma transcriccedilatildeo ou anaacutelise da traduccedilatildeo em prosa de

Dom Pedro II nessas duas produccedilotildees acadecircmicas seriacuteamos injustos se natildeo

mencionaacutessemos a importacircncia que tiveram o texto de Adriane da Silva Duarte e o livro

organizado por Trajano Vieira despertando-nos o interesse para esse tema Olhando

para traacutes percebemos que sem essas duas produccedilotildees provavelmente a presente

dissertaccedilatildeo natildeo existiria

Em entrevista dada a Pedro Paulo Funari (Programa Diaacutelogo sem Fronteira

2012) Trajano Vieira afirma que a ldquotraduccedilatildeo criativa natildeo se coloca diante do original

de maneira submissa [] O tradutor aceita o desafio de dialogar com o originalrdquo Eacute

interessante essa afirmaccedilatildeo de Vieira A traduccedilatildeo criativa natildeo eacute um monoacutelogo no qual

apenas o autor originial se revela Isso fica evidente no seguinte trecho de sua

ldquotranscriaccedilatildeordquo da trageacutedia Prometeu Acorrentado

Prometeu

Adora adula invoca sempre o rei

Natildeo vale para mim nenhum vinteacutem

Que ele vigore em seu fugaz impeacuterio

No Olimpo seu poder seraacute efecircmero

Jaacute posso ver o leva-e-traz de Zeus

moleque-de-recado do tirano

Creio que traz consigo alguma nova

Embora expressem bem o desprezo que Prometeu estava sentindo por Hermes

no momento da fala as palavras em negrito (ldquovinteacutemrdquo ldquoleva-e-trazrdquo e ldquomoleque-de-

recadordquo) satildeo pouco convencionais em traduccedilotildees dos claacutessicos gregos Trajano em seu

diaacutelogo com o texto original alude a expressotildees proverbiais famosas em portuguecircs

como nesses versos de sua traduccedilatildeo do Aacutejax ldquo Quem te viu infeliz e quem te vecirc

digno de pranto ateacute dos inimigosrdquo ou nesta fala de Menelau ldquoBato na mesma tecla natildeo

o enterresrdquo A voz moderna de Trajano aqui eacute expliacutecita pois evidentemente entre os

gregos antigos natildeo existiam calculadoras maacutequinas de escrever ou piano para se bater

93

ldquona mesma teclardquo Ainda no trecho supracitado do Prometeu eacute possiacutevel notar as

seguintes aliteraccedilotildees e assonacircncias

Adora adula invoca sempre o rei

Natildeo vale para mim nenhum vinteacutem

Nota-se tambeacutem a intencionalidade poeacutetica do tradutor por meio da regularidade

do nuacutemero das siacutelabas poeacuteticas

Adora adula invoca sempre o rei (Decassiacutelabo)

Natildeo vale para mim nenhum vinteacutem (Decassiacutelabo)

Que ele vigore em seu fugaz impeacuterio (Decassiacutelabo)

No Olimpo seu poder seraacute efecircmero (Decassiacutelabo)

Jaacute posso ver o leva-e-traz de Zeus (Decassiacutelabo)

Moleque-de-recado do tirano (Decassiacutelabo)

Creio que traz consigo alguma nova (Decassiacutelabo)

Veja-se outra passagem interessante de sua traduccedilatildeo

Me cansas Natildeo sou onda para entrar

no teu embalo Deixo tudo claro

Zeus natildeo me atemoriza como agrave fecircmea

Natildeo peccedilo que me livre das algemas

como a mulher que estende palmas suacuteplices

Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter

Na traduccedilatildeo literal de Dom Pedro II encontra-se a mesma passagem vertida da

seguinte forma

Debalde me importunas como uma onda convencendo-me Nunca te entre

na cabeccedila que eu aterrado pelo designio de Juacutepiter me tornarei mulheril e

suplicarei com elevaccedilotildees femininas de matildeos ao grandemente odiado que me

solte destas cadeias estou inteiramente longe disto

Cotejando-se a soluccedilatildeo de Trajano Vieira com a versatildeo do Imperador a

proposta ldquotranscriadorardquo de Vieira se torna ainda mais evidente ldquoMe cansas Natildeo sou

onda para entrar no teu embalordquo

Em sentido lato os tradutores brasileiros tecircm optado por escolher ou os nomes

gregos das divindades ou os da tradiccedilatildeo latina Vieira por seu turno opta por utilizar as

duas tradiccedilotildees na passagem citada visando alcanccedilar uma criativa rima soante (rima de

vogais)

Me cansas Natildeo sou onda para entrar

no teu embalo Deixo tudo claro

Zeus natildeo me atemoriza como agrave fecircmea

94

Natildeo peccedilo que me livre das algemas

como a mulher que estende palmas suacuteplices

Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter

Nota-se ainda a confluecircncia de sons encontrada entre as palavras ldquosuacuteplicesrdquo e

ldquoexpliacutecitordquo

como a mulher que estende palmas suacuteplices

Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter

E a rima soante e interna encontrada no segundo verso da passagem citada

Me cansas Natildeo sou onda para entrar

no teu embalo Deixo tudo claro

A sequecircncia de trecircs proparoxiacutetonas intercaladas por duas palavras entre elas

cria um efeito interessante como se Prometeu estivesse ldquocuspindordquo as palavras cheio de

oacutedio

como a mulher que estende palmas suacuteplices

Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter

Vale a pena ainda citar a uacuteltima fala de Prometeu Trajano Veira visando

expressar adequadamente a carga emotiva do Titatilde diante da portentosa fuacuteria de Zeus

opta por um metro mais curto (octossiacutelabo) fazendo com que a fala do titatilde se torne

ainda mais acelerada

Cala a palavra Fala o ato

a terra toda treme rouco

o ronco do trovatildeo ecoa

relacircmpagos acendem tranccedilas

de fogo o remoinho roda

a poeira rajadas irrompem

e encenam uma guerra aeacuteria

Ceacuteu no mar confusatildeo extrema

Eacute Zeus o autor dessa intempeacuterie

Quer abater-me de pavor

Matildee veneraacutevel Eacuteter luz

Moldura moacutevel do universo

Contempla minha pena injusta

Para finalizar a presente seccedilatildeo cita-se a seguir mais um trecho da entrevista jaacute

mencionada de Trajano Vieira

95

De uma forma geral acho que a gente como tradutor deve assumir riscos

Mesmo que o resultado natildeo seja o mais adequado no final Mas o gesto

corajoso me parece ser mais interessante do que uma atitude submissa Eacute pelo

menos assim que eu penso [] Para mim a traduccedilatildeo estaacute ligada agrave satisfaccedilatildeo

Eu jamais conseguiria traduzir um texto sob encomenda ateacute gostaria mas eu

natildeo consigo Soacute consigo traduzir textos que despertem num certo momento

de leitura a minha atenccedilatildeo para algo e a partir dali eu comeccedilo a traduzir

Conclusatildeo

Mauri Furlan afirma que a traduccedilatildeo eacute ldquohistoacuterica e reflete uma concepccedilatildeo

histoacuterica da linguagem e portanto mutaacutevel atraveacutes dos temposrdquo (2015 p247) O

exemplo das versotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado parece confirmar tal

afirmaccedilatildeo Natildeo haacute versotildees idecircnticas nem mesmo entre duas traduccedilotildees empreendidas

pelo mesmo autor como nos casos de Paranapiacaba e Jaa Torrano Tambeacutem os

exemplos citados parecem indicar que devemos ter cuidado em ver as versotildees poeacuteticas

do Baratildeo de Paranapiacaba unicamente como a ldquo traduccedilatildeo de Dom Pedro II em versosrdquo

A leitura da trageacutedia diverge em pontos importantes como por exemplo a questatildeo da

cumplicidade entre Oceano e Prometeu Nas versotildees de Paranapiacaba Oceano eacute

cuacutemplice de Prometeu apenas no sentido de se condoer com a situaccedilatildeo do Titatilde

encadeado mas nas traduccedilotildees de Dom Pedro II e Ramiz Galvatildeo a leitura parece sugerir

que Oceano participara de alguma forma dos planos de Prometeu para socorrer a

humanidade mas saiu ileso Portanto se as versotildees de Paranapiacaba fossem apenas

adaptaccedilotildees da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II elas dificilmente difeririam na

leitura dessa passagem Uma anaacutelise mais detalhada da traduccedilatildeo Imperial e das versotildees

poeacuteticas de Paranapiacaba como a empreendida no proacuteximo capiacutetulo parece tambeacutem

fortalecer essa tese

A traduccedilatildeo de J B de Mello e Souza eacute a que possui o maior nuacutemero de ediccedilotildees

nove no total se contarmos tambeacutem a ediccedilatildeo original (1950 1964 1966 19691970

1998 2001 2002 2005) Ela retoma a tradiccedilatildeo comeccedilada pelos barotildees e Dom Pedro II

depois de quatro deacutecadas sem que o Prometeu fosse novamente traduzido

Contando com as reediccedilotildees as deacutecadas de 60 e a de 90 do seacuteculo passado foram

as que nos deram o maior nuacutemero de publicaccedilotildees do Prometeu Acorrentado sete para

96

cada uma delas39

Coincidecircncia ou natildeo foi justamente na deacutecada de 60 que ocorreu o

golpe militar no Brasil iniciando um periacuteodo de ditadura que soacute terminaria no final da

deacutecada de 80 Isso parece indicar certa tendecircncia pela qual a famosa trageacutedia de Eacutesquilo

foi lida e interpretada40

Dom Pedro II manifestou o desejo de traduzir o Prometeu Acorrentado enquanto

estava envolvido na longa e cruenta Guerra do Paraguai Talvez o choque entre uma

monarquia constitucional e uma ditadura em efetiva expansatildeo tenha suscitado no

Imperador o interesse por essa trageacutedia grega Como se sabe Dom Pedro II era um

inegaacutevel incentivador das letras e das artes e natildeo seria difiacutecil para ele se identificar com

Prometeu que afirma em uma passagem da trageacutedia ldquoEm poucas palavras aprende tudo

de uma vez todas as artes proviram aos mortais de Prometeurdquo (traduccedilatildeo de Dom Pedro

II) No entanto a leitura proposta por Jaa Torrano nos chama atenccedilatildeo para a

possibilidade de que Eacutesquilo natildeo pretendesse encenar uma espeacutecie de manifesto contra a

tirania mas instigar uma interessante e complexa reflexatildeo sobre a soberania de Zeus

39

Deacutecada de 60 J B de Mello e Souza (1964 1966 1969) Jaime Bruna (1964 1968) Napoleatildeo Lopes

Filho (1967) e Maacuterio da Gama Kury (1968) Deacutecada de 90 Maacuterio da Gama Kury (1993 1998 1999)

Trajano Vieira (1997) Jaime Bruna (1996) JB de Mello e Souza (1998) e Ramiz Galvatildeo (1997)

40 Segundo Daisi Malhadas (1988 p105) ldquoCom uma certa regularidade particularmente a partir da

deacutecada de sessenta tem havido no Brasil montagens de peccedilas gregas do seacuteculo V aCrdquo Entre as

encenaccedilotildees modernas ocorridas no periacuteodo pode-se destacar Eacutedipo Rei em 1967 dirigida por Flaacutevio

Rangel com Paulo Autran no papel de Eacutedipo Electra em 1965 direccedilatildeo de Antocircnio Abujanra Prometeu

Acorrentado em 1969 direccedilatildeo de Emiacutelio Di Biasi Em 1975 ldquotivemos uma das mais expressivas criaccedilotildees

inspirada na trageacutedia Medeia de Euriacutepides A Gota d‟aacutegua do dramaturgo e diretor de teatro Paulo Pontes

e de Francisco Buarque de Holanda famoso compositor de muacutesica popular brasileira tratado mais

comumente pelo cognome de Chico Buarquerdquo(ibidem p109) No ano de 1979 houve mais uma

encenaccedilatildeo do Prometeu Acorrentado desta vez sob a direccedilatildeo de Ivan Albuquerque

97

CAPIacuteTULO 2 ndash Anaacutelise da traduccedilatildeo de Dom Pedro II e de suas versotildees

poeacuteticas

No artigo ldquoEm busca da tradiccedilatildeo perdidardquo Paula da Cunha Correcirca professora de

Liacutengua e Literatura Grega da Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da

USP coteja trechos de trecircs traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo

Os autores das traduccedilotildees analisadas por Correcirca satildeo Ramiz Galvatildeo Joatildeo Cardoso de

Menezes e Trajano Vieira Dentre as duas versotildees de Paranapiacaba Paula da Cunha

Correcirca analisa a versatildeo na qual predominam os decassiacutelabos soltos No presente

capiacutetulo a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e a versatildeo poeacutetica na qual o Baratildeo de

Paranapiacaba emprega as rimas seratildeo observadas em confronto com a versatildeo em que

predominam os decassiacutelabos soltos evocando-se muitas vezes as consideraccedilotildees feitas

por Correcirca em seu artigo A proposta nos parece vantajosa pelos seguintes motivos

1) Correcirca faz uma anaacutelise cuidadosa baseando-se em estudos filoloacutegicos de

autores como Chantraine (1954) Griffith (1983) e ML West (1990)41

Prudentemente a professora e pesquisadora uspiana comenta

Fazer criacutetica de traduccedilatildeo eacute tarefa ingrata na qual eacute possiacutevel cometer as mais

graves injusticcedilas Pois se o bom tradutor estaacute sempre sacrificando uma

passagem ou um aspecto do texto para compensaacute-lo de outra forma ou em

outro lugar a lente do criacutetico pode incidir justamente sobre seus versos

menos felizes ou ao contraacuterio apenas pinccedilar os melhores para favorececirc-lo

(CORREcircA 1999 p175)

2) Como Correcirca natildeo tinha DPedro II em mente valendo-se de seus

comentaacuterios acerca das soluccedilotildees oferecidas pelas traduccedilotildees de Trajano

Vieira Ramiz Galvatildeo e Joatildeo Cardozo de Menezes pode-se alcanccedilar um

escopo maior com a inclusatildeo da versatildeo de D Pedro II e da outra versatildeo do

Baratildeo de Paranapicaba

Na anaacutelise proposta seguir-se-aacute a ordem encontrada no artigo de Correcirca quanto

agraves citaccedilotildees dos textos gregos e dos seus posicionamentos frente agraves traduccedilotildees analisadas

Levando-se em conta que as versotildees do Baratildeo de Paranapiacaba e a de Ramiz Galvatildeo

41 Aleacutem da contribuiccedilatildeo dada por Chantraine em seu artigo ldquoA propos de ladverbe ionien ιmicroίσο ιέσοrdquo

cita-se a contribuiccedilatildeo de ML West em Studies in Aeschylus Stuttgart 1990

98

foram incentivadas por Dom Pedro II dar-se-aacute ecircnfase a elas nas citaccedilotildees as quais seratildeo

seguidas pelos comentaacuterios de Correcirca e pelos trechos correspondentes da traduccedilatildeo em

prosa de DPedro II e da outra versatildeo poeacutetica de Paranapiacaba

21 Primeira rodada de leitura

Principiemos a anaacutelise proposta pela primeira passagem do Prometeu

Acorrentado citado no artigo Em busca da tradiccedilatildeo perdida de Paula da Cunha Correcirca

Ἥθαηζηε ζνὶ δὲ ρξὴ κέιεηλ ἐπηζηνιὰο

ἅο ζνη παηὴξ ἐθεῖην ηόλδε πξὸο πέηξαηο

ὑςεινθξήκλνηο ηὸλ ιεσξγὸλ ὀρκάζαη

ἀδακαληίλσλ δεζκῶλ ἐλ ἀξξήθηνηο πέδαηο (vv3-6)

O filoacutelogo brasileiro Ramiz Galvatildeo lecirc a passagem da seguinte forma

Das ordens de teu pai Hefesto cuida

e o criminoso prende agraves escarpadas

rochas co‟algemas de accedilo que natildeo quebrem

O Baratildeo de Paranapiacaba por sua vez traduz os mesmos versos nestes termos

Tempo eacute de dar execuccedilatildeo agraves ordens

Que o Pai te impocircs Vulcano Neste abrupto

Alcantil prende em rede inquebrantaacutevel

De adamantinos viacutenculos formada

Este amotinador do povo []

Eis o comentaacuterio de Correcirca para as versotildees apresentadas

Na primeira caracterizaccedilatildeo de Prometeu o Poder o chama de criminoso (v5

leotildergoacutes) Eacute impressionante que o Baratildeo de Ramiz no final do seacuteculo

passado tenha chegado agrave mesma soluccedilatildeo que Chantraine em 1954 obteve

apoacutes estudar esse termo importante e tatildeo difiacutecil Segundo Chantraine leotildergoacutes

eacute derivado de leicircos que significa liso o que foi aplanado reduzido a poacute e

portanto destruiacutedo Hesiacutequio (III 3196) glosa leotildergoacutes por malfeitor

espertalhatildeo e homicida e segundo Poacutelux (III134) nas Memorabilia (I39)

de Xenofonte eacute uma palavra grosseira chula Esse termo injurioso mas

ldquosem valor juriacutedicordquo serviu como ldquoum dos diversos substitutos de

kakoucircrgosrdquo e seguindo o seu modelo designa um ldquomalfeitorrdquo que eacute capaz de

99

tudo Ao citar o fragmento 177 W de Arquiacuteloco e esses dois versos do

Prometeu (vv4-5) Chantraine traduziu o termo por ldquocriminosordquo assim como

o fizeram Ramiz Galvatildeo e Trajano Vieira42

(CORREcircA 1999 p176)

Tratando-se da soluccedilatildeo de Paranapiacaba Correcirca afirma

O Baratildeo de Paranapiacaba por sua vez verte leotildergoacutes por bdquoamotinador do

povo‟ A expressatildeo aleacutem de ser longa especifica o crime de Prometeu que

no epiacuteteto original permanece indeterminado (ibidem p176)

O interessante eacute que a mesma soluccedilatildeo de Paranapiacaba eacute tambeacutem encontrada na

traduccedilatildeo de Napoleatildeo Lopes Filho Napoleatildeo afirmou que tambeacutem consultara um

ldquotexto castelhano impresso por Pedro Henrique Urentildea da Editorial Losada SA

Buenos Aires 1941 que se deve a uma traduccedilatildeo direta do grego de autoria de Fernando

Segundo Brieva de Salvatierrardquo (LOPES FILHO 1967 p103) A traduccedilatildeo de

Salvatierra por sua vez foi publicada em 1880 e como se sabe Joatildeo Cardoso de

Menezes publicou suas versotildees poeacuteticas em 1907 Seraacute que o Baratildeo tambeacutem teria

consultado a traduccedilatildeo de Salvatierra enquanto fazia suas versotildees poeacuteticas A traduccedilatildeo

de ldquoleotildergoacutesrdquo por ldquoamotinador do povordquo feita tanto por Paranapiacaba quanto por

Napoleatildeo Lopes Filho pode indicar uma influecircncia comum A soluccedilatildeo de Lopes Filho

para o trecho comentado por Correcirca eacute a seguinte

A ti pois Hefestos importa dar cumprimento agraves ordens do Pai amarrar este

agitador do povo no alto precipiacutecio destas rochas [] (grifo nosso)

E de fato a influecircncia de Salvatierra na traduccedilatildeo de Paranapiacaba pode ser

atestada pela seguinte nota escrita pelo Baratildeo em seu livro de 1907

Salvatierra diz que leorgograven quer dizer ldquoalborotador do povordquo baseando a sua

interpretaccedilatildeo na rigorosa etymologia do termo ldquoque actuacutea sobre o povo e o

moverdquo ldquotomando a palavra actuacutea em sentido indifferente e natildeo aacute boa ou maacute

parterdquo O Escholiasta e Suidas datildeo a esta palavra cinco significados diversos

(PARANAPIACABA 1907 p141)43

42

Deves cumprir agrave risca Hefesto o eacutedito

paterno aprisionar o criminoso

com fortes cabos de accedilo no rochedo iacutengreme

(Trajano Vieira)

43 A ortografia original foi mantida na citaccedilatildeo Vale lembrar que a anaacutelise do termo por

Chantraine eacute de 1954 A etimologia de ldquoleotildergoacutesrdquo na acepccedilatildeo de ldquoalborotador do povordquo era possiacutevel na

eacutepoca em que os barotildees fizeram suas versotildees embora hoje desacreditada

100

Veja-se a seguir as duas versotildees de Paranapiacaba em confronto Doravante

chamar-se-aacute a versatildeo que emprega rimas e natildeo analisada por Correcirca de ldquoversatildeo 1rdquo pois

foi a primeira versatildeo composta por Joatildeo Cardoso de Menezes como demonstrado no

Capiacutetulo 144

A versatildeo analisada por Paula Correcirca a que emprega os decassiacutelabos

soltos seraacute denominada ldquoversatildeo 2rdquo

Quadro IV Cotejo das versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba para os versos 3-6 do original

Nota-se que a versatildeo 1 harmoniza-se mais com o comentaacuterio de Correcirca isto eacute

Paranapiacaba traduziu o termo ldquoleotildergoacutesrdquo por ldquomalfeitorrdquo palavra com significado

mais proacuteximo ao de ldquocriminosordquo acepccedilatildeo esta empregada tanto por Ramiz Galvatildeo

como por Trajano Vieira Eacute perceptiacutevel tambeacutem que a exigecircncia de rima autoimposta

por Paranapiacaba deixou a versatildeo 1 mais prolixa do que a versatildeo 2 Como visto no

Capiacutetulo 1 o original grego possui 1093 versos e a versatildeo 1 de Paranapicaba conta com

1410 versos (317 versos a mais que o original) A versatildeo 2 por sua vez conta com

1338 versos perfazendo 245 versos a mais do que o texto grego A traduccedilatildeo de Ramiz

Galvatildeo por outro lado possui 1084 versos 9 versos a menos que o original

Como seraacute que a versatildeo em prosa de Dom Pedro II se sairia diante do

comentaacuterio de Correcirca Veja-se a seguir o trecho que Pedro de Alcacircntara traduziu

Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu o Pai de ligar este malfeitor

aos rochedos alcantilados com algemas infrangiacuteveis de viacutenculos de accedilo

(grifo nosso)

44 Ver paacutegina 60 da presente dissertaccedilatildeo

Versatildeo 1

Vulcano Eacute tempo Executa

Ordens que o Pai quis impor

Nesta penedia abrupta

Prega este audaz malfeitor

Em forte indomaacutevel trama

De liames adamantinos

Intrinca-o bem []

Versatildeo 2

Tempo eacute de dar execuccedilatildeo agraves ordens

Que o Pai te impocircs Vulcano Neste abrupto

Alcantil prende em rede inquebrantaacutevel

De adamantinos viacutenculos formada

Este amotinador do povo []

101

D Pedro II bem como Paranapiacaba (versatildeo 1) vertem leotildergoacutes como

ldquomalfeitorrdquo Mesmo assim existem mais divergecircncias que convergecircncias na escolha

das expressotildees no restante da passagem em questatildeo Se Paranapiacaba traduz

ldquoἀδακαληίλσλ δεζκῶλ ἐλ ἀξξήθηνηο πέδαηοrdquo por ldquoidomaacutevel trama de liames

adamantinosrdquo (versatildeo 1) e ldquorede inquebrantaacutevel de adamantinos viacutenculos formadardquo

(versatildeo 2) Dom Pedro II por sua vez traduz ldquocom algemas infrangiacuteveis de viacutenculos de

accedilordquo Eacute importante salientar que o Baratildeo procurou uma correspondecircncia sonora maior

com o termo grego ldquoἀδακαληίλσλrdquo vertendo-o por ldquoadamantinosrdquo em suas duas versotildees

poeacuteticas

Como jaacute mencionado na Introduccedilatildeo da presente dissertaccedilatildeo Alessandra Fraguas

historiadora e pesquisadora do Museu Imperial informou-nos acerca da existecircncia de

uma versatildeo preliminar feita por Dom Pedro II da traduccedilatildeo em prosa que transcrevemos

no presente trabalho Esse ldquoesboccedilordquo estaacute depositado no Museu Imperial localizado no

Rio de Janeiro (Maccedilo 37 ndash Doc 1057 ndash B de Dom Pedro II ndash Ensaio sobre Prometeu

Acorrentado Museu Imperial Ibram Ministeacuterio da Cidadania)

Diante dessa inusitada descoberta tambeacutem poderemos cotejar trechos das duas

versotildees Imperiais ao longo desse capiacutetulo algo natildeo vislumbrado no iniacutecio de nossa

pesquisa

Nos momentos em que a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A

Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro) for cotejada com a versatildeo depositada no

Museu Imperial (Doc 1057 ndash B) as citaccedilotildees dos respectivos manuscritos seratildeo feitas

levando-se em conta os criteacuterios expostos na Introduccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo sobretudo no

que se refere ao uso dos sinais diacriacuteticos Por meio de tais sinais a transcriccedilatildeo indicaraacute

as rasuras feitas no processo de redaccedilatildeo Segundo Daros (2019 p199) ldquoeacute a anaacutelise das

rasuras que permite reconstruir a cronologia das diversas versotildees e vislumbrar o

encadeamento do processo criativordquo Tendo isso em mente veja-se a seguir o cotejo das

versotildees feitas por Dom Pedro II da passagem do Prometeu Acorrentado analisada ateacute

aqui Marcaremos as palavras idecircnticas nas duas versotildees em negrito

102

Versatildeo final

Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu o pae de ligar este

malfeitograver aos rochedos alcantilados com algemas infrangiveis de vinculos

de accedilo (Doc 4695-A Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro)

Versatildeo preliminar

Oh Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu (deacutera) o pae de ligar

a este ao malfeitor aos rochedos cheios de precipicios em prisotildees

indestructiveis de ferreos vinculos (Maccedilo 37 ndash Doc 1057 ndash Museu

Imperial Ibram Ministeacuterio da Cidadania)45

Nota-se por meio do cotejo que a versatildeo preliminar se mostra mais prolixa

Tambeacutem o Imperador registra a duacutevida sobre qual tempo verbal iria utilizar ldquodeu

(dera)rdquo Aleacutem disso tem-se a impressatildeo de que a versatildeo final eacute mais fluente e mais

elegante em sua sonoridade Diante de tais nuanccedilas seria interessante questionar em que

consiste tal impressatildeo suscitada pela versatildeo final do Imperador

Guilherme de Almeida em ldquoA poesia d‟Os Sertotildeesrdquo46

afirma que ldquo Poesia natildeo eacute

apenas verso Antes e acima da medida estaacute o Ritmo que eacute como Deus primeiro

Poesia eacute essencialmente Ritmo no sentir no pensar e no dizerrdquo (CAMPOS amp

ALMEIDA 2010 p60) Em seu artigo Almeida apresenta elementos presentes na

prosa de Euclides da Cunha que indicariam uma intencionalidade poeacutetica nas linhas d‟

Os Sertotildees Exiacutemio poeta Guilherme de Almeida consegue perceber vaacuterios decassiacutelabos

na prosa de Euclides afirmando que ldquoEacute notaacutevel a preferecircncia de Euclides pelo verso

decassiacutelabo Haacute nisso certo uma imposiccedilatildeo ataacutevica pois que essa de dez siacutelabas eacute a

medida nobre do verso portuguecircs a pauta uniforme d‟Os Lusiacuteadasrdquo (CAMPOS amp

ALMEIDA 2010 p59) E ainda

45 Diferentemente da versatildeo depositada no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro a versatildeo do Museu

Imperial natildeo traz a data de sua redaccedilatildeo mas devido agraves caracteriacutesticas de esboccedilo eacute muito provaacutevel que ela

seja anterior agrave versatildeo depositada no IHGB Supotildee-se que a versatildeo do Museu Imperial foi redigida no final

do ano de 1870 e comeccedilo de 1871 As paacuteginas dessa provaacutevel versatildeo preliminar apresentam um estaacutegio

maior de deterioraccedilatildeo provocado pelo tempo em comparaccedilatildeo com a versatildeo de abril de 1971 depositada

no IHGB Tambeacutem a versatildeo do Museu Imperial apresenta um nuacutemero maior de rasuras e emendas feitas

pelo Imperador o que a torna bastante interessante Nota-se que a caligrafia eacute a mesma nos dois

documentos mas na versatildeo do Museu Imperial a redaccedilatildeo eacute mais descuidada fazendo com que se tenha

um nuacutemero maior de palavras ilegiacuteveis

46

Artigo publicado originalmente no Diaacuterio de SPaulo em 18 de agosto de 1946 e reimpresso

novamente em 2010 juntamente com o a artigo Transertotildees de Augusto de Campos sob a organizaccedilatildeo de

Marcelo Taacutepia Ambos os artigos tratam da poesia existente na prosa de Euclides da Cunha em Os

Sertotildees

103

Tatildeo dominante eacute em Euclides como em todo grande poeta essa necessidade

teacutecnica da chave de oiro que a derradeira linha d‟Os Sertotildees a uacuteltima d‟ ldquoA

Lutardquo conteacutem na macabra descriccedilatildeo do cadaacutever do Conselheiro um dos

mais belos alexandrinos jamais compostos em nossas letras pela profundeza

do fundo e pela formosura da forma este verso magistral

As linhas essenciais do crime e da loucura (CAMPOS amp ALMEIDA 2010

p60)

Antes de ler o artigo de Guilherme de Almeida o poeta e tradutor Augusto de

Campos tambeacutem chega a conclusotildees semelhantes Em sua pesquisa particular consegue

encontrar mais de 500 decassiacutelabos em Os Sertotildees Depois de tomar conhecimento da

publicaccedilatildeo de Almeida Campos se impressiona com o fato de que muitos dos

decassiacutelabos encontrados por Guilherme tambeacutem foram encontrados por ele Talvez

essa convergecircncia de resultados seja um forte indiacutecio de que de fato Eucliacutedes da Cunha

intencionava suscitar um efeito esteacutetico em seus leitores em vez de unicamente narrar os

fatos da guerra Augusto de Campos escreve

Qual o sentido dessa perquiriccedilatildeo textual e desses exerciacutecios de estilo que

potildeem a noacutes os extratos poeacuteticos de Os Sertotildees Natildeo eacute por certo querer

ingenuamente converter em poesia a prosa de Euclides num torneio

artificioso de alquimia verbal O que se pretende eacute demonstrar o quanto as

estruturas poeacuteticas ndash no seu adensamento riacutetmico plaacutestico e sonoro ndash

contribuiacuteram para dar ao texto o ldquotonusrdquo peculiar que eacute de seu livro naqueles

precisamente em que ele se revela mais original e persuasivo recorreu

Euclides aos meacutetodos da poesia ndash o que eacute claro natildeo se restringe agrave adoccedilatildeo de

ritmos e metros embora estes intervenham com significativa parcela para

essa caracterizaccedilatildeo mas tambeacutem no emprego de condensadas figuras de

linguagem ndash metaacuteforas metoniacutemias antiacuteteses - tudo convergindo para

transformar o discurso meramente didaacutetico ou expositivo e dar-lhe a

configuraccedilatildeo sensiacutevel e diferencial que eleva o repoacuterter de Canudos agraves alturas

de um notaacutevel criador literaacuterio (CAMPOS amp ALMEIDA 2010 p30)

Como jaacute comentado Joseph Arthur de Gobineau instava Dom Pedro II a fazer a

traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado em versos O Imperador natildeo atendera ao pedido do

diplomata francecircs Apesar disso sabe-se que Pedro de Alcacircntara era um versificador

experiente e por isso deduz-se que sua recusa natildeo fora motivada por incompetecircncia

poeacutetica Paranapiacaba por exemplo cita o seguinte soneto escrito por Dom Pedro II

no exiacutelio (a ortografia original seraacute mantida)

ASPIRACcedilAtildeO

Deos que os orbes regulas esplendentes

Em numero e medida ponderados

Nelles abrigo daacutes aos desterrados

Que se vatildeo suspirosos e plangentes

104

Assim dos ceacuteos aacutes vastidotildees silentes

Ergo os meos pobres olhos fatigados

Indagando em que mundos apartados

Lenitivo aacute saudade nos consentes

Breve Senhor do carcere d‟argilla

Hei de evolar-me murmurando ansioso

Timida prece digna-te de ouvil-a

Potildee-me ao peacute do Cruzeiro majestoso

Que no antarctico ceacuteo vivo scintilla

Fitando sempre o meo Brasil saudoso

(PARANAPIACABA1907 p247)

Sua habilidade em versejar tambeacutem foi demonstrada em suas traduccedilotildees como a

que fez de alguns cantos da Divina Comeacutedia de Dante Alighieri ou nos seguintes

versos da sua traduccedilatildeo de Cinco de maio poema de Alessandro Manzoni que tem como

tema a morte de Napoleatildeo Bonaparte47

Morreo e qual marmoacutereo

Solto o postremo alento

O corpo jaz exanime

Orpham d‟um tal portento

Assim sorpresa attonita

A terra co‟ a nova estaacute

Muda pensando na ultima

Hora do homem fatal

Nem sabe si tatildeo celebre

Planta de peacute mortal

Seo poacute de sangue avido

Inda pisar viraacute

Seraacute que o conviacutevio iacutentimo do Imperador com a poesia refletiu-se de alguma

forma em sua traduccedilatildeo em prosa do Prometeu Acorrentado Seraacute que assim como no

47 Tambeacutem citado por Paranapiacaba (1907 p 244)

105

caso de Os Sertotildees de Euclides da Cunha existiriam alguns versos ocultos em sua

traduccedilatildeo da antiga trageacutedia de Eacutesquilo

Natildeo seria uma empreitada impossiacutevel reorganizar um texto em prosa em versos

com nuacutemeros de siacutelabas poeacuteticas relativamente semelhantes Mas escandir uma linha de

prosa natildeo eacute o bastante para se comprovar que nela subjazem versos poeacuteticos O ritmo

em poesia afirmou Guilherme de Almeida tem a primazia eacute ldquocomo Deusrdquo

Geralmente em liacutengua portuguesa o ritmo eacute marcado num poema por meio de

unidades regulares como rima aliteraccedilotildees assonacircncias e siacutelabas tocircnicas No trecho

visto da versatildeo final de Dom Pedro II por exemplo pode-se notar algo interessante se

reconfigurarmos sua prosa nos seguintes versos respeitando a ordem das palavras e natildeo

trucando as mesmas para se alcanccedilar um mesmo nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas em cada

verso o que seria algo arbitraacuterio (vale a pena ressaltar que o esquema proposto a seguir

eacute apenas um entre outras possibilidades)

1Vulcano cumpre cuidares Heptassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

2das ordens que te deu o pai Octossiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ )

3 de ligar este malfeitor Octossiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ )

4 Aos rochedos alcantilados Octossiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ᵕ ‒)

5 com algemas infrangiacuteveis Heptassiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ )

6 de viacutenculos de accedilo Pentassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

Veja-se por exemplo que os versos 3 4 e 5 comeccedilam com peacutes anapestos e

terminam de forma semelhante ( ᵕ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒

ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) e os versos 1 2 e 6 comeccedilam com jambos ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ

‒ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) sendo que os versos 1 e 6 aleacutem de comeccedilarem com o mesmo

peacute tambeacutem terminam com anapesto Fazendo o mesmo exerciacutecio com a versatildeo

preliminar da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II percebe-se que natildeo se alcanccedila um

resultado mais harmocircnico do que o conseguido com a versatildeo final do Imperador

embora seja possiacutevel dispor a prosa em versos com nuacutemeros de siacutelabas poeacuteticas

relativamente semelhantes

1Oacute vulcano cumpre cuidares Octossiacutelabo ( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

2das ordens que te deu (dera) Heptassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ‒ )

3o Pai de ligar a este Heptassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ )

4ao malfeitor aos rochedos Heptassiacutelabo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

5cheios de precipiacutecios Pentassiacutelabo ( ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒)

106

6em prisotildees indestrutiacuteveis Heptassiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒)

7 de feacuterreos viacutenculos Tetrassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ )

A impressatildeo eacute de que as posiccedilotildees das siacutelabas tocircnicas e aacutetonas satildeo mais aleatoacuterias

na versatildeo preliminar o que natildeo contribui para a construccedilatildeo da melopeia no texto

(POUND 1977 p63) como se pode averiguar a seguir

Versatildeo Final

( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ᵕ ‒) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )

Versatildeo preliminar

( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒) ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ )

Ao longo deste capiacutetulo tentaremos tambeacutem evidenciar os elementos presentes

na prosa do Imperador que parecem indicar a intencionalidade na construccedilatildeo de efeitos

sonoros em sua versatildeo final do Prometeu Acorrentado Por ora coteja-se a seguir a

versatildeo final de Dom Pedro II com as versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba As

palavras e as expressotildees convergentes com a traduccedilatildeo do Imperador seratildeo marcadas em

negrito

Quadro V Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (original vv3-6)

Como se pode notar pouca eacute a correspondecircncia entre as versotildees poeacuteticas de

Paranapiacaba e a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II Se entre as versotildees em prosa do

Imperador a correspondecircncia eacute de 17 palavras excetuando-se os artigos e as

preposiccedilotildees entre a traduccedilatildeo Imperial (versatildeo final) e as versotildees do Baratildeo a

correspondecircncia eacute de apenas 5 palavras

Dom Pedro II

Vulcano cumpre cuidares das

ordens que te deu o Pai de

ligar este malfeitor aos

rochedos alcantilados com

algemas infrangiacuteveis de

viacutenculos de accedilo

Paranapiacaba (versatildeo 1)

1Vulcano Eacute tempo Executa

2Ordens que o Pai quis impor

3Nesta penedia abrupta

4Prega este audaz malfeitor

5Em forte indomaacutevel trama

6De liames adamantinos

Paranapiacaba (versatildeo 2)

1Tempo eacute de dar execuccedilatildeo agraves ordens

2Que o Pai te impocircs Vulcano Neste

[abrupto

4Alcantil prende em rede

[inquebrantaacutevel

5De adamantinos viacutenculos formada

[Este amotinador do povo []

107

22 Segunda rodada de leitura

Passemos aos outros versos analisados por Paula da Cunha Correcirca

ἐγὼ δ᾽ ἄηνικόο εἰκη ζπγγελῆ ζεὸλ

δῆζαη βίᾳ θάξαγγη πξὸο δπζρεηκέξῳ (vv14-5)

Ramiz Galvatildeo

Falta-me contudo o acircnimo de ataacute-lo

um deus parente agrave rocha procelosa

Baratildeo de Paranapiacaba

Agora quanto a mimsinto faltar-me

Coragem de fincar nessa quebrada

Que algente bruma intoleraacutevel torna

Um Deus parente meu Mas o Destino[]

Correcirca comenta

Destaca-se mais uma vez a linguagem clara e direta de Trajano48

concisa

como a de Ramiz Em ldquoprecipiacutecioparenterdquo a aliteraccedilatildeo (ζπγγελῆ

θάξαγγη) eacute reconfigurada mas perde-se a qualificaccedilatildeo da escarpa como sendo

dyskheicircmeros (ldquoprocelosardquo em Ramiz e parafraseada por Paranapiacaba em

ldquoque algente bruma intoleraacutevel tornardquo) Por outro lado eacute preferiacutevel a versatildeo

de aacutetolmos como ldquofalta de coragemrdquo presente em Paranapiacaba e Trajano agrave

arcaizante soluccedilatildeo de Ramiz (ldquofalta de acircnimordquo) (CORREcircA 1999 p177)

Agrave luz do comentaacuterio citado veja-se as respectivas traduccedilotildees de DPedro II e

Baratildeo de Paranapiacaba (versatildeo 1) a comeccedilar pela do Imperador (versatildeo final)

Sou tiacutemido para encadear com violecircncia um deus parente ao despenhadeiro hibernoso

DPedro II traduz o adjetivo dyskheicircmeros (invernal) por ldquohibernosordquo e consegue

verter aacutetolmos por uma uacutenica palavra ldquotiacutemidordquo que eacute justamente algueacutem em que falta a

coragem

48

Trajano Vieira

Pregar no precipiacutecio um deus parente

exige uma coragem que eu natildeo tenho

108

Compara-se a seguir as duas versotildees do Imperador marcando-se em negrito as

palavras convergentes

Versatildeo final

Sou tiacutemido para encadear com violecircncia um deus parente ao

despenhadeiro hibernoso

Versatildeo preliminar

Sou tiacutemido para encadear ltuarraacute forccedilagt um ilegiacutevel deus parente no

alcantilado vale hibernoso

Neste ponto seria profiacutecuo tambeacutem cotejar a versatildeo final do Imperador com as

versotildees poeacuteticas da lavra de Paranapiacaba Marcar-se-aacute tambeacutem em negrito as palavras

que coincidem com a versatildeo final de Dom Pedro II

Quadro VI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (originalvv14-5)

Observa-se que a escolha vocabular eacute bastante diversa entre Paranapiacaba e

Dom Pedro II Apenas as palavras ldquodeusrdquo e ldquoparenterdquo coincidem Ainda assim ldquodeusrdquo eacute

escrito com inicial maiuacutescula nas versotildees de Paranapiacaba e o Imperador faz o inverso

em sua traduccedilatildeo Outro ponto interessante eacute que apenas DPedro II entre os tradutores

analisados traduz a palavra βίᾳ em seu uso adverbial ldquocom violecircnciardquo (versatildeo final) e

ldquoagrave forccedilardquo (versatildeo preliminar) δῆζαι βίᾳ φάραγγι πρὸς δσζτειμέρῳ ldquoencadear com

violecircncia ao despenhadeiro hibernosordquo

Dom Pedro II

Sou tiacutemido para encadear com

violecircncia um deus parente ao

despenhadeiro hibernoso

Paranapiacaba (versatildeo 1)

E a mim falece coragem

De nesta algente quebrada

A um Deus de minha

[linhagem

Prender em teia cerrada

Paranapiacaba (versatildeo 2 )

Agora quanto a mimsinto

[faltar-me

Coragem de fincar nessa

[quebrada

Que algente bruma

[intoleraacutevel torna

Um Deus parente meu[]

109

23Terceira rodada

ἄθνληά ζ᾽ ἄθσλ δπζιύηνηο ραιθεύκαζη

πξνζπαζζαιεύζσ ηῷδ᾽ ἀπαλζξώπῳ πάγῳ

ἵλ᾽ νὔηε θσλὴλ νὔηε ηνπ κνξθὴλ βξνηῶλ

ὄςεη ζηαζεπηὸο δ᾽ ἡιίνπ θνίβῃ θινγὶ

ρξνηᾶο ἀκείςεηο ἄλζνο ἀζκέλῳ δέ ζνη

ἡ πνηθηιείκσλ λὺμ ἀπνθξύςεη θάνο

(vv19-24)

Ramiz Galvatildeo

pregar-te-ei nesta rocha desabrida

onde natildeo vejas voz nem forma humana

a tez mimosa fanaraacutes ansioso

pela noite de estrelas recamada

Baratildeo de Paranapiacaba

Em noacutes de bronze indissoluacuteveis

- A meu e teu pesar - eu vou pregar-te

Aqui nunca haacutes de ouvir mortal acento

Nem face de homem ver antes crestado

Lento pelas do sol ferventes chamas

Perderaacutes dia a dia a flor da pele

Haacute de a noite por ti sempre almejada

Sumir o dia no estrelado manto

Correcirca comenta

Novamente os versos de Paranapiacaba satildeo quase prosaicos quando

comparados com os de Ramiz e Trajano49

e o acreacutescimo desnecessaacuterio de

expressotildees adverbiais inexistentes no texto original (ldquolentordquo ldquonuncardquo ldquodia a

diardquo) torna exacerbada a jaacute forte carga de emoccedilatildeo da passagem Nota-se

tambeacutem um cochilo de Ramiz Galvatildeo que deixou de traduzir um verso

49

contra noacutes dois o bronze indissoluacutevel

te imobiliza no penedo inoacutespito

de onde natildeo vecircs nem voz nem cor humana

O sol aceso troca a flor da pele

queimada Para teu aliacutevio a noite

encobre o lume com seu manto ruacutetilo

(Trajano Vieira)

110

inteiro Haacute outras liccedilotildees para o verso 19 como por exemplo a presente na

ediccedilatildeo de West Mas poderia Ramiz estar trabalhando com um texto no qual

o verso simplesmente natildeo constasse O ldquobronze indissoluacutevelrdquo de Trajano

recupera de forma enxuta a boa soluccedilatildeo de Paranapiacaba e no verso

seguinte ldquopenedo inoacutespitordquo reproduz a aliteraccedilatildeo grega [ἀπαλζξώπῳ πάγῳ]

vertendo o adjetivo apanthroacutepoi com maior precisatildeo do que o ldquodesabridardquo de

Ramiz[] Quanto agrave uacuteltima frase desse excerto mais sonora e precisa eacute a

soluccedilatildeo de Trajano que natildeo empalidece nem vulgariza a imagem original

Pois a ldquonoiterdquo natildeo eacute ldquorecamada de estrelasrdquo (Ramiz) nem se trata de um

ldquomanto estreladordquo (Paranapiacaba) Os trajes da noite satildeo poikiacuteloi

(ldquovariegadosrdquo ldquobordadosrdquo ldquomultifacetadosrdquo eacute antes um ldquomanto ruacutetilordquo que a

veste (CORREcircA 1999 p178)

Tendo em mente o comentaacuterio de Paula Correcirca leia-se a seguir a traduccedilatildeo em

prosa do Imperador e a versatildeo 1 de Paranapiacaba iniciando novamente pela de D

Pedro (versatildeo final)

[] constrangido pregar-te-ei constrangido com cadeias indissoluacuteveis neste

monte inoacutespito onde nem voz nem figura de homem veraacutes mas queimado

lentamente pela chama brilhante do sol perderaacutes o mimo da cor A ti alegrado

a noite de manto variegado ocultaraacute a luz e o sol dissiparaacute de novo a geada

matutinardquo (grifo nosso)

Segue abaixo a soluccedilatildeo de Paranabiacaba para a mesma passagem (versatildeo 1)

Neste vatildeo sem treita humana

Muito a meu e teu pesar

Por injunccedilatildeo soberana

Vou em seguida cravar

Natildeo veraacutes humano rosto

Nem voz mortal ouviraacutes

Ao queimor do sol exposto

A flocircr da tez perderaacutes

A noite que sempre ansioso

Estaraacutes por ver surgir

Haacute de o dia luminoso

No veacuteu de estrelas sumir

Segundo o comentaacuterio de Paula da Cunha Correcirca ldquoOs trajes da noite satildeo

poikiacuteloi (bdquovariegados‟ bdquobordados‟ bdquomultifacetados‟ eacute antes um bdquomanto ruacutetilo‟ que a

veste)rdquo (CORREA 1999 p178) Diante desse comentaacuterio DPedro II fez uma boa

111

escolha ldquo [] a noite de manto variegado ocultaraacute a luzrdquo (grifo nosso) Infelizmente o

manuscrito da versatildeo preliminar estaacute deteriorado no trecho em questatildeo mas algo do

processo criativo do Imperador pode ser notado se cotejarmos a versatildeo final com o que

ainda permanece legiacutevel na versatildeo preliminar Para isso novamente se utilizaraacute

transcriccedilotildees diplomaacuteticas Como de praxe marcar-se-aacute em negrito as palavras

coincidentes

Versatildeo final

constrangido pregar-te-ei constrangido com cadegraveas indissoluveis n‟este

ltuarrmontegt inhospito onde nem voz nem figura de homem veraacutes mas

queimado lentamente pela chamma brilhante ltuarrdogt sol perderaacutes o mimo

da cograver A ti alegrado a noite de manto varie[fl2]gado occultaraacute a luz e o sol

dissiparaacute de nogravevo a geada matutina Porem sempre te atormentaraacute o pesar

do mal presente pois quem deve livrar-te natildeo nasceu ainda

Versatildeo preliminar

ltuarrconstrangidogt[] te pregarei constrangido com bronzes indissoluveis

no monte inhospitoltuarrOndegt [ para que ] natildeo ltuarrsentiraacutesgt [ te sintas ] nem

voz nem forma de homem queimado lentamente pela ma brilhante

do sol perderaacutes a belleza da cograver A ti cont de

[fl2] te a ti

sempre te atormentaraacute pois quem de alliviar-te natildeo nasceu ainda

Apesar de algumas diferenccedilas pontuais a correspondecircncia eacute muito grande entre

as duas versotildees Salta agrave vista que a versatildeo preliminar possui mais emendas do que a

final como era de se esperar Na versatildeo final por exemplo Dom Pedro II opta por

colocar o pronome em mesoacuteclise (ldquopregar-te-eirdquo) em vez de ldquote pregareirdquo (versatildeo

preliminar) ldquocadeias indissoluacuteveisrdquo em lugar de ldquobronzes indissoluacuteveisrdquo ldquofigura de

homemrdquo substituindo ldquoforma de homemrdquo ldquomimo da corrdquo em vez de ldquobeleza da corrdquo e

ldquolivrar-terdquo substituindo ldquoaliviar-terdquo A expressatildeo grega ldquoἄθνληά ζ᾽ ἄθσλrdquo apresenta um

interessante desafio aos tradutores como expressar em liacutengua portuguesa os

simultacircneos e ao mesmo tempo diversos constrangimentos de Hefesto e Prometheu (o

constrangimento de quem executa e o de quem padece) sem soar estranho Trajano

Vieira apresenta uma soluccedilatildeo interessante ldquocontra noacutes dois o bronze indissoluacutevel te

imobilizardquo Nota-se na traduccedilatildeo de Vieira a projeccedilatildeo da culpa do ato de prender

Prometeu a um objeto inanimado no caso ldquoo bronze indissoluacutevelrdquo sujeito do periacuteodo

na traduccedilatildeo de Vieira Em contrapartida Hefesto eacute o agente no original grego ldquoeu

112

cravareirdquo (πξνζπαζζαιεύζσ) Dom Pedro II traduz ldquo[]constrangido pregar-te-ei

constrangido com cadeias indissoluacuteveisrdquo (versatildeo final) e ldquoconstrangido te pregarei

constrangido com bronzes indissoluacuteveisrdquo (versatildeo preliminar) Na versatildeo 2

Paranapiacaba verte ldquo[] a meu e teu pesar eu vou pregar-terdquo Na versatildeo 1 encontra-

se ldquo Muito a meu e teu pesar Por injunccedilatildeo soberana Vou em seguida cravarrdquo

Percebe-se a grande correspondecircncia entre as duas versotildees em prosa de Dom

Pedro II na passagem citada O que dizer entatildeo das versotildees poeacuteticas do Baratildeo de

Paranapiacaba Veja-se a seguir

Quadro VII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (original vv19-

24)

Excetuando-se os artigos e as preposiccedilotildees na versatildeo 1 de Paranapiacaba

encontram-se apenas 6 palavras que tambeacutem foram usadas por Dom Pedro II Na versatildeo

2 o nuacutemero eacute de 9 palavras embora a palavra ldquochamardquo esteja no plural na versatildeo do

Baratildeo Jaacute entre as versotildees em prosa do Imperador a correspondecircncia eacute de 27 palavras

excetuando-se os artigos e preposiccedilotildees e mesmo havendo uma grande lacuna causada

pela deterioraccedilatildeo do manuscrito da versatildeo preliminar

Dom Pedro II (versatildeo final)

[] constrangido pregar-te-ei

constrangido com cadeias

indissoluacuteveis neste monte inoacutespito

onde nem voz nem figura de

homem veraacutes mas queimado

lentamente pela chama brilhante

do sol perderaacutes o mimo da cor A

ti alegrado a noite de manto

variegado ocultaraacute a luz e o sol

dissiparaacute de novo a geada

matutinardquo

Baratildeo de Paranapiacaba

(versatildeo 1)

Neste vatildeo sem treita humana

Muito a meu e teu pesar

Por injunccedilatildeo soberana

Vou em seguida cravar

Natildeo veraacutes humano rosto

Nem voz mortal ouviraacutes

Ao queimor do sol exposto

A flocircr da tez perderaacutes

A noite que sempre ansioso

Estaraacutes por ver surgir

Haacute de o dia luminoso

No veacuteu de estrelas sumir

Paranapiacaba (versatildeo 2)

A meu e teu pesar eu vou

[pregar-te

Aqui nunca haacutes de ouvir mortal

[acento

Nem face de homem ver

antes [crestado

Lento pelas do sol ferventes

[chamas

Perderaacutes dia a dia a flor da

[pele

Haacute de a noite por ti sempre

[almejada

Sumir o dia no estrelado

[manto

113

24 Quarta rodada

ἀδακαληίλνπ λῦλ ζθελὸο αὐζάδε γλάζνλ

ζηέξλσλ δηακπὰμ παζζάιεπ᾽ ἐξξσκέλσο

(vv64-5)

Ramiz Galvatildeo

Agora enterra-lhe por sobre os peitos

Da cunha de accedilo os arrogantes dentes

Baratildeo de Paranapiacaba (versatildeo 2)

O dente ousado dessa cunha d‟accedilo

Embebe em cheio por seu peito adentro

Eis o comentaacuterio de Correcirca

Prometeu recebe nos versos 436 964 1012 1034 e 1037 a mesma

adjetivaccedilatildeo aqui conferida ao ldquodenterdquo da cunha que iraacute feri-lo Como ele o

accedilo eacute authaacutedes isto eacute ldquorefrataacuteriordquo ldquoobstinadordquo ou ldquosem remorsordquo A atitude

de espiacuterito atribuiacuteda ao accedilo jaacute humanizado por meio da metaacutefora

(ldquomandiacutebulardquo) transparece de forma mais clara nos versos dos barotildees

(ldquoarrogantes dentesrdquo ldquodente ousadordquo) Por outro lado o verbo ldquoencravarrdquo

empregado por Trajano50

significa exatamente (como o grego passaleacuteuo)

afixar prender como ou com um ldquocravordquo (paacutessalos) (CORREcircA 1999

p178)

A seguir as respectivas versotildees de Dom Pedro II

Versatildeo final

Agora forte enterra atravez dos peitos os dentes arrogantes da cunha de accedilo

Versatildeo preliminar

ora prega ltuarrfortementegt [] ltuarr a bocagt [em fio presunccediloso] (que se

compraz ndash isso ltuarrcomgt [de] feacuterrea cunha ltuarr passando por cimagt [

atravez] dos peitos

50

Trajano Vieira

No meio do seu peito encrava agora

O dente afiado desta cunha de accedilo

114

A grande quantidade de rasuras e correccedilotildees presentes na versatildeo preliminar

revela que o Imperador repensou bastante a passagem em questatildeo Valeu o esforccedilo Um

efeito sonoro interessante eacute alcanccedilado em sua versatildeo final como se pode observar por

exemplo dividindo-se o periacuteodo em dois versos hendecassiacutelabos

1 Agora forte enterra atraveacutes dos peitos

2 os dentes arrogantes da cunha de accedilo

O primeiro verso apresenta o seguinte esquema riacutetmico ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒

e o segundo ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒

Veja-se a seguir a versatildeo 1 de Paranapiacaba em confronto com a versatildeo 2 e

tambeacutem com a versatildeo final de Dom Pedro II

Quadro VIII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (original vv64-

5)

Se abonarmos o fato de que a palavra ldquopeitordquo estaacute no singular nas versotildees de

Paranapiacaba e no plural na do Imperador encontram-se 3 palavras convergentes na

primeira versatildeo e 4 na segunda (a palavra ldquodenterdquo tambeacutem apresenta diferenccedila de

nuacutemero) Por outro lado veja-se a traduccedilatildeo de Ramiz Galvatildeo em confronto com a

versatildeo de Dom Pedro II

Quadro IX Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo de Ramiz Galvatildeo (originalvv64-5)

Dom Pedro II

Agora forte enterra atraveacutes dos

peitos os dentes arrogantes da

cunha de accedilo

Paranapicaba (versatildeo 1)

D‟essa cunha drsquoaccedilo o corte

-Fundo- Embebe-lhe no peito

Baratildeo de Paranapiacaba

(versatildeo 2)

O dente ousado dessa

[cunha drsquoaccedilo

Embebe em cheio por

[seu peito adentro

Dom Pedro II

Agora forte enterra atraveacutes dos

peitos os dentes arrogantes da

cunha de accedilo

Ramiz Galvatildeo

Agora enterra-lhe por sobre os

[peitos

Da cunha de accedilo os arrogantes

[dentes

115

As traduccedilotildees de Ramiz Galvatildeo e a D Pedro II se mostram bastante semelhantes

nesse trecho Ramiz traduz ldquoAgora enterra-lhe por sobre os peitos da cunha de accedilo os

arrogantes dentesrdquo e Dom Pedro ldquoAgora forte enterra atravez dos peitos os dentes

arrogantes da cunha de accedilordquo A humanizaccedilatildeo da cunha pelo emprego da palavra

authaacutedes (ldquoobstinadordquo ldquosem remorsordquo) presente na versatildeo 2 de Paranapiacaba e nesse

ponto elogiada por Correa ldquoO dente ousado dessa cunha d‟accedilo Embebe em cheio por

seu peito adentrordquo (grifo nosso) eacute perdida na versatildeo 1 ldquoD‟essa cunha d‟accedilo o corte -

Fundo- Embebe-lhe no peitordquo Harmonizando-se ao comentaacuterio de Paula da Cunha

Correcirca o Imperador traduz ldquoarrogantes dentesrdquo Como visto Ramiz a quem Dom

Pedro II tambeacutem confiou o encargo de fazer uma versatildeo poeacutetica a partir de sua traduccedilatildeo

em prosa repete a mesma expressatildeo em sua versatildeo

25 Quinta e uacuteltima rodada

ὦ δῖνο αἰζὴξ θαὶ ηαρύπηεξνη πλναί

πνηακῶλ ηε πεγαί πνληίσλ ηε θπκάησλ

ἀλήξηζκνλ γέιαζκα πακκῆηόξ ηε γῆ

θαὶ ηὸλ παλόπηελ θύθινλ ἡιίνπ θαιῶ

(vv88-91)

Ramiz Galvatildeo

Eacuteter divino alados prestos ventos

Fontes dos rios ondular das vagas

Terra ndash matildee comum sol omnividente

Eu vos invoco

Baratildeo de Paranapiacaba (versatildeo 2)

Oacute Eacuteter divinal auras velozes

Mananciais dos rios voacutes oacute risos

Inumeraacuteveis de marinhas ondas

Oacute Terra matildee universal oacute disco

Do sol omnividente Aqui me tendes

O comentaacuterio de Paula Correcirca para a passagem citada eacute

116

Ao inverter a ordem dos dois primeiros elementos invocados (aparentemente

por questotildees meacutetricas) Trajano51

sacrifica a composiccedilatildeo em anel (ldquopriamelrdquo)

uma figura comum na poesia grega arcaica Se acompanhamos no texto

grego a sequecircncia das invocaccedilotildees notamos que Prometeu dirige-se primeiro

ao elemento mais alto o Eacuteter depois aos ventos agraves aacuteguas e agrave terra antes de

voltar ao sol Ao ldquodiscordquo do sol (v91) e ao seu trajeto circular corresponde a

figura traccedilada pela enumeraccedilatildeo Verter dicircos aitheacuter por ldquoar divinordquo em vez

de ldquoEacuteter divinordquo ou ldquodivinalrdquo tambeacutem acarreta dificuldades porque aleacutem de

ldquoarrdquo e ldquoEacuteterrdquo serem coisas distintas dada a sua colocaccedilatildeo entre viacutergulas apoacutes

ldquoventosrdquo (e natildeo coordenado como no original) eacute faacutecil confundi-lo com um

aposto (CORREcircA 1999 p179)

Paula da Cunha Correcirca tambeacutem escreve a seguinte nota

Segundo Griffith na eacutepica arcaica o Eacuteter eacute ldquoo espaccedilo entre terra e ceacuteu ou o

proacuteprio ceacuteurdquo Veja poreacutem GSKirk JERaven e MSchofield em The

Presocratic Philosophers (Cambridge 1983 p 9) que citam Homero

Hesiacuteodo e Xenoacutefanes para a distinccedilatildeo entre aeacuter e aitheacuter o primeiro eacute o ldquoarrdquo

da parte inferior do ceacuteu (ceacuteu e terra) ldquoenquanto a parte superior (chamada agraves

vezes de ouranaacutes) eacute o Eacuteter o ar superior que eacute brilhante e pode ser concebido

como fogordquo (ibidem p179)

Talvez por isso Jaa Torrano agrave guisa de exemplo translitera aitheacuter em sua

traduccedilatildeo de 1985 e verte o mesmo termo por ldquoFulgorrdquo em sua traduccedilatildeo de 2009

Oacute divino Aitheacuter velozes alados ventos

fontes de rios das marinas ondas

inuacutemero riso omnimatildee Terra

e o omnividente ciacuterculo do Sol invoco

Vede-me o que dos Deuses padeccedilo Deus

(Prometeu Prisioneiro 1985)

Oacute divino Fulgor e velozes alados ventos

e fontes dos rios e inuacutemero brilho

de ondas marinhas e Terra matildee de todos

e invoco o onividente ciacuterculo do Sol

Vede-me que dos Deuses padeccedilo Deus

51

Trajano Vieira

Ventos alivelozes ar divino

Fontes dos rios inuacutemeros sorrisos

de ondas salinas Terra matildee-de-todos

eu vos invoco e ao sol visatildeo total

no disco[]

117

(Prometeu Cadeeiro 2009)

Dom Pedro II assim como Trajano Vieira opta por traduzir o termo grego

aitheacuter por ldquoarrdquo algo natildeo abonado pelo comentaacuterio de Correcirca Contudo a transcriccedilatildeo

diplomaacutetica da versatildeo final da traduccedilatildeo em prosa revela que o termo ldquoarrdquo foi uma

substituiccedilatildeo feita posteriormente pelo Imperador

ltuarrOh ar divinogt[] e ventos de azas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees

innumeraveis das ondas marinhas e terra matildee universal e disco

omnividente do sol a voacutes invoco vede-me quanto eu deus soffro dos deuses

A expressatildeo ldquoOh ar divinordquo foi escrita sobre algo que foi riscado e que estaacute

ilegiacutevel no manuscrito do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro Felizmente com a

descoberta dos esboccedilos dessa traduccedilatildeo eacute possiacutevel saber como o Imperador havia

traduzido aitheacuter antes da correccedilatildeo citada Veja-se a seguir

Ether de Jupiter ventos de azas raacutepidas ltuarrfontesgt[] dos rios innumeravel

ondulaccedilatildeo (inumeraacuteveis ondulaccedilotildees) das ondas marinhas Terra matildee

universal e invoco o circulo (o disco) omnividente do sol olhae-me deus

soffro taes cousas da parte dos deuses

Dom Pedro II substituiu a expressatildeo ldquoEther de Jupiterrdquo por ldquoOh ar divinordquo

Se por um lado a traduccedilatildeo da palavra grega ldquoaitheacuterrdquo natildeo foi adequada na versatildeo

final de Dom Pedro segundo o comentaacuterio de Correcirca por outro essa mesma versatildeo

reproduz outro aspecto presente no original grego e que foi desconsiderado por todos

os outros tradutores brasileiros (exceto Jaa Torrano com sua versatildeo de 2009) a

coordenaccedilatildeo por meio da reinteraccedilatildeo da conjunccedilatildeo ldquoerdquo dando agrave traduccedilatildeo um tom mais

declamatoacuterio

ὦ δῖνο αἰζὴξ καὶ ηαρύπηεξνη πλναί

πνηακῶλ τε πεγαί πνληίσλ τε θπκάησλ

ἀλήξηζκνλ γέιαζκα πακκῆηόξ τε γῆ

καὶ ηὸλ παλόπηελ θύθινλ ἡιίνπ θαιῶ

ltuarrOh ar divinogt[] e ventos de azas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees

innumeraveis das ondas marinhas e terra matildee universal e disco

omnividente do sol a voacutes invoco vede-me quanto eu deus soffro dos deuses

118

Comparando-se as duas versotildees de Dom Pedro II eacute possiacutevel notar um cuidado

maior em relaccedilatildeo agrave sonoridade na versatildeo final

Versatildeo preliminar

[]olhae-me deus soffro taes cousas da parte dos deuses (Catorze siacutelabas )

Versatildeo final

[]vede-me quanto eu deus soffro dos deuses (Decassiacutelabo heroico com assonacircncia em ldquoeurdquo )

Ainda explorando a sonoridade do texto da versatildeo final da traduccedilatildeo em prosa de

Dom Pedro II nota-se

‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ

Oacute ar divino e ventos de asas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees inumeraacuteveis das

‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ

ondas marinhas e terra matildee universal e disco onividente do sol a voacutes invoco

‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ‒

vede-me quanto eu deus sofro dos deuses

As palavras ldquoondulaccedilotildeesrdquo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ldquoinumeraacuteveisrdquo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ldquouniversalrdquo ( ᵕ ᵕ

ᵕ ‒ ) e ldquoonividenterdquo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) parecem suscitar um efeito sonoro que evoca a vastidatildeo

do ermo no qual Prometeu estava aprisionado Dessarte o Imperador natildeo soacute reproduz a

composiccedilatildeo em ldquopriamelrdquo pela enumeraccedilatildeo adequada dos termos mas tambeacutem a evoca

por meio do ritmo Veja-se tambeacutem a interessante aliteraccedilatildeo entre os termos ldquouniversalrdquo

(consoantes finais) e ldquosolrdquo as assonacircncias em ldquooacuterdquo e a correspondecircncia sonora entre

ldquouni-rdquo e ldquooni-rdquo no trecho seguinte da versatildeo final

[]e terra matildee universal e disco onividente do sol a voacutes invoco[]

A mudanccedila regular de peacutes no trecho em questatildeo eacute notoacuteria

‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒

ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒

ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ‒

119

A passagem comeccedila com trecircs peacutes trocaicos ( ‒ ᵕ ) seguidos por trecircs datiacutelicos ( ‒

ᵕ ᵕ ) que datildeo lugar a dois peacutes que lembram o peocircnio grego ( ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ) em seguida o

ritmo retorna aos trecircs peacutes datiacutelicos ( ‒ ᵕ ᵕ ) Passa-se entatildeo para um movimento

interessante dois peacutes troicaicos intercalados com dois ldquopeocircniosrdquo e seguidos por um

datiacutelico ( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ) eacute Prometeu bradando ldquo terra matildee

universal e disco onividente dordquo Em seguida temos uma sequecircncia de trecircs peacutes

trocaicos ( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ) antes de um admiraacutevel decassiacutelabo heroacuteico que eacute a chave de

ouro ldquovede-me quanto eu deus sofro dos deusesrdquo ( ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) Dificilmente

escapa aos ouvidos a melopeia desse trecho

Veja-se agora a versatildeo 1 do Baratildeo de Paranapiacaba ao lado da versatildeo final do

Imperador Marca-se em negrito as palavras que coincidem

Quadro X Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 1 de Paranapiacaba (original vv88-91)

Apenas 6 palavras coincidem Seraacute que algo semelhante ocorre ao cotejar-se a

versatildeo 2 com a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro

Quadro XI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 2 de Paranapiacaba (original vv88-91)

Desta vez encontram-se quatorze palavras idecircnticas Embora a correspondecircncia

seja ainda pequena a versatildeo 2 de Paranapiacaba se mostrou mais proacutexima da traduccedilatildeo

Baratildeo de Paranapiacaba

Oacute Ether divinal oacute ventos d‟asa promta

Oacute fontes fluviais risos do mar sem conta

Oacute Terra genetriz de cujo seio ingente

Tudo brota do sol oacute disco onividente

Ouvi-me a invocaccedilatildeo Eu peccedilo que vejais

Quantas dores impotildeem a um Nume os Imortais

Dom Pedro II

Oacute ar divino e ventos de asas velozes e fontes

dos rios e ondulaccedilotildees inumeraacuteveis das ondas

marinhas e terra matildee universal e disco

onividente do sol a voacutes invoco vede-me

quanto eu deus sofro dos deuses

Baratildeo de Paranapiacaba

Oacute Eacuteter divinal auras velozes

Mananciais dos rios voacutes oacute risos

Inumeraacuteveis das marinhas ondas

Oacute Terra matildee universal oacute disco

Do Sol onividente Aqui me tendes

Vede que dor a um Deus infligem Deuses

Dom Pedro II

Oacute ar divino e ventos de asas velozes e fontes dos

rios e ondulaccedilotildees inumeraacuteveis das ondas

marinhas e terra matildee universal e disco

onividente do sol a voacutes invoco vede-me quanto

eu deus sofro dos deuses

120

em prosa de Dom Pedro II do que a primeira nos trechos analisados Sabemos pela carta

escrita pelo Baratildeo agrave Princesa Isabel que a versatildeo 2 foi feita a pedido de Lafayette

Rodrigues Pereira Seraacute que Lafayette tambeacutem sugeriu ao Baratildeo que procurasse uma

proximidade maior com a traduccedilatildeo em prosa do Imperador Infelizmente a carta

enviada agrave Princesa natildeo nos daacute mais detalhes a esse respeito

Paula da Cunha Correcirca termina seu artigo com as seguintes palavras

No final entre perdas e ganhos apoacutes confrontar essa pequena amostra dos

versos de Trajano e dos barotildees seria muito difiacutecil se tiveacutessemos que escolher

entre eles como Dioniso no concurso cocircmico de poetas traacutegicos nas Ratildes Os

finalistas provavelmente seriam Ramiz e Trajano ora a balanccedila pende para

um ora para o outro Mas daiacute entre esses dois faccedilo minhas as palavras do

deus (Aristoacutefanes As Ratildes vv1411-13)

Queridos satildeo e natildeo irei julgaacute-los

Odiosa a nenhum dos dois serei

pois um tenho por saacutebio o outro me agrada (CORREA 1999 p179)

A disputa eacute dura Mas em vista do que foi analisado parece-nos que Dom Pedro

II natildeo ficaria atraacutes

Conclusatildeo

Como se pode observar pelos exemplos elencados ao longo do presente capiacutetulo

as versotildees poeacuteticas e a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II satildeo obras distintas e por

isso seus meacuteritos e demeacuteritos natildeo podem ser associados indistintamente umas as outras

Tal conclusatildeo poderaacute ser ainda mais fortalecida pela leitura completa das transcriccedilotildees

integrais dessas obras presentes nos capiacutetulos finais da presente dissertaccedilatildeo

Depois da anaacutelise empreendida eacute possiacutevel supor que a traduccedilatildeo de Dom Pedro II

serviu como um estiacutemulo ao trabalho de Paranapiacaba em vez de servir-lhe

propriamente como um paradigma a ser imitado O cotejo entre as versotildees revelou que

quase sempre o Baratildeo seguiu o seu proacuteprio caminho Mesmo em notas preparadas para

a sua versatildeo 1 quando citava uma versatildeo literal natildeo era a de Dom Pedro II Veja-se

por exemplo a nota 111 escrita por Paranapiacaba

Litteralmente De sua horrenda guela expedia um sibilo de morte de seus

olhos dardejava como o raio um fogo de goacutergone

121

Jaacute a traduccedilatildeo literal de Dom Pedro II para a mesma passagem eacute ldquo soprando

exterminio pelas medonhas queixadas fulminava dos olhos gorgoneo lampejo []rdquo

Apenas a palavra ldquoolhosrdquo eacute coincidente

Se a palavra ldquotrasladaccedilatildeordquo encontrada no tiacutetulo do livro do Baratildeo for

entendida como apenas ldquoadaptaccedilatildeordquo poeacutetica da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II

(Prometheu Acorrentado original de Eschylo Vertido litteralmente para o portuguez

por Dom Pedro II Imperador do Brasil trasladaccedilatildeo poeacutetica do texto pelo Baratildeo de

Paranapiacaba grifo nosso) tal tiacutetulo induziraacute a um erro de entendimento pois

nenhuma das versotildees poeacuteticas eacute por assim dizer ldquoDom Pedro II em versosrdquo

Embora Dom Pedro II natildeo tivesse atendido a solicitaccedilatildeo do diplomata Joseph

Arthur de Gobineau de empreender uma traduccedilatildeo em versos percebe-se na anaacutelise

realizada que o Imperador natildeo descurou da sonoridade de sua traduccedilatildeo em prosa do

Prometeu Acorrentado Se a primeira versatildeo lembra traduccedilotildees escolares que visam

apenas o aprendizado de uma liacutengua estrangeira a versatildeo final por sua vez revela um

tratamento mais acurado quanto agrave sonoridade do texto valendo-se de assonacircncias

aliteraccedilotildees e criando padrotildees interessantes com as posiccedilotildees das siacutelabas tocircnicas ao longo

dos periacuteodos Veja-se por exemplo os efeitos sonoros produzidos pela sequecircncia

ldquorevolvemrdquo ldquoventosrdquo e ldquorevoltardquo na uacuteltima fala de Prometeu (vv1080-93) ou as

combinaccedilotildees ldquorevolvem o poacuterdquo e ldquorevolta de opostosrdquo ou ainda a rima interna ldquo ar e

marrdquo no seguinte trecho ldquo[] e os turbilhotildees revolvem o poacute rompem os sopros de

todos os ventos suscitando entre si a revolta de opostos furacotildees e satildeo abalados ar e

marrdquo (traduccedilatildeo de Dom Pedro II para os versos 1084-88 do texto grego)

Em suma Dom Pedro II natildeo foi prosaico ao realizar sua traduccedilatildeo em prosa do

Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo que ateacute onde se sabe eacute a primeira traduccedilatildeo dessa

trageacutedia grega feita no Brasil o que por si soacute lhe assegura um lugar de destaque na

longa cadeia das versotildees dessa peccedila em nosso idioma52

52 Ver Conclusatildeo Geral da presente dissertaccedilatildeo (p273) logo apoacutes as transcriccedilotildees da traduccedilatildeo do

Imperador e das versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba

122

SEGUNDA PARTE

TRANSCRICcedilOtildeES

123

CAPIacuteTULO 3 - Transcriccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II

[fl1]Prometheu encadegraveado53

de Eschylo

A Forccedila a Violencia Vulcagraveno Prometheu

A Forccedila

Chegamos a terra remota aacute regiatildeo Scytha a ermo despovoado Vulcano cumpre

cuidares das ordens que te deu o pae de ligar este malfeitor aos rochedos alcantilados

com algemas infrangiveis de vinculos de accedilo Tua chamma com effeito o brilho do

fogo util a todas as artes deu-o aos mortaes tendo o furtado Na verdade cumpre que

expie para com os deuses tal peccado para que aprenda a venerar o podegraver de Jupiter e

desista de habitos philanthropicos

Vulcagraveno

Forccedila e Violencia o mandado de Jupiter teve cumprimento de vossa parte e

nada mais resta Sou timido para encadegravear com violencia um deus parente ao

despenhadeiro hibernograveso Mas em todo o caso a necessidade d‟isto deve dar-me

audacia pois descurar as ordens do pae eacute grave Filho profundamente pensadograver da recta

conselheira Themis constrangido pregar-te-ei constrangido com cadegraveas indissoluveis

n‟esteltuarrmontegt inhospito onde nem voz nem figura de homem veraacutes mas queimado

lentamente pela chamma brilhante ltuarrdogt sol perderaacutes o mimo da cograver A ti alegrado a

noite de manto varie[fl2]gado occultaraacute a luz e o sol dissiparaacute de nogravevo a geada

matutina Porem sempre te atormentaraacute o pesar do mal presente pois quem deve livrar-

te natildeo nasceu ainda Isto colheste de teus habitos philanthropicos pois qual deus natildeo

temendo a colera dos deuses deste aos mortaes honras alem do justo Por cuja causa

guardaraacutes este ingrato rochegravedo em peacute insomne natildeo curvando o joelho e voltaraacutes

muitas lamentaccedilotildees e gemidos inuteis porque o animo de Jupiter eacute difficilmente

flexivel Rigoroso eacute quem recentemente governa

Forccedila

53

A numeraccedilatildeo das paacuteginas parece ter sido feita a laacutepis no manuscrito a marcaccedilatildeo eacute feita de forma

alternada (se uma paacutegina possui a numeraccedilatildeo a proacutexima natildeo) No entando a paacutegina 7 do manuscrito foi

erroneamente marcada como paacutegina ldquo6rdquo O equiacutevoco persiste ateacute o final do manuscrito cuja a uacuteltima

paacutegina eacute marcada como ldquo46rdquo sendo que haacute 47 paacuteginas de traduccedilatildeo Natildeo sabemos quem fez a marcaccedilatildeo

124

Faccedila-se Porque tardas e te compadeces em vatildeo Porque natildeo odiacuteas o deus mais

inimigo dos deuses que deu traiccediloeiramente teu privilegio aos mortaes

Vulcano54

O parentesco eacute na verltuarrdgt[a]de muito forte assim como a familiaridade

Forccedila

Concordo mas desattendegraver aacutes palavras do pae como eacute possivel Natildeo temes isto

mais

Vulcano

Tu sempre desapiedada e cheia de audacia

[fl3]

Forccedila

De nada vale deploral-o natildeo faze pois cousas que nada aproveitatildeo

Vulcano

Oh muito odiado trabalho manual

Forccedila

Porque o odiacuteas Pois dizendo a verdade natildeo eacute a arte a causa dos males

presentes

Vulcano

A outrem conviria cabegraver ella por sorte

Forccedila

Tudo foi feito para os deuses excepto imperarem55

pois ningueacutem eacute livre salvo

Jupiter

Vulcano

54

Daqui por diante o acento da palavra ldquoVulcagravenordquo soacute seraacute empregado novamente na paacutegina 26 do

manuscrito 55

No manuscrito o trecho ldquo() para os deuses excepto imperaremrdquo eacute sublinhado Tambeacutem entre as

linhas dessa fala DPedro II redige o seguinte comentaacuterio ldquo(excepto para os deuses o imperarem ndash isto eacute

ndash tudo custou trabalho excepcto imperarem os deuses pois somente Jupiter eacute livre (natildeo obedece impera)

(Qual a melhor interpretaccedilatildeo)rdquo

125

Sei-o e nada tenho que contradizer a isto

Forccedila

Natildeo te apressaraacutes pois a circundal-o de cadeagraves para que a ti tergiversante natildeo

ltuarrvejagt[] o pae

Vulcano

E jaacute aacute matildeo se podem vegraver os elos

Forccedila

Tomando-os emtorno das matildeos bate com o malho com grande forccedila finca-os

nas pedras

[fl4]

Vulcano

Estaacute feito e natildeo dura este trabalho

Forccedila

Bate mais aperta de nenhum modo alarga pois eacute astuto para achar sahidas

mesmo de cousas sem remedio

Vulcano

O braccedilo jaacute foi fixado inabalavelmente

Forccedila

E agora liga est‟outro firmemente para que o astuto saiba que eacute mais obtuso que

Jupiter

Vulcano

Excepto este ninguem justamente se houvera queixado de mim

Forccedila

Agora forte enterra atravez dos peitos os dentes arrogantes da cunha de accedilo

Vulcano

Ai ai Prometheu gemo com tuas desgraccedilas

Forccedila

126

De novo hesitas e gemes com os inimigos de Jupiter Que natildeo te compadeccedilas

de ti um dia

[fl5]

Vulcano

Vegraves um espectaculo horriacutevel de vegraver

Forccedila

Vejo-o conseguindo o que eacute justo mas lanccedila os vinculos axillares em torno das

costellas

Vulcano

Eacute necessario fazel-o natildeo m‟o ordenes demais

Forccedila

Ordenarei certamente e incitarei com gritos alem d‟isso Anda para baixo e

aperta com anneis as pernas aacute forccedila

Vulcano

E fez-se o trabalho sem grande custo

Forccedila

Agora finca fortemente as algemas dos peacutes pois que o censor de tuas obras eacute

severo

Vulcano

A tua linguagem falla cousas similhantes aacute tua forma

Forccedila

Segrave molle mas a minha insolencia e crueza d‟indole natildeo m‟ltuarrexprobesgt[]

Vulcano

Vamo-nos pois tem regravedes nos membros

[fl 6]

Forccedila

Procede agora aqui indolenltuarrtegtte[m] e furtando os privilegios dos deuses daacute-

os aos ephemeros Que valem os mortaes para te aliviarem d‟estes trabalhos Os deuses

127

te chamatildeo com o pseudonymo de Prometheu (previdente) quando tu mesmo precisas

d‟um Prometheu de modo a te desembaraccedilares d‟estes artefactos

Prometheu

ltuarrOh ar divinogt[] e ventos de azas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees

innumeraveis das ondas marinhas e terra matildee universal e disco omnividente do sol a

voacutes invoco vede-me quanto eu deus soffro dos deuses Vegravede por quaes ignominias

vexado luctarei infindos annos O nogravevo reguladograver dos felizes inventou por causa de

mim este vinculo aviltante Ai ai Lamento o soffrimento presente e o superveniente

De que modo cumpre que um dia surja o termo d‟estes males Comtudo que digo Sei

de antematildeo claramente tudo o que deve vir nenhum soffrimento chegar-me-aacute

inesperado Eacute preciso supportar da melhor mente a sorte destinada reconhecendo que a

forccedila da necessidade eacute invencivel Mas nem calar nem natildeo calar me eacute possivel esta

sorte porque dando privilegios aos mortaes estou subjugado por estes supplicios

Pesquizo a origem furtiva do fogravego [fl6 (7)]56

occulta na ferula a qual foi para os

mortaes mestra de todas as artes e grande auxilio Cumpro estes castigos das culpas

estando a ceu descoberto pregado com cadegraveas Ah Ah Ai Ai Que rumograver que cheiro

imperceptivel voou ateacute mim Divino mortal ou mixto Veio ao cimo do rochedo

algum expectadograver de meus males ou querendo o que Vegravede-me deus infeliz encadeado

inimigo de Jupiter incorrendo no odio de todos os deuses que frenquentatildeo o palacio de

Jupiter por causa de amizade demasiada aos mortaes Ai Ai Que rumorejar de

voadores ouccedilo de nogravevo perto O ltuarrar sussurragt[] com as ligeiras vibraccedilotildees das azas

Tudo o que se aproxima eacute para mim atemorizadograver

Chogravero

(Strophe 1ordf)

Nada temas pois este bando amigo de azasltuarrcom rapidas porfiacuteasgt[]ltdarrelevou-

se agt este rochegravedo apegravenas convencendo as paternas vontades Auras velozes me

conduziram porque o echo do tinido do ferro penetrou o recesso dos antros expelliu de

mim o veneravel pudograver e descalccedila precipitei-me no carro alado

Prometheu

56

Paacutegina 7 do manuscrito erroneamente marcada como paacutegina ldquo6rdquo O equiacutevoco persiste ateacute o final do

manuscrito marcando a uacuteltima paacutegina como ldquo46rdquo sendo que haacute 47 paacuteginas de traduccedilatildeo Doravante

colocaremos a numeraccedilatildeo correta entre parecircnteses

128

Ai Ai Ai Ai Prole da fecunda Tethys filhas do pae Oceano que circumvolve toda a

terra com insomne fluxo olhae observae com que cadegravea ligado supportarei natildeo

invejavel sentinella no cume dos rochegravedos d‟este precipicio

[fl8]

Chogravero (antistrophe 1ordf)

Vejo-o Prometheu uma nevoa temivel cheia de lagrimas precipitou-se sobre

meus olhos observando eu teu corpo mirrando-se pregado nos rochegravedos com estes

ferreos flagellos pois novos ltuarrtimoneirosgt[]57

regem o Olympo e com leis novas

impera Jove illegitimamente destroe agora o que era antes veneravel

Prometheu

ltuarrProuveragt[Oxalaacute]58

me houvesse arremessado para baixo da terra e Orco

recebedograver dos mortos para o Tartaro immenso tendo me lanccedilado crueis e indissoluveis

cadegraveas de modo que nem deus nem outro qualquer se regozijasse d‟isto Agora

desgraccedilado dos ventos ludibrio soffro o que alegra os inimigos

Chogravero (Strophe 2ordf)

Qual dos deuses de coraccedilatildeo assim endurecido a quem isto agraacutede Quem natildeo

partilha a dograver de teus males excepto Jupiter Elle irosamente tendo se posto de animo

inflexivel doma a celeste progenie nem cessaraacute antes que ou sacie o coraccedilatildeo ou

alguem por qualquer artificio se tenha apossado do governo difficil de tomar

Prometheu

Certamente o governador dos felizes ainda teraacute necessidade de mim maltratado

embora por fortes algegravemas para eu lhe [fl8 (9)] manifestar o novo trama59

pelo qual

sceptro e honras lhe seratildeo roubados Nem me abrandaraacute com os mellifluos

incantamentos da persuasatildeo nem aterrado por graves ameaccedilas denuncial-o-ei antes que

me tenha soltado das crueis cadegraveas e reparado esta ignominia

57 Ver paacutegina 23 nota 58

A palavra ldquoOxalaacuterdquo estaacute sublinhada no manuscrito e logo acima estaacute escrita a palavra ldquoprouverardquo com

tinta diferente Ao contraacuterio das outras ocorrecircncias natildeo houve rasura o que indica duacutevida 59

Palavra normalmente feminina no entanto o dicionaacuterio Houaiss anota a ocorrecircncia desse termo

tambeacutem como um substantivo masculino no sentido de ldquoconluiordquo ldquomaquinaccedilatildeordquo

129

Chogravero (Antistrophe 2ordf)

Na verdade audaz nada te dobras aos males acerbos e demasiadamente livre

fallas Terrograver profundo abalou-me o animo pois temi quanto ao teu destino o como

cumpra chegares a vegraver o termo d‟estes trabalhos porquanto o filho de Saturno tem

caracter inexoravel e coraccedilatildeo inflexivel

Prometheu

Sei que Jupiter eacute aspero julgando a seu bel-prazegraver comtudo seraacute um dia de

animo brando quando fograver de certo modo ferido abatendo a indomavel colera voltaraacute

ainda anciograveso aacute concordia e a amizade commigo anciograveso

Chogravero

Revela tudo e dize-nos em que crime surpreh[enltuarrdengtd]o-te Jupiter assim te

maltrata ignominiosa e acerbamente Conta-nos se nada teltuarr+gt60

offende na narraccedilatildeo

Prometheu

Na verdade eacute doloroso para [mim ltuarro que tenho degt referir ]ltuarrmasgt doloroso

calar em todos os casos desgraccedilado Logo que os ltdarrcelicolasgthabitantes do ceu[fl10]

se deixaram ltuarrdominargt pela coacutelera e a discordia suscitou de entre elles querendo uns

derrubar Saturno do throno sem duvida para que Jupiter imperasse outros anhelando o

contrario que Jupiter jamais governasse os deuses entatildeo aconselhando eu o melhor

natildeo ltuarrpude convencegravergt[] os Titatildees filhos do Ceu e da Terra mas desprezando os

meios brandos em seus violentos pensamentos julgaratildeo haver de governar sem custo aacute

forccedila Natildeo ltuarrsomentegt uma vez minha matildee Themis e a Terra forma unica de

muitos nomes predissera-me como se ratificaria o futuro que nem por forccedila nem por

violencia ltuarrcumpririagt mas por dolo ltuarros quegt[] ltuarrse tornassemgt [superiores]

vencegraverem ltuarr+gt61

[] ltA mim quando dizia taes cousas com palavras natildeo se dignaram de

60

Entre ldquoterdquo e ldquoofenderdquo estaacute um sinal ldquo+rdquo (adiccedilatildeo ou cruz) feito em tonalidade de tinta diferente A cruz

costuma indicar passagens corrompidas nos manuscritos Mas natildeo parece o caso aqui em vista do grego 61 Acima do ponto final haacute uma cruz (ou adiccedilatildeo) aparentemente marcada a laacutepis No entanto antes do

ponto final temos a palavra ldquovencegraveremrdquo e acima dela haacute outro sinal um ciacuterculo com uma cruz dentro

No comeccedilo da paacutegina do manuscrito onde estaacute escrita a passagem em questatildeo [fl10] haacute um sinal

idecircntico ao que fora escrito sobre a palavra ldquovencegraveremrdquo Perto desse sinal estaacute escrito ldquofaltam aqui dous

versosrdquo Esses dois versos foram escritos mais agrave esquerda desse sinal ldquoA mim quando dizia taes cousas

com palavras natildeo se dignaram de nada attender totalmenterdquo Portanto o sinal no corpo do texto se trata

de uma chamada e a cruz acima do ponto final talvez indique que eacute depois dele que os versos esquecidos

na traduccedilatildeo devem ser lidos Por isso os incluiacutemos no corpo do texto

130

nada attender totalmentegt62

Do que entatildeo se apresentava parecia-me ser o mais

acertado tomando commigo minha matildee auxiliar de boa vontade a Jupiter que o queria

Por meus conselhos o abysmo do Tartaro profundamente negro esconde o anciatildeo

Saturno com seus alliados De tal sorte por mim ajudado o Senhor dos deuses com estes

duros trabalhos recompensou-me Ha na verdade como este achaque na soberania de

natildeo confiar nos amigos Jaacute que perguntaes porque motivo me maltrata explical-o-ei

Logo que se assentou no throno paterno immediatamente distribuiu recompensas pelos

habit celicolas a cada um sua e regulou o governo Mas em nenhuma conta teve os

miseros mortaes porem ltuarrdezejavagt[queria] destruindo toda a geraccedilatildeo crear nova E

a isto ninguem resistiu [fl10 (11)]excepto eu Eu porem atrevi-me livrei os mortaes de

irem anniquilados para o Orco Pelo que sou vergado por estas desgraccedilas dolorosas de

soffregraver tristes de vegraver Tendo compaixatildeo dos mortaes natildeo fui achado digno de obtegravel-a

mas desapiedadamente assim fui castigado espectaculo deshonrograveso para Jupiter

Chogravero

De coraccedilatildeo de ferro e feito de pedra eacute quem oh Prometheu natildeo partilha teus

soffrimentos natildeo dezejava eu pois tegraver visto estas cousas e tendo as visto foi o coraccedilatildeo

angustiado

Prometheu

E na verdade para os amigos triste sou eu de vegraver

Chogravero

Por ventura natildeo foste mais longe do que ltuarristogt[]

Prometheu

Impedi os mortaes de prevegraver o destino

Chogravero

Que remedio achando d‟este mal

Prometheu

62

Ver nota anterior

131

ltuarrEstabelecigt[] n‟elles cegas esperanccedilas

Chogravero

Esta grande vantagem doaste aos mortaes

Prometheu

[fl12]

Alem d‟isso dei-lhes o fogravego

Chogravero

Pois ephemeros possuem ltuarragoragt o fogo chamejante

Prometheu

Pelo qual conheceratildeo muitas artes

Chogravero

Por taes crimes pois maltrata-te Jupiter nem abranda os males Nem ha para ti

termo assentado do soffrimento

Prometheu

Nenhum outro senatildeo quando aacutequelle praza

Chogravero

Como porem lhe aprazeraacute Que esperanccedila Natildeo vegraves que delinquiste Como

delinquiste natildeo me eacute agradavel dizer e para ti eacute dograver mas deixemos estas cousas

procura pois qualquer libertaccedilatildeo do soffrimento

Prometheu

Facil eacute quem tem o peacute foacutera das desgraccedilas aconselhar e ltuarradmoestargt[] o

afflicto mas eu sabia tudo isto voluntaria voluntariamente delinqui natildeo negarei

favorecendo os mortaes acarretei-me os trabalhos Comtudo natildeo pensava havegraver de

mirrar-me com taes trabalhos sobre alcantilados rochegravedos cabendo-me este monte

ltuarrermogt[] sem visinhos Natildeo lamenteis comtudo as desgraccedilas presentes mas

132

ltuarrvindasgt[] aacute terra [fl12(13)] ltuarrouvigt [] a sorte que s‟aproxima63

afim de que tudo

saibaes ateacute o fim Crede-me crede compadecei-vos de quem soffre agora Do mesmo

modo certamente a desgraccedila vagando liga-se ora a um ora a outro

Chogravero

Natildeo clamaste isto a ltuarrpessoas que natildeo quizessem (ouvir)gt[ Prometheu E jaacute

com] peacute ligeiro deixando a seacutede velozmente impellida e o puro ltuarrargt[] passagem

ltdos aligerosgt[] chego a este solo fragograveso desejo ouvir inteiramente os teus

trabalhos

Oceagraveno

Chego a ti Prometheu tendo percorrido o termo de longo caminho governando

este aligero de rapido voo pela vontade sem freio Condograveo-me de tua sorte sabegrave-o pois

a isto julgo me obriga o parentesco e parentesco aacute parte a ninguem daria maior

quinhatildeo do que a ti Conheceraacutes porem quatildeo verdadeiras satildeo estas cousas nem que eacute de

mim fallar agradavelmente com leviandade Vamos pois indica em que cumpre

socorrer-te pois nunca diraacutes que ha para ti amigo mais firme que o Oceagraveno

Prometheu

Ah ltuarrQue cousagt64

[Tambem tu] vieste expectadograver de meus trabalhos Como

ousastes deixando a corrente que ltuarrtira de tigt [] o nome e os antros nativos cobertos

de pedra vir aacute terra matildee do ferro Por ventura [fl14] chegaste para observares minha

sorte e partilhares meus males Vegrave o espectaculo o amigo de Jupiter quem com elle

estabeleceu a soberania sob que desgraccedilas sou por elle vergado

Oceagraveno

Vejo-o Prometheu e quero na verdade aconselhar-te melhor embora a quem eacute

astuciograveso Conhece-te a ti mesmo e muda para novos habitos pois tambem novo eacute o

soberagraveno entre os deuses Se arremessas palavras tatildeo asperas e aguccediladas talvez logo te

ouccedila Jupiter mesmo assentando-se muito mais alto de modo que a amargura actual

ltdos malesgt[ dos soffrimentos]paregraveccedila ser divertimento Mas oh infeliz perde a colera

63

O sinal ldquo+rdquo foi marcado acima dessa palavra no manuscrito 64

O trecho ldquoQue cousardquo foi escrito logo acima da palavra ldquotambeacutemrdquo seu lugar na frase eacute indicado por

meio de traccedilo Nota-se tambeacutem o sinal (+) em outra cor com o qual provavelmente o autor marcava

onde em revisatildeo deveria inserir algo

133

que tens procura a libertaccedilatildeo d‟estes soffrimentos Talvez pareccedila-te dizegraver cousas

antiquadas comtudo tal eacute a recompensa d‟uma lingua demasiadamente arrogante Tu

porem natildeo eacutes humilde nem cedes aos males mas queres ajuntar outros aos actuaes

Portanto servindo-te de mim ltcomogt[] mestre natildeo daraacutes ponta- peacutes na espora vendo

que impera um monarcha severo e irresponsavel E agora vou-me e tentarei se posso

livrar-te d‟estes trabalhos Tu aquieta-te e natildeo falla intemperantemente Acaso natildeo

sabes perfeitamente sendo tatildeo prudente que eacute infligido castigo aacute lingua insensata

[fl14 (15)]

Prometheu

Invejo-te porque ficas isento de crime tendo tudo partilhado e visado commigo

Mas agora desiste nem te importes pois de nenhum modo o convenceraacutes porquanto eacute

inexoravel Examina bem tu mesmo se nada soffres com a viagem

Oceagraveno

Na verdade muito melhor aconselhas os outros que a ti proprio e reconheccedilo-o

pelas obras e natildeo pelas palavras De nenhum modo faccedilas retrocedegraver a mim que venho

apressado pois gloriacuteo-me gloriacuteo-me de havegraver Jupiter de concedegraver-me o dom de

libertar-te d‟estes trabalhos

Prometheu

Louvo-te por isso e jamais deixarei de louvar-te Natildeo poupas diligencia

comtudo nada faccedilas pois nada aproveitando-me debalde trabalharaacutes ainda que

trabalhar queiras mas aquieta-te conservando-te afastado porquanto se eu sou infeliz

natildeo quizera por esta causa que tocassem desgraccedilas a muitosltuarrOceanogt65

[Natildeo]

certamente pois que me atormentatildeo os destinos do irmatildeo Atlante que estaacute nas regiotildees

occidentaes sustentando nos hombros a columna do ceu e da terra peso difficil de

suportar ltuarrCondoi-megt [vendo o] terrigena habitante dos antros Cilicios monstro

funesto o violento Typhatildeo de cem cabeccedilas subjugando os outros agrave forccedila o qual

rebellou-se [fl16] contra todos os deuses soprando exterminio pelas medonhas

queixadas fulminava dos olhos gorgoneo lampegravejo como se destruira aacute forccedila a

soberania de Jupiter Mas veio a elle o dardo insomne de Jupiter o cadente raio

65 Ver nota 69

134

expirando chammas que abateu as arrogantes jactancias pois ferido nas proprias

entranhas foi o vigor incinerado e fulminado e agora corpo inerte e estirado jaz

perto de estreito maritimo comprimido sob as raizes do Etna Nos altos cumes

assentado forja Vulcano massas incandescentes d‟onde jorraratildeo um dia rios de fogravego

devorando com ferozes queixos as campinas da Sicilia de bellos fructos Typhatildeo

vomitaraacute essa biles com os ardentes dardos d‟inextinguivel ignivomo ltuarr+gt[turbilhatildeo]66

Carbonisado embora pelo raio de [Jupiter] ltuarrPrometheugt67

Tu natildeo eacutes inexperiente nem

precisas de mim como mestre salva-te a ti mesmo como souberes Eu supportarei o

presente destino ateacute que o animo de Jupiter cesse da colera

Oceagraveno

Pois natildeo [sabes]ltuarristogt Prometheu que as fallas satildeo medicos de alma doente

Prometheu

Se alguem ltuarracalmargt[] o coraccedilatildeo opportunamente e natildeo reprimir aacute forccedila a

paixatildeo intumescente

Oceagraveno

[fl16(17)]

Mas no interessar-se e ousal-o que damno vegraves existir Ensina-m‟o

Prometheu

Trabalho inutil e stultice de ltanimogt[espirito] leviagraveno

66

Acima de ldquoturbilhatildeordquo encontra-se o sinal de adiccedilatildeo 67 A palavra ldquoPrometheurdquo foi escrita no espaccedilo interlinear entre as palavras ldquoJupiterrdquo e ldquoTurdquo Num

primeiro momento pensamos que o Imperador estava apenas indicando ao leitor que a longa fala de

Prometeu continuava (vv340-76) tiacutenhamos em mente o texto original editado por Mark Griffith (1997)

No entando Brunno VGVieira Professor de Letras Claacutessicas da UNESP e um dos arguidores da

presente pesquisa chamou a atenccedilatildeo para esse detalhe Posteriormente consultamos a ediccedilatildeo de 1809 do

texto original grego empeendida por Christian Gottfried Schuumlltz e constatamos que a disposiccedilatildeo das falas

difere da ediccedilatildeo de Griffith A ediccedilatildeo de Schultz tem a seguinte disposiccedilatildeo Prometeu vv 340-46

Oceano vv347-72 Prometeu vv373-6 A ediccedilatildeo de Thomas Stanley (1809) possui a mesma disposiccedilatildeo

de Schuumlltz para a passagem em questatildeo A palavra ldquoPrometheurdquo escrita no espaccedilo interlinear destaca um

trecho idecircntico ao da fala de Prometeu editada por Schuumlltz e Stanley Logo acima do iniacutecio da traduccedilatildeo

para o verso 347 o Imperador escreveu no espaccedilo interlinear a palavra ldquoOceanordquo[fl15] (p133) mas

riscou-a Se levarmos em conta esses dois acreacutescimos a traduccedilatildeo fica com a mesma disposiccedilatildeo das

ediccedilotildees de Schuumlltz e Stanley para os versos 340-76 O interessante eacute que na versatildeo preliminar da traduccedilatildeo

em prosa guardada no Museu Imperial natildeo haacute esses dois acreacutescimos o que nos faz pensar que Dom

Pedro II estava trabalhando com mais de uma ediccedilatildeo do texto original Eis a traduccedilatildeo dos versos 373-6 no

manuscrito do Museu Imperial ldquoTu natildeo inexperiente natildeo precisas de mim como mestre salva-te a ti

como sabes Eu sofrerei a sorte presente ateacute que o espirito de Jupiter tenha descansado da colerardquo

135

Oceagraveno

Deixa-me padecegraver d‟esta molestia pois que eacute ltuarr+gt[vantajogravesissimo]68

que quem

pensa sensatamente natildeo o pareccedila

Prometheu

Esta culpa pareceraacute segraver minha

Oceagraveno

Teu discurso reenvia-me para casa

Prometheu

Natildeo te lance ao odio a compaixatildeo de mim

Oceano69

Porventura de quem assenta-se recentemente na sede omnipotente

Prometheu

Guarda-te d‟elle que jamais seu coraccedilatildeo seja irritado

Oceagraveno

Tua desgraccedila Prometheu eacute minha mestra

Prometheu

Vae-te apressa-te ltuarrconservagt[] tua actual resoluccedilatildeo

Oceagraveno

[fl 18]

Disseste-o a quem tem pressa pois o aligero quadrupede roccedila com as azas o

caminho plagraveno do ar contente por tegraver de dobrar o joegravelho nos estabulos

ltuarrdomesticosgt[]

68

Haacute uma cruz ou adiccedilatildeo marcada a grafite acima dessa palavra 69

Aqui o acento foi esquecido

136

Chogravero (Strophe 1ordf)70

Deploro-te pela sorte perniciosa Prometheu e molhei as faces com humidas

fontes derramando de ternos olhos uma corrente gotejando lagrimas pois Jupiter

ordenando estas cousas desapiedadamente por leis suas mostra ltuarraosgt[] deuses de

outrora a haste orgulhosa

(antistrophe 1ordf)

Jaacute toda a regiatildeo resoou lamentavelmente e tua magnifica e antiga dignidade

deploratildeo e quantos mortaes habitatildeo o vizinho solo da sacra Asia condoem-se de tuas

desgraccedilas dignas de altos gemidos

(Strophe 2ordf)

e as virgens habitantes da terra da Colchida impavidas nos combates e a

ltuarrhordagt[] Scytha que ocuppa o logar extremo da terra emtograverno do pauacutel Meotide

(antistrophe 2ordf)

e a flograver marcial da Araacutebia e os que habitatildeo71

aldegravea cheia de precipicios perto

do Caucaso chusma bellicosa fremente com agudas hastes

[fl18 (19)]

(Epodo)

Somente outro vi antes subjugado ltuarremgt[por]ferreos trabalhos pelos flagellos

dos deuses Atlante que sempre um esforccedilo immenso o solido polo celeste sustenta nas

costas Muge o marulho do mar chocando-se geme o abysmo o negro fundo da

regiatildeo do Orco sub-freme e as fontes dos rios sacro-fluentes deploratildeo a lamentavel dograver

Prometheu

ltuarrDe nenhum modogt[ julgueis] que por pertinacia ou insolencia me cale mas

o desgosto ltuarrdevoragt[dilacera]-me o coraccedilatildeo vendo-me assim ultrajado Comtudo

quem senatildeo eu distribuiu privilegios por todos estes novos deuses Calo-o porem jaacute

que o diria a voacutes que o sabeis Ouvi a desgraccedila que houve para os mortaes como a elles

estupidos antes ltuarrfizgt[] prudentes e dotados de intelligencia mas dil-o-ei natildeo tendo

exprobaccedilatildeo para os homens porem expondo a benevolencia das cousas que dei Na

verdade os que d‟antes viatildeo debalde viatildeo os que ouviatildeo natildeo ouviatildeo mas similhantes aacutes

70

Havia uma linha de texto abaixo da palavra ldquochograverordquo que foi totalmente riscada em sua maior parte

estaacute ilegiacutevel Lecirc-se contudo algumas palavras ldquolamentordquo na primeira posiccedilatildeo ldquoperniciosardquo e a uacuteltima

ldquoPrometheurdquo 71

O trecho ldquoda Arabia e os que habitatildeordquo foi sublinhado no manuscrito e logo acima dele foi escrito

entre parecircnteses ldquo(de Aryas que habita)rdquo sem indicaccedilatildeo de inclusatildeo

137

formas dos sonhos por muito tempo tudo ltuarrconfudiatildeogt[] ao acaso nem conheciatildeo as

casas de tijogravelo expostas ao sol nem carpinteria mas habitavatildeo encovados como as

pequegravenas formigas nas profundezas natildeo assoalhadas dos antros Natildeo havia para elles

limite de inverno nem de florida primavera nem de fructifero estiacuteo mas tudo faziatildeo

[fl20] sem sciencia ateacute que lhes mostrei os nascimentos dos astros e os occasos

difficeis de notar E inventei-lhes a numeraccedilatildeo a mais excelente das doutrinas e os

arranjos das letras e a memoria matildee das musas artiacutefice de todas as cousas Jungi

[primeiro ao jugo os animaes] ltuarrtornando-se escravos da cordagt72

ltuarre para quegt[]

com os corpos fossem substitutos aos mortaes nos maiores trabalhos sujeitei ao carro

os cavallos doceis ltuarrde reacutedeagt [] ornamento da molleza excessivamente rica

Ninguem senao73

eu inventei esses vehiculos undivagos de azas de linho Descobrindo

taes inventos para os mortaes infeliz natildeo tenho eu proprio artificio com que me

ltuarrlivregt[] da desgraccedila actual

Chogravero

Soffres affrontosa desgraccedila aberras privado da razatildeo mas como mau medico

cahindo doente desanimas e natildeo podes achar com que remedios sejas curavel

Prometheu

Ouvindo-me o resto mais admiraraacutes as artes e cousas uteis que excogitei O que

eacute o mais importante se alguem cahisse doente natildeo havia nenhum remedio nem de

comegraver nem de untar nem de bebegraver mas definhavatildeo por falta de remedios antes que eu

lhes mostrasse as misturas dos saudaveis remedios com que expellem de si todas as

molestias

[fl20 (21)]

Institui muitos modos de adevinhaccedilatildeo e primeiro e distingui o q74

dos sogravenhos

deve segraver sogravenho verdadeiro expliquei-lhes os agouros vocaes difficeis de entendegraver e

os accidentaes dos caminhos e defini exatamente o vograveo das aves de unhas

recurvadas quaes as favoraveis por natureza quaes as sinistras que comida tem cada

uma que inimizades amograveres e reuniotildees entre ellas e a lisura das entranhas e com que

72

O trecho ldquotornando-se escravos da cordardquo foi escrito logo acima do trecho ldquoprimeiro ao jugo os

animaisrdquo seu lugar na frase eacute indicado por meio de traccedilo Depois da palavra ldquoanimaesrdquo o trecho ldquoe para

querdquo foi escrito logo acima de algo que fora riscado e estaacute ilegiacutevel 73

O autor esqueceu de colocar o til na palavra ldquosenatildeordquo 74

O autor anota ldquoqrdquo com um til no manuscrito Eacute a abreviaccedilatildeo da palavra ldquoquerdquo Recurso bastante comum

na eacutepoca do Imperador e recorrente em seu manuscrito

138

cograver sejatildeo do prazegraver para os celicolas e a bella forma variegada do fel e do lobulo do

figado Queimando membros cobertos de gordura e um comprido lombo guiei os

mortaes na difficil arte de adevinhar e revelei os signaes igneos d‟antes caliginosos

Taes na verdade estas cousas mas quem diria ter descoberto antes o ltuarrcobregt[] o

ferro a prata e o ouro recursos occultos aos homens embaixo da terra Ninguem

perfeitamente o sei a natildeo queregraver palrar em vatildeo Em poucas palavras aprende tudo

d‟uma vez todas as artes proviratildeo aos mortaes de Prometheu

Chogravero

Natildeo soccograverras os mortaes alem do que convem nem te descuides de ti

desgraccedilado pois que tenho boas esperanccedilas de que um dia sogravelto d‟essas cadegraveas natildeo

segravejas menos poderograveso que Jupiter

Prometheu

[fl22]

Prometheu

Ainda natildeo estaacute fadado que ltuarrde tal maneiragt[assim] ratifique isto a

Parca que tudo perfaz mas vergado sob infinitas desgraccedilas e calamidades assim

livrar-me-ei a final das cadegraveas A arte eacute muito mais fraca do que a fatalidade

Chogravero

Quem eacute o timoneiro da fatalidade

Prometheu

As triformes Parcas e as memoriosas Furias

Chogravero

Pois Jupiter eacute mais fraco do que ellas

Prometheu

Certamente natildeo evitaria o fadado

Chogravero

Que ha pois fatal para Jupiter senatildeo imperar

139

Prometheu

Jamais o saberias nem me rogues

Chogravero

Eacute porventura alguma cousa ltuarrvenerandagt[] o que occultas

Prometheu

Lembrae-vos de outro discurso proferir este de nenhum modo eacute

opportuno mas deve-se occultal-o o mais possivel pois reservando-o evito cadegraveas

affrontosas e calamidades

[fl22 (23)]

Chogravero (Strophe 1ordf)

Jamais quem rege tudo Jupiter opponha seu podegraver aacute minha vontade

Nem tarde ltuarreugt em approximar-me dos deuses com os banquegravetes ltuarrrituaesgt de

bois sacrificados junto ao curso incessante do pae Oceagraveno nem delinqua por palavras

mas fique-me isto e jamais se desvanegraveccedila

(antistrophe 1ordf)

Doce eacute estendegraver longa vida por confiadas esperanccedilas nutrindo a alma de

brilhantes alegrias mas horroriso-me observando porque infinitos ltuarrsoffrimentosgt

[eacutes atorm]entado ltx x x x xgt75

Natildeo temendo Jupiter honras demasiadamente os

mortaes Prometheu por tua propria vontade ltuarrStrophe 2ordfgt76

Eia Que ingrata gratidatildeo

oh amigo dize onde auxilio Que socograverro dos ephemeros Natildeo observaste a importante

fraqueza similhante a um sonho ltuarrcomgt[] que a dos mortaes x x x77

cega geraccedilatildeo

estaacute algemada Os conselhos dos mortaes ltuarrnuncagt[] preferem aacute ordem estabelecida

por Jupiter

(antistrophe 2ordf)

Aprendi-o ltuarrobservandogt[] tua misera sorte Prometheu Diverso voou

para mim este e aquelle canto quando emtograverno do banho e de teu leito com alegria

75

Logo apoacutes a esse ponto encontra-se um traccedilo ascendente sobre o qual estaacute marcado ldquox x x x xrdquo

indicando que o texto original nessa passagem estaacute corrompido Ver pp75-7 da presente dissertaccedilatildeo 76

A indicaccedilatildeo do o iniacutecio da estrofe 2ordf foi feita por meio de linhas ascendentes partindo dentre as

palavras ldquovontaderdquo e ldquoeiardquo nas quais eacute escrito ldquo(Strophe 2ordf)rdquo como uma espeacutecie de correccedilatildeo feita pelo

autor 77

Marcaccedilatildeo feita no corpo do texto Ver nota 78

140

cantava o hymeneu na occasiatildeo que persuadindo com as dadivas esposalicias minha

irmatildea paterna Hesione levaste-a como espogravesa socia de leito

[fl24]

Io

Que terra Que geraccedilatildeo Quem direi ser este que eu vejo expogravesto aacutes intemperies

encadeado aos rochegravedos De que delicto te faz perecegraver o castigo Mostra-me em que

parte da terra vago ltuarrAh Ah Ai Aigt[Novamente ferra-me] infeliz um tavatildeo

imagem do terrigena Argos Afasta terra tenho megravedo o boieiro ltuarrde numerosos olhos

que me observagt[ infinitos] Elle anda tendo ogravelho dolograveso e morto natildeo o esconde a

terra mas escapando d‟entre os que estatildeo debaixo da terra caccedila-me desgraccedilada e faz-

me vagar famelica pela maritima aregravea78

(Strophe)

A canna ltuarrmelodiosagt[sonora] ligada com cegravera resogravea um canto soporifero

Ai ai ah Onde ah Onde me levatildeo as longinquas peregrinaccedilotildees Em q a final ltoh

uarrSaturniogt[] filho em que a final achando-me delinquente prendeste-me n‟estas

desgraccedilas Ai ai Assim me atormentas infeliz delirante com o megravedo das ferroadas do

tavatildeo Queima-me com fogravego ou esconde-me na terra ou daacute-me como pasto de feras

marinhas natildeo me rejeites as preces oh rei ltuarrBastantegt[] me ltuarrforccedilaram a

exerciciogt[ multivagas] peregrinaccedilotildees nem tenho onde aprenda como evite as

desgraccedilas Ouves a voz da virgem bovicornuta

Prometheu

Como natildeo ouvirei a donzella pungida pelo tavatildeo a filha d‟Inacho [fl24

(25)]que abraza de amograver o coraccedilatildeo de Jupiter e agora odiosa a Juno ltuarreacutegt[] forccedilada ao

exercicio de interminaveis carreiras

Io (antistrophe)

Porque pronuncias ltuarrtugt o nome de meu pae Dize a mim infeliz quem eacutes

quem portanto falla a mim oh misera assim verdadeiramente desgraccedilada nomeando

ltuarro malgt[] proveniente dos deuses que me consome pungindo-me com furiograveso

ferratildeo Ai ai Vim em rapido curso impellida pelos famelicos flagellos dos saltos (vim

78

ldquoaregraveardquo = ldquoareiardquo(forma atualizada)

141

em rapido curso esfomeada e aos saltos) domada pelos designios rancorosos de Juno

Quaes dos infelizes quaes ai ai soffrem como eu Mas aponta-me claramente que me

resta ou natildeo me cumpre padecegraver Indica-me o remedio do mal se o conheces Falla

explica-o aacute virgem desaventuradamente vagabunda

Prometheu

Claramente dir-te-ei tudo o que desejas sabegraver natildeo enredando enigmas porem

singelo discurso como eacute justo abrir a bocca ltuarrcomgt[] amigos Vegraves Prometheu o

dadograver do fogo aos mortaes

Io

Oh tu que revelaste aos mortaes o bem commum desgraccedilado Prometheu em

castigo de que padeces isto

Prometheu

Ainda ha pouco deixei de lamentar meus males

[fl26]

Io

Natildeo me concederias essa graccedila

Prometheu

Dize que pedes Pois tudo saberias de mim

Io

Revela-me quem te ligou a este precipicio

Prometheu

A resoluccedilatildeo de Jupiter e a matildeo de Vulcagraveno

Io

Mas de que delictos soffres a pena

Prometheu

142

Tatildeo somente isto posso explicar-te

Io

E alem d‟isto mostra-me o termo de minha peregrinaccedilatildeo e qual o tempo para a

infeliz

Prometheu

Melhor eacute para ti ignoral-o que sabegravel-o

Io

Natildeo me escondas o que tenho de sofregraver

Prometeu

Mas natildeo te recuso este favograver

Io

Porque hesitas entatildeo em dizer-me tudo

[fl26 (27)]

Prometheu

Natildeo haacute nenhuma recusa porem receio perturbar teu espirito

Io

Natildeo cuides ltuarrmaisgt de mim pois eacute me agradavel

Prometheu

Pois dezejas cumpre dizegravel-o ouve entatildeo

Chogravero

Ainda natildeo concede-me tambem parte do prazegraver Indaguemos primeiro o mal

d‟ella contando ella mesma sua sorte cheia de odios do resto das infelicidades seja

informada por ti

Prometheu

143

Eacute teu cuidado ltuarrIogtfazegraver a estas o favograver em todo o caso e por serem irmaatildes

de teu pae visto que chorar e deplorar as desgraccedilas ali onde ltuarralguemgt hade obtegraver

lagrimas dos ouvintes vale a demora

Io

Natildeo sei como desobedecegraver-vos por claro discurso sabereis tudo o que dezejaes

posto que [me envergonhe de dizegraverltuarrd‟onde sobrevieratildeo a mim desaventuradagt79

a

calami]dade proveniente dos deuses e a mudanccedila de forma Visotildees nocturnas

frequentando sempre meus aposentos virginaes exhortavatildeo-me com suaves palavras oh

felicissima donzella porq80

te conservas muito tempo virgem sendo-te permittido

alcan81

[fl28] o maior casamento Pois Jupiter estaacute abrasado por ti pelo dardo dos

dezejos e quer gozar Cypris contigo mas tu oh moccedila natildeo recuses o leito de Jupiter

porem sahe para o fertil prado de Lerna e os rebanhos e abegoarias de teu pae afim

de que a vista de Jupiter descanse dos dezejos Todas as noites era dominada por taes

sogravenhos ateacute que ousei referir a meu pae os sogravenhos nocturnos Elle enviou a Delphos e a

Dodona numerosos consultantes do oraculo para que ltuarrsoubessegt[] como

ltuarrobrando ougt fallando cumpria fazer cousas agradaveis aos celicolas Voltavatildeo

annunciando oraculos ambiguos obscuros e expressos por modo difficil d‟ entendegraver

Em fim um vaticinio evidente chegou a Inacho claramente ltuarrrecomendandogt[] e

dizendo que me expelisse de casa e ltuarrmesmogt[] da patria para abandonada eu vagar

ateacute as regiotildees extremas da terra E se eu natildeo quizesse viria de Jupiter o flammigero raio

que tudo anniquilaria Persuadido por estes oraculos de Apollo (do Ambiguo) contra

vontade expelliu e excluiu-me de casa contra minha vontade mas o freio de Jupiter

forccedilou-o a fazegraver isto Minha forma e meu espirito eratildeo logo mudados cornigera pois

como vegravedes picada por um tavatildeo de aguda bocca pulava com furiosos saltos para o

arrograveio de agradavel bebida de Cenchrea e a fonte de Lerna o terrigena boieiro

d‟inflexi[fl28 (29)]vel rancograver Argos ltuarrseguegt observando com

ltuarrnumerososgt[innumero] olhos as minhas peacutegadas Sorte imprevista e subita privou-

o de vivegraver eu porem picada pelo tavatildeo sou impellida de terra em terra pelo flagello

divino Ouves o que se fez se tens porem que dizer do resto dos males declara-o nem

79

O trecho ldquod‟onde sobrevieratildeo a mim desaventuradardquo foi escrito logo acima do trecho ldquome envergonhe

de dizer a calami-()rdquo seu lugar na frase eacute indicado por meio de traccedilo 80

Abreviaccedilatildeo encontrada no manuscrito haacute um til logo acima da letra ldquoqrdquo 81

A paacutegina 27 termina com ldquoalcan()rdquo mas a siacutelaba ldquoccedilarrdquo natildeo foi escrita na proacutexima paacutegina

144

compadecendo-te me consoles com falsas palavras pois eacute o mais vergonhograveso dos

defeitos proferir discursos artificiosos

Chogravero

Ai ai ltuarrPaacuteragt[ai] de mim Jamais jamais julguei que estranhos discursos

viessem a meus ouvidos nem que desgraccedilas tatildeo ltuarrtristesgt de vegraver e insupportaveis

desgraccedilas expiaccedilotildees e horrograveres gelassem minha alma com farpatildeo de dous gumes Ai

ai Destino destino arrepiei-me observando a sorte de Io

ltuarrPrometheu

Gemes antes do tempo e estaacutes cheia de megravedo Espera ateacute que conheccedilas tambeacutem

o resto

Chogravero

Dize explica Doce eacute para os q soffrem sabegraver d‟antematildeo claramte o resto da

dogravergt82

Prometheu

[Jaacute alcanccedilaste de mim facilmente] ltuarrvossogt[] dezejo pois dezejastes sabegraver

d‟esta primeiramente sua desgraccedila narrando-a ella mesma Ouvi agora o resto dos

males que ltuarragt esta mograveccedila cumpre soffregraver por causa de Juno e tu sangue de Inacho

lanccedilas no espirito minhas palavras para que saibas o termo do caminho

Primeiramente voltando-te daacutequi para o levantar do sol anda para campos natildeo

lavrados mas chegaraacutes aos Sythas nomadas que habitatildeo elevados [fl30] sobre carros

bem providos de rodas tectos entrelaccedilados pendendo-lhes arcos que atiratildeo longe Natildeo

chegando avisinhar-se d‟elles mas aproximando os peacutes das fragosas praias

fluctisonantes atravessar a regiatildeo Aacute matildeo esquegraverda moratildeo os Chalybes ferreiros de que

cumpre acautelares-te pois satildeo ferozes e inaccessiveis aos estranhos Chegaraacutes ao rio

Hybristes (violento) natildeo falsamente chamado o qual natildeo atravesses pois natildeo eacute facil de

atravessar antes que chegues ao proprio Caucaso o mais alto dos montes onde o rio

jorra o impeto ltuarrmesmogt[] do cume Cumpre que atravessando os cumes visinhos

82

Todo o texto em ltgt foi escrito em letras pequeninas acima da fala de Prometeu ldquoJaacute alcanccedilastes de

mim facilmenterdquo

145

dos astros ande a viagem para o meio dia onde chegaraacutes ao povo das Amazonas que

odiacutea os homens as quaes habitaratildeo um dia Themiscyra junto ao Thermodonte onde

estaacute o aspero queixo Salmydessio inhospito aos nautas ltuarrmadrastagt[] dos navios

Ellas mesmas te guiaratildeo e com o maior prazegraver Chegaraacutes ao isthmo Cimmerio nas

proprias portas apertadas do pauacutel deixando o qual cumpre que intrepidamente

atravesses os canaes Meoticos Seraacute para sempre grande entre os mortaes a fama de

tua passagem e chamar-se-aacute com o sobrenome de Bosphoro Bosporos(Bosphoro) e

deixando o solo da Europa chegaraacutes ao continente Asiatico Natildeo vos parece segraver o

senhor dos deuses em tudo [fl30 (31)] igualmente violento Pois dezejando esse deus

tegraver commercio com esta mortal a lanccedilou n‟estas peregrinaccedilotildees Cruel pretendente de

tuas bogravedas alcanccedilaste oh moccedila Pois as palavras que ouviste agora nem no proemio te

pareccedilatildeo estar

Io

Ai de mim de mim Ai ai

Prometheu

Tu clamas de novo e gemes que faraacutes quando souberes os restantes males

Chogravero

Pois diraacutes a esta o resto das infelicidades

Prometheu

ltuarrPelagogt[] na verdade tempestuograveso de ltuarrfatalgt[] calamidade

Io

Que lucro eacute para mim viveacuter83

e pelo contrario natildeo me atirei depressa d‟este

rochegravedo escarpado de modo que precipitada sobre o solo me libertasse d‟estes

trabalhos Pois eacute melhor morregraver d‟uma vez do que penar todos os dias

Prometheu

83

Palavra acentuada conforme o manuscrito De acordo com outros exemplos observados o correto seria

ldquovivegraverrdquo

146

Sem duvida difficilmente supportarias meus soffrimentos a mim natildeo eacute fadado

morregraver pois [seria]ltuarrpara mimgt a libertaccedilatildeo das infelicidades Agora natildeo se me

apresenta nenhum termo das desgraccedilas antes que Jupiter decaia do podegraver

[fl32]

Io

Hade acaso um dia Jupiter decahir do mando

Prometheu

Regozijar-te-ias penso-o vendo essa desgraccedila

Io

E como natildeo eu que padeccedilo por causa de Jupiter

Prometheu

De ti depende sabegraver isto como devendo segraver na verdade

Io

Por quem seraacute ltuarrespoliadogt[] do regio sceptro

Prometheu

Elle mesmo por ltuarrseusgt[] estultos ltuarrdesignosgt[]

Io

De que modo Explica se natildeo ha risco

Prometheu

Faraacute tal casamento de que um dia se doeraacute

Io

Divino ou humano Se eacute licito dize-o

Prometheu

Porque qual Natildeo eacute licito dizegravel-o

147

Io

Acasoltuarrseraacutegt[] derribado do thrograveno pela espogravesa

[fl32 (33)]

Prometheu

Ella pariraacute um filho mais forte do que o pae

Io

Natildeo ha para elle recurso d‟este destino

Prometheu

Natildeo certamente antes que eu seja sogravelto das cadegraveas

Io

Quem te hade comtudo soltar natildeo querendo Jupiter

Prometheu

Cumpre que seja um de teus descendentes

Io

Que dizes Por ventura um filho meu te libertaraacute dos males

Prometheu

ltuarrSem duvida umgt[Um] terceiro em geraccedilatildeo depois de outras dez geraccedilotildees

Io

Este vaticinio natildeo eacute de facil conjectura

Prometheu

Tambem natildeo desejes ltuarrsabegraver teusgt[proprios] trabalhos

Io

Offerecendo-me a dadiva natildeo m‟a a negues depois

148

Prometheu

Com um de dous discursos te favorecerei

Io

[fl34]

Quaes Dize e daacute-me a escolha

Prometheu

Concedo Escolhe ou te direi claramente o resto de teus trabalhos ou quem hade

libertar-me

Chogravero

D‟estes favograveres queiras fazegraver um a esta outro a mim nem desprezes minhas

palavras Declara-lhe a restante peregrinaccedilatildeo e a mim o libertadograver pois dezejo isto

Prometheu

Visto que o desejaes ardentemente natildeo me recusarei a declarar tudo o que

quereis A ti primeiro Io referirei a muita agitada peregrinaccedilatildeo que tu ltuarrdeves

gravargt[] nas tabuas commemorativas do espirito Quando tenhas atravessado a

corrente limite dos continentes para o brilhante oriente visitado pelo sol x x x x84

tendo

atravessado o bramido do mar ateacute que chegues aos campos gorgoneos de Cisthenes

onde habitatildeo as Phorcides trez donzellas anciaatildes com forma de cysne possuindo um

olho commum e um dente a quem nem o sol olha com seus raios nem a nocturna lua

Perto estatildeo suas trez irmaatildes as aligeras anguicomas Gorgones aos mortaes odiosas que

nenhum mortal encarando conservaraacute o espirito vital Digo-te isto por cautela Ouve

porem outro penograveso espectaculo pois guarda-te dos catildees mudos de guelas pontudas

[fl34 (35)] de Jupiter os gryphos e do exercito equestre monocular dos Arimaspos

que habitatildeo junto aacute corrente auriflua ao rio de Plutatildeo Natildeo te approximes d‟estes mas

iraacutes a terra longinqua a um povo negro que habita perto das fontes do sol onde estaacute o

rio Ethiope Caminha cegraverca das margens d‟este ateacute que chegues aacute queda onde dos

montes Byblinos o Nilo lanccedila a corrente veneranda e bogravea de bebegraver Este te

84 Marcaccedilatildeo de lacuna no texto original grego consultado pelo Imperador e tambeacutem encontrada na ediccedilatildeo

de Christian Gottfried Schuumlltz de 1809 (verso 797)

149

encaminharaacute para a terra triangular Nilotica onde estaacute fadado a ti Io e a teus filhos

fundar remota colonia Se alguma d‟estas cousas [eacute ltpara tigt85

embara]ccedilosa e difficil

d‟entendegraver repete-a e sabe-a claramente ha para mim maior lazegraver do que quero

Chogravero

Se algum resto ou ltuarromittidogt[] da funesta peregrinaccedilatildeo tens de

declarar a esta dize-o mas se tudo disseste entatildeo faze-nos ltuarrtambemgt [o favor] que

pedimos do qual te lembras sem duvida

Prometheu

Ella ouviu todo o termo da viagem Mas para que saiba natildeo me ter

ouvido em vatildeo direi o que soffreu antes de vir caacute dando este proprio testemunho de

minhas palavras Omittirei a maior abundancia de palavras e vou mesmo ao termo de

tuas peregrinaccedilotildees Depois que vieste aos campos Molossos e aacute alcantilada Dodone

onde estatildeo o oraculo e a seacutede [fl36] de Jupiter Thesproto e o prodigio incrivel os

carvalhos fallantes pelos quaes ltuarrclaragt[] e nada ambiguamente foste saudada como

devendo segraver illustre espogravesa de Jupiter se qualquer d‟estas cousas te lisongegravea d‟ahi

pungida pelo tavatildeo ao longo do caminho junto ao mar chegaste ao grande gogravelpho de

Rhea d‟onde eacutes agitada por cursos retrogados Em tempo vindouro essa ensegraveada

mariacutetima seraacute chamada Ionia como lembranccedila de ltuarr2gt[tua] viagem [para]ltuarrtodosgt

ltuarr1gt[os] mortaes86

Satildeo Provas satildeo estas de que como meu espirito vegrave mais do que o

apparente O resto direi igualmente a voacutes e a ella voltando aacutes proprias peacutegadas das

palavras de antes Eacute Canopo a cidade extrema da regiatildeo junto aacute propria bocca do Nilo e

ao coacutemoro Ahi Jupiter tornar-te-aacute racional acariciando-te com placida matildeo e tocando-

te somente Pariraacutes o negro Epapho (epaphan = acariciar tocar de leve) sobrenograveme

proveniente da geraccedilatildeo de Jupiter o qual se apossaraacute de tudo quanto rega o latifluo

Nilo A quinta geraccedilatildeo d‟elle composta de cincoenta donzellas voltaraacute natildeo o querendo

para Argos fugindo do casamento consaguineo dos primos paternos mas elles com o

espirito fortemente agitado como gaviotildees natildeo muito afastados das pombas viratildeo

85

O trecho ldquopara tirdquo foi escrito logo acima do trecho ldquoeacute embaraccedilosardquo seu lugar na frase eacute indicado por

meio de traccedilo 86

O trecho ldquode tua viagem para os mortaesrdquo foi sublinhado no manuscrito Tambeacutem o nuacutemero 2 foi

escrito acima da palavra ldquotuardquo e o nuacutemero 1 escrito acima do artigo plural ldquoosrdquo A palavra ldquotodosrdquo foi

escrita acima do trecho sublinhado seu lugar na frase eacute indicado por meio de traccedilo Seria para propor

inversatildeo na ordem (lembranccedila ldquopara todos os mortaesrdquo ldquode tua viagemrdquo)

150

caccedilando nupcias natildeo caccedilaveis um deus lhes invejaraacute os corpos A Pelasgia os receberaacute

com feminina matanccedila domados por audacia nocturna vigilante pois cada mu[fl36

(37)]lher privaraacute da vida cada homem enterrando ltuarrnagt[] garganta a espada de dous

gumes Tal viesse Venus sobre meus inimigos A paixatildeo abrandaraacute uma soacute das

donzellas de modo a natildeo matar seu companheiro de leito mas se ltuarrconfundir-se-lhe-

aacutegt[] o juizo resolveraacute uma de duas ouvir-se chamar fraca antes do que sanguinaria

Esta pariraacute ltuarrem Argosgt geraccedilatildeo real Eacute preciso grande discurso para explicar estas

cousas claramente D‟esta linhagem nasceraacute o audaz illustre pelo arco o qual me livraraacute

d‟estes trabalhos Tal oraculo me expoz minha matildee anciaatilde a Titanide Themis Como

e onde eacute preciso muito tempo para dizegravel-o e nada lucraraacutes sabendo-o

Io

Ai ai ltuarrDe nogravevogt[] me abrasatildeo profundamente violenta dograver e

phreneticos delirios e do tavatildeo me punge o ferratildeo ardente Na verdade o coraccedilatildeo

abala de megravedo as entranhas os olhos volvem-se em espiral e sou impellida foacutera do

curso pelo influxo insensato da raiva natildeo podendo com a lingua palavras confusas

porem datildeo d‟encontro aacutes ondas da triste fatalidade ltuarrChoacutero (Strophe)gt87

Certamente

sabio certamente sabio era quem primeiro concebeu na mente e dissertou com a

lingua que muito prefere o casar com os da propria igualha e nem dos enervados pela

[fl38] riqueza nem dos engrandecidos pela linhagem deveraacute apaixonar-se o

mercenario

(antistrophe)

Jamais jamais oh Parcas me x x x88

vejaes companheira de leito de

Jupiter nem unindo-me a qualquer espograveso do ceu pois temo a virgindade inimiga dos

varotildees vendo Io grandemente atormentada pelas acerbas peregrinaccedilotildees de Juno

(epodo)

Quanto a mim natildeo receio porque um casamento igual natildeo eacute temivel mas

natildeo me olhe a paixatildeo dos deuses mais poderosos olhar inevitavel Guerra esta natildeo

guerreavel facil em difficuldades nem sei que seraacute de mim pois natildeo vejo como fugir

do designio de JupiterltuarrPrometheugt89

[Na verdade] ainda um dia Jupiter pensando

87

O trecho ldquoChogravero (strophe)rdquo foi escrito logo acima das palavras ldquofatalidaderdquo e ldquocertamenterdquo seu lugar

no texto foi indicado por meio de traccediloAqui natildeo pulou linha para indicar mudanccedila de fala 88

Marcaccedilatildeo feita pelo autor indicando corrupccedilatildeo no texto original grego 89

Essa palavra foi escrita logo acima do trecho ldquona verdaderdquo Haacute um traccedilo vertical depois da palavra

ldquoJupiterrdquo indicando que comeccedilaria a fala de Prometeu

151

embora cousas arrogantes seraacute humilde tal casamento prepara-se a contrahir que o

derribaraacute [anniquilado ltuarrdo governo egt do] thrograveno Entatildeo do pae Saturno jaacute se

cumpriraacute inteiramente o que imprecava cahindo do antigo thrograveno O desviacuteo d‟estes

males nenhum dos deuses excepto eu poderia mostrar claramente

Sei isto e de que modo Por isso ltuarr3gt[ltuarrdestemidogt] [] ltuarr1gt[assente-se]

ltuarr2gt[ltuarragoragt]90

fiado nos sublimes estrondos brandindo nas matildeos ignisomo dardo

ltuarrNada poremgt[] o ajudaratildeo estas cousas para natildeo cahirem ltuarrdeshonrosamentegt

[ruinas natildeo] sustentadas Tal antagonista [fl38 (39)] prepara elle para si mesmo

monstro difficillimo de combategraver que acharaacute fogo mais poderograveso que o raio estrondo

forte excedente ao trovatildeo e desfaraacute o flagelo maritimo tridente flagello abaladograver da

terra a haste de Neptuno Dando d‟encontro a esta desgraccedila aprenderaacute quanto distatildeo o

imperar e o servir

Chogravero

Tu vociferas na verdade o que desejas contra Jupiter

Prometheu

O que hade succedegraver e alem d‟isto quero digo eu

Chogravero

E cumpre aguardar que alguem governe a Jupiter

Prometheu

E supportaraacute trabalhos mais intoleraveis do que estes

Chogravero

Como porem natildeo ltuarrreceiasgt [] proferindo essas palavras

Prometheu

Porque temeria eu a quem natildeo eacute fadado morregraver

90 A passagem foi transcrita tal qual estava no manuscrito No entanto outra possiacutevel leitura foi indicada

por meio de nuacutemeros escritos logo acima de algumas palavras ldquodestemidordquo(3) ldquoassente-serdquo(1) e

ldquoagorardquo(2) ou seja ldquo() assenta-se agora destemidordquo As palavras ldquodestemidordquo ldquoassente-serdquo e ldquoagorardquo

foram sublinhadas no manuscrito

152

Chogravero

Mas te daria trabalho mais dolorograveso do que este

Prometheu

Faccedila-o elle pois tudo eacute aguardado por mim

[fl40]

Chogravero

Os que adoratildeo Adrastea (a providencia dos pagatildeos) satildeo sabios

Prometheu

Venera invoca lisongegravea quem ainda agora impera Jupiter importa-me

menos do que nada Obre impere n‟este curto tempo como queira pois natildeo governaraacute

os deuses muito tempo Vejo porem o mensageiro de Jupiter o ministro do novo

senhograver em todo o caso veio annunciar cousa nova

Mercurio

A ti astucioso acerbamente sobremodo acerbo que peccas contra os

deuses dando honras aos ephemeros chamo ladratildeo do fogravego o pae ordena que digas

quaes as nupcias de que blazonas e por cuja causa aquelle decahiraacute do ltuarrpodegravergt[] E

estas cousas comtudo nada ambiguamente mas uma por uma expotildee nem me

ltuarrtragasgt[] Prometheu caminhos duplos pois vegraves Jupiter natildeo abrandar-se com taes

cousas91

ltuarrPrometheugt Grandiloquo e [cheio de soberba] eacute o discurso como de

creado dos deuses e novos governaes de nogravevo e julgaes habitar castellos isentos de

tristeza Natildeo sei ltuarreugt [que] dous senhores cahiram d‟elles Observarei (cahir) o

terceiro que impera agora celerrima e vergonhosissimamente Acaso te paregraveccedilo

ltuarrreceiar-megt[] ou tremegraver de megravedo dos novos deuses Mui[fl40 (41)]to e de todo

longe estou (do megravedo) Tu pelo caminho porque vieste retrocede depressa pois nada

saberaacutes do que me interrogas

Mercurio

91

Neste ponto haacute um traccedilo vertical separando a fala de Mercuacuterio da fala de Prometeu que estavam

unidas A palavra ldquoPormeteurdquo foi escrita logo acima do trecho ldquocheio de soberbardquo para indicar que a fala

eacute de Prometeu Indicaccedilatildeo do proacuteprio Imperador

153

Todavia d‟antes com ltuarrtaesgt[]arroganciasltuarrappontaste agt[] estas

desgraccedilas

Prometheu

Por teu serviccedilo sabe-o tu claramente natildeo trocaria eu minha desgraccedila

Julgo pois melhor servir esta pedra do que segraver mensageiro fiel do pae Jupiter Cumpre

tratar assim com arrogancia os arrogantes

Mercurio

Pareces deleitar-te com as cousas presentes

Prometheu

Deleito-me Assim visse eu meus amigos92

deleitando-se e entre elles te

nomegraveo

Mercurio

Acaso pois m‟imputas alguma cousa em tuas infelicidades

Prometheu

Em uma palavra odiacuteo todos os deuses quantos beneficiados me fazem

mal injustamente

Mercurio

[fl42]

Ouccedilo-te enlouquecido por natildeo pequena molestia

Prometheu

Adoecegravesse eu se doenccedila eacute odiar os inimigos

Mercurio

Natildeo serias supportavel se fosses feliz

92

O correto seria ldquoinimigosrdquo provavelmente um equiacutevoco cometido pelo autor enquanto passava agrave limpo

sua traduccedilatildeoVer verso 973 do Prometeu Acorrentado

154

Prometheu

Ai

Mercurio

Esta palavra Jupiter natildeo conhece

Prometheu

Mas o tempo envelhecendo tudo ensina

Mercurio

E comtudo ainda natildeo sabes segraver previdente assizado

Prometheu

Do contrario natildeo te estaria fallando a um creado

Mercurio

Nada pareces dizer do que o pae dezegraveja

Prometheu

E entatildeo dar-lhe-ia graccedilas como seu obrigado

Mercurio

Tens escarnecido de mim como se eu fosse ltuarrumgt menino

Prometheu

Por ventura natildeo eacutes um menino e ainda mais desassizado [fl42 (43)] do

que este se esperas sabegraver alguma cousa de mim Natildeo ha tortura nem [artificio ltuarrcom

que Jupitergt93

me provoque] a declarar essas cousas antes que os funestos vinculos

sejatildeo sograveltos Por isso arremesse a chamma abrazadogravera confunda-se e abale-se tudo

com a neve branco-alada e os trovotildees subterraneos que nada d‟isso me dobraraacute a que

diga por quem cumpre decahir ele do governo

93

O trecho ldquocom que Jupiterrdquo foi escrito logo acima das palavras ldquoartificiordquo e ldquoprovoquerdquo seu lugar na

frase eacute indicado por meio de traccedilo

155

Mercurio

Considera ltuarragoragt[] se isto parece ltproveitogravesogt[] para ti

Prometheu

Jaacute foi visto e resolvido de ha muito

Mercurio

Ousa oh insensato ousa uma vez pensar rectamente ltuarrconformegt[] as

presentes desgraccedilas

Prometheu

Debalde me importunas como ltuarruma onda convencendo-megt[] Nunca

te entre na cabeccedila que eu aterrado pelo designio de Jupiter me tornarei mulheril e

supplicarei com elevaccedilotildees femininas de matildeos ao grandemente odiado que me solte

d‟estas cadegraveas estou inteiramente longe d‟isto

Mercurio

Parece-me fallar debalde fallando embora muito pois nada abrandaraacutes

nem amolleceraacutes o coraccedilatildeo com as [fl44] preces porem mordendo o boccado do freio

como pograveldro recentemente domado forcegravejas e combate contra as reacutedeas Comtudo

orgulhas-te de fraco expediente porque a audacia de quem natildeo pensa bem vale menos

do que nada Olha pois se natildeo fores convencido por minhas palavras que tempestade

e escarceacuteo de males cahiraacute inevitavel sobre ti primeiramente o pae despedaccedilaraacute este

fragograveso despenhadeiro com o trovatildeo e a fulminea chamma e esconderaacute o teu corpo e o

petreo seio te traraacute Tendo se completado grande espaccedilo de tempo veraacutes novamente aacute

luz mas o catildeo volatil de Jupiter a cruenta aguia dilaceraraacute ltuarravidamentegt[] grande

pedaccedilo de teu corpo conviva que natildeo convidado vem todos os dias e devorar-te-aacute o

fiacutegado negra comida Natildeo esperes o termo d‟este soffrimento antes que appareccedila

ltuarrumgt[algum] dos deuses successograver de teus trabalhos que queira ir ao inferno natildeo

allumiado e aacute escura profundidade do Tartaro Portanto resolve pois que natildeo eacute uma

van jactancia porem um dicto muito serio ltuarrvisto qgt[] a bocca de Jupiter natildeo sabe

mentir mas cumpre a palavra Examina bem e reflecte nem julgues jamais a audacia

melhor que a prudencia

156

Chogravero

[fl44 (45)]

Na verdade Mercurio natildeo parece dizegraver cousas inopportunas pois te exhorta a

ltuarrquegt depondo a audacia procures a sabia prudencia Cede pois a um sabio

vergonhograveso eacute errar

Prometheu

Elle proclamou estes annuncios a mim que os sabia mas natildeo eacute indigno segraver um

inimigo maltratado pelos inimigos Por isso arremesse-se sobre mim a espiral de fogravego

de dous gumes e o ltuarrargt[] seja revolvido pelo trovatildeo e a tormenta dos ventos

furiosos sacuda o furacatildeo a terra com as proprias raizes desde os alicerces e com

ltuarrasperogt[] bramido confunda as ondas do mar e os cursos dos astros celestes e

precipite inteiramente meu corpo no negro Tartaro ltuarrlevadogt pelos irresistiveis

turbilhotildees da fatalidade ltuarrem todo o casogt[] natildeo me faraacute morregraver

Mercurio

Taes resoluccedilotildees e palavras de mentecapto eacute preciso comtudo ouvir Que

falta pois para elle desarrazoar se nada cede das infelizes manias Mas voacutes que vos

compadeceis dos soffrimentos d‟elle afastae-vos rapidamente d‟estes lugares para

qualquer outro ltuarrafimgt[][fl46] de que o horrendo mugido do trovatildeo natildeo ponha

attonitos vossos espiritos

Chogravero

Dize e aconselha-me outra cousa pois que me seduziste com essas

palavras de nenhum modo toleraveis Como eacute que me ordenas praticar infamias Com

elle quero soffregraver o que fograver necessario pois aprendi a aborrecegraver os traidores nem ha

peste que mais me repugne do que esta

Mercurio

Mas recordae-vos do que predigo e caccediladas pelas desgraccedila natildeo accuseis

a sorte nem digaes que Jupiter vos arremessou a uma infelicidade imprevista natildeo

certamente porem voacutes a voacutes mesmas pois sabendo-o nem subita nem occultamente

sereis ltuarrenvolvidasgt por insensatez na immensa regravede da desgraccedila

157

Prometheu

E de facto e natildeo mais por palavras ltuarrbalanccedila-segt[] a terra rebogravea o

echo rugidograver do trovatildeo brilhatildeo as espiraes ltuarrardentesgt[]do relampago e os turbilhotildees

revolvem o poacute rompem os sogravepros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de

oppostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Taes impetos contra mim vem

manifestamente de Jupiter para mettegraverem megravedo Oh nume de minha matildee [fl46 (47)] oh

ar que volves a luz commum de todos vegraves quatildeo injustamente soffro

14 de Abril de 1871

158

CAPIacuteTULO 4 - Transcriccedilatildeo da primeira versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de

Paranapiacaba

Aacute MEMORIA

DE

Dom Pedro II do Brazil

Saudade e admiraccedilatildeo94

94

O livro publicado pelo Baratildeo de Paranapiacaba em 1907 comeccedila com a citada dedicatoacuteria seguida por

outra destinada agrave Princesa Isabel (reproduzida a seguir) Logo depois encontram-se as correspondecircncias

trocadas entre Paranapiacaba e Lafayette Rodrigues Pereira nas quais o Baratildeo solicita a Lafayette que

faccedila um prefaacutecio ao seu livro e Lafayette aceita o convite (ppIX-XIII) O prefaacutecio escrito por Lafayette

encontra-se depois das cartas (ppIX-XIII) O livro divide-se em duas partes Na primeira encontram-se

as duas versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba e suas notas explicativas (pp49-165) precedidas por dois

juiacutezos criacuteticos acerca do Prometeu Acorrentado traduzidos pelo Baratildeo Eschylo de A e M Croiset

(pp19-32) e Juizo de Paul de Saint-Victor (pp33-48) Na segunda parte do livro encontra-se um texto

no qual o Baratildeo de Paranapiacaba narra sua convivecircncia com o Imperador desde o primeiro encontro ateacute

a partida do monarca para o exiacutelio (pp170-265) O livro encerra-se com um texto no qual o Baratildeo traccedila

uma visatildeo panoracircmica do teatro antigo e moderno (pp267-333)

159

Aacute SERENISSIMA PRINCEZA

A Senhora Dona Izabel a Redemptora

Veneraccedilatildeo e lealdade

160

[fl49] PROMETHEU ACORRENTADO95

__________

A FORCcedilA E VULCANO (KRATOS E HEPHAISTOS)

(A violencia (Bia) eacute personagem mudo)

A FORCcedilA

Chegaacutemos do mundo ao termo

Ao mais longiquo recesso

Da Terra Scythica um ermo

A humanos peacutes inaccesso

Vulcano Eacute tempo Executa

Ordens que o Pae quis impocircr

Nesta penedia abrupta

Preacutega este audaz malfeitor

Em forte indomavel trama

De liames adamantinos

Intrinca-o bem pois a chamma

Exclusiva dos Divinos

O fogo teo dote e orgulho

Que tanto aacute artes servio

Tirando-o ao ceacuteo por esbulho

C‟os homens o dividio

D‟esse peccado hoje o fere

A pena afim de aprender

Qual conveacutem que elle venere

De Jupiter o poder

Sendo forccedila renuncie

95 A meacutetrica varia conforme a personagem nessa versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de Paranapiacaba a

primeira a ser apresentada no livro de 1907 Paacutegina 49 na publicaccedilatildeo original

161

A sua philantropia

E nunca mais auxilie

A creatura de um dia

[fl50] VULCANO

Forccedila e violencia Cumpridas

Prescripccedilotildees que o Pae dictou

De estorvo algum sois tolhidas

Vossa incumbencia findou

E a mim fallece coragem

De nesta algente quebrada

A um Deos de minha linhagem

Prender em teia cerrada

Mas dura Necessidade

A ousal-o obrigar-me vae

Que eacute de summa gravidade

Desleixar ordens do Pae

A ti filho altipensante

De Themis justa e sensata

Por enleio flagellante

De noacutes que ninguem desata

Neste vatildeo sem treita humana

Muito a meo e teo pesar

Por injuncccedilatildeo soberana

Vou em seguida cravar

Natildeo veraacutes humano rosto

Nem voz mortal ouviraacutes

Ao queimocircr do sol exposto

A flocircr da tez perderaacutes

162

A noite que sempre ancioso

Estaraacutes por ver surgir

Ha-de o dia luminoso

No veacuteo de estrellas sumir

Crastino sol novamente

Dissipar ha de a neblina

E enxugar ao raio ardente

A geada matutina

Sem que cesse de pungir-te

Da angustia o acuacuteleo profundo

Que ninguem a redimir-te

Surgio ainda no mundo

[fl51] Pagaste aos homens tributo

De affectos em profusatildeo

E estaacutes vendo qual o fructo

De tanta dedicaccedilatildeo

Nume- os Numes affrontaste-

Pois da terra aos moradores

Sem reserva prodigaste

Harto quinhatildeo de favores

Has-de pois nestes algares

Como guarda persistir

Sem os joelhos dobrares

Firme de peacute sem dormir

Quanto a expansatildeo dos tormentos

Te irromper dos penetraes

Seratildeo vatildeos os teos lamentos

163

Inuteis seratildeo teos ais

Coraccedilatildeo rigido e feacutero

Tem dos Numes o Regente

De natureza eacute severo

Todo o tyranno recente

A FORCcedilA

Potildee matildeos aacute obra Que esperas

Vamos Acccedilatildeo instantanea

Debalde te commiseras

Tua emoccedilatildeo eacute frustranea

Natildeo execras este Nume

Odioso aos celestiaes

Que teo patrimonio - o lume

(Traidor) ha dado aos mortaes

VULCANO

Podem sangue e convivencia

Muito

A FORCcedilA

Sim Natildeo eacute peior

Tardar a Jove obediencia

Poacutede haver falta maior

[fl52] VULCANO

Oh Sempre dureza e audacia

A FORCcedilA

Nada poacutedes delle em proacute

Eacute vatildeo e sem efficacia

Natildeo lhe eacute remedio esse doacute

164

VULCANO (olhando para as cadeias)

D‟arte minha oacute fructo horrendo

A FORCcedilA

Por que tal odio Bofeacute

De tudo que estamos vendo

Tua arte causa natildeo eacute

VULCANO

Houvesse a outrem cabido

Este cruel ministerio

A FORCcedilA

Aos Immortaes concedido

Tudo foi menos o imperio

Soacute Jove eacute livre

VULCANO

Negal-o

Natildeo ha nem pocircr contradictas

A FORCcedilA

Tracta pois de vinculal-o

Antes do Pae vecircr que hesitas

VULCANO

Vecirc as algemas

[fl53] A FORCcedilA

Arrocha

Seos pulsos vibrando o malho

Crava-lhe as matildeos nessa rocha

165

VULCANO

Sim E natildeo foi vatildeo trabalho

A FORCcedilA

Mais forte Estreita-lhe os braccedilos

No mais comprimido arrocho

Estica todos os laccedilos

Nenhum noacute deixes a frouxo

Podem ser por elle achadas

(Tatildeo habil eacute) soluccedilotildees

Ainda em desesperadas

Perdidas situaccedilotildees

VULCANO

Com irrompiveis cadeias

Este braccedilo preso tem

A FORCcedilA

Nas mesmas solidas peias

Prende-lhe o outro tambem

- Sophista d‟alta sciencia -

Ensine-lhe este flagello

Que eacute de tarda intelligencia

Si com Jove em parallelo

VULCANO

Ninguem que em razatildeo se firme

Poacutede increpar-me as acccedilotildees

Este poacutede dirigir-me

(Mais ninguem) exprobaccedilotildees

[fl54] A FORCcedilA

166

Dessa cunha d‟accedilo o coacuterte

-Fundo - embebe-lhe no peito

Vara-o com golpe bem forte

Natildeo lhe amorteccedilas o effeito

VULCANO

Prometheu Gemo comtigo

A FORCcedilA

Outra vez Sinto deplores

Quem eacute de Jove inimigo

Oxalaacute por ti natildeo chores

VULCANO

Oh A que espetaculo infando

Assisto

A FORCcedilA

O que a lei condemna

Estou a ver expiando

De seo crime a justa pena

Peitoraes potildee-lhe aacutes axillas

VULCANO

Sei Eacute fatal Jove a mim

Deo ordens Devo cumpril-as

Natildeo instes commigo assim

A FORCcedilA

Hei-de instar e aacute teo esforccedilo

Bradar pois vejo que afrouxas

Ao rochedo une-lhe o docircrso

E em aneis lhe adstringe as cocircxas

167

VULCANO

Estaacute feito e leacutesto

[fl55] A FORCcedilA

Aperta

Rebatendo-os nos fuzis

Os cravos dos peacutes Alerta

Tens fiscal de olhos subtis

VULCANO

Qual teo rosto eacute fera e audace

Tua lingoa

A FORCcedilA

Mostra fraqueza

Mas natildeo que lances em face

Minha inflexivel rudeza

VULCANO

Vamos que o cinge uma recircde

A FORCcedilA (apostrophando a Prometheu)

Desadoacutera Furta o egregio

Fogo e aos homens leva adrecircde

Dos Numes o privilegio

Os ephemeros nem podem

Prestar-te o auxilio commum

Neste lance natildeo te acodem

Pois seo valor eacute nenhum

Os Immortaes accordaram

Em chamar-te Prometheu

Falso nome te applicaram

168

Que natildeo quadra ao genio teo

Pois precisas nesse transe

Que de um Prometheu te valhas

Cujo sabio esforccedilo alcance

Libertar-te d‟essas malhas

(Sahem Vulcano a Forccedila e a Violencia)

[fl56] PROMETHEU

Oacute Ether divinal oacute ventos d‟aza prompta

Oacute fontes fluviaes risos do mar sem conta

Oacute Terra genetriz de cujo seio ingente

Tudo brota do sol oacute disco omnividente

Ouvi-me a invocaccedilatildeo Eu peccedilo que vejaes

Quantas docircres impoem a um Nume os Immortaes

Vecircde em que regiotildees em vinculos tatildeo sevos

Condemnam-me a penar por longa serie de eacutevos

Para mim ideiou o Chefe dos Ditosos

Este apparelho vil de ferros vergonhosos

Ai Choro o mal presente e o mal em perspectiva

Suspiro pelo fim desta pena afflictiva

Que digo Vejo claro e com o olhar seguro

Quanto encerram de occulto as dobras do futuro

Ai Natildeo ha para mim successo inopinado

Natildeo se foge ao Destino E pois do melhor grado

Eu devo submetter-me aacute Sorte irreparavel

Porque Necessidade eacute forccedila inexpugnavel

Natildeo quizera falar deste injusto supplicio

Mas como calarei si um grande beneficio

Tendo feito aos mortaes em paga ao jugo oppresso

Estou deste martyrio inteacutermino indefesso

Em feacuterula guardei do fogo a fonte occulta

O fogo mestre foi das artes e resulta

Delle para os mortaes moacuter commodo e proveito

169

Por isso eacute que me vejo aacute tanta docircr sujeito

Aacute mercecirc da intemperie em toda a acccedilatildeo tolhido

Fazendo expiaccedilatildeo do crime commettido

Ai ai Que sons escuto e que vago perfume

Se evola e sobe aqui Eacute porventura um Nume

Eacute mortal Ou talvez eacute mixta creatura

Que vem presenciar esta rude tortura

E quer de perto vecircr meo hoacuterrido castigo

Vecircde um Deos infeliz de quem Jove eacute inimigo

Que os Numes tem hostis e hostil quanto frequenta

De Jupiter a reacutegia E tudo porque alenta

Muito amor aos mortaes Ai Proximos jaacute soam

Os ruidos que ouvi Satildeo passaros que voam

Os ares ao bater de azas que se equilibram

Em remigio subtil harmoniosos vibram

Mofina condiccedilatildeo infausta sorte a minha

Infunde-me pavor quanto a mim se avizinha

[fl57] CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE 1

Socega O bando aligero

Que do alto aqui desceo

Inteiro te eacute sympathico

E amigo Prometheu

Mal aacute vontade explicita

Do Pae venia extorquida

Porfiaacutemos qual mais ceacutelere

Seria na partida

O pavoroso estrepito

Dessas correntes d‟accedilo

Das grutas oceanicas

170

Foi restrugir no espaccedilo

De parte pondo estimulos

Do pejo natildeo calccediladas

Ao voador vehiculo

Subimos apressadas

Pelas do ethereo paacuteramo

Plagas de azul serenas

Trouxe-nos brando zephyro

Sobre frouxel de pennas

PROMETHEU

Voacutes que nascidas sois de Thetis a fecunda

Tendo por genitor o Oceano que circunda

A Terra com seo fluxo insomne inextinguivel

Contemplai-me eis-me aqui Preso em recircde infrangivel

No vatildeo de hispida fraga unido aacute penedia

Constrangem-me a occupar o posto de vigia

CORO DAS OCEANIDAS

ANTISTROPHE II

Vecircmos sentindo subito

Das palpebras aacute flocircr

Prenhe de ternas lagrimas

Vir nevoa de terror

[fl58] Porque teu corpo em vinculos

Torpes aacute rocha preso

Vae definhando taacutebido

De tanta angustia ao peso

Pilotos ha novissimos

No ceacuteo Legisla injusto

171

Jove e extinguio tyrannico

Quanto era outr‟ora augusto

PROMETHEU

Antes da Terra ao fundo ao Orco onde tecircm pouso

Mortos ou na amplidatildeo do Tartaro trevoso

Pelo braccedilo de Jove eu fosse arremessado

De indesataveis noacutes no encerro emmaranhado

Nesse caso - ninguem ou Nume ou ser diverso -

Jubilaacutera ao me ver em dissabor submerso

Hoje suspenso aqui - ludibrio aos soltos ventos -

Vejo Deoses hostis folgar c‟os meos tormentos

CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE II

Qual tem dentre os Celicolas

Tatildeo duro coraccedilatildeo

Que ao ver-te em tanta lastima

Natildeo sinta compaixatildeo

Soacute Jove Sempre rabido

Em nada quer ceder

E aacute toda a Olympia geacutenese

Impotildee o seo poder

Declinaraacute da colera

Quando a vinganccedila estanque

Ou alguem de assalto o imperio

Arduo a roubar lhe arranque

PROMETHEU

Maacuteo grado aos que me impoz grilhotildees vituperosos

Precisaraacute de mim o Rei dos Venturosos

Para um dia sustal-o em seo recente plano

172

Que o deve derribar do solio soberano

Entatildeo natildeo haveraacute blandicia que me torccedila

Natildeo me hatildeo de intimidar ameaccedila nem forccedila

Soacute falarei ao ter os vinculos partidos

E apoacutes satisfaccedilatildeo de ultrajes recebidos

[fl59] CORO DAS OCEANIDAS

ANTISTROPHE II

Sempre altivez No cumulo

Da angustia em nada cedes

Falas bem solto e impavido

E as expressotildees natildeo medes

Por teo destino incognito

Toma-nos o terror

Quando no porto incolume

Veraacutes o termo aacute dor

Jove Saturnia sobole

Eacute rispido inflexivel

Seo animo recondito

Foi sempre incomprehensivel

PROMETHEU

Bem sei que Jove eacute duro e em lugar da justiccedila

Seo alvedrio potildee mas um dia submissa

A vontade haacute de ter e mostraraacute brandura

Quando por esse modo o fira a desventura

Nesse dia depondo a furia pertinaz

Viraacute soldar commigo a desejada paz

O CORO DAS OCEANIDAS

Revela tudo Dize-nos

Quando te succedeo

173

Em que alto maleficio

Jupiter te colheo

Que com iguaes opprobrios

Acerbos te angustia

Fala alto salvo o incommodo

De expocircr tanta agonia

PROMETHEU

Si doacutee de caso taes fazer a narrativa

Calal-os tambem pecircza Ingrata alternativa

Quando a primeira vez os Deoses insurgidos

Foram pela Discordia em facccedilotildees divididos

Uns tentavam privar Saturno do poder

E a Jove filho seo do ceacuteo ao throno erguer

Os que partido infenso a Jupiter seguiam

Confiar-lhe do Olympo o mando natildeo queriam

[fl60] Eu de alvitre melhor natildeo pude dos Titanes

- Prole de Terra e Ceacuteo - vencer planos inanes

Surdos aacute deducccedilatildeo de claros argumentos

Avecircssos aacute doccedilura altivos violentos

Intentaram lograr aacute forccedila por sorpresa

Sua injustificada e temeraria empresa

Que vezes minha matildee Themis excelsa ndash a Terra

Que varios nomes tem e uma soacute forma encerra -

Do porvir descerrando os veacuteos caliginosos

Predissera que soacute por meios ardilosos

Caberia aos Titans a palma da victoria

Recusaram ouvir-me a justa suasoria

Tenazes insistindo em seo louco projecto

Sem me olharem siquer e com desdeacutem completo

Julguei que era melhor naquella conjunctura

De minha matildee ao lado ir de Jove em procura

174

(Pois de prestar-lhe auxilio era chegado o ensejo)

E entatildeo realizar o delle e o meo desejo

Por mim Saturno antigo e aquelles que o seguiram

Na funda escuridatildeo do Tartaro immergiram

Para remunerar serviccedilos desta monta

Dos Numes deo-me o Rei deste castigo a affronta

Por achaque usual recusa a tyrannia

De amigos a affeiccedilatildeo e nelles natildeo confia

Inqueris da razatildeo por que elle assim me oprime

De contumelia tanta Eu vou dizel-o Ouvi-me

Quando posse tomou e assente foi no solio

De que arredara o Pae por odioso espolio

Depois que cada qual dos Numes quinhocircou

Com honras e mercecircs o Estado organizou

Mas da raccedila aacute quem dera o terreal dominio

Cabedal nenhum fez Quiz votal-a exterminio

E outra nova crear Nenhum Deos combatia

A ideacuteia subversiva Eu tive essa ousadia

E os mortaes preservei de serem arrojados

Do Averno aacute escuridatildeo por Jove fulminados

Por isso agora estou (aspecto miserando)

De incomportavel docircr sob a pressatildeo penando

Immensa compaixatildeo votei aacute humanidade

Sem obter para mim a minima piedade

Quanto a Jove que leva um Nume a tal opprobrio

O estado em que me potildee de aviltamento cobre-o

O CORO DAS OCEANIDAS

Teraacute nativa tempera

De ferro ou pedra rija

Quem teo castigo insolito

Contemple e natildeo se afflija

[fl61] Tatildeo misero espectaculo

175

Pudessemos natildeo vecircr

E hoje que o vemos punge-nos

De vivo desprazer

PROMETHEU

Para os amigos sou tatildeo fraco e miseravel

Vivo painel de docircr aacute vista intoleravel

O CORO DAS OCEANIDAS

Tendo da terra aos incolas

Tanto favorecido

Certo outros beneficios

Lhes tens distribuido

PROMETHEU

Livrei-os do terror que infunde na hora da morte

O CORO DAS OCEANIDAS

Que remedio servio de cura aacute mal tatildeo forte

PROMETHEU

Dei aacute cega esperanccedila entre elles moradia

O CORO DAS OCEANIDAS

Foi na verdade um dom de maxima valia

PROMETHEU

E do fogo por fim tambem lhes fiz presente

O CORO DAS OCEANIDAS

Pois que Na posse estatildeo do fogo resplendente

PROMETHEU

176

E por meio do fogo hatildeo feito esses inventos

De artes misteres mil fecundos em proventos

[fl62] O CORO DAS OCEANIDAS

E por crimes iguaes Jove te supplicia

Sem que de modo algum te abrande essa agonia

E um termo aacute tua docircr assignalou siquer

PROMETHEU

Nenhum Tem de durar emquanto lhe aprouver

O CORO DAS OCEANIDAS

E ha de aprazer-lhe Dize-nos

Como abrandal-o esperas

No teo erro gravissimo

Acaso natildeo ponderas

Por nossa parte pecircza-nos

Dizer-te que has errado

E natildeo te causa jubilo

Ouvil-o de teo lado

Deixemos estas praticas

Tracta de excogitar

O como essas artisticas

Malhas espedaccedilar

PROMETHEU

Facil quem o peacute tem foacutera da desventura

Afflige o que padece e inflige-lhe censura

Nada disto ignorei de tudo consciente

Resolvi delinquir tornei-me delinquente

Natildeo nego acinte o fiz Servindo a humana raccedila

Contava provocar os golpes da desgraccedila

177

Nunca julguei poreacutem que purgaria o crime

Ligado aacute este alcantil que o corpo me dirime

Adstricto aacute solidatildeo deste monte intractavel

Oh Natildeo me lastimeis a sorte miseravel

Eacute melhor que desccedilaes a mim nesta fragura

E de perto escuteis a minha docircr futura

Piedosas ora ouvi cercae de sympathia

A victima infeliz que geme na agonia

Anda solto o Infortunio errante se desgarra

E num tal vagueiar naquelle e neste esbarra

[fl63] O CORO DAS OCEANIDAS

Falas aacutes que por habito

Te acodem sempre aacute voz

Descemos jaacute do aerio

Carro com peacute veloz

O ether ndash que eacute dos passaros

Dominio - atravessando

Eis-nos em baixo o aspero

Fragoso chatildeo pisando

Promptas em vocirco rapido

Cuidamos de servir-te

Queremos todo o multiplo

Duro soffrer ouvir-te

(Apparece o Oceano montado em um dragatildeo alado)

OCEANO

Eis-me aqui Prometheu apoacutes vencido

Longo percurso Chego conduzido

Neste alado que soacute vontade minha

Pelos ares sem redeas encaminha

178

Leva-me o parentesco a lastirmar-te

Mas do sangue as prisotildees pondo de parte

A ti mais que a ninguem tenho amizade

Sabes que sempre dei culto aacute verdade

Guardo aacute lisonja minha lingoa extranha

Dessa tortura de aflicccedilatildeo tamanha

De que modo o rigor posso lenir-te

Dize E natildeo possa alguem um dia ouvir-te

Que mais firme que Oceano amigo houveste

PROMETHEU

Que vejo Eacutes tu Tu mesmo aqui vieste

A ser espectador de minhas magoas

Abandonaste as correntias agoas

Do nome teo a gruta primitiva

Que a natureza abrio na rocha viva

Pela terra do ferro Testemunha

Mera vens ser da docircr que me acabrunha

Ou compassivo lastimar-me Vecirc-me

Que espectaculo Assim Jupiter preme

O amigo que com elle accorde em tudo

Lhe foi para reinar matildeo forte e escudo

[fl64] OCEANO

Vendo estou Prometheu Tens mente arguta

Assaacutes No emtanto um bom conselho escuta

Conhece-te E tomar novos costumes

Pois tambem novo rei preside os Numes

Vibras exprobraccedilotildees da lingoa fera

Que si Jove as ouvir na erguida esphera

Irado te imporaacute tatildeo graves penas

Que as actuaes seratildeo brinquedo apenas

Oh desgraccedilado Expelle o que no fundo

Do coraccedilatildeo fermentas de iracundo

179

Vecirc como achar livranccedila dessas malhas

Crecircs que te digo estultas antigualhas

Falo assim Prometheu porque contemplo

Em ti da lingoa socirclta o triste exemplo

Natildeo te humildas natildeo cedes aacutes desgraccedilas

E outras queres juntar aacutes que hoje passas

Daacute que eu te guie e contra o mal precate

Natildeo batas com o peacute contra o acicate

Reina um monarcha duro e refractario

A contas de poder discricionario

Natildeo fales tatildeo procaz quecircda-te inerte

Teo indulto a impetrar corro solerte

Sabio demais natildeo vecircs que aacute intemperante

Lingoa se impotildee estimulo aviltante

PROMETHEU

Acceita embora meos pois tendo ousado

Ter parte em minha docircr foste poupado

E immune estaacutes Natildeo quero te incommodes

Por mim a interceder Levar natildeo podes

A Jove persuasatildeo Toma comtigo

Tento Espia em redor Que algum perigo

Por minha causa natildeo te venha Evita

Possa custar-te caro esta visita

OCEANO

Natildeo segues os conselhos tatildeo sensatos

Que daacutes A prova tenho-a nos teos actos

Natildeo falo em vatildeo livrar-te eacute meo empenho

Natildeo cedo aacute reflexatildeo natildeo me detenho

Lisonjeio-me sim de obter em breve

Que Jove desta pena te releve

[fl65] PROMETHEU

180

Sou-te grato e o serei constantemente

Natildeo poacutedes mais energico e fervente

De util me seres revelar o almejo

Baldaraacutes teos esforccedilos Antevejo

Seguro que seraacute de nullo effeito

Quanto queiras tentar em meo proveito

De risco a salvo quecircda O meu desastre

Outrem natildeo vaacute ferir e apoacutes o arrastre

Sim Bem me afflige o quadro da miseria

De Atlante meo irmatildeo que em peacute na Hesperia

Nos hombros libra (insupportavel cargo)

De Terra e Ceacuteo columnas Bem amargo

Me eacute lembrar o outro irmatildeo filho da Terra

Ciliceo troglodita - horror na guerra -

Centifronte Typheo Sempre invencivel

Dominado por forccedila irresistivel

Rebelde aos Numes sibilava a morte

Das tetras fauces Quando a dextra forte

Contra o imperio de Jupiter erguia

Fulminava ao chispar que despendia

Do seo gorgoacuteneo olhar O vigilante

Dardo - de Jove o raio chammejante

Ruio e lhe abateo a vatilde jactancia

No coraccedilatildeo combusto da flammancia

Celeste - e apavorado do estrondoso

Trovatildeo - esse valor tatildeo poderoso

Tombou sem energia aniquilado

E como corpo vatildeo jaz estirado

Junto do estreito e sob o Etna arfando

Ao passo que no cimo estaacute forjando

Vulcano as massas e fusotildees candentes

Dalli com estridocircr igneas torrentes

Jorrando iratildeo co‟os brutos maxillares

Da Sicilia abrazar ferteis pomares

181

Assim Typhecirco que o raio malferira

Ha de ao resfolgo espadanar a ira

Em turbilhotildees de chammas que no arrocircjo

Vivo inexhausto expelliraacute do bocircjo

Certo a tua provada experiencia

Dispensa meos conselhos e assistencia

Guarda-te pois do modo mais asado

No que me toca seguirei meo fado

Teacute que se extingua a colera que lavra

No animo aacute Jove

OCEANO

Sabes que a palavra

Prometheu d‟alma enferma eacute medicina

[fl66] PROMETHEU

Si alguem a tempo o coraccedilatildeo domina

E opportuno e prudente o volve aacute calma

Sem que aacute forccedila reprima os eacutestos d‟alma

OCEANO

Que mal faz ao tental-o acautelado

E audaz

PROMETHEU

Estolidez afan baldado

OCEANO

Deixa que desse mal ora padeccedila

Paro o sabio eacute melhor que o natildeo pareccedila

PROMETHEU

Responsavel da culpa commettida

182

Por ti fora eu

OCEANO

Eacute dar-me a despedida

Falar assim

PROMETHEU

Receio haja motivo

D‟odio em seres commigo compassivo

OCEANO

Odio De quem Daquelle que recente

Tomou posse do solio omnipotente

PROMETHEU

Ai Si lhe irritas o animo

[fl67] OCEANO

De ensino

Serve-me Prometheu o teo destino

PROMETHEU

Adeos Nesse bom senso persevera

OCEANO

Daacutes pressa ao que aacute partida se accelera

Meo quadrupede alado costumeiro

De curvar o joelho em seo caseiro

Redil sacode as azas desdobradas

Que do ether puro roccedilam as camadas

CORO DAS OCEANIDAS

ESTROFE I

183

O Teo destino tragico

Carpimos compungidas

As lagrimas affluem-nos

Faceis enternecidas

E iguaes a fontes humidas

Nos sulcam o semblante

Jove que em seo arbitrio

Faz timbre de arrogante

Ao sceptro seo despotico

Preme os antigos Numes

ANTISTROPHE I

Jaacute nestes vastos sitios

Ressoam ais queixumes

Quantos na terra proxima

Da Asia sagrada moram

Tuas passadas glorias

E as de irmatildeos teos deploram

[fl68] ESTROPHE II

Choram-te as virgens Colchidas

Intrepidas na guerra

E os Scythas da Meoacutetida

Sita em confins da Terra

ANTISTROPHE II

Chora-te o escol dos Arabes

- Marcial lanceira cohorte -

E os que manteacutem no Caucaso

O seo roqueiro forte

184

EPODO

Outro que da titanica

Raccedila ligado eu vi

Em laccedilos incansaveis

Soffrer antes de ti

Atlante foi que o symbolo

Eacute do maior esforccedilo

Pois que do poacutelo ao carrego

Geme o seo forte dorso

Muge a seos peacutes o pelago

Fervendo o abysmo freme

Ateacute nas furnas infimas

O inferno todo treme

As fontes sacratissimas

Das fluviaes correntes

Manam carpindo murmures

Os males seos ingentes

PROMETHEU

Si me nego a falar natildeo eacute por arrogante

Ou desdenhoso natildeo Mas sinto que incessante

Devoro o coraccedilatildeo ao ver-me envilecido

Pelo horrendo flagello aacute que estou submettido

E quem a natildeo ser eu aos novos Deoses fez

Partilha em proporccedilatildeo das honras e mercecircs

Lembro apenas o caso e delle mais natildeo trato

Pois focircra repetir a quem o sabe um facto

O melhor eacute narrar os males differentes

Que vexavam outr‟ora os miseros viventes

[fl69] Eram rudes boccedilaes dotei-os de prudencia

E conscios os tornei da propria intelligencia

185

Exprimindo-me assim natildeo eacute porque me queixe

Delles mas eacute mister que declarado deixe

Que os beneficios meos em prol da humanidade

Devidos foram soacute a impulsos de amizade

Olhavam de principio e ver natildeo conseguiam

Applicavam o ouvido em balde Nada ouviam

Nelles era a noccedilatildeo confusa e mal distincta

Como as figuras vatildes que aacute mente o sonho pinta

Nem casa de tijolo olhando ao sol construiam

Nem de lavrar madeira a industria conheciam

Moravam quaes subtis formigas pressurosas

Em cavernas sem ar humidas tenebrosas

Natildeo marcavam inicio e fim do inverno frio

Da floacuterida96

estaccedilatildeo do fructuoso estio

Assim sem reflexatildeo por seculos viveram

Teacute que minhas liccedilotildees ouvindo conheceram

O instante em que no ceacuteo os astros appparecem

E aquelle menos certo em que no occaso descem

Tambem o achado fiz do Numero Este invento

Aos homens ha prestado o maximo provento

Disse como a juncccedilatildeo das lettras se fazia

Formei-lhes a memoria - a matildee da Poesia

Logrei domesticar bravias alimarias

E do humano labocircr tornei-as tributarias

Sujeitando-as ao jugo As mais gravosas cargas

Pesaram desde entatildeo dos brutos nas ilhargas

Cavallos animaes tatildeo doceis ao bridatildeo

- Da faustosa opulencia o luxo a ostentaccedilatildeo -

Quem poz entre varaes Carros de azas de linho

Que sulcam velozmente o azul plaino marinho

Engenhei E eu que fiz em bem da humanidade

Multiplas invenccedilotildees de grande utilidade

96 Nota-se que em 1907 jaacute se encontravam algumas palavras proparoxiacutetonas acentuadas Ver paacutegina 26

da presente dissertaccedilatildeo

186

Natildeo posso descobrir agora ardil ou traccedila

Para me libertar de tatildeo cruel desgraccedila

O CORO DAS OCEANIDAS

Supplicio infando Affligem-nos

Sobejo as maguas tuas

Enfermas e maacuteo medico

Na indecisatildeo fluctuas

Em teo turbado cerebro

Natildeo poacutedes acertar

C‟os adaptados simplices

Que o mal devem curar

[fl70] PROMETHEU

Falta o mais Pasmareis ouvindo enumeradas

As muitas invenccedilotildees uteis e variadas

Das quaes hei sido autor Aponto a mais saliente

Faltavam medicina e auxilios ao doente

- As poccedilotildees a dieta o resguardo as uncturas -

Ateacute que os instrui das plantas e misturas

Que preservam do mal que sustam seos progressos

E o curam Ensinei tambem novos processos

De magia Em visotildees que em sonhos appareciam

Distingui as reaes daquellas que mentiam

Expliquei os signaes pressagos das estradas

Dos passaros que teem a unhas encurvadas

O vocirco defini e dei seguro auspicio

Declarando qual era infenso e qual propicio

Por miuacutedo apontei seos odios e affeiccedilotildees

Seo usado alimento encontros reuniotildees

Das visceras o liso e o matiz mais dilecto

Aos Deoses revelei qual seja o bom aspecto

Do figado e do fel o adiposo tecido

187

Das cocircxas lhes notei seos rins tendo incendido

Os arcanos abri da arte divinatoria

Tatildeo difficil e escura e ao mundo a fiz notoria

Do fogo antes de alguem aos olhos dos mortaes

Que eram cegos aacute luz dei fulgidos signaes

O que a terra guardava altissimo thesouro

- Copia enorme de cobre e ferro e prata e ouro -

Achei Si deste invento alguem se haja ufanado

De basofio e mendaz seraacute por mim taxado

De Prometheu (direi em conclusatildeo de partes)

Vieram dos mortaes aacutes matildeos todas artes

O CORO DAS OCEANIDAS

Natildeo tractes dos ephemeros

De mais lhes foste amigo

Deixa de ser apathico

Aacute docircr a teo castigo

Dize-me esperanccedila intrinseca

Que livre te hei de ver

Tendo com Jove identicas

Honras e igual poder

[fl71] PROMETHEU

Assim poreacutem97

natildeo quer a Parca inevitavel

Por alta decisatildeo do Fado inexoravel

Soacute depois de curtir innumeros flagellos

Partidos me seratildeo desta cadeia os eacutelos

Ante a Necessidade eacute mui fraca a Sciencia

O CORO DAS OCEANIDAS

97 No Manuscrito Imperial pode-se notar que palavras oxiacutetonas terminadas em ldquoemensrdquo natildeo satildeo

acentuadas Em 1907 observam-se mudanccedilas nesse sentidoVer paacutegina 26 da presente dissertaccedilatildeo

188

Do timatildeo do Destino a quem cabe a regencia

PROMETHEU

Esse grande poder teem-no a Parca triforme

E as Furias de feliz memoria que natildeo dorme

O CORO DAS OCEANIDAS

Em face do de Jove eacute seo poder mais forte

PROMETHEU

O Deos fugir natildeo poacutede aacutes ferreas leis da Sorte

O CORO DAS OCEANIDAS

A Jove algo eacute fatal sinatildeo o eterno imperio

PROMETHEU

Disto nada direi nem que instes

O CORO DAS OCEANIDAS

Que mysterio

Sobre arcano sagrado acaso te pergunto

PROMETHEU

Sim Passemos aleacutem deixemos este assumpto

Reserval-o conveacutem Si o guardo impenetravel

Livro-me de infortunio e vilta deploravel

[fl72] CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE I

Jaacutemais dos mundos o Arbitro

O grande Ordenador

Sua vontade altissima

Aacute nossa queira oppocircr

189

Busquemos ter propicios

Os Numes adorados

Pela usual frequencia

A seos festins sagrados

Dando-lhes cada victima

Que na hecatombe cahe

Junto das agoas turbidas

Do Oceano nosso pae

Nada de offensa aos Superos

Em actos e expressotildees

Sejam em noacutes continuas

Tatildeo puras intenccedilotildees

ANTISTROPHE I

Doce eacute vida longuissima

Si na esperanccedila a libras

Em alegrias lucidas

D‟alma banhando as fibras

Por tua irreverencia

Dos Numes ao Regente

Do coraccedilatildeo no amago

Nos cocirca horror ingente

Fiado em teos designios

E soacute de impulso teo

C‟os homens foste prodigo

Em dons oacute Prometheu

ESTROPHE II

Que ingrato premio aacutes dadivas

190

Esperas porventura

Te seja escudo e auxilio

A humana creatura

[fl73] Natildeo tens a consciencia

Dessa debilidade

Que qual somno lethargico

Opprime a humanidade

Jaacutemais projecto ou calculo

De homem prevaleceo

Contra o systema harmonico

Que Jove prescreveo

ANTISTROPHE II

Ferio-nos isto o espirito

Vendo-te aqui penar

Oh que diversa musica

Alegre de exultar

A que de entorno ao thalamo

E ao teu lavacro ouvias

- Festivo epithalamio

De doces harmonias -

Quando a irmatilde nossa Hesione

Aos dons nupciaes rendida

Em marital consorcio

Por ti foi recebida

( Apparece Io)

IO

Que sitio me surge Por quem habitado

Quem eacutes que no saxeo hyemal precipicio

191

Por ferreas cadeias eu vejo ligado

Credor de tal pena qual foi o flagicio

Oh Dize que plagas me acolhem errante

Ai ai desgraccedilada De novo me afferra

O d‟Argos espectro tavatildeo lanscinante

Invade-me o susto Afasta-m‟o oacute Terra

De innumeros olhos vaqueiro diviso

Esperto a fitar-me com a vista fallaz

De facto a existencia perdeo de improviso

No emtanto seo corpo sepulto natildeo jaz

Surgindo do Averno por lei do Destino

Apoacutes minha treita constante caminha

E traz-me agitada faminta sem tino

Correndo a arenosa planicie marinha

[fl74]ESTROPHE

Soacutelta a avena de ceacuterea junctura

Melodia que ao somno convida

Quanto deve durar a tortura

Desta longa e cansada corrida

Oacute progenie Saturnia de crimes

Porventura culpada me achaste

Pois de tantas angustias me opprimes

E a taes penas sem doacute me avergaste

Por que trazes gemendo ao martyrio

Do terror que lhe infunde um insecto

A infeliz em continuo delirio

Sem parada sem paz e sem tecto

Presta ouvidos oacute Rei a meu rocircgo

Ou em vida me manda enterrar

Ou lanccedilar-me entre lingoas de fogo

192

Ou nas garras dos monstros do mar

Do multivago andar sem descanso

O exercicio forccedilado e violento

Exhaurio-me e saber natildeo alcanccedilo

Qual o termo a tatildeo agro tormento

O CORO DAS OCEANIDAS

Da bicorne donzella escutas o gemido

PROMETHEU

Como de Inacho aacute filha eu fecharei ouvidos

Pois natildeo hei de attender aacute juvenil donzella

Que de um feroz tavatildeo o estimulo flagella

Io abrazou de amor o coraccedilatildeo de Jove

Juno que odio lhe tem perseguiccedilatildeo lhe move

Coagindo-a a gyrar transviada e erradia

Por toda a regiatildeo em doida correria

IO

ANTISTROPHE

Tu que daacutes a meo pae o seo nome

E designas tambem esse ultriz

E divino aguilhatildeo que consome

Minha vida - quem eacutes infeliz

[fl75] Eu faminta a saltar desvairada

Perseguida por Juno aqui vim

Desgraccediladas qual98

mais desgraccedilada

D‟entre voacutes do que a pobre de mim

Dize aacute virgem que vecircs peregrina

Que infortunios lhe guarda o porvir

98 Era de se esperar que a palavra comeccedilasse com letra maiuacutescula

193

Prescrevendo si a tens medicina

Para as docircres sanar-lhe ou lenir

PROMETHEU

Quanto queres saber com jubilo te digo

Sem ambages e claro e qual de amigo a amigo

Eacute costume falar Contemplas neste affocircgo

A luctar Prometheu que aos homens trouxe o fogo

IO

Tu - auxilio aos mortaes ndash por que tatildeo crus tormentos

Padeces Prometheu

PROMETHEU

De ha pouco inda aos lamentos

Por meo mal deacutera fim

IO

Natildeo poacutedes uma graccedila

Conceder-me

PROMETHEU

Eacute falar O queres que eu faccedila

Para satisfazer-te em dizer tudo accedo

IO

Quem foi que te cravou aqui sobre o rochedo

PROMETHEU

O decreto de Jove e de Vulcano a matildeo

IO

Que attentado attrahio tatildeo grave puniccedilatildeo

194

[fl76] PROMETHEU

Para ser comprehendido eu disse o necessario

IO

Assignala siquer o fim de meo fadario

PROMETHEU

Natildeo sabel-o eacute melhor

IO

Rogo-te natildeo me escondas

O que tenho a passar e a tudo me respondas

PROMETHEU

Estaacute longe de mim serviccedilo tal negar-te

IO

Por que tardas entatildeo

PROMETHEU

Natildeo ha de minha parte

Maacute vontade qualquer mas receio em tua alma

De todo destruir a jaacute turbada calma

IO

Oh natildeo zeles de mim mais do que eu mesma zeacutelo

PROMETHEU

Insistes Falarei e tudo te revelo

O CORO DAS OCEANIDAS

Por ora natildeo Concede-nos

Parte no gozo ter

195

Ouccedilamos d‟ella a historia

De seo agro soffrer

Quando sabida a authentica

Exposiccedilatildeo veraacutez

Entatildeo dos passos ultimos

De seo porvir diraacutes

[fl77] PROMETHEU

Cumpre oacute Io fazer o que ellas solicitam

Aleacutem d‟outras razotildees que a seo favor militam

Satildeo irmatildes de teo Pae Justa causa aacute demora

Eacute para o narrador que o fado seo deplora

O vecircr junto de si sympathico auditorio

Em que o doacute se traduz em lagrimas notorio

IO

Vou tudo contar-vos cedendo aacute insistencia

Si bem que me pecircze dizer por que meio

Mudando de forma por diva influencia

O siso turbou-me fatal devaneio

Nos meos aposentos revoluteava

Em todas as noites sonhada visatildeo

Que aos castos ouvidos si os olhos cerrava

Assim me dizia com doce expressatildeo

ldquoPor que virgindade tatildeo longa conservas

Tu que entre as felizes a Sorte escolheo

Si te eacute permittido gozar sem reservas

As inclytas glorias de augusto hymenecirco

Adora-te Jove De amocircr abrazado

Farpatildeo de desejo setteia-lhe o peito

196

Quem eacute que repelle tatildeo alto esposado

Do Nume supremo natildeo fujas ao leito

Afasta-te presto Nos altos de Lerna

Tem Inacho apriscos e pastos bovinos

Daraacutes com a ausencia da casa paterna

Descanso aos desejos dos olhos divinosrdquo

Ai Todas as noites a voz repetia

Affagos que eu tinha por forccedila de ouvir

Alfim jaacute cansada cobrei ousadia

E fui do ocorrido meo pae instruir

O rei seos correios mandou em mensagem

A Pytho e Dodocircna Queria informar-se

Por quaes pensamentos acccedilotildees ou lingoagem

Podia agradavel aos Deoses tornar-se

Voltaram os nuncios trazendo somente

Respostas ambiguas de duplo sentido

Ateacute que da parte do Nume vidente

Oraculo claro lhe foi transmittido

[fl78] Em termos expressos eu fui condemnada

A ser expellida da patria e do lar

E entregue a mim mesma correndo agitada

Por terras longinquas sem peias vagar

Si em todas as partes natildeo fosse cumprida

A ordem prescripta no tal vaticinio

A nossa progenie seria extinguida

Aacute olympica flamma do dardo fulmineo

Aacute Loxias submisso temendo ao mandado

197

E ao freio de Jove mostrar-se revel

Meo pae expulsou-me de casa obrigado

Co‟a filha innocente tornou-se cruel

E logo de foacutermas e mente mudando

Munida de pontas fiquei desde entatildeo

Sentindo continuo pungir-me o nefando

Acuacuteleo acerado de um bravo tavatildeo

Em saltos violentos aacutes doidas furente

De Lerna aacute collina fugida fui ter

No sitio onde mana perenne a nascente

Cenchreia de Lynpha suave ao beber

Mas Argos o filho da Terra o vaqueiro

De innumeros olhos e d‟alma feroz

Espiando-me os passos com golpe certeiro

Dos fixos olhares seguia-me apoacutes

Successo imprevisto de subito veio

Prival-o da vida Mas eu (desgraccedilada)

De plagas em plagas sem pausa vagueio

De laacutetego infesto de Juno accediloitada

Ahi estaacute minha historia Si sabes meos males

Futuros revela-os e nem a piedade

Te leve a attenual-os Exijo me fales

Extranho aacute lisonja severa verdade

O CORO DAS OCEANIDAS

Oh basta Para Cala-te

Suspende-te Jaacutemais

Julgaacutemos filha de Inacho

Ouvir successos taes

198

Que males e piaculos

Desgosto eacute contemplal-os

Ferindo mais a misera

Que tem de supportal-os

[fl79] E todos esses horridos

Funestos pesadumes

Nos veem ferir no intimo

Qual dardo de dous gumes

Oh Fado Fado tetrico

De horror fica transido

Nosso animo ante o barbaro

Tormento que has soffrido

PROMETHEU

Mui de pressa o terror em voacutes se manifesta

Natildeo choreis de ante-matildeo Esperae o que resta

O CORO DAS OCEANIDAS

Fala Ao que soffre ha balsamo

Si sabe prematuro

Ao certo quantas magoas

O esperam no futuro

PROMETHEU

Quizestes que ella propria os males seos contasse

Concordei Vou chegar agora ao desenlace

Falta as docircres narrar que Juno altiva irosa

No porvir te reserva oacute virgem desditosa

Grava oacute Io em tu‟alma a minha narraccedilatildeo

Por ella saberaacutes quando tua excursatildeo

Ha de chegar ao fim Deste lugar partindo

199

Rumo constante ao sol em recta iraacutes seguindo

Depois de atravessar por natildeo aradas terras

Aos Scythas chegaraacutes uns nomades das serras

Que em muitas rodas teem os carros seos montados

E dentro construcccedilotildees de vimes entranccedilados

Onde fazem morada Aacute gran distancia alcanccedilam

Mortiferos farpotildees que de seos arcos lanccedilam

Evita-os Sege roacuteta ao longo dessas fragas

Onde quebram do mar as mugidoras vagas

Os Chaacutelybes veraacutes do ferro forjadores

Cuida de lhes fugir Mal junto delles focircres

Parte eacute bando feroz e nada hospitaleiro

Que tracta brutalmente a todo o forasteiro

Quando os passos te embargue o Hybristes empolado

- Rio esse a que natildeo foi um falso nome dado -

Natildeo lhe tentes correr o risco da passagem

Sinatildeo quando chegada aacute altissima paragem

Do Caucaso elle arroje a borbotante sanha

Irrompendo em cachotildees das fontes da montanha

[fl80] Vencidos afinal os picos desses montes

Que proximos do ceacuteo erguem soberbas frontes

Descendo ao meio-dia iraacutes aacutes regiotildees

De Amazonas viris avessas a varotildees

Mais tarde em Themiscyra iratildeo fixar morada

Do Thermodonte aacute borda e junto da queixada

Do mar Salmydisseo aos nauticos nefasta

E aacute toda a embarcaccedilatildeo inhospita madrasta

Ellas de boa mente ir-te-hatildeo de seu imperio

A sahida mostrar Vinda ao isthmo Cimmerio

Da Meotida aacute foz avanccedila e com denodo

Do apertado canal tranpotildee o espaccedilo todo

Dahi te proviraacute e aos teos immensa gloria

Pois da passagem tua ha de guardar memoria

O estreito desde ahi de Bosporo chamado

200

Da Europa tendo assim as regiotildees deixado

Da Asia no solo estaacutes Natildeo achaes francamente

Que procedendo assim dos Deoses o Regente

De violencia cruel qual sempre se revela

Sendo Nume e esposar querendo essa donzella

Arrojou-a em corrida inteacutermina e sem norte

Que ruim proacuteco te coube oh misera por sorte

Tudo quanto narrei de prologo natildeo passa

Do que o porvir te guarda asperrima desgraccedila

IO

Ai de mim

PROMMETHEU

Outra vez lastimosa a gemer

Que seraacute quando o resto houveres de saber

O CORO DAS OCEANIDAS

Tens de lhe predizer entatildeo novas desditas

PROMETHEU

Um tormentoso mar de docircres infinitas

IO

Ai Que acerbo existir Quem poacutede dar-lhe apreccedilo

Antes deste alcantil lanccedilar-me de arremesso

E no auge de exaspecircro em arranco espontaneo

Tombando sobre a caute espedaccedilar o craneo

Eacute melhor perecer de um golpe violento

Que gemer toda a vida ao peso do tormento

[fl81] PROMETHEU

Quanto mais afflictivo o meo penar te focircra

Pois natildeo posso morrer Seria redemptora

201

Deste castigo a morte Eacute-me poreacutem vedado

O saber qual seraacute seo fim determinado

Emquanto Jove empunhe as redeas do poder

IO

E Jove cahiraacute Poacutede isto succeder

PROMETHEU

Apoacutesto exultaraacutes com essa queda oacute Io

IO

Sim pois99

me tracta assim por seo meacutero alvedrio

PROMETHEU

Has de vel-o Eu te rasgo um porvindouro arcano

IO

Quem deve desthronar dos Numes o tyranno

PROMETHEU

Ha de a propria estulticia um dia derribal-o

IO

Como Diz si natildeo vecircs perigo em declaral-o

PROMETHEU

Celebrando uniatildeo que lhe ha de ser penosa

IO

Eacute mortal ou divina a mulher que elle esposa

[fl82] PROMETHEU

99 Era de se esperar que a palavra comeccedilasse com letra maiuacutescula

202

Debalde eacute perguntar Dizel-o algo me veacuteda

IO

Dessa esposa viraacute de Jupiter a queacuteda

PROMETHEU

Ella teraacute de Jove um filho inda mais forte

Que o Pae

IO

Natildeo poacutede Jove esquivar-se aacute tal sorte

PROMETHEU

Natildeo salvo si eu rompendo esses grilhotildees infames

IO

E quem ha de quebrar tatildeo solidos liames

Si Jove o natildeo permitta

PROMETHEU

Ha de um teo descendente

Das injustas prisotildees livrar-me fatalmente

IO

Que escuto Ha de salvar-te algum dentre os meos netos

PROMETHEU

Apoacutes dez geraccedilotildees de posteros directos

A terceira o daraacute

IO

O vaticinio eacute escuro

PROMETHEU

203

Natildeo procures saber teo horrido futuro

[fl83] IO

Da concedida graccedila acaso ora recusas

PROMETHEU

Duas revelaccedilotildees posso fazer das duas

Cumpre uma preferir

IO

Qual dellas ha de ser

Perrmittes-me que possa aacute escolha proceder

PROMETHEU

Dou-te opccedilatildeo Dize pois De ti queres que eu tracte

Ou de quem deve ser o autor de meo resgate

O CORO DAS OCEANIDAS

Secirc-lhe agradavel Dize-lhe

Sua futura docircr

E a noacutes os feito inclytos

Do teo libertador

PROMETHEU

Natildeo desejo furtar-me aacute vossa rogativa

Primeiramente oacute Io escuta a narrativa

De teo peregrinar multivago e obrigado

E na memoria guarda o augurio meo gravado

Deixa o canal que extrema um do outro continente

E a rota encaminhando ao rumo do nascente

Passa do mar o estrondo e presto chegaraacutes

Aacute gorgoacutenea campina onde Cisthene jaacutez

Eacute nessa regiatildeo que as Phorcidas habitam

Satildeo tres virgens senis que na canicie imitam

204

Cisnes Em commum teem um soacute olho e um soacute dente

Natildeo veem fugido sol nem lua alvidenitente

De suas tres irmatildes - das Goacutergones aladas -

Odiosas aos mortaes frontes angui-comadas

Perto a morada estaacute Quem lhes fita o semblante

Morre qual si o ferisse um raio fulminante

Acautela-te pois Teraacutes odioso quadro

Nos Griphos esses catildees de Jupiter - sem ladro -

De ponteagudo rostro Afasta-te aacutes carreiras

De Arimaspos veraacutes as tribos cavalleiras

Eacute gente de um soacute olho e moacutera junto aacutes bordas

Do aurifero Plutatildeo Foge d‟aquellas hordas

Alfim a um povoado iraacutes de negra gente

[fl84] Junto ao berccedilo do sol em zona onde a corrente

Do rio da Ethiopia ao longo se dilata

Vae avante a enfrentar a grande catarata

Cahe do Biblos o Nilo e a lympha veneravel

Alli derrama aacute flux ao beber agradavel

Desce as margens do rio e pisa na planura

Que um triangulo exacto imita na figura

Quer o Fado que vaacutes aacute esta plaga afastada

Fundar uma colonia e nella ter morada

Adoptando-a por patria aacute tua descendencia

Si algo vos referi de obscura intelligencia

Ou que seja confuso eacute soacute dizer-me o ponto

Que bom grado darei explicaccedilatildeo de prompto

Para tudo esplanar lazer tenho sobejo

Aleacutem do que eacute mister e mais do que desejo

O CORO DAS OCEANIDAS

Si lapso de memoria

Sobre Io has comettido

Suprre-o depois attende-nos

Benevolo ao pedido

205

PROMETHEU

Ella dos labios meos ouvio que serie nova

De corridas teraacute E para dar-lhe a prova

De que natildeo falo em vatildeo direi quanto ha soffrido

Teacute aqui O augurio meo vereis assim cumprido

Muitos dos passos teos deixarei de parte

Afim de aacutes excursotildees o termo assignalar-te

Dos Molossos havendo atravessado a zona

Chegaste aacutes regiotildees excelsas de Dodocircna

Onde o Thesproacutecio100

Jove oraculo e sacrario

Tem assente e onde ouviste (oh caso extraordinario)

Os carvalhos falar O Deos sem veacuteo qualquer

De ambages te saudou de Jupiter mulher

Ufanosa ficaste aacute honrosa predicccedilatildeo

Sentindo mais intenso o acuacuteleo do tavatildeo

Seguiste pela costa em teo percurso inquieto

De Rheacutea foste ao mar fizeste-lhe o trajecto

Em doido phrenesi da docircr sob os assaltos

De laacute retrocedeste a furiosos saltos

Para sempre lembrar aquella travessia

Mar Ionio seraacute chamada essa bacia

Documento assim dou que a minha intelligencia

Vinga o tempo e possue o dom da presciencia

De minha narraccedilatildeo volto agora aacute sequella

E em commum me dirijo a voacutes todas e aacute ella

Na areia aacute foz do Nilo e n‟uma extremidade

Do Egypto sita jaz de Canoacutepo a cidade

[fl85] Jove nesse lugar - tocando-te de leve

Com delicada matildeo - volver-te aacute calma deve

Negro filho haveraacutes Eacutepapho nomeado

De modo original por que ha de ser gerado

100 Um caso de palavra paroxiacutetona acentuada terminada com ditongo Ver paacutegina 26

206

Nesse encontro com Jove Elle naquella plaga

Que o Nilo caudaloso em sua enchente alaga

Ha de meacutesses colher na vastidatildeo fecunda

Na quinta geraccedilatildeo desse filho oriunda

Cincoenta hatildeo de voltar das tuas descendentes

Para Argos evitando os primos pretendentes

A esposal-as De amor ardendo em chammas vivas

Todos elles iratildeo no encalccedilo aacutes fugitivas

Da enjeitada uniatildeo na supplica insistindo

E quaes terccediloacutes de perto a pombas persiguindo

Ha de dos corpos seos odio invejoso ter

Um Nume ha de a Pelasgia em si os receber

Depois que os dominar um Marte que assassina

Armando para o golpe a dextra feminina

E a tudo presidindo uma audacia que vela

Como durante a noite esperta sentinella

Ha de levado a effeito o plano insidioso

Sorprhender e ferir cada mulher o esposo

Com gladio de duplo fio arrancando-lhe a vida

Que aos inimigos meos assim Venus aggrida

Amor enervaraacute de uma dellas o peito

Para natildeo degollar o esposo no seo leito

Ella preferiraacute infiel aacute trama urdida

Arguiccedilatildeo de fraqueza aacute macula homicida

A matildee esta seraacute dos soberanos d‟ Argos

Para tudo explanar satildeo mister contos largos

Soacute direi que viraacute desta extirpe selecta

O heroacutee d‟alta pericia em desferir a seacutetta

Que ha de por seo valor obter meo livramento

Pondo termo de vez a tal padecimento

Disse isso minha matildee Themis Titania O mais

Calo Nem ha proveito algum em que o saibais

IO

207

Ai de mim Outra vez delirio atroz me assalta

Potildee-me vertiginosa e o cerebro me exalta

Abraza-me sem fogo o espinho do tavatildeo

Salta-me de terror com forccedila o coraccedilatildeo

E verbera-me o peito O olhar vesgo me gira

Para longe me arroja o impeto da ira

Minha lingoa em torpocircr aacute fala se recusa

Vozes que soacutelto aacute custo em turbaccedilatildeo confusa

Tavam baldada luta aacutes cegas e sem tino

C‟os altos escarceacuteos de meo cruel destino

(sahe Io)

[fl86] O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE I

Foi sabio e sabio emerito

Aquelle aacute quem lembrou

Esta discreta maxima

E aos homens a ensinou

Eacute casamento proacutespero

O feito entre os iguaes

Quem vive soacute dos redditos

De officios manuaes

Nunca procure conjuge

Na classe da opulencia

Nem da orgulhosa em titulos

De nobre descendencia

ANTISTROPHE

Jaacutemais possamos Atropos

A um Nume nos unir

E nem de Jove proacutenubas

208

O thoro compartir

De medo estamos tremulas

Vendo Io a virgem casta

Soffrer de Juno a colera

Que a curso infindo a arrasta

EPODO

Iguaes a iguaes alliem-se

E nunca os olhos seos

Repouse em noacutes fitando-nos

Algum mais alto Deos

Sem que lutemos vence-nos

A guerra quem a faz

Forccedila inexhauriveis

Para a victoria traz

Si uma de noacutes por Jupiter

Solicitada focircr

Nenhuma resistencia

Ao Deos lhe eacute dado oppocircr

[fl87] PROMETHEU

E no emtanto apezar da pertinaz vontade

Jove deve chegar a termos de humildade

Pois quer levar a effeito o enlance projectado

Que motivo seraacute de ver-se despojado

Do sceptro ingloriamente Ha de entatildeo de Saturno

De quem Jove usurpou o imperio diuturno

Cumprir-se a maldicccedilatildeo Remover-lhe o perigo

Nenhum Deos poderaacute Soacute eu tenho commigo

O remedio do mal e o segredo da cura

209

Estadeie-se Jove em radiosa altura

Fiado no poder do raio igni-expirante

Que produz ao tombar fragor tonitroante

Armas taes natildeo seratildeo poreacutem de valimento

Para lhe attenuar da queacuteda o aviltamento

Prepara contra si tremendo antagonista

Que uma arma ha de empregar aacute que ninguem resista

Um fogo - invento seo - mais que o raio damnoso

Cujo estrondo vencendo o trovatildeo fragoroso

Quebraraacute de Neptuno a haste de tres dentes

- O flagello do mar que abala os continentes -

Saberaacute Jove entatildeo de propria experiencia

A distancia que vae do mando aacute obediencia

O CORO DAS OCEANIDAS

Predizes sobre Jove as cousas que em desejo

Ardes vel-o passar

PROMETHEU

Nada disso Prevejo

Successos que hatildeo de ser mais tarde realidade

E que em factos quer vecircr o anceio da vontade

O CORO DAS OCEANIDAS

Que Veremos Jove obedecer vencido

PROMOTHEU

E de pena maior do que a minha affligido

[fl88] O CORO DAS OCEANIDAS

Natildeo receias dizer de Jove tanto mal

PROMETHEU

Que posso recceiar Sou por sorte immortal

210

O CORO DAS OCEANIDAS

E si elle te impuzer castigo mais severo

PROMETHEU

Eacute livre de o fazer De Jove tudo espero

O CORO DAS OCEANIDAS

De Adastreacuteia em presenccedila eacute sabio quem se prostra

PROMETHEU

Festejai quem governa e humildes dai-lhe mostra

De culto aduladocircr Jove no meu criterio

Menos que nada val Seo passageiro imperio

Lucte para manter mas perca a velleidade

De sobre os Numes ter perpetua autoridade

O andarilho do Olympo eu vejo Que mensagem

Da parte de seo Pae me traz n‟esta viagem

MERCURIO

Alma de feacutel espirito ardiloso

Reacuteo ante os Numes do attentado odioso

De teres dado a seres de um soacute dia

Divina reservada regalia

Ladratildeo do fogo Venho aqui da parte

E por ordem do Pae interpellar-te

Qual o consorcio que do Rei do Olympo

Ha de o Throno alluir Potildee toda a limpo

A verdade de equivocos despida

Poupa-me assim aacute terra outra descida

Negando obediencia aacute seo mandado

Natildeo poacutedes desarmar a Jove irado

211

[fl89] PROMETHEU

Discorreste grandiloquo e protervo

Como quem eacute dos Immortaes o servo

Reinaes d‟hontem De docircres e embaraccedilos

Isentos vos julgaes nos regios paccedilos

Dous tyrannos jaacute vi perder o imperio

E o terceiro com grande vituperio

Em breve cahiraacute tambem Presumes

Que eu tenha medo desses novos Numes

Quatildeo longe disso estou Vae-te depressa

Jaacute jaacute por onde has vindo ao ceacuteo regressa

Natildeo dou explicaccedilotildees Do que vieste

Averiguar de mim nada soubeste

MERCURIO

Jazes de pertinaz d‟este supplicio

No porto

PROMETHEU

Eu o prefiro a teo officio

Antes d‟este rochedo o captiveiro

Que ser qual eacutes do Pae vil mensageiro

Aacute insolente altivez com que me insultas

Eu retalio assim

MERCURIO

Creio que exultas

Na cruciante docircr de teo castigo

PROMETHEU

Que os inimigos meos (falo comigo)

Rejubilem assim

MERCURIO

212

Acaso crecircs

Que tive parte no teo mal talvez

PROMETHEU

Franco - esses novos Deoses aborreccedilo

Pois me pagam com tanto menospreccedilo

Os beneficios que lhes fiz

[fl90] MERCURIO

Intensa

Loucura lavra em ti Grave doenccedila

PROMETHEU

Si aborrecer tyrannos eacute loucura

Desejo que meo mal natildeo tenha cura

MERCURIO

Si livre das cadeias oppressocircras

Feliz te eu visse intoleravel focircras

PROMETHEU (gemendo)

Ai

MERCURIO

Tal palavra Jove natildeo conhece

PROMETHEU

O tempo sem parar nos envelhece

E dando experiencia ensina tudo

MERCURIO

Natildeo te ensinou no emtanto a ser sisudo

PROMETHEU

213

Natildeo pois de igual a igual falo a um criado

MERCURIO

Que digo ao Pae

PROMETHEU

De graccedilas penhorado

Signaes de gratidatildeo lhe devo e rendo

[fl91] MERCURIO

Qual a infante me estaacutes escarnecendo

PROMETHEU

Natildeo eacutes mais que infantil na ingenuidade

Si acreditas dobrando-me a vontade

Que eu te abra meos secretos pensamentos

Nem por meio de ardis nem de tormentos

O tyranno dos Deoses me compelle

A que fale e os segredos lhe revele

Antes de eu ver aos peacutes feitos pedaccedilos

Os que me ligam flagellantes laccedilos

Vibre-me embora a chamma coruscante

De neve alados turbilhotildees levante

Faccedila tremer com horrido estampido

O chatildeo do terremoto sacudido

E tudo em confusatildeo profunda immerso

Abale nas raizes o Universo

Natildeo lhe descubro quem por lei suprema

Do Fado ha de arrancar-lhe o diadema

MERCURIO

Peacutesa dos actos teos o resultado

PROMETHEU

Previ de ha muito estaacute deliberado

214

MERCURIO

Oh misero Uma vez serio medita

Na que te afflige insolita desdita

PROMETHEU

Importuno O discurso em que divagas

Eacute qual si fosse dirigido aacutes vagas

Por medo ter de Jove oh nunca esperes

Que eu vestindo a fraqueza das mulheres

E erguendo as matildeos em supplicante gesto

Implore a quem de coraccedilatildeo detesto

Me quebre estes grilhotildees Em tal natildeo penso

[fl92] MERCURIO

Falei debalde bem que fosse extenso

Natildeo te abrandas nem supplicas escutas

Qual poldro mal domado em furia luctas

Contra as redeas e mordes o bocado

Impando estaacutes de focircfo orgulho inflado

Tiras de vatildeo saber garbosa audacia

Nada vale de um louco a pertinacia

Olha Si meos conselhos desprezares

Que tropel infinito de pezares

Em ti desabaraacute Nenhum escudo

Frustra o golpe Haacute de o Pae antes de tudo

Do raio aacute chamma e ao trom da trovoada

Arrasar esta fraga alcantilada

Ha de o granito n‟um abraccedilo estreito

Premer-te os membros sobre o ingrato leito

Deves ser afinal restituido

Aacute luz do dia quando focircr volvido

De seculos um tracto dilatado

Entatildeo voraz de Jove o catildeo alado

215

- A aguia sanguisedenta ndash ha de uma parte

Do corpo em mil pedaccedilos devorar-te

Conviva diario que ninguem convida

Ha de ser de teo figado nutrida

Flagello curtiraacutes desta maneira

Ateacute que um Deos que succeder-te queira

Na pena desccedila ao Barathro sombrio

E aacute torva margem do Tartareo rio

Reflecte bem Natildeo faccedilo agora praccedila

De phrases vatildes Eacute seacuteria esta ameaccedila

O assumpto eacute muito grave e transcendente

Cumpre Jove o que diz e nunca mente

O melhor parecer seguir procura

Nem pervicacia opponhas aacute cordura

O CORO DAS OCEANIDAS

Mercurio tem proposito

Na sua admoestaccedilatildeo

Suggere-te a prudencia

Condemna a obstinaccedilatildeo

Segue a liccedilatildeo proficua

Que acaba de dictar

Natildeo eacute de sabio proacutevido

No erro perseverar

[fl93] PROMETHEU

Quanto elle em brados repetio agora

Tudo eu sabia ponto a ponto Embora

Ninguem extranha ou fica desairado

Quando pelo inimigo eacute maltratado

E pois que Jove sobre mim desfira

A de dous gumes sinuosa espira

Ribombantes trovotildees rabidos ventos

216

Convulsem o ar a embates violentos

Nute a terra nos eixos abalada

O mar em escarceacuteos mugindo invada

A do giro sidereo azul esphera

E Jupiter cedendo aacute lei severa

Do Fado arroje o corpo meo no Averno

Natildeo poacutede a morte dar-me Eu sou eterno

MERCURIO

Taes palavras iguaes arrazoados

Soacute se podem ouvir dos tresloucados

Que lhe falta d‟aqui para a demencia

Si ao furor natildeo modera a violencia

E voacutes que doacute mostraes deste inditoso

Parti antes que o ronco estrepitoso

Do trovatildeo abalando este rochedo

N‟alma vos cocirce a turbaccedilatildeo do medo

O CORO DAS OCEANIDAS

Diverso alvitre inspira-nos

Honesto e convinhavel

O que lembraste eacute pessimo

Covarde intoleravel

Pois tu nos daacutes estimulo

A infame proceder

Havemos ser participes

Do que elle padecer

Fundo a traiccedilatildeo esqualida

Ha muito aborrecemos

Nem peste deleteria

Como ella conhecemos

217

[fl94] MERCURIO

Phrases lembraes alhures proferidas

Por mim Si focircrdes de uma dor feridas

Deixae de attribuir o golpe ao Fado

Nem digaes que de modo inopinado

Jupiter vos ferio Tendo a certeza

Do mal conscientes claro sem sorpreza

Colheo-vos pelos actos de loucura

Na inextricavel recircde a Desventura

PROMETHEU

Segue aacute palavra a acccedilatildeo ndash Vacilla a Terra

Rouco trovatildeo nas visceras lhe berra

A offuscante espiral rasga e chammeja

Torvelinhando o poacute sobe e volteja

Ventos soltos soprando em rude estrondo

Forccedilam seos mutuos impetos oppondo

Tufotildees uns contra os outros impellidos

Ether e mar avisto confundidos

Jupiter manifesto rue agora

Sobre mim e quer ver si me apavora

Augusto Nume minha matildee divina

Ether onde a luz pura que illumina

Tudo flue a girar na immensidade

Vecircde Hostia sou de immensa iniquidade

218

CAPIacuteTULO 5 ndash Transcriccedilatildeo da segunda versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de

Paranapiacaba

[fl95] PROMETHEU ACORRENTADO

(Versatildeo em que predomina o decassyllabo socirclto)

_________________

A FORCcedilA A VIOLENCIA (KRATOS E BIA) VULCANO (HEPHAISTOS) E

PROMETHEU

(A violencia eacute personagem mudo)

A FORCcedilA

Somos chegados onde acaba a Terra

- Regiotildees da Scythia - solidatildeo remota

Virgem teacute hoje de peacutegada humana

Tempo eacute de dar execuccedilatildeo aacutes ordens

Que o Pae te impoz Vulcano Neste abrupto

Alcantil prende em recircde inquebrantavel

De adamantinos vinculos formada

Este amotinador do povo Aos homens

Deo em partilha apoacutes o haver furtado

Teo mimo ndash o claro fogo idoneo aacutes artes

Por isso cumpre que de seo peccado

O castigo supporte e assim punido

Aprenda a respeitar de Jove o imperio

E cesse de ostentar philantropia

VULCANO

Forccedila e Violencia As injuncccedilotildees seguistes

De Jove e nada mais vos causa estorvo

Agora quanto a mim sinto faltar-me

Coragem de fincar nesta quebrada

Que algente bruma intoleravel torna

219

Um Deos parente meo Mas o Destino

Aacute tatildeo dura tarefa me constrange

Que eacute grave desleixar de Jove encargos

De Themis recta e consultriz oacute filho

Altipensante Neste algar sem treita

Humana em noacutes de bronze indissoluveis

- A meo e teo pezar - eu vou pregar-te

Aqui nunca has de ouvir mortal accento

Nem face de homem ver antes crestado

Lento pelas do sol ferventes chammas

Perderaacutes dia a dia a flor da pelle

[fl96] Ha de a noite por ti sempre almejada

Sumir o dia no estrellado manto

Ha de voltando o sol seccar a geada

Sem que um momento aligeirado o peso

Sintas aacute torva dor que te acabrunha

Que inda ninguem nasceo para livrar-te

De amar tanto os mortaes ahi tens o fructo

Prodigando-lhes dons e regalias

- Deos - affrontaste a colera dos Deoses

Por isso - guarda d‟esta rocha ingrata -

De peacute insomne e sem dobrar os joelhos

Has de em queixas inuteis consumir-te

Dotado eacute Jove de animo implacavel

Novo tyranno eacute sempre rigoroso

A FORCcedilA

Age Tardas e em vatildeo te commiseras

Natildeo execras o Deos odioso aos Numes

Que deo trecircdo aos mortaes teo privilegio

VULCANO

Mui fortes satildeo o sangue e a convivencia

220

A FORCcedilA

Como has de retardar de Jove as ordens

Natildeo eacute mais de temer menosprezal-as

VULCANO

Oh Sempre audaz e aacute compaixatildeo extranha

A FORCcedilA

Que val piedade Sentimento inutil

O lamentar-lhe a docircr natildeo eacute remedio

VULCANO (olhando para as cadeias)

Primor de minhas matildeos como te odeio

A FORCcedilA

Por que tal odio A bem dizer tua arte

Em nada causa foi do mal presente

[fl97] VULCANO

D‟outro que natildeo de mim fosse ella o dote

A FORCcedilA

Tudo aos Deoses foi dado unicamente

Natildeo podem governar A natildeo ser Jove

Natildeo eacute livre ningueacutem

VULCANO

Sim Natildeo contesto

A FORCcedilA

E por que natildeo n‟o enlaccedilas de cadeias

Antes que o Pae a hesitaccedilatildeo te avente

VULCANO

221

Vecirc Promptos satildeo os argolotildees dos braccedilos

A FORCcedilA

Desce-lh‟os pelas matildeos Crava-as na pedra

Com toda a forccedila descarrega o malho

VULCANO

Eacute obra de um momento e natildeo frustranea

A FORCcedilA

Mais forte Bate arrocha nada affrouxes

Poacutede astuto qual eacute achar sahida

Do que a natildeo tem

VULCANO

Involvem este braccedilo

Indissoluveis peias

[fl98] A FORCcedilA

Bem seguro

Prende o outro em tatildeo solidos liames

Saiba que eacute seo talento de sophista

Mais tardo que o de Jove

VULCANO (apontando para Prometheu)

A natildeo ser elle

Outro natildeo tem de mim razatildeo de queixa

A FORCcedilA

O dente ousado dessa cunha d‟accedilo

Embebe em cheio por seo peito a dentro

Golpea-o rude

VULCANO

222

Ai Prometheu Deploro

O teo supplicio

A FORCcedilA

Inda outra vez tardanccedila

O inimigo de Jove a lastimares

Olha a ti mesmo a lastimar natildeo venhas

VULCANO

Espectaculo vecircs horrido aos olhos

A FORCcedilA

Vejo applicar-se a um reacuteo a justa pena

Mette-lhe os peitoraes pelas axillas

VULCANO

Sei que eacute fatal Escusa de insistires

A FORCcedilA

Natildeo e inda mais co‟a a voz hei de incitar-te

Do tronco abaixo em fortes noacutes lhe adstringe

As pernas

[fl99] VULCANO

Concluido e sem demora

A FORCcedilA

Justa-lhe aos peacutes grilhotildees rebita os cravos

Nos orificios dos fuzis Cuidado

Fiscal de fino olhar vela o que fazes

VULCANO

Diz com tuas feiccedilotildees a lingoa tua

223

A FORCcedilA

Secirc fraco embora poreacutem natildeo me increpes

A ingenita inflexivel aspereza

VULCANO

Desccedilamos Tem os membros n‟uma recircde

A FORCcedilA (apostrophando a Prometheu)

Poacutedes d‟hai assoberbar os Numes

E usurpando protervo os dons divinos

Entregal-os aacutes matildeos da raccedila ephemera

Esta valor natildeo tem que te libere

Deste afan Prometheu chamam-te os Deoses

Falso nome A ti mesmo eacute necessario

Um Prometheu para ensinar-te como

Soltar-te poderaacutes desse artefacto

(Sahem Vulcano a Forccedila e a Violencia)

PROMETHEU

Oacute Ether divinal auras velozes

Mananciaes dos rios voacutes oacute risos

Innumeraveis das marinhas ondas

Oacute terra matildee universal oacute disco

Do Sol omnividente Aqui me tendes

Vecircde que docircr a um Deos infligem Deoses

Vecircde em que regiotildees acorrentado

Tenho a gemer indefinitos eacutevos

[fl100] Para mim engenhou tatildeo vis ligames

O Prytano recente dos Divinos

Ai Hoje e no porvir sempre a desdita

Quando o termo viraacute deste piaculo

Que digo Claro no futuro leio

Quanto ha de acontecer nenhum successo

Me poacutede sobrevir inesperado

224

Cumpre que aceite da melhor maneira

A sorte minha como quem conhece

Ser invencivel o rigor do Fado

Natildeo devecircra falar de meos pezares

Mas como hei de cerral-os no silencio

Si por ter feito beneficio aos homens

Supporto agora preso aacute penedia

Deste supplicio nunca visto o julgo

Tomei qual caccedilador a matildee furtiva

Do fogo n‟uma ferula guardei-a

E aos olhos dos mortaes mostrei seo brilho

E o fogo mestre foi das artes todas

E o moacuter commodo e prestimo da vida

Eis-me aqui a purgar esse delicto

Preso aacute esta rocha exposto aacutes intemperies

Ai Ai Que rumorejo Que invisivel

Perfume sobe a mim De quem se evola

De um Deos mortal ou mixta creatura

Vem assistir aos tratos que me applicam

Neste ermo cimo Traz diverso intento

Vecircde aqui preso um desditoso Nume

A quem Jove detesta odioso aos Deoses

E a tudo que frequenta o atrio do Olympo

Soacute porque dos mortaes se mostra amigo

Ai Vem perto o sonido Eacute de quem vocirca

Doce remegio d‟azas no ar cicia

Quanto se achega a mim pavor me infunde

O CORO DAS OCEANIDAS

(Fala sempre o coryphecirco)

ESTROPHE I

Natildeo temas Amigo eacute o bando

Alado que aacute esta eminencia

225

Vem ter a custo abrandando

A paterna resistencia

Neste coche que deslisa

Pela azulada amplidatildeo

Cheguei nas azas da brisa

Apoacutes rapida excursatildeo

[fl101]Das rijas correntes d‟ accedilo

O estrepitoso tinir

Foi aleacutem do equoreo espaccedilo

Nas furnas repercutir

Presurosa entatildeo subindo

A este carro voador

Descalccedila vim transgredindo

O rubescente pudor

PROMETHEU

Ai Ai Oacute prole da fecunda Tethis

Filhas do Oceano cujo inquieto fluxo

A Terra circumvolve - contemplae-me

Involto em eacutelos que jaacutemais se rompem

Deste excelso alcantil na cavidade

Forccedilada sentinella estou fazendo

O CORO DAS OCEANIDAS

ANTISTROPHE I

Vejo e ante a vista nublada

Sinto nuvem de terror

Que de lagrimas pejada

Traduz minha intensa docircr

Porque ao fraguedo cosido

226

Por vergonhosa prisatildeo

Teo corpo de docircr pungido

Findaraacute de inaniccedilatildeo

No Olympo ha nova regencia

E Jove arbitrario e injusto

Proscreveo com violencia

Quanto era dbdquoantes augusto

PROMETHEU

Antes abaixo do amago da Terra

No Orco trevoso albergue dos finados

Ou no Tartaro immenso me arrojasse

Atado nestes noacutes Jaacutemais desdaveis

Assim nem Deos algum nem outros seres

Poderiam folgar vendo-me em pena

Hoje - aos ventos ludibrio - em docircr immerso

Dou a inimigos meos perpetuo jubilo

[fl102] O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE II

Qual dos Numes eacute dotado

De tatildeo duro coraccedilatildeo

Que ao ver-te assim flagellado

Natildeo revele compaixatildeo

Soacute Jove que em paroxismo

De furia que natildeo declina

Preme ao ferreo despotismo

De Urano a prole divina

Brando seraacute quando estanque

Sua vinganccedila ficar

Ou de assalto alguem lhe arranque

227

Poder arduo a conquistar

PROMETHEU

Bem que tatildeo fortes e ultrajantes peias

Me adstrinjam ha de o Principe dos Deoses

Ter precisatildeo de mim por que lhe indique

O projecto fatal aacute permanencia

De seu poder Ameaccedilas ou blandicias

Sem que d‟estes grilhotildees me solte os membros

E da injuria me decirc razatildeo - frustraneas

Seratildeo ndash Soacute falarei desaffrontado

O CORO DAS OCEANIDAS

ANTISTROPHE II

Eacutes audaz e natildeo te dobra

O acerbo martyrio teo

Ha liberdade de sobra

Em teo falar Prometheu

O teo destino futuro

Apavorada me traz

Quando no porto seguro

Aacute docircr o termo veraacutes

Coraccedilatildeo rijo implacavel

De Saturno o filho tem

Em seo animo intractavel

Jaacutemais penetrou ninguem

[fl103] PROMETHEU

Bem sei que Jove eacute rispido e sujeita

Ao alvedrio seo toda a justiccedila

Mas ha de moderar o aspero genio

228

Quando ferido focircr por esse modo

Entatildeo a furia pertinaz calmada

Viraacute commigo accorde no desejo

De amizade e uniatildeo soldar os laccedilos

O CORO DAS OCEANIDAS

Si natildeo te magocircas conta

O que succedeo comtigo

Por que foi que Jove a affronta

Te irrogou deste castigo

PROMETHEU

Pecircza-me certo referir taes casos

E doacutee calar Acerba alternativa

Quando os Deoses em odio conflagrados

Pela primeira vez se rebellaram

Logo a Discordia dominou seos animos

Uns pretendiam derrubar Saturno

E a Jove pocircr no throno outros votavam

Que Jaacutemais fosse Jove o Rei do Olympo

Eu que prudente alvitre suggerira

Desattendidos vi meos satildeo conselhos

Pelos Titans da Terra e Ceacuteo oriundos

Petulantes por indole enjeitaram

Os meios brandos na illusoria crenccedila

De aacute viva forccedila o imperio conquistarem

Sem astucia sem plano e por surpreza

Que vezes minha matildee Themis ndash a Terra

(- Uma soacute foacuterma com diversos nomes -)

Desvendando o porvir me revelara

Ser lei fatal que o vencedor o fosse

Soacute por ardis e sem recurso aacutes armas

Isto lhes ponderei e nem me olharam

Julguei melhor de minha matildee seguido

229

A Jove procurar prestar-lhe auxilio

Attendendo espontaneo a seo desejo

Pelos esforccedilos meos o negro abysmo

Do Tartaro sorveo nas profundezas

O vetusto Saturno e seos proselytos

Dos Deoses o Primaz a taes serviccedilos

Correspondeo impondo-me esta pena

[fl104] Eacute Molestia inherente aacute tyrannia

O natildeo ter confianccedila em seos amigos

Perguntaste por que me ultraja Escuta

Quando assentado no paterno solio

Talhou em proporccedilatildeo aos novos Deoses

Honras mercecircs e organizou o imperio

Mas natildeo fez cabedal da especie humana

Antes quiz destruil-a e nova raccedila

Crear Ninguem sahio a contrastal-o

Ousei-o eu soacute A ephemera progenie

Livrei de ir de roldatildeo aacutes trevas do Orco

Fulminada Por isso hoje me estorccedilo

Na incessante pressatildeo deste flagello

Miserando ao que o vecirc duro ao que o passa

Eu que me apiedei tanto dos homens

Credor de compaixatildeo natildeo fui julgado

E punido sem doacute exhibo um quadro

Que eacute para Jove deshonroso estygma

O CORO DAS OCEANIDAS

De ferro ou de pedra rija

Forrado o peito ha de ser

Daquelle que natildeo se afflija

Com teo seacutevo padecer

De tanta angustia prouveacutera

Que eu testemunha natildeo focircra

230

Mas vendo-a me dilacera

Funda tristeza oppressora

PROMETHEU

Sou na verdade para meos amigos

Lastimavel de ver

O CORO DAS OCEANIDAS

E natildeo levaste

Teo favor aos mortaes inda mais longe

PROMETHEU

Forrei-os ao terror da hora da morte

O CORO DAS OCEANIDAS

Que remedio inventaste a mal tatildeo grave

[fl105] PROMETHEU

Entre elles fiz morar cega esperanccedila

O CORO DAS OCEANIDAS

Presente de valor inestimavel

PROMETHEU

Trouxe tambem a suas matildeos o fogo

O CORO DAS OCEANIDAS

Que Do fogo esplendente estatildeo na posse

Os entes de um soacute dia

PROMETHEU

Oh Sim e o fogo

Seo mestre ha sido em variadas artes

231

O CORO DAS OCEANIDAS

Por delictos semelhantes

Eacute que Jove te crucia

E nem siquer por instantes

Estas penas te allivia

E natildeo sabes qual a dura

De teo padecer algoz

A tatildeo medonha tortura

Jove limite natildeo pocircz

PROMETHEU

Nenhum Terminaraacute quando lhe apraza

O CORO DAS OCEANIDAS

E ha de aprazer-lhe Olvidaste

Que em culpa tens incidido

E que o dizer-te que erraste

Me desgosta e te eacute dorido

Deixemos poreacutem de parte

Este proposito ingrato

E procura libertar-te

Das peias deste artefacto

[fl106] PROMETHEU

A quem natildeo prendem do Infortunio as malhas

Nada custa exprobar severo o afflicto

Tudo fiz voluntario e consciente

Quiz delinquir e o fiz caso pensado

Natildeo me era estranho que valendo aos homens

Para mim preparava intensas magoas

Nunca emtanto esperei tatildeo feacutero tracto

Macerado de encontro aacute rocha viva

232

Nesta remota inhabitavel fraga

Mas natildeo lamentes meos presentes males

Eacute melhor que descendo a este rochedo

Ouccedilas de perto todo o meo destino

Presta-me este serviccedilo officioso

Condoe-te do infeliz que vecircs em transes

Anda a Desgraccedila errante sem parada

E assim vagando ora um ora outro fere

O CORO DAS OCEANIDAS

Falas a quem sempre accede

E obedece aacute tua voz

Do carro abandono a seacutede

E desccedilo com peacute veloz

Deslisando no ether puro

- Dos passaros travessia -

Eu jaacute piso o soacutelo duro

Da escabrosa penedia

Com empenho verdadeiro

Vim teo desejo cumprir

Pois o meo eacute ndash por inteiro

Teos males todos ouvir

(Apparece Oceano no ar cavalgando um dragatildeo alado)

OCEANO

Aqui estou Prometheu vim ter comtigo

Longo caminho rapido vencendo

Neste alado veloz que rejo e guio

Sem freio e apenas da vontade aacute forccedila

Penalisa-me assaz teo soffrimento

E o parentesco impelle-me a carpir-te

Mas pondo ao lado os vinculos do sangue

233

Ninguem tanta affeiccedilatildeo qual eu te rende

Sabes quanta verdade ha nestas phrases

Nunca foi lisonjeira a lingoa minha

Vamos Indica o meio de acudir-te

E natildeo diraacutes em tempo algum que houveste

Outro amigo mais firme que Oceano

[fl107] PROMETHEU

Que vejo Eacutes tu Tu mesmo aqui vieste

A ser espectador de meo tormento

Abandonaste o rio de teo nome

Grutas que a natureza abrio na rocha

Por esta regiatildeo que eacute matildee do ferro

Soacute vens testemunhar meo triste estado

Ou piedoso compartir meos males

Olha de que baldatildeo Jove nodocirca

Seo mais forte auxiliar na lucta ingente

Cuja victoria lhe manteve o throno

OCEANO

Vendo estou Prometheu Mais que avisado

Eacutes escuta poreacutem um bom conselho

Conhece-te outros habitos adopta

Pois hoje novo Rei preside os Numes

Si exprobraccedilotildees tatildeo acres arremessas

Vociferando poacutede ouvil-as Jupiter

Bem que do Olympo na mais alta seacutede

Sua colera entatildeo levada a extremo

Sevicias te imporaacute de tal quilate

Que as de agora seratildeo mero brinquedo

Dos seios d‟alma desgraccedilado expelle

Todo o levedo de iracundia e orgulho

Busca aacute teos males proximo remate

234

Cres que te falo como velho estulto

Mas tu oacute Prometheu eacutes viva mostra

Dos damnos que produz lingoa arrogante

Natildeo dobras a cerviz ante as desditas

E outras queres juntar aacutes que te avexam

Deixa uma vez assessorar-te e attende

Natildeo batas com o peacute de encontro aacute espora

Inclemente monarcha hoje governa

Irresponsavel a ninguem daacute contas

Parto jaacute Vou tractar de teo resgate

Fica inerte natildeo fales tatildeo protervo

Fino de mais qual eacutes acaso ignoras

Que se inflige ferrete aacute lingoa socirclta

PROMETHEU

Dou-te os emboras por te ver immune

De pena e culpa tu que a mim ligado

Ousate tomar parte em minhas docircres

Quero poreacutem o incommodo poupar-te

[fl108] De ires interceder por mim Eacute Jove

De indole feacutera Conseguir natildeo poacutedes

Leval-o aacute persuasatildeo Comtigo mesmo

Toma cautela Observa tudo em roda

Natildeo te venha algum mal desta visita

OCEANO

Melhor que a ti os outros aconselhas

Os infortunios teos satildeo disto a prova

Natildeo queiras refrear-me ao zelo o impulso

Eu me ufaneio sim eu me ufaneio

De alcanccedilar para ti de Jove o indulto

PROMETHEU

Louvo-te grato e sempre hei de louvar-te

235

Natildeo ha mostrar mais vehemente o anhelo

De prestar-me um favor Mas infructifero

Teo esforccedilo veraacutes Quanto tentares

Natildeo me aproveitaraacute Quecircda-te isento

De riscos Infeliz que sou natildeo quero

Que minha desventura envolva os outros

Sim Jaacute bastante me atormenta a sorte

De meo irmatildeo Atlante que postado

De peacute na extrema occidental da Hesperia

As columnas susteacutem do Ceacuteo da Terra

Sobre as espaduas (carga insupportavel)

Faz-me doacute o terrigena habitante

Dos antros cilicecircos monstro da guerra

O impetuoso Tiphecirco de cem cabeccedilas

De irresistivel forccedila dominado

Revel aos Numes sibilava o excidio

Da tetra guela Emquanto dava assalto

Contra o poder de Jove e fulminava

Dos olhos seos ao fulgurar gorgoacuteneo

Vibrou-lhe o Pae o vigilante dardo

- O raio que ao cahir expira chammas ndash

E abateo-lhe as farromas blasonantes

Nas mais intimas visceras ferido

Paacutevido do estridor tonitroante

Perdeo forccedilas cahindo incinerado

Hoje soacute delle resta um corpo inutil

Estirado do mar junto aacute angustura

Do Etna sob as raizes comprimido

Emquanto em cima tem Vulcano a forja

E prepara fusotildees Dalli jorrando

Um dia com fragocircr igneas torrentes

Queimaratildeo nas mandibulas selvagens

Os frugiferos valles da Sicilia

[fl109] Assim ha de Typhecirco mesmo combusto

236

Do ethereo fogo evaporar os eacutestos

E em ferventos rojotildees de inexhauriveis

Torvelins vomitar chammas do bocircjo

Tens longa experiencia e nem precisas

Que eu me torne teo guia e conselheiro

Guarda-te pois da mais segura foacuterma

Que ficarei cumprindo o meo fadario

Teacute que a ira deserte a alma de Jove

OCEANO

Natildeo sabes que da colera espumante

As palavras satildeo medico

PROMETHEU

Si a tempo

Alguem o coraccedilatildeo nos pacifica

E sem que reprimir aacute forccedila intente

D‟alma tumida os impetos

OCEANO

Que damno

Vecircs em tental-o audaz e cauteloso

PROMETHEU

Simplicidade vatilde canseira inutil

OCEANO

Permite-me enfermar de tal achaque

Lucra o sabio em passar por nescio aacutes vezes

PROMETHEU

Focircras autor da culpa eu responsavel

OCEANO

237

Vejo uma despedida em taes palavras

[fl110] PROMETHEU

Lastimando-me a sorte odios provocas

OCEANO

De quem Daquelle que em recente data

Tomou posse do solio omnipotente

PROMETHEU

Ai misero de ti si n‟alma o irritas

OCEANO

Tuas desgraccedilas de licccedilatildeo me servem

PROMETHEU

Vae presto Insiste nos teos bons designios

OCEANO

Daacutes pressa ao que a partida accelerava

Meo quadrupede alado impaciente

De dobrar o joelho em seo caseiro

Aprisco as azas distendidas roccedila

Nas camadas azues do ethereo plaino

O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE I

Prometheu Que docircr me causa

Teo destino miserando

As lagrimas que sem pausa

Dos olhos me estatildeo manando

Qual humida fonte a fio

Minhas faces vem regar

238

Jupiter seu poderio

Vive arrogante a ostentar

E humilha os antigos Numes

Aacute tyrannica oppressatildeo

[fl111] ANTISTROPHE I

Socirca em lugubres queixumes

Esta vasta regiatildeo

Da vizinha Asia sagrada

Os incolas compungidos

Choram-te a gloria passada

E a de teos irmatildeos vencidos

ESTROPHE II

Choram-te as fortes na guerra

Virgens de Colchos - o Scytha

Que n‟um extremo da Terra

Junto aacute Meotida habitada

ANTISTROPHE II

O arabe escol guerreiro

Fremente de agudas lanccedilas

E que tem forte roqueiro

Do Caucaso em vizinhanccedilas

EPODO

De incansaveis noacutes ligado

Um soacute dos Titans eu vi

Pelos Deoses castigado

Padecer antes de ti

Atlas foi Quem tatildeo valente

239

De tanto esforccedilo capaz

Pois sobre o docircrso gemente

O Polo gravoso traz

O peacutego fervendo muge

A seos peacutes a terra treme

O negro Averno restruge

E ateacute nos recessos freme

Todas as fontes sagradas

Das correntes fluviaes

Lamentam angustiadas

Suas desgraccedilas fataes

[fl112] PROMETHEU

Natildeo de tedio ou de orgulho eacute meo silencio

Mas eu devoro o coraccedilatildeo pensando

Que sou exhibiccedilatildeo de tanta vilta

Quem sinatildeo eu por esses novos Deoses

Talhou proporcionaes mercecircs e graccedilas

Sobre este ponto nada mais ajunto

Seria expocircr um facto aos que o conhecem

Ouve os males que aos homens affligiam

E como de boccedilaes os fiz cordatos

E scientes da proacutepria intelligencia

Si assim falo natildeo eacute porque os censure

Lembro soacute que o que fiz em proacutel da raccedila

Eacute prova da affeiccedilatildeo que lhe consagro

Antigamente olhavam sem que vissem

Inclinavam-se aacute escuta e nada ouviam

Como as figuras que desenha o sonho

Tudo por longo tempo confundiram

Aacutes casas de tijolo ao sol expostas

E ao lavrar da madeira extranhos eram

240

Como graacuteceis formigas diligentes

Tinham habitaccedilotildees de sob o soacutelo

No mais fundo de lobregas cavernas

Nem por algum signal differenccedilavam

O inverno da florida primavera

Ou do veratildeo em fructos abundante

Assim sem reflexatildeo viveram seculos

Ateacute que o instante do nascer dos astros

E o menos regular de seos occasos

Lhes dei a conhecer Em seo proveito

O numero inventei - a mais proficua

Das descobertas que a sciencia illustram

Ensinei-lhes a ler grupando as lettras

Formei-lhes a memoria ndash a matildee das Musas

Domesticando os animaes selvagens

Fil-os aacute sujeiccedilatildeo doacuteceis Pesaram

De irracionaes no dorso as graves cargas

Que oneravam teacute ahi hombros humanos

Puz ao carro os frenigeros cavallos

- Trastes de luxo de faustosos ricos -

Vehiculos navaes d‟azas de linho

Sulcadores do mar a mim se devem

E eu (desditoso) autor de tanto invento

Em bem dos homens descobrir natildeo posso

Um que logre partir estes liames

[fl113] O CORO DAS OCEANIDAS

Grave castigo padeces

Fluctuas leso o juiacutezo

Qual maacuteo medico adoeces

E eacutes no curar-te indeciso

Ao animo perturbado

Certamente natildeo te acode

241

O remedio apropriado

Que prompto sanar-te poacutede

PROMETHEU

Ouve o que falta e pasmaraacutes sabendo

De quantas artes e misteres uteis

Fui inventor O principal foi este

Medicina nenhuma o enfermo tinha

No comer no beber na uncccedilatildeo do corpo

De curativos definhava aacute mingoa

Teacute que graccedilas a mim noticia houveramos

Dos remedios e mixtos salutares

- Preservativo e cura das molestias-

Aos presagios marquei processos novos

Disse em que pontos as visotildees sonhadas

Reaes seriam aacutes escuras phrases

Das predicccedilotildees vocaes fixei sentido

Dos accidentes que em jornada occorrem

Dei plena explicaccedilatildeo ao viandante

Mui por miudo defini o vocirco

Dos passaros de garras encurvadas

Qual delles eacute propicio e qual sinistro

Disse de que alimentos se nutriam

Quaes seos odios e amores seos encontros

Notei-lhes das entranhas a lisura

Bem como a cocircr que mais apraz aos Deoses

Quaes da bile os aspectos favoraveis

E os do figado e o aacutedipo das cocircxas

Seos rins queimando descobri segredos

D‟arte de adivinhar que era difficil

Do fogo occulto revelei o augurio

Outr‟ora nebuloso Aleacutem de tudo

As riquezas que a terra nas entranhas

Guardava ndash o ferro o bronze a prata o ouro -

242

Qual outro antes de mim as desvelaacutera

Quem se chamar tal gloria eacute temerario

Jactancioso Em summa as artes todas

Por Prometheu hatildeo vindo aacutes matildeos dos homens

[fl114] O CORO DAS OCEANIDAS

Basta dos homens natildeo fales

Quinhoaste-os amplamente

Tracta de ti A teos males

Natildeo sejas indifferente

Sinto em mim tenho por certo

Que ainda um dia te hei de ver

Destas cadeias liberto

Igual a Jove em poder

PROMETHEU

Isto natildeo prouve aacute Parca poderosa

Pelo Destino decretado estava

Que soacute de longas provaccedilotildees ao cabo

Destas peias alfim solto me veja

Muito mais debeis satildeo por certo as artes

Do que a Fatalidade

O CORO DAS OCEANIDAS

E a quem pertence

Do Destino o timatildeo reger101

PROMETHEU

Aacute Parca

Triforme e aacutes sempre meacutemores Erynnes

101

Era de se esperar um ponto de interrogaccedilatildeo

243

O CORO DAS OCEANIDAS

Eacute Jove menos forte que o Destino

PROMETHEU

Sim natildeo102

lhe foge aacutes leis irrecusaveis

O CORO DAS OCEANIDAS

Para elle algo eacute fatal aleacutem do imperio

PROMETHEU

Natildeo t‟o direi nem mesmo a instantes rogos

[fl115] O CORO DAS OCEANIDAS

Eacute de certo bem grave o que me escondes

PROMETHEU

Lembra outra cousa descabida eacute esta

Para mim eacute mister quanto possivel

Guardal-a occulta Deste modo evito

Mil infortunios e estes ferros quebro

O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE I

Natildeo apraza aacute Potestade

Que os mundos todos governa

Oppocircr aacute minha vontade

Sua vontade superna

Seja meo constante fito

Manter os Numes propicios

Fazendo sempre os do rito

102 A palavra comeccedila com letra minuacutescula no livro

244

Tributarios sacrificios

Offertando-lhes de plano

As victimas immoladas

Junto aacutes do Padre Oceano

Correntes sempre agitadas

Que eu nunca aos Deoses aggrave

No intuito ou na expressatildeo

Que perpetua em mim se agrave

Tatildeo louvavel intenccedilatildeo

ANTISTROPHE I

Doce eacute firmar longa vida

Sobre esperanccedilas estaveis

Conservando a alma nutrida

De jubilos ineffaveis

Fundo horror minha alma sente

Por teo duro padecer

Foste muito irreverente

Com Jove em teo proceder

Nos teos planos confiado

E soacute por impulso teo

Aos homens has dispensado

Honras de mais Prometheu

[fl116] ESTROPHE II

Que maacuteo pago houveste disso

Jugas que em teos dissabores

Te prestem algum serviccedilo

Os terraqueos moradores

245

Perdeste acaso a lembranccedila

Da tibia imbecialidade

Que de um somno aacute semelhanccedila

Peacutesa sobre a humanidade

Dos homens nunca os projectos

Teratildeo forccedilas de inverter

A ordem que em seos decretos

Quis Jupiter prescrever

ANTISTROPHE II

Convenci-me disto emquanto

Teo supplicio contemplava

Quatildeo diverso deste canto

Era o que nos arroubava

Quando cercando-te o thoro

E o lavacro accordes todas

Entoavamos em cocircro

Hymno festivo de bocircdas

Vendo Hesione nascida

Do Oceano esposo aceitar-te

E a teos presentes rendida

Em teo leito ser comparte

(Apparece Io)

IO

Que terra esta eacute Que gente nella habita

E quem eacutes tu por vinculos atado

Nesta rocha hybernal Aacute que flagicio

Serve de expiaccedilatildeo tamanha pena

Dize-me aacute que regiatildeo chego agitada

Ai Ai Ai Eis de novo me afferrocirca

246

(Desditosa) o tavatildeo - o simulacro

D‟Argos da Terra filho Oacute terra afasta-o

Tenho medo O pastor de olhos innumeros

Me estaacute fitando co‟a dolosa vista

Bem que finado natildeo n‟o esconde a terra

Volta do Inferno segue-me as pisadas

E arrasta-me a vagar faminta aos saltos

Pelas marinhas arenosas praias

[fl117] ESTROPHE

Da avena de cecircrea junctura a harmonia

Ao somno convida

Teacute onde na infinda fatal correria

Serei impellida

Saturnia progenie qual foi o meo crime

Por que me condemna

A colera tua e ao jugo me opprime

De tatildeo dura pena

Por que n‟um continuo terror flagellante

Que arrasta aacute loucura

Me impotildees deste insano correr incessante

A rude tortura

Ou manda-me em chammas morrer abrazada

Ou viva enterrar

Ou- pasto animado - que eu seja lanccedilada

Aacutes feacuteras do mar

Oh Rei Daacute-me ouvidos Aacute angustia que raia

Meo animo enfermo

Modera os rigores Siquer assignala

Qual seja seo termo

247

O CORO DAS OCEANIDAS

A voz natildeo ouves da bicorne virgem

PROMETHEU

Como natildeo hei de ouvir d‟Inacho a filha

A moccedila virgem do tavatildeo pungida

Ella inflammou de amor a alma Jove

E hoje de Juno odiada eacute compulsada

Aacute correria longa e sem repouso

IO

ANTISTROPHE

Donde soubeste de meo pae o nome

Como infeliz

Conheces esta docircr que me consome

Aacute triste o diz

Quem te deo novas do divino accediloite

Desse feroz

Ferratildeo que me caustica dia e noite

Com furia atroz

[fl118] Da colera de Juno perseguida

Aqui por fim

Tresvariada pela fome urgida

Saltando vim

Mais desditosa dentre os desditosos

Quem poacutede haver

Diz-me sem veacuteos os lances desastrosos

Que hei de soffrer

Si allivio ou cura tens aacute tatildeo pesada

Fera agonia

Aponta-o sem rebuccedilo aacute flagellada

248

Moccedila erradia

PROMETHEU

Dizer-te vou o que saber desejas

Simples e claro sem usar de enigmas

Qual de um amigo a outro Em mim presente

Tens Prometheu que trouxe o fogo aos homens

IO

Tu ndash auxilio commum da raccedila humana -

Tu - Prometheu por que razatildeo padeces

PROMETHEU

Pouco ha findaacutera a historia de meos males

IO

Agora a mim natildeo te seraacute possivel

Uma graccedila fazer

PROMETHEU

Sim Interroga

Eu te satisfarei

IO

Quem te ha cravado

Nesta rocha precipite

PROMETHEU

O decreto

De Jupiter e o braccedilo de Vulcano

[fl119] IO

Que attentado eacute credor de tal castigo

249

PROMETHEU

Eacute bastante o que eu disse

IO

Expotildee ao menos

Todos os golpes que o povir me guarda

E qual deste correr o termo certo

PROMETHEU

Natildeo me inquiras Mais val que tudo ignores

IO

Do que tenho a passar nada me occultes

PROMETHEU

Natildeo me posso escusar a teo pedido

IO

Por que tardas

PROMETHEU

Natildeo eacute por maacute vontade

Sim porque temo o animo turbar-te

IO

Oh Natildeo zeles de mim mais do que eu zelo

PROMETHEU

Insistes Vou falar expondo tudo

[fl120] O CORO DAS OCEANIDAS

Ainda natildeo Daacute que me caiba

Uma parte do prazer

Que dos labios della eu saiba

250

Quanto teve de soffrer

De sua sorte funesta

Sciente depois de a ouvir

Narraraacutes o que lhe resta

A padecer no porvir

PROMETHEU

Cumpre attendel-as Io Aleacutem de tudo

Satildeo irmatildes de teo pae Quem natildeo releva

Tardanccedila ao narrador dos proprios males

Si lagrimas de doacute de seos ouvintes

O acolhem

IO

Sim Natildeo haacute como esquivar-me

Vou claramente relatar os casos

Que anciaes por saber bem que me pecircze

Dizer a causa da procella horrenda

Por matildeo divina contra mim lanccedilada

E d‟esta vil transfigurada foacuterma

Visotildees sonhadas voltejando aacute noite

Pelo meo aposento de donzella

Vinham continuo em seductoras phrases

Dizer-me ldquoOacute tu a mais feliz das virgens

Por que tatildeo longa virgindade guardas

Se poacutedes contrahir consorcio augusto

Do farpatildeo do desejo assetteado

Arde Jove por ti e almeja o instante

De comtigo fruir de Chypre os gozos

Teme o leito enjeitar do Pae dos Deoses

Vae Da profunda Lerna em prados busca

Os pascigos e estabulos paternos

Daacute repouso aos desejos que desperta

251

Tua presenccedila nos divinos olhosrdquo

Ai de mim desgraccedilada Em cada noite

Identica visatildeo vinha assaltar-me

Teacute que fazendo esforccedilo de coragem

Fui a meo pae narrar aquelles sonhos

Nuncios elle expedio que consultando

O oraculo de Pytho e o de Dodocircna

Conhecessem o que de grato aos Numes

Lhe cumpria por actos e palavras

Praticar Ao regresso os mensajeiros

[fl121] Soacute trouxeram respostas duvidosas

Natildeo comprehensiveis de expressotildees obscuras

Veio alfim vaticinio manifesto

Ordenando a meo pae de modo explicito

Que do lar e da patria me expellisse

Mandando-me vagar livre de laccedilos

Teacute os longiquos terminos do mundo

Si fosse opposta resistencia aacutes ordens

Jove arrojando o coruscante raio

Extinguiria inteira a nossa estirpe

Submisso aacute voz prophetica de Loxias

Meo pae mandou-me pocircr fora de casa

E prohibio-me que lhe entrasse as portas

Na ancia da docircr gemiam nossas almas

Jove poreacutem aacute freio o subjugava

E era preciso obedecer aacute forccedila

Turbou-se-me a razatildeo mudei de foacuterma

E estas pontas na fronte me nasceram

Do acuacuteleo de um tavatildeo aguilhoada

Atirei-me de um salto furibundo

Aacute Cenchreia de Lympha saborosa

Da collina de Lerna em verdes prados

Mas Argos o terrigena vaqueiro

Sanhudo e maacuteo no encalccedilo me seguia

252

A espiar por miudo os meos vestigios

Inopinado e suacutebito successo

Da existencia o privou Eu fustigada

Do latego divino em furia vago

De clima em clima Ouviste tudo Agora

Si conheces os meos futuros males

Dize-os e nem a compaixatildeo te induza

A agradar-me com phrases mentirosas

Eacute no conceito meo vicio ominoso

Por lisonja tecer falaz discurso

O CORO DAS OCEANIDAS

Oh Basta Cala-te Paacutera

Jaacutemais jaacutemais (ai de mim)

Pude suppocircr que escutaacutera

Um caso insolito assim

Expiaccedilotildees e pezadumes

Tristes de ver e cortir

Que qual dardo de dous gumes

Me vem gelar e ferir

Oh Fado Fado inclemente

De horror sinto-me transida

Ao pensar na docircr pungente

De tua cansada vida

[fl122] PROMETHEU

Teos ais e esse terror satildeo prematuros

Gemeraacutes com razatildeo sabendo o resto

O CORO DAS OCEANIDAS

Fala Ao triste que padece

O tormento se modera

253

Si d‟outro ouvindo-o conhece

De ante-matildeo o mal que o espera

PROMETHEU

Facil de mim houveste o que pediste

Pois foi desejo teo ouvir primeiro

Dos proprios labios d‟ella o que ha soffrido

Falta narrar os transes que esta virgem

A vindicta de Juno inda reserva

Grava no coraccedilatildeo minhas palavras

De Inacho oacute filha Deveraacutes ouvindo-as

De tuas excursotildees saber o termo

Parte com direcccedilatildeo ao sol nascente

E atravessando natildeo lavrados campos

Veraacutes os Scythas montanhezes nomadas

Armados de farpotildees de longo alcance

Habitam choccedilas de tranccedilados vimes

Dentro de carros d‟optima rodagem

Passa e o caminho trilha que se abeira

Das fragas em que o mar gemente quebra

Pela esquerda aacute morada iraacutes dos Chaacutelybes

Peritos Artesotildees do ferro Evita-os

Ferozes satildeo e avessos aacute hospedagem

Chegando aacute margem do empolgado Hybristos

Rio que o nome seo bem justifica

Natildeo queiras desde logo vadeal-o

Soacute lhe faraacutes sem risco a travessia

No Caucaso o mais alto d‟entre os montes

Onde a caudal com impeto rebenta

Ampla a ferver das temporas da serra

Salva as cumiadas que do ceacuteo vizinham

Fitando entatildeo ao meio dia o rumo

Encontraraacutes as hordas de Amazonas

Avessas a varotildees e cuja seacutede

254

Themiscyra seraacute ndash do Thermodonte

Aacute foz onde a maxilla se escancara

Do mar Salmydessecirco infensa aos nautas

E inhospita madrasta dos navios

[fl123] Hatildeo de ellas proprias da melhor vontade

Prestadias mostrar o teo caminho

Vinda em seguida ao isthmo dos Cimmerios

Junto ao cerrado estreito da Meoacutetida

Transpotildee-n‟o com arrojo Ingente fama

Perpetua entre os mortaes ha de provir-te

Desse transito e Bosporo chamado

O estreito Tendo assim deixado a Europa

Do continente d‟Asia ao soacutelo aportas

Natildeo vos parece que o Reitor dos Deoses

Em tudo manifesta igual violencia

Nume querendo a esta mortal unir-se

Numa carreira intermina arrojou-a

Que ruim proacuteco te coube oh pobre virgem

Para comtigo convolar a nupcias

Quanto narrei natildeo passa de proemio

Dos soffrimentos que o porvir te guarda

IO

Ai de mim

PROMETHEU

Outra vez choras suspiras

Que seraacute quando o mais ter for notorio

O CORO DAS OCEANIDAS

Pois tens de annunciar-lhe outras desgraccedilas

PROMETHEU

Sim Um revocirclto mar de horriveis docircres

255

IO

Que monta este viver Antes de arranco

Deste rijo alcantil me arremessasse

Ao chatildeo de pedra e nelle espedaccedilada

Me libertasse de miseria tanta

Mais val de um golpe violenta morte

Que existencia arrastada em docircr sem termo

PROMETHEU

Quanto no meo lugar te lamentaacuteras

Pois o Destino me ha vedado a morte

Ella me focircra paz e livramento

Mas desta pena natildeo terei resgate

Emquanto Jove natildeo perder o imperio

[fl124] IO

E poacutede acontecer que um dia o perca

PROMETHEU

Creio te fora grato o ver-lhe a queacuteda

IO

E como natildeo si delle eu tanto soffro

PROMETHEU

Isso ha de succeder Dou-te a certeza

IO

Quem o despojaraacute do regio sceptro

PROMETHEU

Elle a si proprio por acccedilotildees estultas

256

IO

E como Explica-o natildeo havendo risco

PROMETHEU

Por um consorcio fonte de amarguras

IO

Eacute com Deosa ou mortal Dize si o poacutedes

PROMETHEU

Para que perguntal-o Ha neste ponto

Mysterio e natildeo me eacute dado descobril-o

IO

Desthronado seraacute por essa esposa

[fl125] PROMETHEU

Ella ha de dar o nascimento a um filho

Mais forte do que o Pae

IO

Natildeo poacutede Jove

O desastre evitar

PROMETHEU

Natildeo lhe eacute possivel

A natildeo ser que eu liberto destas peias

IO

Quem Jupiter invito ha que te livre

PROMETHEU

Eacute fatal seja alguem da prole tua

257

IO

Que Viraacute libertar-te um de meos filhos

PROMETHEU

Apoacutes dez geraccedilotildees um da terceira

Seguinte geraccedilatildeo ha de livrar-me

IO

Difficil comprehensatildeo a deste augurio

PROMETHEU

Dos reveses por vir natildeo mais indagues

IO

Recusas-me o favor jaacute concedido

[fl126] PROMETHEU

Uma revelaccedilatildeo posso fazer-te

Escolhida entre duas

IO

Das-me a escolha

PROMETHEU

Sim Tractarei dos males que te aguardam

Ou de quem deve resgatar-me um dia

CORO

Serve aos dous A esta donzella

Prediz a futura docircr

Em seguimento revela

Quem seraacute teo salvador

PROMETHEU

258

Natildeo quero ao rogo teo mostrar-me esquerdo

E tudo vou dizer Primeiro oacute Io

Narrarei tuas multiplas corridas

Grava-as nas taboas memoraveis d‟alma

Abandonando o estreito que separa

Os continentes vae seguindo a rota

Para o lado em que o sol nasce infllammado

Sem parar o bramir do mar transpondo

Aacutes gorgoacuteneas campinas em Cisthene

Iraacutes No sitio as Phorcidas habitam

Satildeo tres virgens senis e cigniformes

Possuindo em commum um olho e um dente

Jaacutemais as visitou do sol um raio

E nem da argentea lua a luz serena

Suas irmatildes - as Goacutergones aligeras

Angui-comadas aos mortaes funestas

Teem perto os lares Quem lhes fita o aspecto

O espirito vital subito perde

Aponto os riscos Cabe-te evital-os

Outra sinistra repulsiva imagem

Veraacutes nos Gryphos catildees de Jove mudos

De agudos rostos Foge-os Foge aacute turba

De Arimaspos equestres de um soacute olho

Que do aurifluo Plutatildeo ribas occupam

[fl127] Aacute seacutede aportaraacutes de um povo negro

Junto ao berccedilo do sol nas longes plagas

Por onde corre da Ethiopia o rio

Rasga passagem pelas margens d‟elle

Teacute que enfrentes a grande catarata

Onde o Nilo a tombar dos montes Biblos

Derrama sua lympha veneranda

E de grato sabor Prosegue e alcanccedila

A terra que um triangulo figura

Praz ao Fado que em tatildeo remota zona

259

Fundes uma colonia onde te fixes

E mores Io e a descendencia tua

Si em minha narrativa ha ponto obscuro

Ou de difficil comprehensatildeo indica-o

Que tudo a esclarecer de prompto acudo

Tempo hei de sobra Nem quizera tanto

O CORO DAS OCEANIDAS

Si algo foi della omittido

Suppre o lapso da memoria

Apoacutes cede a meo pedido

Relata-nos tua historia

PROMETHEU

Do seo peregrinar futuro ouvio-me

A exposiccedilatildeo fiel Vou dar-lhe a prova

De que natildeo falo em vatildeo narrando as dores

Que antes de aqui parar ha padecido

Serei succinto pouparei palavras

E ao termo irei de seo correr infrene

Tendo chegado aos campos dos Molossos

Em Dodocircna elevada onde se encontram

De Jupiter Thesproacutecio altar e oraculo

E o carvalho que fala (alto prodigio)

Saudou-te claramente a voz divina

(Que lisonjeira saudaccedilatildeo foi essa)

Qual de Jove futura inclyta esposa

Picada do tavatildeo seguiste a costa

Ao mar de Rheacutea foste e o transpuzeste

Arredou-te dalli o errante impulso

Para commemorar esse trajecto

Mar Ionio seraacute denominado

Pela posteridade aquelle golpho

Assim daacute testemunho a mente minha

260

De que penetra aleacutem do que eacute visivel

Atando agora aacute minha historia o fio

A ella a ti conjunctamente falo

[fl128] No extremo Egyto em comoro de areia

Fronteando do Nilo a embocadura

De Canoacutepo a cidade eacute situada

Alli Jove tocando-te de leve

E affagando-te a matildeo blandicioso

Ha de acalmar-te o espirito agitado

Daraacutes mais tarde aacute luz Eacutepapho o negro

Nome que lembra as condiccedilotildees e modo

Como ha de ser de Jupiter gerado

Elle semearaacute nas ferteis glebas

Que no vasto percurso o Nilo banha

Na quinta geraccedilatildeo dahi provinda

Para Argos voltaratildeo cincoenta virgens

Fugindo ao casamento pretendido

Pelos primos paternos Exaltados

Inda insistindo no enjeitado enlace

(Que nunca houvesse de lhes vir aacute ideacuteia)

Seguindo iratildeo no encalccedilo as fugitivas

Quaes terccediloacutes que de perto as pombas seguem

Um Deos ha de invejar os corpos delles

E no gremio a Pelasgia recebel-os

Quando domados por um Marte fero

Que mata com a dextra das mulheres

E por audacia que durante a noite

Vigia como esperta sentinella

Degollar cada esposa o seo marido

Levando-lhe aacute garganta o duplo corte

De aguda espada e lhe arrancar a vida

Que Venus fira assim meos inimigos

Ha de amor ameigar uma das virgens

Para que natildeo trucide o companheiro

261

Esta hesitando no assassino plano

Preferiraacute ser fraca a ser cruenta

A matildee ella seraacute dos reis argolicos

Para o assumpto eacute mister longo discurso

Basta dizer que desta regia soacutebole

Deve provir o audacioso illustre

Perito no atirar as saggitarias

Que me ha de libertar destas cadeias

Themis Titania minha matildee predisse-o

Como e quando seraacute Eacute longa historia

E nada lucraraacutes em que a repita

IO

Ai de mim Ai de mim Novo delirio

Me lanccedila em phrenesi me abraza o cerebro

Queima-me do tavatildeo sem fogo a puacutea

De terror agitado em fortes golpes

Do peito a arcada o coraccedilatildeo verbera-me

Nas orbitas os olhos se retorcem

[fl129] Longe de mim me arroja impetuoso

O vento do furor Natildeo me obedece

A lingoa Minhas vozes conturbadas

Luctam a esmo em confusatildeo debalde

Co‟as vagas de meo barbaro infortunio

(Sahe Io)

O CORO DAS OCEANIDAS

ESTROPHE

Sabio foi sabio eminente

Quem primeiro formulou

Este conceito na mente

E em palavras o explicou

Eacute o melhor dos casamentos

262

O que se faz entre iguaes

Quem vive dos rendimentos

De trabalhos manuaes

Natildeo busque allianccedila na classe

Soberba pela riqueza

E fuja igualmente aacute enlace

Co‟os que pompeiam nobreza

Oacute Parcas De Jove o leito

Nunca eu possa compartir

Nem jaacutemais por laccedilo estreito

A um Nume qualquer me unir

Tremo ao ver a virgindade

De Io a varotildees tatildeo hostil

Por Juno sem piedade

Votada a corridas mil

EPODO

Entre iguaes natildeo temo allianccedila

Mas nunca nos olhos meos

Fixe o olhar - que natildeo se alcanccedila

Evitar - um alto Deos

Guerra em que a luta se exclue

E em que eacute nulla a resistencia

Pois o inimigo possue

Recursos sem competencia

Si um dia a Jove o desejo

De distinguir-me acudir

Maneira nenhuma vejo

De ao poder lhe resistir

263

[fl130] PROMETHEU

Mas apezar de pertinaz orgulho

Inda humilde ha de Jupiter volver-se

Pois se prepara a contrahir consorcio

Que tem de o derribar de modo inglorio

Do solio arrebatando-lhe o dominio

Entatildeo ha de cumprir-se inteiro e pleno

O anathema lanccedilado por Saturno

Quando o filho o expellio do antigo throno

Fuga aacute desastre tal nenhum dos Numes

Conhece a natildeo ser eu sei o remedio

E sei tambem o modo de applical-o

Estadeie-se Jove nas alturas

Fiado no estampido pavoroso

Que retumba atravez da immensidade

Sacuda o raio ignivomo na dextra

Pois natildeo teratildeo valor taes apparelhos

Para lhe attenuar o vilipendio

Da queacuteda e a perda do poder sem volta

Agora mesmo contra si levanta

Antagonista de expugnar difficil

Que uma chamma inventou melhor que o raio

E um fragor qua ao trovatildeo de muito excede

Hatildeo de taes armas reduzir a estilhas

De Neptuno nas matildeos esse tridente

Que o mar subleva que sacode a terra

Naufrago sobre o escolho do Infortunio

Ha de saber qual a distancia

Que entre mandar e obedecer existe

O CORO DAS OCEANIDAS

Predizes contra Jove o que desejas

264

Lhe aconteccedila

PROMETHEU

Refiro-me a successos

Que hatildeo de realizar-se e que me aprazem

Ver a seo tempo em factos convertidos

O CORO DAS OCEANIDAS

Que Jupiter vencido e dominado

PROMETHEU

E a supplicio maior que o meo sujeito

[fl131] O CORO DAS OCEANIDAS

E natildeo receias proferir taes phrases

PROMETHEU

Por que Si o natildeo morrer eacute meo destino

O CORO DAS OCEANIDAS

E si elle te aggravar esses tormentos

PROMETHEU

Que o faccedila Tudo delle espero

O CORO DAS OCEANIDAS

Eacute sabio

Quem de Adastreia aos peacutes dobra os joelhos

PROMETHEU

Submissa implora adula a quem governa

Menos que nada val Jove a meos olhos

Como eacute desejo seo no Olympo exerccedila

Ephemero poder pois sobre os Deoses

265

Imperio natildeo teraacute por longo tempo

Mas vejo alli o batedor de Jupiter

O fido servo do actual tyranno

Certo vem transmittir-me ordens recentes

MERCURIO

Alma de fel sophista astucioso

De engenho a mais natildeo ser agudo e fino

Que contra os Numes commetteste o crime

De dar ao ser de um dia honras divinas

Ladratildeo do fogo interpellar-te venho

Dize pois manda o Pae qual o consorcio

Que ha de ser causa consoante o affirmas

De sua queacuteda do poder Expotildee-me

Livre de ambages ponto a ponto a historia

Dispensa-me o descer de novo aacute terra

Prometheu Procedendo de outro modo

Natildeo abrandas a Jupiter

[fl132] PROMETHEU

Grandiloquo

E cheio de arrogancia eacute teo discurso

Qual cabe dos celicolas ao servo

Novos de ha pouco dominando crecircdes

Que em vossa fortaleza estaes a salvo

Da docircr Cahir do throno dous tyrannos

Vi e em breve hei de ver este terceiro

De modo ignominioso prosternado

Julgas talvez que hei medo aos novos Deoses

Quatildeo longe estou de receial-os Volta

Jaacute pela mesma estrada e sem que saibas

Nada de quanto investigar vieste

MERCURIO

266

Por fera obstinaccedilatildeo - desta miseria

Te arremessaste ao porto

PROMETHEU

Este infortunio

Por teo officio permutar natildeo quero

Antes escravo ser deste penhasco

Do que do Pae correio complascente

Represalia eacute do teo este doesto

MERCURIO

Pareces exultar com teo supplicio

PROMETHEU

Quem Eu Pudesse ver meos inimigos

Deste modo exultar tu como os outros

MERCURIO

Crecircs que nos males teos hei tido parte

PROMETHEU

Lhano a falar execro os novos Deoses

Que enchi de bens e em troca assim me affligem

[fl133] MERCURIO

Soffres grave molestia - a da loucura

PROMETHEU

Si eacute molestia odiar os inimigos

Desejo se prolongue a que eu padeccedilo

MERCURIO

Quem si foras feliz te supportaacutera

267

PROMETHEU (soltando um gemido)

Ai

MERCURIO

Jove desconhece essa palavra

PROMETHEU

Traz o tempo a velhice e tudo ensina

MERCURIO

Natildeo te ensinou comtudo a ter bom senso

PROMETHEU

Natildeo pois falando estou comtigo oh servo

MERCURIO

Aacutes perguntas do Pae natildeo daacutes respostas

PROMETHEU

Muito lhe devo na verdade Cabe-me

De minha gratidatildeo mostrar-lhe provas

MERCURIO

Qual de crianccedila estaacutes de mim zombando

[fl134] PROMETHEU

Natildeo eacutes acaso menos que crianccedila

No siso si de mim obter pretendes

Revelaccedilatildeo qualquer Natildeo logra Jove

Por meio de artificio ou de tortura

Levar-me a desvendar-lhe o meo segredo

Sem que elle destes ferros me desprenda

Poacutede a candente chamma arremessar-me

Confundir e abalar todo o Universo

268

Com turbilhotildees de neve d‟azas brancas

E ao troar dos estrondos subterraneos

Natildeo ha dizer-lhe quem por lei do Fado

Tem de prival-o do poder supremo

MERCURIO

Medita Em que aproveita a contumacia

PROMETHEU

Tudo ha muito hei previsto e resolvido

MERCURIO

Ousa uma vez siquer ousa insensato

Pensar maduro no teo mal presente

PROMETHEU

Importunas-me em vatildeo Teo suasorio

Eacute qual si fosse dirigido aacutes ondas

E nem possa acudir-te ao pensamento

Que aterrado de Jove ante os designios

Coraccedilatildeo feminil revista e erguendo

Como debil mulher supplices palmas

Peccedila a quem aborreccedilo em graacuteo supremo

Destes grilhotildees me livre Em tal natildeo penso

MERCURIO

Em vatildeo falei si bem demais falasse

Nada te abranda a rogos natildeo attendes

Qual poldro mal domado o freio tascas

Forcejas reluctando contra as redeas

Confianccedila orgulhosa depositas

No impotente saber Nada mais fraco

Que a pertinacia esteril da loucura

[fl135] Olha Si as minhas suggestotildees desprezas

269

Que vendaval que oceano de infortunios

Em ti vae desabar Inevitavel

Isto ha de ser O Pae antes de tudo

Dos trovotildees ao fragor do raio aacute chamma

Destruiraacute este alcantil fragoso

Sob os escombros sumiraacute teo corpo

Estatelado em braccedilos de granito

Tens de voltar aacute luz apoacutes volvidos

Longos eacutevos Entatildeo a aguia cruenta

- Catildeo volatil de Jove - em mil pedaccedilos

Ha de voraz atassalhar-te as carnes

Qual diario conviva sem convite

Faraacute banquete com teo negro figado

- Uacutenico do festim manjar sangrento ndash

Natildeo esperes o fim do atroz supplicio

Emquanto um Deos que padecel-o queira

Por ti natildeo desccedila ao Orco tenebroso

E aacute voragem do Tartaro profundo

Pensa Natildeo vejas ameaccedila inane

No que te digo Eacute muito grave o assumpto

Nunca mentio de Jupiter a bocca

Cumpre o que diz Reflecte delibera

Nem aacute prudencia opponhas arrogancia

O CORO DAS OCEANIDAS

Natildeo parece impertinente

De Mercurio a allocuccedilatildeo

Pois te exhorta a ser prudente

E a deixar a obstinaccedilatildeo

O seo conselho cordato

Deves ouvir e acceitar

Eacute vergonhoso ao sensato

Na falta perseverar

270

PROMETHEU

Eu conhecia os termos da embaixada

Que elle vociferou Poreacutem que importa

Natildeo produzem sorpreza e nem deslustram

Apocircdos e desfeitas de inimigo

E pois que seja sobre mim vibrada

A bi-partida flammejante espira

Abalem o ether dos trovotildees o estrondo

E o sibilante urrar dos soltos ventos

Medonho furacatildeo sacuda a Terra

Desde a raiz nos imos fundamentos

[fl136] Equoreos escarceacuteos mugindo invadam

Celestes plainos onde os astros giram

E Jove pelo vortice arrastado

Da rigida fatal Necessidade

Arroje o corpo meo no negro Tartaro

Em vatildeo Natildeo tem poder de dar-me a morte

MERCURIO

Taes palavras iguaes arrazoados

Soacute se podem ouvir de um mentecapto

Eil-o que attinge as raias da loucura

Pois natildeo doma ao furor a violencia

E voacutes que do seo mal haveis piedade

Destes lugares afastai-vos presto

Por que o trovatildeo que ahi vem rugindo horrivel

Natildeo vos transtorne de pavor a mente

O CORO DAS OCEANIDAS

Daacute-me conselho aceitavel

E seraacutes obedecido

Eacute de todo intoleravel

O que me tens dirigido

271

Estranho o teo sentimento

Cobarde nunca serei

Seja qual focircr seo tormento

Com elle o compartirei

Dos vis traidores a peste

Experiente aborreccedilo

Nem cousa que eu mais deteste

Em minha vida conheccedilo

MERCURIO

Lembre-te ao menos que te dei o aviso

Nunca em transe de docircr digas que a Sorte

Ou Jove de improviso te ha ferido

E sim Eu mesma fui do mal sciente

Nelle cahir por falta de cautela

E natildeo por laccedilo armado ou por sorpresa

A humana insensatez nos prende aacutes malhas

Da inextricavel recircde do Infortunio

De que jaacutemais algueacutem logrou soltar-se

[fl137] PROMETHEU

Eis se cumpre a ameaccedila A Terra nuta

Rouco trovatildeo no bocircjo lhe restruge

Rasga a espiral a poeira torvelinha

Irropem a soprar todos os ventos

E mutuamente os impetos oppondo

Forccedilam varios bulcotildees que se abalroam

O Ether combalido ao mar confunde-se

Contra mim Jove manifesto rue

Violento e quer ver se me apavora

272

Oh santo103

amocircr de minha matildee Oh Ether

Em cujo seio a luz commum circula

Vecircde a que me atormenta injusta pena

103 A palavra comeccedila com letra minuacutescula no livro

273

CONCLUSAtildeO GERAL DA DISSERTACcedilAtildeO

Dentre as centenas de trageacutedias gregas que vieram a lume na antiguidade apenas

32 chegaram agrave posteridade Desse nuacutemero reduzido de ldquosobreviventesrdquo sete trageacutedias

satildeo atribuiacutedas a Eacutesquilo O Prometeu Acorrentado eacute uma delas

As trageacutedias gregas do seacuteculo V aC foram compostas primeiramente para uma

performance Depois da encenaccedilatildeo textos das trageacutedias mais populares provavelmente

circulavam para uma leitura privada alguns desses textos eram mais confiaacuteveis que

outros (GRIFFITH 1997 p35 MAZON 1953 pX) No quarto seacuteculo aC encenaccedilotildees

de ldquovelhas trageacutediasrdquo do seacuteculo V tornaram-se comuns em Atenas Essas encenaccedilotildees

foram aparentemente suscetiacuteveis a desvios em relaccedilatildeo ao texto original tanto que um

decreto foi aprovado exigindo que coacutepias oficiais das peccedilas dos trecircs grandes

tragedioacutegrafos fossem guardadas (Licurgo 330 aC) e proibindo os atores de se

desviarem delas (GRIFFITH1997 pp35-6 MAZON 1953 pXI) Isso indica que a

proeminecircncia de Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides jaacute ocorrera na antiguidade e que esse

fenocircmeno influenciara de certa forma na preservaccedilatildeo de algumas de suas obras

Natildeo se sabe ao certo com que base os textos oficiais dos trecircs grandes

dramaturgos gregos foram escolhidos no seacuteculo IV aC mas eacute supostamente deles que

os estudiosos da Biblioteca de Alexandria no final do terceiro e no iniacutecio do segundo

seacuteculo aC estabeleceram os textos dos quais a tradiccedilatildeo posterior provavelmente

depende

Os estudiosos de Alexandria conheciam cerca de nove tiacutetulos das trageacutedias de

Eacutesquilo e possuiacuteam cerca de sete delas entre as quais se encontrava o Prometeu

Acorrentado (GRIFFTH 1997 pp36-7) Hoje contestada a autoria de Eacutesquilo para o

Prometeu Acorrentado nunca foi posta em duacutevida na antiguidade104

Na presente

104

Mark Griffth em 1977 contestou a autoria de Eacutesquilo em seu livro The authenticity of bdquoPrometheus

Bound‟ (Cambridge University) focando sua anaacutelise em questotildees meacutetricas e escolha de vocabulaacuterio

MLWest endossa a posiccedilatildeo de Griffth em seu texto ldquoThe Prometheus Trilogyrdquo (Oxford University

[1979] 2008) trazendo para a discussatildeo a opiniatildeo de que uma peccedila como o ldquoPrometeu Acorrentadordquo natildeo

poderia ser encenada num teatro com as proporccedilotildees do Teatro de Dioniso no seacuteculo V aC (proporccedilotildees

estas tambeacutem sujeitas a muitas contestaccedilotildees entre os especialistas) Ainda em ldquoThe authorship of the

Prometheus Trilogy Studies in Aeschylus Stuttgart 1990 West afirma que o ldquoPrometeu Acorrentadordquo eacute

uma trageacutedia inorgacircnica e inconsistente com seus personagens e teologia ela seria por assim dizer uma

trageacutedia indigna do gecircnio de Eacutesquilo Por outro lado interessantes argumentos a favor da autoria de

Eacutesquilo satildeo encontrados no livro de Maria Pia Pattoni L‟autenticitaacute del Prometeo Incatenato Pisa 1987

274

dissertaccedilatildeo seguimos a tradiccedilatildeo milenar que considera Eacutesquilo o autor do Prometeu

Acorrentado

Atualmente eacute possiacutevel utilizar canetas esferograacuteficas para redigir um manuscrito

Tais canetas possuem uma minuacutescula esfera localizada na ponta a qual eacute

completamente envolvida pela tinta o que possibilita a distribuiccedilatildeo constante e

uniforme do traccedilo Dom Pedro II natildeo possuiacutea esse recurso quando redigiu sua traduccedilatildeo

em prosa do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo pois a primeira caneta esferograacutefica foi

patenteada somente em 1930 por Laacuteszloacute Biroacute (STOYLES amp PENTLAND 2006) O

instrumento graacutefico utilizado pelo Imperador foi uma caneta bico de pena a qual era

embebida em tinteiro sempre que necessaacuterio Quando a caneta era carregada o traccedilo do

Imperador era mais espesso como se pode notar na seguinte reproduccedilatildeo do manuscrito

depositado no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro

Figura 26 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Agrave medida que Pedro II ia escrevendo a tinta evidentemente diminuiacutea e seu traccedilo

tornava-se mais tecircnue

Figura 27 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Agraves vezes as correccedilotildees interlineares eram feitas com um traccedilo tecircnue indicando

que a mudaccedila fora feita quase que imediatamente

275

Figura 28 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Outras vezes a correccedilatildeo se apresenta num traccedilo mais espesso parecendo indicar

que a correccedilatildeo natildeo fora feita de imediato Veja-se a seguir a diferenccedila de quantidade de

tinta entre o texto e a sua posterior correccedilatildeo interlinear

Figura 29 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)

Estudar o Manuscrito Imperial eacute tambeacutem ter a possibilidade de perceber os

gestos de sua redaccedilatildeo Gestos que natildeo mais existem a natildeo ser nas marcas deixadas no

papel e nas hipoacuteteses imageacuteticas que habitam a mente de um pesquisador Na leitura do

manuscrito eacute possiacutevel ver por meio da imaginaccedilatildeo Dom Pedro II fazendo uma pausa

para embeber a sua caneta no tinteiro e em seguida retomar seu trabalho de redaccedilatildeo

Ter essa possibilidade eacute uma experiecircncia de estudo privilegiada Um termo que poderia

ser evocado para tentar sintetizar a experiecircncia vivenciada ao longo da presente

pesquisa eacute ldquoserendipidaderdquo Tal palavra se emprega geralmente para se referir a

descobertas afortunadas feitas aparentemente por acaso

De iniacutecio supuacutenhamos que jaacute houvesse uma ediccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de

Dom Pedro II e almejaacutevamos apenas estudaacute-la e cotejaacute-la com outras traduccedilotildees Grande

foi a surpresa para natildeo dizer ldquoespantordquo ao percebermos que teriacuteamos a possibilidade de

transcrevecirc-la pela primeira vez e trazecirc-la a lume Mas as descobertas afortunadas natildeo

terminaram aiacute Como visto com a publicaccedilatildeo dos primeiros resultados da pesquisa

Alessandra Fraguas nos informou sobre a existecircncia de uma versatildeo preliminar

depositada no Museu Imperial aleacutem de uma carta escrita pelo Baratildeo de Paranapiacaba agrave

Princesa Isabel em 9 de setembro de 1905 na qual informa mais detalhes sobre a obra

que publicaria em 1907 ldquoEacute esta no meu conceito e nos meus amigos a minha melhor

produccedilatildeordquo afirma o Baratildeo e continua ldquoComo jaacute estou muito velho conveacutem natildeo

276

demorar a publicaccedilatildeordquo105

Tal declaraccedilatildeo do Baratildeo de Paranapiacaba tem algo de

tocante e belo Nela se revela a autoconsciecircncia de Joatildeo Cardoso de Menezes de que a

morte se aproximava Por isso mesmo revela o desejo de deixar mais uma marca no

mundo algo que de certa forma mantivesse a sua presenccedila na histoacuteria por meio da

memoacuteria Isso faz lembrar a leitura que Jacques Derrida faz de uma conhecida passagem

de A tarefa do tradutor de Walter Benjamin

Pois eacute a partir da histoacuteria natildeo da natureza que eacute preciso finalmente

circunscrever o domiacutenio da vida Assim nasce para o filoacutesofo a tarefa

(Aufgabe) de compreender toda vida natural a partir dessa vida de mais vasta

extensatildeo que eacute aquela da histoacuteria (DERRIDA 2006 p32)

Graccedilas ao texto de Haroldo de Campos ldquoO Prometeu dos Barotildeesrdquo fomos

capazes de perceber a importacircncia do livro do Baratildeo de Paranapiacaba para os estudos

de recepccedilatildeo dos Claacutessicos no Brasil Ter acesso posteriormente agrave declaraccedilatildeo do Baratildeo

sobre o valor que ele proacuteprio dava ao seu livro despertou-nos o sentimento de

reverecircncia o que de certa forma nos empenhou ainda mais em nosso trabalho Apesar

dos acertos e desacertos das versotildees poeacuteticas de Joatildeo Cardoso de Menezes elas

representam o legado de um homem que teve o privileacutegio de conviver com o Imperador

Dom Pedro II e que se valeu desse livro para que isso natildeo se perdesse no esquecimento

Sentimento semelhante moveu-nos a fazer o levantamento das versotildees

brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo A USP eacute um importante centro de

estudo e de traduccedilatildeo de obras claacutessicas Seria incoerente que aquele que estuda e

acompanha de perto a tarefa desafiadora e aacuterdua que eacute traduzir obras claacutessicas natildeo lhe

desse a devida atenccedilatildeo O que natildeo eacute relembrado como jaacute dito perece O esforccedilo

daqueles que doaram parte de seu tempo de vida para que o Prometeu Acorrentado

permanecesse vivo em seu tempo natildeo poderia ser desprezado numa pesquisa como a

nossa Muitos dos tradutores citados em nosso trabalho estatildeo mortos mas o fruto de

sua reflexatildeo e trabalho tradutoacuterio ainda existe Tais obras ao serem consideradas e

relembradas tecircm o potencial de influenciar futuras traduccedilotildees Por meio de suas versotildees

os tradutores de certa forma ainda vivem e agem

105 I-POB- Maccedilo 204 ndash Doc 9329 - Carta de Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza Baratildeo de Paranapiacaba

a D Isabel condessa dEu Assinada e datada Rio [de Janeiro] 09091905 Museu

ImperialIbramMinisteacuterio da Cidadania reproduzida integralmente e anexada agrave dissertaccedilatildeo

277

No iniciacuteo da presente dissertaccedilatildeo foram levantadas algumas questotildees que em

nosso entedimento podem ser respondidas de forma mais segura depois da pesquisa

empreendida

O livro Prometheu Acorrentado original de Eschylo Vertido litteralmente

para o portuguez por Dom Pedro II Imperador do Brasil transladaccedilatildeo poeacutetica do

texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Imprensa Nacional 1907 poderia ser

considerado um dos poucos livros de traduccedilatildeo do Imperador Dom Pedro II

publicados ateacute entatildeo

O livro natildeo conteacutem a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II do Prometeu

Acorrentado e sim as versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba embora o Baratildeo cite

a traduccedilatildeo empreendida pelo Imperador do poema Cinque maggio (ldquoCinco de maiordquo)

de Alessandro Manzoni (pp244-6) enquanto narrava fatos de sua convivecircncia com

Dom Pedro II Paranapiacaba tambeacutem cita alguns poemas de autoria do Imperador (ldquoAgrave

Imperatrizrdquo p246-7 ldquoAspiraccedilatildeordquo p247 ldquoGrande Povordquo p247-8 ldquoNo Brasil brilhou

sempre o mecircs de maiordquo p218) O livro embora faccedila uma grande homenagem a Dom

Pedro II focaliza mais as versotildees poeacuteticas do Baratildeo em vez da praacutetica tradutoacuteria do

Imperador e sua traduccedilatildeo da antiga trageacutedia grega Eacute sobretudo um livro de traduccedilotildees e

escritos do Baratildeo de Paranapiacaba106

Ateacute que ponto as versotildees de Paranapiacaba estatildeo ligadas semanticamente agrave

traduccedilatildeo do Imperador Seraacute que os meacuteritos ou os pontos fracos das versotildees

poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba podem ser atribuiacutedos tambeacutem agrave traduccedilatildeo em

prosa de Dom Pedro II

Notou-se por meio da anaacutelise empreendida que Paranapiacaba seguiu o seu

proacuteprio caminho empreendendo mais um trabalho paralelo do que propriamente uma

adaptaccedilatildeo Apesar de o Imperador e Paranapiacaba utilizarem os nomes latinos para as

divindades gregas a palavra ldquoJoverdquo usada frequentemente nas versotildees poeacuteticas de

Paranapiacaba para se referir a Zeus eacute utilizada apenas uma vez no Manuscrito Imperial

(oitava paacutegina do manuscrito)107

A escolha dos vocaacutebulos empregados eacute bastante

106

Para mais detalhes ver paacutegina 158 nota 107

ldquo() pois novos timoneiros regem o Olympo e com leis novas impera Jove illegitimamente destroe

agora o que era antes veneravelrdquo

278

diversa entre eles Aleacutem disso a leitura da trageacutedia tambeacutem difere quanto ao papel de

Oceano no mito de Prometeu Satildeo obras distintas e demandam anaacutelises diferenciadas

Seria equivocado considerar as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba como a ldquotraduccedilatildeo de

Dom Pedro II em versosrdquo

Entendemos que a maior influecircncia que a traduccedilatildeo em prosa de Pedro II exerceu

sobre as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba foi o estiacutemulo Se Dom Pedro II natildeo tivesse

encarregado o Baratildeo para fazer as versotildees poeacuteticas em liacutengua portuguesa talvez

Paranapiacaba nunca tivesse se interessado pelo Prometeu Acorrentado Mesmo assim

eacute estranho o fato de que o Baratildeo natildeo tenha citado uma uacutenica passagem da traduccedilatildeo em

prosa do Imperador em seu livro Mesmo quando cita uma versatildeo literal em nota natildeo eacute

a de Dom Pedro II que Joatildeo Cardoso de Menezes apresenta Como entender por um

lado tamanha admiraccedilatildeo de Paranapiacaba ao Imperador e por outro tanta relutacircncia

em citar passagens da traduccedilatildeo em prosa de quem tanto admirou

Temos uma hipoacutetese

Alguns dos poemas e traduccedilotildees de Dom Pedro II foram publicados em 1889 no

livro Poesias (Originais e traduccedilotildees) como homenagem de seus netos Essa mesma

obra foi reeditada em 1932 pelo republicano Medeiros e Albuquerque autor do Hino da

Repuacuteblica Segundo Daros (2019 pp207-10) tal publicaccedilatildeo aleacutem de possuir erros natildeo

presentes na ediccedilatildeo original traz um prefaacutecio no qual Medeiros e Albuquerque

vilipendia Dom Pedro II nos seguintes termos

Ele sempre foi (podem vecirc-lo) integralmente peacutessimo deficiecircncia de ideias

imperfeiccedilatildeo teacutecnica [] O que se sabe eacute que ele natildeo tinha nenhuma daquelas

qualidades E foi exatamente por isso que se viu muito justamente deposto

Os aduladores excessivos de sua memoacuteria esquecem-se de que para exaltaacute-

lo precisam deprimir o Brasil (1932 pp7 20 apud DAROS 2019 p296)

Diante de tais palavras Romeu Porto Daros (2019 p298) afirma

No entanto o que o prefaacutecio desse escritor e poliacutetico natildeo consegue ocultar eacute

que por traacutes da cruzada para reduzir a qualidade poeacutetica e intelectual do

homem Pedro de Alcacircntara se dissimulava a verdadeira razatildeo de sua criacutetica

apagar da memoacuteria da naccedilatildeo o governante Dom Pedro II e o seu regime

Se em 1932 a competecircncia literaacuteria e intelectual de Dom Pedro II eram atacadas

de tal forma pelo republicano Medeiros e Albuquerque o que dizer entatildeo do cenaacuterio

poliacutetico da republica ainda recente no ano de 1907 ano em que o livro do Baratildeo de

Paranapiacaba foi publicado Desconfiamos que a traduccedilatildeo de ldquoCinco de maiordquo e os

279

poemas do Imperador citados pelo Baratildeo jaacute eram de conhecimento puacuteblico antes de

publicar o seu livro e por isso natildeo temeu citaacute-los Seraacute que o Baratildeo mesmo querendo

homenagear Dom Pedro II receava publicar a ineacutedita traduccedilatildeo em prosa ou ateacute mesmo

citar trechos dela temendo dar um pretexto aos caluniadores do Imperador Eacute de se

desconfiar que sim Sobretudo se atentarmos para as declaraccedilotildees supracitadas de

Medeiros e Albuquerque e a seguinte declaraccedilatildeo do Baratildeo de Paranapiacaba sobre

Dom Pedro II em carta a Lafayette Rodrigues Pereira escrita em 10 de outubro de

1899 e reproduzida em seu livro ldquoAssignalarei ahi factos que serviratildeo para accentuar

as feiccedilotildees daquella physionomia moral injustamente desfiguradas por algunsrdquo (1907

pXI)

Na carta escrita agrave Princesa Isabel Joatildeo Cardoso de Menezes afirma que ldquoo livro

daraacute um bello volume de 500 paacuteginasrdquo Tambeacutem diz agrave Princesa que ldquoComo esse

trabalho eacute uma homenagem aacute memoria do nosso Monarcha e Pai expansiva como ainda

ningueacutem a fez entendi que natildeo devia editar sem licenccedila de Vossa Magestaderdquo No

entanto o livro em vez das 500 paacuteginas mencionadas na carta foi publicado com 333

paacuteginas Seraacute que a publicaccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa do Imperador fazia parte do

projeto original de Paranapiacaba Seraacute que a Princesa Isabel teria respondido ao Baratildeo

orientando-o a natildeo publicar a traduccedilatildeo ineacutedita de seu pai receando que inimigos

poliacuteticos vilipendiassem a memoacuteria do Imperador por meio de anaacutelises literaacuterias

tendenciosas Eacute claro que a reduccedilatildeo de paacuteginas poderia ter ocorrido por outros motivos

como a economia de custos para a publicaccedilatildeo por exemplo Mesmo assim

desconfiamos que a estranha relutacircncia de Paranapiacaba em publicar a traduccedilatildeo em

prosa ou trechos dela pode estar ligada a uma tentativa de se evitar ataques contra a

imagem do falecido monarca

Discordando da opiniatildeo de Medeiros e Albuquerque a anaacutelise feita da traduccedilatildeo

em prosa de Dom Pedro II (capiacutetulo 2) evidenciou elementos que apontam para a

competecircncia do Imperador tanto do ponto de vista filoloacutegico quanto esteacutetico Ao longo

de nossa pesquisa percebemos que Dom Pedro II procurava uma proximidade com o

original tanto na forma quanto no sentido em suas traduccedilotildees Quando isso natildeo era

possiacutevel o Imperador dava preferecircncia ao sentido das palavras via traduccedilatildeo literal

como Ramiz Galvatildeo afirmou em prefaacutecio agrave versatildeo que fizera do Prometeu Acorrentado

Embora Pedro de Alcacircntara possuiacutesse notaacutevel competecircncia poeacutetica parece que seus

interesses filoloacutegicos e hermenecircuticos prevaleciam em sua praacutetica tradutoacuteria

280

Expressotildees como ldquoeu natildeo quis melhorar Dante na minha traduccedilatildeordquo ou ldquoeu teria mais

respeito a Danterdquo ou ainda ldquoseria melhor traduzir com a simplicidade do originalrdquo

escritas por Dom Pedro II (apud DAROS 2019 pp234-5) parecem indicar que o perfil

de tradutor do Imperador natildeo era por assim dizer o de um ldquotranspoetizador luciferinordquo

valendo-se de expressotildees comuns a Haroldo de Campos (2013 pp 17 153-4)108

Por fim reafirmamos que a ldquohistoacuteria da traduccedilatildeo de Literatura Grega no Brasil

ainda estaacute para ser escritardquo (DUARTE 2016) e natildeo temos a prentensatildeo de escrevecirc-la

sozinhos pois ldquoum miacutenimo de honestidade nos afasta de empresas que natildeo podemos

realizarrdquo (RAMOS 2008 p63) Mesmo assim entendemos que realizando a

transcriccedilatildeo completa da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e das versotildees poeacuteticas de

Paranapiacaba estamos dando mais um pequeno passo rumo ao atendimento dessa

grande demanda nos estudos da recepccedilatildeo e traduccedilatildeo dos claacutessicos no Brasil Mesmo que

seja uma marcha longa e aacuterdua como o caminho para Santiago de Compostela ter a

possibilidade de dar alguma contribuiccedilatildeo nesse sentido foi algo intelectualmente

enriquecedor Foi de fato um Buen camino

108

Para mais detalhes sobre o que entendemos acerca da poeacutetica tradutoacuteria de Haroldo de Campos veja-

se o texto ldquoHaroldo de Campos um luciferino tradutor brasileirordquo (p289) anexado agrave dissertaccedilatildeo

281

ANEXOS

282

Carta do Baratildeo de Paranapiacaba agrave Princesa Isabel

[fl1]109

Senhora

Rio 9 de Setembro de 1905

Releve-me Vossa Magestade a ousadia de dirigir-lhe estas linhas por matildeo de

minha mulher pois me eacute difficilimo escrever

Em 8brordm de 1889 ao despedir-me de S Magestade o Imperador DPedro 2ordm na

Tijuca deu-me SMagestade por letra sua uma versatildeo em prosa da tragedia de Eschylo

ldquoPrometheu encadeadordquo encarregando-me de a trasladar para verso portuguez Tractei

logo de adquirir as versotildees e os com- [fl2] mentarios que d‟aquella obra prima

existem em varias linguas e incetei110

e levei a cabo com o maior esmero a traducccedilatildeo

d‟ella

Ha cerca de 8 annos publicou o Jornal do Commercio a versatildeo da scena em que

figura Prometheu nos confins da Scythia pordf onde eacute conduzido pela Forccedila e pela

Violencia acompanhadas de Vulcano que o acorrenta ao rochedo Precedia a essa

publicaccedilatildeo uma carta minha ao Conselheiro Lafayette rogando-lhe prefaciasse o livro

que teria prologos meus narrando um d‟elles as minhas relaccedilotildees com Sua Magestade

desde que em Fevevereiro[fl3] de 1846 o saudei com uma poesia em SPaulo ateacute que

D‟elle me separei no Palacio de Itamaraty em 8brordm de 1889 contendo os outros

prologos a vida de Eschylo critica de suas obras e a comparaccedilatildeo do teatro antigo com o

moderno Figurava tambem na referida publicaccedilatildeo a resposta do Lafayette aceitando a

incumbencia de escrever o prologo

A pedido do mesmo Lafayette fiz outra versatildeo da tragedia em verso livre

(menos os coacuteros que satildeo sempre rimados)

D‟essas duas versotildees tem apparecido longos trechos na imprensa e notadamente

nos almanaques do Garnier [fl4] Falta-me para elemento de consulta a traducccedilatildeo de

109

I-POB- Maccedilo 204 ndash Doc 9329 - Carta de Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza baratildeo de Paranapiacaba a

D Isabel condessa dEu Assinada e datada Rio [de Janeiro] 09091905 Museu

ImperialIbramMinisteacuterio da Cidadania 110 Era de se esperar ldquoenceteirdquo

283

Thomaz Stanley ediccedilatildeo de Londres (do seculo 17) com o texto grego de um lado e do

outro o latino

Depois de alguns annos de inutil pesquiza por todas as livrarias da Europa foi

descoberta essa obra (a melhor que ha sobre Eschylo) na bibliotheca de Napoles pelo

Dor Alambary Luz que ahi fez extrahir copias da versatildeo latina de Prometheu e suas

respectivas notas e m‟as remetteu Tenho jaacute modificado para melhor a traducccedilatildeo pelo

texto de Stanley achando-se promptas os originaes para serem [fl5] levados ao preacutelo

O livro daraacute um bello volume de 500 paginas mais ou menos E esta no meu

conceito e nos de meus amigos a minha melhor producccedilatildeo Como jaacute estou muito

velho conveacutem natildeo demorar a publicaccedilatildeo que pretendo saia bem escoimada de erros

A biographia de S M o Imperador seraacute a mais completa possivel regulando-se

pelo estylo do panegyrico que a respeito d‟esse grande e saudoso vulto pronunciei

entre estrondosas palmas no Instituto Historico e de que tomo a liberdade de offerecer a

Vossa Magestade [fl6] alguns exemplares

Como esse trabalho eacute uma homenagem aacute memoria do nosso Monarcha e Pai111

expansiva como ainda ninguem a fez entendi que natildeo o devia editar sem licenccedila de

Vossa Magestade

Em todo o caso vai ser jaacute publicado o livro salvo ordem em contrario de Vossa

Magestade cujas altas virtudes que satildeo as mesmas do seu inovidavel Pai satildeo objecto

de meu culto

Imploro a Vossa Magestade venia para dedicar-lhe essa versatildeo rogando a Vossa

Magestade se digne dar-me parte de sua resoluccedilatildeo agrave que me [fl7] curvarei com respeito

e acatamento que devo e sempre tributei aacutes deliberaccedilotildees da Immortal Senhora symbolo

immaculado da Monarchia aacute que me tenho conservado fiel e aacute cuja memoria morrerei

abraccedilado

Subscrevo me submisso

De Vossa Magestade

o mais humilde suacutebdito

Baratildeo d Paranapiacaba112

111 Era de se esperar a grafia ldquopaerdquo em vez de ldquopairdquo 112 Nesse ponto a caligrafia muda pois eacute o proacuteprio Paranapiacaba que assina

284

Prefaacutecio escrito por Lafayette Rodrigues Pereira a pedido do Baratildeo de

Paranapiacaba113

[fl13]

O Prometheu de Eschylo eacute um dos productos mais admiraveis do genio antigo

Tomou o poeta para assumpto de sua tragedia a lenda mythologica

A lenda era uma creaccedilatildeo da phantasia popular dos Gregos das primitivas eacuteras

preciosa pela grandeza do pensamento e pela profundidade da significaccedilatildeo altamente

humana

Eschilo114

submetteo-a aos processos do seo genio vasou-a em moldes severos

simplificou-a condensou-a em uma summa poderosa e deo-lhe a unidade rigorosa e

inflexivel de acccedilatildeo de tempo e lugar - unidade que mais tarde Aristoteles elevou aacute

cathegoria de uma das regras fundamentaes do Drama

A coragem indomavel e a obstinaccedilatildeo feroz do Titan a altivez diante do soberano

do Olympo o desdeacutem e a impassibilidade com que supporta as torturas que lhe satildeo

infligidas a consciencia da obra que consummou e que motivou a perseguiccedilatildeo de que

eacute victima a elevaccedilatildeo e a altura dos pensamentos que o poeta lhe attribue a eloquencia

da colera e indignaccedilatildeo que irrompem de suas palavras a realidade de vida de todas as

figuras o desenlace da acccedilatildeo rapido como o raio que a determina satildeo sublimidades

primores e excellencias que teem arrancado gritos de admiraccedilatildeo aos criticos de todas as

idades

[fl14]

Todas as outras figuras da tragedia as quaes na realidade natildeo teem outro

destino sinatildeo o de fazer sobresahir a personalidade grandiosa do Titan falam a lingoa

que lhes conveacutem no desenvolvimento da acccedilatildeo

O cocircro das Oceanidas e Io teem accentos e modulaccedilotildees que pela candura pela

ingenuidade e pelo tom doce e suave lembram como observa um critico as

encantadoras estrophes de Sapho Ao ler essas bellas passagens poacutede-se dizer de

113

PARANAPIACABA 1907 ppXIII-XVI Mantemos a ortografia original 114

Foi transcrito tal qual estaacute no livro O correto para a eacutepoca seria ldquoEschylordquo e natildeo ldquoEschilordquo como foi

publicado nesse trecho do prefaacutecio Mais adiante encontra-se no livro a mesma palavra com a grafia

correta

285

Eschylo o que um critico antigo disse de Thucydides a proposito da descriccedilatildeo das

bellezas da Attica - ldquoAqui o leatildeo sorriordquo

A critica do Prometheu estaacute feita Homens da maior competencia de um bom

gosto apurado e de erudiccedilatildeo vastissima estudaram-no sob todos os aspectos Nada resta

a accrescentar E pois soacute direi da traducccedilatildeo

Traduzir para uma lingoa viva um monumento antiquissimo talhado numa

lingoa morta como o Prometheu de Eschylo eacute tarefa ardua e porventura difficillima

Eacute preciso antes de tudo entender o texto apoderar-se com vigor e clareza do

pensamento directo e intencional do poeta - pensamento envolto nas dobras e

circumvoluccedilotildees de uma lingoa cheia de obscuridades

Nesta parte importantissima do trabalho acha o traductor auxiliares de primeira

ordem Uma legiatildeo de humanistas de todos os seculos cavaram o texto e por meio de

analyses profundas e aacute forccedila de sagacidade e de erudiccedilatildeo conseguiram arrancar da lettra

morta os segredos que ella encerra

Na interpretaccedilatildeo poreacutem do texto ha discordancia de opiniotildees entre os mais

competentes Tem o traductor sem duvida o direito de preferir a que lhe parecer mais

razoavel e de suggerir segundo suas forccedilas a intelligencia que se lhe afigura a

verdadeira ou mais proxima da verdade Natildeo eacute soacute isso Cada eacutepoca tem sua

atmospheacutera115

intellectual - um composito de pensamentos de ideias de juizos de

crenccedilas de phantasias de supersticcedilotildees de modos de ver que dominam o espirito

humano no momento e que penetram e se infiltram inconscientemente nos productos do

tempo

Esta infiltraccedilatildeo se faz pelas nuanccedilas do vocabulario e pela construcccedilatildeo e geito

da phrase

[fl15]

O traductor tanto quanto eacute possiacutevel deve esforccedilar-se para que a sua versatildeo

espelhe aquella atmosphera116

Mas eacute isso de suprema sinatildeo de invencivel difficuldade A atmosphera

intellectual extinguiu-se com o seo tempo e o traductor vive num outro seculo debaixo

de outras ideacuteias117

e de outra civilisaccedilatildeo

115

Mais adiante a mesma palavra foi publicada sem o acento 116

Na paacutegina anterior a mesma palavra foi publicada com acento 117

Em trecho anterior do mesmo prefaacutecio a mesma palavra foi publicada sem o acento

286

Isso explica a razatildeo por que nenhuma traducccedilatildeo de texto antigo eacute reputada

definitiva Cada seculo tem seo modo de traduzir Cada geraccedilatildeo de traductores esforccedila-

se por descobrir pensamentos e intenccedilotildees que a seu ver escaparam aos seos

predecessores Um critico observa que Tacito soacute foi bem entendido depois das scenas da

Revoluccedilatildeo Franceza E por que Porque essas scenas tinham a certos respeitos grandes

analogias com as scenas descriptas pelo grande historiador

Um monumento litterario antigo poacutede ser comparado aos productos da natureza

cada geraccedilatildeo de chimicos os estuda e cada geraccedilatildeo descobre novas propriedades E as

difficuldades recrescem quando a traducccedilatildeo eacute de verso para verso ainda mesmo

quando o verso eacute em lingoa viva

No verso ha dous elementos que se reunem e se fundem para formal-o - a

expressatildeo e o pensamento

O pensamento poacutede ser com maior ou menor fidelidade passado de uma lingoa

para outra

Mas a expressatildeo a construcccedilatildeo metrica das palavras o rythmo Natildeo cada

lingoa tem vocabulos de uma significaccedilatildeo especialissima aacute que natildeo correspondem com

perfeita justeza tem vocabulos de outra ndash peculiaridades elegancias modos de dizer

idiotismos singularidades de construcccedilatildeo litteralmente intraduziveis

Podem-se achar palavras e phrases mais ou menos equivalentes eacute o que fazem

os bons traductores Mas na realidade o verso que traduz natildeo eacute o verso traduzido -

traduz-se o pensamento mas por via de regra natildeo se traduz o verso

Tomem-se as melhores traducccedilotildees de Virgilio nas lingoas vivas A interpretaccedilatildeo

do pensamento eacute em geral fiel mas nenhuma dellas reproduz o hexametro latino na

sua construcccedilatildeo na sua combinaccedilatildeo de palavras no seo rythmo no seo systhema de

harmonia

Por exemplo este verso

Sunt lacrimae rerum et mentem mortalia tangunt

[fl16]

Leio-o traduzido em versos portuguezes francezes hespanhoacutees italianos e

inglezes interpretam o pensamento mais ou menos segundo o sentido que lhe deram

os humanistas mas o verso da traducccedilatildeo de ordinario nem remotamente daacute ideia da

estructura e do rythmo do verso latino

287

As ponderaccedilotildees que acabo de aventurar teem por fim fazer sentir as

difficuldades qu118

o Baratildeo de Paranapiacaba tinha a vencer no seo ingente esforccedilo para

traduzir em verso portuguez o assombroso poema de Eschylo

Em homenagem aacute verdade eacute preciso dizel-o - elle as superou bem e com

galhardia

Certamente natildeo se poderia exigir do preclaro traductor que vasasse

litteralmente no metro portuguez o metro grego Satildeo radicalmente differentes as lingoas

e cada uma tem o seo systema de metrificaccedilatildeo

Espelha a traducccedilatildeo a atmosphera intellectual em que viveo o antigo poeta Eacute

difficil para um leitor moderno julgal-o Mas eacute fora de duvida que atravez do poema

traduzido corre como que um socircpro de hellenismo que lhe daacute um ar uma certa feiccedilatildeo

do pensamento antigo

O pensamento directo e intencional do poeta eacute reproduzido com fidelidade A

versificaccedilatildeo eacute admiravel

O Titan fala sempre a lingoa que lhe conveacutem em versos decasyllabos e

alexandrinos sonoros cheios fluentes de um grande vigor e que pelo brilho forccedila e

energia de expressatildeo luctam nobremente com o original

Para os coacuteros o traductor cedendo aacute natureza do assumpto preferio como era

de razatildeo os versos de arte menor - primam pela elegancia delicadeza e harmonia

As demais figuras exprimem-se em metros variados mas sempre bem e

consoante com os seos caracteres e as exigecircncias do momento Que mais poderia

requerer do illustre traductor uma critica justa e razoavel

O Prometheu de Eschylo traduzido pelo Baratildeo de Paranapiacaba viveraacute nas

nossas lettras como um monumento de boa e grande poesia e como um modelo de

vernaculidade sem os requintes de um purismo de maacuteo gosto

118

Transcrito tal qual estaacute no livro

288

Haroldo de Campos um luciferino tradutor brasileiro

Mesmo levando-se em conta o fato de que Haroldo de Campos nunca publicara

uma traduccedilatildeo sua do Prometeu Acorrentado eacute quase impossiacutevel escrever sobre traduccedilatildeo

poeacutetica sem mencionar seu nome pois ldquoentre os poetas que o Brasil jaacute teve e tem

Haroldo de Campos eacute o maior pensador da traduccedilatildeo poeacutetica tendo publicado um

nuacutemero significativo de textos que se somam num conjunto denso e coerente acerca do

assuntordquo (TAacutePIA 2013 pXI)

O presente texto natildeo foi incorporado dentro da discussatildeo encontrada no primeiro

capiacutetulo da dissertaccedilatildeo para evitar-se os seguintes problemas embora Haroldo seja o

autor do texto O Prometeu dos barotildees e sem sombra de duacutevidas um dos catalizadores

da pesquisa que realizamos tratar de sua praacutetica tradutoacuteria num capiacutetulo destinado aos

tradutores do Prometeu poderia se configurar como uma longa digressatildeo se nos

aprofundaacutessemos em seu complexo pensamento Por outro lado caso o fizeacutessemos de

passagem correriacuteamos o risco de involuntariamente sermos reducionistas

Em nossa opiniatildeo o quadro A Escola de Atenas de Rafael Sanzio parece

ilustrar bem a evoluccedilatildeo do pensamento de Campos sobre traduccedilatildeo e a influecircncia que

dois grandes pensadores sobre a linguagem tiveram sobre a sua praacutetica tradutoacuteria

Platatildeo que no quadro estaacute apontando para o ceacuteu representaria Walter Benjamin e suas

consideraccedilotildees feitas sobretudo no ensaio ldquoA tarefa do tradutorrdquo E Aristoacuteteles que no

quadro aponta para a terra representaria o linguista Roman Jakobson Haroldo afirma

que ao longo de sua carreira apreendeu uma ldquofiacutesicardquo a partir da ldquometafiacutesicardquo apresentada

por Walter Benjamin em seus escritos sobre linguagem

Sob a roupagem rabiacutenica midrashista da ironia metafiacutesica do traduzir

benjaminiana um poeta-tradutor longamente experimentado em seu ofiacutecio

pode sem dificuldade depreender uma fiacutesica (uma praacutexis) tradutoacuteria

efetivamente materializaacutevel Essa fiacutesica ndash como venho sustentando haacute muito

ndash eacute possiacutevel reconhececirc-la in nuce nos concisos teoremas de Roman Jakobson

sobre a ldquoautorreferencialidade da funcccedilatildeo poeacuteticardquo e sobre a traduccedilatildeo de

poesia como creative transposition (transposiccedilatildeo criativa) (CAMPOS 2013

pp167-9 grifo do autor)

Segundo Marcelo Taacutepia (2012 p133) o ceacutelebre ensaio de Walter Benjamin ldquoA

tarefa do tradutorrdquo de difiacutecil consenso interpretativo suscitou inuacutemeras interpretaccedilotildees e

anaacutelises Taacutepia ainda afirma que nas anotaccedilotildees de Campos sobre ldquoA tarefa do tradutorrdquo

289

de Benjamin o poeta e tradutor brasileiro explora ldquoa ideia central em Benjamin da

existecircncia de uma bdquoiacutentima relaccedilatildeo das liacutenguas umas com as outras‟ (bdquoreciprocamente

parentes‟) uma bdquorelaccedilatildeo oculta‟ que a traduccedilatildeo natildeo alcanccedila bdquoproduzir‟ podendo

contudo representaacute-lardquo (TAacutePIA 2012 p134) Campos afirma no ensaio ldquoA clausura

Metafiacutesica da Teoria da Traduccedilatildeo de Walter Benjamin Explicada Atraveacutes da Antiacutegone

de Houmllderinrdquo

Na traduccedilatildeo de um poema o essencial natildeo eacute a reconstituiccedilatildeo de mensagem

mas a reconstituiccedilatildeo do sistema de signos em que estaacute incorporada essa

mensagem da informaccedilatildeo esteacutetica natildeo da informaccedilatildeo meramente semacircntica

Por isso sustenta Walter Benjamin que a maacute traduccedilatildeo (de uma obra de arte

verbal entenda-se) caracteriza-se por ser a simples transmissatildeo da mensagem

do original ou seja ldquoa transmissatildeo inexata de um conteuacutedo inessencialrdquo

(CAMPOS 2013 p181)

Haroldo de Campos em sua leitura de Benjamin parece entender que a maacute

traduccedilatildeo eacute aquela que se preocupa apenas com a ldquosimples transmissatildeo da mensagem do

originalrdquo sem ter uma preocupaccedilatildeo esteacutetica como obra de arte Desta forma parece-nos

que na concepccedilatildeo haroldiana e tambeacutem na de Walter Benjamin o aspecto formal

esteacutetico sonoro de uma traduccedilatildeo tem um peso maior do que seu aspecto informativo

ldquomeramente semacircnticordquo Como se justificaria tal posicionamento Haroldo afirma em

ldquoA bdquoLiacutengua Pura‟ na Teoria da Traduccedilatildeo de Walter Benjaminrdquo

No contexto do ensaio benjaminiano a ldquoliacutengua supremardquo na qual se deixaria

estampar a ldquoverdaderdquo corresponde agrave ldquoliacutengua purardquo (die reine Sprache)

ldquoliacutengua da verdaderdquo (Sprache der Wahrheit) ou ainda ldquoliacutengua verdadeirardquo

(wahre Sprache) aquela que ao tradutor de uma obra de arte verbal ou

Umdichter (ldquotranscriadorrdquo) incumbe resgatar de seu cativeiro no idioma

original [] anunciando-a e deixando-a assim entrever ldquoa afinidade das

liacutenguasrdquo (die Verwandtschaft der Sprachen) ou seja ldquoo grande motivo da

intergraccedilatildeo das muitas liacutenguas na uacutenica liacutengua verdadeirardquo (ibidem p158)

Segundo Benjamin no texto Uumlber Sprache uumlberhaupt und uumlber die Sprache

(ldquoSobre a Liacutengua em Geral e Sobre a Liacutengua dos Homensrdquo) citado por Haroldo no

ensaio supramencionado a ldquonomeaccedilatildeo adacircmica eacute dada como fonte da liacutengua pura bdquoDer

Mensch ist der Nennende daran erkennen wir dass aus ihm die reine Sprache spricht‟

(bdquoO homem eacute aquele que nomeia donde se potildee de manifesto que atraveacutes dele a liacutengua

pura fala‟)rdquo (CAMPOS 2013 pp158-9) A humanidade perde o acesso a ldquoliacutengua purardquo

quando Adatildeo decai do status paradisiacuteaco que conhecia uma uacutenica liacutengua apenas ldquoEacute

uma consequecircncia ndash prossegue Benjamin citando a Biacuteblia ndash da expulsatildeo do Paraiacutesordquo

(ibidem p159) Mas no que diferiria a ldquoliacutengua purardquo das atuais liacutenguas imperfeitas

290

Segundo Campos Benjamin teria recebido influecircncia do filoacutesofo-teoacutelogo

existencial Franz Rosenzweig (1886-1929) Para Rosenzweig a ldquoliacutengua purardquo

paradoxalmente corresponde a uma forma de silecircncio mas um ldquosilecircncio (Scheigen) que

natildeo eacute como o mutismo (die Stummheit) do preacute-mundo (Vorwelt) o qual ainda natildeo tem

palavra Eacute silecircncio da compreensatildeo completa e consumada (de vollendententen

Verstehens) Para o filoacutesofo ldquoa pluralidade das liacutenguas eacute o indiacutecio mais claro de que o

mundo natildeo estaacute redimido Entre homens que falam uma liacutengua comum basta um olhar

para que se compreendamrdquo (CAMPOS 2013 p164) Seraacute que para Walter Benjamin

uma boa traduccedilatildeo se preocupa mais com a forma com a esteticidade do que a

ldquoinformaccedilatildeo meramente semacircnticardquo pois a forma poeticamente trabalhada teria um

efeito impactante e quase instantacircneo que apontaria para a compreensatildeo ldquocompleta e

consumadardquo para uma quase ldquotelepatia paradisiacuteacardquo por meio da qual os seres humanos

se comunicariam num tempo messiacircnico Eacute de se desconfiar que sim

Segundo Haroldo de Campos Benjamin pensava que ldquosoacute a graccedila divina atraveacutes

de uma apokataacutesis redentora de uma bdquoreconciliaccedilatildeo messiacircnica‟ que revogue a

sentenccedila expulsoacuteria de sinete divino poderia restituir agrave humanidade decaiacuteda por forccedila

da culpa original (Suumlndenfall) a sua bem-aventurada bdquocondiccedilatildeo edecircnica‟ e com ela a

liacutengua pura da verdaderdquo (ibidem p162) O episoacutedio biacuteblico da ldquoTorre de Babelrdquo

simbolizaria a tentativa humana de restituir a unidade da liacutengua edecircnica ldquopor iniciativa

desafiadora do homem sem o beneplaacutecito da graccedila divinardquo (ibidem p159) Poreacutem ateacute

que chegue a ldquoreconciliaccedilatildeo messiacircnicardquo apenas eacute permitido um vislumbre tecircnue da

ldquoliacutengua purardquo por meio da poesia (segundo Mallarmeacute apud CAMPOS 2013 pp157-8)

e da traduccedilatildeo poeacutetica (Benjamin) ldquoanunciando-a e deixando-a assim entrever a

afinidade das liacutenguasrdquo (die Verwandtschaft der Sprachen) ou seja o grande motivo da

integraccedilatildeo das muitas liacutenguas na uacutenica liacutengua verdadeira (ibidem p158) Nesse

sentido Benjamin ldquoconfere agrave traduccedilatildeo um encargo ou missatildeo angeacutelica (bdquoev-angeacutelica‟

de transmissatildeo da bdquoboa nova‟ eu-aacutengelos)[] Ela natildeo pode enquanto traduccedilatildeo num

sentido proacuteprio encarnar ainda que fragmentariamente bdquoo verbo‟ mas ela pode

anunciar a sua presenccedila oculta na liacutengua do original como que transparentaacute-lo

provisoriamente (vale dizer historicamente)rdquo (CAMPOS 2013 p193) Mas haacute um

preccedilo a ser pago pois ldquoos portais de uma liacutengua tatildeo expandida e subjugada (so erweitert

und durchwaltend) por forccedila de elaboraccedilatildeo se abatam e clausurem o tradutor no

silecircnciordquo (ibidem pp194-5) como teria acontecido por exemplo com Houmllderlin entre

seus contemporacircneos

291

[] o filoacutesofo Schelling escrevia a Hegel a respeito dessas traduccedilotildees e de seu

autor [Houmllderlin] amigo de ambos ldquoA versatildeo de Soacutefocles demonstra

cabalmente que se trata de um caso perdidordquo

ldquoUm dos mais burlescos bdquoprodutos‟ do pedantismordquo ldquoSe Soacutefocles tivesse

falado a seus atenienses de maneira tatildeo desgraciosa emperrada e tatildeo pouco

grega como eacute pouco alematilde esta traduccedilatildeo seus ouvintes teriam abandonado

agraves carreiras o teatrordquo ldquoSob todos os pontos de vista a traduccedilatildeo do

srHoumllderlin dos dois dramas de Soacutefocles deve ser incluiacuteda entre as pioresrdquo

ldquoToca ao leitor adivinhar se o srHoumllderlin sofreu uma metamorfose ou se ele

quis satirizar veladamente a deterioraccedilatildeo do gosto puacuteblicordquo(ibidem p175)

O caso de Houmllderlin sob a oacutetica benjaminiana lembra o mito da caverna de

Platatildeo e possui um lado traacutegico ao tradutor a incompreensatildeo por parte daqueles que

ainda estatildeo aprisionados na caverna Haroldo de Campos por sua vez procura uma via

menos dolorosa aos tradutores Campos parece superar a ideia do ldquotradutor maacutertirrdquo ao

extrair como jaacute mencionado uma ldquofiacutesicardquo de toda a ldquometafiacutesicardquo tradutoacuteria de Walter

Benjamin e tambeacutem refletindo e dialogando com a obra do linguista Roman Jakobson

Em sentido lato a poesia seria intraduziacutevel na concepccedilatildeo de Jakobson e por

isso mesmo restaria apenas o expediente da ldquotransposiccedilatildeo criativardquo numa traduccedilatildeo em

versos (CAMPOS 2013 p89) Jakobson indica desta forma uma espeacutecie de aporia que

paradoxalmente eacute estimulante e abre espaccedilo para a criatividade do tradutor Tanto a

impossibilidade das liacutenguas existentes de serem autossuficientes em abarcar o real (o

indicador apontado para o ceacuteu na ldquometafiacutesicardquo tradutoacuteria de Benjamin) quanto a

alteridade das liacutenguas em representar o mesmo objeto (palma da matildeo voltada para terra

na ldquofiacutesicardquo tradutoacuteria de Jakobson) satildeo vistas por Haroldo de Campos como desafios

estimulantes e catalisadores da criatividade (ibidem 2013 p85) pois ldquoSoacutelo lo difiacutecil es

estimulanterdquo como dizia o escritor Lezama Lima (apud CAMPOS 2013 p204) Frente

ao pressuposto da intraduzibilidade da poesia Haroldo de Campos encontrara a

ldquoasserccedilatildeo da possibilidade mesma dessa (paradoxal) operaccedilatildeo tradutora desde que

entendida como transposiccedilatildeo criativa ou seja nos meus termos como re-criaccedilatildeo

como trans-criaccedilatildeordquo (CAMPOS 2013 p90 grifo nosso)

Se por um lado a traduccedilatildeo eacute vista como uma missatildeo ldquoangeacutelicardquo na metafiacutesica

benjaminiana isto eacute como ldquoaquilo que eacute dado ao tradutor dar o dado o dom a

redoaccedilatildeo e o abandono do tradutor isso para explorar o Aufgeben benjaminiano em

todas as suas nuances semacircnticasrdquo (ibidem p141) Por outro pode-se converter ldquoa

funccedilatildeo angeacutelicardquo do tradutor de poesia numa empresa luciferina Apresentando-se

diante do original natildeo como mensageira do significado transcendental (da ldquoliacutengua

292

purardquo) mas luciferinamente como diferenccedila em devir a traduccedilatildeo usurpa-lhe o centro e

a origem (ibidem pp153-4) Desta forma o tradutor ldquopassa a ameaccedilar o original com a

ruiacutena da origem Esta como eu a chamo a uacuteltima hyacutebris do tradutor ndash bdquotranspoetizador‟

(Umdichter) transformar por um aacutetimo o original na traduccedilatildeordquo (CAMPOS 2013

p17)

E esse parece ter sido o caminho escolhido por Haroldo de Campos em sua

praacutetica tradutoacuteria natildeo o do ldquotradutor maacutertirrdquo mas sim o do ldquotranspoetizador luciferinordquo

A hyacutebris do tradutor ldquopreceito indispensaacutevel desse ponto de vista para a

traduccedilatildeo desvinculada da tradiccedilatildeo de subservinecircncia ao orignial jaacute encontra

expressatildeo na proacutepria apresentaccedilatildeo da Iliacuteada os volumes trazem como autor

Haroldo de Campos reservando-se ao tiacutetulo a forma Iliacuteada de Homero

Trata-se da assunccedilatildeo pelo tradutor do status de autor de criador de obra

autocircnoma embora paramoacuterficardquo (TAacutePIA 2012 p143)

Haroldo de Campos natildeo foi o primeiro poeta brasileiro a pensar sobre traduccedilatildeo

criativa Em 1952 a peccedila Antiacutegone de Soacutefocles foi montada no Brasil utilizando uma

traduccedilatildeo em verso de Guilherme de Almeida Ao comentar as dificuldades de verter um

texto com estrutura meacutetrica tatildeo complexa Guilherme ldquobuscou na teoria musical um

termo teacutecnico para definir seu trabalho transcriccedilatildeo (bdquoescrever para um instrumento

muacutesica escrita para outro‟)rdquo (VIEIRA 1997 p17) Na metaacutefora usada por Guilherme

de Almeida nota-se que os instrumentos diversos representam liacutenguas distintas mas

que respeitando-se suas proacuteprias especificidades podem tocar a mesma melodia Por

isso o termo transcriccedilatildeo utilizado por Almeida estaacute bem proacuteximo do que Haroldo

entende por ldquotranscriaccedilatildeordquo

Mas Transcriccedilatildeo natildeo eacute o uacutenico termo usado por Guilherme de Almeida para se

referir a sua praacutetica tradutoacuteria como nos revelam as notas escritas para cada um dos 21

poemas que traduziu das Flores do Mal de Baudelaire

[] uma repugnacircncia minha invenciacutevel pelas desmoralizadas e

desmoralizantes expressotildees ldquotraduccedilatildeordquo ou ldquoversatildeordquo que me soam vulgar e

sabem a coisa vulgar muito outra daquilo que intimamente representa para

mim o extenuante labor de oito anos que tanto me custou este minguado

ramilhete das ldquominhasrdquo Flores do Mal Resolvi pois correr do meu

vocabulaacuterio com tais palavras Nesta marginalia servi-me-ei de outra

terminologia ldquorecriaccedilatildeordquo[] ldquoreproduccedilatildeordquo ldquorecomposiccedilatildeordquo

ldquoreconstituiccedilatildeordquo ldquorestauraccedilatildeordquo ldquotransmutaccedilatildeordquo ldquocorrespondecircnciardquo etc e

principalmente ldquotransfusatildeordquo Eacute este dentre tantos o termo que mais acertado

me pareceu mais significativo das minhas intenccedilotildees O uso corrente jaacute natildeo o

separa da ideia de sangue Transfusatildeo do sangue a revificaccedilatildeo de um

organismo pela infiltraccedilatildeo de um sangue alheio mas de ldquotipordquo igual Uma

liacutengua uma poesia reabastecendo-se da seiva de outra anaacuteloga para mais e

melhor se afirmar (ALMEIDA 2010 pp97-8)

293

Ainda utilizando a analogia inspirada na teoria musical podemos dizer que

certos musicistas natildeo se contentam apenas em tocar ldquoum instrumento muacutesica escrita

para outrordquo mas tambeacutem gostam de criar novos arranjos embora a muacutesica original natildeo

deixe de ser reconhecida por causa das inovaccedilotildees Em nossa opiniatildeo esse eacute o grau

maacuteximo de transcriaccedilatildeo e justamente eacute isso que o Baratildeo de Paranapiacaba empreende

na versatildeo em que emprega as rimas Como visto na dissertaccedilatildeo ele publicou duas

traduccedilotildees de sua autoria distintas mas da mesma trageacutedia grega no mesmo livro isso

nunca mais se repetiu na histoacuteria das traduccedilotildees do Prometeu Acorrentado no Brasil Tal

decisatildeo de Joatildeo Cardoso de Menezes de certa forma dessacralizou o original mostrando

agraves claras que natildeo existe uma correspondecircncia una e definitiva entre a liacutengua de origem e

a liacutengua de chegada O Baratildeo de Paranapiacaba em sua primeira versatildeo verte os 1093

versos da trageacutedia original em 1410 versos (317 versos a mais que a obra de Eacutesquilo)

Como jaacute mencionado os versos satildeo rimados algo natildeo presente no original Tudo isso

parece indicar que a empreitada do Baratildeo de Paranapiacaba foi por demais ldquoluciferinardquo

o cuacutemulo da hyacutebris Mas nem por isso acreditamos que o gesto do Baratildeo estaria em

harmonia com a teoria de Haroldo de Campos Existe uma diferenccedila entre a hyacutebris de

Paranapiacaba e a hyacutebris de Haroldo que natildeo pode passar despercebida

Temos a impressatildeo de que mesmo entre as chamadas ldquotraduccedilotildees criativasrdquo ou

ldquotranscriaccedilotildeesrdquo natildeo se abandona por completo a ideia de fidelidade ao original Essa

ideia ainda estaacute presente poreacutem mais ligada ao efeito esteacutetico do que agrave reproduccedilatildeo do

sentido literal da obra de origem Apesar de Paranapiacaba ter conseguido criar alguns

efeitos que lembram o original como as mudanccedilas de metro no caso de Io

principalmente a traduccedilatildeo em que o Baratildeo emprega as rimas parece se distanciar

bastante do original grego sobretudo em relaccedilatildeo agrave forma A ideia de ldquoparamorfiardquo

presente no pensamento de Haroldo de Campos natildeo abonaria o tipo de distanciamento

empreendido por Joatildeo Cardoso de Menezes Talvez esteja aiacute uma das causas pelas

quais a versatildeo em que Paranapiacaba emprega as rimas foi classificada por Haroldo de

Campos como ldquoum malogro um equiacutevocordquo (CAMPOS 1997 p237)

294

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  • Prometeu Acorrentado e as poeacuteticas tradutoacuterias de Joatildeo Cardoso de Menezes e Dom Pedro II
    • AGRADECIMENTOS
    • RESUMO
    • LISTAS
      • LISTA DE QUADROS
      • LISTA DE FIGURAS
        • SUMAacuteRIO
        • PRIMEIRA PARTE O PROMETEU ACORRENTADO DE DOM PEDRO II E AS POSTERIORES TRADUCcedilOtildeES BRASILEIRAS DESSA TRAGEacuteDIA
          • INTRODUCcedilAtildeO
          • CAPIacuteTULO 1 ndash As versotildees Brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo
            • 11 Levantamento das traduccedilotildees brasileiras (consideraccedilotildees preliminares)
            • 12 Dom Pedro II
            • 13 Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba
            • 14 Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz
            • 15 JB de Mello e Souza
            • 16 Jaime Bruna
            • 17 Napoleatildeo Lopes Filho
            • 18 Maacuterio da Gama Kury
            • 19 Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves
            • 110 O Tradutor Anocircnimo
            • 111 Alberto Guzik
            • 112 Jaa Torrano
            • 113 Trajano Vieira
            • Conclusatildeo
              • CAPIacuteTULO 2 ndash Anaacutelise da traduccedilatildeo de Dom Pedro II e de suas versotildees poeacuteticas
                • 21 Primeira rodada de leitura
                • 22 Segunda rodada de leitura
                • 23Terceira rodada
                • 24 Quarta rodada
                • 25 Quinta e uacuteltima rodada
                • Conclusatildeo
                    • SEGUNDA PARTE TRANSCRICcedilOtildeES
                      • CAPIacuteTULO 3 - Transcriccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II
                      • CAPIacuteTULO 4 - Transcriccedilatildeo da primeira versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de Paranapiacaba
                      • CAPIacuteTULO 5 ndash Transcriccedilatildeo da segunda versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de Paranapiacaba
                        • CONCLUSAtildeO GERAL DA DISSERTACcedilAtildeO
                        • ANEXOS
                        • BIBLIOGRAFIA
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