prometeu acorrentado · 2020. 7. 14. · resumo prometeu acorrentado e as poéticas tradutórias de...
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UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLAacuteSSICAS E VERNAacuteCULAS
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LETRAS CLAacuteSSICAS
RICARDO NEVES DOS SANTOS
Prometeu Acorrentado
e as poeacuteticas tradutoacuterias de Joatildeo Cardoso de Menezes e
Dom Pedro II
(versatildeo corrigida)
Satildeo Paulo
2020
RICARDO NEVES DOS SANTOS
Prometeu Acorrentado
e as poeacuteticas tradutoacuterias de Joatildeo Cardoso de Menezes e
Dom Pedro II
(versatildeo corrigida)
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Departamento de
Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas da Faculdade de
Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da
UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO para
obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Letras
Orientadora ProfordfDraAdriane da Silva Duarte
Satildeo Paulo
2020
Autorizo a reproduccedilatildeo e divulgaccedilatildeo total ou parcial deste trabalho por qualquer meioconvencional ou eletrocircnico para fins de estudo e pesquisa desde que citada a fonte
Catalogaccedilatildeo na PublicaccedilatildeoServiccedilo de Biblioteca e Documentaccedilatildeo
Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo
S237pSantos Ricardo Neves dos Prometeu Acorrentado e as poeacuteticas tradutoacuterias deJoatildeo Cardoso de Menezes e Dom Pedro II RicardoNeves dos Santos orientadora Adriane da SilvaDuarte - Satildeo Paulo 2020 304 f
Dissertaccedilatildeo (Mestrado)- Faculdade de FilosofiaLetras e Ciecircncias Humanas da Universidade de SatildeoPaulo Departamento de Letras Claacutessicas eVernaacuteculas Aacuterea de concentraccedilatildeo Letras Claacutessicas
1 DPedro II 2 Traduccedilatildeo 3 Transcriccedilatildeodiplomaacutetica 4 Eacutesquilo 5 Recepccedilatildeo dos Claacutessicos noBrasil I Duarte Adriane da Silva orient IITiacutetulo
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo primeiramente a Deus por conceder-me a sauacutede e a paz
indispensaacuteveis ao estudo
Sou grato agrave minha esposa Janaiacutena da Silva Brito Neves por me conceder a
alegria de viver ao seu lado durante esses uacuteltimos dezessete anos Vocecirc foi a minha
maior conquista e ao seu lado a vida natildeo eacute tatildeo difiacutecil
Aos meus filhos Sofia e Estecircvatildeo por me propiciarem a alegria de ser chamado
de ldquopairdquo e a motivaccedilatildeo para trabalhar e me desenvolver
Aos meus pais Maria e Eronildes (no coraccedilatildeo) por terem feito o melhor que
podiam para o meu bem
Agrave minha orientadora Adriane da Silva Duarte seu profissionalismo talento e
erudiccedilatildeo me inspiram Sou muito feliz por poder contar com seus ensinamentos
Ao Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro e agrave Socircnia N de Lima (Chefe do
Arquivo) pelo total apoio agrave minha pesquisa dando-me acesso ao manuscrito de Dom
Pedro II transcrito na presente dissertaccedilatildeo
Ao Museu Imperial e agrave historiadora Alessandra Fraguas (Pesquisadora do
Museu) por me informar sobre a existecircncia de uma versatildeo preliminar da traduccedilatildeo que
transcrevi e por me propiciar o acesso aos manuscritos
Ao Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB - USP) agrave Daniela Piantola
(Supervisora Teacutecnica do Instituto) e agrave bibliotecaacuteria Silvana Bonifaacutecio
Agrave Luana Siqueira (Setor de Comunicaccedilatildeo da FFLCH - USP)
Ao professor Siacutelvio de Almeida Toledo Neto aacuterea de Liacutengua Portuguesa (USP)
pelas importantes indicaccedilotildees bibliograacuteficas e orientaccedilotildees
Aos professores que me ensinaram grego em ordem alfabeacutetica Adriane da Silva
Duarte Fernando Rodrigues Jaa Torrano e Paula da Cunha Correcirca Sempre me
esforccedilarei para honrar seus ensinamentos
Aos professores que ministraram aulas para mim na Poacutes-graduaccedilatildeo em ordem
alfabeacutetica Breno Battistin Sebastin Daniel Rossi Nunes Lopes Jaa Torrano e Joseacute
Marcos Mariani de Macedo
Agradeccedilo tambeacutem a Marcelo Taacutepia e Jaa Torrano pelas observaccedilotildees inteligentes
e sugestotildees valiosas feitas no exame de qualificaccedilatildeo
Agrave Lineide Salvador Mosca (Filologia e Liacutengua Portuguesa USP) por todo apoio
e incentivo desde o tempo da graduaccedilatildeo
Ao meu amigo Waldir Moreira Junior a quem chamo de JRR Tolkien por me
convencer a retomar meus estudos
Ao mentor e amigo Gary Fisher
Ao caro Dennis Allan por ler alguns poucos textos que escrevi em inglecircs e me
indicar soluccedilotildees
Aos irmatildeos do coraccedilatildeo Ceacutelio Rosa e Tamires Natildeo sei como retribuir tanto
carinho e dedicaccedilatildeo
A todos os alunos que tive e em especial Jennyffer Neovander Vinicius e
Rayssa os quais mesmo depois de 15 anos ainda se lembram de visitar seu primeiro
professor quando o recesso de fim de ano chega
Ao professor alematildeo Fridel (no coraccedilatildeo) por ter acreditado e investido em mim
Agrave professora de psicologia Janete pela influecircncia exercida enquanto me formava
professor
Agrave professora de Histoacuteria Liacutelian que no ensino baacutesico me ensinou o imenso
poder que a Memoacuteria possui
Com sincero reconhecimento e gratidatildeo a todos vocecircs
Ricardo Neves dos Santos
RESUMO
Prometeu Acorrentado e as poeacuteticas tradutoacuterias de Joatildeo Cardoso de
Menezes e Dom Pedro II
A presente dissertaccedilatildeo tem como foco a trageacutedia Prometeu Acorrentado de
Eacutesquilo e seus tradutores no Brasil dentre os quais destacamos dois Dom Pedro II o
uacuteltimo Imperador do Brasil e Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de
Paranapiacaba O trabalho estaacute estruturado e dividido em trecircs partes a saber 1)
transcriccedilatildeo integral da traduccedilatildeo feita por Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu
Acorrentado e das duas versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo de Paranapiacaba as quais
foram incentivadas pelo proacuteprio Imperador 2) cotejo criacutetico entre a Traduccedilatildeo Imperial e
as duas versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo 3) um levantamento das traduccedilotildees do
Prometeu Acorrentado publicadas no Brasil e de seus respectivos tradutores
Palavras-chave Traduccedilatildeo DPedro II recepccedilatildeo
Prometheus Bound and the translationsrsquo poetics of Joatildeo Cardoso de
Menezes and Dom Pedro II
Abstract This dissertation focuses on the Aeschylus‟ tragedy Prometheus
Bound and its translators in Brazil among which we highlight two Dom Pedro II the
last emperor of Brazil and Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza Baron of Paranapiacaba
The work is structured and divided into three parts namely 1) full transcript of the
translation made by Dom Pedro II of the tragedy Prometheus Bound and the two poetic
versions made by the Baron of Paranapiacaba which were encouraged by the Emperor
himself 2) critical comparison of the translation and the two poetic versions made by
Baron 3) a survey of the translations of Prometheus Bound published in Brazil and of
the respective translators
Keywords translation D Pedro II reception
LISTA DE QUADROS
Quadro I As versotildees de Paranapiacaba para os versos 887-93 do original (fala do
Coro) p57
Quadro II As versotildees de Paranapiacaba para os versos 1063-9 do original (fala do
Coro) p57
Quadro III Anaacutelise comparativa entre original e traduccedilatildeo p80
Quadro IV Cotejo das versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba para os versos 3-6
do original p98
Quadro V Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba
(original vv3-6) p104
Quadro VI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba
(original vv14-5) p106
Quadro VII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba
(original vv19-24) p110
Quadro VIII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba
(original vv64-5) p112
Quadro IX Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo de Ramiz Galvatildeo
(original vv64-5) p113
Quadro X Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 1 de Paranapiacaba
(original vv88-91) p117
Quadro XI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 2 de Paranapiacaba
(original vv88-91) p117
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Trecho da uacuteltima paacutegina do Documento 4695-A (IHGB) p19
Figura 2 Trecho da traduccedilatildeo de Dom Pedro II referente aos versos 1063-9
do Prometeu (Doc4695-A IHGB) p20
Figura 3 Trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A IHGB)
p20
Figura 4 Trecho da quarta paacutegina do Documento 4695-A (IHGB) natildeo numerada no
manuscrito p21
Figura 5 Trecho da primeira fala de Prometeu traduzida pelo Imperador (Doc4695-A
IHGB) p22
Figura 6 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A
IHGB) p22
Figura 7 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A
IHGB) p22
Figura 8 Trecho do Documento 4695-A (IHGB) p22
Figura 9 Detalhe do Documento 4695-A (IHGB) p22
Figura 10 Trecho do Documento 4695-A (IHGB) p23
Figura 11 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A
IHGB) p24
Figura 12 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A
IHGB) p24
Figura 13 Imagens de algumas palavras proparoxiacutetonas encontradas no Documento
4695-A (IHGB) p25
Figura 14 Imagens de palavras paroxiacutetonas terminadas em vogais ldquoordquo e ldquoardquo (Doc
4695-A IHGB) p25
Figura 15 Imagens de palavras paroxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc 4695-A
IHGB) p25
Figura 16 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A
IHGB) p25
Figura 17 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A
IHGB) p25
Figura 18 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB) p26
Figura 19 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB) p26
Figura 20 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A
IHGB) p26
Figura 21 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A
IHGB) p27
Figura 22 Imagem do texto da uacuteltima fala de Prometeu traduzida por Dom Pedro II
(Doc 4695-A IHGB) p28
Figura 23 Imagem de trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A
IHGB) p33
Figura 24 Trecho dos versos 536-54 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de Thomas
Stanley (1809) Aeschyli tragoediae quae supersunt digitalizada pela Universidade de
Cambrigde em 2010 p74
Figura 25 Trecho referente aos versos 536-50 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de
Christian Gottfried Schuumlltz Aeschyli tragoediae quae supersunt ac deperditarum
fragmenta tambeacutem de 1809 p75
Figura 26 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc 4695-
A IHGB) p271
Figura 27 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-
A IHGB) p271
Figura 28 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-
A IHGB) p272
Figura 29 Imagem de trecho do manuscrito da traduccedilatildeo de Dom Pedro II (Doc4695-
A IHGB) p272
SUMAacuteRIO
PARTE I ndash O PROMETEU ACORRENTADO DE DOM PEDRO II E AS
POSTERIORES TRADUCcedilOtildeES BRASILEIRAS DESSA TRAGEacuteDIA
INTRODUCcedilAtildeO p14
Cap 1 ndash As versotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo p31
11 Levantamento das traduccedilotildees brasileiras (consideraccedilotildees preliminares) p31
12 Dom Pedro II p45
13 Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba p51
14 Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz p64
15 J B de Mello e Souza p68
16 Jaime Bruna p72
17 Napoleatildeo Lopes Filho p74
18 Maacuterio da Gama Kury p78
19 Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves p80
110 O Tradutor Anocircnimo p83
111 Alberto Guzik p85
112 Jaa Torrano p87
113 Trajano Vieira p91
Conclusatildeo do primeiro capiacutetulo p95
Cap 2 ndash Anaacutelise da traduccedilatildeo de Dom Pedro II e de suas versotildees poeacuteticas
p97
21 Primeira rodada de leitura p98
22 Segunda rodada de leitura p107
23 Terceira rodada p109
24 Quarta rodada p113
25 Quinta e uacuteltima rodada p115
Conclusatildeo do segundo capiacutetulo p120
PARTE 2 ndash TRANSCRICcedilOtildeES
Cap3 ndash Transcriccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II p123
Cap4 ndash Transcriccedilatildeo da primeira versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de
Paranapiacaba p158
Cap5 ndash Transcriccedilatildeo da segunda versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de
Paranapiacaba p219
CONCLUSAtildeO GERAL DA DISSERTACcedilAtildeO p274
ANEXOS
Transcriccedilatildeo da carta do Baratildeo de Paranapiacaba enviada agrave Princesa Isabel
p283
Transcriccedilatildeo do Prefaacutecio escrito por Lafayette Rodrigues Pereira a pedido do
Baratildeo de Paranapiacaba p285
Haroldo de Campos um luciferino tradutor brasileiro p289
BIBLIOGRAFIA p295
PRIMEIRA PARTE
O PROMETEU ACORRENTADO DE DOM PEDRO II E AS POSTERIORES
TRADUCcedilOtildeES BRASILEIRAS DESSA TRAGEacuteDIA
14
INTRODUCcedilAtildeO
Muitos poetas e prosadores brasileiros dedicaram-se ao ofiacutecio da traduccedilatildeo de
obras literaacuterias entretanto tal atividade natildeo eacute geralmente mencionada nas Histoacuterias da
Literatura Brasileira (ASEFF 2012 p24) Siacutelvio Romero historiador de nossa
Literatura faz um julgamento negativo quanto agrave validade esteacutetica e literaacuteria das
traduccedilotildees em geral
Em geral sou infenso a traduccedilotildees de poetas Traslados em prosa ficam
mortos vertidos para verso ficam sempre desfigurados Uma traduccedilatildeo
poeacutetica dificilmente daraacute o desenho da obra traduzida e jamais forneceraacute o
colorido As melhores traduccedilotildees existentes como a Iliacuteada por Voss a do
Fausto por Marc Monnier satildeo obras de terceira ordem Natildeo podem jamais
reproduzir o ritmo o tom a melodia do original (ROMERO apud CAMPOS
1997 p250)
Tal concepccedilatildeo expressa a crenccedila na inferioridade da traduccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave obra
traduzida Quando muito reconhece apenas o meacuterito da instrumentalidade da praacutetica
tradutoacuteria fortalecendo ldquovalores que constituem o estigma do Traduttore Traditorerdquo
(FURLAN 2015 p256)
Parece estar longe da cogitaccedilatildeo de Romero o fato de que a traduccedilatildeo tambeacutem eacute
um espaccedilo de criaccedilatildeo (ROMANELLI 2014 p105) O tradutor criativamente busca
encontrar ldquona liacutengua em que se estaacute traduzindo aquela intenccedilatildeo por onde o eco do
original pode ser ressuscitadordquo (BENJAMIN 2008 p35) O valor de uma traduccedilatildeo
literaacuteria eacute comumente vinculado agrave proximidade conceitual eou formal que esta tem
com o texto de partida Tal proximidade pode ser explorada de forma criativa pelo
tradutor pois ldquoenquanto que por um lado todos os elementos particulares das liacutenguas
estrangeiras ndash as palavras as frases e as relaccedilotildees ndash se excluem reciprocamente por
outro lado as proacuteprias liacutenguas completam-se nas intenccedilotildees comuns que pretendem
alvejarrdquo (ibidem p32) Como toda praacutetica linguiacutestica a traduccedilatildeo ldquoeacute histoacuterica e reflete
uma concepccedilatildeo histoacuterica da linguagem e portanto mutaacutevel atraveacutes dos temposrdquo
(FURLAN 2015 p247) A concepccedilatildeo histoacuterico-materialista contemporacircnea de
linguagem e escritura ldquotorna o tradutor obrigatoriamente um coautor do texto traduzidordquo
(ibidem p247)
15
Numa das raras e tiacutemidas exceccedilotildees de dar destaque a essa praacutetica entre noacutes
Olavo Bilac na primeira parte de seu Tratado de Versificaccedilatildeo faz um breve panorama
da histoacuteria da Literatura Brasileira ateacute o seu tempo e menciona a praacutetica tradutoacuteria de
dois poetas Um deles eacute Odorico Mendes tradutor de Homero e Virgiacutelio conhecido por
muitos devido aos estudos de Haroldo de Campos este tambeacutem poeta e tradutor O
outro nas palavras de Olavo Bilac ldquoJoatildeo Cardoso de Menezes baratildeo de Paranapiacaba
nascido em 1827 e ainda hoje vivo e em plena actividade litteraria estreiou em 1849
com a Harpa Gemedora e tem publicado vaacuterias traducccedilotildees de Byron Lamartine e La
Fontainerdquo (BILAC amp PASSOS 1905 p26 ortografia original mantida)1
Bilac publicou a passagem citada em 1905 Passados dois anos o Baratildeo de
Paranapiacaba publica duas versotildees poeacuteticas da trageacutedia Prometeu Acorrentado de
Eacutesquilo Em seu livro de 19072 o Baratildeo informa que Dom Pedro II fizera uma traduccedilatildeo
em prosa do Prometeu e que o Imperador solicitou-lhe uma versatildeo em versos
portugueses a partir de sua traduccedilatildeo em prosa Mas como se sabe o Baratildeo acabou
realizando duas versotildees poeacuteticas Paranapiacaba ainda informa que Dom Pedro II foi
deposto no mesmo ano em que lhe entregou o manuscrito isto eacute em 1889 Reproduz-se
a seguir a ortografia original da ediccedilatildeo de 1907 na qual o Baratildeo de Paranapiacaba narra
o ocorrido
Ao retirar-me SMagestade recomendou-me natildeo me esquecesse do
ldquoPrometheu acorrentadordquo cujo original me havia entregado na penultima
conferencia Nunca mais o vi Partio para Petropolis donde regressou a 16 de
Novembro para ficar prisioneiro no paccedilo da cidade (PARANAPIACABA
1907 p224)
Paranapiacaba ainda informa que tentou ver o Imperador mas em vatildeo
1 Entre outros textos traduzidos pelo Baratildeo de Paranapiacaba podemos citar PLAUTO Aululaacuteria Rio
de Janeiro Typographia Chrysalida 1888 EURIacutePIDES Alceste Rio de Janeiro Renascenccedila
Bevilacqua 1908 SOacuteFOCLES Antiacutegone Rio de Janeiro Renascenccedila Bevilacqua 1909 O acervo do
Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB ndash USP) possui as ediccedilotildees citadas da Aululaacuteria de Plauto e da
Antiacutegone de Soacutefocles
2 Prometheu Acorrentado original de Eschylo ndash vertido litteralmente para o portuguez por Dom Pedro
II Imperador do Brasil trasladaccedilatildeo poetica do texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Rio de Janeiro
Imprensa Nacional 1907 Antes de publicar suas versotildees no livro de 1907 o Baratildeo afirma em carta
escrita agrave Princesa Isabel (I-POB ndash Maccedilo 204 ndash Doc 9329 Museu ImperialIbramMinisteacuterio da
Cidadania) ldquoD‟essas duas versotildees tem apparecido longos trechos na imprensardquo (ortografia original
mantida) Pode-se citar dentre as publicaccedilotildees anteriores ao livro de 1907 a da Revista do Instituto
Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro Rio de Janeiro Imprensa Nacional Tomo LXVIII 1906
16
Empreguei todos os esforccedilos para entrar naquella prisatildeo Natildeo pude
conseguil-o Passei frequentes vezes por diante das janellas que
correspondiam ao aposento em que elle estava encerrado e roguei de foacutera
ao Marechal Miranda Reis que acompanhava o Monarcha licenccedila para
entrar Respondeo-me elle natildeo m‟a podia conceder (PARANAPIACABA
1907 p224)
E ainda
[] o Monarcha com Sua Magestade a Imperatriz a princeza Imperial
DIzabel o principe consorte e um de seos filhos ficou detido n‟esta capital
no paccedilo da cidade sob a vigilacircncia de sentinelas alli postadas por ordem dos
proclamadores da Republica
Dous dias depois a horas mortas da madrugada fizeram-n‟o embarcar
no Alagocircas vapor mercante do Lloyd Brazileiro que armado em guerra
seguio barra foacutera levando-o caminho do exilio [] Em dezembro de 1889
na cidade do Porto vio morrer victimada por torturas moraes a virtuosa
esposa que lhe focircra anjo de conforto[] Na effusatildeo do entranhavel amor
com que extremeceo[DPedro II] fez transpor aacute Europa uma pouca de terra
extrahida do solo brasileiro para encamar o atauacutede em que devia ser
conduzido aacute derradeira morada E com effeito Seo coraccedilatildeo jaacute enregelado
esse coraccedilatildeo cujas fibras haviam estalado com as pulsaccedilotildees das mais
cruciantes angustias repousa hoje unido a esse punhado de terra da paacutetria
pela qual sempre palpitou afervorado ateacute o derradeiro anceio (ibidem
p265 grifo do autor)
Cerca de cinco anos depois da queda da Monarquia o Baratildeo mostra o caderno
no qual estava a traduccedilatildeo em prosa do Prometeu Acorrentado feita por DPedro II a
Lafayette Rodrigues Pereira
[] n‟uma daquellas agradaveis palestras em que roccedilas por todos os
assumptos amenisando-os e salpicando-os com o teo inexgotavel sal Attico
mostrei-te um pequeno livro contendo a traducccedilatildeo litteral do Prometheu
Acorrentado de Eschylo
Conheceste logo a lettra do manuscripto pois te era familiar desde
que occupaste e honraste os altos cargos de Presidente do Conselho e
Ministro da Fazenda
Focircra DPedro II quem escrevera aquella traducccedilatildeo por elle
litteralmente feita do original grego
Focircra o Imperador quem me entregara aquelle volumito manifestando
o desejo de que eu trasladasse para verso portuguez a sua prosa (ibidem
pIX)
Infelizmente Dom Pedro II nunca pocircde ler as versotildees poeacuteticas da lavra de
Paranapiacaba pois a primeira soacute comeccedilou a ser feita depois de quase 10 anos do dia
em que entregou seu manuscrito ao Baratildeo Haacute de se lembrar que Dom Pedro II confiou
o manuscrito a Paranapiacaba em 1889 faleceu em 1891 e o Baratildeo comeccedilou a fazer o
primeiro traslado poeacutetico somente em 1899 como se pode averiguar em carta escrita
por Paranapiacaba ao Conselheiro Lafayette em 10 de outubro de 1899 ldquoEntrando
ultimamente em forccedilado repouso de um mez metti hombros aacute empreza de que me
17
havia com satisfaccedilatildeo incumbido encetei e levei a cabo a accommodaccedilatildeo poeacutetica
daquella versatildeordquo(PARANAPIACABA 1907 pX)
Quanto agraves versotildees do Prometeu Acorrentado feitas pelo Baratildeo de Paranapiacaba
e ao manuscrito de DPedro II haacute questotildees que ainda precisam ser elucidadas
Em Manuscrito e Traduccedilatildeo espaccedilos de criaccedilatildeo Sergio Romanelli (2014
p113) escreve
Somente trecircs obras traduzidas pelo Imperador foram ateacute hoje publicadas a
saber
1)Prometheu Acorrentado Vertido literalmente por Dom Pedro II
trasladaccedilatildeo poeacutetica do texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Rio de Janeiro
Imprensa Nacional 1907
2)Poesias (originais e traduccedilotildees) de D Pedro II (1889) sendo esse uma
homenagem de seus netos
3)Poesias Hebraico-Provenccedilais do ritual israelita Comtadin impressa em
Avignon em 1891
Em visita ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Satildeo Paulo (IEB
- USP) conseguimos consultar e fotografar a primeira das obras citadas por Romanelli
(Prometheu AcorrentadoVertido literalmente por Dom Pedro II trasladaccedilatildeo poeacutetica
do texto pelo Baratildeo de Paranapiacaba Rio de Janeiro Imprensa Nacional 1907)
Causou-nos surpresa constatar que a ediccedilatildeo a qual eacute considerada uma das poucas
publicaccedilotildees das traduccedilotildees de DPedro II natildeo traz a reproduccedilatildeo de sua traduccedilatildeo feita em
prosa da trageacutedia de Eacutesquilo mas apenas as versotildees poeacuteticas da lavra de Paranapiacaba
Na primeira das versotildees apresentadas no livro Paranapiacaba emprega rimas aleacutem da
forma meacutetrica variar de acordo com o personagem Jaacute na segunda versatildeo predominam
os decassiacutelabos soltos isto eacute sem o emprego de rimas
Em ldquoO Prometeu dos Barotildeesrdquo (1997) Haroldo de Campos faz um
importantiacutessimo resgate de trechos da segunda versatildeo apresentada no livro de
Paranapiacaba (versatildeo em que predominam os decassiacutelabos soltos) No mesmo
compecircndio onde se encontra o ensaio (ALMEIDA amp VIEIRA Trecircs Trageacutedias Gregas
1997) haacute tambeacutem a reproduccedilatildeo integral da traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado feita por
Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz professor de grego do Coleacutegio Pedro II (pp255-86)
A traduccedilatildeo feita por Ramiz tambeacutem fora incentivada pelo Imperador
Apesar da grande importacircncia do ensaio de Haroldo de Campos para a histoacuteria
da recepccedilatildeo dos Claacutessicos no Brasil a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II natildeo entra em
anaacutelise em seu ensaio
18
Entre as produccedilotildees acadecircmicas que abordam as versotildees poeacuteticas incentivadas
por Dom Pedro II vale a pena citar o artigo de Paula da Cunha Correcirca ldquoEm busca da
tradiccedilatildeo perdidardquo (1999) Mais do que fazer uma resenha do livro supracitado Trecircs
trageacutedias gregas (ALMEIDA amp VIEIRA 1997) Correcirca empreende uma interessante
anaacutelise das versotildees do Prometeu Acorrentado feitas por Ramiz Galvatildeo e pelo Baratildeo de
Paranapiacaba (versatildeo em que predominam os decassiacutelabos soltos) trazendo tambeacutem
para a discussatildeo a traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado de autoria de Trajano Vieira
Embora o artigo evoque assim como o texto de Campos a tradiccedilatildeo de tradutores
brasileiros do Prometeu Acorrentado e tambeacutem apresente uma abordagem instigante na
anaacutelise empreendida natildeo tem como um de seus objetivos citar trechos da traduccedilatildeo em
prosa de Dom Pedro II e analisaacute-los juntamente com as outras traduccedilotildees
Em O Baratildeo de Ramiz (1972) A Mauriceacutea Filho coteja a versatildeo na qual
Paranapiacaba emprega rimas com a traduccedilatildeo de Ramiz Galvatildeo tambeacutem tendo em vista
o texto original de Eacutesquilo e agraves vezes fazendo intervir soluccedilotildees da traduccedilatildeo portuguesa
de Baziacutelio Teles Aleacutem disso o autor escreve o seguinte comentaacuterio acerca do
manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu Acorrentado
Ora tivemos a ventura de folhear com a maacutexima reverecircncia no Instituto
Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro passando e repassando pelas matildeos as suas
folhas algo amarelecidas pelo tempo o Manuscrito Imperial consistindo de
um caderno (tipo colegial simples) menos da metade escrito e mais da
metade em branco onde o Sr Imperador Pedro II deixara ficar com sua letra
pequenina mas muito bem traccedilada e bem legiacutevel a famosa trageacutedia de
Eacutesquilo sem esquecer S Magestade de apor ao fim do trabalho em
caracteres firmes a data 14 de abril de 1871 O preciosiacutessimo documento
encontra-se no Instituto Histoacuterico muito bem conservado como todas as
peccedilas que ali se acham ndash reliacutequias de nossa Tradiccedilatildeo - e devidamente
classificado (MAURICEacuteA FILHO 1972 pp243-4)
Embora A Mauriceacutea Filho faccedila uma importantiacutessima descriccedilatildeo da existecircncia
real do Manuscrito Imperial natildeo o coteja poreacutem com as traduccedilotildees de Paranapiacaba e
Ramiz Galvatildeo Quase no final da anaacutelise apenas transcreve um pequeno trecho da
traduccedilatildeo de Dom Pedro II a saber ldquodo que entatildeo se apresentava parecia o mais
acertado tomando comigo a minha Matildee auxiliar de boa vontade a Juacutepiter que o
queriardquo (MAURICEacuteA FILHO 1972 p261)
Apesar de ter fomentado pelo menos trecircs versotildees do Prometeu Acorrentado
(duas de Paranapiacaba e uma de Ramiz Galvatildeo) eacute lamentaacutevel que a versatildeo em prosa
feita por Dom Pedro II ainda natildeo tenha sido estudada mais detalhadamente
19
Como entatildeo poderiacuteamos dizer que o livro Prometeu Acorrentado de 1907
citado por Romanelli eacute uma das poucas traduccedilotildees do Imperador publicadas ateacute entatildeo
Ateacute que ponto as versotildees de Paranapiacaba estatildeo ligadas semanticamente agrave traduccedilatildeo do
Imperador Seraacute que os meacuteritos ou os pontos fracos dessas versotildees podem ser atribuiacutedos
tambeacutem agrave traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II Satildeo questotildees sobre as quais
pretendemos nos debruccedilar e responder ao longo da presente dissertaccedilatildeo Para isso
objetiva-se
1) Empreender a transcriccedilatildeo integral da traduccedilatildeo feita por Dom Pedro II da
trageacutedia Prometeu Acorrentado e das duas versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo de
Paranapiacaba
2) Realizar o cotejo criacutetico entre a Traduccedilatildeo Imperial e as duas versotildees poeacuteticas
feitas pelo Baratildeo
A histoacuteria da traduccedilatildeo de literatura greco-romana no Brasil ainda estaacute para ser
escrita (DUARTE 2016) Mas natildeo temos a pretensatildeo de escrevecirc-la sozinhos Pois ldquoum
miacutenimo de honestidade nos afasta de empresas que natildeo podemos realizarrdquo (RAMOS
2008 p63) Por outro lado entendemos que ao realizarmos a transcriccedilatildeo completa da
traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e das versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba daremos
mais um passo rumo ao atendimento dessa grande demanda nos estudos da recepccedilatildeo e
traduccedilatildeo dos Claacutessicos em nosso paiacutes
Em vista desse uacuteltimo toacutepico buscamos recuperar a histoacuteria das traduccedilotildees do
Prometeu Acorrentado publicadas no Brasil e de seus respectivos tradutores situando
nela a de D Pedro II A presenccedila do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo no Brasil pode
ser constatada pelo nuacutemero e sobretudo pela qualidade de suas traduccedilotildees O tradutor
ldquocomo o primeiro interprete de um texto eacute o elo inicial de uma rede que visa a tornar o
claacutessico vivo presente para a sociedaderdquo (DUARTE 2016 p26) O levantamento das
traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado e de seus respectivos tradutores visa
tornar ainda mais evidente essa corrente de esforccedilos individuais que contribuiu para que
a antiga trageacutedia grega permanecesse viva em liacutengua portuguesa ateacute os nossos dias
Manuscrito e sua transcriccedilatildeo integral
Graccedilas ao apoio do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro na pessoa de
Socircnia N de Lima (Chefe do Arquivo) conseguimos uma coacutepia fac-similar do
manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu Acorrentado
20
de Eacutesquilo (Doc 4695-A) O manuscrito encontra-se totalmente transcrito na presente
dissertaccedilatildeo (pp 123-57)
O trabalho de transcriccedilatildeo foi feito em diaacutelogo com as seguintes obras Noccedilotildees de
paleografia e diplomaacutetica (2008) de Anna Regina Berwanger e Joatildeo Euriacutepides Franklin
Leal Introduccedilatildeo agrave criacutetica textual (2005) de Ceacutesar Nardeli Cambraia Fundamentos da
criacutetica textual (2004) de Baacuterbara Spaggiari e Maurizio Perugi e Ediccedilotildees criacutetica e
geneacutetica de ldquoA Morgada de Romarizrdquo(2009) de Carlota Frederica Pimenta Natildeo existe
um consenso absoluto sobre os criteacuterios propostos pelos autores acima citados Por
isso procuramos utilizar aquilo que mais se adequava agraves especificidades da nossa
pesquisa A seguir teceremos algumas consideraccedilotildees gerais sobre o manuscrito da
traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e sobre os criteacuterios adotados no trabalho de
transcriccedilatildeo
O Manuscrito Imperial ocupa 47 paacuteginas de um caderno com capa de papelatildeo
indeformaacutevel 23 centiacutemetros de comprimento por 19 centiacutemetros de largura e 1
centiacutemetro de espessura (MAURICEacuteA FILHO 1972 p244) A data do teacutermino da
traduccedilatildeo eacute colocada na uacuteltima paacutegina do manuscrito A numeraccedilatildeo das paacuteginas parece
ter sido feita a laacutepis de forma alternada (somente as iacutempares satildeo numeradas) No
entanto a paacutegina 7 do manuscrito foi erroneamente marcada como paacutegina ldquo6rdquo O
equiacutevoco persiste ateacute o final do manuscrito cuja uacuteltima paacutegina traz ldquo46rdquo sendo que haacute
47 paacuteginas de traduccedilatildeo
Figura 1 Trecho da uacuteltima paacutegina do Documento 4695-A (IHGB)
O trabalho de transcriccedilatildeo seguiraacute os seguintes criteacuterios gerais
a) Palavras com ldquosrdquo duplicado apresentam uma caracteriacutestica interessante na
caligrafia do seacuteculo XIX no Brasil o primeiro ldquosrdquo eacute chamado ldquocaudadordquo
(BERWANGER amp LEAL 2008 p100) Veja-se a reproduccedilatildeo de como era
escrito o primeiro ldquosrdquo da palavra ldquoapressa-terdquo por exemplo
Essa particularidade da caligrafia natildeo era reproduzida nas publicaccedilotildees
21
tipograacuteficas da eacutepoca e seguimos essa tendecircncia em nosso trabalho de
transcriccedilatildeo
b) A pontuaccedilatildeo original foi mantida
c) As maiuacutesculas e as minuacutesculas foram mantidas tal qual estatildeo presentes no
original com exceccedilatildeo do ldquosrdquo caudado
d) A ortografia foi mantida na iacutentegra natildeo se efetuando nenhuma correccedilatildeo
gramatical
Figura 2 Trecho da traduccedilatildeo de Dom Pedro II referente aos versos 1063-9 do Prometeu
(Doc4695-A IHGB)
Chogravero
Dize e aconselha-me outra cousa pois que me seduziste com essas palavras de
nenhum modo toleraveis Como eacute que me ordenas praticar infamias Com elle quero
soffregraver o que fograver necessario pois aprendi a aborrecegraver os traidores nem ha peste que
mais me repugne do que esta ()
e) A transcriccedilatildeo do texto foi feita de forma corrida e a divisatildeo original dos
paraacutegrafos respeitada
f) Indicamos a numeraccedilatildeo original da paacutegina entre colchetes ex [fl3] mesmo
no meio do texto corrido quando necessaacuterio Os colchetes seratildeo sublinhados
para indicar que a paacutegina em questatildeo natildeo estaacute marcada no manuscrito ex
[fl4]
Figura 3 Trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A IHGB)
22
[fl3]
Forccedila
De nada vale deploral-o natildeo faze pois cousas que nada aproveitatildeo
Figura 4 Trecho da quarta paacutegina do Documento 4695-A (IHGB) natildeo numerada no
manuscrito
[fl4]
Vulcano
Estaacute feito e natildeo dura este trabalho
g) Os elementos textuais interlineares ou marginais autoacutegrafos que completam
o escrito seratildeo inseridos no texto entre os sinais ltgt
Figura 5 Trecho da primeira fala de Prometeu (vv88-126) traduzida pelo Imperador
(Doc4695-A IHGB)
Prometheu
ltOh ar divinogt e ventos de azas velozes e fontes dos rios()
h) Tambeacutem utilizaremos os seguintes sinais diacriacuteticos
= o asteriacutesco indica que algo foi riscado e estaacute ilegiacutevel no ponto em que ele
aparece
[ ] = algo foi escrito sobre
[] = escrito sobre algo que foi riscado e que estaacute ilegiacutevel
ltuarrgt = acreacutescimo textual no espaccedilo interlinear superior
ltdarrgt = acreacutescimo textual no espaccedilo interlinear inferior
Prometeu = palavra riscada mas legiacutevel
ilegiacutevel = palavra natildeo riscada mas ilegiacutevel
= manuscrito deteriorado na passagem em questatildeo
23
Veja-se a seguir algumas expressotildees comuns no uso dos sinais diacriacuteticos em
nossa transcriccedilatildeo
ltuarrgt [] = acreacutescimo textual no espaccedilo interlinear superior sobre algo que foi
riscado e que estaacute ilegiacutevel Exemplo
Figura 6 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)
()pois novos ltuarrtimoneirosgt[]3 regem o Olympo ()
ltuarrgt [] = ascreacutecimo textual no espaccedilo interlinear superior sobre texto legiacutevel
Exemplo
Figura 7 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)
AhltuarrQue cousagt[Tambem] tu vieste expectadograver de meus trabalhos
Quando o acreacutescimo textual interlinear natildeo eacute seguido do diacriacutetico ldquo[ ]rdquo
(ldquosobrerdquo) significa que o acreacutescimo estaacute entre duas palavras acima do espaccedilo em
branco Exemplo
Figura 8 Trecho do Documento 4695-A (IHGB)
() chamma brilhante ltuarrdogtsol ()
Pode ser que ocorra um acreacutescimo sobre algo que esteja riscado e ilegiacutevel
juntamente com outra palavra que tambeacutem fora riscada mas que pode ser lida
3 A palavra ldquoTimoneirosrdquo foi escrita sobre algo que foi riscado Apesar de natildeo ser possiacutevel ler claramente
qual palavra foi riscada no trecho destacado mesmo ampliando a imagem do manuscrito algumas letras
poreacutem satildeo legiacuteveis gadoes Brunno VG Vieira Professor de Letras Claacutessicas da UNESP
durante a arguiccedilatildeo da presente Dissertaccedilatildeo sugeriu a leitura ldquogovernadoresrdquo para a palavra riscada Ver
paacutegina 128
24
Figura 9 Detalhe do Documento 4695-A (IHGB)
() poremlt uarrdezejavagt [ queria ] ()
i) As palavras sublinhadas pelo autor do manuscrito tambeacutem seratildeo sublinhadas
na transcriccedilatildeo
Figura 10 Trecho do Documento 4695-A (IHGB)
Chegamos a terra remota aacute regiatildeo Scytha a ermo despovoado
Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu o pae de ()
f) Outras particularidades do manuscrito foram indicadas por meio de notas de
rodapeacute
Diante dos criteacuterios supramencionados pode-se afirmar que a transcriccedilatildeo
empreendida eacute de caraacuteter diplomaacutetico ou geneacutetico pois se transcreveraacute tambeacutem os
acidentes de escrita e as emendas o que de certa forma revela algo do processo criativo
do autor do manuscrito isto eacute sobre a gecircnese da sua traduccedilatildeo Por isso esse tipo de
transcriccedilatildeo eacute chamado comumente de transcriccedilatildeo geneacutetica (PIMENTA 2009 p16)
Tambeacutem afirmamos que a ortografia do Manuscrito Imperial seraacute respeitada Por isso
seria profiacutecuo tecer algumas consideraccedilotildees sobre a ortografia da liacutengua portuguesa na
segunda metade do seacuteculo XIX
Ramiz Galvatildeo (o Baratildeo de Ramiz) em seu livro Vocabulario etymologico
orthographico e prosoacutedico das palavras portuguezas derivadas da lingua grega (1909)
afirma que natildeo havia um acordo ortograacutefico uacutenico no Brasil na eacutepoca do Segundo
Impeacuterio e que os dicionaacuterios de liacutengua portuguesa de sua eacutepoca
[] cada qual grapha como entende e os proacuteprios glottologos discutem sem
resultado practico as vantagens dos systemas phonetico etymologico e
25
eclectico que correspondiam aacutes trez correntes de opiniatildeo nesta mateacuteriardquo
(RAMIZ GALVAtildeO 1909 pII)4
Ramiz Galvatildeo estava ligado agrave vertente chamada ldquoetimoloacutegicardquo Em sentido lato
esse sistema ortograacutefico preconizava que as palavras vernaacuteculas deveriam utilizar as
palavras latinas ou gregas como paradigmas para sua escrita (a etimologia nem sempre
era feita de forma rigorosa por alguns autores o que gerava confusatildeo e variedade na
grafia de algumas palavras) Era comum por exemplo transliterar as letras gregas ζ θ
ρ por th ph e ch nas palavras portuguesas que tivessem sua origem no idioma grego
como por exemplo eschola ldquoescolardquo (RAMIZ GALVAtildeO 1909 pIV-V)5 Dom Pedro
II parece seguir tal sistema ortograacutefico em sua traduccedilatildeo em prosa
Apresentar-se-aacute a seguir alguns exemplos tirados do proacuteprio Manuscrito
Imperial para explicitar as principais diferenccedilas entre a ortografia vigente em nossos
dias e a adotada pelo Imperador
1) A forma da terceira pessoa do plural do presente do indicativo tem o sufixo
em ldquondashatildeordquo em vez de ldquo- am
Figura 11 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A IHGB)
() te de tuas bogravedas alcanccedilaste oh moccedila Pois as palavras que ouviste agora
nem no proemio te pareccedilatildeo estar
2) A forma da primeira pessoa do singular do presente indicativo do verbo
ldquoodiarrdquo eacute odiacuteo em vez de ldquoodeiordquo e da terceira pessoa do singular eacute odiacutea em
vez de ldquoodeiardquo
Figura 12 Trecho do manuscrito da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc 4695-A IHGB)
4 Reproduzimos a ortografia da publicaccedilatildeo original
5A corrente etimoloacutegica foi teorizada inicialmente por Duarte Nunes de Leatildeo na sua Orthografia da
lingoa portugueza em 1576 Outro autor importante foi Madureira Feijoacute com sua Orthographia ou Arte
de Escrever e pronunciar com acerto a lingua portuguesa em 1734 obra na qual defende a etimologia na
ortografia
26
Prometheu
Em uma palavra odiacuteo todos os deuses quantos beneficiados me fazem mal
injustamente
3) As palavras proparoxiacutetonas natildeo satildeo acentuadas como por exemplo animo
(acircnimo) aspero (aacutespero) artifice (artiacutefice) colera (coacutelera) habito (haacutebito)
miseros (miacuteseros) Tartaro (Taacutertaro)
Figura 13 Imagens de algumas palavras proparoxiacutetonas encontradas no Documento 4695ndashA (IHGB)
4) As palavras paroxiacutetonas terminadas em ldquoa(s)rdquo ldquoo(s)rdquo ldquoe(s)rdquo satildeo acentuadas
com (`) se o som da siacutelaba tocircnica for fechado e com (acute) se o som for aberto
algegravemas (algemas) ansiograveso (ansioso) foacutera (fora) oceagraveno (oceano)
Figura 14 Imagens de palavras paroxiacutetonas terminadas em vogais ldquoordquo e ldquoardquo (Doc4695-A IHGB)
As paroxiacutetonas terminadas com as demais consoantes e as terminadas em
ditongo natildeo satildeo acentuadas
Figura 15 Imagens de palavras paroxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A IHGB)
5) As palavras oxiacutetonas terminadas em ldquoemrdquo e ldquoensrdquo natildeo satildeo acentuadas alem
(aleacutem) alguem (algueacutem) ninguem (ningueacutem) porem (poreacutem) tambem
(tambeacutem) Jaacute nas versotildees poeacuteticas da lavra de Paranapiacaba (1907) eacute
possiacutevel ver a forma ldquoporeacutemrdquo
Figura 16 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A IHGB)
27
6) Palavras oxiacutetonas terminadas em ldquoerrdquo e ldquoorrdquo satildeo acentuadas expectadograver
(expectador) terrograver (terror) vegraver (ver)
Figura 17 Imagens de palavras oxiacutetonas encontradas no manuscrito (Doc4695-A IHGB)
A crase eacute marcada com (acute) em vez de (`)
Figura 18 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB)
() voltaraacute ainda anciograveso aacute concordia ()
7) Uso dos pronomes aacutetonos la(s) e lo(s) eacute bastante peculiar denuncial-o-ei
(denunciaacute-lo-ei) explical-o-ei (explicaacute-lo-ei) ignoral-o (ignoraacute-lo) obtegravel-a (obtecirc-
la)
Figura 19 Imagem de trecho do Documento 4695-A (IHGB)
8) A ortografia etimoloacutegica deu origem agraves seguites grafias encontradas no
manuscrito Afflicto (aflito) dezejava (desejava) emtorno (entorno)
ephemeros (efecircmeros) irmaatildes (irmatildes) monarcha (monarca) Note-se a
seguir outros exemplos retirados do manuscrito
Figura 20 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)
() donzellas anciaatildes com forma de cysne possuindo um olho commum e um
dente a quem jamais nem o sol olha com seus raios nem a nocturna lua Perto
28
estatildeo suas trez irmaatildes as aligeras anguicomas Gorgones aos mortaes odiosas
que nenhum mortal encarando conservaraacute o espirito vital
9) ldquoPorquerdquo como forma uacutenica para ldquopor querdquo e ldquoporquerdquo
Figura 21 Imagem de trecho da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A IHGB)
Io
Porque hesitas entatildeo em dizer-me tudo
Essas satildeo as caracteriacutesticas gerais do manuscrito de sua transcriccedilatildeo e de sua
ortografia Na primeira parte da presente dissertaccedilatildeo seraacute apresentado o levantamento
das traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado juntamente com algumas
consideraccedilotildees sobre a poeacutetica tradutoacuteria de cada um dos tradutores elencados (Capiacutetulo
1) O cotejo criacutetico entre as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba e a traduccedilatildeo feita por
Dom Pedro II ocorreraacute no Capiacutetulo 2 A segunda parte da dissertaccedilatildeo eacute destinada agraves
transcriccedilotildees O Capiacutetulo 3 seraacute dedicado agrave transcriccedilatildeo completa da traduccedilatildeo em prosa de
Dom Pedro II Nos Capiacutetulos 4 e 5 respectivamente encontram-se as transcriccedilotildees das
duas versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba feitas a partir do livro publicado em
1907 e seguindo os criteacuterios gerais de transcriccedilatildeo expostos anteriormente sobretudo no
que se refere agrave ortografia e agrave divisatildeo dos paraacutegrafos Apoacutes as transcriccedilotildees temos a
Conclusatildeo Final da Dissertaccedilatildeo
Em 2018 publicamos o artigo ldquoA traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II da
trageacutedia bdquoPrometeu acorrentado‟ de Eacutesquilordquo na Revista de Estudos Claacutessicos e
Tradutoacuterios Roacutenai no qual apresentamos os primeiros resultados de nossa pesquisa
Alessandra Fraguas historiadora e pesquisadora do Museu Imperial leu o artigo
Depois disso gentilmente informou-nos sobre a existecircncia dos esboccedilos da traduccedilatildeo em
prosa de Dom Pedro II depositados no Museu Imperial (Maccedilo 37 - Doc 1057 B de
Dom Pedro II Museu Imperial Ibram Ministeacuterio da Cidadania) e de uma carta escrita
pelo Baratildeo de Paranapiacaba agrave Princesa Isabel na qual fala sobre a publicaccedilatildeo de suas
versotildees poeacuteticas (Maccedilo 204 ndash Doc 9329 Museu Imperial Ibram Ministeacuterio da
Cidadania) Graccedilas agrave mediaccedilatildeo de Fraguas tivemos acesso a coacutepias digitalizadas dos
29
documentos citados Trechos dessa versatildeo preliminar de Dom Pedro II seratildeo cotejados
com sua versatildeo final no Capiacutetulo 2 A carta escrita por Paranapiacaba agrave Princesa Isabel
foi totalmente transcrita valendo-se dos mesmos criteacuterios utilizados nas outras
transcriccedilotildees e anexada agrave dissertaccedilatildeo
Encerraremos a presente introduccedilatildeo partilhando mais um trecho da transcriccedilatildeo
empreendida do Manuscrito Imperial referente agrave uacuteltima fala de Prometeu traduzida por
Dom Pedro II (vv1080-93) A passagem em questatildeo possui uma forte carga dramaacutetica
Por meio dos cataclismos naturais descritos por Prometeu Zeus e sua terriacutevel fuacuteria se
fazem presentes em cena
Figura 22 Imagem do texto da uacuteltima fala de Prometeu traduzida por Dom Pedro II(Doc4695-AIHGB)
Prometheu
E de facto e natildeo mais por palavras ltuarrbalanccedila-segt[] a terra rebogravea o echo
rugidograver do trovatildeo brilhatildeo as espiraes ltuarrardentesgt [] do relampago e os turbilhotildees
revolvem o poacute rompem os sogravepros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de
oppostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Taes impetos contra mim vem
30
manifestamente de Jupiter para mettegraverem megravedo Oh nume de minha matildee [fl46]6 oh ar
que volves a luz commum de todos vegraves quatildeo injustamente soffro
14 de Abril de 1871
6Paacutegina 47 (uacuteltima paacutegina) marcada como 46 no manuscrito
31
CAPIacuteTULO 1 ndash As versotildees Brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo
11 Levantamento das traduccedilotildees brasileiras (consideraccedilotildees preliminares)7
O levantamento empreendido das traduccedilotildees brasileiras do Prometeu
Acorrentado e de seus respectivos tradutores se deu por meio de visitas a bibliotecas e
livrarias aleacutem de consultas a bancos de dados eletrocircnicos como o Sistema Integrado de
Bibliotecas da Universidade de Satildeo Paulo SIBiUSP Todas as traduccedilotildees encontradas
foram lidas integralmente Chegou-se ao seguinte resultado sendo que antes do nome
do tradutor de cada versatildeo encontra-se o ano da publicaccedilatildeo original (as datas de suas
reediccedilotildees estatildeo entre parecircnteses)
1871 - Dom Pedro II8
1907 - Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza Baratildeo de
Paranapiacaba duas versotildees distintas no mesmo livro
1909 - Ramiz Galvatildeo Baratildeo de Ramiz (1922 1997)
1950 - JB de Mello e Souza (1964 1966 1969 1970 1998
2001 2002 2005)
1964 - Jaime Bruna (1968 1977 1996)
1967 - Napoleatildeo Lopes Filho
1968 - Maacuterio da Gama Kury (1993 1998 1999 2004 2009)
1977 - Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves
1980 ndash O Tradutor Desconhecido9
1982 - Alberto Guzik
1985 ndash Jaa Torrano
1997 ndash Trajano Vieira
2009 ndash Jaa Torrano10
7Neste capiacutetulo natildeo se consideraratildeo as adaptaccedilotildees infantojuvenis do Prometeu Acorrentado as quais
mereceriam um estudo agrave parte 8 Manuscrito da traduccedilatildeo em prosa feita por Dom Pedro II da trageacutedia Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo
(Doc4695-A ndash Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro) 9Trata-se de uma traduccedilatildeo anocircnima do Prometeu Acorrentado publicada por Otto Pierre Editores em
1980 10
Em entrevista dada a Andreacute Malta (2015) Jaa Torrano afirma que haacute mudanccedilas entre as traduccedilotildees de
Prometeu Prisioneiro (1985) e Prometeu Cadeeiro (2009) mudanccedilas estas que nos parecem substanciais
a comeccedilar pelos tiacutetulos das traduccedilotildees Por isso natildeo consideramos a traduccedilatildeo de 2009 como uma simples
reediccedilatildeo
32
Seguindo o exemplo de Jorge Luis Borges no ensaio ldquoAs Versotildees homeacutericasrdquo
(1994 pp71-8) a seguir seratildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica as versotildees
brasileiras de uma mesma passagem do Prometeu Acorrentado Borges usou recurso
semelhante quando discorria acerca das traduccedilotildees inglesas da Odisseia afirmando que
tais versotildees satildeo na verdade ldquoperspectivas variadas de um fato moacutevelrdquo (ibidem 1994
p71) Depois da apresentaccedilatildeo dos trechos das traduccedilotildees faremos algumas
consideraccedilotildees sobre a afirmaccedilatildeo de Borges e tambeacutem a exposiccedilatildeo daquilo que nos
chamou mais atenccedilatildeo nas versotildees elencadas Ao que se pretende valendo-se das
palavras de Brunno V G Vieira (2010 p70) quando discorria sobre as versotildees
brasileiras da Farsaacutelia de Lucano
[]estaacute fora de questatildeo a imposiccedilatildeo de um modo bdquocerto‟ de traduzir Ao
contraacuterio o que estaacute em jogo eacute um exerciacutecio de conhecimento das diferentes
modulaccedilotildees que um texto pode alcanccedilar quando trabalhado por tradutores de
diferentes eacutepocas estilos e concepccedilotildees translatiacutecias
No proacutelogo do Prometeu Acorrentado o titatilde que daacute nome ao drama eacute escoltado
por outras trecircs divindades Kratos (ldquoPoderrdquo) Bia (ldquoviolecircnciardquo personagem mudo) e
Hefesto o ferreiro divino Kratos insta Hefesto a cumprir as ordens de Zeus de encadear
Prometeu num inoacutespito rochedo No cumprimento das ordens dadas Hefesto lamenta
seu ofiacutecio desejando que tal pertencesse a outro Kratos entatildeo responde-lhe
ldquoἅπαλη᾽ ἐπαρζῆ πιὴλ ζενῖζη θνηξαλεῖλ ἐιεύζεξνο γὰξ νὔηηο ἐζηὶ πιὴλ Δηόοrdquo
(Prometeu Acorrentado vv49-50)11
Veja-se a seguir as diferentes versotildees brasileiras para a citada resposta de
Kratos
Dom Pedro II prosa 1871 ldquoTudo foi feito para os deuses exceto imperarem
pois ningueacutem eacute livre salvo Juacutepiterrdquo
Baratildeo de Paranapiacaba verso 1907 versatildeo em que o metro varia de
acordo com o personagem ldquoAos Imortais concedido Tudo foi menos o impeacuterio Soacute
Jove eacute livrerdquo
Baratildeo de Paranapiacaba verso 1907 versatildeo onde predominam os
decassiacutelabos brancossoltos ldquoTudo aos Deuses foi dado unicamente natildeo podem
governar A natildeo ser Jove Natildeo eacute livre ningueacutemrdquo
11 Os textos editados por Mark Griffith (1997) Paul Mazon (1953) e Christian G Schuumltz (1809) do
original do Prometeu Acorrentado natildeo apresentam divergecircncias de leitura para a passagem em questatildeo
33
Ramiz Galvatildeo verso 1909 ldquoTudo aos numes foi dado exceto o mando
ningueacutem eacute senatildeo Zeus independenterdquo
J B de Mello e Souza prosa 1950 ldquoMuito podem os deuses na verdade
poreacutem dependem de um poder supremo soacute Juacutepiter eacute onipotenterdquo
Jaime Bruna prosa 1964 ldquoTodos os quinhotildees foram negociados menos o de
governar os deuses ningueacutem eacute livre senatildeo Zeusrdquo
Napoleatildeo Lopes Filho prosa 1967 ldquoTudo eacute concedido aos deuses menos o
impeacuterio Soacute Zeus eacute livrerdquo
Maacuterio da Gama Kury verso 1968 ldquoTodos temos a sorte predeterminada a
uacutenica exceccedilatildeo eacute Zeus o rei dos deuses Somente ele eacute livre entre imortais e homensrdquo
Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves verso 1977 ldquoTudo foi
traccedilado a natildeo ser para o soberano dos deuses livre de fato ningueacutem eacute exceto Zeusrdquo
Autor desconhecido prosa 1980 ldquoTodas as atribuiccedilotildees estatildeo jaacute estabelecidas
exceto para o rei dos deuses soacute Zeus eacute livrerdquo
Alberto Guzik prosa 1982 ldquoTodos os trabalhos satildeo desagradaacuteveis menos o
de rei dos deuses pois ningueacutem eacute livre senatildeo Zeusrdquo
Jaa Torrano verso 1985 ldquoTudo se deu aos Deuses menos reinar pois livre
ningueacutem eacute aleacutem de Zeusrdquo
Trajano Vieira verso 1997 ldquoOs deuses tudo provam salvo o mando
somente Zeus conhece o livre arbiacutetriordquo
Jaa Torrano verso 2009 ldquoSoacute natildeo haacute ocircnus em ser rei de Deuses pois
ningueacutem eacute livre aleacutem de Zeusrdquo
A liacutengua grega na qual foi escrito o Prometeu Acorrentado natildeo eacute um fato
imoacutevel estanque pois seu estado e entendimento mudam agrave medida que surgem novas
descobertas no campo da filologia Mas natildeo eacute soacute o entendimento da liacutengua grega que se
transforma Subirat o tradutor espanhol do Ulysses de Joyce afirmou que ldquotraduzir eacute a
maneira mais atenta de lerrdquo (apud CAMPOS 2013 p14) e leitores tambeacutem mudam ao
longo do tempo Borges com sua ironia tatildeo peculiar toca nessa questatildeo em seu conto
Pierre Menard autor do Quixote texto no qual seu personagem Menard se empenha
por recriar o Quixote de Cervantes em pleno seacuteculo XX
Compor o Quixote em princiacutepios do seacuteculo XVII era um empreendimento
razoaacutevel necessaacuterio quem sabe fatal em princiacutepios do seacuteculo XX eacute quase
impossiacutevel Natildeo transcorreram em vatildeo trezentos anos carregados de
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complexiacutessimos fatos Entre eles para mencionar um apenas o proacuteprio
Quixote (BORGES 1999 p495)
O narrador continua
Constitui uma revelaccedilatildeo cotejar o Dom Quixote de Menard com o de
Cervantes Este por exemplo escreveu (Dom Quixote primeira parte nono
capiacutetulo)
A verdade cuja matildee eacute a histoacuteria ecircmula do tempo depoacutesito das accedilotildees
testemunha do passado exemplo e aviso do presente advertecircncia do futuro
Redigida no seacuteculo XVII redigida pelo ldquoengenho leigordquo Cervantes essa
enumeraccedilatildeo eacute mero elogio retoacuterico da histoacuteria Menard em compensaccedilatildeo
escreve
A verdade cuja matildee eacute a histoacuteria ecircmula do tempo depoacutesito das accedilotildees
testemunha do passado exemplo e aviso do presente advertecircncia do futuro
A histoacuteria matildee da verdade a ideia eacute assombrosa Menard contemporacircneo de
Willian James natildeo define a histoacuteria como indagaccedilatildeo da realidade mas como
sua origem A verdade histoacuterica para ele natildeo eacute o que aconteceu eacute o que
julgamos que aconteceu As claacuteusulas finais ndash exemplo e aviso do presente
advertecircncia do futuro ndash satildeo descaradamente pragmaacuteticas (ibidem p495)
Como jaacute mencionado quanto maior for o desejo de ler com atenccedilatildeo uma
determinada obra de penetrar em sua complexidade maior seraacute o desejo de traduzi-la
(CAMPOS 2013 pp14 17) Cada um dos tradutores brasileiros do Prometeu
Acorrentado assim como o Menard de Borges fez sua leitura a partir de seu proacuteprio
repertoacuterio a partir de sua proacutepria eacutepoca e valores Entre os tradutores brasileiros do
Prometeu houve quem natildeo se contentou com uma uacutenica ldquoleitura atentardquo Eacute o caso
como visto do Baratildeo de Paranapiacaba Ele publicou duas distintas versotildees da mesma
trageacutedia num mesmo livro Para os versos 49 e 50 do Prometeu Acorrentado na
primeira versatildeo apresentada em seu livro o Baratildeo verte ldquoAos imortais concedido Tudo
foi menos o impeacuterio Soacute Jove eacute livrerdquo Na outra versatildeo apresentada no mesmo
compecircndio temos ldquoTudo aos Deuses foi dado unicamente natildeo podem governar A
natildeo ser Jove Natildeo eacute livre ningueacutemrdquo Outro exemplo interessante eacute o do professor de
Liacutengua e Literatura Grega da USP Joseacute Antonio Alves Torrano (Jaa Torrano) Aleacutem de
sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado publicada em 1985 Torrano empreende uma
nova traduccedilatildeo da mesma trageacutedia depois de quase 24 anos publicando-a em 2009 Em
sua primeira traduccedilatildeo lecirc-se ldquoTudo se deu aos Deuses menos reinar pois livre
ningueacutem eacute aleacutem de Zeusrdquo A traduccedilatildeo posterior por sua vez apresenta a seguinte
soluccedilatildeo ldquoSoacute natildeo haacute ocircnus em ser rei de Deuses pois ningueacutem eacute livre aleacutem de Zeusrdquo
Seraacute que algo importante mudou entre essas duas versotildees Acreditamos que sim A
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versatildeo de 1985 afirma que tudo foi dado agraves divindades ldquomenos reinarrdquo Contudo
segundo o pensamento miacutetico grego os deuses exerciam grandiosa autoridade sobre os
mortais e tambeacutem havia reis entre os humanos Jaacute a traduccedilatildeo de 2009 deixa claro que
tipo de poder eacute esse do qual os deuses foram privados ldquoSoacute natildeo haacute ocircnus em ser rei de
Deusesrdquo ou seja eles foram privados de um poder superior pertencente apenas a Zeus
Esses exemplos indicam que a traduccedilatildeo natildeo eacute ldquouma operaccedilatildeo automaacutetica fruto
de geraccedilatildeo espontacircnea algo que demanda pouco esforccedilordquo (DUARTE 2016 p51)
como se costuma pensar no senso comum Veja-se o caso do proacuteprio Dom Pedro II Ele
leu os versos 49-50 do Prometeu da seguinte forma ldquoTudo foi feito para os deuses
exceto imperarem pois ningueacutem eacute livre salvo Juacutepiterrdquo (sentido bastante proacuteximo da
traduccedilatildeo de Torrano publicada em 1985) O manuscrito no qual se encontra a traduccedilatildeo
revela que o Imperador natildeo chegou a essa soluccedilatildeo sem hesitaccedilotildees pois nos espaccedilos
interlineares da passagem citada ele anotou em letras pequeninas (terceira paacutegina do
manuscrito) ldquo(exceto para os deuses o imperarem ndash isto eacute ndash Tudo custou trabalho
exceto imperarem os deuses pois somente Juacutepiter eacute livre (natildeo obedece impera) (Qual a
melhor interpretaccedilatildeo)rdquo12
Figura 23 Imagem de trecho da terceira paacutegina do Manuscrito Imperial (Doc4695-A IHGB)
Os pontos de divergecircncia entre tradutores na leitura de uma mesma passagem
satildeo valiosos a quem se debruccedila sobre os estudos das praacuteticas tradutoacuterias pois em tais
pontos o posicionamento pessoal de cada um dos tradutores se torna ainda mais
evidente Um exemplo disso satildeo os instigantes problemas interpretativos suscitados pelo
Coro das Oceaninas (ldquoOceacircnidesrdquo ou ldquoOceacircnidasrdquo dependendo do tradutor) e seu pai
Oceano
Assim que surgem em cena as deusas Oceaninas afirmam que escutaram o
barulho longiacutenquo das cadeias de Prometeu (vv128-35) Informam tambeacutem que vieram
depois de terem convencido com dificuldade a seu pai Oceano Prometeu pede para que
12
Interessante notar que soacute o Imperador traduz θνηξαλέσ por ldquoimperarrdquo ndash ldquoimpeacuterio ocorre em uma das
versotildees do Baratildeo de Paranabiacaba e de Napoleatildeo Lopes Filho a primeira dialogando com a de Dom
Pedro A escolha lexical revela aqui a funccedilatildeo do ldquotradutorrdquo e talvez uma certa identificaccedilatildeo de Dom
Pedro II com o panteatildeo grego ao refletir sobre os atributos inerentes ao exerciacutecio do poder
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elas desccedilam do carro alado e se aproximem dele mas no momento exato em que as
deusas iam tocar os peacutes descalccedilos no rochedo em que o titatilde estava encadeado chega o
proacuteprio Oceano (para se compadecer de Prometeu ou para ainda tentar impedir mesmo
que veladamente as filhas se aproximarem do titatilde) Sim o mesmo Oceano que na
Teogonia de Hesiacuteodo tinha aconselhado sua filha Estige a ser a primeira a chegar ao
ajuntamento que visava sob a lideranccedila de Zeus depor Cronos Como recompensa por
essa prontidatildeo Zeus honrou-a fazendo dela proacutepria o ldquoGrande Juramento dos deusesrdquo
(Teogonia vv775-806) Jaacute na trageacutedia de Eacutesquilo Oceano chega depois de tentar
inutilmente impedir suas outras filhas de visitar Prometeu mas natildeo hesita em dizer ao
titatilde encadeado ldquo[] pois nunca diraacutes que haacute para ti amigo mais firme que Oceanordquo
(traduccedilatildeo de Dom Pedro II) Esse mesmo Oceano exorta Prometeu a se conhecer melhor
(γίγλσζθε ζαπηὸλ v309) se harmonizar com o novo tirano dos deuses e parar de
vociferar (ζὺ δ᾽ ἡζύραδε κεδ᾽ ἄγαλ ιαβξνζηόκεη v327) Enquanto isso ele proacuteprio
Oceano iria interceder junto a Zeus em favor de Prometeu (v325-9) Prometeu entatildeo
responde a Oceano (vv330-1) ldquoAdmira-me que tu natildeo hajas sido tratado como
criminoso visto que foste meu cuacutemplice e meu ajudanterdquo (Traduccedilatildeo de JB de Mello
e Souza)
A traduccedilatildeo supracitada de JB de Mello e Souza para essa resposta de Prometeu
suscita implicaccedilotildees interessantes Pois antes da chegada de Oceano Prometeu alegara
ao Coro das Oceaninas que estava sofrendo tamanho supliacutecio por se opor aos planos de
Zeus de exterminar a humanidade Aleacutem disso o Titatilde tambeacutem afirmou que doou o fogo
mestre de todas as artes aos mortais (vv193-256) Desta forma a traduccedilatildeo de JB de
Mello e Souza daacute a entender que Oceano de alguma forma foi cuacutemplice de Prometeu
nessas accedilotildees mas conseguiu contornar a situaccedilatildeo e natildeo ser punido Essa tambeacutem parece
ser a leitura de uma traduccedilatildeo anocircnima publicada por Otto Pierre Editores em 1980
ldquoInvejo-te palavra por estares livre de causa depois de teres tomado parte como eu nas
minhas empresasrdquo Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves apresentam a
seguinte interpretaccedilatildeo ao trecho ldquoEu te invejo a ti que a salvo da acusaccedilatildeo estaacutes
tendo de tudo participado e sendo ousado como eurdquo e escrevem em nota ldquoEsta
passagem faz-nos supor que Oceano deve ter colaborado com Prometeu em seus
empreendimentos em favor dos mortaisrdquo (MALHADAS amp MOURA NEVES 1977
p35) Na traduccedilatildeo de Trajano Vieira lecirc-se ldquoSoacute te posso invejar a liberdade pois tua
ousadia foi igual agrave minhardquo Trajano escreve o seguinte em nota para a passagem citada
ldquoReferecircncia provaacutevel a uma Titanomaquia perdida na qual Oceano combateu ao lado
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de Prometeurdquo (VIEIRA 1997 p175) Entre todas as versotildees a traduccedilatildeo de Alberto
Guzik parece sugerir de forma mais expliacutecita que Oceano fora cuacutemplice de Prometeu
ldquoInvejo a sorte que tens de natildeo ser tratado como delinquente depois de ter participado
de tudo depois de teres sido soacutecio de minha audaacuteciardquo
Em contrapartida natildeo satildeo todos os tradutores que leem a passagem em questatildeo
da mesma forma Napoleatildeo Lopes Filho por exemplo entende que Oceano soacute era
cuacutemplice de Prometeu no sentido de que se dispocircs a visitaacute-lo em seu sofrimento Eis a
sua traduccedilatildeo ldquoDigo-te que eacutes feliz porque depois de ousar participar da minha dor
ainda estaacutes sem que Zeus te culperdquo - interpretaccedilatildeo diferente da apresentada nas
traduccedilotildees supracitadas Em sua traduccedilatildeo de 1985 Jaa Torrano lecirc a passagem de forma
semelhante ao que faz Napoleatildeo Lopes Filho ldquoEstimo que estejas fora da causa a
participar e ousar tudo por mimrdquo E natildeo parece que seu entendimento acerca dessa
passagem mudou em sua traduccedilatildeo de 2009 ldquoEstimo que estejas fora de causa audaz
ateacute participar de tudo comigordquo O Baratildeo de Paranapiacaba em suas versotildees de 1907
tem uma interpretaccedilatildeo semelhante agrave de Torrano e agrave de Napoleatildeo Lopes Filho ldquoAceita
embora meus pois tendo ousadoTer parte em minha docircr foste poupado E imune estaacutes
Natildeo quero te incommodesrdquo na outra versatildeo (decassiacutelabos soltos) encontra-se ldquoDou-te
os emboras por te ver imune De pena e culpa tu que a mim ligado Ousaste tomar
parte em minhas doresrdquo O curioso eacute que a traduccedilatildeo de Dom Pedro II da qual em tese
as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba teriam sido feitas diverge na interpretaccedilatildeo
ldquoInvejo-te porque ficas isento de crime tendo tudo partilhado e visado comigordquo A
traduccedilatildeo de Ramiz Galvatildeo parece estar mais alinhada agrave de Dom Pedro II nessa
passagem do que as versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba ldquoEacutes feliz natildeo te inculpam bem
que houvesses tido parte na audaacutecia do meu feitordquo
Mas o problema natildeo termina aiacute Como dissemos Oceano alega estar disposto a
interceder a favor de Prometeu junto a Zeus Mas o titatilde prisioneiro cortesmente dispensa
a ajuda afirmando que natildeo desejava ver a fuacuteria de Zeus ainda mais accedilulada e recaindo
sobre Oceano tambeacutem Oceano por sua vez responde que a situaccedilatildeo de Prometeu
ensina e por isso se despede (vv374-96) O estranho eacute que Prometeu natildeo demonstra a
mesma preocupaccedilatildeo com as Oceaninas as quais ficam ao seu lado e se compadecem
dele No final da trageacutedia por exemplo Hermes (ldquoMercuacuteriordquo na traduccedilatildeo de Dom
Pedro II) discute asperamente com Prometeu Depois o Mensageiro de Zeus alerta as
Oceaninas nos seguintes termos
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Tais resoluccedilotildees e palavras de mentecapto eacute preciso contudo ouvir Que falta
pois para ele desarrazoar se nada cede das infelizes manias Mas voacutes que
vos compadeceis dos sofrimentos dele afastai-vos rapidamente destes
lugares para qualquer outro afim de que o horrendo mugido do trovatildeo natildeo
ponha atocircnitos vossos espiacuteritos (traduccedilatildeo de Dom Pedro II)
As Oceaninas entatildeo respondem a Hermes (ainda na traduccedilatildeo do Imperador)
Dize e aconselha-me outra cousa pois que me seduziste com essas palavras
de nenhum modo toleraacuteveis Como eacute que me ordenas praticar infacircmias Com
ele quero sofrer o que for necessaacuterio pois aprendi a aborrecer os traidores
nem haacute peste que mais me repugne do que esta
Mercuacuterio
Mas recordai-vos do que predigo e caccediladas pelas desgraccedila natildeo acuseis a
sorte nem digais que Juacutepiter vos arremessou a uma infelicidade imprevista
natildeo certamente poreacutem voacutes a voacutes mesmas pois sabendo-o nem suacutebita nem
ocultamente sereis envolvidas por insensatez na imensa rede da desgraccedila
Por que Prometeu natildeo pediu para as Oceaninas irem embora quando Hermes deu
o alerta supracitado mostrando preocupaccedilatildeo semelhante agrave que sentiu ndash ou que pelo
menos aparentou sentir - pelo pai delas Oceano Nesse ponto da leitura aumenta a
expectativa acerca do que iraacute acontecer com Prometeu e com o Coro das Oceaninas
Mas eacute tarde demais Prometeu exclama
Prometeu
E de fato e natildeo mais por palavras balanccedila-se a terra reboa o eco rugidor do
trovatildeo brilham as espirais ardentes do relacircmpago e os turbilhotildees revolvem o
poacute rompem os sopros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de
opostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Tais iacutempetos contra
mim vem manifestamente de Juacutepiter para meterem medo Oacute nume de minha
matildee oacute ar que volves a luz comum de todos ves quatildeo injustamente sofro
(traduccedilatildeo de Dom Pedro II)
Desta forma acaba a trageacutedia Depois disso Eacutesquilo silencia A expectaccedilatildeo ainda
estaacute agrave tona Mas uma pergunta ainda fica no ar o que aconteceu com as Oceaninas
Silecircncio silecircncio e mais silecircncio Um silecircncio tatildeo abismal quanto aquele penedo em que
Prometeu fora acorrentado Silecircncio tatildeo inquietante a ponto de fazer alguns dos
tradutores brasileiros do Prometeu tentarem quebraacute-lo
Depois da uacuteltima fala de Hermes por exemplo Napoleatildeo Lopes Filho
acrescenta ldquo(Vatildeo-se Hermes e as Oceacircnides)rdquo algo que natildeo estaacute no original que como
se sabe natildeo traz rubricas Alberto Guzik por sua vez tambeacutem quebra o silecircncio
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escrevendo ldquoHermes se retirardquo O mesmo faz o Tradutor Anocircnimo de 1980 na fala das
Oceaninas acresce que uma delas (o corifeu) ldquo(aproxima-se de Prometeu)rdquo e depois da
fala de Hermes que ldquo(Hermes afasta-se Ouve-se um trovatildeo subterracircneo)rdquo J B de
Mello e Souza tambeacutem se posiciona ldquo(Sai Mercuacuterio)rdquo Jaacute Maacuterio da Gama Kury
escreve ldquoEntre relacircmpagos trovotildees e terremotos desaparecem PROMETEU e as
Oceacircnides do Corordquo O Baratildeo de Paranapiacaba natildeo escreve nada no corpo do texto
mas numa nota afirma que ldquoRetira-se Mercuacuterio e supotildee-se que o coro o acompanhardquo
Jaime Bruna vai aleacutem escrevendo ldquo(Relacircmpagos trovotildees ventania as Oceacircnides
fogem espavoridas e as penhas desabam sobre Prometeu)rdquo Eacute claro que com essa
interpretaccedilatildeo de Bruna as Oceaninas natildeo teriam cumprido a sua palavra de sofrerem
lealmente ao lado de Prometeu Mas nem por isso poderiacuteamos chamaacute-las de traidoras
Pois afinal de contas quem natildeo se sentiria aterrorizado diante da fuacuteria portentosa de
Zeus Veja-se por exemplo o caso do proacuteprio Prometeu Diante de Hermes ele fala
convicto e ousadamente
Por isso arremesse-se sobre mim a espiral de fogo de dois gumes e o ar seja
revolvido pelo trovatildeo e a tormenta dos ventos furiosos sacuda o furacatildeo a
terra com as proprias raiacutezes desde os alicerces e com aacutespero bramido
confunda as ondas do mar e os cursos dos astros celestes e precipite
inteiramente meu corpo no negro Taacutertaro levado pelos irresistiacuteveis turbilhotildees
da fatalidade em todo o caso natildeo me faraacute morrer (traduccedilatildeo de Dom Pedro
II)
Poreacutem quando Zeus passa ldquodas palavras agrave accedilatildeordquo Prometeu natildeo demonstra
tamanha ousadia e natildeo hesita em chamar pela matildee
E de fato e natildeo mais por palavras balanccedila-se a terra reboa o eco rugidor do
trovatildeo brilham as espirais ardentes do relacircmpago e os turbilhotildees revolvem o
poacute rompem os sopros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de
opostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Oacute nume de minha
matildee oacute ar que volves a luz comum de todos vecircs quatildeo injustamente sofro
(traduccedilatildeo de Dom Pedro II grifo nosso)
Haacute de se supor portanto que Prometeu natildeo saiu a correr (como as Oceaninas na
interpretaccedilatildeo de Bruna) simplesmente por estar acorrentado pelas divinas cadeias de
Hefesto Por isso haacute de se perdoar as Oceaninas caso elas de fato tenham fugido
espavoridas
Seja como for Trajano Vieira e tambeacutem Malhadas e Moura Neves natildeo quebram
o silecircncio de Eacutesquilo em suas respectivas traduccedilotildees e o mesmo faz Jaa Torrano em suas
traduccedilotildees de 1985 e 2009 Natildeo obstante em um dos estudos que acompanham a
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traduccedilatildeo de 2009 Torrano se manifesta a respeito Acerca de sua interpretaccedilatildeo bastante
instigante trataremos na sequecircncia
O Prometeu Acorrentado eacute muitas vezes lido como uma espeacutecie de manifesto
contra a tirania como se Eacutesquilo estivesse acusando energicamente o governante
supremo do Olimpo de injusto Acreditamos que essa leitura deve ser vista com
bastante cautela levando-se em conta que natildeo temos a trilogia completa na qual o
Prometeu Acorrentado estava incluiacutedo Aleacutem disso tomando Zeus simplesmente como
um tirano injusto e furioso tem-se a impressatildeo de que Eacutesquilo estaria indo na
contramatildeo de suas outras obras remanescentes como a trilogia Oresteia Diante disso o
estudo de Jaa Torrano sobre o Prometeu Acorrentado toca numa questatildeo importante
envolvendo o papel do Coro das Oceaninas e abre uma perspectiva interessante acerca
da justiccedila e do poder divinos dentro da trageacutedia em questatildeo Apontando para a ideia de
que Zeus dentro do pensamento miacutetico grego eacute o padratildeo absoluto de justiccedila e de que
esse entendimento estava mais de acordo com a cosmovisatildeo de Eacutesquilo Torrano
argumenta que essa trageacutedia apresenta tambeacutem o ponto de vista de Prometeu que
justamente se rebela contra o padratildeo de justiccedila dominante
A meu ver essa noccedilatildeo de verdade que estaacute no coraccedilatildeo da Oresteia de
Eacutesquilo funda e orienta o tratamento que se daacute agrave noccedilatildeo de Zeus na trageacutedia
de Eacutesquilo Prometeu Cadeeiro Trabalhando com a hipoacutetese da homologia
estrutural entre a noccedilatildeo miacutetica homeacuterica e hesioacutedica de Zeus e a noccedilatildeo
filosoacutefica platocircnica de ldquoideia do bemrdquo (t‟agathoacuten) verificamos que em toda
essa trageacutedia e especialmente na cena de Io a noccedilatildeo de Zeus ndash entendida
como o fundamento dos fundamentos e especialmente o fundamento de todo
e qualquer exerciacutecio de poder ndash eacute vista pelo lado esquerdo e eacute nessa leitura
sinistra da noccedilatildeo de Zeus que se impotildee a perspectiva que se descortina pelo
lado direito dessa mesma noccedilatildeo (TORRANO 2009 p339)
Torrano entende que Estige filha de Oceano estaacute presente dentro da trageacutedia
multiplicada no coro das Oceaninas ldquoAs Oceaninas essa multiplicaccedilatildeo de Estigerdquo
(ibidem p333) Jaa Torrano ainda escreve
Quando Zeus conclamava os imortais ao Olimpo agraves veacutesperas da
Titanomaquia aconselhada por seu pai Oceano Estige foi a primeira a
apresentar-se com seus quatro filhos [Poder Violecircncia Zelo e Vitoacuteria]
Como recompensa dessa alianccedila de primeira hora vencido o Titatilde Zeus
honrou-a fazendo dela proacutepria o ldquoGrande Juramento dos Deusesrdquo e seus
filhos residiram com ele para sempre Na ldquodescriccedilatildeo do Taacutertarordquo na
Teogonia de Hesiacuteodo no mitologema de Estige explica-se esta expressatildeo
ldquoGrande Juramento dos Deusesrdquo (theocircn meacutegas hoacuterkos T784) iacutengreme pedra
donde fria aacutegua de muitos nomes se precipita na Noite negra Cada vez que
Rixa e Briga surgem entre os imortais Zeus faz a mensageira Iacuteris buscar a
longiacutenqua aacutegua de Estige Quem a esparge pronunciando um perjuacuterio jaz
41
sem focirclego um ano inteiro sob maligno torpor depois banido por nove anos
soacute no deacutecimo frequenta de novo as reuniotildees dos Deuses Oliacutempios (T 775-
806) (TORRANO 2009 pp330)
Ao longo da trageacutedia Prometeu afirma possuir um segredo que faraacute Zeus cair de
sua posiccedilatildeo de poder O Titatilde tambeacutem alega que soacute revelaraacute essa informaccedilatildeo a Zeus se
ele o libertar daquele aviltante supliacutecio Torrano entende que Prometeu estaacute ldquoblefandordquo
ao afirmar isso e que justamente por falar uma mentira diante do coro das Oceaninas
(que seriam a Estige no ldquoGrande Juramento dos Deusesrdquo) acaba sendo punido por isso
vindo a sucumbir ao Taacutertaro
Essa interpretaccedilatildeo do sentido geral desse drama como o do grande Juramento
dos Deuses explica por que o coro de Oceaninas embora inocente de toda
acusaccedilatildeo que possa pesar sobre Prometeu no entanto se precipita no abismo
junto com ele precipita-se porque assim eacute Estige Essa precipitaccedilatildeo
demonstra que nesse drama bem como nos outros seis supeacuterstites de
Eacutesquilo Zeus eacute o transcendente fundamento da justiccedila da verdade e da
prudecircncia (TORRANO 2009 p338)
Poderemos averiguar que Torrano em sua leitura do Prometeu Acorrentado
dialoga intensamente com a obra de Hesiacuteodo Na Teogonia Estige eacute descrita como o
deacutecimo braccedilo do rio Oceano e a uacutenica de suas filhas que se precipita na Noite Negra
(vv787-9) Ainda segundo Hesiacuteodo Oceano circunda toda a Terra com seus outros
nove braccedilos (Teogonia vv789-90) Torrano tambeacutem um dos tradutores brasileiros de
Hesiacuteodo entende que Oceano seria a fronteira entre o Ser e o Natildeo Ser Mas Hesiacuteodo
natildeo eacute a uacutenica referecircncia grega que Torrano traz para dentro de sua reflexatildeo sobre o
Prometeu O Grande Juramento dos deuses tambeacutem eacute mencionado na Iliacuteada No poema
de Homero afirma-se que as divindades invocavam o Ceacuteu a Terra e as aacuteguas de Estige
quando faziam o Grande Juramento (Iliacuteada XV 34-8) Levando-se em conta que
Prometeu em sua primeira fala no drama (vv88-127) invoca o Aitheacuter (Eacuteter ldquoFulgorrdquo)
os Ventos as Fontes dos rios as Ondas marinhas a Terra e o Sol que se configurariam
como a totalidade do Ser Torrano vecirc nesses dados fortes indiacutecios de que Eacutesquilo estaria
situando a trageacutedia no Grande Juramento dos deuses Aleacutem disso o local eacute de precipiacutecio
(Prometeu v15) o que poderia sugerir a presenccedila de Estige posto que ela eacute a uacutenica
dentre as filhas de Oceano como visto que se precipita na Noite Negra Trataria-se
portanto de uma situaccedilatildeo limiacutetrofe na qual Prometeu se encontrava dentro da trageacutedia
de Eacutesquilo isto eacute entre o Ser e o Natildeo Ser
42
A proposta de Jaa Torrano eacute bastante singular haja vista a usual interpretaccedilatildeo de
considerar Prometeu como uma espeacutecie de prefiguraccedilatildeo de Cristo ou de Che Guevara
(TORRANO 1985 p23) Apesar disso entendemos que existem algumas passagens na
trageacutedia que natildeo parecem se encaixar facilmente na interpretaccedilatildeo proposta Por
exemplo Hermes foi enviado por Zeus justamente para arrancar a informaccedilatildeo de
Prometeu sob a ameaccedila de muitos males (vv944-52) atitude injustificaacutevel se tudo natildeo
passasse de um ldquobleferdquo
Em outra parte da trageacutedia Prometeu tambeacutem deu provas de sua capacidade
premonitoacuteria (vv823-77) Aleacutem disso se descer ao Taacutertaro fosse o modus operandi das
Oceaninas por que Hermes faria o seguinte alerta a elas
Mas recordai-vos do que predigo e caccediladas pela desgraccedila natildeo acuseis a sorte
nem digais que Juacutepiter vos arremessou a uma infelicidade imprevista natildeo
certamente poreacutem voacutes a voacutes mesmas pois sabendo-o nem suacutebita nem
ocultamente sereis envolvidas por insensatez na imensa rede da desgraccedila
(traduccedilatildeo de Dom Pedro II)
Embora dois dos quatro filhos de Estige estejam presentes no drama Kratos
(ldquoPoderrdquo) e Bia (ldquoViolecircnciardquo) considerar as Oceaninas como uma multiplicaccedilatildeo de
Estige eacute uma concessatildeo que o leitor daacute agrave argumentaccedilatildeo proposta por Jaa Torrano posto
que o nome ldquoEstigerdquo natildeo eacute pronunciado nenhuma vez ao longo da trageacutedia Prometeu
Acorrentado13
Se perjurar ante Estige fosse o uacutenico motivo pelo qual os deuses eram
precipitados no Taacutertaro deduzir que as Oceaninas satildeo Estige na trageacutedia em questatildeo
seria ainda mais coerente Nesse cenaacuterio hipoteacutetico poderiacuteamos recorrer ao seguinte
silogismo
1 Os deuses satildeo precipitados no Taacutertaro somente quando perjuram ante Estige
2 Prometeu foi precipitado no Taacutertaro
3 Logo Prometeu perjurou
No entanto o supracitado raciociacutenio se mostra reducionista frente a outros
dados encontrados dentro da literatura grega e inadequados para endossar a leitura que
Torrano faz Sabe-se por exemplo que Zeus poderia lanccedilar ao Taacutertaro qualquer deus
que se opusesse a seus propoacutesitos Eacute o que podemos notar numa famosa passagem do
Canto VIII da Iliacuteada na qual Zeus quando desejou equilibrar momentaneamente a
guerra em Troia ameaccedilou jogar no Taacutertaro qualquer deus que tentasse interferir nela
13 Por ser filha de Oceano mas natildeo a uacutenica como visto Estige eacute chamada de ldquoOceaninardquo ( Ὠθεαλίλε) na
Teogonia de Hesiacuteodo (v389) Estige eacute a filha mais velha de Oceano (vv775-7)
43
Na trageacutedia de Eacutesquilo Prometeu alega que o motivo pelo qual estava sofrendo
aqueles supliacutecios era sua oposiccedilatildeo aos planos de Zeus (vv231-8) e ateacute mesmo seus
inimigos confirmam isso (vv1-11)
Chegamos agrave terra remota agrave regiatildeo Cita a ermo despovoado Vulcano
cumpre cuidares das ordens que te deu o pai de ligar este malfeitor aos
rochedos alcantilados com algemas infrangiacuteveis de vinculos de accedilo Tua
chama com efeito o brilho do fogo uacutetil a todas as artes deu aos mortais
tendo-o furtado Na verdade cumpre que expie para com os deuses tal
pecado para que aprenda a venerar o poder de Juacutepiter e desista de haacutebitos
filantroacutepicos (traduccedilatildeo de Pedro II grifo nosso)
Por outro lado haacute um ponto crucial que daria forccedila agrave tese do ldquobleferdquo a
afirmaccedilatildeo feita pelo titatilde de que haveria um poder superior ao de Zeus isto eacute o poder
das Moiras (ou ldquoPartesrdquo na traduccedilatildeo de Torrano) ldquoCoro Quem eacute o timoneiro da
necessidade Prometeu Partes triformes e mecircmores Eriacutenies Coro Ora Zeus pode
menos do que elas Prometeu Natildeo escaparia agrave parte que lhe caberdquo (vv515-8 traduccedilatildeo
de Jaa Torrano) Se estiveacutessemos jogando pocircquer com Prometeu (e por certo
perderiacuteamos a natildeo ser que a filantropia do deus falasse mais alto do que a sua grandiosa
sagacidade) apostariacuteamos nossas fichas nesse ponto a questatildeo das Moiras seria o seu
blefe Pois sabemos por Hesiacuteodo que as Moiras satildeo filhas de Zeus e Thecircmis (Teogonia
vv901-6)14
e o poder delas segundo o proacuteprio Hesiacuteodo emana justamente de Zeus
ldquo[] as Partes a quem mais deu honra o saacutebio Zeus Fiandeira Distributriz e Inflexiacutevel
que atribuemAos homens mortais os haveres de bem e de mal (vv904-6 traduccedilatildeo de
Jaa Torrano) Ora se o poder das Moiras adveacutem do proacuteprio Zeus como elas teriam
poder sobre ele15
Prometeu tambeacutem afirmou que estava sofrendo injustamente
(v1093) mas em relaccedilatildeo a que padratildeo ele se refere se era Zeus que pelo menos
aparentemente dava a uacuteltima palavra Pois se dissermos por exemplo que uma linha eacute
ldquotortardquo assim o fazemos por contraposiccedilatildeo agrave ideia de uma linha que eacute reta a qual nos
serve como paracircmetro No iniacutecio da trageacutedia mesmo a contragosto Prometeu confessa
que o filho de Cronos embora aacutespero ldquotem a justiccedila junto de sirdquo (vv186-7) Diante
disso sugerimos o seguinte raciociacutenio
1 Os deuses sucumbiam ao Taacutertaro se natildeo respeitassem os propoacutesitos de Zeus eou
perjurassem diante de Estige
2 Prometeu sucumbiu ao Taacutertaro
14
Em Hesiacuteodo as Moiras tambeacutem satildeo descritas como filhas da Noite (Teogonia vv217-9) 15 No entanto Zeus natildeo poupou seu proacuteprio filho Sarpeacutedon da morte decretada pelas Moiras embora
quisesse (Iliacuteada XVI 436-49)
44
3 Logo ele se opocircs aos propoacutesitos de Zeus eou perjurou diante de Estige
Em suma se as Oceaninas satildeo uma multiplicaccedilatildeo de Estige como sugere
Torrano entatildeo eacute bastante provaacutevel que Eacutesquilo estivesse situando seu drama no
ldquoGrande Juramento dos deusesrdquo Se assim natildeo for Prometeu natildeo perjurou mas
unicamente mentiu acerca da soberania divina (pois todo perjuacuterio eacute uma mentira mas
nem toda mentira eacute um perjuacuterio) As inverdades proferidas pelo titatilde seriam indiacutecios de
sua relutacircncia em aceitar a soberania do novo Rei dos Venturosos como ele mesmo
afirma agraves Oceaninas ldquoVenera invoca lisongea quem ainda agora impera Juacutepiter
importa-me menos que nada Obre impere neste curto tempo como queira pois natildeo
governaraacute os deuses muito tempordquo (Traduccedilatildeo de Dom Pedro II) Aleacutem disso o efeito
traacutegico seria ainda mais potencializado nesse sentido pois as Oceaninas sofreriam natildeo
por serem maacutes mas por um erro de decisatildeo (ARISTOacuteTELES Poeacutetica1452 b) ao se
oporem a Zeus devido agrave grande comiseraccedilatildeo que sentiram pelo titatilde encadeado Por natildeo
terem dado atenccedilatildeo ao ultimato de Hermes foram lanccediladas juntamente com Prometeu
no Taacutertaro
Embora natildeo possamos afirmar com certeza que o Prometeu Acorrentado situa-
se no ldquoGrande Juramento dos deusesrdquo a leitura proposta por Torrano tem a virtude de
nos instigar a olhar com mais atenccedilatildeo para aspectos pouco cogitados do Prometeu
Acorrentado Eacute uma leitura rica em conexotildees com outras referecircncias dentro da literatura
grega e seu repertoacuterio de imagens Diante de sua abordagem a possibilidade de que
Eacutesquilo quisesse demonstrar pelo seu drama que contra Zeus ningueacutem pode triunfar
mesmo que esse opositor seja um simpaacutetico filantropo torna-se ainda mais forte
Pode-se notar por meio dos exemplos apresentados que a transmissatildeo de um
texto literaacuterio via traduccedilatildeo eacute uma atividade complexa e rica em debate reflexotildees e
posicionamentos Atividade em que os esforccedilos individuais de cada tradutor contribuem
para lanccedilar luz sobre questotildees desconsideradas trazendo soluccedilotildees ou suscitando pontos
a serem pensados com mais profundidade Eacute praticamente impossiacutevel que uma uacutenica
traduccedilatildeo abarque todo o potencial de sentido e efeito esteacutetico que uma obra literaacuteria
original possui
Quem herda uma liacutengua possui muito mais do que eacute dos outros do que de si
proacuteprio mesmo que natildeo tenha consciecircncia disso Revisitar a tradiccedilatildeo eacute uma
possibilidade que o tradutor tem de tomar consciecircncia daquilo que recebeu e transmitiu
45
(consciente ou inconscientemente) agrave sua geraccedilatildeo e tambeacutem daquilo que doou de si
proacuteprio numa contribuiccedilatildeo para o avanccedilo em pontos natildeo alcanccedilados pelos seus
precedentes ou ateacute mesmo pelos seus contemporacircneos
Em todo ato de comunicaccedilatildeo entre falantes de uma mesma liacutengua ocorre o
esforccedilo de interpretaccedilatildeo e transmissatildeo do que foi dito ou escrito (STEINER 2005
p73) e isso eacute algo que guardadas as devidas proporccedilotildees eacute bastante semelhante ao
proacuteprio ato de traduzir Tradutores natildeo costumam chamar muito a atenccedilatildeo satildeo como o
fermento agem silenciosamente e por isso mesmo desconfia-se que exerccedilam uma
influecircncia sutil poreacutem efetiva no sistema de uma liacutengua Se os Claacutessicos satildeo ldquolivros
que exercem uma influecircncia particular quando se impotildeem como inesqueciacuteveis e
tambeacutem quando se ocultam nas dobras da memoacuteria mimetizando-se como inconsciente
coletivo ou individualrdquo (CALVINO 2007 pp10-1) muito dessa influecircncia eacute efetivada
via tradutores Entender o trabalho destes eacute algo que pode contribuir para tambeacutem
entender a proacutepria liacutengua Talvez por isso Steiner afirmara que um estudo sobre
traduccedilatildeo eacute tambeacutem um estudo sobre a linguagem (2005 p73)
Dado a importacircncia dos tradutores para o desenvolvimento da liacutengua e da cultura
letrada de um paiacutes natildeo se poderia deixar de tecer algumas consideraccedilotildees acerca da vida
e da obra daqueles que se esforccedilaram para que o Prometeu Acorrentado fosse lido em
liacutengua portuguesa Eacute o que se pretende fazer nas proacuteximas seccedilotildees desse capiacutetulo
12 Dom Pedro II
Pedro de Alcacircntara nasceu agraves 2h30 da madrugada do dia 2 de dezembro de 1825
no Rio de Janeiro Sua matildee a Imperatriz Leopoldina morreu alguns dias depois do
primeiro aniversaacuterio de Pedro em 11 de dezembro de 1826 (CALMON 1975 p15)
Dom Pedro II faleceu em Paris em 5 de dezembro de 1891 aos 66 anos
Seu pai Dom Pedro I abdicou do trono brasileiro e voltou agrave Europa deixando
seu filho aos cuidados de tutores (CARVALHO 2007 p31) Privado de sua matildee e de
seu pai o pequeno Pedro de Alcacircntara tornou-se por assim dizer Imperador com
apenas cinco anos de idade (OLIVIERI 1999 p5) Esse primeiro choque contribuiu
para que Dom Pedro II considerasse o trono como uma espeacutecie de fardo (CARVALHO
2007) Em meio a um ambiente cheio de expectativas e de uma infacircncia sem amigos o
jovem Imperador encontrou refuacutegio nos livros
46
DPedro II era muito aplicado agraves atividades de sua educaccedilatildeo Com a idade de
nove anos dominava o Francecircs e iniciava-se na leitura e traduccedilatildeo do Inglecircs
aleacutem do Alematildeo do Latim e do Grego que eram liacutenguas indispensaacuteveis na
formaccedilatildeo de um representante da elite da eacutepoca No paccedilo de Satildeo Cristovatildeo
residecircncia imperial o herdeiro do trono recebeu liccedilotildees de Latim Loacutegica e
Matemaacutetica Religiatildeo Equitaccedilatildeo Pintura e Literatura A ele ensinavam um
pouco de tudo (SOARES et al 2013 p18)
Segundo o Baratildeo de Paranapiacaba (1907 p260) ldquoDom Pedro II tinha apenas
quinze annos e jaacute possuiacutea conhecimentos raros para sua idade adquiridos em estudo
insanordquo16
Essa rotina de estudo estaacute registrada no diaacuterio que o Imperador manteve durante
toda a sua vida Por exemplo em 4 de dezembro de 1840 quando o monarca contava 15
anos lecirc-se ldquoLevantei-me agraves horas do costume e estudarei o meu endiabrado
grego[]rdquo17
Os resultados desses estudos contudo raramente foram dados ao
conhecimento puacuteblico Ao tratar de suas produccedilotildees escritas Dom Pedro II escreve que
natildeo foram limadas para se mostrar (LYRA 1977 p93) Entre essas produccedilotildees
encontra-se a traduccedilatildeo em prosa da trageacutedia Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo da qual
eacute significativo o testemunho do diplomata francecircs Joseph Arthur de Gobineau (1816-
1882)18
Constrangido a exercer sua profissatildeo no Brasil Gobineau encontrava certo
refrigeacuterio nas palestras literaacuterias que partilhava com Pedro II aos domingos no Palaacutecio
de Satildeo Cristovatildeo Lamentava-se poreacutem que seu amigo fosse imperador pois segundo
ele Dom Pedro II possuiacutea talentos e meacuteritos demais para tal cargo (RAEDERS 1944 p
XIX) Apesar de sua estima pelo Imperador Gobineau estava cansado do Brasil e
depois de meses de insistentes pedidos ao governo francecircs conseguiu enfim a tatildeo
almejada licenccedila para voltar agrave Franccedila o que de fato ocorreu em maio de 1870
16 Ortografia original mantida
17
A transcriccedilatildeo de alguns dos diaacuterios de Dom Pedro II foi gentilmente cedida pelo Museu Imperial
localizado em Petroacutepolis Rio de Janeiro O trecho citado foi tirado dessa transcriccedilatildeo O trabalho de
transcriccedilatildeo dos diaacuterios do Imperador foi organizado por Begonha Bediaga e publicado no livro Diario do
Imperador DPedro II 1840-1890 Petroacutepolis Museu Imperial 1999
18
Gobineau filoacutesofo e escritor exerceu funccedilotildees diplomaacuteticas no Brasil entre 1869-1870 quando se
aproximou do ciacuterculo do Imperador Tornou-se mais conhecido pela publicaccedilatildeo do livro ldquoEnsaio sobre a
desigualdade das raccedilas humanasrdquo (1855) em que defendia teorias de cunho racista Tambeacutem foi autor de
uma vasta obra literaacuteria que inclue romance e poesia de ensaios de natureza histoacuterica e filoloacutegica como
por exemplo Traiteacute des eacutecritures cuneacuteiformes (1864)
47
Antes da partida de Gobineau Pedro de Alcacircntara lhe revelou o propoacutesito de
fazer uma traduccedilatildeo da famosa trageacutedia de Eacutesquilo Deste entatildeo o diplomata francecircs
passou a incentivaacute-lo a fazecirc-la em versos Mas Dom Pedro II ainda estava entregue agraves
preocupaccedilotildees acerca da longa e cruenta Guerra do Paraguai que soacute chegou ao fim
depois da morte do ditador Solano Loacutepez em marccedilo de 1870 (RAEDERS 1938 p17)
Talvez o choque entre uma monarquia constitucional e uma ditadura em efetiva
expansatildeo tenha suscitado no Imperador o interesse pelo Prometeu Acorrentado Em
geral suas traduccedilotildees eram de cunho pessoal muitas vezes suscitadas por discussotildees e
reflexotildees entre ele e pessoas de sua confianccedila (SOARES et al 2013 pp25-6 DAROS
2012 p240)
Com o fim da guerra Pedro de Alcacircntara escreve a Gobineau afirmando que iria
retomar seu projeto de traduzir o Prometeu Acorrentado e um dos livros da Biacuteblia no
caso o do profeta Isaiacuteas Gobineau responde em 7 de janeiro de 1871 (a traduccedilatildeo do
Prometeu ficaria pronta em 14 de abril do mesmo ano) ldquoA intenccedilatildeo que Vossa
Majestade tem de continuar as duas traduccedilotildees de Isaiacuteas e de Prometeu me causa um
prazer extremordquo (apud RAEDERS 1938 p34) Mas antes em 7 de agosto de 1870
(alguns meses depois da queda de Solano Loacutepez) Gobineau jaacute havia escrito ldquoTerei em
breve a honra de vos enviar senhor algumas notas para o Prometeu que eu bem quisera
ver terminado em versos Seria um lindo monumento e a ele dou grande importacircnciardquo
(ibidem pp21-2)
Apesar de todos os rogos de seu amigo francecircs Dom Pedro II decidiu fazer uma
traduccedilatildeo em prosa da trageacutedia que fora originalmente composta em versos Teimosia
imperiacutecia poeacutetica ou simplesmente prudecircncia O que teria feito Dom Pedro II tomar
essa decisatildeo Gostariacuteamos de tecer e apresentar algumas hipoacuteteses a esse respeito
No texto As versotildees Homeacutericas (1994 p 72) Jorge Luis Borges afirma que
O conceito de texto definitivo natildeo corresponde senatildeo agrave religiatildeo ou ao
cansaccedilo A supersticcedilatildeo da inferioridade das traduccedilotildees ndash cunhada pelo
conhecido adaacutegio italiano ndash procede de uma experiecircncia desatenta Natildeo
existe um bom texto que natildeo pareccedila invariaacutevel e definitivo se o percorrermos
um nuacutemero suficiente de vezes
Por outro lado o mesmo Borges confessa que agraves vezes se deixava levar pela tatildeo
inconveniente ldquosupersticcedilatildeordquo da inferioridade das traduccedilotildees em relaccedilatildeo agrave obra traduzida
48
Natildeo sei se a seguinte informaccedilatildeo seria boa para uma divindade imparcial Em
un lugar de la Mancha de cuyo nombre no quiero acordarme no ha mucho
tiempo que vivia um Hidalgo de los de lanza en astillero adarga antigua
rociacuten flaco y galgo corredor sei unicamente que toda a modificaccedilatildeo eacute
sacriacutelega e que natildeo posso conceber um outro iniacutecio para o Quijote Cervantes
creio eu prescindiu dessa leve supersticcedilatildeo e talvez natildeo tivesse identificado
esse paraacutegrafo Em contrapartida eu natildeo poderei senatildeo repudiar qualquer
divergecircncia DQuixote devido ao meu exerciacutecio congecircnito do espanhol eacute
um monumento uniforme sem outras variaccedilotildees que aquelas apresentadas
pelo editor pelo encadernador e pelo tipoacutegrafo Quanto agrave Odisseacuteia graccedilas ao
meu oportuno desconhecimento do grego eacute uma biblioteca internacional de
obras em prosa e em verso [](BORGES1994 p72 grifo do autor)
Poreacutem Pedro de Alcacircntara natildeo era desconhecedor do idioma grego como Jorge
Luis Borges E por isso mesmo paradoxalmente correria um maior risco de ldquocontrairrdquo a
supersticcedilatildeo do Traduttore Traditore alegada por Borges pois ldquotoda a modificaccedilatildeo eacute
sacriacutelegardquo para quem conhece bem a liacutengua original de uma obra Essa hipoacutetese natildeo nos
pareceraacute estapafuacuterdia se considerarmos as traduccedilotildees feitas por Dom Pedro II de poesias
escritas em liacutenguas modernas e suas tentativas agraves vezes obstinadas de manter a
estrutura presente nos originais Conforme observa Daros a respeito das traduccedilotildees de
Dante feitas pelo Imperador
A microanaacutelise das traduccedilotildees assinala a tendecircncia de Dom Pedro em manter
similaridade com as caracteriacutesticas do original do qual traduzia ou seja
mantinha com este uma relaccedilatildeo formal procurando conservar-lhe o
conteuacutedo tal como se apresentava observando a disposiccedilatildeo espacial da
meacutetrica e sempre que possiacutevel a sonoridade da rima (DAROS 2012 p240)
No entanto a traduccedilatildeo jaacute eacute em si uma modificaccedilatildeo uma espeacutecie de ldquoreescritardquo
(LEFEVERE 2007) e as dificuldades de Dom Pedro II aumentavam ainda mais quando
se tratava de uma obra poeacutetica escrita em liacutengua grega
Sendo o ritmo do verso o resultado de certa forma de junccedilatildeo de palavras de
acordo com as leis de versificaccedilatildeo conclui-se que o pensamento poeacutetico
exposto num certo idioma e cujas palavras tecircm seu feitio socircnico proacuteprio natildeo
pode reproduzir senatildeo por acaso o mesmo ritmo de traduccedilatildeo para outro
idioma A dificuldade cresce na medida das diferenciaccedilotildees dos idiomas (DE
CARVALHO 1991 p137)
Eis o dilema enfrentado pelo douto tradutor ele eacute o mais capacitado a traduzir
pois conhece bem a liacutengua original mas justamente devido a essa familiaridade com a
liacutengua da obra a ser traduzida ele hesita titubeia pois a modificaccedilatildeo do original pode
lhe parecer uma profanaccedilatildeo uma ldquomodificaccedilatildeo sacriacutelegardquo Nesse caso segundo
49
Amorim de Carvalho (1991 p138) a traduccedilatildeo em prosa ldquoeacute a mais faacutecil a favor da
fidelidade ao pensamento poeacuteticordquo Amorim de Carvalho tambeacutem afirma que um
tradutor pode escolher entre duas disposiccedilotildees numa traduccedilatildeo em prosa
1ordf Usar a vulgar disposiccedilatildeo graacutefica da prosa isto eacute sem as linhas
independentes dos respectivos versos no original por natildeo haver na traduccedilatildeo
obtida elementos manifestos e intencionais de divisotildees riacutetmicas
2ordf Manter a disposiccedilatildeo graacutefica dos versos em linhas de prosa independentes
(ldquoversos livresrdquo) para facilitar o confronto o que eacute um processo didaacutetico
interessante (ibidem p137)
Para esse autor a traduccedilatildeo em ldquoversos livresrdquo eacute uma espeacutecie de prosa jaacute que
nesse tipo de traduccedilatildeo natildeo haacute uma preocupaccedilatildeo especial com o ritmo e a melodia dos
versos (ibidem pp137-141)19
E de fato geralmente as traduccedilotildees chamadas
ldquoacadecircmicasrdquo optam pela disposiccedilatildeo em linha natildeo por uma preocupaccedilatildeo esteacutetica mas
sim ldquopara facilitar o confronto o que eacute um processo didaacutetico interessanterdquo (ibidem
p138)
Pode estar aiacute a razatildeo de Dom Pedro II ter escolhido a prosa em vez do verso
Apesar de seu apreccedilo pela arte e pela literatura suas aspiraccedilotildees linguiacutesticas prevaleciam
sobre as poeacuteticas Para ele a traduccedilatildeo era um meio privilegiado de leitura hermenecircutica
e heuriacutestica Parece que seu objetivo principal quando traduzia era o entendimento
profundo do proacuteprio texto e da liacutengua que fora escrito mais do que o anseio por criar
uma obra de arte e ser reconhecido por causa dela anseio que possuiacutea mas natildeo
prevalecia (DAROS 2012 p237-40) Por outro lado caso Dom Pedro II realmente
intentasse fazer uma traduccedilatildeo poeacutetica em versos mesmo com a impossibilidade de
reproduzir os efeitos riacutetmicos e sonoros do original uma possibilidade teria sido tentar
aplicar ao pensamento poeacutetico de Eacutesquilo um ritmo e melodia diferentes como fez
muitas vezes Castilho traduzindo Moliegravere (DE CARVALHO 1991 p141)
19 Olavo Bilac afirmou que ldquotemos na liacutengua portuguesa versos de duas ateacute doze siacutelabasrdquo (1905 p76)
Excedendo-se essa margem entraria-se no domiacutenio do ldquoverso livrerdquo Por outro lado vale a pena lembrar
que o proacuteprio Bilac compocircs o poema ldquoCantilenardquo utilizando versos de 14 siacutelabas Embora o poema de
Bilac natildeo estivesse de acordo com o limite de nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas estabelecido pela metrificaccedilatildeo
portuguesa tradicional para um verso seus efeitos sonoros poreacutem revelam a construccedilatildeo do ritmo por
parte do autor Tambeacutem para Manuel Bandeira (1997 p536) ldquoDesde que o poeta prescinde do apoio
riacutetmico fornecido pelo nuacutemero fixo de siacutelabas penetra no domiacutenio do verso livre o qual em sua extrema
liberaccedilatildeo isto eacute quando natildeo se socorre de nenhum apoio riacutetmico poderia confundir-se com a prosa
riacutetmica se natildeo houver nele a unidade formal interior aquilo que de certo modo o isola no contexto
poeacuteticordquo Diante das opiniotildees desses dois autores a afirmaccedilatildeo de Amorin de Carvalho pode parecer um
tanto quanto reducionista embora nos sirva como ponto de partida para a problematizaccedilatildeo dessa questatildeo
que seraacute mais aprofundada ao longo das anaacutelises das traduccedilotildees presentes nesse capiacutetulo e no seguinte
50
A forma extrema de recurso dentro da traduccedilatildeo em verso seraacute a chamada
traduccedilatildeo livre o pensamento poeacutetico eacute aqui tratado e ateacute desenvolvido numa
expressatildeo verbal e riacutetmica liberta das preocupaccedilotildees comuns da fidelidade da
traduccedilatildeo Eacute uma criaccedilatildeo pessoal com um tema emprestado (ibidem p140)
Eacute o que foi empreendido pelo Baratildeo de Paranapiacaba em suas duas versotildees
poeacuteticas do Prometeu Acorrentado (1907) Por outro lado acreditamos que a traduccedilatildeo
livre seria uma empreitada difiacutecil de ser realizada por um tradutor com o perfil de Dom
Pedro II embora as traduccedilotildees em versos empreendidas pelo Imperador e publicadas
originalmente no livro Poesias originais e traduccedilotildees Petroacutepolis 1889 demonstrem a
grande habilidade poeacutetica que o Imperador possuia Portanto sua recusa em traduzir em
versos a antiga trageacutedia grega natildeo estaacute ligada agrave incapacidade de versificar mas a esse
objeto especiacutefico o Prometeu Pois como jaacute mencionado suas preocupaccedilotildees com a
fidelidade ao sentido original prevaleciam em sua praacutetica tradutoacuteria Eacute o que se pode
deduzir por meio de algumas de suas anotaccedilotildees feitas no exemplar da traduccedilatildeo da
Divina Comeacutedia de Dante Alighieri empreendida pelo presidente argentino Bartolomeacute
Mitre ldquoEu teria mais respeito a Danterdquo ldquoEu natildeo quis melhorar Dante em minha
traduccedilatildeordquo ldquoSeria melhor traduzir com a simplicidade do originalrdquo ldquotraduccedilatildeo natildeo eacute
comentaacuteriordquo (apud DAROS 2019 pp234-5 280)
Talvez o olhar culto e atencioso de amigos estrangeiros o ajudasse a transpor os
obstaacuteculos que lhe impediam de se aventurar numa traduccedilatildeo livre Entre esses amigos
como jaacute mencionamos estava Gobineau que natildeo se intimidava pelo fato de Pedro de
Alcacircntara ser imperador (DAROS 2012 p237) No entanto mesmo que Dom Pedro II
mudasse de intuito e procurasse fazer uma versatildeo poeacutetica do Prometeu a partir de sua
traduccedilatildeo em prosa esse intento seria desestimulado com a morte do principal
interessado numa versatildeo poeacutetica em versos Gobineau falecido em 1882 E de fato
Dom Pedro II mesmo depois da morte do diplomata francecircs natildeo esquecera de todo o
pedido feito por seu amigo pois como visto em 1889 solicitou a Joatildeo Cardoso de
Menezes o Baratildeo de Paranapiacaba que fizesse uma versatildeo poeacutetica do Prometeu
Acorrentado a partir de sua traduccedilatildeo em prosa
Nos anos iniciais da Repuacuteblica Brasileira quem demonstrasse publicamente
simpatia pelo Imperador deposto corria o risco de sofrer retaliaccedilotildees por parte do
governo provisoacuterio Foi o que aconteceu com Carlos de Laet que foi exonerado de seu
cargo de professor por ter se oposto agrave mudanccedila de nome do Coleacutegio Pedro II para o
nome ldquoInstituto Nacional de Instruccedilatildeo Secundaacuteriardquo (MAURICEacuteA FILHO 1972
51
pp211-3) O Baratildeo de Paranapiacaba era considerado um monarquista convicto
(ABRANTES 1978 p172-3) talvez por isso ele tenha demorado quase 10 anos para
empreender a versatildeo poeacutetica solicitada pelo Imperador esperando condiccedilotildees mais
favoraacuteveis e evitando possiacuteveis retaliaccedilotildees Se Dom Pedro II natildeo tivesse sido banido do
Brasil em 1889 provavelmente as versotildees poeacuteticas feitas pelo Baratildeo seriam analisadas e
limadas no grupo de estudos que Pedro de Alcacircntara liderava (PARANAPIACABA
1907 pp192-3) No entanto o que poderia ter acontecido ou o que poderia acontecer
como escreveu Aristoacuteteles (Poeacutetica 1451b) eacute poesia natildeo histoacuteria
13 Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba
Em seu livro Vida e Obra de Olavo Bilac Fernando Jorge (1992 pp130-1)
conta-nos que o jornalista e orador abolicionista Joseacute do Patrociacutenio encomendara uma
traduccedilatildeo de um romance folhetim francecircs a Emiacutelio Roueacutede colaborador do jornal
Cidade do Rio Emiacutelio aceitou o trabalho poreacutem logo foi vencido pela indolecircncia e
esquivando-se da tarefa pediu a Guimaratildees Passos para fazer a traduccedilatildeo acertando um
determinado valor e guardando para si certa quantia Logo Guimaratildees tambeacutem desistiu
da tarefa e acabou passando o trabalho para o poeta Coelho Neto negociando outro
valor e tambeacutem guardando uma parte do dinheiro para si Coelho Neto por sua vez
achou o trabalho tedioso e transferiu a incumbecircncia a Olavo Bilac por um valor bem
menor e tambeacutem guardando uma parte do dinheiro para si Esse regime funcionou
durante algum tempo sem que cada um soubesse senatildeo daquele com quem acertou o
pagamento Fernando Jorge continua narrando o caso
Entretanto certo dia Bilac descobriu o caso
- Verifico que tenho por cima de mim trecircs parasitas ndash exclamou o poeta
E indignado resolveu vingar-se No romance havia certo trecho onde um
personagem em hora avanccedilada da noite invadia o quarto de uma mocinha a
fim de violentaacute-la Bilac natildeo modificou o texto Traduziu tudo de forma fiel
Poreacutem no momento em que o luar mostrava a fisionomia do bandido ele
escreveu
ldquoEra o Baratildeo de Paranapiacabardquo
O baratildeo que se chamava Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza era um velho
respeitaacutevel Foi diretor do Tesouro Nacional deputado pela proviacutencia de
Goiaacutes membro do Conselho de DPedro II diretor em Pernambuco da
Caixa Filial do Banco do Brasil autor de memoacuterias econocircmicas e poliacuteticas
tradutor de Byron Lamartine La Fontaine e Eacutesquilo
Aleacutem de ser uma reliacutequia do Impeacuterio esse homem circunspecto mantinha
amizade com Patrociacutenio O grande orador popular ficou exasperado Exigiu
uma explicaccedilatildeo de Roueacutede Este lanccedilou a culpa em Guimaratildees Passos E
assim cada qual ia transferindo a responsabilidade Ao chegar a vez de Bilac
52
ele teve de confessar a autoria da brincadeira protestando contra a
parasitagem dos que exploravam o seu trabalho (JORGE 1992 pp130-1)
O caso aleacutem de ser cocircmico suscita algumas questotildees interessantes sobre a
praacutetica tradutoacuteria Traduzir pode se tornar uma tarefa morosa que exige certa disciplina
de quem a exerce Quando a autoria do tradutor natildeo eacute valorizada a traduccedilatildeo acaba
sendo vista apenas por uma oacutetica meramente instrumental e pragmaacutetica A remuneraccedilatildeo
paga natildeo possibilitava aos autores se dedicarem somente a esse ofiacutecio Segundo Joseacute
Paulo Paes (1990 p25) ldquoeacute somente no seacuteculo XX sobretudo a partir dos anos 30 que
comeccedila a se criar no Brasil as condiccedilotildees miacutenimas de ordem material e social
possibilitadoras do exerciacutecio da traduccedilatildeo literaacuteria como atividade profissional ainda que
as mais das vezes subsidiaacuteriardquo Monteiro Lobato citado por Paes (ibidem pp26-7)
afirma
ldquoO povo que natildeo possui tradutores torna-se povo fechado pobre indigenterdquo
[Lobato] queixava-se do descaso desse ldquoincomensuraacutevel paquiderme de mil
ceacuterebros e orelhas a que chamamos puacuteblicordquo o qual ldquonunca tem o menor
pensamento para o maacutertir que estupidamente se sacrifica para que ele possa
ler em liacutengua sua uma obra-prima gerada em idioma estrangeirordquo
Antes do tempo de Lobato figuras como o Baratildeo de Paranapiacaba publicavam
suas traduccedilotildees natildeo porque jaacute existia um mercado pelo qual poderiam granjear um
retorno financeiro imediato mas por uma espeacutecie de diletantismo como uma atividade
paralela agraves de subsistecircncia E isso natildeo ocorria apenas aos tradutores O proacuteprio Dom
Pedro II havia patrocinado algumas das obras dos poetas romacircnticos brasileiros da
segunda metade do seacuteculo XIX como por exemplo A Confederaccedilatildeo dos Tamoios de
Joseacute Gonccedilalves de Magalhatildees obra que envolveu o Imperador numa querela literaacuteria
com Joseacute de Alencar (ABRANTES 1978 p85)
Em sua brincadeira Olavo Bilac cita o nome do tradutor que doravante estaraacute no
foco dessa seccedilatildeo Joatildeo Cardoso de Menezes e Souza o Baratildeo de Paranapiacaba nascido
na cidade de Santos em 25 de abril de 1827 e falecido no Rio de Janeiro em 2 de
fevereiro de 1915 aos 87 anos
Joatildeo Cardoso ingressou na Academia de Ciecircncias Sociais e Juriacutedicas de Satildeo
Paulo em 1844 com a idade de 16 anos Embora a criacutetica o considerasse um ldquomediacuteocre
tradutor de Lamartine e La Fontaine e responsaacutevel por uma horrenda modernizaccedilatildeo e
simplificaccedilatildeo de Os Lusiacuteadasrdquo (PAES 1990 p18) algum talento poeacutetico viu nele o
professor e diretor da Academia de Ciecircncias Sociais e Juriacutedicas de Satildeo Paulo Joseacute
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Maria de Avellar Brotero pois sabendo que o Imperador Dom Pedro II faria uma visita
agrave Academia fez o seguinte convite a Joatildeo Cardoso
- Prepare-se para amanhatilde ao meio dia na ocasiatildeo em que o Imperador
estiver de visita na Academia ir beijar-lhe a matildeo e saudaacute-lo com poesia de
sua lavra Natildeo quero objeccedilotildees ndash acrescentou o bom velho que sempre o
acolhia gracejando Vaacute brilhar porque sei que o pode querendo Ateacute amanhatilde
meu menino (ABRANTES 1978 p63)
Chegando o dia marcado Joatildeo Cardoso viu-se diante do Imperador do Brasil
que se encontrava sentado em um trono improvisado O jovem comeccedilou a recitar o seu
poema com voz trecircmula de emoccedilatildeo mas pouco a pouco foi se firmando Tendo
terminado a leitura de seu poema Joatildeo Cardoso se inclinou e ia se retirar mas
O Imperador chamando-o pediu-lhe o papel em que escrevera os versos
- Eacute um borratildeo informe Senhor ndash disse-lhe Joatildeo Cardoso Permita-me Vossa
Magestade que eu o passe a limpo
- Natildeo ndash replicou-lhe o Imperador estendendo a matildeo e sorrindo - decirc-me
assim mesmo como estaacute
Depois das homenagens que lhe prestaram no dia 3 de marccedilo DPedro voltou
agrave Academia nos dias 6 e 9 para assistir aos exames dos alunos o que era de
seu agrado com ares de professor indulgente (ABRANTES 1978 pp65-6)
Depois desse evento Joatildeo Cardoso conseguiu recitar outro poema para o
Imperador no Teatro do Largo do Coleacutegio depois de vencer a oposiccedilatildeo dos oficiais
encarregados de fiscalizar o espetaacuteculo que Dom Pedro II estava assistindo (ibidem
p67) Demoraria muito tempo para os dois se encontrarem novamente
Em 1848 Joatildeo Cardoso forma-se Bacharel em direito e aprovado em concurso
assume um cargo de professor de Histoacuteria e Geografia em Taubateacute interior de Satildeo
Paulo Em certa ocasiatildeo o deputado Bernardo de Souza Franco disse-lhe que esperava
encontrar-lhe na vida puacuteblica Joatildeo Cardoso respondeu-lhe que julgava bem se contentar
com seu cargo de professor em Taubateacute Souza Franco retruca-lhe ldquoQual Tenha feacute Eacute
muito limitado o horizonte em que vive Ateacute o Rio de Janeirordquo (ibidem p78) Passados
alguns anos em 1852 Joatildeo Cardoso de Menezes pede uma licenccedila de trecircs meses e se
dirige ao Rio de Janeiro entatildeo centro do Brasil e nunca mais reassume seu cargo de
professor
Sustentando-se como advogado em 1853 tenta se aproximar novamente do
Imperador conseguindo por fim entregar-lhe um exemplar de seu primeiro livro de
poesias Harpa Gemedora Dom Pedro II diz ao vecirc-lo novamente ldquoJaacute o havia
conhecido Lembro-me perfeitamente de seus recitativos de um dos quais conservo o
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borratildeordquo (ibidem p81) desde esse dia como natildeo voltasse ao Paccedilo de Satildeo Cristovatildeo
Joatildeo Cardoso somente via o Imperador nos teatros sem lhe atrair a atenccedilatildeo Mas essa
situaccedilatildeo mudaria devido a um artigo que Joatildeo Cardoso de Menezes publicaria no
Correio Mercantil acerca do pregador catoacutelico Monte Alverne
Frei Francisco do Monte Alverne era professor de Filosofia e Retoacuterica Tendo
ficado cego em 1836 afastou-se da cadeira de Filosofia e do puacutelpito por dezoito anos
vivendo recluso em uma cela solitaacuteria do Convento de Santo Antocircnio Em 1854 Dom
Pedro II pediu-lhe que pregasse na Capela Imperial provavelmente impressionado com
a publicaccedilatildeo das suas obras oratoacuterias no ano anterior (CANDIDO amp CASTELLO 1973
pp234-5) Tambeacutem por ordem de Dom Pedro II o eloquente pregador recebera uma
cadeira estofada que pertencera ao Padre Anchieta (ABRANTES 1978 p83) Joatildeo
Cardoso de Menezes conseguiu um lugar na Capela Imperial para ouvir o tatildeo esperado
sermatildeo Em suas palavras
O que foi esse sermatildeo soacute pode dizecirc-lo quem ouviu Monte Alverne ao
vacilante claratildeo dos ciacuterios sagrados em arroubo sublime gesticulaccedilatildeo
eneacutergica olhar como que imergido no horizonte do Infinito e voz que
parecia um eco de outro mundo proferir aquelas palavras ldquoEacute tarde Eacute muito
tarderdquo Calafrio eleacutetrico correu pelas veias do auditoacuterio que mudo nem
pestanejava (ABRANTES 1978 p82)
Na tarde de 20 de outubro de 1854 Joatildeo Cardoso entregou um artigo que
escrevera sobre o sermatildeo para o Correio Mercantil Esse artigo granjeara bastante
sucesso na eacutepoca e por muitos anos fez parte de um livro de leitura escolar O proacuteprio
Monte Alverne natildeo demorou em visitaacute-lo agradecendo-lhe comovido (ibidem p83)
tambeacutem Dom Pedro II provavelmente lera o artigo
Passados dois anos em 1856 foi publicado a Confederaccedilatildeo dos Tamoios do
poeta Gonccedilalves de Magalhatildees obra patrocinada pelo Imperador Joseacute de Alencar foi
um dos primeiros leitores do poema e fez duras criacuteticas em oito cartas publicadas no
Diaacuterio do Rio sob o pseudocircnimo de ldquoIgrdquo tirado das primeiras letras do nome Iguaccedilu
uma das personagens do poema Arauacutejo Porto Alegre logo procurou rebatecirc-lo por meio
das colunas do Correio da Tarde utilizando o pseudocircnimo ldquoO Amigo do Poetardquo Por
uacuteltimo o proacuteprio Imperador resolveu entrar na polecircmica sob o pseudocircnimo de ldquoOutro
Amigo do Poetardquo publicando uma defesa do poema no Jornal do Comeacutercio defesa essa
soacute mais tarde identificada quando o Dr Manoel Barata descobrira o manuscrito o qual
presenteou ao Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro Mas os esforccedilos de Dom
Pedro II em defesa do poema natildeo se resumiram a esse manuscrito O Imperador tambeacutem
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enviou o meacutedico do palaacutecio Dr Tomaacutes Gomes dos Santos para encontrar Joatildeo Cardoso
de Menezes O meacutedico estava portando um exemplar de a Confederaccedilatildeo dos Tamoios e
disse ao futuro baratildeo
Sabe o que eacute isto ndash foi perguntando a Joatildeo Cardoso Eacute um exemplar da
ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo que o Imperador lhe manda para que o leia e
se habilite a defender o nosso amigo Magalhatildees dos ataques injustificaacuteveis
que o Alencar e natildeo sei quem mais estatildeo fazendo a este belo poema de
predileccedilatildeo imperial Eu natildeo sabia que o senhor era apreciado a este ponto
pelo homem Ele mesmo disse-me que soacute o senhor podia ser o general
triufante desta guerra Aiacute deixo o livro Sei que natildeo se recusaraacute agrave
incumbecircncia pois eacute prova de alto valor que liga a seu talento e agrave sua
proficiecircncia o chefe de Estado (ABRANTES 1978 p86)
Nesta eacutepoca Joatildeo Cardoso estava ligado por laccedilos de amizade a Joseacute de Alencar
inclusive sendo um dos primeiros leitores de Iracema (ibidem p86) Por isso se
desculpou e mandou avisar o Imperador que natildeo poderia ajudar nessa empreitada
Depois Dom Pedro II louvou o ato de lealdade de Joatildeo Cardoso (ibidem p86) Naquele
mesmo ano o nome de Joatildeo Cardoso foi lembrado para um importante cargo puacuteblico
Depois da nomeaccedilatildeo Cardoso de Menezes se dirigiu ao palaacutecio para agradecer
pessoalmente a Dom Pedro O Imperador fez uma alusatildeo agrave ldquoinfecundidade da musardquo de
seu visitante que segundo supunha o proacuteprio Joatildeo Cardoso iria ficar completamente
esterilizada pela papelada do cargo que assumira (ibidem p87)
Depois de Joatildeo Cardoso de Menezes ocupar sucessivos cargos no governo Dom
Pedro II concede-lhe o tiacutetulo de Baratildeo em 1883
DOM PEDRO por Graccedila de Deus e Unacircnime Aclamaccedilatildeo dos Povos
Imperador Constitucional e Defensor Perpeacutetuo do Brasil faccedilo saber aos que
esta CARTA virem que querendo distinguir e honrar o Sr Joatildeo Cardoso de
Menezes e Souza hei por bem fazer-lhe mercecirc do tiacutetulo de Baratildeo de
Paranapiacaba E quero e mando que o dito dr Joatildeo Cardoso de Menezes e
Souza d‟aqui em diante se chame Baratildeo de Paranapiacaba e que o referido
tiacutetulo goze de todas as honras privileacutegios isenccedilotildees liberdades e franquezas
que hatildeo e tecircm e de que usam e sempre usaram os barotildees e que de direito lhe
pertencerem E por firmeza de tudo o que dito eacute lhe mandei dar esta Carta por
mim assinada a qual seraacute selada com as Armas Imperiais
Dada no Palaacutecio do RIO DE JANEIRO em 8 de maio de mil oitocentos e
oitenta e trecircs sexageacutesimo primeiro da Independecircncia e do Impeacuterio (apud
ABRANTES 1978 pp118-9)
Jaacute que tratamos de alguns pontos importantes da biografia do Baratildeo passaremos
a discorrer sobre as duas versotildees poeacuteticas do Prometeu Acorrentado de sua autoria
Natildeo se pode negar a grande importacircncia do ensaio de Haroldo de Campos ldquoO
Prometeu dos Barotildeesrdquo (1997) para o estudo da recepccedilatildeo dos Claacutessicos em nosso paiacutes
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Segundo Paula da Cunha Correcirca esse ensaio resgata uma importante linhagem de
traduccedilatildeo de trageacutedia grega no Brasil (CORREcircA 1999 p173) Em seu texto Haroldo
procura reabilitar tanto o Baratildeo de Paranapiacaba quanto o Baratildeo de Ramiz
considerando a traduccedilatildeo deste uacuteltimo ldquomuito mais decidida e cabalmente na vertente
bdquotranscriadora‟ inaugurada entre noacutes por Odorico Mendesrdquo (CAMPOS 1997 p249)
Mas acerca das versotildees de Paranapiacaba Haroldo afirma
Do Prometheus Desmoacutetes deu-nos Cardoso de Menezes dois ldquotrasladosrdquo
Um deles em versos rimados eacute um equiacutevoco um malogro O outro que teraacute
aparentemente servido de base aos baldados e titubeantes esforccedilos de rima do
primeiro citado estaacute vazado em versos brancos (soltos) com predominacircncia
do decassiacutelabo Este oferece por vezes surpreendentes soluccedilotildees que devem
ser garimpadas em meio a outros tantos trechos malsucedidos []
(CAMPOS 1997 p237)
Em seu ensaio Haroldo de Campos faz uma seleccedilatildeo de passagens da versatildeo em
versos brancos que considerava de maior qualidade e afirma que as soluccedilotildees dessa
versatildeo ldquodevem ser garimpadas em meio a outros tantos trechos malsucedidosrdquo Quanto
agrave outra versatildeo Haroldo afirma que ela eacute ldquoum equiacutevoco um malogrordquo20
Em outra perspectiva pretende-se na presente seccedilatildeo evidenciar alguns aspectos
que consideramos relevantes na versatildeo poeacutetica em que o Baratildeo de Paranapiacaba
emprega as rimas na maioria das falas21
Em entrevista dada a TV Unicamp para o Programa Diaacutelogo sem Fronteira
Trajano Vieira disse ao entrevistador Pedro Paulo Funari22
20 Haroldo de Campos publicou um nuacutemero significativo de textos sobre traduccedilatildeo ldquoque se
somam num conjunto denso e coerente acerca do assuntordquo (TAacutePIA 2013 pXI) Para natildeo corrermos o
risco de sermos reducionistas em relaccedilatildeo ao seu pensamento ou por outro lado nos estendermos demais
numa longa digressatildeo ao refletirmos acerca de sua teoria optou-se por apresentar o que estudamos sobre
o assunto ao final da presente dissertaccedilatildeo como anexo O objetivo eacute expor algumas das teses defendidas
por Haroldo sobre traduccedilatildeo poeacutetica encontradas em alguns de seus outros escritos visando dessa forma
entender os possiacuteveis motivos pelos quais o eminente poeta e tradutor natildeo apreciara a versatildeo em que o
Baratildeo de Paranapiacaba emprega as rimas na maioria das falas
21 A Mauriceacutea Filho cotejou a versatildeo em que Paranapiacaba emprega as rimas com os respectivos versos
da versatildeo de Ramiz Galvatildeo e tambeacutem com a versatildeo portuguesa de Baziacutelio Teles (1972 pp248-63) No
iniacutecio da anaacutelise logo apoacutes citar as traduccedilotildees para os versos 1-2 do Prometeu Mauriceacutea Filho escreve
ldquoRaacutepido exame bastaria para nos sugerir qual dos trecircs eacute o melhorOs heptassiacutelabos do Baratildeo de
Paranapiacaba natildeo se exibem agrave altura de seu talento de escol e invulgar erudiccedilatildeo Poeticamente fracos ateacute
mesmo em face da accedilatildeo dramaacutetica com que Eacutesquilo comeccedila a enormidade de sua trageacutedia Jaacute Ramiz
indiscutivamente supera com a majestosa simplicidade dos seus decassiacutelabos onde se entrelaccedilam o
ritmo a meacutetrica a elegacircncia e a pureza vernaacuteculardquo (p254) Em outro ponto o autor tambeacutem assevera
ldquoAo traduzir o verso das As cegas Esperanccedilas o Baratildeo de Paranapiacaba usou este dei agrave cega Esperanccedila
entre eles moradia No confronto pertence a Ramiz a palma as cegas Esperanccedilas inspirei-lhesrdquo (p258
grifo do autor)
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Se vocecirc me permite fazer uma analogia eu recentemente revi um programa
no youtube de um grande pianista que eu admiro muito jaacute no final de sua
vida o Arthur Rubinstein E perguntavam ao Rubinstein se ele estava a par
dos novos pianistas Ele respondeu ldquoBem eu tenho ouvido aqui e ali e o que
tem me impressionado eacute o seguinte eles possuem uma teacutecnica formidaacutevel
mas eu me pergunto e gostaria de perguntar a alguns deles quando eacute que eles
vatildeo fazer a muacutesica soarrdquo Ou seja natildeo basta conhecimento da liacutengua grega
para se traduzir de uma forma razoaacutevel De fato em nossa tradiccedilatildeo e em
outros paiacuteses o peso da filologia mais convencional foi muito forte e foi
muito difiacutecil romper com essa tradiccedilatildeo Entatildeo houve de fato nas traduccedilotildees
claacutessicas do repertoacuterio grego uma forte preocupaccedilatildeo digamos com o aspecto
normativo da linguagem Mas um tradutor na minha opiniatildeo que se interesse
por poesia deve estar atento a esse segundo aspecto Eu pelo menos procuro
estar e procuro ensinar meus alunos Isso depende de um conviacutevio com a
poesia Natildeo soacute com a poesia de liacutengua grega mas tambeacutem com outros tipos
de poesia Quanto maior for o repertoacuterio melhor para o tradutor
Sabemos que Paranapiacaba era um versificador exercitava-se numa poeacutetica
apreciada no Brasil durante a segunda metade do seacuteculo XIX (CANDIDO amp
CASTELLO 1973) Tambeacutem era um homem de conviacutevio iacutentimo com a literatura Eacute o
que mostram as suas traduccedilotildees de La Fontaine Byron e Larmatine23
Diante disso seria
interessante perguntar-nos se ele conseguiu pelo menos alguma vez fazer ldquoa muacutesica
soarrdquo ou natildeo em sua ldquomalogradardquo versatildeo do Prometeu
Segundo MSaid Ali (2006 pp125-26)
Na Europa da Idade Meacutedia compunham-se poesias vernaacuteculas caracterizadas
ora pela aliteraccedilatildeo (rima de consoantes iniciais) ora pela assonacircncia ora pela
rima final No seacuteculo XIV vigorava por toda a parte somente essa uacuteltima
forma menos na Espanha onde a assonacircncia resistiu ainda durante bastante
tempo O gosto pelos estudos humanistas fez crer a alguns poetas que o ideal
da meacutetrica estaria nos antigos versos latinos Natildeo haacute rimas em Horaacutecio nem
em Virgiacutelio Logo condenavam eles tal escravidatildeo Invertiam esses anseios
de independecircncia a ordem cronoloacutegica Os latinos natildeo usaram isto eacute
intencionalmente nem podiam discutir coisa de invenccedilatildeo posterior
Fascinados pelos modelos claacutessicos os renovadores da poesia moderna
trataram de libertaacute-la das cadeias entregando-a - ilusatildeo natildeo rara na vida
humana - a nova espeacutecie de cativeiro Compuseram versos sem rima
submetidos agrave meacutetrica quantitativa dos antigos Chegaram a criar diz notaacutevel
conhecedor portentos de fealdade
Sabe-se que Dom Pedro II era um profundo conhecedor dos claacutessicos greco-
latinos Ele sabia que na poesia antiga natildeo havia rimas e que o sistema poeacutetico era
bastante diverso agrave poeacutetica das liacutenguas neolatinas Por outro lado natildeo era raro o
Imperador desafiar Paranapiacaba a ldquoglosarrdquo alguns de seus proacuteprios sonetos O desafio
22
Disponiacutevel emlthttpswwwyoutubecomwatchv=PSsOftFgIxMgt viacutedeo publicado em 03042012 23 Ver paacutegina 15 nota 1
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consistia em Paranapiacaba criar estrofes que finalizavam com os versos de Dom Pedro
II (PARANAPIACABA 1907 pp218-22) Como visto o Imperador tambeacutem solicitou
uma versatildeo poeacutetica do Prometeu a Ramiz Galvatildeo que natildeo era poeta mas renomado
filoacutelogo humanista Este natildeo se atreveu a empreender uma versatildeo completamente em
rimas mas arriscou-se a fazecirc-las nos cantos corais Quem sabe se tal decisatildeo natildeo foi
fruto de uma espeacutecie de desafio lanccedilado pelo Imperador ou de um cotejo feito
posteriormente entre sua proacutepria traduccedilatildeo com as versotildees de Paranapiacaba24
O fato eacute que traduzir um texto claacutessico valendo-se dos recursos poeacuteticos das
liacutenguas neolatinas como a rima natildeo eacute uma empreitada faacutecil arriscada mesmo nos
primoacuterdios do movimento romacircntico do Brasil Paranapiacaba afirmou ldquoEntre noacutes eacute a
primeira tentativa Variei o metro conforme o caracter do personagem que falardquo
(PARANAPIACABA 1907 pXII) Diante disso vale evocar o que dissera Trajano
Vieira na entrevista jaacute citada
De uma forma geral eu acho que agente como tradutor deve assumir riscos
Mesmo que o resultado natildeo possa ser o mais adequado no final mas o gesto
corajoso me parece ser mais interessante do que uma atitude submissa
O gesto de Paranapiacaba foi corajoso quase batendo agraves portas da temeridade
Como visto ele publicou duas traduccedilotildees de sua autoria distintas da mesma trageacutedia
grega no mesmo livro Isso nunca mais se repetiu na histoacuteria das traduccedilotildees do Prometeu
Acorrentado no Brasil Tal decisatildeo de Joatildeo Cardoso de Menezes de certa forma
dessacralizou o original mostrando agraves claras que natildeo existe uma correspondecircncia una e
definitiva entre a liacutengua de origem e a liacutengua de chegada No prefaacutecio escrito para seu
livro Lafayette Rodrigues Pereira escreve (manteremos a ortografia do original de
1907) ldquocertamente natildeo se poderia exigir do preclaro tradutor que vasasse literalmente
no metro portuguez o metro grego Satildeo radicalmente differentes as lingoas e cada um
tem seo systema de metrificaccedilatildeordquo (PARANAPIACABA 1907 pXIII)
Como jaacute mencionado a primeira versatildeo apresentada em seu livro eacute a que
emprega as rimas na maioria das falas logo seguida pela versatildeo na qual predominam os
decassiacutelabos soltos Haroldo de Campos afirma que talvez a versatildeo em decassiacutelabos
soltos tenha ldquoservido de base aos baldados e titubeantes esforccedilos de rima da outra
versatildeordquo (CAMPOS 1997 p237) Poreacutem nas duas versotildees as falas do Coro das
24
No prefaacutecio escrito para sua traduccedilatildeo do Prometeu acorrentado Ramiz Galvatildeo nos informa que havia
lido as versotildees de Paranapiacaba antes de publicar a sua proacutepria traduccedilatildeo
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Oceaninas satildeo rimadas em heptassiacutelabos Se a versatildeo em que predominam os
decassiacutelabos soltos tivesse servido como base para a outra era de se esperar que natildeo
houvesse mudanccedilas substanciais nas falas das Oceaninas nas duas versotildees visto que
foram compostas com o mesmo nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas e valendo-se da rima Mas
natildeo eacute isso o que ocorre como pode-se notar a seguir
Versatildeo na qual as rimas
predominam e que a meacutetrica varia
de acordo com o personagem que
fala (citam-se falas do Coro a
seguir)
Versatildeo na qual predominam os
decassiacutelabos soltos mas em trechos
que o Baratildeo tambeacutem emprega os
heptassiacutelabos rimados (somente nas
falas do Coro)
Foi saacutebio e saacutebio emeacuterito
Aquele a quem lembrou
Esta discreta maacutexima
E aos homens a ensinou
Eacute casamento proacutespero
O feito entre os iguais
Quem vive soacute dos reditos
De ofiacutecios manuais
Nunca procure cocircnjuge
Na classe da opulecircncia
Nem da orgulhosa em tiacutetulos
De nobre descendecircncia
Saacutebio foi saacutebio eminente
Quem primeiro formulou
Este conceito na mente
E em palavras o explicou
Eacute o melhor dos casamentos
O que se faz entre iguais
Quem vive dos rudimentos
De trabalhos manuais
Natildeo busque alianccedila na classe
Soberba pela riqueza
E fuja igualmente a enlance
Co‟os que pompeiam nobreza
Quadro I As versotildees de Paranapiacaba para os versos 887-93 do original (fala do Coro)
[]
Diverso alvitre inspira-nos
Honesto e convinhaacutevel
O que lembraste eacute peacutessimo
Covarde intoleraacutevel
Pois tu nos daacutes estimulo
A infame proceder
Havemos ser partiacutecipes
[]
Daacute-me conselho aceitaacutevel
E seraacutes obedecido
Eacute de todo intoleraacutevel
O que me tens dirigido
Estranho o teu sentimento
Cobarde nunca serei
Seja qual for seu tormento
60
Do que ele padecer
Fundo a traiccedilatildeo esquaacutelida
A muito aborrecemos
Nem peste deleteacuteria
Como ela conhecemos
Com ele o compartirei
Dos vis traidores a peste
Experiente aborreccedilo
Nem coisa que eu mais deteste
Em minha vida conheccedilo
Quadro II As versotildees de Paranapiacaba para os versos 1063-9 do original (fala do Coro)
Enquanto cogitaacutevamos sobre essa questatildeo Alessandra Fraguas historiadora e
Pesquisadora do Museu Imperial informou-nos sobre a existecircncia de uma carta escrita
por Paranapiacaba agrave Princesa Isabel em 9 de setembro de 1905 na qual afirma que a
versatildeo em que as rimas predominam foi a primeira a ser realizada por Paranapiacaba
(Maccedilo 204 ndash Doc 9329 - Museu ImperialIbramMinisteacuterio da Cidadania) O trecho em
que Paranapiacaba fala sobre suas versotildees poeacuteticas eacute o seguinte25
Em 8brordm de 1889 ao despedir-me de S Magestade o Imperador DPedro 2ordm
na Tijuca deu-me SMagestade por letra sua uma versatildeo em prosa da
tragedia de Eschylo ldquoPrometheu encadeadordquo encarregando-me de a trasladar
para verso portuguez Tractei logo de adquirir as versotildees e os commentarios
que d‟aquella obra prima existem em varias linguas e encetei e levei a cabo
com o maior esmero a traducccedilatildeo d‟ella Ha cerca de 8 annos publicou o
Jornal do Commercio a versatildeo da scena em que figura Prometheu nos
confins da Scythia pordf onde eacute conduzido pela Forccedila e pela Violencia
acompanhadas de Vulcano que o acorrenta ao rochedo Precedia a essa
publicaccedilatildeo uma carta minha ao Conselheiro Lafayette rogando-lhe
prefaciasse o livro[] A pedido do mesmo Lafayette fiz outra versatildeo da
tragedia em verso livre (menos os coacuteros que satildeo sempre rimados)
D‟essas duas versotildees tem apparecido longos trechos na imprensa e
notadamente nos almanaques do Garnier
Diante desse importante dado doravante a versatildeo na qual Paranapiacaba
emprega as rimas na maioria das falas seraacute chamada de ldquoprimeira versatildeordquo ao longo do
presente texto
Antocircnio Candido e J Aderado de Castelo transcrevem na iacutentegra o prefaacutecio do
livro Suspiros Poeacuteticos e Saudades de Domingos Joseacute Gonccedilalves de Magalhatildees
Visconte de Araguaia Esse texto eacute praticamente um manifesto do movimento
romacircntico em sua primeira fase no Brasil Quanto agrave dicccedilatildeo romacircntica Gonccedilalves de
Magalhatildees afirma ldquoQuanto agrave forma isto eacute a construccedilatildeo por assim dizer material das
estrofes e de cada cacircntico em particular nenhuma ordem seguimos exprimindo as
ideias como elas se apresentam para natildeo destruir o acento de inspiraccedilatildeo
25 A ortografia original foi mantida
61
[]rdquo(CANDIDO amp CASTELLO 1973 p264) Mesmo assim a rima e a contagem de
siacutelabas poeacuteticas eram recursos riacutetmicos e meloacutedicos que os poetas romacircnticos natildeo
tinham pejo de usaacute-las quando contribuiacuteam para expressar uma ideia e criar certo efeito
sonoro No caso da primeira versatildeo poeacutetica do Baratildeo as rimas empregadas parecem
atrapalhar a carga dramaacutetica da trageacutedia em algumas passagens No diaacutelogo irado entre
Hermes e Prometeu por exemplo a utilizaccedilatildeo das rimas natildeo foi beneacutefica Embora a
citada passagem natildeo chegue a ser um agon agrave maneira de Euriacutepides nada obstante eacute um
dos diaacutelogos mais raacutepidos da trageacutedia no original e as rimas feitas pelo Baratildeo
infelizmente quebraram-lhe o ritmo Contudo seraacute que o uso da rima e da meacutetrica
contribuiu positivamente em alguma outra passagem
O Baratildeo de Paranapiacaba natildeo variou o nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas apenas para
distinguir um personagem do outro mas tambeacutem varia o metro para um mesmo
personagem dependendo da situaccedilatildeo ou do interlocutor com quem entabula o diaacutelogo
Segundo Mark Griffith existe uma alternacircncia de metros baacutesicos no original grego o
que foi importante para fornecer certa variaccedilatildeo de tom e humor para uma trageacutedia tatildeo
estaacutetica em seu enredo (GRIFFITH 1997 pp21-2) Segundo o mesmo autor os
personagens no texto original costumam conversar em jambos mas nas entradas e
saiacutedas de alguns personagens mudanccedilas de metros ocorrem (anapesto vv284-97 561-
5) e em outros momentos metros liacutericos como no caso de Io (vv575-89) Desta forma
o Baratildeo de Paranapiacaba estaria refletindo uma caracteriacutestica semelhante a do original
Quando Io entra agitada em cena por exemplo se expressa em versos hendecassiacutelabos
(onze siacutelabas poeacuteticas) ldquoQue siacutetio me surge Por quem habitadordquo Numa estrofe a
partir do verso 575 no original grego Paranapiacaba faz com que Io se expresse em
versos eneassiacutelabos (nove siacutelabas)
Solta a avena de ceacuterea juntura
Melodia que ao sono convida
Quando deve durar a tortura
Quando conversa com Prometeu agraves vezes Io se expressa em versos
dodecassiacutelabos
Io
Quem foi que te cravou aqui sobre o rochedo (dodecassiacutelabo)
Prometeu
62
O decreto de Jove e de Vulcano a matildeo (dodecassiacutelabo)
Io
Que atentado atraiu tatildeo grave puniccedilatildeo (dodecassiacutelabo)
Prometeu
Para ser compreendido eu disse o necessaacuterio (dodecassiacutelabo)26
Manuel Bandeira (1997 p542) afirma que o metro de onze siacutelabas tambeacutem
chamado de arte maior pode favorecer um ritmo dinacircmico e ao mesmo tempo marcado
ldquopelo que foi preferido por Gonccedilalves Dias em alguns de seus poemas indianistas de
feiccedilatildeo eacutepicardquo como se pode ver a seguir
Satildeo rudos severos sedentos de gloacuteria
Jaacute preacutelios incitam jaacute cantam vitoacuteria
Jaacute meigos atendem agrave voz do cantor
Satildeo todos Timbiras guerreiros valentes
Seu nome laacute voa na boca das gentes
Condatildeo de prodiacutegios de gloacuteria e terror
I-juca Pirama de Gonccedilalves Dias
Veja-se na passagem destacada o ordenamento regular da posiccedilatildeo das tocircnicas
ao longo dos versos ldquoCondatildeo de prodiacutegios de gloacuteria e terrorrdquo (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )27
26 Os versos citados satildeo alexandrinos 27 Eacute preciso fazer algumas consideraccedilotildees acerca do emprego dos siacutembolos ldquo ᵕ rdquo e ldquo ‒ rdquo nas apreciaccedilotildees
que se seguiratildeo e sobre as diferenccedilas entre a metrificaccedilatildeo grega e a portuguesa no que se refere agrave
construccedilatildeo do ritmo dentro do verso O estudo da metrificaccedilatildeo grega pode ser dividido em prosoacutedia
meacutetrica e estroacutefica A prosoacutedia estuda os aspectos sonoros na pronunciaccedilatildeo das siacutelabas que constituem a
palavra dentro do verso Os siacutembolos usados para assinalar o tempo e o modo de pronunciaccedilatildeo das siacutelabas
satildeo ldquo ᵕ rdquo (breve) = 1 tempo ou mora (chroacutenos) e ldquo ‒ rdquo (longa) = 2 tempos ou morae existindo elevaccedilotildees e
descensos na acentuaccedilatildeo das siacutelabas durante a pronunciaccedilatildeo o que natildeo parece ocorrer na versificaccedilatildeo
portuguesa Apesar da diferenccedila utilizam-se os mesmos nomes dos peacutes riacutetmicos gregos em liacutengua
portuguesa (ex daacutetilo ‒ ᵕ ᵕ anapesto ᵕ ᵕ ‒ ) sendo que o siacutembolo ldquo ‒ rdquo eacute usado para marcar as ldquosiacutelabas
tocircnicasrdquo em liacutengua portuguesa em vez de ldquolongasrdquo e ldquo ᵕ rdquo as ldquosiacutelabas aacutetonasrdquo em vez de ldquobrevesrdquo
Por outro lado Olavo Bilac em seu Tratado de Versificaccedilatildeo afirma que eacute possiacutevel constatar que se
demora mais tempo na pronunciaccedilatildeo das siacutelabas tocircnicas em liacutengua portuguesa do que na pronunciaccedilatildeo
das siacutelabas aacutetonas Bilac escreve (1905 p44) ldquoO accento predominante ou a pausa numa palavra eacute
aquella syllaba em que parecemos insistir assinalando-a [] A demora na syllaba isto eacute no accento eacute o
que determina a pausa [] O som mais ou menos aberto da vogal natildeo influe sobre o accento a demora eacute
na pronunciaccedilatildeo o que o caracteriza Exemplo - em tampa o accento estaacute na primeira onde mais nos
demoramos e o onde o som eacute talvez mais frouxordquo Nesse aspecto pode-se ver certa correspondecircncia
entre a liacutengua grega e a portuguesa no emprego dos siacutembolos ldquo ‒rdquo (dois tempos morae) e ldquoᵕrdquo (um
tempo mora) Outro ponto interessante eacute que em liacutengua grega todas as siacutelabas satildeo contadas na escansatildeo
do verso Em contrapartida em liacutengua portuguesa as siacutelabas satildeo contadas ateacute a uacuteltima siacutelaba tocircnica do
verso Tal sistema de escansatildeo tambeacutem usado no idioma francecircs foi introduzido em nossa liacutengua por
Antocircnio Feliciano de Castilho no seu Tratado de metrificaccedilatildeo portuguesa Antes dele contavam-se todas
as siacutelabas do verso que terminava com palavra paroxiacutetona natildeo se contava a uacuteltima siacutelaba do verso
terminado com palavra proparoxiacutetona e considerava-se incompleto o verso que terminava com palavra
oxiacutetona pelo que contava como duas a uacuteltima siacutelaba M Said Ali tentou restaurar tal sistema mas ao que
63
Paranapiacaba opta por esse mesmo metro na passagem na qual Io narra o
asseacutedio que sofreu de Zeus seguido por sua expulsatildeo da casa paterna e o iniacutecio de sua
marcha maldita Talvez o Baratildeo entendera que as possibilidades riacutetmicas do
hendecassiacutelabo poderiam evocar a agitaccedilatildeo de Io (tambeacutem eacute o mesmo metro utilizado
quando Io entra em cena) Nesse sentido haveria nessa passagem uma relaccedilatildeo
harmocircnica entre forma e sentido algo que eacute perseguido numa traduccedilatildeo criativa
O rei seus correios mandou em mensagens
A Pytho e Dodona Queria informar-se
Por quais pensamentos accedilotildees ou linguagem
Podia agradaacutevel aos Deuses tornar-se
Voltaram os nuacutencios trazendo somente
Respostas ambiacuteguas de duplo sentido
Ateacute que da parte do Nume vidente
Oraacuteculo claro lhe foi transmitido
Em termos expressos eu fui condenada
A ser expelida da paacutetria e do lar
E entregue a mim mesma correndo agitada
Por terras longiacutenquas sem peias vagar
[]
E logo de formas e mente mudando
Munida de pontas fiquei desde entatildeo
Sentindo contiacutenuo pungir-me o nefando
Acuacuteleo acerado de um bravo tavatildeo
Em saltos violentos agraves doidas furente
De Lerna agrave colina fugida fui ter
No siacutetio onde mana perene a nascente
Cencreia de linfa suave a beber
Mas Argos o filho da Terra o vaqueiro
De inuacutemeros olhos e d‟alma feroz
Expiando-me os passos com golpe certeiro
Dos fixos olhares seguia-me apoacutes
Sucesso imprevisto de suacutebito veio
Privaacute-lo da vida Mas eu (desgraccedilada)
De plagas em plagas sem pausa vagueio
parece sem muito sucesso (BANDEIRA 1997 p6) Quando for necessaacuterio escandir um verso em nosso
estudo empregaremos o sistema introduzido por Castilho
64
De laacutetego infesto de Juno accediloitada
Veja-se a seguir o esquema escolhido por Paranapiacaba na ordenaccedilatildeo das
siacutelabas tocircnicas e aacutetonas ao longo dos versos
Voltaram os nuacutencios trazendo somente (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)
Respostas ambiacuteguas de duplo sentido (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)
Ateacute que da parte do Nume vidente (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)
Oraacuteculo claro lhe foi transmitido (ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒)
Diante do que foi analisado parece-nos que pelo menos na passagem em que Io
narra sua histoacuteria o Baratildeo de Paranapiacaba conseguiu fazer ldquoa muacutesica soarrdquo
14 Ramiz Galvatildeo o Baratildeo de Ramiz
Esse doutor da lexicologia
que amava os gregos nos originais
e com Platatildeo decerto se entendia
e conversava coisas imortais
Esse de cuja a vida bem-fadada
eacute justo se dizer sinceramente
que foi tatildeo longa quanto devotada
agrave sua Paacutetria como agrave sua gente
Esse ilustre Varatildeo de nossa raccedila
ilustre pelo espiacuterito perfeito
e a feacute cristatilde e a tecircmpera sem jaccedila
e a paixatildeo da Justiccedila e do Direito
bem que merece que de sul a norte
o coraccedilatildeo de todo brasileiro
exclame num soluccedilo verdadeiro
a dor de sua morte28
Benjamin Franklin Ramiz Galvatildeo nascido em 16 de junho de 1846 em Rio
Pardo (hoje Ramiz Galvatildeo) no Rio Grande do Sul falecido em 9 de marccedilo de 1938
ano em que completaria 92 anos de idade Seu pai Joatildeo Galvatildeo morre em 1852 tendo
28
J Pereira da Silva em homenagem a Ramiz Galvatildeo in Revista da Academia de Letrasvol55 ano 30
pp75-76 apud Mauriceacutea Filho 1972
65
Ramiz apenas 6 anos de idade Sua matildee Joana Ramiz Galvatildeo muda-se para o Rio de
Janeiro com seu filho Nessa eacutepoca Ramiz comeccedila a frenquentar a escola puacuteblica
Custoacutedio Mafra Completa seus estudos primaacuterios numa escola mantida pela Sociedade
Amantes da Instruccedilatildeo onde recebeu as primeiras liccedilotildees de Latim do professor
Inocecircncio de Drummond Nessa escola Ramiz Galvatildeo recebeu o 1ordm precircmio por
aplicaccedilatildeo aos estudos em 1855 ano em que tambeacutem foi admitido como aluno gratuito
do Coleacutegio Pedro II (MAURICEacuteA FILHO 1972 pp4-6) Em 1861 Ramiz recebe o
diploma de Bacharel em Letras pelo Coleacutegio Pedro II e prepara-se para o ingresso na
Faculdade de Medicina que era a carreira escolhida pelo jovem Em 3 de dezembro de
1868 forma-se meacutedico e eacute escolhido para ser o orador da turma Estava presente
naquela cerimocircnia entre diversas outras autoridades o Imperador Dom Pedro II
Com apenas 19 anos de idade Ramiz Galvatildeo escreve o livro ldquoO Puacutelpito no
Brasilrdquo no qual divide a oratoacuteria sacra brasileira em distintos periacuteodos a partir do seacuteculo
XVI ateacute chegar ao seu contemporacircneo Francisco Joseacute de Carvalho mais conhecido
como Monte Alverne jaacute mencionado na presente dissertaccedilatildeo Em 1869 Ramiz Galvatildeo
exerceu funccedilotildees de meacutedico no Exeacutercito Nos hospitais militares de Armaccedilatildeo e de
Andaraiacute atendeu feridos advindos da Guerra do Paraguai (MAURICEacuteA FILHO 1972
p34) nessa eacutepoca foi convidado para substituir seus mestres Schiefer e Cocircnego
Pinheiro respectivamente nas disciplinas de Grego e Retoacuterica do Coleacutegio Pedro II
(ibidem p37) aleacutem de ser indicado pelo proacuteprio Imperador para ser o Diretor da
Biblioteca Nacional O Decreto Imperial nomeando-o tem a data de 14 de dezembro de
1870 (MAURICEacuteA FILHO 1972 p102) Aleacutem disso Ramiz foi professor na
Faculdade de Medicina em 1881 No ano de 1882 Ramiz deixa a cadeira que lecionava
na Faculdade de Medicina bem como a direccedilatildeo da Biblioteca Nacional para se tornar
preceptor dos netos do Imperador levando sete anos a ensinaacute-los ateacute o banimento da
famiacutelia imperial (ibidem p46) Existe um rascunho a laacutepis de uma carta que Ramiz
Galvatildeo escreveu a Dom Luiz neto de Dom Pedro II que estava vivendo no exiacutelio Esse
rascunho estaacute depositado no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro O seguinte
trecho da carta foi transcrito por Mauriceacutea Filho (1972 pp47-8)
Tenho firme esperanccedila que aiacute se hatildeo de acentuar os bons predicados que o
senhor sempre revelou enquanto tive ocasiatildeo de ser seu mestre o amor ao
trabalho o rigoroso cumprimento do dever o culto da Verdade e da Justiccedila
Estude muito e aprimore o coraccedilatildeo Os frutos deste trabalho e deste
aperfeiccediloamento colhe-los-aacute mais tarde com toda a seguranccedila natildeo digo jaacute
como Priacutencipe brasileiro porque a vontade soberana do povo entendeu
66
chegado o momento de mudar a forma do nosso Governo mas como
particular e como homem [] Se ainda se lembra do entusiasmo e do amor
com que lhe ensinei e se me julga digno de sua estima apesar de me haver
feito sincero e leal servidor da Repuacuteblica escreva-me dando notiacutecia do que
faz do que vence e do que espera vencer Quando estudar sociologia saberaacute
que a forma republicana eacute a mais perfeita e a que pode realizar o ideal dos
povos [] O que fez portanto o Brasil agrave imitaccedilatildeo dos seus irmatildeos
americanos o que fazemos todos noacutes aceitando de coraccedilatildeo as consequecircncias
do golpe de 15 de novembro emprestando o nosso concurso agrave consolidaccedilatildeo
da Repuacuteblica eacute um ato de patriotismo Se alguma coisa haacute que admirar em
tudo isso eacute a heroicidade com que sacrificamos os afetos por amor do Bem
geral Certo pois de que o seu Preceptor cumpriu e cumpre o seu dever
confio que o estimaraacute e lhe daraacute sempre o gozo inefaacutevel de suas cartas Mil
saudades ao bom e simpaacutetico Dom Pedro e ao meigo Totocircnio Beije-os a
ambos por mim abrace-os muitas e muitas vezes e natildeo esqueccedila seu velho
amigo (Assinado Doutor ndash 1890)
No livro Estante Claacutessica da Revista de Liacutengua Portuguesa volume X 1922
dirigido por Laudelino Freire encontra-se o seguinte testemunho de Ramiz Galvatildeo
acerca de sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo29
Em 1888 dPedro II nosso ilustre e saudoso imperador confiando-me a
traducccedilatildeo literal em prosa que fizera do Prometeu de Eschylo pediu-me que
tentasse pocirc-la em verso Sem pretensatildeo alguma a poeta e pouco afeito a
exercicios deste genero quis corresponder entretanto ao honroso convite e
pus matildeos agrave obra fazendo particular empenho em cingir-me ao texto grego
com a maior exacccedilatildeo
Natildeo foi pequeno o Labor
Em dias do anno seguinte conclui a rude tarefa e tive a fortuna de ler parte
desta traducccedilatildeo ao venerando monarca que me fez algumas observaccedilotildees
judiciosas pugnando sempre pela versatildeo literal
Esta absoluta fidelidade sabem todos o quanto eacute difficil em obras de tal
natureza Fiz poreacutem o possiacutevel para dar conta agrave missatildeo calcando quase
verso sobre verso e natildeo raro sacrificando sem duvida a belleza do estilo
Baste dizer que esta traducccedilatildeo estaacute feita em 1084 versos quando o original
grego conta com 1093
Natildeo deixei por justificavel escrupulo de cotejar meu trabalho com varias
outras versotildees do grande tragico e particularmente me prestaram auxilio em
algumas passagens a traducccedilatildeo latina de Ahrens e a francesa de Leconnte de
Lisle que satildeo ambas fideliacutessimas Ainda por ultimo fiz este mesmo cotejo
com as bellas e esmeradas versotildees em verso portuguecircs da lavra do meu
eminente e caro patricio o Sr baratildeo de Paranapiacaba cujo recente livro eacute
um attestado de talento e erudiccedilatildeo De todas ellas algum fruto colhi por
vezes mas a todas antepus invariavelmente o religioso respeito ao original
grego que estudei e procurei interpretar com amor Natildeo tem este trabalho jaacute
se vecirc outro merito publico-o vinte annos depois como homenagem aacute
memoacuteria do illustre cultor de letras que me honrou com sua estima desde os
primeiros dias da minha mocidade e de quem guardo a mais respeitosa e
grata recordaccedilatildeo como amigo e brasileiro
BFRamiz Galvatildeo
Asylo Golccedilalves d‟Araujo 3 de junho de 1909
29
Mantemos a ortografia orginal da obra consultada a qual fotografamos na Faculdade de Direito da USP
67
Dessa versatildeo de Ramiz Galvatildeo destacamos os seguintes decassiacutelabos Trata-se
da traduccedilatildeo dos versos 454-8 pertencentes a uma das falas de Prometeu
Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno
da floacuterea primavera nem do estio
frutuoso mas inscientes procediam
em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros
o nascer e os ocasos pouco certos
Numa produccedilatildeo poeacutetica o ritmo pode ser construiacutedo por meio da reiteraccedilatildeo de
vaacuterios elementos como por exemplo o nuacutemero fixo de siacutelabas poeacuteticas a posiccedilatildeo
regular das silaacutebas tocircnicas aliteraccedilotildees e assonacircncias Tais recursos funcionam como que
combinaccedilotildees de diferentes ldquoacordesrdquo ao longo dos versos dando musicalidade ao texto
Ramiz afirmou que natildeo tinha ldquopretensatildeo alguma a poetardquo e que era ldquopouco afeito a
exerciacutecios deste gecircnerordquo Mas veja-se o emprego das assonacircncias e aliteraccedilotildees por
Ramiz Galvatildeo em seus versos
1) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno
da floacuterea primavera nem do estio
frutuoso mas inscientes procediam
em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros
o nascer e os ocasos pouco certos
2) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno
da floacuterea primavera nem do estio
frutuoso mas inscientes procediam
em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros
o nascer e os ocasos pouco certos
3) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno
da floacuterea primavera nem do estio
4) Nenhum indiacutecio tinham nem do inverno
da floacuterea primavera nem do estio
frutuoso mas inscientes procediam
5) em tudo ateacute que lhes mostrei dos astros
o nascer e os ocasos pouco certos
Como visto Ramiz Galvatildeo afirmou que seu maior criteacuterio era o ldquoreligioso
respeito ao original gregordquo Mesmo assim Ramiz procurou dar certa regularidade agrave sua
traduccedilatildeo valendo-se de um metro muito apreciado em liacutengua portuguesa o
68
decassiacutelabo30
Para o coro embora o metro natildeo seja tatildeo regular quanto nas falas de
Prometeu Ramiz utilizou as rimas
Saacutebio era prudente (a)
quem disse quem primeiro concebeu na mente(a)
que soacute a alianccedila igual traz bem que dure (b)
nos paccedilos enervados da riqueza (c)
nos altivos solares da nobreza (c)
o humilde artista esposa natildeo procure (b)
Mais um exemplo
Sempre audaz desabrido(a)
Natildeo te curvas vencido (a)
ao acerbo infortuacutenio (b)
Fere-me o coraccedilatildeo pungente(c)
Temendo por teu fado (d)
Quando veraacutes findado (d)
Teu sofrer inclemente (c)
Pois eacute de aacutespero caraacuteter intrataacutevel (e)
esse filho de Cronos indomaacutevel (e)
Ramiz ainda teve a sensibilidade de natildeo utilizar esse recurso poeacutetico no ponto
alto do drama quando Hermes exorta o coro a fugir Se o eminente filoacutelogo brasileiro
tivesse utilizado as rimas nesse momento provavelmente a carga dramaacutetica da
passagem seria atenuada
[] profere aconselha o que eu possa(a)
convencida fazer a teu discurso (b)
escutar meus ouvidos se recusam (c)
Como podes agrave infacircmia incitar-me (d)
Co‟ ele quero sofrer o destino (e)
os traidores a odiar aprendi (f)
nem haacute delito (g)
dentre todos que eu mais abomine (h)
Diante dos exemplos analisados na presente seccedilatildeo pode-se dizer que Ramiz
Galvatildeo professor de Grego e Retoacuterica do Coleacutegio Pedro II correspondeu com maestria
ao honroso convite feito pelo Imperador
15 JB de Mello e Souza
Joatildeo Batista de Mello e Souza (1888-1969) formado Bacharel em Ciecircncias e
Letras pelo Coleacutegio Pedro II em 1905 era irmatildeo mais velho do engenheiro civil Juacutelio
30
A Mauriceacutea Filho afirma ldquoRamiz emprega este decassiacutelabo agrave moda Bilaqueana preciosa prenda aos
homens outorgaste Basta ter ouvido afeito agrave muacutesica da Poesiardquo (1972 p258)
69
Ceacutesar Mello e Souza (1895-1974) mais conhecido pelo pseudocircnimo de Malba Tahan o
autor do livro O Homem que calculava J B de Mello e Souza tornou-se professor de
Histoacuteria Universal do Coleacutegio Pedro II em 1926 (SANTOS 2009 p135) Tambeacutem se
dedicou agrave literatura e ao jornalismo Dentre suas obras destacam-se Histoacuterias do Rio
Paraiacuteba Majupira (1938) Meninos de Queluz (1949) e Histoacuterias famosas do velho
mundo e estudantes do meu tempo (1958) Sabia falar e escrever em Esperanto liacutengua
criada por Lejzeu Ludwik Zamenhof Lejzeu ldquodefendia que o Esperanto deveria ser a
segunda liacutengua de cada povordquo facilitando o diaacutelogo mundial e a resoluccedilatildeo de conflitos
(ibidem p136) JB de Mello e Souza representou o Brasil em importante congresso
mundial de Esperanto Fernando Segismundo ex-aluno de Mello e Souza faz a seguinte
descriccedilatildeo de seu antigo professor
Fui aluno de Joatildeo Batista no Externato do Coleacutegio Pedro II para onde se
transferira Alto forte e alegre comunicava-se paternalmente com os
educandos Suas preleccedilotildees patenteavam elevado fundo moral Missionaacuterio
presenccedila valor Natildeo se lhe percebia ambiguidade ou segredo era franco
extrovertido espontacircneo Haacutebil em motivar a turma tinha sempre um fato
divertido a transmitir uma narrativa envolvendo heroacuteis ou mulheres
exemplares como Corneacutelia matildee dos Gracos A mitologia Greco-romana a
crenccedila no Brasil os libertadores da Ameacuterica-Boliacutevar e Joseacute Bonifaacutecio agrave
frente citaccedilotildees de Ciacutecero Virgiacutelio Horaacutecio Oviacutedio Catatildeo Rui e Padre
Vieira tudo lhe valia para atrair-nos ao estudo da Histoacuteria fortalecendo-nos
o senso patrioacutetico e a conduta moral Irradiar conhecimentos brunir
caracteres constituiu missatildeo de que jamais abdicou Construtor de almas -
assim poderiacuteamos sintetizar-lhe a personalidade (apud SANTOS 2009
p137)
Outro aluno Geraldo Pinto Vieira daacute o seguinte testemunho acerca de Mello e
Souza ldquoO Joatildeo Batista de Mello e Souza foi um grande humanista Era um homem que
conhecia de tudo Latim Grego Esperanto Muacutesica etcrdquo (ibidem p138) Essas
informaccedilotildees satildeo muito importantes visto que no livro no qual estaacute sua traduccedilatildeo do
Prometeu Acorrentado de 1950 natildeo encontramos indicaccedilotildees claras se a sua versatildeo fora
feita a partir do original grego ou natildeo
Mello bem como Dom Pedro II e o Baratildeo de Paranapiacaba usa os nomes
romanos para as divindades gregas Ele natildeo explica o porquecirc de tal escolha
Paranapiacaba por exemplo em sua primeira nota afirma que ldquoOs Deuses tecircm a
nomenclatura romana que eacute a mais conhecidardquo (PARANAPIACABA 1907 p139)
Odorico Mendes toma a mesma decisatildeo em suas traduccedilotildees da Iliacuteada e Odisseia Em
contrapartida Ramiz Galvatildeo (professor de Grego no Coleacutegio Pedro II na eacutepoca do
70
Imperador) natildeo segue essa tendecircncia presente entre os primeiros tradutores brasileiros
dos Claacutessicos
Pascale Casanova em seu livro A Repuacuteblica Mundial das Letras discorre como
a tradiccedilatildeo humanista advinda da Renascenccedila influenciara fortissimamente os escritores
e tradutores do seacuteculo XIX
O latim acumula com o grego reintroduzido pelos eruditos humanistas a
quase totalidade do capital literaacuterio e mais amplamente cultural entatildeo
existente mas tambeacutem a liacutengua da qual Roma e a instituiccedilatildeo religiosa inteira
detecircm o monopoacutelio o papa estando investido da autoridade dupla [] a do
sacerdotium - as coisas da feacute - mas tambeacutem a do studium ndash isto eacute tudo o que
se refere ao saber ao estudo e agraves coisas intelectuais[] Por isso eacute possiacutevel
compreender o empreeendimento humanista pelo menos parte dele como
uma tentativa dos ldquoleigosrdquo em luta contra os cleacutericos latinizantes de criar
uma autonomia intelectual e reapropriar-se contra o uso escolaacutestico do latim
da heranccedila latina laicizada Explicitando claramente a natureza de sua luta os
humanistas opotildeem dessa forma ao latim ldquobaacuterbarordquo dos cleacutericos escolaacutesticos o
refinamento de sua praacutetica recuperada do latim ldquociceronianordquo [] O
humanismo europeu eacute tambeacutem uma das primeiras formas de emancipaccedilatildeo
dos letrados da ascendecircncia e da dominaccedilatildeo da Igreja (CASANOVA 2002
p69 grifo da autora)
Embora JB de Mello e Souza natildeo explicite claramente quais os princiacutepios que
regeram seu trabalho de traduccedilatildeo por outro lado revela algo sobre a sua leitura do
Prometeu Acorrentado em prefaacutecio
Como nas demais peccedilas do grande traacutegico eleusiano as personagens do
ldquoPrometeu Acorrentadordquo satildeo viacutetimas impotentes da fatalidade inexoraacutevel O
anuacutencio poreacutem de um futuro melhor uma brisa de esperanccedila perpassa
afinal para conforto dos que sofrem os males do destino Prometeu seria
libertado ao cabo de longo tempo de supliacutecio O ldquoPrometeu Acorrentadordquo eacute o
primeiro episoacutedio de uma magestosa trilogia da qual se perderam as outras
partes Perda lamentaacutevel sem duacutevida pois natildeo nos permite conhecer toda a
significaccedilatildeo moral dessa trageacutedia em que se vecirc o deus supremo perseguir
atrozmente a um nume tutelar dos miacuteseros mortais a um benfeitor da
humanidade (1950 p5)
Tratemos agora de algumas das caracteriacutesticas de sua traduccedilatildeo em prosa
No original Prometeu aconselha Io a natildeo atravessar um determinado rio (versos
717-21) Dom Pedro II translitera o nome desse rio em sua traduccedilatildeo ldquoChegaraacutes ao rio
Hybristes (violento) natildeo falsamente chamado o qual natildeo atravesses pois natildeo eacute facil de
atravessarrdquo O nome desse rio adveacutem da palavra grega hyacutebris que entre outras coisas
pode significar ldquodesmedidardquo sobretudo do ponto de vista moral (inclusive Jaa Torrano
tende a traduzir essa palavra por ldquosoberbiardquo) Torrano traduz da seguinte forma o trecho
71
supracitado ldquoIraacutes ao rio Soberbo de natildeo falso nome que natildeo transporaacutes difiacutecil de
transporrdquo Eacute interessante notar o fato de que em 1950 JB de Mello e Souza jaacute havia
chegado a uma soluccedilatildeo semelhante agrave de Torrano traduzindo Hybristeacutes por
ldquoOrgulhosordquo ldquoAtingiraacutes as margens do rio Orgulhoso que natildeo desmente o seu nomerdquo
Veja-se tambeacutem a traduccedilatildeo de JB de Mellho e Souza para os versos 780-1
ldquoEscolhe pois ou sabes o que te resta a sofrer ainda ou o nome de meu libertadorrdquo
(grifo nosso) Trata-se das possibilidades de revelaccedilotildees do futuro que Prometeu deu agrave
Io
O fato curioso eacute que Prometeu natildeo revela o nome de ldquoHeacuteraclesrdquo na trageacutedia mas
apenas daacute as caracteriacutesticas desse descendente de Io Teria sido um equiacutevoco de Eacutesquilo
prometer o nome do libertador e depois natildeo o revelar De modo nenhum Pois no
original grego natildeo existe a palavra ldquonomerdquo na passagem em questatildeo Literalmente o
texto esquiliano reza ldquodigo claro teus vindouros males ou quem haacute de me libertarrdquo
Portanto a traduccedilatildeo de JB de Mello e Souza cria um equiacutevoco que natildeo haacute no texto
original de Eacutesquilo
Em sentido lato a traduccedilatildeo em prosa de Mello e Souza tende agrave paraacutefrase e agrave
grandiloquecircncia Em contrapartida a uacuteltima fala de Prometeu (vv1080-93) foi
traduzida de forma muito sucinta
Com efeito natildeo foi uma ameaccedila apenas a terra potildee-se a tremerO Soturno
ronco jaacute se faz ouvirturbilhotildees de poeira se erguemtodos os furacotildees
desencadeados parece que estatildeo contra mim Contra mim eacute que Juacutepiter
desfecha tatildeo horrendo cataclismo Oacute minha augusta matildee oacute tu divino eacuteter que
cercais o universo de luz eternavede que injustos tormentos me fazem
sofrer
Compare-se o trecho citado com a traduccedilatildeo feita por Dom Pedro II para a
mesma passagem
E de fato e natildeo mais por palavras balanccedila-se a terra reboa o eco rugidor do
trovatildeo brilham as espirais ardentes do relacircmpago e os turbilhotildees revolvem o
poacute rompem os sopros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de
opostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Tais iacutempetos contra
mim vem manifestamente de Juacutepiter para meterem medo Oacute nume de minha
matildee oacute ar que volves a luz comum de todos vecircs quatildeo injustamente sofro
Apesar dos pontos problemaacuteticos mencionados pode-se dizer que a traduccedilatildeo de
JB de Mello e Souza de 1950 deve ser considerada um marco na histoacuteria da traduccedilatildeo
do Prometeu Acorrentado no Brasil pois ela retoma a tradiccedilatildeo iniciada por Dom Pedro
II Paranapiacaba e Ramiz Galvatildeo Se natildeo contarmos a reediccedilatildeo da traduccedilatildeo de Ramiz
Galvatildeo em 1922 mas apenas a publicaccedilatildeo original de 1909 o Prometeu ficou sem ter
72
uma nova traduccedilatildeo por no miacutenimo 40 anos Com sua traduccedilatildeo JB de Mello e Souza
quebrou esse grande silecircncio Sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado eacute a que teve o
maior nuacutemero de reediccedilotildees ateacute agora (1964 1966 1969 1970 1998 2001 2002
2005)31
16 Jaime Bruna
O professor Jaime Bruna nasceu no dia 15 de setembro de 1910 Seu nome
consta no Sistema USP (banco de dados da Universidade de Satildeo Paulo) com viacutenculo
inicial em 25 de janeiro de 1934 que eacute a data da fundaccedilatildeo da entatildeo Faculdade de
Filosofia Ciecircncias e Letras (FFCL) criada como o polo central da Universidade de Satildeo
Paulo (USP) No entanto natildeo eacute possiacutevel verificar qual era o viacutenculo naquela altura se
ele ingressou como aluno de graduaccedilatildeo ou em outra condiccedilatildeo de pesquisador A sua
contrataccedilatildeo ocorreu em 1965 na condiccedilatildeo de instrutor da cadeira de Liacutengua e Literatura
Latina Ele se aposentou em 1980 como professor assistente doutor do Departamento de
Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Jaime faleceu em 19 de setembro de 1988 quatro dias
depois de completar 78 anos de idade Essas foram as informaccedilotildees que encontramos na
ficha do Departamento Pessoal da FFLCH-USP
Devido a uma ldquoepifacircnicardquo coincidecircncia descobrimos que o professor de Liacutengua
e Literatura Grega da USP Jaa Torrano em seu tempo de graduando no curso de Letras
da FFLCH pegava carona no carro da entatildeo professora da USP Aiacuteda Costa O professor
Jaime Bruna tambeacutem ia de carona no carro de Aiacuteda e segundo Torrano Bruna descia
na chamada ldquoPraccedila da Paineirardquo (Hoje o nome oficial da praccedila eacute Jorge de Lima esquina
da Av Vital Brasil com a Av Valdemar Ferreira bairro Butantatilde Satildeo Paulo SP) Havia
uma uacutenica paineira nesse local Torrano conta que numa destas caronas foi comentado
que a Prefeitura derrubaria a paineira Houve um princiacutepio de revolta por parte de
alguns estudantes e moradores da regiatildeo que se mobilizaram contra Jaime ouvindo
isso exclamou ldquoVai dar paina para mangasrdquo o que revela ao menos senso de humor
Em conversa com o Prof Antonio da Silveira Mendonccedila (professor de latim
aposentado da USP) descobrimos que Jaime fora bancaacuterio antes de se dedicar ao ensino
e agraves letras claacutessicas Jaime Bruna ldquoera bastante iacutentegro e metoacutedico em seu trabalhordquo
comentou o professsor Mendonccedila
31
Atualmente a editora Martin Claret tem reimpresso essa traduccedilatildeo talvez por causa das facilidades
ligadas aos Direitos Autorais
73
Embora desconhecido para muitos acadecircmicos Jaime Bruna foi bastante
proliacutefero em sua praacutetica tradutoacuteria Joseacute Paulo Paes em sua retrospectiva da praacutetica
tradutoacuteria no Brasil menciona o nome de Bruna na seguinte passagem
Quanto a traduccedilotildees contemporacircneas de textos claacutessicos em verso e prosa
mencionem-se as realizadas por Carlos Alberto Nunes Jaime Bruna Maacuterio
da Gama Kury Joseacute Cavalcanti de Sousa Tassilo Orfeu Spalding Almeida
Cousin etc (PAES1990 p31)
Em nossa opiniatildeo o projeto tradutoacuterio de Bruna era traduzir pelo menos uma
obra dos grandes escritores da Greacutecia e da Roma antiga (embora tenha traduzido mais
de uma obra de autores de sua preferecircncia) Jaime Traduziu Platatildeo Diaacutelogos (1945)
Euriacutepides Heacutecuba (1957) Soacutefocles Electra (1960) Marco Aureacutelio Meditaccedilotildees
(1964) Teatro Grego Eacutesquilo Prometeu Acorrentado Soacutefocles Rei Eacutedipo
EuriacutepidesHipoacutelito AristoacutefanesNuvens (1964) Xenofonte A educaccedilatildeo de Ciro (1965)
Eloquecircncia grega e latina trechos de Tuciacutedides Demoacutestenes Saluacutestio Ciacutecero Liacutesias
Isoacutecrates e Eacutesquines (1968) Platatildeo Goacutergias ou a oratoacuteria (1970) Plauto interprete de
sentimentos populares (1972) Lucretius Carus Titus Da Natureza (1973) Homero
Odisseia (1976) Plautus Titus e Maccius Comeacutedias O Cabo Caruncho Os
Menecmos Os Prisioneiros O Soldado Fanfarratildeo (1978) Epiacutecuro Antologia de textos
(1981) Poeacutetica Claacutessica Aristoacuteteles Horaacutecio e Longino (1981)
Jaime natildeo costuma falar de sua praacutetica tradutoacuteria nas introduccedilotildees de seus
trabalhos Quanto a Eacutesquilo poreacutem o tradutor escreve
Caracteriza a poesia de Eacutesquilo a amplidatildeo Aristoacutefanes sem embargo seu
admirador apelidou-o de ldquocriador de precipiacuteciosrdquo Compraz-se em
representar paixotildees violentas em emitir pensamentos soberbos ideias
sombrias sua religiatildeo eacute a do terror sua moral sofrer para aprender A
constante de sua obra se confina aos conceitos de ldquohybrisrdquo ndash a insolecircncia o
crime o pecado ndash ldquoaterdquo o castigo fatal provocado pela ldquohybrisrdquo Seus coros
satildeo muito desenvolvidos e a accedilatildeo eacute pouca Um grande liacuterico cujo meio de
expressatildeo foi a trageacutedia (BRUNA 1964 p11)
Bruna natildeo faz uma traduccedilatildeo literal do Prometeu Acorrentado A impressatildeo eacute
que em certas passagens Jaime procura entender o sentido geral do texto e a partir
disso natildeo tem receio em criar algo para tentar comunicar bem o que os personagens
envolvidos estariam sentindo no momento da accedilatildeo Veja-se a seguir uma das falas de
Hefesto traduzida por ele ldquoAi Prometeu gemo baixinho por teus sofrimentosrdquo
enquanto Dom Pedro II verte a mesma fala da seguinte forma ldquoAi ai Prometeu gemo
74
com tuas desgraccedilasrdquo Tambeacutem eacute possiacutevel que o leitor tenha certa dificuldade com o
leacutexico escolhido em algumas passagens de sua traduccedilatildeo ldquo[] infeliz de mim poreacutem
para gaacuteudio dos inimigos sofro como grimpa ao sabor dos ventosrdquo e ainda ldquoResponda
a essa mofinardquo Embora sua traduccedilatildeo seja em prosa em alguns trechos Bruna alcanccedila
efeitos sonoros interessantes ldquoDestino Destino Sinto arrepios ao ver as desventuras
de Iordquo (grifo nosso marcando assonacircncia)
Excetuando-se a curta menccedilatildeo feita por Joseacute Paulo Paes citada nessa seccedilatildeo natildeo
encontramos nenhuma outra referecircncia ao trabalho tradutoacuterio de Jaime Bruna embora
ele tivesse sido um incansaacutevel tradutor como demonstra muito bem o grande nuacutemero de
suas traduccedilotildees
17 Napoleatildeo Lopes Filho
Infelizmente natildeo conseguimos muitas informaccedilotildees biograacuteficas acerca de
Napoleatildeo Lopes Filho aleacutem das partilhadas por ele mesmo na introduccedilatildeo de sua
traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo (1967) publicada na Coleccedilatildeo Diaacutelogo da
Ribalta (Editora Vozes) Entre as traduccedilotildees publicadas pela coleccedilatildeo encontram-se a
Antiacutegone de Soacutefocles com traduccedilatildeo de Guilherme de Almeida e A Maacutequina Infernal de
Jean Cocteau com traduccedilatildeo de Manuel Bandeira Essa coleccedilatildeo traz muitas traduccedilotildees
que foram encenadas no Brasil o que nos faz acreditar que Napoleatildeo Lopes Filho esteja
de alguma forma ligado ao teatro e que sua traduccedilatildeo fora concebida para a encenaccedilatildeo
Essa hipoacutetese ganha forccedila quando lemos a seguinte advertecircncia encontrada na
contracapa do seu livro ldquoEsta peccedila natildeo poderaacute ser representada sem licenccedila da
Sociedade Brasileira de Autores Teatraisrdquo No final de seu texto introdutoacuterio o autor
tambeacutem escreve ldquoNapoleatildeo Lopes Filho Cidade do Salvador 1959rdquo Tal informaccedilatildeo eacute
bastante sugestiva pois encontramos um registro na enciclopeacutedia Itauacute Cultural de que
em 1959 no Teatro Guarany em Salvador foi encenada a peccedila A Dama das Cameacutelias
de Alexandre Dumas Filho com traduccedilatildeo de Gilda de Mello e Adaptaccedilatildeo de Benedito
de Corsi No elenco da peccedila encontramos o nome de ldquoNapoleatildeo Lopes Filhordquo Se for a
mesma pessoa nosso tradutor tambeacutem era um ator Ainda em sua introduccedilatildeo Lopes
Filho escreve
Regeu-nos neste trabalho o criteacuterio de que o verso eacute intraduziacutevel e de que a
poesia quando eacute autecircntica pode passar livremente de um a outro idioma
levando o que tem de essencial ndash a sua presenccedila (1967 p65)
75
Tais afirmaccedilotildees nos parecem um tanto quanto contraditoacuterias pois se o verso eacute
ldquointraduziacutevelrdquo como a poesia mesmo sendo ldquoautecircnticardquo poderia ldquopassar livremente de
um a outro idiomardquo Napoleatildeo natildeo explica
Aleacutem de sua traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado Napoleatildeo nos apresenta a
traduccedilatildeo de As Suplicantes de Eacutesquilo e a traduccedilatildeo do ensaio ldquoEacutesquilo como poeta das
ideiasrdquo de Gilbert Murray Vale mencionar tambeacutem o seguinte levantamento feito por
Napoleatildeo Lopes Filho das ediccedilotildees dos originais gregos de Eacutesquilo
A ediccedilatildeo princeps das trageacutedias de Eacutesquilo data de 1517 e foi impressa em
Veneza nas oficinas de Aldus Manutius Essa publicaccedilatildeo se ressente de ter
unificado uma parte das ldquoCoeacuteforasrdquo com o ldquoAgamenonrdquo falha grave que foi
reparada por Vettori quarenta anos depois quando veio a lume a ediccedilatildeo
francesa de Henri Estienne Trecircs anos mais tarde Canter em ediccedilatildeo cuidada
e conhecida pelo nome de Anvers apurou ainda mais o texto
reaproximando-o do original manuscrito A ediccedilatildeo inglesa feita sob a
responsabilidade de Lord Stanley data de 1663 e somente um seacuteculo depois
na sua ediccedilatildeo de Haia Cornelius Paw reuniu aos escoacutelios anteriormente
achegados por Stanley as notas de Robortel de Turnegravede de Henry Estienne
e de Canter publicaccedilatildeo essa feita no ano de 1745 em dois volumes Apesar
de todos esses trabalhos resultarem de estudos e pesquisas em torno do teatro
grego com o cuidado e o apuro dos eruditos as ediccedilotildees Schuumlltz em trecircs
volumes reuniram todos os textos conhecidos de Eacutesquilo e eacute reputada como a
melhor tendo aparecido em Halle nos anos de 1782 e seguintes (LOPES
FILHO 1967 p66)
A ediccedilatildeo de Stanley citada por Lopes Filho tambeacutem eacute mencionada em carta
escrita pelo Baratildeo de Paranapiacaba agrave Princesa Isabel (manter-se-aacute a ortografia original
na citaccedilatildeo)
Falta-me para elemento de consulta a traducccedilatildeo de Thomaz Stanley ediccedilatildeo
de Londres (do seculo 17) com o texto grego de um lado e do outro o latino
Depois de alguns annos de inutil pesquiza por todas as livrarias da
Europa foi descoberta essa obra (a melhor que ha sobre Eschylo) na
bibliotheca de Napoles pelo Dor Alambary Luz que ahi fez extrahir copias
da versatildeo latina de Prometheu e suas respectivas notas e m‟as remetteu
O texto original grego editado por Stanley natildeo foi remetido ao Baratildeo de
Paranapiacaba mas apenas a versatildeo latina encontrada no mesmo livro Natildeo
encontramos nenhuma menccedilatildeo feita por Dom Pedro II acerca de qual ediccedilatildeo do texto
grego utilizara para fazer sua traduccedilatildeo em prosa Contudo eacute possiacutevel que a ediccedilatildeo de
Christian Gottfried Schuumlltz tenha sido utilizada pelo Imperador tambeacutem citada por
Napoleatildeo Lopes Filho ldquoas ediccedilotildees Schuumlltz em trecircs volumes reuniram todos os textos
conhecidos de Eacutesquilo e eacute reputada como a melhor tendo aparecido em Halle nos anos
76
de 1782 e seguintesrdquo Em sua traduccedilatildeo em prosa Dom Pedro II faz a marcaccedilatildeo dos
trechos que estavam corrompidos na ediccedilatildeo que consultara (marcaccedilatildeo com ldquoXrdquo)
Doce eacute estendegraver longa vida por confiadas esperanccedilas nutrindo a alma de
brilhantes alegrias mas horroriso-me observando porque infinitos
ltuarrsoffrimentosgt [eacutes atorm]entado ltx x x x xgt Natildeo temendo Jupiter honras
demasiadamente os mortaes Prometheu por tua propria vontade ltuarrStrophe
2ordfgt32
Eia Que ingrata gratidatildeo oh amigo dize onde auxilio Que socograverro
dos ephemeros Natildeo observaste a importante fraqueza similhante a um
sonho ltuarrcomgt[] que a dos mortaes x x x cega geraccedilatildeo estaacute algemada Os
conselhos dos mortaes ltuarrnuncagt[] preferem aacute ordem estabelecida por
Jupiter
Trata-se da traduccedilatildeo de um trecho do segundo estaacutesimo da trageacutedia Na ediccedilatildeo
de Stanley publicada em 1809 natildeo haacute a indicaccedilatildeo de corrupccedilatildeo na passagem citada
Figura 24 Trecho dos versos 536-54 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de Thomas Stanley
(1809) Aeschyli tragoediae quae supersunt digitalizada pela Universidade de Cambrigde em 2010
Mas a ediccedilatildeo de Schuumlltz traz as indicaccedilotildees de corrupccedilatildeo indicadas por Dom
Pedro II (haacute de se lembrar que a traduccedilatildeo de Dom Pedro II eacute de 1871)33
32
A indicaccedilatildeo do iniacutecio da estrofe 2ordf foi feita por meio de linhas ascendentes no manuscrito partindo
dentre as palavras ldquovontaderdquo e ldquoeiardquo nas quais eacute escrito ldquo(Strophe 2ordf)rdquo como uma espeacutecie de correccedilatildeo
feita pelo autor 33 A ediccedilatildeo de Schuumlltz que tivemos acesso eacute a de 1809 embora Napoleatildeo Lopes Filho afirme que existe
uma mais antiga a de 1782
77
Figura 25 Trecho referente aos versos 536-50 do Prometeu Acorrentado ediccedilatildeo de Christian
Gottfried Schuumlltz Aeschyli tragoediae quae supersunt ac deperditarum fragmenta tambeacutem de
1809
Textos estabelecidos modernamente como o de Paul Mazon (1953) e Mark
Griffith (1997) natildeo trazem a marcaccedilatildeo de corrupccedilatildeo no verso 550 como o faz Christian
Gottfried Schuumlltz Eacute claro que Dom Pedro II poderia ter usado ediccedilotildees anteriores agraves de
Schuumlltz e Stanley Apesar disso levando-se em conta que a ediccedilatildeo de Shuumlltz era
ldquoreputada como a melhorrdquo (LOPES FILHO 1967 p66) sendo anterior a traduccedilatildeo
Imperial e tendo marcaccedilotildees de corrupccedilatildeo semelhantes eacute possiacutevel que Dom Pedro II
tenha se valido dela para fazer sua traduccedilatildeo em prosa
Ediccedilotildees modernas do original grego como a de Griffith por exemplo natildeo
constumam trazer um levantamento das ediccedilotildees anteriores sobretudo das mais antigas
Pensando nisso devemos reconhecer que as indicaccedilotildees feitas pelo tradutor Napoleatildeo
Lopes Filho foram bastante uacuteteis para termos algum conhecimento acerca das ediccedilotildees
do texto original do Prometeu Acorrentado empreendidas nos seacuteculos XVIII e XIX 34
Ao final de sua bibliografia Lopes Filho ainda escreve
34 A ediccedilatildeo de Thomas Stanley de (1809) Aeschyli tragoediae quae supersunt digitalizada pela
Universidade de Cambrigde em 2010 conteacutem os originais gregos das trageacutedias Prometeu acorrentado e
78
Para a presente traduccedilatildeo tomamos os textos de Paul Mazon ldquoEschylerdquo
Societeacute d‟Edition ldquoLes Belles Lettresrdquo acima citado Bem como o texto
castelhano impresso por Pedro Henrique Urentildea da Editorial Losada SA
Buenos Aires 1941 que se deve a uma traduccedilatildeo direta do grego de autoria de
Fernando Segundo Brieva de Salvatierra (LOPES FILHO 1967 p103)
Embora seja uma traduccedilatildeo em prosa a versatildeo de Napoleatildeo Lopes Filho natildeo
recorre geralmente agrave paraacutefrase Ele opta tambeacutem pelos nomes gregos das divindades em
vez dos advindos da tradiccedilatildeo latina Em sua traduccedilatildeo Lopes Filho distingue as partes
cantadas do coro das partes faladas escrevendo-as em itaacutelico Embora natildeo declare
abertamente parece ser possiacutevel que Napoleatildeo Lopes Filho conhecesse a liacutengua grega
pois se observa certa literalidade em sua traduccedilatildeo
Agrave guisa de exemplo veja-se o seguinte trecho de sua traduccedilatildeo
Hermes
Essas satildeo palavras e razotildees que soacute eacute possiacutevel ouvir de mentecaptos Que
coisa falta agrave tua demecircncia Porventura fosses melhor tratado se acalmariam
os teus furores Ao menos voacutes que vos condoeis de suas miseacuterias afastai-
vos deste lugar imediatamente O horrendo rugir do trovatildeo vos deixaria
atocircnitas
Coro
Dize-me e aconselha-me qualquer outra coisa e seraacutes obedecido mas as
palavras que pronunciastes natildeo as posso tolerar Como Mandas que renda
culto agrave covardia Nos males que haacute de padecer quero tomar parte com ele
pois aprendi a odiar aos traidores e natildeo haacute vileza que mais me repugne do
que essa
18 Maacuterio da Gama Kury
Segundo Adriane da Silva Duarte (2016 pp52-3)
Maacuterio da Gama Kury (1922 Sena MadureiraAC) eacute um dos mais produtivos
tradutores do grego antigo [] Advogado trabalhou por 30 anos na Vale
enquanto em paralelo estudava grego por conta proacutepria e dava iniacutecio agraves
primeiras traduccedilotildees Com a aposentadoria em 1976 dedicou-se
integralmente agrave atividade vertendo todo o teatro grego trageacutedias e comeacutedias
[] e o principal da historiografia as obras monumentais de Heroacutedoto
suplicantes com traduccedilatildeo e notas em latim do proacuteprio Stanley reunidos pelo erudito do seacuteculo XIX
Samuel Butler (1774-1839) O fac-siacutemile digitalizado da ediccedilatildeo de Christian Gottfried Schuumlltz Aeschyli
tragoediae quae supersunt ac deperditarum fragmenta tambeacutem de 1809 entre tantos e-books vendidos
no aplicativo Play Livros eacute disponibilizado gratuitamente aos seus usuaacuterios como uma espeacutecie de
ldquobrinderdquo
79
Tuciacutedides e Poliacutebio aleacutem de Aristoacuteteles e Dioacutegenes Laeacutecio editadas pela
UNB
Quando se estudam as traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado eacute faacutecil
notar que os tradutores natildeo costumam falar do seu modus operandi talvez encorajados
por seus editores a natildeo revelar o segredo do prodigioso ofiacutecio de verter um texto
estrangeiro reescrevendo-o em liacutengua portuguesa como o faria seu proacuteprio autor se
tivesse domiacutenio de nossa liacutengua mas sem deixar de ser estrangeiro
Verter um poema do grego por exemplo ou de qualquer outro idioma eacute
teoricamente pelo menos reescrevecirc-lo em portuguecircs como o faria seu proacuteprio
autor se tivesse domiacutenio operativo de nossa liacutengua mas sem no entanto
deixar de ser grego (PAES 1990 p93)
Maacuterio da Gama Kury por sua vez escreve algumas linhas revelando-nos algo
sobre sua praacutetica tradutoacuteria
Embora evitando uma linguagem empolada procuramos manter em
portuguecircs a grandiosidade tambeacutem verbal que a proacutepria peccedila tem no original
decorrecircncia loacutegica da condiccedilatildeo divina dos personagens
Para nossa traduccedilatildeo servimo-nos principalmente do texto editado por Gilbert
Murray (KURY 1993 p12)
Quando o tradutor explicita alguns de seus criteacuterios como fez Kury o criacutetico
literaacuterio pode se valer deles para apreciar e julgar a traduccedilatildeo E de fato Mario da Gama
Kury procura evitar a ldquolinguagem empoladardquo sem deixar sua traduccedilatildeo coloquial
demais Veja-se por exemplo a traduccedilatildeo da uacuteltima fala de Prometeu
Mas eis os fatos natildeo simples palavras
a terra treme e tambeacutem repercute
em seus abismos a voz do trovatildeo
em sinuosidades abrasadas
jaacute resplandece o raio um ciclone
volteia e forma turbilhotildees de poacute
os sopros do ar luacutecido se lanccedilam
uns contra os outros e se digladiam
os ventos jaacute estatildeo em plena guerra
o ceacuteu jaacute se confunde com o mar
Eis a rajada que para espantar-me
vem decididamente contra mim
mandada por Zeus todo-poderoso
Ah Minha majestosa matildee e o Eacuteter
Que faz girar ao redor deste mundo
a luz oferecida a todos noacutes
Vedes a iniquumlidade que me atinge
80
Eacutesquilo escreveu a fala citada de Prometeu em 14 versos Gama Kury a verteu
em 17 Nota-se portanto que Maacuterio da Gama Kury natildeo tende agrave literalidade
No trecho supracitado vale a pena destacar o belo verso ldquoos ventos jaacute estatildeo em
plena guerrardquo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒) trata-se de um decassiacutelabo em pentacircmetro iacircmbico um
tipo de meacutetrica que une as caracteriacutesticas de um verso heroacuteico (marcaccedilatildeo nas sexta e
deacutecima siacutelabas) e as de um saacutefico (marcaccedilatildeo na quarta oitava e deacutecima siacutelabas)
Tambeacutem nota-se um ordenamento interessante na posiccedilatildeo das siacutelabas tocircnicas nesses
outros dois versos ldquoa terra treme e tambeacutem repercute em seus abismos a voz do
trovatildeordquo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )
A grande quantidade de traduccedilotildees feitas por Maacuterio da Gama Kury denota o
imenso apreccedilo que ele devota agrave cultura e agrave literatura gregas Natildeo se conformando em
usufruir sozinho das qualidades dos textos claacutessicos Kury esforccedilou-se diligentemente
para despertar interesse semelhante em outros leitores Sua importacircncia para a histoacuteria
da traduccedilatildeo no Brasil eacute grande O nuacutemero de reediccedilotildees de sua traduccedilatildeo do Prometeu
Acorrentado (1993 1998 1999 2004 2009) soacute eacute inferior ao de JB de Mello e Souza
19 Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves
Por ser uma traduccedilatildeo com um nuacutemero escasso de exemplares encontrados e
ainda levando-se em conta que a encontramos apenas na universidade que a publicou
originalmente (Araraquara Universidade Estadual Paulista ndash Instituto de Letras
Ciecircncias Sociais e Educaccedilatildeo 1977) eacute de se supor que a traduccedilatildeo feita por Daisi
Malhadas e Maria Helena de Moura Neves era destinada principalmente aos alunos de
grego em Araraquara Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves satildeo professoras
aposentadas da Unesp embora Moura Neves ainda esteja em plena atividade aos 88
anos de idade (no tempo que a presente seccedilatildeo foi redigida) lecionando como voluntaacuteria
no Programa de Poacutes-graduccedilatildeo da Unesp aleacutem de trabalhar na Universidade
Presbiteriana Mackenzie Maria Helena de Moura Neves foi aluna de Daisi Malhadas
Embora o livro traga uma interessante introduccedilatildeo e uacuteteis notas de rodapeacute natildeo se
encontra nele a explicitaccedilatildeo dos princiacutepios que nortearam o trabalho de traduccedilatildeo e nem
a indicaccedilatildeo de quais trechos Malhadas traduziu ou Moura Neves Aleacutem das duas
autoras o livro apresenta como colaboradores Aldo Bellagamba Colesanti Leila Curi
Rodrigues Olivi Maria Nazareth Guimaratildees Cardoso e Marisa Giannecchini Gonccedilalves
81
de Souza Tambeacutem natildeo eacute informado como cada uma dessas pessoas contribui no
trabalho
Diante desses dados parece que as autoras natildeo deram tanta ecircnfase ao aspecto
autoral da traduccedilatildeo em questatildeo e a dicccedilatildeo de cada uma delas natildeo eacute facilmente
perceptiacutevel ao longo do texto
No artigo ldquoO Espetaacuteculo na Trageacutediardquo (1993) Daisi Malhadas apresenta a
traduccedilatildeo de um trecho da uacuteltima fala de Prometeu (p56) Esse trecho eacute idecircntico agrave
mesma passagem encontrada na traduccedilatildeo de 1977 ainda que natildeo faccedila referecircncia direta agrave
obra no corpo do texto e nem nas ldquoReferecircnciasrdquo Seraacute que a passagem foi traduzida
especificamente por Malhadas em 1977 Natildeo se sabe Veja-se a seguir o trecho
mencionado
Eis que com fatos natildeo mais com palavras
a terra eacute sacudida
a voz subterracircnea do trovatildeo em torno
ruge os ziguezagues do relacircmpago
brilham em chamas um turbilhatildeo remoinha
a poeira lanccedilam-se os sopros
dos ventos todos uns contra os outros
a guerra de lufadas contraacuterias estaacute declarada
confunde-se o ceacuteu com o mar
Eis que contra mim uma rajada por vontade de Zeus
para amedrontar avanccedila sob a vista de todos
No trecho destacado percebe-se que o nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas varia para
cada verso Tal decisatildeo natildeo parece ter sido tomada visando realccedilar um determinado
efeito poeacutetico mas sim para se permitir a transmissatildeo do sentido sem a restriccedilatildeo que o
nuacutemero fixo de siacutelabas poeacuteticas poderia ocasionar Tem-se a impressatildeo de que uma
correspondecircncia numeacuterica dos termos com o original natildeo eacute procurada a todo custo e
por isso natildeo proliferam os neologismos no trecho citado Desta forma o portuguecircs natildeo
eacute por assim dizer forccedilado a se tornar mais ldquohelenizadordquo Em contrapartida percebe-se
que em certos trechos uma proximidade numeacuterica e sonora dos termos com o texto de
partida parece ser mais perseguida Natildeo nos esqueccedilamos que a traduccedilatildeo foi feita por
pelo menos duas tradutoras e tais diferenccedilas embora sejam sutis talvez sejam como
que digitais de cada uma delas No seguinte trecho por exemplo percebe-se uma
82
correspondecircncia maior com o original no que se refere ao som e ao nuacutemero das palavras
em cada verso
Quadro III Anaacutelise comparativa entre original e traduccedilatildeo
Do verso 3 ao 6 a posiccedilatildeo dos termos eacute praticamente idecircntica ao original Veja-
se por exemplo a posiccedilatildeo de Ἥθαηζηε e ldquoHefestordquo ζνὶ e ldquoa tirdquo ρξὴ κέιεηλ e
ldquocompete cumprirrdquo ἐπηζηνιὰο e ldquoordensrdquo no terceiro verso Se no primeiro verso natildeo
haacute uma correspondecircncia indecircntica na posiccedilatildeo dos termos por outro lado uma
interessante semelhanccedila sonora eacute alcanccedilada Χζνλὸο (ldquosolordquo) por exemplo eacute a primeira
palavra do primeiro verso mas sua traduccedilatildeo ldquosolordquo eacute a quarta palavra na versatildeo
brasileira Apesar disso a consonte velar ldquoqrdquo de ldquoaquirdquo (primeira palavra na traduccedilatildeo)
encontra certa ressonacircncia com a tambeacutem consoante velar ldquoΧrdquo de Χζνλὸο (primeira
palavra do original) Veja-se tambeacutem a correspondecircncia sonora entre κὲν ἐς τελουξὸλ
e ldquoestamos em solordquo
A traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado natildeo foi o uacutenico projeto no qual Daisi
Malhadas e Maria Helena de Moura Neves trabalharam juntas Pode-se destacar
tambeacutem o primeiro Dicionaacuterio de Grego Claacutessico-Portuguecircs feito por helenistas
brasileiros organizado por Malhadas Moura Neves e Maria Celeste Consolin Dezotti
(publicado pela editora Ateliecirc Editorial) Ao ser perguntada pela Folha de Satildeo Paulo se
o conhecimento do grego eacute imprescindiacutevel para estudar filosofia ou literatura Daisi
Malhadas respondeu
Perguntam-me para que estudar o grego desde que comecei a estudaacute-lo Eu
procurava justificativas como ser uma das origens da liacutengua portuguesa da
filosofia uma literatura da qual se originam gecircneros atuais Atualmente digo
que o grego natildeo eacute produto de supermercado Natildeo vou procurar uma foacutermula
para que serve O grego tem a beleza da arte eacute importante em si35
35 ldquoPara ler Platatildeo no originalrdquo Folha de Satildeo Paulo caderno MAIS ediccedilatildeo de 25 de fevereiro de 2007
1Χζνλὸο κὲλ ἐο ηεινπξὸλ ἥθνκελ πέδνλ
2Σθύζελ ἐο νἷκνλ ἄβαηνλ εἰο ἐξεκίαλ
3Ἥθαηζηε ζνὶ δὲ ρξὴ κέιεηλ ἐπηζηνιὰο
4ἅο ζνη παηὴξ ἐθεῖην ηόλδε πξὸο πέηξαηο
5ὑςεινθξήκλνηο ηὸλ ιεσξγὸλ ὀρκάζαη
6ἀδακαληίλσλ δεζκῶλ ἐλ ἀξξήθηνηο πέδαηο
1Aqui estamos em solo de longiacutenqua terra
2o paiacutes cita um deserto sem vivalma
3Hefesto a ti compete cumprir as ordens
4que teu pai ditou sobre penedos
5de alcantis agrestes este celerado prender
6em infrangiacuteveis elos de grilhotildees de accedilo
83
110 O Tradutor Anocircnimo
Em nossa busca por traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado
encontramos um livro com traduccedilotildees de trecircs trageacutedias gregas e uma comeacutedia a saber
Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo Antiacutegona de Soacutefocles Medeacuteia de Euriacutepedes e As
vespas de Aristoacutefanes O livro natildeo traz nenhuma indicaccedilatildeo de quem teria sido o tradutor
ou tradutores dessas obras gregas O Tiacutetulo do livro eacute Teatro Grego Os grandes
claacutessicos Foi publicado no Rio de Janeiro no ano de 1980 Na contracapa do livro estaacute
escrito ldquoEsta ediccedilatildeo eacute reservada ao ciacuterculo de amigos de OTTO PIERRE EDITORES
LTDArdquo
Eacute difiacutecil assegurar se a mencionada ediccedilatildeo de 1980 eacute uma copilaccedilatildeo de traduccedilotildees
brasileiras anteriormente publicadas ou natildeo Antes da traduccedilatildeo do Prometeu
Acorrentado empreendida pelo Tradutor Anocircnimo foram publicadas as traduccedilotildees de
Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves (1977) de Maacuterio da Gama Kury
(1968) de Napoleatildeo Lopes Filho (1967) de Jaime Bruna (1964) JB de Mello e Souza
(1950) de Ramiz Galvatildeo (1909) e as versotildees do Baratildeo de Paranapiacaba (1907) A
traduccedilatildeo de Dom Pedro II nunca foi publicada e por isso dificilmente poderia ser
plagiada Entre todas essas traduccedilotildees a de JB de Mello e Souza eacute a que possuiu o
maior nuacutemero de reediccedilotildees (pelo menos quatro antes de 1980) Mesmo assim a uacuteltima
fala de Prometeu foi traduzida de forma muito resumida na versatildeo de Mello e Souza
Caso a traduccedilatildeo de 1980 do Tradutor Anocircnimo fosse um plaacutegio da traduccedilatildeo de JB de
Mello e Souza provavelmente existiriam rastros do plaacutegio nessa uacuteltima fala Mas natildeo eacute
isso o que acontece como se pode averiguar a seguir
Prometeu
Com efeito natildeo foi uma ameaccedila apenas a terra potildee-se a tremerO soturno
ronco jaacute se faz ouvir Turbilhotildees de poeira se erguemtodos os furacotildees
desencadeados parece que estatildeo contra mim Contra mim eacute que Jupiter
desfecha tatildeo horrendo cataclismo Oacute minha algusta matildee oacute tu divino eacuteter que
cercais o universo de luz eternavede que injustos tormentos me fazem
sofrer (JB de Mello e Souza)
Prometeu
Agraves palavras seguiram-se os atos A Terra vacila e o trovatildeo ruge surdamente
nas suas profundidades em ziguezagues inflamados estalam os raios no ar e
o furioso ceacuteu levanta o poacute em torvelinhos Os ventos precipitam-se uns contra
os outros abriu-se entre eles a contenda e o ar e o mar confundem-se Eis a
forccedila desencadeada lanccedilada com certeza contra mim pela matildeo de Zeus para
infundir-me medo Oh Majestade de minha matildee Oacute eacuteter que fazes girar ao
84
redor do mundo a luz que nos alumia a todos contemplem as iniquidades
que tenho de padecer (O Tradutor Anocircnimo)
Mas outras trecircs traduccedilotildees vertem a mesma fala de Prometeu de forma
semelhante agrave do Tradutor Anocircnimo em alguns aspectos Uma eacute anterior e a outra eacute
posterior agrave traduccedilatildeo publicada pela OTTO PIERRE EDITORES LTDA
Oacute eacuteter que fazes girar ao redor do mundo a luz que nos alumia a todos
contemplem as iniquidades que tenho de padecer (O Tradutor Anocircnimo
1980)
[] e o Eacuteter que faz girar ao redor deste mundo a luz oferecida a todos
noacutes Vedes a iniquidade que me atinge (Maacuterio da Gama Kury 1968)
Eacuteter que fazes rodar ao redor do mundo a luz comum a todos vede o
tratamento ultrajante que me afligem (Alberto Guzik 1982)
Veja-se agora o texto original (vv1091-3)
[] ὦ πάλησλ
αἰζὴξ θνηλὸλ θάνο εἱιίζζσλ
ἐζνξᾷο κ᾽ ὡο ἔθδηθα πάζρσ36
A traduccedilatildeo literal da passagem supracitada seria algo como ldquoOacute Eacuteter que volves
a luz comum de todos Vecircs quatildeo injustamente sofrordquo37
Portanto natildeo existe a palavra
ldquomundordquo no original grego embora tal palavra possa ser subentendida a partir da
expressatildeo ldquoao redor derdquo (εἱιίζζσλ) e isso eacute feito nas trecircs traduccedilotildees brasileiras
anteriormente citadas Nos trechos supracitados pode-se notar ainda que o comeccedilo da
fala de Prometeu na traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury parece ser diferente das outras
duas
ldquoMas eis os fatos natildeo simples palavrasrdquo (Maacuterio da Gama Kury)
ldquoAgraves palavras seguiram-se os atosrdquo (O Tradutor Anocircnimo)
ldquoOs atos se seguem agraves palavrasrdquo (Alberto Guzik)
36 Passagem transcrita igualmente nas ediccedilotildees de Staley (1809) Shuumlltz (1809) Paul Mazon (1953) e
Mark Griffith (1997) 37
Traduccedilatildeo literal de Dom Pedro II com exceccedilatildeo da palavra ldquoEacuteterrdquo vertida por ldquoarrdquo pelo Imperador
85
O texto original correspondente a esse trecho eacute o seguinte (v 1080)
θαὶ κὴλ ἔξγῳ θνὐθέηη κύζῳ A traduccedilatildeo literal desse verso seria algo como ldquoE de fato
e natildeo mais por palavrardquo38
Portanto natildeo haacute o verbo ldquoseguirrdquo no original grego
Seria difiacutecil o Tradutor Anocircnimo plagiar em 1980 uma traduccedilatildeo que ainda natildeo
havia sido publicada ou seja a de Alberto Guzik de 1982 (a natildeo ser que os dois autores
fossem conhecidos e tivessem acesso muacutetuo aos originais ainda natildeo publicados o que
parece ser improvaacutevel ou ainda que se tratasse do mesmo autor isto eacute o proacuteprio
Alberto Guzik algo que nos parece inverossiacutemil) Por outro lado natildeo acreditamos que
Guzik tenha plagiado a traduccedilatildeo do Tradutor Anocircnimo A traduccedilatildeo deste natildeo foi
publicada em larga escala mas reservada a um ldquociacuterculo de amigos de OTTO PIERRE
EDITORES LTDArdquo natildeo era um livro que circulava em profusatildeo Por isso supomos
que elas tenham uma influecircncia comum aleacutem do texto original grego talvez uma
traduccedilatildeo estrangeira do Prometeu Acorrentado
Conta-se que em meio ao panteatildeo grego os atenienses contruiacuteram um altar com
a seguinte inscriccedilatildeo ldquoAo deus desconhecidordquo (agnoacutestoi theocirci) No caso presente o
exemplo ateniense nos inspira a natildeo privar o Tradutor Desconhecido de um lugar no rol
das versotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado em nosso trabalho
111 Alberto Guzik
Segundo a Enciclopeacutedia Itauacute Cultural Alberto Guzik (1944 - 2010) foi um autor
e ator de peccedilas teatrais Envolveu-se com a atividade teatral desde os 5 anos
quando ingressou no Teatro Escola Satildeo Paulo grupo orientado por Tatiana Belinky e
Juacutelio Gouvecirca participando do elenco de Peter Pan em 1949 Formou-se em direito pela
Mackenzie mas nunca exerceu a profissatildeo Tambeacutem cursou a Escola de Arte
Dramaacutetica (EAD) que concluiu em 1966 Alberto Guzik foi criacutetico de teatro da Isto Eacute
de 1978 a 1981 Desde 1984 coolaborou com o Caderno 2 de O Estado de S Paulo
Mestre em teatro pela Escola de Comunicaccedilotildees e Artes da Universidade de Satildeo Paulo
ECAUSP defendeu em 1982 a dissertaccedilatildeo TBC Crocircnica de Um Sonho Em 1995
Alberto publica o romance Um Risco de Vida indicado ao Precircmio Jabuti Como
dramaturgo estreacuteia com a peccedila Um Deus Cruel em 1997
Alberto Guzik fez parte de uma equipe de tradutores sob a direccedilatildeo de J
Guinsburg na qual contribuiu com a traduccedilatildeo dos livros A trageacutedia Grega de Albin
38
Traduccedilatildeo de Dom Pedro II
86
Lesky (1971) Fim do povo judeu de Georges Friedmann (1969) e Rei de Carne e
Osso de Moscheacute Schamir (1971)
Natildeo existem referecircncias claras se Alberto traduziu o Prometeu Acorrentado a
partir do original grego e tambeacutem em nenhuma das biografias encontradas foi
mencionado que ele estudara essa liacutengua Enviamos uma mensagem para seu blog
visando encontrar alguma pista a esse respeito Aimar Labaki depois de consultar a
dramaturga Maria Adelaide do Amaral respondeu-nos que provavelmente Alberto
fizera sua traduccedilatildeo do inglecircs ou do francecircs Isso daria forccedila agrave hipoacutetese apresentada na
seccedilatildeo anterior de que O Tradutor Desconhecido e Alberto Guzik teriam consultado a
mesma traduccedilatildeo estrangeira do Prometeu para fazerem suas respectivas traduccedilotildees em
portuguecircs
Existem vaacuterias indicaccedilotildees de cena ao longo de sua traduccedilatildeo o que nos faz
pensar que Guzik vislumbrava a possibilidade de sua traduccedilatildeo ser encenada Sua prosa eacute
fluente conseguindo expressar bem a tenacidade de Prometeu ldquoFaccedilas o que fizeres natildeo
conseguiraacutes fazer perecer o deus que eu sourdquo Outras vezes vale-se da ambiguidade dos
termos para potencializar a dramaticidade ldquoEle deus desejou unir a esta mortal e fez
dela a vagabunda que podes verrdquo
Guzik tambeacutem faz um uso bastante peculiar das interjeiccedilotildees
Io
Aaah As convulccedilotildees voltam a se apoderar de mim e o deliacuterio que transporta
minha alma queima e inflama
[]
Hermes
Pareces natildeo querer dizer nada do que deseja meu pai
Prometeu
Ooh Mas claro Vista minha diacutevida para com ele eu deveria lhe pagar com
meu reconhecimento natildeo eacute mesmo
Sendo um homem do teatro Guzik se dispocircs a traduzir uma obra daquele que
fora considerado o ldquopai da trageacutediardquo Talvez ao traduzi-la esse importante dramaturgo
brasileiro refletiu mais atentamente sobre a origem do gecircnero de arte a que tanto se
dedicou o drama
87
112 Jaa Torrano
Em marccedilo de 1971 Joseacute Antonio Alves Torrano (Jaa Torrano) chegara a Satildeo
Paulo para iniciar seus estudos de Liacutengua e Literatura Grega na Universidade de Satildeo
Paulo
Eu estava desempregado e incerto a respeito de que fazer e de como me
manter sozinho longe de minha famiacutelia na imensa erma e solitaacuteria cidade de
Satildeo Paulo [] Quando ainda morava em Catanduva fiz uma esforccedilada e
malsucedida tentativa de estudar grego claacutessico sozinho com os livros
tomados agraves bibliotecas do coleacutegio e da prefeitura (TORRANO 2006 p4)
O ProfAntonio da Silveira Mendonccedila professor de latim aposentado da USP
guarda algumas lembranccedilas daquele jovem aluno da USP
Como a maioria de noacutes Torrano chegou agrave USP de bolsos vazios Teve que
trabalhar enquanto estudava Se eu natildeo me engano ele trabalhou em uma
reparticcedilatildeo do Estado Mesmo assim ele natildeo se descurava dos estudos Era
extremamente esforccedilado Tambeacutem me lembro que o Torrano tinha um
profundo respeito e admiraccedilatildeo pelo seu professor de Grego O nome desse
professor era Cavalcante
Sobre o professor Cavalcante Jaa Torrano escreve em seu Memorial
No segundo semestre de 1971 convidado por uma colega mais experiente
fui assistir como ouvinte as aulas do curso sobre os filoacutesofos preacute-socraacuteticos
ministrado pelo Prof Dr Joseacute Cavalcante de Souza no Dept de Filosofia A
colega mais experiente me disse ldquoObserva como os olhos dele brilham
quando ele explica as palavras dos versos ou dos fragmentosrdquo Era verdade
Tambeacutem fiquei encantado com as aulas do Prof Cavalcante decorei os
versos de Parmecircnides e os fragmentos de Heraacuteclito recitava-os repetidas
vezes em silecircncio ou em voz alta lia e refletia sobre os enigmas da liacutengua e
do pensamento gregos assinalados pelo professor e desafiados em suas aulas
A meu ver na figura algo socraacutetica do Prof Cavalcante tanto durante suas
aulas quanto fora delas brilhava a magnificecircncia do simples (TORRANO
2006 p5)
A concepccedilatildeo que o Prof Cavalcante tinha sobre traduccedilatildeo teve um grande
impacto sobre a poeacutetica tradutoacuteria de seu aluno
A traduccedilatildeo para o professor Cavalcante estava a serviccedilo da hermenecircutica de
documentos literaacuterios e portanto o acircmbito da traduccedilatildeo eacute o da
interdisciplinaridade entre Histoacuteria Filosofia e Poesia (TORRANO apud
MALTA 2015 p186)
Para Torrano essa busca hermenecircutica de um entendimento mais acurado do
texto antigo por meio da traduccedilatildeo encontrou um eco expressivo nos famosos
ldquoparaacutegrafos metodoloacutegicosrdquo de Tuciacutedides (Histoacuteria da Guerra do Peloponeso 120-22)
Nesses paraacutegrafos o famoso historiador grego utiliza a palavra ldquoacribiardquo (rigor
88
exatidatildeo) afirmando que em seu trabalho a busca pela exatidatildeo no relato dos fatos
prevaleceria sobre o agrado que pudesse despertar em seus leitores Da mesma forma
parece que a preocupaccedilatildeo maior no trabalho tradutoacuterio de Torrano eacute a busca pela
exatidatildeo dos termos originais Isso eacute peceptiacutevel por exemplo no proacuteprio tiacutetulo de sua
traduccedilatildeo de 2009 Prometeu Cadeeiro como ele mesmo explica
O nome ldquodesmoacutetesrdquo eacute formado do mesmo tema de desmaacute e do sufixo de
nome de agente -tes Com esses elementos o sentido originaacuterio desse nome
eacute ldquoo encadeadorrdquo e aponta a competecircncia teacutecnica que faz de Prometeu um
Deus congecircnere (syggeneacutes cf Pr 14 e 39) de Hefesto a saber a arte
metaluacutergica com que se fabricam cadeias e todos os meios de encadear e de
prender Desmoacutetes portanto significa ldquoo senhor das cadeiasrdquo [] Ao dar
tiacutetulo a esta trageacutedia cujo tema central eacute a privaccedilatildeo de poderes e a
passividade em que se vecirc encadeado e imobilizado o Titatilde ao ser excluiacutedo de
toda participaccedilatildeo em Zeus o nome Desmoacutetes sofre uma mutaccedilatildeo de sentido
e adquire o sentido passivo que figura nos tiacutetulos das traduccedilotildees tradicionais
ldquoPrometeu encadeadordquo ou ldquoacorrentadordquo ou ldquoagrilhoadordquo etc Para indicar
essa mutaccedilatildeo e ambiguidade do tiacutetulo eacute necessaacuterio um nome de fabricante de
cadeias que tenha essa duplicidade de sentido ativo e passivo Em dois textos
diversos numa paacutegina de Memoacuterias do Caacutercere de Graciliano Ramos e no
verbete do Grande e Noviacutessimo Dicionaacuterio de Liacutengua Portuguesa de
Laudelino Freire pode-se verificar que a palavra ldquocadeeirordquo tem essa
duplicidade de sentido (TORRANO 2009 pp 327-8)
Essa busca por exatidatildeo (ldquoacribiardquo) natildeo tem sido um caminho faacutecil para Torrano
como ele mesmo afirma em entrevista dada a Andreacute Malta
[] mas este ideal estiliacutestico de precisatildeo concisatildeo e simplicidade ainda me
parece ora uma perene aspiraccedilatildeo ora a miragem de uma perene aspiraccedilatildeo
Sob esse aspecto o pior foi a traduccedilatildeo de Prometeu Prisioneiro publicada
em 1985 pelo seguinte motivo aleacutem de todas as exigecircncias impostas pelos
ideais estiliacutesticos de precisatildeo clareza e acribia poeacutetica havia uma
inacreditaacutevel exigecircncia extraordinaacuteria de manter no ponto de chegada
vernaacuteculo ndash tanto quanto possiacutevel ndash a mesma ordem das palavras que do
ponto de partida helecircnico Natildeo atribuo esse disparate ao meu professor mas a
uma brincadeira de Hermes com a minha admiraccedilatildeo amizade e estima por
meu professor quando percebi a piscada de Hermes refiz a traduccedilatildeo a que
dei o novo tiacutetulo Prometeu Cadeeiro (MALTA 2015 p187)
Veja-se a seguir algumas comparaccedilotildees entre as duas traduccedilotildees
ὦ δῖνο αἰζὴξ καὶ ηαρύπηεξνη πλναί
πνηακῶλ τε πεγαί πνληίσλ τε θπκάησλ
ἀλήξηζκνλ γέιαζκα πακκῆηόξ τε γῆ
θαὶ ηὸλ παλόπηελ θύθινλ ἡιίνπ θαιῶ
ἴδεζζέ κ᾽ νἷα πξὸο ζεῶλ πάζρσ ζεόο (vv89-92 grifo nosso)
89
Oacute divino Aitheacuter velozes alados ventos
fontes de rios das marinas ondas
inuacutemero riso omnimatildee Terra
e o omnividente ciacuterculo do Sol invoco
Vede-me o que dos Deuses padeccedilo Deus
(Prometeu Prisioneiro 1985)
Oacute divino Fulgor e velozes alados ventos
e fontes de rios e inuacutemero brilho
de ondas marinhas e Terra matildee de todos
e invoco o onividente ciacuterculo do sol
Vede-me que dos Deuses padeccedilo Deus
(Prometeu Cadeeiro 2009 grifo nosso)
Na traduccedilatildeo de 2009 nota-se que Torrano procura reproduzir a sequecircncia de
conjuccedilotildees presentes no original grego (θαὶηεηεηε) Ele natildeo fizera isso em sua
traduccedilatildeo de 1985 Esse recurso daacute um tom mais declamatoacuterio e meloacutedico agrave traduccedilatildeo de
2009 como se ela tivesse sido pensada natildeo soacute para ser lida em silecircncio Como visto
Torrano contara que em seu tempo de estudante decorava versos de Parmecircnides e
fragmentos de Heraacuteclito os quais recitava ldquorepetidas vezes em silecircncio ou em voz altardquo
Diante disso natildeo nos parece improvaacutevel que Torrano faccedila o mesmo com suas
traduccedilotildees Embora a versatildeo de 2009 natildeo possua um nuacutemero fixo de siacutelabas poeacuteticas
para todos os versos eacute possiacutevel perceber certo cuidado por parte de Torrano em relaccedilatildeo
agrave sonoridade de seu texto E de fato para M Said Ali
Ritmo eacute o que nos impressiona quer a vista quer o ouvido pela sua repeticcedilatildeo
frequente com intervalos regulares Condiccedilatildeo essencial deste conceito eacute que
os nossos sentidos possam perceber com facilidade a reiteraccedilatildeo [] Os olhos
notam ritmo no andamento do pecircndulo na marcha de um batalhatildeo e natildeo o
percebem na carreira veloz nem no rastejar [] Produzem no ouvido a
sensaccedilatildeo do ritmo reiteraccedilotildees superiores a 30 por minuto e inferiores a 140
(ALI 2006 p29-30)
Embora o perfil de tradutor de Torrano natildeo nos permita imaginar que ele fique
tamborilando na mesa contanto siacutelabas poeacuteticas enquanto escreve suas traduccedilotildees jaacute
tivemos por outro lado a ventura de ouvi-lo lendo alguns trechos de suas traduccedilotildees das
trageacutedias de Euriacutepides A impressatildeo que tivemos eacute que haacute certa regularidade no ritmo de
seus versos durante a leitura Veja-se por exemplo como os hendecassiacutelabos
prevalecem em sua dicccedilatildeo no trecho a seguir
90
1Oacute divino Fulgor e velozes alados ventos (14 siacutelabas poeacuteticas)
2e fontes de rios e inuacutemero brilho (Hendecassiacutelabo)
3de ondas marinhas e Terra matildee de todos (Hendecassiacutelabo)
4e invoco o onividente ciacuterculo do Sol (Dodecassiacutelabo)
5Vede-me que dos Deuses padeccedilo Deus (Hendecassiacutelabo)
(Prometeu Cadeeiro 2009)
Percebe-se um nuacutemero maior de neologismos em Prometeu Prisioneiro (1985)
em comparaccedilatildeo com Prometeu Cadeeiro (2009) ldquorectivolenterdquo ldquomarimuacutermeresrdquo
ldquoaltiacutengremesrdquo ldquoomnimatildeerdquo ldquolargiacutefluosrdquo Mas existem elementos no trabalho de
Torrano que natildeo mudam com o passar dos anos Satildeo como marcas que em conjunto
possibilitam distinguir suas traduccedilotildees das outras mesmo que natildeo estivessem assinadas
Uma delas eacute o fato de que Torrano natildeo traduz ndash talvez movido pelo seu princiacutepio de
ldquoacribiardquo ndash nenhuma das interjeiccedilotildees gregas
A liacutengua grega possui uma grande variedade de interjeiccedilotildees quase sempre
traduzidas simplesmente por ldquoAirdquo Torrano por sua vez apenas lhes translitera Sobre
esse ponto ele escreveu em nota para sua traduccedilatildeo da Medeia de Euriacutepides (1991)
Gritos de dor de alegria ou de espanto natildeo se traduzem Mantivemos as
interjeiccedilotildees tatildeo peculiares agrave trageacutedia tais e quais apenas transliterando-as
por supormos que o sentido geral do contexto e da situaccedilatildeo baste para
libertar-hes toda a carga emotiva e valor afetivo (TORRANO 1991 p25)
Outra caracteriacutestica notaacutevel e sempre utilizada por Torrano em suas traduccedilotildees
de trageacutedia grega eacute escrever as palavras ldquodeusrdquo e ldquodeusesrdquo ldquodeusardquo e ldquodeusasrdquo com a
inicial em letra maiuacutescula Dentre todas as versotildees brasileiras do Prometeu
Acorrentado somente o Baratildeo de Paranapiacaba e Torrano fazem isso Se olharmos
aleacutem das traduccedilotildees do Prometeu Haroldo de Campos tambeacutem empregou tal recurso em
sua traduccedilatildeo da Iliacuteada Veja-se a seguir
A ira Deusa celebra do peleio Aquiles
o irado desvario que aos Aqueus tantas penas
trouxe e incontaacuteveis almas arrojou no Hades
de valentes de heroacuteis espoacutelio para os catildees
pasto de aves rapaces fez-se a lei de Zeus
desde que por primeiro a discoacuterdia apartou
o Atreide chefe de homens e o divino Aquiles
Que Deus posto entre ambos provocou a rixa
91
Por outro lado veja-se a proposta de Carlos Alberto Nunes para a mesma
passagem
Canta-me a coacutelera ndash oacute deusa ndash funesta do Aquileu Pelida
causa que foi de os aquivos sofrerem trabalhos sem conta
e de baixarem para o Hades as almas de heroacuteis numerosos
e esclarecidos ficando eles proacuteprios aos catildees atirados
e como pasto das aves Cumpriu-se de Zeus o desiacutegno
desde o princiacutepio em que os dois em discoacuterdia ficaram cindidos
o de Atreu filho senhor de guerreiros e Aquileu divino
Qual dentre os deuses eternos foi a causa de que eles brigassem
Por fim aquele jovem que chegou de bolsos vazios na USP atualmente
completou mais de 40 anos como professor de Liacutengua e Literatura Grega na mesma
universidade onde se formou aleacutem de ser um dos mais proliacuteferos tradutores brasileiros
Ele ldquocriou uma forma muito particular de transposiccedilatildeo segundo a qual verter eacute fonte e
fim da atividade de interpretaccedilatildeordquo (MALTA 2015 p185)
113 Trajano Vieira
Segundo a Professora de Liacutengua e Literatura Grega da USP Adriane da Silva
Duarte (2016 p52)
Trajano Vieira tambeacutem fez seus estudos na USP e hoje eacute professor no IEL
[Intituto de Estudos da Linguagem] Unicamp Sua atividade acadecircmica eacute
indissociaacutevel de seu projeto tradutoacuterio Colaborador de Haroldo de Campos
na transcriaccedilatildeo da Iliacuteada de cuja poeacutetica se aproxima verteu a Odisseia (SP
Editora 34 2011) obra que fez juz ao precircmio Jabuti de traduccedilatildeo em 2012
Tem se dedicado agrave traduccedilatildeo do teatro grego sempre procurando soluccedilotildees
poeacuteticas variadas
Devemos reconhecer que o livro Trecircs Trageacutedias Gregas (1997) organizado por
Trajano Vieira (no qual estaacute o ensaio ldquoO Prometeu dos barotildeesrdquo de Haroldo de Campos)
e o texto apresentado por Adriane da Silva Duarte na XVI Jornada de Estudos da
Antiguidade ldquoEm Bom Portuguecircs a traduccedilatildeo dos claacutessicos greco-latinos no Brasilrdquo
(CEIA UFF publicado em 2016) foram os principais catalizadores da presente
pesquisa
Duarte (2016) faz um apanhado geral dos nomes significativos para a histoacuteria da
traduccedilatildeo dos claacutessicos greco-latinos no Brasil Entre essas figuras eacute mencionado o nome
de Dom Pedro II O texto tambeacutem informa que o Imperador solicitara aos barotildees a
92
realizaccedilatildeo de versotildees poeacuteticas a partir de sua traduccedilatildeo em prosa Na eacutepoca em que
lemos o texto em 2016 jaacute conheciacuteamos o papel de Dom Pedro II como patrocinador
das letras e das artes no Segundo Impeacuterio mas natildeo sabiacuteamos que ele proacuteprio se
dedicava agrave praacutetica tradutoacuteria e que tinha traduzido o Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo
Por meio da bibliografia encontrada no texto de Duarte chegamos ao livro Trecircs
Trageacutedias Gregas na esperanccedila de encontrarmos a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II
na iacutentegra Embora natildeo haja nenhuma transcriccedilatildeo ou anaacutelise da traduccedilatildeo em prosa de
Dom Pedro II nessas duas produccedilotildees acadecircmicas seriacuteamos injustos se natildeo
mencionaacutessemos a importacircncia que tiveram o texto de Adriane da Silva Duarte e o livro
organizado por Trajano Vieira despertando-nos o interesse para esse tema Olhando
para traacutes percebemos que sem essas duas produccedilotildees provavelmente a presente
dissertaccedilatildeo natildeo existiria
Em entrevista dada a Pedro Paulo Funari (Programa Diaacutelogo sem Fronteira
2012) Trajano Vieira afirma que a ldquotraduccedilatildeo criativa natildeo se coloca diante do original
de maneira submissa [] O tradutor aceita o desafio de dialogar com o originalrdquo Eacute
interessante essa afirmaccedilatildeo de Vieira A traduccedilatildeo criativa natildeo eacute um monoacutelogo no qual
apenas o autor originial se revela Isso fica evidente no seguinte trecho de sua
ldquotranscriaccedilatildeordquo da trageacutedia Prometeu Acorrentado
Prometeu
Adora adula invoca sempre o rei
Natildeo vale para mim nenhum vinteacutem
Que ele vigore em seu fugaz impeacuterio
No Olimpo seu poder seraacute efecircmero
Jaacute posso ver o leva-e-traz de Zeus
moleque-de-recado do tirano
Creio que traz consigo alguma nova
Embora expressem bem o desprezo que Prometeu estava sentindo por Hermes
no momento da fala as palavras em negrito (ldquovinteacutemrdquo ldquoleva-e-trazrdquo e ldquomoleque-de-
recadordquo) satildeo pouco convencionais em traduccedilotildees dos claacutessicos gregos Trajano em seu
diaacutelogo com o texto original alude a expressotildees proverbiais famosas em portuguecircs
como nesses versos de sua traduccedilatildeo do Aacutejax ldquo Quem te viu infeliz e quem te vecirc
digno de pranto ateacute dos inimigosrdquo ou nesta fala de Menelau ldquoBato na mesma tecla natildeo
o enterresrdquo A voz moderna de Trajano aqui eacute expliacutecita pois evidentemente entre os
gregos antigos natildeo existiam calculadoras maacutequinas de escrever ou piano para se bater
93
ldquona mesma teclardquo Ainda no trecho supracitado do Prometeu eacute possiacutevel notar as
seguintes aliteraccedilotildees e assonacircncias
Adora adula invoca sempre o rei
Natildeo vale para mim nenhum vinteacutem
Nota-se tambeacutem a intencionalidade poeacutetica do tradutor por meio da regularidade
do nuacutemero das siacutelabas poeacuteticas
Adora adula invoca sempre o rei (Decassiacutelabo)
Natildeo vale para mim nenhum vinteacutem (Decassiacutelabo)
Que ele vigore em seu fugaz impeacuterio (Decassiacutelabo)
No Olimpo seu poder seraacute efecircmero (Decassiacutelabo)
Jaacute posso ver o leva-e-traz de Zeus (Decassiacutelabo)
Moleque-de-recado do tirano (Decassiacutelabo)
Creio que traz consigo alguma nova (Decassiacutelabo)
Veja-se outra passagem interessante de sua traduccedilatildeo
Me cansas Natildeo sou onda para entrar
no teu embalo Deixo tudo claro
Zeus natildeo me atemoriza como agrave fecircmea
Natildeo peccedilo que me livre das algemas
como a mulher que estende palmas suacuteplices
Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter
Na traduccedilatildeo literal de Dom Pedro II encontra-se a mesma passagem vertida da
seguinte forma
Debalde me importunas como uma onda convencendo-me Nunca te entre
na cabeccedila que eu aterrado pelo designio de Juacutepiter me tornarei mulheril e
suplicarei com elevaccedilotildees femininas de matildeos ao grandemente odiado que me
solte destas cadeias estou inteiramente longe disto
Cotejando-se a soluccedilatildeo de Trajano Vieira com a versatildeo do Imperador a
proposta ldquotranscriadorardquo de Vieira se torna ainda mais evidente ldquoMe cansas Natildeo sou
onda para entrar no teu embalordquo
Em sentido lato os tradutores brasileiros tecircm optado por escolher ou os nomes
gregos das divindades ou os da tradiccedilatildeo latina Vieira por seu turno opta por utilizar as
duas tradiccedilotildees na passagem citada visando alcanccedilar uma criativa rima soante (rima de
vogais)
Me cansas Natildeo sou onda para entrar
no teu embalo Deixo tudo claro
Zeus natildeo me atemoriza como agrave fecircmea
94
Natildeo peccedilo que me livre das algemas
como a mulher que estende palmas suacuteplices
Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter
Nota-se ainda a confluecircncia de sons encontrada entre as palavras ldquosuacuteplicesrdquo e
ldquoexpliacutecitordquo
como a mulher que estende palmas suacuteplices
Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter
E a rima soante e interna encontrada no segundo verso da passagem citada
Me cansas Natildeo sou onda para entrar
no teu embalo Deixo tudo claro
A sequecircncia de trecircs proparoxiacutetonas intercaladas por duas palavras entre elas
cria um efeito interessante como se Prometeu estivesse ldquocuspindordquo as palavras cheio de
oacutedio
como a mulher que estende palmas suacuteplices
Natildeo fui expliacutecito Eu detesto Juacutepiter
Vale a pena ainda citar a uacuteltima fala de Prometeu Trajano Veira visando
expressar adequadamente a carga emotiva do Titatilde diante da portentosa fuacuteria de Zeus
opta por um metro mais curto (octossiacutelabo) fazendo com que a fala do titatilde se torne
ainda mais acelerada
Cala a palavra Fala o ato
a terra toda treme rouco
o ronco do trovatildeo ecoa
relacircmpagos acendem tranccedilas
de fogo o remoinho roda
a poeira rajadas irrompem
e encenam uma guerra aeacuteria
Ceacuteu no mar confusatildeo extrema
Eacute Zeus o autor dessa intempeacuterie
Quer abater-me de pavor
Matildee veneraacutevel Eacuteter luz
Moldura moacutevel do universo
Contempla minha pena injusta
Para finalizar a presente seccedilatildeo cita-se a seguir mais um trecho da entrevista jaacute
mencionada de Trajano Vieira
95
De uma forma geral acho que a gente como tradutor deve assumir riscos
Mesmo que o resultado natildeo seja o mais adequado no final Mas o gesto
corajoso me parece ser mais interessante do que uma atitude submissa Eacute pelo
menos assim que eu penso [] Para mim a traduccedilatildeo estaacute ligada agrave satisfaccedilatildeo
Eu jamais conseguiria traduzir um texto sob encomenda ateacute gostaria mas eu
natildeo consigo Soacute consigo traduzir textos que despertem num certo momento
de leitura a minha atenccedilatildeo para algo e a partir dali eu comeccedilo a traduzir
Conclusatildeo
Mauri Furlan afirma que a traduccedilatildeo eacute ldquohistoacuterica e reflete uma concepccedilatildeo
histoacuterica da linguagem e portanto mutaacutevel atraveacutes dos temposrdquo (2015 p247) O
exemplo das versotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado parece confirmar tal
afirmaccedilatildeo Natildeo haacute versotildees idecircnticas nem mesmo entre duas traduccedilotildees empreendidas
pelo mesmo autor como nos casos de Paranapiacaba e Jaa Torrano Tambeacutem os
exemplos citados parecem indicar que devemos ter cuidado em ver as versotildees poeacuteticas
do Baratildeo de Paranapiacaba unicamente como a ldquo traduccedilatildeo de Dom Pedro II em versosrdquo
A leitura da trageacutedia diverge em pontos importantes como por exemplo a questatildeo da
cumplicidade entre Oceano e Prometeu Nas versotildees de Paranapiacaba Oceano eacute
cuacutemplice de Prometeu apenas no sentido de se condoer com a situaccedilatildeo do Titatilde
encadeado mas nas traduccedilotildees de Dom Pedro II e Ramiz Galvatildeo a leitura parece sugerir
que Oceano participara de alguma forma dos planos de Prometeu para socorrer a
humanidade mas saiu ileso Portanto se as versotildees de Paranapiacaba fossem apenas
adaptaccedilotildees da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II elas dificilmente difeririam na
leitura dessa passagem Uma anaacutelise mais detalhada da traduccedilatildeo Imperial e das versotildees
poeacuteticas de Paranapiacaba como a empreendida no proacuteximo capiacutetulo parece tambeacutem
fortalecer essa tese
A traduccedilatildeo de J B de Mello e Souza eacute a que possui o maior nuacutemero de ediccedilotildees
nove no total se contarmos tambeacutem a ediccedilatildeo original (1950 1964 1966 19691970
1998 2001 2002 2005) Ela retoma a tradiccedilatildeo comeccedilada pelos barotildees e Dom Pedro II
depois de quatro deacutecadas sem que o Prometeu fosse novamente traduzido
Contando com as reediccedilotildees as deacutecadas de 60 e a de 90 do seacuteculo passado foram
as que nos deram o maior nuacutemero de publicaccedilotildees do Prometeu Acorrentado sete para
96
cada uma delas39
Coincidecircncia ou natildeo foi justamente na deacutecada de 60 que ocorreu o
golpe militar no Brasil iniciando um periacuteodo de ditadura que soacute terminaria no final da
deacutecada de 80 Isso parece indicar certa tendecircncia pela qual a famosa trageacutedia de Eacutesquilo
foi lida e interpretada40
Dom Pedro II manifestou o desejo de traduzir o Prometeu Acorrentado enquanto
estava envolvido na longa e cruenta Guerra do Paraguai Talvez o choque entre uma
monarquia constitucional e uma ditadura em efetiva expansatildeo tenha suscitado no
Imperador o interesse por essa trageacutedia grega Como se sabe Dom Pedro II era um
inegaacutevel incentivador das letras e das artes e natildeo seria difiacutecil para ele se identificar com
Prometeu que afirma em uma passagem da trageacutedia ldquoEm poucas palavras aprende tudo
de uma vez todas as artes proviram aos mortais de Prometeurdquo (traduccedilatildeo de Dom Pedro
II) No entanto a leitura proposta por Jaa Torrano nos chama atenccedilatildeo para a
possibilidade de que Eacutesquilo natildeo pretendesse encenar uma espeacutecie de manifesto contra a
tirania mas instigar uma interessante e complexa reflexatildeo sobre a soberania de Zeus
39
Deacutecada de 60 J B de Mello e Souza (1964 1966 1969) Jaime Bruna (1964 1968) Napoleatildeo Lopes
Filho (1967) e Maacuterio da Gama Kury (1968) Deacutecada de 90 Maacuterio da Gama Kury (1993 1998 1999)
Trajano Vieira (1997) Jaime Bruna (1996) JB de Mello e Souza (1998) e Ramiz Galvatildeo (1997)
40 Segundo Daisi Malhadas (1988 p105) ldquoCom uma certa regularidade particularmente a partir da
deacutecada de sessenta tem havido no Brasil montagens de peccedilas gregas do seacuteculo V aCrdquo Entre as
encenaccedilotildees modernas ocorridas no periacuteodo pode-se destacar Eacutedipo Rei em 1967 dirigida por Flaacutevio
Rangel com Paulo Autran no papel de Eacutedipo Electra em 1965 direccedilatildeo de Antocircnio Abujanra Prometeu
Acorrentado em 1969 direccedilatildeo de Emiacutelio Di Biasi Em 1975 ldquotivemos uma das mais expressivas criaccedilotildees
inspirada na trageacutedia Medeia de Euriacutepides A Gota d‟aacutegua do dramaturgo e diretor de teatro Paulo Pontes
e de Francisco Buarque de Holanda famoso compositor de muacutesica popular brasileira tratado mais
comumente pelo cognome de Chico Buarquerdquo(ibidem p109) No ano de 1979 houve mais uma
encenaccedilatildeo do Prometeu Acorrentado desta vez sob a direccedilatildeo de Ivan Albuquerque
97
CAPIacuteTULO 2 ndash Anaacutelise da traduccedilatildeo de Dom Pedro II e de suas versotildees
poeacuteticas
No artigo ldquoEm busca da tradiccedilatildeo perdidardquo Paula da Cunha Correcirca professora de
Liacutengua e Literatura Grega da Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da
USP coteja trechos de trecircs traduccedilotildees brasileiras do Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo
Os autores das traduccedilotildees analisadas por Correcirca satildeo Ramiz Galvatildeo Joatildeo Cardoso de
Menezes e Trajano Vieira Dentre as duas versotildees de Paranapiacaba Paula da Cunha
Correcirca analisa a versatildeo na qual predominam os decassiacutelabos soltos No presente
capiacutetulo a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II e a versatildeo poeacutetica na qual o Baratildeo de
Paranapiacaba emprega as rimas seratildeo observadas em confronto com a versatildeo em que
predominam os decassiacutelabos soltos evocando-se muitas vezes as consideraccedilotildees feitas
por Correcirca em seu artigo A proposta nos parece vantajosa pelos seguintes motivos
1) Correcirca faz uma anaacutelise cuidadosa baseando-se em estudos filoloacutegicos de
autores como Chantraine (1954) Griffith (1983) e ML West (1990)41
Prudentemente a professora e pesquisadora uspiana comenta
Fazer criacutetica de traduccedilatildeo eacute tarefa ingrata na qual eacute possiacutevel cometer as mais
graves injusticcedilas Pois se o bom tradutor estaacute sempre sacrificando uma
passagem ou um aspecto do texto para compensaacute-lo de outra forma ou em
outro lugar a lente do criacutetico pode incidir justamente sobre seus versos
menos felizes ou ao contraacuterio apenas pinccedilar os melhores para favorececirc-lo
(CORREcircA 1999 p175)
2) Como Correcirca natildeo tinha DPedro II em mente valendo-se de seus
comentaacuterios acerca das soluccedilotildees oferecidas pelas traduccedilotildees de Trajano
Vieira Ramiz Galvatildeo e Joatildeo Cardozo de Menezes pode-se alcanccedilar um
escopo maior com a inclusatildeo da versatildeo de D Pedro II e da outra versatildeo do
Baratildeo de Paranapicaba
Na anaacutelise proposta seguir-se-aacute a ordem encontrada no artigo de Correcirca quanto
agraves citaccedilotildees dos textos gregos e dos seus posicionamentos frente agraves traduccedilotildees analisadas
Levando-se em conta que as versotildees do Baratildeo de Paranapiacaba e a de Ramiz Galvatildeo
41 Aleacutem da contribuiccedilatildeo dada por Chantraine em seu artigo ldquoA propos de ladverbe ionien ιmicroίσο ιέσοrdquo
cita-se a contribuiccedilatildeo de ML West em Studies in Aeschylus Stuttgart 1990
98
foram incentivadas por Dom Pedro II dar-se-aacute ecircnfase a elas nas citaccedilotildees as quais seratildeo
seguidas pelos comentaacuterios de Correcirca e pelos trechos correspondentes da traduccedilatildeo em
prosa de DPedro II e da outra versatildeo poeacutetica de Paranapiacaba
21 Primeira rodada de leitura
Principiemos a anaacutelise proposta pela primeira passagem do Prometeu
Acorrentado citado no artigo Em busca da tradiccedilatildeo perdida de Paula da Cunha Correcirca
Ἥθαηζηε ζνὶ δὲ ρξὴ κέιεηλ ἐπηζηνιὰο
ἅο ζνη παηὴξ ἐθεῖην ηόλδε πξὸο πέηξαηο
ὑςεινθξήκλνηο ηὸλ ιεσξγὸλ ὀρκάζαη
ἀδακαληίλσλ δεζκῶλ ἐλ ἀξξήθηνηο πέδαηο (vv3-6)
O filoacutelogo brasileiro Ramiz Galvatildeo lecirc a passagem da seguinte forma
Das ordens de teu pai Hefesto cuida
e o criminoso prende agraves escarpadas
rochas co‟algemas de accedilo que natildeo quebrem
O Baratildeo de Paranapiacaba por sua vez traduz os mesmos versos nestes termos
Tempo eacute de dar execuccedilatildeo agraves ordens
Que o Pai te impocircs Vulcano Neste abrupto
Alcantil prende em rede inquebrantaacutevel
De adamantinos viacutenculos formada
Este amotinador do povo []
Eis o comentaacuterio de Correcirca para as versotildees apresentadas
Na primeira caracterizaccedilatildeo de Prometeu o Poder o chama de criminoso (v5
leotildergoacutes) Eacute impressionante que o Baratildeo de Ramiz no final do seacuteculo
passado tenha chegado agrave mesma soluccedilatildeo que Chantraine em 1954 obteve
apoacutes estudar esse termo importante e tatildeo difiacutecil Segundo Chantraine leotildergoacutes
eacute derivado de leicircos que significa liso o que foi aplanado reduzido a poacute e
portanto destruiacutedo Hesiacutequio (III 3196) glosa leotildergoacutes por malfeitor
espertalhatildeo e homicida e segundo Poacutelux (III134) nas Memorabilia (I39)
de Xenofonte eacute uma palavra grosseira chula Esse termo injurioso mas
ldquosem valor juriacutedicordquo serviu como ldquoum dos diversos substitutos de
kakoucircrgosrdquo e seguindo o seu modelo designa um ldquomalfeitorrdquo que eacute capaz de
99
tudo Ao citar o fragmento 177 W de Arquiacuteloco e esses dois versos do
Prometeu (vv4-5) Chantraine traduziu o termo por ldquocriminosordquo assim como
o fizeram Ramiz Galvatildeo e Trajano Vieira42
(CORREcircA 1999 p176)
Tratando-se da soluccedilatildeo de Paranapiacaba Correcirca afirma
O Baratildeo de Paranapiacaba por sua vez verte leotildergoacutes por bdquoamotinador do
povo‟ A expressatildeo aleacutem de ser longa especifica o crime de Prometeu que
no epiacuteteto original permanece indeterminado (ibidem p176)
O interessante eacute que a mesma soluccedilatildeo de Paranapiacaba eacute tambeacutem encontrada na
traduccedilatildeo de Napoleatildeo Lopes Filho Napoleatildeo afirmou que tambeacutem consultara um
ldquotexto castelhano impresso por Pedro Henrique Urentildea da Editorial Losada SA
Buenos Aires 1941 que se deve a uma traduccedilatildeo direta do grego de autoria de Fernando
Segundo Brieva de Salvatierrardquo (LOPES FILHO 1967 p103) A traduccedilatildeo de
Salvatierra por sua vez foi publicada em 1880 e como se sabe Joatildeo Cardoso de
Menezes publicou suas versotildees poeacuteticas em 1907 Seraacute que o Baratildeo tambeacutem teria
consultado a traduccedilatildeo de Salvatierra enquanto fazia suas versotildees poeacuteticas A traduccedilatildeo
de ldquoleotildergoacutesrdquo por ldquoamotinador do povordquo feita tanto por Paranapiacaba quanto por
Napoleatildeo Lopes Filho pode indicar uma influecircncia comum A soluccedilatildeo de Lopes Filho
para o trecho comentado por Correcirca eacute a seguinte
A ti pois Hefestos importa dar cumprimento agraves ordens do Pai amarrar este
agitador do povo no alto precipiacutecio destas rochas [] (grifo nosso)
E de fato a influecircncia de Salvatierra na traduccedilatildeo de Paranapiacaba pode ser
atestada pela seguinte nota escrita pelo Baratildeo em seu livro de 1907
Salvatierra diz que leorgograven quer dizer ldquoalborotador do povordquo baseando a sua
interpretaccedilatildeo na rigorosa etymologia do termo ldquoque actuacutea sobre o povo e o
moverdquo ldquotomando a palavra actuacutea em sentido indifferente e natildeo aacute boa ou maacute
parterdquo O Escholiasta e Suidas datildeo a esta palavra cinco significados diversos
(PARANAPIACABA 1907 p141)43
42
Deves cumprir agrave risca Hefesto o eacutedito
paterno aprisionar o criminoso
com fortes cabos de accedilo no rochedo iacutengreme
(Trajano Vieira)
43 A ortografia original foi mantida na citaccedilatildeo Vale lembrar que a anaacutelise do termo por
Chantraine eacute de 1954 A etimologia de ldquoleotildergoacutesrdquo na acepccedilatildeo de ldquoalborotador do povordquo era possiacutevel na
eacutepoca em que os barotildees fizeram suas versotildees embora hoje desacreditada
100
Veja-se a seguir as duas versotildees de Paranapiacaba em confronto Doravante
chamar-se-aacute a versatildeo que emprega rimas e natildeo analisada por Correcirca de ldquoversatildeo 1rdquo pois
foi a primeira versatildeo composta por Joatildeo Cardoso de Menezes como demonstrado no
Capiacutetulo 144
A versatildeo analisada por Paula Correcirca a que emprega os decassiacutelabos
soltos seraacute denominada ldquoversatildeo 2rdquo
Quadro IV Cotejo das versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba para os versos 3-6 do original
Nota-se que a versatildeo 1 harmoniza-se mais com o comentaacuterio de Correcirca isto eacute
Paranapiacaba traduziu o termo ldquoleotildergoacutesrdquo por ldquomalfeitorrdquo palavra com significado
mais proacuteximo ao de ldquocriminosordquo acepccedilatildeo esta empregada tanto por Ramiz Galvatildeo
como por Trajano Vieira Eacute perceptiacutevel tambeacutem que a exigecircncia de rima autoimposta
por Paranapiacaba deixou a versatildeo 1 mais prolixa do que a versatildeo 2 Como visto no
Capiacutetulo 1 o original grego possui 1093 versos e a versatildeo 1 de Paranapicaba conta com
1410 versos (317 versos a mais que o original) A versatildeo 2 por sua vez conta com
1338 versos perfazendo 245 versos a mais do que o texto grego A traduccedilatildeo de Ramiz
Galvatildeo por outro lado possui 1084 versos 9 versos a menos que o original
Como seraacute que a versatildeo em prosa de Dom Pedro II se sairia diante do
comentaacuterio de Correcirca Veja-se a seguir o trecho que Pedro de Alcacircntara traduziu
Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu o Pai de ligar este malfeitor
aos rochedos alcantilados com algemas infrangiacuteveis de viacutenculos de accedilo
(grifo nosso)
44 Ver paacutegina 60 da presente dissertaccedilatildeo
Versatildeo 1
Vulcano Eacute tempo Executa
Ordens que o Pai quis impor
Nesta penedia abrupta
Prega este audaz malfeitor
Em forte indomaacutevel trama
De liames adamantinos
Intrinca-o bem []
Versatildeo 2
Tempo eacute de dar execuccedilatildeo agraves ordens
Que o Pai te impocircs Vulcano Neste abrupto
Alcantil prende em rede inquebrantaacutevel
De adamantinos viacutenculos formada
Este amotinador do povo []
101
D Pedro II bem como Paranapiacaba (versatildeo 1) vertem leotildergoacutes como
ldquomalfeitorrdquo Mesmo assim existem mais divergecircncias que convergecircncias na escolha
das expressotildees no restante da passagem em questatildeo Se Paranapiacaba traduz
ldquoἀδακαληίλσλ δεζκῶλ ἐλ ἀξξήθηνηο πέδαηοrdquo por ldquoidomaacutevel trama de liames
adamantinosrdquo (versatildeo 1) e ldquorede inquebrantaacutevel de adamantinos viacutenculos formadardquo
(versatildeo 2) Dom Pedro II por sua vez traduz ldquocom algemas infrangiacuteveis de viacutenculos de
accedilordquo Eacute importante salientar que o Baratildeo procurou uma correspondecircncia sonora maior
com o termo grego ldquoἀδακαληίλσλrdquo vertendo-o por ldquoadamantinosrdquo em suas duas versotildees
poeacuteticas
Como jaacute mencionado na Introduccedilatildeo da presente dissertaccedilatildeo Alessandra Fraguas
historiadora e pesquisadora do Museu Imperial informou-nos acerca da existecircncia de
uma versatildeo preliminar feita por Dom Pedro II da traduccedilatildeo em prosa que transcrevemos
no presente trabalho Esse ldquoesboccedilordquo estaacute depositado no Museu Imperial localizado no
Rio de Janeiro (Maccedilo 37 ndash Doc 1057 ndash B de Dom Pedro II ndash Ensaio sobre Prometeu
Acorrentado Museu Imperial Ibram Ministeacuterio da Cidadania)
Diante dessa inusitada descoberta tambeacutem poderemos cotejar trechos das duas
versotildees Imperiais ao longo desse capiacutetulo algo natildeo vislumbrado no iniacutecio de nossa
pesquisa
Nos momentos em que a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II (Doc4695-A
Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro) for cotejada com a versatildeo depositada no
Museu Imperial (Doc 1057 ndash B) as citaccedilotildees dos respectivos manuscritos seratildeo feitas
levando-se em conta os criteacuterios expostos na Introduccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo sobretudo no
que se refere ao uso dos sinais diacriacuteticos Por meio de tais sinais a transcriccedilatildeo indicaraacute
as rasuras feitas no processo de redaccedilatildeo Segundo Daros (2019 p199) ldquoeacute a anaacutelise das
rasuras que permite reconstruir a cronologia das diversas versotildees e vislumbrar o
encadeamento do processo criativordquo Tendo isso em mente veja-se a seguir o cotejo das
versotildees feitas por Dom Pedro II da passagem do Prometeu Acorrentado analisada ateacute
aqui Marcaremos as palavras idecircnticas nas duas versotildees em negrito
102
Versatildeo final
Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu o pae de ligar este
malfeitograver aos rochedos alcantilados com algemas infrangiveis de vinculos
de accedilo (Doc 4695-A Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro)
Versatildeo preliminar
Oh Vulcano cumpre cuidares das ordens que te deu (deacutera) o pae de ligar
a este ao malfeitor aos rochedos cheios de precipicios em prisotildees
indestructiveis de ferreos vinculos (Maccedilo 37 ndash Doc 1057 ndash Museu
Imperial Ibram Ministeacuterio da Cidadania)45
Nota-se por meio do cotejo que a versatildeo preliminar se mostra mais prolixa
Tambeacutem o Imperador registra a duacutevida sobre qual tempo verbal iria utilizar ldquodeu
(dera)rdquo Aleacutem disso tem-se a impressatildeo de que a versatildeo final eacute mais fluente e mais
elegante em sua sonoridade Diante de tais nuanccedilas seria interessante questionar em que
consiste tal impressatildeo suscitada pela versatildeo final do Imperador
Guilherme de Almeida em ldquoA poesia d‟Os Sertotildeesrdquo46
afirma que ldquo Poesia natildeo eacute
apenas verso Antes e acima da medida estaacute o Ritmo que eacute como Deus primeiro
Poesia eacute essencialmente Ritmo no sentir no pensar e no dizerrdquo (CAMPOS amp
ALMEIDA 2010 p60) Em seu artigo Almeida apresenta elementos presentes na
prosa de Euclides da Cunha que indicariam uma intencionalidade poeacutetica nas linhas d‟
Os Sertotildees Exiacutemio poeta Guilherme de Almeida consegue perceber vaacuterios decassiacutelabos
na prosa de Euclides afirmando que ldquoEacute notaacutevel a preferecircncia de Euclides pelo verso
decassiacutelabo Haacute nisso certo uma imposiccedilatildeo ataacutevica pois que essa de dez siacutelabas eacute a
medida nobre do verso portuguecircs a pauta uniforme d‟Os Lusiacuteadasrdquo (CAMPOS amp
ALMEIDA 2010 p59) E ainda
45 Diferentemente da versatildeo depositada no Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro a versatildeo do Museu
Imperial natildeo traz a data de sua redaccedilatildeo mas devido agraves caracteriacutesticas de esboccedilo eacute muito provaacutevel que ela
seja anterior agrave versatildeo depositada no IHGB Supotildee-se que a versatildeo do Museu Imperial foi redigida no final
do ano de 1870 e comeccedilo de 1871 As paacuteginas dessa provaacutevel versatildeo preliminar apresentam um estaacutegio
maior de deterioraccedilatildeo provocado pelo tempo em comparaccedilatildeo com a versatildeo de abril de 1971 depositada
no IHGB Tambeacutem a versatildeo do Museu Imperial apresenta um nuacutemero maior de rasuras e emendas feitas
pelo Imperador o que a torna bastante interessante Nota-se que a caligrafia eacute a mesma nos dois
documentos mas na versatildeo do Museu Imperial a redaccedilatildeo eacute mais descuidada fazendo com que se tenha
um nuacutemero maior de palavras ilegiacuteveis
46
Artigo publicado originalmente no Diaacuterio de SPaulo em 18 de agosto de 1946 e reimpresso
novamente em 2010 juntamente com o a artigo Transertotildees de Augusto de Campos sob a organizaccedilatildeo de
Marcelo Taacutepia Ambos os artigos tratam da poesia existente na prosa de Euclides da Cunha em Os
Sertotildees
103
Tatildeo dominante eacute em Euclides como em todo grande poeta essa necessidade
teacutecnica da chave de oiro que a derradeira linha d‟Os Sertotildees a uacuteltima d‟ ldquoA
Lutardquo conteacutem na macabra descriccedilatildeo do cadaacutever do Conselheiro um dos
mais belos alexandrinos jamais compostos em nossas letras pela profundeza
do fundo e pela formosura da forma este verso magistral
As linhas essenciais do crime e da loucura (CAMPOS amp ALMEIDA 2010
p60)
Antes de ler o artigo de Guilherme de Almeida o poeta e tradutor Augusto de
Campos tambeacutem chega a conclusotildees semelhantes Em sua pesquisa particular consegue
encontrar mais de 500 decassiacutelabos em Os Sertotildees Depois de tomar conhecimento da
publicaccedilatildeo de Almeida Campos se impressiona com o fato de que muitos dos
decassiacutelabos encontrados por Guilherme tambeacutem foram encontrados por ele Talvez
essa convergecircncia de resultados seja um forte indiacutecio de que de fato Eucliacutedes da Cunha
intencionava suscitar um efeito esteacutetico em seus leitores em vez de unicamente narrar os
fatos da guerra Augusto de Campos escreve
Qual o sentido dessa perquiriccedilatildeo textual e desses exerciacutecios de estilo que
potildeem a noacutes os extratos poeacuteticos de Os Sertotildees Natildeo eacute por certo querer
ingenuamente converter em poesia a prosa de Euclides num torneio
artificioso de alquimia verbal O que se pretende eacute demonstrar o quanto as
estruturas poeacuteticas ndash no seu adensamento riacutetmico plaacutestico e sonoro ndash
contribuiacuteram para dar ao texto o ldquotonusrdquo peculiar que eacute de seu livro naqueles
precisamente em que ele se revela mais original e persuasivo recorreu
Euclides aos meacutetodos da poesia ndash o que eacute claro natildeo se restringe agrave adoccedilatildeo de
ritmos e metros embora estes intervenham com significativa parcela para
essa caracterizaccedilatildeo mas tambeacutem no emprego de condensadas figuras de
linguagem ndash metaacuteforas metoniacutemias antiacuteteses - tudo convergindo para
transformar o discurso meramente didaacutetico ou expositivo e dar-lhe a
configuraccedilatildeo sensiacutevel e diferencial que eleva o repoacuterter de Canudos agraves alturas
de um notaacutevel criador literaacuterio (CAMPOS amp ALMEIDA 2010 p30)
Como jaacute comentado Joseph Arthur de Gobineau instava Dom Pedro II a fazer a
traduccedilatildeo do Prometeu Acorrentado em versos O Imperador natildeo atendera ao pedido do
diplomata francecircs Apesar disso sabe-se que Pedro de Alcacircntara era um versificador
experiente e por isso deduz-se que sua recusa natildeo fora motivada por incompetecircncia
poeacutetica Paranapiacaba por exemplo cita o seguinte soneto escrito por Dom Pedro II
no exiacutelio (a ortografia original seraacute mantida)
ASPIRACcedilAtildeO
Deos que os orbes regulas esplendentes
Em numero e medida ponderados
Nelles abrigo daacutes aos desterrados
Que se vatildeo suspirosos e plangentes
104
Assim dos ceacuteos aacutes vastidotildees silentes
Ergo os meos pobres olhos fatigados
Indagando em que mundos apartados
Lenitivo aacute saudade nos consentes
Breve Senhor do carcere d‟argilla
Hei de evolar-me murmurando ansioso
Timida prece digna-te de ouvil-a
Potildee-me ao peacute do Cruzeiro majestoso
Que no antarctico ceacuteo vivo scintilla
Fitando sempre o meo Brasil saudoso
(PARANAPIACABA1907 p247)
Sua habilidade em versejar tambeacutem foi demonstrada em suas traduccedilotildees como a
que fez de alguns cantos da Divina Comeacutedia de Dante Alighieri ou nos seguintes
versos da sua traduccedilatildeo de Cinco de maio poema de Alessandro Manzoni que tem como
tema a morte de Napoleatildeo Bonaparte47
Morreo e qual marmoacutereo
Solto o postremo alento
O corpo jaz exanime
Orpham d‟um tal portento
Assim sorpresa attonita
A terra co‟ a nova estaacute
Muda pensando na ultima
Hora do homem fatal
Nem sabe si tatildeo celebre
Planta de peacute mortal
Seo poacute de sangue avido
Inda pisar viraacute
Seraacute que o conviacutevio iacutentimo do Imperador com a poesia refletiu-se de alguma
forma em sua traduccedilatildeo em prosa do Prometeu Acorrentado Seraacute que assim como no
47 Tambeacutem citado por Paranapiacaba (1907 p 244)
105
caso de Os Sertotildees de Euclides da Cunha existiriam alguns versos ocultos em sua
traduccedilatildeo da antiga trageacutedia de Eacutesquilo
Natildeo seria uma empreitada impossiacutevel reorganizar um texto em prosa em versos
com nuacutemeros de siacutelabas poeacuteticas relativamente semelhantes Mas escandir uma linha de
prosa natildeo eacute o bastante para se comprovar que nela subjazem versos poeacuteticos O ritmo
em poesia afirmou Guilherme de Almeida tem a primazia eacute ldquocomo Deusrdquo
Geralmente em liacutengua portuguesa o ritmo eacute marcado num poema por meio de
unidades regulares como rima aliteraccedilotildees assonacircncias e siacutelabas tocircnicas No trecho
visto da versatildeo final de Dom Pedro II por exemplo pode-se notar algo interessante se
reconfigurarmos sua prosa nos seguintes versos respeitando a ordem das palavras e natildeo
trucando as mesmas para se alcanccedilar um mesmo nuacutemero de siacutelabas poeacuteticas em cada
verso o que seria algo arbitraacuterio (vale a pena ressaltar que o esquema proposto a seguir
eacute apenas um entre outras possibilidades)
1Vulcano cumpre cuidares Heptassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )
2das ordens que te deu o pai Octossiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ )
3 de ligar este malfeitor Octossiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ )
4 Aos rochedos alcantilados Octossiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ᵕ ‒)
5 com algemas infrangiacuteveis Heptassiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ )
6 de viacutenculos de accedilo Pentassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )
Veja-se por exemplo que os versos 3 4 e 5 comeccedilam com peacutes anapestos e
terminam de forma semelhante ( ᵕ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒
ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) e os versos 1 2 e 6 comeccedilam com jambos ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ
‒ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) sendo que os versos 1 e 6 aleacutem de comeccedilarem com o mesmo
peacute tambeacutem terminam com anapesto Fazendo o mesmo exerciacutecio com a versatildeo
preliminar da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II percebe-se que natildeo se alcanccedila um
resultado mais harmocircnico do que o conseguido com a versatildeo final do Imperador
embora seja possiacutevel dispor a prosa em versos com nuacutemeros de siacutelabas poeacuteticas
relativamente semelhantes
1Oacute vulcano cumpre cuidares Octossiacutelabo ( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )
2das ordens que te deu (dera) Heptassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ‒ )
3o Pai de ligar a este Heptassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ )
4ao malfeitor aos rochedos Heptassiacutelabo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )
5cheios de precipiacutecios Pentassiacutelabo ( ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒)
106
6em prisotildees indestrutiacuteveis Heptassiacutelabo ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒)
7 de feacuterreos viacutenculos Tetrassiacutelabo ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ )
A impressatildeo eacute de que as posiccedilotildees das siacutelabas tocircnicas e aacutetonas satildeo mais aleatoacuterias
na versatildeo preliminar o que natildeo contribui para a construccedilatildeo da melopeia no texto
(POUND 1977 p63) como se pode averiguar a seguir
Versatildeo Final
( ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ᵕ ‒) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ )
Versatildeo preliminar
( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ‒ ) ( ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ) ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) ( ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒) ( ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒) ( ᵕ ‒ ᵕ ‒ )
Ao longo deste capiacutetulo tentaremos tambeacutem evidenciar os elementos presentes
na prosa do Imperador que parecem indicar a intencionalidade na construccedilatildeo de efeitos
sonoros em sua versatildeo final do Prometeu Acorrentado Por ora coteja-se a seguir a
versatildeo final de Dom Pedro II com as versotildees poeacuteticas do Baratildeo de Paranapiacaba As
palavras e as expressotildees convergentes com a traduccedilatildeo do Imperador seratildeo marcadas em
negrito
Quadro V Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (original vv3-6)
Como se pode notar pouca eacute a correspondecircncia entre as versotildees poeacuteticas de
Paranapiacaba e a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II Se entre as versotildees em prosa do
Imperador a correspondecircncia eacute de 17 palavras excetuando-se os artigos e as
preposiccedilotildees entre a traduccedilatildeo Imperial (versatildeo final) e as versotildees do Baratildeo a
correspondecircncia eacute de apenas 5 palavras
Dom Pedro II
Vulcano cumpre cuidares das
ordens que te deu o Pai de
ligar este malfeitor aos
rochedos alcantilados com
algemas infrangiacuteveis de
viacutenculos de accedilo
Paranapiacaba (versatildeo 1)
1Vulcano Eacute tempo Executa
2Ordens que o Pai quis impor
3Nesta penedia abrupta
4Prega este audaz malfeitor
5Em forte indomaacutevel trama
6De liames adamantinos
Paranapiacaba (versatildeo 2)
1Tempo eacute de dar execuccedilatildeo agraves ordens
2Que o Pai te impocircs Vulcano Neste
[abrupto
4Alcantil prende em rede
[inquebrantaacutevel
5De adamantinos viacutenculos formada
[Este amotinador do povo []
107
22 Segunda rodada de leitura
Passemos aos outros versos analisados por Paula da Cunha Correcirca
ἐγὼ δ᾽ ἄηνικόο εἰκη ζπγγελῆ ζεὸλ
δῆζαη βίᾳ θάξαγγη πξὸο δπζρεηκέξῳ (vv14-5)
Ramiz Galvatildeo
Falta-me contudo o acircnimo de ataacute-lo
um deus parente agrave rocha procelosa
Baratildeo de Paranapiacaba
Agora quanto a mimsinto faltar-me
Coragem de fincar nessa quebrada
Que algente bruma intoleraacutevel torna
Um Deus parente meu Mas o Destino[]
Correcirca comenta
Destaca-se mais uma vez a linguagem clara e direta de Trajano48
concisa
como a de Ramiz Em ldquoprecipiacutecioparenterdquo a aliteraccedilatildeo (ζπγγελῆ
θάξαγγη) eacute reconfigurada mas perde-se a qualificaccedilatildeo da escarpa como sendo
dyskheicircmeros (ldquoprocelosardquo em Ramiz e parafraseada por Paranapiacaba em
ldquoque algente bruma intoleraacutevel tornardquo) Por outro lado eacute preferiacutevel a versatildeo
de aacutetolmos como ldquofalta de coragemrdquo presente em Paranapiacaba e Trajano agrave
arcaizante soluccedilatildeo de Ramiz (ldquofalta de acircnimordquo) (CORREcircA 1999 p177)
Agrave luz do comentaacuterio citado veja-se as respectivas traduccedilotildees de DPedro II e
Baratildeo de Paranapiacaba (versatildeo 1) a comeccedilar pela do Imperador (versatildeo final)
Sou tiacutemido para encadear com violecircncia um deus parente ao despenhadeiro hibernoso
DPedro II traduz o adjetivo dyskheicircmeros (invernal) por ldquohibernosordquo e consegue
verter aacutetolmos por uma uacutenica palavra ldquotiacutemidordquo que eacute justamente algueacutem em que falta a
coragem
48
Trajano Vieira
Pregar no precipiacutecio um deus parente
exige uma coragem que eu natildeo tenho
108
Compara-se a seguir as duas versotildees do Imperador marcando-se em negrito as
palavras convergentes
Versatildeo final
Sou tiacutemido para encadear com violecircncia um deus parente ao
despenhadeiro hibernoso
Versatildeo preliminar
Sou tiacutemido para encadear ltuarraacute forccedilagt um ilegiacutevel deus parente no
alcantilado vale hibernoso
Neste ponto seria profiacutecuo tambeacutem cotejar a versatildeo final do Imperador com as
versotildees poeacuteticas da lavra de Paranapiacaba Marcar-se-aacute tambeacutem em negrito as palavras
que coincidem com a versatildeo final de Dom Pedro II
Quadro VI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (originalvv14-5)
Observa-se que a escolha vocabular eacute bastante diversa entre Paranapiacaba e
Dom Pedro II Apenas as palavras ldquodeusrdquo e ldquoparenterdquo coincidem Ainda assim ldquodeusrdquo eacute
escrito com inicial maiuacutescula nas versotildees de Paranapiacaba e o Imperador faz o inverso
em sua traduccedilatildeo Outro ponto interessante eacute que apenas DPedro II entre os tradutores
analisados traduz a palavra βίᾳ em seu uso adverbial ldquocom violecircnciardquo (versatildeo final) e
ldquoagrave forccedilardquo (versatildeo preliminar) δῆζαι βίᾳ φάραγγι πρὸς δσζτειμέρῳ ldquoencadear com
violecircncia ao despenhadeiro hibernosordquo
Dom Pedro II
Sou tiacutemido para encadear com
violecircncia um deus parente ao
despenhadeiro hibernoso
Paranapiacaba (versatildeo 1)
E a mim falece coragem
De nesta algente quebrada
A um Deus de minha
[linhagem
Prender em teia cerrada
Paranapiacaba (versatildeo 2 )
Agora quanto a mimsinto
[faltar-me
Coragem de fincar nessa
[quebrada
Que algente bruma
[intoleraacutevel torna
Um Deus parente meu[]
109
23Terceira rodada
ἄθνληά ζ᾽ ἄθσλ δπζιύηνηο ραιθεύκαζη
πξνζπαζζαιεύζσ ηῷδ᾽ ἀπαλζξώπῳ πάγῳ
ἵλ᾽ νὔηε θσλὴλ νὔηε ηνπ κνξθὴλ βξνηῶλ
ὄςεη ζηαζεπηὸο δ᾽ ἡιίνπ θνίβῃ θινγὶ
ρξνηᾶο ἀκείςεηο ἄλζνο ἀζκέλῳ δέ ζνη
ἡ πνηθηιείκσλ λὺμ ἀπνθξύςεη θάνο
(vv19-24)
Ramiz Galvatildeo
pregar-te-ei nesta rocha desabrida
onde natildeo vejas voz nem forma humana
a tez mimosa fanaraacutes ansioso
pela noite de estrelas recamada
Baratildeo de Paranapiacaba
Em noacutes de bronze indissoluacuteveis
- A meu e teu pesar - eu vou pregar-te
Aqui nunca haacutes de ouvir mortal acento
Nem face de homem ver antes crestado
Lento pelas do sol ferventes chamas
Perderaacutes dia a dia a flor da pele
Haacute de a noite por ti sempre almejada
Sumir o dia no estrelado manto
Correcirca comenta
Novamente os versos de Paranapiacaba satildeo quase prosaicos quando
comparados com os de Ramiz e Trajano49
e o acreacutescimo desnecessaacuterio de
expressotildees adverbiais inexistentes no texto original (ldquolentordquo ldquonuncardquo ldquodia a
diardquo) torna exacerbada a jaacute forte carga de emoccedilatildeo da passagem Nota-se
tambeacutem um cochilo de Ramiz Galvatildeo que deixou de traduzir um verso
49
contra noacutes dois o bronze indissoluacutevel
te imobiliza no penedo inoacutespito
de onde natildeo vecircs nem voz nem cor humana
O sol aceso troca a flor da pele
queimada Para teu aliacutevio a noite
encobre o lume com seu manto ruacutetilo
(Trajano Vieira)
110
inteiro Haacute outras liccedilotildees para o verso 19 como por exemplo a presente na
ediccedilatildeo de West Mas poderia Ramiz estar trabalhando com um texto no qual
o verso simplesmente natildeo constasse O ldquobronze indissoluacutevelrdquo de Trajano
recupera de forma enxuta a boa soluccedilatildeo de Paranapiacaba e no verso
seguinte ldquopenedo inoacutespitordquo reproduz a aliteraccedilatildeo grega [ἀπαλζξώπῳ πάγῳ]
vertendo o adjetivo apanthroacutepoi com maior precisatildeo do que o ldquodesabridardquo de
Ramiz[] Quanto agrave uacuteltima frase desse excerto mais sonora e precisa eacute a
soluccedilatildeo de Trajano que natildeo empalidece nem vulgariza a imagem original
Pois a ldquonoiterdquo natildeo eacute ldquorecamada de estrelasrdquo (Ramiz) nem se trata de um
ldquomanto estreladordquo (Paranapiacaba) Os trajes da noite satildeo poikiacuteloi
(ldquovariegadosrdquo ldquobordadosrdquo ldquomultifacetadosrdquo eacute antes um ldquomanto ruacutetilordquo que a
veste (CORREcircA 1999 p178)
Tendo em mente o comentaacuterio de Paula Correcirca leia-se a seguir a traduccedilatildeo em
prosa do Imperador e a versatildeo 1 de Paranapiacaba iniciando novamente pela de D
Pedro (versatildeo final)
[] constrangido pregar-te-ei constrangido com cadeias indissoluacuteveis neste
monte inoacutespito onde nem voz nem figura de homem veraacutes mas queimado
lentamente pela chama brilhante do sol perderaacutes o mimo da cor A ti alegrado
a noite de manto variegado ocultaraacute a luz e o sol dissiparaacute de novo a geada
matutinardquo (grifo nosso)
Segue abaixo a soluccedilatildeo de Paranabiacaba para a mesma passagem (versatildeo 1)
Neste vatildeo sem treita humana
Muito a meu e teu pesar
Por injunccedilatildeo soberana
Vou em seguida cravar
Natildeo veraacutes humano rosto
Nem voz mortal ouviraacutes
Ao queimor do sol exposto
A flocircr da tez perderaacutes
A noite que sempre ansioso
Estaraacutes por ver surgir
Haacute de o dia luminoso
No veacuteu de estrelas sumir
Segundo o comentaacuterio de Paula da Cunha Correcirca ldquoOs trajes da noite satildeo
poikiacuteloi (bdquovariegados‟ bdquobordados‟ bdquomultifacetados‟ eacute antes um bdquomanto ruacutetilo‟ que a
veste)rdquo (CORREA 1999 p178) Diante desse comentaacuterio DPedro II fez uma boa
111
escolha ldquo [] a noite de manto variegado ocultaraacute a luzrdquo (grifo nosso) Infelizmente o
manuscrito da versatildeo preliminar estaacute deteriorado no trecho em questatildeo mas algo do
processo criativo do Imperador pode ser notado se cotejarmos a versatildeo final com o que
ainda permanece legiacutevel na versatildeo preliminar Para isso novamente se utilizaraacute
transcriccedilotildees diplomaacuteticas Como de praxe marcar-se-aacute em negrito as palavras
coincidentes
Versatildeo final
constrangido pregar-te-ei constrangido com cadegraveas indissoluveis n‟este
ltuarrmontegt inhospito onde nem voz nem figura de homem veraacutes mas
queimado lentamente pela chamma brilhante ltuarrdogt sol perderaacutes o mimo
da cograver A ti alegrado a noite de manto varie[fl2]gado occultaraacute a luz e o sol
dissiparaacute de nogravevo a geada matutina Porem sempre te atormentaraacute o pesar
do mal presente pois quem deve livrar-te natildeo nasceu ainda
Versatildeo preliminar
ltuarrconstrangidogt[] te pregarei constrangido com bronzes indissoluveis
no monte inhospitoltuarrOndegt [ para que ] natildeo ltuarrsentiraacutesgt [ te sintas ] nem
voz nem forma de homem queimado lentamente pela ma brilhante
do sol perderaacutes a belleza da cograver A ti cont de
[fl2] te a ti
sempre te atormentaraacute pois quem de alliviar-te natildeo nasceu ainda
Apesar de algumas diferenccedilas pontuais a correspondecircncia eacute muito grande entre
as duas versotildees Salta agrave vista que a versatildeo preliminar possui mais emendas do que a
final como era de se esperar Na versatildeo final por exemplo Dom Pedro II opta por
colocar o pronome em mesoacuteclise (ldquopregar-te-eirdquo) em vez de ldquote pregareirdquo (versatildeo
preliminar) ldquocadeias indissoluacuteveisrdquo em lugar de ldquobronzes indissoluacuteveisrdquo ldquofigura de
homemrdquo substituindo ldquoforma de homemrdquo ldquomimo da corrdquo em vez de ldquobeleza da corrdquo e
ldquolivrar-terdquo substituindo ldquoaliviar-terdquo A expressatildeo grega ldquoἄθνληά ζ᾽ ἄθσλrdquo apresenta um
interessante desafio aos tradutores como expressar em liacutengua portuguesa os
simultacircneos e ao mesmo tempo diversos constrangimentos de Hefesto e Prometheu (o
constrangimento de quem executa e o de quem padece) sem soar estranho Trajano
Vieira apresenta uma soluccedilatildeo interessante ldquocontra noacutes dois o bronze indissoluacutevel te
imobilizardquo Nota-se na traduccedilatildeo de Vieira a projeccedilatildeo da culpa do ato de prender
Prometeu a um objeto inanimado no caso ldquoo bronze indissoluacutevelrdquo sujeito do periacuteodo
na traduccedilatildeo de Vieira Em contrapartida Hefesto eacute o agente no original grego ldquoeu
112
cravareirdquo (πξνζπαζζαιεύζσ) Dom Pedro II traduz ldquo[]constrangido pregar-te-ei
constrangido com cadeias indissoluacuteveisrdquo (versatildeo final) e ldquoconstrangido te pregarei
constrangido com bronzes indissoluacuteveisrdquo (versatildeo preliminar) Na versatildeo 2
Paranapiacaba verte ldquo[] a meu e teu pesar eu vou pregar-terdquo Na versatildeo 1 encontra-
se ldquo Muito a meu e teu pesar Por injunccedilatildeo soberana Vou em seguida cravarrdquo
Percebe-se a grande correspondecircncia entre as duas versotildees em prosa de Dom
Pedro II na passagem citada O que dizer entatildeo das versotildees poeacuteticas do Baratildeo de
Paranapiacaba Veja-se a seguir
Quadro VII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (original vv19-
24)
Excetuando-se os artigos e as preposiccedilotildees na versatildeo 1 de Paranapiacaba
encontram-se apenas 6 palavras que tambeacutem foram usadas por Dom Pedro II Na versatildeo
2 o nuacutemero eacute de 9 palavras embora a palavra ldquochamardquo esteja no plural na versatildeo do
Baratildeo Jaacute entre as versotildees em prosa do Imperador a correspondecircncia eacute de 27 palavras
excetuando-se os artigos e preposiccedilotildees e mesmo havendo uma grande lacuna causada
pela deterioraccedilatildeo do manuscrito da versatildeo preliminar
Dom Pedro II (versatildeo final)
[] constrangido pregar-te-ei
constrangido com cadeias
indissoluacuteveis neste monte inoacutespito
onde nem voz nem figura de
homem veraacutes mas queimado
lentamente pela chama brilhante
do sol perderaacutes o mimo da cor A
ti alegrado a noite de manto
variegado ocultaraacute a luz e o sol
dissiparaacute de novo a geada
matutinardquo
Baratildeo de Paranapiacaba
(versatildeo 1)
Neste vatildeo sem treita humana
Muito a meu e teu pesar
Por injunccedilatildeo soberana
Vou em seguida cravar
Natildeo veraacutes humano rosto
Nem voz mortal ouviraacutes
Ao queimor do sol exposto
A flocircr da tez perderaacutes
A noite que sempre ansioso
Estaraacutes por ver surgir
Haacute de o dia luminoso
No veacuteu de estrelas sumir
Paranapiacaba (versatildeo 2)
A meu e teu pesar eu vou
[pregar-te
Aqui nunca haacutes de ouvir mortal
[acento
Nem face de homem ver
antes [crestado
Lento pelas do sol ferventes
[chamas
Perderaacutes dia a dia a flor da
[pele
Haacute de a noite por ti sempre
[almejada
Sumir o dia no estrelado
[manto
113
24 Quarta rodada
ἀδακαληίλνπ λῦλ ζθελὸο αὐζάδε γλάζνλ
ζηέξλσλ δηακπὰμ παζζάιεπ᾽ ἐξξσκέλσο
(vv64-5)
Ramiz Galvatildeo
Agora enterra-lhe por sobre os peitos
Da cunha de accedilo os arrogantes dentes
Baratildeo de Paranapiacaba (versatildeo 2)
O dente ousado dessa cunha d‟accedilo
Embebe em cheio por seu peito adentro
Eis o comentaacuterio de Correcirca
Prometeu recebe nos versos 436 964 1012 1034 e 1037 a mesma
adjetivaccedilatildeo aqui conferida ao ldquodenterdquo da cunha que iraacute feri-lo Como ele o
accedilo eacute authaacutedes isto eacute ldquorefrataacuteriordquo ldquoobstinadordquo ou ldquosem remorsordquo A atitude
de espiacuterito atribuiacuteda ao accedilo jaacute humanizado por meio da metaacutefora
(ldquomandiacutebulardquo) transparece de forma mais clara nos versos dos barotildees
(ldquoarrogantes dentesrdquo ldquodente ousadordquo) Por outro lado o verbo ldquoencravarrdquo
empregado por Trajano50
significa exatamente (como o grego passaleacuteuo)
afixar prender como ou com um ldquocravordquo (paacutessalos) (CORREcircA 1999
p178)
A seguir as respectivas versotildees de Dom Pedro II
Versatildeo final
Agora forte enterra atravez dos peitos os dentes arrogantes da cunha de accedilo
Versatildeo preliminar
ora prega ltuarrfortementegt [] ltuarr a bocagt [em fio presunccediloso] (que se
compraz ndash isso ltuarrcomgt [de] feacuterrea cunha ltuarr passando por cimagt [
atravez] dos peitos
50
Trajano Vieira
No meio do seu peito encrava agora
O dente afiado desta cunha de accedilo
114
A grande quantidade de rasuras e correccedilotildees presentes na versatildeo preliminar
revela que o Imperador repensou bastante a passagem em questatildeo Valeu o esforccedilo Um
efeito sonoro interessante eacute alcanccedilado em sua versatildeo final como se pode observar por
exemplo dividindo-se o periacuteodo em dois versos hendecassiacutelabos
1 Agora forte enterra atraveacutes dos peitos
2 os dentes arrogantes da cunha de accedilo
O primeiro verso apresenta o seguinte esquema riacutetmico ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒
e o segundo ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒
Veja-se a seguir a versatildeo 1 de Paranapiacaba em confronto com a versatildeo 2 e
tambeacutem com a versatildeo final de Dom Pedro II
Quadro VIII Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e as versotildees de Paranapiacaba (original vv64-
5)
Se abonarmos o fato de que a palavra ldquopeitordquo estaacute no singular nas versotildees de
Paranapiacaba e no plural na do Imperador encontram-se 3 palavras convergentes na
primeira versatildeo e 4 na segunda (a palavra ldquodenterdquo tambeacutem apresenta diferenccedila de
nuacutemero) Por outro lado veja-se a traduccedilatildeo de Ramiz Galvatildeo em confronto com a
versatildeo de Dom Pedro II
Quadro IX Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo de Ramiz Galvatildeo (originalvv64-5)
Dom Pedro II
Agora forte enterra atraveacutes dos
peitos os dentes arrogantes da
cunha de accedilo
Paranapicaba (versatildeo 1)
D‟essa cunha drsquoaccedilo o corte
-Fundo- Embebe-lhe no peito
Baratildeo de Paranapiacaba
(versatildeo 2)
O dente ousado dessa
[cunha drsquoaccedilo
Embebe em cheio por
[seu peito adentro
Dom Pedro II
Agora forte enterra atraveacutes dos
peitos os dentes arrogantes da
cunha de accedilo
Ramiz Galvatildeo
Agora enterra-lhe por sobre os
[peitos
Da cunha de accedilo os arrogantes
[dentes
115
As traduccedilotildees de Ramiz Galvatildeo e a D Pedro II se mostram bastante semelhantes
nesse trecho Ramiz traduz ldquoAgora enterra-lhe por sobre os peitos da cunha de accedilo os
arrogantes dentesrdquo e Dom Pedro ldquoAgora forte enterra atravez dos peitos os dentes
arrogantes da cunha de accedilordquo A humanizaccedilatildeo da cunha pelo emprego da palavra
authaacutedes (ldquoobstinadordquo ldquosem remorsordquo) presente na versatildeo 2 de Paranapiacaba e nesse
ponto elogiada por Correa ldquoO dente ousado dessa cunha d‟accedilo Embebe em cheio por
seu peito adentrordquo (grifo nosso) eacute perdida na versatildeo 1 ldquoD‟essa cunha d‟accedilo o corte -
Fundo- Embebe-lhe no peitordquo Harmonizando-se ao comentaacuterio de Paula da Cunha
Correcirca o Imperador traduz ldquoarrogantes dentesrdquo Como visto Ramiz a quem Dom
Pedro II tambeacutem confiou o encargo de fazer uma versatildeo poeacutetica a partir de sua traduccedilatildeo
em prosa repete a mesma expressatildeo em sua versatildeo
25 Quinta e uacuteltima rodada
ὦ δῖνο αἰζὴξ θαὶ ηαρύπηεξνη πλναί
πνηακῶλ ηε πεγαί πνληίσλ ηε θπκάησλ
ἀλήξηζκνλ γέιαζκα πακκῆηόξ ηε γῆ
θαὶ ηὸλ παλόπηελ θύθινλ ἡιίνπ θαιῶ
(vv88-91)
Ramiz Galvatildeo
Eacuteter divino alados prestos ventos
Fontes dos rios ondular das vagas
Terra ndash matildee comum sol omnividente
Eu vos invoco
Baratildeo de Paranapiacaba (versatildeo 2)
Oacute Eacuteter divinal auras velozes
Mananciais dos rios voacutes oacute risos
Inumeraacuteveis de marinhas ondas
Oacute Terra matildee universal oacute disco
Do sol omnividente Aqui me tendes
O comentaacuterio de Paula Correcirca para a passagem citada eacute
116
Ao inverter a ordem dos dois primeiros elementos invocados (aparentemente
por questotildees meacutetricas) Trajano51
sacrifica a composiccedilatildeo em anel (ldquopriamelrdquo)
uma figura comum na poesia grega arcaica Se acompanhamos no texto
grego a sequecircncia das invocaccedilotildees notamos que Prometeu dirige-se primeiro
ao elemento mais alto o Eacuteter depois aos ventos agraves aacuteguas e agrave terra antes de
voltar ao sol Ao ldquodiscordquo do sol (v91) e ao seu trajeto circular corresponde a
figura traccedilada pela enumeraccedilatildeo Verter dicircos aitheacuter por ldquoar divinordquo em vez
de ldquoEacuteter divinordquo ou ldquodivinalrdquo tambeacutem acarreta dificuldades porque aleacutem de
ldquoarrdquo e ldquoEacuteterrdquo serem coisas distintas dada a sua colocaccedilatildeo entre viacutergulas apoacutes
ldquoventosrdquo (e natildeo coordenado como no original) eacute faacutecil confundi-lo com um
aposto (CORREcircA 1999 p179)
Paula da Cunha Correcirca tambeacutem escreve a seguinte nota
Segundo Griffith na eacutepica arcaica o Eacuteter eacute ldquoo espaccedilo entre terra e ceacuteu ou o
proacuteprio ceacuteurdquo Veja poreacutem GSKirk JERaven e MSchofield em The
Presocratic Philosophers (Cambridge 1983 p 9) que citam Homero
Hesiacuteodo e Xenoacutefanes para a distinccedilatildeo entre aeacuter e aitheacuter o primeiro eacute o ldquoarrdquo
da parte inferior do ceacuteu (ceacuteu e terra) ldquoenquanto a parte superior (chamada agraves
vezes de ouranaacutes) eacute o Eacuteter o ar superior que eacute brilhante e pode ser concebido
como fogordquo (ibidem p179)
Talvez por isso Jaa Torrano agrave guisa de exemplo translitera aitheacuter em sua
traduccedilatildeo de 1985 e verte o mesmo termo por ldquoFulgorrdquo em sua traduccedilatildeo de 2009
Oacute divino Aitheacuter velozes alados ventos
fontes de rios das marinas ondas
inuacutemero riso omnimatildee Terra
e o omnividente ciacuterculo do Sol invoco
Vede-me o que dos Deuses padeccedilo Deus
(Prometeu Prisioneiro 1985)
Oacute divino Fulgor e velozes alados ventos
e fontes dos rios e inuacutemero brilho
de ondas marinhas e Terra matildee de todos
e invoco o onividente ciacuterculo do Sol
Vede-me que dos Deuses padeccedilo Deus
51
Trajano Vieira
Ventos alivelozes ar divino
Fontes dos rios inuacutemeros sorrisos
de ondas salinas Terra matildee-de-todos
eu vos invoco e ao sol visatildeo total
no disco[]
117
(Prometeu Cadeeiro 2009)
Dom Pedro II assim como Trajano Vieira opta por traduzir o termo grego
aitheacuter por ldquoarrdquo algo natildeo abonado pelo comentaacuterio de Correcirca Contudo a transcriccedilatildeo
diplomaacutetica da versatildeo final da traduccedilatildeo em prosa revela que o termo ldquoarrdquo foi uma
substituiccedilatildeo feita posteriormente pelo Imperador
ltuarrOh ar divinogt[] e ventos de azas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees
innumeraveis das ondas marinhas e terra matildee universal e disco
omnividente do sol a voacutes invoco vede-me quanto eu deus soffro dos deuses
A expressatildeo ldquoOh ar divinordquo foi escrita sobre algo que foi riscado e que estaacute
ilegiacutevel no manuscrito do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro Felizmente com a
descoberta dos esboccedilos dessa traduccedilatildeo eacute possiacutevel saber como o Imperador havia
traduzido aitheacuter antes da correccedilatildeo citada Veja-se a seguir
Ether de Jupiter ventos de azas raacutepidas ltuarrfontesgt[] dos rios innumeravel
ondulaccedilatildeo (inumeraacuteveis ondulaccedilotildees) das ondas marinhas Terra matildee
universal e invoco o circulo (o disco) omnividente do sol olhae-me deus
soffro taes cousas da parte dos deuses
Dom Pedro II substituiu a expressatildeo ldquoEther de Jupiterrdquo por ldquoOh ar divinordquo
Se por um lado a traduccedilatildeo da palavra grega ldquoaitheacuterrdquo natildeo foi adequada na versatildeo
final de Dom Pedro segundo o comentaacuterio de Correcirca por outro essa mesma versatildeo
reproduz outro aspecto presente no original grego e que foi desconsiderado por todos
os outros tradutores brasileiros (exceto Jaa Torrano com sua versatildeo de 2009) a
coordenaccedilatildeo por meio da reinteraccedilatildeo da conjunccedilatildeo ldquoerdquo dando agrave traduccedilatildeo um tom mais
declamatoacuterio
ὦ δῖνο αἰζὴξ καὶ ηαρύπηεξνη πλναί
πνηακῶλ τε πεγαί πνληίσλ τε θπκάησλ
ἀλήξηζκνλ γέιαζκα πακκῆηόξ τε γῆ
καὶ ηὸλ παλόπηελ θύθινλ ἡιίνπ θαιῶ
ltuarrOh ar divinogt[] e ventos de azas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees
innumeraveis das ondas marinhas e terra matildee universal e disco
omnividente do sol a voacutes invoco vede-me quanto eu deus soffro dos deuses
118
Comparando-se as duas versotildees de Dom Pedro II eacute possiacutevel notar um cuidado
maior em relaccedilatildeo agrave sonoridade na versatildeo final
Versatildeo preliminar
[]olhae-me deus soffro taes cousas da parte dos deuses (Catorze siacutelabas )
Versatildeo final
[]vede-me quanto eu deus soffro dos deuses (Decassiacutelabo heroico com assonacircncia em ldquoeurdquo )
Ainda explorando a sonoridade do texto da versatildeo final da traduccedilatildeo em prosa de
Dom Pedro II nota-se
‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ
Oacute ar divino e ventos de asas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees inumeraacuteveis das
‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ
ondas marinhas e terra matildee universal e disco onividente do sol a voacutes invoco
‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ‒
vede-me quanto eu deus sofro dos deuses
As palavras ldquoondulaccedilotildeesrdquo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ldquoinumeraacuteveisrdquo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) ldquouniversalrdquo ( ᵕ ᵕ
ᵕ ‒ ) e ldquoonividenterdquo ( ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ) parecem suscitar um efeito sonoro que evoca a vastidatildeo
do ermo no qual Prometeu estava aprisionado Dessarte o Imperador natildeo soacute reproduz a
composiccedilatildeo em ldquopriamelrdquo pela enumeraccedilatildeo adequada dos termos mas tambeacutem a evoca
por meio do ritmo Veja-se tambeacutem a interessante aliteraccedilatildeo entre os termos ldquouniversalrdquo
(consoantes finais) e ldquosolrdquo as assonacircncias em ldquooacuterdquo e a correspondecircncia sonora entre
ldquouni-rdquo e ldquooni-rdquo no trecho seguinte da versatildeo final
[]e terra matildee universal e disco onividente do sol a voacutes invoco[]
A mudanccedila regular de peacutes no trecho em questatildeo eacute notoacuteria
‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒
ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒
ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ‒
119
A passagem comeccedila com trecircs peacutes trocaicos ( ‒ ᵕ ) seguidos por trecircs datiacutelicos ( ‒
ᵕ ᵕ ) que datildeo lugar a dois peacutes que lembram o peocircnio grego ( ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ) em seguida o
ritmo retorna aos trecircs peacutes datiacutelicos ( ‒ ᵕ ᵕ ) Passa-se entatildeo para um movimento
interessante dois peacutes troicaicos intercalados com dois ldquopeocircniosrdquo e seguidos por um
datiacutelico ( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ᵕ ) eacute Prometeu bradando ldquo terra matildee
universal e disco onividente dordquo Em seguida temos uma sequecircncia de trecircs peacutes
trocaicos ( ‒ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ᵕ ) antes de um admiraacutevel decassiacutelabo heroacuteico que eacute a chave de
ouro ldquovede-me quanto eu deus sofro dos deusesrdquo ( ‒ ᵕ ᵕ ‒ ᵕ ‒ ‒ ᵕ ᵕ ‒ ) Dificilmente
escapa aos ouvidos a melopeia desse trecho
Veja-se agora a versatildeo 1 do Baratildeo de Paranapiacaba ao lado da versatildeo final do
Imperador Marca-se em negrito as palavras que coincidem
Quadro X Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 1 de Paranapiacaba (original vv88-91)
Apenas 6 palavras coincidem Seraacute que algo semelhante ocorre ao cotejar-se a
versatildeo 2 com a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro
Quadro XI Cotejo entre a traduccedilatildeo de Dom Pedro II e a versatildeo 2 de Paranapiacaba (original vv88-91)
Desta vez encontram-se quatorze palavras idecircnticas Embora a correspondecircncia
seja ainda pequena a versatildeo 2 de Paranapiacaba se mostrou mais proacutexima da traduccedilatildeo
Baratildeo de Paranapiacaba
Oacute Ether divinal oacute ventos d‟asa promta
Oacute fontes fluviais risos do mar sem conta
Oacute Terra genetriz de cujo seio ingente
Tudo brota do sol oacute disco onividente
Ouvi-me a invocaccedilatildeo Eu peccedilo que vejais
Quantas dores impotildeem a um Nume os Imortais
Dom Pedro II
Oacute ar divino e ventos de asas velozes e fontes
dos rios e ondulaccedilotildees inumeraacuteveis das ondas
marinhas e terra matildee universal e disco
onividente do sol a voacutes invoco vede-me
quanto eu deus sofro dos deuses
Baratildeo de Paranapiacaba
Oacute Eacuteter divinal auras velozes
Mananciais dos rios voacutes oacute risos
Inumeraacuteveis das marinhas ondas
Oacute Terra matildee universal oacute disco
Do Sol onividente Aqui me tendes
Vede que dor a um Deus infligem Deuses
Dom Pedro II
Oacute ar divino e ventos de asas velozes e fontes dos
rios e ondulaccedilotildees inumeraacuteveis das ondas
marinhas e terra matildee universal e disco
onividente do sol a voacutes invoco vede-me quanto
eu deus sofro dos deuses
120
em prosa de Dom Pedro II do que a primeira nos trechos analisados Sabemos pela carta
escrita pelo Baratildeo agrave Princesa Isabel que a versatildeo 2 foi feita a pedido de Lafayette
Rodrigues Pereira Seraacute que Lafayette tambeacutem sugeriu ao Baratildeo que procurasse uma
proximidade maior com a traduccedilatildeo em prosa do Imperador Infelizmente a carta
enviada agrave Princesa natildeo nos daacute mais detalhes a esse respeito
Paula da Cunha Correcirca termina seu artigo com as seguintes palavras
No final entre perdas e ganhos apoacutes confrontar essa pequena amostra dos
versos de Trajano e dos barotildees seria muito difiacutecil se tiveacutessemos que escolher
entre eles como Dioniso no concurso cocircmico de poetas traacutegicos nas Ratildes Os
finalistas provavelmente seriam Ramiz e Trajano ora a balanccedila pende para
um ora para o outro Mas daiacute entre esses dois faccedilo minhas as palavras do
deus (Aristoacutefanes As Ratildes vv1411-13)
Queridos satildeo e natildeo irei julgaacute-los
Odiosa a nenhum dos dois serei
pois um tenho por saacutebio o outro me agrada (CORREA 1999 p179)
A disputa eacute dura Mas em vista do que foi analisado parece-nos que Dom Pedro
II natildeo ficaria atraacutes
Conclusatildeo
Como se pode observar pelos exemplos elencados ao longo do presente capiacutetulo
as versotildees poeacuteticas e a traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II satildeo obras distintas e por
isso seus meacuteritos e demeacuteritos natildeo podem ser associados indistintamente umas as outras
Tal conclusatildeo poderaacute ser ainda mais fortalecida pela leitura completa das transcriccedilotildees
integrais dessas obras presentes nos capiacutetulos finais da presente dissertaccedilatildeo
Depois da anaacutelise empreendida eacute possiacutevel supor que a traduccedilatildeo de Dom Pedro II
serviu como um estiacutemulo ao trabalho de Paranapiacaba em vez de servir-lhe
propriamente como um paradigma a ser imitado O cotejo entre as versotildees revelou que
quase sempre o Baratildeo seguiu o seu proacuteprio caminho Mesmo em notas preparadas para
a sua versatildeo 1 quando citava uma versatildeo literal natildeo era a de Dom Pedro II Veja-se
por exemplo a nota 111 escrita por Paranapiacaba
Litteralmente De sua horrenda guela expedia um sibilo de morte de seus
olhos dardejava como o raio um fogo de goacutergone
121
Jaacute a traduccedilatildeo literal de Dom Pedro II para a mesma passagem eacute ldquo soprando
exterminio pelas medonhas queixadas fulminava dos olhos gorgoneo lampejo []rdquo
Apenas a palavra ldquoolhosrdquo eacute coincidente
Se a palavra ldquotrasladaccedilatildeordquo encontrada no tiacutetulo do livro do Baratildeo for
entendida como apenas ldquoadaptaccedilatildeordquo poeacutetica da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II
(Prometheu Acorrentado original de Eschylo Vertido litteralmente para o portuguez
por Dom Pedro II Imperador do Brasil trasladaccedilatildeo poeacutetica do texto pelo Baratildeo de
Paranapiacaba grifo nosso) tal tiacutetulo induziraacute a um erro de entendimento pois
nenhuma das versotildees poeacuteticas eacute por assim dizer ldquoDom Pedro II em versosrdquo
Embora Dom Pedro II natildeo tivesse atendido a solicitaccedilatildeo do diplomata Joseph
Arthur de Gobineau de empreender uma traduccedilatildeo em versos percebe-se na anaacutelise
realizada que o Imperador natildeo descurou da sonoridade de sua traduccedilatildeo em prosa do
Prometeu Acorrentado Se a primeira versatildeo lembra traduccedilotildees escolares que visam
apenas o aprendizado de uma liacutengua estrangeira a versatildeo final por sua vez revela um
tratamento mais acurado quanto agrave sonoridade do texto valendo-se de assonacircncias
aliteraccedilotildees e criando padrotildees interessantes com as posiccedilotildees das siacutelabas tocircnicas ao longo
dos periacuteodos Veja-se por exemplo os efeitos sonoros produzidos pela sequecircncia
ldquorevolvemrdquo ldquoventosrdquo e ldquorevoltardquo na uacuteltima fala de Prometeu (vv1080-93) ou as
combinaccedilotildees ldquorevolvem o poacuterdquo e ldquorevolta de opostosrdquo ou ainda a rima interna ldquo ar e
marrdquo no seguinte trecho ldquo[] e os turbilhotildees revolvem o poacute rompem os sopros de
todos os ventos suscitando entre si a revolta de opostos furacotildees e satildeo abalados ar e
marrdquo (traduccedilatildeo de Dom Pedro II para os versos 1084-88 do texto grego)
Em suma Dom Pedro II natildeo foi prosaico ao realizar sua traduccedilatildeo em prosa do
Prometeu Acorrentado de Eacutesquilo que ateacute onde se sabe eacute a primeira traduccedilatildeo dessa
trageacutedia grega feita no Brasil o que por si soacute lhe assegura um lugar de destaque na
longa cadeia das versotildees dessa peccedila em nosso idioma52
52 Ver Conclusatildeo Geral da presente dissertaccedilatildeo (p273) logo apoacutes as transcriccedilotildees da traduccedilatildeo do
Imperador e das versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba
122
SEGUNDA PARTE
TRANSCRICcedilOtildeES
123
CAPIacuteTULO 3 - Transcriccedilatildeo da traduccedilatildeo em prosa de Dom Pedro II
[fl1]Prometheu encadegraveado53
de Eschylo
A Forccedila a Violencia Vulcagraveno Prometheu
A Forccedila
Chegamos a terra remota aacute regiatildeo Scytha a ermo despovoado Vulcano cumpre
cuidares das ordens que te deu o pae de ligar este malfeitor aos rochedos alcantilados
com algemas infrangiveis de vinculos de accedilo Tua chamma com effeito o brilho do
fogo util a todas as artes deu-o aos mortaes tendo o furtado Na verdade cumpre que
expie para com os deuses tal peccado para que aprenda a venerar o podegraver de Jupiter e
desista de habitos philanthropicos
Vulcagraveno
Forccedila e Violencia o mandado de Jupiter teve cumprimento de vossa parte e
nada mais resta Sou timido para encadegravear com violencia um deus parente ao
despenhadeiro hibernograveso Mas em todo o caso a necessidade d‟isto deve dar-me
audacia pois descurar as ordens do pae eacute grave Filho profundamente pensadograver da recta
conselheira Themis constrangido pregar-te-ei constrangido com cadegraveas indissoluveis
n‟esteltuarrmontegt inhospito onde nem voz nem figura de homem veraacutes mas queimado
lentamente pela chamma brilhante ltuarrdogt sol perderaacutes o mimo da cograver A ti alegrado a
noite de manto varie[fl2]gado occultaraacute a luz e o sol dissiparaacute de nogravevo a geada
matutina Porem sempre te atormentaraacute o pesar do mal presente pois quem deve livrar-
te natildeo nasceu ainda Isto colheste de teus habitos philanthropicos pois qual deus natildeo
temendo a colera dos deuses deste aos mortaes honras alem do justo Por cuja causa
guardaraacutes este ingrato rochegravedo em peacute insomne natildeo curvando o joelho e voltaraacutes
muitas lamentaccedilotildees e gemidos inuteis porque o animo de Jupiter eacute difficilmente
flexivel Rigoroso eacute quem recentemente governa
Forccedila
53
A numeraccedilatildeo das paacuteginas parece ter sido feita a laacutepis no manuscrito a marcaccedilatildeo eacute feita de forma
alternada (se uma paacutegina possui a numeraccedilatildeo a proacutexima natildeo) No entando a paacutegina 7 do manuscrito foi
erroneamente marcada como paacutegina ldquo6rdquo O equiacutevoco persiste ateacute o final do manuscrito cuja a uacuteltima
paacutegina eacute marcada como ldquo46rdquo sendo que haacute 47 paacuteginas de traduccedilatildeo Natildeo sabemos quem fez a marcaccedilatildeo
124
Faccedila-se Porque tardas e te compadeces em vatildeo Porque natildeo odiacuteas o deus mais
inimigo dos deuses que deu traiccediloeiramente teu privilegio aos mortaes
Vulcano54
O parentesco eacute na verltuarrdgt[a]de muito forte assim como a familiaridade
Forccedila
Concordo mas desattendegraver aacutes palavras do pae como eacute possivel Natildeo temes isto
mais
Vulcano
Tu sempre desapiedada e cheia de audacia
[fl3]
Forccedila
De nada vale deploral-o natildeo faze pois cousas que nada aproveitatildeo
Vulcano
Oh muito odiado trabalho manual
Forccedila
Porque o odiacuteas Pois dizendo a verdade natildeo eacute a arte a causa dos males
presentes
Vulcano
A outrem conviria cabegraver ella por sorte
Forccedila
Tudo foi feito para os deuses excepto imperarem55
pois ningueacutem eacute livre salvo
Jupiter
Vulcano
54
Daqui por diante o acento da palavra ldquoVulcagravenordquo soacute seraacute empregado novamente na paacutegina 26 do
manuscrito 55
No manuscrito o trecho ldquo() para os deuses excepto imperaremrdquo eacute sublinhado Tambeacutem entre as
linhas dessa fala DPedro II redige o seguinte comentaacuterio ldquo(excepto para os deuses o imperarem ndash isto eacute
ndash tudo custou trabalho excepcto imperarem os deuses pois somente Jupiter eacute livre (natildeo obedece impera)
(Qual a melhor interpretaccedilatildeo)rdquo
125
Sei-o e nada tenho que contradizer a isto
Forccedila
Natildeo te apressaraacutes pois a circundal-o de cadeagraves para que a ti tergiversante natildeo
ltuarrvejagt[] o pae
Vulcano
E jaacute aacute matildeo se podem vegraver os elos
Forccedila
Tomando-os emtorno das matildeos bate com o malho com grande forccedila finca-os
nas pedras
[fl4]
Vulcano
Estaacute feito e natildeo dura este trabalho
Forccedila
Bate mais aperta de nenhum modo alarga pois eacute astuto para achar sahidas
mesmo de cousas sem remedio
Vulcano
O braccedilo jaacute foi fixado inabalavelmente
Forccedila
E agora liga est‟outro firmemente para que o astuto saiba que eacute mais obtuso que
Jupiter
Vulcano
Excepto este ninguem justamente se houvera queixado de mim
Forccedila
Agora forte enterra atravez dos peitos os dentes arrogantes da cunha de accedilo
Vulcano
Ai ai Prometheu gemo com tuas desgraccedilas
Forccedila
126
De novo hesitas e gemes com os inimigos de Jupiter Que natildeo te compadeccedilas
de ti um dia
[fl5]
Vulcano
Vegraves um espectaculo horriacutevel de vegraver
Forccedila
Vejo-o conseguindo o que eacute justo mas lanccedila os vinculos axillares em torno das
costellas
Vulcano
Eacute necessario fazel-o natildeo m‟o ordenes demais
Forccedila
Ordenarei certamente e incitarei com gritos alem d‟isso Anda para baixo e
aperta com anneis as pernas aacute forccedila
Vulcano
E fez-se o trabalho sem grande custo
Forccedila
Agora finca fortemente as algemas dos peacutes pois que o censor de tuas obras eacute
severo
Vulcano
A tua linguagem falla cousas similhantes aacute tua forma
Forccedila
Segrave molle mas a minha insolencia e crueza d‟indole natildeo m‟ltuarrexprobesgt[]
Vulcano
Vamo-nos pois tem regravedes nos membros
[fl 6]
Forccedila
Procede agora aqui indolenltuarrtegtte[m] e furtando os privilegios dos deuses daacute-
os aos ephemeros Que valem os mortaes para te aliviarem d‟estes trabalhos Os deuses
127
te chamatildeo com o pseudonymo de Prometheu (previdente) quando tu mesmo precisas
d‟um Prometheu de modo a te desembaraccedilares d‟estes artefactos
Prometheu
ltuarrOh ar divinogt[] e ventos de azas velozes e fontes dos rios e ondulaccedilotildees
innumeraveis das ondas marinhas e terra matildee universal e disco omnividente do sol a
voacutes invoco vede-me quanto eu deus soffro dos deuses Vegravede por quaes ignominias
vexado luctarei infindos annos O nogravevo reguladograver dos felizes inventou por causa de
mim este vinculo aviltante Ai ai Lamento o soffrimento presente e o superveniente
De que modo cumpre que um dia surja o termo d‟estes males Comtudo que digo Sei
de antematildeo claramente tudo o que deve vir nenhum soffrimento chegar-me-aacute
inesperado Eacute preciso supportar da melhor mente a sorte destinada reconhecendo que a
forccedila da necessidade eacute invencivel Mas nem calar nem natildeo calar me eacute possivel esta
sorte porque dando privilegios aos mortaes estou subjugado por estes supplicios
Pesquizo a origem furtiva do fogravego [fl6 (7)]56
occulta na ferula a qual foi para os
mortaes mestra de todas as artes e grande auxilio Cumpro estes castigos das culpas
estando a ceu descoberto pregado com cadegraveas Ah Ah Ai Ai Que rumograver que cheiro
imperceptivel voou ateacute mim Divino mortal ou mixto Veio ao cimo do rochedo
algum expectadograver de meus males ou querendo o que Vegravede-me deus infeliz encadeado
inimigo de Jupiter incorrendo no odio de todos os deuses que frenquentatildeo o palacio de
Jupiter por causa de amizade demasiada aos mortaes Ai Ai Que rumorejar de
voadores ouccedilo de nogravevo perto O ltuarrar sussurragt[] com as ligeiras vibraccedilotildees das azas
Tudo o que se aproxima eacute para mim atemorizadograver
Chogravero
(Strophe 1ordf)
Nada temas pois este bando amigo de azasltuarrcom rapidas porfiacuteasgt[]ltdarrelevou-
se agt este rochegravedo apegravenas convencendo as paternas vontades Auras velozes me
conduziram porque o echo do tinido do ferro penetrou o recesso dos antros expelliu de
mim o veneravel pudograver e descalccedila precipitei-me no carro alado
Prometheu
56
Paacutegina 7 do manuscrito erroneamente marcada como paacutegina ldquo6rdquo O equiacutevoco persiste ateacute o final do
manuscrito marcando a uacuteltima paacutegina como ldquo46rdquo sendo que haacute 47 paacuteginas de traduccedilatildeo Doravante
colocaremos a numeraccedilatildeo correta entre parecircnteses
128
Ai Ai Ai Ai Prole da fecunda Tethys filhas do pae Oceano que circumvolve toda a
terra com insomne fluxo olhae observae com que cadegravea ligado supportarei natildeo
invejavel sentinella no cume dos rochegravedos d‟este precipicio
[fl8]
Chogravero (antistrophe 1ordf)
Vejo-o Prometheu uma nevoa temivel cheia de lagrimas precipitou-se sobre
meus olhos observando eu teu corpo mirrando-se pregado nos rochegravedos com estes
ferreos flagellos pois novos ltuarrtimoneirosgt[]57
regem o Olympo e com leis novas
impera Jove illegitimamente destroe agora o que era antes veneravel
Prometheu
ltuarrProuveragt[Oxalaacute]58
me houvesse arremessado para baixo da terra e Orco
recebedograver dos mortos para o Tartaro immenso tendo me lanccedilado crueis e indissoluveis
cadegraveas de modo que nem deus nem outro qualquer se regozijasse d‟isto Agora
desgraccedilado dos ventos ludibrio soffro o que alegra os inimigos
Chogravero (Strophe 2ordf)
Qual dos deuses de coraccedilatildeo assim endurecido a quem isto agraacutede Quem natildeo
partilha a dograver de teus males excepto Jupiter Elle irosamente tendo se posto de animo
inflexivel doma a celeste progenie nem cessaraacute antes que ou sacie o coraccedilatildeo ou
alguem por qualquer artificio se tenha apossado do governo difficil de tomar
Prometheu
Certamente o governador dos felizes ainda teraacute necessidade de mim maltratado
embora por fortes algegravemas para eu lhe [fl8 (9)] manifestar o novo trama59
pelo qual
sceptro e honras lhe seratildeo roubados Nem me abrandaraacute com os mellifluos
incantamentos da persuasatildeo nem aterrado por graves ameaccedilas denuncial-o-ei antes que
me tenha soltado das crueis cadegraveas e reparado esta ignominia
57 Ver paacutegina 23 nota 58
A palavra ldquoOxalaacuterdquo estaacute sublinhada no manuscrito e logo acima estaacute escrita a palavra ldquoprouverardquo com
tinta diferente Ao contraacuterio das outras ocorrecircncias natildeo houve rasura o que indica duacutevida 59
Palavra normalmente feminina no entanto o dicionaacuterio Houaiss anota a ocorrecircncia desse termo
tambeacutem como um substantivo masculino no sentido de ldquoconluiordquo ldquomaquinaccedilatildeordquo
129
Chogravero (Antistrophe 2ordf)
Na verdade audaz nada te dobras aos males acerbos e demasiadamente livre
fallas Terrograver profundo abalou-me o animo pois temi quanto ao teu destino o como
cumpra chegares a vegraver o termo d‟estes trabalhos porquanto o filho de Saturno tem
caracter inexoravel e coraccedilatildeo inflexivel
Prometheu
Sei que Jupiter eacute aspero julgando a seu bel-prazegraver comtudo seraacute um dia de
animo brando quando fograver de certo modo ferido abatendo a indomavel colera voltaraacute
ainda anciograveso aacute concordia e a amizade commigo anciograveso
Chogravero
Revela tudo e dize-nos em que crime surpreh[enltuarrdengtd]o-te Jupiter assim te
maltrata ignominiosa e acerbamente Conta-nos se nada teltuarr+gt60
offende na narraccedilatildeo
Prometheu
Na verdade eacute doloroso para [mim ltuarro que tenho degt referir ]ltuarrmasgt doloroso
calar em todos os casos desgraccedilado Logo que os ltdarrcelicolasgthabitantes do ceu[fl10]
se deixaram ltuarrdominargt pela coacutelera e a discordia suscitou de entre elles querendo uns
derrubar Saturno do throno sem duvida para que Jupiter imperasse outros anhelando o
contrario que Jupiter jamais governasse os deuses entatildeo aconselhando eu o melhor
natildeo ltuarrpude convencegravergt[] os Titatildees filhos do Ceu e da Terra mas desprezando os
meios brandos em seus violentos pensamentos julgaratildeo haver de governar sem custo aacute
forccedila Natildeo ltuarrsomentegt uma vez minha matildee Themis e a Terra forma unica de
muitos nomes predissera-me como se ratificaria o futuro que nem por forccedila nem por
violencia ltuarrcumpririagt mas por dolo ltuarros quegt[] ltuarrse tornassemgt [superiores]
vencegraverem ltuarr+gt61
[] ltA mim quando dizia taes cousas com palavras natildeo se dignaram de
60
Entre ldquoterdquo e ldquoofenderdquo estaacute um sinal ldquo+rdquo (adiccedilatildeo ou cruz) feito em tonalidade de tinta diferente A cruz
costuma indicar passagens corrompidas nos manuscritos Mas natildeo parece o caso aqui em vista do grego 61 Acima do ponto final haacute uma cruz (ou adiccedilatildeo) aparentemente marcada a laacutepis No entanto antes do
ponto final temos a palavra ldquovencegraveremrdquo e acima dela haacute outro sinal um ciacuterculo com uma cruz dentro
No comeccedilo da paacutegina do manuscrito onde estaacute escrita a passagem em questatildeo [fl10] haacute um sinal
idecircntico ao que fora escrito sobre a palavra ldquovencegraveremrdquo Perto desse sinal estaacute escrito ldquofaltam aqui dous
versosrdquo Esses dois versos foram escritos mais agrave esquerda desse sinal ldquoA mim quando dizia taes cousas
com palavras natildeo se dignaram de nada attender totalmenterdquo Portanto o sinal no corpo do texto se trata
de uma chamada e a cruz acima do ponto final talvez indique que eacute depois dele que os versos esquecidos
na traduccedilatildeo devem ser lidos Por isso os incluiacutemos no corpo do texto
130
nada attender totalmentegt62
Do que entatildeo se apresentava parecia-me ser o mais
acertado tomando commigo minha matildee auxiliar de boa vontade a Jupiter que o queria
Por meus conselhos o abysmo do Tartaro profundamente negro esconde o anciatildeo
Saturno com seus alliados De tal sorte por mim ajudado o Senhor dos deuses com estes
duros trabalhos recompensou-me Ha na verdade como este achaque na soberania de
natildeo confiar nos amigos Jaacute que perguntaes porque motivo me maltrata explical-o-ei
Logo que se assentou no throno paterno immediatamente distribuiu recompensas pelos
habit celicolas a cada um sua e regulou o governo Mas em nenhuma conta teve os
miseros mortaes porem ltuarrdezejavagt[queria] destruindo toda a geraccedilatildeo crear nova E
a isto ninguem resistiu [fl10 (11)]excepto eu Eu porem atrevi-me livrei os mortaes de
irem anniquilados para o Orco Pelo que sou vergado por estas desgraccedilas dolorosas de
soffregraver tristes de vegraver Tendo compaixatildeo dos mortaes natildeo fui achado digno de obtegravel-a
mas desapiedadamente assim fui castigado espectaculo deshonrograveso para Jupiter
Chogravero
De coraccedilatildeo de ferro e feito de pedra eacute quem oh Prometheu natildeo partilha teus
soffrimentos natildeo dezejava eu pois tegraver visto estas cousas e tendo as visto foi o coraccedilatildeo
angustiado
Prometheu
E na verdade para os amigos triste sou eu de vegraver
Chogravero
Por ventura natildeo foste mais longe do que ltuarristogt[]
Prometheu
Impedi os mortaes de prevegraver o destino
Chogravero
Que remedio achando d‟este mal
Prometheu
62
Ver nota anterior
131
ltuarrEstabelecigt[] n‟elles cegas esperanccedilas
Chogravero
Esta grande vantagem doaste aos mortaes
Prometheu
[fl12]
Alem d‟isso dei-lhes o fogravego
Chogravero
Pois ephemeros possuem ltuarragoragt o fogo chamejante
Prometheu
Pelo qual conheceratildeo muitas artes
Chogravero
Por taes crimes pois maltrata-te Jupiter nem abranda os males Nem ha para ti
termo assentado do soffrimento
Prometheu
Nenhum outro senatildeo quando aacutequelle praza
Chogravero
Como porem lhe aprazeraacute Que esperanccedila Natildeo vegraves que delinquiste Como
delinquiste natildeo me eacute agradavel dizer e para ti eacute dograver mas deixemos estas cousas
procura pois qualquer libertaccedilatildeo do soffrimento
Prometheu
Facil eacute quem tem o peacute foacutera das desgraccedilas aconselhar e ltuarradmoestargt[] o
afflicto mas eu sabia tudo isto voluntaria voluntariamente delinqui natildeo negarei
favorecendo os mortaes acarretei-me os trabalhos Comtudo natildeo pensava havegraver de
mirrar-me com taes trabalhos sobre alcantilados rochegravedos cabendo-me este monte
ltuarrermogt[] sem visinhos Natildeo lamenteis comtudo as desgraccedilas presentes mas
132
ltuarrvindasgt[] aacute terra [fl12(13)] ltuarrouvigt [] a sorte que s‟aproxima63
afim de que tudo
saibaes ateacute o fim Crede-me crede compadecei-vos de quem soffre agora Do mesmo
modo certamente a desgraccedila vagando liga-se ora a um ora a outro
Chogravero
Natildeo clamaste isto a ltuarrpessoas que natildeo quizessem (ouvir)gt[ Prometheu E jaacute
com] peacute ligeiro deixando a seacutede velozmente impellida e o puro ltuarrargt[] passagem
ltdos aligerosgt[] chego a este solo fragograveso desejo ouvir inteiramente os teus
trabalhos
Oceagraveno
Chego a ti Prometheu tendo percorrido o termo de longo caminho governando
este aligero de rapido voo pela vontade sem freio Condograveo-me de tua sorte sabegrave-o pois
a isto julgo me obriga o parentesco e parentesco aacute parte a ninguem daria maior
quinhatildeo do que a ti Conheceraacutes porem quatildeo verdadeiras satildeo estas cousas nem que eacute de
mim fallar agradavelmente com leviandade Vamos pois indica em que cumpre
socorrer-te pois nunca diraacutes que ha para ti amigo mais firme que o Oceagraveno
Prometheu
Ah ltuarrQue cousagt64
[Tambem tu] vieste expectadograver de meus trabalhos Como
ousastes deixando a corrente que ltuarrtira de tigt [] o nome e os antros nativos cobertos
de pedra vir aacute terra matildee do ferro Por ventura [fl14] chegaste para observares minha
sorte e partilhares meus males Vegrave o espectaculo o amigo de Jupiter quem com elle
estabeleceu a soberania sob que desgraccedilas sou por elle vergado
Oceagraveno
Vejo-o Prometheu e quero na verdade aconselhar-te melhor embora a quem eacute
astuciograveso Conhece-te a ti mesmo e muda para novos habitos pois tambem novo eacute o
soberagraveno entre os deuses Se arremessas palavras tatildeo asperas e aguccediladas talvez logo te
ouccedila Jupiter mesmo assentando-se muito mais alto de modo que a amargura actual
ltdos malesgt[ dos soffrimentos]paregraveccedila ser divertimento Mas oh infeliz perde a colera
63
O sinal ldquo+rdquo foi marcado acima dessa palavra no manuscrito 64
O trecho ldquoQue cousardquo foi escrito logo acima da palavra ldquotambeacutemrdquo seu lugar na frase eacute indicado por
meio de traccedilo Nota-se tambeacutem o sinal (+) em outra cor com o qual provavelmente o autor marcava
onde em revisatildeo deveria inserir algo
133
que tens procura a libertaccedilatildeo d‟estes soffrimentos Talvez pareccedila-te dizegraver cousas
antiquadas comtudo tal eacute a recompensa d‟uma lingua demasiadamente arrogante Tu
porem natildeo eacutes humilde nem cedes aos males mas queres ajuntar outros aos actuaes
Portanto servindo-te de mim ltcomogt[] mestre natildeo daraacutes ponta- peacutes na espora vendo
que impera um monarcha severo e irresponsavel E agora vou-me e tentarei se posso
livrar-te d‟estes trabalhos Tu aquieta-te e natildeo falla intemperantemente Acaso natildeo
sabes perfeitamente sendo tatildeo prudente que eacute infligido castigo aacute lingua insensata
[fl14 (15)]
Prometheu
Invejo-te porque ficas isento de crime tendo tudo partilhado e visado commigo
Mas agora desiste nem te importes pois de nenhum modo o convenceraacutes porquanto eacute
inexoravel Examina bem tu mesmo se nada soffres com a viagem
Oceagraveno
Na verdade muito melhor aconselhas os outros que a ti proprio e reconheccedilo-o
pelas obras e natildeo pelas palavras De nenhum modo faccedilas retrocedegraver a mim que venho
apressado pois gloriacuteo-me gloriacuteo-me de havegraver Jupiter de concedegraver-me o dom de
libertar-te d‟estes trabalhos
Prometheu
Louvo-te por isso e jamais deixarei de louvar-te Natildeo poupas diligencia
comtudo nada faccedilas pois nada aproveitando-me debalde trabalharaacutes ainda que
trabalhar queiras mas aquieta-te conservando-te afastado porquanto se eu sou infeliz
natildeo quizera por esta causa que tocassem desgraccedilas a muitosltuarrOceanogt65
[Natildeo]
certamente pois que me atormentatildeo os destinos do irmatildeo Atlante que estaacute nas regiotildees
occidentaes sustentando nos hombros a columna do ceu e da terra peso difficil de
suportar ltuarrCondoi-megt [vendo o] terrigena habitante dos antros Cilicios monstro
funesto o violento Typhatildeo de cem cabeccedilas subjugando os outros agrave forccedila o qual
rebellou-se [fl16] contra todos os deuses soprando exterminio pelas medonhas
queixadas fulminava dos olhos gorgoneo lampegravejo como se destruira aacute forccedila a
soberania de Jupiter Mas veio a elle o dardo insomne de Jupiter o cadente raio
65 Ver nota 69
134
expirando chammas que abateu as arrogantes jactancias pois ferido nas proprias
entranhas foi o vigor incinerado e fulminado e agora corpo inerte e estirado jaz
perto de estreito maritimo comprimido sob as raizes do Etna Nos altos cumes
assentado forja Vulcano massas incandescentes d‟onde jorraratildeo um dia rios de fogravego
devorando com ferozes queixos as campinas da Sicilia de bellos fructos Typhatildeo
vomitaraacute essa biles com os ardentes dardos d‟inextinguivel ignivomo ltuarr+gt[turbilhatildeo]66
Carbonisado embora pelo raio de [Jupiter] ltuarrPrometheugt67
Tu natildeo eacutes inexperiente nem
precisas de mim como mestre salva-te a ti mesmo como souberes Eu supportarei o
presente destino ateacute que o animo de Jupiter cesse da colera
Oceagraveno
Pois natildeo [sabes]ltuarristogt Prometheu que as fallas satildeo medicos de alma doente
Prometheu
Se alguem ltuarracalmargt[] o coraccedilatildeo opportunamente e natildeo reprimir aacute forccedila a
paixatildeo intumescente
Oceagraveno
[fl16(17)]
Mas no interessar-se e ousal-o que damno vegraves existir Ensina-m‟o
Prometheu
Trabalho inutil e stultice de ltanimogt[espirito] leviagraveno
66
Acima de ldquoturbilhatildeordquo encontra-se o sinal de adiccedilatildeo 67 A palavra ldquoPrometheurdquo foi escrita no espaccedilo interlinear entre as palavras ldquoJupiterrdquo e ldquoTurdquo Num
primeiro momento pensamos que o Imperador estava apenas indicando ao leitor que a longa fala de
Prometeu continuava (vv340-76) tiacutenhamos em mente o texto original editado por Mark Griffith (1997)
No entando Brunno VGVieira Professor de Letras Claacutessicas da UNESP e um dos arguidores da
presente pesquisa chamou a atenccedilatildeo para esse detalhe Posteriormente consultamos a ediccedilatildeo de 1809 do
texto original grego empeendida por Christian Gottfried Schuumlltz e constatamos que a disposiccedilatildeo das falas
difere da ediccedilatildeo de Griffith A ediccedilatildeo de Schultz tem a seguinte disposiccedilatildeo Prometeu vv 340-46
Oceano vv347-72 Prometeu vv373-6 A ediccedilatildeo de Thomas Stanley (1809) possui a mesma disposiccedilatildeo
de Schuumlltz para a passagem em questatildeo A palavra ldquoPrometheurdquo escrita no espaccedilo interlinear destaca um
trecho idecircntico ao da fala de Prometeu editada por Schuumlltz e Stanley Logo acima do iniacutecio da traduccedilatildeo
para o verso 347 o Imperador escreveu no espaccedilo interlinear a palavra ldquoOceanordquo[fl15] (p133) mas
riscou-a Se levarmos em conta esses dois acreacutescimos a traduccedilatildeo fica com a mesma disposiccedilatildeo das
ediccedilotildees de Schuumlltz e Stanley para os versos 340-76 O interessante eacute que na versatildeo preliminar da traduccedilatildeo
em prosa guardada no Museu Imperial natildeo haacute esses dois acreacutescimos o que nos faz pensar que Dom
Pedro II estava trabalhando com mais de uma ediccedilatildeo do texto original Eis a traduccedilatildeo dos versos 373-6 no
manuscrito do Museu Imperial ldquoTu natildeo inexperiente natildeo precisas de mim como mestre salva-te a ti
como sabes Eu sofrerei a sorte presente ateacute que o espirito de Jupiter tenha descansado da colerardquo
135
Oceagraveno
Deixa-me padecegraver d‟esta molestia pois que eacute ltuarr+gt[vantajogravesissimo]68
que quem
pensa sensatamente natildeo o pareccedila
Prometheu
Esta culpa pareceraacute segraver minha
Oceagraveno
Teu discurso reenvia-me para casa
Prometheu
Natildeo te lance ao odio a compaixatildeo de mim
Oceano69
Porventura de quem assenta-se recentemente na sede omnipotente
Prometheu
Guarda-te d‟elle que jamais seu coraccedilatildeo seja irritado
Oceagraveno
Tua desgraccedila Prometheu eacute minha mestra
Prometheu
Vae-te apressa-te ltuarrconservagt[] tua actual resoluccedilatildeo
Oceagraveno
[fl 18]
Disseste-o a quem tem pressa pois o aligero quadrupede roccedila com as azas o
caminho plagraveno do ar contente por tegraver de dobrar o joegravelho nos estabulos
ltuarrdomesticosgt[]
68
Haacute uma cruz ou adiccedilatildeo marcada a grafite acima dessa palavra 69
Aqui o acento foi esquecido
136
Chogravero (Strophe 1ordf)70
Deploro-te pela sorte perniciosa Prometheu e molhei as faces com humidas
fontes derramando de ternos olhos uma corrente gotejando lagrimas pois Jupiter
ordenando estas cousas desapiedadamente por leis suas mostra ltuarraosgt[] deuses de
outrora a haste orgulhosa
(antistrophe 1ordf)
Jaacute toda a regiatildeo resoou lamentavelmente e tua magnifica e antiga dignidade
deploratildeo e quantos mortaes habitatildeo o vizinho solo da sacra Asia condoem-se de tuas
desgraccedilas dignas de altos gemidos
(Strophe 2ordf)
e as virgens habitantes da terra da Colchida impavidas nos combates e a
ltuarrhordagt[] Scytha que ocuppa o logar extremo da terra emtograverno do pauacutel Meotide
(antistrophe 2ordf)
e a flograver marcial da Araacutebia e os que habitatildeo71
aldegravea cheia de precipicios perto
do Caucaso chusma bellicosa fremente com agudas hastes
[fl18 (19)]
(Epodo)
Somente outro vi antes subjugado ltuarremgt[por]ferreos trabalhos pelos flagellos
dos deuses Atlante que sempre um esforccedilo immenso o solido polo celeste sustenta nas
costas Muge o marulho do mar chocando-se geme o abysmo o negro fundo da
regiatildeo do Orco sub-freme e as fontes dos rios sacro-fluentes deploratildeo a lamentavel dograver
Prometheu
ltuarrDe nenhum modogt[ julgueis] que por pertinacia ou insolencia me cale mas
o desgosto ltuarrdevoragt[dilacera]-me o coraccedilatildeo vendo-me assim ultrajado Comtudo
quem senatildeo eu distribuiu privilegios por todos estes novos deuses Calo-o porem jaacute
que o diria a voacutes que o sabeis Ouvi a desgraccedila que houve para os mortaes como a elles
estupidos antes ltuarrfizgt[] prudentes e dotados de intelligencia mas dil-o-ei natildeo tendo
exprobaccedilatildeo para os homens porem expondo a benevolencia das cousas que dei Na
verdade os que d‟antes viatildeo debalde viatildeo os que ouviatildeo natildeo ouviatildeo mas similhantes aacutes
70
Havia uma linha de texto abaixo da palavra ldquochograverordquo que foi totalmente riscada em sua maior parte
estaacute ilegiacutevel Lecirc-se contudo algumas palavras ldquolamentordquo na primeira posiccedilatildeo ldquoperniciosardquo e a uacuteltima
ldquoPrometheurdquo 71
O trecho ldquoda Arabia e os que habitatildeordquo foi sublinhado no manuscrito e logo acima dele foi escrito
entre parecircnteses ldquo(de Aryas que habita)rdquo sem indicaccedilatildeo de inclusatildeo
137
formas dos sonhos por muito tempo tudo ltuarrconfudiatildeogt[] ao acaso nem conheciatildeo as
casas de tijogravelo expostas ao sol nem carpinteria mas habitavatildeo encovados como as
pequegravenas formigas nas profundezas natildeo assoalhadas dos antros Natildeo havia para elles
limite de inverno nem de florida primavera nem de fructifero estiacuteo mas tudo faziatildeo
[fl20] sem sciencia ateacute que lhes mostrei os nascimentos dos astros e os occasos
difficeis de notar E inventei-lhes a numeraccedilatildeo a mais excelente das doutrinas e os
arranjos das letras e a memoria matildee das musas artiacutefice de todas as cousas Jungi
[primeiro ao jugo os animaes] ltuarrtornando-se escravos da cordagt72
ltuarre para quegt[]
com os corpos fossem substitutos aos mortaes nos maiores trabalhos sujeitei ao carro
os cavallos doceis ltuarrde reacutedeagt [] ornamento da molleza excessivamente rica
Ninguem senao73
eu inventei esses vehiculos undivagos de azas de linho Descobrindo
taes inventos para os mortaes infeliz natildeo tenho eu proprio artificio com que me
ltuarrlivregt[] da desgraccedila actual
Chogravero
Soffres affrontosa desgraccedila aberras privado da razatildeo mas como mau medico
cahindo doente desanimas e natildeo podes achar com que remedios sejas curavel
Prometheu
Ouvindo-me o resto mais admiraraacutes as artes e cousas uteis que excogitei O que
eacute o mais importante se alguem cahisse doente natildeo havia nenhum remedio nem de
comegraver nem de untar nem de bebegraver mas definhavatildeo por falta de remedios antes que eu
lhes mostrasse as misturas dos saudaveis remedios com que expellem de si todas as
molestias
[fl20 (21)]
Institui muitos modos de adevinhaccedilatildeo e primeiro e distingui o q74
dos sogravenhos
deve segraver sogravenho verdadeiro expliquei-lhes os agouros vocaes difficeis de entendegraver e
os accidentaes dos caminhos e defini exatamente o vograveo das aves de unhas
recurvadas quaes as favoraveis por natureza quaes as sinistras que comida tem cada
uma que inimizades amograveres e reuniotildees entre ellas e a lisura das entranhas e com que
72
O trecho ldquotornando-se escravos da cordardquo foi escrito logo acima do trecho ldquoprimeiro ao jugo os
animaisrdquo seu lugar na frase eacute indicado por meio de traccedilo Depois da palavra ldquoanimaesrdquo o trecho ldquoe para
querdquo foi escrito logo acima de algo que fora riscado e estaacute ilegiacutevel 73
O autor esqueceu de colocar o til na palavra ldquosenatildeordquo 74
O autor anota ldquoqrdquo com um til no manuscrito Eacute a abreviaccedilatildeo da palavra ldquoquerdquo Recurso bastante comum
na eacutepoca do Imperador e recorrente em seu manuscrito
138
cograver sejatildeo do prazegraver para os celicolas e a bella forma variegada do fel e do lobulo do
figado Queimando membros cobertos de gordura e um comprido lombo guiei os
mortaes na difficil arte de adevinhar e revelei os signaes igneos d‟antes caliginosos
Taes na verdade estas cousas mas quem diria ter descoberto antes o ltuarrcobregt[] o
ferro a prata e o ouro recursos occultos aos homens embaixo da terra Ninguem
perfeitamente o sei a natildeo queregraver palrar em vatildeo Em poucas palavras aprende tudo
d‟uma vez todas as artes proviratildeo aos mortaes de Prometheu
Chogravero
Natildeo soccograverras os mortaes alem do que convem nem te descuides de ti
desgraccedilado pois que tenho boas esperanccedilas de que um dia sogravelto d‟essas cadegraveas natildeo
segravejas menos poderograveso que Jupiter
Prometheu
[fl22]
Prometheu
Ainda natildeo estaacute fadado que ltuarrde tal maneiragt[assim] ratifique isto a
Parca que tudo perfaz mas vergado sob infinitas desgraccedilas e calamidades assim
livrar-me-ei a final das cadegraveas A arte eacute muito mais fraca do que a fatalidade
Chogravero
Quem eacute o timoneiro da fatalidade
Prometheu
As triformes Parcas e as memoriosas Furias
Chogravero
Pois Jupiter eacute mais fraco do que ellas
Prometheu
Certamente natildeo evitaria o fadado
Chogravero
Que ha pois fatal para Jupiter senatildeo imperar
139
Prometheu
Jamais o saberias nem me rogues
Chogravero
Eacute porventura alguma cousa ltuarrvenerandagt[] o que occultas
Prometheu
Lembrae-vos de outro discurso proferir este de nenhum modo eacute
opportuno mas deve-se occultal-o o mais possivel pois reservando-o evito cadegraveas
affrontosas e calamidades
[fl22 (23)]
Chogravero (Strophe 1ordf)
Jamais quem rege tudo Jupiter opponha seu podegraver aacute minha vontade
Nem tarde ltuarreugt em approximar-me dos deuses com os banquegravetes ltuarrrituaesgt de
bois sacrificados junto ao curso incessante do pae Oceagraveno nem delinqua por palavras
mas fique-me isto e jamais se desvanegraveccedila
(antistrophe 1ordf)
Doce eacute estendegraver longa vida por confiadas esperanccedilas nutrindo a alma de
brilhantes alegrias mas horroriso-me observando porque infinitos ltuarrsoffrimentosgt
[eacutes atorm]entado ltx x x x xgt75
Natildeo temendo Jupiter honras demasiadamente os
mortaes Prometheu por tua propria vontade ltuarrStrophe 2ordfgt76
Eia Que ingrata gratidatildeo
oh amigo dize onde auxilio Que socograverro dos ephemeros Natildeo observaste a importante
fraqueza similhante a um sonho ltuarrcomgt[] que a dos mortaes x x x77
cega geraccedilatildeo
estaacute algemada Os conselhos dos mortaes ltuarrnuncagt[] preferem aacute ordem estabelecida
por Jupiter
(antistrophe 2ordf)
Aprendi-o ltuarrobservandogt[] tua misera sorte Prometheu Diverso voou
para mim este e aquelle canto quando emtograverno do banho e de teu leito com alegria
75
Logo apoacutes a esse ponto encontra-se um traccedilo ascendente sobre o qual estaacute marcado ldquox x x x xrdquo
indicando que o texto original nessa passagem estaacute corrompido Ver pp75-7 da presente dissertaccedilatildeo 76
A indicaccedilatildeo do o iniacutecio da estrofe 2ordf foi feita por meio de linhas ascendentes partindo dentre as
palavras ldquovontaderdquo e ldquoeiardquo nas quais eacute escrito ldquo(Strophe 2ordf)rdquo como uma espeacutecie de correccedilatildeo feita pelo
autor 77
Marcaccedilatildeo feita no corpo do texto Ver nota 78
140
cantava o hymeneu na occasiatildeo que persuadindo com as dadivas esposalicias minha
irmatildea paterna Hesione levaste-a como espogravesa socia de leito
[fl24]
Io
Que terra Que geraccedilatildeo Quem direi ser este que eu vejo expogravesto aacutes intemperies
encadeado aos rochegravedos De que delicto te faz perecegraver o castigo Mostra-me em que
parte da terra vago ltuarrAh Ah Ai Aigt[Novamente ferra-me] infeliz um tavatildeo
imagem do terrigena Argos Afasta terra tenho megravedo o boieiro ltuarrde numerosos olhos
que me observagt[ infinitos] Elle anda tendo ogravelho dolograveso e morto natildeo o esconde a
terra mas escapando d‟entre os que estatildeo debaixo da terra caccedila-me desgraccedilada e faz-
me vagar famelica pela maritima aregravea78
(Strophe)
A canna ltuarrmelodiosagt[sonora] ligada com cegravera resogravea um canto soporifero
Ai ai ah Onde ah Onde me levatildeo as longinquas peregrinaccedilotildees Em q a final ltoh
uarrSaturniogt[] filho em que a final achando-me delinquente prendeste-me n‟estas
desgraccedilas Ai ai Assim me atormentas infeliz delirante com o megravedo das ferroadas do
tavatildeo Queima-me com fogravego ou esconde-me na terra ou daacute-me como pasto de feras
marinhas natildeo me rejeites as preces oh rei ltuarrBastantegt[] me ltuarrforccedilaram a
exerciciogt[ multivagas] peregrinaccedilotildees nem tenho onde aprenda como evite as
desgraccedilas Ouves a voz da virgem bovicornuta
Prometheu
Como natildeo ouvirei a donzella pungida pelo tavatildeo a filha d‟Inacho [fl24
(25)]que abraza de amograver o coraccedilatildeo de Jupiter e agora odiosa a Juno ltuarreacutegt[] forccedilada ao
exercicio de interminaveis carreiras
Io (antistrophe)
Porque pronuncias ltuarrtugt o nome de meu pae Dize a mim infeliz quem eacutes
quem portanto falla a mim oh misera assim verdadeiramente desgraccedilada nomeando
ltuarro malgt[] proveniente dos deuses que me consome pungindo-me com furiograveso
ferratildeo Ai ai Vim em rapido curso impellida pelos famelicos flagellos dos saltos (vim
78
ldquoaregraveardquo = ldquoareiardquo(forma atualizada)
141
em rapido curso esfomeada e aos saltos) domada pelos designios rancorosos de Juno
Quaes dos infelizes quaes ai ai soffrem como eu Mas aponta-me claramente que me
resta ou natildeo me cumpre padecegraver Indica-me o remedio do mal se o conheces Falla
explica-o aacute virgem desaventuradamente vagabunda
Prometheu
Claramente dir-te-ei tudo o que desejas sabegraver natildeo enredando enigmas porem
singelo discurso como eacute justo abrir a bocca ltuarrcomgt[] amigos Vegraves Prometheu o
dadograver do fogo aos mortaes
Io
Oh tu que revelaste aos mortaes o bem commum desgraccedilado Prometheu em
castigo de que padeces isto
Prometheu
Ainda ha pouco deixei de lamentar meus males
[fl26]
Io
Natildeo me concederias essa graccedila
Prometheu
Dize que pedes Pois tudo saberias de mim
Io
Revela-me quem te ligou a este precipicio
Prometheu
A resoluccedilatildeo de Jupiter e a matildeo de Vulcagraveno
Io
Mas de que delictos soffres a pena
Prometheu
142
Tatildeo somente isto posso explicar-te
Io
E alem d‟isto mostra-me o termo de minha peregrinaccedilatildeo e qual o tempo para a
infeliz
Prometheu
Melhor eacute para ti ignoral-o que sabegravel-o
Io
Natildeo me escondas o que tenho de sofregraver
Prometeu
Mas natildeo te recuso este favograver
Io
Porque hesitas entatildeo em dizer-me tudo
[fl26 (27)]
Prometheu
Natildeo haacute nenhuma recusa porem receio perturbar teu espirito
Io
Natildeo cuides ltuarrmaisgt de mim pois eacute me agradavel
Prometheu
Pois dezejas cumpre dizegravel-o ouve entatildeo
Chogravero
Ainda natildeo concede-me tambem parte do prazegraver Indaguemos primeiro o mal
d‟ella contando ella mesma sua sorte cheia de odios do resto das infelicidades seja
informada por ti
Prometheu
143
Eacute teu cuidado ltuarrIogtfazegraver a estas o favograver em todo o caso e por serem irmaatildes
de teu pae visto que chorar e deplorar as desgraccedilas ali onde ltuarralguemgt hade obtegraver
lagrimas dos ouvintes vale a demora
Io
Natildeo sei como desobedecegraver-vos por claro discurso sabereis tudo o que dezejaes
posto que [me envergonhe de dizegraverltuarrd‟onde sobrevieratildeo a mim desaventuradagt79
a
calami]dade proveniente dos deuses e a mudanccedila de forma Visotildees nocturnas
frequentando sempre meus aposentos virginaes exhortavatildeo-me com suaves palavras oh
felicissima donzella porq80
te conservas muito tempo virgem sendo-te permittido
alcan81
[fl28] o maior casamento Pois Jupiter estaacute abrasado por ti pelo dardo dos
dezejos e quer gozar Cypris contigo mas tu oh moccedila natildeo recuses o leito de Jupiter
porem sahe para o fertil prado de Lerna e os rebanhos e abegoarias de teu pae afim
de que a vista de Jupiter descanse dos dezejos Todas as noites era dominada por taes
sogravenhos ateacute que ousei referir a meu pae os sogravenhos nocturnos Elle enviou a Delphos e a
Dodona numerosos consultantes do oraculo para que ltuarrsoubessegt[] como
ltuarrobrando ougt fallando cumpria fazer cousas agradaveis aos celicolas Voltavatildeo
annunciando oraculos ambiguos obscuros e expressos por modo difficil d‟ entendegraver
Em fim um vaticinio evidente chegou a Inacho claramente ltuarrrecomendandogt[] e
dizendo que me expelisse de casa e ltuarrmesmogt[] da patria para abandonada eu vagar
ateacute as regiotildees extremas da terra E se eu natildeo quizesse viria de Jupiter o flammigero raio
que tudo anniquilaria Persuadido por estes oraculos de Apollo (do Ambiguo) contra
vontade expelliu e excluiu-me de casa contra minha vontade mas o freio de Jupiter
forccedilou-o a fazegraver isto Minha forma e meu espirito eratildeo logo mudados cornigera pois
como vegravedes picada por um tavatildeo de aguda bocca pulava com furiosos saltos para o
arrograveio de agradavel bebida de Cenchrea e a fonte de Lerna o terrigena boieiro
d‟inflexi[fl28 (29)]vel rancograver Argos ltuarrseguegt observando com
ltuarrnumerososgt[innumero] olhos as minhas peacutegadas Sorte imprevista e subita privou-
o de vivegraver eu porem picada pelo tavatildeo sou impellida de terra em terra pelo flagello
divino Ouves o que se fez se tens porem que dizer do resto dos males declara-o nem
79
O trecho ldquod‟onde sobrevieratildeo a mim desaventuradardquo foi escrito logo acima do trecho ldquome envergonhe
de dizer a calami-()rdquo seu lugar na frase eacute indicado por meio de traccedilo 80
Abreviaccedilatildeo encontrada no manuscrito haacute um til logo acima da letra ldquoqrdquo 81
A paacutegina 27 termina com ldquoalcan()rdquo mas a siacutelaba ldquoccedilarrdquo natildeo foi escrita na proacutexima paacutegina
144
compadecendo-te me consoles com falsas palavras pois eacute o mais vergonhograveso dos
defeitos proferir discursos artificiosos
Chogravero
Ai ai ltuarrPaacuteragt[ai] de mim Jamais jamais julguei que estranhos discursos
viessem a meus ouvidos nem que desgraccedilas tatildeo ltuarrtristesgt de vegraver e insupportaveis
desgraccedilas expiaccedilotildees e horrograveres gelassem minha alma com farpatildeo de dous gumes Ai
ai Destino destino arrepiei-me observando a sorte de Io
ltuarrPrometheu
Gemes antes do tempo e estaacutes cheia de megravedo Espera ateacute que conheccedilas tambeacutem
o resto
Chogravero
Dize explica Doce eacute para os q soffrem sabegraver d‟antematildeo claramte o resto da
dogravergt82
Prometheu
[Jaacute alcanccedilaste de mim facilmente] ltuarrvossogt[] dezejo pois dezejastes sabegraver
d‟esta primeiramente sua desgraccedila narrando-a ella mesma Ouvi agora o resto dos
males que ltuarragt esta mograveccedila cumpre soffregraver por causa de Juno e tu sangue de Inacho
lanccedilas no espirito minhas palavras para que saibas o termo do caminho
Primeiramente voltando-te daacutequi para o levantar do sol anda para campos natildeo
lavrados mas chegaraacutes aos Sythas nomadas que habitatildeo elevados [fl30] sobre carros
bem providos de rodas tectos entrelaccedilados pendendo-lhes arcos que atiratildeo longe Natildeo
chegando avisinhar-se d‟elles mas aproximando os peacutes das fragosas praias
fluctisonantes atravessar a regiatildeo Aacute matildeo esquegraverda moratildeo os Chalybes ferreiros de que
cumpre acautelares-te pois satildeo ferozes e inaccessiveis aos estranhos Chegaraacutes ao rio
Hybristes (violento) natildeo falsamente chamado o qual natildeo atravesses pois natildeo eacute facil de
atravessar antes que chegues ao proprio Caucaso o mais alto dos montes onde o rio
jorra o impeto ltuarrmesmogt[] do cume Cumpre que atravessando os cumes visinhos
82
Todo o texto em ltgt foi escrito em letras pequeninas acima da fala de Prometeu ldquoJaacute alcanccedilastes de
mim facilmenterdquo
145
dos astros ande a viagem para o meio dia onde chegaraacutes ao povo das Amazonas que
odiacutea os homens as quaes habitaratildeo um dia Themiscyra junto ao Thermodonte onde
estaacute o aspero queixo Salmydessio inhospito aos nautas ltuarrmadrastagt[] dos navios
Ellas mesmas te guiaratildeo e com o maior prazegraver Chegaraacutes ao isthmo Cimmerio nas
proprias portas apertadas do pauacutel deixando o qual cumpre que intrepidamente
atravesses os canaes Meoticos Seraacute para sempre grande entre os mortaes a fama de
tua passagem e chamar-se-aacute com o sobrenome de Bosphoro Bosporos(Bosphoro) e
deixando o solo da Europa chegaraacutes ao continente Asiatico Natildeo vos parece segraver o
senhor dos deuses em tudo [fl30 (31)] igualmente violento Pois dezejando esse deus
tegraver commercio com esta mortal a lanccedilou n‟estas peregrinaccedilotildees Cruel pretendente de
tuas bogravedas alcanccedilaste oh moccedila Pois as palavras que ouviste agora nem no proemio te
pareccedilatildeo estar
Io
Ai de mim de mim Ai ai
Prometheu
Tu clamas de novo e gemes que faraacutes quando souberes os restantes males
Chogravero
Pois diraacutes a esta o resto das infelicidades
Prometheu
ltuarrPelagogt[] na verdade tempestuograveso de ltuarrfatalgt[] calamidade
Io
Que lucro eacute para mim viveacuter83
e pelo contrario natildeo me atirei depressa d‟este
rochegravedo escarpado de modo que precipitada sobre o solo me libertasse d‟estes
trabalhos Pois eacute melhor morregraver d‟uma vez do que penar todos os dias
Prometheu
83
Palavra acentuada conforme o manuscrito De acordo com outros exemplos observados o correto seria
ldquovivegraverrdquo
146
Sem duvida difficilmente supportarias meus soffrimentos a mim natildeo eacute fadado
morregraver pois [seria]ltuarrpara mimgt a libertaccedilatildeo das infelicidades Agora natildeo se me
apresenta nenhum termo das desgraccedilas antes que Jupiter decaia do podegraver
[fl32]
Io
Hade acaso um dia Jupiter decahir do mando
Prometheu
Regozijar-te-ias penso-o vendo essa desgraccedila
Io
E como natildeo eu que padeccedilo por causa de Jupiter
Prometheu
De ti depende sabegraver isto como devendo segraver na verdade
Io
Por quem seraacute ltuarrespoliadogt[] do regio sceptro
Prometheu
Elle mesmo por ltuarrseusgt[] estultos ltuarrdesignosgt[]
Io
De que modo Explica se natildeo ha risco
Prometheu
Faraacute tal casamento de que um dia se doeraacute
Io
Divino ou humano Se eacute licito dize-o
Prometheu
Porque qual Natildeo eacute licito dizegravel-o
147
Io
Acasoltuarrseraacutegt[] derribado do thrograveno pela espogravesa
[fl32 (33)]
Prometheu
Ella pariraacute um filho mais forte do que o pae
Io
Natildeo ha para elle recurso d‟este destino
Prometheu
Natildeo certamente antes que eu seja sogravelto das cadegraveas
Io
Quem te hade comtudo soltar natildeo querendo Jupiter
Prometheu
Cumpre que seja um de teus descendentes
Io
Que dizes Por ventura um filho meu te libertaraacute dos males
Prometheu
ltuarrSem duvida umgt[Um] terceiro em geraccedilatildeo depois de outras dez geraccedilotildees
Io
Este vaticinio natildeo eacute de facil conjectura
Prometheu
Tambem natildeo desejes ltuarrsabegraver teusgt[proprios] trabalhos
Io
Offerecendo-me a dadiva natildeo m‟a a negues depois
148
Prometheu
Com um de dous discursos te favorecerei
Io
[fl34]
Quaes Dize e daacute-me a escolha
Prometheu
Concedo Escolhe ou te direi claramente o resto de teus trabalhos ou quem hade
libertar-me
Chogravero
D‟estes favograveres queiras fazegraver um a esta outro a mim nem desprezes minhas
palavras Declara-lhe a restante peregrinaccedilatildeo e a mim o libertadograver pois dezejo isto
Prometheu
Visto que o desejaes ardentemente natildeo me recusarei a declarar tudo o que
quereis A ti primeiro Io referirei a muita agitada peregrinaccedilatildeo que tu ltuarrdeves
gravargt[] nas tabuas commemorativas do espirito Quando tenhas atravessado a
corrente limite dos continentes para o brilhante oriente visitado pelo sol x x x x84
tendo
atravessado o bramido do mar ateacute que chegues aos campos gorgoneos de Cisthenes
onde habitatildeo as Phorcides trez donzellas anciaatildes com forma de cysne possuindo um
olho commum e um dente a quem nem o sol olha com seus raios nem a nocturna lua
Perto estatildeo suas trez irmaatildes as aligeras anguicomas Gorgones aos mortaes odiosas que
nenhum mortal encarando conservaraacute o espirito vital Digo-te isto por cautela Ouve
porem outro penograveso espectaculo pois guarda-te dos catildees mudos de guelas pontudas
[fl34 (35)] de Jupiter os gryphos e do exercito equestre monocular dos Arimaspos
que habitatildeo junto aacute corrente auriflua ao rio de Plutatildeo Natildeo te approximes d‟estes mas
iraacutes a terra longinqua a um povo negro que habita perto das fontes do sol onde estaacute o
rio Ethiope Caminha cegraverca das margens d‟este ateacute que chegues aacute queda onde dos
montes Byblinos o Nilo lanccedila a corrente veneranda e bogravea de bebegraver Este te
84 Marcaccedilatildeo de lacuna no texto original grego consultado pelo Imperador e tambeacutem encontrada na ediccedilatildeo
de Christian Gottfried Schuumlltz de 1809 (verso 797)
149
encaminharaacute para a terra triangular Nilotica onde estaacute fadado a ti Io e a teus filhos
fundar remota colonia Se alguma d‟estas cousas [eacute ltpara tigt85
embara]ccedilosa e difficil
d‟entendegraver repete-a e sabe-a claramente ha para mim maior lazegraver do que quero
Chogravero
Se algum resto ou ltuarromittidogt[] da funesta peregrinaccedilatildeo tens de
declarar a esta dize-o mas se tudo disseste entatildeo faze-nos ltuarrtambemgt [o favor] que
pedimos do qual te lembras sem duvida
Prometheu
Ella ouviu todo o termo da viagem Mas para que saiba natildeo me ter
ouvido em vatildeo direi o que soffreu antes de vir caacute dando este proprio testemunho de
minhas palavras Omittirei a maior abundancia de palavras e vou mesmo ao termo de
tuas peregrinaccedilotildees Depois que vieste aos campos Molossos e aacute alcantilada Dodone
onde estatildeo o oraculo e a seacutede [fl36] de Jupiter Thesproto e o prodigio incrivel os
carvalhos fallantes pelos quaes ltuarrclaragt[] e nada ambiguamente foste saudada como
devendo segraver illustre espogravesa de Jupiter se qualquer d‟estas cousas te lisongegravea d‟ahi
pungida pelo tavatildeo ao longo do caminho junto ao mar chegaste ao grande gogravelpho de
Rhea d‟onde eacutes agitada por cursos retrogados Em tempo vindouro essa ensegraveada
mariacutetima seraacute chamada Ionia como lembranccedila de ltuarr2gt[tua] viagem [para]ltuarrtodosgt
ltuarr1gt[os] mortaes86
Satildeo Provas satildeo estas de que como meu espirito vegrave mais do que o
apparente O resto direi igualmente a voacutes e a ella voltando aacutes proprias peacutegadas das
palavras de antes Eacute Canopo a cidade extrema da regiatildeo junto aacute propria bocca do Nilo e
ao coacutemoro Ahi Jupiter tornar-te-aacute racional acariciando-te com placida matildeo e tocando-
te somente Pariraacutes o negro Epapho (epaphan = acariciar tocar de leve) sobrenograveme
proveniente da geraccedilatildeo de Jupiter o qual se apossaraacute de tudo quanto rega o latifluo
Nilo A quinta geraccedilatildeo d‟elle composta de cincoenta donzellas voltaraacute natildeo o querendo
para Argos fugindo do casamento consaguineo dos primos paternos mas elles com o
espirito fortemente agitado como gaviotildees natildeo muito afastados das pombas viratildeo
85
O trecho ldquopara tirdquo foi escrito logo acima do trecho ldquoeacute embaraccedilosardquo seu lugar na frase eacute indicado por
meio de traccedilo 86
O trecho ldquode tua viagem para os mortaesrdquo foi sublinhado no manuscrito Tambeacutem o nuacutemero 2 foi
escrito acima da palavra ldquotuardquo e o nuacutemero 1 escrito acima do artigo plural ldquoosrdquo A palavra ldquotodosrdquo foi
escrita acima do trecho sublinhado seu lugar na frase eacute indicado por meio de traccedilo Seria para propor
inversatildeo na ordem (lembranccedila ldquopara todos os mortaesrdquo ldquode tua viagemrdquo)
150
caccedilando nupcias natildeo caccedilaveis um deus lhes invejaraacute os corpos A Pelasgia os receberaacute
com feminina matanccedila domados por audacia nocturna vigilante pois cada mu[fl36
(37)]lher privaraacute da vida cada homem enterrando ltuarrnagt[] garganta a espada de dous
gumes Tal viesse Venus sobre meus inimigos A paixatildeo abrandaraacute uma soacute das
donzellas de modo a natildeo matar seu companheiro de leito mas se ltuarrconfundir-se-lhe-
aacutegt[] o juizo resolveraacute uma de duas ouvir-se chamar fraca antes do que sanguinaria
Esta pariraacute ltuarrem Argosgt geraccedilatildeo real Eacute preciso grande discurso para explicar estas
cousas claramente D‟esta linhagem nasceraacute o audaz illustre pelo arco o qual me livraraacute
d‟estes trabalhos Tal oraculo me expoz minha matildee anciaatilde a Titanide Themis Como
e onde eacute preciso muito tempo para dizegravel-o e nada lucraraacutes sabendo-o
Io
Ai ai ltuarrDe nogravevogt[] me abrasatildeo profundamente violenta dograver e
phreneticos delirios e do tavatildeo me punge o ferratildeo ardente Na verdade o coraccedilatildeo
abala de megravedo as entranhas os olhos volvem-se em espiral e sou impellida foacutera do
curso pelo influxo insensato da raiva natildeo podendo com a lingua palavras confusas
porem datildeo d‟encontro aacutes ondas da triste fatalidade ltuarrChoacutero (Strophe)gt87
Certamente
sabio certamente sabio era quem primeiro concebeu na mente e dissertou com a
lingua que muito prefere o casar com os da propria igualha e nem dos enervados pela
[fl38] riqueza nem dos engrandecidos pela linhagem deveraacute apaixonar-se o
mercenario
(antistrophe)
Jamais jamais oh Parcas me x x x88
vejaes companheira de leito de
Jupiter nem unindo-me a qualquer espograveso do ceu pois temo a virgindade inimiga dos
varotildees vendo Io grandemente atormentada pelas acerbas peregrinaccedilotildees de Juno
(epodo)
Quanto a mim natildeo receio porque um casamento igual natildeo eacute temivel mas
natildeo me olhe a paixatildeo dos deuses mais poderosos olhar inevitavel Guerra esta natildeo
guerreavel facil em difficuldades nem sei que seraacute de mim pois natildeo vejo como fugir
do designio de JupiterltuarrPrometheugt89
[Na verdade] ainda um dia Jupiter pensando
87
O trecho ldquoChogravero (strophe)rdquo foi escrito logo acima das palavras ldquofatalidaderdquo e ldquocertamenterdquo seu lugar
no texto foi indicado por meio de traccediloAqui natildeo pulou linha para indicar mudanccedila de fala 88
Marcaccedilatildeo feita pelo autor indicando corrupccedilatildeo no texto original grego 89
Essa palavra foi escrita logo acima do trecho ldquona verdaderdquo Haacute um traccedilo vertical depois da palavra
ldquoJupiterrdquo indicando que comeccedilaria a fala de Prometeu
151
embora cousas arrogantes seraacute humilde tal casamento prepara-se a contrahir que o
derribaraacute [anniquilado ltuarrdo governo egt do] thrograveno Entatildeo do pae Saturno jaacute se
cumpriraacute inteiramente o que imprecava cahindo do antigo thrograveno O desviacuteo d‟estes
males nenhum dos deuses excepto eu poderia mostrar claramente
Sei isto e de que modo Por isso ltuarr3gt[ltuarrdestemidogt] [] ltuarr1gt[assente-se]
ltuarr2gt[ltuarragoragt]90
fiado nos sublimes estrondos brandindo nas matildeos ignisomo dardo
ltuarrNada poremgt[] o ajudaratildeo estas cousas para natildeo cahirem ltuarrdeshonrosamentegt
[ruinas natildeo] sustentadas Tal antagonista [fl38 (39)] prepara elle para si mesmo
monstro difficillimo de combategraver que acharaacute fogo mais poderograveso que o raio estrondo
forte excedente ao trovatildeo e desfaraacute o flagelo maritimo tridente flagello abaladograver da
terra a haste de Neptuno Dando d‟encontro a esta desgraccedila aprenderaacute quanto distatildeo o
imperar e o servir
Chogravero
Tu vociferas na verdade o que desejas contra Jupiter
Prometheu
O que hade succedegraver e alem d‟isto quero digo eu
Chogravero
E cumpre aguardar que alguem governe a Jupiter
Prometheu
E supportaraacute trabalhos mais intoleraveis do que estes
Chogravero
Como porem natildeo ltuarrreceiasgt [] proferindo essas palavras
Prometheu
Porque temeria eu a quem natildeo eacute fadado morregraver
90 A passagem foi transcrita tal qual estava no manuscrito No entanto outra possiacutevel leitura foi indicada
por meio de nuacutemeros escritos logo acima de algumas palavras ldquodestemidordquo(3) ldquoassente-serdquo(1) e
ldquoagorardquo(2) ou seja ldquo() assenta-se agora destemidordquo As palavras ldquodestemidordquo ldquoassente-serdquo e ldquoagorardquo
foram sublinhadas no manuscrito
152
Chogravero
Mas te daria trabalho mais dolorograveso do que este
Prometheu
Faccedila-o elle pois tudo eacute aguardado por mim
[fl40]
Chogravero
Os que adoratildeo Adrastea (a providencia dos pagatildeos) satildeo sabios
Prometheu
Venera invoca lisongegravea quem ainda agora impera Jupiter importa-me
menos do que nada Obre impere n‟este curto tempo como queira pois natildeo governaraacute
os deuses muito tempo Vejo porem o mensageiro de Jupiter o ministro do novo
senhograver em todo o caso veio annunciar cousa nova
Mercurio
A ti astucioso acerbamente sobremodo acerbo que peccas contra os
deuses dando honras aos ephemeros chamo ladratildeo do fogravego o pae ordena que digas
quaes as nupcias de que blazonas e por cuja causa aquelle decahiraacute do ltuarrpodegravergt[] E
estas cousas comtudo nada ambiguamente mas uma por uma expotildee nem me
ltuarrtragasgt[] Prometheu caminhos duplos pois vegraves Jupiter natildeo abrandar-se com taes
cousas91
ltuarrPrometheugt Grandiloquo e [cheio de soberba] eacute o discurso como de
creado dos deuses e novos governaes de nogravevo e julgaes habitar castellos isentos de
tristeza Natildeo sei ltuarreugt [que] dous senhores cahiram d‟elles Observarei (cahir) o
terceiro que impera agora celerrima e vergonhosissimamente Acaso te paregraveccedilo
ltuarrreceiar-megt[] ou tremegraver de megravedo dos novos deuses Mui[fl40 (41)]to e de todo
longe estou (do megravedo) Tu pelo caminho porque vieste retrocede depressa pois nada
saberaacutes do que me interrogas
Mercurio
91
Neste ponto haacute um traccedilo vertical separando a fala de Mercuacuterio da fala de Prometeu que estavam
unidas A palavra ldquoPormeteurdquo foi escrita logo acima do trecho ldquocheio de soberbardquo para indicar que a fala
eacute de Prometeu Indicaccedilatildeo do proacuteprio Imperador
153
Todavia d‟antes com ltuarrtaesgt[]arroganciasltuarrappontaste agt[] estas
desgraccedilas
Prometheu
Por teu serviccedilo sabe-o tu claramente natildeo trocaria eu minha desgraccedila
Julgo pois melhor servir esta pedra do que segraver mensageiro fiel do pae Jupiter Cumpre
tratar assim com arrogancia os arrogantes
Mercurio
Pareces deleitar-te com as cousas presentes
Prometheu
Deleito-me Assim visse eu meus amigos92
deleitando-se e entre elles te
nomegraveo
Mercurio
Acaso pois m‟imputas alguma cousa em tuas infelicidades
Prometheu
Em uma palavra odiacuteo todos os deuses quantos beneficiados me fazem
mal injustamente
Mercurio
[fl42]
Ouccedilo-te enlouquecido por natildeo pequena molestia
Prometheu
Adoecegravesse eu se doenccedila eacute odiar os inimigos
Mercurio
Natildeo serias supportavel se fosses feliz
92
O correto seria ldquoinimigosrdquo provavelmente um equiacutevoco cometido pelo autor enquanto passava agrave limpo
sua traduccedilatildeoVer verso 973 do Prometeu Acorrentado
154
Prometheu
Ai
Mercurio
Esta palavra Jupiter natildeo conhece
Prometheu
Mas o tempo envelhecendo tudo ensina
Mercurio
E comtudo ainda natildeo sabes segraver previdente assizado
Prometheu
Do contrario natildeo te estaria fallando a um creado
Mercurio
Nada pareces dizer do que o pae dezegraveja
Prometheu
E entatildeo dar-lhe-ia graccedilas como seu obrigado
Mercurio
Tens escarnecido de mim como se eu fosse ltuarrumgt menino
Prometheu
Por ventura natildeo eacutes um menino e ainda mais desassizado [fl42 (43)] do
que este se esperas sabegraver alguma cousa de mim Natildeo ha tortura nem [artificio ltuarrcom
que Jupitergt93
me provoque] a declarar essas cousas antes que os funestos vinculos
sejatildeo sograveltos Por isso arremesse a chamma abrazadogravera confunda-se e abale-se tudo
com a neve branco-alada e os trovotildees subterraneos que nada d‟isso me dobraraacute a que
diga por quem cumpre decahir ele do governo
93
O trecho ldquocom que Jupiterrdquo foi escrito logo acima das palavras ldquoartificiordquo e ldquoprovoquerdquo seu lugar na
frase eacute indicado por meio de traccedilo
155
Mercurio
Considera ltuarragoragt[] se isto parece ltproveitogravesogt[] para ti
Prometheu
Jaacute foi visto e resolvido de ha muito
Mercurio
Ousa oh insensato ousa uma vez pensar rectamente ltuarrconformegt[] as
presentes desgraccedilas
Prometheu
Debalde me importunas como ltuarruma onda convencendo-megt[] Nunca
te entre na cabeccedila que eu aterrado pelo designio de Jupiter me tornarei mulheril e
supplicarei com elevaccedilotildees femininas de matildeos ao grandemente odiado que me solte
d‟estas cadegraveas estou inteiramente longe d‟isto
Mercurio
Parece-me fallar debalde fallando embora muito pois nada abrandaraacutes
nem amolleceraacutes o coraccedilatildeo com as [fl44] preces porem mordendo o boccado do freio
como pograveldro recentemente domado forcegravejas e combate contra as reacutedeas Comtudo
orgulhas-te de fraco expediente porque a audacia de quem natildeo pensa bem vale menos
do que nada Olha pois se natildeo fores convencido por minhas palavras que tempestade
e escarceacuteo de males cahiraacute inevitavel sobre ti primeiramente o pae despedaccedilaraacute este
fragograveso despenhadeiro com o trovatildeo e a fulminea chamma e esconderaacute o teu corpo e o
petreo seio te traraacute Tendo se completado grande espaccedilo de tempo veraacutes novamente aacute
luz mas o catildeo volatil de Jupiter a cruenta aguia dilaceraraacute ltuarravidamentegt[] grande
pedaccedilo de teu corpo conviva que natildeo convidado vem todos os dias e devorar-te-aacute o
fiacutegado negra comida Natildeo esperes o termo d‟este soffrimento antes que appareccedila
ltuarrumgt[algum] dos deuses successograver de teus trabalhos que queira ir ao inferno natildeo
allumiado e aacute escura profundidade do Tartaro Portanto resolve pois que natildeo eacute uma
van jactancia porem um dicto muito serio ltuarrvisto qgt[] a bocca de Jupiter natildeo sabe
mentir mas cumpre a palavra Examina bem e reflecte nem julgues jamais a audacia
melhor que a prudencia
156
Chogravero
[fl44 (45)]
Na verdade Mercurio natildeo parece dizegraver cousas inopportunas pois te exhorta a
ltuarrquegt depondo a audacia procures a sabia prudencia Cede pois a um sabio
vergonhograveso eacute errar
Prometheu
Elle proclamou estes annuncios a mim que os sabia mas natildeo eacute indigno segraver um
inimigo maltratado pelos inimigos Por isso arremesse-se sobre mim a espiral de fogravego
de dous gumes e o ltuarrargt[] seja revolvido pelo trovatildeo e a tormenta dos ventos
furiosos sacuda o furacatildeo a terra com as proprias raizes desde os alicerces e com
ltuarrasperogt[] bramido confunda as ondas do mar e os cursos dos astros celestes e
precipite inteiramente meu corpo no negro Tartaro ltuarrlevadogt pelos irresistiveis
turbilhotildees da fatalidade ltuarrem todo o casogt[] natildeo me faraacute morregraver
Mercurio
Taes resoluccedilotildees e palavras de mentecapto eacute preciso comtudo ouvir Que
falta pois para elle desarrazoar se nada cede das infelizes manias Mas voacutes que vos
compadeceis dos soffrimentos d‟elle afastae-vos rapidamente d‟estes lugares para
qualquer outro ltuarrafimgt[][fl46] de que o horrendo mugido do trovatildeo natildeo ponha
attonitos vossos espiritos
Chogravero
Dize e aconselha-me outra cousa pois que me seduziste com essas
palavras de nenhum modo toleraveis Como eacute que me ordenas praticar infamias Com
elle quero soffregraver o que fograver necessario pois aprendi a aborrecegraver os traidores nem ha
peste que mais me repugne do que esta
Mercurio
Mas recordae-vos do que predigo e caccediladas pelas desgraccedila natildeo accuseis
a sorte nem digaes que Jupiter vos arremessou a uma infelicidade imprevista natildeo
certamente porem voacutes a voacutes mesmas pois sabendo-o nem subita nem occultamente
sereis ltuarrenvolvidasgt por insensatez na immensa regravede da desgraccedila
157
Prometheu
E de facto e natildeo mais por palavras ltuarrbalanccedila-segt[] a terra rebogravea o
echo rugidograver do trovatildeo brilhatildeo as espiraes ltuarrardentesgt[]do relampago e os turbilhotildees
revolvem o poacute rompem os sogravepros de todos os ventos suscitando entre si a revolta de
oppostos furacotildees e satildeo abalados juntamente ar e mar Taes impetos contra mim vem
manifestamente de Jupiter para mettegraverem megravedo Oh nume de minha matildee [fl46 (47)] oh
ar que volves a luz commum de todos vegraves quatildeo injustamente soffro
14 de Abril de 1871
158
CAPIacuteTULO 4 - Transcriccedilatildeo da primeira versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de
Paranapiacaba
Aacute MEMORIA
DE
Dom Pedro II do Brazil
Saudade e admiraccedilatildeo94
94
O livro publicado pelo Baratildeo de Paranapiacaba em 1907 comeccedila com a citada dedicatoacuteria seguida por
outra destinada agrave Princesa Isabel (reproduzida a seguir) Logo depois encontram-se as correspondecircncias
trocadas entre Paranapiacaba e Lafayette Rodrigues Pereira nas quais o Baratildeo solicita a Lafayette que
faccedila um prefaacutecio ao seu livro e Lafayette aceita o convite (ppIX-XIII) O prefaacutecio escrito por Lafayette
encontra-se depois das cartas (ppIX-XIII) O livro divide-se em duas partes Na primeira encontram-se
as duas versotildees poeacuteticas de Paranapiacaba e suas notas explicativas (pp49-165) precedidas por dois
juiacutezos criacuteticos acerca do Prometeu Acorrentado traduzidos pelo Baratildeo Eschylo de A e M Croiset
(pp19-32) e Juizo de Paul de Saint-Victor (pp33-48) Na segunda parte do livro encontra-se um texto
no qual o Baratildeo de Paranapiacaba narra sua convivecircncia com o Imperador desde o primeiro encontro ateacute
a partida do monarca para o exiacutelio (pp170-265) O livro encerra-se com um texto no qual o Baratildeo traccedila
uma visatildeo panoracircmica do teatro antigo e moderno (pp267-333)
159
Aacute SERENISSIMA PRINCEZA
A Senhora Dona Izabel a Redemptora
Veneraccedilatildeo e lealdade
160
[fl49] PROMETHEU ACORRENTADO95
__________
A FORCcedilA E VULCANO (KRATOS E HEPHAISTOS)
(A violencia (Bia) eacute personagem mudo)
A FORCcedilA
Chegaacutemos do mundo ao termo
Ao mais longiquo recesso
Da Terra Scythica um ermo
A humanos peacutes inaccesso
Vulcano Eacute tempo Executa
Ordens que o Pae quis impocircr
Nesta penedia abrupta
Preacutega este audaz malfeitor
Em forte indomavel trama
De liames adamantinos
Intrinca-o bem pois a chamma
Exclusiva dos Divinos
O fogo teo dote e orgulho
Que tanto aacute artes servio
Tirando-o ao ceacuteo por esbulho
C‟os homens o dividio
D‟esse peccado hoje o fere
A pena afim de aprender
Qual conveacutem que elle venere
De Jupiter o poder
Sendo forccedila renuncie
95 A meacutetrica varia conforme a personagem nessa versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de Paranapiacaba a
primeira a ser apresentada no livro de 1907 Paacutegina 49 na publicaccedilatildeo original
161
A sua philantropia
E nunca mais auxilie
A creatura de um dia
[fl50] VULCANO
Forccedila e violencia Cumpridas
Prescripccedilotildees que o Pae dictou
De estorvo algum sois tolhidas
Vossa incumbencia findou
E a mim fallece coragem
De nesta algente quebrada
A um Deos de minha linhagem
Prender em teia cerrada
Mas dura Necessidade
A ousal-o obrigar-me vae
Que eacute de summa gravidade
Desleixar ordens do Pae
A ti filho altipensante
De Themis justa e sensata
Por enleio flagellante
De noacutes que ninguem desata
Neste vatildeo sem treita humana
Muito a meo e teo pesar
Por injuncccedilatildeo soberana
Vou em seguida cravar
Natildeo veraacutes humano rosto
Nem voz mortal ouviraacutes
Ao queimocircr do sol exposto
A flocircr da tez perderaacutes
162
A noite que sempre ancioso
Estaraacutes por ver surgir
Ha-de o dia luminoso
No veacuteo de estrellas sumir
Crastino sol novamente
Dissipar ha de a neblina
E enxugar ao raio ardente
A geada matutina
Sem que cesse de pungir-te
Da angustia o acuacuteleo profundo
Que ninguem a redimir-te
Surgio ainda no mundo
[fl51] Pagaste aos homens tributo
De affectos em profusatildeo
E estaacutes vendo qual o fructo
De tanta dedicaccedilatildeo
Nume- os Numes affrontaste-
Pois da terra aos moradores
Sem reserva prodigaste
Harto quinhatildeo de favores
Has-de pois nestes algares
Como guarda persistir
Sem os joelhos dobrares
Firme de peacute sem dormir
Quanto a expansatildeo dos tormentos
Te irromper dos penetraes
Seratildeo vatildeos os teos lamentos
163
Inuteis seratildeo teos ais
Coraccedilatildeo rigido e feacutero
Tem dos Numes o Regente
De natureza eacute severo
Todo o tyranno recente
A FORCcedilA
Potildee matildeos aacute obra Que esperas
Vamos Acccedilatildeo instantanea
Debalde te commiseras
Tua emoccedilatildeo eacute frustranea
Natildeo execras este Nume
Odioso aos celestiaes
Que teo patrimonio - o lume
(Traidor) ha dado aos mortaes
VULCANO
Podem sangue e convivencia
Muito
A FORCcedilA
Sim Natildeo eacute peior
Tardar a Jove obediencia
Poacutede haver falta maior
[fl52] VULCANO
Oh Sempre dureza e audacia
A FORCcedilA
Nada poacutedes delle em proacute
Eacute vatildeo e sem efficacia
Natildeo lhe eacute remedio esse doacute
164
VULCANO (olhando para as cadeias)
D‟arte minha oacute fructo horrendo
A FORCcedilA
Por que tal odio Bofeacute
De tudo que estamos vendo
Tua arte causa natildeo eacute
VULCANO
Houvesse a outrem cabido
Este cruel ministerio
A FORCcedilA
Aos Immortaes concedido
Tudo foi menos o imperio
Soacute Jove eacute livre
VULCANO
Negal-o
Natildeo ha nem pocircr contradictas
A FORCcedilA
Tracta pois de vinculal-o
Antes do Pae vecircr que hesitas
VULCANO
Vecirc as algemas
[fl53] A FORCcedilA
Arrocha
Seos pulsos vibrando o malho
Crava-lhe as matildeos nessa rocha
165
VULCANO
Sim E natildeo foi vatildeo trabalho
A FORCcedilA
Mais forte Estreita-lhe os braccedilos
No mais comprimido arrocho
Estica todos os laccedilos
Nenhum noacute deixes a frouxo
Podem ser por elle achadas
(Tatildeo habil eacute) soluccedilotildees
Ainda em desesperadas
Perdidas situaccedilotildees
VULCANO
Com irrompiveis cadeias
Este braccedilo preso tem
A FORCcedilA
Nas mesmas solidas peias
Prende-lhe o outro tambem
- Sophista d‟alta sciencia -
Ensine-lhe este flagello
Que eacute de tarda intelligencia
Si com Jove em parallelo
VULCANO
Ninguem que em razatildeo se firme
Poacutede increpar-me as acccedilotildees
Este poacutede dirigir-me
(Mais ninguem) exprobaccedilotildees
[fl54] A FORCcedilA
166
Dessa cunha d‟accedilo o coacuterte
-Fundo - embebe-lhe no peito
Vara-o com golpe bem forte
Natildeo lhe amorteccedilas o effeito
VULCANO
Prometheu Gemo comtigo
A FORCcedilA
Outra vez Sinto deplores
Quem eacute de Jove inimigo
Oxalaacute por ti natildeo chores
VULCANO
Oh A que espetaculo infando
Assisto
A FORCcedilA
O que a lei condemna
Estou a ver expiando
De seo crime a justa pena
Peitoraes potildee-lhe aacutes axillas
VULCANO
Sei Eacute fatal Jove a mim
Deo ordens Devo cumpril-as
Natildeo instes commigo assim
A FORCcedilA
Hei-de instar e aacute teo esforccedilo
Bradar pois vejo que afrouxas
Ao rochedo une-lhe o docircrso
E em aneis lhe adstringe as cocircxas
167
VULCANO
Estaacute feito e leacutesto
[fl55] A FORCcedilA
Aperta
Rebatendo-os nos fuzis
Os cravos dos peacutes Alerta
Tens fiscal de olhos subtis
VULCANO
Qual teo rosto eacute fera e audace
Tua lingoa
A FORCcedilA
Mostra fraqueza
Mas natildeo que lances em face
Minha inflexivel rudeza
VULCANO
Vamos que o cinge uma recircde
A FORCcedilA (apostrophando a Prometheu)
Desadoacutera Furta o egregio
Fogo e aos homens leva adrecircde
Dos Numes o privilegio
Os ephemeros nem podem
Prestar-te o auxilio commum
Neste lance natildeo te acodem
Pois seo valor eacute nenhum
Os Immortaes accordaram
Em chamar-te Prometheu
Falso nome te applicaram
168
Que natildeo quadra ao genio teo
Pois precisas nesse transe
Que de um Prometheu te valhas
Cujo sabio esforccedilo alcance
Libertar-te d‟essas malhas
(Sahem Vulcano a Forccedila e a Violencia)
[fl56] PROMETHEU
Oacute Ether divinal oacute ventos d‟aza prompta
Oacute fontes fluviaes risos do mar sem conta
Oacute Terra genetriz de cujo seio ingente
Tudo brota do sol oacute disco omnividente
Ouvi-me a invocaccedilatildeo Eu peccedilo que vejaes
Quantas docircres impoem a um Nume os Immortaes
Vecircde em que regiotildees em vinculos tatildeo sevos
Condemnam-me a penar por longa serie de eacutevos
Para mim ideiou o Chefe dos Ditosos
Este apparelho vil de ferros vergonhosos
Ai Choro o mal presente e o mal em perspectiva
Suspiro pelo fim desta pena afflictiva
Que digo Vejo claro e com o olhar seguro
Quanto encerram de occulto as dobras do futuro
Ai Natildeo ha para mim successo inopinado
Natildeo se foge ao Destino E pois do melhor grado
Eu devo submetter-me aacute Sorte irreparavel
Porque Necessidade eacute forccedila inexpugnavel
Natildeo quizera falar deste injusto supplicio
Mas como calarei si um grande beneficio
Tendo feito aos mortaes em paga ao jugo oppresso
Estou deste martyrio inteacutermino indefesso
Em feacuterula guardei do fogo a fonte occulta
O fogo mestre foi das artes e resulta
Delle para os mortaes moacuter commodo e proveito
169
Por isso eacute que me vejo aacute tanta docircr sujeito
Aacute mercecirc da intemperie em toda a acccedilatildeo tolhido
Fazendo expiaccedilatildeo do crime commettido
Ai ai Que sons escuto e que vago perfume
Se evola e sobe aqui Eacute porventura um Nume
Eacute mortal Ou talvez eacute mixta creatura
Que vem presenciar esta rude tortura
E quer de perto vecircr meo hoacuterrido castigo
Vecircde um Deos infeliz de quem Jove eacute inimigo
Que os Numes tem hostis e hostil quanto frequenta
De Jupiter a reacutegia E tudo porque alenta
Muito amor aos mortaes Ai Proximos jaacute soam
Os ruidos que ouvi Satildeo passaros que voam
Os ares ao bater de azas que se equilibram
Em remigio subtil harmoniosos vibram
Mofina condiccedilatildeo infausta sorte a minha
Infunde-me pavor quanto a mim se avizinha
[fl57] CORO DAS OCEANIDAS
ESTROPHE 1
Socega O bando aligero
Que do alto aqui desceo
Inteiro te eacute sympathico
E amigo Prometheu
Mal aacute vontade explicita
Do Pae venia extorquida
Porfiaacutemos qual mais ceacutelere
Seria na partida
O pavoroso estrepito
Dessas correntes d‟accedilo
Das grutas oceanicas
170
Foi restrugir no espaccedilo
De parte pondo estimulos
Do pejo natildeo calccediladas
Ao voador vehiculo
Subimos apressadas
Pelas do ethereo paacuteramo
Plagas de azul serenas
Trouxe-nos brando zephyro
Sobre frouxel de pennas
PROMETHEU
Voacutes que nascidas sois de Thetis a fecunda
Tendo por genitor o Oceano que circunda
A Terra com seo fluxo insomne inextinguivel
Contemplai-me eis-me aqui Preso em recircde infrangivel
No vatildeo de hispida fraga unido aacute penedia
Constrangem-me a occupar o posto de vigia
CORO DAS OCEANIDAS
ANTISTROPHE II
Vecircmos sentindo subito
Das palpebras aacute flocircr
Prenhe de ternas lagrimas
Vir nevoa de terror
[fl58] Porque teu corpo em vinculos
Torpes aacute rocha preso
Vae definhando taacutebido
De tanta angustia ao peso
Pilotos ha novissimos
No ceacuteo Legisla injusto
171
Jove e extinguio tyrannico
Quanto era outr‟ora augusto
PROMETHEU
Antes da Terra ao fundo ao Orco onde tecircm pouso
Mortos ou na amplidatildeo do Tartaro trevoso
Pelo braccedilo de Jove eu fosse arremessado
De indesataveis noacutes no encerro emmaranhado
Nesse caso - ninguem ou Nume ou ser diverso -
Jubilaacutera ao me ver em dissabor submerso
Hoje suspenso aqui - ludibrio aos soltos ventos -
Vejo Deoses hostis folgar c‟os meos tormentos
CORO DAS OCEANIDAS
ESTROPHE II
Qual tem dentre os Celicolas
Tatildeo duro coraccedilatildeo
Que ao ver-te em tanta lastima
Natildeo sinta compaixatildeo
Soacute Jove Sempre rabido
Em nada quer ceder
E aacute toda a Olympia geacutenese
Impotildee o seo poder
Declinaraacute da colera
Quando a vinganccedila estanque
Ou alguem de assalto o imperio
Arduo a roubar lhe arranque
PROMETHEU
Maacuteo grado aos que me impoz grilhotildees vituperosos
Precisaraacute de mim o Rei dos Venturosos
Para um dia sustal-o em seo recente plano
172
Que o deve derribar do solio soberano
Entatildeo natildeo haveraacute blandicia que me torccedila
Natildeo me hatildeo de intimidar ameaccedila nem forccedila
Soacute falarei ao ter os vinculos partidos
E apoacutes satisfaccedilatildeo de ultrajes recebidos
[fl59] CORO DAS OCEANIDAS
ANTISTROPHE II
Sempre altivez No cumulo
Da angustia em nada cedes
Falas bem solto e impavido
E as expressotildees natildeo medes
Por teo destino incognito
Toma-nos o terror
Quando no porto incolume
Veraacutes o termo aacute dor
Jove Saturnia sobole
Eacute rispido inflexivel
Seo animo recondito
Foi sempre incomprehensivel
PROMETHEU
Bem sei que Jove eacute duro e em lugar da justiccedila
Seo alvedrio potildee mas um dia submissa
A vontade haacute de ter e mostraraacute brandura
Quando por esse modo o fira a desventura
Nesse dia depondo a furia pertinaz
Viraacute soldar commigo a desejada paz
O CORO DAS OCEANIDAS
Revela tudo Dize-nos
Quando te succedeo
173
Em que alto maleficio
Jupiter te colheo
Que com iguaes opprobrios
Acerbos te angustia
Fala alto salvo o incommodo
De expocircr tanta agonia
PROMETHEU
Si doacutee de caso taes fazer a narrativa
Calal-os tambem pecircza Ingrata alternativa
Quando a primeira vez os Deoses insurgidos
Foram pela Discordia em facccedilotildees divididos
Uns tentavam privar Saturno do poder
E a Jove filho seo do ceacuteo ao throno erguer
Os que partido infenso a Jupiter seguiam
Confiar-lhe do Olympo o mando natildeo queriam
[fl60] Eu de alvitre melhor natildeo pude dos Titanes
- Prole de Terra e Ceacuteo - vencer planos inanes
Surdos aacute deducccedilatildeo de claros argumentos
Avecircssos aacute doccedilura altivos violentos
Intentaram lograr aacute forccedila por sorpresa
Sua injustificada e temeraria empresa
Que vezes minha matildee Themis excelsa ndash a Terra
Que varios nomes tem e uma soacute forma encerra -
Do porvir descerrando os veacuteos caliginosos
Predissera que soacute por meios ardilosos
Caberia aos Titans a palma da victoria
Recusaram ouvir-me a justa suasoria
Tenazes insistindo em seo louco projecto
Sem me olharem siquer e com desdeacutem completo
Julguei que era melhor naquella conjunctura
De minha matildee ao lado ir de Jove em procura
174
(Pois de prestar-lhe auxilio era chegado o ensejo)
E entatildeo realizar o delle e o meo desejo
Por mim Saturno antigo e aquelles que o seguiram
Na funda escuridatildeo do Tartaro immergiram
Para remunerar serviccedilos desta monta
Dos Numes deo-me o Rei deste castigo a affronta
Por achaque usual recusa a tyrannia
De amigos a affeiccedilatildeo e nelles natildeo confia
Inqueris da razatildeo por que elle assim me oprime
De contumelia tanta Eu vou dizel-o Ouvi-me
Quando posse tomou e assente foi no solio
De que arredara o Pae por odioso espolio
Depois que cada qual dos Numes quinhocircou
Com honras e mercecircs o Estado organizou
Mas da raccedila aacute quem dera o terreal dominio
Cabedal nenhum fez Quiz votal-a exterminio
E outra nova crear Nenhum Deos combatia
A ideacuteia subversiva Eu tive essa ousadia
E os mortaes preservei de serem arrojados
Do Averno aacute escuridatildeo por Jove fulminados
Por isso agora estou (aspecto miserando)
De incomportavel docircr sob a pressatildeo penando
Immensa compaixatildeo votei aacute humanidade
Sem obter para mim a minima piedade
Quanto a Jove que leva um Nume a tal opprobrio
O estado em que me potildee de aviltamento cobre-o
O CORO DAS OCEANIDAS
Teraacute nativa tempera
De ferro ou pedra rija
Quem teo castigo insolito
Contemple e natildeo se afflija
[fl61] Tatildeo misero espectaculo
175
Pudessemos natildeo vecircr
E hoje que o vemos punge-nos
De vivo desprazer
PROMETHEU
Para os amigos sou tatildeo fraco e miseravel
Vivo painel de docircr aacute vista intoleravel
O CORO DAS OCEANIDAS
Tendo da terra aos incolas
Tanto favorecido
Certo outros beneficios
Lhes tens distribuido
PROMETHEU
Livrei-os do terror que infunde na hora da morte
O CORO DAS OCEANIDAS
Que remedio servio de cura aacute mal tatildeo forte
PROMETHEU
Dei aacute cega esperanccedila entre elles moradia
O CORO DAS OCEANIDAS
Foi na verdade um dom de maxima valia
PROMETHEU
E do fogo por fim tambem lhes fiz presente
O CORO DAS OCEANIDAS
Pois que Na posse estatildeo do fogo resplendente
PROMETHEU
176
E por meio do fogo hatildeo feito esses inventos
De artes misteres mil fecundos em proventos
[fl62] O CORO DAS OCEANIDAS
E por crimes iguaes Jove te supplicia
Sem que de modo algum te abrande essa agonia
E um termo aacute tua docircr assignalou siquer
PROMETHEU
Nenhum Tem de durar emquanto lhe aprouver
O CORO DAS OCEANIDAS
E ha de aprazer-lhe Dize-nos
Como abrandal-o esperas
No teo erro gravissimo
Acaso natildeo ponderas
Por nossa parte pecircza-nos
Dizer-te que has errado
E natildeo te causa jubilo
Ouvil-o de teo lado
Deixemos estas praticas
Tracta de excogitar
O como essas artisticas
Malhas espedaccedilar
PROMETHEU
Facil quem o peacute tem foacutera da desventura
Afflige o que padece e inflige-lhe censura
Nada disto ignorei de tudo consciente
Resolvi delinquir tornei-me delinquente
Natildeo nego acinte o fiz Servindo a humana raccedila
Contava provocar os golpes da desgraccedila
177
Nunca julguei poreacutem que purgaria o crime
Ligado aacute este alcantil que o corpo me dirime
Adstricto aacute solidatildeo deste monte intractavel
Oh Natildeo me lastimeis a sorte miseravel
Eacute melhor que desccedilaes a mim nesta fragura
E de perto escuteis a minha docircr futura
Piedosas ora ouvi cercae de sympathia
A victima infeliz que geme na agonia
Anda solto o Infortunio errante se desgarra
E num tal vagueiar naquelle e neste esbarra
[fl63] O CORO DAS OCEANIDAS
Falas aacutes que por habito
Te acodem sempre aacute voz
Descemos jaacute do aerio
Carro com peacute veloz
O ether ndash que eacute dos passaros
Dominio - atravessando
Eis-nos em baixo o aspero
Fragoso chatildeo pisando
Promptas em vocirco rapido
Cuidamos de servir-te
Queremos todo o multiplo
Duro soffrer ouvir-te
(Apparece o Oceano montado em um dragatildeo alado)
OCEANO
Eis-me aqui Prometheu apoacutes vencido
Longo percurso Chego conduzido
Neste alado que soacute vontade minha
Pelos ares sem redeas encaminha
178
Leva-me o parentesco a lastirmar-te
Mas do sangue as prisotildees pondo de parte
A ti mais que a ninguem tenho amizade
Sabes que sempre dei culto aacute verdade
Guardo aacute lisonja minha lingoa extranha
Dessa tortura de aflicccedilatildeo tamanha
De que modo o rigor posso lenir-te
Dize E natildeo possa alguem um dia ouvir-te
Que mais firme que Oceano amigo houveste
PROMETHEU
Que vejo Eacutes tu Tu mesmo aqui vieste
A ser espectador de minhas magoas
Abandonaste as correntias agoas
Do nome teo a gruta primitiva
Que a natureza abrio na rocha viva
Pela terra do ferro Testemunha
Mera vens ser da docircr que me acabrunha
Ou compassivo lastimar-me Vecirc-me
Que espectaculo Assim Jupiter preme
O amigo que com elle accorde em tudo
Lhe foi para reinar matildeo forte e escudo
[fl64] OCEANO
Vendo estou Prometheu Tens mente arguta
Assaacutes No emtanto um bom conselho escuta
Conhece-te E tomar novos costumes
Pois tambem novo rei preside os Numes
Vibras exprobraccedilotildees da lingoa fera
Que si Jove as ouvir na erguida esphera
Irado te imporaacute tatildeo graves penas
Que as actuaes seratildeo brinquedo apenas
Oh desgraccedilado Expelle o que no fundo
Do coraccedilatildeo fermentas de iracundo
179
Vecirc como achar livranccedila dessas malhas
Crecircs que te digo estultas antigualhas
Falo assim Prometheu porque contemplo
Em ti da lingoa socirclta o triste exemplo
Natildeo te humildas natildeo cedes aacutes desgraccedilas
E outras queres juntar aacutes que hoje passas
Daacute que eu te guie e contra o mal precate
Natildeo batas com o peacute contra o acicate
Reina um monarcha duro e refractario
A contas de poder discricionario
Natildeo fales tatildeo procaz quecircda-te inerte
Teo indulto a impetrar corro solerte
Sabio demais natildeo vecircs que aacute intemperante
Lingoa se impotildee estimulo aviltante
PROMETHEU
Acceita embora meos pois tendo ousado
Ter parte em minha docircr foste poupado
E immune estaacutes Natildeo quero te incommodes
Por mim a interceder Levar natildeo podes
A Jove persuasatildeo Toma comtigo
Tento Espia em redor Que algum perigo
Por minha causa natildeo te venha Evita
Possa custar-te caro esta visita
OCEANO
Natildeo segues os conselhos tatildeo sensatos
Que daacutes A prova tenho-a nos teos actos
Natildeo falo em vatildeo livrar-te eacute meo empenho
Natildeo cedo aacute reflexatildeo natildeo me detenho
Lisonjeio-me sim de obter em breve
Que Jove desta pena te releve
[fl65] PROMETHEU
180
Sou-te grato e o serei constantemente
Natildeo poacutedes mais energico e fervente
De util me seres revelar o almejo
Baldaraacutes teos esforccedilos Antevejo
Seguro que seraacute de nullo effeito
Quanto queiras tentar em meo proveito
De risco a salvo quecircda O meu desastre
Outrem natildeo vaacute ferir e apoacutes o arrastre
Sim Bem me afflige o quadro da miseria
De Atlante meo irmatildeo que em peacute na Hesperia
Nos hombros libra (insupportavel cargo)
De Terra e Ceacuteo columnas Bem amargo
Me eacute lembrar o outro irmatildeo filho da Terra
Ciliceo troglodita - horror na guerra -
Centifronte Typheo Sempre invencivel
Dominado por forccedila irresistivel
Rebelde aos Numes sibilava a morte
Das tetras fauces Quando a dextra forte
Contra o imperio de Jupiter erguia
Fulminava ao chispar que despendia
Do seo gorgoacuteneo olhar O vigilante
Dardo - de Jove o raio chammejante
Ruio e lhe abateo a vatilde jactancia
No coraccedilatildeo combusto da flammancia
Celeste - e apavorado do estrondoso
Trovatildeo - esse valor tatildeo poderoso
Tombou sem energia aniquilado
E como corpo vatildeo jaz estirado
Junto do estreito e sob o Etna arfando
Ao passo que no cimo estaacute forjando
Vulcano as massas e fusotildees candentes
Dalli com estridocircr igneas torrentes
Jorrando iratildeo co‟os brutos maxillares
Da Sicilia abrazar ferteis pomares
181
Assim Typhecirco que o raio malferira
Ha de ao resfolgo espadanar a ira
Em turbilhotildees de chammas que no arrocircjo
Vivo inexhausto expelliraacute do bocircjo
Certo a tua provada experiencia
Dispensa meos conselhos e assistencia
Guarda-te pois do modo mais asado
No que me toca seguirei meo fado
Teacute que se extingua a colera que lavra
No animo aacute Jove
OCEANO
Sabes que a palavra
Prometheu d‟alma enferma eacute medicina
[fl66] PROMETHEU
Si alguem a tempo o coraccedilatildeo domina
E opportuno e prudente o volve aacute calma
Sem que aacute forccedila reprima os eacutestos d‟alma
OCEANO
Que mal faz ao tental-o acautelado
E audaz
PROMETHEU
Estolidez afan baldado
OCEANO
Deixa que desse mal ora padeccedila
Paro o sabio eacute melhor que o natildeo pareccedila
PROMETHEU
Responsavel da culpa commettida
182
Por ti fora eu
OCEANO
Eacute dar-me a despedida
Falar assim
PROMETHEU
Receio haja motivo
D‟odio em seres commigo compassivo
OCEANO
Odio De quem Daquelle que recente
Tomou posse do solio omnipotente
PROMETHEU
Ai Si lhe irritas o animo
[fl67] OCEANO
De ensino
Serve-me Prometheu o teo destino
PROMETHEU
Adeos Nesse bom senso persevera
OCEANO
Daacutes pressa ao que aacute partida se accelera
Meo quadrupede alado costumeiro
De curvar o joelho em seo caseiro
Redil sacode as azas desdobradas
Que do ether puro roccedilam as camadas
CORO DAS OCEANIDAS
ESTROFE I
183
O Teo destino tragico
Carpimos compungidas
As lagrimas affluem-nos
Faceis enternecidas
E iguaes a fontes humidas
Nos sulcam o semblante
Jove que em seo arbitrio
Faz timbre de arrogante
Ao sceptro seo despotico
Preme os antigos Numes
ANTISTROPHE I
Jaacute nestes vastos sitios
Ressoam ais queixumes
Quantos na terra proxima
Da Asia sagrada moram
Tuas passadas glorias
E as de irmatildeos teos deploram
[fl68] ESTROPHE II
Choram-te as virgens Colchidas
Intrepidas na guerra
E os Scythas da Meoacutetida
Sita em confins da Terra
ANTISTROPHE II
Chora-te o escol dos Arabes
- Marcial lanceira cohorte -
E os que manteacutem no Caucaso
O seo roqueiro forte
184
EPODO
Outro que da titanica
Raccedila ligado eu vi
Em laccedilos incansaveis
Soffrer antes de ti
Atlante foi que o symbolo
Eacute do maior esforccedilo
Pois que do poacutelo ao carrego
Geme o seo forte dorso
Muge a seos peacutes o pelago
Fervendo o abysmo freme
Ateacute nas furnas infimas
O inferno todo treme
As fontes sacratissimas
Das fluviaes correntes
Manam carpindo murmures
Os males seos ingentes
PROMETHEU
Si me nego a falar natildeo eacute por arrogante
Ou desdenhoso natildeo Mas sinto que incessante
Devoro o coraccedilatildeo ao ver-me envilecido
Pelo horrendo flagello aacute que estou submettido
E quem a natildeo ser eu aos novos Deoses fez
Partilha em proporccedilatildeo das honras e mercecircs
Lembro apenas o caso e delle mais natildeo trato
Pois focircra repetir a quem o sabe um facto
O melhor eacute narrar os males differentes
Que vexavam outr‟ora os miseros viventes
[fl69] Eram rudes boccedilaes dotei-os de prudencia
E conscios os tornei da propria intelligencia
185
Exprimindo-me assim natildeo eacute porque me queixe
Delles mas eacute mister que declarado deixe
Que os beneficios meos em prol da humanidade
Devidos foram soacute a impulsos de amizade
Olhavam de principio e ver natildeo conseguiam
Applicavam o ouvido em balde Nada ouviam
Nelles era a noccedilatildeo confusa e mal distincta
Como as figuras vatildes que aacute mente o sonho pinta
Nem casa de tijolo olhando ao sol construiam
Nem de lavrar madeira a industria conheciam
Moravam quaes subtis formigas pressurosas
Em cavernas sem ar humidas tenebrosas
Natildeo marcavam inicio e fim do inverno frio
Da floacuterida96
estaccedilatildeo do fructuoso estio
Assim sem reflexatildeo por seculos viveram
Teacute que minhas liccedilotildees ouvindo conheceram
O instante em que no ceacuteo os astros appparecem
E aquelle menos certo em que no occaso descem
Tambem o achado fiz do Numero Este invento
Aos homens ha prestado o maximo provento
Disse como a juncccedilatildeo das lettras se fazia
Formei-lhes a memoria - a matildee da Poesia
Logrei domesticar bravias alimarias
E do humano labocircr tornei-as tributarias
Sujeitando-as ao jugo As mais gravosas cargas
Pesaram desde entatildeo dos brutos nas ilhargas
Cavallos animaes tatildeo doceis ao bridatildeo
- Da faustosa opulencia o luxo a ostentaccedilatildeo -
Quem poz entre varaes Carros de azas de linho
Que sulcam velozmente o azul plaino marinho
Engenhei E eu que fiz em bem da humanidade
Multiplas invenccedilotildees de grande utilidade
96 Nota-se que em 1907 jaacute se encontravam algumas palavras proparoxiacutetonas acentuadas Ver paacutegina 26
da presente dissertaccedilatildeo
186
Natildeo posso descobrir agora ardil ou traccedila
Para me libertar de tatildeo cruel desgraccedila
O CORO DAS OCEANIDAS
Supplicio infando Affligem-nos
Sobejo as maguas tuas
Enfermas e maacuteo medico
Na indecisatildeo fluctuas
Em teo turbado cerebro
Natildeo poacutedes acertar
C‟os adaptados simplices
Que o mal devem curar
[fl70] PROMETHEU
Falta o mais Pasmareis ouvindo enumeradas
As muitas invenccedilotildees uteis e variadas
Das quaes hei sido autor Aponto a mais saliente
Faltavam medicina e auxilios ao doente
- As poccedilotildees a dieta o resguardo as uncturas -
Ateacute que os instrui das plantas e misturas
Que preservam do mal que sustam seos progressos
E o curam Ensinei tambem novos processos
De magia Em visotildees que em sonhos appareciam
Distingui as reaes daquellas que mentiam
Expliquei os signaes pressagos das estradas
Dos passaros que teem a unhas encurvadas
O vocirco defini e dei seguro auspicio
Declarando qual era infenso e qual propicio
Por miuacutedo apontei seos odios e affeiccedilotildees
Seo usado alimento encontros reuniotildees
Das visceras o liso e o matiz mais dilecto
Aos Deoses revelei qual seja o bom aspecto
Do figado e do fel o adiposo tecido
187
Das cocircxas lhes notei seos rins tendo incendido
Os arcanos abri da arte divinatoria
Tatildeo difficil e escura e ao mundo a fiz notoria
Do fogo antes de alguem aos olhos dos mortaes
Que eram cegos aacute luz dei fulgidos signaes
O que a terra guardava altissimo thesouro
- Copia enorme de cobre e ferro e prata e ouro -
Achei Si deste invento alguem se haja ufanado
De basofio e mendaz seraacute por mim taxado
De Prometheu (direi em conclusatildeo de partes)
Vieram dos mortaes aacutes matildeos todas artes
O CORO DAS OCEANIDAS
Natildeo tractes dos ephemeros
De mais lhes foste amigo
Deixa de ser apathico
Aacute docircr a teo castigo
Dize-me esperanccedila intrinseca
Que livre te hei de ver
Tendo com Jove identicas
Honras e igual poder
[fl71] PROMETHEU
Assim poreacutem97
natildeo quer a Parca inevitavel
Por alta decisatildeo do Fado inexoravel
Soacute depois de curtir innumeros flagellos
Partidos me seratildeo desta cadeia os eacutelos
Ante a Necessidade eacute mui fraca a Sciencia
O CORO DAS OCEANIDAS
97 No Manuscrito Imperial pode-se notar que palavras oxiacutetonas terminadas em ldquoemensrdquo natildeo satildeo
acentuadas Em 1907 observam-se mudanccedilas nesse sentidoVer paacutegina 26 da presente dissertaccedilatildeo
188
Do timatildeo do Destino a quem cabe a regencia
PROMETHEU
Esse grande poder teem-no a Parca triforme
E as Furias de feliz memoria que natildeo dorme
O CORO DAS OCEANIDAS
Em face do de Jove eacute seo poder mais forte
PROMETHEU
O Deos fugir natildeo poacutede aacutes ferreas leis da Sorte
O CORO DAS OCEANIDAS
A Jove algo eacute fatal sinatildeo o eterno imperio
PROMETHEU
Disto nada direi nem que instes
O CORO DAS OCEANIDAS
Que mysterio
Sobre arcano sagrado acaso te pergunto
PROMETHEU
Sim Passemos aleacutem deixemos este assumpto
Reserval-o conveacutem Si o guardo impenetravel
Livro-me de infortunio e vilta deploravel
[fl72] CORO DAS OCEANIDAS
ESTROPHE I
Jaacutemais dos mundos o Arbitro
O grande Ordenador
Sua vontade altissima
Aacute nossa queira oppocircr
189
Busquemos ter propicios
Os Numes adorados
Pela usual frequencia
A seos festins sagrados
Dando-lhes cada victima
Que na hecatombe cahe
Junto das agoas turbidas
Do Oceano nosso pae
Nada de offensa aos Superos
Em actos e expressotildees
Sejam em noacutes continuas
Tatildeo puras intenccedilotildees
ANTISTROPHE I
Doce eacute vida longuissima
Si na esperanccedila a libras
Em alegrias lucidas
D‟alma banhando as fibras
Por tua irreverencia
Dos Numes ao Regente
Do coraccedilatildeo no amago
Nos cocirca horror ingente
Fiado em teos designios
E soacute de impulso teo
C‟os homens foste prodigo
Em dons oacute Prometheu
ESTROPHE II
Que ingrato premio aacutes dadivas
190
Esperas porventura
Te seja escudo e auxilio
A humana creatura
[fl73] Natildeo tens a consciencia
Dessa debilidade
Que qual somno lethargico
Opprime a humanidade
Jaacutemais projecto ou calculo
De homem prevaleceo
Contra o systema harmonico
Que Jove prescreveo
ANTISTROPHE II
Ferio-nos isto o espirito
Vendo-te aqui penar
Oh que diversa musica
Alegre de exultar
A que de entorno ao thalamo
E ao teu lavacro ouvias
- Festivo epithalamio
De doces harmonias -
Quando a irmatilde nossa Hesione
Aos dons nupciaes rendida
Em marital consorcio
Por ti foi recebida
( Apparece Io)
IO
Que sitio me surge Por quem habitado
Quem eacutes que no saxeo hyemal precipicio
191
Por ferreas cadeias eu vejo ligado
Credor de tal pena qual foi o flagicio
Oh Dize que plagas me acolhem errante
Ai ai desgraccedilada De novo me afferra
O d‟Argos espectro tavatildeo lanscinante
Invade-me o susto Afasta-m‟o oacute Terra
De innumeros olhos vaqueiro diviso
Esperto a fitar-me com a vista fallaz
De facto a existencia perdeo de improviso
No emtanto seo corpo sepulto natildeo jaz
Surgindo do Averno por lei do Destino
Apoacutes minha treita constante caminha
E traz-me agitada faminta sem tino
Correndo a arenosa planicie marinha
[fl74]ESTROPHE
Soacutelta a avena de ceacuterea junctura
Melodia que ao somno convida
Quanto deve durar a tortura
Desta longa e cansada corrida
Oacute progenie Saturnia de crimes
Porventura culpada me achaste
Pois de tantas angustias me opprimes
E a taes penas sem doacute me avergaste
Por que trazes gemendo ao martyrio
Do terror que lhe infunde um insecto
A infeliz em continuo delirio
Sem parada sem paz e sem tecto
Presta ouvidos oacute Rei a meu rocircgo
Ou em vida me manda enterrar
Ou lanccedilar-me entre lingoas de fogo
192
Ou nas garras dos monstros do mar
Do multivago andar sem descanso
O exercicio forccedilado e violento
Exhaurio-me e saber natildeo alcanccedilo
Qual o termo a tatildeo agro tormento
O CORO DAS OCEANIDAS
Da bicorne donzella escutas o gemido
PROMETHEU
Como de Inacho aacute filha eu fecharei ouvidos
Pois natildeo hei de attender aacute juvenil donzella
Que de um feroz tavatildeo o estimulo flagella
Io abrazou de amor o coraccedilatildeo de Jove
Juno que odio lhe tem perseguiccedilatildeo lhe move
Coagindo-a a gyrar transviada e erradia
Por toda a regiatildeo em doida correria
IO
ANTISTROPHE
Tu que daacutes a meo pae o seo nome
E designas tambem esse ultriz
E divino aguilhatildeo que consome
Minha vida - quem eacutes infeliz
[fl75] Eu faminta a saltar desvairada
Perseguida por Juno aqui vim
Desgraccediladas qual98
mais desgraccedilada
D‟entre voacutes do que a pobre de mim
Dize aacute virgem que vecircs peregrina
Que infortunios lhe guarda o porvir
98 Era de se esperar que a palavra comeccedilasse com letra maiuacutescula
193
Prescrevendo si a tens medicina
Para as docircres sanar-lhe ou lenir
PROMETHEU
Quanto queres saber com jubilo te digo
Sem ambages e claro e qual de amigo a amigo
Eacute costume falar Contemplas neste affocircgo
A luctar Prometheu que aos homens trouxe o fogo
IO
Tu - auxilio aos mortaes ndash por que tatildeo crus tormentos
Padeces Prometheu
PROMETHEU
De ha pouco inda aos lamentos
Por meo mal deacutera fim
IO
Natildeo poacutedes uma graccedila
Conceder-me
PROMETHEU
Eacute falar O queres que eu faccedila
Para satisfazer-te em dizer tudo accedo
IO
Quem foi que te cravou aqui sobre o rochedo
PROMETHEU
O decreto de Jove e de Vulcano a matildeo
IO
Que attentado attrahio tatildeo grave puniccedilatildeo
194
[fl76] PROMETHEU
Para ser comprehendido eu disse o necessario
IO
Assignala siquer o fim de meo fadario
PROMETHEU
Natildeo sabel-o eacute melhor
IO
Rogo-te natildeo me escondas
O que tenho a passar e a tudo me respondas
PROMETHEU
Estaacute longe de mim serviccedilo tal negar-te
IO
Por que tardas entatildeo
PROMETHEU
Natildeo ha de minha parte
Maacute vontade qualquer mas receio em tua alma
De todo destruir a jaacute turbada calma
IO
Oh natildeo zeles de mim mais do que eu mesma zeacutelo
PROMETHEU
Insistes Falarei e tudo te revelo
O CORO DAS OCEANIDAS
Por ora natildeo Concede-nos
Parte no gozo ter
195
Ouccedilamos d‟ella a historia
De seo agro soffrer
Quando sabida a authentica
Exposiccedilatildeo veraacutez
Entatildeo dos passos ultimos
De seo porvir diraacutes
[fl77] PROMETHEU
Cumpre oacute Io fazer o que ellas solicitam
Aleacutem d‟outras razotildees que a seo favor militam
Satildeo irmatildes de teo Pae Justa causa aacute demora
Eacute para o narrador que o fado seo deplora
O vecircr junto de si sympathico auditorio
Em que o doacute se traduz em lagrimas notorio
IO
Vou tudo contar-vos cedendo aacute insistencia
Si bem que me pecircze dizer por que meio
Mudando de forma por diva influencia
O siso turbou-me fatal devaneio
Nos meos aposentos revoluteava
Em todas as noites sonhada visatildeo
Que aos castos ouvidos si os olhos cerrava
Assim me dizia com doce expressatildeo
ldquoPor que virgindade tatildeo longa conservas
Tu que entre as felizes a Sorte escolheo
Si te eacute permittido gozar sem reservas
As inclytas glorias de augusto hymenecirco
Adora-te Jove De amocircr abrazado
Farpatildeo de desejo setteia-lhe o peito
196
Quem eacute que repelle tatildeo alto esposado
Do Nume supremo natildeo fujas ao leito
Afasta-te presto Nos altos de Lerna
Tem Inacho apriscos e pastos bovinos
Daraacutes com a ausencia da casa paterna
Descanso aos desejos dos olhos divinosrdquo
Ai Todas as noites a voz repetia
Affagos que eu tinha por forccedila de ouvir
Alfim jaacute cansada cobrei ousadia
E fui do ocorrido meo pae instruir
O rei seos correios mandou em mensagem
A Pytho e Dodocircna Queria informar-se
Por quaes pensamentos acccedilotildees ou lingoagem
Podia agradavel aos Deoses tornar-se
Voltaram os nuncios trazendo somente
Respostas ambiguas de duplo sentido
Ateacute que da parte do Nume vidente
Oraculo claro lhe foi transmittido
[fl78] Em termos expressos eu fui condemnada
A ser expellida da patria e do lar
E entregue a mim mesma correndo agitada
Por terras longinquas sem peias vagar
Si em todas as partes natildeo fosse cumprida
A ordem prescripta no tal vaticinio
A nossa progenie seria extinguida
Aacute olympica flamma do dardo fulmineo
Aacute Loxias submisso temendo ao mandado
197
E ao freio de Jove mostrar-se revel
Meo pae expulsou-me de casa obrigado
Co‟a filha innocente tornou-se cruel
E logo de foacutermas e mente mudando
Munida de pontas fiquei desde entatildeo
Sentindo continuo pungir-me o nefando
Acuacuteleo acerado de um bravo tavatildeo
Em saltos violentos aacutes doidas furente
De Lerna aacute collina fugida fui ter
No sitio onde mana perenne a nascente
Cenchreia de Lynpha suave ao beber
Mas Argos o filho da Terra o vaqueiro
De innumeros olhos e d‟alma feroz
Espiando-me os passos com golpe certeiro
Dos fixos olhares seguia-me apoacutes
Successo imprevisto de subito veio
Prival-o da vida Mas eu (desgraccedilada)
De plagas em plagas sem pausa vagueio
De laacutetego infesto de Juno accediloitada
Ahi estaacute minha historia Si sabes meos males
Futuros revela-os e nem a piedade
Te leve a attenual-os Exijo me fales
Extranho aacute lisonja severa verdade
O CORO DAS OCEANIDAS
Oh basta Para Cala-te
Suspende-te Jaacutemais
Julgaacutemos filha de Inacho
Ouvir successos taes
198
Que males e piaculos
Desgosto eacute contemplal-os
Ferindo mais a misera
Que tem de supportal-os
[fl79] E todos esses horridos
Funestos pesadumes
Nos veem ferir no intimo
Qual dardo de dous gumes
Oh Fado Fado tetrico
De horror fica transido
Nosso animo ante o barbaro
Tormento que has soffrido
PROMETHEU
Mui de pressa o terror em voacutes se manifesta
Natildeo choreis de ante-matildeo Esperae o que resta
O CORO DAS OCEANIDAS
Fala Ao que soffre ha balsamo
Si sabe prematuro
Ao certo quantas magoas
O esperam no futuro
PROMETHEU
Quizestes que ella propria os males seos contasse
Concordei Vou chegar agora ao desenlace
Falta as docircres narrar que Juno altiva irosa
No porvir te reserva oacute virgem desditosa
Grava oacute Io em tu‟alma a minha narraccedilatildeo
Por ella saberaacutes quando tua excursatildeo
Ha de chegar ao fim Deste lugar partindo
199
Rumo constante ao sol em recta iraacutes seguindo
Depois de atravessar por natildeo aradas terras
Aos Scythas chegaraacutes uns nomades das serras
Que em muitas rodas teem os carros seos montados
E dentro construcccedilotildees de vimes entranccedilados
Onde fazem morada Aacute gran distancia alcanccedilam
Mortiferos farpotildees que de seos arcos lanccedilam
Evita-os Sege roacuteta ao longo dessas fragas
Onde quebram do mar as mugidoras vagas
Os Chaacutelybes veraacutes do ferro forjadores
Cuida de lhes fugir Mal junto delles focircres
Parte eacute bando feroz e nada hospitaleiro
Que tracta brutalmente a todo o forasteiro
Quando os passos te embargue o Hybristes empolado
- Rio esse a que natildeo foi um falso nome dado -
Natildeo lhe tentes correr o risco da passagem
Sinatildeo quando chegada aacute altissima paragem
Do Caucaso elle arroje a borbotante sanha
Irrompendo em cachotildees das fontes da montanha
[fl80] Vencidos afinal os picos desses montes
Que proximos do ceacuteo erguem soberbas frontes
Descendo ao meio-dia iraacutes aacutes regiotildees
De Amazonas viris avessas a varotildees
Mais tarde em Themiscyra iratildeo fixar morada
Do Thermodonte aacute borda e junto da queixada
Do mar Salmydisseo aos nauticos nefasta
E aacute toda a embarcaccedilatildeo inhospita madrasta
Ellas de boa mente ir-te-hatildeo de seu imperio
A sahida mostrar Vinda ao isthmo Cimmerio
Da Meotida aacute foz avanccedila e com denodo
Do apertado canal tranpotildee o espaccedilo todo
Dahi te proviraacute e aos teos immensa gloria
Pois da passagem tua ha de guardar memoria
O estreito desde ahi de Bosporo chamado
200
Da Europa tendo assim as regiotildees deixado
Da Asia no solo estaacutes Natildeo achaes francamente
Que procedendo assim dos Deoses o Regente
De violencia cruel qual sempre se revela
Sendo Nume e esposar querendo essa donzella
Arrojou-a em corrida inteacutermina e sem norte
Que ruim proacuteco te coube oh misera por sorte
Tudo quanto narrei de prologo natildeo passa
Do que o porvir te guarda asperrima desgraccedila
IO
Ai de mim
PROMMETHEU
Outra vez lastimosa a gemer
Que seraacute quando o resto houveres de saber
O CORO DAS OCEANIDAS
Tens de lhe predizer entatildeo novas desditas
PROMETHEU
Um tormentoso mar de docircres infinitas
IO
Ai Que acerbo existir Quem poacutede dar-lhe apreccedilo
Antes deste alcantil lanccedilar-me de arremesso
E no auge de exaspecircro em arranco espontaneo
Tombando sobre a caute espedaccedilar o craneo
Eacute melhor perecer de um golpe violento
Que gemer toda a vida ao peso do tormento
[fl81] PROMETHEU
Quanto mais afflictivo o meo penar te focircra
Pois natildeo posso morrer Seria redemptora
201
Deste castigo a morte Eacute-me poreacutem vedado
O saber qual seraacute seo fim determinado
Emquanto Jove empunhe as redeas do poder
IO
E Jove cahiraacute Poacutede isto succeder
PROMETHEU
Apoacutesto exultaraacutes com essa queda oacute Io
IO
Sim pois99
me tracta assim por seo meacutero alvedrio
PROMETHEU
Has de vel-o Eu te rasgo um porvindouro arcano
IO
Quem deve desthronar dos Numes o tyranno
PROMETHEU
Ha de a propria estulticia um dia derribal-o
IO
Como Diz si natildeo vecircs perigo em declaral-o
PROMETHEU
Celebrando uniatildeo que lhe ha de ser penosa
IO
Eacute mortal ou divina a mulher que elle esposa
[fl82] PROMETHEU
99 Era de se esperar que a palavra comeccedilasse com letra maiuacutescula
202
Debalde eacute perguntar Dizel-o algo me veacuteda
IO
Dessa esposa viraacute de Jupiter a queacuteda
PROMETHEU
Ella teraacute de Jove um filho inda mais forte
Que o Pae
IO
Natildeo poacutede Jove esquivar-se aacute tal sorte
PROMETHEU
Natildeo salvo si eu rompendo esses grilhotildees infames
IO
E quem ha de quebrar tatildeo solidos liames
Si Jove o natildeo permitta
PROMETHEU
Ha de um teo descendente
Das injustas prisotildees livrar-me fatalmente
IO
Que escuto Ha de salvar-te algum dentre os meos netos
PROMETHEU
Apoacutes dez geraccedilotildees de posteros directos
A terceira o daraacute
IO
O vaticinio eacute escuro
PROMETHEU
203
Natildeo procures saber teo horrido futuro
[fl83] IO
Da concedida graccedila acaso ora recusas
PROMETHEU
Duas revelaccedilotildees posso fazer das duas
Cumpre uma preferir
IO
Qual dellas ha de ser
Perrmittes-me que possa aacute escolha proceder
PROMETHEU
Dou-te opccedilatildeo Dize pois De ti queres que eu tracte
Ou de quem deve ser o autor de meo resgate
O CORO DAS OCEANIDAS
Secirc-lhe agradavel Dize-lhe
Sua futura docircr
E a noacutes os feito inclytos
Do teo libertador
PROMETHEU
Natildeo desejo furtar-me aacute vossa rogativa
Primeiramente oacute Io escuta a narrativa
De teo peregrinar multivago e obrigado
E na memoria guarda o augurio meo gravado
Deixa o canal que extrema um do outro continente
E a rota encaminhando ao rumo do nascente
Passa do mar o estrondo e presto chegaraacutes
Aacute gorgoacutenea campina onde Cisthene jaacutez
Eacute nessa regiatildeo que as Phorcidas habitam
Satildeo tres virgens senis que na canicie imitam
204
Cisnes Em commum teem um soacute olho e um soacute dente
Natildeo veem fugido sol nem lua alvidenitente
De suas tres irmatildes - das Goacutergones aladas -
Odiosas aos mortaes frontes angui-comadas
Perto a morada estaacute Quem lhes fita o semblante
Morre qual si o ferisse um raio fulminante
Acautela-te pois Teraacutes odioso quadro
Nos Griphos esses catildees de Jupiter - sem ladro -
De ponteagudo rostro Afasta-te aacutes carreiras
De Arimaspos veraacutes as tribos cavalleiras
Eacute gente de um soacute olho e moacutera junto aacutes bordas
Do aurifero Plutatildeo Foge d‟aquellas hordas
Alfim a um povoado iraacutes de negra gente
[fl84] Junto ao berccedilo do sol em zona onde a corrente
Do rio da Ethiopia ao longo se dilata
Vae avante a enfrentar a grande catarata
Cahe do Biblos o Nilo e a lympha veneravel
Alli derrama aacute flux ao beber agradavel
Desce as margens do rio e pisa na planura
Que um triangulo exacto imita na figura
Quer o Fado que vaacutes aacute esta plaga afastada
Fundar uma colonia e nella ter morada
Adoptando-a por patria aacute tua descendencia
Si algo vos referi de obscura intelligencia
Ou que seja confuso eacute soacute dizer-me o ponto
Que bom grado darei explicaccedilatildeo de prompto
Para tudo esplanar lazer tenho sobejo
Aleacutem do que eacute mister e mais do que desejo
O CORO DAS OCEANIDAS
Si lapso de memoria
Sobre Io has comettido
Suprre-o depois attende-nos
Benevolo ao pedido
205
PROMETHEU
Ella dos labios meos ouvio que serie nova
De corridas teraacute E para dar-lhe a prova
De que natildeo falo em vatildeo direi quanto ha soffrido
Teacute aqui O augurio meo vereis assim cumprido
Muitos dos passos teos deixarei de parte
Afim de aacutes excursotildees o termo assignalar-te
Dos Molossos havendo atravessado a zona
Chegaste aacutes regiotildees excelsas de Dodocircna
Onde o Thesproacutecio100
Jove oraculo e sacrario
Tem assente e onde ouviste (oh caso extraordinario)
Os carvalhos falar O Deos sem veacuteo qualquer
De ambages te saudou de Jupiter mulher
Ufanosa ficaste aacute honrosa predicccedilatildeo
Sentindo mais intenso o acuacuteleo do tavatildeo
Seguiste pela costa em teo percurso inquieto
De Rheacutea foste ao mar fizeste-lhe o trajecto
Em doido phrenesi da docircr sob os assaltos
De laacute retrocedeste a furiosos saltos
Para sempre lembrar aquella travessia
Mar Ionio seraacute chamada essa bacia
Documento assim dou que a minha intelligencia
Vinga o tempo e possue o dom da presciencia
De minha narraccedilatildeo volto agora aacute sequella
E em commum me dirijo a voacutes todas e aacute ella
Na areia aacute foz do Nilo e n‟uma extremidade
Do Egypto sita jaz de Canoacutepo a cidade
[fl85] Jove nesse lugar - tocando-te de leve
Com delicada matildeo - volver-te aacute calma deve
Negro filho haveraacutes Eacutepapho nomeado
De modo original por que ha de ser gerado
100 Um caso de palavra paroxiacutetona acentuada terminada com ditongo Ver paacutegina 26
206
Nesse encontro com Jove Elle naquella plaga
Que o Nilo caudaloso em sua enchente alaga
Ha de meacutesses colher na vastidatildeo fecunda
Na quinta geraccedilatildeo desse filho oriunda
Cincoenta hatildeo de voltar das tuas descendentes
Para Argos evitando os primos pretendentes
A esposal-as De amor ardendo em chammas vivas
Todos elles iratildeo no encalccedilo aacutes fugitivas
Da enjeitada uniatildeo na supplica insistindo
E quaes terccediloacutes de perto a pombas persiguindo
Ha de dos corpos seos odio invejoso ter
Um Nume ha de a Pelasgia em si os receber
Depois que os dominar um Marte que assassina
Armando para o golpe a dextra feminina
E a tudo presidindo uma audacia que vela
Como durante a noite esperta sentinella
Ha de levado a effeito o plano insidioso
Sorprhender e ferir cada mulher o esposo
Com gladio de duplo fio arrancando-lhe a vida
Que aos inimigos meos assim Venus aggrida
Amor enervaraacute de uma dellas o peito
Para natildeo degollar o esposo no seo leito
Ella preferiraacute infiel aacute trama urdida
Arguiccedilatildeo de fraqueza aacute macula homicida
A matildee esta seraacute dos soberanos d‟ Argos
Para tudo explanar satildeo mister contos largos
Soacute direi que viraacute desta extirpe selecta
O heroacutee d‟alta pericia em desferir a seacutetta
Que ha de por seo valor obter meo livramento
Pondo termo de vez a tal padecimento
Disse isso minha matildee Themis Titania O mais
Calo Nem ha proveito algum em que o saibais
IO
207
Ai de mim Outra vez delirio atroz me assalta
Potildee-me vertiginosa e o cerebro me exalta
Abraza-me sem fogo o espinho do tavatildeo
Salta-me de terror com forccedila o coraccedilatildeo
E verbera-me o peito O olhar vesgo me gira
Para longe me arroja o impeto da ira
Minha lingoa em torpocircr aacute fala se recusa
Vozes que soacutelto aacute custo em turbaccedilatildeo confusa
Tavam baldada luta aacutes cegas e sem tino
C‟os altos escarceacuteos de meo cruel destino
(sahe Io)
[fl86] O CORO DAS OCEANIDAS
ESTROPHE I
Foi sabio e sabio emerito
Aquelle aacute quem lembrou
Esta discreta maxima
E aos homens a ensinou
Eacute casamento proacutespero
O feito entre os iguaes
Quem vive soacute dos redditos
De officios manuaes
Nunca procure conjuge
Na classe da opulencia
Nem da orgulhosa em titulos
De nobre descendencia
ANTISTROPHE
Jaacutemais possamos Atropos
A um Nume nos unir
E nem de Jove proacutenubas
208
O thoro compartir
De medo estamos tremulas
Vendo Io a virgem casta
Soffrer de Juno a colera
Que a curso infindo a arrasta
EPODO
Iguaes a iguaes alliem-se
E nunca os olhos seos
Repouse em noacutes fitando-nos
Algum mais alto Deos
Sem que lutemos vence-nos
A guerra quem a faz
Forccedila inexhauriveis
Para a victoria traz
Si uma de noacutes por Jupiter
Solicitada focircr
Nenhuma resistencia
Ao Deos lhe eacute dado oppocircr
[fl87] PROMETHEU
E no emtanto apezar da pertinaz vontade
Jove deve chegar a termos de humildade
Pois quer levar a effeito o enlance projectado
Que motivo seraacute de ver-se despojado
Do sceptro ingloriamente Ha de entatildeo de Saturno
De quem Jove usurpou o imperio diuturno
Cumprir-se a maldicccedilatildeo Remover-lhe o perigo
Nenhum Deos poderaacute Soacute eu tenho commigo
O remedio do mal e o segredo da cura
209
Estadeie-se Jove em radiosa altura
Fiado no poder do raio igni-expirante
Que produz ao tombar fragor tonitroante
Armas taes natildeo seratildeo poreacutem de valimento
Para lhe attenuar da queacuteda o aviltamento
Prepara contra si tremendo antagonista
Que uma arma ha de empregar aacute que ninguem resista
Um fogo - invento seo - mais que o raio damnoso
Cujo estrondo vencendo o trovatildeo fragoroso
Quebraraacute de Neptuno a haste de tres dentes
- O flagello do mar que abala os continentes -
Saberaacute Jove entatildeo de propria experiencia
A distancia que vae do mando aacute obediencia
O CORO DAS OCEANIDAS
Predizes sobre Jove as cousas que em desejo
Ardes vel-o passar
PROMETHEU
Nada disso Prevejo
Successos que hatildeo de ser mais tarde realidade
E que em factos quer vecircr o anceio da vontade
O CORO DAS OCEANIDAS
Que Veremos Jove obedecer vencido
PROMOTHEU
E de pena maior do que a minha affligido
[fl88] O CORO DAS OCEANIDAS
Natildeo receias dizer de Jove tanto mal
PROMETHEU
Que posso recceiar Sou por sorte immortal
210
O CORO DAS OCEANIDAS
E si elle te impuzer castigo mais severo
PROMETHEU
Eacute livre de o fazer De Jove tudo espero
O CORO DAS OCEANIDAS
De Adastreacuteia em presenccedila eacute sabio quem se prostra
PROMETHEU
Festejai quem governa e humildes dai-lhe mostra
De culto aduladocircr Jove no meu criterio
Menos que nada val Seo passageiro imperio
Lucte para manter mas perca a velleidade
De sobre os Numes ter perpetua autoridade
O andarilho do Olympo eu vejo Que mensagem
Da parte de seo Pae me traz n‟esta viagem
MERCURIO
Alma de feacutel espirito ardiloso
Reacuteo ante os Numes do attentado odioso
De teres dado a seres de um soacute dia
Divina reservada regalia
Ladratildeo do fogo Venho aqui da parte
E por ordem do Pae interpellar-te
Qual o consorcio que do Rei do Olympo
Ha de o Throno alluir Potildee toda a limpo
A verdade de equivocos despida
Poupa-me assim aacute terra outra descida
Negando obediencia aacute seo mandado
Natildeo poacutedes desarmar a Jove irado
211
[fl89] PROMETHEU
Discorreste grandiloquo e protervo
Como quem eacute dos Immortaes o servo
Reinaes d‟hontem De docircres e embaraccedilos
Isentos vos julgaes nos regios paccedilos
Dous tyrannos jaacute vi perder o imperio
E o terceiro com grande vituperio
Em breve cahiraacute tambem Presumes
Que eu tenha medo desses novos Numes
Quatildeo longe disso estou Vae-te depressa
Jaacute jaacute por onde has vindo ao ceacuteo regressa
Natildeo dou explicaccedilotildees Do que vieste
Averiguar de mim nada soubeste
MERCURIO
Jazes de pertinaz d‟este supplicio
No porto
PROMETHEU
Eu o prefiro a teo officio
Antes d‟este rochedo o captiveiro
Que ser qual eacutes do Pae vil mensageiro
Aacute insolente altivez com que me insultas
Eu retalio assim
MERCURIO
Creio que exultas
Na cruciante docircr de teo castigo
PROMETHEU
Que os inimigos meos (falo comigo)
Rejubilem assim
MERCURIO
212
Acaso crecircs
Que tive parte no teo mal talvez
PROMETHEU
Franco - esses novos Deoses aborreccedilo
Pois me pagam com tanto menospreccedilo
Os beneficios que lhes fiz
[fl90] MERCURIO
Intensa
Loucura lavra em ti Grave doenccedila
PROMETHEU
Si aborrecer tyrannos eacute loucura
Desejo que meo mal natildeo tenha cura
MERCURIO
Si livre das cadeias oppressocircras
Feliz te eu visse intoleravel focircras
PROMETHEU (gemendo)
Ai
MERCURIO
Tal palavra Jove natildeo conhece
PROMETHEU
O tempo sem parar nos envelhece
E dando experiencia ensina tudo
MERCURIO
Natildeo te ensinou no emtanto a ser sisudo
PROMETHEU
213
Natildeo pois de igual a igual falo a um criado
MERCURIO
Que digo ao Pae
PROMETHEU
De graccedilas penhorado
Signaes de gratidatildeo lhe devo e rendo
[fl91] MERCURIO
Qual a infante me estaacutes escarnecendo
PROMETHEU
Natildeo eacutes mais que infantil na ingenuidade
Si acreditas dobrando-me a vontade
Que eu te abra meos secretos pensamentos
Nem por meio de ardis nem de tormentos
O tyranno dos Deoses me compelle
A que fale e os segredos lhe revele
Antes de eu ver aos peacutes feitos pedaccedilos
Os que me ligam flagellantes laccedilos
Vibre-me embora a chamma coruscante
De neve alados turbilhotildees levante
Faccedila tremer com horrido estampido
O chatildeo do terremoto sacudido
E tudo em confusatildeo profunda immerso
Abale nas raizes o Universo
Natildeo lhe descubro quem por lei suprema
Do Fado ha de arrancar-lhe o diadema
MERCURIO
Peacutesa dos actos teos o resultado
PROMETHEU
Previ de ha muito estaacute deliberado
214
MERCURIO
Oh misero Uma vez serio medita
Na que te afflige insolita desdita
PROMETHEU
Importuno O discurso em que divagas
Eacute qual si fosse dirigido aacutes vagas
Por medo ter de Jove oh nunca esperes
Que eu vestindo a fraqueza das mulheres
E erguendo as matildeos em supplicante gesto
Implore a quem de coraccedilatildeo detesto
Me quebre estes grilhotildees Em tal natildeo penso
[fl92] MERCURIO
Falei debalde bem que fosse extenso
Natildeo te abrandas nem supplicas escutas
Qual poldro mal domado em furia luctas
Contra as redeas e mordes o bocado
Impando estaacutes de focircfo orgulho inflado
Tiras de vatildeo saber garbosa audacia
Nada vale de um louco a pertinacia
Olha Si meos conselhos desprezares
Que tropel infinito de pezares
Em ti desabaraacute Nenhum escudo
Frustra o golpe Haacute de o Pae antes de tudo
Do raio aacute chamma e ao trom da trovoada
Arrasar esta fraga alcantilada
Ha de o granito n‟um abraccedilo estreito
Premer-te os membros sobre o ingrato leito
Deves ser afinal restituido
Aacute luz do dia quando focircr volvido
De seculos um tracto dilatado
Entatildeo voraz de Jove o catildeo alado
215
- A aguia sanguisedenta ndash ha de uma parte
Do corpo em mil pedaccedilos devorar-te
Conviva diario que ninguem convida
Ha de ser de teo figado nutrida
Flagello curtiraacutes desta maneira
Ateacute que um Deos que succeder-te queira
Na pena desccedila ao Barathro sombrio
E aacute torva margem do Tartareo rio
Reflecte bem Natildeo faccedilo agora praccedila
De phrases vatildes Eacute seacuteria esta ameaccedila
O assumpto eacute muito grave e transcendente
Cumpre Jove o que diz e nunca mente
O melhor parecer seguir procura
Nem pervicacia opponhas aacute cordura
O CORO DAS OCEANIDAS
Mercurio tem proposito
Na sua admoestaccedilatildeo
Suggere-te a prudencia
Condemna a obstinaccedilatildeo
Segue a liccedilatildeo proficua
Que acaba de dictar
Natildeo eacute de sabio proacutevido
No erro perseverar
[fl93] PROMETHEU
Quanto elle em brados repetio agora
Tudo eu sabia ponto a ponto Embora
Ninguem extranha ou fica desairado
Quando pelo inimigo eacute maltratado
E pois que Jove sobre mim desfira
A de dous gumes sinuosa espira
Ribombantes trovotildees rabidos ventos
216
Convulsem o ar a embates violentos
Nute a terra nos eixos abalada
O mar em escarceacuteos mugindo invada
A do giro sidereo azul esphera
E Jupiter cedendo aacute lei severa
Do Fado arroje o corpo meo no Averno
Natildeo poacutede a morte dar-me Eu sou eterno
MERCURIO
Taes palavras iguaes arrazoados
Soacute se podem ouvir dos tresloucados
Que lhe falta d‟aqui para a demencia
Si ao furor natildeo modera a violencia
E voacutes que doacute mostraes deste inditoso
Parti antes que o ronco estrepitoso
Do trovatildeo abalando este rochedo
N‟alma vos cocirce a turbaccedilatildeo do medo
O CORO DAS OCEANIDAS
Diverso alvitre inspira-nos
Honesto e convinhavel
O que lembraste eacute pessimo
Covarde intoleravel
Pois tu nos daacutes estimulo
A infame proceder
Havemos ser participes
Do que elle padecer
Fundo a traiccedilatildeo esqualida
Ha muito aborrecemos
Nem peste deleteria
Como ella conhecemos
217
[fl94] MERCURIO
Phrases lembraes alhures proferidas
Por mim Si focircrdes de uma dor feridas
Deixae de attribuir o golpe ao Fado
Nem digaes que de modo inopinado
Jupiter vos ferio Tendo a certeza
Do mal conscientes claro sem sorpreza
Colheo-vos pelos actos de loucura
Na inextricavel recircde a Desventura
PROMETHEU
Segue aacute palavra a acccedilatildeo ndash Vacilla a Terra
Rouco trovatildeo nas visceras lhe berra
A offuscante espiral rasga e chammeja
Torvelinhando o poacute sobe e volteja
Ventos soltos soprando em rude estrondo
Forccedilam seos mutuos impetos oppondo
Tufotildees uns contra os outros impellidos
Ether e mar avisto confundidos
Jupiter manifesto rue agora
Sobre mim e quer ver si me apavora
Augusto Nume minha matildee divina
Ether onde a luz pura que illumina
Tudo flue a girar na immensidade
Vecircde Hostia sou de immensa iniquidade
218
CAPIacuteTULO 5 ndash Transcriccedilatildeo da segunda versatildeo poeacutetica feita pelo Baratildeo de
Paranapiacaba
[fl95] PROMETHEU ACORRENTADO
(Versatildeo em que predomina o decassyllabo socirclto)
_________________
A FORCcedilA A VIOLENCIA (KRATOS E BIA) VULCANO (HEPHAISTOS) E
PROMETHEU
(A violencia eacute personagem mudo)
A FORCcedilA
Somos chegados onde acaba a Terra
- Regiotildees da Scythia - solidatildeo remota
Virgem teacute hoje de peacutegada humana
Tempo eacute de dar execuccedilatildeo aacutes ordens
Que o Pae te impoz Vulcano Neste abrupto
Alcantil prende em recircde inquebrantavel
De adamantinos vinculos formada
Este amotinador do povo Aos homens
Deo em partilha apoacutes o haver furtado
Teo mimo ndash o claro fogo idoneo aacutes artes
Por isso cumpre que de seo peccado
O castigo supporte e assim punido
Aprenda a respeitar de Jove o imperio
E cesse de ostentar philantropia
VULCANO
Forccedila e Violencia As injuncccedilotildees seguistes
De Jove e nada mais vos causa estorvo
Agora quanto a mim sinto faltar-me
Coragem de fincar nesta quebrada
Que algente bruma intoleravel torna
219
Um Deos parente meo Mas o Destino
Aacute tatildeo dura tarefa me constrange
Que eacute grave desleixar de Jove encargos
De Themis recta e consultriz oacute filho
Altipensante Neste algar sem treita
Humana em noacutes de bronze indissoluveis
- A meo e teo pezar - eu vou pregar-te
Aqui nunca has de ouvir mortal accento
Nem face de homem ver antes crestado
Lento pelas do sol ferventes chammas
Perderaacutes dia a dia a flor da pelle
[fl96] Ha de a noite por ti sempre almejada
Sumir o dia no estrellado manto
Ha de voltando o sol seccar a geada
Sem que um momento aligeirado o peso
Sintas aacute torva dor que te acabrunha
Que inda ninguem nasceo para livrar-te
De amar tanto os mortaes ahi tens o fructo
Prodigando-lhes dons e regalias
- Deos - affrontaste a colera dos Deoses
Por isso - guarda d‟esta rocha ingrata -
De peacute insomne e sem dobrar os joelhos
Has de em queixas inuteis consumir-te
Dotado eacute Jove de animo implacavel
Novo tyranno eacute sempre rigoroso
A FORCcedilA
Age Tardas e em vatildeo te commiseras
Natildeo execras o Deos odioso aos Numes
Que deo trecircdo aos mortaes teo privilegio
VULCANO
Mui fortes satildeo o sangue e a convivencia
220
A FORCcedilA
Como has de retardar de Jove as ordens
Natildeo eacute mais de temer menosprezal-as
VULCANO
Oh Sempre audaz e aacute compaixatildeo extranha
A FORCcedilA
Que val piedade Sentimento inutil
O lamentar-lhe a docircr natildeo eacute remedio
VULCANO (olhando para as cadeias)
Primor de minhas matildeos como te odeio
A FORCcedilA
Por que tal odio A bem dizer tua arte
Em nada causa foi do mal presente
[fl97] VULCANO
D‟outro que natildeo de mim fosse ella o dote
A FORCcedilA
Tudo aos Deoses foi dado unicamente
Natildeo podem governar A natildeo ser Jove
Natildeo eacute livre ningueacutem
VULCANO
Sim Natildeo contesto
A FORCcedilA
E por que natildeo n‟o enlaccedilas de cadeias
Antes que o Pae a hesitaccedilatildeo te avente
VULCANO
221
Vecirc Promptos satildeo os argolotildees dos braccedilos
A FORCcedilA
Desce-lh‟os pelas matildeos Crava-as na pedra
Com toda a forccedila descarrega o malho
VULCANO
Eacute obra de um momento e natildeo frustranea
A FORCcedilA
Mais forte Bate arrocha nada affrouxes
Poacutede astuto qual eacute achar sahida
Do que a natildeo tem
VULCANO
Involvem este braccedilo
Indissoluveis peias
[fl98] A FORCcedilA
Bem seguro
Prende o outro em tatildeo solidos liames
Saiba que eacute seo talento de sophista
Mais tardo que o de Jove
VULCANO (apontando para Prometheu)
A natildeo ser elle
Outro natildeo tem de mim razatildeo de queixa
A FORCcedilA
O dente ousado dessa cunha d‟accedilo
Embebe em cheio por seo peito a dentro
Golpea-o rude
VULCANO
222
Ai Prometheu Deploro
O teo supplicio
A FORCcedilA
Inda outra vez tardanccedila
O inimigo de Jove a lastimares
Olha a ti mesmo a lastimar natildeo venhas
VULCANO
Espectaculo vecircs horrido aos olhos
A FORCcedilA
Vejo applicar-se a um reacuteo a justa pena
Mette-lhe os peitoraes pelas axillas
VULCANO
Sei que eacute fatal Escusa de insistires
A FORCcedilA
Natildeo e inda mais co‟a a voz hei de incitar-te
Do tronco abaixo em fortes noacutes lhe adstringe
As pernas
[fl99] VULCANO
Concluido e sem demora
A FORCcedilA
Justa-lhe aos peacutes grilhotildees rebita os cravos
Nos orificios dos fuzis Cuidado
Fiscal de fino olhar vela o que fazes
VULCANO
Diz com tuas feiccedilotildees a lingoa tua
223
A FORCcedilA
Secirc fraco embora poreacutem natildeo me increpes
A ingenita inflexivel aspereza
VULCANO
Desccedilamos Tem os membros n‟uma recircde
A FORCcedilA (apostrophando a Prometheu)
Poacutedes d‟hai assoberbar os Numes
E usurpando protervo os dons divinos
Entregal-os aacutes matildeos da raccedila ephemera
Esta valor natildeo tem que te libere
Deste afan Prometheu chamam-te os Deoses
Falso nome A ti mesmo eacute necessario
Um Prometheu para ensinar-te como
Soltar-te poderaacutes desse artefacto
(Sahem Vulcano a Forccedila e a Violencia)
PROMETHEU
Oacute Ether divinal auras velozes
Mananciaes dos rios voacutes oacute risos
Innumeraveis das marinhas ondas
Oacute terra matildee universal oacute disco
Do Sol omnividente Aqui me tendes
Vecircde que docircr a um Deos infligem Deoses
Vecircde em que regiotildees acorrentado
Tenho a gemer indefinitos eacutevos
[fl100] Para mim engenhou tatildeo vis ligames
O Prytano recente dos Divinos
Ai Hoje e no porvir sempre a desdita
Quando o termo viraacute deste piaculo
Que digo Claro no futuro leio
Quanto ha de acontecer nenhum successo
Me poacutede sobrevir inesperado
224
Cumpre que aceite da melhor maneira
A sorte minha como quem conhece
Ser invencivel o rigor do Fado
Natildeo devecircra falar de meos pezares
Mas como hei de cerral-os no silencio
Si por ter feito beneficio aos homens
Supporto agora preso aacute penedia
Deste supplicio nunca visto o julgo
Tomei qual caccedilador a matildee furtiva
Do fogo n‟uma ferula guardei-a
E aos olhos dos mortaes mostrei seo brilho
E o fogo mestre foi das artes todas
E o moacuter commodo e prestimo da vida
Eis-me aqui a purgar esse delicto
Preso aacute esta rocha exposto aacutes intemperies
Ai Ai Que rumorejo Que invisivel
Perfume sobe a mim De quem se evola
De um Deos mortal ou mixta creatura
Vem assistir aos tratos que me applicam
Neste ermo cimo Traz diverso intento
Vecircde aqui preso um desditoso Nume
A quem Jove detesta odioso aos Deoses
E a tudo que frequenta o atrio do Olympo
Soacute porque dos mortaes se mostra amigo
Ai Vem perto o sonido Eacute de quem vocirca
Doce remegio d‟azas no ar cicia
Quanto se achega a mim pavor me infunde
O CORO DAS OCEANIDAS
(Fala sempre o coryphecirco)
ESTROPHE I
Natildeo temas Amigo eacute o bando
Alado que aacute esta eminencia
225
Vem ter a custo abrandando
A paterna resistencia
Neste coche que deslisa
Pela azulada amplidatildeo
Cheguei nas azas da brisa
Apoacutes rapida excursatildeo
[fl101]Das rijas correntes d‟ accedilo
O estrepitoso tinir
Foi aleacutem do equoreo espaccedilo
Nas furnas repercutir
Presurosa entatildeo subindo
A este carro voador
Descalccedila vim transgredindo
O rubescente pudor
PROMETHEU
Ai Ai Oacute prole da fecunda Tethis
Filhas do Oceano cujo inquieto fluxo
A Terra circumvolve - contemplae-me
Involto em eacutelos que jaacutemais se rompem
Deste excelso alcantil na cavidade
Forccedilada sentinella estou fazendo
O CORO DAS OCEANIDAS
ANTISTROPHE I
Vejo e ante a vista nublada
Sinto nuvem de terror
Que de lagrimas pejada
Traduz minha intensa docircr
Porque ao fraguedo cosido
226
Por vergonhosa prisatildeo
Teo corpo de docircr pungido
Findaraacute de inaniccedilatildeo
No Olympo ha nova regencia
E Jove arbitrario e injusto
Proscreveo com violencia
Quanto era dbdquoantes augusto
PROMETHEU
Antes abaixo do amago da Terra
No Orco trevoso albergue dos finados
Ou no Tartaro immenso me arrojasse
Atado nestes noacutes Jaacutemais desdaveis
Assim nem Deos algum nem outros seres
Poderiam folgar vendo-me em pena
Hoje - aos ventos ludibrio - em docircr immerso
Dou a inimigos meos perpetuo jubilo
[fl102] O CORO DAS OCEANIDAS
ESTROPHE II
Qual dos Numes eacute dotado
De tatildeo duro coraccedilatildeo
Que ao ver-te assim flagellado
Natildeo revele compaixatildeo
Soacute Jove que em paroxismo
De furia que natildeo declina
Preme ao ferreo despotismo
De Urano a prole divina
Brando seraacute quando estanque
Sua vinganccedila ficar
Ou de assalto alguem lhe arranque
227
Poder arduo a conquistar
PROMETHEU
Bem que tatildeo fortes e ultrajantes peias
Me adstrinjam ha de o Principe dos Deoses
Ter precisatildeo de mim por que lhe indique
O projecto fatal aacute permanencia
De seu poder Ameaccedilas ou blandicias
Sem que d‟estes grilhotildees me solte os membros
E da injuria me decirc razatildeo - frustraneas
Seratildeo ndash Soacute falarei desaffrontado
O CORO DAS OCEANIDAS
ANTISTROPHE II
Eacutes audaz e natildeo te dobra
O acerbo martyrio teo
Ha liberdade de sobra
Em teo falar Prometheu
O teo destino futuro
Apavorada me traz
Quando no porto seguro
Aacute docircr o termo veraacutes
Coraccedilatildeo rijo implacavel
De Saturno o filho tem
Em seo animo intractavel
Jaacutemais penetrou ninguem
[fl103] PROMETHEU
Bem sei que Jove eacute rispido e sujeita
Ao alvedrio seo toda a justiccedila
Mas ha de moderar o aspero genio
228
Quando ferido focircr por esse modo
Entatildeo a furia pertinaz calmada
Viraacute commigo accorde no desejo
De amizade e uniatildeo soldar os laccedilos
O CORO DAS OCEANIDAS
Si natildeo te magocircas conta
O que succedeo comtigo
Por que foi que Jove a affronta
Te irrogou deste castigo
PROMETHEU
Pecircza-me certo referir taes casos
E doacutee calar Acerba alternativa
Quando os Deoses em odio conflagrados
Pela primeira vez se rebellaram
Logo a Discordia dominou seos animos
Uns pretendiam derrubar Saturno
E a Jove pocircr no throno outros votavam
Que Jaacutemais fosse Jove o Rei do Olympo
Eu que prudente alvitre suggerira
Desattendidos vi meos satildeo conselhos
Pelos Titans da Terra e Ceacuteo oriundos
Petulantes por indole enjeitaram
Os meios brandos na illusoria crenccedila
De aacute viva forccedila o imperio conquistarem
Sem astucia sem plano e por surpreza
Que vezes minha matildee Themis ndash a Terra
(- Uma soacute foacuterma com diversos nomes -)
Desvendando o porvir me revelara
Ser lei fatal que o vencedor o fosse
Soacute por ardis e sem recurso aacutes armas
Isto lhes ponderei e nem me olharam
Julguei melhor de minha matildee seguido
229
A Jove procurar prestar-lhe auxilio
Attendendo espontaneo a seo desejo
Pelos esforccedilos meos o negro abysmo
Do Tartaro sorveo nas profundezas
O vetusto Saturno e seos proselytos
Dos Deoses o Primaz a taes serviccedilos
Correspondeo impondo-me esta pena
[fl104] Eacute Molestia inherente aacute tyrannia
O natildeo ter confianccedila em seos amigos
Perguntaste por que me ultraja Escuta
Quando assentado no paterno solio
Talhou em proporccedilatildeo aos novos Deoses
Honras mercecircs e organizou o imperio
Mas natildeo fez cabedal da especie humana
Antes quiz destruil-a e nova raccedila
Crear Ninguem sahio a contrastal-o
Ousei-o eu soacute A ephemera progenie
Livrei de ir de roldatildeo aacutes trevas do Orco
Fulminada Por isso hoje me estorccedilo
Na incessante pressatildeo deste flagello
Miserando ao que o vecirc duro ao que o passa
Eu que me apiedei tanto dos homens
Credor de compaixatildeo natildeo fui julgado
E punido sem doacute exhibo um quadro
Que eacute para Jove deshonroso estygma
O CORO DAS OCEANIDAS
De ferro ou de pedra rija
Forrado o peito ha de ser
Daquelle que natildeo se afflija
Com teo seacutevo padecer
De tanta angustia prouveacutera
Que eu testemunha natildeo focircra
230
Mas vendo-a me dilacera
Funda tristeza oppressora
PROMETHEU
Sou na verdade para meos amigos
Lastimavel de ver
O CORO DAS OCEANIDAS
E natildeo levaste
Teo favor aos mortaes inda mais longe
PROMETHEU
Forrei-os ao terror da hora da morte
O CORO DAS OCEANIDAS
Que remedio inventaste a mal tatildeo grave
[fl105] PROMETHEU
Entre elles fiz morar cega esperanccedila
O CORO DAS OCEANIDAS
Presente de valor inestimavel
PROMETHEU
Trouxe tambem a suas matildeos o fogo
O CORO DAS OCEANIDAS
Que Do fogo esplendente estatildeo na posse
Os entes de um soacute dia
PROMETHEU
Oh Sim e o fogo
Seo mestre ha sido em variadas artes
231
O CORO DAS OCEANIDAS
Por delictos semelhantes
Eacute que Jove te crucia
E nem siquer por instantes
Estas penas te allivia
E natildeo sabes qual a dura
De teo padecer algoz
A tatildeo medonha tortura
Jove limite natildeo pocircz
PROMETHEU
Nenhum Terminaraacute quando lhe apraza
O CORO DAS OCEANIDAS
E ha de aprazer-lhe Olvidaste
Que em culpa tens incidido
E que o dizer-te que erraste
Me desgosta e te eacute dorido
Deixemos poreacutem de parte
Este proposito ingrato
E procura libertar-te
Das peias deste artefacto
[fl106] PROMETHEU
A quem natildeo prendem do Infortunio as malhas
Nada custa exprobar severo o afflicto
Tudo fiz voluntario e consciente
Quiz delinquir e o fiz caso pensado
Natildeo me era estranho que valendo aos homens
Para mim preparava intensas magoas
Nunca emtanto esperei tatildeo feacutero tracto
Macerado de encontro aacute rocha viva
232
Nesta remota inhabitavel fraga
Mas natildeo lamentes meos presentes males
Eacute melhor que descendo a este rochedo
Ouccedilas de perto todo o meo destino
Presta-me este serviccedilo officioso
Condoe-te do infeliz que vecircs em transes
Anda a Desgraccedila errante sem parada
E assim vagando ora um ora outro fere
O CORO DAS OCEANIDAS
Falas a quem sempre accede
E obedece aacute tua voz
Do carro abandono a seacutede
E desccedilo com peacute veloz
Deslisando no ether puro
- Dos passaros travessia -
Eu jaacute piso o soacutelo duro
Da escabrosa penedia
Com empenho verdadeiro
Vim teo desejo cumprir
Pois o meo eacute ndash por inteiro
Teos males todos ouvir
(Apparece Oceano no ar cavalgando um dragatildeo alado)
OCEANO
Aqui estou Prometheu vim ter comtigo
Longo caminho rapido vencendo
Neste alado veloz que rejo e guio
Sem freio e apenas da vontade aacute forccedila
Penalisa-me assaz teo soffrimento
E o parentesco impelle-me a carpir-te
Mas pondo ao lado os vinculos do sangue
233
Ninguem tanta affeiccedilatildeo qual eu te rende
Sabes quanta verdade ha nestas phrases
Nunca foi lisonjeira a lingoa minha
Vamos Indica o meio de acudir-te
E natildeo diraacutes em tempo algum que houveste
Outro amigo mais firme que Oceano
[fl107] PROMETHEU
Que vejo Eacutes tu Tu mesmo aqui vieste
A ser espectador de meo tormento
Abandonaste o rio de teo nome
Grutas que a natureza abrio na rocha
Por esta regiatildeo que eacute matildee do ferro
Soacute vens testemunhar meo triste estado
Ou piedoso compartir meos males
Olha de que baldatildeo Jove nodocirca
Seo mais forte auxiliar na lucta ingente
Cuja victoria lhe manteve o throno
OCEANO
Vendo estou Prometheu Mais que avisado
Eacutes escuta poreacutem um bom conselho
Conhece-te outros habitos adopta
Pois hoje novo Rei preside os Numes
Si exprobraccedilotildees tatildeo acres arremessas
Vociferando poacutede ouvil-as Jupiter
Bem que do Olympo na mais alta seacutede
Sua colera entatildeo levada a extremo
Sevicias te imporaacute de tal quilate
Que as de agora seratildeo mero brinquedo
Dos seios d‟alma desgraccedilado expelle
Todo o levedo de iracundia e orgulho
Busca aacute teos males proximo remate
234
Cres que te falo como velho estulto
Mas tu oacute Prometheu eacutes viva mostra
Dos damnos que produz lingoa arrogante
Natildeo dobras a cerviz ante as desditas
E outras queres juntar aacutes que te avexam
Deixa uma vez assessorar-te e attende
Natildeo batas com o peacute de encontro aacute espora
Inclemente monarcha hoje governa
Irresponsavel a ninguem daacute contas
Parto jaacute Vou tractar de teo resgate
Fica inerte natildeo fales tatildeo protervo
Fino de mais qual eacutes acaso ignoras
Que se inflige ferrete aacute lingoa socirclta
PROMETHEU
Dou-te os emboras por te ver immune
De pena e culpa tu que a mim ligado
Ousate tomar parte em minhas docircres
Quero poreacutem o incommodo poupar-te
[fl108] De ires interceder por mim Eacute Jove
De indole feacutera Conseguir natildeo poacutedes
Leval-o aacute persuasatildeo Comtigo mesmo
Toma cautela Observa tudo em roda
Natildeo te venha algum mal desta visita
OCEANO
Melhor que a ti os outros aconselhas
Os infortunios teos satildeo disto a prova
Natildeo queiras refrear-me ao zelo o impulso
Eu me ufaneio sim eu me ufaneio
De alcanccedilar para ti de Jove o indulto
PROMETHEU
Louvo-te grato e sempre hei de louvar-te
235
Natildeo ha mostrar mais vehemente o anhelo
De prestar-me um favor Mas infructifero
Teo esforccedilo veraacutes Quanto tentares
Natildeo me aproveitaraacute Quecircda-te isento
De riscos Infeliz que sou natildeo quero
Que minha desventura envolva os outros
Sim Jaacute bastante me atormenta a sorte
De meo irmatildeo Atlante que postado
De peacute na extrema occidental da Hesperia
As columnas susteacutem do Ceacuteo da Terra
Sobre as espaduas (carga insupportavel)
Faz-me doacute o terrigena habitante
Dos antros cilicecircos monstro da guerra
O impetuoso Tiphecirco de cem cabeccedilas
De irresistivel forccedila dominado
Revel aos Numes sibilava o excidio
Da tetra guela Emquanto dava assalto
Contra o poder de Jove e fulminava
Dos olhos seos ao fulgurar gorgoacuteneo
Vibrou-lhe o Pae o vigilante dardo
- O raio que ao cahir expira chammas ndash
E abateo-lhe as farromas blasonantes
Nas mais intimas visceras ferido
Paacutevido do estridor tonitroante
Perdeo forccedilas cahindo incinerado
Hoje soacute delle resta um corpo inutil
Estirado do mar junto aacute angustura
Do Etna sob as raizes comprimido
Emquanto em cima tem Vulcano a forja
E prepara fusotildees Dalli jorrando
Um dia com fragocircr igneas torrentes
Queimaratildeo nas mandibulas selvagens
Os frugiferos valles da Sicilia
[fl109] Assim ha de Typhecirco mesmo combusto
236
Do ethereo fogo evaporar os eacutestos
E em ferventos rojotildees de inexhauriveis
Torvelins vomitar chammas do bocircjo
Tens longa experiencia e nem precisas
Que eu me torne teo guia e conselheiro
Guarda-te pois da mais segura foacuterma
Que ficarei cumprindo o meo fadario
Teacute que a ira deserte a alma de Jove
OCEANO
Natildeo sabes que da colera espumante
As palavras satildeo medico
PROMETHEU
Si a tempo
Alguem o coraccedilatildeo nos pacifica
E sem que reprimir aacute forccedila intente
D‟alma tumida os impetos
OCEANO
Que damno
Vecircs em tental-o audaz e cauteloso
PROMETHEU
Simplicidade vatilde canseira inutil
OCEANO
Permite-me enfermar de tal achaque
Lucra o sabio em passar por nescio aacutes vezes
PROMETHEU
Focircras autor da culpa eu responsavel
OCEANO
237
Vejo uma despedida em taes palavras
[fl110] PROMETHEU
Lastimando-me a sorte odios provocas
OCEANO
De quem Daquelle que em recente data
Tomou posse do solio omnipotente
PROMETHEU
Ai misero de ti si n‟alma o irritas
OCEANO
Tuas desgraccedilas de licccedilatildeo me servem
PROMETHEU
Vae presto Insiste nos teos bons designios
OCEANO
Daacutes pressa ao que a partida accelerava
Meo quadrupede alado impaciente
De dobrar o joelho em seo caseiro
Aprisco as azas distendidas roccedila
Nas camadas azues do ethereo plaino
O CORO DAS OCEANIDAS
ESTROPHE I
Prometheu Que docircr me causa
Teo destino miserando
As lagrimas que sem pausa
Dos olhos me estatildeo manando
Qual humida fonte a fio
Minhas faces vem regar
238
Jupiter seu poderio
Vive arrogante a ostentar
E humilha os antigos Numes
Aacute tyrannica oppressatildeo
[fl111] ANTISTROPHE I
Socirca em lugubres queixumes
Esta vasta regiatildeo
Da vizinha Asia sagrada
Os incolas compungidos
Choram-te a gloria passada
E a de teos irmatildeos vencidos
ESTROPHE II
Choram-te as fortes na guerra
Virgens de Colchos - o Scytha
Que n‟um extremo da Terra
Junto aacute Meotida habitada
ANTISTROPHE II
O arabe escol guerreiro
Fremente de agudas lanccedilas
E que tem forte roqueiro
Do Caucaso em vizinhanccedilas
EPODO
De incansaveis noacutes ligado
Um soacute dos Titans eu vi
Pelos Deoses castigado
Padecer antes de ti
Atlas foi Quem tatildeo valente
239
De tanto esforccedilo capaz
Pois sobre o docircrso gemente
O Polo gravoso traz
O peacutego fervendo muge
A seos peacutes a terra treme
O negro Averno restruge
E ateacute nos recessos freme
Todas as fontes sagradas
Das correntes fluviaes
Lamentam angustiadas
Suas desgraccedilas fataes
[fl112] PROMETHEU
Natildeo de tedio ou de orgulho eacute meo silencio
Mas eu devoro o coraccedilatildeo pensando
Que sou exhibiccedilatildeo de tanta vilta
Quem sinatildeo eu por esses novos Deoses
Talhou proporcionaes mercecircs e graccedilas
Sobre este ponto nada mais ajunto
Seria expocircr um facto aos que o conhecem
Ouve os males que aos homens affligiam
E como de boccedilaes os fiz cordatos
E scientes da proacutepria intelligencia
Si assim falo natildeo eacute porque os censure
Lembro soacute que o que fiz em proacutel da raccedila
Eacute prova da affeiccedilatildeo que lhe consagro
Antigamente olhavam sem que vissem
Inclinavam-se aacute escuta e nada ouviam
Como as figuras que desenha o sonho
Tudo por longo tempo confundiram
Aacutes casas de tijolo ao sol expostas
E ao lavrar da madeira extranhos eram
240
Como graacuteceis formigas diligentes
Tinham habitaccedilotildees de sob o soacutelo
No mais fundo de lobregas cavernas
Nem por algum signal differenccedilavam
O inverno da florida primavera
Ou do veratildeo em fructos abundante
Assim sem reflexatildeo viveram seculos
Ateacute que o instante do nascer dos astros
E o menos regular de seos occasos
Lhes dei a conhecer Em seo proveito
O numero inventei - a mais proficua
Das descobertas que a sciencia illustram
Ensinei-lhes a ler grupando as lettras
Formei-lhes a memoria ndash a matildee das Musas
Domesticando os animaes selvagens
Fil-os aacute sujeiccedilatildeo doacuteceis Pesaram
De irracionaes no dorso as graves cargas
Que oneravam teacute ahi hombros humanos
Puz ao carro os frenigeros cavallos
- Trastes de luxo de faustosos ricos -
Vehiculos navaes d‟azas de linho
Sulcadores do mar a mim se devem
E eu (desditoso) autor de tanto invento
Em bem dos homens descobrir natildeo posso
Um que logre partir estes liames
[fl113] O CORO DAS OCEANIDAS
Grave castigo padeces
Fluctuas leso o juiacutezo
Qual maacuteo medico adoeces
E eacutes no curar-te indeciso
Ao animo perturbado
Certamente natildeo te acode
241
O remedio apropriado
Que prompto sanar-te poacutede
PROMETHEU
Ouve o que falta e pasmaraacutes sabendo
De quantas artes e misteres uteis
Fui inventor O principal foi este
Medicina nenhuma o enfermo tinha
No comer no beber na uncccedilatildeo do corpo
De curativos definhava aacute mingoa
Teacute que graccedilas a mim noticia houveramos
Dos remedios e mixtos salutares
- Preservativo e cura das molestias-
Aos presagios marquei processos novos
Disse em que pontos as visotildees sonhadas
Reaes seriam aacutes escuras phrases
Das predicccedilotildees vocaes fixei sentido
Dos accidentes que em jornada occorrem
Dei plena explicaccedilatildeo ao viandante
Mui por miudo defini o vocirco
Dos passaros de garras encurvadas
Qual delles eacute propicio e qual sinistro
Disse de que alimentos se nutriam
Quaes seos odios e amores seos encontros
Notei-lhes das entranhas a lisura
Bem como a cocircr que mais apraz aos Deoses
Quaes da bile os aspectos favoraveis
E os do figado e o aacutedipo das cocircxas
Seos rins queimando descobri segredos
D‟arte de adivinhar que era difficil
Do fogo occulto revelei o augurio
Outr‟ora nebuloso Aleacutem de tudo
As riquezas que a terra nas entranhas
Guardava ndash o ferro o bronze a prata o ouro -
242
Qual outro antes de mim as desvelaacutera
Quem se chamar tal gloria eacute temerario
Jactancioso Em summa as artes todas
Por Prometheu hatildeo vindo aacutes matildeos dos homens
[fl114] O CORO DAS OCEANIDAS
Basta dos homens natildeo fales
Quinhoaste-os amplamente
Tracta de ti A teos males
Natildeo sejas indifferente
Sinto em mim tenho por certo
Que ainda um dia te hei de ver
Destas cadeias liberto
Igual a Jove em poder
PROMETHEU
Isto natildeo prouve aacute Parca poderosa
Pelo Destino decretado estava
Que soacute de longas provaccedilotildees ao cabo
Destas peias alfim solto me veja
Muito mais debeis satildeo por certo as artes
Do que a Fatalidade
O CORO DAS OCEANIDAS
E a quem pertence
Do Destino o timatildeo reger101
PROMETHEU
Aacute Parca
Triforme e aacutes sempre meacutemores Erynnes
101
Era de se esperar um ponto de interrogaccedilatildeo
243
O CORO DAS OCEANIDAS
Eacute Jove menos forte que o Destino
PROMETHEU
Sim natildeo102
lhe foge aacutes leis irrecusaveis
O CORO DAS OCEANIDAS
Para elle algo eacute fatal aleacutem do imperio
PROMETHEU
Natildeo t‟o direi nem mesmo a instantes rogos
[fl115] O CORO DAS OCEANIDAS
Eacute de certo bem grave o que me escondes
PROMETHEU
Lembra outra cousa descabida eacute esta
Para mim eacute mister quanto possivel
Guardal-a occulta Deste modo evito
Mil infortunios e estes ferros quebro
O CORO DAS OCEANIDAS
ESTROPHE I
Natildeo apraza aacute Potestade
Que os mundos todos governa
Oppocircr aacute minha vontade
Sua vontade superna
Seja meo constante fito
Manter os Numes propicios
Fazendo sempre os do rito
102 A palavra comeccedila com letra minuacutescula no livro
244
Tributarios sacrificios
Offertando-lhes de plano
As victimas immoladas
Junto aacutes do Padre Oceano
Correntes sempre agitadas
Que eu nunca aos Deoses aggrave
No intuito ou na expressatildeo
Que perpetua em mim se agrave
Tatildeo louvavel intenccedilatildeo
ANTISTROPHE I
Doce eacute firmar longa vida
Sobre esperanccedilas estaveis
Conservando a alma nutrida
De jubilos ineffaveis
Fundo horror minha alma sente
Por teo duro padecer
Foste muito irreverente
Com Jove em teo proceder
Nos teos planos confiado
E soacute por impulso teo
Aos homens has dispensado
Honras de mais Prometheu
[fl116] ESTROPHE II
Que maacuteo pago houveste disso
Jugas que em teos dissabores
Te prestem algum serviccedilo
Os terraqueos moradores
245
Perdeste acaso a lembranccedila
Da tibia imbecialidade
Que de um somno aacute semelhanccedila
Peacutesa sobre a humanidade
Dos homens nunca os projectos
Teratildeo forccedilas de inverter
A ordem que em seos decretos
Quis Jupiter prescrever
ANTISTROPHE II
Convenci-me disto emquanto
Teo supplicio contemplava
Quatildeo diverso deste canto
Era o que nos arroubava
Quando cercando-te o thoro
E o lavacro accordes todas
Entoavamos em cocircro
Hymno festivo de bocircdas
Vendo Hesione nascida
Do Oceano esposo aceitar-te
E a teos presentes rendida
Em teo leito ser comparte
(Apparece Io)
IO
Que terra esta eacute Que gente nella habita
E quem eacutes tu por vinculos atado
Nesta rocha hybernal Aacute que flagicio
Serve de expiaccedilatildeo tamanha pena
Dize-me aacute que regiatildeo chego agitada
Ai Ai Ai Eis de novo me afferrocirca
246
(Desditosa) o tavatildeo - o simulacro
D‟Argos da Terra filho Oacute terra afasta-o
Tenho medo O pastor de olhos innumeros
Me estaacute fitando co‟a dolosa vista
Bem que finado natildeo n‟o esconde a terra
Volta do Inferno segue-me as pisadas
E arrasta-me a vagar faminta aos saltos
Pelas marinhas arenosas praias
[fl117] ESTROPHE
Da avena de cecircrea junctura a harmonia
Ao somno convida
Teacute onde na infinda fatal correria
Serei impellida
Saturnia progenie qual foi o meo crime
Por que me condemna
A colera tua e ao jugo me opprime
De tatildeo dura pena
Por que n‟um continuo terror flagellante
Que arrasta aacute loucura
Me impotildees deste insano correr incessante
A rude tortura
Ou manda-me em chammas morrer abrazada
Ou viva enterrar
Ou- pasto animado - que eu seja lanccedilada
Aacutes feacuteras do mar
Oh Rei Daacute-me ouvidos Aacute angustia que raia
Meo animo enfermo
Modera os rigores Siquer assignala
Qual seja seo termo
247
O CORO DAS OCEANIDAS
A voz natildeo ouves da bicorne virgem
PROMETHEU
Como natildeo hei de ouvir d‟Inacho a filha
A moccedila virgem do tavatildeo pungida
Ella inflammou de amor a alma Jove
E hoje de Juno odiada eacute compulsada
Aacute correria longa e sem repouso
IO
ANTISTROPHE
Donde soubeste de meo pae o nome
Como infeliz
Conheces esta docircr que me consome
Aacute triste o diz
Quem te deo novas do divino accediloite
Desse feroz
Ferratildeo que me caustica dia e noite
Com furia atroz
[fl118] Da colera de Juno perseguida
Aqui por fim
Tresvariada pela fome urgida
Saltando vim
Mais desditosa dentre os desditosos
Quem poacutede haver
Diz-me sem veacuteos os lances desastrosos
Que hei de soffrer
Si allivio ou cura tens aacute tatildeo pesada
Fera agonia
Aponta-o sem rebuccedilo aacute flagellada
248
Moccedila erradia
PROMETHEU
Dizer-te vou o que saber desejas
Simples e claro sem usar de enigmas
Qual de um amigo a outro Em mim presente
Tens Prometheu que trouxe o fogo aos homens
IO
Tu ndash auxilio commum da raccedila humana -
Tu - Prometheu por que razatildeo padeces
PROMETHEU
Pouco ha findaacutera a historia de meos males
IO
Agora a mim natildeo te seraacute possivel
Uma graccedila fazer
PROMETHEU
Sim Interroga
Eu te satisfarei
IO
Quem te ha cravado
Nesta rocha precipite
PROMETHEU
O decreto
De Jupiter e o braccedilo de Vulcano
[fl119] IO
Que attentado eacute credor de tal castigo