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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - ESCOLA DE ENFERMAGEM PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE – SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE FONDAZIONE ANGELO CELLI PROJETO SAÚDE PARA TODOS NA AMÉRICA LATINA Identificação de necessidades de capacitação de profissionais da rede básica de saúde de Belo Horizonte - Relatório de Pesquisa –

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - ESCOLA DE

ENFERMAGEM

PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE – SECRETARIA

MUNICIPAL DE SAÚDE

FONDAZIONE ANGELO CELLI

PROJETO SAÚDE PARA TODOS NA AMÉRICA LATINA

Identificação de necessidades de capacitação de

profissionais da rede básica de saúde de Belo Horizonte

- Relatório de Pesquisa –

Belo Horizonte, setembro de 2005

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - ESCOLA DE ENFERMAGEM

PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE – SECRETARIA MUNICIPAL

DE SAÚDE

FONDAZIONE ANGELO CELLI

PROJETO SAÚDE PARA TODOS NA AMÉRICA LATINA

Identificação de necessidades de capacitação de profissionais da rede básica

de saúde de Belo Horizonte

EQUIPE DE PESQUISA

Maria Imaculada de F. Freitas - Coordenadora

Elysângela Dittz Duarte

Kênia Lara Silva

Colaboradores:

Consuelo Rodrigues da Silva

Eliana Maria de Oliveira Sá

Maria Elizabeth de Oliveira Silva

Max Silva Moreira

Veneza Heloísa de Oliveira

Belo Horizonte, setembro de 2005

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................... 4

2. JUSTIFICATIVA ......................................................................................... 4

3. OBJETIVO GERAL .................................................................................... 5

4. ASPECTOS METODOLÓGICOS: COLETA E ANÁLISE DOS DADOS QUALITATIVOS..............................................................................................

5

4.1. COLETA DE DADOS ............................................................................. 5

4.1.1. A técnica de Grupo Focal .................................................................... 5

4.1.2. Sujeitos participantes e cenário da pesquisa ...................................... 6

4.2. ANÁLISE DOS DADOS .......................................................................... 10

5. ANALISE DOS RESULTADOS .................................................................. 10

5.1. BASES TEÓRICAS E CONCEITUAIS .................................................... 16

5.1.1. Vínculo, Acolhimento, Integralidade, Responsabilização .................... 16

5.1.2. Mudança de paradigma pelos usuários ............................................... 18

5.1.3. Mudança de paradigma pelos profissionais: implicação no modelo .... 20

5.2. ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE: METODOLOGIAS E TECNOLOGIAS............................................................

22

5.2.1. Planejamento local ............................................................................... 22

5.2.2. Escuta qualificada e o lugar do outro na relação terapêutica .............. 24

5.2.3. Trabalho em equipe ............................................................................. 25

5.2.4. Intersetorialidade ................................................................................. 27

5.2.5. Educação em saúde ............................................................................ 29

5.2.6. Protocolos ............................................................................................ 31

5.3. PROBLEMAS E NECESSIDADES DE SAÚDE DA POPULAÇÃO ........ 31

5.3.1. Cuidados à família ............................................................................... 31

5.3.2. Agudos e Urgência .............................................................................. 33

5.3.3. Crianças e adolescentes ...................................................................... 33

5.3.4. Adultos ................................................................................................. 35

5.3.5. Maiores de 45 anos e idosos ............................................................... 37

5.3.6. Saúde mental / Psicossocial ................................................................ 38

5.3.7. Cuidados paliativos / Crônicos / desospitalizados ............................... 39

5.3.8. Práticas alternativas ............................................................................. 40

6. PROPOSTA DE CAPACITAÇÃO .............................................................. 41

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 43

ANEXOS ....................................................................................................... 44

6

1. INTRODUÇÃO

A Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA) e a Fundação Angelo

Celli assinaram convênio em 25 de maio de 2005, para implantação do Projeto

Saúde para Todos na América Latina, em forma de consórcio entre várias

instituições do continente, juntamente com a referida fundação e com financiamento

da união Européia. O grupo de condução do Projeto na Secretaria Municipal de

Saúde de Belo Horizonte foi constituído pelas áreas de gerência de informação em

saúde, coordenação e técnicos do centro de educação em saúde, gerência e

técnicos de atividades assistenciais. A proposta do Projeto prevê a implantação de

capacitações à distância para profissionais da rede básica de serviços de saúde.

Para alcançar esta finalidade, o Grupo de Pesquisas em Epidemiologia e

Organização de Serviços (GPEAS) apresenta o presente projeto de pesquisa com o

objetivo de identificar as necessidades de capacitação dos referidos profissionais do

município de Belo Horizonte. A pesquisa será coordenada pelo grupo responsável

pelo eixo qualitativo no GPEAS, sob a responsabilidade da Profa. Maria Imaculada

de Fátima Freitas, da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas

Gerais.

2. JUSTIFICATIVA

A decisão da inserção de Belo Horizonte no Saúde para Todos na América Latina

levou em consideração avaliações anteriores da SMSA da necessidade constante

de capacitar suas equipes de saúde e a importância de trocas de experiências

internacionais para a resolução de problemas enfrentados no cotidiano pelas

equipes de saúde da família, aumentando as possibilidades de reflexão e de criação

de instrumentos de intervenção na realidade de saúde do município.

O modelo de capacitação à distância previsto pelo Projeto buscará, em Belo

Horizonte, atender as equipes do Programa de Saúde da Família (PSF), abrangendo

as necessidades de formação identificadas pelos distintos níveis (operacional,

gerência de unidades e níveis estratégicos).

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Pretende-se, com isto, potencializar a estruturação destas capacitações,

contribuindo para posteriores aplicações em outras realidades institucionais, num

esforço conjunto de produção de conteúdos fundamentados nas diversas

experiências.

3. OBJETIVO GERAL

Identificar temas pertinentes às necessidades de capacitação dos profissionais da

atenção básica em saúde, integrantes do Programa de Saúde da Família de Belo

Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

4. ASPECTOS METODOLÓGICOS: COLETA E ANÁLISE DOS DADOS

QUALITATIVOS

Os dados foram coletados por meio da realização de grupos focais e os

fundamentos teórico-metodológicos para análise encontram-se na Teoria da

Representação Social (TRS) e seus pressupostos sociológicos (MOSCOVICI, 1978,

1996; NASCIMENTO–SCHULZ, 1996; JOVCHELOVITCH & GUARESCHI, 1995).

O grupo de condução do Projeto Saúde Para Todos na América Latina, da

Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, definiu a participação de técnicos

de sua equipe para realização da pesquisa, junto aos pesquisadores da UFMG,

tendo como técnica de coleta de dados a metodologia de Grupo Focal, que foi

também utilizada na pesquisa realizada pela Universidade Federal da Bahia, no

escopo do referido Projeto.

Considerou-se que tal método seria suficiente para o levantamento de problemas

pertinentes às capacitações para melhoria da atenção na rede básica de serviços de

saúde, que serão analisados pela equipe para se definir temas relevantes com o

objetivo de compor a proposta de conteúdos das capacitações dos profissionais.

4.1. COLETA DE DADOS

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4.1.1. A técnica de Grupo Focal

Grupo focal é um tipo especial de entrevista em grupo, constituído de dez a doze

membros, conduzido por um moderador, que tem por objetivo reunir informações

detalhadas sobre um tópico particular a partir de um grupo de participantes

selecionados, discutindo-se, de forma o mais ampla possível e a partir de uma

questão norteadora, para que os participantes revelem a natureza e as origens de

suas opiniões sobre um determinado assunto (BARBOUR & KITZINGER, 1999;

TEMPLETON, 1994, DALL’AGNOL, C. M. & TRENCH, M.H., 1999, OLIVEIRA, M. e

FREITAS, H., 1998; WESTPHAL, M. F, BÓGUS, C. M. & FARIA, M. M. , 1996;

BENDER, D. E. & EWBANK, D., 1994; TWOHIG, P. L. & PUTNAM, W., 2002).

Para os autores, faz-se necessário, primeiramente, estabelecer claramente o

propósito da sessão, explicitando-se muito bem o objetivo, para que o grupo possa

concentrar-se em questões importantes e também para que as pessoas sintam-se

encorajadas a participar do processo do início até o fim. Também é recomendado

que os participantes sejam selecionados dentro de um grupo de sujeitos que

convivam com o assunto a ser discutido e que tenham profundo conhecimento dos

fatores que afetam os dados mais pertinentes.

Após a apresentação da pesquisa pelo moderador do Grupo e os devidos

esclarecimentos sobre os objetivos, finalidade, utilização dos dados e garantia de

anonimato dos participantes, estes assinaram o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido, conforme Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde sobre

Pesquisa com Seres Humanos.

O moderador além da função de organizar a pauta da discussão, tem as funções de

manter a discussão produtiva, garantir que a pauta seja seguida rigorosamente, e

que todos os participantes exponham suas idéias sem dispersar da questão foco. O

moderador nunca deve expor suas opiniões, ou criticar os comentários dos

participantes. A discussão deve ser gravada do início ao fim, para facilitar a

elaboração do relatório após o encerramento do grupo focal. A condução dos grupos

focais ficou a cargo da Equipe de Pesquisa, com a participação de monitores da

SMSA/BH, que atuam nas distintas regionais da cidade na área de recursos

humanos.

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4.1.2. SUJEITOS PARTICIPANTES E CENÁRIO DA PESQUISA

Os grupos focais foram realizados abrangendo o conceito de equipe do PSF

ampliado, ou seja, não exclusivamente a equipe do PSF em si (médico, enfermeira e

auxiliares de enfermagem), mas também os profissionais de apoio que estão

presentes na unidade e que hoje, no modelo de Belo Horizonte, são fundamentais

para a implantação do Programa de Saúde da Família em Belo Horizonte. Além

disso, os grupos focais englobaram profissionais de níveis gerenciais distintos:

unidades básicas, equipe distrital que acompanha a implantação do PSF e equipes

do nível central envolvidas na formulação e implementação do PSF no município.

Foi realizado também um grupo focal para os usuários da área de abrangência das

equipes selecionadas.

Conforme acordado, a realização de sete grupos focais incluiu as seguintes

categorias:

• Uma equipe de Saúde da Família de um Centro de Saúde do Município

• Médicos de Saúde da Família;

• Enfermeiros da Saúde da Família;

• Profissionais de nível médio (auxiliares de enfermagem, auxiliar de consultório

dentário e técnico de higiene dental);

• Gerentes dos níveis, local, distrital e central;

• Profissionais de nível superior (odontologia, psicólogos, assistente social,

médico e enfermeiros de apoio).

• Usuários das Unidades de Saúde.

Para a definição das equipes e unidades que participaram dos grupos focais, dentre

as 138 unidades básicas existentes no município de Belo Horizonte, os critérios e

estratégias para seleção das equipes das UBS foram por Distrito Sanitário, que

escolheu três equipes de Unidade Básica de Saúde para, posteriormente, ser

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indicada uma equipe para os distritos de menor população e duas equipes para os

demais.

Os critérios abaixo se referem à escolha da Unidade Básica para a participação do

Projeto:

• A Unidade Básica com cobertura de 100% de equipe do programa de Saúde

da Família;

• Unidades Básicas de Saúde cuja organização do processo de trabalho

evidenciou maior nível de consolidação da estratégia de saúde da família e

conseqüentemente, que poderá garantir a sustentabilidade ao desenvolvimento do

curso.

Além disso, foi acordado que o gerente da unidade básica será o articulador do

processo educativo no serviço, devendo planejar o trabalho e realizar planilha com a

participação de cada profissional da equipe com duas horas de dedicação ao curso

por semana, dentro de seu horário.

Os critérios selecionados abaixo se referem ao perfil dos profissionais da equipe de

Unidade Básica:

• Profissionais efetivos;

• Os profissionais da equipe de Saúde da Família: médico de família,

enfermeiro e auxiliares de enfermagem, trabalham na equipe há mais de 12 meses,

no mesmo local, ou após nomeação do último concurso, sendo que os profissionais

da equipe demonstram afinidade e vínculo com a proposta de Saúde da Família,

desejo de realizar o curso e compromisso de permanecer no serviço por igual tempo

ao do curso após a conclusão.

Os profissionais que compõem cada Unidade Básica de Saúde, selecionados para

participação na pesquisa, foram: Gerente, Médico de família, Enfermeiro, duas

Auxiliares de Enfermagem, Dentista, THD - Técnico de Higiene Dental, ACD -

Auxiliar de Consultório Dentário e Assistente Social. A presença da equipe de saúde

bucal e do assistente social ainda não é realidade em todas as Unidades Básicas.

Os critérios de escolha da UBS e do perfil dos profissionais não estão vinculados à

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presença destes profissionais. Caso a escolha da UBS e da equipe coincidam com

unidades que têm a presença destes profissionais, estes naturalmente fizeram parte

da equipe alvo, guardados os critérios acima.

Para a seleção dos participantes dos grupos focais foram estabelecidos, ainda, os

seguintes critérios:

• Profissionais de saúde: foram sorteados dez profissionais por categoria para

compor cada grupo focal, das equipes selecionadas;

• Usuários: cada equipe escolheu dez usuários de sua área de abrangência

para participar do grupo focal e encaminhou os nomes para a comissão local; a

comissão local escolheu um representante de seu distrito sanitário.

• Representantes dos níveis gerenciais: definidos pelos distritos, em acordo

com o nível central da SMSA.

As 15 unidades selecionadas, de acordo com os Distritos Sanitários, foram as

seguintes:

DISTRITO CENTRO DE SAÚDE IDENTIFICAÇÃO DA EQUIPE

Túnel de Ibirité Equipe Saúde da família, Saúde Bucal e médico de apoio.

BARREIRO

Bairro das Indústrias Equipe Saúde da família, Saúde Bucal, Saúde Mental e médico de apoio.

CENTRO-SUL São Miguel Arcanjo Equipe Saúde da família, saúde mental e médico de apoio.

Boa Vista Equipe Saúde da família e médico de apoio. LESTE

Santa Inês Equipe Saúde da família e médico de apoio.

São Marcos Equipe Saúde da família, Saúde Bucal e médico de apoio.

NORDESTE

Gentil Gomes Equipe Saúde da família, Saúde Bucal, médico de apoio e assistente social.

São José Equipe Saúde da família, Saúde Bucal, médico de apoio, psicóloga e assistente social.

NOROESTE

Santa Maria Equipe Saúde da família, Saúde Bucal, médico de apoio e assistente social.

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Primeiro de Maio Equipe Saúde da família e médico de apoio. NORTE

Guarani Equipe Saúde da família e médico de apoio.

OESTE Vista Alegre Equipe Saúde da família, Saúde Bucal, médico de apoio e assistente social.

PAMPULHA Confisco Equipe Saúde da família, Saúde Bucal, assistente social e médico de apoio.

Andradas Equipe Saúde da família e médico de apoio. VENDA NOVA

Mantiqueira * Equipe Saúde da família e médico de apoio.

A coleta de dados ocorreu entre 08 e 19 de agosto de 2005, sendo todos os grupos

focais gravados em áudio, após consentimento livre e esclarecido, assinado por

todos os participantes. O material foi transcrito e analisado entre 15 de agosto e 22

de setembro de 2005.

4.2. ANÁLISE DOS DADOS

A análise dos dados foi realizada a partir da organização das informações coletadas

em categorias temáticas ou temas, com base no Referencial de Análise de

Conteúdo proposto por Bardin (1977).

A Análise de Conteúdo é um conjunto de técnicas de análise de comunicações, que

visa, através de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo

de mensagens, obter indicadores, quantitativos ou não, que permitam a inferência

de conhecimentos relativos às condições de produção e recepção destas

mensagens.

A análise foi dividida em três fases. A primeira fase consistiu na leitura flutuante e

globalizada do material, com o objetivo de sistematizar as idéias iniciais. A segunda

fase iniciou-se com a realização de recortes do texto para categorização e

classificação dos temas, com o intuito de decodificar o significado das partes em

relação ao todo. E, por último, foram realizados o tratamento dos resultados obtidos

e a sua interpretação, por meio de abordagem qualitativa dos discursos.

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Finalmente, foram extraídos os temas pertinentes a capacitações de pessoal de

saúde na atenção básica, organizadas por categorias analíticas.

5. ANALISE DOS RESULTADOS

As categorias analíticas com a finalidade de extrair os temas pertinentes à

capacitação de profissionais estão apresentadas no Quadro 2.

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QUADRO 2 – Categorias, sub-categorias e temas para capacitação de profissionais da atenção básica – Belo Horizonte, MG, 2005

CATEGORIAS SUB-CATEGORIAS TEMAS

Bases teóricas e conceituais Vínculo, Acolhimento, Integralidade, Responsabilização

O que é o acolher e como acolher de forma adequada e com resolutividade?

Construção da responsabilização e do vínculo

A “boa prática” dos profissionais de saúde pautada na valorização das tecnologias leves e a realidade da população

Aspectos referentes à humanização, escuta e diálogo

Capacitação para “lidar com o sofrimento do outro”

Identificar e trabalhar necessidades locais de saúde da população

Como superar o modelo médico centrado e a consultação?

Como organizar a demanda no atendimento da unidade, considerando o acolhimento como base de todas as ações?

Como promover a integralidade entre os diferentes níveis de atenção, nesta mesma concepção?

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Mudança de paradigma pelos usuários

Como fazer a população compreender os diferentes níveis de assistência?

Como educar a população para ‘consumir’ de forma pertinente os serviços de saúde? – estratégias para “mudar o modelo assistencial” nas representações dos usuários, pois:

- valorizam as ações curativas em detrimento das de prevenção e promoção,

- são imediatistas,

- supervalorizam exames e medicamentos,

- acreditam que o profissional é o responsável por resolver todas as necessidades de saúde e outros problemas estruturais,

- consideram que sempre têm razão,

- identificam a unidade básica como referência até para urgência e emergência.

Mudança de paradigma pelos profissionais: implicação no modelo

Como construir com a equipe a mudança na forma do atendimento?

Como selecionar e construir perfis adequados de profissionais para o PSF?

Trabalhar a mudança de paradigma: profissional focado na atenção curativa e na consulta médica.

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Planejamento local

Construção de dados e indicadores para subsidiar a ação localmente, incluindo a compreensão da dinâmica da população no território

Como planejar ações das equipes e como avaliar essas ações? Como avaliar os impactos na comunidade? - Avaliação sistemática das ações: estabelecer metas e atingi-las

Planejamento pactuado com a população

Estratégias pra integrar a população socialmente

Noções de gestão e gerência: gestão local e democrática, aspectos administrativos da gestão de saúde

Sistematização do acolhimento como estratégia para reduzir os atendimentos de urgência

Estratégias de planejamento para atenção nas áreas consideradas de baixo-risco, coerente com suas especificidades.

Como definir os limites da atenção a pacientes crônicos desospitalizados entre a atenção básica e a Assistência Domiciliar? Como definir limites para a atenção às pessoas de outras localidades, que só procuram o serviço quando adoecem?

Organização do processo de trabalho em saúde: metodologias

e tecnologias

Escuta qualificada e o lugar do outro na relação terapêutica

Como estruturar a escuta qualificada para ser resolutivo?

Como construir uma relação intersubjetiva, entender o outro no processo terapêutico?

Como considerar a subjetividade do trabalhador, incluindo espaços dialógicos no quotidiano do serviço?

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Trabalho em equipe

Como construir limites claros dos papéis de cada profissional na equipe, na UBS, na interface da atenção na unidade e nos espaços da área de abrangência?

Como delegar ações? (tarefas de diagnóstico e de tratamentos têm sido muito delegadas). E fazer com que elas sejam cumpridas?

Como melhorar a interação da equipe? - Gestão de pessoas

Como integrar os profissionais do apoio às equipes?

Como fazer grupos de vivência entre os profissionais para que possam compartilhar suas experiências, transcender o quotidiano?

Como quebrar com a lógica de tudo centrado no médico?

Intersetorialidade

Como estruturar as referências e contra-referências intersetoriais?

Como articular com as Escolas o trabalho com os adolescentes?

Aprender a lidar com as desigualdades sociais, as questões econômicas, desemprego, violência, falta de moradia, fome, falta de lazer, saneamento básico

Como trabalhar os aspectos sócio-culturais, promoção da saúde, cidadania?

A dependência do Estado para a sobrevivência: demandas de licença-médica, de aposentadorias, os auxílios. O que fazer?

Organização do processo de trabalho em saúde: metodologias

e tecnologias

Educação em saúde

Métodos e técnicas de trabalho em grupos (quebrar o paradigma da orientação e palestras, por construção de conhecimento, atitudes e práticas saudáveis)

Métodos e técnicas de avaliação das ações educativas

Como organizar coletivamente um grupo operativo

Trabalhos corporais e de autocuidado (também para os profissionais)

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Protocolos Como construir protocolos que articulem os saberes tecnológicos de todos os profissionais? (os atuais protocolos reforçam o modelo biomédico)

Cuidados à família

Abordagem da família: como estruturar a atenção tendo como objeto a família? (‘ainda é atenção para cada um e pronto!’)

As condições de vida das famílias: como lidar com violência sexual numa família toda desestruturada?

Noções de psicoterapia para abordagens com a família: Como lidar com a desarmonia e o conflito constantes?

Fundamentos da ação para o individual e para o coletivo

Agudos e Urgência

Como identificar os casos graves?

Capacidade técnica para atender as urgências que estão chegando com freqüência aos centros de saúde.

Problemas e necessidades de

Crianças e adolescentes

Violência física, dificuldade escolar

Abandono, drogadição, alcoolismo e desnutrição

Como trabalhar considerando a realidade do adolescente e promovendo sua interação com a unidade de saúde?

Gravidez na adolescência, DST/Aids, métodos anticoncepcionais / planejamento familiar (com enfoque no sujeito e não na norma)

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Adultos

Sexualidade e relações de casais

Capacitação técnica na Clínica

Prevenção de CA (colo de útero e próstata) – técnicas de rastreamento/diagnóstico/técnica de toque retal e tratamentos

Assistência ao paciente com tuberculose e com hanseníase – responsabilização do médico, tratamento das reações na hanseníase

Abordagens adequadas e resolutivas aos pacientes com hipertensão e com diabetes

Obesidade e sobrepeso – como tratar e como prevenir – noções de nutrição

Como tratar e prevenir drogadição, alcoolismo e tabagismo

Maiores de 45 anos e idosos

Como trabalhar com o idoso fragilizado?

Como trabalhar com o idoso sozinho, especialmente nas áreas de baixo risco?

Integralidade, abandono, adesão aos tratamentos, prevenção de agravos

saúde da população

Saúde mental / Psicossocial

Atendimento, assistência aos usuários deprimidos, os ‘neuróticos leves’, as pessoas que estão sofrendo devido à violência.

Como lidar com violência?....

Como lidar com problemas sociais – desemprego, infelicidade (A freqüentação ao CS é sempre das mesmas pessoas)

Métodos e técnicas de grupos de auto-ajuda para aos pacientes com hipertensão, diabetes e psiquiátricos

Como trabalhar a auto-estima da população, motivação, ludoterapia

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Cuidados paliativos / Crônicos / desospitalizados

Protocolos de atendimento para acamados

Como se relacionar com os cuidadores e treiná-los para o cuidado?

Como fazer cuidados paliativos?

Cuidados com pacientes crônicos desospitalizados: Ostomia, sonda nasogástrica

Problemas e necessidades de saúde da população

Práticas alternativas Como lidar com as práticas alternativas e o conhecimento popular?r

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5.1. BASES TEÓRICAS E CONCEITUAIS

5.1.1. Vínculo, Acolhimento, Integralidade, Responsabilização

Os discursos dos participantes dos Grupos Focais revelam que uma das maiores

dificuldades na atenção básica tem sido construir o vínculo, o acolhimento e a

responsabilização com vistas à integralidade nas práticas em saúde. Fica evidenciada a

necessidade de desenvolver habilidades que favoreçam a construção de um espaço

dialógico ao expressarem a dificuldade que têm tanto para ouvir quanto para se

comunicarem com o outro.

“Às vezes a gente não está preparado mesmo pra ouvir. E o falar. Porque o falar, às vezes a gente no falar a gente ofende, ou a gente demonstra falta de atenção... Então eu achei muito bacana quando a gente teve esse momento com essa fonoaudióloga e ela colocou essa questão da comunicação, né?” (GF Nível médio).

Verificou-se que, principalmente os Médicos e Odontólogos, apresentam maior

dificuldade em trabalhar com as tecnologias leves para criar e fortalecer o vínculo e a

responsabilização com a população. Os participantes atribuíram esta dificuldade ao

processo de formação orientado pelo modelo biomédico com valorização dos

atendimentos através de consulta e medicalização.

Os participantes expressaram a necessidade de conhecer e trabalhar os problemas de

saúde da população construindo o acolhimento de forma adequada e resolutiva.

“Eu acho que a questão do vínculo também é porque o médico ele é mais formado pra curar a doença e não tratar a doença. Então a formação dele é de cura. É só da questão, é medicamentosa mesmo. Então esquece das outras coisas que são importantes. A questão sócio-econômica do usuário. Por que o usuário não está aderindo? É bom é buscar a causa, né? Por que o usuário não vai aderir? De que forma a gente pode levar o usuário a aderir? De que mecanismo a gente vai estar utilizando para que ele adere? E de que forma a gente vai conseguir que ele consiga entender a importância disso?” (GF enfermeiro).

“E a questão do vínculo, eu acho que eles não sentem responsável pela unidade. Eles não têm esse compromisso com a unidade. Eu acho que é falta deles mesmo, eu acho que são formados pra ficar dentro do consultório, pelo menos

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essa... às vezes a gente convida pro grupo e assim, eles tem maior dificuldade em lidar com um grande número de pessoas junto. Pelo menos a nossa realidade lá” (GF enfermeiro).

Assim, apesar das dificuldades de superação do modelo biomédico, os participantes

mostraram ter clareza de que a “boa prática” dos profissionais de saúde deve ser

pautada na valorização das tecnologias leves e na realidade na qual a população está

inserida.

Um outro aspecto também apontado pelos participantes dos Grupos focais foi a

dificuldade de, nos encontros com os usuários, lidar com os diferentes sofrimentos por

eles apresentados, principalmente quando não se referem a sofrimentos de ordem

biológica.

Os discursos evidenciam uma compreensão de uma equipe ampliada de saúde e,

portanto, a necessidade de envolvimento e capacitação de todos os profissionais da

Unidade para o uso das tecnologias leves, independente de terem uma formação na

área de saúde. Essa necessidade é identificada pelos participantes, devido a

diversidade da população que busca atendimento nas UBS.

“Nós estamos precisando desses cursos, é um curso de capacitação para os profissionais, menos gerentes que já são gente formadas, é pra enfermeiras, para os porteiros, para todos aquele que militam dentro de um posto de saúde, eles precisam ter um curso de capacitação para lidar com o povo. O povo é difícil de lidar com ele” (GF usuário).

“Nos postos de saúde, a porta de entrada, ela tem que ter um profissional competente ali, porque até um não bem falado ele é muito bem recebido. Então é preciso que a gente seja um profissional competente. E como que vai fazer um profissional competente? Ele fazendo um curso de relações humanas, né?” (GF usuário).

Aparece, também, nos discursos dos participantes a desarticulação entre os diferentes

níveis de assistência como uma condição que tem limitado a integralidade das ações

em saúde.

Então eu acho que falta isso também, essa parceria de estar mandando, do

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pessoal... às vezes o pessoal fala : o hospital mandou você fazer isso. E não tem uma comunicação. Olha, eu estou enviando o paciente pra o domicílio como é que vocês podem estar me ajudando, essa parceria, sabe? Está em falta. Não existe isso. (GF enfermeiro)

5.1.2. Mudança de paradigma pelos usuários

Os participantes dos Grupos focais revelaram que o atendimento às necessidades de

saúde da população passa por uma mudança no paradigma dos usuários e nas

representações que estes fazem do serviço de saúde. Nessa compreensão, aparecem

falas que remetem à necessidade de esclarecer a população para utilização, de acordo

com a sua necessidade de saúde, dos recursos disponíveis.

Evidencia-se uma busca constante dos usuários pelas ações curativas e a dificuldade

dos profissionais de sensibiliza-los para as ações de promoção. Uma das dificuldades

apresentadas pela equipe para modificar a oferta dos serviços diz respeito ao tempo

reduzido para implementa-la. Provavelmente em conseqüência demanda por ações

curativas já bem sedimentadas.

“A questão da promoção da saúde tem me preocupado, eu acho que é..., de que maneira nós podemos mobilizar também essa comunidade pra aceitar, ter maior aceitação, porque eu acho que também têm cobrado muito da gente a questão da recuperação e é algo do ponto de vista cultural. Uma das questões culturais é o querer o cuidado médico mas sempre do ponto de vista mesmo do curativo, então a dificuldade da gente trabalhar isso no dia-a-dia, das pessoas até aceitarem as ações de promoção e ao mesmo tempo a gente ter tempo e conseguir implementá-lo” (GF enfermeiro).

“A maior dificuldade é a população. Mais do que os profissionais. educar a população a questão da população entender o que é a proposta, da população entender como que funciona, foi divulgado o PSF: “médico vai na casa de todo mundo” (GF médico).

“a questão da própria população mesmo entender o novo modelo assistencial” (GF médico).

24

Os discursos revelam que, apesar dos pressupostos da Estratégia de Saúde da

Família, não tem se modificado na população a crença no atendimento médico

individualizado e curativo em detrimento das ações de promoção à saúde. Esta crença

acaba sobrecarregando os profissionais e influenciando a forma de organização das

práticas e dos serviços.

“E na cultura nossa o fim do paciente é passar pelo médico. Às vezes ele está com uma queixa que nós podemos atender, ou que o enfermeiro pode atender mas ele quer ser atendido pelo médico. E agora o médico, ele tem que atender, 50, 90, mas ele não pode mandar o usuário voltar” (GF nível médio).

“Porque o usuário, ele sai do centro de saúde o primeiro lugar que ele vai, se ele recebeu um não, você mandou ele esperar, ele sai de lá, ele vai direto na Secretaria, reclamar de você. E ali é o pessoal que já tem um nível melhor, eles vão mesmo e reclamam de você mesmo. Entendeu? Então hoje em dia nós sofremos uma pressão enorme porque nós temos, nós não temos quantidade pra poder atender. Você sai acabado porque você atende muito porque você não pode negar. Não importa o horário. A cultura do brasileiro ainda não mudou. O PSF eu acho que ele veio pra uma mudança na cultura em relação a assistencialismo. Hoje em dia o centro de saúde ele não está servindo pra prevenção. Ele está servindo pra ser paternalista” (GF nível médio).

Fica revelada nos discursos a posição paternalista dos profissionais e dos serviços de

saúde em resolver todas as demandas da população. Isso reflete uma relação de

dependência dos usuários pelos profissionais seja por questões de saúde ou por

questões de ordem estrutural. Uma situação que é acentuada pela dificuldade em

dialogar com o usuário levando-o à compreensão de que a sua demanda poderá ser

atendida em outro momento sem comprometimentos e que, nem sempre, será sanada

através de uma consulta médica. Ao mesmo tempo, não se visualiza a construção da

co-responsabilização nas ações em saúde.

“Eu acho que a minha grande queixa é como construir junto com o usuário a questão de responsabilidade, deveres. Questão que eu já tinha colocado, como construir essa cidadania.(...) se a gente for analisar a nossa história a gente vai ter toda uma história de dependência do outro e a gente afirma isso muito hoje a questão que a gente muito é pai, né? Eu acho que às vezes a gente muito é... Eu acho que é uma sobrecarga pra gente a questão do paternalismo, querer resolver tudo” (GF enfermeiro).

“(...) tem o principalmente a questão da mobilização, a gente conseguir fazer com que a família enfrente seus problemas de uma maneira menos paternalista,

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menos dependente do serviço” (GF enfermeiro).

“Eu acho que a gente podia a aprender... aprender... de aprender a passar essa responsabilidade pra quem é de direito. Porque... igual ela falou, a gente está sendo muito paternalista porque a gente não pode falar não. O paciente chega a hora que ele quer, ele quer e pronto acabou, ele exige e nós não temos recursos, digamos assim, verbais mesmo pra conversar com esse paciente e explicar pra ele que aquela necessidade dele ele pode esperar até amanhã ou até o dia de acolhimento da equipe dele. Então eu acho que falta muito isso, falta a gente saber ouvir, aprender a saber ouvir o paciente e ter uma resposta pra dar a ele sem ser necessariamente a consulta médica naquele dia, naquela hora marcada” (GF nível médio).

Foi explicitado pelos participantes um imediatismo do usuário na resolução do seu

problema e uma responsabilização direta do profissional de saúde. Fica aqui reafirmada

a ausência de co-responsabilização e da relação paternalista muitas vezes referida

pelos profissionais.

“E essa ânsia do povo também e outra coisa a gente tem um usuário que ele é imediatista, ele quer solução pro seu problema, seja qual for, e você às vezes é culpado de não dar resposta, né?” (GF enfermeiro).

“Por exemplo se o usuário foi reclamar é sempre o usuário que tem razão” (GF enfermeiro).

5.1.3. Mudança de paradigma pelos profissionais: implicação no modelo

Os discursos são reveladores de uma necessidade de mudança pelos profissionais de

saúde quanto ao paradigma na atenção à saúde, implicando revisitar conceitos e

posturas. Os participantes revelam que a mudança deve se processar a partir de

conceitos e referenciais filosóficos para superar o foco da atenção centrada nas ações

curativas e na consulta médica. Se por um lado tem sido buscado pela população, por

outro lado é o que os profissionais tem conseguido realizar por não terem, ainda,

reconstruído a sua prática.

“Eu vejo uma dificuldade muito grande nessa relação com o usuário, daquela mudança, daquela postura de ficar ali dentro do consultório o tempo todo, sem conseguir sair desse atendimento e sempre achando que não tem tempo, que não pode sair, que não dá conta. E você vê que isso é possível porque alguns profissionais que conseguiram fazer isso , você vê que começa a ter uma

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mudança daquelas pessoas, quando que elas procuram a unidade ou não. Então eu acho que nós ainda temos essa questão, essa mudança daquele atendimento que a gente tinha, de dentro de consultório, de ficha, isso a gente ainda não conseguiu avançar muito.” (GF gestor)

“Eu acho que o curso de capacitação, ele tem que ir para um outro lado que não mais essa questão muito científica, técnica das coisas. Eu acho que é a questão filosófica mesmo, eu acho que mudança de postura. A gente fala de responsabilização, a gente fala de vinculação, e o quê que significa isso até para o profissional?” (GF gestor)

A predominância do modelo médico-centrado apresenta uma realidade de insuficiência

de recursos humanos quando, na verdade, deveria ser feita uma discussão acerca do

processo de trabalho e do tipo de assistência oferecida.

“(...) Nós abrimos a porta das unidades mais ainda, hoje nós não temos limite de atendimento, e houve um aumento muito grande. Então, o quê que as pessoas querem? Continuam querendo consulta médica. Continua o médico centrado. Então nós temos que ter mais profissional, mais médico. É mais auxiliar, é mais enfermeiro. A gente trabalhava na unidade de saúde com dois enfermeiros de 20 horas e um clínico, um pediatra e um ginecologista. Hoje você tem unidades que têm cinco equipes com generalista, tem médicos de apoio e tem cinco enfermeiros e não dão conta da demanda. Alguma coisa está errada nesse processo. Então eu acho que nós temos que discutir isso: processo de trabalho.” (GF gestor)

Além da modificação das práticas, os participantes evidenciam a necessidade de

modificar o seu pensar e agir sem saúde buscando inclusão do usuário como ativo e

determinante no processo.

“(...) na minha prática do dia a dia é que falta uma coisa de dentro pra fora. Mudar um paradigma, um conceito, principalmente com relação o usuário. Eles ainda consideram o usuário, usuário mesmo, tipo assim: “Não quero discutir com esse cara! Não, a gente que vai discutir o quê que a gente vai fazer. Eles têm que adaptar ao nosso sistema.. Nós temos que ter uma norma, uma rotina e tal.” (GF gestor)

Ao mesmo tempo, os participantes dos Grupos focais, especialmente os gestores,

analisam a inexistência de uma definição e avaliação de critérios de perfil profissional

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para atuação na atenção básica, o que pode ser um dos dificultadores para a

implicação no modelo e mudança na forma de atendimento.

“assusto um pouco com o PSF, que eu vejo que os profissionais não têm nenhum perfil pra estar ali, não têm nenhum prazer de estar ali, eles estão porque era um ginecologista que passou a ser generalista e se adaptou por causa do salário e tem que trabalhar, ele está ali mas acaba atendendo só ginecologia, não têm o prazer de estar ali, então é isso tudo que eu questiono”.(GF equipe de apoio)

“eu acho que ele tem que ter uma avaliação prévia sim, eles têm que ter uma avaliação prévia do perfil. “Qual que é o perfil do profissional que você quer pra trabalhar esse projeto?” Porque senão, o que você tem nas equipes de PSF hoje, é o quê? São equipes que foram desmanteladas, da época que foram formadas, porque os profissionais não deram conta, não tinham o perfil pra entrar com aquilo.” (GF gestor)

“Então tem uns que não tem perfil, eu te falo que não tem perfil. Não tem perfil pra ir fazer um grupo. Não sabe abordar, não sabe acolher, eles acham que acolhimento é só aquele horário mais preciso, não tem que acolher o dia inteiro. Então, quer dizer, uma criança passou mal, eles acham, não, só volta amanhã. Não tem uma avaliação bem detalhado. Então essa aderência a gente questiona” (GF enfermeiro).

5.2. ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE: METODOLOGIAS

E TECNOLOGIAS

5.2.1. Planejamento local

Os participantes dos Grupos focais expressaram de forma bastante enfática a

necessidade de construir dados e indicadores para subsidiar a ação localmente,

incluindo-se a compreensão da dinâmica da população no território. Entre esses dados

e indicadores são apontadas a utilização de instrumentos de planejamento e avaliação

sistemática das ações da equipe e o impacto dessas ações na comunidade.

“(...) trabalhar com indicadores, principalmente saber usar os indicadores, como planejar, porque eu acho que é uma coisa que a gente não sabe fazer muito bem. (...) A gente saber que ferramentas que a gente podia usar como um sistema de avaliação, pra gente estar avaliando o serviço da gente.” (GF gestor).

“Agora, outra coisa que falta também, que eu acho também é a questão do planejamento das ações. Para você trabalhar. Eu acho principal. Como planejar

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as ações, baseado em quê? Se apoderar dos indicadores” (GF enfermeiro).

“Eu acho que aí falta a questão de como trabalhar essas metas e como chegar a essas metas. De que mecanismo a gente vai usar com todo mundo que chegar na unidade?” (GF enfermeiro).

O planejamento pactuado com a população aparece nos discursos como uma questão

a ser trabalhada como um instrumento de planejamento local. Da mesma forma, o

conhecimento das especificidades locais da população deve ser considerado como

estratégias de planejamento, especialmente nas áreas consideradas de baixo risco.

“(...)uma das primeiras coisas que eu gostaria de fazer é aperfeiçoar cada vez mais a condição de estabelecer ou de melhorar um diagnóstico que eu tenho da minha área de abrangência mesmo, com apoio dos que trabalham diretamente com pesquisa em que a gente pudesse ter uma condição de fazer pesquisa de uma forma mais ágil. pudéssemos aperfeiçoar cada vez mais o diagnóstico mais preciso da nossa área de abrangência.” (GF médico).

“Eu acho que a gente ainda não conseguiu avançar, da equipe estar planejando essas ações e de estar estabelecendo, inclusive, estar pactuando esse planejamento, inclusive, com os usuários da sua responsabilidade.” (GF gestor).

“Eu acho uma coisa muito importante, que os profissionais conheçam a população de sua área, a realidade social daquela área. Quais são as dificuldades que aquela comunidade tem, quais são os seus anseios, o problema da violência, de quê que aquela população vive, qual que é o tipo de trabalho que aquela população faz, como que é aquela realidade. Porque, na verdade, o gerente, ele conhece. Ele conhece a área de abrangência como um todo, ele conhece a realidade. Agora, nós temos dentro de uma área de abrangência de uma unidade de saúde, você tem realidades diferentes. Realidades às vezes de médio risco, risco elevado. Aí quando você vê o profissional falar: “Ah, minha área é muito difícil mesmo, porque é um risco muito elevado.” Mas será que ele conhece o quê que tem ali dentro daquele risco muito elevado? Ele já sentou ali com aquele povo pra sentir mais de perto?” (GF gestor).

Surgiu também nos discursos a necessidade de que, tendo como referência as

especificidades locais da população, fossem adotadas estratégias que propiciassem

também a integração social dos usuários, tais como grupos de caminhada, aulas de

bordado, dentre outras.

Aparece nos discursos a possibilidade de sistematização do acolhimento como

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estratégia para reduzir os atendimentos de urgência nas Unidades Básicas de Saúde.

Essa sistematização implica um processo de decisão coletiva entre os diferentes

profissionais contribuindo para a redução do trabalho sem uma reflexão acerca de sua

finalidade.

“E a questão do nosso acolhimento, eu faço análise hoje é do acolhimento. Eu montei um caderno, com o nome do usuário, endereço, data de nascimento e tudo. E quais são as queixas do acolhimento pra gente trabalhar em cima dessa demanda que está chegando espontânea. Hoje, assim, o meu acolhimento que era de 30, hoje ele, tem dia que eu atendo 3 pessoas no acolhimento sem ser agudo. Urgência... eu só atendo urgência obstetra hoje, trabalho de parto que a gente encaminha. Então assim, mês janeiro agora... eu não atendi nenhuma urgência esse ano. Nem eu nem o médico da minha equipe. Nenhuma urgência. Nenhuma. Então a gente vai fazendo essa análise também junto com o agente comunitário”(GF enfermeiro).

Apesar da sistematização do acolhimento com resultados exitosos, os discursos são

marcados por uma prática “tarefeira”, sem uma prévia reflexão acerca de sua finalidade

como parte de um processo de construção coletiva do qual deve fazer parte

trabalhadores e usuários.

“uma das grandes questões que nós temos hoje é que a gente começa a partir pra fazeção sem que a gente conheça bem o quê que é que a gente vai fazer. (...) Então, nós teríamos que ter muito bem consensuado um projeto para que a hora que a gente fosse implantar esse projeto nós tivéssemos êxito desde a concepção do projeto, envolvendo todos os trabalhadores e usuários.” (GF gestor).

Outro aspecto que ficou evidenciado no discurso dos participantes e que tem uma

implicação direta no planejamento, foi a procura de assistência por indivíduos

residentes em outras localidades. Os participantes relataram que os não-residentes só

buscam pelo atendimento nos casos de adoecimento e, frente à necessidade, os

profissionais sentem dificuldades em estabelecer limites para a atenção.

5.2.2. Escuta qualificada e o lugar do outro na relação terapêutica

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Entre as tecnologias para a organização do processo de trabalho os participantes dos

Grupos focais expressam a necessidade de se adotar a escuta qualifica como

instrumento para atender de forma resolutiva as necessidades de saúde da população.

“(...) Não... e a escutar. Muitas vezes a gente sabe escutar. Você escuta o que a pessoa fala, mas ce não ouviu nada porque ce não tem recurso pra responder! Você não consegue dialogar com a pessoa. A pessoa às vezes ela desgosta porque ela fala e às vezes isso é não saber ouvir. Muitas vezes a gente decide pela impossibilidade de atender, você decide para o paciente. Tipo assim, ah, eu preciso de uma consulta. Você fala não, vira as costas e pronto. Ele acaba indo embora porque... né? Vamos supor que você não tem como atender, você dá sua resposta e acabou. E não ouve o paciente. Isso acontece muito no meu posto. Acontece demais” (GF nível médio).

A análise desse discurso sinaliza que existe uma dificuldade do profissional na escuta

das necessidades de saúde, mas também de dar voz ao usuário na construção de uma

atenção à saúde de forma democrática. Nessa construção, deve-se considerar a

demanda como uma expressão do sofrimento do usuário para a organização da

assistência e das práticas em saúde na perspectiva da integralidade. Ao mesmo tempo,

os participantes dos Grupos focais expressam a subjetividade como uma premissa na

relação com o usuário e na construção de espaços dialógicos no cotidiano dos serviços.

“a gente acha pra atender as necessidades da saúde da população eu coloco aqui que a gente tem que entender muito as peculiaridades dessa família que a gente está atendendo. Porque a gente se pega às vezes em situações assim, inadmissíveis. Igual a gente estava acompanhando uma paciente com uma ferida crônica e tal, a gente começou a utilizar alternativas complementares pra tentar solucionar, fechar a ferida, a gente estava quase conseguindo e descobrimos que ela estava cutucando a ferida. Ela não queria, ela não queria... a gente queria enquanto profissional, mas ela enquanto paciente ela não queria que a ferida cicatrizasse. Então a gente se depara, isso é um exemplo do que a gente vive. É aquela família que todo ano a mãe tem um filho, mas você vai abordar com ela a ligadura ela não quer. Então assim, na minha visão, a gente discute isso sempre na reunião de equipe, é muito pouco a equipe trabalhar sozinha”. (GF enfermeiro)

“Agora a questão do curso, o que realmente falta mesmo nos postos de saúde, talvez não seja nem os profissionais, é tudo isso que nós falamos, que acabaram de falar, é realmente uma forma de humanizar a pessoa que está servindo, eu posso chegar lá: eu tive um problema na minha casa, que eu saí à procura de uma pessoa que pode me aliviar aquela aflição. Às vezes eu não estou sentindo nada, ao mesmo tempo estou sentindo um monte de dor, então você vai ali naquele posto de saúde é mais ou menos só pra (respiração). Se você chega lá

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e o médico te dá atenção, num instantinho resolve, às vezes nem o remédio, né, não vai te dar tanto alívio” (GF usuário).

Nesse fragmento pode-se evidenciar a demanda de uma atenção para além da cura do

corpo biológico, reforçando a necessidade da adoção das diferentes tecnologias e o

trabalho coletivo para uma apreensão aproximada das reais necessidades de saúde da

população. Muitas vezes, a busca pela cura vem encobrindo a necessidade do usuário

de criar e fortalecer vínculos com os profissionais.

Mesmo sabendo que nem todos os problemas que chegam aos profissionais são

passíveis de ser solucionados por serem, muitas vezes, de ordem estrutural, os

usuários acreditam na importância do profissional saber lidar com este tipo de

sofrimento com a clareza de que ele ultrapassa a sua capacidade de resolução.

“A pessoa [profissional] tem que aprender a lidar com o sofrimento do necessitado, do pobre, porque a criança que está lá, que nasceu que não tem o que comer, ele não vai poder resolver esse problema porque é dos governantes.” (GF usuário)

5.2.3. Trabalho em equipe

O trabalho da equipe de saúde expresso pelos participantes dos Grupos focais mostra-

se permeado de limites na definição de papéis das diferentes profissões e na interação

dos saberes na equipe. Fica revelada, nos discursos, a lógica do modelo médico-

centrado, biologicista, dificultando, na implementação da Estratégia de Saúde da

Família.

No que se refere aos Odontólogos, uma das justificativas apresentadas é a ausência do

curso de capacitação para estes profissionais.

“eu tenho dificuldade no centro de saúde de trabalhar com os outros profissionais, de outras áreas, a gente não consegue se entrosar, a odontologia sempre foi meio que acusada de ficar assim, de não se misturar e a gente não consegue romper essa barreira. Como trabalhar com a equipe multidisciplinar, como realmente trabalhar, não só fazer uma reunião e encontrar. Eu quero fazer alguma coisa que realmente dê resultado. (...) Então que equipe de família é

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essa que o dentista não participa? Então ainda está muito voltado pro médico...” (GF equipe de apoio)

Fica evidenciado que os profissionais Médico e Odontólogos possuem um processo de

trabalho que dificulta o compartilhamento dos saberes e fazeres, limitando a amplitude

das ações junto aos usuários.

“(...) A odontologia eu acompanhei quando ela entrou no PSF, e a gente tem a maior parte dos profissionais de odontologia trabalhando sobre outra lógica que não é a do PSF. Eu acho que não existe, igual tem o curso pro médico, pro enfermeiro, não tem previsão disso pra odontologia, ou ainda não teve. A questão do médico de apoio também. Muitas vezes você tem um médico ali trabalhando sobre outra lógica, não entende o programa. A mesma coisa a odontologia. Então eu acho que a atenção da gente também tem que ser mais ampla, não centrar só ali, a equipe como sendo só o médico e o enfermeiro“ (GF gestor)

Os participantes revelam que as dificuldades para o trabalho não se limitam ao espaço

da sua equipe, mas também no espaço de intercessão das diferentes equipes.

“a questão do trabalho em equipe, eu acho sério porque aí a gente está pensando em equipe de saúde da família e equipe de UBS, de Unidade básica, porque são duas coisas. “Eu trabalho em equipe na minha equipe, mas e essa UBS, que tem cinco equipes, como é que é isso? Isso aí é tudo furado”, na minha visão.” (GF gestor)

Apesar das dificuldades expressas para o trabalho em equipe, é possível reconhecer,

nos discursos dos participantes dos Grupos focais, a potencialidade e a valorização das

diferentes profissões e o compartilhamento do saber como uma estratégia de

superação do cuidado centrado nas ações médicas.

“Então eu acho que uma equipe básica tinha que ter esses profissionais, psicólogo, fisioterapeuta. pra ter, pelo menos com vários saberes construir um saber de abordagem. É a porta aberta é tudo centrado no médico” (GF médico).

“Enfermeiro eu já vejo mais abertura, mas não teve a oportunidade da prática. Então o enfermeiro, às vezes quer entrar junto com o outro, tanto que, nós já trabalhamos juntas e eu já vi essa disponibilidade, um ajudando o outro a superar. Lá no centro de saúde eu já vi essa abertura, de um chamar ‘olha, eu vou atender ginecologia, vamos entrar comigo, você faz eu te ajudo e você vai...

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eu vou te ajudando’. No caso da prevenção. Então eu acho que tem uma parceria maior” (GF enfermeiro).

Os participantes, especialmente os médicos acreditam que existe uma necessidade de

capacitação para desenvolver atividades gerenciais. Eles afirmam que estas atividades

são atribuídas sem levar em consideração o preparo ou o perfil para tal.

“Poderia chamar isso de gestão de pessoas. Eu acho que a gente tinha que fazer um curso de administração. Gerenciar a equipe. O médico no final está gerenciando equipe. (...) a gente acaba numa função de gerência que a gente não tem perfil, que a gente não aprende na faculdade, porque quem não tem – porque tem pessoas que nascem com o dom pra isso, quem não nasce, leva paulada” (GF médico).

De forma diferente, os enfermeiros revelam em seu discurso que eles têm

desempenhado o papel de coordenadores das equipes sem que esta atividade tem sido

delegada formalmente, evidenciando as diferenças presentes no processo de formação.

Os discursos também revelaram a importância de se realizar grupos de vivência entre

os profissionais das equipes para que eles compartilhem as suas experiências. Esta

estratégia é vista como uma possibilidade de, a partir das diferentes experiências,

transcender a quotidianeidade dos serviços de saúde construindo uma nova realidade.

5.2.4. Intersetorialidade

Os participantes dos Grupos focais revelam dificuldades para estruturar as referências

e contra-referências intersetoriais no atendimento às necessidades de saúde da

população.

“eu acredito que ajudaria muito no PSF é envolvimento de diversos setores. Isso a gente não tem. Entendeu? (...) Então assim, eu acho que essas peculiaridades que envolvem a família, que são envolvidos na questão da família, educação, cultura, lazer, trabalho, isso é muito importante e a gente tem que considerar. E no PSF é difícil a gente considerar isso só com o lado saúde, eu acho que tem que ter envolvimento de outros setores, assistente social, educação, o lado

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educacional, senão você não consegue ir muito longe” (GF enfermeiro)

“Qual que é o papel da saúde porque nós da saúde estamos assumindo a vida das pessoas... a saúde vai assumindo muita coisa e assumindo como? Em que condições? Então, a gente discute muito a questão da intersetorialidade... isso é efetivo? É possível? Depende de quê? Porque é só reunir instituições em torno de um caso? Isso é intersetorialidade? Como se efetiva isso?” (GF equipe de apoio)

As dificuldades relatadas pelos participantes referem-se ao enfrentamento de

problemas estruturais e complexos como a desigualdade social, o desemprego, a falta

de moradia, fome, falta de lazer. Eles reconhecem que essas questões são

determinantes do processo de adoecimento e de recuperação e cura da população,

necessitando pois de maior investimento e de ampliação das relações intersetoriais

para garantir a resolutividade das ações do Programa de Saúde da Família.

“Agora como fazer para resolve-los sabe? (...) uma casa com 10 pessoas, duas trabalham e não dá pra..., toma medicação que às vezes tem que ser comprada, não tem o que comer em casa, isso a gente ouve falas pesadas dentro do centro de saúde, são..., é..., dividir lá a casa em quartinho, banheiro comunitário, com certas pessoas que às vezes não têm o que comer em casa, isso já foram várias pessoas falaram com a gente, olha não tem o que comer. Agora como é que você resolve uma questão dessa no PSF?” (GF enfermeiro)

“Eu vejo que a visita domiciliar, visita domiciliar é muito fácil, será que é fácil assim, será que a questão de olhar esgoto, olhar que não tem uma torneira pra lavar a mão, de procurar pontos que podem levar a pessoa a adoecer. Como é que fica isso? Como é que o profissional vai abordar isso? O profissional está preparado?” (GF enfermeiro)

Os participantes reconhecem que a parceria do setor saúde com o setor educação tem

sido a experiência mais produtiva na construção da intersetorialidade, especialmente

nos aspectos referentes ao trabalho com os adolescentes. Afirmam que com os outros

setores as relações são bastante dificultadas.

“As dificuldades estão nos setores. Que a gente não tem, por exemplo, se eu procuro a escola, por mais que assim, eu não posso nem falar mal da escola estadual que fica em frente lá ao centro de saúde porque a gente tem uma parceria boa com ela. Principalmente a questão do adolescente. Mas se foge do adolescente aí já começam as dificuldades” (GF enfermeiro)

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As questões relativas à violência aparecem no discurso como uma situação que

interfere desde a organização das ações até como um determinante do adoecimento, o

que reforça a importância de uma ações intersetoriais.

Outra coisa que eu vejo, é questão de visita domiciliar quando você coloca, eu trabalho num bairro que há tráfico de drogas, num bairro que tem tiroteios. Então certos lugares a própria população porque eu gosto também de andar e... a própria população fala comigo assim: ‘Não vai esse horário. Porque esse horário..., está tendo tiroteio’. Entendeu? Aí o profissional tem medo (GF enfermeiro)

“as pessoas que estão sofrendo por causa da violência, por causa do uso de drogas do filho, essas pessoas como é..., vulgarmente alguns profissionais chamam de as mulheres tristes, que eu acho que isso é um termo muito pejorativo, muito desrespeitoso, mas a gente escuta isso também, que são as pessoas que estão sofrendo com a violência, com vários fatores e que vão ao centro de saúde, mas eles não encontram respostas, ele não são priorizados” (GF apoio).

Os participantes revelam ainda, limites na atuação profissional ao lidar com a

dependência da população de benefícios que são concedidos pelo Estado como as

demandas de licença médica, aposentadoria, os programas sociais, etc., reforçando a

necessidade de se estruturar as relações intersetoriais com os órgãos de assistência

social.

“agora que eu estou trabalhando com adulto, a quantidade de adulto jovem procurando pra conseguir a aposentadoria e licença médica pelo INSS. Como que as pessoas querem cada vez aposentar mais cedo e tirar um partido. Por que?” (GF médicos).

“do adulto, adulto jovem que é em grande quantidade que procura o centro de saúde pra um INSS afastar.” (GF médicos).

5.2.5. Educação em saúde

Os participantes dos Grupos focais revelam a valorização da educação em saúde como

um pressuposto na Estratégia de Saúde da Família, entretanto manifestam dificuldades

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em implementar essas ações o que implica necessidade de instrumentalização para o

trabalho com grupos.

“(...) técnica de trabalho em grupo. Já que a gente quer falar a língua deles, eu acho que a gente tem que ser capacitação pra isso. Que técnicas? – Por exemplo, dinâmicas, técnicas de dinâmicas. Existem várias técnicas de dinâmicas que a enfermagem conhece até algumas, que ela tem no curso, que eu nunca ouvi falar” (GF médico)

“Então às vezes isso tem dificuldade, eu acho que a abordagem seria um dos tópicos aí pra gente, Como abordar? Como direcionar... como... dessa abordagem a gente saber, criar uma oportunidade pra esse usuário. Porque às vezes você está com o usuário ali e você não consegue que ele integre no grupo. Ele vai, sabe as coisas, mas ele não está realizando. Então eu acho que aí a equipe, às vezes não está conseguindo. Eu acho que em tópico também, trabalhar em equipe?” (GF enfermeiro)

“Eu acho que esse é um grande avanço, que consta do nosso projeto e que nós temos que estar implementando. Acho que daí nós vamos ter uma mudança na qualificação do projeto e também da nossa postura enquanto técnico. Porque nós falamos muito em educação e saúde, mas eu também acho que nós precisamos aprofundar o quê que é educação e saúde, tanto pra nós quanto para os usuários do sistema. O quê que significa educação e saúde. Porque nós sabemos muito bem, eu acho, lidar....” (GF gestor)

É possível reconhecer nos discursos, a necessidade de se organizar coletivamente as

ações voltadas para os grupos operativos e a construção de indicadores para se avaliar

o impacto dessas ações sobre a saúde da população.

“Hoje eu vejo que às vezes os profissionais, eles têm uma dificuldade do trabalho em equipe. Trabalho em equipe que eu digo assim, é organizar trabalho mesmo – grupo de diabéticos, grupo de hipertenso. Eu acho que de certa forma, os profissionais, cada um tem uma visão, e a gente está definindo algumas coisas, o grupo tem que ter um início, tem que ter um meio e tem que ter um fim. Senão ficam aqueles grupos enormes e que eles não têm um fim. Então vêm sempre as mesmas pessoas e acaba ficando um grupo mais terapêutico do que um grupo de orientação. (...) como trabalhar os grupos operativos? Porque a gente fala muito do grupo operativo, mas cada um tem a sua visão para o grupo operativo, tem a sua didática para o grupo operativo e eu ainda não vi isso trabalhado conceitualmente na Secretaria e na Prefeitura, de um modo geral. Acho que as equipes têm um pouco de dificuldade com os grupos operativos, acho que isso seria uma das coisas.” (GF gestor)

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Ressalta-se que um trabalho efetivo com grupos se dá na superação do modelo

tradicional de orientações e palestras buscando a educação em saúde através da

construção do conhecimento e práticas saudáveis.

“ninguém ensinou pra gente como se trabalhar em grupo. O que acontece é que a gente quase que coage as pessoas a estar participando... você tem que participar. E aí as pessoas chegam e você dá um monte de informações e que eu acho que não tem quase nenhum efeito porque os problemas estão aí e as pessoas continuam chegando com crises de hipertensão, as pessoas continuam chegando com a glicose lá nas alturas, as adolescentes continuam engravidando, então assim, não tem efeito esses grupos que são implantados.” (GF nível médio)

“pra que você faz grupo?, hoje eu vejo que grupo é feito assim... olha, um amontoado de pessoas que eles chamam esse trabalho, de grupo operativo... Porque se eu estou num grupo, ele já sai com uma receitinha, já olho a pressão dele, já olho a glicose, aí ele não precisa ir cedo pro acolhimento, então é..., mas ele está satisfeito? Está tendo impacto na saúde dele? Ele está feliz também? Você está promovendo saúde? Ou você está cumprindo tarefa, cumprindo programa, etapas de um programa? Porque a gente sai da faculdade a gente não sabe fazer grupo, a gente não sabe fazer abordagem...” (GF equipe de apoio)

5.2.6. Protocolos

Os participantes dos Grupos focais, especialmente os enfermeiros, revelam os limites

de atuação impostos pelos protocolos assistenciais que têm se focado nas ações

biomédicas e dão pouca abertura para a expressão dos saberes de outros profissionais.

Um exemplo citado nos discursos diz respeito ao Protocolo de Atenção à Saúde da

Mulher que estabelece um limite das ações aquém da capacidade técnica do

profissional no atendimento às necessidades de saúde da mulher.

“Nós temos lá no centro de saúde, enfermeiras que são obstetra, que acompanha a gestante durante todo o tempo e às vezes não pode pedir exames complementares, que não está, no protocolo da prefeitura não está bem colocado. Então eu faço prevenção e me colocaram que eu só posso fazer prevenção quando o médico não estiver. Eu faço esse exame, mas eu não posso tratar com uma nistatina” (GF enfermeiro).

“o enfermeiro não está entrando pro atendimento da mulher, porque o protocolo, realmente, deixa a gente de pés e mãos atadas. Você começa a atender, para, daqui pra frente eu vou ter que te agendar pro médico” (GF enfermeiro).

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5.3. PROBLEMAS E NECESSIDADES DE SAÚDE DA POPULAÇÃO

5.3.1. Cuidados à família

O atendimento à família como um coletivo foi apontado nos Grupos focais como um

ponto de dificuldade na assistência, mesmo sendo esta o objeto do trabalho proposto

na Estratégia de Saúde da Família. Os participantes revelam que as pessoas

continuam sendo atendidas individualmente. A abordagem das questões relativas à

saúde das famílias volta-se para o enfretamento da violência, para a construção da

harmonia no ambiente familiar, a reestruturação das relações familiares.

“Eu tenho uma dificuldade..., a questão da visão do indivíduo e a visão do coletivo, eu acho que é um tema que poderia ser trabalhado dentro dessa capacitação, a questão visão coletiva, eu acho que é a proposta do PSF” (GF equipe de apoio).

“Como é que eu vou construir essa outra relação? Como é que eu entendo – eu fico vendo lá assim nas regiões que a gente trabalha, a violência, né. Quer dizer, que violência é essa? Como é que eu lido com isso? A violência da morte, a violência da falta da comida, a violência do filho que é espancado. Quer dizer, como é que a gente lida com isso? Nós não somos preparados pra isso, nós não somos.” (GF gestor)

Esses aspectos devem ser acrescidos da compreensão da dinâmica familiar e das

possibilidades de composição desse núcleo social. Ao mesmo tempo, na abordagem às

famílias suscitam questões de cunho sócio-econômico que demandam ações

intersetoriais. A realidade sócio-econômica das famílias apresenta-se como um desafio

para a efetivação do processo terapêutico. Observa-se um descompasso entre as

orientações oferecidas aos usuários quanto ao uso de medicações e práticas saudáveis

e suas possibilidades financeiras para viabiliza-las.

“Agora tem o detalhe também, a situação sócio-econômica do paciente. Às vezes o paciente não tem remédio(?) pra comprar o medicamento. Fica sem tomar esperando chegar no centro de saúde. Aí fica difícil também. Porque quanto à alimentação a aula, deram tanta aula que eles já sabem de cor. Eles sabem melhor do que a gente. No consultório do médico a gente fala, então tem que deixar eles participarem e dar também condição financeira. Medicamento,

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assistência à saúde, pro trabalho fluir senão vai tudo por água abaixo.” (GF nível médio)

As interações dos profissionais com os membros da família são marcadas por

sentimento de confiança que, muitas vezes, transcende o limite da atuação profissional

e invade o campo das relações pessoais fazendo com que o profissional seja visto

como uma pessoa com quem ele pode compartilhar suas angústias, suas tristezas e

seus medos. Entretanto, os profissionais se deparam com dificuldades para participar

desses momentos que, muitas vezes, revelam a fragilidade das pessoas envolvidas na

relação. Fica evidenciada a necessidade dos profissionais desenvolverem maior

habilidade para intervir junto às famílias.

“Pois é, aí quando você vai colocar, fazer um genograma familiar você detecta cada ponto, então você vê que aquele ali tem dificuldade de relacionar com tal pessoa, com pessoas e você vai tentando trabalhar com todos. Hoje eu tive um problema lá, o paciente só queria falar comigo, não queria médico, não queria auxiliar, não queria ninguém. Eu quero falar com você, eu posso falar com você? Eu falei, assim que eu acabar eu falo com você. O neto dela tinha sido assassinado. Então, ela não queria ninguém, ela queria ser ouvida por mim, foi o que ela falou. Não consigo falar em casa, minhas duas filhas têm problema de saúde mental, eu não posso em frente a elas me desabar. Ela não estava se dando o direito de chorar junto com as filhas. Ela falou que ali ela não podia, então quem que ia trabalhar? Comigo. Ela foi me procurar, então isso é muito forte. É muito forte pra um profissional. E foi o que ela falou ali, às vezes a gente precisa de trabalhar até o nosso psicológico”. (GF enfermeiro).

5.3.2. Agudos e Urgência

Os participantes dos Grupos focais evidenciaram a modificação do tipo de atendimento

nas Unidades Básicas de Saúde que têm recebido, com freqüência, casos de urgência

e emergência. Essa modificação foi atribuída pelos participantes à proximidade e

acessibilidade das UBS. Entretanto, revela-se uma deficiência na capacitação clínica

dos profissionais para atuarem frente aos casos agudos e graves até que os mesmos

sejam referenciados para a atenção secundária.

“Os próprios trabalhadores, eles pedem treinamento de urgência. O tempo inteiro. Hoje é uma das coisas que eles pedem constantemente é um treinamento. Não é um treinamento profundo, mas um treinamento básico,

40

para o atendimento ali imediato da urgência, pra depois encaminhá-los para um órgão responsável.” (GF gestor)

“Então eu acho que essa questão do atendimento da urgência, da emergência deveria ser trabalhado também durante essa capacitação.” (GF enfermeiro)

Frente aos casos agudos os profissionais demonstram dificuldades para identificação

da gravidade o que repercute e pode comprometer a assistência.

“(...) Se o auxiliar não tem capacitação pra identificar uma crise asmática grave, se ele não soube chegar lá e passar pro médico, chegar pro médico e falar assim : doutor tem uma criança com uma crise asmática. É uma coisa. Agora chegar pro médico e falar assim : doutor tem uma criança com uma insuficiência respiratória, está numa crise asmática grave, ele não tem expansão pulmonar, ele está com respiração abdominal, ele está com ... “ (GF nível médio).

5.3.3. Crianças e adolescentes

Os participantes revelam aspectos da Saúde da Criança e do Adolescente que devem

ser rediscutidos, especialmente em relação à sexualidade e abordagens adequadas

dos adolescentes nas questões de planejamento familiar e prevenção das Doenças

Sexualmente Transmissíveis. Fica explícita a pouca participação do adolescente nas

atividades tradicionalmente ofertadas nos serviços de saúde o que sinaliza a urgente

necessidade de se adotar estratégias para a promoção e prevenção da saúde nesse

grupo etário. Ademais, os participantes dos Grupos focais apontam para a

contextualização da realidade como uma das possibilidades de intervenção para os

adolescentes.

“Eu acho que a gente podia trabalhar mais esse adolescente dentro da sua realidade, mas com outra experiência, levando eles pra grupos alternativos. Mas tirar aquele adolescente, promover práticas alternativas para o adolescente, porque eu acho que ele fica muito sem atividades e sem também interação com a unidade de saúde. Porque, ele só procura, ou quando ele está doente ou quando a menina de 12, 13 anos está grávida. Vai lá... ou então vai lá buscar uma pílula, ou então é do planejamento familiar” (GF enfermeiro).

“Tem que haver essa forma de chegar na saúde dos nossos filhos. Porque é muito sério o que está acontecendo, eles vão pra um baile e beija 50 meninos – meninas. Sai lá pegando todo mundo. Mas gente! No outro dia eles estão com febre, eles estão com coceira. O que aconteceu? Ah, não sei. Isso não é uma

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questão de saúde, é uma realidade que nós temos que buscar” (GF usuário).

“Porque igual ela falou, vou lá no posto de saúde só pra buscar camisinha. Os meninos, porque as meninas não vão não, porque elas têm que assistir o planejamento familiar. E elas não querem assistir isso mais” (GF usuário).

“A adolescência né? porque trabalhar com adolescente não é fácil, são vários fatores que interferem. Como que resgata ela pro planejamento familiar?“Nó, mais também que nome horroroso! Vê se adolescente de 15 anos quer participar de planejamento familiar.?O nome já assusta, ninguém quer planejar a família com 15 anos, o nome ele já é errado” (GF apoio).

Questões relativas ao abandono, drogadição, alcoolismo, desnutrição aparecem como

dificuldades a serem enfrentadas no atendimento à saúde da criança, reflexo da

realidade sócio-econômica na qual estão inseridas. O enfretamento dos determinantes

sociais extrapola o limite de atuação profissional exigindo um enfoque interdisciplinar e

intersetorial.

“(...) atendimento da criança que sofreu uma violência física nesse sentido, o que eu acho mais importante da educação continuada é na questão da..., é na questão humana mesmo, do relacionamento médico-paciente e de como você lidar com isso porque igual você falou a equipe de saúde mental ela lida com poucos casos” (GF apoio).

“(...) mesmo de adolescentes e crianças, a drogadição e o alcoolismo” (GF médico).

“(...) criança, os abandonados, as crianças desnutridas” (GF médico)

5.3.4. Adultos

Uma fala é bastante expressiva ao revelar que as limitações do modelo médico

centrado perdem lugar para a deficiência na capacitação profissional para o exercício

da clínica. Os participantes dos Grupos focais, especialmente os gestores, atribuem

essa deficiência a pouca experiência prática dos profissionais que estão se inserindo

nas Equipes de Saúde da Família. Acrescenta-se a isso, a característica do perfil

profissional exigido para o modelo de profissionais generalista com domínio de

42

conhecimentos nas áreas clínica, ginecológica e pediátrica.

“(...) Ser médico centrado é o maior problema? Esse é o maior problema? Não é, hoje mundialmente esse não é o maior problema, ser médico centrado. O problema é ser médico centrado e a ação do médico não resolve o problema. Esse é muito mais grave, não é? É o médico não distinguir de um vírus, de uma amigdalite, isso é grave, é isso que é grave. (...). Quando eu marco um médico pra me olhar porque eu estou respirando mal, eu quero saiba se é virótico, bacteriano, se é amigdalite, pneumonia, sinusite. É isso que o cara tem que dominar. E o agudo tem que ser tratado dessa forma mesmo, é médico centrado”(GF gestor).

“(...) São vários fatores. Eu acho que um é o conhecimento específico. Eu chamo de conhecimento específico, capacidade técnica. Nós sabemos que os médicos que recém formados que não acompanharam os serviços ou residências formais ou informais, eles são inseguros pra assumir a clínica. Quem diria clínica em três áreas, ginecológica, médica e pediátrica. A instituição está pondo o trabalhador não capacitado. (..) Então eu acho que tem essa questão. Eu acho que precisa de capacidade técnica.” (GF gestor)

Os enfermeiros também expressam a necessidade de aprofundamento nas questões

clínicas para conduzir o diagnóstico e o encaminhamento dos usuários que examinam.

“Uma coisa que eu gostaria de absorver mais é a parte cardiológica. Às vezes a gente tem necessidade, a gente identifica e não sabe conduzir. Olha, ta com uma certa dificuldade, a gente observa, faz a ausculta, mas se perde um pouco, a gente passa pro médico e o enfermeiro perde um pouquinho disso aí” (GF enfermeiro).

Os participantes revelaram que no enfretamento cotidiano dos problemas de saúde é

grande a demanda por abordagens adequadas para o tratamento da Hipertensão

arterial e para o Diabetes. Os participantes salientam que eles têm conhecimentos

mínimos para atuarem sobre essas patologias, mas têm pouco domínio sobre o

longitudinalidade e sobre as complicações que resultam dessas doenças crônicas, bem

como atuarem sobre seus determinantes como a obesidade, sobrepeso e distúrbios

nutricionais.

“a gente tem um domínio razoável no trato da hipertensão, no trato de diabetes, mas a gente precisa de uma sofisticação maior nessa história. sofisticação de diagnóstico, uma sofisticação até terapêutica um pouco maior. uma capacitação que nos permita ir um pouco adiante nessa história. gente tem que pensar que

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vão ter uma possibilidade de vida, vão ter uma expectativa de vida maior, pois haverá complicações que podem ser muito maiores” (GF médico).

“obesidade. Eu tenho tido um número enorme, exorbitante de homens e mulheres obesos na minha comunidade. Não só obesos, mas pacientes que já estão com sobrepeso que me preocupa porque são diabéticos, hipertensos...(GF médico)”

nutrição. É algumas orientações que eu acho que a gente teria que ter inclusive, principalmente com relação aos obesos, aos sobrepesos especialmente, referência de fisioterapia e nutrição, nós não temos obrigação, absolutamente com nutricionismo. Não, mas eu não acho que tem que ter formação como nutricionista não. Eu acho que é noção básica. (GF médico)

Aparece nos discursos a necessidade de aprofundamento nas doenças reemergentes

como a Tuberculose e a Hanseníase abrangendo aspectos desde o diagnóstico,

tratamento, controle das reações ao tratamento até a organização da assistência para

realizar a busca ativa e o acompanhamento dos usuários. É preciso salientar que essas

doenças acometem grande número da população atendida no Programa de Saúde da

Família e que o tratamento é marcado por abandonos devido ás complicações e

reações advindas das medicações, bem como, ainda, por um caráter estigmatizante.

Essas questões exigem do profissional uma atuação que extrapola os conhecimentos

clínicos e que volta-se para abordagens antropológicas no entendimento às

necessidades expressas pelos usuários e suas famílias.

“atenção primária e hanseníase, as reações de hanseníase, até pra fazer diagnóstico, lá no centro de saúde até hoje eu já pedi os monofilamentos. Eu não tenho monofilamentos... Não, não tenho, a médica que é antiga que estava lá foi embora e levou embora os monofilamentos da unidade. Eu não me sinto à vontade pra tratar aquelas reações” (GF médico).

“tuberculose a rede de uma maneira geral e os profissionais que estão atuando em saúde da família de uma maneira geral não tem uma capacitação mínima necessária pra trabalhar com essa história. A questão da busca ativa, a questão do acompanhamento do paciente, a questão dos exames regulares, do diagnóstico fácil, do tratamento estabelecido, do tratamento instituído, do controle de cura...(GF médico)”

Os profissionais expressam necessidade de aprimorar conhecimentos e tecnologias

44

para atuar frente à detecção e tratamento do câncer.

“ (...) rastreamento de câncer, toque retal. Barato, a gente tem condição de fazer no centro de saúde, não com a demanda que a gente tem, mas que muitas vezes eu deixo de fazer porque eu acho que eu tecnicamente vou por o dedo lá, vou ver alguma coisa e vou ter que encaminhar porque eu não vou saber resolver” (GF médico).

“(...) tabagismo as mulheres novo tipo de câncer de pulmão” (GF médico).

É importante reconhecer que as demandas de capacitação para atender as

necessidades de saúde da população refletem a mudança no perfil epidemiológico da

sociedade brasileira na qual convivemos, concomitantemente, com doenças

transmissíveis e não-transmissíveis. Paralelamente, os profissionais reafirmam a

necessidade de atuarem frente ás doenças provocadas por causas externas que

acometem as crianças, os adolescentes e também os adultos como a violência, a

drogadição, o alcoolismo.

“Eu acho que poderia estar incluído nessa capacitação a questão das drogas, a questão do alcoolismo que existe e ta ali presente o tempo inteiro ali diante de nos e não existe nenhuma ação pra isso. Pelo menos em programa de saúde pública nunca vi. Sobre o alcoolismo e uso de drogas” (GF enfermeiro).

5.3.5. Maiores de 45 anos e idosos

O processo de envelhecimento da população e as demandas advindas desse grupo

etário são apontados pelos participantes dos Grupos focais como uma das dificuldades

para os serviços de saúde. Os profissionais explicitam necessidade de capacitação

para lidar com a população idosa acometida por doenças crônico-degenerativas, com

perda de independência e com necessidade de cuidados permanentes. Esses

problemas são agravados nas áreas consideradas de “baixo risco” nas quais vivem

idosos com situação sócio-econômica mais privilegiada, mas que, entretanto, são

sozinhos e fragilizados.

“A gente tem visto que tem idosos muito, mas muito frágeis mesmo. Às vezes a dificuldade nossa, de repente, até o nosso despreparo e a nossa falta de

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condição de estar atendendo, acho difícil trabalhar realmente com o idoso, o idoso sozinho.” (GF médico)

“E a outra questão que eu acho que tem aparecido muito, aí já diz respeito às áreas de baixo risco, que eu acho que nós não ouvimos muito – estou falando assim, nós como um todo. Quando a gente fala do modelo a gente volta muito mais para o risco, mas as áreas de baixo risco, elas têm trazido muito uma demanda da questão do idoso, e que é uma coisa que a saúde pública no Brasil ainda não se voltou pra isso. E eu acho que isso é uma lógica irreversível que a gente teria que estar se preparando” (GF gestor).

“as equipes têm tido muito trabalho, especialmente com os pacientes acima de 70 anos. Idoso frágil, esse idoso frágil, em qualquer local, seja de baixo, médio, alto, o risco elevado, risco muito elevado, a gente tem que ter algum preparo pra lidar melhor com esse idoso. Moram sozinhos, tem mais de 75 anos, que moram sozinhos ou que são acamados” (GF médico).

5.3.6. Saúde mental / Psicossocial

Os participantes dos Grupos focais enfatizam a necessidade de trabalhar a auto-estima

da população, desenvolvendo estratégias de motivação e ludoterapia. Entre essas

estratégias, os participantes apontam os grupos de auto-ajuda como uma proposta para

trabalhar com usuários portadores de transtornos mentais e também portadores de

doenças crônicas. Visualiza-se que essa estratégia pode contribuir no enfretamento de

situações que exigem mudanças nos hábitos e que são crônicas.

“Como que eu vou, que essa pessoa vai querer mudar alguma coisa se a auto estima dela não existe? Então é esse o questionamento que fica com a gente na equipe quando a gente reúne: Puxa vida, essa pessoa, a gente faz os grupos, mas como trabalhar essa pessoa, essa mudança de comportamento, se ela não se valoriza. O corpo dela, pra ela não é nada” (GF enfermeiro).

“Grupos de auto ajuda também, porque isso é muito importante. Não só pra hipertensos, diabéticos. Mas também na questão de... psiquiatra, que é uma consulta que nos postos falta muito. Então, forma o grupo, vamos tirar um bocado desses remédios doido do pessoal, porque é um dos maiores custos que tem nos postos de saúde. Esses remédios, como é chama aquele remédio doido, pra dormir. Diazepan né?” (GF usuário).

Aparecem nos discursos falas que remetem à necessidade de capacitação no

atendimento aos usuários deprimidos, os ‘neuróticos leves’, as pessoas que estão

46

sofrendo devido à violência. Da mesma forma, os participantes expressam a dificuldade

em lidar com a infelicidade e as angústias, motivos os quais tem levado as mesmas

pessoas, as ditas “poliqueixosas”, a freqüentarem o serviço de saúde todos os dias com

queixas psicossomáticas que refletem o sofrimento humano.

“Então eu acho que a gente tem muito pouco na formação nossa de subsídio voltado pra questão do atendimento ao lado psicológico do paciente. E hoje a gente vê muito paciente, cliente indo na unidade por conta de queixa de somatização, de problemas familiares que estão levando a essa somatização. Então eu acho que se a gente tivesse nesse curso alguma coisa que nos desse um pouco mais de... Seria muito bom” (GF enfermeiro).

“a questão do relacionamento interpessoal dentro da unidade. Está muito difícil. (...) No centro de saúde onde eu trabalho passamos a com a ajuda da psicóloga, tem uma equipe de saúde mental, fazer grupos com o funcionário porque estava todo mundo um brigando com o outro, uma indisposição dentro da unidade absurda. Então foi o primeiro momento o mais difícil que a gente enfrentou foi dentro da unidade mesmo” (GF enfermeiro).

5.3.7. Cuidados paliativos / Crônicos / desospitalizados

Os participantes dos Grupos focais salientam a dificuldade em oferecer atenção aos

usuários crônicos desospitalizados que demandam cuidados na modalidade de

assistência domiciliar. Relatam que esses usuários geralmente são pacientes em fase

terminal e que necessitam além dos procedimentos técnicos referentes a sondas,

ostomias e curativos, cuidados paliativos no alívio da dor.

“Trabalhar com câncer, trabalhar Ostomia, trabalhar com sondagem nasogástrica, que muitos dos meus funcionários já não sabem fazer certas coisas porque a falta de prática, há muito tempo que não mexem com isso, então é um outro tópico também que tem que ser avaliado” (GF enfermeiro).

“Estão vindo cada tema pra gente, paciente em fase terminal, paciente com questões medulares, que aí você tem que ter um profissional fisioterapeuta pra te ajudar também a questionar certas atividades, certos exercícios, que às vezes tem questão que o pessoal não pode ficar levando toda hora no hospital, não tem condições financeiras... E aí, eu estou fazendo, eu estou ensinando certo, será que esses exercícios estão fazendo efeito?” (GF enfermeiro).

“O hospital ele dá alta e manda o paciente pra casa cheio de ostomia, cheio de sonda. E o PSF está tendo que lidar com isso. E os profissionais não estão preparados para isso. (...) O que a gente vê na realidade, que esse profissional ele não está preparado, ele não tem instrumento pra oferecer essa orientação ao

47

cuidador. Porque ele não sabe as técnicas. Ele desconhece completamente. Completamente assim entre aspas, né?” (GF enfermeiro).

Os participantes dos Grupos focais revelam, também, dificuldades de relacionamento

com os cuidadores de pacientes em assistência domiciliar ao mesmo tempo em que

reconhecem a necessidade de identificar e treinar esses cuidadores para o cuidado no

domicílio.

“(...) muitos dos acamados, muitos pacientes idosos, eles têm cuidadores que não são familiares, são cuidadores pagos, ou às vezes mesmo quando são cuidadores familiares são pessoas que não estão preparadas, nem emocionalmente, nem fisicamente porque às vezes eles também velhos pra cuidar daquele acamado. tem que ter um preparo nessa área que é fundamenta” (GF médico).

5.3.8. Práticas alternativas

Os participantes dos Grupos focais, especialmente os profissionais de nível médio

expressaram a necessidade de compreender de práticas alternativas.

“Outra coisa também é esses remédios caseiros, chá, chá de alpiste, não sei o que... Por exemplo, se um paciente pergunta pra mim, chá de alpiste realmente é bom pra pressão, eu não sei informar se é ou se não é” (GF nível médio).

Essa demanda advém do reconhecimento que há um conhecimento popular entre os

usuários e que o serviço precisa entender e incorporar as questões culturais como

fatores que interferem na construção da saúde.

48

6. PROPOSTA DE CAPACITAÇÃO

A partir da análise dos discursos obtidos durantes Grupos focais foi possível captar

diversos temas passíveis de serem trabalhados num curso de capacitação. Entretanto,

considerando a natureza da proposta de educação à distância e os pontos críticos

levantados nos Grupos focais, a primeira fase da proposta de capacitação deverá ser

organizada no sentido de atender ao eixo horizontal denominado Processo de Trabalho

em Saúde e sobre ele assentados os eixos verticais dos temas de capacitação. Foram

definidos 3 eixos verticais com seus sub-eixos para serem trabalhados em 10 aulas.

Segue-se a representação esquemática dos eixos:

.

49

1) Modelo de atenção à saúde:

histórico comparativo

2) Planejamento local

3) Planejamento local

4) Abordagem da família

5) Ética na atenção básica

6) Acolhimento

7) Vínculo e responsabilização

8) Integralidade / longitudinalidade

9) Intersetorialidade

10) Trabalho em equipe

1) Cultura e saúde

2) Abordagem da família

3) Trabalho em equipe

4) Trabalho com grupos

5) Técnicas de trabalho com grupos

e métodos de avaliação

6) Comunicação em saúde

7) Relações no trabalho

8) Intersetorialidade

9) “Medicalização”

10)Práticas alternativas e

conhecimento popular

1)Mudança demográfica e

epidemiológica

2)Abordagem do paciente e da família

crônicos (limites e possibilidades)

3)Determinantes distais e proximais

das DCNT

4)Bases nutricionais

5)Abordagem da hipertensão

6)Abordagem do Diabetes

7)Abordagem da Obesidade /

sobrepeso

8)Atendimento integral nas DCNT

OR

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PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE

50

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRIC, J. C. A abordagem estrutural das representações sociais. In: MOREIRA, AI. S; OLIVEIRA. D. C. Estudos interdisciplinares de Representação Social. 2ª ed. Goiânia: AB, 2000. p.27-38. BARBOUR, R.S.; KITZINGER, J. Developing focus group research. London: Sage, 1999. 225p. BENDER, D. E. & EWBANK, D. The focus group as a tool for health research: issues in design analysis. Health Transition Review, v. 4, n. 1, 1994. DALL’AGNOL, C. M. & TRENCH, M.H. Grupos Focais com estratégia metodológica em pesquisas em Enfermagem. Rev. Gaúcha de Enferm. Porto Alegre, v. 20, n. 1, p. 5-25. Jan. 1999. GUARESCHI, P. Representações Sociais; Alguns Comentários oportunos. In: NASCIMENTO – SCHULZ C.M. (Org.). Novas contribuições para a teorização e pesquisa em Representações Sociais. Florianópolis: [s.n], 1996. p.09-35. JODELET, D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: JODELET D. (Org.). As representações sociais. Tradução Lilian Ulup. Rio de Janeiro: Ed da UERJ, 2001. p. 17-44. JOVCHELOVITCH, S. & GUARESCHI, P.A. Textos em Representação Social. 2..ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. MOSCOVICI, S. The phenomenon of social representations. In: SÁ, C. P. Núcleo central das representações sociais. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. 181 p. MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise. 2. ed. Tradução: Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. 280 p. OLIVEIRA, M. e FREITAS, H., Focus Group, método qualitativo de pesquisa: resgatando a teoria, instrumentalizando o seu planejamento. São Paulo: RAUSP, v. 33, n. 3, jul-set. 1998; p. 83-91. TEMPLETON, J.F. Focus groups: a strategic guide to organizing, conducting and analyzing the focus group interview. New York: McGraw-Hill, 1994. 308p. TWOHIG, P. L. and PUTNAM, W. Group interviews in primary care research: advancing the state of art or ritualized research? Family Practice. v. 19, no. 3, 2002. p. 278-284. WESTPHAL, M. F, BÓGUS, C. M. e FARIA, M. M. , Grupos focais: experiências precursoras em programas educativos no Brasil. Bol. Oficina SanitPanam . 120(6), 1996; p. 472-481.

51

ANEXOS

ROTEIRO DE CONDUÇÃO DO GRUPO FOCAL

Roteiro do moderador para condução do Grupo Focal

1. Boas vindas

2. Apresentação da pesquisa e da técnica de Grupo focal e suas regras (participação

de todos com o máximo de espontaneidade possível; não há respostas certas ou

erradas, o objetivo da discussão é a geração de idéias e não o consenso entre as

pessoas; falar uma pessoa de cada vez e que a fala deve ser sobre o assunto que

está sendo discutido)

3. Estabelecimento do contrato ético com a assinatura do Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido.

4. Discussão iniciada com a seguinte questão norteadora:

“PENSANDO NA SUA PRÁTICA NO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA, O QUE

TEM SIDO NECESSÁRIO PARA ATENDER AS NECESSIDADES DE SAÚDE DA

POPULAÇÃO E QUE É POSSÍVEL DE SER CONTEMPLADO NUMA PROPOSTA DE

CAPACITAÇÃO DOS PROFISSIONAIS?”

- Perguntas para auxiliar no debate:

. O que você pensa sobre ...?

. Quais são seus sentimentos acerca de ...?

. Pode citar um exemplo?

. Você falou que o ambiente não favorece. Qual seria o ambiente ideal para

você?

. Você disse que funciona (ou não funciona). Como sabe que funciona?

. O que o faz pensar desta forma?

. Você demonstra ter uma opinião bem definida sobre .... O que você acha

que os outros pensam sobre ...?

. Quais são as razões para os sentimentos que você relatou?

. Você começou a falar sobre ...

. Que palavras utilizaria para descrever ....?

. Por quê? Por quê sim? Por quê não?

5. Encerramento

52

ROTEIRO DE CONDUÇÃO DO GRUPO FOCAL

Anotações do observador do Grupo Focal

1. Instituição: .....................................................................................................................

2. Data: .................... 3. Hora: - Início: ................ Término: ............. Duração: ...........

4. Local de reali zação: ........................................................................................................

5. Descrição do local: .........................................................................................................

.............................................................................................................................................

.............................................................................................................................................

.............................................................................................................................................

.............................................................................................................................................

.............................................................................................................................................

6. Número de participantes: ...............................................................................................

7. Dinâmica do grupo: (Atentar para comportamento corporal dos participantes; pessoas

que falam pouco ou muito, alguém que demorou a falar; conversas paralelas;

mudanças de lugar durante a realização do encontro; saídas da sala)

............................................................................................................................................

.............................................................................................................................................

.............................................................................................................................................

.............................................................................................................................................

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