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PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS
RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO
RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A VARIABILIDADE E
MUDANÇA CLIMÁTICA
OTCA/GEF/PNUMA
Subprojeto II.1 Investigação dirigida sobre a compreensão da base de
recursos naturais da bacia do Rio Amazonas
Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos
amazônicos
Foto: Pedro De Podestà Uchôa de Aquino
Relatório Parcial – Produto 3
Avaliação da pesca
Brasília, Brasil
Fundo Para o Meio Ambiente Mundial
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
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PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS
RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO
RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A VARIABILIDADE E A
MUDANÇA CLIMÁTICA
OTCA/GEF/PNUMA
Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos
amazônicos
Relatório Parcial – Produto 3
Avaliação da pesca
Coordenador dos Componentes
Cleber J. R. Alho
Coordenação da Atividade
Norbert Fenzl
Consultor
Pedro De Podestà Uchôa de Aquino
Agosto/2013
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AVALIAÇÃO DA PESCA
RESUMO EXECUTIVO
A bacia do Rio Negro drena uma área de aproximadamente 700.000 Km2, sendo a maior bacia
de águas pretas do mundo. A bacia estende-se das encostas das Cordilheira dos Andes, na
Colômbia, à cidade de Manaus, no Brasil, onde se encontra com o Rio Solimões para formar o
Rio Amazonas. Em termos de descarga d’água o Rio Negro encontra-se na sexta posição
mundial (29.000 m3/ano), sendo o segundo maior tributário do Rio Amazonas (2.230 km),
ficando atrás apenas do Rio Madeira. Nas nascentes, em terras colombianas, o rio é chamado de
Guainía recebendo o nome de Negro ao entrar em território brasileiro.
A bacia do Rio Negro caracteriza-se pela presença de solos com alta concentração de matéria
orgânica não decomposta, que ao ser lixiviada libera ácidos húmicos e fúlvicos conferindo a cor
escura das águas de suas drenagens. As águas do Rio Negro apresentam baixas concentrações de
nutrientes, baixa condutividade elétrica (ca. 10 μS) e alta acidez (pH abaixo de 5). Na região do
médio Rio Negro, em sua margem esquerda, ocorrem afluentes com águas brancas, o qual
carreiam maior quantidade de sedimentos e nutrientes. Essas drenagem, que apresentam distintas
características ecológicas, abrigam uma diferenciada composição faunística pouco frequente na
calha do curso principal de águas negras. Entre esses tributários destacam-se os Rios Marauiá,
Inambu, Padauiri e Demini.
Apesar das baixas concentrações de nutrientes a bacia do Rio Negro apresenta uma alta
diversidade de peixes, aproximadamente 700 espécies. Grande parte dessa ictiofauna apresenta
pequeno tamanho corpóreo e habita os igapós (i.e., florestas alagadas) e igarapés (i.e., riachos),
sendo mais de 90 espécies endêmicas para a bacia. A composição íctica diferencia-se de outros
trechos da bacia Amazônica principalmente pelas restrições ecológicas impostas pelas águas
negras, pobres em nutrientes e de baixo pH, próprias da bacia do Rio Negro. Grande parte das
espécies pertencem às ordens Characiformes e Siluriformes.
A bacia do Rio Negro destaca-se também pelo grande número de espécies apreciadas pela
aquariofilia. São mais de 100 espécies exploradas comercialmente, das quais o Paracheirodon
axelrodi contribui com mais de 80% dos indivíduos capturados.
Ao longo do Médio Rio Negro é possível observar duas modalidades de pesca: a pesca artesanal
(de subsistência, comercial e ornamental) e a pesca amadora ou esportiva.
Na modalidade de pesca artesanal ornamental os pescadores, também chamados de “piabeiros”,
capturam pequenos peixes ornamentais e os vendem para abastecer mercados de peixes de
aquário. A região do médio Rio Negro destaca-se no cenário mundial como sendo um dos
principais locais de captura desses peixes. Entre os países que mais compram peixes ornamentais
da região de Barcelos, destacam-se: o Japão, Estados Unidos e Alemanha. Os piabeiros utilizam
pequenas embarcações, como canoas a remo, para percorrerem igarapés e igapós à procura
dessas espécies ornamentais. Em locais de pequena profundidade são instaladas armadilhas (por
exemplo, o cacuri) ou são utilizados puçás nas capturas. Em seguida, esses peixes são
acondicionados em bacias (chamadas localmente de “casapas”) e transportados até embarcações
maiores que irão distribuir aos exportadores. A espécie Paracheirodon axelrodi, que corresponde
a aproximadamente 80% dos indivíduos capturados, é popularmente conhecida como cardinal e
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habita igarapés e igapós de águas pretas do médio e alto Rio Negro e da bacia do Rio Orinoco. O
cardinal utiliza as extensas áreas alagadas durante o período chuvoso para alimentação,
reprodução e abrigo; retornando à calha principal dos rios durante a época seca. Para a bacia do
Rio Negro a porção média é considerado a que possui as melhores condições para essa espécie
ser explorada de forma sustentável, uma vez que as populações apresentam maiores
probabilidade de serem reestabelecidas.
A pesca artesanal ornamental foi considerada uma das principais atividades econômicas de
Barcelos, envolvendo, direta e indiretamente, quase 80% da população desse município. As
exportações chegaram a 30 milhões de “piabas” ao ano, correspondendo a US$ 3 milhões/ano.
No entanto, desde a última década, essa atividade encontra-se em declínio pela menor procura
desses peixes de aquário pelos exportadores. Entre os motivos para essa redução pode ser o
estabelecimento da produção das mesmas espécies em cativeiro, ou ainda, a coleta dessas
espécies em outras áreas da bacia Amazônica. Com o declínio dessa atividade os piabeiros
(pescadores empenhados na pesca de peixes ornamentais) passaram a exercer outras atividades,
como pescadores comerciais e guias nas pescas amadoras.
Apesar da grande extensão e abundância de pescado são observados frequentes conflitos
envolvendo o pescado na região do médio Rio Negro. O principal motivo é a desorganização e
falta de articulação entre os diversos atores empenhados nessa atividade. Há relatos também da
redução dos estoques e falta de regulamentação adequada e fiscalização.
A falta de estudos e políticas públicas adequadas não viabilizam a articulação entre os diferentes
atores envolvidos na pesca. Por outra lado, apesar da existência de dispositivos legais
regulamentando a atividade pesqueira, por vezes não são respeitados. A prática irresponsável da
pesca comercial, por exemplo, com a utilização de equipamentos proibidos, juntamente com a
falta de fiscalização, impõe sérios riscos aos estoques pesqueiros.
É interessante ressaltar que a pesca artesanal ornamental, mesmo aquela realizada em localidades
que sobrepões a outras modalidades de pesca (por exemplo, a pesca de subsistência), não se
mostra conflitante. O baixo impacto causado pela pesca ornamental, não destruindo a mata
nativa e capturando a quantidade adequada de exemplares de peixes ornamentais, permite que
haja um entendimento entre pescadores, indígenas e ribeirinhos. No entanto, a pressão exercida
pelas pescas amadora e comercial pode interferir na prática da pesca artesanal.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Localidades visitadas no Médio Rio Negro, Amazonas, Brasil.
Figura 2. Vegetação nativa ao longo de toda bacia do Rio Negro.
LISTA DE FOTOS
Foto 1. Trecho do Rio Negro. Coordenadas: latitude -0,966978°; longitude -62,928499°.
Foto 2. Igapó às margens do Igarapé Daracuá, Amazonas, Brasil. Coordenadas: latitude -0,464315°; longitude -
63,154313°.
Foto 3. Peixes ornamentais sendo transferidos para embarcações maiores que os transportarão à Manaus.
Coordenadas: latitude -0,966978°; longitude -62,928499°.
Foto 4. Comunidade Daracuá. Coordenadas: latitude -0,506514°; longitude -63,214250°.
Foto 5. Comunidade Bacabal. Coordenadas: latitude -0,483100°; longitude -62,921512°.
Foto 6. Comerciante vendendo peixe de forma itinerante na cidade de Barcelos.
Foto 7. Cacuri, armadilha utilizada na captura de peixes ornamentais no médio Rio Negro.
Foto 8. Pesca com puçá de peixes ornamentais no médio Rio Negro.
Foto 9. Peixes ornamentais acondicionados em “casapas” durante o transporte.
Foto 10. Paracheirodon axelrodi, espécie de peixe ornamental mais capturada no médio Rio Negro.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Localidades visitadas ao longo da expedição de campo no Médio Rio Negro.
Tabela 2. Raias de águas continentais brasileiras permitidas à explotação para fins de ornamentação e aquariofilia,
bem como as cotas anuais para venda, por espécie nos estados brasileiros do Amazonas e Pará, e maior largura de
disco permitidas (LDmax) (adaptado do Anexo II da Instrução Normativa 204, de 22 de outubro de 2008, do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis – IBAMA).
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INTRODUÇÃO
Bacia do Rio Negro
A bacia do Rio Negro drena uma área de aproximadamente 700.000 Km2, sendo a maior bacia
de águas pretas do mundo. A bacia estende-se das encostas das Cordilheira dos Andes, na
Colômbia, à cidade de Manaus, no Brasil, onde se encontra com o Rio Solimões para formar o
Rio Amazonas. Em termos de descarga d’água o Rio Negro encontra-se na sexta posição
mundial (29.000 m3/ano), sendo o segundo maior tributário do Rio Amazonas (2.230 km),
ficando atrás apenas do Rio Madeira. Nas nascentes, em terras colombianas, o rio é chamado de
Guainía recebendo o nome de Negro ao entrar em território brasileiro.
A bacia recebe águas oriundas do Escudo das Guianas ao norte, dos Andes colombianos à oeste e
das terras baixas, entre divisor de águas com o Rio Solimões, ao sul. Grande parte da bacia
encontra-se em terras baixas, com altitudes variando entre 100 e 250 m na região oeste e abaixo
de 50 m na região leste, próximo à foz. No divisor de águas entre a bacia Amazônica e a bacia do
Orinoco, próximo ao limite político do Brasil e a Venezuela, encontram-se as regiões de maiores
altitudes. Na cadeia de montanhas do Tapirapecó e Imeri encontra-se o ponto mais alta, o Pico da
Neblina, com 2.994 m de altitude.
Na região das cabeceiras a época de cheia ocorre entre os meses de maio e setembro, já na foz,
pela proximidade com o Rio Amazonas, a cheia é antecipada para os meses de fevereiro e julho e
o nível da água chega a subir 10 m. Durante as cheias, uma área de aproximadamente 30.000
km2 é alagada e essa área de várzea concentra-se principalmente na região do médio e baixo Rio
Negro. Nesses trechos também é observada a formação de ambientes insulares, entremeados por
canais que conectam as áreas alagadas, lagos e meandros abandonados ao curso principal do rio.
A bacia do Rio Negro caracteriza-se pela presença de solos com alta concentração de matéria
orgânica não decomposta, que ao ser lixiviada libera ácidos húmicos e fúlvicos conferindo a cor
escura das águas de suas drenagens. As águas do Rio Negro apresentam baixas concentrações de
nutrientes, baixa condutividade elétrica (ca. 10 μS) e alta acidez (pH abaixo de 5). Na região do
médio Rio Negro, em sua margem esquerda, ocorrem afluentes com águas brancas, o qual
carreiam maior quantidade de sedimentos e nutrientes. Essas drenagem, que apresentam distintas
características ecológicas, abrigam uma diferenciada composição faunística pouco frequente na
calha do curso principal de águas negras. Entre esses tributários destacam-se os Rios Marauiá,
Inambu, Padauiri e Demini.
Peixes da bacia do Rio Negro
Apesar das baixas concentrações de nutrientes a bacia do Rio Negro apresenta uma alta
diversidade de peixes, aproximadamente 700 espécies (Abell et al., 2008). Grande parte dessa
ictiofauna apresenta pequeno tamanho corpóreo e habita os igapós (i.e., florestas alagadas) e
igarapés (i.e., riachos). Sendo mais de 90 espécies endêmicas para a bacia. Um exemplo
emblemático das espécies endêmicas é o pequeno bagre Denticetopsis sauli (Siluriformes:
Cetopsidae) encontrado apenas nas cabeceiras da bacia do Rio Negro, no canal do Cassiquiare,
Rio Pamoni. A composição íctica diferencia-se de outros trechos da bacia Amazônica
principalmente pelas restrições ecológicas impostas pelas águas negras, pobres em nutrientes e
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de baixo pH, próprias da bacia do Rio Negro. Grande parte das espécies pertencem às ordens
Characiformes e Siluriformes.
Algumas espécies utilizam a calha do Rio Negro em suas rotas migratórias. O jaraqui
(Semaprochilodus insignis) migra das águas pretas do Rio Negro para afluentes de as águas
brancas para reprodução (i.e. desova). São também observadas migrações de doradídeos,
caracídeos (e.g., Brycon spp.). Nas águas escuras da bacia são observados pirarucus (Arapaima
gigas), um dos maiores peixes de água doce do mundo, aruanãs (Osteoglossum bicirrhosum) e
aruanãs pretos (O. ferreirai).
Apesar de ser menos piscoso que os rios de águas brancas, como o Amazonas e o Madeira, os
peixes mantêm-se como a principal fonte proteica da alimentação dos ribeirinhos da bacia do Rio
Negro. Estimativas apontam que uma família consome em média 3 kg de peixe ao dia. Entre as
espécies mais consumidas, destacam-se: os aracus (Leporinus spp.), os pacus (Myleus spp.), os
tucunarés (Cichla spp.), a piraíba (Phractocephalus hemioliopterus), o surubim
(Pseudoplatystoma fasciatum) e o caparari (Pseudoplatystoma tigrinum). Além dos peixes,
alguns quelônio aquáticos e seus ovos também são bastante apreciados como alimento.
A bacia do Rio Negro destaca-se também pelo grande número de espécies apreciadas pela
aquariofilia. São mais de 100 espécies exploradas comercialmente, das quais o Paracheirodon
axelrodi contribui com mais de 80% dos indivíduos capturados.
METODOLOGIA
Buscando estabelecer uma base técnico-científica a fim de subsidiar ações políticas,
administrativas e educacionais, que visem a utilização sustentável dos recursos pesqueiros, o
presente produto compila informações das modalidades e conflitos da pesca na região do Médio
Rio Negro e as confronta com a realidade existente em outros trechos da bacia do Rio
Amazonas. Os trechos percorridos durante a viagem de campo no Médio Rio Negro são
apresentados na Figura 1.
No final de julho de 2013 foram percorridos aproximadamente 310 km ao longo do Rio Negro
(Figura 1) e seus afluentes, entorno da cidade de Barcelos, no estado do Amazonas, Brasil. As
coordenadas das localidades visitadas (i.e., vilarejos, colônia de pescadores e locais de pesca) são
apresentadas na Tabela 1. O desnível altitudinal ao longo desses trechos foi pequeno, com as
altitudes variando de 23 a 47 m. Buscando avaliar as atividades, uso e ocupação relacionados à
manutenção dos estoques pesqueiros, trechos do Rio Negro (Foto 1), assim como alguns dos
seus afluentes, igarapés e igapós (Foto 2), foram visitados. A região visitada encontra-se na
Floresta Amazônica e apresenta grande beleza cênica.
Tabela 1. Localidades visitadas ao longo da expedição de campo no médio Rio Negro.
Trecho Latitude (°) Longitude (°) Altitude (m)
Ponto de pesca 1 -0,856116° -62,765446° 35
Cidade de Barcelos -0,966978° -62,928499° 30
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Comunidade Bacabal -0,483100° -62,921512° 29
Comunidade Daracuá -0,506514° -63,214250° 27
Comunidade Ponta da Terra -0,770953° -63,142164° 25
Foz do Rio Aracá -0,771188° -62,937692° 28
Furo do Cubá -0,924075° -62,917655° 29
Igarapé do Mamulé -0,808618° -63,237575° 27
Igarapé Murumuru -0,467140° -62,928506° 39
Ponto de pesca 2 (Calibuque) -0,629722° -62,868497° 33
Ponto de pesca 3 -0,464315° -63,154313° 28
Ponto de pesca 4 -0,466774° -62,936246° 40
Rio Demini -0,414927° -62,903415° 44
Ponto de pesca 5 -0,833065° -63,231232° 35
Ponto de pesca 6 (Zamula) -0,865862° -62,774625° 32
Foto 1. Trecho do Rio Negro. Coordenadas: latitude -0,966978°; longitude -62,928499°. Foto: Pedro De Podestà
Uchôa de Aquino.
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Entrevistas foram realizadas com diversos atores sociais buscando informações relevantes para
compor um cenário de pesca na região. Locais de desembarque (Foto 3) e comunidades
tradicionais de pescadores (Foto 4 e 5) foram visitados. A identificação das espécies
comercializadas, o conhecimento tradicional e científicos, figuraram para compreender o
processo de explotação pesqueira.
Figura 1. Localidades visitadas no Médio Rio Negro, Amazonas, Brasil.
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Foto 2. Igapó às margens do Igarapé Daracuá, Amazonas, Brasil. Coordenadas: latitude -0,464315°; longitude -
63,154313°. Foto: Pedro De Podestà Uchôa de Aquino.
Foto 3. Peixes ornamentais sendo transferidos para embarcações maiores que os transportarão à Manaus.
Coordenadas: latitude -0,966978°; longitude -62,928499°. Foto: Pedro De Podestà Uchôa de Aquino.
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Foto 4. Comunidade Daracuá. Coordenadas: latitude -0,506514°; longitude -63,214250°. Foto: Pedro De Podestà
Uchôa de Aquino.
Foto 5. Comunidade Bacabal. Coordenadas: latitude -0,483100°; longitude -62,921512°. Foto: Pedro De Podestà
Uchôa de Aquino.
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
Pesca no médio Rio Negro
Ao longo do Médio Rio Negro é possível observar duas modalidades de pesca: a pesca artesanal
(de subsistência, comercial e ornamental) e a pesca amadora ou esportiva.
Pesca artesanal de subsistência. Essa modalidade de pesca é exercida por ribeirinhos em
localidades próximas às residências. Entre os apetrechos utilizados nas pescarias, destacam-se:
cacuri, matapi, arco e flecha, arpão, zagaia, puçá e caniço. A pesca é de pequena escala e
embarcações, como “rabeteiras” com capacidade de até 300 kg de pescado, são utilizadas. Os
peixes capturados ora são consumidos pelos próprios pescadores, ora vendidos a outros
pescadores ou diretamente nas cidades em mercados e feiras. A pesca artesanal de subsistência
quando desempenhada por um grupo de pescadores é localmente denominada “ajuri de pesca”.
Pesca artesanal comercial. Nessa modalidade de pesca a área utilizada é maior quando
comparada à pesca de subsistência e as embarcações são mais equipadas, comportando uma
maior quantidade de pescado. Os apetrechos utilizados são as malhadeiras, zagaias, redes de
cerdo e de arrasto. Na região de Barcelos os principais cursos d’água utilizados são o Rio Negro,
o Rio Demini e Rio Aracá. O pescado capturado no médio Rio Negro abastece os mercados de
Barcelos, Santa Isabel e São Gabriel da Cachoeira. Apesar de um Decreto (Decreto Estadual n°
27.012 de 2007) proibir a pesca no Rio Negro por embarcações que não são dessa bacia, a falta
de fiscalização não impede que embarcações de Manaus e de Novo Airão escoem o pescado para
outros mercados. Dentre as espécies de peixes mais capturadas e comercializadas estão os aracus
(Leporinus spp.), os pacus (Characidae: Serrasalminae) e os tucunarés (Cichla spp.).
Na cidade de Barcelos, os peixes além de serem vendidos no mercado de peixes são
comercializados de forma itinerante. Comerciantes percorrem a cidade com pequenos veículos e
vendem os pescado na porta das residências (Foto 6).
Durante o período de seca, quando o nível da água está baixo, há uma maior concentração dos
peixes e facilidade na captura. Já no período das chuvas, quando as planícies se alagam, os
peixes se dispersam e as capturas são menores. Estima-se que no período de seca sejam
capturados 13 toneladas de pescado por semana, já no período chuvoso apenas 3 toneladas.
Pesca artesanal ornamental. Nessa modalidade de pesca os pescadores, também chamados de
“piabeiros”, capturam pequenos peixes ornamentais e os vendem para abastecer mercados de
peixes de aquário. A região do médio Rio Negro destaca-se no cenário mundial como sendo um
dos principais locais de captura desses peixes. Entre os países que mais compram peixes
ornamentais da região de Barcelos, destacam-se: o Japão, Estados Unidos e Alemanha.
Os piabeiros utilizam pequenas embarcações, como canoas a remo, para percorrerem igarapés e
igapós à procura dessas espécies ornamentais. Em locais de pequena profundidade são instaladas
armadilhas (por exemplo, o cacuri [Foto 7]) ou são utilizados puçás nas capturas (Foto 8). Em
seguida, esses peixes são acondicionados em bacias (chamadas localmente de “casapas” [Foto
9]) e transportados até embarcações maiores que irão distribuir aos exportadores. São mais de
100 espécies de peixes ornamentais, recebendo maior destaque a espécie Paracheirodon axelrodi
(Foto 10) correspondendo a aproximadamente 80% dos indivíduos capturados. Essa espécie,
popularmente conhecida como cardinal, habita igarapés e igapós de águas pretas do médio e alto
Rio Negro e da bacia do Rio Orinoco. O cardinal utiliza as extensas áreas alagadas durante o
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período chuvoso para alimentação, reprodução e abrigo; retornando à calha principal dos rios
durante a época seca. Para a bacia do Rio Negro a porção média é considerado a que possui as
melhores condições para essa espécie ser explorada de forma sustentável, uma vez que as
populações apresentam maiores probabilidade de serem reestabelecidas (Cooke et al., 2009).
Foto 6. Comerciante vendendo peixe de forma itinerante na cidade de Barcelos. Foto: Pedro De Podestà Uchôa de
Aquino.
A pesca de peixes ornamentais tem baixo impacto ambiental negativo, uma vez que os métodos
de captura e o grande tamanho das populações das espécies, que apresentam rápido ciclo de vida,
impedem a sobrepesca. As extensas áreas preservadas ao longo dos cursos d’água da bacia do
Rio Negro (Figura 2) também viabilizam a manutenção dessas espécies. Iniciativas como o
“Projeto Piaba” (Chao et al., 2001) evidenciam a importância da manutenção dessa modalidade
de pesca não apenas para a economia do município, mas também para o meio ambiente. A
população ribeirinha estando envolvida economicamente com a pesca ornamental não precisa se
dedicar a outras atividades econômicas, como a agricultura e a pecuária, que de alguma forma
estariam relacionadas ao desmatamento da Floresta Amazônica. O slogan utilizado pelo Projeto
Piaba resume bem essa situação: “Compre um peixe ornamental, salve uma árvore na
Amazônia!”.
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Foto 7. Cacuri, armadilha utilizada na captura de peixes ornamentais no médio Rio Negro. Foto: Pedro De Podestà
Uchôa de Aquino.
Foto 8. Pesca com puçá de peixes ornamentais no médio Rio Negro. Foto: Pedro De Podestà Uchôa de Aquino.
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Foto 9. Peixes ornamentais acondicionados em “casapas” durante o transporte. Foto: Pedro De Podestà Uchôa de
Aquino.
Foto 10. Paracheirodon axelrodi, espécie de peixe ornamental mais capturada no médio Rio Negro. Foto: Pedro De
Podestà Uchôa de Aquino.
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A pesca artesanal ornamental foi considerada uma das principais atividades econômicas de
Barcelos, envolvendo, direta e indiretamente, quase 80% da população desse município. As
exportações chegaram a 30 milhões de “piabas” ao ano, correspondendo a US$ 3 milhões/ano.
No entanto, desde a última década, essa atividade encontra-se em declínio pela menor procura
desses peixes de aquário pelos exportadores. Entre os motivos para essa redução pode ser o
estabelecimento da produção das mesmas espécies em cativeiro, ou ainda, a coleta dessas
espécies em outras áreas da bacia Amazônica. Com o declínio dessa atividade os “piabeiros”
(pescadores empenhados na pesca de peixes ornamentais) passaram a exercer outras atividades,
como pescadores comerciais e guias nas pescas amadoras.
Figura 2. Vegetação nativa ao longo de toda bacia do Rio Negro.
Pesca amadora. A pesca amadora não se caracteriza pela renda oriunda do pescado, mas sim
pelo seu caráter de lazer. A renda gerada por essa modalidade relaciona-se aos serviços
direcionados ao turismo pesqueiro, como o transporte aos pontos de pesca e o aluguel de
hospedagens e embarcações. Os guias geralmente são pescadores artesanais, moradores da
região. Os praticantes dessa modalidade utilizam principalmente varas de pesca, com carreteis e
anzóis bastante direcionados às espécies de peixes a serem capturadas. Os praticantes da pesca
amadora geralmente capturam alguns exemplares para o próprio consumo mas também
costumam soltar os exemplares. Esse tipo de prática seria uma alternativa sustentável para o
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desenvolvimento da pesca, uma vez que poderia coexistir com as demais modalidades não
causando grandes reduções às populações naturais.
No médio Rio Negro a pesca amadora ocorre entre os meses de outubro a fevereiro, período
onde as águas estão mais baixas. O peixe mais apreciado nessas pescarias é o tucunaré (Cichla
spp.). Além do seu chamativo colorido é bastante forte e ágil, o que traz emoção à pescaria. Os
tucunarés são carnívoros, isso é se alimentam de outros peixes, e durante a reprodução são
bastante territoriais, cuidando dos ovos e filhotes em ninhos construídos no leito dos mananciais
próximos às galhadas.
Dispositivos legais
A Instrução Normativa n° 203, de 22 de outubro de 2008, do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e Recursos Renováveis – IBAMA, dispõe sobre normas, critérios e padrões para a
explotação com finalidade ornamental e de aquariofilia de peixes nativos ou exóticos de águas
continentais brasileiras. De acordo com essa Instrução Normativa é permitido a captura, o
transporte e a comercialização de exemplares vivos dos gêneros Ancistrus, Baryancistrus,
Eigenmannia, Farlowella, Hyphessobrycon e Hypostomus, além de outras 172 espécies de
peixes nativos de bacias hidrográficas brasileiras. No entanto, de acordo com o Art. 2° inciso 5°
dessa Instrução Normativa, “A captura e a comercialização de exemplares cuja espécie conste ou
passe a constar em listas oficiais de espécies sobreexplotadas, ameaçadas de sobrexplotação, de
extinção, ou no Apêndice I da Convenção Internacional sobre Comércio das Espécies da Flora e
Fauna Selvagens em Perigo de Extinção-CITES, mesmo que permitidos por esta Instrução
Normativa, devem obedecer as normas estabelecidas pelas legislações específicas”.
Já a Instrução Normativa 204, de 22 de outubro de 2008, do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e Recursos Renováveis – IBAMA, “Estabelecer normas, critérios e padrões para a
exploração com finalidade ornamental e de aquariofilia de exemplares vivos de raias nativas de
água continental, Família Potamotrygonidae”. A captura só é restrita às bacias hidrográficas do
Amazonas e Tocantins-Araguaia, nos limites dos estados do Amazonas e Pará. A Tabela 2
apresenta as espécies de raias de águas continentais brasileiras, da família Potamotrygonidae,
permitidas à explotação para fins de ornamentação e aquariofilia, bem como as cotas anuais para
venda, por espécie nos estados brasileiros do Amazonas e Pará, e maior largura de disco
permitidas.
Em 2001 o Decreto Estadual da pesca na bacia do Rio Negro (Decreto Estadual n° 22.304)
proibiu a pesca comercial durante cinco anos em cursos d’água acima da foz do Rio Banco.
Permitindo apenas a pesca para abastecimento das cidades de Barcelos, Santa Isabel e São
Gabriel da Cachoeira. Em 2007 esse Decreto foi revisado (Decreto Estadual n° 22.012),
estipulando a comercialização do pescado da bacia do Rio Negro apenas no mercado interno.
Essa revisão estipulou também a cota máxima de cinco toneladas de pescado por embarcação.
O defeso para a bacia Amazônica no estado do Amazonas vai de 15 de novembro a 15 de março
(Portaria do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis –
IBAMA n° 48, de 5 de novembro de 2007). Durante esse período é permitida apenas a pesca de
subsistência com cota de captura de 3 kg ou um exemplar. Os pescadores profissionais durante
esse período recebem mensalmente do governo brasileiro o Seguro Defeso, no valor de um
salário mínimo.
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Tabela 2. Raias de águas continentais brasileiras permitidas à explotação para fins de
ornamentação e aquariofilia, bem como as cotas anuais para venda, por espécie nos estados
brasileiros do Amazonas e Pará, e maior largura de disco permitidas (LDmax) (adaptado do
Anexo II da Instrução Normativa 204, de 22 de outubro de 2008, do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e Recursos Renováveis – IBAMA).
Espécie LDmax Cotas
Amazonas Pará Total
Potamotrygon motoro 30 cm 4.000 1.200 5.200
Potamotrygon cf. histrix 14 cm 6.000 - 6.000
Potamotrygon schroederi 30 cm 1.000 - 1.000
Potamotrygon orbignyi 30 cm 1.200 1.200 2.400
Potamotrygon cf. henlei 30 cm - 1.000 1.000
Potamotrygon leopoldi 30 cm - 5.000 5.000
Total 12.200 8.400 20.600
Conflitos à atividade pesqueira no médio Rio Negro
Apesar da grande extensão e abundância de pescado são observados frequentes conflitos
envolvendo o pescado na região do médio Rio Negro. O principal motivo é a desorganização e
falta de articulação entre os diversos atores empenhados nessa atividade (Barra et al., 2010). Há
relatos também da redução dos estoques e falta de regulamentação adequada e fiscalização.
Na época da pesca amadora, um grande número de embarcações se deslocam pelas águas da
bacia do Rio Negro em busca dos melhores locais a fim de pescarem tucunaré. Essa grande
movimentação de embarcações em alta velocidade acabam comprometendo a pesca comercial
por espantarem os cardumes e impedirem a instalação de redes em lagos e remansos. Alguns
peixes soltos pelos pescadores amadores acabam morrendo pelas lesões causadas ao serem
fisgados e pelo tempo que permanecem fora d’água. Por sua vez, os ribeirinhos moradores das
comunidades já percebem a redução dos estoques pesqueiros, comprometendo sua pesca de
subsistência.
A falta de estudos e políticas públicas adequadas não viabilizam a articulação entre os diferentes
atores envolvidos na pesca. Por outra lado, apesar da existência de dispositivos legais
regulamentando a atividade pesqueira, por vezes não são respeitados. A prática irresponsável da
pesca comercial, por exemplo, com a utilização de equipamentos proibidos, juntamente com a
falta de fiscalização, impõe sérios riscos aos estoques pesqueiros.
É interessante ressaltar que a pesca artesanal ornamental, mesmo aquela realizada em localidades
que sobrepões a outras modalidades de pesca (por exemplo, a pesca de subsistência), não se
mostra conflitante. O baixo impacto causado pela pesca ornamental, não destruindo a mata
nativa e capturando a quantidade adequada de exemplares de peixes ornamentais, permite que
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haja um entendimento entre pescadores, indígenas e ribeirinhos. No entanto, a pressão exercida
pelas pescas amadora e comercial pode interferir na prática da pesca artesanal.
Ordenamento pesqueiro
Apesar da existência de informações quanto a pesca na Amazônia, há muito ainda a ser estudado.
Buscando o uso sustentável de recursos que se esgotam (como o pescado) é necessário conhecer
para efetivamente preservar. Dentre os temas importantes a serem pesquisados, destacam-se: uso
tradicional dos recursos pesqueiros, dinâmica dos estoques, estrutura da pesca comercial e pesca
ornamental, turismo e uso e ocupação na Amazônia.
Em função dos ciclos sazonais, estudos buscando compreender a dinâmica da pesca precisa ter a
duração mínima de um ano. E mesmo compreendendo a funcionamento de um sistema, o
contínuo monitoramento se mostra necessário para melhor direcionar e manter a pesca para as
futuras gerações.
A ação dos governos se faz necessária no acesso e intermediação em reuniões e discussões
envolvendo todos os atores sociais relacionados à pesca. A participação do máximo de
lideranças, principalmente aquelas ribeirinhas e indígenas, agregam informações muito mais
precisas da região, além de auxiliar na fiscalização da efetiva aplicação dos acordos. Ações
governamentais, que viabilizem o desenvolvimento local, também podem ajudar a garantir a
valorização da prática pesqueira. Por exemplo, a compra pelas prefeituras de pescado de baixo
valor pode complementar a merenda escolar; trazendo, desta forma, benefícios tanto para os
pescadores quanto para os alunos.
A decadência do mercado do peixe ornamental traz prejuízos não apenas aos pescadores
(“piabeiros”), mas também ao meio ambiente. Como já colocado anteriormente, esses pescadores
deixando de ter renda a partir da pesca ornamental passam a buscar seus sustentos em outras
atividades, como a agricultura, que requer a derrubada de áreas de vegetação nativa da
Amazônia. Uma das formas de tentar manter esse mercado é o incentivo à criação de indicações
de origem dos peixes ornamentais para a região do médio Rio Negro. Essa indicação certificaria
que aquele peixe é proveniente de uma atividade sustentáveis e conscientes, valorizando tanto o
pescador como a Floresta Amazônica.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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(Project Piaba). Manaus, Brasil, Editoria de Universidade do Amazonas, 301p.
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