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1 PROJETO FRONTEIRA OCIDENTAL Arqueologia e História Vila Bela da Santíssima Trindade / MT Autorização Federal de Pesquisa (IPHAN/MinC): Portaria nº 37 de 06/02/2003 RELATÓRIO FINAL FASE 2 março de 2004 REALIZAÇÃO GOVERNO DO MATO GROSSO BLAIRO MAGGI SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA BENEDITO PAULO DE CAMPOS COORDENADORIA DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL, HISTÓRICO, ARTÍSTICO E ARQUEOLÓGICO ODIR BURITY PATROCÍNIO PETROLUZ PROJETO APROVADO NA LEI DE INCENTIVO A CULTURA

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PROJETO FRONTEIRA OCIDENTAL

Arqueologia e História – Vila Bela da Santíssima Trindade / MT

Autorização Federal de Pesquisa (IPHAN/MinC): Portaria nº 37 de 06/02/2003

RELATÓRIO FINAL

FASE 2 – março de 2004

REALIZAÇÃO

GOVERNO DO MATO GROSSO

BLAIRO MAGGI

SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA

BENEDITO PAULO DE CAMPOS

COORDENADORIA DE PRESERVAÇÃO DO

PATRIMÔNIO CULTURAL, HISTÓRICO,

ARTÍSTICO E ARQUEOLÓGICO

ODIR BURITY

PATROCÍNIO

PETROLUZ

PROJETO APROVADO NA LEI DE

INCENTIVO A CULTURA

2

EQUIPE DE PESQUISA

COORDENAÇÃO GERAL

PROF. MS. PAULO ZANETTINI

COORDENAÇÃO CIENTÍFICA

PROF. MS. PAULO ZANETTINI

PROFª DRª ERIKA M. R. GONZÁLEZ

CONSULTORIA EM HISTÓRIA

PROF. MS. JOÃO ANTONIO BOTELHO

LUCIDIO

APOIO PESQUISA HISTÓRICA

MARÍLIA PELLICIOTTA – SP

NATÁLIA M. DORADO RODRIGUES – MT

TERESA CRISTINA S. MARQUES – MT

CONSULTORIA FOTOGRÁFICA

MARIO FRIEDLÄNDER

CONSULTORIA MUSEOLÓGICA

ANA SÍLVIA BLOISE

PESQUISA E SISTEMATIZAÇÃO DE

INFORMAÇÃO

PORF. MS. RENATO DE OLIVEIRA DINIZ

EQUIPE DE CAMPO

BENILDES DO CARMO DA SILVA (VBS/MT)

JOÃO HENRIQUE ROSA, SP (VBS/MT)

LUIZ FERNANDO ERIG LIMA, MS (VBS/MT)

PAULO JOSÉ DE LIMA, SP (VBS/MT)

GABRIELA RIBEIRO FARIAS, SP (VBS/MT)

LEANDRO KEY HIGUCHI YANAZE, SP

(VBS/MT)

AGRADECIMENTOS:

Marcelo Zuffo e Roseli Lopes de Deus (LSI-

USP), Profª Drª Elisabetta Romano e Profº

Siegbert Zanettini (FAU-USP), Cláudio Conte

(18ª Sub-Regional), Sr. Ilson Rosa da Cruz

(INCRA), Arq. Ernesto Gabiato, Profª Ms. Mirza

B. Pelliciotta.

E nossos sinceros agradecimentos à comunidade

de Vila Bela pela atenção e carinho dedicados à

toda a equipe.

3

A VILA BELA E A OCUPAÇÃO PORTUGUESA DO GUAPORÉ

NO SÉCULO XVIII

JOÃO ANTONIO BOTELHO LUCIDIO

Março de 2004

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SUMÁRIO

I. O Termo do Mato Grosso: Distrito do Cuiabá, Capitania de São Paulo

II. A Vila Bela da Santíssima Trindade e a conquista de terras no vale do

Guaporé

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I) O TERMO DO MATO GROSSO: DISTRITO DO CUIABÁ, CAPITANIA DE

SÃO PAULO.

No ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1736 Tomé Gouveia e Sá

Queiroga pede a Sua Majestade Fidelíssima para passar carta de licença no sentido de

levantar engenho no sítio do Mato Grosso1. A resposta a esse pedido demorou cerca de três

anos para retornar às minas de origem. E, pasmem, foi negativo. Naquele tempo havia uma

proibição de se cultivar em áreas de mineração. Entretanto, é sabido que tais determinações

não eram seguidas. Com certeza este é apenas um, entre muitos, do conjunto de

documentos sobre os desdobramentos da ocupação não-índia no vale do Guaporé.

Na primeira metade do século XVIII, chamava-se de Mato Grosso a porção de

terras para além das cabeceiras do rio Guaporé onde, em 1734, se havia encontrado e

iniciado a exploração de lavras auríferas2. Os vinte primeiros anos da história dessas minas

têm sido negligenciados pela historiografia. A maioria dos estudiosos elege a criação da

Capitania de Mato Grosso (1748) e a fundação de Vila Bela da Santíssima Trindade (1752)

como os marcos mais significantes da ocupação portuguesa do vale do Guaporé. Talvez até

o sejam! Mas não são os únicos!

O relato que ora se inicia tratará das estratégias que luso-brasileiros, reinóis e a

Coroa Portuguesa lançaram para conquistar ao indígena e ao espanhol a vasta imensidão de

terras situadas à margem direita do rio Guaporé, desde suas nascentes até sua foz.

Nesta leitura, as ações privilegiadas circunscrevem-se ao século XVIII, e

desenroladas no Guaporé. Será deste espaço-tempo que trataremos a partir de agora. A

narrativa foi divida em duas partes: a) O Termo do Mato Grosso: Distrito do Cuiabá,

1 (SOUZA, 1978, 08). Existe no Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional da Universidade

Federal de Mato Grosso um significativo acervo documental sobre o século XVIII. Tais documentos são

cópias em micro-filmes de documentos originais que se encontram sob a guarda do Arquivo Ultramarino, na

Torre do Tombo, em Portugal. É surpreendente o número de documentos sobre o Mato Grosso no período

entre 1730 a 1751. 2 “Por esse tempo (1732) e por causa da miséria entranharam-se os bandeirantes pelos sertões dos Parecis

para, a pretexto de descobrirem novas minas, cativarem o gentio. Segundo os Anais de Cuiabá parece que

neste ano foram trilhados os sertões do Mato Grosso pela primeira vez, sendo que esse nome provavelmente

se origina da grande mata em que correm os rios Jauru e Guaporé, e que depois aplicou-se à cidade ali

edificada e finalmente à toda capitania” (LEVERGER, 2001, 23/24).

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Capitania de São Paulo; e, b) a Vila Bela da Santíssima Trindade e a conquista de terras no

vale do Guaporé.

Todo o movimento de pessoas de origem não-índia no vale do rio Guaporé, no

século XVIII, será entendido como parte do esforço do Estado português de ampliar, o

máximo possível, e consolidar suas fronteiras no extremo oeste da colônia Brasil. Os fios

com os quais se tecerão as tramas narrativas são as formas e estratégias de produção e

reprodução da vida material, e o jogo político desenrolado na Europa e na América.

TERRITÓRIOS DO NORTE E DO CENTRO DO BRASIL

O mapa apresenta como áreas povoadas de domínio português nos vales do Cuiabá e Guaporé, a vila do Bom Jesus do Cuiabá, o Arraial de São Francisco Xavier da Chapada, além da Capela de Santa Ana. È interessante notar a localização das Missões das Índias de Castela, ali aparece a Missão de Santa Rosa, situada à margem direita do Guaporé, nota-se ainda a afirmação que as terras à leste do rio da Madeira seriam de domínio português. Deve-se atentar também para a indicação dos caminhos desde São Paulo, passando por Vila Boa de Goiás, Cuiabá até as minas do Mato Grosso, há ainda a indicação de um caminho para a Missão de San Rafael, 1746. GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg. 326.

Os primeiros núcleos de povoamento, de origem portuguesa, instalados na faixa

de terras hoje conhecida como Estado de Mato Grosso remonta ao século XVIII; mais

precisamente ao vale do rio Cuiabá. Deste modo procurar-se-á demonstrar como a

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ocupação portuguesa do vale do Guaporé é tributária do Cuiabá. Foi a partir do Cuiabá que

se descobriu o ouro nas imediações do Guaporé e se deu início aos núcleos de povoamento

em seu derredor.

Talvez, a novidade da abordagem que se vai aqui empreender esteja no fato de

que não será estabelecido qualquer termo de comparação entre os núcleos de povoamento

do Cuiabá e do Guaporé. Não há nesta narrativa mágoas ou pretensões políticas de afirmar

e/ou reafirmar a hegemonia/subordinação de nenhum dos núcleos sobre o outro.

Os Primeiros anos do Mato Grosso

Contam os ‘Anais de Vila Bela’ que, no ano de 1734, os sertanistas Fernando Paes

de Barros e seu irmão Artur Paes, naturais de Sorocaba, largaram-se da Vila do Cuiabá em

busca do gentio Pareci. Já por aqueles tempos estava difícil captura-los e, por esse motivo,

adentraram pelos sertões dos divisores de águas das bacias Paraguai/Guaporé/Juruena. Ali

encontraram ouro e, um ano depois, começaram a ser fundados os núcleos de povoamento.

Esta fonte narra ainda os caminhos e descaminhos dos primeiros anos daqueles sertões.

No ano de 1794, João de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, Governador e

Capitão General da Capitania de Mato Grosso, mandou tirar um ‘Mapa Topographico do

Nacemento e Origens Principaes dos Rios Galera, Sararé, Guaporé e Juruena, Principal

braço do Rio Tapajos e do Terreno q’ medea entre elles, e mais destrictos adjacentes de

Vila Bella’. Ricamente detalhado, este mapa será de fundamental importância para esta

narrativa.

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MAPA TOPOGRÁFICO DO NASCIMENTO E ORIGENS PRINCIPAIS DOS RIOS GALERA, SARARÉ, GUAPORÉ E JURUENA – 1794.

GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg 410.

Sessenta anos separam as primeiras informações escritas sobre os descobertos do

ouro, a instalação de núcleos de povoamento por paulistas e lusos no vale do Guaporé e o

Mapa Topográfico mandado tirar por João de Albuquerque. Entretanto, a maioria dos

arraiais e muitas das lavras, roças, engenhos, fazendas de gado e estradas que aparecem na

primeira fonte continuavam referenciados na segunda. Uma indagação: a extração aurífera

ali desenvolvida seria tão efêmera, como quer fazer acreditar as fontes e uma certa

historiografia?

Garimpar o ouro de aluvião era a forma mais comum de minerar em Mato Grosso.

Isto é um fato apresentado pelo conjunto das fontes e pela maioria dos estudos de caráter

histórico. Outro fato corrente era a rapidez de esgotamento de tais achados auríferos. A

somatória destes e de outros dados permitiu a construção de uma leitura da história colonial

em Mato Grosso onde era intensa a mobilidade social e freqüentes as crises econômicas.

Outra pergunta: os moradores de um arraial poderiam se manter, alguns por até cem anos,

com sua produção econômica em crise e sua sobrevivência física comprometida?

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Tais abordagens passam a idéia de instabilidade. No caso de Mato Grosso, havia

de se resolver outros problemas, como o de abastecimento, das gigantescas distâncias e da

construção de caminhos (terrestres e fluviais), da fome, das doenças, do clima, das feras,

dos índios e dos hispano-americanos, enfim, um viver muito adverso. Para os cultuadores

desta abordagem historiográfica seriam a cobiça e as possibilidades de enriquecimento

rápido os amálgamas daquela sociedade.

A idéia de efêmero perpassa o período colonial em Mato Grosso. Só Cuiabá, a

Fênix, sempre renascida de quaisquer vicissitudes, teria vida perene desde sua fundação.

Nas outras localidades, por mais que seu início pudesse ter sido faustoso, tudo se acabava

em decadência, fome, lágrimas e ranger de dentes! E, por fim, do abandono.

Com a sociedade que se instalou no vale do rio Guaporé, a partir de 1736, e que

teve Vila Bela como seu centro dinâmico, não teria sido diferente!

Primeiro, a fase, ainda que efêmera, da mineração; depois, a fase política da

criação da Capitania e da fundação da Vila, que seria a sede da Capitania; por último, no

início do século XIX, vieram a decadência com a crise econômica, as doenças, o abandono,

a letargia.

Desde 1752, muitos textos de caráter informativo e/ou histórico, escritos por

autores de origem cuiabana, têm dado à Vila Bela aquilo que ela merece por ter subtraído

de Cuiabá o direito de ser a sede da Capitania de Mato Grosso.

Um dos fatos ‘pitorescos’ que a historiografia de caráter positivista, escrita a partir

das orientações do Instituto Histórico de Mato Grosso, gosta de lembrar é a ‘teimosia’ do

Capitão General D. Antonio Rolim de Moura na escolha do sítio onde se ergueria a Vila-

Capital. Contudo, mesmo os cronistas contemporâneos ao fato já divergiam sobre o

assunto, mas isto é comodamente esquecido. Acompanhemos o embate.

Joseph Barbosa de Sá, morador da Vila do Senhor Bom Jesus do Cuiabá, e um

dos seus cronistas mais referenciados, assim descreve a fundação da Vila-Capital:

Anno de mil sette centos cincoenta e dous foy neste anno a fundada

a Villa Bella de Mato Grosso pelo General e Juis de Fora

levantandose Pelourinho erigindose Senado de Câmara e officiaeas

de Justiça em hum charco moradia de Jacarés e Capivaras

afirmando todos os vizinhos que o lugar alagava todos os annos

nas enchentes do Rio naó se lhes deo atençaó...” (BARBOSA DE

SÁ, 1975, 46. Grifos meus).

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Por seu lado, Francisco Caetano Borges, escrivão nomeado da câmara de Vila

Bela, tem o cuidado de demonstrar que o local da fundação da Vila-Capital foi fruto de

observações de seu Capitão General:

Passada a festa de Natal na Chapada... e entrando o ano de 1752

em meados de janeiro partiu Sua Excelência com o Juiz de Fora

para este Campo ou Pouso Alegre, a disporem a criação da vila, e

por ser a beira do rio e dar indício de que este alagaria o vargeado

terreno, mais vizinho se esperou todo o mês de fevereiro e entrando

março, como se viu que o rio com a sua enchente não vencia o

barranco se puseram os editais para se convocar o povo ao

levantamento da vila... (BORGES, 2001, 25. Grifos meus).

O assunto parece ter causado tantos cuidados, melindres e desagrados que o

próprio Rolim de Moura se preocupou em explicar, em carta, datada de 28 de maio de

1752, a Diogo de Mendonça Côrte Real, os critérios observados para a escolha do local.

Entre outros, alega motivos de ordem de defesa militar e práticos.

Do ponto de vista estratégico sua orientação foi pautada pelo Tratado de Madrid,

firmado em 1750, bem como pela posição que o local escolhido tinha, em relação aos

vizinhos:

Como ela (a Vila) está ao poente das minas, e dos seus arraiais, fica

cobrindo uma e outra coisa pela situação que é capaz de fortificar-

se com toda regularidade, sendo preciso, e sem que se contravenha

o tratado, pelo qual esse rio é privativamente nosso até a barra do

Sararé, que como já se disse dista seis léguas desta vila, e da dita

barra é que começa ser comum, e também pedindo-o a ocasião dá

facilidade a penetrarmos para a parte de Castela, não havendo coisa

que no-lo embarasse até as Missões dos Chiquitos, que nos ficam

diretamente a oeste e em menos distância que do Jauru (PAIVA,

1982, 67).

As preocupações de ordem prática refletem-se no cuidado em verificar questões

como, acessibilidade do local por terra e água, disponibilidade de madeiras para as

construções e combustível, água potável de qualidade e de fácil acesso, boas pastagens para

o gado e fartura de terras agricultáveis.

A seqüência da carta deixa claro que, também da Corte, emanavam opiniões e

havia discordâncias sobre o local onde se deveria erguer a Vila. O Sr. Marco Antonio de

Oliveira, que argumentava ter recebido notícias do Mato Grosso, defendia que a Vila-

11

Capital deveria ser ereta em Santa Rosa, posição da qual o Capitão General discordava

veementemente. De seus argumentos depreende-se dois inconvenientes: primeiro, Santa

Rosa precisava ser desocupada pelos de Castela; segundo, o local era distante, tanto dos

sítios povoados pelos de origem portuguesa quanto pelos de Castela.

Rolim de Moura faz questão de explicitar que sua escolha foi regiamente pensada,

e fruto de alguma observação das condições naturais oferecidas pelo Guaporé. Chega

mesmo a afirmar que, apesar das chuvas não terem sido abundantes naquele ano, havia sido

no anterior e que, mesmo assim, os sinais demonstravam que as enchentes não ofereceriam

riscos à futura Vila.

O fato é que historiadores de viés tradicional se esqueceram de citar tais fontes e

propositada e arbitrariamente elegeram a narrativa de Barbosa de Sá como verdade e

construíram um discurso no qual apresentam Rolim de Moura como uma pessoa teimosa,

inconseqüente e insensata, e a Vila-Capital como um lugar doentio e insalubre; ou seja, um

lugar impróprio desde o início para ser a sede da Capitania. Este discurso toma corpo a

partir da primeira década do século XIX, quando a, já existente elite cuiabana, passa a

reivindicar ostensivamente, a transferência da Capital para Cuiabá.

Nos últimos vinte anos, historiadores com formação acadêmica repreenderam

severamente seus antecessores e resolveram dar à Vila Bela o seu lugar na historiografia

mato-grossense. Para fazer isto compararam a ‘Villa do Bom Jesus do Cuyaba com a Villa

Bela da Santíssima Trindade’. Outros construíram a versão da Vila Bela dos negros – o

problema é que esta só começa no século XIX.

A primeira das novas versões historiográfica, efetivamente, pouco acresceu. A

comparação entre as duas Vilas só reforça a tese de que Cuiabá era, do ponto de vista do

quantum populacional, de número de escravos, de mercado, de produção de subsistência e,

às vezes, auríferas, maior e mais dinâmica que a Vila Bela. Todos estes e outros

argumentos somados reforçam a idéia da superioridade da Vila do Cuiabá desde o início. A

Vila Bela só teria importância político-administrativa.

Este estudo sobre a ocupação, comandada por paulistas e portugueses, no vale do

rio Guaporé privilegiará as continuidades. O objetivo primordial é recuperar aspectos que

demonstrem as mudanças e a perenidade daquela ocupação, bem como as estratégias de

seus atores sociais (paulistas, portugueses, índios, negros – escravos e libertos –, às

administrações portuguesa e espanhola) para sobreviver.

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Quando em 1734, os irmãos Paes de Barros subiram até as nascentes dos rios

Paraguai, Jaurú e Juruena e encontraram ouro na faixa de terras entre os rios Sararé e

Galera e em seus afluentes; ainda não conheciam o Guaporé. Sequer sabiam que estavam

tão próximos das Missões Indígenas, comandadas pelos padres da Companhia de Jesus em

terras das Índias de Hespanha.

Vários relatos oficiais ficaram desta saga, mesmo porque os portugueses e os

paulistas, que cada vez mais adentravam pelos sertões no sentido de leste para oeste,

compreenderam a necessidade de assegurar os domínios de terras que se supunham ricas

em ouro. Assim, deixaram muitos documentos de sua ação.

A descrição física mais detalhada que se conhece sobre a faixa de terras dos

descobertos auríferos no espaço geográfico que foi nomeado de minas do Mato Grosso data

de 17503. Seu autor, à época, secretário do governador da Capitania do Grão Pará,

acompanhava a expedição oficial que saiu de Belém para fazer o levantamento das

possibilidades de navegação do rio da Madeira e seus afluentes.

As pessoas que dela participaram saíram de Belém em 14 de julho de 1749,

chegando ao Arraial de São Francisco Xavier em 16 de abril de 1750. Vejamos como o

espaço físico que se entendia então por Mato Grosso foi descrito:

Entre as serras da cordilheira das Gerais e rio Aporé (principal

tronco do Madeira), se levanta um agregado de montes de espessa

construção de rochedos, que formam várias chapadas no mais alto

da sua elevação, e algumas lombadas nos seus declives, cujo

composto se dilata em figura quase triangular lançada de leste a

oeste, ocupando de terreno em circuito sete léguas. Da parte

superior destas montanhas nascem vários regatos... se esgotam a

maior parte para o rio Sararé, que circunda a chapada pelo sul e

oeste, e para o rio Galera... É a posição desta chapada em 46 grua

quatorze minutos de elevação austral no Meridiano de 316, quase

norte sul com a entrada, que faz o Madeira no grande rio das

Amazonas (FONSECA, 2001, 13).

Este mesmo documento, e ao menos quatro outros4, com uma ou outra pequena

divergência, relata como se teriam dado os descobertos, os arraiais ali fundados. Além de

3 Isto não significa desconhecer a vasta documentação que informa sobre o vale do Guaporé desde o início da

década de 1730, tanto sobre aspectos do viver nos arraiais que ali se formaram como sobre os cuidados que o

Estado português dispendia para com a área. 4 (BORGES, 2001), (BARBOSA DE SÁ, 1975), (LEVERGER, 2001), (BEAUREPAIRE-ROHAN, 2001) e

(FONSECA, 2001).

13

explicar o nome geral dado ao lugar – Mato Grosso –, falam ainda dos modos de minerar,

das dificuldades encontradas como carestia, fome, doenças e mortes, das relações com

vizinhos – espanhóis e indígenas –, das rotas de abastecimento e comércio, das lavras e das

roças etc.

Do final de 1734, todo o ano de 1735 e o início de 1736 foram gastos entre idas e

vindas entre o Cuiabá e o local inicial onde se extraiu as primeiras pintas de ouro para: dar

conhecimento ao fato, em cuidadosos preparativos para as viagens, no envio da expedição

que foi confirmar o potencial aurífero das minas, na plantação de roças próximo às novas

minas e, finalmente, na partida de Cuiabá das primeiras levas de aventureiros foram morar

no local dos distantes achados auríferos do Mato Grosso.

A bandeira dos irmãos Paes de Barros dividiu-se assim que se constatou que eram

boas as pintas de ouro encontradas nas prospecções feitas nos ribeirões que desciam da

Chapada. Antes que as chuvas aumentassem foi despachado um grupo, comandado por

Fernando Paes de Barros, para levar a notícia a Cuiabá. Chegando ao rio Paraguai, manda

diligência às autoridades da Vila do Cuiabá e espera por providências e socorros. Ainda

neste mesmo ano, foram tomadas as diligências no sentido de averiguar a procedência e a

viabilidade dos novos achados.

A expedição verificadora foi comandada pelo Sargento Mor Antonio Fernandes

de Abreu, que foi guiada por João Martins Claro sobrinho dos irmãos Paes de Barros. O

Sargento Mor Abreu logo constatou que Artur Paes havia descoberto pintas em vários

locais e já os estava nomeando: ‘ribeirão Maquabaré’, ‘ribeirão Santana’, ‘ribeirão

Brumado’. De todos eles, levou significativas amostras de ouro. Voltou a Cuiabá em 1735 e

o povo começou a se alvoroçar e a se preparar para tentar a sorte nas novas minas.

O desconhecimento da região não significou sua ocupação desordenada, como

querem fazer crer alguns historiógrafos. No caso das minas do Mato Grosso, o braço da

administração portuguesa, instalada na Vila do Senhor Bom Jesus do Cuiabá, esteve ali

presente, preocupou-se com os vizinhos castelhanos e ordenou a abertura das lavras

auríferas do modo como pôde. Vejamos duas passagens de Barbosa de Sá:

1) Anno de mil setecentos e trinta e tres partio em principio deste

anno o sargento mor Antonio Fernandes de Abreo com os

14

descobridores das minas do Mato grosso e outros muitos a

Lançarem rosas nos ditos descobrimentos por levaram todo este

anno examinando as minas e depois de feitas as rosas voltaram em

dezembro dando meuda daquelles sertoens” (BARBOSA DE SÁ,

1975, 32. Grifos meus).

2) “Anno de mil setecentos e trinta e quatro chegou monsaó...

Quizeraó nesta chegada fazer muitas pesoas viagem para

Matogroso a colherem as rosas que lá haviam deixado feitas no

anno antecedente; publicou-se bando para que nenhuma pessoa

sahisse do termo da villa... (BARBOSA DE SÁ, 1975, 32. Grifos

meus).

Logo de saída, percebe-se uma disparidade de datas entre este cronista e os

demais. Independente desta questão, sua narrativa explicita que havia a preocupação de um

certo ordenamento antes de se partir para as minas; ou seja, procedeu-se um

reconhecimento dos achados, plantou-se roças preparando a ida posterior e tentou-se

impedir uma debandada.

Mesmo assim, no ano de 1735, iniciou-se a arribada. Os documentos encontrados

nos permitem ir reconstituindo onde os grupos iam se instalando e os locais que vieram a se

tornar arraiais. Vejamos:

... e foram os primeiros que entraram para o dito descoberto o

Padre José Manoel Leite com seu irmão Sargento Mór Francisco

de Salles Xavier e João Pereira Cruz, juntado-se no Paraguai com

Fernando Paes de Barros e seus sobrinhos João Martins Claro e

José Pinheiro de Barros. E chegados a este Mato Grosso, se

arranchou o dito padre com seu irmão no campo em que ainda hoje

assistem, chamado Pilar. (BORGES, 2001, 14. Grifos meus)5.

Ainda neste mesmo ano de 1735 chegou o grupo que se arranchou no local que

veio a ser fundado o Arraial de Santana. A novidade desta parte da narrativa é que ela

elucida um dos caminhos que se tomava para chegar às minas do Mato Grosso: ... enviou

em dezembro do dito ano o padre André dos Santos para capelão, que navegando pelo

Cuiabá abaixo a buscar o Paraguai para o subir... (BORGES, 2001, 14. Grifos meus). O

resto do caminho era feito navegando, até as cachoeiras, o Jauru, e daí, por terra,

alcançavam-se as cabeceiras dos divisores de água Juruena/Guaporé e chegava-se ao Mato

Grosso.

5 A fonte citada é de 1752 e a parte grifada o foi para ir demonstrando uma certa permanência das pessoas nos

lugares onde mineravam, tocavam roças, abriam engenhos ou ainda criavam gado.

15

TERRITÓRIOS ENTRE A FOZ DO RIO AMAZONAS E S. PAULO

Detalhe que destaca as áreas ocupadas por portugueses na Capitania de Mato Grosso (1769). No mapa foram ressaltados os caminhos que de Cuiabá davam acesso às minas do Mato Grosso. A escolha deste se deu pelo fato de que o mesmo apresenta as duas opções de acesso às referidas minas, o caminho fluvial e terrestre, que foi usado nos primeiros anos daqueles descobertos. GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg. 328.

16

TERRITÓRIOS ENTRE A FOZ DO RIO AMAZONAS E S. PAULO

GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua.

Portugal, 2000, pg. 329.

Foi para o ano de 1736 que as dificuldades nas novas minas começaram a tomar

proporções dramáticas. O volume de pessoas minerando aumentou de modo considerável.

Saíram as primeiras partidas de ouro de suas minas com destino a Cuiabá, e daí às Cortes.

Pela primeira vez registra-se que os homens ‘bons’ se fizeram acompanhar por suas

mulheres e famílias para aquelas minas. Mas foi no mês de agosto do dito ano começou a

picar a peste e morreram... assim brancos como carijós e negros. (BORGES, 2001, 15).

17

Entretanto, foi também o ano que se tomou uma das medidas de maior impacto

para consolidar a exploração das minas: a abertura de um caminho por terra, iniciativa do

Brigadeiro Antonio Lara de Almeida.

... mandar a Inácio Pereira Leão a abrir caminho do Cuiabá até o

Paraguai que o não havia... e daí seguiram o sertão conduzindo o

dito Leão o gado e cavalos do dito Brigadeiro até o Paraguai,

donde com o mesmo gado continuou o dito Fernando Paes de

Barros, a abrir o caminho até a passagem do Jauru pelo qual subiu

o dito Brigadeiro com a sua comitiva e daí continuou o dito

Fernando Paes com Inácio Pereira Leão a diante a abrir na pisada

dos descobridores até estas minas vindo em seu seguimento o

Brigadeiro e sua comitiva. (BORGES, 2001, 15. Grifos meus).

Somente pelo mês de setembro deste mesmo ano de 1736, é que se pode subir,

socavar e encontrar ouro no alto da serra, que veio a ser conhecida como Chapada de São

Francisco Xavier. As datas com as lavras foram distribuídas em outubro de 1736 e já em

novembro do ano seguinte, tudo indica, o nascente Arraial assumia lugar de destaque: foi

ali que o Ouvidor do Cuiabá, João Gonçalves Pereira, chegou para recolher os quintos e os

dízimos, e foi ali que, na saída, deixou por superintende das minas do Mato Grosso, com

jurisdição civil e crime a Antonio Fernandes dos Reis.

Para o ano de 1739, não resta mais dúvidas: São Francisco Xavier era o mais

importante arraial das minas do Mato Grosso. Tanto as determinações do poder laico,

representado por braços da administração portuguesa instalada em Cuiabá ou mesmo das

Cortes, como as do poder eclesiástico – a Capelania –, são endereçados e desempenhados a

partir daquele Arraial.

Neste ano em 28 de novembro tomou posse da Capelania destas

minas, o Padre Pedro Leme... e lha entregou o padre Manoel

Antunes de Araújo que desde que se fez a capela de São Francisco

Xavier, se passou para a Chapada e exercer nela o ofício paroquial,

por se achar ali junta a maior parte do povo destas Minas,

(BORGES, 2001, 18).

Além destes três Arraiais (Santana, Pilar e São Francisco Xavier), os documentos

que tratam do período compreendido entre 1735 a 1752 apontam outras áreas ocupadas,

mas não especificam tratar-se de lavras, faisqueiras, engenhos, roças ou arraiais. Alguns

18

locais são referenciados sem que se especifique sua função. Talvez seja mesmo lícito

afirmar que alguns deles podem ter tido várias funções.

Alguns exemplos. Os topônimos ribeirão do Brumado e da Conceição6

aparecem como faisqueiras em 1736, entretanto, continuaram a aparecer nos mapas do final

do século XVIII; o Corumbiara trata-se de um afluente da margem oriental do Guaporé e,

em 1738/397, aparece referenciado como local onde há ouro, constituindo-se um núcleo de

exploração aurífera de cerca de oito anos de duração. Vejamos como ele é referenciado em

1746: Com estas notícias dos Arinos se deixaram os sertanistas das conquistas dos

Corumbiaras que para se vencer a que fazia de exame de ouro era preciso vencer primeiro

muito gentio que aquela campanha tem... (BORGES, 2001, 21).

6 Um documento intitulado Lista dosmoradores do Matto Grosso que se achavão até 16 de Julho de 1751,

referencia um lugar denominado Bairro da Conceição, onde residiam oito homens bons, alguns casados

(Apud: CANAVARROS, 1998, 188). Cinqüenta e três anos depois, o Mapa Topographico do Nacemento e

Origens Principaes dos Rios Galera, Sararé, Guaporé e Juruena, Principal braço do Rio Tapajos e do Terreno

q’ medea entre elles, e mais destrictos adjacentes de Vila Bella’, madado tirar por João de Albuquerque

(GARCIA, 2000, 410) ainda registra a sua existência. 7 A narrativa do Barão de Melgaço informa que daqueles achados resultou a fundação de um arraial na Ilha

Comprida. Em 1752 o padre Agostinho Lourenço descrevia a povoação como um local medonho, antro de

homens facinorosos foragidos, preadores de índios, enfim comparados aos construtores da Torre de Babel.

(LEVERGER, 2001, 32/33).

19

CONFIGURAÇÃO DA CHAPADA DAS MINAS DO MATO GROSSO

Este mapa é datado de 1769, entretanto é possível que não o seja, uma vez que não aparece nele o Arraial de São Vicente nesta data o mais produtivo arraial das minas de Mato Grosso. Este desenho é importante, pois delimita com clareza o espaço em que mais se minerou no vale do Guaporé, a faixa de terra entre os rios Galera e Sararé. GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg. 446.

Em suas ‘Noticias da Situação do Mato Grosso’, escrito em 1750, José Gonçalves

da Fonseca, traça um breve retrospecto da ocupação inicial daquelas minas. De sua

narrativa sobressaem três pontos: a minuciosa descrição topográfica dos lugares em que

esteve ou dos quais ouviu falar; o cuidado em delimitar as áreas de ocorrência aurífera e a

preocupação com a produtividade das lavras; e, finalmente, a preocupação com os preços

ali praticados – exorbitantes pelo excesso de taxas que pagavam por virem da praça do Rio

de Janeiro8.

8 É bom que se esclareça que José Gonçalves da Fonseca era ex-secretário do Governador da Capitania do

Grão Pará e era um dos membros da expedição oficial que saiu de Belém para fazer o levantamento da

navegação do rio da Madeira e seus afluentes. A expedição saiu de Belém em 14 de julho de 1749, chegando

ao Arraial de São Francisco Xavier, nas minas do Mato Grosso, em 16 de abril de 1750. (: CANAVARROS,

1998, 185).

20

Este narrador elenca ainda mais três áreas: o sítio chamado Membeca, o sítio

chamado Monjolo, a leste da chapada e o descobrimento chamado de Gengibre, por

imitarem as raízes desta planta as folhetas de ouro. Vários outros pontos identificados a

partir de acidentes geográficos, como cursos d’água e morros, são indicados como áreas de

ocorrência aurífera. Ao descrever os locais onde se encontrou ouro e o estado de produção

dessas minas e onde se espera encontrar mais, ele deixa perceber que, em 1750, havia

apenas três arraiais no, já então, Termo do Mato Grosso. (FONSECA, 2001, 18, 19 e 20).

A ‘Lista dos moradores do Matto Grosso que se achavão até 16 de Julho de 1.751’

apresenta o povoamento local dividido em sete bairros distintos: Chapada de São Francisco

Xavier, com 31 fogos, dos quais 24 são de brancos e 07 de mulatos e pretos forros; Bairro

do Ouro Fino, com 08 fogos; Bairro de Sant’Anna, com 14 fogos; N. Sª do Pilar, com 10

fogos; Corrigo de Mombeca, com 06 fogos; Bairro da Conceição, com 08 fogos; e Pantanal

e margem do Guaporé9, com 12 fogos (CANAVARROS, 1998, 188). É bem possível que

este último fosse área de produção agrícola e pastoril10.

Apesar de todos estes Bairros, as fontes consultadas só informam como arraiais os

de: N. Sª do Pilar, Sant’Anna, e Chapada de São Francisco Xavier.

Ao que tudo indica o primeiro agrupamento de pessoas nos descobertos auríferos

do Mato Grosso foi N. Sª do Pilar, e corria o ano de 1735. As pessoas chegaram,

arrancharam e encontraram ouro num morro que deram o nome de Pilar, em cujas fraldas

ergueu-se o Arraial. Nesta entrada vieram o ‘Padre Manuel Leite com seu irmão o Sargento

Mór Francisco de Salles Xavier e João Pereira Cruz, juntando-se no Paraguai com

Fernando Paes de Barros e seus sobrinhos João Martins Claro e José Pinheiro de Barros.’

9 Destes sete bairros, quatro aparecem em documentos da última década do setecentos como arraiais, Chapada

de São Francisco Xavier, Sant’Anna, N. Sª do Pilar e Ouro Fino (GARCIA, 2000, 410). 10 Ver ‘Mapa dos Rios Madeira e Guaporé, cópia de 1760 de original de 1749’, a última página trás a

localização de várias fazendas na margem do Guaporé (Apud CANAVARROS, 1998, 335). É bem possível

que o mapa tenha sido ‘atualizado’ em 1760, mesmo porque inclui pontos que só foram fundados depois de

1749, entretanto, não me parece o caso dos locais referenciados na última página.

21

GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg. 197.

Outras referências ao núcleo aprecem já para o ano de 1749 ... Neste ano fez o

reverendo padre José Manuel Leite a sua Capela no seu sítio, e campo sempre de antes

chamado de Pilar a cuja Senhora dedicou a mesma capela (BORGES, 2001, 22). Ou

ainda, em 1750, ... no de Nossa Senhora do Pilar, onde está edificada outra capela,

dedicada à mesma Senhora, em terras do padre José Manuel Leite, que erigiu à expensas

suas, onde celebra missa aos moradores daquele distrito (FONSECA, 2001, 18).

Este arraial, como os demais, teve uma existência bastante duradoura. Os

engenheiros Ricardo Franco de Almeida Serra e José Joaquim Ferreira, que viveram na

região do Guaporé entre 1780 e 1790, deixaram um mapa que o representava. Ainda que

paire dúvidas, tudo indica que em 1816 sua população estivesse bastante reduzida, e isto era

atribuído à decadência das minas.

Naquele mesmo ano de 1735, teve início o Arraial de Sant’Anna. O segundo

grupo a chegar foi comandado por Francisco Rodrigues Montemor e amparado

espiritualmente pelo padre João Caetano Leite Cezar de Azevedo. Vieram também o padre

André dos Santos e Manoel Pereira Marques, Manuel Vicente Nunes e seu filho, além de

muitos outros. Segundo o cronista Barbosa de Sá, o dito padre (João Caetano) ... deixou

este a igreja (em Cuiabá) fes viagem para o Mato grosso com bastante gente que o

22

acompanhou chegado Levantou a Capella de Santa Anna11... (BARBOSA DE SÁ, 1975,

35).

GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg. 197.

O grupo teria se arranchado perto do rio Sararé. Aos poucos, o Arraial foi

crescendo, e em 1739, a capela de palha e pau-a-pique foi reedificada e coberta de telhas.

Em 1750 a capela continuava a ser referenciada: No arraial da Senhora Sant’Anna há uma

capela muito boa, da invocação da mesma santa, em que se diz missa ao povo um

coadjutor (FONSECA, 2001, 18).

Em 1752, o Capitão General D. Antonio Rolim de Moura a ele se referia como de:

... terra plana com bons matos para lenha e madeiras e bons

campos para o gado; porém a água é pouca para formar-se

povoação grande; ...faz papos o que é sumamente descômodo e que

desfigura a quem tem. Enquanto o clima é mais quente e

temperado que o da Chapada e por isso menos sujeito às febres

11 Segundo os Anais de Vila Bela coube ao padre André dos Santos a primazia da feitura da primeira igreja

nos novos descobertos, ao contrário do que afirma Barbosa de Sá, que sempre demonstrou uma certa má

vontade e acidez ao escrever sobre as minas do Mato Grosso.

23

catarrais e pleurizes,.. e de terem também a de lhe ficarem as lavras

perto de casa, e as roças que nestas terras dão bem...

(LEVERGER, 2001, 41).

Em documento datado de 1837, pouco mais de cem anos de seu surgimento, o

Arraial de Santana é referenciado, pela primeira vez, como um lugar abandonado em

decorrência da transferência da capital e da exaustão das minas (BANDEIRA, 1988, 58).

Foi em setembro de 1736 que se socavou em cima da serra, a chapada, ali se

encontrou boa faisqueira, pôs-se editais e se repartiram as datas auríferas no mês de

outubro. No ano seguinte, com a iniciativa de padre Manuel Antunes de Araújo, ergueu-se

uma capela de pau e cobertura de palha, a segunda dos descobertos do Mato Grosso. Já em

1739, o Arraial congregava a maior parte dos moradores das minas.

GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg. 198.

Em 1746, ano dos descobertos do Arinos, ...se dava no Arraial da Chapada

princípio a nova igreja de São Francisco Xavier, que no lugar da antiga capela se

entregou a fabricar de pedra coberta de telha. Seguindo o mesmo narrador:

24

A igreja matriz está edificada de pedra e barro, de uma só nave, e

ocupa suficiente área á Proporção do povo, na baixa da lombada,

onde desce a construção do arraial: está paramentada com asseio,

tanto a capela-mor como os dois colaterais que têm no vão do arco,

que divide a mesma capela do corpo da igreja; de decentes

ornamentos para celebração das missas solenes e ordinárias. Não

tem ainda sacrário para deposito do Augustíssimo Sacramento do

Altar (FONSECA, 2001, 17).

Deste mesmo autor é a melhor descrição que se conhece do Arraial:

De duas ruas de casas de irregular postura consta o arraial de São

Francisco Xavier. As casas são fabricadas de madeira e barro e

algumas de pedra insossa, todas térreas, e somente há uma morada

de taipa de pilão com seu sobrado, coberta de telha, e quatro mais

têm a mesma cobertura, as outras todas as têm de colmos

(FONSECA, 2001, 18).

Rolim de Moura, 1751/52, parece não ter gostado muito do que viu. Sua descrição

do Arraial de São Francisco Xavier, quanto às condições de clima e salubridade, é

extremamente crua e desanimadora:

... O clima é o mais destemperado que tenho visto. No pouco

tempo que lá estive (na chapada de São Francisco) chegou a

experimentar em alguns dias calma e frio, chuva, vento e névoa.

Daqui precedem muitas queixas que padecem seus habitantes,

principalmente de sezões que são contínuas em muitos, e em quase

todos os mais, de todos os anos. Também se experimentam febres

catarrais e pleurizes, pelo tempo das friagens tão excessivas, que

obrigam a fechar portas e janelas e chegam a matar, principalmente

os pretos, por menos enroupados, se os apanham no campo.

(LEVERGER, 2001, 40).

A descrição do aspecto físico e das possibilidades técnicas do Arraial de São

Francisco Xavier de vir a ser a Vila-Capital, deixada pelo Capitão General, é bastante

sucinta e denota bem a sua má vontade para com o local:

Compõe-se aquele arraial todo de casas de pau-a-pique barricadas

e cobertas de capim e assim serão as que eu me acomodei postas à

aventura sem ordem nenhuma, nem formatura de ruas e só uma

morada há, e a igreja, que sejam telhadas. Está a povoação no alto

de uma serra a que chamam de Chapada, e para onde se sobe de

toda parte légua e meia, e duas léguas, e na mesma distância lhe

25

fica a lenha e a madeira inda mais longe a cuja dificuldade se

ajuntam a da condução por causa do íngreme... Inda que têm boas

vargens, não são capazes de trazer o gado por serem os pastos

resfriados nascidos em terras muito úmidas, e frias, o que os

emagrece e mata (PAIVA, 1982, 71/72).

Até o ano de 1752, estas eram as localidades que as fontes referenciam como

arraiais, ainda que houvem vários outros ajuntamentos de pessoas, distribuídas em sete

bairros, seja nos sítios, engenhos, roças, lavras ou faisqueiras. Muitos destes lugares teve

uma vida bastante animada e longa. Assim, primeira fase de ocupação do Vale do Guaporé

pode ser caracterizada por uma certa mobilidade, em busca de achados que demandassem

menores investimentos de trabalho e capital. Ou seja, o ouro mais de aluvião.

Talvez se possa falar em várias fases na extração de ouro nas minas do Mato

Grosso. Um primeiro momento pode ser identificado entre os anos de 1734 a 1740 – a

coleta mais ou menos fácil do ouro de aluvião. Foi este o momento de maior volume

produzido. Segundo documentos do dito descobrimento teriam sahido desde o ano de 1736

ate o dito de trinta e oito, cem arrobas de ouro. Esta foi também a fase de maiores

dificuldades fosse de reconhecimento do meio ambiente, de organização de uma estrutura

de produção dos meios de subsistência, de abertura de caminhos, de dificuldades de

abastecimento, fosse de muitos padecimentos em decorrência das doenças. Aqui

predominaram os serviços de faisqueiras.

A década de 1740 foi destinada à busca de novas rotas comerciais, a tentativas de

aproximação com os jesuítas das províncias de Chiquitos e Moxos e à extração das lavras,

que requeriam maior investimento de capital – escravos, ferramentas, construção de açudes

e aquedutos. No córrego chamado Buriti se trabalha em um serviço à custa de Antônio da

Silveira Fagundes Borges, para encanar as águas de uma parte da planície, em que se

espera haver grande utilidade (FONSECA, 2001, 18).

Alguns autores mais apressados chegam mesmo a identificar aquela década como

a do início da crise da mineração do Mato Grosso, cujo golpe de misericórdia teria sido

dado pelas descobertas das minas do Arinos e depois do Paraguai. É melhor relativizar. É

muito provável que tenha havido uma diminuição no volume de ouro coletado. Por outro

lado existe a hipótese que tenha passado a haver uma certa constância nesta produtividade

e, uma vez que os serviços de minerar passaram a requerer mais investimentos, isto tenha

26

limitado o número de pessoas atuando naquela área; o que não significa necessariamente

uma crise de produção.

Em documento datado de 1750, José Gonçalves da Fonseca faz um prognóstico

bastante otimista das potencialidades minerais das Minas do Mato Grosso. Ao mesmo

tempo informa que ...a maior parte das faisqueiras, em que atualmente se está minerando,

são aquelas que nos primeiros tempos deste descobrimento, eram abandonadas por não

fazerem conta, a respeito de que abundavam em grandiosa extração sem grande trabalho.

(FONSECA, 2001, 15). Talvez se possa mesmo dizer que a segunda metade do século

XVIII foi a fase áurea da vida econômica, política e social das populações radicadas no vale

do rio Guaporé.

Do ponto de vista da ocupação, por não-índios, o Termo do Mato Grosso, nos

anos a partir de 1740 até 1750 é pouco referenciado12. Os cronistas e mesmo as fontes

preferem dedicar sua atenção a fatos, como a necessidade e as tentativas de estabelecer

relações com os vizinhos das Províncias de Moxos e Chiquitos (as Missões das Índias de

Espanha), os problemas de abastecimento e os preços exorbitantes praticados ali, e por

causa disso buscavam novas rotas comerciais, a descoberta das minas do Arinos e seus

reflexos para os Termos do Cuiabá e do Mato Grosso, além de temas como, as disputas

políticas internas, as cobranças dos impostos etc.

O Estado Português sempre esteve atento ao movimento de seus súditos no

extremo oeste da colônia Brasil. Ao contrário do que afirmam alguns autores

contemporâneos, o Estado foi presente nas minas do Mato Grosso desde o primeiro

momento. Tão logo foi notificado o Brigadeiro Antonio de Almeida Lara, então regente da

vila do Cuiabá, enviou o sargento mór Antonio Fernandes de Abreu para se certificar do

potencial dos novos achados.

Outro episódio que denota esforços no sentido de se ter controle sobre a situação

pode ser visualizado na proibição, em 1735, do Ouvidor da vila do Cuiabá de que seus

moradores a abandonassem em detrimento dos novos descobertos. Sobre este fato assim se

expressa Barbosa de Sá:

... e noticias das riquezas do Mato grosso determinarão muitos a

fazer para lá viagem o que impedio o Brigadeiro Antonio de

Almeida Lara com o dictame de que hia arepartir as terras e com

12 As informações são esparsas como a que se segue: Sertanistas de São Francisco Xavier encontraram ouro

em alguns ribeirões que afluem no rio Corumbiara. (LEVERGER, 2001, 31).

27

efeito aviouse e foy e com elle muitos que o seguiró. (BARBOSA

DE SÁ, 1975, 35).

A presença do Estado como regulador das relações sociais, econômicas e políticas

no chamado Mato Grosso é registrada em documentos desde 1737. Naquele ano, o Ouvidor

Geral da Comarca do Cuiabá, João Gonçalves Pereira, fez viagem de Correição àquelas

minas.

A leitura de um documento por ele deixado permite identificar algumas das

preocupações então correntes, como o número de pessoas nas minas, a quantidade de ouro

extraída, os sinais de declínio da produção, os investimentos de capital na busca de novos

descobertos, a insalubridade da região, entre outros. Porém, o ponto mais ressaltado pelo

Ouvidor Geral foi a petição dos moradores “solicitando a nomeação de um superintendente

... que lhes administrasse justiça..., além de escrivão e tabelião de notas ‘para fazer

testamentos, contractos e procurações...” (CANAVARROS, 1998, 175), no que foram

atendidos.

No ano de 1743 o Estado Português continuava administrando e deliberando sobre

a vida política, econômica e administrativa das minas do Mato Grosso, assim naquele ano:

... separou-se a freguesia das minas de Mato Grosso (São Francisco

Xavier) das de Cuiabá” (LEVERGER, 2001, 30). “... veyo no

seguinte anno (1744) decretto do dicto senhor (rei de Portugal) em

como fazia o Matto Grosso cabeça de Capitania com Governo e

Juizo de Fora e privilegios a todos seus moradores e pessoas que

nelle se fossem estabelecer (BARBOZA DE SÁ, 1975, 42)13.

Apesar das datas controversas, o fato é que o Mato Grosso começava a se tornar

menos dependente do Cuiabá; o que já indica que o povoamento daquele Termo se

consolidava. Ao mesmo tempo, o Estado Português ia criando mecanismos para se firmar e

reivindicar, como suas, terras que os europeus entendiam como pertencentes à Espanha.

Este tempo, 1734 a 1752, entremeando as descobertas das minas, a fundação dos

arraiais, a instalação de pequeno aparato burocrático e administrativo, o reconhecimento do

espaço físico de parte do vale do Guaporé, a criação do Termo de Mato Grosso e,

13 Ainda sobre este tema escreveu Filippe José Nogueira Coelho em suas Memórias Chronológicas da

Capitania de Mato-Grosso “Teve Mato-Grosso no anno de 1743 a percussora da sua villa na provisão de

1742... pela qual manda Sua Majestade que nas ditas minas houvessem dois juizes ordinarios com um tabelião

e meirinho, dando appelaçao para o ouvidor, na mesma forma que mandara praticar nas minas de Goyaz...

Este anno foi o da separação da freguesia d’estas minas das do Cuyabá” (Apud CANAVARROS, 1998, 176).

28

finalmente, a criação da Capitania de Mato Grosso e fundação de Vila Bela, permitiu que o

Estado Português fosse tomando medidas e elaborando estratégias e argumentos que

justificassem, perante as outras Cortes européias, reivindicar para si a faixa de terras desde

as cabeceiras do Jauru/Paraguai e Guaporé e, a partir do rio Galera à margem direita do

Guaporé.

O viver nas minas do Mato Grosso

A situação nas minas do Mato Grosso, como de resto nas do Cuiabá, era quase

sempre de instabilidade. Havia de se vencer muitas adversidades, como o desconhecimento

do meio natural, as pestes, as doenças ali endêmicas, os meios de comunicação e

transportes, povos indígenas hostis aos invasores de suas terras, os incômodos vizinhos

hispânicos, a falta de regularidade do abastecimento de gêneros de primeiras necessidades,

de instrumentos de trabalho e de escravos, os desmandos administrativos, os baixos

investimentos de capital e o tipo de exploração dos achados auríferos, a rapidez do

esgotamento das minas de aluvião e a necessidade constante de novos descobertos etc.

O viver em regiões tão distantes e desconhecidas requeria de paulistas e português

muitas estratégias. Uma das mais conhecidas era o hábito indispensável de se plantar roças

antes ou ao mesmo tempo que qualquer outra atividade econômica. No caso da mineração

no Mato Grosso não foi diferente. Como nos informa um de seus cronistas: ‘Neste ano

(1734) partió logo o Sargento mor Antonio Fernandes de abreu e outros para o mato grosso

a abrir caminho chegados aranxaraó-se colheraó as rosas aquelles que lá as tinhaó deixada

intraraó a minerar de onde logo apareçeo ouro...” (BARBOSA DE SÁ, 1975, 35).

As narrativas disponíveis não deixam dúvidas sobre a precedência e importância

das roças. Não foi por acaso que um dos irmãos Paes de Barros arranchou perto dos novos

descobertos, e o outro, às margens do rio Paraguai. Em 1737, já há registros de moradores

no Jauru, onde se cobravam impostos. Provavelmente eram roças que davam apoio aos que

demandavam as Minas.

Em 1750, ao informar sobre os moradores do Mato Grosso, José Gonçalves da

Fonseca afirmava:

Negros da Guiné escravos consta pelo livro da matrícula de

capitação, haver número de mil e cem, dos quais somente

29

seiscentos é que se poderão empregar nas faisqueiras e lavras, por

se ocupar o resto em lavouras de mantimentos; cujas fazendas se

acham estabelecidas na planície em circunferência da chapada,

entre estas e o Sararé. (FONSECA, 2001,16).

Como se pode perceber, era bastante elevado o número de escravos empregados

na produção de subsistência, ainda que as variedades dos produtos cultivadas fossem

limitadas. As fontes fazem referências a feijão, farinha (de mandioca) e legumes. Além de

referências à criação de galinhas, porcos e vacas.

Já em 1736, o gado vacum e cavalos foram levados para as minas novas do Mato

Grosso pela comitiva que foi abrir o caminho do Cuiabá até o Paraguai. Sobre a abertura do

caminho e a introdução de gado nas minas do Mato Grosso, diz o autor do Anal de Vila

Bela:

... e mandou por terra a Inácio Pereira Leão a abrir caminho do

Cuiabá até o Paraguai que o não havia, porque até esse tempo,

assim os descobridores, como os demais sertanistas, navegaram do

Cuiabá até o Paraguai acima, ou até as cachoeiras do Jauru e daí

seguiram o sertão conduzindo o dito Leão o gado e cavalos do dito

Brigadeiro, até o Paraguai, donde com o mesmo gado continuou

Fernando Paes de Barros, a abrir caminho até a passagem do Jauru

pelo qual subiu o dito Brigadeiro com sus comitiva e daí continuou

o dito Fernando Paes com Inácio Pereira Leão a diante a abrir a

pisada dos descobridores até estas minas (BORGES, 2001, 15).

Outra informação que se cultivava junto com a mineração conta que em 1736

valia um alqueire de milho seis oitavas produto das e plantas do mesmo descoberto. Ou

ainda, em 1745, ‘fez abrir Antonio da Silveira, do rio Jauru até o rio Guaporé, donde fez

sítio e daí o continuou para estas minas... (BORGES, 2001, 16 e 20).

O universo da produção de subsistência, nos primeiros anos, é pouco tratado pelas

fontes ou pela historiografia. No entanto, como a preocupação com os preços sempre

aparece é possível ao menos identificar o consumo corriqueiro entre os moradores das

minas. Os Anais de Vila Bela (1752) registra, para o ano de 1736, os seguintes produtos:

milho, feijão, carne de vaca ou de porco, toucinho, aguardente de cana, marmelada, açúcar

e galinha. A partir de 1738, com a descoberta do Guaporé, o peixe passou a fazer parte da

dieta alimentar daquela população. A mesma fonte deixa entrever a prática das caçadas ...e

30

dando em um campo, a que hoje chamam de campo do Simão, que fica entre os matos de

um e de outro rio Sararé e Guaporé, donde iam fazer suas caçadas. (BORGES, 2001, 17).

Alguns historiadores, como os professores Therezinha Arruda e Otávio

Canavarros, defendem a hipótese de que nas minas do Mato Grosso, ao contrário das

Gerais, o auto-abastecimento de gêneros de primeira necessidade era maior. Entre outras

explicativas podem-se elencar a distância e a precariedade dos caminhos e meios de

transporte; a quantidade de impostos ... pelo que toca as fazendas, além do seu primeiro

custo, se lhes juntam tantas parcelas de direitos e fretes de conduções ... um alqueire de

sal, que embarrilado no Rio de Janeiro, sabe custando 2$200; posto no Mato Grosso pelo

caminho do Cuiabá faz de despesa 28$240; além do volume e peso das cargas.

Para Otávio Canavarros,

Dos testemunhos de época fica claro que as atividades agro-

pastoris dividiam com a mineração, no tempo das águas, o

emprego de escravos, o que possibilitava o auto-abastecimento

local, principal neutralizador da carestia e sintoma seguro de lavras

de pouco rendimento (CANAVARROS, 1998, 188).

A afirmativa de que as lavras eram de pouco rendimento pode ser entendida a

partir da constatação de que o período mais propício para a mineração era o das águas,

período em que também se praticava a agricultura e se empregava tanto numa como na

outra atividade, quase o mesmo número de escravos. A lógica seria empregar mais escravos

nos afazeres mais rentáveis.

As atividades de produção de bens de subsistência, como as roças, os engenhos, as

pescarias, a criação de gado vacum são indicativo seguro da perenidade da ocupação

daquele espaço. O cuidado em requerer direitos para ocupar aquelas terras com sítios de

lavouras remonta a 1736, ano em que Tomé Gouveia e Sá Queiroga pede a S. M. lhe mande

passar carta de confirmação de licença que lhe deu o Governador para levantar engenho

de aguardente e melados, no novo sítio do Mato Grosso, tudo à sua custa. Da demanda, a

resposta de S. M. é datada de 1738 em Provisão de D. João V ao ouvidor do Cuiabá, sobre

o requerimento de Tomé de Gouvêa e Sá Queiroga (SOUZA, s/d, 31 e 32).

D. João V mantém o previsto na legislação vigente para as minas, proíbe e ordena

que no caso de haver sido erigido engenho o mande demolir e não consinta que se

estabeleçam novos engenhos (SOUZA, s/d, 31 e 32). A documentação posterior vai

31

demonstrar que a proibição não foi acatada. Um documento de 1750, ao tratar das lavouras

de mantimento, afirma que as fazendas se achavam estabelecidas na planície em

circunferência da chapada, entre esta e o Sararé. A documentação iconográfica posterior

apresenta de forma clara e precisa a localização de vários sítios, engenhos e fazendas

(FONSECA, 2001, 16 e 20).

Há indicações que permitem afirmar que as margens do rio Jauru eram um dos

locais onde se praticavam atividades agropastoris. Quando de sua primeira viagem às minas

do Mato Grosso, em 1737, o ouvidor João Gonçalves Pereira, ... seguindo viagem pelos

rios até o Cubatão do chamado Jaurû, onde chegara a 13 de outubro, dilatando-se alli 15

dias com varias diligencias que ocorreram, faz supor haver ali um ponto de apoio com

roças para aqueles que demandavam aos novos descobertos. Em 1745 o capitão Antonio

Francisco da Silveira, homem de muitos negócios, abriu um novo caminho do Jauru até as

minas ... e nas margens do Aporé (Guaporé) e Jauru têm este mesmo morador mais duas

fazendas de lavouras, e algum gado vacum, com que socorre muitas vezes os arraiais do

Mato Grosso.

No caso das minas do Mato Grosso, foi possível identificar dois tipos básicos de

comércio: o de fazendas de fora e o de bens do país.

Do que se percebe nas fontes, o que se chama de fazendas de fora, seja seca ou

molhada, são produtos importados de Portugal, da África, ou de outras Capitanias da

Colônia. Entre 1736 e 1750, a rota seguida era Corte – África – Rio de Janeiro – São Paulo.

Neste ponto podia-se escolher entre o caminho fluvial ou terrestre. Os produtos mais

requeridos eram o sal, a escravaria, armas, ferramentas, utensílios metálicos, pólvora,

tecidos, peças decorativas, louça e prataria, doces, azeites etc.

Quanto ao chamado comércio de bens do país designavam-se os víveres e

mantimentos. As fontes existentes levam a crer que sua produção era basicamente local.

Este comércio teria movimentado e empregado um número significativo de capital e

escravos nas minas do Mato Grosso. Dentre os produtos, destacam-se milho, feijão, farinha,

toucinho, aguardente de cana, açúcar, melado, galinhas, patos, peixes, porcos e bovinos. Os

bens comerciados tanto podiam ser oriundos do derredor das minas, de estabelecimentos

agrícolas e pastoris situados ao longo de seus caminhos, quanto do Cuiabá e adjacências.

Esta necessidade de investir no auto-abastecimento talvez explique o elevado

número de escravos utilizados na agricultura em 1750. Dos mil e cem constantes da

32

matrícula daquele ano, quinhentos estavam nos serviços de lavouras de mantimentos

(FONSECA, 2001,16). Isto não significa que as rotas comerciais nas minas do Mato

Grosso fossem menos lucrativas e/ou intensas que e em outras regiões mineradoras. Havia

um conjunto de bens e produtos, como escravos, sal, ferramentas, armas, pólvora, tecidos e

utensílios de ferro, cobre, louças e outros que de se precisavam importar.

Desde seus princípios até 1752, os moradores das minas do Mato Grosso

praticavam suas relações de comércio com o Rio de Janeiro, com intermediação dos

comerciantes do Cuiabá. Ao mesmo tempo procuravam várias outras rotas, com os vizinhos

castelhanos e com a capitania do Grão Pará. Todas elas expressamente proibidas pela Coroa

Portuguesa.

Cuiabá era o centro redistribuídor das mercadorias vindas do Rio de Janeiro para

as demais localidades da Comarca. A partir de 1737 eram duas as rotas comerciais: as

monções do sul e o caminho terrestre São Paulo – Goiás – Cuiabá. Para os moradores do

Mato Grosso, a primeira metade do século XVIII foi marcada pela dependência dos

comerciantes do Cuiabá.

Os comerciantes da Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá trataram logo de abrir

caminhos para as novas minas do Mato Grosso. Em 1735, fazia-se o trajeto, descendo o

Cuiabá até a barra deste com o Paraguai, subindo por este e, na sua foz com o Jauru,

adentrando por ele até suas mais altas cachoeiras. Daí saltava-se e, por terra, contornavam-

se as nascentes do Guaporé, chegavam-se às minas. Já em 1736, tratou-se de abrir caminho

por terra do Cuiabá ao Paraguai, e deste ao Jauru, onde se pegava a trilha já conhecida. Em

1745 abriu-se um novo caminho do Jauru ao Guaporé.

33

MAPA DAS TERRAS, RIOS E RIBEIRÕES ENTRE A VILA DE CUIABÁ E VILA BELA

Neste mapa foram ressaltados os dois caminhos, o Velho e o Novo que levavam à uma e outra vila. Elaborado em 1755, pós Tratado de Madrid, o mapa apresenta como limites naturais entre as Coroas de Portugal e Espanha, os rios Jaurú, Aguapeí, Alegre e Guaporé. GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg. 356.

São muitas as reclamações dos altos preços das mercadorias e das irregularidades

do abastecimento e das catástrofes naturais, como a seca, associada às doenças e fomes.

Segundo a narrativa de um dos cronistas de época, o ano de 1736 foi um dos mais difíceis,

coincidindo com a entrada copiosa de levas de pessoas, incluído mulheres e famílias. Foi

No mês de agosto do dito ano que começou a picar a peste e morreram... assim brancos

como carijós e negros (BORGES, 2001, 15). Conseqüentemente foi o ano das maiores

carestias.

Período igual, só o desassossego registrado em 1746, quando se anunciou o

descoberto do rio Arinos.

Foi esta mudança para o descoberto dos Arinos um total destroço

destas minas pelo muito que perderam os que para lá foram e pelas

muitas vidas que lá ficaram com a morte, e daqui começaram a ir

34

estas Minas do Mato Grosso em decadência, principalmente na

diminuição dos moradores. Acresceu disto neste ano uma grande

esterelidade e fome neste País, parte dela procedida de fogos do

mato e paióis; e a maior parte por falta de planta e praga

(BORGES, 2001, 21).

Quem muito se utilizou dos dados apresentados pelas fontes foi o prof. Otávio

Canavarros que, ao estudar as relações entre o volume de ouro extraído das minas e os

preços ali praticados, defende a hipótese do comércio funcionar como uma válvula de

drenagem das riquezas produzidas na região. Apenas para exemplificar, diz o pesquisador

que: Na relação de preços da Companhia (Companhia Geral do Comércio do Grão Pará e

Maranhão), ainda em 1772, o escravo negro custava em Mato Grosso, 200 oitavas, quando

no período do auge da mineração chegou a valer 500 oitavas, ou mais (CANAVARROS,

1998, 190).

Uma das fontes consultada nos informa que pouco a pouco os preços e o

abastecimento foram se normalizando. O exemplo utilizado foi o do preço da carne bovina.

Segundo o autor, antes de 1748, o preço da carne era alto, pois por estes anos atrasados

não havia cortes certos de carne de vaca, e só quando entrava para elas alguma boiada.

Ao evidenciar, com números, a taxa decrescente dos preços da carne14 o cronista permite

visualizar que o povoamento na região se consolidava. (BORGES, 2001, 22).

Para fugir das armadilhas de comerciar com uma só praça, o Rio de Janeiro, os

comerciantes das minas do Cuiabá e do Mato Grosso empreenderam uma série de

iniciativas, dentre as quais interessa destacar a busca de uma rota pelo Pará e as tentativas

de comerciar com as vizinhas províncias hispânicas de Moxos e Chiquitos. Mesmo por que,

destas iniciativas, ampliou-se o conhecimento do território, bem como das áreas ocupadas.

A relação com os vizinhos hispânicos sempre foi ambígua: desconfiança, medo,

interesse comercial, ora proibida, ora estimulada e de espionagem. Entendê-la pressupõe

estar sintonizado com o que acontecia na Europa naquele momento; bem como atentar para

a sobreposição de ordens emanadas de Portugal através da Coroa e do Conselho

Ultramarino.

14 Ao depois daquela primeira carestia no descobrimento das minas, se foi pondo pelos anos adiante a quatro

oitavas a arroba e ao depois a três e meia, e depois a três, e já por este ano (1748) corria a duas e meia quando

havia, sendo Antonio Francisco da Silveira quem por estes últimos anos usava deste negocio, que

ultimamente no ano de 1750 veio a por a duas oitavas a arroba. (BORGES, 2001, 22).

35

As iniciativas de estabelecer contatos como os vizinhos datam a partir de 1740 e

foram realizadas, tanto pelos moradores das minas do Cuiabá quanto do Mato Grosso. Ao

que tudo indica, o Ouvidor João Gonçalves Pereira foi o grande incentivador desta

aproximação, ainda que isto tenha lhe causado algumas reprimendas por parte das

autoridades superiores, tanto no Brasil como em Portugal.

Segundo consta no ano de 1740, comerciantes e a câmara, com aprovação do

Ouvidor, organizaram em Cuiabá uma embaixada a San Rafael de los Chiquitos com várias

funções, tais como entabular negociações comerciais... expedição exploratória, visando

ao levantamento da região para abrir opções nas rotas de troca e espionar as aldeias

jesuítas (CANAVARROS, 1998, 188). Ainda que tenha sido pacífico, este primeiro

contato gerou muita controvérsia e repreensões de ambas as administrações européias na

América.

Do lado português, o ‘Ouvidor Geral Intendente da Capitação e Provedor da

Fazenda da Comarca do Cuiabá, João Gonçalves Pereira, em carta a D João V,

representando um grupo de comerciantes do Cuiabá, deixa claro as intenções mercantis de

tal aproximação. A justificativa principal amparava-se no declínio do volume das

transações em decorrência da redução da extração aurífera. Acompanhemos seus

argumentos:

elles tem experimentado, e actualmente estão padecendo demenuição

muito grande nos seus cabedaes empregados em fazendas por não

poderem dar lhes saida nass dittas Minas, e da que tem dado a

algumas estão por embolçar da mayor parte do seu produto por o

estado da terra assim o permitir; o que procede do demenuto numero

de moradores, e falta de ouro por não aver quem o procura, e tire

motivos ambos para total ruína do negocio... (CANAVARROS,

1998, 195).

Talvez os moradores do Mato Grosso ainda não padecessem, como os do Cuiabá,

da diminuição do volume de extração de ouro de suas minas, mas, em 1742, também,

procuraram estabelecer relações com os moradores das Missões Jesuíticas de Moxos.

Mesmo sendo uma viagem oficiosa, a Expedição teve um certo impacto.

Os componentes do grupo de quem se tem registro chegavam ao número de dez

homens, dos quais seis eram paulistas e quatro reinóis, todos acossados por dívidas. Ao que

tudo indica levaram consigo criados e escravos. A idéia inicial do grupo era estabelecer

36

relações comerciais com os jesuítas, com destaque na compra de gado bovino, muares e

cavalares. As transações não se efetivaram porque os jesuítas já haviam recebido ordens de

seus superiores para rechaçarem quaisquer aproximações com portugueses.

Entretanto, as relações entre vizinhos europeus, apesar de proibidas, não tardaram

a se efetivar. Assim, em 1747, nos relata um cronista que... já este tempo estava este rio

quase até as cachoeiras conhecido dos portugueses, pescadores e sertanistas destas minas

tratando e comunicando com os padres missionários das Índias de Espanha (BORGES,

2001, 22).

Por seu lado, os quatro reinóis, desceram o Mamoré e o Madeira e, ...

atravessaram as vinte cachoeiras e saltos do percurso no território dos índios Mura e

alcançaram as missões dos jesuítas portugueses do baixo Madeira e, em princípios de

1743, três deles chegaram a Belém. (CANAVARROS, 1998, 203).

A partir de então inaugura-se a busca de uma nova rota comercial. Várias foram as

tentativas, como as de 1744, de pouco sucesso, e da qual sobreviveram Miguel da Silva e

Gaspar Barboza Lima; a de 1747, ano em que José Leme Prado e Francisco Xavier de

Abreu foram os terceiros que rodaram este rio abaixo até o Pará; a de 1749, ano que, em

dez de julho, chegou a estas Minas João de Souza Azevedo vindo do Pará por este rio

acima com a primeira carregação de negocio que nestas minas entrou vindo do Pará; a de

1750 ano que, em abril deste ano chegou a estas Minas a escolta que do Pará veio pelos

rios acima a examiná-los...; e, finalmente, em 1752, chegaram a este porto, vindos do Pará

com fazenda seca, molhados, sal, ferragem... o primeiro que ancorou no porto desta vila.

Desta data para frente, o comércio da Vila, sede da Capitania de Mato Grosso, e do todo o

vale do Guaporé passou a ser realizado, preferencialmente, com a praça do Pará.

37

II) A VILA BELA DA SANTÍSSIMA TRINDADE E A CONQUISTA DE TERRAS

NO VALE DO GUAPORÉ

A descoberta de ouro na bacia amazônica, no local então chamado o Mato Grosso,

a implantação ali de núcleos de povoamento, a descoberta do rio Guaporé15 e a certeza de

sua ligação com o rio Madeira, e daí com o rio das Amazonas, as tentativas de aproximação

e contatos comerciais com os vizinhos das províncias Hispânicas de Chiquitos e de Moxos,

a descoberta e reconhecimento da rota comercial do Mato Grosso – Pará – Portugal,

ajudaram acelerar as negociações políticas entre Portugal e Espanha na redefinição das

fronteiras em seus domínios fosse na América, África ou Ásia.

Para se entender eventos, como a criação da Capitania de Mato Grosso em 1748, a

fundação de Vila Bela da Santíssima Trindade e a abertura oficial da ligação das minas do

Mato Grosso com o Pará pelo Madeira, em 1752, é preciso ter claro o intenso conjunto de

intrigas políticas que se urdiu nas Cortes européias entre 1740 e 1750. Tais intrigas eram

alimentadas por um volume razoável de informações oriundas das colônias de além mar.

As tentativas de demarcar e consolidar a fronteira oeste iniciaram-se com o Tratado

de Madrid de 1750. O Tratado de Santo Idelfonso, datado de 1º de setembro de 1777 não

alterou tais linhas que foram confirmadas pelo Tratado de Badajós e Amiens de 1802.

Considerando que o argumento principal que definia o direito de uma nação sobre um

determinado território era o da comprovação da posse, durante a segunda metade do século

XVIII, os portugueses estiveram muito empenhados em ocupar vários pontos estratégicos

da margem ocidental do rio Guaporé. Mesmo porque a margem oriental era ocupada pelos

Jesuítas de Castela, já as primeiras décadas dos anos de mil e setecentos.

15 Em seus Apontamentos Cronológicos, Augusto Leverger, o Barão de Melgaço, informa que no ano de 1737

foi reconhecido o Rio Guaporé, viajando-se pelo Sararé, que nele faz barra. Este rio, entretanto, já era de

muito conhecido dos espanhóis que o chamava de Ytenes.

38

PARAQUARIE PROVINCIAE SOC. JESU CUM ADIAACENTI(US) NOVISSIMA DESCRIPTO POST ITERATAS PEREGRINATIONES, & PLURES OBSERVATIONES PATRUM MISSIONARIUM

EIUSDEM SOC. TUM HUIUS PROVINCIAE, CUM & PERUANAE ACCURATISSIME DELINEATA, ANNO 1722

Apesar de constar no mapa a faixa de terras entre os rios Paraguai e Paraná, o mesmo não faz referência aos descobertos de ouro que ocorrera no vale do rio Cuiabá desde 1719. GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg. 664.

39

Desde o Tratado de Tordezilhas, de 1494, até o Tratado de Madrid, de 1750, que

portugueses e espanhóis trafegaram, promoveram alianças e guerras com índios e entre si,

na América, sem muito observar os limites e fizeram letra morta do primeiro dos Tratados.

No caso da parte sul americana a situação tornava-se cada vez mais insustentável, fosse

próximo à foz do rio da Prata, fosse no vale dos rios Paraná, Paraguai ou Guaporé.

A parte central da América do Sul era lugar de difícil acesso, tanto a portugueses

quanto aos espanhóis. Para além dos impedimentos naturais, havia de se combater e

conquistar variada e belicosa gama de populações indígenas. Por outro lado, fatores de

ordem econômica mais imediatos desviaram as atenções dos europeus para outros pontos

do continente.

Segundo boa parte da historiografia corrente, os espanhóis tiveram mais sorte com a

descoberta de imensos tesouros e de minas de prata e ouro, na região do altiplano andino.

Assim, a sua política de conquista teria sido determinada, desde 1545, para proteger os

achados preciosos das minas de Potosi. Mesmo que muitas outras áreas tenham sido

incorporadas estratégica e economicamente ao império hispânico, elas teriam recebido

menor atenção da metrópole hispânica (CANAVARROS, 1998, 249/50).

Este parece ter sido o tratamento dispensado à colonização do Paraguai,Província

Gigante de Yndias, que originalmente se estendia do estuário do Prata ao Rio Amazonas,

ou seja, toda a linha de fronteira que foi definida a partir de 1750 com o Tratado e Madrid e

os subseqüentes. Vale ressaltar que a bacia do rio da Prata catalisou a maior parte dos

esforços colonizadores e foi o palco dos grandes embates entre índios, espanhóis e

portugueses. Se os espanhóis começaram a ocupá-la, fundando núcleos de povoamento

ainda no século XVI, os portugueses só o fizeram no século XVIII com a descoberta do

ouro e a fundação de núcleos urbanos no vale do rio Cuiabá (CANAVARROS, 1998, 251).

Sem entrar no mérito do porquê da ocupação tardia das bacias do médio e alto

Paraguai e do Guaporé, o fato é que só a partir de 1740 as duas Coroas envolvidas nas

disputas por tais territórios se dispuseram a redefinir o que seria de cada uma delas.

Quando os paulistas e portugueses descobriram ouro no vale do Cuiabá (1719)16 e

do Guaporé (1734), os espanhóis já ocupavam áreas mais ou menos próximas àquelas

16 A historiografia é unânime em afirmar que durantes os séculos XVI e XVII os povos indígenas do vale do

Paraguai foram capazes de sustentar uma guerra com os espanhóis e portugueses e limitar sua ação naquele

espaço.

40

minas desde os séculos anteriores, XVII e XVIII, respectivamente. É vasta a documentação

que comprova o intenso tráfego de pessoas das duas nacionalidades no vale do Paraguai;

entretanto, durante todo o século XVII foi impossível estabelecer povoamento além Chaco.

O impedimento teria sido causado pela ação guerreira dos povos indígenas ali

radicados e pelos bandeirantes paulistas17. O que teria resultado, no final do século XVII,

num deslocamento de recursos da Província Jesuítica do Paraguai para as Missões de

Chiquitos (planalto oriental da atual Bolívia, ao norte do Chaco), a iniciativa que faltava

para fechar a proteção da parte Leste de Potosi, na direção do Brasil, visto que, a

Nordeste da Província de Santa Cruz de la Sierra, os jesuítas de Lima já haviam

estabelecido, na planície, as Missões de Moxos (CANAVARROS, 1998, 253). Entre estas

províncias havia o Chaco, com suas populações guerreiras e o impedimento explícito da

Coroa espanhola de abertura de caminho que as ligassem.

A descoberta das minas de ouro do Coxipó e demais afluentes do Cuiabá, em pleno

território dos índios Coroados ou Porrudos, depois, Bororo, e a instalação ali de núcleos de

povoamento, foi realizada mediante uma sangrenta guerra com as populações indígenas que

ocupavam, tanto a bacia do alto Paraguai como do Paraná. Fato curioso é que esta invasão

dos domínios de Espanha não tenha sido imediatamente contestada, se todo o século XVII

fôra de muitos confrontos entre hispano-paraguaios e luso-portugueses.

Segundo alguns autores houve, por parte do Império espanhol, falta de

discernimento quanto à importância da ligação entre as Províncias de Chiquitos e do

Paraguai, o que facilitou o trabalho dos paulistas. Para Otávio Canavarros houve duas

coincidências nesse período, ambas favorecendo muitíssimo a ocupação do alto Paraguai

pelos paulistas, a favor da Coroa de Portugal: a proibição desse caminho (que ligava as

duas províncias) e os embaraços causados pela “revolução dos comuneros18. Esse

movimento, que durou de 1717 a 1735, deve ter mobilizado as forças militares e deixado o

caminho mais livre para os portugueses.

17 (BASTOS, 1978). 18 A revolução dos comuneros foi um movimento político ocorrido na Província do Paraguai iniciado em

1717 e que teve como momento armando o período de 1721 a 1735. Talvez isto ajude a explicar o

desinteresse dos paraguaios em combater a fundação de núcleos de povoamento no Cuiabá (a partir de 1719)

e reivindicar para si as minas de ouro ali encontradas.

41

Os espanhóis tomaram conhecimento oficial e contestaram a invasão só após

173819. Entre o pedido de investigação, originado do Consejo de las Índias, e as

providências investigativas tomadas pelo governador do Paraguai, decorreram mais de dois

anos. Em 1741, após ouvir alguns depoimentos de pessoas que supostamente conheceriam

la Ciudad del Jesus de Cuyava, desestimulava completamente qualquer invasão para

retomar tais domínios para Espanha. Entre os argumentos fantasiosos estava o do elevado

número de pessoas ali explorando as minas de ouro, mais de quarenta mil.

(CANAVARROS, 1998, 260). Um dado muito importante que deve ser considerado é que

quando as informações chegaram à Espanha, esta se encontrava envolvida em dois grandes

conflitos na Europa: a guerra com a Inglaterra e a sucessão austríaca.

Diminuídas as tensões entre Portugal e Espanha, na Europa, com a assinatura do

armistício de 1737, e constatado o fato que tanto uma como outra nação havia

desrespeitado Tratados como o de Tordesilhas (1492) e o Tratado de Paz de Utrecht (1715),

suas lideranças entenderam ser necessário redefinir seus territórios além mar. Os anos da

década de 1740 foram então de reaproximação entre as duas nações inimigas.

Restringindo-nos apenas à América do Sul, os pontos de tensões estendiam-se da

foz do rio da Prata ao rio das Amazonas, sendo o foco de maior discórdia, a presença

portuguesa na foz do Prata desde a fundação da Colônia do Sacramento.

O conflito no Prata remonta a 1660, desenrolando-se por mais de cem anos. Um

ponto importante nas negociações que se travaram a partir de 1746 foi definido no Tratado

de Paz de Utrect de 1715, qual seja; a possibilidade de troca de territórios equivalentes.

Essa idéia foi cada vez mais acalentada pelos portugueses, principalmente, a partir de

174120. A morte de Felipe V de Espanha, em 1746, aproximou os dois países ibéricos,

mesmo porque o herdeiro do trono espanhol era casado com a filha do rei de Portugal D.

João V.

A configuração política na Europa, finalmente, mostrava-se favorável às

negociações. O plano dos portugueses era bastante ambicioso pretendendo assegurar suas

posses desde a bacia do Prata até a do Amazonas, mas aberto à troca de territórios. No caso

19 Neste momento, muitos dos antigos moradores e fundadores de Cuiabá já estavam fundando outros arraiais

no vale do Guaporé. 20 Cf. Otávio Canavarros “Em fins de 1741, ‘Marco António de Azevedo Coutinho dirigia uma carta,

seguramente minutada pelo secretário do Rei, a D. Luis da Cunha, a quem pedia que arbitrasse sobre um

possível equivalente na América, a pedir pela Colônia”. Era a admissão da troca, embora em nível, apenas, de

Governo e embaixadores. Pp. 272 e 273.

42

do Extremo Oeste e Sudoeste, isto incluía todo o Paraná, o alto Paraguai e o Guaporé, das

nascentes até a foz; ou seja, a Vila do Bom Jesus do Cuiabá, com suas minas e seus arraias

adjacentes, e o Mato Grosso, também com suas minas e arraias.

Do lado português, o grande articulador foi o Conselheiro Alexandre de Gusmão. A

leitura das fontes indica que havia uma predisposição em negociar a Colônia de

Sacramento, desde que a faixa de terras ao sul fosse alargada e se mantivessem as áreas já

ocupadas, tanto da Amazônia quanto do Extremo Oeste.

Se analisarmos a bibliografia existente, veremos que há uma tendência em se

privilegiar o jogo político travado no sul da Colônia Brasil. Nos últimos tempos,

historiadores radicados em Mato Grosso têm dispendido esforços no sentido de mostrar a

importância e o interesse das duas nações pelos territórios do vale do Paraguai e Guaporé.21

Para Otávio Canavarros, a documentação comprova que os delegados de Espanha

faziam referências as estas incorporações portuguesas a Oeste. Ressaltamos este fato para

salientar que aos espanhóis não interessava apenas reaver a Colônia do Sacramento,

porem reconquistar, se possível, as terras do Vale do Paraguai e Guaporé. Por seu lado, os

portugueses tergiversavam sobre o assunto.

De 1746 a 1750, várias foram as propostas e os encontros e desencontros entre os

representantes das duas nações Ibéricas. Da perspectiva portuguesa, diz o pesquisador:

O desempenho de Alexandre de Gusmão orientou-se pelos seguintes

pontos: a) a negociação deveria ter caráter global, isto é, envolveria

toda a fronteira americana dos dois reinos; b) os negociadores

deveriam fazer “tábula rasa” do Tratado de Tordesilhas na América,

fazendo prevalecer o uti possidetis e as “balisas naturais”; c)

deveriam aproveitar a ocasião para resolver questões pendentes na

Ásia (CANAVARROS, 1998, 275).

Em 1748, o clima favorável entre os países da Europa Ocidental permitiu que se

avançassem as negociações entre Portugal e Espanha. Foram deliberadas duas medidas

iniciais: as fronteiras na América seriam estabelecidas e reconhecidas por ambos os reinos;

um tratado comercial que deveria aproximar mais as duas nações. Foi neste ano que o

21 (VOLPATO, 1987 e CANAVARROS, 1998).

43

governo Português admitiu discutir a troca da Colônia do Sacramento por um território

equivalente22.

Mais dois anos de discussões e negociações se passaram e, aos treze dias do mês de

janeiro de 1750, o Tratado foi assinado em Madrid. Conforme argumentaram os

embaixadores portugueses, prevaleceram os conceitos das ‘balizas naturais’ e do uti

possidetis, ita possidetis23(se já possuis, continuai possuindo). Em relação à recém criada

Capitania de Mato Grosso o Tratado não traz detalhamentos, apenas indica os pontos

naturais de marco daquela extensa fronteira.

... huma fronteira dilatada de mais de 500 legoas... principiando na

caxoeira de Stº Antônio, no rio Madeira, e terminando no Paraná.

(...) apenas três artigos do Tratado... descreviam toda a sua linha

demarcatória externa, segundo a qual, subindo o Paraná, tomava-se o

Igureí, deste passava-se ao contravertente Corrientes que desaguava

no Paraguai. Subia-se o rio Paraguai até a foz do Jauru, donde uma

linha reta atingiria o Guaporé, na foz do Sararé, e seguindo o

Guaporé até o Rio Madeira e, pelo meio deste, nova reta procuraria

encontrar o Rio Javari a Oeste (CANAVARROS, 1998, 279).

Ainda que não haja maiores detalhes sobre as possessões portuguesas além

Tordesilhas para a Capitania de Mato Grosso24, essa linha divisória sacramentava para os

domínios de Portugal um imenso e rico território. Talvez, a falta de informações sobre a

fronteira Oeste da Colônia Brasil possa ser lida muito mais como uma estratégia do

governo português para dissuadir os espanhóis do que uma possível falta de importância da

região25.

22 A proposta de alargamento do território ao sul da Colônia Brasil incluía aos domínios portugueses os Sete

Povos das Missões. Apesar das negativas inicias do governo de Espanha, a proposta foi aceita em 1749. Cf.

Otávio Canavarros, “Podemos presumir que razões políticas, de ordem geral ou dinástica, influenciaram a

aceitação da proposta portuguesa. O tratado era visto por Madrid como um passo de reaproximação que

facilitaria a defesa dos interesses ibéricos. Mas o que deve ter pesado mais terá sido a possibilidade imediata e

pacifica de reaver o território da Colônia do Sacramento, porta de entrada do contrabando inglês no Prata”.

pp.277 e 278. 23 Cf. Garcia “Os negociadores portugueses conseguiram fazer passar... dois princípios fundamentais... O

primeiro foi baseado no instituto que se radicava no direito romano reclctido na expressão uti possidetis, ita

possidetis, que se poderá traduzir por ‘se já possuis, continuai possuindo’, nos termos do qual seria

reconhecida a propriedade dos terrenos a quem já detivesse a sua posse”. (GARCIA, 2000, 102). 24 O artigo XIV do Tratado determinava ainda ‘a cessão da aldeia de Santa Rosa, e outra qualquer que se

possa ter estabelecido por parte de Espanha na margem Oriental do rio Guaporé’ (CANAVARROS, 1998,

279). 25 A estratégia de maquiar as informações sobre era uma das práticas adotadas por D. Antonio Rolim de

Moura. Em carta datada de 29 de junho de 1756, ao informar sobre os mapas que havia mandado tirar,

explicita que manda em anexo informações complementares, sendo assim o mapa poderia ser mostrado. “As

44

O Tratado de Madrid foi, do ponto de vista diplomático, vantajoso para as duas

nações Ibéricas. A Espanha manteve sob controle a foz do Prata e Portugal incorporou para

si um extenso território de onde extraia ouro e de onde se sabia existiam diamantes. Urgia,

pois, se tomassem as medidas político-administrativas que dessem legitimidade às clausulas

do Tratado.

A documentação indica que, entre 1731 e 1748, procedeu-se a uma redivisão

territorial e político-administrativa do Centro-Sul da Colônia Brasil. A Capitania de São

Paulo sofreu uma primeira divisão e foram criadas as Capitanias do Rio Grande e de Santa

Catarina. Num segundo momento, criaram-se as Capitanias de Goiás e de Mato Grosso,

também saídas de São Paulo. Ao mesmo tempo em que era enfraquecido o governo de São

Paulo, fortalecia-se o do Rio de Janeiro. É possível que todas estas medidas tenham sido

tomadas com vistas às negociações entabuladas na Europa.

Não há dúvidas, para os historiadores, de que a criação da Capitania de Mato

Grosso, em 09 de maio de 174826 foi uma das medidas para comprovar o princípio do uti

possidetis, podendo ser vista também como resultado da política traçada pelo Conselho

Ultramarino para a fronteira Oeste, em elaboração desde 1731. As investigações do

Conselho permitiram a elaboração de um parecer em 1748 que já apontava qual seria o

rumo da política a ser implementada na Frente Oeste com a criação da Capitania. Vejamos:

(...) No districto do Cuyabá ainda reconhece o Conselho maior

necessidade de Governador distinto e inteligente, e assim por que a

extensão delle ainda exceda a dos Goyas, e a distancia é muito

maior, gastando-se de S. Paulo á Villa do Cuyabá seis meses de

trabalhosissima navegação e dali ao Matto Grosso outro mez, como

pela circunstancia de confinar este Matto Grosso com o Governo

Espanhol de Stª Cruz de la Sierra, e com as Aldeias dos Jesuitas

Castelhanos do Moxos e Chiquitos...

(...) Julga o Conselho... se procure fazer a Colonia do Matto Grosso

tão poderosa que se contenha os vizinhos em respeito, e sirva de

ante-mural a todo interior do Brazil, para o que parece deparou a

providencia uma grande facilidade na comunicação que ali pode

haver por agoa até a cidade do Pará...

conveniências que deles, se podem tirar, mandei por em relação a parte para que se possa ver o mapa pelos

espanhóis, sem que as terras lhe façam cobiça” (PAIVA, 1982, 217). 26 Vale ressaltar, entretanto, que, antes, em 29 de janeiro de 1748, o Conselho Ultramarino de Lisboa deu ao

Rei seu histórico parecer, extinguindo a Capitania de São Paulo e criando, as Capitanias Gerais de Goiás e

Mato Grosso, (CANAVARROS, 1998, 283).

45

Ao Governador do Matto Grosso e Cuyabá parece pelas razões

sobreditas se deve ordenar que faça a maior parte da sua residencia

no Matto Grosso, e ali escolha o sitio mais conveniente, e sadio

para asento da Nova Villa que Vossa Magestade tem mandado

crear naquela parte. Lisboa 29 de Janeiro de 1748. Rezolução:

Como parece... (Apud: CANAVARROS, 1998, 284.)

A citação deixa evidente que a estratégia política para a Fronteira Oeste foi definida

com bastante antecedência. A criação da Capitania só se efetivaria um ano depois, e a

fundação de Vila Bela, quatro anos. O certo, porém, é que o Conselho Ultramarino deixa

claríssimo que conhecia a situação a Oeste de seu Império na América e mais, define onde

deveria ser a residência do Governador da futura Capitania. Sua implantação talvez tivesse

de ser adaptada aos Trópicos, tanto às condições físicas como financeiras e político-

administrativas.

Outro conhecido documento que reforça a idéia de que a Coroa Portuguesa tinha

informações consideráveis de sua Fronteira Oeste e que para ela elaborara um bem traçado

plano, são as “Instruções dadas pela Rainha ao Governador da Capitania de Mato Grosso D.

Antonio Rolim de Moura, em 19 de janeiro de 1749”. Entre muitos cuidados e providências

a serem tomados estava a necessidade de se dividir a Capitania de São Paulo em três partes,

como de fato aconteceu. A Capitania de Mato Grosso seria composta dos, já existentes,

distritos do Cuiabá e Mato Grosso. A Vila-Capital deveria ser instalada no Guaporé, onde a

proximidade com os espanhóis era maior. Para a nova Vila dever-se-iam atrair colonos

através de privilégios e isenções. Todavia, uma grande parte das recomendações versava

sobre a defesa do território, tanto com relação ao espanhol quanto ao indígena.

Escolhido que foi para a difícil missão de instalar a nova Capitania de Mato Grosso,

D. Antonio Rolim de Moura deixa Portugal em 1º de fevereiro de 1749. Chegando à

Colônia Brasil, vai a Parati, Capitania do Rio de Janeiro, ter com Gomes Freire de Andrade,

e, depois, segue para Santos, São Paulo e Porto Feliz, de onde, em 1751, inicia sua longa e

penosa viagem até as minas do Mato Grosso, passando antes e demorando-se alguns meses

na Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá.

Uma vez instalado no Mato Grosso, Rolim de Moura, observou ponto por ponto os

itens das ‘Instruções’ ao instalar o Governo, sobretudo no que dizia respeito à fundação da

vila, da organização de reduções para índios, da armação de corpos militares.

46

TERRITÓRIOS ENTRE AS CAPITANIAS DE S. PAULO E MATO GROSSO

Mapa da viagem que fez o Capitão General da Capitania de Mato Grosso, Dom Antônio Rolim de Moura, desde Parati no Rio de Janeiro, até o Pouso Alegre na Capitania de Mato Grosso, no ano de 1751. Neste mapa foram ressaltadas as vias de acesso ao Mato Grosso. GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg. 294.

Parece-nos, no entanto, que o cuidado maior foi com a defesa. Esta deveria ser

promovida não através de ações militares, mas também através de medidas que facilitassem

a colonização. Isto é visível nas preocupações em fundar um sistema produtivo que ia para

além da mineração, incentivando a agricultura, a pecuária e o comércio. Assim, talvez se

possa mesmo afirmar que em sua ação desenhava-se muito mais uma política de

povoamento que estratégico-militar.

Naquele contexto, a fundação da Vila-Capital teria um papel decisivo. Sobre as

características físicas da futura Vila, as Instruções recomendavam: tereis cuidado de

mandar traçar as ruas direitas e largas, o mais que vos parecer conveniente, para que a

47

mesma villa desde o seo principio se estabeleça em boa direção. Muita polêmica foi gerada

sobre a escolha do local sede da Vila, como já foi demonstrado.

Logo, ocorrida em 19 de março de 1752, a fundação de uma vila nas imediações do

rio Guaporé, denominada de Vila Bela da Santíssima Trindade, em dia de São José, fora

pensada e definida muito tempo antes.

Desde que o Ouvidor das minas do Cuiabá, João Gonçalves Pereira, deu notícias,

em 1739, que os espanhóis freqüentavam a região do Alto Paraguai, que se defendia a

necessidade de barrar tais avanços. O Conselho Ultramarino deu ouvidos às denúncias de

João Gonçalves Pereira e recomendava, já em 1740, a sua Majestade mandar fundar hua

Villa no sitio de Mato grosso. As consultas e estudos sobre a fundação de uma vila na

fronteira as missões espanholas tiveram continuidade em 1741, quando o rei mandava

ouvir os governadores de São Paulo e Rio de Janeiro.

Uma Resolução Real datada de 27 de junho de 1746, explicita a deliberação das

Cortes de Portugal em fundar o mais breve possível uma vila nas terras confinantes com as

Missões dos Castelhanos. Em 5 de agosto daquele mesmo ano, o soberano português

determinava ao governador de São Paulo, D. Luiz Mascrenhas, erigir huma villa no

districto do Matto Grosso em o sitio que se julgar mais conveniente (CANAVARROS,

1998, 292 e segs.). Vejamos um extrato do documento:

(...) Hey por bem fazer mercê a todos os moradores da dita villa e

seu destricto de os izentar de pagarem fintas e quasquer tributos,

ainda os de entradas, e isto por tempo de 12 annos... e somente dos

metaes e mineraes que tirarem serão obrigados pagar-me metade

do ditos direitos... e nesta izenção não entrao os dizimos a Deos

dos fructos da terra...

E pelo que desejo favorecer este novo estabelecimento sou servido

que todos os moradores... não possão ser executados por dividas

que tiverem conthraido fora della e seu destricto, o que entende

somente nos primeiros 3 annos... (grifos nossos) ( Apud

CANAVARROS, 1998, 292).

Todavia, o estágio das relações entre as Coroas Ibéricas sugeria cautela. Assim foi preciso

esperar a assinatura do Tratado de Madrid e mais dois anos para que fossem tomadas as

medidas iniciais para que se fundasse a tão esperada vila.

Chegado à região das minas do Cuiabá, em maio, e às do Mato Grosso, em

dezembro de 1751, Rolim de Moura entendeu que nenhum dos arraiais ali existentes

48

serviria para ser a sede da Vila-Capital da recém criada Capitania de Mato Grosso. A

correspondência com Portugal revela sua preferência pelo local denominado Pouso Alegre,

antes mesmo de conhecer os núcleos povoados das imediações do Guaporé. Algumas de

suas justificativas:

A quatorze (de dezembro de 1751) chequei a este sítio pela manhã

cedo, de que direi as circunstâncias que me moveram a estabelecer

nele a Vila.

A borda da melhor volta do rio, o mais alegre está um campo de uma

légua pequeno de comprimento, e outra de largo, que parece veio a

molde para servir de logradouro à vila, assim pelo cômodo de

poderem os moradores trazer sua vaca, e o seu cavalo a pasto, como

por ter o mesmo campo bastante capões de mato, que com facilidade,

e abundância darão lenhas à Vila, e ainda madeiras por estarem cheio

de opiúbas,...

(...) Da parte leste deste rio estão à borda dele vários sítios e roças e

da parte de cá se poderão estabelecer outros, e todos com facilidade,

para proverem esta vila, assim por terras em carros por ser caminho

todo plano, como pelo mesmo rio Sararé... (PAIVA, 1982, 66).

A leitura da carta endereçada a Diogo de Mendonça Côrte Real explicita vários

outros pontos que Rolim de Moura considerou para fundar a Vila. Mas a preocupação

central era com o auto-abastecimento, as possibilidades de acesso e comércio e a defesa.

Cientificado pelos moradores locais que a área escolhida era passível de sofrer

alagamentos pelas enchentes do Guaporé esperou até 19 de março, dia de São José27, para

comprovar se o local alagaria ou não. Os preparativos demoraram de janeiro a março. A ata

de fundação da Vila registra o rebate das críticas sofridas por Rolim de Moura pela escolha

do local. Os comentários destinados aos moradores das minas do Mato Grosso são ásperos:

havia ele escolhido e aprovado este Citio para a fundação da Vila (...)

por que este era o Citio mais conveniente ao serviço de El-Rery a ao

bem comum, e porque ultimamente os moradores destas Minas

divididos em opiniões só olhava cada um para o que fazia mais

conta, querendo os da Chapada, que nella se fundasse a Villa, e os de

Santa Ana que fosse fundada naquelle bairro... (CANAVARROS,

1998, 293).

27 O conhecimento popular acredita que o dia 19 de março, início da primavera no hemisfério norte e final do

verão no hemisfério sul, é o período de maior enchente nos rios abaixo da linha do Equador. Se os rios não

encherem até esta data não encherão mais, naquele ano.

49

Fundada a Vila, tratou o Capitão General de implementar as medidas que atraíssem

os moradores da região para a beira do Guaporé. Isto parece que não foi muito fácil, apesar

dos atrativos jurídicos e fiscais. A correspondência travada entre o Capitão General, as

Cortes Portuguesas e seus vizinhos Capitães Generais do Pará, Goiás e São Paulo, permite

acompanhar a lenta formação da Vila-Capital.

Em outubro de 1752, escrevia Rolim de Moura a seu Rei D. José I que estava

bastante difícil dar continuidade a levantar a Vila, fossem pelas doenças, fosse pela falta de

recursos financeiros e de pessoas:

Depois que se levantou a vila, não somente as moléstias próprias,

que muito me perseguiram; mas a epidemia geral, que houve,...

Dezeseis moradas se acham já entre as que estão feitas, e as

começadas. (...) a falta e a carestia de mantimentos para vencer

tenho feito diligências porque se plantem nestas vizinhanças e com

efeito dez roças há já à borda do Guaporé,... Nunca porém pode a

povoação crescer muito, em quanto tirar só deste Distrito o seu

aumento, estando ele tão falto de gente...

(...) Ainda que do Rio de Janeiro trouxe o risco para as casas de

residência me não servi dele vendo a excessiva despesa que me

importaria a sua execução,...

A vila vou formando da maneira seguinte. Escolhi para a praça

principal um terreno mais alto e fora de todo o risco das cheias por

mais extraordinárias que sejam, distante do rio perto de quinhentos

passos,... Como os quatro lados da dita praça, que faço de quatro

cantos e oito palmos em quadro estão quase aos quatro rumos

principais determinei o que fica ao oriente para a matriz e do

poente para as casas da Câmara, o do norte para da residência e o

sul para quartéis.

Saem de cada ângulo da mesma praça duas ruas em direitura cada

uma de um dos lados, que forma o dito ângulo, e lhe dou setenta

palmo de largo. As duas ruas que correm leste oeste vão em linha

reta ao porto desembocando em uma grande praça que nele deixo

ficar... Porém de todas estas ruas somente esta começada a que fica

no mesmo alinhamento, das casas de residência...

O meu cuidado maior é que as casas todas vão bem perfiladas sem

que algumas delas se afaste do estrocimento (sic) das ruas;...

enquanto a igualdade, e simetria das fachadas me tenho relaxado

mais, por ver a dificuldade, que faziam a muitos este ponto para

virem estabelecer-se na vila,... Pelo mesmo motivo permito

também cobrirem as casas de capim,... Se a vila for em aumento

tempo virá em que possam emendar estes defeitos; (PAIVA, 1982,

v. 1, 100, 101, 102).

50

Não resta dúvidas de que Vila Bela da Santíssima Trindade de fato foi um núcleo

urbano planejado, como afirma o próprio Rolim de Moura, a partir de um risco trazido do

Rio de Janeiro. Vários riscos, ou melhor, plantas da Vila-Capital foram feitas ao longo da

segunda metade do século XVIII, algumas apenas para informar as autoridades

portuguesas, outras para propor alterações em seu traçado, como fez o Capitão General

Luiz de Albuquerque em 177528.

Rolim de Moura comandou a administração da Capitania de Mato Grosso, sediado

em Vila Bela, de 1752 a 176429. Entre seus muitos afazeres estava, além da implantação

física da Vila-Capital, cuidados com o abastecimento da minas, ainda em fase mais ou

menos precária, a segurança de toda a extensíssima fronteira com os Castelhanos, o

incentiva, o povoamento da Capitania, a fundação de núcleos povoados ao longo do

Guaporé, a capacidade de manter relações de amizade e respeito com os vizinhos, e o

estabelecimento da ligação comercial com o Pará. As narrativas do Anal de Vila Bela e da

sua Correspondência permitem afirmar que ao longo dos seus doze anos de governo muitas

das medidas foram implementadas.

Assim, os problemas como o abastecimento, por exemplo, vão sendo aos poucos

sanados. Um dos cronistas informa que para o mês de novembro de 1752... começou a

haver corte certo de carne de vaca,... com o preço de duas oitavas a arroba. Neste ano

(1753) começou esta a sustentar-se dos mantimentos dos seus sítios próprios... Em

primeiro de junho deste ano tornou segunda vez a estas minas João de Souza Azevedo com

as suas canoas de negócio do Pará. Ou ainda: este ano (1754) desde o principio dele

metendo Antonio da Costa Aranha abundante gado com corte certo abaixou o preço pondo

a oitava e meia a arroba... (BORGES, 2001, 27, 28 e 29).

Do mesmo modo pode-se acompanhar a feitura de algumas das obras oficiais ali

empreendidas, que apeasr da morosidade aos poucos se iam erguendo... Neste mesmo ano

de 1752 deu Sua Excelência princípios às obras que nesta vila se fizeram e se fazem por

ordem de El Rey como os quartéis para os Dragões cuja casaria ocupa o lado sul da praça

28 Luiz de Albuquerque esteve à frente da Capitania de Mato Grosso de 1771 a 1789 = 16 anos, 11 meses e

sete dias. Aliás, parece que todas as plantas conhecidas publicadas de Vila Bela são desse período. 29 Indicado para o cargo de Capitão General da Capitania de Mato Grosso em 1749, só não morou em Vila

Bela o tempo que gastou se deslocando de Portugal, de onde saiu em 1º de fevereiro, ao Rio de Janeiro e dali

a São Paulo e de São Paulo às Minas do Cuiabá e Mato Grosso, onde chegou em dezembro de 1751.

51

e se principiaram os alicerces de pedra e barro da casa para os Governadores, que ocupa

o lado norte (BORGES, 2001, 27).

Por seu lado, o povo também concorria com ajuda financeira na execução de várias

obras. Vejamos. No fim deste ano (1753) se fez à custa do povo que de própria vontade o

requereu e concorreu para isso com ouro, a ponte do rio Sararé... Neste mesmo ano com

os negros do povo se fez a vala grande que divide a vila da várzea que vai até o rio... A 21

de novembro (1754) se benzeu a Capela de Nossa Senhora Mãe dos Homens que nesta vila

fabricou o Juiz de Fora concorrendo alguns moradores destas minas com suas esmolas

para ela (BORGES, 2001, 28 e 30).

Como se pode perceber, a estruturação física da Vila contou com esforços tanto do

Governo quanto de sua população. Quatro anos após a sua fundação, escrevia o Capitão

General como as dificuldades iniciais estavam aos poucos diminuindo: a Companhia de

Comércio estabelecida no Pará e ao mesmo tempo, a abundância, irá também fazendo,

mais cômoda, e saudável esta habitação que até aqui ainda que com passos lentos, se vai

aumentando; e até se acha já hoje com Matriz feita com algum asseio, e capacidade, e

coberta de telha, a qual os Irmãos do Santíssimo, edificaram a sua custa... e dispenderam

nela perto de doze mil cruzados... (PAIVA, 1982, v. 3, 30).

52

BACIA DO RIO GUAPORÉ

Datado de 1772, este mapa foi escolhido pois permite verificar a localização de Vila Bela em relação aos demais pontos ocupados por portugueses no rio Guaporé. GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg. 406.

A lista das dificuldades enfrentadas por Rolim de Moura e demais Capitães

Generais é infinda. O certo é que nenhum deles tergiversou e seguiram à risca os objetivos

políticos para os quais haviam sido incumbidos. Desta perspectiva, Vila Bela pode ser

compreendida como uma povoação fundada com objetivos políticos, cuja estruturação

obedeceu à montagem de uma engrenagem de poder na parte mais a oeste da vasta Colônia

Brasil do Império Português na América.

A partir de Vila Bela organizou-se um poder centralizado que deveria administrar

questões de ordem interna, que remetiam à organização cotidiana da Capitania, e a questões

de ordem externas, que diziam respeito às estratégias e ações para consolidar a posse sobre

o território ocupado. Ao que parece as questões externas foram as que consumiram mais

dinheiro e energia dos Capitães Generais ao longo do século XVIII.

53

Núcleos de ocupação no vale do Guaporé.

Vigiar, ocupar as fronteiras e evitar desavenças com os vizinhos espanhóis

constavam das muitas recomendações das Instruções da Carta Régia de 1749 que o Capitão

General da Capitania de Mato Grosso recebeu da rainha D. Maria. Chegando ao seu

destino, tão logo foi possível, tratou Rolim de Moura de instalar núcleos portugueses na

margem direita ou oriental do rio Guaporé e de incrementar o seu tráfego, fosse abrindo

sítios e lavouras às suas margens de seus afluentes, e incentivando a sua navegação e

reconhecimento.

A correspondência do Capitão General e de seus sucessores é pouco farta em

referências aos antigos arraiais, mas não em relação ao Guaporé e aos vizinhos hispânicos.

Nos doze anos que esteve à frente da Capitania de Mato Grosso, parece que se preocupou

muito mais com as questões externas que internas. Por sua vez, Luiz de Albuquerque

conseguiu superá-lo.

O ano de 1754 foi aquele em que Rolim de Moura e o Estado Português iniciaram

sua política externa no Extremo Oeste da Colônia Brasil. Assim, em Bando, datado de 22

de janeiro do mesmo ano, dá conhecimento à Provisão Régia de 14 de novembro de 1752,

que oficializava a permissão de se estabelecer comércio com o Pará através dos rios

Guaporé, Madeira e Amazonas. Logo depois mandou o Pe Jesuíta Agostinho Lourenço para

o Guaporé, onde deveria, em local apropriado, erguer uma Missão. Antes, porém, os

portugueses e paulistas, radicados na Chapada de São Francisco Xavier, já haviam se

estabelecido em pontos das margens do Guaporé, fosse para pescarias, fosse para minerar

ou prear índios.

A partir deste ponto, a nossa narrativa abandona a cronologia e passa a acompanhar

o curso da ocupação portuguesa do Guaporé no sentido da nascente para a foz. Para que se

possa compreender melhor como os portugueses se organizaram no vale do Guaporé, a

partir dos Arraiais, e depois de Vila Bela, seguiremos o roteiro proposto pelo ‘Mapa dos

rios Madeira e Guaporé’, cópia de 1760, de original de 1749 (20 folhas).

A chamada Ilha Comprida, situada no Guaporé a pouca distância dos arraiais do

Mato Grosso, foi um lugar de fama duvidosa, tanto para portugueses como para os padres

jesuítas ligados à Espanha. Segundo os Anais de Vila Bela, 1746 foi este o primeiro ano

54

que se foram situar em arraial na ilha Comprida de onde uns saiam à pescaria, que seca

ou salgada, traziam a estas minas, e outros tomavam aos sertões a conquista do gentio.

Sua existência parece ter sido breve, pois, em 1752, D. Antonio Rolim de Moura

achou-a despovoada. Para os padres jesuítas ligados à Coroa de Espanha, aquele lugar era

esconderijo de facínoras da pior espécie, ao menos foi o que relataram ao padre Agostinho

Lourenço em 1752. A seguir são apresentados alguns trechos da narrativa do padre

Lourenço. Não se pode precisar se há ali exageros ou não. O certo é que a mesma ajuda a

comprovar a existência e o fim de um arraial fundado por portugueses no Guaporé.

... não eram outra coisa, esta povoação, mais do que um covil de

salteadores de vidas, honras e fazendas dos índios a quem

declararam guerra sem outro motivo, e sem mais autoridade do que

a cobiça.

Armavam-se de 50 a 100 homens, e, deixando guarda no arraial, se

lançavam ao sertão, e investindo com a primeira aldeia de índios

que encontravam, matavam a todos os que pegavam nos arcos para

a sua justa defesa, e aos mais que não escapavam fugindo metiam

em correntes e gargalheiras, destruíam ou queimavam as casas,

arrasavam as searas, matavam as criações e voltavam triunfantes

para a sua Ilha Comprida, onde se repartiam os vencidos pelos

vencedores e destes passavam em contrato de venda a Cuiabá e

Mato Grosso,... Durou esta povoação alguns anos, até que

aconteceu com os seus moradores o mesmo que com os fabricantes

da torre de Babel, porque se não houve a mesma confusão e

divisão de línguas, se lhes confundiram e dividiram as vontades, de

sorte que, não se podendo sofrer uns aos outros, se foram pouco a

pouco separando, até que os últimos não podendo também sofrer

insultos das onças de que abunda todo o contorno, ultimamente a

deixaram de tudo deserta e despovoada. (Apud LEVERGER, 2001,

pp, 32 e 33).

Apesar de longo o trecho destacado permite perceber que também no Guaporé se

utilizava prática bastante usual dos bandeirantes paulistas de prear índios aldeados pelos

jesuítas de Espanha.

Corumbiara. As conquistas do Corumbiara parecem ter tido uma breve existência.

Os Anais de Vila Bela registram que em 1738... se seguiu o conhecimento de que no rio

Corumbiara, que na margem oriental deságua no Guaporé, tinha ouro, por cujos sertões

andaram estes conquistadores sempre do Oriente do Guaporé. Para o ano de 1742, as

notícias tratam dos muitos gentios que acossavam os sertanistas de Corumbiara. Em 1746,

55

as informações são sobre o abandono da região devido os descobertos de ouro do Arinos.

Entretanto, de 1749 a 60 ainda aparece referenciado em mapas.

DESCOBERTA DE SANTO ANTÔNIO DOS GUARAJÚS

(

GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg. 444.

A narrativa de Silva Pontes dá precisas informações sobre o povoado dos Guarajus

que estaria cinco léguas acima de Vizeu. Vejamos o que registrou no seu Diário... e

andamos cinco léguas que se vê o rio ou ribeira dos Guarajus, que sai por uma boca

estreitissima... e entrando pelo dito boqueirão se vê um vale todo fechado de serras, e para

as partes do sul onde o morro é mais elevado... se viam as casas dos mineiros que bem

mostravam ser ali abertas o principal corpo da mina... (MENDONÇA, 1985, p. 174).

O lugar da Casa Redonda, depois Vizeu (1776), já era ocupado por portugueses

desde antes da fundação de Vila Bela. Em 1752,... era diminuto o número de moradores

portugueses, não restando mais que dois ma margem esquerda... defronte do Corumbiara.

Não se pode precisar como se deu a manutenção desse núcleo povoado, o certo é que anos

depois, em 1774, por ordem do Governador da capitania Luiz de Albuquerque, deu-se

56

início ali ao estabelecimento de uma feitoria que deveria servir às necessidades da

Companhia de Comércio do Grão-Pará. Dois anos depois o próprio Capitão General

inaugurou a feitoria e lhe impôs o nome de Vizeu.

Uma localização mais precisa deste local nos é dada por Silva Pontes em 1782,

vejamos suas impressões... Viemos pernoitar na nova povoação de Viseu, que fica em

defronte do rio Karainvíara, o qual vem da parte esquerda e a povoação está fundada na

parte esquerda, a qual é alta,... determinei a latitude do lugar 13º 14’ ½; a longitude

contada de Paris, achei ao ocidental 4h 18’ e 20’’... (MENDONÇA, 1985, p. 174). Outro

dado importante é que por aquela ocasião os moradores de Vizeu haviam abandonado suas

lavouras e extraiam ouro nas minas dos Guarajus.

Sítio das Pedras, Lugar das Pedras ou, simplesmente, Palmela, a partir de 1769.

Distando cinco dias de marcha de Vila Bela, rio abaixo o lugar aparece nas fontes desde

1752, apesar de sua diminuta população três (moradores) da parte oposta do (margem

esquerda) do Guaporé. Oito anos depois (1760), frente às possibilidades de confronto com

os espanhóis da margem esquerda do Guaporé, D. Antonio Rolim de Moura passando pelas

Pedras determinou que a respectiva guarda se fosse unir à outra a que ficou assim

composta: 27 dragões, 13 pedestres e 20 soldados aventureiros e perto de 40 homens entre

índios e escravos... Seis anos se passaram (1766) e as tensões fronteiriças voltaram a se

acirrar e de novo e o local foi outra vez fortificado. (LEVERGER, 2001. pp. 64, 76 e 80).

Em 1782, segundo a narrativa de Silva Pontes, o lugar era povoado... no dia 28

fomos ao destacamento das Pedras, com três léguas de caminho, entre muitas voltas que

faz e desfaz o rio; Para além de confirmar a persistência do núcleo de povoamento o autor

dá informações sobre alguns aspectos físicos do local, bem como sobre as atividades

desenvolvidas por seus moradores (MENDONÇA, 1985, p. 171).

57

CARTA GEOGRÁFICA DO RIO GUAPORÉ – DETALHE

Detalhe da carta geográfica do rio Guporé de 1791, em destaque aparece no sentido da nascente para a foz, o Destacamento das Pedras, Leomil, Lamego, Forte do Príncipe da Beira e Forte da Conceição (arruinado). GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg. 376.

Fundada em 1754, a Aldeia de São José, depois Leomil, em 1769, teve vida mais

ou menos curta. Ao que tudo indica o período áureo dessa povoação foi durante a

administração do Pe. jesuíta Agostinho Lourenço. Quando da sua expulsão, em 1759, se

achava a mesma aldeia com engenhos de moer cana, teares de tecer algodão, muita planta

e criação e um total de 30 cabeças de gado. Daquela data em diante, o aldeamento foi

definhando e perdendo sua pujança. Em 1769, o Capitão General Luis de Pinto Coutinho

renomeou vários núcleos povoados do Guaporé com nomes de locais de Portugal, e a

Aldeia de São José passou a se chamar Leomil. Em 1771, veio a ordem de transferência de

seus moradores para Lamego, antigo São Miguel.

Ainda que não se possa precisar a data do seu fim, há indicações de sua existência

em 1782. Antonio Pires da Silva Pontes em seu Diário, informa que: Às 5 horas e meia,

guindo para Norte, fomos pela uma e meia portar na povoação de Leomil, onde existem 20

pessoas entre homens e mulheres dos mesmos índios com a mesma comodidade. Esta

58

povoação está também fundada na margem esquerda em uma ilha, que terá meia légua de

comprida a que deram o nome de São Domingos (MENDONÇA, 1985, p. 170). Entretanto,

o mapa elaborado por Joaquim José Ferreira, em 1791, ainda referencia o local.

São Simão e São Miguel eram duas missões de índios fundadas pelos jesuítas

espanhóis na década de 1740 na margem direita do Guaporé; espaço que, pelo Tratado de

Madrid, de 1750, passou a pertencer aos domínios de Portugal. Em 1752, segundo H. de

Beaurepaire-Rohan os jesuítas espanhóis, com a notícia de que vem proceder à

demarcação dos limites entre as duas nações, abandonam e destroem as missões de S.

Miguel e S. Simão, à margem direita do Guaporé, e se passam para o lado oposto.

ALDEIA DE SÃO MIGUEL

REIS, Nestor Goulart (org.). Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial. São Paulo, EDUSP: Imprensa

Oficial do Estado, 2001, pg. 296.

Sobre as ruínas de São Miguel, ou muito próximo delas, mandou o Capitão General

Rolin de Moura erguer a Aldeia de São João, depois denominado de Lamego. Em seus

Apontamentos Cronológicos, A. Leverger faz várias referências ao lugar, e a idéia que sua

narrativa perpassa é que uma das medidas do Capitão General João Pedro da Câmara foi

reocupar o lugar, em 1765 com índios que se achavam aldeados na vizinhança do Presídio

da Conceição. A aldeia, que recebeu o nome de São Miguel e depois São João, ficaria a

quatro léguas, rio acima, do Presídio da Conceição.

59

PLANTA DE POVOAÇÃO DOS ÍNDIOS DO LUGAR DE LAMEGO

GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg. 195.

Nos anos que se seguem o mesmo narrador informa que... Em 1769 o Capitão

General Luis Pinto Coutinho alterou o nome de diversos lugares... Lugar de São João

(aldeia de índios) Lamego. Para este mesmo ano informa, também, que a igreja ali

existente achava-se abandonada por falta de padre. Dois anos depois (1771) sua

população parece ter sido aumentada se dada obediência ao ‘oficio de maio (em que) o

general autoriza o comandante do Forte de Bragança a reunir os índios de Leomil aos de

Lamego, visto ser menos própria a situação daquele lugar e serem poucos seus moradores

(LEVERGER, 2001. pp. 59. 64, 68 e 72).

Em 1782 Silva Pontes assim o descreve: Partimos pelas 8 horas e meia desta

barra do Itonomas. Pelo meio dia portamos duas léguas de caminho na aldeia de Lamego,

que está situada na margem esquerda do rio, onde há poucas casas que assistem, de

índios; vivem com grande descanso e felicidade, porque trabalham para si, fazendo seus

tecidos de algodão (MENDONÇA, 1985, p. 170).

60

Santa Rosa30, Nossa Senhora da Conceição e finalmente Forte de Bragança.

Este lugar, outrora fundado pelos jesuítas de Espanha, foi reocupado pelos portugueses a

partir de 1760. Ocasião em que, nos informa um cronista, as casas, porém e a mesma capela

estavam completamente arruinadas. Entretanto, o lugar parece ter importância estratégica

bastante significativa, uma vez que naquele mesmo ano sua Excelência, o Capitão General

D. Antonio Rolim de Moura,... cuidou em reparar alguns dos referidos edifícios... montou

guarda que ficou assim composta: 27 dragões; 13 pedestres e 20 soldados aventureiros e

perto de 40 homens entre índios e escravos. (LEVERGER, 2001. p. 64).

Para o ano seguinte (1761) as informações dão conta de um local mais densamente

povoado, se não vejamos: continuou a prover a defesa e fortificação do referido lugar de

Santa Rosa,cuja guarnição se compunha de um alferes, dois cabos e 25 dragões, cinco

aventureiros, 10 pedestres, um capelão, um cirurgião e mais quatro pessoas agregados e

18 escravos. Informa a mesma fonte que perto dali encontrava-se um aldeamento de índios

vindos das missões espanholas. (LEVERGER, 2001. p. 64).

Em 1762, os que ali moravam passaram a denominar o lugar por Destacamento

Nossa Senhora da Conceição ou Prezídio da Conceição31. Por essa ocasião eram freqüentes

as viagens do Capitão General por aquelas paragens sempre incrementando a defesa de seu

território. Naquele ano... Mandou ali aumentar e melhorar os quartéis, os armazéns e a

capela, e cuidou também com empenho em atrair por meio de brindes os índios das

vizinhas Missões Espanhola, tendo conseguido mais de 170. (LEVERGER, 2001. p. 68).

No ano de 1763, as tensões latentes na Europa entre Portugal e Espanha finalmente

eclodiram no Guaporé e, num ponto mais ou menos perto do Prezídio da Conceição, os

Castelhanos fizeram a Paliçada de Itonomas. Os portugueses de Vila Bela e os espanhóis de

Moxos trançaram armas. A guarnição do Prezídio consistia em 224 pessoas a saber: 3

oficiais, 1 sargento, 6 cabos e 60 soldados, 3 aventureiros, 13 pedestres, 24 índios e 114

negros (LEVERGER, 2001. p. 69). A contenda pouco durou e foi firmado um acordo

reconhecendo aquelas terras como pertencentes à Coroa de Portugal.

30 A Aldeia de Santa Rosa fora fundada pelos pe padres da Companhia de Jesus que atuavam junto ao reino de

Espanha, na margem direita do rio Guaporé na década de 1740, e teve que ser desocupada no início dos anos

de 1750 por força do Tratado de Madrid. Um mapa datado de 1746 intitulado Território do Norte e do Centro

do Brasil e que indica a possível localização das Missões de Espanha já aparece Santa Rosa na margem

direita do Guaporé (GARCIA, 2000, 326). 31 Existe, na Biblioteca Municipal Mário de Andrade, seção de raridades, códice mss. a 43, um ‘Mapa dos

Rios Madeira e Guaporé’, cópia de 1760 de original de 1749 um desenho com a ‘Configuraçam do sitio de S.

Roza, hoje denominado de N. S. da Conceipção do R.º Guaporé’. (CANAVARROS, 1998, 317).

61

PLANTA DA FORTALEZA DE BRAGANÇA – 1774

REIS, Nestor Goulart (org.). Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial. São Paulo, EDUSP: Imprensa Oficial do Estado, 2001, pg. 290.

Com a chegada do Capitão General João Pedro da Câmara, em 1765, iniciou-se a

construção de uma fortificação de pedra para substituir a estacada que ali mandara fazer D.

Rolim de Moura. Apesar das constantes reclamações por falta de materiais os trabalhos de

construção desenvolveram-se até o ano de 1768. A nova fortificação era uma obra feita de

cal, pedras, paus e terra. Segundo consta, era bastante defensável, apesar de pouco

resistente. Sua manutenção era cara, pois, requeria manutenção periódica, devido às

enchentes do rio Guaporé.

No ano de 1769, o Forte da Conceição passou a ser denominado Forte de Bragança.

Com esse nome, sua existência foi breve. Em 1771, uma grande enchente no Guaporé o

destruiu32.

32 Nestor Goulart Reis em Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial reproduz uma aquarela intitulada

‘Prospecto do Forte de Bragança’. A imagem permite visualizar um núcleo onde além dos quartéis e

armazéns, Casa de Residência dos Governadores e das Canoas, aparece um conjunto de casas que poderia

estar abrigando os camaradas.

62

PROSPECTO DO FORTE DE BRAGANÇA

REIS, Nestor Goulart (org.). Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial. São Paulo, EDUSP: Imprensa Oficial do Estado, 2001, pg. 291.

Nos primeiros dias do mês de janeiro de 1774, aporta na semi-destruída Fortaleza de

Bragança a expedição comandada pelo Governador e Capitão General Luiz de

Albuquerque. No exercício de sua missão, que deveria fomentar o comércio entre o Mato

Grosso e o Pará, ele faz um apurado levantamento das condições físicas do Forte e o

condena irremediavelmente. A partir dessa decisão optou-se pela escolha de outro sítio,

onde se ergueu uma nova Fortaleza, o Forte do Príncipe da Beira.

Em 1774 o Capitão General Luiz de Albuquerque mandou inspecionar a

localidade arruinada da Fortaleza da Conceição e optou por construir uma nova Fortificação

num sítio menos exposto às enchentes do Guaporé. Assim, dois anos depois, em 1776, em

terreno isento das enchentes começou a ser construído o Real Forte do Príncipe da Beira.

Antonio Pires da Silva Pontes, em seu ‘Diário da Expedição de 1782, descreve uma

localidade em ruínas que parece ser o cito Forte ... Se a presente fortaleza que víamos nos

parecia defeituosa por ser um retângulo mal flanqueado e já abertas as muralhas em

algumas partes por ser todo o solo de areias, muito grande foi o nosso gosto quando vimos

a nova fortaleza (Forte do Príncipe da Beira) (MENDONÇA, 1985, p. 170).

63

Sobre a construção do Real Forte do Príncipe da Beira os registros iconográficos

são fartos, e, em certa medida, passam a idéia do quão importante esta obra deve ter sido,

senão para a Coroa Lusitana, ao menos para o Governador e Capitão General da Capitania

de Mato Grosso Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres. No entanto, não restam

dúvidas de sua importância estratégica. Iniciado em 1776, foi dado como concluído em

1783.

POVOAÇÃO EXTERNA AO FORTE DO PRÍNCIPE DA BEIRA

REIS, Nestor Goulart (org.). Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial. São Paulo, EDUSP: Imprensa Oficial do Estado, 2001, pg. 294.

64

VISTA DO FORTE DO PRÍNCIPE DA BEIRA

REIS, Nestor Goulart (org.). Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial. São Paulo, EDUSP: Imprensa Oficial do Estado, 2001, pg. 289.

Como consta dos mapas do final do século XVIII, o local escolhido foi à margem

direita do Guaporé, um pouco abaixo do Itonomas, entrada para parte das missões de

Moxos. Foi designado como responsável pela obra o engenheiro Domingo Sambucetti, cuja

experiência em obras desse porte remontava edificações em Portugal. Para sua construção,

foram usados tanto materiais comuns da região, como pedras canga, quanto materiais

vindos de pontos distantes da capitania de Mato Grosso, além da artilharia vinda de

Portugal.

POVOAÇÃO EXTERNA AO FORTE DO PRÍNCIPE DA BEIRA

REIS, Nestor Goulart (org.). Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial. São Paulo, EDUSP: Imprensa Oficial do Estado, 2001, pg. 295.

65

Às vésperas de ser dado como concluído, Silva Pontes em1782, o descreveu do

modo como se segue: ... a fortificação é um quadrado, e o lado exterior tem nove braças. O

revestimento das muralhas é de pedra da cor de ferro a que neste país chamam em língua

Tupinambá Taipainhu-acanga que quer dizer cabeça de negro. Esta talvez tenha sido a

obra de maior fôlego do governo Luiz de Albuquerque e sua grandiosidade pode ser

comprovada ainda hoje pela solidez de suas ruínas.

Após a conclusão do Forte do Príncipe da Beira, tanto os portugueses como os

espanhóis voltaram sua atenção para a área fronteiriça que tinha o rio Paraguai como baliza

natural. Desde aquela época que as disputas fronteiriças no Guaporé foram aos poucos

acomodadas.

O Cazal Vasco

DETALHE DE UM PROSPECTO DA POVOAÇÃO REGULAR DE CAZAL VASCO

GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg 230.

66

A Povoação Regular de Cazal Vasco foi mandada construir pelo Capitão General

da Capitania de Mato Grosso, D. Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, às

margens do córrego do Barbado, afluente da margem esquerda do Guaporé, entre 1783 e

1785. Uma possibilidade de entender a necessidade de tal construção é relacioná-la ao

projeto político expansionista português na América Meridional.

Para tanto, faz-se necessário referências aos tratados de Madrid (1750), El-Pardo

(1761), e Santo Idelfonso (1777). Cazal Vasco, apesar da relativa grandiosidade

arquitetônica, deve ser entendida como mais uma obra da política do Estado português

implementada através da administração de Luiz de Albuquerque33.

Estes três Tratados tinham como argumento central a tese do uti possidetis, usi

possidetis. Outro dado a ser considerado é que o Tratado de Madrid não conseguiu

demarcar as terras da América entre as duas monarquias. Mais que isso o Tratado era muito

vago e na parte referente à Capitania de Mato Grosso e as Províncias de Chiquitos e Moxos

estabelecia como limite uma linha reta que ia da barra do Jaurú no rio Paraguai (onde se

plantou o marco), até a margem sul do rio Guaporé, em frente á foz do Sararé, (PÓVOAS,

1995, 116).

A Terceira Partida – Comissão Demarcadora Mista de 1750 a 1754 (portugueses e

espanhóis) que saiu da fronteira sul e subiu o rio da Prata e seus afluentes até a boca do

Jaurú no Paraguai não alcançou seu intento. Em função disso, em 1761, através do Tratado

El-Pardo, revogou-se o de Madrid. Entretanto, não se determinaram os limites. Isto deu

ensejo a que tanto portugueses quanto espanhóis demonstrassem interesse em redobrar seu

afã colonizador seja no vale do Paraguai, seja no vale do Guaporé. Representando o Estado

português, Rolim de Moura, foi bastante competente neste aspecto.

O Tratado de Santo Idelfonso de 1777 também consagrou como norte os princípios

do uti possidetis, usi possidetis e manteve para a frente oeste a orientação do tratado de

Madrid. Talvez isto explique a política portuguesa coordenada por Luiz de Albuquerque na

Capitania de Mato Grosso. Como explicar o início da construção das duas maiores

33 Durante a administração de Luiz de Albuquerque (1772 – 1789) o Estado Português mandou construir

vários núcleos de povoamento ao longo da extensa fronteira oeste com Espanha. Os mais destacados foram:

fundação do Registro do Jaurú em 1774; fundação do Forte de Coimbra em 1775; fundação do Forte do

Príncipe da Beira em 1776; fundação de Vizeu em 1776; fundação do Presídio de Albuquerque em 1778;

fundação de Vila Maria do Paraguay em 1778; fundação do Arraial de São Pedro d’El Rey; e, finalmente,

1783 a fundação da Povoação Regular de Cazal Vasco. (PÓVOAS, 1995, PP. 140 a 153).

67

Fortificações portuguesa na fronteira com Espanha dois anos antes da assinatura desse

Tratado?

Partindo da constatação que a faixa de terras, que ia da barra do Jaurú no Paraguai

até a foz do Sararé no Guaporé, era ocupada por portugueses desde 1740 e que a mesma,

pelo Tratado de 1750, pertenceria à Espanha é que preferimos entender a construção de

Cazal Vasco como uma estratégia política. Mesmo porque se fosse considerada a proposta

do Tratado de Madrid inclusive Vila Bela passaria a pertencer aos domínios de Espanha.

Um dos argumentos que a historiografia portuguesa usa para explicar a fundação de

Cazal Vasco ampara-se na constatação de que os espanhóis avançavam rumo à Vila Bela,

principalmente depois do Tratado de Santo Idelfonso.

A exploração da região de Casalvasco tinha começado em 1779

por ordem do capitão-general, trabalhos que tiveram de ser

suspensos, mas foram retomados três anos depois. A sua fundação

pode ser considerada uma resposta ao facto de os espanhóis terem

feito avançar cerca de dez léguas a sua Missão de Santana”.

(GARCIA, 2000, 149).

Para além desse argumento há que se considerar o fato que a propositura de limites

definida no Tratado de 1750 e ratificada no de 1777 deixava para os espanhóis uma extensa

faixa de terra ocupada por portugueses e luso-brasileiros. Em correspondência data de 24 de

outubro de 1782, Luiz de Albuquerque informava que... é certíssimo que semelhante linha

será impraticável e tão extraordinariamente prejudicial aos domínios de sua Majestade, o

admiti-la – seria aceitar que – esta mesma Vila Capital ficaria nesse caso pertencendo,

sem duvida, aos de Espanha (OLIVEIRA, 2003, 63).

Do nosso ponto de vista preferimos entender a construção de Cazal Vasco como

parte de arrojado plano da Coroa Portuguesa de ocupação de pontos estratégicos no vale do

Guaporé. Tal estratégia, que se acentuou no governo Luiz de Albuquerque, pretendia, em

função do teor dos argumentos dos Tratados de Limites em discussão na Europa, incorporar

para os domínios de Portugal vastas extensões de terras que iam das bacias do Paraná,

passando pelo Paraguai ate o Guaporé/Madeira. Vejamos uma lista das obras realizadas em

sua administração:

68

Governo Luiz de Albuquerque 1772 – 1789

Obra Local Data

Forte de Coimbra.

Em uso – hoje no Mato Grosso do Sul.

‘Na margem direita (ocidental) do

rio Paraguai, o Presídio de Nova

Coimbra (Forte de Coimbra)...’

(PÓVOAS, 1998, 140/1).

1775

Forte do Príncipe da Beira.

Em ruínas – hoje em Rondônia.

‘Situado na margem oriental ou

direita do rio Guaporé, desta

Capitania, em distancia de mil

braças, pouco mais ou menos, da

antiga fortaleza da Conceição’.

(GARCIA, 2000, 135/6).

1776/1783

Presídio de Albuquerque.

Hoje Corumbá no Mato Grosso do Sul.

‘Margem direita ou ocidental, do

rio Paraguai... a mais de vinte

léguas ao norte do presídio de

Nova Coimbra’. (GARCIA, 2000,

142/3).

1778

Vila Maria.

Hoje São Luis de Cáceres ou simplesmente

Cáceres, Mato Grosso.

‘Situada na margem esquerda do

rio Paraguai, perto do ponto de

travessia da estrada que liga

Cuiabá a Vila Bela’ (GARCIA,

2000, 146).

1778

São Pedro d’El Rey.

Hoje Pocone, Mato Grosso.

A sudoeste de Cuiabá, cerca de

vinte léguas, no caminho para Vila

Bela.

1778

Cazal Vasco.

Hoje em ruínas – Vila Bela, Mato Grosso.

Situada na margem oriental ou

direita do Rio Barbados. Na em

frente à Baia do Capelão. Distante

de Vila Bela, pelo sul, cerca de

oito léguas.

1782/1785

69

MAPA GEOGRÁFICO EM QUE SE MOSTRA AS DERROTAS DE CAZAL VASCO ÀS MISSÕES DE SANTA ANNA E SANTO INÁCIO DA PROVÍNCIA DE CHIQUITOS

GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg 194.

70

A construção de Cazal Vasco foi talvez a obra mais polêmica da administração Luiz

de Albuquerque em Mato Grosso. Não em relação às questões de fronteira, mas devido a

denúncias de super faturamento.

Verificando os mapas mandados tirar por Luiz de Albuquerque a hipótese que nos

ocorre é que Cazal Vasco foi a última construção militar erguida no vale do Guaporé e que,

devido sua posição, no caminho de terra entre Vila Bela e as Províncias de Chiquitos e de

Moxos, tinha uma função estratégica singular. Além disso, funcionou também como um

centro produtor de alimentos que ajudava a abastecer a zona garimpeira e de outros bens

com os quais se fazia comércio de contrabando com os vizinhos hispânicos.

CARTA GERAL DA CAPITANIA GERAL DO MATO GROSSO

GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg 394.

Mas passemos a alguns aspectos de sua construção propriamente dita. Antes é

preciso considerar que o lugar onde se escolheu para erguer o conjunto arquitetônico já era

ocupado desde 1770 e denominava-se Paragem da Campina. Enfim, uma ...zona habitada

71

por agricultores portugueses, nomeadamente Custódio José da Silva e Bartolomeu Paiva,

que ai exploravam fazendas, dedicando-se à criação de gado vacum e outros animais

domésticos, á plantação de cana-de-açúcar e destilação de aguardente (GARCIA, 2000,

149).

Definido seu plano de construção, as obras passaram a ser edificadas sob a

orientação do engenheiro Joaquim José Ferreira e do matemático e astrônomo Antonio

Pires da Silva Pontes Leme, ambos pertencentes ao grupo de oficiais portugueses que

comporia a Terceira Divisão de Limites. Os trabalhos, que tiveram início em 1783, foram

dirigidos por Antonio Felipe da Cunha Ponte, também integrante da comissão.

Os edifícios principais foram levantados com a máxima brevidade de tempo. A

justificativa dada pelo capitão General, Luiz de Albuquerque, era a proximidade da chegada

do grupo de oficiais espanhóis que deveria compor com os portugueses, que já estavam em

Vila Bela, a cita comissão demarcadora de limites. Com planta tirada em 1782, fundação

datada de 29 de setembro de 1783, a Povoação Regular de Cazal Vasco foi inaugurada,

com toda pompa e circunstância, no dia 08 de setembro de 1785.

Em recente e elogiável trabalho, o historiador Edevamilton de Lima Oliveira,

escreveu sua dissertação de mestrado sobre a Povoação regular de Cazal Vasco. Rico em

detalhes e informações e amparado em sólida pesquisa documental o trabalho foi capaz de

reconstituir importantes aspectos processo de construção do conjunto arquitetônico, bem

como do cotidiano das pessoas ali radicadas entre os anos de 1782 a 1802.

De acordo com suas plantas, ainda que pesem algumas diferenças, é possivel se

perceber todo um cuidado para com o seu traçado e a disposição prática de seus edifícios.

Segundo Edevamilton Oliveira, do desenho que se conhece pode-se verificar que o

conjunto era composto da seguinte forma:

Além das praças, ruas e edifícios, também é possivel observar a

existência de um cemitério, uma olaria e um curral, todos ligados

por caminhos que levam tanto para a Povoação quanto para fora

dela, isto no sentido oriental, pois do lado oeste tinha por limite as

águas do rio dos Barbados. Essa característica era bastante comum

nas povoações lusitanas, qual seja, de ser uma povoação de ribeira.

(OLIVEIRA, 2003, 105).

72

Uma das idéias defendidas por este autor é que a Povoação de Cazal Vasco foi fruto

de um elaborado projeto e que, em muitos aspectos, assemelhava-se com outras construções

lusitanas espalhadas pelo vasto Império português. Do seu recorte temporal depreende-se

que o auge daquela Povoação teria sido entre os anos de 1782 a 1802. A partir dessa última

data iniciar-se-ia sua lenta e gradual derrocada.

Dois informantes, João Severiano da Fonseca que esteve na região de Vila Bela

entre setembro de 1876 e julho de 1877, e o General Francisco Rafael de Melo Rego em

1888, deram conta do estado cada vez mais lastimável em que se encontrava, por aquelas

épocas, a Povoação Regular de Cazal Vasco.

Segundo a narrativa de João Severiano da Fonseca, Cazal Vasco, que então abrigava

apenas a exígua população de algo entre 40 a 50 moradores, era... uma tapera, mas risonha

ainda ao primeiro aspecto com a sua casaria de taipa acinzentada, coberta de telhas

vermelhas... A capela, sob a invocação de Nossa Senhora da Esperança, é um templo

pequeno e sem torres, mas de construção sólida e regular (TAUNAY, 2001, 104).

Militar, Francisco Rafael de Melo Rego, dez anos depois, é um pouco mais direto e

preciso ao se referir a Cazal Vasco. Se não vejamos: Esta fazenda que em outro tempo

abastecia a cidade de Mato Grosso de carne de gado vacum acha-se hoje de toda acabada

– só lhe restam os campos. Suas casas todas caídas, um pequeno sobrado denominado

palácio, com as paredes todas arrasadas; a igreja e o quartel em ruínas, conservando-se

apenas em pé a grande casa chamada o pião (TAUNAY, 2001, 105).

PROSPECTO DA POVOAÇÃO DE CAZAL VASCO

REIS, Nestor Goulart (org.). Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial. São Paulo, EDUSP: Imprensa Oficial do Estado, 2001, pg. 264

73

Nos dias atuais, da antiga Povoação de Cazal Vasco, restam ainda as ruínas de seus

aliceceres, além de umas poucas imagens que datam da época de sua fundação. Urge, pois

que se tomem medidas no sentido de se preservar tal patrimônio com a máxima urgência.

74

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Instituto Histórico e

Geográfico de Mato

Grosso. Cuiabá, 2001.

Informações sobre as primeiras expedições

Guaporé abaixo e as Missões Jesuíticas de Moxos.

João Gonçalves Pereira. 1743 Instituto Histórico e

Geográfico de Mato

Grosso. Cuiabá, 2001.

Diário da Diligência. Francisco Pedro de

Mello

1795 Instituto Histórico e

Geográfico de Mato

Grosso. Cuiabá, 2001.

Apontamentos Cronológicos da Província de

Mato Grosso.

Augusto Leverger –

Barão de Melgaço

1719-

1856

Instituto Histórico e

Geográfico de Mato

Grosso. Cuiabá, 2001.

Anais de Mato Grosso. Henrique de

Beaurepaire- Rohan

1718-

1824

Instituto Histórico e

Geográfico de Mato

Grosso. Cuiabá, 2001.

Anal de Vila Bela da Santíssima Trindade desde o

descobrimento do Sertão de Mato Grosso no ano

de 1734.

Francisco Caetano

Borges

1734 Revista do Arquivo

Público de Mato Grosso.

Cuiabá (MT) v.1 n.2

Set/1982 – fev./ 1983. (p.

55-63)

Termo da Junta que se fez, para a determinação

do sítio em que se devia fazer a Aldeia dos Padres

da Missão. (Livro de Registro de Termos de

Junta, 151-1827, fos. 6 v-14 v.).

Bartolomeu Deslcalça e

Barros

1751 Revista do Arquivo

Público de Mato Grosso.

Cuiabá (MT) v.1 n.2

Set/1982 – fev./ 1983. (p.

65-67)

Carta.

(Livro de Registro da Secretaria de Governo,

1752-1770, fls. 80 a 81)

D. Antonio Rolim de

Moura

1754 Revista do Arquivo

Público de Mato Grosso.

Cuiabá (MT) v.1 n.2

Set/1982 – fev./ 1983. (p.

69)

Ordens particulares para as colônias dos Índios,

que devem observar os diretores.

(Avulsos, Cx 1769 A)

Luis Pinto de Souza 1769 Revista do Arquivo

Público de Mato Grosso.

Cuiabá (MT) v.1 n.2

Set/1982 – fev./ 1983. (p.

71)

Relação do que se tem passado no lugar de José da silva Simão 1770 Revista do Arquivo

77

Balsemão, de que dá conta o Diretor a V. Exa.

(Avulsos, Cx 1770 A)

Público de Mato Grosso.

Cuiabá (MT) v.1 n.2

Set/1982 – fev./ 1983. (pp.

77-79)

Bando Luis de Albuquerque de

Mello Pereira e Cáceres

1773 Revista do Arquivo

Público de Mato Grosso.

Cuiabá (MT) v.1, n.º 3 –

mar.-set./ 1987 (p. 40)

Bando João de Albuquerque de

Mello Pereira e Cáceres

1794 Revista do Arquivo

Público de Mato Grosso.

Cuiabá (MT) v.1, n.º 3 –

mar.-set./ 1987 (p. 42)

Bando João D´Albuquerque de

Mello Pereira e Cáceres

1794 Revista do Arquivo

Público de Mato Grosso.

Cuiabá (MT) v.1, n.º 3 –

mar.-set./ 1987 (p. 43)

Bando Luis Pinto de Souza

Coutinho

1771 Revista do Arquivo

Público de Mato Grosso.

Cuiabá (MT) v.1, n.º 3 –

mar.-set./ 1987 (p.44)

Descrição da viagem feita por Luiz de

Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres quando

foi tomar conta da Capitania de Mato Grosso.

Gilberto Freyre 1772 Contribuição para uma

Sociologia da Biografia.

Edição da Fundação

Cultural de Mato Grosso,

1978. (pp. 245- 331)

Carta de Luis Albuquerque de Mello Pereira e

Cáceres para o marquês de Pombal acerca das

vantagens que reunia a zona da barra do rio

Mequens com o Guaporé para se erigir uma

feitoria de comércio.

Gilberto Freyre 1774 Contribuição para uma

Sociologia da Biografia.

Edição da Fundação

Cultural de Mato Grosso,

1978. (pp. 333-337)

Apontamentos de Luiz de Albuquerque de Mello

Pereira e Cáceres acerca de vários assuntos da

capitania de Mato Grosso, designadamente nomes

de pessoas é provável que se destinassem a

facilitar o governo de seu irmão João de

Albuquerque, que lhe sucedeu)

Gilberto Freyre 1790-

1791

Contribuição para uma

Sociologia da Biografia.

Edição da Fundação

Cultural de Mato Grosso,

1978. (pp. 339-354)

Carta de Luis de Albuquerque para a Secretaria do

Estado dos Negócios do reino sobre os

procedimentos que se experimentaram, em virtude

das Reais Ordens para o progresso dos novos

estabelecimentos, determinados pelo mesmo Real

Senhor.

Gilberto Freyre 1774 Contribuição para uma

Sociologia da Biografia.

Edição da Fundação

Cultural de Mato Grosso,

1978. (pp. 355-361)

Instruções que levou Luiz de Albuquerque de

Mello Pereira e Cáceres quando foi nomeado

governador e capitão-general da Capitania de

Mato Grosso.

Gilberto Freyre 1771 Contribuição para uma

Sociologia da Biografia.

Edição da Fundação

Cultural de Mato Grosso,

1978. (pp. 363-371)

Instruções de Martinho de Mello e Castro ao

governador e capitão-general de Mato Grosso

Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres

relativas à comunicação por rios e ribeiras, entre o

Pará e Mato Grosso.

Gilberto Freyre 1772 Contribuição para uma

Sociologia da Biografia.

Edição da Fundação

Cultural de Mato Grosso,

1978. (pp. 373-376)

78

OUTROS DOCUMENTOS PUBLICADOS

ALINCOURT, Luis d`. Mapa geral da População da cidade de Mato Grosso e mais lugares anexos,

organizado por Luis d`Alincourt, Sargento Mor Engenheiro, encarregado da Comissão estatística e

Topográfica acerca da província de Mato Grosso. Citado por Ramiz galvão – catálogo da Exposição de

História do Brasil – In- ABN – v. 9 – 1881/ 2 – título nº 3397.

ALINCOURT, Luiz. Resultado dos Trabalhos de Indagações Satistiscas da Província de Matto Grosso” in

Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. 1880-1881, vols. III e VIII.

_____________. Memória sobre a viagem do porto de Santos á cidade de Cuiabá. São Paulo – Livraria

Martins Ed. – 1954.

ALMEIDA SERRA, Ricardo Franco de. Reflexões sobre a Capitania do Mato Grosso. Cuiabá, Edições

UFMT, 1975.

CASTELNAU, Francis. Expedição às Regiões Centrais da América do Sul. 2 vols. São Paulo, Editora

Nacional, 1949.

MOUTINHO, Joaquim Ferreira. Notícia Sôbre a Província de Mato Grosso. São Paulo, 1869.

FONSECA, João Severiano da. Viagem ao Redor do Brasil. Rio de Janeiro, Typografia de Pinheiro e Co.,

1880-1881.

SÁ, José Barbosa de. Relação das povoações do Cuiabá e Mato Grosso de seus princípios até o presentes

tempos. Cuiabá – Ed. UFMT – 1975.

79

BACIA DO GUAPORÉ

GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg 447.

80

PLANTA DA POVOAÇÃO DE CAZAL VASCO

GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg 306.

81

DETALHE DA CARTA GERAL DA CAPITANIA GERAL DO MATO GROSSO

GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg 304.

82

DETALHE DA CARTA GEOGRÁFICA DO RIO GUAPORÉ

GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg 378.

83

GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua. Portugal, 2000, pg 25.

84

CONFIGURAÇÃO DO ISTMO QUE FORMAM OS RIOS ALEGRE E AGUAPEI

GARCIA, João Carlos (coord.) A mais dilatada vista do mundo: inventário da coleção cartográfica da Casa da Ìnsua.

Portugal, 2000, pg 296.