projeto de lei municipal 7.717/2014

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PROJETO DE LEI nº. 7.717/14 DISPÕE SOBRE A RESERVA, PARA NEGROS E INDIOS, DAS VAGAS OFERECIDAS NOS CONCURSOS PÚBLICOS PARA PROVIMENTO DE CARGOS E EMPREGOS DOS QUADROS PERMANENTES DE PESSOAL DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA DO MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE MS. A CÂMARA MUNICIPAL DE CAMPO GRANDE APROVA: Art. 1º - Fica reservado aos negros 20% (vinte por cento) e índios 10% (dez por cento) do percentual das vagas respectivas oferecidas nos concursos públicos, para provimento dos cargos e empregos públicos dos quadros permanentes de pessoal da administração direta e indireta do Município de Campo Grande MS. § 1º - A reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público municipal for igual ou superior a 5 (cinco). § 2º - O quantitativo de vagas reservadas constará expressamente do edital do concurso. § 3º - Se na apuração do número de vagas a ser reservado, resultar número decimal igual ou maior do que meio, será adotado o número inteiro imediatamente superior e, se menor do que meio, será adotado o número inteiro imediatamente inferior. Art. 2º - O candidato deverá declarar expressamente a condição de negro ou índio no ato da inscrição, vedada à declaração em momento posterior. Parágrafo Único Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhes sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. Art. 3º - Os candidatos negros e índios concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas a ampla concorrência, de acordo com sua classificação no concurso. §1º Os candidatos negros e índios aprovados dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas. §2º Em caso de desistência de candidato negro e indígena aprovados em vagas reservadas, a vaga será preenchida pelo candidato posteriormente classificado. Art. 4º - Na hipótese de não haver número de candidatos negros e indígenas aprovados suficientes para ocupar as vagas reservadas, as vagas remanescentes serão revertidas para a ampla concorrência e serão preenchidas pelos demais candidatos aprovados, observada a ordem de classificação. Art. 5º - O Executivo regulamentará esta Lei no prazo de 60 (sessenta) dias.

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Page 1: Projeto de lei  Municipal 7.717/2014

PROJETO DE LEI nº. 7.717/14

DISPÕE SOBRE A RESERVA, PARA NEGROS E INDIOS, DAS VAGAS

OFERECIDAS NOS CONCURSOS PÚBLICOS PARA PROVIMENTO DE CARGOS E

EMPREGOS DOS QUADROS PERMANENTES DE PESSOAL DA ADMINISTRAÇÃO

DIRETA E INDIRETA DO MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE – MS.

A CÂMARA MUNICIPAL DE CAMPO GRANDE APROVA:

Art. 1º - Fica reservado aos negros 20% (vinte por cento) e índios 10% (dez por cento)

do percentual das vagas respectivas oferecidas nos concursos públicos, para

provimento dos cargos e empregos públicos dos quadros permanentes de pessoal da

administração direta e indireta do Município de Campo Grande – MS.

§ 1º - A reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no

concurso público municipal for igual ou superior a 5 (cinco).

§ 2º - O quantitativo de vagas reservadas constará expressamente do edital do

concurso.

§ 3º - Se na apuração do número de vagas a ser reservado, resultar número decimal

igual ou maior do que meio, será adotado o número inteiro imediatamente superior e,

se menor do que meio, será adotado o número inteiro imediatamente inferior.

Art. 2º - O candidato deverá declarar expressamente a condição de negro ou índio no

ato da inscrição, vedada à declaração em momento posterior.

Parágrafo Único – Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será

eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua

admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que

lhes sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras

sanções cabíveis.

Art. 3º - Os candidatos negros e índios concorrerão concomitantemente às vagas

reservadas e às vagas destinadas a ampla concorrência, de acordo com sua

classificação no concurso.

§1º Os candidatos negros e índios aprovados dentro do número de vagas oferecidas

para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das

vagas reservadas.

§2º Em caso de desistência de candidato negro e indígena aprovados em vagas

reservadas, a vaga será preenchida pelo candidato posteriormente classificado.

Art. 4º - Na hipótese de não haver número de candidatos negros e indígenas

aprovados suficientes para ocupar as vagas reservadas, as vagas remanescentes

serão revertidas para a ampla concorrência e serão preenchidas pelos demais

candidatos aprovados, observada a ordem de classificação.

Art. 5º - O Executivo regulamentará esta Lei no prazo de 60 (sessenta) dias.

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Art. 6º - As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta das

dotações orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário.

Art. 7º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das sessões, 03 de Junho de 2014.

THAIS HELENA

LUIZA RIBEIRO

PAULO PEDRA

JUSTIFICATIVA

A presente propositura visa à reserva de 20%, para negros e 10% para índios, das

vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos e empregos dos

quadros permanentes de pessoal da administração direta e indireta do Município de

Campo Grande – MS.

Em nosso Estado vigora a Lei 3594/2008 que disciplina cotas para negros e a Lei

3994/2010 que disciplina cotas para índios, ambas regulamentadas pelo Decreto

13.141/2011.

O processo seletivo pela reserva de vagas já é utilizado nos Estados de Mato Grosso

do Sul (prevê 10% para negros e 3% para índios), Rio de Janeiro (prevê 20% para

negros e índios), Paraná (prevê 10% para negros) e Rio Grande do Sul (prevê 16%

das vagas para negros, pardos e indígenas), todos com leis próprias de cotas raciais.

No Senado foi aprovado, no dia 13 de maio do corrente ano, o PL 6738/2013, que

dispõe sobre a reserva de 20% das vagas em concursos públicos federais a

afrodescendentes, estando no aguardo apenas de sanção presidencial e publicação

no DOU para vigorar.

A Lei 12.288/10 – Estatuto da Igualdade Racial, cujo Estatuto do Índio deve ser

interpretado a sua luz, assevera que politicas públicas são todas as ações, iniciativas e

programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais.

Ainda, além das normas constitucionais relativas aos princípios fundamentais, aos

direitos e garantias fundamentais e aos direitos sociais, econômicos e culturais, o

Estatuto da Igualdade Racial adota como diretriz político-jurídica a inclusão das

vítimas de desigualdade étnico-racial, determinando a implementação de programas

de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante

ao trabalho.

A presente propositura é instrumento de uniformização de oportunidade e busca de

igualdade material através de um programa de ação afirmativa, no qual implementa

medida que visa aproximar pessoas que se encontram historicamente em condições

sociais distintas, em cumprimento ao principio da isonomia.

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A percentagem aqui estabelecida se deu com base no censo do IBGE no ano de 2010

(www.ibge.com.br) que apurou a população campo-grandense de 873.851 mil

pessoas, sendo que se declaram pretos 46.963 e indígenas 8.260, logo podemos

definir que além de política pública é dívida institucional a iniciativa da presente

proposição, bem como nas leis federais e estaduais já descritas anteriormente,

procurando assim atender ao Princípio da Proporcionalidade e da Dignidade da

Pessoa Humana.

Tanto a doutrina como a jurisprudência ao longo dos tempos, revisou e reconheceu

que o conceito de isonomia é a proibição de diferenciação, em que “tratamento como

igual significa direito a um tratamento igual” e que obrigação de diferenciação, em que

tratamento como igual significa “direito a um tratamento especial”. (Des. Sidney

Hartung)

Em sequencia ao conjunto de politicas publicas e privadas que visa o combate à

discriminação racial e de gênero, tal como estabelece a CF/88, podemos citar como

ex. cotas para candidatas mulheres e proteção mercado trabalho, portadores

necessidades especiais em concursos públicos e ate dispensa de licitação.

É evidente, na questão étnica, que as pessoas negras e indígenas sofrem forte

preconceito e discriminação. O principio da igualdade, presente em nossa Carta

Magna, indica como forma de efetivar a isonomia material, que todos os entes da

Federação devem fomentar ações afirmativas para encurtar distâncias sociais e

promover os desfavorecidos.

O Ministro Joaquim Barbosa do STF, ao se posicionar a favor da constitucionalidade

das ações afirmativas em nosso país, afirmou que: “no plano estritamente jurídico (que

se subordina, a nosso sentir, à tomada de consciência assinalada nas linhas

anteriores), o Direito Constitucional vigente no Brasil, é perfeitamente compatível com

o princípio da ação afirmativa. Melhor dizendo, o Direito Brasileiro já contempla

algumas modalidades de ação afirmativa, inclusive em sede constitucional. Assim, à

luz desta respeitável doutrina, pode-se concluir que o Direito Constitucional brasileiro

abriga, não somente o princípio e as modalidades implícitas e explícitas de ação

afirmativa a que já fizemos alusão, mas também as que emanam dos tratados

internacionais de direitos humanos assinados pelo nosso país” (Gomes, 2000:20 e

2000:21).

No mesmo sentido, aduz Marco Aurélio, Ministro do STF: “ (...) E, aí, a Lei Maior é

aberta com o artigo que lhe revela o alcance: constam como fundamentos da

República Brasileira a cidadania e a dignidade da pessoa humana, e não nos

esqueçamos jamais de que os homens não são feitos para as Leis; as leis é que são

feitas para os homens. Do art. 3º vem-nos a luz suficiente ao agasalho de uma ação

afirmativa, a percepção de que o único modo de se corrigir desigualdades é colocar o

peso da lei, com a imperatividade que ela deve ter em um mercado desiquilibrado, a

favor daquele que é discriminado, que é tratado de forma desigual” (discurso proferido

durante Seminário Discriminação e Sistema Legal Brasileiro promovido pelo TST em

20/nov/2001).

A correção das desigualdades é possível. Cidadania não combina com desigualdade.

República não combina com preconceito. Democracia não combina com

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discriminação.

A norma do art. 5º da CF/88, não difere do contido no art. 206, incisos I, III e IV da

CF/88. O legislador ao fixar a Lei de Cotas, levou em consideração o numero de

negros, pardos e indígenas excluídos das universidades e a condição social da

parcela da sociedade que vive na pobreza.

Vale dizer, que cotas não se prestam apenas às ações afirmativas para a questão do

acesso à educação, mas também para a inclusão social aos cargos públicos, quer por

eleições, quer por concursos públicos. Vale ressaltar aqui, um trecho, de artigo

publicado pelo Juiz Gerivaldo Neiva, da Bahia, em defesa das cotas: “não se constrói

uma nação livre, soberana e solidaria fundada na cidadania e dignidade da pessoa

humana, conforme previsto na Constituição de 1988, sem historia e sem a busca

incessante da igualdade material do povo que compõe esta nação”.

Por oportuno, vale citar que no ano passado, a Vereadora Luiza Ribeiro, uma das

propositoras desse Projeto, protocolizou o PL 7.403/13, cuja matéria é semelhante a

presente em apreciação. Referido PL foi arquivado pelo entendimento, em síntese, da

PGM de que a matéria é de competência do Executivo Municipal para legislar cobre

assuntos interesse local (CF, art 30, I) e com escopo no art. 3º, IV e art. 19, III, que

tratam da igualdade entre as pessoas e vedação a criação de distinção. Na mesma

esteira, o parecer da Comissão de Legislação, Justiça e Redação Final, que adotando

a fundamentação da PGM, entendeu pela não tramitação do PL.

Importante destacar, que os argumentos acima mencionados não devem prosperar. A

Lei de Cotas não comporta mais interpretação divergente uma vez já pacificado

entendimento de sua constitucionalidade pelo STF. A reserva de vagas – levando-se

em conta sistema de cotas, para concursos públicos, levou a aprovação pelo Senado

o PL 6738/13. De igual forma, ao Município, entende-se aqui Legislativo e Executivo, é

permitido constitucionalmente legislar sobre matérias de interesse local. Isso porque,

os munícipes, são diretamente afetados pelos acontecimentos do local onde residem

ou nele transitam. No caso em tela, a matéria é de interesse local, conforme dispõe a

CF em seu art. 30, inciso I c/c art. 17, incisos I e II da Constituição do Estado.

Por derradeiro e a par das considerações lançadas acima, submetemos a presente

propositura aos nobres pares, como forma de efetivar a isonomia material, fomentando

ações afirmativas visando implementar medidas que aproximem pessoas que se

encontram historicamente em condições sociais distintas.

Sala das Sessão, 03 de Junho de 2014.

THAIS HELENA

LUIZA RIBEIRO

PAULO PEDRA