projeto danÇa crianÇa e escola cidadÃ: o aprendizado da...

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FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO ÂNGELA FERREIRA DA SILVA PROJETO DANÇA CRIANÇA E ESCOLA CIDADÃ: O APRENDIZADO DA DANÇA E A CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS Porto Alegre 2007

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  • FACULDADE DE EDUCAOPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    MESTRADO EM EDUCAO

    NGELA FERREIRA DA SILVA

    PROJETO DANA CRIANA E ESCOLACIDAD: O APRENDIZADO DA DANAE A CONSTRUO DE SIGNIFICADOS

    Porto Alegre2007

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  • NGELA FERREIRA DA SILVA

    PROJETO DANA CRIANA E ESCOLA

    CIDAD: O APRENDIZADO DA DANA

    E A CONSTRUO DE SIGNIFICADOS

    Dissertao de Mestrado, apresentada ao Programa dePs-Graduao em Educao da Faculdade de Educaoda Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande doSul, como requisito parcial para a obteno do ttulo deMestre em Educao.

    Orientadora: Profa. Dr. Nara Guazelli Bernardes

    Porto Alegre

    2007

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  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    S586p Silva, ngela Ferreira daProjeto Dana Criana e Escola Cidad: o aprendizado

    da dana e a construo de significados. / ngela Ferreira daSilva. Porto Alegre, 2007.

    115 f.

    Dissertao (Mestrado em Educao) Faculdade deEducao, PUCRS.

    Orientao: Profa. Dra. Nara Guazelli Bernardes.

    1. Dana - Escola. 2. Dana - Ensino.3. Educao Esttica. 4. Escola Cidad. I. Ttulo.

    CDD 793.3

    Ficha elaborada pela bibliotecria Cntia Borges Greff CRB 10/1437

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    NGELA FERREIRA DA SILVA

    PROJETO DANA CRIANA E ESCOLA

    CIDAD: O APRENDIZADO DA DANA

    E A CONSTRUO DE SIGNIFICADOS

    Dissertao de Mestrado, apresentada ao Programa dePs-Graduao em Educao da Faculdade de Educaoda Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande doSul, como requisito parcial para a obteno do ttulo deMestre em Educao.

    Aprovado em 19 de dezembro de 2007

    Banca Examinadora:

    Orientadora: Profa. Dra. Nara Guazelli BernardesPUCRS

    Profa. Dra. Lizete Arnizaut VargasUFRGS

    Prof. Dr. Juan Jose Mourio Mosquera

    PUCRS

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    Ao Francisco e Letcia que fazemminha vida ser mais bela, dedico esta dissertao.

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    AGRADECIMENTOS

    minha orientadora, Profa. Dra. Nara Guazelli Bernardes,Pelo apoio, disponibilidade, carinho, pacincia e confiana.Por ter acreditado em mim desde a entrevista para a seleo

    do Mestrado at o trmino da dissertao.

    Ao Programa de Mestrado em Educao da PUCRS,Em especial aos professores que me auxiliaram na construo deste trabalho.

    CAPES,Pela bolsa para realizar o Mestrado.

    Aos colegas do Mestrado,Pelas conversas, pelas trocas, amizade e convvio.

    direo e colegas da EMEI Dom Luis de Nadal,Pelo apoio, pelos conselhos, pela compreenso.

    Leta,No s pela acolhida no projeto de dana, mas por me proporcionar fazer parte desta histria.

    Por seu exemplo de dedicao, sensibilidade e amor pelo trabalho e por seus alunos.

    s alunas e familiares do projeto Dana Criana,Que com sua contribuio, coloriram este trabalho.

    EMEF Loureiro da Silva,Pelo acolhimento e colaborao na realizao deste estudo.

    Sandra,Que foi o anjo da guarda da Letcia.

    Aos amigos, familiares, colegas de trabalho e demais pessoas,Pelo incentivo para a realizao deste curso.

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    Eu s poderia crer em umDeus que soubesse danar.

    (Nietzsche)

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    RESUMO

    A presente pesquisa, de carter qualitativo, caracteriza-se como estudo de caso e

    problematizou a temtica dana e educao, focalizando os significados construdos a partir

    do e no aprendizado da dana para o grupo de alunos envolvidos no projeto Dana Criana.

    Este projeto existe h 23 anos na Escola Municipal de Ensino Fundamental Jos Loureiro da

    Silva, localizada na Vila Cruzeiro do Sul, bairro perifrico de Porto Alegre. A coleta de dados

    foi feita atravs de entrevistas semi-estruturadas com 9 integrantes do projeto (faixa etria

    entre 6 e 14 anos), 3 familiares e 2 professoras, alm de conversas informais. Tambm foram

    realizadas observaes participantes durante as aulas (incluindo os e momentos de entrada e

    sada) e nas apresentaes. O procedimento de anlise dos dados foi baseado na anlise de

    contedo que gerou as seguintes categorias: significados e sentimentos em relao dana;

    motivao para aprender dana na escola; expectativas em relao dana e vida. O estudo

    est embasado na perspectiva da educao esttica (HERMANN, 2005; DUARTE JR,

    1981,1991) e situado na proposta pedaggica da Escola Cidad (AZEVEDO, 1999, 2000;

    GADOTTI, 2000). Os resultados apontam, principalmente, que o projeto de dana constitui-se

    em um importante referencial para esta comunidade em relao construo de uma

    aprendizagem significativa e no resgate de sentimentos de participao, integrao e

    mobilizao. As representaes sociais desveladas na pesquisa indicam que a dana para este

    grupo d sentido no s ao aprendizado, mas prpria vida. A partir das constataes da

    pesquisa, recomenda-se que projetos de educao alternativos sejam incorporados realidade

    das escolas, como forma de potencializar o desenvolvimento integral dos alunos e de re-

    significar o ato educativo, enquanto um ato de construo de conhecimento baseado na alegria

    e na beleza.

    Palavras-chave: Dana e Educao. Educao Esttica. Escola Cidad.

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  • 7

    ABSTRACT

    The present research, on qualitative character, is characterized as a case study and concerned

    the thematic dance and education, focusing the meanings built from the dance learning for the

    group of students involved in the project called Dana Criana. This project has been

    launched twenty three years ago in the Municipal School Jos Loureiro da Silva, located on

    the Vila Cruzeiro do Sul, in the suburbs of Porto Alegre. The data collection was made

    through semi-structured interviews with 9 project members (age group between 6 and 14

    years old), 3 relatives and 2 teachers, besides informal talking. Observations were also

    realized during the classes (including getting in and leaving moments), and during the

    presentations. The data analysis was based on contents analysis that generated the following

    categories: (meanings and feelings related to dance; motivation to learn dance at school;

    expectation in relation to dance itself and life. The study is based on the perspective of

    aesthetics education (HERMANN, 2005; DUARTE JR, 1981, 1991) and situated in the

    pedagogical propose of the Escola Cidad (AZEVEDO, 1999, 2000; GADOTTI, 2000). The

    results point, principally, that the dance project is constituted by an important referential to

    this community, concerning a significant learning and on the rescue of participation feelings,

    integration and mobilization. The social representation revealed in the research, indicates that

    the dance for this group, does not mean only learning, but the life itself. From the research

    findings on, it is recommended that the alternative education projects be incorporated to the

    schools reality, as a way to potencialize whole students development and to give a new

    meaning to the educational act, while been an act of knowledge construction based on

    happiness and beauty.

    Key-words: Dance and education. Aesthetics education. Escola Cidad.

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  • 8

    SUMRIO

    1 INTRODUO ................................................................................................................... 10

    2 CONSTRUO DO OBJETO DE ESTUDO .................................................................. 13

    2.1 ELEMENTOS PARA UMA EDUCAO ESTTICA ................................................... 13

    2.2 PRINCPIOS NORTEADORES DA PROPOSTA PEDAGGICA DA ESCOLA

    CIDAD ....................................................................................................................................... 18

    2.3 A DANA NA ESCOLA .................................................................................................. 25

    2.4 O PROBLEMA DE PESQUISA........................................................................................ 32

    3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ..................................................................... 33

    3.1 A OPO METODOLGICA ......................................................................................... 33

    3.2 CAMPO DE INVESTIGAO E SUJEITOS .................................................................. 34

    3.3 PROCEDIMENTOS PARA A COLETA DE DADOS ..................................................... 35

    3.3.1 Entrevistas...................................................................................................................... 35

    3.3.2 Observao participante ............................................................................................... 36

    3.4 PROCEDIMENTOS PARA ANLISE DE DADOS........................................................ 37

    4 ANLISE E DISCUSSO.................................................................................................. 40

    4.1 SIGNIFICADOS E SENTIMENTOS EM RELAO DANA .................................. 40

    4.1.1 Dana associada ao belo ................................................................................................ 43

    4.1.2 Dana como expresso e ludicidade ............................................................................. 47

    4.1.3 Dana como saber.......................................................................................................... 50

    4.1.4 Dana associada figura feminina ............................................................................. 53

    4.2 MOTIVAO PARA APRENDER DANA NA ESCOLA ........................................... 57

    4.2.1 Apresentao.................................................................................................................. 59

    4.2.2 Aulas prazerosas....................................................................................................................... 62

    4.2.3 Convvio.......................................................................................................................... 66

    4.2.4 Superao e experimentao de competncia ............................................................ 73

    4.3 EXPECTATIVAS EM RELAO DANA E VIDA.............................................. 75

    4.3.1 Apresentar-se no teatro................................................................................................. 75

    4.3.2 Ser bailarina e/ou professora de ballet......................................................................... 79

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  • 9

    4.3.3 Aprender de modo significativo ................................................................................... 81

    4.3.4 Melhorar as condies de vida atuais .......................................................................... 83

    5 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 87

    REFERNCIAS ..................................................................................................................... 91

    APNDICES ........................................................................................................................... 95

    APNDICE A Roteiro para as entrevistas com alunas ......................................................... 96

    APNDICE B Roteiro para as entrevistas com a professora e coordenadora do projeto ..... 97

    APNDICE C Roteiro para as entrevistas com familiares das alunas .................................. 98

    APNDICE D Roteiro para as observaes.......................................................................... 99

    APNDICE E Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos Participantes do

    Estudo......................................................................................................... 100

    APNDICE F Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Escola.............................. 101

    APNDICE G - Fotos ............................................................................................................ 102

    ANEXOS ............................................................................................................................... 107

    ANEXO A - Fotos .................................................................................................................. 108

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  • 10

    1 INTRODUO

    A soma de minhas experincias nos mbitos pessoal, profissional e artstico resultou

    no interesse em pesquisar sistematicamente as relaes entre a vivncia educacional da dana

    e a construo de significados pelos alunos (sujeitos e objetos de anlise). possvel separar

    estas experincias em trs grandes momentos: minha vivncia como bailarina, minha busca

    por respostas tericas como estudante e pesquisadora e minha prtica diria como docente em

    dana e no ensino regular.

    Com a formao em Pedagogia e Educao Psicomotora e, cada vez mais certa de que

    queria trabalhar com dana e educao, constru convices e concepes (todas provisrias e

    suscetveis a mudanas conceituais e paradigmticas), idealizei um possvel encontro entre

    arte, movimento e educao, mas me decepcionei com a pouca importncia dada ao corpo e

    arte nos ambientes escolares. Percebi o quo enraizado est o dualismo cartesiano em nossos

    modelos educativos, nos quais a separao entre corpo e mente, a hierarquizao dos saberes

    e a fragmentao do ser humano ainda esto muito presentes.

    Paralelo ao trabalho com dana, s leituras e buscas individuais, comecei a trabalhar

    com Educao Infantil na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RME) e passei a

    incorporar ao currculo das turmas com as quais atuava as vivncias artsticas da dana, da

    msica, da literatura e do teatro. Tal experincia proporcionou-me um dilogo entre educao

    e arte e uma necessidade ainda maior de sistematizar em forma de pesquisa cientfica minhas

    descobertas dirias.

    Outra experincia importante nessa caminhada foi a participao sistemtica em

    projetos de dana em uma escola da RME, situada na periferia da cidade: Escola Vereador

    Antnio Gidice. Tambm foi importante em meu trabalho a busca por um fazer e aprender

    dana sem perder a ludicidade proporcionada pelo jogo e exercitando a imaginao e a

    sensibilidade, to caras aos artistas e s crianas.

    Neste momento, a bailarina de formao clssica, a pesquisadora incansvel e a

    educadora infantil pararam de duelar internamente e passaram a se unir na busca de um ideal

    maior: a formao de um ser humano indiviso, histrico, poltico e cujas capacidades e

    competncias so ilimitadas.

    A constatao da relevncia de propostas curriculares alternativas na construo de

    uma educao contextualizada e na formao de indivduos mais crticos e autoconscientes

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  • 11

    estimularam-me ainda mais em minha busca terico-prtica e na formulao de alguns

    questionamentos.

    Alm disso, minha insero na proposta pedaggica da Escola Cidad como

    professora, propiciou-me um novo olhar sobre as questes da educao, bem como uma

    formao continuada, que me permitiu vislumbrar possibilidades mais concretas em relao

    ao encontro da dana com a educao na perspectiva dos princpios de: democracia,

    cidadania, respeito s diferenas e diversidade cultural (PORTO ALEGRE, 1996).

    Face a essas consideraes, o tema desta pesquisa a aprendizagem da dana no

    contexto da educao popular.

    Desta forma, defini os seguintes objetivos para esta pesquisa:

    a) investigar os significados e sentidos construdos no e a partir do aprendizado da

    dana;

    b) captar os sentimentos e expectativas que as crianas manifestam em funo desta

    vivncia;

    c) desvelar fatores motivacionais para a insero e permanncia no projeto de dana;

    d) compreender como esses significados esto conectados proposta poltico-

    pedaggica da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre.

    No decorrer da pesquisa procuro responder a estes questionamentos, discutindo,

    analisando e promovendo um dilogo entre os dados coletados e as teorias que sustentam a

    insero da dana no espao escolar.

    Para uma melhor organizao do trabalho aqui apresentado Projeto Dana Criana e

    Escola Cidad: o aprendizado da dana e a construo de significados, optei pela diviso

    em captulos.

    No primeiro captulo Construo do objeto de estudo elenquei trs temticas para

    realizar a reviso da literatura: elementos estticos da educao, princpios norteadores da

    Escola Cidad e a dana na escola. Tais temticas servem como ponto de apoio para situar o

    objeto de estudo e explicitar o problema de pesquisa.

    No segundo captulo Procedimentos metodolgicos defino a opo metodolgica

    da pesquisa: a abordagem qualitativa a partir do estudo de caso. Descrevo tambm, o campo

    de investigao, os sujeitos da pesquisa bem como os procedimentos para a coleta e anlise

    dos dados.

    No terceiro captulo Anlise e discusso apresento as trs categorias temticas que

    constru, cada uma dividida em outras quatro subcategorias respectivamente. As categorias

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  • 12

    so: significados e sentimentos em relao dana; motivao para aprender dana na escola

    e expectativas em relao dana e vida.

    No quarto e ltimo captulo exponho as consideraes finais desta dissertao.

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  • 13

    2 CONSTRUO DO OBJETO DE ESTUDO

    Neste captulo apresento alguns conceitos que do sustentao terica a este trabalho

    de pesquisa. Considerando a temtica dana e educao e a produo cientfica das

    respectivas reas de conhecimento, discuto idias que aproximam e conectam as duas reas,

    bem como situo o estudo na perspectiva da proposta pedaggica da Escola Cidad da Rede

    Municipal de Ensino de Porto Alegre (RME).

    Em um primeiro momento trato da questo da esttica com base nos estudos de Silva e

    Loreto (1995) e de Hermann (2005) que analisam as definies do tema propostas por

    filsofos como Kant, Schiller, Gadamer, Adorno, Nietzsche, Foulcault; em seguida, procuro

    aproximar os conceitos de esttica e educao utilizando como referncia as reflexes acerca

    dos fundamentos estticos da educao propostas por Duarte Jnior (1981,1991).

    Em um segundo momento, contextualizo os pressupostos que norteiam a proposta

    pedaggica da Escola Cidad, tendo como foco principal a poltica cultural da Rede

    Municipal e apresentando como referenciais o documento que estabelece estes princpios

    (PORTO ALEGRE, 1996), e autores como Barreto (1998), Azevedo (2000) e Gadotti (2000)

    que problematizam a temtica da educao popular.

    Por fim, apresento um panorama do processo de insero da dana no contexto

    escolar, procurando relacionar os documentos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educao

    Brasileira LDB (1996) e os Parmetros Curriculares Nacionais - PCNs (1997) que do

    amparo legal para a introduo da dana como disciplina na escola, com a produo terica de

    dana e educao (GARAUDY, 1980; DANTAS, 1999; MARQUES, 2001, 2003 ;

    VARGAS, 2002) e com os projetos implantados na RME de Porto Alegre.

    2.1 ELEMENTOS PARA UMA EDUCAO ESTTICA

    Neste tpico, com base em Hermann (2005), Silva e Loreto (1995) e Duarte Jr. (1981,

    1991) focalizo a questo da educao esttica desde um ponto de vista filosfico, bem como

    trato dos fundamentos estticos da educao.

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  • 14

    Hermann (2005) traa um panorama de como a esttica relaciona-se com a educao,

    historicamente. Segundo a autora, o termo esttica tem origem na palavra grega aisthesis que

    significa percepo, sensao, conhecimento sensvel. Foi Alexander Baumgarten (sculo

    XVIII) quem deu a primeira definio moderna ao termo, em 1750, na obra Aesthetica, na

    qual esttica concebida como cincia do conhecimento sensvel ou a cincia preocupada

    com a definio de beleza.

    Para Hermann (2005, p. 33):

    a categoria do esttico desenvolve-se no sculo XVIII num contexto de valorizaoda beleza natural e artstica, na perspectiva da experincia evocada pela natureza,pelo impulso ou voz interior. Essa afirmao no pretende negar que h motivosestticos desde a Antiguidade clssica, passando pela Renascena. Mas no contextodo sculo XVIII, abre-se um caminho de renovao de contato com as fontesprofundas da natureza que confere uma vida mais plena, trazendo condies pararomper as barreiras existentes contra a experincia sensvel, decorrentes doextremado racionalismo que dominava o cenrio filosfico.

    Silva e Loreto (1995) afirmam que a tarefa da esttica consiste na reflexo acerca dos

    critrios de apresentao e representao da obra de arte; do que beleza, do que arte e para

    quem se dirige. Acrescentam ainda, que a esttica pode ser concebida como o campo de

    reflexo sobre arte na sua acepo mais ampla: enquanto expresso, comunicao, linguagem,

    e at mesmo como defensora de valores sociais. Esttica seria, portanto a parte da filosofia e,

    mais modernamente da psicologia, preocupada em buscar significados e sentidos para aquela

    dimenso da vida na qual o homem experencia o belo.

    Pode-se, deste modo compreender que a esttica reagiu fortemente ao puro racionalismo,

    trazendo tona os sentimentos, a liberdade e a atividade criadora do ser humano. As discusses

    filosficas a respeito da esttica, do belo, do que gosto, fizeram emergir, tambm a ruptura com

    fortes barreiras existentes contra o sensvel e abriram ainda a possibilidade de incorporar

    sensibilidade, o bem viver e a espiritualidade (HERMANN, 2005).

    Conforme destaca Hermann (2005) neste sentido, inicia-se um processo em que a

    imaginao, os sentimentos e mesmo a paixo podem dar acesso ao conhecimento. Segundo a

    autora, vrios filsofos preocuparam-se com o conceito de esttica na formao do ser

    humano, tais como: Kant, Adorno, Gadamer, Schiller, Nietzsche e Foulcault.

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  • 15

    Para Silva e Loreto (1995), Kant (sculo XVIII) sintetiza em sua obra as concepes

    de arte, imaginao e gosto. Foi o filsofo quem diferenciou o juzo racional do juzo esttico

    e associou arte ao belo.

    O juzo racional tambm chamado de juzo determinante, porque ele determina

    teoricamente um objeto. J o juzo esttico um juzo reflexionante, pois a representao de

    um objeto se d sem conceitos, mediante o prazer que ele proporciona. o chamado juzo de

    gosto que no um juzo terico, mas baseado no sentimento. Kant prope a inverso do

    primado do inteligvel sobre o sensvel e o surgimento da figura do ser humano criador

    (SILVA; LORETO, 1995).

    Segundo Silva e Loreto (1995), para Kant arte se distingue da natureza na medida em

    que a primeira criao humana e a segunda, uma determinao causal. Ou seja, a arte um

    livre produto da imaginao humana. Nesta perspectiva, o belo para Kant no pode ser uma

    propriedade objetiva das coisas, mas algo que nasce da relao entre o objeto e o sujeito

    (SILVA; LORETO, 1995, p. 44). Ou seja, belo aquilo que agrada segundo o juzo de gosto,

    alicerado no sentimento e no prazer.

    Hermann (2005) explica que, para Kant, a beleza est associada boa moralidade e o

    ser humano deve tornar-se cada vez mais perfeito, usando para isso, tanto a sua razo, quanto a

    sua sensibilidade. Para o filsofo, o dever do homem para consigo mesmo, , atravs da

    experincia esttica, harmonizar sensibilidade e racionalidade de modo a atingir um ideal tico.

    Segundo Hermann (2005), Adorno (sculo XX) em sua obra Teoria esttica (1970),

    afirma que o indivduo burgus teria dificuldade de emitir um juzo de gosto, pois ele

    massificado pela indstria cultural. Ele postula que a indstria cultural unifica e homogeneza

    os indivduos, moldando as culturas das sociedades e, que a arte e o belo podem fazer emergir

    aquilo que escapa reflexo, aquilo que pode ser capturado somente pela sensibilidade.

    Para Adorno (apud HERMANN, 2005, p. 39):

    o carter sempre dinmico e imprevisvel da criao artstica e a experincia estticaultrapassam as questes de banalizao cultural, e a arte o refgio para sustentar asubjetividade contra as foras objetivas massificadoras. A arte sempre tem ummomento utpico, uma vez que a presena da obra de arte traz consigo apossibilidade do no-existente transcende os antagonismos da vida cotidiana,emancipa a racionalidade do confinamento emprico imediato.

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  • 16

    Segundo Hermann (2005), Gadamer (sculo XX), de modo semelhante a Adorno,

    apresenta a esttica como a possibilidade de nos colocar diante do outro e de outras verdades,

    que no as verdades cientficas, objetivas, racionais. Para ele, a arte no compreensvel

    somente a partir de processos cognitivos, mas a partir de algo que vai alm do conceptvel. O

    autor afirma, em sua obra Verdade e mtodo (1977 apud HERMANN, 2005), que a

    experincia da arte nos abre novos horizontes de possibilidades que ampliam nossa

    autocompreenso, na medida em que ela capaz de revelar o ser. Para ele, a esttica modifica

    quem a vivencia permitindo uma viso de mundo sob uma outra tica: a tica do sensvel

    (HERMANN, 2005).

    Na perspectiva da educao esttica, Hermann (2005) apresenta Schiller (sculo

    XVIII) como o primeiro filsofo, na poca moderna, a apontar a fora do esttico para a

    educao. Em Cartas sobre a Educao Esttica da Humanidade (1795), Schiller, citado por

    Hermann (2005), apresenta um projeto de como a educao deveria ser. Para ele, o ideal de

    humanidade depende da educao, e no de processos revolucionrios e nem de concepes

    abstratas. A esttica instaura a fora do projeto educativo a partir do entrelaamento entre

    liberdade e sentimento, colocando-se contra a normatividade abstrata da razo.

    A natureza humana para Schiller (apud HERMANN, 2005) constituda por dois

    impulsos opostos e complementares: o impulso sensvel e o impulso formal. O impulso

    sensvel, tambm chamado de impulso material, diz respeito dimenso fsica da existncia

    do homem, s suas experincias no mundo, s transformaes e satisfao de suas

    necessidades. O impulso formal, por sua vez, tem origem na natureza racional do homem e se

    refere s disposies formais dos objetos, sua estabilidade e unidade.

    A importncia da educao reside justamente, em assegurar os limites tanto do

    impulso sensvel, quanto do impulso formal. Essa harmonizao se daria pelo impulso ldico,

    no qual o homem atinge o ideal de beleza a partir do jogo (entendido como criao). a

    esttica e no a razo que confere esta unidade vida do ser humano. Segundo Hermann

    (2005, p. 67): necessrio que a experincia sensvel limite a tendncia unificadora da razo

    e que a vida sensvel no queira imperar acima das leis formais.

    Schiller (apud HERMANN, 2005), ao tomar o conceito de beleza como aparncia,

    pela qual nossa imagem do mundo no dada, mas criada por ns, est simplesmente

    afirmando que ela obra de nosso jogo, de nossa atividade criadora. Somente pela esttica

    possvel transformar a vida dos seres humanos e superar a fragmentao do mundo moderno.

    Hermann (2005) argumenta que, rompendo com as bases metafsicas do racionalismo e do

    idealismo, Nietzsche (sculo XX) radicaliza a fora do esttico e da arte. O filsofo desmistifica

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  • 17

    todo o projeto pedaggico da modernidade negando a racionalidade como forma de elevao do

    homem. Para ele, a razo mostrou-se incapaz de dar mais humanidade ao ser humano.

    Para Nietzsche (1988 apud HERMANN, 2005, p. 73), s como fenmeno esttico a

    existncia e o mundo podem ser justificados. A experincia esttica permite enfrentar a

    dimenso trgica da existncia humana, possibilitando o conhecimento daquilo que excludo

    pela lgica do conceito e conduzindo a novas formas de compreenso do mundo.

    Exclusivamente ao homem cabe produzir sentido a sua existncia.

    Segundo Hermann (2005, p. 80):

    a arte, enquanto afirmao da existncia e estmulo aos sentimentos da vida, trabalhacom as iluses do mundo, sabendo que trata de iluses, portanto, sem apresentarnenhuma sntese conciliadora e sem que a diferena seja um mero momento dialtico detransio para a identidade. A arte afirma a vida, ressalta aspectos, deforma ou omitetraos, em funo de uma transfigurao do real. um jogo originrio da vontade depotncia, que nos permite enfrentar os horrores da existncia.

    Ainda de acordo com Hermann (2005), influenciado pela idias de Nietzsche,

    Foulcault (sculo XX) tambm rompe com a metafsica da razo e orienta-se para uma busca

    esttica da existncia. Nessa lgica, os indivduos devem constituir-se a si mesmos como uma

    obra de arte.

    Hermann (2005, p. 86) apresenta o pensamento de Foulcault (1984):

    a partir da idia de que o indivduo no nos dado, acho que h apenas umaconseqncia prtica: temos que criar a ns mesmos como uma obra de arte. [...]Ns no deveramos relacionar a atividade criativa da pessoa ao tipo de relao queela tem consigo mesma, porm deveramos ligar o tipo de relao que ela temconsigo mesma a uma atividade criativa.

    A posio de Foulcault (apud HERMANN, 2005) a respeito da esttica da existncia, de

    que o sujeito se constitui com base no em um fundamento, em uma natureza, mas a partir das

    prticas de si mesmo. As experincias do indivduo na complexa rede de relaes em que ele est

    inserido seriam capazes de promover liberdade e auto-imaginao. O cuidado de si e a criao de

    si mesmo respondem s demandas de pluralidade, pois segundo Hermann (2005), para Foulcault

    o ser humano se constitui como sujeito em funo da multiplicidade de suas vivncias.

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  • 18

    A partir deste breve panorama a respeito do conceito de esttica, entendo que este

    sofreu vrias interpretaes e modificaes conforme o contexto histrico em que foi

    trabalhado. Entretanto, algo importante a salientar que, quando se vai relacionar esttica

    com a educao, conforme Hermann (2005, p. 43), a esttica tem uma finalidade aberta que

    permite configurar mltiplas possibilidades de comportamento mais adequadas s exigncias

    do mundo contemporneo. Nesse sentido, a esttica lana luz sobre a pluralidade.

    Esse quadro filosfico relevante para embasar a concepo de educao esttica

    como um processo de valorizao da sensibilidade, da criao e da liberdade. Uma forma de

    trazer tona o respeito s singularidades e particularidades provenientes dos diversos

    contextos culturais. Trata-se, pois, de se apropriar dos elementos estticos para promover uma

    ao educativa significativa na formao de indivduos conscientes de seu estar no mundo.

    Conforme Duarte Jr. (1981), a educao esttica, nada mais que a educao que

    valoriza a sensibilidade, a percepo, a beleza. Para que esta se efetive no cotidiano escolar,

    preciso adotar um currculo conectado tanto cultura local quanto ao saber construdo

    tambm por outras culturas, valorizando as experincias de vida, ritmo e interesses prprios

    dos educandos. Trata-se de repensar a educao desde uma perspectiva artstica, como

    atividade esttica. Enfim, construir uma escola que proporcione ao aluno fazer de sua vida

    uma obra de arte.

    Nesta perspectiva, experincias alternativas de educao baseadas na esttica tm se

    mostrado extremamente eficientes na construo de uma aprendizagem significativa, na

    ressignificao do papel da escola e contra os processos de excluso e de discriminao que

    determinadas comunidades historicamente tem sofrido.

    2.2 PRINCPIOS NORTEADORES DA PROPOSTA PEDAGGICA DA ESCOLA CIDAD

    A partir dos anos 80 surge no Brasil, principalmente nas regies Sul e Sudeste um

    movimento de renovao curricular que tem origem no inconformismo com a deteriorizao

    do ensino pblico e na ruptura com a proposta neoliberal de educao. Proposta esta que

    visava, entre outras coisas, a privatizao de esferas pblicas e a reduo da responsabilidade

    do estado para com a educao, o que resultou numa considervel queda na qualidade da

    escola pblica brasileira (MOREIRA, 2000).

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  • 19

    Esse movimento de transformao aconteceu em virtude das eleies para governos

    municipais de partidos democrtico-populares que propuseram radicalizar a democracia tanto

    na esfera administrativa, quanto em reas como a educao. Tais iniciativas apresentam como

    discurso a necessidade da melhoria da qualidade do ensino pblico, a reduo das altas taxas

    de repetncia e evaso escolar e a democratizao no s do acesso educao, mas do

    prprio espao da escola. Trata-se de uma concepo de educao, orientada para o exerccio

    da cidadania ativa, atravs da participao efetiva dos atores envolvidos no processo ensino-

    aprendizagem (ROSSI, 2001).

    Segundo Gadotti (2000), em alguns municpios do Brasil, projetos educacionais se

    formaram tendo como base as propostas de Paulo Freire1 e a influncia dos pressupostos da

    educao popular. A educao popular foi considerada um fenmeno de produo e

    apropriao dos produtos culturais, constituda por um sistema aberto de ensino e

    aprendizagem. O embasamento foi uma teoria de conhecimento referenciada na realidade,

    com metodologias incentivadoras de participao das pessoas, permeada ainda, por uma base

    poltica estimuladora de transformaes sociais e orientadas por anseios humanos de

    liberdade, justia, igualdade e felicidade. Em sntese, para a educao popular, a escola um

    espao de a socializao dos saberes e de desenvolvimento do cidado crtico, inserido na

    sociedade de forma democrtica.

    A democratizao do conhecimento processa-se a partir de uma reestruturao

    curricular que leva em conta a realidade da comunidade escolar e seus elementos culturais.

    Elementos que sero o ponto de partida para a ampliao da aprendizagem e que se

    constituiro no elo de comunicao entre os saberes locais, especficos de determinado

    contexto e o saber universal, construdo atravs dos tempos (AZEVEDO, 2000).

    Embora em cada municpio, estas propostas curriculares apresentem particularidades e

    especificidades, em comum, pautaram-se na idia de integrao do currculo como recurso

    facilitador da postura reflexiva em relao ao saber constitudo, reiterando o propsito de

    insero do aluno na sociedade como cidado autnomo, consciente e crtico (BARRETO,

    1998, p. 27). Alm disso, tambm se preocuparam em atender a camada popular da sociedade,

    historicamente excluda dos processos educativos.

    A proposta da Escola Cidad, criada e implementada durante o governo da

    Administrao Popular em Porto Alegre, no perodo de 1989 a 2004, produto da luta

    1 Convm lembrar, entre outras, as seguintes obras :Educao: prtica da liberdade (1967), Pedagogia dooprimido (1968), Cartas Guin-Bissau (1975), Pedagogia da esperana (1992), sombra desta mangueira(1995), entre outras obras.

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  • 20

    histrica pela democratizao de uma escola pblica e de qualidade (AZEVEDO, 1999).

    Segundo Azevedo (1999) a articulao de experincias pedaggicas alternativas com as

    prticas democrticas, em dcadas de lutas, culminou no projeto de uma educao emancipadora,

    capaz de formar sujeitos responsveis por sua prpria existncia, e de incluir uma grande massa

    da populao que h muito estava excluda do processo educativo e cultural.

    Em 1989, em Porto Alegre foi institudo o Oramento Participativo, cujo objetivo era

    promover junto populao a discusso acerca das prioridades de investimento do oramento

    da cidade.

    Para Azevedo (2000, p. 32), o desenvolvimento do processo e as leis de histria

    fizeram deste espao urbano uma das principais trincheiras de resgate dos valores

    humanitrios e igualitrios, ticos e solidrios acumulados pelos povos, na luta pela liberdade

    e dignificao da vida.

    A cumplicidade entre a poltica da Administrao Popular com os movimentos sociais

    na rea da educao que deu legitimidade ao projeto da Escola Cidad. Porto Alegre

    apresenta sociedade uma nova estruturao do espao escolar, buscando, sobretudo,

    potencializar o fazer democrtico no s na escola, mas como objetivo para a vida.

    Do ponto de vista poltico, a base para a instaurao da Escola Cidad est na

    socializao da esfera estatal do municpio, a partir da construo de instrumentos de

    participao popular, nos quais o Estado se transforma em espao de cidadania e atuao

    direta da sociedade civil.

    Conforme Azevedo (2000 p. 53):

    atravs de espaos pblicos como o Oramento Participativo, a Cidade Constituinte,Conselhos Setoriais, Gesto Democrtica das escolas pblicas municipais, h umexerccio de democracia direta onde a sociedade civil formula polticas, fiscaliza econtrola o desenvolvimento das polticas pblicas.

    Na escola, a democratizao desdobra-se em aes de todos os sujeitos implicados no

    processo educativo atravs: do Planejamento Participativo, no qual o coletivo da escola prope

    alternativas para o trabalho cotidiano; na instituio do Conselho Escolar, que possui natureza

    consultiva, deliberativa e fiscalizadora, constituindo-se no rgo mximo da escola (PORTO

    ALEGRE, 1996); na eleio de diretores; e no Oramento Participativo das Escolas, que, partindo

    da opinio dos diversos segmentos, aprova os recursos para os projetos de trabalho.

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  • 21

    Para Azevedo (2000), a democratizao da escola, embora destaque a sua dimenso

    poltica expressa no aprendizado das prticas democrticas e no exerccio da cidadania, uma

    questo essencialmente pedaggica. Portanto, no h neutralidade em relao s concepes

    de conhecimento e currculo inscritas nas prticas e estas esto indissociavelmente articuladas

    a um projeto poltico maior.

    Foi no decorrer do projeto Constituinte Escolar2, que envolveu toda a Rede Municipal

    de Ensino (RME), que os sujeitos atuantes no processo educacional definiram as concepes

    de: conhecimento, currculo, avaliao, gesto e normas de convivncia no interior da escola

    (PORTO ALEGRE, 1996).

    Segundo o documento referncia resultante do processo Constituinte Escolar, Caderno

    pedaggico no 9 (PORTO ALEGRE, 1996), a Escola Cidad foi definida como: estatal

    quanto ao financiamento, comunitria quanto gesto e pblica quanto destinao

    (GADOTTI, 2000, p. 49). Um espao vivo e democrtico privilegiado da ao educativa, cujo

    ensino de qualidade, gratuito, laico, pluralista e destinado s classes populares.

    A viso de conhecimento como um processo humano de busca constante de

    organizao e transformao do mundo, algo interdisciplinar, no fragmentado, atrelado ao

    desejo de aprender, bem como a compreenso da prtica social como o fim ltimo da

    educao, so princpios adotados pela RME e consolidados a partir dos fazeres cotidianos.

    Construir o conhecimento numa perspectiva interdisciplinar, promovendo a socializaodos saberes, superando rupturas nas diferentes reas do conhecimento, percebendo oaluno de maneira globalizante, buscando, estudando e implementando formasalternativas que rompem com a estrutura atual (PORTO ALEGRE, 1996, p. 7).

    Outro pressuposto fundamental diz respeito concepo de currculo. Segundo

    Azevedo (2000, p. 56), currculo pode ser compreendido como o programa total da

    instituio de ensino, expresso da prtica e da funo socializadora e cultural da escola, um

    processo construdo pelo coletivo escolar em suas especificidades e realidades prprias.

    Consta ainda no documento referncia (PORTO ALEGRE, 1996) que o currculo abarca tanto

    as vivncias que a escola prov, quanto a significao que o educando d a essas vivncias de

    modo a re-signific-las e de ampliar sua viso de mundo.

    2 A Constituinte Escolar objetivou a sistematizao em um documento referncia dos pressupostos e princpiosdebatidos pelos diferentes segmentos que compem a escola.

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  • 22

    A organizao curricular da Escola Cidad, no ensino fundamental se deu atravs dos

    ciclos de formao (3 ciclos de 3 anos cada), procurando respeitar o tempo e as experincias

    dos estudantes, bem como a organizao interdisciplinar da escola. Tais ciclos foram

    compreendidos como capazes de dar flexibilidade seriao, permitindo um agrupamento dos

    alunos em funo da idade, escolaridade e dos interesses comuns (PORTO ALEGRE, 1996).

    Nessa perspectiva, o currculo est estruturado a partir dos complexos temticos ou

    temas geradores que procuram partir do universo cultural dos alunos em direo a um

    conhecimento mais universal, transformando senso comum em conhecimento cientfico e

    aproximando a realidade dos alunos dos contedos programticos trabalhados em sala de aula

    (PORTO ALEGRE, 1996).

    Para Azevedo (2000) a superao da avaliao punitiva e seletiva, substituindo-a por

    uma alternativa emancipatria, baseada no respeito s individualidades e diferenas dos

    educandos tambm caracteriza a proposta. A avaliao visa o sucesso e no o fracasso do

    aluno. caracterizada por ser um processo, no qual o professor acompanha a caminhada dos

    alunos buscando sanar possveis lacunas e trabalhar partindo do redimensionamento da ao

    pedaggica no sentido de promover avanos na aprendizagem.

    Estruturada na constituio de instrumentos de participao, a gesto democrtica

    outro pilar da Escola Cidad. Ela se efetiva no cotidiano escolar a partir da eleio de

    diretores, da autonomia da escola em relao mantenedora e da constituio dos Conselhos

    Escolares que, formados pelos diferentes segmentos que a compem, deliberam sobre as

    questes tanto administrativas, quanto pedaggicas.

    importante salientar que essa viso de autonomia da escola em relao

    mantenedora, entretanto, no prescinde da presena do poder pblico municipal responsvel

    pelo financiamento e apoio para a efetivao do projeto pedaggico, proporcionando infra-

    estrutura, assessoria, condies de trabalho e formao continuada aos educadores.

    Para Kroeff (2001), a poltica cultural da Secretaria Municipal de Educao (SMED)

    constitui um desdobramento, na esfera educacional, do projeto de radicalizao da democracia

    proposto pela Administrao Popular.

    Na Administrao Popular em Porto Alegre, os primeiros indcios de uma poltica cultural

    se esboaram durante a primeira gesto (1989 a 1992), nesse momento teve incio o Programa de

    Atividades Alternativas Curriculares Culturais (PAACC) que objetivou a criao de diversas

    oficinas de artes nas mais variadas linguagens (dana, teatro, msica, literatura, vdeo [...]) nas

    escolas. Cada escola teria um professor com carga horria de 20 horas semanais para promover

    tais atividades no turno inverso ao horrio de aulas (KROEFF, 2001).

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  • 23

    Kroeff (2001) afirma que, j na segunda gesto (1993 a 1996), a partir da Constituinte

    Escolar, tendo a Rede Municipal definido mais amplamente suas concepes poltico-

    pedaggicas, houve uma srie de redimensionamentos pedaggicos e institucionais e se

    percebeu que as atividades alternativas estavam constituindo-se em uma escola paralela

    dentro da escola. Essa constatao levou a Secretaria a repensar tais atividades,

    reestruturando-as.

    Conforme Azevedo (1999, p. 24):

    hoje o ldico, o prazeroso, o inovador, o dinmico, so elementos indissociveis daaprendizagem e a ela inerentes em todos os espaos e tempos da Escola Cidad,resguardadas as insuficincias prprias do processo de sua construo. As oficinas, aatividade extraclasse, acontecem somente quando h um transbordamento daatividade curricular de sala de aula e no como uma alternativa a essas atividades.

    Em 1995 surgiu a Assessoria de Programao Projetos Culturais, responsvel pela

    previso oramentria e coordenao de todos os projetos culturais que envolvessem a RME

    tais como: A Escola vai ao Cinema, A Escola vai ao Teatro, A Semana de Porto Alegre, A

    Feira do Livro, A Escola faz Arte [...]. A funo deste setor passou a ser a de reorientar as

    oficinas de modo que, aos poucos fossem incorporadas ao currculo escolar (KROEFF, 2001).

    Paralelo a isso, a poltica cultural da Administrao Popular em relao ao municpio,

    apresentava a Descentralizao da Cultura que props a SMED a utilizao das escolas

    municipais como um dos equipamentos de ao cultural nas regies, caracterizando-as como

    plos culturais dos bairros.

    Segundo Kroef (2001, p. 7):

    a perspectiva da escola como plo cultural considerava que o trnsito na produocultural da cidade, com seus movimentos de vetores e direes variadas, escapavados espaos delimitados segundo classes e segmentos sociais predeterminados comovalores e bens culturais pertinentes a este ou aquele grupo.

    Desta forma, a escola colocava-se como um espao de troca de saberes,

    desenvolvendo processos criativos que vo alm do conhecimento formal, promovendo

    interlocues entre o fazer cultural produzido na cidade e a cultura prpria das comunidades.

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  • 24

    Uma escola pautada pela concepo de plo cultural mostra-se menos disciplinar e impositiva

    e mais pblica.

    Ainda com base em Kroeff (2001), em 1997, em mais um redimensionamento da

    Secretaria, foi criada a Equipe de Cultura, Eventos e Multimeios que passou a coordenar a

    poltica cultural. Essa equipe teve como funo articular os projetos culturais que so

    desenvolvidos nas escolas com os Centros Administrativos Regionais (CARs) a fim de

    compor um projeto maior no mbito da cidade.

    Nesse momento, surge tambm a figura do coordenador cultural em cada escola, cuja

    ao estava articulada com as aes da comunidade de sua regio. Para tanto, este participava

    das reunies das comisses de cultura, do Oramento Participativo da cidade e de todos os

    movimentos culturais do bairro.

    Esse movimento dos vrios atores sociais junto comunidade, compartilhando

    experincias e vivncias, possibilita a formulao de novos saberes, conhecimentos e aes.

    Somente a partir deste trnsito possvel viabilizar uma nova escola, conferindo-lhe novo

    papel e significao social (KROEFF, 2001).

    Em 2007, segundo relato oral de Las Merker3, a poltica cultural da RME est pautada

    nas necessidades de cada comunidade escolar e a secretaria procura atender a estas demandas

    incentivando projetos especficos, embora nem sempre seja possvel prover recursos

    financeiros para tais propostas. Os projetos vo ao encontro dos anseios da comunidade, como

    o caso do Dana Criana (EMEF4 Loureiro da Silva), da Orquestra de Flautas (EMEF Villa

    Lobos), do Projeto Bumba Meu Boi (EMEF Victor Issler), da Dana Folclrica (EMEF

    Liberato Salzano Vieira da Cunha), entre outros.

    importante salientar que estes projetos culturais desenvolvidos nas escolas so fruto do

    trabalho e dedicao dos professores da rede de ensino e do apoio e luta da comunidade na qual

    esto inseridos. A participao dos pais e alunos fundamental na manuteno destes programas,

    pois esta participao que justifica e d significado ao trabalho desenvolvido nas escolas.

    3 Coordenadora dos projetos de dana da Secretaria Municipal de Ensino de Porto Alegre (SMED) em relatooral no II Seminrio Nacional de Dana e Educao (de 26 a 28 de abril de 2007).

    4 Escola Municipal de Ensino Fundamental.

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  • 25

    2.3 A DANA NA ESCOLA

    A dana pode ser brevemente conceituada como a manifestao artstica do corpo em

    movimento. Ela se diferencia das demais manifestaes da motricidade humana, pois

    culturalmente organiza movimentos e gestos que atendem a propsitos e intencionalidades

    estticos. Os movimentos transformados em dana adquirem caractersticas prprias que variam

    de fatores espaciais, temporais e rtmicos a condutas posturais, ticas e estticas. A dimenso

    esttica da dana reside na possibilidade que toda dana tem de ser arte (DANTAS, 1999).

    Alm disso, a dana uma arte que envolve os sentidos de maneira muito particular,

    pois, conforme Vargas (2002), quando o indivduo dana, coloca em ao os msculos, os

    sentidos e a mente, numa combinao recproca capaz de comunicar pensamentos e emoes

    atravs do corpo.

    Diferentemente dos movimentos cotidianos, os movimentos de dana so carregados

    de expressividade e simbolismo e no exercem funo prtica nem instrumental. Para Dantas

    (1999, p. 17) quem dana o faz porque realiza movimentos que no possuem, aparentemente,

    nenhuma utilidade ou funo prtica, mas que possuem sentido e significado em si mesmos e

    so recriados e revividos a cada momento.

    A dana tambm difere das outras formas de expresso artstica uma vez que utiliza o

    corpo como instrumento de mediao do simblico. Os movimentos e gestos da dana

    possibilitam criar impresses, projetar valores e significados, expressar sentimentos e

    sensaes tendo no corpo a principal ferramenta. uma arte dinmica, que acontece no

    tempo e no espao.

    Para Langer (1980), a dana se d em funo do gesto, sendo este a abstrao bsica

    pela qual esta arte se organiza e estrutura. O gesto faz parte da movimentao cotidiana do ser

    humano, entretanto, quando o gesto imaginado, de modo que possa ser isolado e

    reproduzido de forma independente, ele se torna uma manifestao artstica, uma forma

    simblica livre, que pode ser utilizada para transmitir idias e sentimentos.

    Ao observar uma dana coletiva digamos, um bal bem-sucedido em termosartsticos - no se v pessoas correndo de um lado para o outro, v-se a dana sendoimpulsionada nesta direo, puxada naquela, reunindo-se aqui, espalhando-se ali fugindo, repousando, erguendo-se, e assim em diante; e todos os movimentosparecem emergir de poderes situados alm dos executantes (LANGER, 1980,p. 184).

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  • 26

    A autora afirma que a dana uma forma de expresso, no s como expresso de

    sentimentos reais do sujeito, mas tambm como uma expresso imaginada que pode ser

    repetida e revivida cada vez que se dana. Ou seja, na dana, o gesto pode ser auto-expressivo

    (representando condies subjetivas) ou logicamente expressivo (simbolizando um conceito).

    Na dana, os movimentos do forma aos smbolos que, organizados sucessivamente,

    compem formas harmnicas e estticas (LANGER, 1980).

    Garaudy (1980) afirma que a dana enquanto manifestao e expresso de

    sentimentos acompanha a histria do homem, tendo seus primeiros indcios de existncia nas

    civilizaes mais primitivas, nas quais antes mesmo da comunicao atravs da palavra, o

    homem j se expressava corporalmente.

    Os homens danaram todos os momentos solenes de sua existncia: a guerra e a paz,o casamento e os funerais, a semeadura e a colheita. [...] desde a origem dassociedades, pelas danas e pelos cantos que o homem se afirma como membro deuma comunidade que o transcende (GARAUDY, 1980. p. 19).

    Um outro enfoque da dana seria, o de propiciar a comunho dos indivduos em busca

    de um objetivo comum. Segundo Garaudy (1980), na experincia rtmica do trabalho que,

    quando realizado em grupo e feito de maneira cadenciada, que se d a comunho entre os

    homens. Ou seja, o trabalho de um grupo ritmado, coordenado, mostra-se superior soma das

    foras individuais dos participantes.

    O homem adquire assim um novo poder e toma conscincia dessa transcendncia dacomunidade em relao aos indivduos. Este poder e esta transcendncia esto ligados aoritmo dos gestos e comunho que esse ritmo permite concretizar. A dana opera essametamorfose: transformando os ritmos da natureza e os ritmos biolgicos em ritmosvoluntrios. [...] a dana tem por objetivo captar aquela fora viva sobrenatural que nascedos esforos rtmicos do grupo (GARAUDY, 1980, p. 20).

    Garaudy (1980) esclarece que, a partir do sculo IV, os imperadores ditos cristos

    condenaram a dana e o teatro. Por longos sculos, o corpo foi desprezado representando um

    obstculo vida da alma. A oposio corpo e alma, bem e mal perdurou at o Renascimento,

    quando, ao surgir uma nova postura em relao ao dualismo cristo, os valores mundanos da vida e

    do corpo voltaram a ser exaltados. Entretanto, o discurso da Igreja Catlica de corpo pecaminoso se

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  • 27

    manteve presente por um longo perodo da histria do homem o que acabou relegando a dana a

    um status de marginalidade.

    Tendo como referncia os pressupostos da Filosofia Iluminista na qual o centro do universo

    passa a ser o homem racional, poder-se-ia pensar que o corpo deste homem voltaria a ser

    valorizado. No entanto, a modernidade trouxe consigo o pensamento dicotmico de oposio entre

    corpo e mente fortemente enraizado. A supremacia da razo em detrimento da sensibilidade acaba

    por, novamente deixar o corpo de lado (GARAUDY, 1980).

    Nesse contexto de valorizao do intelecto, as artes perderam espao no rol dos

    conhecimentos socialmente valorizados, pois no apresentam um fim especfico, uma utilidade

    prtica. A universalizao e hierarquizao dos saberes tm relegado as prticas artsticas e

    expressivas aos cantos recreativos da educao, desconsiderando que so formas de conhecimento

    especficas com valor em si mesmas. Os contedos vinculados s artes tm simplesmente servido

    para ilustrar o trabalho pedaggico de outras disciplinas ditas mais importantes.

    Historicamente, a arte na educao oscilou entre a mera valorizao da tcnica e o

    espontanesmo (livre expresso). Essa viso tambm contribuiu para a negao de um espao

    vlido para as artes nos currculos formais, deixando-as ocupar o espao de atividade escolar,

    recreao ou ainda, como recurso para auxiliar as outras disciplinas (MARQUES, 2001). Esse

    pressuposto estava presente tambm na LDB 5692/71 (BRASIL, 1972) e se materializou durante

    dcadas nas prticas pedaggicas escolares.

    Marques (2003) lembra que a discusso a respeito da arte como forma de

    conhecimento e educao esttica se acentuou somente entre os anos 80 e 90. No final da

    dcada de 90, entidades, associaes e rgos governamentais preocuparam-se em inserir as

    vrias linguagens artsticas nas discusses, debates e documentos oficiais sobre educao. A

    partir da publicao da LBD 9394/97 (BRASIL, 1996) e dos Parmetros Curriculares

    Nacionais - PCNs (BRASIL, 1997), o ensino da arte comea a tomar outros rumos. a

    primeira vez, por exemplo, que a dana citada como uma das linguagens a ser trabalhada em

    sala de aula.

    Amparada pela LDB 9394/96, a arte reconhecida como disciplina obrigatria no

    currculo. Nos Parmetros Curriculares Nacionais, a arte uma das reas curriculares e a

    dana indicada como linguagem artstica diferenciada a ser trabalhada pelas escolas. Com

    base nesse apoio legal, passou-se a pensar a dana como uma vivncia que pode e deve fazer

    parte das demais experincias escolares do indivduo com o objetivo de ampliar o seu mapa

    cognitivo, perceptual, esttico e artstico.

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  • 28

    Marques (2003) postula que a dana tambm uma forma de conhecimento com

    contedos e textos prprios, tais como: elementos expressivos, motores, estticos, histrico-

    culturais. Ela uma experincia nica, capaz de desenvolver no s habilidades motoras, mas

    tambm comportamentos e significados fundamentais na estruturao de um sujeito criativo e

    hbil em lidar com as constantes mudanas que caracterizam a contemporaneidade.

    a compreenso esttica e artstica da dana necessita de corpos engajados de formaintegrada com seu fazer-pensar. Essa seria a contribuio da dana para a educao:educar corpos que sejam capazes de criar pensando e re-significando o mundo emforma de arte (MARQUES, 2003, p. 24).

    Conforme a autora, a linguagem da dana trabalhada no mbito escolar, inserida no

    currculo de modo contextualizado e tecida a partir de uma rede de diferentes

    relacionamentos, possibilita o aumento de nossa capacidade de encontrar novos e diferentes

    modos de construo e reconstruo de um mundo mais significativo. O aprendizado da dana

    em suas mltiplas relaes entre razo e emoo, pensamento e ao, experincia esttica e

    expresso individual, conhecimento e sociabilidade pode enquadrar-se perfeitamente no ideal

    de educao democrtica, multicultural, histrica, solidria e na formao integral do sujeito.

    De modo semelhante, Reid (1981, p. 48) enfatiza que a dana como forma de arte,

    est engajada com o sentimento cognitivo e no somente com o sentimento afetivo ou o

    liberar de emoes. Isso significa reiterar que a dana, alm de ser uma forma de expresso,

    antes uma forma de conhecimento. Atravs do corpo que dana se pode compreender o

    mundo de modo esttico e artstico.

    J a dana enquanto manifestao cultural de uma determinada comunidade ou povo

    tambm representa uma forma nica de resgate da memria e razes humanas, uma vez que

    reintegra o indivduo s suas origens e o situa historicamente. Nessa perspectiva, pode-se

    pensar um contato com a linguagem da dana em linhas histrico-culturais, o que proporciona

    ao indivduo a construo de uma identidade no s individual, mas tambm coletiva.

    Marques (2001, p. 94) prope:

    http://www.go2pdf.com

  • 29

    que o trabalho com dana em situao educacional baseada no contexto dos alunosseja o ponto de partida e aquilo a ser construdo, trabalhado, desvelado,problematizado, transformado e desconstrudo em uma ao educativatransformadora na rea da dana. [...] Poderemos assim, trabalhar com a valorizaodo tempo presente, com o espao ilimitado, com a pluralidade dos corpos, enfim,com o indeterminado contemporneo.

    Para Marques (2003), o ensino da dana mostra-se como um espao privilegiado para

    o trabalho de discusso e problematizao da pluralidade cultural. No s porque o corpo em

    si j expresso de pluralidade (racial, tnica, etria, de gnero), mas pela forma como este

    corpo se movimenta e se situa no mundo que revela aspectos scio-poltico-culturais do

    sujeito. Leia-se corpo como um projeto comunitrio, uma construo social que incorpora

    mensagens e significados s suas caractersticas biolgicas individuais.

    A dana capaz de promover esse dilogo entre o corpo individual e o corpo social.

    Tambm as relaes espao-temporais contidas nas danas tradicionais revelam essa

    pluralidade cultural, pois, esto localizadas histrica e geograficamente comunicando

    diferentes contextos e vivncias situados nestes tempos e espaos (MARQUES, 2003).

    Embora a relao da dana com a educao tenha seguido a mesma trajetria das demais

    expresses artsticas, de luta por espaos vlidos, algumas experincias de insero da dana no

    currculo escolar, tem sido experimentadas por escolas da rede pblica com sucesso.

    Em So Paulo (SP), desde 1989, o regimento das escolas pblicas municipais inclui a arte

    como disciplina oficial do currculo em suas quatro modalidades: teatro, artes visuais, msica e

    dana (MARQUES, 2003). Nas escolas da Rede Municipal de Ensino de So Leopoldo (RS),

    conforme dados fornecidos por Rosane Linck5, em 2005 foi realizado concurso pblico para

    provimento de vagas nos cargos de professor de Artes Cnicas, Msica, Teatro e Dana para

    atuarem nas escolas deste municpio.

    Conforme publicao da Secretaria de Educao do Municpio de Porto Alegre

    (SMED), a prtica de dana nas escolas est cada vez mais presente atualmente e, ela leva em

    considerao diferentes contextos e realidades que produzem resultados e demandas distintas.

    Embora, em muitos casos, tanto a clientela quanto o lugar especificamente apresentem

    condies favorveis para o seu desenvolvimento no significa, necessariamente que as

    tentativas de implantao sejam bem sucedidas (KROEFF, 2001).

    5 Representante da Secretaria Municipal de Educao de So Leopoldo em apresentao oral no II SeminrioNacional de Dana e Educao realizado entre os dias 26 e 28 de abril de 2007 em Porto Alegre.

    http://www.go2pdf.com

  • 30

    Em Porto Alegre, segundo Las Merker6, em 2007 esto em funcionamento na Rede

    Municipal 95 escolas, sendo 45 de Ensino Fundamental e 40 de Educao Infantil, totalizando

    cerca de 3876 professores e 59000 alunos. No ano de 2006, dentre as 45 escolas de Ensino

    Fundamental, 19 tinham projetos de dana em andamento, os quais envolviam 21 professores

    e, em torno de 1800 alunos nas mais diferentes modalidades: Ballet Clssico, Jazz, Folclore,

    Dana Afro, Flamenco e Dana de Rua. Nas aulas de Educao Fsica, segundo alguns

    professores, a dana tambm est contemplada em seus planejamentos a partir de rodas

    cantadas, danas folclricas ou at mesmo como estratgia para os dias de chuva, mas no

    chega a fazer parte do rol de contedos trabalhados sistematicamente.

    Alm destas duas formas, a dana est presente nas escolas da RME dentro da

    proposta Escola Aberta que, em parceria com a Unesco, envolve aproximadamente 33

    escolas. Nessa proposta, h oficineiros da prpria comunidade que ministram aulas de Hip

    Hop, Capoeira, Dana de Salo e Ballet Clssico.

    A SMED entende que a dana no contexto escolar promove: diferentes leituras do

    mundo; a reflexo sobre o cotidiano dos alunos; a vivncia de conceitos de outras reas; a

    participao dos alunos em diferentes grupos sociais e a permanncia do aluno na escola.

    Alm disso, mostra - se como uma atividade prazerosa que contribui para as demais

    aprendizagens formais.

    Esse marco referencial, segundo discurso da SMED, concebe uma forma de atuar no

    ensino, totalmente voltada para o lado poltico-social, no sentido de oposio ao sistema de ensino

    categorizado, compreendido como ensino tradicional. Essa viso de tradicionalidade concebe o

    conhecimento como algo pronto e acabado e que se transmite e se acumula, atravs de um

    currculo hegemnico, que retrata a classe social alta e que detm o poder (KROEFF, 2001).

    Entre os projetos que cresceram e apresentaram essas caractersticas est o Dana

    Criana. O projeto Dana Criana atende aos alunos no s da escola, mas tambm da

    comunidade. Trata-se de uma oficina de dana baseada na tcnica do Ballet clssico e que

    est estruturada em aulas semanais para os diferentes grupos etrios.

    O Ballet uma manifestao artstica que surgiu no sculo XVI na corte francesa

    como forma de entretenimento da aristocracia. Devido a sua grande popularidade foi se

    desenvolvendo e, aos poucos, ganhando status de tcnica de dana. No sculo XVIII j era

    composto por uma rgida combinao de normas e regras e se tornou uma arte acadmica e

    teatral. Difundiu-se a partir da figura de grandes bailarinos e hoje danado em praticamente

    6 Informao oral divulgada no II Seminrio Nacional de Dana e Educao (Porto Alegre, abril de 2007).

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  • 31

    todo o mundo (PORTINARI, 1989).

    Embora a tcnica do ballet embase o trabalho do projeto Dana Criana, as aulas so

    planejadas de acordo com a realidade do grupo, levando em considerao que a dana na

    escola tem carter educativo e no visa formar bailarinos profissionais. Assim sendo, so

    incorporadas s aulas, a criao e a improvisao como forma de ampliar o vocabulrio motor

    das crianas e promover a socializao do grupo, partindo do carter de ludicidade da dana.

    No projeto, as crianas so distribudas em cinco nveis que variam de acordo com a

    faixa etria, turma na qual esto inseridas e experincia anterior em dana. Alm das aulas de

    ballet, o programa tambm oferece aulas de ginstica para as mes. Estas aulas tm como

    objetivo, no s propiciar o bem-estar e promover a sade das mes da comunidade, mas

    tambm a integrao entre as famlias e o projeto.

    O espao fsico que abriga a sala de aula foi construdo com recursos oriundos de verbas

    municipais e eleito pela comunidade como prioritrio nas votaes do Oramento Participativo.

    Isto revela um interesse muito grande desse pblico em manter o projeto e proporcionar para as

    crianas uma vivncia diferenciada: a vivncia artstica. A arte ganha, dessa forma, importncia e

    significado nesse contexto escolar.

    Tal proposta tem se destacado na Rede Municipal de Ensino como um trabalho que

    proporciona no s a experincia artstica, mas, sobretudo, a vivncia de uma educao voltada

    para a formao integral do sujeito, para a valorizao das diferenas e para a o desenvolvimento

    da capacidade de apreender o mundo com outros olhos: os olhos da sensibilidade (SOUZA;

    ETGES, 2001).

    Nessa perspectiva, a dana como disciplina inserida no contexto escolar pode ampliar os

    mapas perceptual, sensvel e cognitivo dos alunos. Os elementos estticos da educao promovem

    no s um aprendizado mais significativo e prazeroso, como tambm proporcionam o acesso das

    camadas populares a manifestaes e espaos artsticos antes restritos classe dominante, ou seja,

    trata-se da democratizao de espaos e vivncias.

    Iniciativas como o Dana Criana representam alternativas curriculares que se opem ao

    puro racionalismo e intelectualismo que dominam os espaos educacionais, trazendo tona a

    sensibilidade e a aprendizagem significativa como formas de transformao no s da educao,

    mas tambm da sociedade.

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  • 32

    2.4 O PROBLEMA DE PESQUISA

    Face ao exposto em termos de educao esttica, princpios que norteiam a proposta

    pedaggica da Escola Cidad e a respeito da insero da dana na escola, nesta pesquisa,

    problematizo a relao entre a aprendizagem da dana e a construo de significados para as

    crianas de classes populares. Em decorrncia, defini as seguintes questes de pesquisa:

    a) Que significados tm para os/as alunos/as de uma escola cidad o aprendizado da

    dana?

    b) Como os/as alunos/as envolvidos neste projeto sentem-se em relao ao

    aprendizado da dana?

    c) Quais os fatores que mobilizam a comunidade para manter este projeto?

    d) Que construes imaginrias so feitas por estes/as alunos/as em relao dana?

    e) Quais as expectativas destes/as alunos/as e seus familiares em relao dana e

    vida?

    f) Como as relaes de gnero afetam este projeto?

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  • 33

    3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    3.1 A OPO METODOLGICA

    O principal objetivo desse trabalho foi compreender os significados que a

    aprendizagem da dana tm para os sujeitos aprendentes em um contexto de escola popular.

    Para tentar compreender tais significados, foi realizada uma pesquisa de carter qualitativo.

    A pesquisa qualitativa caracterizada pela insero do pesquisador no ambiente

    natural para a coleta de dados. Isso se justifica pelo fato de que o contato direto com a

    situao na qual os fenmenos acontecem, permite perceber a relao destes fenmenos com

    o contexto de maneira mais ampla e aprofundada. As falas, os gestos e as aes das pessoas

    so conexes com contexto onde se manifestam.

    Outra caracterstica deste tipo de estudo a preocupao com o processo investigativo,

    considerado to relevante e importante quanto o produto da pesquisa. Nos estudos

    qualitativos, o significado que as pessoas do s coisas e sua vida so focos de ateno

    especial pelo pesquisador (LDKE; ANDR, 1986, p. 12).

    Para Engers (1994, p. 66):

    a perspectiva desse paradigma penetrar no mundo pessoal dos sujeitos, buscando acompreenso, o significado particular da ao das pessoas e utiliza como critrio aevidncia do acordo intersubjetivo no contexto educacional. Pretende, ainda,desenvolver conhecimento ideolgico, assumindo que descrio pode mostrar umarealidade dinmica, mltipla e holstica.

    Segundo Taylor e Bogdan (1987, p.19), a expresso metodologia qualitativa refere-se

    em seu mais amplo sentido, investigao que produz dados descritivos: as prprias palavras

    das pessoas, faladas ou escritas, e a conduta observvel (traduo minha). Para os autores, a

    investigao qualitativa indutiva e os investigadores desenvolvem conceitos e compreenses

    partindo de pautas de dados. O desenho da investigao flexvel e vai delineando-se no

    decorrer do processo investigativo. Alm disto, pessoas, cenrios e grupos so vistos em seu

    todo, ou seja, numa perspectiva holstica.

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  • 34

    O estudo de caso foi a abordagem utilizada nessa pesquisa, na medida em que

    contemplou a necessidade de delimitar o caso enquanto algo singular, nico, com valor em si

    mesmo. Segundo Goode e Hatt (apud LDKE; ANDR, 1986, p. 17):

    o caso destaca-se por se constituir numa unidade dentro de um sistema mais amplo.O interesse, portanto, incide naquilo que ele tem de nico, de particular, mesmo queposteriormente venham a ficar evidentes certas semelhanas com outros casos ousituaes.

    Foi a partir do meu olhar de pesquisadora que se realizou a descrio, a interpretao e

    a compreenso do fenmeno em questo, bem como a relao com estudos tericos j

    produzidos nessa rea. O engajamento e o convvio nessa comunidade escolar especfica

    foram muito importantes para o prprio trnsito pelos espaos pesquisados. Ou seja, foi

    necessrio um envolvimento no cotidiano desse grupo social para que fosse possvel

    descrever, concretamente, as relaes que emergiram nesse contexto scio-cultural.

    3.2 CAMPO DE INVESTIGAO E SUJEITOS

    O estudo foi realizado na escola Municipal de Ensino Fundamental Loureiro da Silva,

    localizada na Vila Cruzeiro do Sul, focalizando especificamente o projeto Dana criana que

    existe nessa escola h 23 anos e pelo qual passam anualmente em torno de 300 alunos de 6 a

    18 anos de idade. Esse projeto desenvolve uma atividade complementar com crianas e

    adolescentes dessa escola e da comunidade, por meio de aulas gratuitas oferecidas em

    diferentes horrios.

    O projeto teve incio pela iniciativa particular de uma professora de Educao Fsica,

    formada em bal, que, despretensiosamente introduziu essa prtica como uma alternativa de

    trabalho corporal com as crianas e com os jovens da escola. No entanto, essa experincia

    resultou em uma grande demanda entre alunos, produzindo, dessa forma reflexos sociais,

    culturais e educacionais e, transformando-se, ao longo dos anos em um projeto-referncia na

    Rede Municipal de Ensino.

    Como atualmente somente meninas integram a proposta, os sujeitos do estudo foram as

    alunas inseridas no projeto Dana Criana e a professora e coordenadora do projeto. Alm destes,

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  • 35

    tambm participaram da pesquisa alguns pais e professores da escola que, de alguma maneira

    esto engajados na proposta7.

    Os sujeitos foram selecionados da seguinte maneira:

    a) Alunas: trs grupos distintos, cada um com trs alunas. O primeiro grupo foi de alunas

    que ingressaram no projeto em turmas de iniciantes, cuja faixa etria oscilou entre 6 e

    9 anos de idade (Amanda, Las, Ana). O segundo grupo foi de alunas que j esto

    inseridas no projeto h pelo menos 2 anos, faixa etria entre 10 e 13 anos de idade

    (Jlia, Renata, Adriana). Finalmente, no terceiro grupo, alunas que esto concluindo o

    perodo escolar e saindo do projeto, faixa etria acima de 13 anos de idade (Daiana,

    Lisiane, Aline);

    b) Professoras: a professora responsvel por ministrar as aulas de dana e tambm

    coordenadora do projeto e uma professora colaboradora (Ftima, Suzana).

    c) Familiares: trs familiares que colaboram ativamente no projeto (Maria, Lurdes,

    Snia);

    3.3 PROCEDIMENTOS PARA A COLETA DE DADOS

    Considerando que o estudo de caso mostrou-se o mais apropriado para atender ao

    problema de pesquisa, foram realizadas observaes participantes na escola e em apresentaes,

    entrevistas semi-estruturadas e conversas informais com as alunas, pais e professoras.

    3.3.1 Entrevistas

    Para obter dados junto s crianas, jovens e familiares em relao aos significados

    atribudos por eles participao no projeto, suas representaes e construes imaginrias, foi

    feita uma entrevista por pautas, conduzida como uma conversa, na qual verbalmente obtive as

    informaes necessrias. O objetivo foi o de captar nas falas, gestos e atitudes, tais significados.

    Fez-se necessria a escuta no s do dito, mas tambm do que estava implcito, uma ateno

    7 Com vistas a manter o anonimato dessas pessoas, utilizei nomes fictcios para nome-los.

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  • 36

    especial s contradies, s crenas, aos valores e s relaes entre modos de sentir e de agir dos

    sujeitos.

    A entrevista por pautas apresentou certa estruturao, pois estava guiada por pontos que

    me interessavam enquanto pesquisadora. Essas pautas foram ordenadas guardando alguma

    relao entre si, e deixei claro ao entrevistado que poderia falar livremente sobre a questo. Nos

    casos em que houve fuga do assunto, procurei intervir de maneira sutil, tentando retornar ao ponto

    questionado, procurando sempre preservar a espontaneidade do sujeito.

    O registro das entrevistas foi feito no momento da realizao das mesmas, como forma de

    garantir a preciso das anotaes. Foram includos nos registros, at mesmo os gestos e os

    silncios, pois eles deram uma significao maior resposta. Procurei proporcionar ao

    entrevistado um clima de cordialidade e bem estar, evitando qualquer tipo de constrangimento. Os

    roteiros de entrevistas que foram realizadas com cada grupo especfico (alunas, professora e

    familiares) encontram-se nos apndices A, B e C.

    3.3.2 Observao participante

    O perodo de observao foi de maro a junho de 2007, totalizando aproximadamente 12

    horas semanais.

    As observaes foram realizadas de forma participativa, exigindo uma permanncia

    prolongada no meio natural, observando, interagindo como os sujeitos, registrando os modos de

    ser e pensar, as aes individuais e coletivas. As observaes durante as aulas, intervalos,

    espetculos, foram fundamentais para analisar as atitudes e posturas dos indivduos e suas

    construes imaginrias.

    A realizao das observaes permitiu-me acompanhar as interaes que aconteciam entre

    as crianas, entre a professora e as crianas, as relaes que se estabeleciam com as famlias, e a

    prpria relao das crianas consigo mesmas (jogo simblico).

    Enquanto observadora procurei assumir um papel de observador participante que,

    segundo Ldke e Andr (1986, p. 29):

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  • 37

    um papel em que a identidade do pesquisador e os objetivos de estudo so revelados aogrupo pesquisado desde o incio. Nessa posio, o pesquisador pode ter acesso a umagama variada de informaes, at mesmo confidenciais, pedindo cooperao ao grupo.Contudo, ter em geral que aceitar o controle do grupo sobre o que ser ou no tornadopblico pela pesquisa.

    As observaes focalizaram as caractersticas dos sujeitos, os dilogos, o local onde

    ocorrem as aulas (espao fsico), os eventos especiais (apresentaes, festas), as atividades e as

    minhas prprias impresses (meus sentimentos, pensamentos, idias, dvidas, surpresas).

    Os registros foram feitos em um dirio de campo.

    O roteiro bsico dessas observaes encontra-se no Apndice D.

    3.4 PROCEDIMENTOS PARA ANLISE DE DADOS

    Os dados coletados no presente estudo foram analisados luz da Anlise de Contedo

    buscando uma melhor compreenso dos significados pertinentes ao problema de pesquisa,

    conforme Moraes (1994, p. 104):

    a anlise de contedo constitui-se de um conjunto de tcnicas e instrumentosempregados na fase de anlise e interpretao de dados de uma pesquisa, aplicando-se de modo especial ao exame de documentos escritos, discursos dados decomunicao e semelhantes, com a finalidade de uma leitura crtica e aprofundada,levando descrio e interpretao destes materiais, assim como a interfernciasobre suas condies de produo e recepo.

    Segui os passos propostos por Moraes (1999):

    a) preparao de informaes;

    b) unitarizao ou transformao do contedo em categorias de anlise;

    c) categorizao ou classificao das unidades em categorias;

    d) descrio;

    e) interpretao.

    A preparao das informaes, as entrevistas e o registro das observaes foram o

    material emprico que constituiu o corpus a ser analisado. Em um primeiro momento, este

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  • 38

    corpus reduziu-se a um processo de codificao preliminar, identificando-o por um nmero

    (por exemplo: entrevista 1, observao 3). Em um segundo momento, este material foi

    submetido leitura para a posterior organizao em forma de texto e anlise.

    Para a definio das unidades de significado, foi necessrio definir o que entendo por

    unidade no estudo. A opo foi por unidades relativamente pequenas, que agregadas,

    resultaram num conjunto de unidades maiores. As unidades de significado foram definidas

    como conjuntos mais abrangentes de contedos que expressam idias, temas ou assuntos.

    A concretizao da unitarizao do corpus se deu examinado as entrevistas e as falas

    presentes nas observaes e exercitando o recorte das unidades de significado que apareceram.

    Trabalhei, basicamente, com unidades temticas. Para compreenso deste processo, transcrevi

    as unidades em quadros, deixando cada fragmento isolado.

    A partir deste movimento, foi possvel ampliar o sistema de cdigos, a fim de que em

    cada momento fosse possvel saber de onde provinha cada fragmento, facilitando o retorno aos

    textos originais. Esta transcrio isolada de cada unidade de registro exigiu uma reestruturao

    textual ou pequenas transformaes no texto original de modo que os fragmentos tivessem

    significado completo em si mesmos.

    Inicialmente, obtive um grande nmero de categorias, mas medida que o processo

    avanou, foram surgindo relaes entre as categorias, aproximando significados e gerando

    categorias mais gerais.

    A categorizao se deu a partir da leitura das unidades de significado. Neste momento,

    percebi o surgimento de outras unidades construdas a partir dos dados coletados. Agrupei

    somente o que estava bem prximo em termos de significado. Todo este processo no ocorreu

    de modo linear, mas em constantes procedimentos de reviso e correo, de idas e vindas.

    Aps a concluso da categorizao, foi realizada uma anlise cuidadosa de todas as

    unidades que constituram a categoria que as sintetizava. Confirmada a categorizao,

    considerada mais adequada ao problema de pesquisa, identifiquei as principais idias

    expressas, ordenando-as de modo a produzir um texto que contemplou o contedo da

    respectiva categoria. Para a redao deste texto inseri passagens constantes das entrevistas e

    falas presentes nas observaes, as quais deram consistncia s discries, ilustrando-as.

    Finalmente, para a realizao da interpretao dos dados, recorri ao referencial terico,

    amplamente construdo no decorrer do processo, para produzir consideraes que resultaram

    do dilogo dos dados coletados com tais contribuies tericas e de pesquisa.

    No processo de triangulao, foi feita uma comparao entre as fontes, buscando a

    relao e o confronto entre o saber construdo cientificamente e as informaes obtidas no

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  • 39

    campo de pesquisa. O encontro entre as perspectivas dos sujeitos do estudo e o referencial

    terico possibilitou-me relativizar concepes e ampliar interpretaes acerca do problema em

    questo, bem como desvelar novas questes.

    A exposio desse texto ser apresentada no captulo a seguir.

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  • 40

    4 ANLISE E DISCUSSO

    Tendo como base os dados obtidos nas entrevistas e observaes realizadas, constru

    trs categorias temticas e quatro subcategorias, respectivamente. Tal sistematizao permitir

    a anlise e discusso do material emprico. So elas: Significados e Sentimentos em relao

    dana, Motivao para aprender dana, Expectativas em relao dana e vida.

    Quadro 1 - Categorias e subcategorias de anlise

    SIGNIFICADOS ESENTIMENTOS EM

    RELAO DANA

    MOTIVAO PARA APRENDERDANA NA ESCOLA

    EXPECTATIVAS EM RELAO DANA E VIDA

    Dana associada ao belo Apresentao Apresentar-se no teatro

    Dana como expresso eludicidade

    Aulas prazerosas Ser bailarina e/ou professora de ballet

    Dana como saber Convvio Aprender de modo significativo

    Dana associada figurafeminina

    Superao e experimentao decompetncia

    Melhorar as condies de vida atuais

    Tomando como ponto de partida a categoria Significados e Sentimentos em relao

    Dana, procederei descrio e anlise dos dados empricos bem como o dilogo com a

    literatura.

    4.1 SIGNIFICADOS E SENTIMENTOS EM RELAO DANA

    Primeiramente, a ttulo de esclarecimento, desejo explicitar os conceitos de significado

    e sentimento utilizados neste trabalho.

    O comportamento humano essencialmente simblico, logo as aes que o homem

    desenvolve so baseadas em significaes. O indivduo apreende o mundo atravs dos seus

    sentidos, da sua percepo e o organiza em forma de smbolos e, organizando o mundo,

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  • 41

    organiza a si prprio. Nesse sentido, h uma relao dialtica entre homem e universo:

    enquanto constri e transforma o mundo, constri a si mesmo e enquanto organiza-o em

    forma de smbolos e conceitos, tambm organiza a si prprio.

    Para Duarte Jr. (1981, p. 13), a capacidade humana de atribuir significaes em

    outros termos, a conscincia do homem decorre de sua dimenso simblica. Dito isso,

    conclui-se que atravs dos smbolos, o homem capaz de transcender a sua esfera meramente

    biolgica (da espcie) e tomar o mundo e a si prprio como objetos de conhecimento.

    Simbolizando, o mundo vai adquirindo sentido, ordem e significao.

    Todo conhecimento se d, portanto, em virtude dessa capacidade de emprestar

    significaes ao mundo, de pensar a respeito das coisas apreendidas e vividas. Essa

    simbolizao ocorre essencialmente atravs da linguagem, que organiza, classifica e conceitua

    praticamente tudo o que est ao nosso redor. A razo e a conscincia humanas s existem em

    virtude da linguagem.

    Nesse sentido, utilizei o termo significado nesta categoria temtica para tentar

    compreender as construes simblicas dos sujeitos da pesquisa em relao ao aprendizado da

    dana, os conceitos e smbolos que so construdos tanto pela vivncia deste aprendizado,

    quanto pelas influncias da cultura e do ambiente locais.

    Por outro lado, por acreditar que a atitude valorativa do ser humano, ou o significado

    que se d para as coisas, tambm se situa na esfera do sentir, integrei nesta categoria temtica,

    o termo sentimento, cujo conceito abarcar vrios sentidos.

    Concordo com Langer (1980) que sentimento pode significar: uma sensao mais

    geral de nossa condio fsica ou mental (sentir-se bem ou mal); sensaes fsicas especficas

    (dor, frio); sensibilidade propriamente dita (magoar algum); emoes (alegria, tristeza) e

    atitudes emocionais relativas a determinados objetos ou situaes (medo de altura).

    Entretanto, de maneira mais ampla, ainda de acordo com Langer (1980, p. 71) vou tomar

    emprestado o significado de sentimento que ir nortear essa anlise:

    por sentimento entenda-se, assim, a apreenso da situao em que nos encontramos,que precede qualquer significao que os smbolos do. O sentir anterior aopensar, e compreende aspectos perceptivos (internos e externos) e aspectosemocionais. Por isso, pode-se afirmar que, antes de ser razo, o homem emoo.

    Nessa perspectiva, apresento o termo sentimento para significar aquela impresso primeira

    que temos das coisas e de suas relaes, uma apreenso direta do mundo, anterior simbolizao.

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  • 42

    Trata-se de uma percepo global que se d a partir de processos perceptivos bsicos.

    Os sentimentos dificilmente podem ser expressos atravs da linguagem discursiva, da

    palavra. Pode-se nome-los, classific-los, mas jamais comunicar com preciso como eles se

    processam em ns. Os sentimentos se do atravs das vivncias e os smbolos atravs do

    pensamento. Entretanto, os dois processos esto intimamente ligados na tentativa humana de

    compreenso do mundo. Sentimento e significao esto imbricados de tal maneira que sentir

    e simbolizar se articulam e se completam nas aes humanas de organizao e transformao

    do mundo e do indivduo.

    No ato humano de conhecer o mundo as relaes entre sentimentos e smbolosconstituem seus processos fundamentais. Toda compreenso dada pelos smbolosest eivada de fatores emocionais e, inversamente, todo sentimento busca serinteligvel atravs dos smbolos (DUARTE JR., 1981, p. 72).

    Esta introduo serve para iniciar a reflexo sobre a funo da arte na vida das pessoas

    e, mais especificamente para o grupo de alunas da pesquisa. Conforme Duarte Jnior (1981,

    p.14), atravs da arte so-nos apresentados aspectos e maneiras de nos sentirmos no mundo,

    que a linguagem no pode conceituar. [...] Isto : atravs da arte o homem encontra sentido

    que no podem se dar de outra maneira seno por ela prpria. A arte se apresenta como a

    ponte que leva o ser humano a expressar e a dar uma certa forma aos seus sentimentos.

    O que o simbolismo discursivo a linguagem no seu uso literal nos faz no tocante nossa conscincia das coisas em derredor e nossa prpria relao com elas, asartes fazem em prol de nossa conscincia subjetiva, do sentimento e da emoo; doforma s experincias interiores e as tornam, assim, concebveis. A nica maneirapela qual podemos realmente considerar o movimento vital, a agitao, odesenvolvimento e a passagem da emoo, e finalmente todo o sentido direto davida humana, em termos artsticos (LANGER, 1971, p. 89).

    Para os sujeitos da pesquisa, a dana apresenta-se como uma vivncia que resgata essa

    dimenso da vida: a da expresso dos sentimentos. A construo de significados e a

    exteriorizao de sentimentos que decorre dessa experincia o que estarei analisando e

    discutindo a seguir.

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  • 43

    4.1.1 Dana associada ao belo

    Com base nas falas dos entrevistados e nos registros das aulas (que incluiu gestos,

    posturas, olhares, enfim o no dito) percebi que, muitas vezes os sujeitos no sabem definir os

    conceitos de arte e dana, mas pelas expresses sentem a arte como algo que satisfaz sua

    percepo.

    Como a arte evoca nos indivduos sentimentos intraduzveis, h uma conceituao

    baseada mais na sensao, do que na inteleco. Confirmando o que diz Duarte Jr. (1981,

    p. 76), arte no significa, exprime; no diz, mostra. E o que ela mostra, o que ela nos

    permite, uma viso direta dos sentimentos; nunca um significado conceitual. Ou seja, os

    conceitos so incapazes de definir os sentimentos expressos pela arte.

    Para Langer (1971, p. 82) arte a criao de formas perceptivas expressivas do

    sentimento humano. Ela seria, pois, uma tentativa de descrever sentimentos encontrando

    para eles, formas significativas. Uma obra de arte sempre a tentativa de expresso de um

    sentimento a partir de um cdigo no-verbal.

    Uma primeira constatao seria a de que, para a maioria dos sujeitos, arte

    compreendida como algo associado beleza, cuja harmonia de elementos sua constituinte

    principal. A fala de Amanda revela isso: Arte uma coisa bonita (Amanda - aluna).

    A beleza o nome de qualquer coisa que no existe, que dou