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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia COMPREENDENDO A VIVÊNCIA DO PARTO DOMICILIAR PLANEJADO E AS IMPLICAÇÕES PARA UM CUIDADO HUMANIZADO Michele Nobre Borges Natal 2017

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

COMPREENDENDO A VIVÊNCIA DO PARTO DOMICILIAR PLANEJADO E

AS IMPLICAÇÕES PARA UM CUIDADO HUMANIZADO

Michele Nobre Borges

Natal

2017

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Michele Nobre Borges

COMPREENDENDO A VIVÊNCIA DO PARTO DOMICILIAR PLANEJADO E

AS IMPLICAÇÕES PARA UM CUIDADO HUMANIZADO

Dissertação de Mestrado elaborada sob orientação

da Profa. Dra. Geórgia Sibele Nogueira da Silva

apresentada ao Programa de Pós-Graduação da

Universidade Federal do Rio Grande Do Norte,

como requisito parcial para obtenção do título de

“Mestre em Psicologia”.

Natal

2017

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede

Borges, Michele Nobre.

Compreendendo a vivência do parto domiciliar planejado e as

implicações para um cuidado humanizado / Michele Nobre Borges. - 2017.

233 f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de

Pós-Graduação em Psicologia. Natal, RN, 2017.

Orientadora: Profª Dr.ª Geórgia Sibele Nogueira da Silva.

1. Parto domiciliar planejado - Dissertação. 2. Cuidado -

Dissertação. 3. Humanização - Dissertação. 4. Protagonismo -

Dissertação. 5. Espiritualidade - Dissertação. I. Silva, Geórgia

Sibele Nogueira da. II. Título.

RN/UF/BCZM CDU 618.4

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A dissertação “Compreendendo a vivência do parto domiciliar planejado e as implicações

para um cuidado humanizado”, elaborada por Michele Nobre Borges, foi considerada

aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-

Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de MESTRE EM

PSICOLOGIA.

Natal, 29 de setembro de 2017.

BANCA EXAMINADORA

Profª Dr.ª Geórgia Sibele Nogueira da Silva _______________________________

Profª Dr.ªAnnatália Meneses de Amorim Gomes _______________________________

Profª Dr.ªSimone da Nóbrega Tomaz Moreira _______________________________

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Agradecimentos

À Deus, pelo dom da vida, por me conceder saúde para alcançar meus objetivos e me

permitir tantas bênçãos diárias.

Aos meus amados pais, Rogério e Auricélia, meus primeiros professores. Gratidão por

tanto apoio e amor, sem vocês nada disso seria possível! Amo vocês incondicionalmente!

Aos meus irmãos, Arthur e Jairo, companheiros de vida, por trazerem alegria aos meus

dias, me fortalecendo sempre que preciso.

À minha família, que de longe ou perto me incentivaram de alguma forma: Meus avós,

tios e em especial minha cunhada querida que está gerando um grande amor para nossas

vidas.

Às minhas amigas do Salesiano, em especial Daianne, Patrícia e Thaís, companheiras

diárias e grandes incentivadoras, que acompanharam de perto a construção dessa pesquisa,

sempre com palavras positivas e um abraço amigo para os momentos difíceis da vida.

Obrigada por tudo, amo muito vocês!

Às minhas amigas Gabi e Kadidja, por me permitirem presenciar seus lindos partos

domiciliares. Dias especiais ao presenciar Lis e Bernardo nascerem rodeados de tanto amor,

momentos guardados pra sempre em meu coração!

À Sibele, minha orientadora e amiga, que me acolheu desde o momento inicial da

ideia dessa pesquisa. Sempre tão leve, amorosa, cuidadosa e detalhista. Obrigada por

caminhar ao meu lado, me ensinando que o mundo acadêmico tem sua beleza, encanto e

poesia. Sentirei saudades do nosso percurso juntas e que possamos vivenciar muitos outros

caminhos!

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À José Gabriel da Costa, um amigo pra todas as horas que me tranqüiliza e me mostra

o melhor caminho a seguir. Gratidão por me permitir sentir sua presença ao meu lado sempre

que preciso.

Aos meus colegas da turma do mestrado, em especial Emanuel, Maíra e Danielle,

pelos aprendizados e ajuda mútua sempre que foi necessário.

Aos meus amigos de perto e de longe, não citarei nomes, mas sinto em meu coração

agradecimento e amor pelo apoio e amizade que me ofertaram em diversos momentos.

Às mulheres colaboradoras dessa pesquisa, protagonistas dessa história, que com tanto

carinho permitiram que eu adentrasse em momentos tão íntimos e especiais de suas vidas.

Obrigada por compartilharem e me ensinarem tanto sobre as belezas do parir!

Gratidão à vida por me permitir a presença de tantas pessoas especiais!

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Sumário

Lista de figuras ........................................................................................................................ ix

Lista de tabelas ......................................................................................................................... x

Tabela 1. Perfil das colaboradoras .......................................................................................... x

Tabela 2. Processo de construção das categorias temáticas e dos capítulos ........................ x

Lista de siglas ........................................................................................................................... xi

Resumo .................................................................................................................................... xii

Abstract .................................................................................................................................. xiv

1. Introdução e justificativa ................................................................................................... 16

2. Objetivos .............................................................................................................................. 26

2.1. Objetivo geral ............................................................................................................... 26

2.2. Objetivos específicos .................................................................................................... 26

3. Percurso teórico e metodológico ........................................................................................ 27

3.1. Quadro teórico ............................................................................................................. 28

3.1.1. A hermenêutica ....................................................................................................... 28

3.2. Estratégias operacionais da pesquisa ......................................................................... 32

3.2.1. Colaboradoras do estudo ......................................................................................... 32

3.2.2. Instrumentos de acesso às narrativas ....................................................................... 33

a) A entrevista narrativa ................................................................................................ 34

b) A oficina com uso de cenas e brasões ....................................................................... 36

3.2.3. Tratamento e análise das narrativas ........................................................................ 39

a) Processo de construção das categorias temáticas e dos capítulos ............................. 40

3.2.4. Análise de riscos e medidas de proteção ................................................................. 43

3.2.5. Aspectos éticos ........................................................................................................ 43

3.2.6. O piloto da pesquisa ................................................................................................ 44

3.2.7. A realização do campo da pesquisa......................................................................... 45

3.2.8. Apresentando nossas colaboradoras ........................................................................ 47

a) Gardênia, 32 anos, 2 filhos, parto planejado e realizado no domicílio ..................... 47

b) Girassol, 32 anos, 2 filhos, parto planejado e realizado no domicílio....................... 48

c) Dália, 34 anos, 2 filhos, parto planejado e realizado no domicílio ........................... 49

d) Margarida, 32 anos, parto planejado no domicílio porém não realizado .................. 50

e) Flor de Lótus, 33 anos, parto planejado no domicílio porém não realizado ............. 51

4. O parir: entre rituais, institucionalização, e (des) humanização do nascer .................. 53

5. A escolha pelo parto domiciliar planejado: entre o desejo de um parto humanizado

aos medos e apoios .................................................................................................................. 67

5.1. A busca pelo parto domiciliar planejado: uma questão de cuidado humanizado . 67

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5.2. Parto humanizado: uma questão de respeito e acolhimento ao protagonismo das

mulheres ............................................................................................................................... 74

5.2.1. Respeito e acolhimento às escolhas das mulheres .................................................. 74

5.2.2 Respeito às evidências científicas ............................................................................ 78

5.2.3 Respeito à compreensão do parto como um evento da família ................................ 79

5.3. Das frustrações e medos .............................................................................................. 81

5.3.1. A frustração da cesárea ........................................................................................... 81

5.3.2. O medo da violência obstétrica e das intervenções desnecessárias ........................ 86

5.3.3 O segredo familiar .................................................................................................... 90

5.4. Dos apoios à decisão pelo parto domiciliar planejado .............................................. 94

5.4.1. Parto não é doença................................................................................................... 94

5.4.2. O apoio dos companheiros ...................................................................................... 98

5.4.3. O convite da parteira ............................................................................................. 100

6. Os preparativos para a boa hora .................................................................................... 102

6.1. Os medos da hora H ................................................................................................... 102

6.1.1. O medo da equipe plantonista ............................................................................... 103

6.1.2. A posição do bebê ................................................................................................. 105

6.1.3. O financeiro: pedra no caminho ............................................................................ 107

6.2. A procura da equipe ideal: quem vai aparar? ........................................................ 110

6.2.1. Quando as aparadeiras são as parteiras ................................................................. 112

6.2.2. Quando as aparadeiras são as enfermeiras e a obstetriz ........................................ 119

6.2.3. Quando a aparadeira é uma midwife ..................................................................... 123

6.2.4. Doula, a que ampara a mulher: uma escolha movida pelo afeto ........................... 125

7. Chegou a hora: a vivência do parto ................................................................................ 129

7.1. O parir e seus significados pelos brasões dos partos de nossas protagonistas ..... 130

7.1.1. Gardênia - o brasão do parir-se e do (re)encontro espiritual ................................. 131

7.1.2. Girassol – O brasão do portal espiritual e o nascer de uma outra mulher ............. 137

7.1.3. Dália – O brasão do (re)encontro com a Natureza Perfeita em si ......................... 141

7.1.4. Margarida – O brasão do encontro com uma força de outro mundo ..................... 147

7.1.5. Flor de Lótus – O brasão dos medos e da saudade! .............................................. 153

7.2. São muitas as dores do parto .................................................................................... 158

7.2.1. A força da dor física .............................................................................................. 158

7.2.2. Recursos para um cuidar acalmando ..................................................................... 164

7.2.2.1 Banho de chuveiro/banheira ............................................................................ 165

7.2.2.2 Respiração e yoga ............................................................................................ 166

7.2.2.3 Massagem ........................................................................................................ 167

7.2.2.4 Música ............................................................................................................. 168

7.2.2.5 Mural com fotos e frases ................................................................................. 169

7.2.3. Quando as dores emocionais invadem a cena do parto ......................................... 170

7.2.3.1 A ambivalência e o desejo de aconchego das mães......................................... 174

7.2.3.2 O olhar dos outros: entre o excesso e a falta ................................................... 177

8. Os aprendizados/ensinamentos demasiadamente humanos ......................................... 184

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8.1 Sobre o cuidar humanizado ....................................................................................... 185

8.1.1“Sim, eu fui respeitada”: A vivência do cuidado humanizado ................................ 185

8.1.2 “Não, foi até um ponto”: o encontro com a violência obstétrica ........................... 188

8.1.3 “Sim, fui respeitada”: entre um cuidado humanizado e práticas invasivas ............ 193

8.2 Sobre o parir-se: o encontro com a espiritualidade feminina no lidar com suas

dores ................................................................................................................................... 195

9. Considerações finais ......................................................................................................... 205

10. Referências Bibliográficas ............................................................................................. 212

11. Apêndices ......................................................................................................................... 222

11.1 Roteiro da Entrevista................................................................................................... 222

11.2 Roteiro da oficina ........................................................................................................ 223

11.3 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................................................ 226

11.4 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para a oficina - TCLE ....................... 229

11.5 Termo para Gravação de Voz ..................................................................................... 232

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Lista de figuras

Figura 1. El Parto I, Antônio Vásquez.................................................................................... 129

Figura 2. Brasão do parto de Gardênia ................................................................................... 131

Figura 3. Quadrante 1 – Brasão do parto de Gardênia ........................................................... 132

Figura 4. Quadrante 3 – Brasão do parto de Gardênia ........................................................... 135

Figura 5. Brasão do parto de Girassol .................................................................................... 137

Figura 6. Quadrantes 2 e 3, brasão do parto de Girasssol, respectivamente. ......................... 140

Figura 7. Brasão do parto de Dália ......................................................................................... 141

Figura 8. Quadrante 2 – Brasão do parto de Dália ................................................................. 144

Figura 9. Quadrante 3 – Brasão do parto de Dália ................................................................. 145

Figura 10. Quadrante 4 – Brasão do Parto de Dália ............................................................... 145

Figura 11. Brasão do parto de Margarida ............................................................................... 147

Figura 12. Quadrante 1 – Brasão do parto de Margarida ....................................................... 148

Figura 13. Quadrante 4 – Brasão do parto de Margarida ....................................................... 150

Figura 14. Quadrantes 2 e 3, respectivamente, brasão do parto de Margarida ....................... 151

Figura 15. Brasão do parto de Flor de Lótus .......................................................................... 153

Figura 16. Quadrante 1 – Brasão do parto de Flor de Lótus .................................................. 154

Figura 17. Quadrante 2 – Brasão do parto de Flor de Lótus .................................................. 155

Figura 18. Quadrante 3 – Brasão do parto de Flor de Lótus .................................................. 156

Figura 19. Marlene L'Abbe ..................................................................................................... 184

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Lista de tabelas

Tabela 1. Perfil das colaboradoras

Tabela 2. Processo de construção das categorias temáticas e dos capítulos

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Lista de siglas

FIGO – Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia

OMS – Organização Mundial de Saúde

PDP – Parto Domiciliar Planejado

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

PNH – Política Nacional de Humanização

SUS – Sistema Único de Saúde

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Resumo

No Brasil, cerca de 98% dos nascimentos acontecem em instituições de saúde e uma parcela

da pequena quantidade de partos que ocorrem fora dessas instituições são provenientes de

nascimentos de urgência. Mas existe também uma crescente quantidade de partos domiciliares

planejados no qual as mulheres buscam resgatar nessa experiência uma assistência e cuidado

focados na autonomia, protagonismo, individualidade e privacidade de cada mulher. No

Brasil, essa modalidade de parto ainda é tratada com muito preconceito, tanto por

profissionais da saúde quanto pela sociedade. Diante desse contexto, essa dissertação teve

como objetivo principal compreender a experiência de mulheres que optaram pelo parto

domiciliar planejado na cidade de Natal/RN a fim de subsidiar contribuições para um cuidado

humanizado. Essa pesquisa é de natureza qualitativa e para compreensão do fenômeno

estudado teve como aporte teórico-metodológico a Hermenêutica Gadameriana. As

participantes do estudo foram 5 mulheres e tivemos como instrumentos de acesso ao universo

das colaboradoras a entrevista narrativa e a oficina com uso de cenas e brasões. Para análise e

interpretação das narrativas recorreremos ao método de interpretação de sentidos baseando-se

em princípios hermenêuticos-dialéticos. A partir do diálogo com as narrativas chegamos a

quatro capítulos: 1) “A escolha pelo parto domiciliar planejado: Entre o desejo de um parto

humanizado aos medos e apoios” no qual foi possível identificar que essa decisão está

ancorada principalmente no desejo de vivenciar um parto humanizado, que para elas significa

obter o respeito em todo o processo da escolha, que por sua vez implica na construção de

conhecimentos e protagonismos da mulher, do casal e de uma rede de apoio. 2) “Os

preparativos para a boa hora” onde elas narraram alguns medos e dificuldades relacionados à

escolha pelo parto domiciliar no que diz respeito à questão financeira, medo da equipe

hospitalar e da reação familiar com essa decisão. Ainda sobre esses preparativos foi possível

conhecer de que maneira se deu a escolha da equipe que as acompanharam durante parto,

evidenciando que tal escolha foi motivada por questões relacionadas à formação técnica e

envolvimento afetivo, 3) “Chegou a hora: A vivência do parto” capítulo no qual as

colaboradoras retratam a vivência do parto expondo os sentimentos vivenciados, dores físicas

e emocionais, os recursos utilizados no cuidado direcionado a elas, a convivência com a

equipe escolhida, assim como a expressão da gratidão por ter vivido essa experiência e 4)“Os

aprendizados/ensinamentos demasiadamente humanos” no qual trazemos a concepção das

mulheres a respeito de seus partos terem sido humanizados ou não, explicitando também os

aprendizados delas em forma de recados para outras mulheres que estão buscando um parto

humanizado. Foi possível compreender que a maioria das mulheres consideraram que seus

partos foram humanizados e o enfoque dos recados se deu principalmente na importância de

buscar informações para uma decisão bem pensada, assim como a necessidade de um cuidado

com as emoções ainda na gestação. Acompanhar as narrativas dessas mulheres possibilitou a

compreensão do quanto os sofrimentos emocionais agregados ao processo dizem respeito à

luta que travam quanto aos preconceitos em torno do PDP. A busca pela humanização do

cuidado no parto domiciliar, ou não, passa pelo resgate da autonomia das mulheres, a

associação da ciência à sabedoria feminina, portanto, um cuidado que alie saberes científicos,

sagrados e humanos, onde a escuta respeitosa e responsável sejam os guias, de modo que as

mulheres sejam acolhidas e estimuladas também a buscarem essa forma de cuidar-se e serem

cuidadas. Tal cuidado é focado nas emoções e no resgate dos aspectos femininos, espirituais e

intuitivos. O pré-natal psicológico, associado ao pré-natal tradicional, que propicie a

realização desse cuidado interior, capaz de lidar com suas questões emocionais e espirituais

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pode ser um lugar para esse cuidar, além da promoção de espaços diversos que possibilitem

acolhimento e apoio à mulher. Sugere-se, ainda, um processo educativo que inclua os homens

nesse caminhar. Por fim, espera-se que esse estudo possa contribuir nesse caminhar e que a

Psicologia possa ser mais um lugar capaz de a(m)parar o parir de quem pari e está se parindo

no processo de parturição de forma mais humana e amorosa.

Palavras-chave: parto domiciliar planejado, cuidado, humanização, protagonismo,

espiritualidade

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Abstract

In Brazil, about 98% of births take place in health institutions and a portion of the small

number of births that occur outside these institutions come from emergency births. But there

is also a growing number of planned home births in which women seek to rescue in this

experience a care and care focused on the autonomy, protagonism, individuality and privacy

of each woman. In Brazil, this mode of delivery is still treated with much prejudice, both by

health professionals and by society. In view of this context, this dissertation had as main

objective to understand the experience of women who opted for home birth planned in the city

of Natal / RN in order to subsidize contributions to a humanized care. This research is of a

qualitative nature and to understand the phenomenon studied was the theoretical-

methodological contribution to Gadamerian Hermeneutics. The participants of the study were

5 women and we had as instruments of access to the universe of the collaborators the

narrative interview and the workshop with scenes and coats of arms. For analysis and

interpretation of the narratives we will use the method of interpretation of meanings based on

hermeneutic-dialectical principles. From the dialogue with the narratives we arrive at four

chapters: 1) "The choice for planned home delivery: between the desire for a humanized

delivery to the fears and supports" in which it was possible to identify that this decision is

anchored mainly in the desire to experience a humanized delivery, which for them means to

obtain respect in the whole process of choice, which in turn implies the construction of

knowledge and protagonism of the woman, the couple and a support network. 2)

"Preparations for the Good Hour" where they narrated some fears and difficulties related to

the choice of home birth in regard to the financial issue, fear of the hospital staff and the

family reaction to this decision. Still on these preparations it was possible to know in what

way the team was chosen that accompanied them during childbirth, evidencing that such

choice was motivated by questions related to technical formation and affective involvement,

3) "The time has come: The experience of childbirth" chapter in which the collaborators

portray the experience of childbirth exposing the feelings experienced, physical and emotional

pain, resources used in care directed to them, coexistence with the chosen team, as well as the

expression of gratitude for having experienced this experience, and 4) The overly human

learnings / teachings in which we bring the conception of women about their births have been

humanized or not, also explaining their learning in the form of messages for other women

who are seeking a humanized birth. It was possible to understand that most of the women

considered that their deliveries were humanized and the focus of the messages was mainly on

the importance of seeking information for a well thought out decision, as well as the need for

a care with the emotions still in the gestation. Accompanying the narratives of these women

has made it possible to understand how much the emotional sufferings added to the process

are related to the struggle they face regarding the prejudices around the PDP. The search for

the humanization of care in home birth, or not, involves the recovery of the autonomy of

women, the association of science with feminine wisdom, and therefore a care that combines

scientific, sacred and human knowledge, where respectful and responsible listening are the

guides, so that women are welcomed and encouraged also to seek this way of taking care of

themselves and being cared for. Such care is focused on the emotions and the rescue of the

feminine, spiritual and intuitive aspects. Psychological prenatal care, coupled with traditional

prenatal care, that allows the realization of this inner care, capable of dealing with their

emotional and spiritual issues, can be a place for this care, as well as the promotion of diverse

spaces that allow the reception and support of the woman. It is also suggested an educational

process that includes men in this walk. Finally, it is hoped that this study can contribute to this

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journey and that Psychology may be another place capable of stopping the birth of the person

who gave birth and is giving birth in the process of parturition in a more humane and loving

way.

Keywords: planned home delivery, care, humanization, protagonism, spirituality

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1. Introdução e justificativa

O tema dessa dissertação surgiu na minha vida de maneira inesperada e veio se

construindo ao longo dos anos de acordo com os diversos contextos nos quais fui me

deparando com os processos de gestar e parir.

No ano de 2012, uma amiga muito próxima ficou grávida e pude acompanhar de perto

todas as suas alegrias, expectativas e anseios. Foi uma gravidez planejada e bastante desejada,

assim como também a construção e idealização de um grande sonho dela: Ter seu filho de

parto normal.

Na época, ela era acompanhada por uma médica obstetra e uma doula. Com 40

semanas de gestação vem a notícia da médica: “Eu só espero você entrar em trabalho de parto

até 41 semanas, caso isso não aconteça, marcaremos a cesárea. Se após esse período você

ainda quiser ter parto normal, pode procurar outro médico.” Essa notícia veio como um

choque para a minha amiga, que passou o restante da semana “rezando” para entrar em

trabalho de parto, o que infelizmente não aconteceu. Como ela com 41 semanas de gestação,

esperando seu primeiro filho poderia buscar outro médico? Que médico iria se dispor a

acompanhá-la nesse fim de gestação?

Além de tudo, ainda tinha que lidar com a pressão da família que dizia para ela fazer a

cesárea, pois o mais importante era o bebê nascer bem e que ela deveria confiar na médica.

No dia marcado para a cirurgia ela estava sentindo leves contrações, o que a fez ficar ainda

mais triste, pois sabia que se aguardasse algumas horas ou talvez dias, entraria em trabalho de

parto. Ela foi para a sala de cirurgia chorando e as enfermeiras não compreendiam o motivo

do seu choro, diziam que ia dá tudo certo, que ela ficaria bem. Mas ela não queria passar por

aquela cirurgia, estava com muito medo. Nasceu então Artur no dia 02 de março de 2013, por

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meio de uma cesárea, diante do choro e alegria de sua mãe. Choro por não poder escolher

como parir e alegria por conhecer seu filho tão amado e esperado.

A história da minha amiga é a história de tantas outras brasileiras que precisam travar

uma verdadeira luta para conseguir um parto normal respeitoso. Na época desse

acontecimento eu ainda não tinha noção de como funciona o sistema obstétrico brasileiro, o

argumento da médica parecia ser o mais seguro, ou seja, esperar realmente até 41 semanas.

Entretanto após começar uma reflexão sobre esse assunto e diante das evidências

científicas foi possível inferir que na situação em questão não havia indicação clínica para a

realização daquela cesárea, já que cerca de 10% de todas as gestações se estendem além de 41

semanas, podendo chegar até 42 semanas. Nesse caso, de acordo com a literatura científica, o

ideal seria induzir o parto, e não realizar a cesárea, pois isso poderia trazer complicações

respiratórias para o bebê, devido ao risco de prematuridade, além de complicações para a mãe

em futuras gestações (Souza, Amorim, & Porto, 2010).

Ainda em 2013, fiz um curso de “Terapia Mãe-Bebê” que me fez olhar novamente

para os fenômenos da gestação e parto. No curso, tive acesso às discussões sobre a

importância do trabalho de parto para o bebê assim como os benefícios da escolha do parto

normal para a mãe e filho. Durante o curso discutimos também sobre o Movimento de

Humanização do Parto e Nascimento no Brasil, e comecei a despertar minha atenção para o

tema, o que me fez ir em busca de conhecer quais pessoas na minha cidade estavam a frente

desse movimento.

Comecei, então, a frequentar alguns encontros de gestantes que aconteciam

mensalmente na cidade e eram coordenados principalmente por doulas. Nessas reuniões eram

tratados assuntos diferentes e participavam profissionais, gestantes e também mulheres que já

haviam tido seus filhos e retornavam para contar suas experiências. Nessa linha, passei

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também a pesquisar na internet grupos no facebook que discutiam sobre parto, amamentação

e criação dos filhos.

A partir dessa busca passei a ter contato com vários relatos de mulheres que buscavam

o parto domiciliar planejado como uma alternativa de fuga à realidade vivida nos hospitais e

maternidades. Essas mulheres relatavam experiências riquíssimas sobre a importância de

passar por essa vivência, de como haviam se sentido respeitadas durante o parto e se sentiam

muito mais fortalecidas como mulheres após essa experiência. Ao mesmo tempo, muitas delas

enfrentaram inúmeras dificuldades até conseguir vivenciar essa experiência. Isso me fez

refletir sobre a realidade do parto domiciliar no Brasil, surgindo o desejo de conhecer mais

sobre a temática.

Portanto, através de minha busca pessoal por meio de cursos, leituras e

acompanhamento de algumas vivências, passei a conhecer mais sobre como acontecem os

nascimentos no Brasil. Ao conhecer essa realidade, minhas inquietudes aumentaram, assim

como o desejo de colaborar para que mais mulheres e bebês pudessem vivenciar o parto como

um momento especial, amoroso e respeitoso.

O Brasil tem uma assistência obstétrica marcada por altas taxas de cesáreas e excesso

de intervenções desnecessárias, aumentando o risco de morte materna e infantil, de modo que

precisamos evoluir muito para alcançarmos um nível de excelência. A mortalidade materna,

por exemplo, é um grave problema de saúde pública. Em 2013, 1567 mil mulheres morreram

em nosso país, em complicações ocasionadas durante a gestação, parto ou devido à

interrupção da gravidez, enquanto a OMS afirma que o máximo “recomendado” é 35 mortes

para cada 100 mil nascimentos (OMS, 2014).

Em 2015, tivemos avanços em relação às taxas de mortalidade materna, obtendo 62

mortes para 100 mil nascimentos. Porém, a meta de acordo com os Objetivos de

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Desenvolvimento do Milênio (ODM) da ONU era alcançar a taxa de 35 casos para cada 100

mil nascimentos, o que ainda não foi possível (OMS, 2015)

Segundo a mais recente Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (Ministério da

Saúde, 2006), 98% dos nascimentos no Brasil acontecem em instituições de saúde, e apesar

disso, os resultados maternos e perinatais têm se mostrado piores que os encontrados em

países com índice de desenvolvimento socioeconômico menor ou igual ao nosso (Lessa,

Tyrrel, Alves, & Rodrigues, 2014; Sanfelice & Shimo, 2014).

Esperava-se que essa universalização do parto hospitalar proporcionasse melhorias na

nossa assistência obstétrica, porém infelizmente essa não é nossa realidade atual (Castro,

2015).

Cerca de 91% das gestantes brasileiras realizam pré-natal, então como se justificam os

altos índices de mortalidade materna? Isso demonstra que apesar do uso da tecnologia, nossa

assistência ainda precisa melhorar muito no que diz respeito à qualidade (Castro, 2015).

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicados em 2015, o

Brasil apresenta um dos maiores índices mundiais no que diz respeito à realização de

cesáreas, já que mais da metade dos nascimentos acontecem por meio dessa cirurgia (OMS,

2015).

O percentual de cesarianas teve um crescimento significativo em todas as regiões do

país, aumentando de 15% em 1970 para 48,8% em 2008. E no ano de 2009, superou, pela

primeira vez, a quantidade de partos vaginais (Madeiro, Rufino, & Santos, 2017).

Desde 1985 a OMS recomenda que as taxas de cesáreas permaneçam entre 10% e

15%, mas no Brasil, ao final de 2016, considerando os partos na rede pública e privada, essa

taxa chegou a 55,5% (Ministério da Saúde, 2017).

O elevado número de cesáreas desnecessárias em nosso país contribui para as altas

taxas de mortalidade materna. Temos no Brasil uma cultura que incentiva a cesárea, como se

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ela diminuísse os riscos do parto e aumentasse a segurança no nascimento. Em contrapartida,

sabe-se que a cesárea aumenta em três vezes o risco de mortalidade materna, e prematuridade

do bebê, possuindo diversos efeitos adversos para mãe e filho (Leão, Riesco, Schneck, &

Angelo, 2013).

O incentivo a cesárea traz o processo de “desnaturalização do parto”, no qual é

reforçado no discurso biomédico a incapacidade da mulher de parir (Menezes, Portella, &

Bispo, 2012). Quando bem indicada, a cesárea é uma cirurgia muito importante que salva

diversas vidas, mas ela não deve ser utilizada por todas as gestantes.

Uma parcela da pequena quantidade de partos que ocorrem fora das instituições de

saúde no Brasil são provenientes dos nascimentos de urgência, que não puderam ser

planejados, geralmente em locais onde há pouco acesso aos serviços de saúde. Mas existe

também uma crescente quantidade de partos domiciliares planejados (PDP), sendo esta a

opção de mulheres que buscam resgatar nessa experiência uma assistência e cuidado focados

na autonomia, protagonismo, individualidade e privacidade de cada mulher (Sanfelice,

Abbud, Pregnolatto, Silva, &Shimo, 2014; Sanfelice & Shimo, 2014).

As mulheres que buscam o parto domiciliar planejado entendem o nascimento como

uma experiência prazerosa, íntima e familiar. Elas desejam vivenciar o parto em sua plenitude

e mesmo diante de tantas construções sociais negativas, vislumbram o prazer e a beleza da

experiência de parir (Feyer, Monticelli, Boehs, & Santos, 2013; Sanfelice & Shimo, 2014).

Os nascimentos planejados para acontecer no domicílio são assistidos por profissionais

da saúde habilitados para acompanhar a gestante e são partos planejados antecipadamente, de

acordo com as condições da gestação (OMS, 1996).

Uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo e o SESC, em 2010, apontou

que no Brasil uma em cada quatro mulheres relatou ter sofrido algum tipo de violência

durante o parto em instituições de saúde públicas e privadas. Revelando assim que as

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mulheres que optam por parir em casa estão insatisfeitas com a assistência obstétrica

oferecida na maioria dos hospitais e sentem receio de sofrer violência obstétrica.

O parto domiciliar planejado se torna para algumas mulheres uma opção de uma

busca por vivenciar essa experiência de uma maneira que lhes traga conforto, satisfação,

cuidado e segurança, já que no domicílio elas podem escolher toda a equipe que irá

acompanhá-las, o que não é possível nas instituições. Na maioria das vezes a equipe é

composta por enfermeiras obstétricas, mas também atuam médicos, obstetrizes e parteiras

certificadas (Sanfelice et al., 2014).

No Brasil, o PDP ainda é tratado com muito preconceito, tanto por profissionais da

saúde quanto pela sociedade. O preconceito se dirige tanto às mulheres que optam por parir

em casa, quanto aos profissionais que prestam esse atendimento, geralmente as mulheres são

rotuladas como irresponsáveis e alguns profissionais são perseguidos pelos conselhos

profissionais A ideia que circula em nossa sociedade é de que mesmo sendo planejado, o

parto domiciliar oferece um risco maior de desfechos maternos e neonatais desfavoráveis.

(Sanfelice et al., 2014; Sanfelice & Shimo, 2015).

Uma das principais polêmicas sobre o assunto diz respeito à segurança do processo e o

risco para a saúde da mulher e do bebê (Sanfelice & Shimo, 2014). A segurança muitas vezes

é questionada por estar longe do ambiente hospitalar, o que é apontado como um fator que

poderia prejudicar um bom desfecho para o parto. Porém, de acordo com a literatura sobre a

assistência obstétrica em países considerados referências como Austrália, Canadá e Holanda,

o PDP é amplamente apoiado e incentivado, pois estudos como o de coorte realizado por

Jonge et al., em 2009, provaram que essa opção não oferece maiores riscos para mães e bebês,

quando comparados com partos hospitalares. Os resultados obstétricos e perinatais

demonstram que esse tipo de parto está associado a menores taxas de morbidade materna

grave e hemorragia pós-parto, sem aumento nas taxas de mortalidade perinatal. A literatura

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aponta também o alto grau de satisfação das mulheres com relação à experiência vivida

(Colacioppo, Koiffman, Riesco, Schneck, & Osava, 2010; Sanfelice & Shimo, 2014).

Tal satisfação se configura em práticas consideradas no campo da saúde como

humanizadas. Em obstetrícia, o termo “humanização” denota várias interpretações e está

relacionado a alguns princípios: Prática da medicina baseada em evidências, respeito aos

direitos das mulheres (decisão sobre procedimentos e intervenções), controle de intervenções

durante o parto e deslocamento do obstetra como principal profissional na assistência à

parturiente. Esse deslocamento do obstetra diz respeito à introdução das enfermeiras e

obstetrizes na cena do parto normal (Diniz, 2005).

Os estudos sobre parto domiciliar demonstram que algumas recomendações da OMS e

do Ministério da Saúde no que diz respeito às condutas recomendadas para a humanização são

cumpridas nessa modalidade de parto, tais como: Alto número de posições verticalizadas

durante o parto e trabalho de parto, aumento do contato pele a pele após o nascimento,

utilização de métodos não farmacológicos para alívio da dor, liberdade de posição e

movimento durante o trabalho de parto e estimulação da amamentação ainda na primeira hora

de vida (Sanfelice & Shimo, 2014).

O parto domiciliar pode ser visto então como uma possibilidade para a humanização

do nascimento, já que os princípios adotados nesse tipo de assistência vão ao encontro dos

princípios preconizados pela humanização do parto. Qual a relação existente entre o PDP e o

cuidado humanizado? É possível um sem o outro?

Sabemos que o cuidado humanizado implica no desenvolvimento de atitudes que

promovam um encontro intersubjetivo, que utiliza a tecnologia, mas que não se resume

somente a isso. Seria então o encontro da técnica com o humano (Ayres, 2001; 2004;

Nogueira da Silva, 2006; 2015).

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O cuidado humanizado tem ligação direta com a qualidade da comunicação no sentido

de existir o compartilhamento de diagnósticos, tratamentos e decisões (Nogueira da Silva,

2015). Cuidado humanizado implica em princípios filosóficos e atitudes práticas que podem

ser exercidas dentro e fora do domicílio. Então é possível termos um parto humanizado a

partir de um cuidado humanizado dentro e fora do domicílio, assim como um PDP que não

seja humanizado?

Diante do que foi exposto nessa breve introdução sobre a realidade atual do Brasil no

que diz respeito à assistência obstétrica, consideramos relevante estudar a respeito do parto

domiciliar planejado: As motivações que o envolvem, desejos, dificuldades, preconceitos,

medos e potencialidades em direção ao seu alcance, tendo como horizonte as implicações

dessas vivências para o aprendizado sobre o cuidado humanizado no parir.

No âmbito da psicologia, existem algumas pesquisas que tratam sobre a relação mãe-

bebê na gestação e pós parto como os trabalhos de Moreira, Romagnoli, Dias e Moreira

(2009), Oliveira-Meneggoto, Lopes e Caron (2010) e Engel, Ghazzi e Silva (2014). Sobre pré-

natal psicológico temoso estudo de Arrais, Mourão e Fragalle (2014), sobre parto e

espiritualidade contamos de forma pioneira coma dissertação de Barbalho(2015), além de

muitos trabalhos sobre depressão pós parto: Fonseca, Silva e Otta (2010), Sousa, Prado e

Piccinini (2011), Ribeiro e Moreira (2011), Rodrigues e Schiavo (2011), Alvarenga, Palma,

Silva e Dezzani (2013). Porém, sobre parto domiciliar planejado nota-se uma escassez de

trabalhos, tendo sido encontrado até o presente momento a pesquisa desenvolvida por Castro

(2015), investigando os sentidos da escolha das mulheres pelo parto domiciliar planejado.

Constatou-se nessa investigação que as mulheres desconstruíram a ideia do hospital como o

local ideal para acontecer o parto.

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Não foram encontrados estudos realizados na cidade de Natal/RN sobre esse assunto,

tanto no que diz respeito à pesquisas realizadas por órgãos públicos quanto por cursos de

graduação e pós-graduação.

Além disso, Natal ainda é uma cidade que apresenta dificuldades no que diz respeito a

atender e acolher mulheres que desejam parir em casa, sendo esta uma realidade que merece

ser estudada. Segundo dados da Associação Potiguar de Doulas (2017), os profissionais

dispostos a realizar partos domiciliares ainda são bem poucos, contamos atualmente com uma

parteira tradicional e uma equipe composta por duas enfermeiras obstétrica e uma médica

atuando na cidade nessa modalidade de parto.

Portanto, muitas foram as questões que me inquietaram e foram moldando a

construção dessa pesquisa: Como se deu a opção pelo parto domiciliar planejado? Quais os

sentimentos experienciados por essas mulheres? A experiência aconteceu da forma que

idealizavam?

Caso tenham existido, quais os medos, riscos e dificuldades envolvidas nessa opção?

Houve apoio da família? Como se sentiram longe do ambiente hospitalar? Como as mulheres

se sentiram com os profissionais que escolheram para acompanhá-las em casa? Na visão

dessas mulheres, o parto domiciliar planejado se configurou como uma experiência de parto

humanizado? É possível aprender sobre cuidado humanizado no parir a partir do PDP, ou

mesmo, a partir da não realização deste?

O olhar da psicologia sobre os significados e sentidos expressos pelas mulheres

através da vivência do parto domiciliar planejado e a busca pela compreensão dos processos

que envolvem esse modo de nascer, através das narrativas das mulheres, pode trazer

contribuições ao tema, proporcionando assim novos caminhos nas práticas de atenção ao parto

e nascimento, contribuindo com a atuação dos profissionais de saúde.

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É com o desejo de compreender a experiência de mulheres na cidade de Natal/RN, que

decidiram pelo parto domiciliar planejado (PDP) a partir de suas narrativas sobre esse vivido,

que a proposta dessa pesquisa pretende ser capaz de contribuir para a desmistificação de

alguns preconceitos e tabus sobre o tema, possibilitando a difusão de conhecimentos a

respeito do PDP e desvelando as implicações para um cuidado humanizado no parir.

Após introduzir o leitor na temática, apresentamos os objetivos dessa pesquisa, que

buscou compreender a vivência das mulheres que decidiram pelo parto domiciliar planejado.

A seguir, será apresentado o percurso metodológico do nosso estudo e faremos no capítulo

quatro um breve percurso teórico sobre o parir, seu processo de institucionalização e

(des)humanização. Dando continuidade, traremos o capítulo intitulado “A escolha pelo parto

domiciliar planejado: entre o desejo de um parto humanizado aos medos e apoios”, no qual

apresentamos os motivos que guiaram as mulheres na escolha pelo parto em casa. O capítulo

seguinte “Os preparativos para a boa hora” traz a narrativa delas a respeito das dificuldades

enfrentadas durante a preparação para o parto, assim como as motivações envolvidas na

escolha das equipes que as acompanharam. No capítulo “Chegou a hora: a vivência do parto”

conhecemos como se deu a experiência dessas mulheres em relação aos seus partos, os

sentidos dessa escolha e os sentimentos vivenciados, recursos utilizados e a convivência com

a equipe escolhida. Por fim, o capítulo “Os aprendizados/ensinamentos demasiadamente

humanos” narra a respeito da concepção das mulheres sobre o parto ter sido humanizado ou

não, assim como os ensinamentos aprendidos por elas, em forma de recados, a respeito de

suas vivências no que diz respeito ao cuidado humanizado. Após essa trajetória, temos as

considerações finais, seguida das referências bibliográficas e dos apêndices.

Convidamos os leitores a seguirem esse percurso, compartilhando e conhecendo o

universo dessas mulheres que tanto têm a nos ensinar sobre o parir e a humanização.

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2. Objetivos

2.1. Objetivo geral

Compreender a experiência de mulheres que decidiram pelo parto domiciliar

planejado na cidade de Natal/RN a fim de subsidiar contribuições para um cuidado

humanizado.

2.2. Objetivos específicos

Identificar as concepções das mulheres sobre o parto humanizado;

Investigar as motivações que levaram as mulheres a decidirem pelo parto em casa;

Investigar as dificuldades e limitações enfrentadas pelas mulheres ao decidirem pelo parto

domiciliar planejado;

Identificar os sentimentos e significados vivenciados desde a decisão pelo parto domiciliar

até o momento do parto

Identificar se a vivência do parto se configurou como uma experiência de humanização do

parto

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3. Percurso teórico e metodológico

A pesquisa em questão é de cunho qualitativo e natureza compreensiva, baseando-se

na Hermenêutica Gadameriana como caminho teórico-metodológico.

Na pesquisa qualitativa, conforme afirma Günther (2006) “A pesquisa é percebida

como um ato subjetivo de construção” (p.202), sendo o “objeto” de estudo compreendido

dentro de sua historicidade. Nessa perspectiva, os fenômenos estudados não são passíveis de

medição (Holanda, 2006).

Minayo (2013, p.57) afirma que:

O método qualitativo é o que se aplica ao estudo da história, das relações, das

representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das

interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus

artefatos e a si mesmos, sentem e pensam.

Na pesquisa qualitativa a perspectiva dos participantes é amplamente considerada e

não apenas a do pesquisador, existindo também uma reflexão contínua sobre o papel de quem

pesquisa. Nos estudos qualitativos a subjetividade do pesquisador faz parte do processo da

pesquisa, sendo suas impressões, reflexões e sentimentos considerados como parte das

interpretações do contexto estudado (Flick, 2008).

De acordo com os objetivos da pesquisa, diversos instrumentos e procedimentos

podem ser utilizados, existindo assim uma grande flexibilidade e adaptabilidade.

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3.1. Quadro teórico

3.1.1. A hermenêutica

A hermenêutica vem do grego e está ligada ao deus grego Hermes, que tinha a função

de tornar acessível aos homens a mensagem divina e a quem era atribuído a origem da escrita

e da linguagem. Originariamente é definida como a arte de interpretação, desde a época de seu

surgimento no século XVII (Brito et al., 2007).

A palavra “hermenêutica” é uma transliteração do verbo grego “hermeneuein”, que

significa interpretar, explicar, falar em voz alta e traduzir. A tradução latina dessa palavra é

“interpretatio”, que para nós significa interpretação (Schmidt, 2014).

Desde a Antiguidade, teorias de interpretação foram criadas para atender várias

disciplinas. A hermenêutica legal tinha o objetivo de interpretar corretamente a lei, já a

hermenêutica bíblica criou regras para interpretar a bíblia, e assim por diante (Schmidt, 2014).

A hermenêutica tem sido bastante utilizada como base filosófica em pesquisas

qualitativas e busca fazer uma aproximação entre a verdade do ser e a ciência (Lucena, 2011).

Possui também uma aproximação com a fenomenologia, buscando compreender como as

coisas acontecem, ou seja, os modos subjetivos do viver (Minayo, 2002).

Pode se afirmar então que a hermenêutica tem como principal finalidade a

compreensão humana, interpretando assim o sentido de leis, textos, da cultura, signos, dentre

outros (Brito et al., 2007).

Segundo Minayo (2002),

O enunciado básico do pensamento hermenêutico é de que as ciências humanas e

sociais, nominadas por Gadamer, em Verdade e Método como ciências do espírito,

administram uma herança humanista que as distingue da práxis da chamada “ciência

moderna”. No centro de sua elaboração está a noção de compreender.

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Nas palavras de Vietta (1995, como citado por Jesus, Peixoto,& Cunha, 1998, pp.34-

35) “a compreensão é vista então como um movimento abrangente e universal do pensamento

humano. O homem é visto como um ser singular e único e como o melhor intérprete de si

mesmo.”

Friedrich Schleiermacher trouxe grandes contribuições para a hermenêutica quando

afirmou que “compreender é entender-se uns com os outros”, e que a compreensão é,

inicialmente, entendimento. Para ele, todos os problemas da interpretação são problemas da

compreensão e é fundamental compreender a individualidade de quem fala, e não apenas o

sentido literal das palavras. Sendo assim, é preciso dialogar com o autor para compreender a

sua real intenção, compreender o seu espírito (Brito et al., 2007).

Para Wilhelm Dilthey, toda ciência e saber são empíricos e toda experiência está

ligada à nossa consciência, ou seja, toda realidade está condicionada à consciência. Ele

acreditava que para compreender a experiência humana era preciso estudar também a história,

além de descrever a experiência em si (Holanda, 2006).

Dilthey pretende formular uma metodologia única para as ciências humanas porque

acreditava que o método das ciências naturais é insuficiente para as ciências humanas. Ele

entendia que a compreensão é o método para as ciências humanas e a explicação pertence às

ciências naturais. Sua teoria influencia posteriormente a hermenêutica em Heidegger

(Schmidt, 2014).

Heidegger, em sua hermenêutica existencial, afirma que primeiro se compreende para

depois interpretar, a interpretação consiste então na elaboração da compreensão. Ele traz

aspectos do método de pesquisa fenomenológico de Husserl e aspectos da teoria da

compreensão de Dilthey, assim como influências de pensadores como Platão, Nietzsche,

Aristóteles, dentre outros. A pesquisa fenomenológica se baseia em descrever detalhadamente

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a experiência sem fazer juízos sobre o que a experiência implica (Brito et al., 2007; Schmidt,

2014).

Gadamer acredita que a compreensão e a interpretação fazem parte da experiência do

homem no mundo e que essa compreensão do ser se dá através da linguagem (Holanda,

2006). Ele vê a hermenêutica como algo além da arte de interpretar, como uma possibilidade

de mediar a verdade do ser e o método da ciência (Jesus et al., 1998).

De acordo com Gadamer (1960/2002), a hermenêutica envolve necessariamente a

interpretação e a aplicação. Isso não significa que primeiro interpretamos para depois aplicar,

ao invés disso, a aplicação é uma parte integral da própria compreensão. A aplicação seria

considerar o significado do texto de acordo com a situação do intérprete. As estruturas prévias

da compreensão são chamadas por Gadamer de preconceitos, e esses preconceitos não são

simplesmente negativos, segundo esse autor, também existem preconceitos positivos que

conduzem a uma correta compreensão.

Os preconceitos envolvem tudo que sabemos consciente e inconscientemente. Incluem

assim as nossas preferências, valores, juízos, etc. A expressão “horizonte” fala de nossa

situação hermenêutica, ou seja, nosso conjunto de preconceitos. Sendo assim, adotando novos

preconceitos o nosso horizonte cresce, ou esse horizonte pode diminuir quando excluímos

alguns desses preconceitos. Não é possível ignorar todos os nossos preconceitos, porque eles

precisam existir para que possamos provocá-los e questioná-los. Além disso, nós sempre

precisamos de um horizonte para poder nos transpor a uma determinada situação (Schmidt,

2014).

A compreensão é sempre hermenêutica porque não é possível fugir do círculo

hermenêutico, onde a compreensão do todo se dá a partir da compreensão das partes, e a

compreensão das partes se dá a partir da compreensão do todo (Schmidt, 2014). Conforme

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afirma Gadamer: “A harmonia de todos os detalhes com o todo é o critério da compreensão

correta” (p.291).

Para compreender, Gadamer afirma que é preciso o intérprete ter a suposição inicial de

coerência e verdade do texto, ou seja, de que o que ele traz é verdade. Essa pressuposição

permite que o preconceito do texto questione o nosso preconceito. Desse modo, no texto

existirá o que é compartilhado e familiar, e aquilo que é estranho e distante do intérprete, que

pode ser questionado (Schmidt, 2014).

Para Gadamer, a distância temporal entre o texto e quem o interpreta é algo positivo

que contribui para a compreensão, pois permite descobrir o que o texto tem a nos dizer,

abrindo novas possibilidades de significado (Schmidt, 2014).

Por meio do conceito de “fusão dos horizontes”, Gadamer (1960/2002) deixa explícito

que na perspectiva hermenêutica o significado não está no texto, na ação ou no discurso; nem

no autor, ou sujeito, mas na relação que existe entre eles. Para este autor todo entendimento

ou ato de compreensão se processa essencialmente a partir do diálogo, e é nele e a partir dele

que o eu se confronta constantemente com o outro e, assim, ambos fundem seus horizontes

em busca de uma compreensão do discurso que está para além das palavras, ações e gestos,

mas se concebe na relação entre os sujeitos, indo de encontro um ao outro (Araújo, Paz &

Moreira, 2012). Dessa forma, o modo de proceder hermenêutico é de uma contínua

conversação, onde a dialética de perguntas e respostas vincula toda interpretação às perguntas

que novamente e mais uma vez movem o intérprete, criando um círculo hermenêutico que

permite o compreender incessante com o qual vamos, simultaneamente, decifrando e

instaurando o mundo e o fenômeno investigado (Ayres, 2004).

Sendo assim, nesse estudo, por meio da Hermenêutica Gadameriana se vislumbrou a

possibilidade de compreender a vivência das mulheres que optaram pelo parto domiciliar:

seus desejos, dificuldades e aprendizados no percurso para um parir humanizado.

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3.2. Estratégias operacionais da pesquisa

3.2.1. Colaboradoras do estudo

As colaboradoras do estudo são 5 mulheres que foram convidadas para a pesquisa por

meio do método da “bola de neve”, pelo qual a primeiro é escolhida por conveniência, esta

indica outra participante e assim por diante.

O contato da pesquisadora com as colaboradoras se deu através das pessoas

responsáveis pelo Movimento pela Humanização do Parto e Nascimento em Natal, bem como

pela participação em alguns encontros de gestantes que acontecem mensalmente na cidade de

Natal, visando incentivar e apoiar o parto humanizado. Os encontros de gestantes acontecem

no “Parque das Dunas” e são organizados por doulas e profissionais que fazem parte do

Movimento Pela Humanização do Parto e Nascimento em Natal. A cada mês, um tema é

trabalhado com o objetivo de esclarecer e aprofundar alguns assuntos sobre a humanização,

incentivando o parto normal e fortalecendo as mulheres que desejam parir de maneira

humanizada. Participam desses encontros gestantes que estão em busca de um parto

respeitoso, assim como também mulheres que já tiveram seus partos (inclusive domiciliares) e

retornam às reuniões para compartilhar suas experiências.

Esse estudo teve como critério de inclusão as mulheres que planejaram o parto para

acontecer no domicílio e realizaram, e as mulheres que planejaram vivenciar o parto

domiciliar, iniciaram o trabalho de parto no domicílio mas tiveram como desfecho final um

parto hospitalar. Pretendeu-se assim, conhecer os motivos que impediram a realização do

parto em casa.

A data e o local da entrevista foram acordados com as colaboradoras levando em

consideração tanto a melhor opção para elas quanto o local onde fosse possível maior

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privacidade. As entrevistas foram realizadas no período de setembro de 2015 a março de 2016

e todas optaram por realizá-las em suas próprias residências. Nesse momento trazemos um

quadro sintético com algumas informações sobre as nossas colaboradoras. Seus nomes

fictícios foram escolhidos de acordo com o significado de algumas flores, através dos

sentimentos que elas despertaram em mim durante os nossos encontros.

Tabela 1

Perfil das colaboradoras

Nome Idade Profissão Estado Civil Religião Escolaridade

Gardênia 32 Estudante União Estável Umbanda Nível Superior

Girassol 32 Produtora

audiovisual União Estável

Não

possui Pós-Graduação

Dália 34 Bióloga/Pós-

Doutoranda União Estável

Não

possui Pós-Graduação

Margarida 32 Bióloga/

Professora Solteira Espírita Nível Superior

Flor de

Lótus 33

Técnica de

Enfermagem União Estável Umbanda Nível Superior

3.2.2. Instrumentos de acesso às narrativas

Como estratégias metodológicas para o acesso às narrativas das nossas participantes,

foram utilizados dois instrumentos: a entrevista narrativa e a oficina com uso de cenas e

brasões.

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A utilização combinada de mais de um recurso metodológico objetiva uma

compreensão em profundidade e oportuniza uma maior segurança na análise interpretativa

(Spink, 1993).

a) A entrevista narrativa

Durante o estudo, foram realizadas entrevistas narrativas e as participantes receberam

o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assim como o Termo para Gravação

de Voz para serem assinados. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas.

A entrevista narrativa é um tipo de entrevista não-estruturada, de profundidade.

Narrar acontecimentos e contar histórias faz parte da vida humana e da nossa necessidade de

comunicação. Conforme afirmam Jovchelovitch e Bauer (2002): “Através da narrativa, as

pessoas lembram o que aconteceu, colocam a experiência em uma sequência, encontram

possíveis explicações para isso, e jogam com a cadeia de acontecimentos que constroem a

vida individual e social” (p.91).

Na entrevista narrativa o entrevistado conta a história de algo importante que

aconteceu em sua vida. Nesse caso, há a reconstrução de um acontecimento a partir da

perspectiva de quem vivenciou esse fato.

A entrevista narrativa se distancia do esquema mais tradicional de entrevista baseado

num modelo pronto de perguntas que seleciona temas e impõe uma ordem de perguntas para o

entrevistado. A fuga desse modelo mais tradicional está baseada na crença de que o

entrevistado narra melhor os acontecimentos quando utiliza sua própria linguagem, trazendo

assim uma narrativa mais espontânea. Desse modo, é importante que o pesquisador tenha o

cuidado de não impor uma linguagem que o entrevistado não conhece ou não está acostumado

a utilizar no seu dia a dia (Jovchelovitch & Bauer, 2002).

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35

Para realizar uma entrevista narrativa o pesquisador precisa conhecer o campo de

estudo, ou seja, a temática que será trazida pelo entrevistado e com isso formular algumas

perguntas iniciais que sejam de seu interesse (Jovchelovitch & Bauer, 2002).

Uma pergunta disparadora é então escolhida para dar início à entrevista e deve ser algo

que faça parte da experiência do entrevistado, pois visa garantir o interesse dele na entrevista.

Essa pergunta disparadora deve ser bem ampla para permitir que o entrevistado faça uma

narração bem ampla e detalhada (Jovchelovitch & Bauer, 2002). Nessa pesquisa, foi utilizada

a seguinte pergunta:

Quando o entrevistado inicia a narração, o entrevistador não deve fazer comentários, a

não ser pequenos sinais não verbais que indiquem que ele está prestando atenção e

entendendo o que está sendo dito. Algumas anotações podem ser feitas pelo pesquisador,

como por exemplo, perguntas a serem feitas posteriormente (Jovchelovitch & Bauer, 2002).

Após o final da narração se inicia a fase de questionamentos, momento em que se

fazem algumas perguntas que elucidam possíveis dúvidas do pesquisador, acrescentando

assim, mais material além do que já foi trazido. Nesse momento o entrevistador deve evitar

perguntas do tipo “Por que?”, afim de evitar racionalizações por parte do entrevistado, assim

como também deve evitar apontar contradições na fala do entrevistado (Jovchelovitch &

Bauer, 2002).

Pedimos a sua colaboração, para nos contar com detalhes como foi a

vivência do parto, desde a decisão de ter o parto domiciliar planejado ainda na

gravidez, os momentos do trabalho de parto (domiciliar ou não), assim como

outros aspectos que você julgue importante destacar.

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36

Após a entrevista será feita a transcrição, que se constitui como uma fase muito

importante, pois novas compreensões sobre a entrevista surgirão. A transcrição pode ser feita

literalmente ou não, essa decisão irá depender da necessidade da pesquisa (Jovchelovitch &

Bauer, 2002).

É importante registrar algumas emoções que são percebidas na transcrição, assim

como risos, choro, alteração no tom de voz, dentre outros.

É fundamental que o próprio pesquisador realize a maioria das transcrições, não

delegando essa função para outras pessoas. Caso isso seja necessário, é interessante buscar

garantir a qualidade da transcrição (Jovchelovitch & Bauer, 2002).

b) A oficina com uso de cenas e brasões

A oficina foi realizada com o intuito de aprofundar as narrativas objetivando uma co-

construção de saberes. No encontro onde realizamos a entrevista narrativa, as participantes

foram convidadas para em um momento posterior participarem da oficina.

As oficinas derivam de uma experiência norte-americana do workshop, traduzida pelos

hispanos como tallere e para o português como “oficinas”. Segundo Paiva (2000), é um

recurso bastante utilizado em encontros que têm como objetivo a co-construção de saberes.

Além disso, a autora elucida que são ferramentas para conscientização, ação, invenção e

circulação de repertórios discursivos (e não-discursivos) de grupos e indivíduos, que podem

resultar em mobilização individual e social para promoção da saúde.

Paiva (2005) ao argumentar sobre a utilização de cenas como recurso para pesquisa,

ressalta que a análise de narrativas dos participantes por meio da cena oferece “um

testemunho da experiência nas próprias palavras do sujeito, neste caso, sob o calor do

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acontecimento, sem grandes elaborações racionais, a qual é altamente relevante para as

abordagens de pesquisa qualitativa” (p. 5).

Para Nogueira da Silva (2006), a utilização de recursos que promovem situações em

que a pessoa projeta seus desejos, medos, expectativas – como é o caso do uso de fantasias

dirigidas ou “cenas” – oportuniza uma melhor incursão no universo subjetivo e intersubjetivo

dos entrevistados. A autora ainda pontua que as oficinas propõem um compartilhar de

informações, visando a criação de ambiente descontraído que facilita o envolvimento de todos

no processo. Nelas são realizadas dramatizações, ou construções imaginárias de algumas

situações.

Para a construção deste enredo, a utilização de cenas possibilitou a vivência das

participantes acerca de situações diferentes das que elas vivenciaram em seus partos. Na

oficina foi pedido à participante que conseguiu realizar o parto domiciliar planejado, que

imaginasse uma cena de como seria um parto humanizado bem-sucedido no hospital. E para

as mulheres que não conseguiram realizar o parto no domicílio, foi pedido que elas

imaginassem uma cena de como seria um parto humanizado bem-sucedido em casa. Em

seguida, cada participante escreveu detalhadamente a respeito da cena imaginada e

posteriormente todas compartilharam suas cenas construídas.

Com a realização da cena foi possível adentrar em alguns objetivos da pesquisa: Os

motivos que levaram essas mulheres a decidirem pelo parto domiciliar, a concepção dessas

mulheres a respeito do que consideram ser um parto humanizado, os sentimentos vivenciados

durante o parto e os significados do processo de parir. As cenas possibilitaram despertar e

mobilizar sentimentos, medos, expectativas e projeções vivenciadas por nossas protagonistas.

Na oficina foi realizada também a construção do Brasão do Parto. O Brasão utilizado

nessa pesquisa teve inspiração na técnica do Brasão utilizado na pesquisa de Salgado (2010),

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no qual a autora fez uma readaptação do brasão projetivo de André de Peretti, Pascal Galvani

e Américo Sommerman.

O Brasão era utilizado como um método de animação e formação de grupos por André

de Peretti em 1986. Ele propunha a criação de um brasão pessoal e desse modo construiu um

brasão com 7 espaços para serem preenchidos com desenhos ou respostas escritas de forma

sucinta. O brasão se remete então, às características pessoais de quem o constrói (Salgado,

2010).

O brasão possui uma forma similar a um coração com suas quatro câmaras,

representando então a figura emblemática do coração da pessoa, remetendo então aos

diferentes níveis do sujeito (Salgado, 2010).

No âmbito do estudo de Salgado (2010) e em nossa pesquisa as participantes

escreveram em cada quadrante do brasão as características essenciais vivenciadas no parto e a

expressão individual nos níveis corporal, emocional, mental e espiritual.

Cada quadrante do brasão continha uma orientação para o preenchimento, com o

pedido de uma frase que expressasse o parto, um espaço para desenhar uma imagem que

representasse o parto e os demais quadrantes para descrever as sensações corporais,

pensamentos, sentimentos e intuições. Por fim, havia um último quadrante onde não continha

um direcionamento, mas sim um espaço de livre expressão da mulher, possibilitando expor o

que sua criatividade e intuição permitissem (Salgado, 2010).

Após a construção, cada colaboradora compartilhou com o grupo a apresentação de

seu brasão. Nesse momento, foi possível aprofundar principalmente o objetivo da pesquisa no

qual tratamos a respeito dos sentimentos vivenciados durante o parto assim como os

significados do parir.

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3.2.3. Tratamento e análise das narrativas

Para análise das narrativas da entrevista e da oficina com uso de técnicas projetivas

(cenas e brasão), recorremos à hermenêutica gadameriana, utilizando-se o método de

interpretação de sentidos.

A hermenêutica tem como um de seus preceitos a compreensão do todo a partir das

partes e das partes a partir do todo. Através de leituras exaustivas e repetidas, se ampliam

unidades de sentido pela concordância das partes singulares com a totalidade compreensiva

(Gadamer, 1960/2002). Esse autor trouxe o conceito da “fusão de horizontes”, mostrando que

a compreensão acontece a partir do diálogo, desse modo os horizontes dos sujeitos se fundem

em busca da compreensão do discurso, que está além das palavras, ações e gestos, pois se

constitui na relação entre eles (Gadamer, 1960/2002).

Os seguintes caminhos são trilhados na análise das narrativas:

(a) Leitura compreensiva, visando impregnação, visão de conjunto e apreensão das

particularidades do material da pesquisa;

(b) Identificação e recorte temático que emergem dos depoimentos;

(c) Identificação e problematização das ideias explícitas e implícitas nos depoimentos;

(d) Busca de sentidos mais amplos (sócio-político-culturais), subjacentes às falas dos sujeitos

da pesquisa;

(e) Diálogo entre as ideias problematizadas, informações provenientes de outros estudos

acerca do assunto e o referencial teórico do estudo;

(f) Elaboração de síntese interpretativa, procurando articular objetivo do estudo, base teórica

adotada e dados empíricos.

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Por meio da análise das narrativas constroem-se categorias temáticas que envolvem os

objetivos do trabalho, as questões do roteiro de entrevista e as respostas, estruturando-se

assim os capítulos.

a) Processo de construção das categorias temáticas e dos capítulos

Ancorada na hermenêutica gadameriana, construímos as categorias temáticas, a partir

da articulação dos objetivos do trabalho, com as narrativas tecidas nas entrevistas e na oficina

por meio das cenas e brasões compartilhados.

O quadro sintético analítico a seguir tenta ilustrar a construção do processo de

configuração das categorias temáticas. As narrativas não foram inseridas, em decurso de ser

uma grande quantidade inviabilizando a sua apresentação nesse espaço.

Tabela 2

Processo de construção das categorias temáticas e dos capítulos

Objetivos

específicos

Questões

do

roteiro / cenas

/ brasões

Unidades de

sentido

Eixos

temáticos ou

categorias

Capítulos

Identificar o

conceito das

mulheres

sobre o parto

humanizado

O que você

considera ser

um parto

humanizado?

Respeito

Acolhimento

Protagonismo

Evidências

científicas

Evento social

e familiar

Ter um parto

respeitoso

A mulher ser

protagonista

Parto baseado

em evidências

científicas

Parto como

evento social e

familiar

5. A ESCOLHA PELO PARTO

DOMICILIAR PLANEJADO: ENTRE

O DESEJO DE UM PARTO

HUMANIZADO AOS MEDOS E

APOIOS

5.1. A busca pelo parto domiciliar

planejado: Uma questão de cuidado

humanizado

5.2. Parto Humanizado: Uma questão

de respeito e acolhimento ao

protagonismo das mulheres

5.2.1. Respeito e acolhimento às

escolhas das mulheres

5.2.2. Respeito às evidências científicas

5.2.3. Respeito à compreensão do parto

como um evento da família

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41

Investigar os

motivos que

levaram as

mulheres a

decidirem

pelo parto em

casa

Quais motivos

te fizeram optar

pelo parto

domiciliar

planejado?

O que você acha

que foi

fundamental

para conseguir o

parto em casa?

Cesárea

Violência

obstétrica

Medos

Intervenções

desnecessárias

Conhecimento

O apoio do

companheiro

Gestação

saudável

Equipe

voluntária

Experiência

negativa com

cesárea

Medo de

intervenções

no hospital e

violência

obstétrica

Conhecimento

adquirido

5.3. Das frustrações e medos

5.3.1. A frustração da cesárea

5.3.2. O medo da violência obstétrica e

das intervenções desnecessárias

5.3.3. O segredo familiar

5.4. Dos apoios a decisão pelo parto

domiciliar planejado

5.4.1. Parto não é doença

5.4.2. O apoio dos companheiros

5.4.3. O convite da parteira

Investigar as

dificuldades e

limitações

enfrentadas

pelas

mulheres ao

decidirem

pelo parto

domiciliar

planejado

Você enfrentou

dificuldades

para conseguir o

parto

domiciliar? Se

sim, quais?

Medos

Profissionais

de plantão

Dificuldade

financeira

Posição do

bebê

Bebê não estar

pronto

Dificuldade

financeira

Medo da

equipe

plantonista

Medo do bebê

não estar

pronto

6. OS PREPARATIVOS PARA A

BOA HORA

6.1. Os medos da hora H

6.1.1. O medo da equipe plantonista

6.1.2. A posição do bebê

6.1.3. O financeiro: Pedra no caminho

6.2. A procura da equipe ideal: Quem

vai aparar

6.2.1. Quando as aparadeiras são as

parteiras

6.2.2. Quando as aparadeiras são as

enfermeiras e a obstetriz

6.2.3. Quando a aparadeira é uma

midwife

6.2.4. Doula, a que ampara a mulher:

Uma escolha movida pelo afeto

Identificar os

sentimentos

vivenciados

durante o

parto e os

significados

do processo

do parir

Quais os

sentimentos e

emoções

sentidas durante

o seu parto?

Quais recursos

você utilizou

para lidar com

as dores que

surgiam?

Intenso

Forte

Problemas

emocionais

Massagem

Banheira

Bola

Mural

Yoga

Muitas as

dores

A Dor física

Dor emocional

Recursos

diversos para

acalmar

A invasão da

dor emocional

A

ambivalência

7. CHEGOU A HORA: A VIVÊNCIA

DO PARTO

7.1. O parir e seus significados pelos

brasões dos partos de nossas

protagonistas

7.2. São muitas as dores do parto

7.2.1 A força da dor física

7.2.2. Recursos para um cuidar

acalmando

a) Banho de chuveiro/banheira

b) Respiração e yoga

c) Massagem

d) Música

e) Mural com fotos e frases

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Preocupação

com os outros

Mãe e

aconchego/

ambivalência

Os outros

como platéia

Solidão

e o desejo de

aconchego das

mães

Olhar dos

outros:

excesso e falta

7.2.3. Quando as dores emocionais

invadem a cena do parto

a) A ambivalência e o desejo de

aconchego das mães

b) O olhar dos outros: Entre o excesso

e a falta

Identificar se

a vivência do

parto se

configurou

como uma

experiência de

humanização

do parto

Você considera

que o seu parto

foi

humanizado?

A assistência

dos

profissionais

correspondeu às

suas

expectativas?

Qual o

aprendizado a

partir da sua

experiência que

pode ser

ensinado sobre

parto

humanizado

para outras

mulheres? Dê o

seu recado!

Respeito

Protagonismo

Carinho

Abandono

Intervenções

desnecessárias

Violência

obstétrica

Superação

Excedeu

expectativas

Falta de apoio

Informação

Empoderar-se

Cuidar de si

primeiro

Protagonistas

Apoios

Dores

invadem

Cuidado

emocional

Responsabiliz

ar-se

Aceitar / lidar

/ entregar-se a

dor

Parto

humanizado é

respeito e

acolhimento

Práticas

desumanizada

s

Respeito até

certo ponto

O parir-se e o

encontro com

o sagrado

feminino

Simbolismos

espirituais:

Parir-se,

renascer, parte

da natureza

Amparar as

dores

emocionais

Pré natal

psicológico e

o resgate das

dimensões

espirituais

8. OS APRENDIZADOS /

ENSINAMENTOS

DEMASIADAMENTE HUMANOS

8.1. Sobre o cuidar humanizado

8.1.1. “Sim, eu fui respeitada”: a

vivência do cuidado humanizado

8.1.2. “Não, foi até um ponto”: O

encontro com a violência obstétrica

8.1.3. Sim, fui respeitada: Entre um

cuidado humanizado e práticas

invasivas

8.2 Sobre o parir-se: O encontro com a

espiritualidade feminina no lidar com

suas dores

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3.2.4. Análise de riscos e medidas de proteção

Caso ocorresse durante a operacionalização metodológica da pesquisa algum risco de

desencadeamento de algum processo de ordem-emocional que já estava latente, foi garantido

às participantes o encaminhamento a algum Serviço de Psicologia adequado, bem como a

própria pesquisadora, por ser psicóloga clínica, tinha condições de oferecer um acolhimento e

suporte terapêutico inicial. Foi percebido no final das entrevistas e da oficina, que

compartilhar as experiências de seus partos trouxeram para as colaboradoras sentimentos de

satisfação.

3.2.5. Aspectos éticos

Durante a realização da pesquisa, foram tomadas as precauções necessárias para

garantir e respeitar os direitos e a liberdade dos sujeitos pesquisados. As colaboradoras foram

informadas sobre os objetivos e o desenvolvimento da pesquisa, dando a elas a escolha em

participar da pesquisa, garantindo-lhes, ainda, o direito de, após consentirem em participar, se

retirar da pesquisa a qualquer momento. Foi respeitado o tempo necessário à reflexão

individual e garantido o anonimato das informações e depoimentos dos indivíduos. Foi

firmado o compromisso de seguir as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de pesquisa

envolvendo seres humanos do Conselho Nacional de Saúde (2012) em todos os seus aspectos

e garantimos, incondicionalmente, a publicação dos resultados e o uso exclusivo para

finalidade desta pesquisa.

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O presente estudo foi submetido à comissão de ética para análise de projetos de

pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e aprovado sob o parecer

de número 1.584.756.

3.2.6. O piloto da pesquisa

O piloto da pesquisa foi realizado com o objetivo de averiguar se os instrumentos

necessitavam de ajustes e alterações para que o acesso às narrativas ocorresse da melhor

forma. Assim, realizamos uma entrevista com uma colaboradora por conveniência: ela soube

da pesquisa e se voluntariou a participar. Trata-se da irmã de uma pesquisadora que dissertou

sobre “O (Re)Encontro com a espiritualidade feminina na gestação e no parto: Significados e

implicações para um cuidado humanizado”, e que também é militante do Movimento pela

Humanização do Parto e Nascimento em Natal. Marcamos então, por opção dela, o encontro

em sua residência em horário definido por ela.

O piloto foi realizado obedecendo aos critérios de inclusão (já mencionados), a

entrevista foi gravada e transcrita. A participante assinou o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE) assim como o Termo de Autorização para Gravação de Voz.

Na época da pesquisa ela havia vivenciado seu parto domiciliar planejado há 11

meses. O nosso encontro durou aproximadamente duas horas, ela relatou sua experiência

falando abertamente sobre a sua decisão de ter o parto em casa e a vivência do parto em si,

permeada de profundos momentos de entrega e autoconhecimento.

Na oportunidade foi possível perceber a adequação da entrevista narrativa e exercitar

como usar possíveis perguntas para o aprofundamento (pré-roteiro).

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3.2.7. A realização do campo da pesquisa

Após a realização da primeira etapa do piloto, a colaboradora nos indicou uma mulher

que também havia vivenciado o parto domiciliar planejado e poderia ser uma das participantes

da pesquisa. Entramos em contato com a mesma e ela se prontificou imediatamente a

colaborar com a pesquisa, desse modo, marcamos um encontro também em sua residência,

como ela preferiu.

Para preservar a identidade de nossas participantes, elas serão chamadas por nomes de

flores, cada colaboradora receberá o nome correspondente ao significado da flor de acordo

com o que foi mais marcante nelas para mim durante o nosso encontro. A colaboradora do

piloto da pesquisa será chamada de Gardênia, flor que representa a sinceridade.

Após a inserção no campo entrevistamos Girassol, flor que dentre um de seus

significados representa a força. Na época da entrevista, Girassol havia vivenciado seu parto

domiciliar planejado há 5 meses.

Depois da entrevista com Girassol, ela nos indicou outra possível colaboradora da

pesquisa que teve seu parto domiciliar planejado há 11 meses. Nessa pesquisa ela será

chamada de Dália, flor que representa a delicadeza.

A pesquisadora já tinha o conhecimento, através de amigos em comuns, de outra

possível colaboradora que planejou o PDP porém teve como desfecho final um parto em

maternidade. Foi realizado então o convite para sua participação na pesquisa, dando início

assim às entrevistas com as mulheres que não conseguiram vivenciar a experiência do PDP,

sendo então Margarida a primeira a ser entrevistada. Na época da entrevista, Margarida havia

vivenciado seu parto há 3 anos.

Girassol nos indicou também outra possível colaboradora que planejou vivenciar o

parto em casa mas teve como desfecho final uma cesárea. O contato e convite foram feitos e

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ela se prontificou de imediato em contribuir com nosso estudo. Na época da entrevista

narrativa, ela havia vivenciado sua experiência há 5 meses e aqui será chamada de Flor de

Lótus.

Após a realização de todas as entrevistas narrativas foi realizado a oficina com o uso

de cenas e brasões. Todas as colaboradoras da pesquisa foram convidadas a participar desse

momento e aceitaram o convite. A pesquisadora sugeriu um dia e horário que fosse possível

para todas e assim ficou combinado.

Porém, no dia da oficina, duas delas não puderam participar. Fato que não

comprometeu, uma vez que é previsto a possibilidade da oficina ser realizada quando há uma

representação significativa dos colaboradores, correspondente a metade do total. Participaram

desse momento Gardênia, Margarida e Flor de Lótus.

No primeiro momento da oficina realizamos uma apresentação informal para que as

colaboradoras pudessem se conhecer e fizemos um momento de relaxamento. Em seguida, foi

lido para elas a cena 1 e cena 2 e entregamos um papel para que elas pudessem escrever sobre

aquela cena imaginária, sendo essa cena uma representação imaginária de acordo com a

vivência de cada uma.

Gardênia recebeu a cena 1 (imaginar como seria a vivência de um parto humanizado

no hospital), e Margarida e Flor de Lótus receberam a cena 2 (imaginar como seria um parto

humanizado em casa). Após alguns minutos, quando todas finalizaram a escrita,

compartilhamos em grupo como foi para cada uma imaginar e criar essa cena.

O segundo momento da oficina foi a criação de um brasão do parto. Cada participante

recebeu uma folha contendo o brasão com cinco espaços a serem preenchidos: uma frase para

descrever o seu parto; uma imagem ou símbolo para expressar o seu parto; pensamentos e

sensações corporais durante o seu parto; sentimentos e intuições durante o seu parto e um

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quadrante livre para escrever ou desenhar o que cada uma quisesse. Após a construção do seu

brasão, as participantes compartilharam com o grupo como foi essa experiência.

A oficina foi um momento bastante rico em que foi possível aprofundar conteúdos das

entrevistas narrativas. As colaboradoras demonstraram bastante satisfação em poder relembrar

suas experiências e comentaram que a oficina possibilitou despertar nelas pensamentos a

respeito das suas vivências que elas não tinham tido até aquele momento.

3.2.8. Apresentando nossas colaboradoras

Temos um segredo em nossa cultura.

E não é que o parto dói, é que as mulheres são fortes.

(Laura StavoeHarm)

a) Gardênia, 32 anos, 2 filhos, parto planejado e realizado no domicílio

E, naquele jardim,

daquele botão, nasceu doce e

serena, uma linda flor de Gardênia.

(Maria Inês Souza)

“Gardênia” recebeu o nome dessa flor que representa a sinceridade por nos transmitir

esse sentimento em nosso encontro. Uma mulher forte, decidida, que sabia muito bem desde o

início da gestação o que ela desejava para si e sua filha.

Diferentemente da primeira gravidez, há cerca de 16 anos atrás, quando tinha apenas

15 anos e vivenciou uma cesárea desnecessária, Gardênia decidiu viver uma nova história na

segunda gestação. E apesar de ser uma gravidez não planejada, a partir do momento que

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decidiu levar a gravidez adiante ela se manteve firme na opção pelo parto domiciliar

planejado, buscando se preparar de várias formas.

Em seu relato, Gardênia falou de suas expectativas, dores, medos e alegrias de forma

extremamente espontânea, detalhada e clara. A sinceridade de suas palavras nos leva a

imaginar o momento de seu parto, a intensidade de todo o processo, despertando no

sentimento as dores, o brilho e encanto que um nascimento pode proporcionar.

Gardênia pôde contar com o apoio incondicional não apenas de seu companheiro, mas

também de familiares e alguns amigos próximos. No seu parto estiverem presentes várias

mulheres de sua família, como algumas irmãs e sua mãe.

b) Girassol, 32 anos, 2 filhos, parto planejado e realizado no domicílio

Ela carregava em suas mãos um Girassol.

Eu observava toda aquela beleza

que iluminava mais que o sol.

(Rodrigo Palauro)

Girassol foi nossa segunda participante no estudo e recebeu esse nome pois essa flor

representa, dentre seus significados, a força. Girassol é uma mulher alegre, viva, bastante

comunicativa e que me transmitiu durante nosso encontro a força dela durante sua vivência do

parto domiciliar planejado.

Na primeira gestação, Girassol já desejava um parto normal, mas infelizmente não

pôde ter essa experiência já que não entrou em trabalho de parto no tempo indicado pela

médica, passando assim por uma cesárea.

Logo no início da segunda gestação, ela buscou informação e profissionais que

pudessem auxiliá-la na realização de seu desejo e pôde também contar com o grande apoio de

seu companheiro.

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O relato de Girassol é extremamente bonito, leve e demonstra todo seu

empoderamento, felicidade e realização durante a vivência de seu parto. Ela relata sim dores,

mas acima de tudo o prazer em passar por aquela experiência.

Sua experiência foi tão rica e significativa que ela demonstra o desejo de incentivar de

diversas formas outras mulheres que queiram vivenciar o parto domiciliar planejado, inclusive

utilizando sua profissão para isso. Girassol é produtora audiovisual e vem trabalhando em um

projeto de registro e divulgação do trabalho da parteira que a acompanhou em seu parto.

Sobre sua experiência e a vontade de ajudar outras mulheres, ela diz:

Hoje eu tô super satisfeita, enfim, foi maravilhoso, sempre que eu puder... Tudo que

eu puder fazer pra influenciar outras mulheres a se empoderarem pra garantir também

um parto humanizado e gostoso como foi o meu... porque eu não digo “Ah meu Deus,

eu sofri 19 horas”. Não! Foi tão bom que eu quero ter outro. Eu quero passar por isso

de novo. Muito mesmo.

c) Dália, 34 anos, 2 filhos, parto planejado e realizado no domicílio

Entre as prendas com que a natureza

alegrou este mundo onde há tanta tristeza,

a beleza das flores realça em primeiro lugar.

Abram alas pra Dália garbosa, da cor mais vistosa,

do grande jardim da existência das flores.

(Vinícius de Moraes)

Dália é a flor que representa a delicadeza e foi essa uma das características que eu

pude sentir no meu encontro com ela. Além de delicada, Dália transmite serenidade, doçura e

garra, uma mulher muito empoderada de seus desejos e disposta a viver a experiência de seu

parto da melhor forma possível.

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Dália também passou por uma cesárea na sua primeira gestação e tinha muita vontade

de parir. Ela considerava que não havia vivenciado, não havia completado todas aquelas

sensações que ela considerava da maternidade e desejava mudar essa história.

Ela se preparou desde o início da gestação para vivenciar seu parto domiciliar

planejado e cuidou dos mínimos detalhes como a preparação da casa e os recursos que queria

utilizar durante o trabalho de parto. Dias antes do parto, se sentiu aflita se daria tudo certo,

pois parecia que ia entrar em trabalho de parto, mas o trabalho de parto não engrenava de

verdade. No fim, tudo aconteceu da forma esperada e ela pôde vivenciar uma experiência

considerada por ela como a mais forte de sua vida.

Seu companheiro foi seu grande apoio em todo esse percurso e como ela mesma

relatou, ele se empoderou tanto que se tornou um militante a favor do parto humanizado.

d) Margarida, 32 anos, parto planejado no domicílio porém não realizado

É margarida colorida

Mas na intensidade é rosa

Sim, essa sou eu

Despindo-se da mulher contraditória

A que tem a fortaleza no coração

E a fragilidade do mesmo

Aquela que é mais sonho que realidade.

(Autor desconhecido)

Margarida me transmitiu em nosso encontro uma sensação de inocência e por isso

recebeu esse nome. A inocência sentida aqui diz respeito ao que ela imaginava em relação ao

seu parto na época em que estava grávida. Diferentemente das demais colaboradoras do

estudo, ela só foi saber o que era um parto domiciliar planejado aos 8 meses de gestação.

Ela não pôde fazer um planejamento como as outras participantes. A equipe da

parteira e das doulas se voluntariaram para acompanhá-la, algumas amigas se dispuseram a

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ajudá-la com alguns itens da organização, como o local para o parto, dinheiro para compra de

alguns materiais, etc. Mas de fato, Margarida não pôde se preparar psicologicamente para a

forte experiência que ela viveria.

Ela relata que achava que tudo ocorreria bem, mas foi completamente diferente do que

ela imaginou. Alguns incômodos e contratempos surgiram no seu processo de trabalho de

parto e ela precisou ser removida para um hospital para seu bebê nascer.

Margarida também foi a única participante da pesquisa que não pôde contar com o

apoio de um companheiro, já que na época da gestação ela não estava mais se relacionando

com o pai da criança.

Hoje, após a vivência dessa experiência, Margarida revela seu desejo de em uma

próxima gestação planejar tudo com calma desde o início e se preparar de uma maneira mais

tranquila, contando também com o apoio de um companheiro. Margarida como a flor que se

fecha a noite para abrir outra vez quando o sol nasce, vai buscar desabrochar condições para

seu sonho se tornar realidade.

e) Flor de Lótus, 33 anos, parto planejado no domicílio porém não realizado

Sou como a Flor de Lótus

Na lama fiz fortalecer minha raiz

No escuro dessa água eu vi

A beleza da essência esquecida.

(Autor desconhecido)

Em nosso encontro, Flor de Lótus me transmitiu satisfação, tristeza e arrependimento

com a sua experiência de parto, mas também a capacidade de enxergar alguma beleza em sua

travessia, quando ressalta momentos bons na vivência do trabalho de parto em casa, apesar da

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tristeza e arrependimento por ser submetido a uma cesárea mesmo estando com 10 cm de

dilatação.

Ela planejou muitos detalhes para o dia de seu parto, tinha uma equipe bem preparada

e o apoio de sua família e do companheiro. Em seu relato ela diz que algo travou no seu

trabalho de parto e ela passou a negar tudo, queria apenas ir para o hospital receber analgesia.

Relata que após o nascimento de sua filha passou alguns dias triste, chorando e elaborando

sua experiência, que havia sido completamente diferente do que ela imaginou.

Flor de Lótus é profissional da área de obstetrícia, trabalha em maternidade e tem um

amplo conhecimento sobre a temática. Conforme ela disse “Eu tinha a faca e o queijo na

mão”. A sensação revelada por ela com sua experiência é “Nadei, nadei e morri na praia.”

Mas bravamente e belamente ela aposta em construir outro parir no futuro.

Após a apresentação de nossas colaboradoras, a fim de compreender o parto em seu

sentido histórico, faremos um breve percurso teórico sobre o parir, entendendo sua concepção

desde os primórdios da humanidade, passando pelo processo de institucionalização e a busca

do resgate de um cuidado focado na humanização, para nos capítulos seguintes nos

debruçarmos no diálogo com as narrativas de nossas colaboradoras conhecendo com mais

detalhes a vivência de cada uma delas, tentando adentrar no universo dos significados dados

às experiências de seus partos.

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4. O parir: entre rituais, institucionalização, e (des) humanização do nascer

Como institucionalizar algo que pertence

à vida afetiva, emocional e sexual?

Como institucionalizar como doença

um ato fisiológico e natural?

(Carneiro)

Ao longo do tempo e de acordo com as diversas tradições e culturas, o parto teve

significados misteriosos, espirituais e ligados à natureza.

Em algumas tribos indígenas, para algumas mulheres xamãs, o parto era visto como

uma iniciação espiritual e a gravidez como uma preparação para esse momento (Tedlock,

2008).

As mulheres egípcias, indianas e mesopotâmias, tanto grávidas, quanto as jovens e

férteis, se preparavam para a gestação e o parto em cultos com danças sagradas (Penna, 1993).

De acordo com Dierichs (2002) na Grécia antiga e no Império Romano, as mulheres

pariam nas mais diversas posições: sentadas, agachadas, ajoelhadas, em pé, no colo de algum

ajudante, e assim por diante. Elas agiam de acordo com a intuição e o conhecimento que

possuíam sobre o nascimento.

A cadeira obstétrica, que permite a posição vertical da gestante vem da cultura

babilônica, e a maioria das mulheres antigamente utilizavam a posição vertical durante o

parto, conforme afirmam Sabatino, Dunn e Caldeyro-Barcia, (2000, como citado por

Dallemole & Melo, 2007).

Segundo Metz-Becker (1999, como citado por Dallemole & Melo, 2007), as cadeiras

de parto, amplamente empregadas na Europa, variavam de modelo de acordo com a condição

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financeira da gestante, sendo a das mulheres ricas com pedras preciosas e os banquinhos

simples utilizados pelas que não tinham muitas condições.

A primeira mulher que se deitou para dar a luz segundo o registro histórico foi

Madame de Montespan, amante de Luís XIV, que pariu dessa forma pra que ele pudesse

assistir o parto por detrás de uma cortina (Balaskas, 2012).

As pesquisas de etnólogos confirmam que qualquer que seja a raça ou tribo pesquisada

(americana, africana, asiática, etc) as posições verticais para o parto sempre predominaram,

tendo uma grande variedade de apoios para se sustentar em tais posições (Balaskas, 2012).

Atualmente, diversos estudos comprovam que utilizar as posições verticais trazem

muitas vantagens fisiológicas para o parto. O canal do parto, por exemplo, pode aumentar em

30% quando a mulher passa da posição deitada para a posição de cócoras, facilitando assim a

saída do bebê. Na posição supina, o peso do útero reduz o fluxo de sangue da grande artéria

(Balaskas, 2012).

Até o século XVIII, o parto era considerado um evento de mulheres, sendo assistido

por parteiras e mulheres próximas que já haviam passado por essa experiência. As mulheres

que auxiliavam durante o parto eram pessoas reconhecidas nas comunidades em que viviam

pelo saber que detinham sobre a prática. Esse conhecimento era transmitido de forma oral de

geração em geração, geralmente de mulher para mulher dentro das próprias famílias e estava

diretamente ligado à empiria, ou seja, à prática. (Melo, 2013)

Os partos iniciavam-se de forma natural e diversos rituais eram realizados durante o

trabalho de parto de acordo com a cultura local, como a utilização de chás, ervas, massagens e

rezas (Melo, 2013). Havia uma ligação direta do nascimento com a religiosidade e a natureza,

de modo que plantas, animais, minerais, amuletos e talismãs estavam presentes como parte da

crença no processo de parturição. O nascimento era então considerado um evento misterioso e

que acontecia nas próprias casas onde as pessoas viviam (Menezes et al., 2012).

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A partir do advento do capitalismo houve um grande desenvolvimento da medicina na

Europa, que se consolidou como ciência no final do século XVIII. Nesse momento, o

positivismo das ciências naturais que imperava naquele momento se instaurou trazendo

consigo alguns “conceitos” incorporados à prática médica: A linearidade, a racionalidade, o

reducionismo, a objetividade e a neutralidade. Com isso, a subjetividade passou a ser

desconsiderada em nome da neutralidade científica, a fim de garantir o modelo de

cientificidade tida como sinônimo de verdade (Nogueira da Silva, 2004; 2006; Nunes &

Pelizolli, 2013).

Esse modelo de racionalidade científica foi bastante radicalizado pela Medicina. O

corpo passa então a ser o grande interesse dessa ciência, passando a ser visto de forma

fragmentada, trazendo um olhar mecanicista e biológico sobre os processos saúde-doença.

Essa fragmentação proporciona o surgimento das especialidades e a introdução da tecnologia

(Martin, 2004).

A doença nesse período é vista como algo que precisa ser imediatamente

diagnosticado, curado e eliminado. O doente, e sua subjetividade, no entanto, passa a ser

“esquecido”, criando uma relação médico-paciente vertical (Guedes, Nogueira, & Camargo,

2006).

Nesse momento, também a medicina se consolida como uma prática de controle

social do Estado, visando criar um padrão de como as pessoas devem ser e se comportar,

agindo então como uma biopolítica que disciplina e padroniza (Nunes & Pelizolli, 2013).

Com a medicina agindo como uma prática de controle social, a partir da necessidade

do controle da população, ela passou então a se interessar pela obstetrícia, incorporando-a

(Menezes et al., 2012). A partir disso, o corpo e os processos fisiológicos e reprodutivos

também passaram a sofrer interferências, assim como o parto, a menstruação e a menopausa

que passaram a ser alvo de controle e intervenções médicas (Vieira, 2002).

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No século XIX, conforme afirma Metz-Becker (1999, como citado por Dallemole &

Melo, 2007) cresciam as casas de accouchment que existiam para preparar médicos e

parteiras. Nessas casas iam dar à luz mulheres grávidas solteiras que haviam escondido a

gestação e não tinham lugar para dar à luz. Muitas vezes os bebês dessas mulheres nasciam

em porões e logo em seguida eram mortos ou escondidos, porque a fornicação era proibida

por lei, e caso a mulher fosse descoberta teria que pagar 20 moedas de ouro ou ficar três

meses em reclusão, além de sofrerem castigos da igreja, onde eram amarradas num poste em

praça pública e açoitadas. As casas de “accouchment” recebiam então essas mulheres,

“livrando-as” desses castigos e em troca elas deveriam estar disponíveis para serem estudadas

pelos médicos e parteiras. Eles realizavam procedimentos extremamente invasivos e

dolorosos, como por exemplo, quando um professor criou um pelvimetro que era colocado na

vagina e deixava a mulher sentindo fortes dores, sangramento e dor ao urinar por diversos

dias. As mulheres serviam de modelo para as aulas durante todas as noites, quando apenas

seus rostos eram cobertos e o resto do corpo ficava visível para os estudantes passar os dedos

e examinar as genitálias.

Nesse período então, até as primeiras décadas do século XX, o hospital era utilizado

como local para parto somente para as mulheres solteiras ou desprovidas de apoio social e

financeiro. Nas décadas seguintes, em um movimento progressivo, as mulheres de classe

média e alta passaram a ser convencidas de que o hospital era o local ideal para parir (Castro,

2015).

Havia uma forte aliança entre o Estado e Igreja objetivando normatizar o

comportamento e trazer uma concepção de moral baseada em princípios religiosos,

construindo noções a respeito da procriação. A gravidez e o parto passaram então a ser vistos

como eventos com fins puramente reprodutivos e biológicos. A mulher passou a ser vista

apenas como um instrumento de reprodução para perpetuar a espécie (Del Priore, 1993).

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No Brasil, esse movimento vindo da Europa começou a repercutir no início do século

XIX, com a vinda da família Real e da fundação das Faculdades de Medicina do Rio de

Janeiro e Bahia. Nesse período, houve também o surgimento dos cursos de parto, desse modo,

além das parteiras, os médicos também passaram a ocupar o cenário do parto (Menezes et al.,

2012).

Apesar da introdução dos médicos na assistência ao parto, levou-se tempo até que eles

fossem aceitos pelas mulheres nesse contexto. As parteiras tinham maior aceitação social por

compartilharem do universo feminino, compreendendo melhor a intimidade e necessidades

das mulheres. De fato, as mulheres confiavam nas parteiras. Apenas em casos extremos de

necessidade de intervenção cirúrgica que os médicos eram chamados (Menezes et al., 2012).

Aos poucos, os médicos passaram a atender não somente partos complicados, mas

todos os partos no geral. A aceitação deles passou a ser maior com a introdução de

instrumentos de trabalho como o fórceps, desenvolvido pelo cirurgião inglês Peter

Chamberlain. A introdução do fórceps fez a obstetrícia ser vista como uma disciplina técnica,

científica e dominada pelo homem. As parteiras não tinham condições financeiras de adquirir

esse instrumento e eram consideradas inferiores no sentido intelectual, de modo que aos

poucos o papel delas acabou sendo ocupado pelos médicos (Menezes et al., 2012; Nagahama

& Santiago, 2005).

Desse modo, o significado do parto mudou, transformando-se em um evento médico,

arriscado e que precisa de muito controle devido à possibilidade de complicações. A visão que

se tinha do parto como um acontecimento que poderia ocorrer de forma natural, que era

restrito às mulheres, constituindo-se também num evento familiar e social foi perdida

(Sanfelice et al., 2014). Sanfelice & Shimo (2014) afirmam que “Essa forma de compreender

e assistir ao parto foi sendo incorporada às escolas médicas, caracterizando o fenômeno da

gestação/parto como um processo não mais ligado à saúde, e sim à doença” (p.159).

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Dessa forma, o modelo tecnocrático de assistência ao parto, baseado no emprego da

técnica, foi implementado. A partir daí, houve um esforço em legitimar o saber médico e

deslegitimar o saber tradicional das parteiras e mulheres, depreciando-as como ignorantes e

sem conhecimento suficiente para acompanhar o processo do parto, inclusive no que diz

respeito às noções de higiene (Menezes et al., 2012). Dessa forma, o Estado exigia e

regulamentava a atuação das parteiras, para combater suas práticas de aborto e infanticídio,

obrigando-as a convocarem os médicos durante os partos (Vieira, 2002).

É inegável que a evolução da medicina no que diz respeito à assepsia, anestesia,

cirurgia e antibióticos proporcionou uma maior segurança aos procedimentos hospitalares,

diminuindo assim os riscos dessa opção e aumentando as possibilidades de intervenção, como

o aumento no número de cesarianas. Dessa forma, a apropriação do saber médico e as práticas

médicas foram então fundamentais para que ocorresse a institucionalização do parto

(Nagahama & Santiago, 2005).

Após a segunda guerra mundial houve de fato a institucionalização do parto no Brasil,

momento em que a quantidade de partos hospitalares se tornou maior do que os partos

domiciliares (Menezes et al., 2012). A partir da institucionalização, normas e rotinas foram

sendo incorporadas, tais como: separação da família, remoção de roupas e objetos pessoais,

jejum, enema, dentre outros. Conforme afirmam Nagahama e Santiago (2005): “A atenção foi

organizada como uma linha de produção e a mulher transformou-se em propriedade

institucional” (p.656).

Aconteceu então, uma mudança não somente no local do parto, mas nas concepções da

sociedade. Esta também passou a ver o parto como algo perigoso, arriscado e que necessita de

intervenções médicas para que tudo ocorra bem.

De fato, para os partos de alto risco, a tecnologia e os avanços da obstetrícia são

extremamente importantes e fundamentais para garantir a saúde e a vida da mãe e do bebê. O

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que se questiona aqui é o excesso e o mau uso dessa tecnologia que muitas vezes acaba

desumanizando as ações de saúde e colocando em risco o processo do parto. Nesses casos,

falta o apoio emocional para a mulher, algo tão importante durante o processo de parturição

(Leão et al., 2013).

Além disso, a tecnologia utilizada na assistência ao parto proporciona a sensação de

que tudo está acontecendo de forma mais segura, e como o médico detém o poder sobre tal

tecnologia, ele passa a ser visto como o “ator” principal nesse cenário. Porém, o uso da

tecnologia vem recebendo críticas em estudos recentes, os quais comprovam que quando essa

tecnologia é utilizada de forma errônea, os resultados maternos e perinatais se tornam

adversos (Sanfelice et al., 2014).

Após a adoção do modelo tecnocrático de assistência ao parto, a mulher passou a ser

impedida de ter seus desejos atendidos e uma das representações mais fortes desse

impedimento pode ser observado na obrigação que ela passou a ter de parir em posição

ginecológica, ao invés dela mesma decidir em que posição se sente mais confortável.

É possível dizer que as mudanças na visão e assistência ao parto, trouxeram como

consequências a transformação da mulher de sujeito para objeto e a perda do protagonismo no

processo, portanto o cuidado dirigido a ela na gestação e no parto passou a ser objetificado

com práticas por vezes, desumanizadas, levando assim, à reflexão de tantos sobre o processo

de parir.

O movimento pela humanização do parto e nascimento busca resgatar valores e

quebrar paradigmas impostos ao longo do tempo que vem contribuindo para práticas

desumanizadas. Esse modelo humanístico propõe práticas não convencionais na assistência

obstétrica, questionando assim o modelo biológico-medicalizado, com influências também do

movimento feminista, de modo que esse movimento pertence às mulheres e aos profissionais

(Seibert, Barbosa, Santos, & Vargens, 2005).

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Falar sobre humanização requer uma reavaliação nesse conceito, visto que esse tema

já foi de certo modo banalizado através de práticas fragmentadas. Como política pública, a

humanização deve criar espaços de troca de saberes e construção coletiva (Benevides &

Passos, 2005).

Esse novo caminho para o cuidado propõe não somente a mudança na postura dos

profissionais, mas sim no modo de ser com o outro, abarcando também aspectos subjetivos

(Nogueira, 2013).

Para cada realidade, uma humanização é necessária e possível (Barbalho, 2015). Isso

nos leva a refletir sobre a delicadeza e os desafios desse tema. Esses desafios são teóricos e

metodológicos e focados na capacidade dos sujeitos de, quando mobilizados, transformarem

coletivamente a realidade e a si mesmos através da interação e do protagonismo (Benevides &

Passos, 2005).

Nessa proposta de humanização é fundamental a permeabilidade do técnico ao não

técnico, ou seja, o diálogo entre essas dimensões. A escuta, o acolhimento, aprender com a

vivência do outro, a capacidade de negociar e interpretar histórias são primordiais para

efetivar a humanização (Cotta et al., 2013).

Para a OMS, a humanização do parto é a adoção de um conjunto de procedimentos e

condutas que promovem um parto e nascimento saudáveis, respeitando o processo natural e

evitando condutas desnecessárias que possam causar risco para a mãe e o bebê (Santos &

Ozazaki, 2012).

Segundo Diniz (2005), o processo de humanização do parto no mundo se desenvolveu

através de vários movimentos em diferentes contextos: Inicialmente, na década de 50, através

do movimento na Europa conhecido como “parto sem dor”, o movimento hippie nos EUA e o

movimento feminista que tratou dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres.

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Na década de 70 tivemos as contribuições dos obstetras Michel Odent tratando sobre a

fisiologia do parto e as ideias de Frederick Leboyer sobre como deveria ser o tratamento a um

recém-nascido. Houve também discussões sobre o termo “humanização da assistência” nas

ciências sociais, as críticas de Roberto Caldeyron-Barcia ao publicar “Bases fisiológicas y

psicológicas para el manejo humanizado del parto normal” e discussões nas ciências da saúde

(Diniz, 2005).

Em 1979, algumas críticas da saúde pública foram dirigidas ao modelo tecnocrático,

sendo esse um importante passo ao falarmos de humanização do nascimento, já que foi criado

nesse período um comitê na Europa para diminuir a mortalidade materna e perinatal, com o

apoio da OMS. Através desse comitê foi realizado um estudo internacional a respeito da

assistência na gravidez, parto e puerpério, iniciando a formação dos conceitos da medicina

baseada em evidências (MBE), que atualmente dá base à prática dos profissionais

comprometidos com a humanização do parto. Os princípios da MBE buscam resgatar a

fisiologia do parto e a capacidade da mulher de parir muitas vezes sem precisar de nenhuma

intervenção (Diniz, 2005).

De acordo com Diniz (2005), nessa perspectiva há ainda um resgate na visão do corpo

feminino, que passa a ser visto como plenamente capacitado para dar à luz, sem riscos ou

prejuízos. O parto é visto não mais como algo ameaçador para a mãe ou bebê, pelo contrário,

passa a ser concebido como algo necessário para a vida fora do útero, uma preparação do

ponto de vista respiratório, endócrino e imunológico. Mais à frente, em 1996, após diversos

estudos realizados, a OMS publicou pela primeira vez algumas recomendações para a

assistência obstétrica direcionada às mulheres e aos profissionais. Tal documento da OMS

visa resgatar o protagonismo da mulher durante o parto, conforme afirmam Amorim, Araújo,

Severiano e Davim (2012): “Esse documento sugere modificações essenciais para a prática da

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obstetrícia, nas quais a parturiente deve adotar postura participativa, assim como os familiares

devem estar presentes em todo o processo” (p.62).

O processo da humanização do parto no Brasil começa a dar seus primeiros passos em

1970 no Nordeste e Sul através da atuação de profissionais inspirados nas práticas de parteiras

e índios, como por exemplo Galba de Araújo e Moisés Paciornick. Na década de 80, alguns

grupos em São Paulo e Pernambuco passam a oferecer assistência humanizada à gravidez e ao

parto (Diniz, 2005).

Um acontecimento decisivo para firmar as mudanças iniciadas aconteceu em 1993

com a fundação da Rede pela Humanização do Parto e do Nascimento (Rehuna), movimento

que se fundou especialmente para denunciar as condições em que as gestantes e seus filhos

eram submetidos ao nascer (Diniz, 2005).

A Rehuna passou a difundir as recomendações da OMS sobre nascimento,

organizando debates e eventos para discutir sobre a assistência ao parto. Seus membros

também organizaram a I Conferência Internacional sobre Humanização do Parto e

Nascimento realizada em 2000 que contou com a participação de 2000 pessoas e 26 países

(Rattner, 2009).

As ideias da saúde coletiva e do SUS também foram importantes para fortalecer os

novos ideais que surgiam. Além disso, houve uma forte participação das mulheres na busca

por mudanças na assistência obstétrica, e a partir da década de 90 a disseminação de

informações entre essas mulheres avançou muito utilizando-se da internet como meio de

comunicação para troca de experiências sobre as mudanças desejadas (Diniz, 2005).

Em 1994, surge a primeira maternidade pública no Brasil intitulada “humanizada”, a

maternidade Leila Diniz, e em 1998 foram criados prêmios para maternidades que buscassem

oferecer uma atenção humanizada, como o prêmio Galba de Araújo, que reconhecem

instituições de saúde que atendem pelo SUS e realizam práticas humanizadas. O prêmio visou

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incentivar os serviços de saúde a melhorarem suas práticas, e além do reconhecimento

recebido pela instituição, ela também recebe apoio financeiro para ampliar as boas práticas de

humanização. Ainda nesse ano, o Ministério da Saúde adotou algumas medidas para

incentivar o parto normal: aumentou em 160% o valor do pagamento do parto vaginal e

instituiu pagamento de analgesia do parto, dentre outras ações (Diniz, 2005; Rattner, 2009).

Em 1999, foi regulamento pelo Ministério da Saúde os Centros de Parto Normal, que

visavam incentivar e acolher as mulheres que buscavam o parto normal (Castro, 2015).

No ano 2000, o Ministério da Saúde também implantou o Programa Nacional de

Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PNHPN) e o Programa de Humanização de

Hospitais. Nesse mesmo ano, houve também a aprovação de leis estaduais e municipais com o

objetivo de garantir à gestante o direito ao acompanhante durante o parto. Em seguida, outras

iniciativas foram sendo criadas pelo governo, como as propostas de humanização ao recém-

nascido, abortamento, prematuridade e morte (Castro, 2015; Diniz, 2005).

Além disso, ainda em 2000, foi instituído o financiamento de cursos de especialização

em enfermagem obstétrica e a capacitação de parteiras tradicionais. Houve também a

publicação de materiais com normas técnicas sobre pré-natal, parto, urgências e emergências

obstétricas. As recomendações da OMS foram traduzidas, criou-se a agenda da gestante, a

cartilha dos direitos das gestantes e houve a distribuição de vídeos sobre humanização e

manuais técnicos (Rattner, 2009).

Um importante acontecimento em 2003 foi a implantação da Política Nacional de

Humanização (PNH) lançada pelo SUS com o objetivo de contribuir para realizar mudanças

nas práticas de saúde, diante da observação do despreparo dos profissionais em lidar com os

aspectos subjetivos do processo saúde-doença, além de buscar humanizar as práticas de

gestão. Dessa forma, a política convocou gestores, profissionais e usuários a se

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comprometerem com as novas diretrizes em um processo democrático e coletivo (Ministério

da Saúde, 2003; Pasche & Passos, 2010).

Em 2004, para capacitar e sensibilizar os profissionais que prestam atendimento ao

parto, o Ministério da Saúde realizou trinta Seminários de Atenção Obstétrica e Neonatal

Humanizada baseada em Evidências Científicas em todos os estados, onde participaram 1857

profissionais e 457 instituições de saúde. Ainda nesse ano, foi lançado o Pacto Nacional pela

Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, com o objetivo de conscientizar sobre a

gravidade desses problemas e buscar soluções para amenizar a situação de nosso país

(Rattner, 2009).

Algumas Organizações Não Governamentais e associações também contribuíram para

a difusão das ideias de humanização sobre parto e nascimento, tais como: “Amigas do Parto”,

“Parto do Princípio”, “Associação Nacional de Doulas” (ANDO) e a “Associação Brasileira

de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras” (ABENFO), dentre outras (Rattner, 2009).

Em 2011, o Ministério da Saúde implementou no SUS a Rede Cegonha, que consiste

em uma rede de cuidados com o objetivo de assegurar à mulher o direito ao planejamento

reprodutivo e uma assistência humanizada à gravidez, parto e puerpério. Essa rede visa

também garantir para a criança o direito a um nascimento seguro e um desenvolvimento e

crescimento saudáveis (Ministério da Saúde, 2011).

Podemos observar, então, que a humanização do parto em nosso país partiu de

diversos setores e interesses, conforme afirma Diniz (2005): “O movimento pela humanização

do parto no Brasil é um movimento de diversos, que se abriu, não sem conflitos, ao diálogo e

à interfecundação” (p.632).

Segundo Diniz, na assistência ao parto, a humanização está amplamente ligada aos

direitos das mulheres, de seus filhos e famílias. Nesse aspecto, a parturiente possui então o

direito de conhecer e decidir sobre alguns procedimentos durante o parto, direito de permitir

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ou não as intervenções feitas em seu corpo (exames de toque, episiotomia, etc), direito a ter

um acompanhante, dentre outros. Enfim, nessa perspectiva a mulher possui direitos sobre sua

vida e sua saúde como um todo (Diniz, 2005).

O Manual Maternidade Segura da OMS também preconiza que ações humanizadas

durante o trabalho de parto e parto incluem: acompanhamento do estado emocional e físico da

mãe; respeito ao direito da mulher à privacidade no local de parto; liberdade de deambular, se

locomover e escolher a posição que ela deseja permanecer durante todo o processo;

massagem; banho morno e técnicas para alívio da dor; ingestão de líquidos, assim como

também alojamento conjunto para a mãe e o bebê e orientações a respeito do aleitamento

materno (Amorim et al., 2012).

Diniz (2005) aponta também que a humanização diz respeito ao controle do uso de

intervenções durante o processo de parto, pois estudos apontam que o uso excessivo dessas

intervenções aumenta a mortalidade materna e neonatal. Diante disso, devem existir então,

razões válidas para se interferir sobre a fisiologia natural do parto. Além disso, a humanização

também está pautada na utilização de procedimentos baseados em evidências científicas.

Mais um sentido da proposta de humanização ao nascimento apontado pela autora

baseia-se no deslocamento do médico obstetra como principal profissional na assistência à

parturiente. Desse modo, as enfermeiras obstétricas também passam a assistir os partos de

baixo risco, ocorrendo uma mudança também nos locais do parto, sendo as salas de parto e as

casas de parto alternativas para o nascimento (Diniz, 2005).

Diante do que foi exposto até o momento, o parto domiciliar pode ser visto então

como uma possibilidade para a humanização do nascimento, já que os princípios adotados

nesse tipo de assistência podem ir ao encontro dos princípios preconizados pela humanização.

Alguns desses princípios são: o resgate do protagonismo da mulher, proporcionar um

ambiente acolhedor em que a parturiente se sinta segura e tranquila, o respeito ao modo como

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cada mulher se comporta e deseja ser tratada durante o parto, o emprego de procedimentos

baseados em evidências científicas, ou seja, a tentativa de se realizar o mínimo de

intervenções possíveis, dentre outros.

Ao observar o cenário obstétrico atual em nosso país, percebe-se que ainda há muito a

avançar para que a humanização seja realmente implementada. Os conceitos são novos e

desafiadores e muito mais difícil do que formulá-los, é pô-los em prática.

Através das narrativas das participantes de nosso estudo, vamos compreender se o

parto domiciliar planejado se configurou como uma experiência de cuidado humanizado na

vivência delas e refletir sobre o que essa modalidade de parto tem a nos ensinar sobre como

cuidar de forma humanizada no parto.

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5. A escolha pelo parto domiciliar planejado: entre o desejo de um parto

humanizado aos medos e apoios

A escolha pelo parto domiciliar planejado para nossas colaboradoras reflete o desejo

delas por um parto humanizado. Entretanto, muitos foram os medos e as necessidades de

apoios a fim de viabilizá-lo. Suas narrativas apontam a busca de um cuidado amplo que

envolva o conhecimento técnico e científico e que também acolha os saberes sagrados e

humanos, promovendo assim um tipo de cuidado humanizado e integral. Desse modo, se faz

necessário abordarmos brevemente o histórico do PDP, bem como o conceito de cuidado

humanizado, para que o leitor possa seguir nosso percurso compreensivo sobre essa relação.

Em seguida, abordaremos a concepção delas a respeito do que é um parto humanizado,

assim como os motivos que elas atribuíram na escolha pelo parto domiciliar.

5.1. A busca pelo parto domiciliar planejado: uma questão de cuidado humanizado

O parto domiciliar era a única opção das mulheres até o século XIX. Até aquele

momento não existia um profissional que prestava cuidados à mulher e ao recém-nascido,

eram as próprias mulheres que prestavam assistência umas às outras (Koettker, 2010).

Após o processo de institucionalização do parto, na década de 50, discussões na área

da saúde já surgiam, principalmente em decorrência do movimento europeu “Parto sem dor”,

que buscava respeitar a anatomia e fisiologia do parto. Aliado a isso, surgiram também

movimentos contraculturais que tinham como pauta a humanização da saúde, criticando o

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crescimento das cesarianas e incentivando o parto natural, o parto domiciliar e a criação das

casas de parto (Menezes et al., 2012).

No Brasil, na década de 80, vem à tona a humanização da assistência, buscando o

resgate da autonomia e o papel ativo e central da mulher na cena do parto. Esse movimento

agregou a participação de profissionais que atuam com base nas evidências científicas e

diversas diretrizes nacionais foram tomadas (Koettker, 2010).

Sendo assim, diversos grupos e organizações, compostos por mães e mulheres

passaram a reivindicar essa assistência pautada na humanização, assim como o direito à

escolha pelo local do parto.

O parto domiciliar no Brasil, portanto, está ligado a duas realidades: parto domiciliar

como alternativa ao modelo institucional, que é o caso dessa pesquisa, no qual as mulheres

buscam fugir do modelo de assistência tradicional, resgatando valores ligados ao cuidado

humanizado e protagonismo. E a segunda realidade: O parto domiciliar como prática

tradicional em regiões distantes onde há pouco acesso aos serviços de saúde, prática essa

ligada a um contexto de exclusão gerada por uma determinada realidade sócio-econômica

(Menezes et al., 2012).

Nos EUA, até 1900, praticamente todos os partos aconteciam no domicílio, porém já

em 1970, em torno de 1% dos partos aconteciam dessa forma. Na Holanda, 70% dos partos

são assistidos pelas parteiras, e dessa quantidade, 60% acontecem no domicílio. O sistema

Holandês é bastante conhecido por ter altas taxas de partos domiciliares e pequenas taxas de

intervenções médicas (Cunha, 2012).

Já na Bélgica temos uma situação contrária: baixas taxas de partos em casa e

predominância de um modelo focado na assistência médica. Na Suécia, o modelo padrão é o

parto normal no hospital, sendo o parto domiciliar e a cesárea a pedido práticas incomuns. No

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Reino Unido, Nova Zelândia e Austrália o parto domiciliar já é incorporado ao sistema

nacional de saúde (Cunha, 2012).

No Brasil, o parto domiciliar ainda é uma questão polêmica e comparados aos partos

hospitalares a nossa taxa de partos domiciliares ainda é baixa. Esse evento ainda é exótico e

fora do comum na maioria dos nossos espaços urbanos, mas vem se ampliando.

No ano de 1996, a OMS publicou um documento sobre assistência ao parto normal

classificando as práticas que devem ser evitadas e as que devem ser estimuladas. Um dos itens

desse guia cita o respeito à escolha da mãe sobre o local do parto, após ter recebido

informações, podendo ser esse local o domicílio da mulher (Koettker, 2010).

Colacioppo et al. (2010) defendem que a escolha pelo local do parto pela mulher é

individual e deve ser respeitada. Existindo as condições necessárias e não havendo contra-

indicações, nenhuma mulher deve ser impedida de vivenciar o parto em casa, caso assim

deseje.

Essa escolha costuma estar em harmonia com o estilo de vida e as crenças do casal,

que consideram os riscos dessa opção avaliando que tais riscos são semelhantes aos que

viveriam em um ambiente hospitalar, considerando também os custos e benefícios dessa

escolha (Colacioppo et al., 2010).

O local do parto não é apenas um cenário, pois ele influencia em como as relações se

procedem através das normas e regras hierárquicas, podendo se constituir como um entrave à

humanização. Desse modo, o parto domiciliar planejado vem se apresentando como uma

alternativa às mulheres que desejam vivenciar o parto no conforto de seus lares, evitando as

rotinas e normas das instituições hospitalares (Menezes et al., 2012).

O incentivo ao parto domiciliar planejado está em consonância com a concepção de

que o parto e nascimento fazem parte da história humana e possuem um status fisiológico e

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cultural, diferentemente da ideia concebida pela medicina que justificou a institucionalização

desse processo classificando-o como um evento patológico.

A busca pelo parto em casa traz mudanças e resgata valores que ultrapassam a ciência

e tecnologia, agregando novos comportamentos e sentimentos ao processo do nascimento

(Menezes et al., 2012).

Esses valores vão de encontro a um cuidado mais humanizado, baseado no respeito, no

acolhimento, em um cuidado individualizado e pautado no modo como cada família deseja

vivenciar esse processo.

Quando falamos em cuidado, previamente surgem ideias a respeito do tema, vindas do

senso comum, relacionadas a práticas e procedimentos terapêuticos.

O cuidado está presente na humanidade desde os primórdios e garante a preservação

da vida e da espécie humana. É um fenômeno intrínseco ao ser humano e pode se apresentar

de diferentes formas, de acordo com o contexto histórico e momentos da evolução da

humanidade (Gonçalves, Alvarez, & Santos, 2011).

Heidegger destaca o sentido ontológico do termo cuidado, como constituinte da

existência humana (Fragoso, 2008). Santos e Sá (2013) afirmam que “esta designação do ser

do homem como „cuidado‟ é um desenvolvimento integrador da multiplicidade estrutural que

a análise fenomenológica do “ser-no-mundo” elabora na analítica existencial.” (p.55).

Falar sobre cuidado humanizado na saúde requer pensarmos em transformações

profundas em nossos modos de pensar e fazer, especialmente no que diz respeito aos

pressupostos e fundamentos. É preciso desconstruir teoricamente visando uma reconstrução

com novos conceitos e práticas (Ayres, 2009).

Nessa pesquisa, trataremos do cuidado como uma construção filosófica e uma atitude

prática, conforme conceitua Ayres (2009):

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Uma compreensão filosófica e uma atitude prática frente ao sentido que as ações de

saúde adquirem nas diversas situações em que se reclama uma ação terapêutica, isto é,

uma interação entre dois ou mais sujeitos visando o alívio de um sofrimento ou o

alcance de um bem-estar, sempre mediada por saberes especificamente voltados para

essa finalidade. (p.42)

Conforme a definição de Ayres citada acima, compreendemos o cuidado de uma

forma mais ampla, indo além de recursos e medidas terapêuticas (Ayres, 2009).

É fato que os avanços da Medicina trouxeram importantes conquistas para a

humanidade, como o poder de diagnosticar cada vez mais precocemente, o aumento da

eficácia, segurança e precisão de muitas intervenções e consequentemente uma melhora da

expectativa e da qualidade de vida. Porém, como pontos negativos, esses avanços trouxeram

também a segmentação do paciente em órgãos e partes do corpo, o excessivo uso da

tecnologia e da intervenção, assim como uma desatenção com aspectos subjetivos e

psicossociais do adoecimento, e consequentemente, da vida (Ayres, 2009; Nogueira da Silva,

2006).

Ayres discorre sobre uma crise da Medicina, como consequência do modelo biológico-

medicalizado. Conforme palavras de Ayres (2009): “Destaca-se entre outros problemas, uma

progressiva incapacidade das ações de assistência à saúde de se provarem racionais, de se

mostrarem sensíveis às necessidades das pessoas e se tornarem cientes de seus próprios

limites” (p.58).

Nesse sentido, podemos nos questionar enquanto profissionais do cuidado: Como as

mulheres que planejam o parto domiciliar desejam ser cuidadas? Quais as expectativas e

necessidades que elas possuem? O que podemos aprender com elas sobre parto humanizado

dentro ou fora do domicílio?

O cuidado humanizado em saúde visa construir projetos humanos, ou seja, descobrir

qual concepção de vida o sujeito que cuidamos tem, qual papel nós podemos desempenhar

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diante de seus desejos, ideais e vontades. É preciso entender de que forma podemos atuar

ajudando a construir esses projetos de felicidade, e isso se torna um desafio já que muitas

vezes nem se quer nos questionamos a esse respeito (Ayres, 2009).

Projeto de felicidade, por sua vez, diz respeito ao tipo de concepção de vida bem-

sucedida no qual as pessoas que prestamos assistência possuem, e que remete a experiências

positivas vivenciadas, experiências essas que não dependem de um completo bem-estar

(Barbalho, 2015).

O cuidado compreendido como uma categoria reconstrutiva não se limita apenas a

tecnologia, mas promove uma interação terapêutica mais ampla. Assim, a saúde e a doença

são vistas de modo existencial, como modos de “ser-no-mundo.” Isso significa que não

devem existir procedimentos sistemáticos, transmissíveis e universais, já que cada pessoa tem

necessidades e desejos singulares (Ayres, 2009).

O acolhimento, por sua vez, é uma premissa fundamental quando se fala em cuidado,

na busca de uma atenção em saúde que não é movida pela razão instrumental da racionalidade

biomédica. Essa racionalidade se apodera do corpo e cria estratégias de poder que ditam a

verdade sobre o que é doença e saúde, aprisionando as pessoas e tornando as práticas

desumanizadas (Nogueira da Silva, 2006).

Portanto, não só os saberes técnicos devem ser considerados, mas também os saberes

populares, crenças e religião. Se o profissional de saúde só leva em conta os saberes técnicos

e não considera os valores pessoais do paciente, ele não está permitindo que o próprio

paciente seja incluso em seu processo.

O Cuidar, nas práticas de saúde, conforme Ayres (2009) é: “O desenvolvimento de

atitudes e espaços de genuíno encontro intersubjetivo, de exercício de uma sabedoria prática

para a saúde, apoiados na tecnologia, mas sem deixar resumir-se a ela a ação em saúde”

(p.64).

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Nesse sentido, o cuidado não visa apenas se chegar a um determinado estado de saúde,

nem a aplicação mecânica de tecnologias para alcançar isso, mas sim na observação do entre,

dos meios e finalidades e no sentido que isso tem de prático para o paciente. Para isso, é

necessário a construção de um diálogo entre quem cuida e é cuidado (Ayres, 2009).

Nessa direção, vale ressaltar que em pesquisa realizada com profissionais médicos

obstetras e enfermeiros obstetras na cidade do Rio de Janeiro, os profissionais relataram que

um dos maiores desafios para a humanização no parto e nascimento se deve à formação

profissional pautada no modelo biomédico, de modo que muitas vezes ocorrem

desentendimentos entre as equipes devido às opiniões contrárias sobre o tema (Malheiros,

Alves, Rangel, & Vargens, 2012).

Isso demonstra o quanto ainda precisamos avançar para obtermos de fato uma

assistência obstétrica que privilegie o humano e não a técnica. Somente com a desconstrução

de conceitos já engessados e a incorporação de um novo modelo pautado em práticas mais

acolhedoras e cuidadosas é que de fato poderemos falar em humanização do parto e

nascimento.

Cuidar da forma como estamos discutindo aqui requer que nos utilizemos de

conhecimentos de diversas áreas, ampliando assim nossas perspectivas. Conceitos da

antropologia e da psicologia, por exemplo, podem nos auxiliar a compreender mais

profundamente as pessoas com quem estamos lidando (Ayres, 2009).

Para Nogueira da Silva (2012), o espaço relacional que propõe a humanização exige

que recusemos a tiranização da técnica, que unamos ciência à sabedoria prática e,

principalmente, que recuperemos o ser-com em nossa interação com o conhecimento e com o

outro, por meio da presença. Trata-se de uma Humanização não padronizadora, mas que

acolhe a vida nas inseguranças, nos conflitos e nas incertezas que ela nos revela, e que, se

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destina “a dar voz á palavra, à dor, ao riso; a devolver ao humano sua principal tarefa: cuidar”

(Nogueira da Silva, 2012, p. 15).

A partir da voz de nossas entrevistadas vamos compreender o que elas entendem por

parto humanizado, uma vez que foi o principal motivo para escolherem o PDP. Nos capítulos

seguintes discutiremos os preparativos e a vivência do parto propriamente dita.

5.2. Parto humanizado: uma questão de respeito e acolhimento ao protagonismo das

mulheres

Nas entrevistas com nossas colaboradoras, quando questionadas sobre como

consideram um parto humanizado, todas citaram o respeito como um componente essencial

para à humanização do parto. Do respeito as suas escolhas, ao respeito às evidências

científicas, assim como do respeito a uma compreensão do lugar do parto como um evento

familiar, nascem as protagonistas de um parir humanizado.

5.2.1. Respeito e acolhimento às escolhas das mulheres

Enquanto protagonistas de seus partos, essas mulheres fizeram diversas escolhas e

consideram o respeito e acolhimento à tais escolhas um dos pilares do parto humanizado. Elas

citaram o respeito quanto à escolha ao tipo de assistência que desejavam; o respeito à

formação da equipe que elas escolheram e o acolhimento destas; respeito à escolha quanto ao

momento do trabalho de parto, desejando naturalidade nesse processo, e o respeito à fisiologia

do parto. Um respeito possível quando são escutadas.

Vejamos algumas falas:

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Pra mim o parto humanizado é aquele parto que respeita a opção da mulher sobre o

parto dela, sobre como ela quer que seja, onde, como seja feito o trabalho de

parto e a assistência que ela quer. Respeitar, respeitar o trabalho de parto

naturalmente e fisiologicamente. (Girassol)

Então parto humanizado é quando, a mulher é protagonista, né, ela tá ali, sabe o que

quer, sabe das suas escolhas e tem voz ativa. (Dália)

Eu aprendi com meu parto que o parto humanizado ele não é um parto

necessariamente sem intervenções ou um parto completamente natural, ou um

parto em casa necessariamente também. Parto humanizado ele é, pelo meu ponto de

vista, pelo que eu entendi, nada mais é do que o respeito. (...) Eu acho que o parto

humanizado é trazer pra mulher a decisão sobre o seu parto, sobre o respeito pelo seu

corpo e pelo bebê que vai nascer. Então pra mim o parto humanizado é esse

respeito que se prolonga até o bebê, até o tratamento com o bebê. Pra mim o parto

humanizado nada mais é do que entregar pra gente as ferramentas pra gente tomar a

decisão que necessita, passar por uma transição de forma segura e respeitosa.

(Gardênia)

Portanto, nas narrativas de nossas colaboradoras, percebe-se um conceito já bastante

difundido na literatura quando se fala em humanização: o respeito às escolhas e a autonomia

da mulher.

As narrativas das nossas colaboradoras vão de encontro ao modelo de cuidado

humanista. Este surgiu a partir do questionamento ao modelo biológico-medicalizado,

sofrendo uma grande influência do movimento feminista. Esse modelo adota atitudes não

convencionais colocando a mulher como a grande protagonista, possuidora de escolhas e

direitos (Seibert et al., 2005).

O uso excessivo da tecnologia nos leva a refletir sobre o tipo de obstetrícia empregada

atualmente, que não acredita mais na fisiologia do parto e no poder da mulher de parir

naturalmente. De fato, para os partos de alto risco, a tecnologia e os avanços da obstetrícia são

extremamente importantes e fundamentais para garantir a saúde e a vida da mãe e do bebê. O

que se questiona aqui é o excesso e o mau uso dessa tecnologia que muitas vezes acaba

desumanizando as ações de saúde e colocando em risco o processo do parto (Leão et al.,

2013).

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A ampliação desses questionamentos na sociedade atual está ancorada no fato da

mulher não ser mais vista como protagonista da sua experiência. Esse lugar é tomado

principalmente pela figura do médico que através de suas intervenções obstétricas passa a

conduzir o processo do nascimento, decidindo o que é melhor para a gestante.

No respeito às escolhas ganha destaque também o papel da equipe em proporcionar

segurança e acolhimento, respeitando a vivência da mulher, como podemos observar nos

discursos de Gardênia e Flor de Lótus:

Eu acho que o mais importante em termos de humanização do parto é o respeito, é o

respeito aquele momento da mulher, aquela vivência da mulher. É o respeito pra

aquilo que eu falei, que ela tenha todo um suporte de segurança, que ela se sinta segura

com aquela equipe (...)Acima de tudo é respeito. Respeito ao desejo e ao momento da

mulher (...)Mulher e seu companheiro sendo amparados, acolhidos neste momento

único, em todos os seus medos, angústias. Tendo a sua intimidade respeitada. (Gardênia)

É quando a mulher é respeitada nas decisões dela. Quando ela tem o olhar do

profissional, quando o profissional olha pra ela e fala olhando pra ela, explicando

o que vai ser, perguntando se pode fazer, tentando acalmar com respeito. (Flor de

Lótus)

Para que esse acolhimento seja possível, é necessário que a equipe tenha abertura e um

interesse autêntico em ouvir o desejo dessas mulheres. Em todas as oportunidades em que

exista a possibilidade de escuta, o acolhimento pode estar presente (Ayres, 2009).

Deslandes (2004) afirma que a humanização do atendimento implica em um maior

diálogo e melhoria da comunicação entre o profissional de saúde e o paciente e

reconhecimento dos direitos dos pacientes, sua subjetividade e referências culturais. Ou seja,

existe a busca de uma nova ordem relacional, pautada no diálogo.

É preciso que o profissional esteja disposto a ouvir-se e fazer-se ouvir, não

permanecendo apenas em seu papel de porta-voz do discurso tecnocientífico. O acolhimento

só pode acontecer quando se faz presente a possibilidade de escuta do outro, e o que

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realmente faz a diferença é a qualidade dessa escuta que está intimamente relacionada ao

quanto os profissionais de saúde se responsabilizam em relação aos projetos de felicidade

daqueles que são cuidados (Ayres, 2009). É estar atento aos diversos aspectos em que o ser

humano pode ser cuidado, sem privilegiar apenas um aspecto, como por exemplo, a saúde

física.

O cuidado humanizado implica reconhecer que todos os seres humanos nascem livres,

dignos e possuem os mesmos direitos, por isso é preciso respeitar as particularidades e

características de cada um, preservando assim sua autonomia. A preocupação de quem cuida

deve englobar todos os aspectos: físico, psicológico, espiritual, social, agindo sempre em prol

da melhoria da qualidade de vida (Santana, 2009).

Nosso papel enquanto profissionais da saúde vai muito além de aplicar conhecimentos,

nossa intervenção precisa ultrapassar os aspectos tecnológicos, pois somente o indivíduo que

estamos cuidando sabe de suas reais necessidades (Ayres, 2009).

Acolher seria então, buscar conhecer as necessidades do outro, reconhecendo que

tanto o profissional quanto o paciente sozinho são insuficientes. O sentido é construído a

partir dos saberes presentes, pois todo mundo sabe alguma coisa e ninguém sabe tudo.

(Teixeira, 2005). Sendo assim, é ter um real interesse em cuidar do outro em sua totalidade e

para isso é necessário que o profissional tenha disponibilidade e empatia.

Portanto, o respeito às escolhas, o acolhimento e a escuta qualificada oferecida pelos

profissionais de saúde possibilita que essas mulheres vivenciem seus partos de maneira ativa,

exercendo assim o protagonismo, condição imprescindível para um cuidado humanizado.

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5.2.2 Respeito às evidências científicas

O respeito às evidências científicas se refere à realização de procedimentos em que

foram comprovados cientificamente seus benefícios, ou seja, busca-se evitar a utilização de

procedimentos sem embasamentos e estudos científicos. Esse conceito é bem atual e discutido

nas práticas ditas humanizadas. Dália comenta em sua narrativa:

Parto humanizado, aquele parto onde a gente sempre fala né, onde o tripé é respeitar, o

tripé da humanização é respeitado (...) É baseado em evidências científicas, né? Então,

é, quando a mulher é protagonista e sabe que determinado procedimento não deve ser

feito e tudo, ou então algum exame, não precisa, o protagonismo está ali associado

com a evidência científica. (Dália)

Nessa direção entendemos que o respeito às evidências cientificas, implica o

conhecimento destas e a garantia de que elas sejam respeitadas. No dizer de nossa

colaboradora tal conhecimento pode implicar também em mais um argumento para exercer

seu protagonismo, ou seja, possibilita legitimá-lo.

Segundo Diniz (2005) na assistência ao parto, o termo “humanizar” vem sendo

utilizado há várias décadas, denotando várias interpretações e propostas de mudanças nas

práticas. A autora destaca que quando se fala em obstetrícia, um sentido que merece atenção

se refere à humanização como “legitimidade científica da medicina”, ou seja, a medicina

baseada em evidências, em revisões sistemáticas e estudos clínicos que subsidiam a prática

médica.

Conforme já foi discutido no capítulo anterior, a Medicina Baseada em Evidências

(MBE) diz respeito a utilizar a melhor evidência científica na tomada de decisão para

determinado paciente. A melhor evidência, portanto, diz respeito a tratamentos e

procedimentos que tenham origem em estudos controlados (Maluf-Filho, 2009).

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Diniz (2005) ao falar sobre a Medicina Baseada em Evidências conceitua da seguinte

forma:

Orientada pelo conceito de tecnologia apropriada e de respeito a fisiologia. É

considerada pelos iniciados como o padrão ouro; a prática orientada através de

revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados, em oposição à prática

orientada pela opinião e tradição. (p.633)

Atualmente, esse conceito também é trazido de forma mais ampla, abrangendo assim

todas as áreas da saúde e não só a medicina, assim como também os serviços de saúde. Desse

modo, conceitua-se como “cuidados de saúde baseado em evidências” (Muir, 2009).

Práticas humanizadas seriam então baseadas em tais estudos e comprovações e não

somente no que vem sendo feito apenas por tradição, sem que exista uma real necessidade e

comprovação dos benefícios.

A Medicina Baseada em Evidências (MBE) é uma das condições importantes para a

prática dos profissionais comprometidos com a humanização do parto. Os princípios da MBE

buscam resgatar a fisiologia do parto e a capacidade da mulher de parir muitas vezes sem

precisar de nenhuma intervenção (Diniz, 2005).

5.2.3 Respeito à compreensão do parto como um evento da família

O respeito à escolha pela decisão quanto ao parto domiciliar trouxe a perspectiva de

que podemos também entender e chegarmos a respeitar tal decisão a partir da implicação que

nos aponta uma das colaboradoras, ou seja, a de que se trata de um evento familiar e social e

não de um evento meramente biológico cujas decisões devam ser prioritariamente nesses

termos.

E a terceira coisa que é ver esse parto como um evento social, da vida daquela família,

e não só, médico, não só, biológico, fisiológico. É um evento social da vida, espiritual,

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é amoroso, é um evento humano, assim, não precisa entrar demais num mérito, só do

médico, ou então da tecnologia. (Dália)

Em sua reflexão sobre o que considera ser um parto humanizado, Dália fez referência

ao quanto foi importante a vivência do seu parto em casa, pois a família pôde participar

ativamente desse processo. Seu filho mais velho viu a irmã nascer e pôde acompanhar alguns

momentos do trabalho de parto. Os avós paternos puderam conhecer a neta poucos minutos

após o nascimento e o companheiro dela esteve o tempo todo com ela durante o trabalho de

parto, parto e pós-parto.

Dália menciona que se o parto tivesse sido no hospital, provavelmente a bebê ficaria

no berçário e a família a conheceria “através” de um vidro. Ela relata como o marido vê a

diferença do nascimento da filha em casa, quando comparado ao nascimento do primeiro

filho:

E sentiu também (o marido) a diferença de ter uma criança em casa. Como é

totalmente diferente. Quando ele descreve isso, ele fala que é contraste sabe. É luz, no

centro cirúrgico e é escuro em casa. Frio (no centro cirúrgico) e é quente em casa. E

realmente é muito contrastante, dá uma distância assim enorme, da qualidade. (Dália)

A visão de Dália sobre o parto humanizado como um evento social e familiar nos leva

a refletir sobre o resgate de um “antigo” modo de olhar para o parto, ou seja, um

acontecimento natural, restrito às pessoas de confiança da gestante, acontecendo nas próprias

casas das mulheres (Sanfelice & Shimo, 2014).

Os casais que optam pelo parto domiciliar enxergam o nascimento como um momento

de celebração da vida e da nova família, um rito de passagem. Esse momento é permeado por

valores e sentimentos nos quais eles acreditam que precisam ser vivenciados na intimidade do

lar (Feyer, Monticelli, Boehs, et al., 2013).

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A casa representa o aconchego, o afeto, ou seja, um cenário confortável e conhecido

para os que ali residem. Para muitas pessoas que optam pelo parto domiciliar planejado, os

hospitais e instituições hospitalares fogem dessa perspectiva e se constituem como ambientes

frios, com pessoas estranhas realizando procedimentos rotineiros, fugindo assim, de uma

vivência familiar (Feyer, Monticelli, Boehs, et al., 2013).

O conceito de nossas colaboradoras a respeito do que acreditam ser um parto

humanizado, assim como o desejo de viver uma experiência de humanização no nascimento

de seus filhos, motivou-as na busca pelo PDP. Conheceremos a seguir algumas frustrações e

medos sentidos por essas mulheres que também contribuíram para a escolha pelo parto em

casa.

5.3. Das frustrações e medos

No diálogo com nossas colaboradoras sobre os motivos pelos quais elas decidiram

pelo parto domiciliar planejado, surgiram em suas narrativas algumas referências às

frustrações e receios que impulsionaram a decisão pelo PDP. Surgiram alguns eixos temáticos

a partir da frustração vivenciada em uma cesárea; o medo de sofrer violência obstétrica e

intervenções desnecessárias nas instituições de saúde e o receio da reação da família diante da

escolha.

5.3.1. A frustração da cesárea

Algumas participantes da pesquisa haviam realizado uma cesárea quando estavam

grávidas de seus primeiros filhos. Segundo seus relatos, a cesárea teria sido desnecessária,

acarretada por motivos médicos, que para elas não fazem sentido hoje.

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É, a decisão de ter um parto domiciliar planejado, ela aconteceu antes de eu

engravidar pela segunda vez, né, eu tive meu primeiro filho por uma cesárea, que

foi fora do trabalho de parto, eu não senti nada, e eu tinha muita vontade de parir,

né, e aí quando eu me dei conta que foi marcado e, eu permiti, essa cesárea de

emergência, por um motivo fútil que era assim, ele tava sentado. Aí foi muito ruim,

foi muito pesado, a partir daí que eu decidi que eu queria ter outro filho, eu sempre

quis ter muitos filhos, queria mudar essa história, né, aí passou esse luto, né, essa

tristeza, eu me sentia muito assim, era diferente, como se eu não tivesse

completado, né, aquelas sensações todas, que eu, assim, considero parte da

maternidade. (Dália)

A médica disse que tava tudo correndo bem pro parto normal, e aí quando chegou

perto das 40 semanas ela disse „olhe, mas eu não passo de 41 semanas, a gente não

passa de 41 semanas e é o recomendado‟ e me explicou os motivos, os motivos que

mais pareciam dela né? E ela realmente justificou como sendo isso mesmo, por

segurança. Por mais que eu tenha ficado apreensiva, eu ainda assim confiei. Com

40 semanas, eu fiquei tão angustiada, eu chorei, fiquei mal, fiquei muito mal, porque

eu pensei: „pronto, vai ser césarea, a cesárea é segunda feira e eu não tô sentindo

nada.‟E na minha primeira gravidez, na cesárea, eu fiquei mal mesmo, eu fiquei

umas duas semanas bem deprimida, chorava, aquela coisa... E aí claro que tem

tudo influenciando aí, tem toda a questão dos hormônios, a bomba de hormônios que é

da adaptação. E eu acredito que a mente, que a frustração de não ter tido parto

normal tava incluso porque nos dois dias que antecedeu a cesárea eu tava mal já,

imagine depois. Mesmo com minha filha, que era pra ser um momento super feliz,

eu tava naquela “eu queria ter tido normal”. (Girassol)

No Brasil, no início da gestação, cerca de 70% das gestantes, tanto no setor público

quanto no privado, relatam preferir o parto normal, porém, estima-se que todos os anos quase

1 milhão de mulheres são submetidas à cesárea sem indicação obstétrica, sendo assim

expostas a riscos de morbidade e mortalidade, além de aumentar desnecessariamente os gastos

com saúde (Domingues et al., 2014).

É perceptível nas falas de nossas colaboradoras a frustração pela vivência da cesárea e

a vontade de parir que já existia desde a primeira gravidez. Elas relataram muito sofrimento

diante da impossibilidade de vivenciar um parto normal. Ter vivenciado a cesárea

impulsionou-as na busca por um parto normal na segunda gestação, buscando uma gravidez

com mais informação e empoderamento.

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No Brasil, alguns médicos “vendem” a ideia de que a cesárea é mais segura do que o

parto normal, algo que já foi plenamente comprovado como uma inverdade. Além disso, a

grande maioria das mulheres são submetidas à essa cirurgia antes do início do trabalho de

parto, como foi o caso das colaboradoras do nosso estudo (Madeiro et al., 2017; OMS, 2015;

Souza et al., 2010).

No caso de Dália, a médica justificou dizendo que o bebê estava sentado, condição

conhecida na obstetrícia como “apresentação pélvica”. Com relação à conduta nesse tipo de

caso, sugere-se que a decisão sobre a via de parto leve em consideração o desejo da mãe e a

experiência do obstetra. Muitos obstetras não têm treinamento adequado para lidar com esse

tipo de situação e acabam indicando a cesariana, alegando nesse caso, ser uma questão de

segurança (Souza et al., 2010).

Porém, o parto vaginal pode ser vivenciado nesse tipo de situação, desde que se sigam

as recomendações necessárias. Uma outra alternativa é tentar a versão cefálica externa (VCE)

a partir da 37ª semana de gestação, pois estudos já comprovaram que essa conduta diminui os

nascimentos em apresentação não-cefálica (Souza et al., 2010). A VCE é uma manobra feita

pelo médico que objetiva ajudar o bebê a mudar de posição, ficando assim na posição “ideal”

para o parto normal.

Possivelmente na situação vivida por Dália, a médica não se sentiu segura para tentar a

VCE ou esperar naturalmente o bebê mudar de posição, já que isso pode acontecer até mesmo

durante o trabalho de parto. Porém, ela não compartilhou com Dália outras possíveis formas

de conduzir o processo, limitando assim o poder de decisão e o protagonismo da gestante.

Em relação à Girassol, a médica disse que só esperava ela entrar em trabalho de parto

até 41 semanas. Os estudos mostram que 10% de todas as gestações vão além das 41 semanas.

Nesse caso, sugere-se a indução do parto, pois essa conduta está associada a um melhor

prognóstico perinatal, sem aumento das taxas de cesáreas (Souza et al., 2010).

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A médica de Girassol também não possibilitou a oportunidade dela decidir esperar ou

não além das 41 semanas, uma vez que só informou que esperava até 41 semanas quando

Girassol já estava com 40 semanas, tornando quase impossível a busca de alguma solução. Se

desde o início da gestação a médica deixasse claro que essa é sua conduta, Girassol poderia

tomar alguma atitude, buscar outro médico para acompanhá-la, decidir se gostaria de

continuar sendo acompanhada por aquela obstetra ou até mesmo já ficar ciente de que talvez

sofresse uma cesárea, caso sua gestação ultrapasse as 41 semanas.

Por isso, é tão importante o compartilhamento de informações entre os profissionais e

as gestantes. A construção de uma relação sincera e aberta se torna fundamental,

possibilitando a mulher construir sua autonomia e promover o autocuidado. Para isso, é

necessário a escolha de profissionais que estejam em sintonia com as concepções e

convicções da gestante (Menezes et al.,2012).

As mulheres que se declaram insatisfeitas com a experiência de nascimento de seus

filhos geralmente desejavam um parto normal e precisaram realizar uma cesárea, ou

vivenciaram partos traumáticos no qual foram realizadas muitas intervenções, tornando assim

essa experiência dolorosa. Quando a cesárea indesejada está associada à violência obstétrica,

esse sofrimento se torna ainda maior (Salgado, Niy, & Diniz, 2013).

O conceito atual de cesárea indesejada não está relacionado apenas à frustração por

não poder ter experienciado um parto normal, mas envolve também os seguintes aspectos: a

relação da mulher com a equipe de saúde, o sentimento de ter sido respeitada durante a

assistência, o contato inicial com o bebê, as experiências de cuidado recebidas assim como

também as experiências no pós-parto (Salgado et al., 2013).

A cesárea, por si só, já traz algumas conseqüências para a mãe e o bebê: maior

dificuldade para o início da amamentação, risco de complicações no pós-parto e menor

contato com os recém-nascidos (Salgado et al., 2013). Somados a esses aspectos físicos estão

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também os fatores psicológicos, que podem influenciar no nível de satisfação da puérpera,

assim como no vínculo entre mãe e filho.

Na pesquisa de Salgado (2012), que investigou a experiência de mulheres que

vivenciaram cesáreas indesejadas, evidenciaram-se 3 categorias com relação aos sentimentos

das mulheres em relação aos seus filhos após a cirurgia: sentimentos de plenitude,

sentimentos ambíguos e a terceira categoria: não ter sentido emoções positivas acerca de seus

filhos.

Essa pesquisa identificou que as mulheres que não puderam ter contato com seus

filhos logo após o nascimento se encaixaram prioritariamente na terceira categoria: não ter

sentido emoções positivas. Isso pode revelar que não somente a vivência da cesárea contribui

para o sentimento de frustração, mas sim a forma como todo o processo do nascimento é

conduzido (Salgado et al., 2013).

Com relação às nossas colaboradoras, percebe-se nas falas um sentimento de

incompletude. Apesar de estarem felizes com o nascimento de seus filhos, é como se algo

tivesse faltado, não pudesse ter sido completado, levando assim a uma frustração e

insatisfação.

Após a vivência do parto domiciliar planejado e por terem considerado essa

experiência satisfatória, a oportunidade de se sentirem protagonistas de seus partos teve para

elas um significado de cura e reparação diante da experiência anterior negativa com a cesárea,

conforme ilustra a fala de Girassol:

Hoje eu tô super satisfeita, enfim, foi maravilhoso, sempre que eu puder... Tudo que eu

puder fazer pra influenciar outras mulheres a se empoderarem pra garantir também um

parto humanizado e gostoso como foi o meu... porque eu não digo “Ah meu Deus, eu

sofri 19 horas”. Não! Foi tão bom que eu quero ter outro. Eu quero passar por isso de

novo. Muito mesmo. (Girassol)

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5.3.2. O medo da violência obstétrica e das intervenções desnecessárias

A violência obstétrica no mundo e no Brasil infelizmente ainda é muito presente,

muitas mulheres enfrentam abusos, maus-tratos, desrespeito e negligência durante a

assistência ao parto (OMS, 2014; Sanfelice & Shimo, 2015). A mais recente pesquisa que

investigou esse tema em nosso país apontou que uma em cada 4 mulheres relatou ter sofrido

violência obstétrica nas instituições de saúde públicas e privadas do Brasil (Perseu Abramo &

SESC, 2010).

A violência obstétrica pode gerar diversas consequências adversas para a mãe e o

bebê, principalmente pelo fato da mulher estar em um período de grande vulnerabilidade.

Essa violência acarreta perda da autonomia e decisão sobre seus corpos (Zanardo, Uribe,

Nardal & Habigzang, 2017).

Alguns autores definem a violência obstétrica contra mulheres em quatro grupos:

violência psicológica (ameaças, gritos, humilhação, tratamento hostil), violência sexual

(assédio sexual e estupro), violência física (negar alívio da dor quando há indicação para isso,

manipulação e exposição desnecessária do corpo da mulher) e negligência (omissão de

atendimento). Além de outras condutas como mentir ou não informar à mulher sobre os

procedimentos necessários ou sua situação de saúde (Zanardo et al., 2017).

Jordá, Bernal e Álamo (2013) apontam que um fator presente que contribui com a

perpetuação da violência obstétrica é que muitas mulheres não possuem informação

necessária sobre o processo do trabalho de parto, tendo, portanto, medo de questionar sobre as

condutas que são realizadas. Desse modo, elas “autorizam” a exploração de seus corpos e

aceitam situações incomodas sem reclamar.

A construção social também presente de que um parto bem sucedido é aquele em que

o bebê nasce sadio camufla possíveis situações de violência e intervenções desnecessárias.

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Afinal, a alegria de estar com um bebê saudável proporciona a sensação de que tudo ocorreu

bem (Jordá et al., 2013; Salgado, 2012).

Os argumentos de muitas mulheres que optam pelo PDP vão na direção de não

desejarem sofrer intervenções desnecessárias, nem serem submetidas a procedimentos

rotineiros que apesar de já terem sido comprovados como ineficientes e prejudiciais para o

trabalho de parto e parto continuam a ser implementados (Castro, 2015; Feyer, Monticelli, &

Knobel, 2013; Lessa et al., 2014; Martinez-Mollá, Ruiz, González, Sánchez-Peralvo, &

Méndez-Pérez, 2015; Sanfelice et al., 2014). Como exemplo desses procedimentos podemos

citar a episiotomia (corte no períneo), enema (lavagem intestinal) o uso abusivo de ocitocina

(hormônio que acelera as contrações uterinas), a manobra de kristeller (empurrar a barriga da

mulher para “ajudar” o bebê a sair), a utilização excessiva de exames de toques, não permitir

que a mulher se alimente durante o trabalho de parto, dentre outros (Sanfelice et al., 2014).

Muitas vezes os profissionais são “obrigados” a seguir tais rotinas, pois isso já faz

parte do protocolo do hospital, apesar de não estar de acordo com o que apontam as

evidências científicas atuais. Outro fator que contribui para a continuidade de tais condutas

diz respeito à crença que o profissional tem de que sua vasta experiência é mais importante do

que as comprovações científicas recentes (Sanfelice et al., 2014).

Além de alguns procedimentos serem considerados absolutamente desnecessários, eles

também passam a se configurar como atos de violência cometidos com as parturientes. Nas

falas de nossas participantes podemos observar claramente esses medos:

O medo que eu tinha mesmo era de sofrer violência, né, se eu tivesse que ir para

um hospital, transferida.(...)Mas o medo era mais esse de sofrer uma episiotomia. Se

o parto normal tivesse acabado no hospital, de sofrer violência. (Dália)

Eu acho que a realidade obstétrica que a gente vive, a gente sempre fica assim

assustado com a coisa de optar pelo hospitalar, porque a gente sabe que pelo fato de

você estar no hospital, o fato de você ter uma doula, de você já estar adiantada no

processo de trabalho de parto não lhe garante que você vai ter um parto normal dentro

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de um hospital. Muito menos te garante que você vai ter um parto respeitoso, isso é

uma situação muito complicada, porque a gente ouve diariamente histórias de

violência e a violência obstétrica daquela forma consentida, de procedimentos

técnicos que são completamente desnecessários, mas como eles fazem parte do

protocolo do hospital, você entra no hospital, você entra no ambiente hospitalar e já

vai sofrer uma série de intervenções sem contar que as suas chances, as chances da

mulher de ter um parto normal diminui drasticamente se a gente opta a ir pra um

hospital. (Gardênia)

“Aí, sabe quando você tá nesse clima específico que tudo que acontece parece um

sinal?" E aí via um monte de matéria no jornal, uma atrás da outra, de super lotação de

maternidade. E eu já comecei "Peraí, eu já estou com receio de sofrer alguma

intervenção, se eu chegar lá e sofrer intervenção, imagine eu chegar pra não ter leito, e

aí além da intervenção eu ter mais esse desconforto”. (Girassol)

Não queria cesárea de jeito nenhum, não tinha a menor possibilidade de ter a barriga

cortada, não queria corte, não queria intervenção, eu queria bem natural mesmo,

por isso eu resolvi que fosse em casa mesmo. (Flor de Lótus)

Desde o início eu já queria ter natural, sem interferências de seu ninguém. Nem de

remédio, nem de soro, nem de nada. Tudo ao natural. (...) Porque eu já queria tudo

natural, então se surgiu essa possibilidade de ter dentro de casa sem hospital, melhor

ainda. (Margarida)

A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que o melhor local para o parto é

onde a mulher se sinta segura e confortável e, para muitas delas, esse local é a sua casa. Os

fatores psicológicos e emocionais, ou seja, o modo como a parturiente se sente no processo do

parto influencia diretamente em como esse parto irá terminar (Sanfelice et al., 2014). É nessa

direção que se justifica a importância de que a gestante possa escolher onde deseja parir.

Segundo Sarmento e Setúbal (2003), do ponto de vista psicológico, a experiência do

parto é permeada por diversas sensações, emoções, medos e expectativas. É um momento

vivenciado de forma única por cada mulher. O medo da dor, de não se sentir capaz de parir,

de perder o controle, de sofrer maus tratos e a imprevisibilidade do processo são alguns dos

principais temores sentidos.

O espaço hospitalar se configura como um local que pode limitar a experiência do

parto no sentido da existência de normas, regras e procedimentos de rotina que muitas vezes

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se opõem à humanização. Muitas vezes nesse ambiente os profissionais não levam em

consideração a fisiologia do parto, de modo que todos os nascimentos são considerados de

risco, justificando assim a necessidade de intervenções e controle sobre o processo (Menezes

et al., 2012).

Além disso, a mulher é destituída de direitos, sendo submetida a rotinas específicas

que limitam sua autonomia, liberdade e o direito sobre seu próprio corpo, conforme afirma

Menezes et al. (2012): “ A subjetividade é desconsiderada dando lugar ao tecnicismo (muitas

vezes iatrogênico), e o parto se transfigura em momentos de privação relacional,

comportamental e afetiva” (p.28).

O local do parto também influencia no tipo de relação que será estabelecido entre a

gestante e os profissionais de saúde, de modo que o hospital muitas vezes favorece o não

empoderamento da mulher, colocando-a em uma posição de heteronomia (Menezes et al.,

2012). Por isso, muitas mulheres se sentem mais seguras ao parir em suas casas, já que nesse

ambiente estarão profissionais que a gestante confia.

Além disso, muitas mulheres também relatam o medo que sentem do ambiente

hospitalar, por se tratar de um lugar fora de seu convívio natural (Sarmento & Setúbal, 2003).

O domicílio, para as mulheres que escolhem parir em casa, representa um ambiente

acolhedor e íntimo que pode facilitar o parto natural, pois favorece o equilíbrio hormonal,

fator primordial que influencia no resultado do parto (Menezes et al., 2012).

É extremamente importante a construção de uma relação de confiança e envolvimento

afetivo e emocional entre todos os que estarão presentes no parto, sejam familiares ou

profissionais. Com relação aos profissionais envolvidos, acontece uma construção conjunta de

conhecimentos junto à gestante, de modo que informações sobre o processo do parto são

compartilhados, favorecendo o protagonismo da parturiente (Menezes et al., 2012).

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5.3.3 O segredo familiar

Após a decisão de ter um parto domiciliar planejado, três participantes da pesquisa

optaram por não contar a família sobre essa decisão. Elas mantiveram segredo pois sabiam

que a família teria uma reação negativa que poderia ocasionar insegurança e até mesmo

influenciar negativamente no objetivo delas de vivenciar o parto em casa. Podemos perceber

isso com mais detalhes nos relatos de Dália, Girassol e Margarida:

Pessoas que eu sabia que iam pentelhar, que iam realmente adicionar só comentários

assim mais tóxicos, eu não chegava, eu preferia nem falar, e eu mantive como segredo

o parto domiciliar, só quem sabia era a equipe, e algumas amigas, e minha irmã. Da

família ninguém sabia, porque eu queria evitar, é muito cheio de preconceitos, de

pré-julgamentos. Então eu resolvi manter em segredo isso, e a data provável do

parto, para também ninguém ficar na ansiedade assim em cima de mim. Eu encorajo

todo mundo a fazer também, que se quiser um parto domiciliar, é muito mais

confortável para a nossa sanidade. (Dália)

E minha família não sabia de nada o tempo todo. Então eu não contei nada. No

momento eu joguei assim a ideia “ah, desse jeito, com essas maternidades, melhor ter

em casa, né?” Mas as respostas sempre foram muito negativas, muito céticas. E aí eu

continuei e não contei pra eles. Por isso eu contei com a ajuda das minhas amigas. A

minha segurança, a informação que eu busquei, o estudo que eu fiz, me fez tão bem e

até o fato de eu não contar pra minha família, porque eu sabia, eu convivo muito com

eles, penso muito diferente deles. Eu sabia que se eu entrasse nessa discussão, eles iam

tentar me influenciar a não fazer. Então eu corria muito o risco de não conseguir.

(Girassol)

Eu tinha comentado com minha mãe, aí ela disse que não, que não podia ter o parto

em casa, era um risco... Depois que eu vi que não tinha conversa com minha mãe eu

me calei, não falei mais nada com ela a respeito, mas já tinha tomado internamente a

decisão de ter um parto em casa mesmo. Tomei essa decisão. Tanto que fui ter na

casa da minha amiga mesmo, não fui ter em casa. Eu sabia que eu não ia ser

aceita. (Margarida)

A busca das mulheres pelo parto domiciliar é motivada pelo desejo de obter uma

assistência obstétrica que atenda aos vários anseios referidos, mas que ainda não são

encontrados na maioria dos hospitais no Brasil. Essa escolha traz como consequência um

enfrentamento ao modelo de assistência obstétrica existente. As gestantes que decidem por

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parir no domicílio enfrentam reações de preconceito, surpresa e negativismo por parte das

pessoas que desconhecem os benefícios e como realmente funciona o PDP (Menezes et al.,

2012).

Na pesquisa de Castro (2015) e de Martinez-Mollá et al. (2015) as mulheres relataram

ter sido taxadas por familiares e amigos de “loucas”, “malucas”, “irresponsáveis” e

“transgressoras”, sendo acusadas de colocarem a própria vida e a vida do bebê em risco, ao

optarem pelo parto em casa, fato esse que foi corroborado em nosso estudo, conforme a

ilustração das narrativas.

É possível notar o quanto ainda a sociedade precisar entrar em contato com esse tema

de forma ampla, a fim de que os mitos e preconceitos possam ser esclarecidos e para que os

reais riscos e benefícios do parto domiciliar planejado possam ser compreendidos de maneira

profunda. O desconhecimento pela grande maioria da população sobre o tema reflete na

vivência do parto domiciliar como um evento secreto, no qual uma parte das mulheres não

pode compartilhar sobre suas decisões, pois correm o risco de serem julgadas negativamente.

No entanto, após realizarem o parto domiciliar, as reações dos familiares se dividiram.

Dália e Girassol relataram que sofreram críticas de algumas pessoas da família, que ficaram

chateadas por elas não compartilharem sobre a decisão do parto em casa, assim como também

se preocuparam porque o parto não aconteceu em um hospital. Alguns outros familiares

ficaram surpresos e felizes com a notícia, parabenizando-as pela conquista. As falas de Dália

e Girassol retratam bem essa realidade:

“Minha filha, que invenção é essa?” A primeira coisa que ele disse “Que invenção é

essa..” Entrou no quarto. Aí eu “papai, você veio aqui pra dizer isso?” Aí ele “Não..

parabéns!! Tá tudo bem, isso é o que importa.” Eu não vou mentir, a minha

satisfação de “sim, eu fiz isso, mesmo que vocês não aceitassem” E minha irmã a

mesma coisa “Mas por que você não contou pra gente?(...)Então até hoje eles falam...

“se você tiver outro, tenha no hospital.” Ah, tô vendo seu respeito à minha opção,

né?(...)E aí depois outras pessoas vieram me criticar, que acontece... Eu ainda sofro

uma, não vou dizer violência porque ninguém me ofende, mas... quer dizer, de vez em

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quando ofende sim, mas um certo preconceito mesmo com esse parto. “Você é

doida”. Imagine se eu tivesse falado antes! “Você é doida, ah meu Deus, porque não

fez numa maternidade? Mas é muito mais seguro, eu não entendo.”

Principalmente minha família né (...) A minha irmã ficou chocada, acho que ela não

dormiu por duas semanas. (Girassol)

Os pais do Lauro, que moram aqui, foi surpresa total “que loucura é essa, não sei o

que”. E minha sogra “Você conseguiu”. Ela sabia que eu queria muito né. “Que

coisa boa” Foi só coisa boa (...) Meu pai ficou muito impressionado, mas só

felicidade. Agora com minha mãe que teve isso né. Se sentiu traída, “você é

louca”. Ainda bem que eu não contei para ela. Mas ela se sentiu, ficou muito, assim

traída, muito magoada...(risos) E durante muito tempo: “Tudo bem ter um parto

normal, mas precisava ser em casa?”. Continuou com a mesma visão que todo mundo

tem (...) Depois com um tempo, ela ficou: “teve em casa, acredita?” Tipo,

mostrando né, mas me parabenizou demais, ave maria. Ela sabia como era

importante para mim. E tal, ainda bem que você conseguiu, e tal, mas não

precisava ser em casa. (Dália)

Ainda é forte a presença no imaginário popular, as crenças de que o parto em casa é

um evento extremamente inseguro devido à “distância” do ambiente hospitalar, o que poderia

colocar em risco a saúde da mãe e do bebê. É importante ressaltar que por mais que se utilize

a tecnologia, nunca é possível assegurar por completo a saúde da mãe e do bebê. Não é

somente o local que influencia ter ou não segurança, mas principalmente a formação das

pessoas que assistem o parto (Crizóstomo, Nery,& Luz, 2007; Frank &Pelloso, 2013).

Existem procedimentos utilizados no parto domiciliar planejado para

acompanhamento da gestante e do bebê durante e após o trabalho de parto que visam garantir

segurança ao processo. A monitoração dos batimentos cardíacos da mãe e do bebê, material

para sutura, oxigênio, injeção de ocitocina, dentre outros, são recursos plenamente

implementados pelos profissionais quando o parto acontece em casa (Menezes et al., 2012).

Algumas pesquisas internacionais publicadas pela Biblioteca Cochrane compararam o

parto domiciliar planejado e o parto hospitalar nos seguintes aspectos: taxas de intervenções,

complicações e mortalidade. Os pesquisadores chegaram à conclusão de que não existe

evidência a favor do parto hospitalar para gestantes de baixo risco quando se compara ao PDP

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e sugeriram que não há motivos para desencorajar o parto domiciliar para esse grupo

específico. Além disso, eles destacaram que alguns estudos observacionais demonstram a

existência de algumas vantagens do PDP (Olsen & Jewell, 2008).

O estudo de coorte holandês que foi publicado em 2009 realizado com 529.688

mulheres de baixo risco comparou a mortalidade perinatal e morbidade severa entre partos

planejados no hospital e em casa, concluindo que o parto domiciliar planejado não aumenta os

riscos de mortalidade e morbidade severa (Jonge et al., 2009).

Falcon e Brillac (2013), investigaram a segurança do parto domiciliar planejado em

relação ao parto hospitalar avaliando a mortalidade, resultados adversos e intervenções

médicas. Tal revisão concluiu que as intervenções médicas são mais frequentes em partos

hospitalares, os resultados adversos maternos são menores em partos domiciliares e que não

foram significativamente diferentes os resultados adversos perinatais tanto no parto hospitalar

quanto no domiciliar.

Os estudos internacionais citados acima vêm comprovando que quando a gestante tem

uma gravidez de baixo risco, condição essencial para o parto domiciliar, ou seja, a mãe não

teve nenhuma intercorrência durante a gravidez e a saúde dela e do filho estão boas, o parto

domiciliar é uma opção segura.

Fato também destacado na afirmação de Sanfelice e Shimo (2014): “O parto

domiciliar planejado e de baixo risco está associado a menores taxas de morbidade materna

grave, hemorragia pós-parto e remoção manual da placenta; baixas taxas de intervenção

obstétricas e não há aumento nas taxas de mortalidade perinatal” (p.158).

Diversos estudiosos vêm advogando que os resultados obstétricos e perinatais são

parecidos independentemente do local onde o parto ocorreu. Além disso, o parto em casa

proporciona uma experiência significativa e satisfatória para a parturiente (Crizóstomo et al.,

2007; Feyer, Monticelli, Volkmer,& Burigo, 2013; Sanfelice & Shimo, 2014).

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5.4. Dos apoios à decisão pelo parto domiciliar planejado

5.4.1. Parto não é doença

As entrevistadas trouxeram o conhecimento adquirido sobre gestação, parto e temas

relacionados como um fator essencial para que elas optassem pelo parto domiciliar planejado.

Em seus relatos podemos observar a importância de várias fontes de informação nos quais

elas buscaram fortalecimento para decidirem pelo PDP. Entre essas fontes, as mais citadas

foram as rodas de gestante, o filme “o renascimento do parto” e as pesquisas na internet.

Quando eu engravidei de novo, assim que eu soube da gravidez eu pensei assim

“não vou cair nessa (cesárea) de novo”. Eu conversei até com meu marido, nós já

tínhamos assistido o renascimento do parto(...) e daí fui pras rodas de gestantes e

foi muito bom conhecer outras pessoas que tenham o mesmo pensamento que eu. Eu

na verdade busquei, me aproximei de pessoas que pensam como eu. Me associei na

associação de doulas, e tudo isso através das rodas. E pronto, quanto mais perto

chegava do dia, mais segura eu me sentia. E inclusive com relação aos estudos. Eu

estudei mesmo, sobre parto domiciliar, sobre os tipos de partos, os mitos, os

riscos de fato, os riscos de uma cesárea, os riscos de um parto normal. Todos os

termos, inclusive todas as intervenções. (Girassol)

A decisão foi assim... eu comecei a participar de um grupo de grávidas que tava se

formando aqui em Natal (...) Aí teve esse primeiro encontro, aí teve o segundo que só

foi eu e outra grávida. Nesse primeiro encontro a parteira comentou a respeito do

parto humanizado e comentou a respeito do parto domiciliar. Aí eu tive esse

primeiro contato e minha cabeça se abriu pra essa possibilidade. Eu pensando que

poderia seguir por aí, foi nesse primeiro encontro. (Margarida)

O acesso a informações sobre os tipos de partos e a realidade obstétrica brasileira tem

sido destacado em pesquisas como algo relevante para que a mulher decida vivenciar o parto

domiciliar. Ao se informar e escolher essa opção, ela desenvolve sua autonomia e

protagonismo, promovendo assim um autocuidado (Castro, 2015; Menezes et al., 2012;

Sanfelice & Shimo, 2015).

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De fato, a mudança está vindo das próprias mulheres, que não estão mais aceitando

sem questionamentos o que é imposto por alguns profissionais e instituições de saúde. Essas

mulheres buscam seus direitos e desejam vivenciar uma assistência que englobe seus anseios

e desejos.

A literatura tem apontado, assim como ficou evidenciado em nossa pesquisa, no qual

todas as nossas colaboradoras possuem nível superior, que as mulheres que buscam o PDP

possuem, em sua maioria, um nível de escolaridade mais elevado, possuindo assim um acesso

mais fácil à informação. Isso permite então a obtenção de mais conhecimentos à respeito do

tema, influenciando diretamente na opção pelo parto em casa. Através da pesquisa e do

contato com as informações, as mulheres apropriam-se do conhecimento e podem assim

questionar o que é oferecido na assistência obstétrica, decidindo o que é melhor para si,

tomando uma decisão mais consciente e informada (Sanfelice & Shimo, 2015).

O estudo e a busca pelo conhecimento na maioria das vezes influenciam também os

companheiros, fortalecendo a decisão do casal, trazendo assim mais segurança com a opção

pelo PDP, conforme observou-se na fala de Girassol.

E meu marido, por mais que ele não lesse, não estudasse tanto quanto eu, ele absorvia

porque de certa forma eu contaminava um pouco com as informações que eu tinha. E

tudo que ele vinha trazer de dúvida, ele perguntava pra mim. E tudo que eu

respondia pra ele, eu respondia com conviccção, eu sabia o que eu tava falando. E ele

se sentia seguro. E dessa forma ele se empoderou também. (Girassol)

A internet tem sido um meio de comunicação bastante eficaz para difundir esses

conhecimentos, já que há uma grande quantidade de sites, blogs, artigos científicos, vídeos no

youtube, listas de discussão e grupos de gestantes online que discutem esse tema (Castro,

2015; Menezes et al., 2012).

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As rodas de gestantes, citadas por duas participantes, foram apontadas como um apoio

importante para as mulheres que estão na busca de um parir humanizado, sendo também um

local de forte influência para a decisão do PDP.

Nessas rodas, as gestantes têm contato com diversos temas relacionados à gestação e

parto, expõem suas dúvidas, ouvem diversos relatos de mulheres que já passaram pela

experiência de partos hospitalares e partos nos domicílios e passam a ter contato com

profissionais que buscam seguir o que propõe a humanização do parto. Dessa forma, alguns

mitos podem ser quebrados, alguns medos podem ser extintos, a confiança na decisão de ter o

parto em casa pode aumentar, assim como a sensação de se sentir compreendida e apoiada por

outras pessoas que estão vivenciando ou vivenciaram situações semelhantes. Esses grupos

podem então, se tornarem fontes de construção de maior autonomia e segurança entre o casal.

Sendo assim, os grupos e rodas de gestantes precisam ser incentivados devido ao seu

caráter educativo e informativo, e não apenas para as gestantes, mas para a sociedade como

um todo, tanto na rede pública quanto privada (Sanfelice & Shimo, 2015).

Para as pessoas que desejam ser pais, é importante que o acesso à informação ocorra o

mais cedo possível, para que as famílias possam planejar da melhor forma possível a chegada

desses filhos.

A constatação de que parto não é doença e da possibilidade segura de um PDP

também foi bem ilustrada nas vivências de Gardênia e Dália. Além do conhecimento de

Gardênia adquirido no filme “O renascimento do parto”, do curso de doula e da proximidade

com sua irmã, também doula, o fato de possuir uma gestação saudável contribuiu para a opção

pelo parto domiciliar planejado.

Assim, antes de engravidar eu já tinha feito um curso de doula, um curso de doula

comunitária em janeiro de 2014, minha irmã é doula, então essa discussão já estava

próxima de mim... eu já tinha assistido o filme “o renascimento do parto” e eu já

estava bastante próxima dessa discussão(..) O que pra mim foi importante também,

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foi entender desde o princípio que o parto ele não é um procedimento de doença...

porque a gente costuma né, a gente procura hospital, a gente procura um médico

quando? Quando a gente tá doente, quando a gente tem alguma queixa, algo assim.

Quando eu estou grávida, se a minha gravidez é tranquila, se tudo sai dentro do

esperado, tá tudo saudável, não há motivo pra eu procurar um hospital.” (Gardênia)

“O parto em casa era o melhor para nossa família, pro que a gente acha que é mais

coerente com o que a gente acredita. Sabendo que a gravidez todinha foi uma gravidez

de baixo risco né, uma gravidez saudável. Então não tinha lugar melhor para parir que

não fosse aqui. (Dália)

A visão de Gardênia e Dália é que o parto não precisava acontecer em um hospital já

que a gestação era saudável e tranquila. Durante os 9 meses de gravidez não houve nenhuma

intercorrência que justificasse a necessidade de um parto hospitalar. As gestações eram de

baixo risco, sendo essa uma das condições exigidas para um parto domiciliar.

Na revisão mais recente da Biblioteca Cochrane, os autores evidenciaram que não

existem motivos para desencorajar o parto domiciliar planejado para mulheres com gestação

de baixo risco, não há necessidade de um parto hospitalar para esse grupo de mulheres, já que

os estudos não demonstraram uma maior segurança (Sanfelice & Shimo, 2015).

Flor de Lótus é enfermeira, doula e trabalha diretamente na assistência obstétrica,

tendo sido seu conhecimento e prática profissional fatores primordiais para a sua tomada de

decisão, conforme sua fala:

A minha decisão foi quando eu planejei, antes de eu engravidar eu já pretendia porque

eu sou enfermeira né, tenho essa vivência em maternidade, eu trabalho em

maternidade e antes de trabalhar em maternidade quando eu tinha os estágios, eu

adorava ficar em maternidade nos estágios e eu gostava muito, eu achava o parto

uma coisa muito natural e normal. (Flor de Lótus)

Acompanhando diversos nascimentos em sua profissão, Flor de Lótus passou a

enxergar o parto como um acontecimento natural e que poderia ser tranquilamente vivenciado

em sua casa.

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5.4.2. O apoio dos companheiros

Surge com bastante ênfase o apoio dos companheiros na decisão sobre optar pelo parto

em casa. Nossas colaboradoras relataram ter recebido total suporte dos companheiros e

afirmaram o quanto esse amparo foi importante para o fortalecimento da decisão pelo PDP.

Margarida foi a única colaboradora que estava solteira na época do parto e não pôde contar

com o apoio do pai da criança. Vejamos os relatos abaixo:

Eu costumo dizer que algumas batalhas que a maioria das mulheres precisa

enfrentar eu já não precisei enfrentar. Tipo, uma batalha com o companheiro, de

ter que convencer o companheiro. Na verdade, eu não tive nenhuma dificuldade,

meu companheiro é uma pessoa que, ele não tem muita formação, mas ele tem um

entendimento de processos da vida, das coisas serem, fluírem mais quando são

naturais... então desde a primeira vez que eu conversei com ele “eu quero que meu

parto seja em casa”... ele disse “bora nessa” (Gardênia)

Com certeza, ele (o companheiro) embarcou comigo, desde a primeira gravidez, a

gente queria muito, mas a gente era mais verde, né, no assunto. Até agora me

apoiou em tudo, em tudo, em todas as dificuldades ele tava ali para contornar. Ele é

um cara muito mais racional do que eu, eu sou muito mais emotiva, ele tentava me

trazer, sabe, uma razão para aquela dúvida ou para aquele medo que eu tinha durante a

gestação. (Dália)

Eu conversei até com meu marido, nós já tínhamos assistido o renascimento do parto

(...) Porque assim, eu acho que isso acontece com a maioria das pessoas que optam por

um parto natural, elas passaram por uma experiência ruim antes, são raras, são poucas

as pessoas que eu conheço que optam por um parto natural humanizado na primeira

gravidez. E aí ele mesmo disse, “vamos buscar informação, vamos falar com a

doula”(...) O apoio do meu companheiro, foi fundamental. (...) A pedra fundamental

foi ele. (Girassol)

Do meu marido sempre (teve apoio), sempre... (Flor de Lótus)

Conforme apontam Feyer, Monticelli e Knobel (2013) os casais que escolhem o parto

domiciliar planejado são, no geral, casais que compartilham o momento da gestação

vivenciando todas as etapas da gravidez, sendo comum tanto para o homem quanto para a

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mulher a preparação para a chegada do bebê. O apoio dos companheiros na tomada da decisão

se refletiu também na forte presença e apoio deles durante o trabalho de parto e parto.

Um estudo publicado em 2015 realizado na Espanha com 11 casais que vivenciaram o

parto domiciliar planejado, avaliou o papel do pai na tomada de decisão do parto em casa. O

estudo evidenciou que a ideia inicial de ter o PDP surge da mulher, mas é amplamente

apoiada pelos companheiros, sendo essa decisão tomada em conjunto. O pai se torna então

fundamental para que essa decisão seja concretizada, sendo assim, os participantes relataram

que deviam respeitar a decisão da mulher e acompanhá-la durante todo o processo. Eles não

demonstraram sentir medo ou receio com a opção pelo parto em casa (Martinez-Mollá et al.,

2015). Esse fato foi corroborado por nosso estudo, no qual os companheiros estiveram

apoiando suas mulheres incondicionalmente desde a tomada de decisão até o desfecho final

do parto.

Um aspecto diferente do encontrado na nossa pesquisa em relação a esse estudo

realizado na Espanha, é que os companheiros é que ficavam responsáveis por buscar

informações relacionadas à questões como segurança e riscos para a mãe e a criança na

vivência do PDP. Já em nossa pesquisa, as mulheres é que “detinham” e se apoderavam

desses conhecimentos, “contaminando” assim seus companheiros.

Uma de nossas participantes, Girassol, citou o apoio do companheiro também na

questão financeira, quando ela se preocupou em como pagaria o parto. Conforme seu relato:

As dificuldades que eu senti foram econômicas (...) o que me ajudou a superar essa

dificuldade foi o meu marido porque ele disse “Você não vai deixar de fazer o parto

que você quer por causa de dinheiro. Faça, depois a gente se vira.” (Girassol)

Esse relato mostra que o apoio oferecido pelo companheiro se dá não somente em

aceitar a decisão de ter o parto em casa, mas também buscar formas de viabilizar soluções

para os enfrentamentos que surgem. A pesquisa de Martinez-Mollá e colaboradores também

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evidenciou que um dos papeis dos companheiros foi o apoio econômico para a realização do

PDP.

Portanto, os relatos mostram que de maneira geral a opção pelo PDP é bem discutida

pelo casal, não sendo essa uma atitude impulsiva ou sem planejamento, envolvendo assim

uma grande busca de informações que visem superar as angústias, medos e preocupações.

Sem o essencial apoio de seus companheiros, muito provavelmente essas mulheres se

sentiriam desamparadas nesse momento tão delicado que é o parto, o que possivelmente

poderia causar algum desconforto emocional, dificultando o processo do nascimento.

5.4.3. O convite da parteira

Um dos apoios citados por uma de nossas participantes para a decisão pelo parto

domiciliar planejado foi o convite que a parteira fez para acompanhá-la voluntariamente no

parto, conforme seu relato:

Eu pensando que poderia seguir por aí, foi nesse primeiro encontro (de gestantes).

Quando foi no terceiro, aí apareceu a Russa, que participou desse grupo e ela já tava

decidida a ter parto em casa. Aí a parteira me convidou, me sugeriu e falou „Você

gostaria de também ter o parto em casa? Se você disser que sim eu posso te ajudar‟. Eu

não tinha dinheiro, mas ela se voluntariou a fazer meu parto se eu quisesse, ela ia se

voluntariar. O que eu precisaria era apenas uma quantidade de dinheiro pra comprar só

os materiais, os antissépticos e tal, os materiais de limpeza. Aí pronto, nesse terceiro

encontro, eu já tava com 8 meses, foi que eu decidi ter o parto domiciliar. (Margarida)

A decisão de Margarida pelo parto em casa se deu no fim da gravidez, já aos 8 meses

de gestação, diferenciando-se das outras participantes que escolheram vivenciar o parto no

domicílio desde o início da gestação.

Na sua entrevista, Margarida relatou que sabia pouco sobre o parto domiciliar e teve

apenas um mês para se preparar:

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A decisão de ter o parto em casa foi assim muito rápida, eu não me preparei, não me

preparei mesmo. Eu fui decidir ter o parto normal com 8 meses já de gravidez, faltava

só um mês pra nascer. Foi muito repentino. Eu sempre quis ter um parto normal, isso é

incontestável, mas eu imaginava ir pro hospital ter o parto normal, e não dentro de

casa. Foi uma novidade que eu ainda não tinha ouvido falar. (Margarida)

Diferentemente do que aponta a literatura, que demonstra o quanto a decisão pelo

parto em casa é bem pensada e estudada, com Margarida aconteceu de forma diferente, ela

não teve tempo de se preparar para essa vivência como as outras mulheres.

Durante o relato do seu parto, Margarida evidenciou ter sentido um atrapalho e

desconexão entre as pessoas que estavam auxiliando no parto e ressaltou a falta de

organização em algumas funções pré-estabelecidas. Ela acredita que esses motivos

colaboraram para que ela não se sentisse totalmente relaxada e confortável durante o trabalho

de parto, o que pode ter contribuído para o parto ter sido mais longo e doloroso. O pouco

tempo entre a decisão pelo PDP e o parto não possibilitou que Margarida pudesse organizar

todos os detalhes com calma e da forma como ela gostaria, tendo assim ocasionado alguns

entraves que serão discutidos em um próximo tópico.

Cada mulher que colaborou com essa pesquisa possui uma história de vida que

impulsionou a busca pelo parto domiciliar planejado. Vivências anteriores, crenças sobre

humanização, medos, frustrações e apoios que contribuíram para o fortalecimento da decisão

de parir em casa.

A seguir, conheceremos alguns preparativos vivenciados por essas mulheres na busca

pelo PDP, como a escolha da equipe, o modo como cada uma lidou com a família, a questão

financeira e por fim, alguns medos que rondavam o imaginário sobre o que poderia acontecer

durante o parto.

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6. Os preparativos para a boa hora

Ao decidir pelo parto domiciliar planejado, é necessário organizar alguns aspectos

para que tudo ocorra da melhor forma: a organização do espaço físico onde o parto

acontecerá, a escolha da equipe, realizar um planejamento financeiro para cobrir os gastos

com os profissionais, materiais necessários para o parto e alimentação, dentre outros itens.

Entre medos e desejos elas driblam as pedras no caminho, conforme veremos nos

eixos temáticos que compõem esse capítulo.

6.1. Os medos da hora H

Durante o planejamento para o parto domiciliar, nossas colaboradoras enfrentaram

alguns medos e preocupações que possuíam relação direta com o desejo pelo parto em casa,

com a hora H. Alguns medos estavam relacionados ao que poderia acontecer durante o

trabalho de parto, causando aflição, pois não estavam ao alcance delas a resolução de certas

situações, por se tratarem de eventos imprevisíveis. Outros receios tinham relação com a

questão financeira. Diante dos medos que cada colaboradora sentiu, elas buscaram formas de

enfrentar as situações e puderam também receber apoio, principalmente dos seus

companheiros.

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6.1.1. O medo da equipe plantonista

Apesar da imensa vontade e preparação para vivenciar o parto em casa, as mulheres

lidavam também com a possibilidade de remoção para um hospital ou maternidade, em caso

de necessidade durante o trabalho de parto.

Além das condições da gestação, a OMS recomenda que no planejamento do parto

domiciliar sejam avaliados também os hospitais ou maternidades que possam atender a

gestante e o bebê no caso da necessidade de transferência durante ou após o processo do parto

(OMS,1996).

Ir para um hospital ou maternidade traz como consequência ser cuidada por

profissionais desconhecidos, como os médicos plantonistas e enfermeiros. Duas de nossas

participantes retrataram em suas falas o receio existente em ter que lidar com o médico de

plantão.

E teve, assim, no começo a obstetra né. Porque uma das seguranças que a gente tem

que ter no parto domiciliar, é um backup né, que chama. Um médico que tá ali, no

hospital para lhe atender, e aqui a gente não pode contar com nenhum médico como

backup. Aí eu tive a dificuldade de aceitar o plantonista como backup. Que ele não

pode negar a atender uma pessoa que tá chegando. Então desconstruir essa ideia que

vem dos casos de violência, que a gente sabe que tem, né? De repente sofrer na mão

de um plantonista, assim mais casca grossa... Foi acho que, uma das dificuldades

para eu aceitar, a ideia assim de ter de repente de sair de casa e ir para um

hospital, encarar um plantonista. Uma vez isso superado, superou, bola para frente

(...) Mas o medo era mais esse de sofrer uma episiotomia. Se o parto normal tivesse

acabado no hospital, de sofrer violência (Dália)

O médico ele não espera (o trabalho de parto), dentro de um hospital ele espera o que?

4, 6 horas. Os procedimentos que são utilizados minam não só a confiança da mulher,

mas eles minam as condições básicas pra que esse parto natural aconteça. Então, no

fim das contas se começa com um procedimento e no final um procedimento

desencadeou 10 procedimentos que no final termina em uma cesárea. Então é muito

arriscado quem quer ter um parto normal. Se você vai pro hospital hoje você vai

confiando, você vai orando pra encontrar uma equipe num dia bom. Porque os relatos

que a gente ouve são “Ah, fulana teve com médica tal e foi maravilhoso... Mas fulana

pegou tal médica, a mesma médica, num dia não muito bom e foi pra uma cesárea”.

Então você fica à mercê da sorte, à mercê da sorte, da energia dos médicos. (...) Eu

tinha muito medo de ir pro hospital, porque qual é o hospital aqui em Natal que eu

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tendo uma cesárea anterior eles iam esperar mesmo que eu já tivesse adiantada? Não

ia, não ia! Ia mandar direto pra cirurgia. (Gardênia)

Porque eu pensava muito em lacerar, pensava muito que eu ia ter laceração e as

meninas não fazem sutura. E eu tinha medo de ter laceração e ter que ir pro hospital

suturar. E isso foi uma coisa que me deixou bem tensa, não ter a médica lá, que no

caso era a única pessoa que tava faltando na equipe, era ela. Mas no atendimento delas

eu tava tranquila, eu só tinha medo de ter laceração. (Flor de Lótus)

O medo da equipe plantonista está ligado a possibilidade de vivenciar violência

obstétrica, algo ainda infelizmente bastante presente nas instituições de saúde.

Ao adentrar em uma maternidade ou instituição hospitalar, a gestante precisa se

enquadrar nas normas, regras e procedimentos daquele ambiente, diminuindo assim sua

autonomia e poder de decisão, sendo essas decisões conduzidas pelos profissionais e, em

especial, pelo médico de plantão.

Em muitos casos, o médico visa conduzir o processo do nascimento e assim passa a

decidir o que é “melhor” para a gestante. Além disso, a tecnologia utilizada na assistência ao

parto proporciona a sensação de que tudo está acontecendo de forma mais segura, e como o

médico detém o poder sobre tal tecnologia, ele passa a ser visto como o “ator” principal nesse

cenário. Porém, o uso da tecnologia vem recebendo críticas em estudos recentes, os quais

comprovam que quando essa tecnologia é utilizada de forma errônea, os resultados maternos e

perinatais se tornam adversos. (Sanfelice et al., 2014).

Diniz (2009) ao discutir sobre a tecnologia na assistência ao parto no Brasil, afirma

que convivemos com o pior dos dois mundos: “o adoecimento e a morte por falta de

tecnologia apropriada, e o adoecimento e a morte por excesso de tecnologia apropriada” (p.

316).

Em nossa cultura está presente a ideia de que a tecnologia salva vidas, o que de fato é

verdadeiro. Porém, utilizada de maneira errônea pode causar sérios prejuízos à saúde da

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população e em muitos casos essa ideia não é divulgada para os leigos e as mulheres (Kruno

& Bonilha, 2004).

Na obstetrícia, o uso da tecnologia está ligado à crença de que o corpo feminino é

defeituoso, necessitando de correções e intervenções, ocasionando então uma superestimação

das vantagens da tecnologia, e uma subestimação dos efeitos adversos que ela pode causar

(Diniz, 2009).

Infelizmente a violência está presente tanto em instituições de saúde públicas quanto

privadas. A violência vivenciada pelas mulheres ocorre em diversos aspectos, principalmente

a violência física e psicológica, que engloba procedimentos desnecessários e dolorosos, tais

como a não explicação dos procedimentos implementados durante o processo do parto,

exames de toque feitos sem o devido cuidado, além de xingamentos, humilhações, recusa de

alternativas para alívio da dor e negação de atendimento (Perseu Abramo & SESC, 2010).

O modo como muitos profissionais tratam as gestantes nas instituições de saúde revela

a transformação da mulher de sujeito para objeto e a perda do protagonismo no processo,

portanto o cuidado dirigido a elas na gestação e no parto passa a ser objetificado com práticas

por vezes desumanizadas, gerando, portanto, os medos citados por nossas colaboradoras.

6.1.2. A posição do bebê

Dália destaca seu medo em relação à posição do bebê, fato que poderia vir a impedir a

realização do parto no domicílio. Uma das condições para a ocorrência do parto em casa é o

bebê estar em posição cefálica, com a cabeça para baixo e os pés para cima (Koettker,

Bruggemann & Dufloth, 2013). Na gestação anterior, o bebê de Dália estava em posição

pélvica, o que a deixava um pouco receosa em relação à posição da bebê na segunda gestação.

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Meu bebê tava pélvico na gravidez anterior, e de eu saber que ela tava um pouquinho

na diagonal, tive assim uma dificuldade minha, de entender, eu até brinquei com o

Marco né, „eu acho que até agora eu já fiz tudo que tava ao meu alcance, agora é o

bebê. Aí nas consultas pré-natais, da equipe do parto em casa, ela percebeu que a

cabeça tava um pouco deslocada, não tava encaixada, tava inclusive, flutuante

sabe. Era sinal até que tinha liquido suficiente né, mas isso me fez, esse tipo de

diagnóstico assim, me fez duvidar um pouco né, dela, apesar dela ficar me falando

“isso não tem problema nenhum, é um angulosinho de 30º que ela tá mais pro lado,

e não tem problema”, mas eu fiquei meio ressabiada. Nesse dia conversei com

Mauro, chorei, a gente fica muito sensível né, no final da gravidez. Tomei banho de

mar, passou, eu esqueci... é, no trabalho de parto conserta o que tiver num ângulo

desfavorável, e foi realmente o que aconteceu. Eu tive, a gente filmou, e eu acho que

eu fiquei com isso tanto na cabeça que durante o trabalho de parto, eu ficava mexendo

minha cabeça, como se fosse a bebê, se ajeitando, sabe. (Dália)

É interessante observar como as vivências das gestações anteriores podem influenciar

nos anseios e medos da gestação atual, fato que pode deixar a gestante insegura e receosa de

que algo ruim possa ocorrer ou se repetir.

Isso nos leva a refletir sobre a importância do preparo psicológico da mulher durante

toda a gestação, o que muitas vezes é negligenciado, dando-se muita ênfase e prioridade ao

cuidado com o físico, esquecendo-se assim dos aspectos emocionais e psicológicos.

A gravidez é um momento em que sentimentos conflitantes podem surgir,

relacionados ao bebê ou a própria vida da mãe. É um período em que ocorrem muitas

mudanças na vida do casal, envolvendo aspectos sociais, familiares, profissionais e também

pessoais (Almeida & Arrais, 2016).

Sendo assim, o preparo físico e psicológico para o parto e a maternidade pode

proporcionar uma vivência mais saudável e positiva para a mulher. A assistência pré-natal,

portanto, precisa considerar também as demandas emocionais do casal, servindo para aliviar

as tensões e aumentar o sentimento de segurança da gestante (Almeida & Arrais, 2016).

Quanto mais a gestante se sente segura em relação a si e a assistência que vem recebendo,

mais ela pode se sentir preparada para o momento do parto, vivenciando uma experiência

satisfatória.

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As equipes que atendem parto domiciliar planejado oferecem uma assistência pré-natal

que busca realizar um preparo do corpo físico e mental, no qual a prevenção de riscos é

apenas um aspecto desse acompanhamento. A preparação ultrapassa as questões biológicas e

abrange o cuidado da mente, da espiritualidade, do ambiente e das relações interpessoais

(Menezes et al., 2012).

6.1.3. O financeiro: pedra no caminho

Planejar o parto em casa pode implicar em enfrentar dificuldade financeira para pagar

os profissionais e outros detalhes da organização, como a alimentação.

As dificuldades que eu senti foram econômicas, porque além de pagar... eu já estava

pagando a doula, tive que pagar a parteira, que eu ainda nem terminei de pagar a ela. E

a alimentação, basicamente isso. Eu tava numa situação um pouco difícil, a gente tava.

Mas Maria foi super flexível e ela não deixaria de fazer por causa de dinheiro. E isso

foi decisivo também, sabe? (Girassol)

Em virtude de o parto domiciliar planejado na maior parte do Brasil ainda não ser um

serviço coberto pelo Sistema Único de Saúde (SUS), as gestantes precisam se organizar

financeiramente para cobrir os custos (Martinez-Mollá et al., 2015).

Porém, observa-se também que muitas mulheres que não possuem um poder aquisitivo

que garanta a realização do PDP, se empenham e buscam formas de adquirir recursos para

pagar. É comum encontrarmos nos grupos de facebook relacionados à maternidade, rifas com

o objetivo de angariar recursos para partos domiciliares, assim como também outras diversas

iniciativas, por exemplo, a venda de alimentos, objetos, livros, a realização de eventos, etc.

Em Belo Horizonte, o hospital Sofia Feldman está sendo pioneiro no atendimento ao

parto em casa há aproximadamente um ano, disponibilizando enfermeiras obstetras para

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acompanhar as gestantes e essa experiência vem apresentando resultados satisfatórios

(Sanfelice&Shimo, 2015).

No entanto, essa ainda é uma realidade distante do que acontece em outras cidades

brasileiras, levando-nos a refletir que a discussão sobre o parto domiciliar planejado precisa

ser ampliada. É necessário existir uma maior difusão de conhecimentos sobre o tema, mais

estudos sobre possíveis riscos e os efeitos benéficos dessa modalidade de parto, possibilitando

assim a expansão e inclusão do PDP nas políticas públicas de saúde. Desse modo, outras

mulheres podem também ter a oportunidade de vivenciar o parto em casa, caso assim

desejem.

O Ministério da Saúde quando se refere a essa modalidade de parto em suas

publicações, associa esse evento somente a regiões onde há precariedade nos serviços de

saúde e falta de recursos. As orientações se destinam à capacitação das parteiras tradicionais,

de modo que há uma ausência de debate a respeito do parto domiciliar planejado nas grandes

cidades.

Diferentemente de países como Reino Unido e Canadá, as mulheres podem escolher o

local de parto e contar com o apoio do governo e a presença de profissionais capacitados em

suas casas para receber o melhor atendimento possível, se elas assim desejarem (Castro,

2015).

Corroboramos com a referida autora quando ela aborda sobre a ausência do Ministério

da Saúde nas discussões sobre PDP, e as consequências dessa ausência, ao dizer que:

Contribui para que o evento ocorra quase clandestinamente, levando ao isolamento das

mulheres em um período em que é importante contar com uma rede de proteção

ampla, que inclui companheiro, família, amigos, profissionais e a retaguarda da rede

pública de saúde. (Castro, 2015, p. 74)

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De fato, será um grande avanço quando o SUS puder aumentar a atuação dos

profissionais no acompanhamento do parto domiciliar planejado, o que irá proporcionar maior

acesso a essa opção e satisfação das mulheres que desejam esse parto, mas não possuem

condições financeiras. Trata-se de um momento único na vida da gestante, e conforme

preconiza a OMS, é direito da gestante decidir onde ela deseja parir.

Geralmente o PDP tem um custo consideravelmente alto, a depender também de quem

a gestante deseja possuir na equipe. Os principais profissionais que podem estar presentes no

parto são: médico obstetra, enfermeira obstetra, obstetriz, parteira, doula e médico

neonatologista. No caso de nossas participantes, elas optaram pela presença de enfermeiras

obstetras, obstetriz, parteira e doulas, não havia portanto, nenhum médico compondo a equipe.

Flor de Lótus colocou em sua equipe uma médica no qual ela possuía vínculo de amizade e se

dispôs a estar com ela, porém no dia do parto ela não pôde estar presente por compromissos

laborais.

Segundo dados da Associação Potiguar de Doulas, com relação aos valores na cidade

de Natal, as enfermeiras/obstetriz que atuam ou já atuaram aqui cobram um valor superior à

parteira tradicional e por enquanto não existe nenhum médico obstetra que faz

acompanhamento em parto domiciliar planejado, existe apenas uma médica obstetra que

acompanha alguns partos de amigas gestantes.

Apenas uma de nossas participantes não tinha plano de saúde na época em que estava

gestante. Isso demonstra que apesar das nossas colaboradoras possuírem acesso à rede de

saúde privada elas preferiram permanecer em suas casas e pagarem para que outros

profissionais pudessem acompanhá-las. Esse dado corrobora com a pesquisa realizada em

2015 em São Paulo, onde apenas uma das mulheres que decidiram pelo parto domiciliar não

tinha plano de saúde (Sanfelice & Shimo, 2015).

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Portanto, por vezes, a questão financeira representa uma pedra a mais no caminho para

o alcance do PDP de muitas gestantes.

6.2. A procura da equipe ideal: quem vai aparar?

A decisão pelo parto domiciliar planejado implica na escolha da gestante pelos

profissionais que irão acompanhá-la durante o trabalho de parto e parto, possibilitando assim

a escolha de uma equipe que esteja em ressonância com os desejos dessa mulher (Baião,

2012).

Além disso, esses profissionais auxiliam no empoderamento da gestante, na busca por

informações que fortaleçam a decisão de parir em casa, estão dispostos a tirar dúvidas e

apoiar a grávida nas dificuldades que podem surgir diante da decisão pelo PDP.

É bem interessante refletir sobre a importância da construção de conhecimentos entre a

gestante e os profissionais, visto que muitas vezes no pré-natal “tradicional” pouco é

conversado com a mulher sobre o parto e as etapas desse processo. O foco na maioria das

vezes se dá apenas nas condições físicas da gestante e do bebê, não existindo de fato uma

preparação emocional e psicológica para o nascimento.

O movimento pela humanização do parto e nascimento caminha na direção de um pré-

natal onde o cuidado vai além do biológico, seja ele realizado em casa ou no hospital. O

biológico faz parte da preparação para o parto mas não é o único fator a ser observado.

O parto domiciliar planejado também se insere nessa perspectiva da humanização

desde o pré-natal, ao abranger os diversos aspectos da vida da gestante, indo além do

biológico (Menezes et al., 2012).

É importante ressaltar que os nascimentos planejados para acontecer no domicílio são

assistidos por profissionais habilitados para acompanhar a gestante, em geral, médicos,

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enfermeiras obstétricas, obstetrizes e parteiras. São partos planejados antecipadamente, de

acordo com as condições da gestação, pois existem critérios para que o nascimento possa

acontecer em casa: gestação a termo, de baixo risco e com feto único, bebê em posição

cefálica, a existência de um plano de retaguarda caso seja necessário a transferência para um

hospital ou maternidade, dentre outros (Koettker et al., 2013).

É muito importante que a escolha dos profissionais possibilite à gestante se sentir

segura e confiante, para que o parto possa ocorrer da melhor maneira possível, já que os

aspectos emocionais influenciam diretamente em como esse parto irá caminhar (Sanfelice et

al., 2014).

Na cidade de Natal, os profissionais que fazem acompanhamento de partos

domiciliares são bem poucos, conforme já foi mencionado anteriormente, de modo que ainda

não existem tantas opções de escolha para as mulheres que desejam parir em casa.

Para as participantes da nossa pesquisa, essas escolhas foram permeadas por motivos

diversos: a preferência por profissionais com formação acadêmica e o desejo de ser

acompanhada por uma profissional que vivencie as mesmas crenças espirituais e tenha uma

atuação pautada no saber popular. Além disso, algumas escolhas também se deram por

questões afetivas: a amizade que já existia entre a gestante e o profissional, assim como a

afinidade que se construiu entre a grávida e o profissional durante a gestação, sendo esse

vínculo decisivo para tal escolha. Houve também a escolha de profissionais que se

voluntariaram para acompanhar uma de nossas colaboradoras.

Independente da equipe escolhida, todas as mulheres desejavam vivenciar esse

momento com respeito e amorosidade, aliando assim o saber científico e popular com o

cuidado humanizado. A seguir, conheceremos um pouco do trabalho das diferentes equipes

que acompanharam nossas mulheres na busca pelo parto domiciliar planejado: a parteira

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tradicional, obstetriz, enfermeiras obstétricas, midwife e doulas, a fim de entendermos a

opção das mulheres por essas aparadeiras.

6.2.1. Quando as aparadeiras são as parteiras

Com relação à escolha da equipe, duas de nossas participantes, Gardênia e Girassol,

escolheram uma parteira tradicional para acompanhar seus partos. Foi possível identificar a

singularidade dos percursos de nossas colaboradoras para a obtenção da confiança em relação

a tal escolha em detrimento da segurança oferecida pelo aparato mais científico.

Segundo o Ministério da Saúde, parteira tradicional é aquela que promove assistência

ao parto domiciliar se baseando em saberes e práticas tradicionais, sendo reconhecida na

comunidade como uma parteira. As parteiras indígenas e quilombolas também são

reconhecidas como parteiras tradicionais (Ministério da Saúde, 2010).

Historicamente, essas mulheres são pessoas que possuem um saber empírico,

transmitido de geração em geração, de forma oral e a maioria delas não sabe ler nem escrever.

As parteiras acompanham a gestante durante a gestação e parto e também prestam os

primeiros cuidados ao bebê (Barroso, 2009).

A parteira tradicional também é conhecida por outros nomes, a depender da região em

que atua: “parteira leiga”, “aparadeira”, “mãe de umbigo”, “comadre”, “curiosa”, etc. Elas

geralmente atuam em locais onde há pouco acesso aos serviços de saúde e em zonas rurais e

ribeirinhas (Ministério da Saúde, 2010).

Elas possuem conhecimento sobre o corpo da mulher, conhecem plantas e raízes que

servem para tratar diversas enfermidades, sendo herdeiras de um vasto legado deixado pelos

seus antepassados (Barroso, 2009).

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Os cuidados desde a gestação se dão, por exemplo, através de massagem, utilização de

óleo de andiroba, puxações e banhos de assento. Elas prestam cuidados ao bebê desde a vida

intra-uterina, avaliando também as condições da gestação e se é necessário algum tipo de

intervenção, como nos casos que o bebê não está na posição correta para o parto normal,

dentre outras intercorrências (Barroso, 2009).

A formação delas decorre justamente da falta de assistência em saúde e da imensa

necessidade de auxiliar as mulheres e bebês que necessitam, utilizando-se assim dos recursos

disponíveis naquele momento (Borges, Pinho,& Santos, 2009; Guerra et al., 2013).

Porém, o trabalho das parteiras é pouco reconhecido pelos serviços de saúde, faltando

assim o apoio necessário para a realização dessa atividade. A grande maioria delas não recebe

capacitação, materiais básicos necessários para utilização durante o parto e nem remuneração,

se caracterizando assim como um trabalho voluntário (Ministério da Saúde, 2010).

Diante dessa situação, o Ministério da Saúde criou no ano de 2000 o “Programa

Trabalhando com Parteiras Tradicionais” (PTPT), que teve prioritariamente cinco importantes

objetivos: reconhecer, valorizar e resgatar o trabalho das parteiras tradicionais no parto e

nascimento domiciliar; articular o parto e nascimento ao SUS, possibilitando assim o

fornecimento de materiais, apoio logístico e redes de referência para garantir uma prática

segura e de qualidade; garantir os direitos sexuais e reprodutivos de populações onde o acesso

aos serviços de saúde é mais precário; melhorar o acesso às ações e aos serviços de saúde para

população em situação de exclusão social, assim como populações com especificidades

étnico-culturais e por fim, qualificar e humanizar a atenção ao parto e nascimento domiciliar

(Ministério da Saúde, 2010).

Através desse Programa, foram produzidos “O livro da parteira” e o manual

“Trabalhando com parteiras tradicionais”, visando apoiar a capacitação dos profissionais de

saúde. Realizaram-se então processos de discussão e sensibilização para gestores, assim como

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capacitação para as parteiras tradicionais nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste

(Ministério da Saúde, 2010).

A parteira citada por nossas colaboradoras será aqui chamada de Dona Maria. Ela é

parteira há mais de meio século, atuando desde os seus dezesseis anos de idade, já contabiliza

mais de mil bebês nascidos com sua assistência e vive hoje em um sítio na região

metropolitana de Natal.

Gardênia e Girassol falaram sobre a grande identificação que sentiram ao conhecerem

a parteira escolhida por elas: Dona Maria.

E a minha parteira tem uma vivencia próxima a coisa da espiritualidade porque

ela é do axé, também, ela é do axé, ela trabalha com entidades que são entidades de

cultos afro, que é a minha, faz parte da minha vivência da espiritualidade, minha

vivência de espiritualidade é ancorada nisso(...) E o que deu a certeza pra mim, que

me fez optar por ela foi muito essa dimensão espiritual, entendeu? (Gardênia)

Sabemos que a escolha pelo tipo de parto e pelos profissionais que irão acompanhar a

gestante está relacionada ao nível de informação da mulher, sua história de vida, contexto

sócio-econômico, personalidade e os significados que cada uma atribui a esse momento.

Gardênia assinala a importância da questão espiritual como um fator de identificação

decisivo para sua escolha, uma vez que ela partilha das mesmas crenças.

No trabalho da parteira estão presentes elementos da espiritualidade ligados ao

sagrado, como proibições, rezas e amuletos, se diferenciando de um parto no hospital onde as

preocupações técnicas e racionais predominam (Pereira, 2016).

Além disso, em suas experiências acadêmicas, entrou em contato com a educação

popular valorizando assim o saber popular, admirando as pessoas que trabalham dessa forma,

e assim, sentiu confiança em Dona Maria.

A primeira vez que eu encontrei Maria e tal, me conectei com ela e disse “pronto, vai

ser ali.” Uma confiança assim, eu acho que também muito pela vivência que eu tive na

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faculdade, que tive uma vivência na educação popular, então eu tenho um respeito

pelo saber popular né, pelo saber tradicional. A partir de um saber pautado na

oralidade, na ancestralidade, na tradição, numa conexão com a natureza e num

profundo respeito aos processos, de como eles acontecem naturalmente. Então pra

mim, dentro da minha experiência, do que eu gostaria, do que eu queria vivenciar num

parto natural, está com a parteira tradicional. (Gardênia)

No entanto, a escolha pela parteira tradicional também trouxe algumas preocupações

para nossas colaboradoras. Vejamos como elas enfrentaram a ausência do aparato tecnológico

e os receios provenientes dessa escolha.

Quando eu fiz a escolha pela parteira tradicional, eu sabia que alguns

determinados procedimentos, que diante de algumas intercorrências eles

poderiam ser importantes, eu sabia que a minha parteira talvez por não ter a

formação técnica acadêmica, ela não estaria capacitada pra realizar. É diferente

né, de uma enfermeira obstétrica?! Mas eu tinha confiança no processo. Eu tinha

confiança inclusive de que ela não colocaria minha vida em risco. E o que não

estivesse ao alcance dela de realizar, ela falaria: “Olhe, preciso fazer determinada

coisa e isso eu não dou conta, então vamos pra um hospital”. Eu tava tranquila com

relação a isso, entendeu? (Gardênia)

Assim como acontece nas comunidades, as parteiras são reconhecidas pelos seus

conhecimentos e pelo vínculo que estabelecem ao ajudar a comunidade. A atuação das

parteiras acontece de forma abrangente e as pessoas sentem segurança de que podem contar

com elas quando é preciso, não importa a que horas, distância ou condições meteorológicas,

elas estão sempre disponíveis para atender um chamado (Pereira, 2016; Guerra et al. 2013).

Além disso, a utilização de manobras de parto e rituais específicos pelas parteiras

conferem a elas um espaço de reconhecimento simbólico e prestígio social (Nascimento,

Santos, Erdmann, Júnior,& Carvalho, 2009).

Segundo as próprias parteiras, as parturientes confiam nelas porque são tratadas com

carinho, ou seja, de forma humanizada (Pereira, 2016).

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Sendo assim, Gardênia ressaltou a confiança no processo, e de que sua parteira não a

deixaria correr riscos. A confiança e segurança podem ser associadas ao vínculo construído

entre elas.

Já Girassol, no momento em que estava escolhendo a equipe que a acompanharia no

seu PDP, teve receio em escolher a parteira tradicional devido à ausência de formação

acadêmica. Inicialmente ela queria ser acompanhada pela equipe da enfermeira obstétrica e da

obstetriz, no entanto, ao se informar sobre os valores cobrados pela equipe ela optou pela

parteira tradicional. O financeiro surgiu como pedra no caminho e o temor em relação à

formação acadêmica cessou após ela buscar mais informações sobre o trabalho da parteira e,

em especial, depois de conhecê-la.

E aí falei com a doula “Quero ter em casa. Eu tô tão certa disso, parece que foi uma,

uma luz mesmo. Eu tava decidida. Eu quero ter casa”. Aí ela me deu as opções que

eram duas parteiras urbanas né, que eram obstetrizes, enfermeiras obstetras, e a

tradicional que era Maria. Só que de início eu busquei as urbanas né, porque eu

não tive muita firmeza, segurança, com a parteira tradicional, fiquei com um

pouco de receio.” Eu sei que eu até liguei pra elas duas, fiz um orçamento,

digamos assim. E aí eu disse, eu não vou ter condições de pagar, porque era

privado e eu tenho plano de saúde. E comecei a ficar triste, desesperada. Eu vou parir

onde? Eu queria parir em casa, já tinha decidido. E aí ela(a doula) falou “Converse

com Maria, converse também com quem já teve a assistência dela.” E aí eu conversei

com uma pessoa, ela teve com Maria, teve a assistência de Maria e me relatou, me

contou, me tranquilizou, e quando eu conheci Maria achei ela uma figura e senti

uma energia muito boa, positiva e disse “pronto, é isso”. Vai ser Maria e a doula.

(Girassol)

O receio de Girassol ao fato da parteira não ter uma formação acadêmica implicou em

sentimentos de insegurança em relação a sua escolha.

A insegurança de Girassol vai ao encontro do que aponta a literatura: o que a maioria

dos brasileiros pensam a respeito das parteiras é que elas prestam um serviço inferior ao da

medicina e que somente mulheres que residem em regiões muito distantes recebem essa

assistência (Pereira, 2016).

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Pereira (2016) discute a respeito desse preconceito em relação às parteiras:

Essa é uma percepção arraigada na ideia da supremacia do saber científico em relação

ao saber popular, pois, na história da assistência ao parto, possivelmente não exista

profissional com tamanha importância e representatividade tal qual a parteira

tradicional: a sua atuação é tão antiga quanto a própria humanidade. (p. 591)

As sociedades ocidentais contemporâneas valorizam o saber biomédico tendo a

racionalidade científica como caminho para a construção do conhecimento. Existe uma lacuna

entre os saberes produzidos pela ciência e os demais saberes. A ciência ao comprovar, medir,

quantificar e produzir resultados, objetiva tornar esse conhecimento hegemônico, superior

(Gusman, Viana, Miranda, Pedrosa, & Villela, 2015).

Por vezes, as práticas hegemônicas em saúde também apresentam erros e distorções,

como é o caso na obstetrícia da utilização de tecnologia excessiva e da hipermedicalização do

parto (Gusman et al., 2015).

Qual seria então um caminho mais ponderado? Borges (2008) nos leva a refletir: “O

que há de melhor na produção do modo de cuidar da ciência e do modo de cuidar do

conhecimento de senso comum?” (p.330). Para ela, o caminho está no reconhecimento de que

qualquer modo de cuidar é finito e incompleto, sendo então necessário o estabelecimento de

uma rede. Isso proporciona, então, um convite à responsabilidade epistemológica, assim como

a um compromisso ético com a vida.

O que se questiona no saber científico é a aplicação excessiva da técnica. Em

contrapartida, o ponto forte do cuidado no senso comum é a consideração da subjetividade de

quem é cuidado. O saber e cuidado das parteiras quando comparado ao saber e cuidado da

ciência exibe uma maior competência em acessar, criar e tecer as subjetividades (Borges,

2008).

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Algumas pesquisas retratam a valorização da subjetividade das parteiras através dos

relatos de mulheres que receberam essa assistência no parto em casa: “em casa eu tenho um

nome”, “a comadre respeita a hora da gente” “as comadres que cuidaram de mim foram muito

importantes, me ajudaram a ver o que é ser bem cuidada, ser tratada”.

Entretanto, a invisibilidade do trabalho da parteira contribui para que sua atuação por

vezes seja limitada, provocando isolamento e muitas vezes falta de treinamento para que essa

assistência possa ser ainda melhor, contribuindo assim com a ideia de inferioridade atribuída à

esse tipo de assistência (Pereira, 2016).

O trabalho das parteiras tradicionais pode ser dificultado diante de algumas

intercorrências que podem surgir durante a assistência prestada na gestação e no parto: má

posição do feto, problemas cardíacos, eclampsia, gravidez tubária, dentre outros (Nascimento

et al., 2009).

Muitas dessas condições não podem ser resolvidas apenas com a empiria e os saberes

tradicionais, necessitando de intervenção médica que nem sempre está ao alcance imediato. E

no que diz respeito às parteiras que atuam em regiões distantes, esse fato agrava a assistência

prestada. Nesses casos, infelizmente, algumas vezes vidas se perdem, ocasionando novos

problemas sociais e de saúde. Tais situações não podem ser sempre resolvidas, pois operam

numa lógica de tempo que muitas vezes se torna inviável. Quase todas essas mulheres que se

dedicam a aparar os bebês possuem histórias de partos difíceis e consideram a coragem um

atributo essencial nesse ofício, pois em muitos momentos elas não tem com quem contar nem

para onde recorrer, como costumam dizer “Somente elas e Deus.” (Nascimento et al., 2009).

Muitas críticas costumam ser direcionadas às parteiras, pela utilização de

procedimentos que na área da saúde seriam consideradas inapropriadas. Por vezes

extremamente preocupantes, como no caso citado por Nascimento et al. (2009), no qual uma

parteira utilizou um anzol para puxar uma criança que não estava saindo. Corroboramos com

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o o questionamento dos autores que se perguntam sobre como lidar com a falta de recursos, a

inexistência da possibilidade de realizar uma cesariana, ausência de anestesia ou

medicamentos que auxiliem a induzir o parto. É uma situação que impõe nossa atenção em

busca de soluções.

Reconhecer o grande valor presente no cuidado das parteiras e o quanto podemos

aprender com essas mulheres é algo importantíssimo e que nos possibilita relembrar o parto

quando era considerado um evento de mulheres, ritualístico, ligado à natureza e permeado por

um profundo respeito a esse momento de transição, sendo um convite para esse reencontro.

Não podemos deixar de nos atentarmos para o fato de que toda forma de cuidar é incompleta,

portanto, carecemos de humildade para aliarmos os vários saberes (Nogueira da Silva, 2017).

6.2.2. Quando as aparadeiras são as enfermeiras e a obstetriz

No itinerário das escolhas, para outras colaboradoras da nossa pesquisa, a opção foi a

de buscar equipes compostas por enfermeiras obstetras e obstetriz.

Dália e Flor de Lótus escolheram para acompanhar seus partos, respectivamente, uma

equipe composta por uma enfermeira obstétrica e uma obstetriz, e uma equipe composta por

duas enfermeiras obstétricas.

A atuação das enfermeiras obstétricas está regulamentada no Brasil através da lei

7.498/1986 conferindo a elas o direito de acompanhar partos de baixo risco (Feyer,

Monticelli, & Knobel, 2013). Há uma grande relevância na participação das enfermeiras na

assistência ao parto domiciliar planejado. Elas são vistas como profissionais que possuem

uma conduta menos intervencionista e mais humanizada no atendimento ao parto em casa

(Menezes et al., 2012).

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Em pesquisa brasileira realizada com mulheres que planejaram seus partos no

domicílio, as mães revelaram que conseguem estabelecer uma relação mais igualitária com a

enfermeira, o que se torna muitas vezes inviável com o médico, onde há uma maior

dificuldade em romper as relações de poder. Para elas, ser médico significa não considerar as

individualidades da paciente. Revelaram ser impossível obter respeito do médico em um

momento no qual a mulher pode apresentar reações inesperadas, devido à redução neocortical,

emitindo sons, gritos e expressões de caráter animalizado que são extremamente rejeitados em

um ambiente hospitalar (Lessa et al., 2014).

No Brasil, as obstetrizes são pessoas que cursaram o curso de Obstetrícia com duração

de 4 anos e seu exercício profissional é reconhecido pela mesma lei federal que regulamenta a

atuação das enfermeiras obstétricas, sendo também essa profissão reconhecida pelo Ministério

da Saúde para acompanhamento de partos com evolução fisiológica (Castro, Narchi, Lopes,

Macedo,& Souza, 2017; Colacioppo et al., 2010).

A palavra obstetriz é derivada do latim, a partir do verbo “obstare” que significa “para

ficar na frente”, e do sufixo “trix”. Obstetriz significa então “ficar na frente do bebê, uma vez

que está nascendo” (Norman & Tesser, 2015).

A OMS afirma que as obstetrizes são profissionais de saúde que quando formadas e

capacitadas de acordo com as evidências científicas são capazes de prestar assistência a 87%

das necessidades obstétricas da população, contribuindo assim para diminuir a morbidade e

mortalidade materna e perinatal (Castro et al., 2017).

Além disso, a descentralização da assistência médica e o deslocamento do cuidado da

gestação e do parto de baixo risco para as obstetrizes, pode contribuir para diminuir as altas

taxas de cesáreas do Brasil, assim como a violência obstétrica (Norman & Tesser, 2015).

A OMS e o Fundo de Populações das Nações Unidas recomendam que os países

incentivem a formação e atuação das obstetrizes e enfermeiras obstétricas visando melhorar a

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assistência à saúde da mulher tanto no planejamento reprodutivo quanto no acompanhamento

do pré-natal, parto e pós-parto (Narchi, Cruz, & Gonçalves, 2013).

Uma pesquisa realizada pela Universidade de Oxford apontou que nenhum país

conseguiu reduzir a mortalidade materna sem investir na capacitação de enfermeiras obstetras

e obstetrizes (Narchi et al., 2013).

Ao redor do mundo, os modelos de assistência obstétrica variam entre: promovidos

unicamente por obstetrizes e outros compostos por equipe de obstetrizes, médicos e

enfermeiros, a depender se a gestação é de baixo risco ou apresenta complicações (Castro et

al., 2017).

No Brasil, nosso modelo de assistência é centrado no médico e passamos a contar com

obstetrizes formadas através da graduação em Obstetrícia pela Escola de Artes, Ciências e

Humanidades da Universidade de São Paulo a partir de 2005 (Castro et al., 2017).

A escolha de Dália pela equipe da enfermeira obstétrica e da obstetriz se deu

principalmente através de sua aproximação com as profissionais nas rodas de gestantes da

Associação Potiguar de Doulas, onde ela pôde conhecer mais, construir intimidade e sentir

confiança na sua escolha.

Aí casou que no ano anterior de eu ficar grávida a obstetriz veio, para dar mais uma

segurança, que foi, inclusive, a profissional que nos acompanhou. Ela tava aqui, já

tava fazendo essa equipe com a enfermeira, que era outra pessoa que eu confiava

muito, a gente já tinha tido contato, e ficado mais íntima por conta do movimento, da

associação de doulas, então fechou, assim, totalmente. (Dália)

Como já foi discutido em um momento anterior, podemos observar mais uma vez a

importância dos encontros de gestantes como recurso de apoio para as mulheres que desejam

vivenciar o parto em casa, fortalecendo a decisão de parir e encontrando profissionais que

estão dispostos a assistir essas mulheres durante todo o processo.

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Diante de tanto preconceito e reações negativas de familiares, amigos e da sociedade

em geral, a oportunidade de conhecer pessoas que partilham do mesmo ideal proporciona um

sentimento de irmandade entre essas mulheres que acabam se reconhecendo e se unindo

(Lessa et al., 2014).

Flor de Lótus por ser profissional da área de saúde teve facilidade em montar sua

equipe e não precisou pagar nenhum profissional, pois já conhecia as pessoas que trabalham

acompanhando partos. Uma das enfermeiras, já era uma grande amiga sua e se dispôs desde o

início a acompanhá-la, indicando também outra colega que poderia estar junto. Além das

enfermeiras que acompanharam o parto, na formação da equipe tinha também uma médica

obstetra que se dispôs a acompanhá-la, porém não pôde estar presente devido compromissos

de trabalho.

Compondo ainda a equipe, havia duas estudantes de medicina que possuem o interesse

de futuramente trabalhar acompanhando partos, mas não fizeram nenhuma intervenção,

apenas observaram o trabalho de parto. Flor de Lótus explica a formação de sua equipe:

Porque eu conhecia todo mundo, então não tive que ir atrás nem financeiramente,

porque meu parto foi totalmente sem custo, toda a minha equipe foi sem custo. (...) Eu

tive um pouco no início (de dificuldade) porque a enfermeira tava sem equipe e só

tinha ela. E a médica não sabia se ia estar em Natal na época que ela fosse nascer.

Então Luana disse que sozinha não tinha cacife pra enfrentar o parto domiciliar, só

ela e a doula. Ela queria pelo menos outra enfermeira obstetra com ela que se

garantisse também. Aí depois, do início da gravidez até os 6 meses eu tive essa

insegurança porque eu não tinha equipe, mas aí depois dos 6 meses apareceu outra

enfermeira que compôs a equipe na época, que é uma enfermeira obstetra que trabalha

na Januário se eu não me engano. Aí pronto, fazendo a equipe com ela as outras coisas

aconteceram. Foi na época também que a gente conheceu as estudantes de medicina

que, que se ofereceram pra tá junto, pra vivenciarem, elas queriam uma

experiência, sabe? Participar de PD. Eu aceitei de boa, eu gostei da ideia porque

seria um momento que elas poderiam ver que não é esse bicho de 7 cabeças que os

médicos falam sobre isso. (Flor de Lótus)

A OMS recomenda que para um parto domiciliar ser considerado seguro devem existir

alguns preparativos, como: disponibilidade de água limpa no local, ambiente aquecido,

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higiene das mãos, materiais mínimos e transporte disponível para o caso de necessidade de

remoção para um hospital. Além disso, a segurança está associada principalmente ao tipo de

formação das pessoas que assistem ao parto (Frank & Pelloso, 2013).

Na pesquisa realizada por Frank e Pelloso (2013) com profissionais que acompanham

partos domiciliares planejados, esses profissionais afirmaram que a segurança na assistência

está pautada em três critérios: baixo risco gestacional, qualidade da assistência obstétrica e na

redução de intervenções.

Portanto, percebe-se que a qualidade da assistência é um fator primordial para que o

parto aconteça dentro dos critérios de segurança, o que corrobora com a preocupação da

enfermeira que acompanhou Flor de Lótus. Ela desejava encontrar mais uma enfermeira

capacitada que pudesse também fazer parte da equipe, oferecendo assim um maior suporte

nesse acompanhamento.

As evidências científicas apontam resultados positivos quando a assistência ao parto

em casa é feita de maneira planejada e por profissionais capacitados (Koettker et al., 2010).

Sendo assim, esse planejamento feito pelos profissionais também confere maior

qualidade e segurança na assistência, contribuindo também para o fortalecimento da equipe

com relação a sua atuação (Frank & Pelloso, 2013).

6.2.3. Quando a aparadeira é uma midwife

Uma de nossas colaboradoras, a Margarida, teve como aparadeira uma “midwife” que

significa na tradução para o português “parteira”.

A midwife que acompanhou Margarida não é brasileira e teve sua formação no

exterior. Historicamente, existem dois tipos de formação na área obstétrica: o modelo europeu

em que o ingresso se dá diretamente nos cursos de obstetrícia anexos às escolas médicas ou de

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enfermagem e o modelo americano em que a habilitação é concedida através de especialidade

dentro da enfermagem (Riesco & Tsunechiro, 2002).

A formação da midwife é equivalente a de obstetriz que temos no Brasil, é uma pessoa

formada em um programa educacional de obstetrícia, legalmente reconhecido em seu

respectivo país, recebendo a licença para atuar na assistência a partos normais. Essa definição

é adotada pela Internacional Councilof Nurses (ICN) e pela Federação Internacional de

Ginecologia e Obstetrícia (FIGO). A duração dos cursos de formação varia de 18 meses a 4

anos (Riesco & Tsunechiro, 2002).

A midwife se dispôs a acompanhar Margarida gratuitamente, conforme observamos

em seu relato:

A decisão de ter o parto em casa foi assim muito rápida, eu não me preparei, não me

preparei mesmo. Eu fui decidir ter o parto normal com 8 meses já de gravidez, faltava

só um mês pra nascer. Foi muito repentino. Aí a parteira me convidou, me sugeriu e

falou “Você gostaria de também ter o parto em casa? Se você disser que sim eu posso

te ajudar”(...)Eu não tinha dinheiro, mas ela se voluntariou a fazer meu parto se eu

quisesse, ela ia se voluntariar. O que eu precisaria era apenas uma quantidade de

dinheiro pra comprar só os materiais, os antissépticos e tal, os materiais de limpeza.

(Margarida)

Podemos observar então que a ideia de realizar o parto domiciliar planejado surgiu a

partir da participação de Margarida nas rodas de gestantes, entrando em contato com essa

realidade que ela ainda não conhecia, e principalmente em decorrência do convite da parteira,

que se disponibilizou a acompanhá-la. Diferentemente das nossas demais colaboradoras,

Margarida não teve contato com outros profissionais que acompanham partos domiciliares, de

modo que não teve a oportunidade de escolha entre diferentes profissionais. Inclusive pelo

fato da decisão de Margarida pelo parto domiciliar planejado ter ocorrido já aos 8 meses de

gestação, ela não dispôs de tempo suficiente para buscar mais informações.

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6.2.4. Doula, a que ampara a mulher: uma escolha movida pelo afeto

Doula é uma palavra de origem grega que tem como significado “mulher que serve”.

Essa profissão foi reconhecida na Classificação Brasileira de Ocupações no ano de 2013 e

visa oferecer cuidados no pré-natal, parto e puerpério, tornando a vivência do parto e

nascimento uma melhor experiência para a gestante e sua família (Júnior & Barros, 2016).

Historicamente, a doula prestava assistência à gestante no pós-parto, ajudando nos

cuidados com o bebê e a casa, nos serviços domésticos, assim como também auxiliando a

cuidar de outros filhos da puérpera, caso ela tivesse. Ao longo do tempo seu trabalho passou a

ser ampliado e focado na assistência perinatal, seja esse em que momento for: pré-natal, parto

e pós-parto (Leão & Oliveira, 2006; Silva, Barros, Jorge, Melo,& Júnior, 2012).

No Brasil, existem cursos de formação para doulas profissionais e voluntárias,

algumas atuam em maternidades públicas gratuitamente e outras oferecem seus serviços

particulares às famílias que assim desejam (Silva et al., 2012).

Segundo o Ministério da Saúde, o trabalho da doula durante o trabalho de parto

envolve as seguintes atividades: orientar a mulher a assumir a posição que mais lhe agrade

durante as contrações; propiciar a manutenção de um ambiente tranquilo e acolhedor; utilizar

técnicas respiratórias, massagens e banhos mornos; estimular e utilizar métodos para alívio da

dor em caso de necessidade; estimular a participação do companheiro em todo o processo e

apoiar e orientar a mulher durante todo o processo do expulsivo.

Dois estudos internacionais demonstraram algumas vantagens com a presença de

doulas no acompanhamento à gestantes, tais como: redução significativa no uso de analgesia,

fórceps, ocitona e cesariana. Além disso, um estudo que comparou dois grupos no qual um

teve a presença da doula e o outro não, concluiu que as mulheres acompanhadas pelas doulas

tiveram duas vezes mais chances de conseguir o parto vaginal (Silva et al., 2012).

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Um outro estudo realizado com 160 adolescentes parturientes em que uma parte do

grupo teve acompanhamento da doula, 85% das participantes do grupo que contou com essa

assistência e com as técnicas trazidas pelas doulas (massagem, técnicas de respiração, etc)

relataram que essas condutas foram as mais importantes durante o trabalho de parto (Mafetoni

& Shimo, 2014).

Com relação às puérperas que foram acompanhadas por doulas, um estudo identificou

que essas mulheres amamentavam mais, possuíam autoestima mais elevada, menos depressão

pós-parto e uma maior aproximação e interação com seus filhos (Leão & Oliveira, 2006;

Ministério da Saúde, 2001).

Tal realidade nos leva a refletir a respeito da importância do cuidado não apenas no

sentido técnico e instrumental, mas do cuidado que acolhe, que busca entender as

necessidades e dificuldades de cada gestante, para que o cuidado seja integral e

individualizado.

Todas as participantes de nossa pesquisa optaram pela presença de doulas durante o

trabalho de parto e ficou evidenciada que essa escolha foi motivada na maioria das mulheres

pela boa relação e conexão que já existia entre elas e essa profissional.

Na minha primeira gestação eu já tive contato com ela na roda, mas não diretamente.

Aí quando eu tava pra fazer 41 semanas, desesperada já, que eu queria entrar em

trabalho de parto, aí a minha prima que teve natural com outra doula, ela conhecia essa

doula e me indicou pra fazer uma orientação comigo. E aí ela me passou o contato, eu

liguei, e aí eu fui pra onde ela trabalha, fui dois dias, no sábado e no domingo, a

cesárea tava marcada pra terça, aí ela fez algumas coisas de aquapressão, ela

conversou comigo, eu desabafei, fiquei super bem, me senti super bem com ela. Aí

quando eu engravidei de novo foi que eu pensei logo nela. Engravidei, vou logo

falar com ela, vai ser ela e ponto final. (Girassol)

Ela era a doula do meu parto anterior. A gente ficou muito ligada, muito ligada

porque, uma das consequências da cesárea é a descida mais tardia, do leite né. Então

ela me ajudou muito na amamentação, então a gente criou esse vínculo há 5 anos atrás,

muito forte. (Dália)

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É interessante perceber que Dália e Girassol iniciaram a construção desse vínculo com

suas doulas ainda na primeira gestação, momento no qual não foi possível a realização do

parto normal, mas os laços afetivos construídos se mostraram significativos e foram

retomados na segunda gestação.

A doula de Gardênia foi sua própria irmã, que já trabalhava como doula há certo

tempo, apesar de na época do parto ela estar um pouco afastada das atividades da doulagem.

Podemos observar em seu relato a importância do vínculo existente para essa escolha:

O motivo da escolha foi a proximidade mesmo, enquanto família, não só eu e ela, nós,

as mulheres da família somos muito próximas, então eu tinha total confiança nela. Era

uma pessoa que eu já conhecia, que eu já tinha estabelecido uma relação, um vínculo,

então em nenhum momento eu pensei em buscar outra doula. (Gardênia)

Com relação a Flor de Lótus, suas primeiras “opções” de doulas eram amigas

próximas mas que acabaram engravidando no mesmo período que ela, o que a levou a

escolher outra doula que não era tão amiga mas que ela considerava existir uma boa conexão,

conforme suas palavras:

Mariana não era tão amiga mas eu tinha uma boa relação com ela, entendeu? Boa

conexão. Ela entendia bem minhas ideias, a gente combina em alguns pensamentos. E

eu me sinto bem, não é nada forçado, entendeu? (Flor de Lótus)

Somente uma das participantes, Margarida, não tinha tanta proximidade com as doulas

que a acompanharam, que no seu caso foram duas. As doulas, assim como a parteira, se

voluntariaram a acompanhá-la.

As duas. Era Bianca, que era aluna da Rita. Bianca e Adriana tavam sendo ensinadas

por Rita a ser doulas. As duas estavam aprendendo com Rita. Então as duas eram

alunas delas e todas três se voluntariaram. (Flor de Lótus)

Todas as colaboradoras do nosso estudo escolheram profissionais nos quais elas

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acreditavam ter potencial para ajudá-las a conseguir o PDP, acreditando também que

receberiam um cuidado humanizado. Percebe-se que essa escolha é pautada tanto no que diz

respeito à formação técnica dos profissionais quanto no vínculo e afeto construídos. A escolha

pela equipe reafirma o lugar de protagonista que essas mulheres ocupam diante do desejo em

vivenciar o parto em casa.

Essas mulheres empoderam-se com relação a vários aspectos: conhecimento sobre o

corpo, gestação, mudanças esperadas e possíveis, além de tudo que envolverá o processo do

nascimento. Ao se apropriarem, se fortalecerem e serem apoiadas, elas se sentem mais

seguras e capazes de conseguir um parto seguro da forma como desejaram e planejaram

(Zanardo et al., 2017).

O profissional tem um papel primordial para essas mulheres e além das técnicas

empregadas ele deve ser capaz de reconhecer que cada mulher é única, portadora de uma

cultura própria e que atribui significados diversos à experiência do parto. Deseja-se então, que

o profissional consiga fazer da vivência do parto um marco pessoal positivo para cada mulher

(Pinheiro & Brittar, 2013).

A seguir, conheceremos como aconteceu a vivência do parto domiciliar planejado para

cada uma de nossas participantes, especialmente no que diz respeito às dores e emoções

vivenciadas: medos, alegrias, tristezas, decepções, surpresas, dentre tantas outras emoções

presentes nesse processo tão complexo e misterioso que é o parto.

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7. Chegou a hora: a vivência do parto

Figura 1. El Parto I, Antônio Vásquez.

No início da dissertação apresentamos nossas colaboradoras e seus desejos para

realização de um Parto Domiciliar Planejado. A hora esperada, desejada, planejada, chegou!

Depois da decisão pelo PDP, do itinerário percorrido por cada uma para o alcance desse

desejo com suas frustrações, dores e alegrias chegamos ao momento do parto.

Nesse momento do percurso vamos retomar a apresentação delas por meio de suas

vivências no trabalho de parto. Os significados e simbolismos do parir, a diversidade de

sentimentos, sensações e pensamentos experimentados durante as dores e alegrias de um parir

domiciliar, ou não, e seus aprendizados demasiadamente humanos estarão presentes

compondo os seguintes eixos temáticos: O parir e seus significados pelos brasões dos partos

de nossas protagonistas; São muitas as dores do parto; Recursos para um cuidar acalmando; A

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equipe escolhida: potências e entraves; A convivência com a equipe não escolhida e os

aprendizados demasiadamente humanos.

7.1. O parir e seus significados pelos brasões dos partos de nossas protagonistas

Os brasões do parto que serão apresentados nesse capítulo dizem respeito à técnica

utilizada para acessar as narrativas de nossas colaboradoras sobre os simbolismos e

significados vivenciados em seus partos e expressados por meio da construção e discussões

sobre os brasões, que simbolizaram e expressaram as vivências de seus partos.

Elas puderam representar inicialmente através das imagens produzidas e de algumas

palavras os sentidos, significados e sentimentos do trabalho de parto e parto. A partir da

construção do brasão e do compartilhamento delas na oficina, foi possível obter um

aprofundamento maior de questões que já haviam surgido nas entrevistas, assim como obter

novos “insights”, a partir da identificação das narrativas das colaboradoras em alguns

momentos.

Participaram da oficina Margarida, Gardênia e Flor de Lótus. Girassol e Dália não

puderam estar presentes no dia e então construíram suas cenas e brasões em um momento

posterior, compartilhando comigo os sentidos e significados.

A maioria relatou ter sido fácil a construção do brasão, pois já tinham em mente frases

e imagens que representavam o parto. Algumas se confundiram um pouco no que diz respeito

a diferenciar sentimentos de pensamentos e intuições, visto que no momento do parto tais

sensações tendem a aparecem de modo integrado. Agora, iremos conhecer o brasão

construído por cada uma de nossas protagonistas, e (re) conhecê-las através deles!

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7.1.1. Gardênia - o brasão do parir-se e do (re)encontro espiritual

Parir a mim, me vê (re)nascer em meu útero.

(Gardênia)

Legenda:Frase “Parir a mim, me vê (re)nascer em meu útero”. 1º Quadrante: Desenho – Caverna que também

representa o útero. 2º Quadrante: “Estou louca? Medo, de morrer, Dor absurda, Grito, Calor, Pressão subindo,

Colo quentinho, Estar nos braços das minhas ancestrais”. 3º Quadrante: “Sombras, Cavernas, Ancestrais, Estar

só, Casulo, Loucura, Mergulho profundo, Querer ser bicho, Mulher-bicho”. 4º Quadrante: “Renascer,

Transmutar, Intensidade, Descer ao mais profundo e ressurgir, Cura”.

Figura 2. Brasão do parto de Gardênia

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Gardênia havia vivenciado uma cesárea na sua primeira gestação quando tinha 15 anos

e desde o início da segunda gravidez decidiu que viveria um parto domiciliar, realizando-o

com bastante gratidão.

Sua experiência foi intensa, permeada por um profundo contato interior, a presença de

simbolismos espirituais e encontros com sua ancestralidade, como ela mesma disse: um

renascimento em seu útero. Na construção do seu brasão ela relatou que a sensação durante o

parto era estar dentro de seu útero e relacionou-o a uma caverna, escolhendo esta como a

imagem para representar seu parto, conforme ilustrado no quadrante 1.

Figura 3. Quadrante 1 – Brasão do parto de Gardênia

Para Gardênia, a caverna representa o útero com suas características: “quente, escuro e

úmido”. Tais características foram também as que ela imaginou como parte de um local ideal

um parto humanizado acontecer.

Em algumas tradições o útero era visto como um centro de poder sexual da mulher, e

todas as manifestações vindas dele eram consideradas misteriosas e sagradas. Para algumas

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mulheres indígenas o parto é considerado uma iniciação no mundo espiritual. O parto acessa

também aquilo que habita o espiritual, que está presente no Todo (Barbalho, 2015).

O termo “útero” está ligado à fecundidade da natureza e à regeneração espiritual. É

uma matriz de onde tudo provém e tem uma função transformadora, permitindo a regeneração

do ser. Na mitologia está associada à ideia do poder gerador das cavernas e dos mundos

subterrâneos (Rodrigues-Câmara, 2015).

O útero é visto como um lugar sagrado da mulher, que permite um maior contato com

o poder da criação. O parto é então um ritual de passagem para outra dimensão do sagrado

feminino, uma força ligada ao útero e à mulher (Barbalho, 2015).

A respeito de se sentir em uma caverna e ser seu útero essa caverna, ela nos fala:

Pedi pouca luz, fui pra água, depois fui pra banheira, pra piscina e aí é quando vem as

vivências mais fortes, a partolândia. São as vivências mais fortes, foi um momento

profundo de recolhimento, eu me senti assim como se eu tivesse numa caverna,

sabe? E essa caverna é exatamente aqui (apontando pro útero), no meu centro, no

centro da mulher, um centro de energia, no centro de criação, tá aqui. É o nosso

centro, de ancoramento, de energia, da criação, né? E é o momento também do

desligar.

Gardênia foi a nossa colaboradora que mais evidenciou vivências da partolândia e a

única que se referiu a esse momento trazendo esse nome com características que se coadunam

com o significado do termo.

A partolândia diz respeito a um estado alterado de consciência vivenciado durante o

trabalho de parto no qual a mulher se desliga das normas e da estrutura social. É um período

no qual algumas mulheres relatam a inexistência de tempo e espaço, onde o racional é inibido.

Pode ser permeado por momentos de euforia, vazio, um estado meditativo ou de

agressividade, ou seja, um misto de emoções (Carneiro, 2011).

Nem todas as mulheres vivenciam a partolândia e ela pode acontecer em diversos

momentos, tanto nas contrações quanto na passagem do bebê pelo canal do parto ou nos

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momentos entre as contrações. Um fato comum é que nesse instante não é possível controlar,

racionalizar ou tentar impedir algo, pois ele simplesmente acontece (Carneiro, 2011).

A dor permite a conexão com partes escondidas do nosso ser, saindo do tempo e

espaços reais e entrando em outro estado de consciência. Ela permite que a mulher se desligue

do mundo pensante, esquecendo o controle, o correto. Para que essa conexão ocorra, é

necessário se desligar desse mundo concreto. Parir é fazer um rompimento espiritual, passar

de um estágio a outro, e todo rompimento provoca dor. O parto então não é uma enfermidade

a ser curada, é uma passagem para outra dimensão (Gutman, 2012).

A respeito dessa passagem para outra dimensão e do momento de “desligar” o

racional, Gardênia nos fala:

É uma vivência, uma experiência que ela não tá assim na cabeça, no racional

entendeu? É tanto que a gente perde noção de tempo, a gente perde noção dos

acontecimentos (...) eu já tava em outro lugar. Aí foi um momento de encontro com

a ancestralidade, com toda sua linhagem, a sua linhagem astral, espiritual, com

mulheres que sofreram, passaram por esse, fizeram esse percurso também né,

precisaram dessa entrega (...)E foi um momento assim de ao mesmo tempo eu me

sentir muito só, e ao mesmo tempo me sentir muito acompanhada por todas essas

mulheres, em fazer esse esforço, de trabalhar no sentido dessa permissão, entendendo

que eu sei parir e isso não está na minha consciência, porque não precisa estar na

consciência. Quando a gente diz assim “ah, o corpo sabe parir”, o corpo sabe, não

passa pela cabeça, não passa pelo racional.

Segundo Penna (1993), a experiência do parto está registrada no inconsciente coletivo

como uma impressão psicológica muito antiga. Quando ela é acessada, permite à mulher fazer

exatamente o que deve ser feito, essa sabedoria está em seu próprio corpo, no seu útero.

Podemos observar que Gardênia viveu essa experiência, sentindo seu útero como um

centro de energia e de criação, trazendo o sentimento e a convicção de que ela sabia parir,

bastava se conectar consigo mesma.

Para que a parturiente viva um parto respeitoso de modo que essa seja uma experiência

mística de grande aprendizado, é necessário deixá-la sentir tudo o que envolve esse processo.

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É preciso permitir que as mulheres vivam as regressões necessárias que irão facilitar o

desprendimento do corpo do bebê. Algumas mulheres precisarão chorar, gritar, se

movimentar, rezar, pedir, enfim, fazer o que for necessário para se conectar, agindo como

protagonistas de seus partos (Gutman, 2012).

O brasão de Gardênia em seu quadrante 3, que diz respeito aos sentimentos e intuições

durante o parto ilustra bem:

Figura 4. Quadrante 3 – Brasão do parto de Gardênia

Quando Gardênia fala em “querer ser bicho” e se sentir “mulher-bicho”, há um retrato

da ligação do parto com o lado animal, que se distancia do racional e aflora o lado mais

instintivo da mulher.

Ao mesmo tempo que é uma vivência assim que você começa a fazer um caminho

muito só, você vai só na sua caverna, ao mesmo tempo é encontrar todas as

mulheres que já passaram por isso. É ter a certeza de que essa experiência que

nos reune e reúne não só as mulheres, reúne bicho. Reúne esse lado da gente

bicho, porque se a gente pegar um gatinho parindo, uma gatinha parindo, é a

mesma história (...) O parto é uma coisa muito bicho. Você tá de 4, tudo isso

remete a uma ancestralidade que ela vai muito além se a gente for voltar, ela vai

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muito além do que a gente enquanto civilização, enquanto ser humano e tal. E é

encontrar uma sabedoria que a gente não sabe que tem.

Gardênia traz o parto como um reencontro e reunião de uma ancestralidade que vai

muito além do ser humano. Ela acessa sua espiritualidade resgatando saberes ancestrais

através do seu próprio corpo, encontrando assim uma sabedoria que ela desconhecia. Segundo

ela, essa sabedoria não está na cabeça, no conhecimento, mas sim na matriz criativa – o útero.

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7.1.2. Girassol – O brasão do portal espiritual e o nascer de uma outra mulher

Meu parto foi de uma intensidade tamanha,

e em tantas camadas que me transformou em outra mulher.

(Girassol)

Legenda: Frase “Meu parto foi de uma intensidade tamanha e em tantas camadas que me transformou em outra

mulher”. 1º Quadrante: Desenho – Atravessando um portal. 2º Quadrante: “Ansiedade, Felicidade, Dor, Suar,

Frio (Queria esquentar o ambiente o tempo todo) em alguns momentos, Fadiga, Pensava na próxima contração,

se vai demorar, esperava sempre pela contração mais forte. 3º Quadrante: “Paciência/Confiança,

Desprendimento com o tempo e o que me rodeava. Estava certa de que tudo corria bem, era questão de tempo e

confiança. Sentia meu corpo trabalhando”. 4º Quadrante: “Os desdobramentos do... que foi meu parto são

percebidos até hoje. A força, determinação, sabedoria, coragem, autoafirmação e resiliência adquiridas em todo

processo até culminar em um parto transformador me mostra até hoje que sou capaz de tudo, e isso é libertador”.

Figura 5. Brasão do parto de Girassol

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Girassol vivenciou seu parto domiciliar planejado após ter passado por uma cesárea na

primeira gestação. Assim que ficou grávida pela segunda vez, decidiu com seu companheiro

que dessa vez não realizaria outra cesárea.

A imagem escolhida por ela pra representar o seu parto foi um portal. A respeito disso

ela comenta que o desenho representa duas coisas: a sensação de ter atravessado um portal, de

sair de um mundo e entrar em outro. Ela traz isso como algo transcendental e subjetivo:

Atravessar esse portal, conhecer esse novo mundo, conhecer esse outro lado da vida

que tava ali no meu subconsciente e tava fechado essa porta. E essa porta foi aberta,

foi aberta de um jeito que possibilitou enxergar de outra forma, enxergar quem eu sou,

enxergar o mundo de outra forma.

Para Nogueira (2013), parir é abrir uma porta que pode proporcionar uma experiência

sentimentalmente abençoada e espiritualmente renovadora. Ao abrir essa porta e atravessar o

portal, Girassol se deparou com uma nova mulher e com vários aspectos de sua personalidade

que precisavam ser revisitados, mudando completamente sua forma de enxergar a si e ao

mundo.

O parto, portanto, se torna um momento adequado para o encontro com as sombras

que existem em cada mulher, permitindo o renascimento para um novo modo de ser

(Barbalho, 2015). É um portal que proporciona a entrada em dimensões não ordinárias da vida

dos que dele participam (Nogueira, 2013).

O portal traz consigo o simbolismo de um novo mundo e o despertar de compreensões

mais amplas sobre si mesma, conforme afirma Galbach (1995): “A mulher passa por uma

mudança simbólica radical em sua consciência de si mesma ao tornar-se mãe” (p.43).

Após quase dois anos do nascimento de sua filha, Girassol atribui mudanças que

acontecem ainda hoje ao renascimento sentido na vivência de seu parto, que vem atingindo de

forma positiva vários aspectos de sua vida:

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E hoje, depois de 2 anos do nascimento dela aí é que eu penso ainda mais na minha

transformação, porque ela reflete quem eu sou hoje. Há 2 anos eu era uma pessoa

diferente da que eu sou hoje, e hoje muitas coisas aconteceram na minha vida,

principalmente na minha carreira, na minha vida profissional e a minha evolução

pessoal e até espiritual com relação as minhas vivências sempre. E sempre, tudo, eu

agradeço e relaciono, todos os acontecimentos que acontecem hoje comigo que são

coisas muito boas que estão acontecendo hoje comigo eu relaciono à pessoa que eu

descobri no dia do nascimento da minha filha.

Outro significado do portal para ela é a liberdade. Antes do parto ela se sentia mais

presa a julgamentos alheios e inseguranças e hoje afirma que isso mudou. Ela atribui a

segurança que sente hoje ao parto e à todas as decisões que vieram antes dele: sair do seu

porto seguro (ir contra as concepções da família), tomar uma decisão com informação,

embasamento e sentir segura disso. Em suas palavras:

Foi a primeira vez que eu tomei uma decisão certa do que eu queria e que era uma

decisão única e exclusivamente minha, eu saí da minha zona de conforto. Eu busquei

outras alternativas, eu busquei outras pessoas e no fim das contas eu consegui...

(Girassol)

Girassol relata ter aberto sua mente e se libertado do que a prendia em seu

inconsciente. Ela achava que não era capaz de fazer certas coisas, por não se sentir pronta.

Sentia medo de se desafiar porque achava que precisava melhorar em muitos aspectos.

Resumindo seu desenho conforme suas palavras:

Então ele tem esses dois significados, a liberdade de saber que eu sou dona das minhas

decisões e também de conseguir enxergar além, de perceber um outro mundo, uma

outra realidade, uma outra forma de agir, uma outra “eu”. (Girassol)

Os quadrantes 2 e 3 revelam uma harmonia entre as sensações fortes e os sentimentos

e intuições que a amparavam:

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Figura 6. Quadrantes 2 e 3, brasão do parto de Girasssol, respectivamente.

Girassol foi a única de nossas colaboradoras que relatou não sentir medo algum em

todo seu processo. O seu sentimento de confiança foi fundamental para isso, conforme ela

mesma diz:

Estava certa de que tudo corria bem, era questão de tempo e confiança. Sentia meu

corpo trabalhando. Era como se tivesse apertado um botão do “piloto automático”. Eu

não raciocinava, só sabia exatamente o que estava acontecendo com meu corpo, o que

precisava fazer. Eu não fazia nada consciente, tudo foi instintivo. (Girassol)

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7.1.3. Dália – O brasão do (re)encontro com a Natureza Perfeita em si

Eu faço parte da natureza perfeita.

(Dália)

Legenda: Frase “Eu faço parte da natureza perfeita”. 1º Quadrante: Desenho da fase expulsiva do parto, com a

cabeça de sua bebê coroando. 2º Quadrante: “Abertura, Música, Vai rasgar, Deixa rasgar, Tô cansada, Quero que

acabe Agora vai, Tá ardendo”. 3º Quadrante: “Solidão, Medo, Risos/Gargalhada, Alegria, Muita emoção,

Realização”. 4º Quadrante: “Se entrega ao mistério (Leo Cavalcanti)”.

Figura 7. Brasão do parto de Dália

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Dália também passou por uma cesárea na sua primeira gestação e tinha muita vontade

de parir. Ela relatou que não havia vivenciado, não havia completado todas aquelas sensações

que ela considerava da maternidade e desejava mudar essa história. No fim, tudo aconteceu da

forma esperada e ela pôde vivenciar uma experiência considerada por ela como a mais forte

de sua vida.

A frase escolhida por Dália para descrever seu parto foi ouvida por ela no filme “O

renascimento do parto”, antes dela vivenciar seu PDP. Naquela época, ela disse que essa frase

não fazia sentido, mas após sua experiência ela passou a compreender de fato o que isso

significava, fazendo então sentido para ela porque tudo tinha acontecido de forma muito

sincronizada. Segundo ela, o parto foi muito natural e fisiológico. Em seu relato ela diz:

Uma das mulheres fala que ela fazia parte da natureza perfeita, que ela conseguiu

parir. Eu achava isso muito exagerado. Era distante, mas eu tive a certeza dessa

natureza perfeita no dia que eu consegui parir. No dia que a gente pariu, porque é isso,

parto é natureza. Confiar que ela é perfeita, confiar na sua natureza. Eu acho que é a

coisa mais fortificante, assim, que a pessoa se dá conta (...) Então é confiar na

natureza.

A imagem escolhida por ela para expressar o parto foi o momento do expulsivo,

demonstrando a abertura do canal do parto e a cabeça de sua filha coroando. Conforme suas

palavras:

Aí aqui me veio como se fosse a cabecinha com os cabelos e essa parte do expulsivo.

Aí parecia um sol, eu acrescentei mais cor, aí acho que ficou muito feio, aí acrescentei

umas flores, acho que ficou legal. Essa imagem veio agora na cabeça. (...) O expulsivo

sem sombra de dúvida foi o mais marcante.

O desenho de Dália nos relembra, conforme sua fala, um sol. A cor vibrante laranja se

destaca e a presença das flores nos traz à memória a natureza. A forma do seu desenho nos

lembra uma mandala, sendo o círculo a forma mais natural conhecida na humanidade e ligado

à natureza. A mandala é o símbolo da totalidade, da integração, um arquétipo para a

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promoção do autoconhecimento e cura (Coimbra, Nogueira da Silva, Rodrigues,& Gomes,

2017).

Durante séculos o parto fez parte de um evento ritualístico, ligado à esfera da vida

privada, de caráter feminino, envolto por ritos, tradições, fé e mistério (Menezes et al., 2012).

A modernidade modificou a relação do homem com a natureza trazendo

transformações profundas em vários aspectos, inclusive no modo de nascer. A racionalidade

científica passou a produzir a concepção de corpos defeituosos que precisavam ser corrigidos,

efetivando assim diversas formas de controle sobre o corpo (Pereira & Moura, 2008). Tal

processo levou as mulheres à um distanciamento do feminino e do poder de parir.

O movimento pela humanização do parto e nascimento propõe o resgate do saber

feminino, da capacidade da mulher de parir, encontrando-se assim com uma força própria e

natural. Essa proposta de humanização também se baseia na ideia de que quanto mais

espontâneo for o parto, mais profundas são as vivências do transcendente (Nogueira, 2013).

Muitas mulheres relatam sentir exaustão, desfalecimento, a sensação de não aguentar

mais e não ter mais força durante o expulsivo (Rodrigues & Siqueira, 2008). Podemos

observar algumas dessas sensações na vivência de Dália, especialmente com relação ao

cansaço sentido e a expectativa de que o parto terminasse logo, aspectos representados no

segundo quadrante:

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Figura 8. Quadrante 2 – Brasão do parto de Dália

Para Dália, a fase expulsiva foi o momento mais difícil do trabalho de parto. No que

diz respeito à sensação sentida por ela de que ia rasgar, provocada por uma tensão na região

do períneo, ela diz:

Eu tentava relaxar, mas não conseguia. E aí eu fiquei com essa sensação que ia rasgar

tudo. Aí quando eu falei desse medo “vai rasgar, vai rasgar, vai rasgar”, aí meu marido

tava assim do lado aí ele falou “relaxa, deixa”. Aí depois eu falei “é, deixa rasgar”.

Como se tivesse que ter uma autorização, entendeu? Porque a gente cresce dentro

desse contexto machista. E foi assim que eu consegui relaxar “deixa rasgar, deixa

rasgar”. Aí tava todo mundo “relaxa, entrega, deixa rolar”. Aí pronto, foi na hora que

eu deixei mesmo rolar. Já tava bem perto, bem perto mesmo, ela já tava coroando.

(Dália)

Ao confiar na sua natureza e se desprender do medo de rasgar, da ideia implícita do

corpo defeituoso e talvez incapaz de parir, Dália se entrega ao seu momento e o parto flui, sua

filha nasce.

Dar à luz é um evento inteiramente feminino e natural em sua essência, onde a mulher,

entregue à sua natureza, recebe seu filho. A pesquisa de Souza et al. (2014) evidenciou que as

mulheres que buscam o parto domiciliar acreditam no poder da natureza.

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No quadrante 3 ela expressa emoções positivas relacionadas à alegria, risos e

gargalhadas, a emoção e o sentimento de realização pela experiência vivida:

Figura 9. Quadrante 3 – Brasão do parto de Dália

Ela também relatou o prazer sentido durante seu trabalho de parto e experiência:

Eu curti tá ali também, que eu me lembro, meu marido até me lembrou que eu cantei.

Então, eu acho que eu gostei. É claro, né. (risos). Gostei muito de ter passado por tudo

aquilo, ave-maria.

Fechando a construção de seu brasão, Dália escolheu escrever o trecho de uma música

que ela escutou bastante durante a gravidez e que vinha à sua mente no momento do trabalho

de parto:

Figura 10. Quadrante 4 – Brasão do Parto de Dália

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A vivência de Dália possibilitou o reencontro com a natureza em si mesma, sentir o

prazer de uma experiência que a transformou e possibilitou a conexão com um poder interior.

Sua história nos leva a refletir sobre a importância de se entregar ao trabalho de parto e poder

usufruir as riquezas desse momento. Como a música que ela traz em seu brasão:

“Destrua tudo o que já aprendeu

Que a vida não se mede por razão

Pois já é tempo de se entregar

E dar ouvidos ao grande mistério”

(Léo Cavalcante)

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7.1.4. Margarida – O brasão do encontro com uma força de outro mundo

Forte, com algumas inseguranças.

(Margarida)

Legenda: Frase “Forte, com algumas inseguranças”. 1º Quadrante: Desenho – A água representando a força

sentida no parto. 2º Quadrante: “Medo de fazer cocô; Cansaço físico; Dores; Força, muita força na hora de

expulsar; Apoio das doulas nas horas mais enérgicas; Ter logo o nenê; Querer dormir; Muito cansaço depois do

nascimento”. 3º Quadrante: “Insegurança; Sem tranqüilidade; Solidão; Não confiante das pessoas que me

acompanhavam; Ansiedade”. 4º Quadrante: “O melhor momento de tudo isso foi ele saiu, nasceu. Tudo isso

sumiu e desapareceu os medos, as dores, só sobrou o corpo completamente estafado e tranquilo e aliviado”.

Figura 11. Brasão do parto de Margarida

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Margarida planejou seu parto domiciliar aos 8 meses de gestação e viveu um parto

longo, que iniciou na sexta-feira a noite e finalizou no domingo pela manhã. Ela precisou ser

transferida para uma maternidade, realizando então um parto normal.

Na construção de seu brasão, a frase que expressa sua experiência remete a um parto

forte com algumas inseguranças. Em seu relato, ela diz que um momento já no hospital bem

marcante foi quando todos na sala de parto diziam “Força, força, força.” Ela disse que aquilo

foi marcante e que ela nunca havia feito uma força tão grande na vida, como no dia do

nascimento de seu filho. Ela relata a intensidade dessa força:

Foi uma força assim de outro mundo, inclusive nunca mais descobri essa força em

mim fisicamente, que não fosse na hora do parto. (Margarida)

No quadrante 1 ela ilustra:

Figura 12. Quadrante 1 – Brasão do parto de Margarida

Na construção da imagem que representa seu parto, inicialmente ela pensou em

desenhar uma panela de pressão, representando algo bem explosivo. Mas, para o desenho não

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ficar tão material ela escolheu algo da natureza que remetesse a muita força. Então ela

imaginou á água, um rio, uma cachoeira que vai levando tudo que tem pela frente, segundo

suas palavras, principalmente quando o rio está represado.

A água é um dos símbolos universais do nascimento, da origem. Ela representa o

feminino e também o útero. A água está ligada à vida, a fertilidade e principalmente à

maternidade.

Cirlot (1984) fala da maternidade das águas e da sua associação com o inconsciente,

como algo que está imerso. A água é um símbolo do inconsciente, conforme ele afirma “Das

águas e do inconsciente universal surge tudo o que é vivente, como da mãe.” (p.62)

A água represada quando arrebenta vem com toda força, assim como a panela de

pressão prestes a explodir, representando uma força imensa, bem como a ambiguidade dos

sentimentos de Margarida.

É como a água que fica presa até o momento em que surge qualquer oportunidade,

vazamento ou abertura para jogar para fora toda sua “fúria”, levando tudo o que vem pela

frente. O rio treme e sangra à procura de um alívio, mesmo que temporário (Ghellere, 2008).

Após sentir essa força física intensa que ela nunca havia vivenciado e realizar um

esforço imenso para trazer seu filho ao mundo, Margarida pôde então sentir a sensação de

alívio e tranquilidade, momento no qual as dores cessam e ela sente-se esgotada. Essas

sensações foram representadas por ela no quarto quadrante:

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Figura 13. Quadrante 4 – Brasão do parto de Margarida

Diante de tanta dor física, Margarida retrata que o melhor momento do parto foi

quando seu filho nasceu:

O melhor momento do parto foi quando ele saiu, ele nasceu, porque tudo isso

desapareceu: medo, dor, acabou, cessou tudo. E só sobrou meu corpo completamente

estafado, tranqüilo de certo modo, não tava mais preocupada com nada e aliviada.

(Margarida)

A sensação de alívio evidenciada por Margarida é bastante comum nos relatos de

mulheres que vivenciaram o parto normal, especialmente nas que demonstraram sentir um

sofrimento maior, sentindo-se então maravilhadas e felizes com a chegada do filho (Silvia,

Barbieri, & Fustinoni, 2010).

O rio, que representa o transcorrer do tempo, nos leva a pensar no longo parto que

Margarida viveu, na sua vontade de querer que aquilo acabasse logo, pois ela estava cansada,

fadigada. Até a chegada do demorado alívio foram muitos os sentimentos vivenciados.

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O seu brasão remete no que diz respeito aos quadrantes 2 e 3 sentimentos, sensações e

pensamentos relacionados a dor e sofrimento . Há um desejo nela de ter uma presença que a

conforte e um parto no qual ela possa ter sua intimidade preservada:

Figura 14. Quadrantes 2 e 3, respectivamente, brasão do parto de Margarida

É muito interessante observar os simbolismos trazidos por Margarida e relacioná-los à

vivência do seu parto. A água como símbolo do inconsciente nos leva a refletir quais

sentimentos estavam represados e emergiram durante o trabalho de parto interferindo em sua

condução. A ambivalência de suas emoções arrebenta em sensações e sentimentos.

Relembrando a sua história, ela não compartilhou com ninguém da sua família sobre

sua opção pelo parto domiciliar planejado. Ainda na gravidez, ao comentar com a mãe sobre

essa possibilidade, ela não recebeu apoio e então decidiu se calar. A falta de confiança e não

se sentir a vontade com as pessoas que estavam acompanhando-a foi muito citado na

entrevista e na oficina.

A angústia de não compartilhar durante o trabalho de parto sobre seus medos e

receios, como a vergonha de fazer cocô na frente das pessoas, o frio que sentia dentro da

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banheira, tudo isso ficou “imerso” e ela guardou pra si, não colocou para fora, questões essas

que podem contribuído para tornar seu parto ainda mais doloroso, difícil e longo.

Cada mulher durante o parto tem o seu tempo subjetivo, o tempo necessário para viver

aquela experiência e dela extrair seus aprendizados. Esse tempo é fundamental para que se

organize internamente os conteúdos reprimidos na psique, de modo que eles possam vir à

superfície para serem enfrentados (Barbalho, 2015).

Margarida resume:

Se eu tivesse equilibrada, bem, em um ambiente de amor, de paz interior, de

tranquilidade... Eu acho que eu não tinha sentido nem metade daquela dor que eu senti

no parto, no trabalho de parto, no processo de contração lá, abertura. (Margarida)

Mas ela encontrou também a forca de outro mundo, que segundo ela: “nunca mais

descobri essa força em mim fisicamente, que não fosse na hora do parto.”

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7.1.5. Flor de Lótus – O brasão dos medos e da saudade!

Um dia perfeito, que me traz saudades.

(Flor de Lótus)

Legenda: Frase “Um dia perfeito, que me traz saudades”. 1º Quadrante: Desenho - Porrete batendo na lombar. 2º

Quadrante: “Frio, pois estava sempre molhada; Sensação de ser atingida por um porrete enorme bem no meio da

lombar e do Cox, no início das contrações. Tenho a palavra “desespero” relacionada às contrações até hoje”. 3º

Quadrante: “Medo; Preocupação com os outros; Vontade de correr e fugir; Arrependimento”. 4º Quadrante:

“Sinto que nadei, nadei e morri na praia”.

Figura 15. Brasão do parto de Flor de Lótus

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Flor de Lótus escolheu a frase acima para descrever seu parto e relatou que apesar da

dor sentida foi um dia que deixou muita saudade:

Foi um dia muito gostoso, muito agradável, um dia bonito, um dia de sol. Eu acordei

já com dor, mas foi um dia muito agradável apesar da dor (...) Eu botei “um dia

perfeito que me traz saudades” porque eu tenho saudade desse dia, de tudo, completo.

Só não tenho saudade da parte do hospital. Mas enquanto eu estava em casa, apesar de

todas as dores, eu tenho saudade. (Flor de Lótus)

Ainda no que diz respeito a esse dia que deixou saudades, Flor de Lótus comentou que

é um momento no qual a gestante é muito “paparicada” por todas as pessoas, é um dia em que

a mulher é cuidada. E ela, como profissional de saúde trabalhando em hospital, é quem realiza

diariamente esse cuidado com as mulheres. No dia do seu parto ela teve então a oportunidade

de ser cuidada.

Com relação ao desenho escolhido por ela para expressar seu parto, ela explica:

Sempre que eu me lembro de estar em casa no trabalho de parto, a única coisa que

vem na cabeça é essa imagem... Sabe aquela coisa que o cara pega e faz assim oh

[imita o gesto de bater] “bráá!” É um negócio chinês, aquele negócio acho que é de

metal. Mas é o que vem na minha cabeça, é alguém chegando e fazendo assim “braa”!

É essa minha sensação, era o que eu sentia aqui atrás [na lombar]. Eu sempre tive essa

imagem, desde o dia, quando vinha cada contração eu me lembrava disso, de alguém

pegando e fazendo assim, com toda força.

Figura 16. Quadrante 1 – Brasão do parto de Flor de Lótus

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Percebe-se então que a dor foi algo muito marcante em sua vivência, sendo esta uma

das lembranças mais fortes e que vêm a sua memória ainda hoje. A palavra “desespero” vinha

em sua mente a cada contração. Em seu desenho aparece um alvo, que seria a sua lombar

recebendo as fortes dores. Apesar de ser algo interno a imagem nos fala de algo que era

impossível evitar, não tinha como fugir. Ela buscou recursos para enfrentar as dores físicas e

emocionais quando avançaram até o medo da morte e precisou buscar o hospital para aliviar a

dor e talvez como um espaço de segurança.

A respeito dos pensamentos e sensações corporais no parto ela fala do frio, pois

passou o dia se deslocando do chuveiro para a cama e nesses intervalos estava sempre

molhada. E destacou novamente a intensidade das dores, relacionando a palavra “desespero”

às contrações, demonstrando assim como foi difícil para ela lidar com as dores físicas,

provocando ansiedade, medo e tensão.

Figura 17. Quadrante 2 – Brasão do parto de Flor de Lótus

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A respeito dos sentimentos e intuições durante o parto ela enfatizou especialmente os

diversos medos sentidos: medo de lacerar, medo de fazer cocô, medo das contrações, medo do

expulsivo e medo da hora que a cabeça da bebê fosse passar:

Figura 18. Quadrante 3 – Brasão do parto de Flor de Lótus

Ela relatou também sua à vontade de fugir daquele local, ir embora:

Vontade de correr e fugir. Eu tinha muita vontade de correr, ir embora, não sei pra

onde, sem rumo, só correr. (Flor de Lótus)

Esse desejo de fuga demonstra a vontade de que o parto terminasse, interrompendo o

processo e finalizando a dor. Após 12 horas de trabalho de parto, Flor de Lótus começou a

pedir para ir para o hospital, negando todos os recursos que foram oferecidos pela equipe que

a acompanhava:

Como eu sabia que eu ia entrar num estado de negação e jogar fora tudo que eu

planejei, negar tudo, todos os recursos que eu planejei, que eu batalhei pra ter, eu

simplesmente dizer que não quero mais. Não quero mais... 2 anos de planejamento e

eu dizer que não quero mais. Então assim, é muito da hora, do momento, da cabeça

mesmo, tudo sai, o que tá preso, entranhado, lá nas profundezas do subconsciente, e aí

é nessa hora que você vê, tem coisas que você precisa trabalhar. Porque não adiantou

nada o que eu sabia, tudo que eu sabia na hora se apagou. Não resolveu o meu

problema. (Flor de Lótus)

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Segundo Nogueira (2013), são raras as vezes que uma mulher encontra-se “cara a

cara” consigo mesma. A sociedade nos dá o tempo todo oportunidades para fugir do que dói:

Na sociedade do consumo e da aparência o parto expõe a nudez não só física. Por isso,

quando a experiência lhe parece insuportável, a mulher opta por puxar sobre si o

“campo cirúrgico” e manter a separação mente-corpo na qual ela já vive. (p.161)

A dor que vinha simbolicamente de fora traduzia vários conflitos internos não

trabalhados antes do trabalho do parto. Ela também esteve pouco a vontade em alguns

momentos com os acompanhantes. Sentiu-se preocupada em corresponder às expectativas e

também desejou receber um acolhimento diferenciado da mãe.

Finalizando o brasão, Flor de Lótus trouxe outra frase que para ela faz sentido e que

ainda a acompanha:

E nessa parte “a minha escolha” eu coloquei a frase que eu queria colocar, porque eu

acho que é uma frase que ainda me acompanha, que é a sensação que eu tenho “nadei

nadei e morri na praia” e que um dia eu superarei.

Ela demonstrou sentir arrependimento por ter chegado tão perto de parir e não ter

conseguido e principalmente por ter pedido para ir ao hospital. Ela considerou que tinha todas

as condições favoráveis para conseguir seu parto, mas que infelizmente não se realizou. A

respeito disso ela comenta:

O arrependimento é de ter ido pro hospital, não é da cesárea nem nada, porque a

cesárea só aconteceu porque fui pra lá. Eu não explorei o quanto eu poderia ter

explorado o que eu tinha. Eu tinha uma equipe boa, entendeu?

Mas ela também disse: “Um dia superarei.”

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7.2. São muitas as dores do parto

Conforme já sinalizado a partir dos brasões de nossas colaboradoras, são muitas as

dores do parto. Vamos nos debruçar um pouco sobre a força da dor física e os recursos que

elas utilizaram para esse enfrentamento, bem como, as dores emocionais que, por vezes,

possam ter contribuído para a intensidade delas ao invadirem a cena do parto.

7.2.1. A força da dor física

Conforme já descrito na apresentação dos brasões de nossas colaboraras

Convencionalmente, o parto se divide em três fases: a primeira fase é a de abertura do colo do

útero até a dilatação total. A segunda fase diz respeito ao período expulsivo que vai até o

nascimento do bebê e a terceira fase se estende do primeiro contato com o bebê até a saída da

placenta (Balaskas, 2012).

O parto sendo um fenômeno natural desperta nas parturientes dores físicas. Essa dor

faz parte de uma experiência subjetiva e complexa, vivenciada de forma única por cada

mulher, envolvendo assim fatores culturais, fisiológicos e psicossociais (Mafetoni & Shimo,

2016).

Desse modo, para cada uma das colaboradoras do nosso estudo, a dor foi sentida de

maneira singular. Uma dor forte e intensa foi relatada pelas colaboradoras, de modo que

apenas Girassol não destacou essa intensidade, como podemos observar nos relatos:

Eu achava que o negócio ia me partir ao meio assim, uma coisa muito forte.

(Gardênia)

Vivi e cada vez foi ficando mais intenso, cada vez foi ficando mais intenso (...) Aí

fiquei muito tempo sozinha no banheiro, aí fiquei angustiada, por conta de você tá

sozinha né, e aquelas contrações vindo com muita força. Eu já tava muito, com muita

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dor, achando que aquilo ia me consumir, assim, que era uma dor muito forte (...) Aí

eu me lembro que eu já não tava raciocinando direito. (Dália)

Na verdade, a gente acha que vai dá conta, não vai. Pelo menos eu não estava

preparada pro que foi. Quem sabe no segundo, como eu já sei, já tenho noção do que

é de verdade, talvez eu me prepare melhor pra enfrentar. Porque não é dorzinha, eu

acho que eu subjuguei a dor, eu não dei a importância que deveria ter dado.

Então eu preparei tudo, mas não me preparei pra aguentar a dor. Então quando

começou mesmo a pegar, eu pedi arrego. (Flor de Lótus)

A maioria das mulheres em trabalho de parto relata sentir dor no ápice das contrações.

As dores são de caráter agudo e não persistentes. Frequentemente não há dor no intervalo

entre as contrações (Balaskas, 2012).

Além de relatar a intensidade da dor, Flor de Lótus considerou importante se preparar

para sentir aquela dor, algo que ela acredita não ter feito. Como já foi dito anteriormente, o

modo como a parturiente sente e interpreta essa dor está ligada a fatores socioculturais.

Mas como de fato se preparar para a dor de um evento imprevisível? Não sabemos se

essa preparação é possível de ser realizada, já que não há previsibilidade de como a mulher irá

se sentir. Não é possível tornar a mulher plenamente capaz e pronta para lidar com qualquer

situação que surja durante o trabalho de parto e parto, muito menos premeditar o que irá

acontecer (Tostes, 2012).

A preparação possível está baseada em fornecer informações, apoiar emocionalmente

e psicologicamente, empoderar, descobrir saberes e amparar. Ou seja, favorecer a construção

de posturas mais críticas em relação ao que será vivenciado, possibilitando que essa mulher

vivencie todo esse processo com mais confiança, autonomia e poder de decisão (Tostes,

2012).

Talvez o fato de Flor de Lótus ser enfermeira e trabalhar diretamente na assistência ao

parto contribuiu para que ela se achasse preparada para a vivência do parto, inclusive no que

diz respeito a lidar com a dor. Por já ter presenciado muitas mulheres parindo e considerar

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isso natural, possivelmente internamente ela sentia estar preparada, o que se tornou frustrante

quando chegou a sua hora.

Margarida foi nossa colaboradora que vivenciou o maior número de horas em trabalho

de parto. Seu processo iniciou na sexta-feira finalizando no domingo pela manhã, sendo

também intensa a dor sentida por ela:

Aí de sexta pra sábado de noite eu não dormi. Eu não dormi de dor. Não dormi

mesmo, não conseguia dormir porque juntava ansiedade com um pouco de dor,

desconforto. Então eu não consegui dormir por causa da dor. (...) No sábado é que eu

não dormi mesmo, eu não consegui fechar o olho porque não tinha posição confortável

pra eu poder sentir menos dor. Domingo de manhã eu já tava assim num processo

intenso, eu já começava a sentir que tava abrindo aqui dentro de mim. Aí fiquei

uivando durante 5 horas seguidas, 5 horas gritando de dor. Não era um grito, era um

som que eu liberava durante 5 horas. (Margarida)

As cenas também evidenciaram o lugar central da dor no parto. Nelas elas projetavam

o parto idealizado. É revelado o desejo de que a dor fosse menor, que o parto fosse rápido e

que a mulher, apesar da dor, pudesse lidar com isso de maneira tranquila:

Ela não parece estar sentindo dor ou contração naquele momento, ela parece bem

serena e ansiosa com a chegada do seu filho ou filha, ela ainda não sabe se é menino

ou menina. (Girassol)

E foram oito horas tentando relaxar entre as contrações (....) no momento da expulsão

do bebê estava na banheira e ela saia tranquilamente de mim, foi rápido.

(Margarida)

Eu estava com muita dor, uma dor enlouquecedora e desesperadora, mas conseguia

me concentrar e não desesperar (...) E assim não demorou muito, pude sentir a

cabecinha massageando o assoalho pélvico e novamente passando sem muito esforço,

após outra contração o corpinho saiu por inteiro e no escuro do quarto pude segurar

meu bebê e amamentá-lo. (Flor de Lótus)

Para Flor de Lótus, a vivência da dor foi muito difícil. Na cena idealizada ela retrata a

dor desesperadora, mas ela consegue não se desesperar e realiza seu parto conforme desejava.

No entanto, em seu parto ela precisou ser removida. E mais uma vez o fato dela ser

enfermeira, trabalhar em maternidade e ter conhecimento a respeito do processo de evolução

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do parto contribuiu para que ela racionalizasse durante o seu trabalho de parto, conforme

observamos no relato:

Quando deu seis horas da noite que eu vi que já tinha passado 12 horas e eu não

tinha visto muita evolução, só muita dor, muita dor, aí eu comecei a pensar

demais, sabe? Minha cabeça começou a racionalizar a situação, eu pensei que já

tava com 12 horas e que o tampão não tinha saído, não tinha aparecido líquido, nada,

eu não sentia ela descendo, só dor. Aí eu liguei a cabeça, aí regredi, não deixei. Daí

em diante, quando deu seis horas da noite eu não permiti mais, entrei num estado de

negação que eu só dizia “não”. Não, não, não, não quero mais. Foi tudo assim por

água abaixo quando eu comecei a pensar que as coisas não estavam andando. Aí as

meninas tentaram, conversaram comigo, meu marido, porque eu disse a ele que não

deixasse eu ir pro hospital, pra ele não deixar. Só que aí eu insisti tanto que acabei

indo pro hospital, mas a minha ida pro hospital foi só por exaustão mesmo, e dor,

alívio de dor, eu só queria aliviar com anestesia.(Flor de Lótus)

A possibilidade de a mulher solicitar remoção para o hospital deve ser considerada

desde o planejamento do parto domiciliar. Apesar de todos os cuidados prestados pela equipe,

algumas mulheres podem vir a desistir durante o trabalho de parto de seguir com o parto em

casa, desejando assim finalizar o processo no hospital, na expectativa de ter um desfecho final

mais rápido e com menos dor. Em algumas situações, a equipe continua fazendo o

acompanhamento da gestante no hospital, mas isso depende da autorização do serviço para o

qual a mulher é transferida (Colacioppo et al., 2010).

No caso de Flor de Lótus, uma das enfermeiras da equipe trabalhava no hospital para

onde ela foi transferida, o que facilitou o acesso da enfermeira que pôde continuar

acompanhando-a. Porém, a decisão pela cesárea partiu da médica de plantão, o que demonstra

que ao adentrar na instituição, a equipe do parto domiciliar perde um pouco de sua autonomia.

A transferência de Flor de Lótus para o hospital se deu por exaustão materna, com

necessidade de medicação para aliviar a dor. Essa indicação de transferência também é

encontrada em outros estudos sobre parto domiciliar e acontece em maior quantidade com

mulheres primigestas (Koettker et al., 2013).

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Como se trata da primeira gestação da mulher e por ser uma experiência inteiramente

nova, o medo da dor, a ansiedade e tensões presentes durante o trabalho de parto podem ser

muito assustadores, aumentando significativamente a dor sentida, tornando essa vivência

muito difícil, levando então essas mulheres a desejarem finalizar o parto no hospital.

Quanto mais a gestante se sente confiante, segura, livre, escuta o próprio corpo e age

instintivamente, maiores são as chances dela ter um trabalho de parto mais rápido. Entretanto,

se a mulher se sente ansiosa e com medo da dor, esse processo pode ser mais demorado, ou

pode parecer mais demorado para ela, mesmo que de fato esteja tudo dentro da normalidade

(Balaskas, 2012).

No caso de Flor de Lótus seu trabalho de parto estava evoluindo bem, dentro da

normalidade, mas a dor intensa e o medo não permitiram que ela desse prosseguimento ao

processo em casa. Ao sair para o hospital a dilatação do colo do útero já estava completa, com

10 cm. Porém, ela só soube disso no hospital:

Não deixei a enfermeira fazer o toque em mim pra saber como tava, eu sabia que tava

adiantado mas foi só no hospital que eu soube que tava com 10. Porque se eu soubesse

em casa talvez eu tivesse esperado. Mas foi porque eu não quis, porque ela disse

“vamos fazer antes de ir” e eu disse “não”. Então, eu neguei tudo. (Flor de Lótus)

Apenas Girassol relatou que esperava sentir uma dor maior, ela já estava adiantada no

trabalho de parto e não sabia, então ficava com a sensação de que viriam dores ainda maiores.

Porém, apesar de achar que sentiria mais dor, para ela todo o processo também foi bastante

intenso:

Eu não sei explicar muito bem os sentimentos, eu só consigo explicar que eu sempre

pensei que ia doer mais, eu criei uma expectativa, eu não criei uma expectativa na

verdade, né? “Ah meu Deus do céu, essa contração..” Eu pensava assim: “Essa

contração veio, ah meu Deus, ah meu Deus, pronto passou. Meu Deus do céu, ainda

vai vir uma contração maior”. Basicamente isso que passava na minha cabeça.

(Girassol)

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Para Girassol, após sua experiência, a dor do parto foi ressignificada. Ela não

enxergava a dor como algo ruim, mas sim como algo necessário para o processo. Isso

contribuiu para que ela se sentisse tranquila durante todo o trabalho de parto e não vivenciasse

sentimentos de medo ou insegurança.

A dor pra mim, depois de ter passado por essa experiência, ressignificou toda a

questão da dor do trabalho de parto... Pra mim a dor do trabalho de parto nada mais é

do que uma forma de trazer concentração, porque você não consegue pensar, fazer

mais nada, só aquilo... E assim, claro que a segurança vai te permitir relaxar e fazer e

compreender aquela dor. Eu acho que se eu interpretasse aquilo como dor mesmo,

como uma coisa ruim, aquilo ia travar todo meu processo. Mas não, tá doendo, claro

que não é agradável, mas eu sei que isso é necessário e que não é uma dor, é uma

contração. Eu sei exatamente como é que meu útero tá trabalhando, eu sabia

exatamente todo o mecanismo porque eu estudei isso. Então isso me tranquilizou.

Aliás, nem precisou me tranquilizar, aí que tá. Eu em momento algum senti medo.

(Girassol)

A percepção da dor como algo necessário também foi encontrada na pesquisa de Salim

e colaboradores, no qual algumas mulheres conceituaram a dor como algo inerente e

necessário ao processo. Embora a dor seja uma resposta fisiológica, a forma como cada

mulher lida com isso acontece de forma complexa. A natureza da dor tem características tanto

fisiológicas como psicológicas (Salim, Soares, Brigagão, & Gualda, 2012).

Quanto mais a mulher recebe informações a respeito do parto, mais ela pode se sentir

autoconfiante para lidar com o desconhecido, diminuindo assim a ansiedade e a sensação de

dor (Salim et al., 2012).

Escutar a dor das parturientes, respeitar, acolher e oferecer mecanismos de alívio e

conforto são pontos importantes de uma assistência considerada humanizada e de qualidade,

que precisam ser priorizadas na formação e atuação dos profissionais que prestam cuidado

(Nagahama& Santiago, 2005; Tornquis, 2003).

Desse modo, a parturiente não pode ser censurada pelo modo como se comporta

durante o trabalho de parto e parto, o que deve conduzir os profissionais a respeitar a

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individualidade de cada uma e oferecer uma assistência que vise oferecer cuidados da melhor

forma possível (Mafetoni & Shimo, 2014).

É necessário a compreensão de que cada mulher possui uma história de vida única, e

com isso, vai lidar de maneira singular com o que sente durante o trabalho de parto. Sendo

assim, precisam buscar recursos para cuidar de todas as possíveis dores.

7.2.2. Recursos para um cuidar acalmando

Durante o planejamento para o parto em casa nossas participaram fizeram uso de

alguns recursos não farmacológicos que pudessem ajudá-las durante o trabalho de parto e

parto.

O uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor visa aumentar a tolerância da

gestante à dor, possibilitando que a mulher tenha uma maior participação no processo do

parto. A utilização desses métodos contribui também para que o parto seja o mais natural

possível, diminuindo intervenções desnecessárias, assim como a possibilidade de uma

cesariana e a administração de fármacos (Almeida, Acosta,& Pinhal, 2015).

A estimulação do uso de métodos não farmacológicos é incentivada pois permite

vencer a dor de uma maneira natural, sendo aconselhada por muitos pesquisadores, devido aos

efeitos negativos que os analgésicos e anestésicos podem causar à mãe e ao bebê (Bavaresco,

Souza, Almeica, Sabatino, & Dias, 2011).

Nas recomendações da OMS sobre “condutas que são claramente úteis e que deveriam

ser encorajadas” estão os métodos não farmacológicos de alívio da dor do parto. As práticas

mais utilizadas são: exercícios respiratórios, uso da bola, banhos de chuveiro e imersão,

deambulação, massagem lombossacral, dentre outros, que podem ser utilizados de forma

isolada ou combinada (Almeida et al., 2015).

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As práticas de cuidado humanizado envolvem novos valores na assistência ao parto e

nascimento, valorizando a subjetividade, a afetividade e o retorno ao natural, possibilitando

então a utilização de outras práticas de cuidado, incluindo os métodos não farmacológicos

(Pereira, Nagipe, Lima, Nascimento, & Gouveia, 2012).

Em nossa pesquisa, os métodos mais citados por nossas colaboradoras foram: banho

de chuveiro/banheira, massagem, respiração, yoga música e mural com fotos e frases. A

seguir, conheceremos como se deu a utilização de tais recursos durante a vivência do trabalho

de parto.

7.2.2.1 Banho de chuveiro/banheira

O banho de chuveiro/banheira foi utilizado por quatro de nossas colaboradoras durante

o trabalho de parto.

Quando eu entrei na água, já me deu uma relaxada muito grande, e eu já senti os

primeiros puxos, que é aquela vontade de fazer a força. (Dália)

A piscina eu sempre quis. A água foi, mas foi algo que eu percebi durante, não foi

algo que eu planejei. (Girassol)

Apesar de não ter planejado o uso do chuveiro, Girassol descobriu esse recurso

durante seu trabalho de parto e assim o utilizou. É possível que a gestante planeje a utilização

de um recurso e na hora do parto não queira utilizá-lo, sendo o inverso também possível, a

descoberta de um recurso agradável que não estava no planejamento.

Sendo assim, não é necessário a utilização de todos os métodos, porém é interessante

dispor de alguns desses recursos, deixando a gestante livre para escolher quais deseja utilizar,

de acordo com sua vontade e necessidade (Motta, Feitosa, Bezerra, Dodt, & Moura, 2016).

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Michel Odent, médico obstetra francês, foi quem pensou pela primeira vez na ideia de

usar a água para aliviar as dores do trabalho de parto. Ele descobriu que a água quente

ajudava as parturientes que apresentavam um trabalho de parto lento e muito dolorido, com

dores fortes especialmente na região lombar, assim como também para as que apresentavam

uma dilatação do canal do parto mais lenta após os 5 centímetros (Balaskas, 2012).

A água aquecida é um método prático, econômico e eficiente para se reduzir o uso de

medicamentos e as taxas de intervenções obstétricas. Dois estudos a respeito da utilização de

água quente tanto na banheira quanto no chuveiro indicaram resultados satisfatórios para as

parturientes, provocando relaxamento do corpo e diminuição da dor entre as contrações

(Mafetoni & Shimo, 2014).

Geralmente, as mulheres relatam que se torna mais fácil aceitar a intensidade das

contrações quando se utiliza água quente, pois a percepção da dor se altera. A sensação de

relaxamento pode facilitar também que a mulher mergulhe mais profundamente em alguns

estados de consciência, atendendo melhor as necessidades instintivas e primitivas do seu

corpo (Balaskas, 2012).

7.2.2.2 Respiração e yoga

Gardênia citou a respiração aliada à yoga como um importante recurso durante o

trabalho de parto para lidar com as dores:

Fui fazendo vocalizações, respiração, foquei muito na respiração, ficava bastante

agachada, nisso a yoga ajudou muito, foi muito importante ter feito a yoga porque

acima de tudo me deu um equilíbrio, foi um exercício de paciência pra entender qual

era o processo daquela dor, respirar, sentir, permitir a coisa fluir e se preparar pra

próxima e tal, porque a gente pode tender a ficar muito assustado. (Gardênia)

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Estudos que avaliaram técnicas de respiração tanto isoladas quanto aliadas ao

relaxamento muscular entre as contrações concluíram que a respiração propiciou alívio da dor

e relaxamento muscular (Mafetoni & Shimo, 2014).

A respiração pode também ajudar a proporcionar calma e tranquilidade, tendo um

efeito sobre as emoções. Quando a mulher se concentra na respiração, ela pode centrar sua

atenção estando mais presente no momento, tendo assim uma participação mais ativa no

processo do parto, entendendo melhor o que acontece no seu corpo (Reberte & Hoga, 2005).

A yoga ajuda a aquietar a mente, relaxar o corpo e encontrar o equilíbrio interior. Ela

pode, portanto, ajudar a gestante a lidar melhor com o medo e as tensões que podem inibir o

processo natural do parto. Através da concentração, a parturiente pode conseguir mais

facilmente aceitar a dor e as alterações dos níveis de consciência naturais do processo.

Pelo relato de Gardênia, percebe-se que esse processo aconteceu com ela, pois a

respiração ajudou a proporcionar mais tranquilidade para lidar com os momentos das dores,

permitindo assim a entrega ao trabalho de parto.

Ao concentrar-se na respiração, a gestante pode atingir estados mais profundos de

consciência, sentindo-se mais em harmonia e tendo um maior contato com o seu eu interior e

seus sentimentos, desligando-se do racional (Balaskas, 2012).

7.2.2.3 Massagem

A massagem é uma estimulação sensorial que promove alívio da dor e relaxamento,

diminuindo o estresse emocional, melhorando o fluxo sanguíneo e a oxigenação dos tecidos.

É uma prática que exige tempo e disposição do profissional ou acompanhante da gestante

(Motta et al., 2016).

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Para Dália, receber massagem foi muito importante, proporcionando alívio durante o

trabalho de parto:

Eu queria ter sido até mais massageada… Acho que foi pouco, e o toque era muito

importante, era importante quando ele era nesse sentido, de alívio (...) A mão

ajudava muito, muito mesmo. (Dália)

Durante o trabalho de parto, a maioria das mulheres pedem massagem na região sacral

e lombar, pois é dali que partem os nervos que vão inervar a pelve, sendo então uma forma

eficiente de diminuir a dor das contrações. Além disso, quando as contrações se tornam mais

doloridas, uma massagem com toque suave pode ajudar a trazer mais calma para a gestante

(Balaskas, 2012).

Margarida relatou que recebeu pouca massagem, pois as pessoas que a acompanharam

estavam cansadas e com sono, sem energia para dar esse suporte, corroborando com a ideia de

que essa é uma prática que exige disponibilidade:

As massagens só foram dadas em mim durante a madrugada. Elas estavam sem

energia durante a madrugada, não tinham força, tavam com sono. Eu tava acordada

porque tava com dor(...) E foi muito pouco que recebi, muito pouco. Eu não tenho nem

registro assim, a sensação como é. (Margarida)

7.2.2.4 Música

A música é um procedimento relativamente simples de ser utilizado e de baixo custo

que pode colaborar para uma maior harmonização da dinâmica do trabalho de parto. Alguns

benefícios de seu uso são: lentificar e aprofundar a respiração, combater o estresse e auxiliar

no bom funcionamento da fisiologia (Tabarro, Campos, Galli, Novo, & Pereira, 2010).

Esse foi o único recurso programado por Girassol e que pra ela fez muito sentido:

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Mas eu fazia questão da música, que foi o jazz que eu falei, né? Aí também não

planejei playlist, simplesmente eu já tinha as playlists que eu ouvia de vez em quando,

aí eu só fazia, eu botava no youtube aí só fazia “bota aí na lista de jazz” (...) Foi

ótimo, foi mágico, climatizou bem. (Girassol)

Um estudo que investigou o efeito da música durante o trabalho de parto concluiu que

a música teve um efeito positivo para as parturientes. Elas relataram sentimentos de calma,

tranquilidade e alívio da dor, tornando a contração mais suportável. Esses efeitos não são

apenas psicológicos, já que a música, quando agradável, provoca a liberação de endorfinas no

sangue, que atua na redução da dor (Tabarro et al., 2010).

7.2.2.5 Mural com fotos e frases

Um recurso diferente e utilizado apenas por Dália no trabalho de parto foi um mural

com fotos e frases, conforme observamos em seu relato:

Em frente ao local da banheira, eu fiz um mural. Porque eu tinha algumas amigas

doulas e algumas amigas que também não eram doulas que já tinham parido em casa e

que tinham cesáreas anteriores… Motivava, né, de algum relato que eu li, ou de

uma música que eu gostava (...) Era uma motivação. Foi importante. Apesar de não

olhar para todas, ali tinha um raio-X. E tinha umas que eu focava mais, sabe? Então

foi muito importante, por isso que era legal a palavra, porque tinha, o „abre‟, eu ficava

olhando direto para o „abre‟, que era de uma amiga minha, ficava olhando direto para

um casal amigo meu, que tinha acabado de receber o bebê. Então, eu foquei em

algumas imagens, ali, foi muito importante, demais(...) Na hora que você perde a

certeza, assim, que vai dá certo, você olha e retoma. Eu sempre encorajo todas as

pessoas que tiverem organização e oportunidade de fazer algo parecido, porque para

mim funcionou muito bem.

Dália construiu um recurso próprio que proporcionou motivação e confiança para lidar

com o processo do parto. A inspiração de amigas que já haviam passado por uma cesárea e

posteriormente vivenciaram um parto domiciliar, assim como palavras de encorajamento e

imagens se constituíram como recursos positivos para superar os desafios do trabalho de

parto, fortalecendo-a durante aquele momento.

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Sobre essa construção ela comenta:

A construção dele antes, foi muito importante, porque eu escrevi cada frase, ainda

assim, nos primeiros trimestres, sabe. E aí era, era eu acho que, medos, né, que eu tava

ali escrevendo. (Dália)

A construção do mural foi a forma que Dália encontrou para lidar e superar os medos

que surgiram durante a gravidez.

Na utilização dos recursos para vivenciar um processo mais tranquilo, é importante

que a gestante perceba quais recursos são mais motivadores e quais ela consegue internalizar

de modo mais fácil, pois assim ela mesma pode criar diferentes alternativas.

Para algumas os recursos auditivos são mais interessantes, outras preferem os

recursos visuais. Para algumas gestantes ser tocada é uma invasão, para outras é um alento.

Algumas preferem sentir cheiros, e assim por diante, cada mulher tem sua forma única de ser

e sentir.

Não importa qual recurso se utilize, desde que seja agradável para a mulher e que

proporcione a diminuição do desconforto durante o trabalho de parto, proporcionando

sensação de bem-estar e redução do estresse no parto (Cherobin, Oliveira, & Brisola, 2016).

7.2.3. Quando as dores emocionais invadem a cena do parto

A relação entre a dor física e as questões emocionais foi apontada por Margarida

entendendo essa dor para além do sentido material estabelecendo uma ligação entre vivências

pessoais que contribuíram para a intensidade da sua dor.

Eu acho que a dor que eu tava sentindo não era somente a dor do parto, mas devia

ter outro tipo de dor também emocional, eu acho. Como eu tava com muitos

problemas emocionais da minha mãe, e também do meu irmão, porque na época

minha mãe bebia, eu não tava num ambiente confortável, nem emocionalmente

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falando, nem fisicamente, porque eu tava distante da família, ninguém sabia, apesar

das doulas, das amigas, eu não tinha tanta intimidade assim com as pessoas que tavam

ali naquele momento. Então foi assim um somatório, situações psicológicas,

emocionais que amplificou aquela dor de parto. (Margarida)

Para o parto acontecer, é necessário que o corpo físico da mãe se abra para o bebê

passar, como uma espécie de rompimento. Outro rompimento também acontece em um plano

mais sutil, no que diz respeito à estrutura emocional da mulher. Algo se “quebra” para

possibilitar a mutação de “ser um” para “ser dois” (Gutman, 2012).

Margarida considerou que se ela estivesse em um momento de vida mais tranquilo e

em um ambiente no qual ela se sentisse confortável e a vontade durante o parto, que a dor

sentida teria sido menor.

Durante a gestação e o parto o corpo produz hormônios chamados “endorfinas” que

funcionam como analgésicos naturais que relaxam e aliviam as dores. Outro hormônio

também secretado é a ocitocina, que tem a função de desencadear as contrações e o parto em

si. A produção desses hormônios está intimamente relacionada às emoções. Durante o parto, a

mulher precisa se sentir segura, livre, relaxada e desinibida. Fatores externos podem vir a

inibir a secreção desses hormônios, prejudicando assim o processo de evolução do parto

(Balaskas, 2012).

A referida autora também afirma existir uma correlação entre ansiedade medo e dor,

afirmando que:

Seus músculos se contraem, a respiração se torna mais superficial e geralmente você

acaba se desconectando do que está acontecendo dentro de você. Isso faz com que a

dor aumente. Assim que você relaxar e deixar acontecer, a dor vai diminuir. (p.142)

Isso pode ter acontecido no caso de Margarida, pois além dos problemas familiares

vividos durante a gestação, no momento do seu parto ela não estava se sentindo

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completamente relaxada, confortável e a vontade naquele ambiente, o que pode ter

contribuído para a intensidade da dor sentida.

Em momento de dor intensa algumas participantes relataram surgir pensamentos de

questionamento e arrependimento sobre por que escolheram o parto normal, ao mesmo tempo

em que vivenciavam o sentimento de medo da morte, conforme podemos visualizar nos

relatos de Gardênia e Flor de Lótus:

E é muito intenso, muito forte. Você pensa assim que cada contração que vem você

acha que vai morrer. E aí agora eu sei como é essa dor, porque eu não sabia como era

essa dor (...) Eu sei que eu sofri, não no sentido de sofrer, mas eu passei um

perrengue. Tinha horas que eu pensava assim “Por que eu inventei isso?”[risos].

Eu olhava pra enfermeira e dizia “Por que eu inventei isso?” Mas é na hora, no

momento. (Flor de Lótus)

Tem alguns momentos que chega a ser até engraçado, mas tem alguns momentos de

dor que... gente, que besteira, eu aqui sofrendo de dor só pra não fazer uma

cesárea. Aí depois pensava “não é por isso”, eu na verdade fiquei, ficava com medo

em momento assim de muita dor... Uma vez e foi muito rápido eu pensei “caramba,

vou falar pra galera que não aguento mais, vamos pro hospital”, mas ao mesmo

tempo eu pensava... cara, se eu chegar no hospital, desse jeito que eu tô, eu com uma

cesárea anterior, vão me mandar direto pra faca... Deus me livre. (...) Eu acho que no

momento assim da piração, no momento que eu tava assim achando que ia morrer... E

aí vc quer ir pro lugar que você conhece que tem essa segurança técnica,

científica, assim, vários fiozinhos, monitorado, você quer ir atrás da segurança nisso,

mas não pensei em anestesia. Quando vinha outra “ah, meu Deus eu vou morrer, não

vou aguentar”. Mas fora a contração, não. (Gardênia)

Na obstetrícia ocidental a cultura do parto deriva do dualismo corpo e mente, no qual o

corpo é visto como uma máquina sob o domínio da ciência (Pereira et al., 2011). Portanto,

temos em nossa cultura a ideia de que o local seguro para nos curar, ficar bem e permanecer

com vida é o hospital. No momento em que saiu do controle de Gardênia a intensidade da dor

e surgiu o medo de morrer, ela relacionou o seu bem estar à condição de ir para o hospital, em

busca dessa segurança técnica e científica.

A vivência do medo durante o trabalho de parto é algo recorrente nos relatos de

mulheres. Esse medo pode estar associado a vários aspectos além do medo da dor: medo de

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morrer, medo de que algo ruim aconteça com o bebê (má formação, disfunções) ou com o

próprio corpo (Tostes, 2012).

Em relação aos medos apontados acima, Flor de Lótus relatou sentir também medo de

sua bebê nascer com microcefalia, pois na época de sua gestação surgiram muitos casos:

Medo porque tinha a questão da microcefalia. Quando ela nasceu foi na época dos

casos, então eu tinha medo dela nascer com a cabeça pequena. Então esse medo assim

de alguma coisa errada quando ela nascesse, entendeu? E acho que juntou isso

também. (Flor de Lótus)

Dália também traz em sua fala os questionamentos que surgiram no momento final do

trabalho de parto, no qual conhecemos como a “fase expulsiva”, momento no qual o bebê irá

sair da mãe:

Em algum momento, né, você se pergunta, o que é que está fazendo ali. Acho que

foram as coisas que ficavam mais martelando na minha cabeça, eu segurava assim

meu cabelo e pensava: “o que é que eu tô fazendo aqui, fazendo isso?” (...) Mas lá

na hora, você duvida do seu planejamento. Porque assim, você acha que não vai

conseguir sabe, que aquela dor vai lhe matar. Agora assim relembrando, é, eu não

me lembrei de jeito nenhum da anestesia, que podia ter essa alternativa, se fosse

morrer eu ia morrer por aquela dor. [risos] E ninguém morre né, por aquela dor. E

nem me lembrava de hospital também, se fosse para me enterrar ia ser aqui na minha

casa. (Dália)

Podemos observar que o medo surge principalmente nas narrativas de Dália,

Margarida, Flor de Lótus e Gardênia. Porém, cada uma delas tem sua forma de lidar e

aproveitar os recursos, ou não, para superarem as dificuldades. Dália e Gardênia conseguiram

transpor os medos fazendo uma conexão interior com a força de cada uma, se entregando ao

processo e aproveitando de uma maneira melhor os recursos disponíveis. Dália, por exemplo,

utilizou o mural como fonte de fortalecimento e também pediu apoio quando se sentiu

sozinha. Já Margarida e Flor de Lótus tiveram mais dificuldade na forma de lidar com os

medos, receio em expor as dificuldades e ansiedades que se apresentaram, fatores que

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atrapalharam para que o parto fluísse de maneira mais tranquila. Portanto, duas dores

emocionais invadem a cena do parto interferindo no não alcance de sua realização como

planejado.

7.2.3.1 A ambivalência e o desejo de aconchego das mães

Na cena imaginada por Margarida na oficina, no qual ela deveria imaginar como seria

um parto humanizado no domicílio, ela conta à mãe sobre a ideia de realizar o parto em casa,

porém no dia do parto acontece algum imprevisto e a mãe não pode comparecer:

Eu convidei a minha mãe mas ela não pôde ir. Não seria boa a presença dela, muito

nervosa, pode atrapalhar a tranquilidade das pessoas. Aí eu me lembrei disso, eu vou

convidar mas alguma coisa aconteceu [pra ela não ir] risos... mas ela tá sabendo.

(Margarida)

Percebe-se que para Margarida era importante sua mãe saber que ela faria um parto

domiciliar. Apesar do nervosismo da mãe e de achar que isso poderia atrapalhar, para ela seria

um alento a mãe pelo menos saber de sua decisão. Em outro momento, Margarida também

afirmou que seu parto não foi humanizado pelo fato dela ter ficado distante de sua família,

demonstrando mais uma vez o seu desejo pela presença de alguém que ela tivesse intimidade:

E também não foi humanizado no sentido de que eu não tinha muita intimidade com a

parteira, tava distante da minha família. (Margarida)

A opção de Margarida aconteceu por receio de que a mãe atrapalhasse o trabalho de

parto. Ela desejava que sua mãe soubesse do seu parto domiciliar, porém, ao não se sentir

apoiada, não compartilhou sua decisão. Fica evidente na cena desejada essa ambiguidade do

desejo em relação a querer a presença. Ela se contenta na cena com o fato de não estar

realizando o parto escondido, em segredo, e diz: “mas ela tá sabendo”. Entretanto, em sua

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vivência enfatiza o quanto foi ruim a falta de intimidade e a ausência da família, sendo

emoções que emergiram em seu processo de parir.

Flor de Lótus compartilhou com a família o planejamento do PDP e contou com a

presença da mãe em seu parto, porém a preocupação da mãe e a autoridade que exerceu sobre

ela provocou sentimentos ambíguos.

Eu fui bem alertada pra não chamar minha mãe, por exemplo. Porque apesar de

ser mãe é aquela pessoa que fica muito preocupada e fica dizendo que você não tá

conseguindo no final das contas. Ela quer que você consiga, mas pra ela você ainda é

aquele bebê, não é uma mulher parindo, é a filha dela. Aí me disseram „não chame

sua mãe‟. Mas no final eu não chamei minha mãe, ela tava o tempo todinho comigo.

Tanto é que no dia que eu entrei em trabalho de parto, minha mãe e minha tia tinham

saído, tinham ido fazer compras e eu não avisei. Chegou todo mundo e no final da

tarde, eu pensei inclusive que eu ia ter o bebê e ela não ia chegar. (Flor de Lótus –

Fragmento da oficina)

O receio da mãe atrapalhar o processo por ficar preocupada com o bem-estar da filha

surge fortemente em sua narrativa e convive na prática talvez com o desejo que a mãe

estivesse junto, que chegasse. Mas a forma como o processo se deu diante das dores físicas e

na vivência solitária de conflitos emocionais levou a um desfecho diferente do planejado, no

qual a mãe exerce sua autoridade maternal e feminina:

E eu disse ao meu marido „se eu pedir não me leve‟, só que a minha mãe não aceitou.

Eu pedi e meu marido disse „não, ela não vai‟. Minha mãe brigou com ele no meio

do movimento „Ela vai porque ela tá pedindo, ela vai porque ela precisa. Você não

tá vendo como ela ta?‟ E eu já na situação, já implorando, porque eu já tava num nível

de implorar, eu implorando, aí foi nessa que eu cai „eu vou, eu vou, eu vou‟. E se ela

não tivesse chegado, meu marido não tinha ido, ele tava bem firme. (Flor de Lótus –

Fragmento da oficina)

Talvez Flor de Lótus esperasse uma postura materna de proporcionar conforto e alento

para lidar com aquela situação que estava tão desesperadora para ela. Porém, a postura

possível para sua mãe foi de se preocupar com o bem-estar da filha, não compreendendo que

aquela dor faz parte de um processo natural de evolução do parto.

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Conforme já abordamos ao longo deste estudo, na nossa sociedade atual em que

gerações vêm nascendo predominantemente pela cesárea, é comum que o ideário do parto

normal seja visto como algo perigoso e ameaçador, ainda mais se tratando de um parto no

domicílio.

Portanto, na cena construída por ela na oficina, ela revela o desejo de conseguir um

centramento em si, de permanecer sozinha por alguns momentos durante o trabalho de parto.

Na cena ela vai buscar em si os recursos para seu parir, resgatando seu protagonismo:

Eu me recolhia e eu pedia pra ficar sozinha, sem ninguém mesmo. Sem marido, sem

amiga, sem ninguém, só eu, num quarto escuro. Na minha cabeça deveria ter sido

assim. (Flor de Lótus)

É fato que há várias gerações a evolução tecnológica vem distanciando as mulheres da

sabedoria de parir, de conhecerem seus corpos e acreditarem que são capazes. Conforme

afirma Del Priore (1993): “A procriação permitia a mulher igualar-se à mãe terra, tornando-a

fonte e berço para uma linhagem.” (p.157).

A sabedoria e conhecimentos da mulher anciã no que diz respeito ao parir e que se

tornava fonte e berço para seus descendentes veio se perdendo com o tempo. Vivemos hoje a

era das cesarianas, um procedimento “clean” que evita contato direto com o corpo e os

fluidos, que manipula o corpo como objeto e distancia a mulher do lado animal, instintivo e

assombroso (Nogueira, 2013).

Se por um lado as mães representam esse arquétipo idealizado/desejado de uma

sabedoria prática, do transmitir fazendo, por conhecer em si o processo de parir, a vivência de

algumas mulheres diante do parir revelam as sua mães distantes desse arquétipo, por vezes

com experiências pessoais muito ruins de seus partos que deixaram marcas de dor e medo que

impossibilitam que elas acolham e ensinem sobre um parir menos tecnológico, por não terem

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descoberto os recursos em si. Nesse reaprender a parir no domicílio muitos são escolhidos

para amparar, mas nem sempre conseguem fornecer tal amparo.

7.2.3.2 O olhar dos outros: entre o excesso e a falta

O incômodo provocado pela presença excessiva de pessoas, mesmo algumas tendo

sido escolhidas para estarem no trabalho do parto, revelou a delicadeza da convivência nesse

momento. As cenas revelam o desejo de afastamento depois da vivência do excesso de olhares

dos outros. A forma como esse excesso foi vivenciado por nossas colaboradoras traduziu a

falta de intimidade no acompanhamento.

Sendo assim, durante a oficina elas compartilharam a necessidade que tiveram de ter

ficado mais tempo sozinhas durante o trabalho de parto.

Quando foi pedido para imaginar como seria um parto humanizado, Flor de Lótus

relatou seu incômodo em relação às pessoas presentes no seu parto:

Tinha muita gente também, foi uma das coisas assim que quando eu planejei o parto

eu realmente pensei que não ia me afetar, as pessoas, porque eu não sou muito

assim de ter vergonha de andar pelada (....) Mas na cena, no meu local, eu me recolhia

e eu pedia pra ficar sozinha, sem ninguém mesmo. Sem marido, sem amiga, sem

ninguém, só eu, num quarto escuro. Na minha cabeça deveria ter sido assim (...) Eu

fiquei incomodada... Eu não conseguia me concentrar. (Flor de Lótus – Fragmento

da oficina)

Além de não conseguir se concentrar durante o trabalho de parto, a presença das

pessoas trouxe uma cobrança para Flor de Lótus, de ter que corresponder às expectativas:

E eu apesar da dor ainda ficava preocupada com as pessoas. Fiquei preocupada se eu

tava satisfazendo a expectativa, entendeu? As pessoas estavam ali pra me ajudar a

parir. Eu locomovi um monte de gente pra ali, pra aquilo, entendeu? E eu não tava

correspondendo as expectativas das pessoas. No final das contas era pra eu me

preocupar comigo, mas eu tava preocupada em atender a expectativa de um monte de

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gente que tava ali. E aí se essas pessoas não estivessem ali, essa preocupação não tava

na minha cabeça. ( Flor de Lótus – Fragmento da entrevista)

Os relatos de Flor de Lótus também produzem uma reflexão a respeito do parto vivido

versus o parto idealizado. Em suas idealizações e expectativas, a presença das pessoas não iria

influenciar negativamente, porém, infelizmente o contrário aconteceu.

O medo da dor e a presença excessiva do “olhar dos outros”, evidenciadas também em

seu brasão não permitiram que ela entrasse em contato consigo mesma de maneira mais

profunda. Ela relatou que durante o trabalho de parto não teve a ideia de pedir para as pessoas

saírem, para ficar sozinha. E se ela tivesse feito isso na hora, seria muito importante acolher a

sua intuição feminina, seguir o que sua natureza pedia.

Na oficina, Margarida também relatou o incômodo que sentiu com a presença das

pessoas durante seu processo:

Era a primeira vez que eu tava sentindo aquelas sensações e eu tava com muita

vontade de fazer cocô... E tinha um bocado de gente olhando pra mim, um bocado de

mulher sentada e em pé conversando... e eu preocupada „gente eu quero fazer cocô‟ e

as meninas „faça mulher‟. Como é que eu vou fazer cocô na frente de um monte de

gente? Não tem como, não fica a vontade. E aí realmente essa questão de muita gente

que não tenha a tua energia, naquele momento especial, pode interferir, atrapalhar,

porque é uma coisa tão íntima da mulher. (Margarida – Fragmento da oficina)

Cada mulher reage de uma forma diferente, algumas sentem a necessidade de ter uma

pessoa querida perto, que transmita tranquilidade. Outras preferem a privacidade total e a

presença da equipe e do companheiro em local próximo, para poder contar quando for

necessário. Para muitas mulheres, a sensação de ser observada pode provocar nervosismo,

causando incômodo (Balaskas, 2012).

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Margarida destaca bem a dor provocada nesse trânsito entre a falta de intimidade com

as pessoas presentes e o fato de ter pessoas que estavam preocupadas por ela estar tendo bebê

em casa:

Apesar das doulas, das amigas, eu não tinha tanta intimidade assim com as pessoas

que tava ali naquele momento(...) Maria tava lá e Maria é enfermeira né, e eu acho que

naquela época ela não tinha esse conhecimento de parto humanizado, ela tava bem

preocupada de eu estar tendo neném na casa lá da menina. Tava muito

preocupada, por isso que ela foi, se preocupou, ela não confiou. (Margarida –

Fragmento da entrevista)

No total, havia sete pessoas presentes no parto domiciliar de Margarida: a parteira,

duas doulas e quatro amigas. Ela foi a única colaboradora que expressou descontentamento

em relação a uma profissional da sua equipe de parto domiciliar. Esse descontentamento foi

referido em relação à parteira:

A parteira, na minha situação era pra ter me dado suporte desde a primeira vez que eu

liguei quando eu comecei a sentir as primeiras dores, era pra ter ido lá em casa,

conversar comigo pessoalmente, vê como é que eu tava, ter ficado comigo na manhã

de domingo. Ela chegou lá, me viu e depois saiu. Era pra ter ficado lá o tempo todo, eu

acho que no domingo que foi quando nasceu as 9 horas da noite né, desde de manhã,

quando a coisa apertou mesmo, era pra ter ficado lá comigo. Me dando a segurança

que eu precisava ter. Eu precisava ter a segurança da pessoa que ia me ajudar a

ter neném. E eu não tava tendo essa segurança. Tava com a doula, tava, mas não era a

mesma coisa da responsabilidade que a própria parteira se colocou. A parteira já tem

um nome né, a gente bota no grau da hierarquia de segurança com a parteira e ela não

tava lá. Isso não me deixou segura. (Margarida – Fragmento da entrevista)

Margarida enfatiza a ausência da parteira enquanto ela estava em trabalho de parto.

Conforme já foi dito, seu trabalho de parto iniciou na sexta-feira a noite e concluiu no

domingo a noite. Foi um período longo sentindo contrações e a ausência da parteira contribuiu

para deixá-la insegura.

Ela também relaciona a ausência da parteira ao fato dela não ter sido remunerada,

como comumente acontece:

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No meu caso que não tava sendo pago, acho que o compromisso não foi a mesma

coisa. Exatamente! Acho que é por isso... foi isso que aconteceu. Como era uma coisa

voluntária, ela não tava recebendo, então ela não deu a atenção que eu esperava, né?

Mas se talvez eu tivesse pago um valor real de uma parteira, ela teria me dado a

atenção que eu queria, que eu não tive. (Margarida – Fragmento da entrevista)

Outro fator trazido com bastante ênfase por nossa colaboradora foi o fato de que

quando a parteira foi prestar assistência no domingo pela manhã, ela estava bebendo bebida

alcoólica:

E detalhe, quando eu tava no processo mesmo, já tavam aprontando lá a piscina, isso

no domingo já, já tava realmente no trabalho de parto. A parteira, eu não me senti

confiante nesse momento que eu vi essa cena. A parteira chegou lá com uma amiga e

as duas estavam bebendo. Não me senti confortável, segura... Ela tava segura, a

parteira tava segura porque ela faz aquilo a vida de toda. Tem mais de 40 anos de

experiência, então se ela beber ou deixar de beber, isso não vai fazer diferença, porque

ela vai saber fazer o trabalho dela. Só que pra mim, que eu não tinha conhecimento,

era a primeira vez, uma coisa íntima, eu não gostei daquilo. (Margarida – Fragmento

da entrevista)

Certamente, a postura da parteira causou mal-estar e insegurança em Margarida, que

vivenciava um processo já dolorido, longo e cansativo. Ao procurar apoio da profissional que

se voluntariou para acompanhá-la, ela não encontrou, permanecendo assim em sua solidão

interna. Margarida, portanto, vivenciou duas situações extremas em seu trabalho de parto: o

excesso de olhares em virtude da quantidade de pessoas presentes com quem ela não possuía

intimidade e a ausência do olhar da parteira, tão fundamental para que ela se sentisse segura e

confiante de que tudo terminaria bem.

A cena imaginada por Gardênia também revela a importância dada por ela à presença

de poucas pessoas no momento do parto para que a parturiente pudesse se conectar

interiormente e viver sua experiência:

Eu coloquei: pouca luz, pouca gente... era a mulher, doula, o companheiro e a

enfermeira obstetra. Um obstetra de prontidão pra ser chamado se necessário, quando

necessário. Mas no ambiente essas pessoas. (Gardênia - Fragmento da cena)

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Apesar dela ter vivenciado momentos de profunda conexão e ter desfrutado também

de momentos a sós e com seu companheiro, ela revela o desejo de ficar sozinha em um

próximo parto:

Eu adorei a experiência do meu parto mas se fosse hoje eu teria sozinha. Na verdade

era uma visão que eu tinha antes da minha filha nascer. (Gardênia – Fragmento da

oficina)

Esse fato nos leva a refletir sobre a importância das pessoas presentes no momento do

parto. A escolha deve ser muito bem pensada, pois a presença de algumas pessoas, mesmo

sendo amigos ou familiares queridos, pode vir a influenciar negativamente. São questões

aparentemente simples, mas que podem influenciar no modo como o parto se conduz. Um

acompanhamento psicológico anterior ao parto, ainda na gestação, talvez possa clarear tais

demandas, no sentido de compreender realmente qual o desejo de cada mulher.

O pré-natal psicológico (PNP) é uma abordagem ainda pouco difundida nos serviços

de obstetrícia que poderia vir a contribuir em situações desse tipo. Se trata de um novo

conceito em atendimento perinatal, baseando-se na humanização de todo o processo

gestacional e do parto (Arrais, Mourão & Fragalle, 2014).

Arrais, Mourão e Fragalle (2014) nos falam a respeito desse atendimento:

Pioneiro em Brasília, o programa visa à integração da gestante e da

família a todo o processo gravídico-puerperal, por meio de encontros

temáticos com ênfase na preparação psicológica para a maternidade e

paternidade. (p.254)

A partir dessa proposta inicial em uma maternidade privada, houve a ampliação do

programa que passou a se dirigir também para maternidades públicas e comunidades carentes.

Os propulsores do PNP sugerem um programa de pré-natal dividido em seis a sete sessões,

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com duração entre duas a cinco horas e a utilização de técnicas, dinâmicas de grupo, aulas

expositivas e debates, contando também com a participação da família. O PNP surge então

como um complemento ao pré-natal tradicional que visa acompanhar o desenvolvimento do

bebê (Jesus, 2017).

Segundo Arrais e colaboradores (2014): “O principal objetivo da intervenção

psicológica nesse aspecto é oferecer uma escuta qualificada e diferenciada sobre o processo

da gravidez, fornecendo assim um espaço em que a mãe possa expressar seus medos e

ansiedades, além de favorecer a troca de experiências, descobertas e informações...” (p.254)

O PNP também pode contribuir na prevenção da depressão pós-parto, estendendo esse

suporte desde o início da gravidez até o pós-parto. A identificação de fatores de risco do

transtorno se mostra fundamental nessa prevenção (Cantilino, 2010).

O Ministério da Saúde, no que diz respeito aos aspectos emocionais, reforça que os

profissionais devem estar atentos a alguns sintomas exacerbados no puerpério, enfatizando a

importância do acompanhamento no pós-parto, dando suporte à gestante na reorganização

psíquica, no vínculo mãe-bebê, assim como nas transformações corporais e convivência

familiar (Ministério da saúde, 2006).

Nesse sentido, o pré-natal psicológico pretende propiciar para a gestante

conhecimentos a respeito dela própria, da gestação e maternidade. Através da escuta

qualificada é possibilitada a expressão de todo o processo que envolve a gestação e o parto:

medos, angústias, alegrias, chegada do bebê, amamentação, preparo com o corpo, retorno à

vida laboral e aspectos da vida conjugal (Jesus, 2017).

O psicólogo se mostra, portanto, um profissional de relevância nesse contexto, com

formação específica para lidar com as demandas emocionais do ciclo gravídico-puerperal.

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Ressaltamos, portanto, a importância do PNP como um dispositivo que promove a

preparação emocional da gestante diante do parto que ela deseja ter, fortalecendo essa

decisão, desmistificando possíveis idealizações construídas, auxiliando-a a lidar com os

entraves que surgem nesse caminho. Esse cuidado ainda na gravidez propicia à gestante um

caminho de autoconhecimento e pode evitar frustrações futuras em relação ao que ela

esperava e desejava para o seu parto.

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8. Os aprendizados/ensinamentos demasiadamente humanos

Figura 19. Marlene L'Abbe

O percurso trilhado com nossas protagonistas foi nos levando ao itinerário que elas

percorreram desde a escolha pelo PDP até a vivência do parto de cada uma, buscando

construir com elas a compreensão sobre as possíveis implicações desse processo para o cuidar

humanizado no parto domiciliar. Nesse caminho, os aprendizados dizem respeito a dimensões

demasiadamente humanas sobre serem cuidadas e o próprio cuidado ofertado a si. Vamos

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resumir respectivamente em dois eixos temáticos: sobre o cuidar humanizado e sobre o parir-

se no encontro com a espiritualidade feminina no lidar com suas dores.

8.1 Sobre o cuidar humanizado

O desejo por vivenciar o parto domiciliar mobilizou nossas colaboradoras a formar

uma equipe que pudesse prestar uma assistência cuidadosa, humanizada e que correspondesse

às expectativas das mulheres e de seus companheiros.

A maioria dos profissionais que faziam parte da equipe do PDP foram bem avaliados,

alguns foram extremamente elogiados e superaram as expectativas das parturientes. Apenas

um profissional foi avaliado de forma negativa. Com relação à equipe hospitalar que prestou

assistência para as duas colaboradoras que precisaram ser transferidas, algumas críticas foram

tecidas, tanto no que diz respeito aos procedimentos utilizados pelos profissionais, quanto ao

relacionamento entre o profissional e a parturiente, assim como também referências negativas

ao ambiente hospitalar. O cuidado para ser humanizado precisa de fato aliar respeito e

qualidade do acolhimento. Vejamos como foi possível construir com elas a resposta para a

reflexão: o meu parto foi humanizado?

8.1.1“Sim, eu fui respeitada”: A vivência do cuidado humanizado

Podemos observar nos relatos de Gardênia e Girassol a gratidão pela equipe que as

acompanhou e a importância do conhecimento e experiência dos profissionais, destacando

especialmente a doula e a parteira:

No caso da doula correspondeu muito bem às minhas expectativas. No caso da

parteira, excedeu. Eu criei uma expectativa e correspondeu a essa expectativa. Com

relação à parteira, eu não fazia a mínima ideia do que esperar e o fato de eu não saber

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o que esperar, excedeu minha expectativa. Fiquei muito contente, agradeci

imensamente. (...) Ela estava o tempo todo descrevendo o que acontecia com o meu

corpo, mas não pra mim, né! Pra doula ou pra quem tivesse perto dela, indiretamente

pra mim. Ela não me tirava a concentração. „Oh, preste atenção‟, não, ela falava e eu

pegava, quando eu estivesse na terra assim, que eu conseguia captar. Isso foi

realmente muito, muito bom pra mim, porque eu percebi a experiência dela,

percebi que ela sabia o que estava fazendo. (Girassol – Fragmento da entrevista)

Foi importante a sustentação da minha doula, a calma, a tranquilidade da

parteira também, foi muito bom a conexão da gente. (Gardênia – Fragmento da

entrevista)

A experiência e conhecimento da parteira contribuíram positivamente, assim como a

sustentação possibilitada pela doula, para que Girassol e Gardênia se sentissem tranquilas

durante o trabalho de parto. O profissional precisa apoiar a parturiente e ter o conhecimento

necessário para que ela confie que tudo está fluindo da melhor forma possível, fortalecendo

assim o protagonismo da mulher e a certeza de que ela é capaz de parir.

Os estudos demonstram que as intervenções no domicílio são bem menos frequentes

do que nos partos hospitalares, buscando-se assim uma assistência direcionada ao parto

natural e fisiológico. Nesse sentido, o conhecimento dos profissionais está muito além do

emprego da técnica (Frank & Pelloso, 2013).

Girassol, Dália e Gardênia expressaram gratidão ao se sentirem respeitadas na

condução de trabalho de parto e parto com o mínimo de intervenções:

E ela interviu o mínimo possível, como eu falei, tiveram apenas essas duas

intervenções, que foi no final e um toque (...) você pode dizer que essas pessoas tavam

apenas fazendo o trabalho delas, mas eu não acho que é assim, acho que as duas são

pessoas que são apaixonadas por isso, elas fazem porque amam e tem nisso um

ofício. Elas foram top pra mim e se eu tiver um terceiro eu quero ter a mesma equipe.

(Girassol – Fragmento da entrevista)

Eu agradeci muito que ninguém tocou na gente(...) Então eu agradeci muito que eu fui

muito respeitada, e minha bebê também. E o fato de ninguém tocar na gente fez

toda a diferença, toda a diferença. (...) Fiquei muito satisfeita, por que, ela (a

obstetriz) sempre foi muito discreta. „Agora vou ter que te auscultar‟. Fora isso se eu

continuasse de olho fechado, nem me dava conta de quem tava ali. Então foi perfeito,

assim. (Dália – Fragmento da entrevista)

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No fim das contas, eu acabei ficando numa posição que eu não queria no momento de

nascer, mas hoje eu compreendo, entendeu? Porque também, eu não tive umas crises

assim por isso, porque foi conversado, tipo naquele momento era preciso fazer

determinada intervenção e foi tranquilo, assim. Eu acho que foi humanizado sim.

(Gardênia – Fragmento da entrevista)

Um dos motivos da escolha pelo PDP citado com bastante ênfase por todas as nossas

colaboradoras foi o medo das intervenções obstétricas e dos procedimentos desnecessários

realizados nas instituições.

A pesquisa nascer no Brasil revelou que apenas 5% das mulheres entrevistadas

tiveram parto normal sem intervenções, o que demonstra que a medicalização do parto é uma

prática comum e disseminada em todo nosso país nas diversas instituições de saúde,

ignorando assim as evidências científicas já existentes (Sanfelice & Shimo, 2015).

Durante o trabalho de parto e o parto, a mulher precisa se sentir segura e ser amparada

emocionalmente, amenizando então sentimentos de medo, ansiedade e preocupação. O tipo de

relação estabelecido entre a parturiente e os profissionais pode trazer segurança à gestante. Ao

sentir-se cuidada, ela sente também que seu bebê está sendo bem cuidado (Martins, Almeida

& Mattos, 2012).

Gardênia, Girassol e Dália, nossas colaboradoras que planejaram o parto domiciliar e

conseguiram realizar, consideraram que seus partos foram humanizados:

Eu acho que sim, no momento que eu tive assim, que eu estava amparada, naquele

momento o que era mais importante pra mim era o suporte emocional (...) Eu tive as

minhas vontades respeitadas. (Gardênia – Fragmento da entrevista)

Considero, completamente, porque a gente construiu assim esse protagonismo, eu e

meu companheiro, e a gente buscou muita informação. Pra ter essa certeza e de certa

forma, o pré-natal com as meninas, também ajuda nisso. A gente dividir também as

responsabilidades, então a gente tem uma parcela de responsabilidade também nisso,

assumir os seus atos. Então, eu acho que isso também é ser protagonista da sua vida.

Então, eu considero completamente… e foi totalmente social, né, com nosso núcleo

aqui, eu considero completamente. Fui respeitada de todas as formas. (Dália –

Fragmento da entrevista)

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Sim. Eu tive muito amor, muito carinho, muito respeito. Escolhi, decidi, então pra

mim foi. (Girassol – Fragmento da entrevista)

Os relatos de nossas participantes que vivenciaram O PDP revelam aspectos que

compõem um parto humanizado por meio de um cuidar humano, por não instrumentalizar e

sim amparar. Todas elas enfatizaram que foram respeitadas em suas escolhas, assim como em

todo o processo. Conseguiram exercer o protagonismo, aliados a qualidade do preparo da

equipe escolhida.

O parto humanizado domiciliar com cuidado humanizado alia na prática respeito e

acolhimento, implica na construção de uma intimidade que possibilitará confiar no outro que

está junto. Esse é um aprendizado demasiadamente humano. Como diria Nogueira da Silva

(2017): acolher, sem invadir, habitar sem ocupar.

8.1.2 “Não, foi até um ponto”: o encontro com a violência obstétrica

Quando Margarida foi questionada a respeito de considerar seu parto humanizado, ela

disse: “Não, foi até um ponto.” Ela justifica sua afirmação dizendo que durante o trabalho de

parto em casa ela não achou humanizada a postura da parteira, o fato de ter muita gente

presente que ela não tinha intimidade e também por ter ficado distante da família.

Outros descontentamentos foram expostos por Margarida nas instituições de saúde

para onde ela foi transferida. Segundo seu relato: “No hospital eu vi a desumanidade, o que é

um parto não humanizado.”

No primeiro hospital para o qual ela foi transferida, a médica foi extremamente rude

no tratamento oferecido:

Aí a mulher, a médica, muito sem tato, me pediu pra calar a boca, porque disse

que eu tava gritando muito. Como é que a pessoa tá em trabalho de parto... eu acho

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que essa mulher nunca passou por isso, porque quem passa por isso, não se pode

chegar e falar pra calar a boca. (Margarida – Fragmento da entrevista)

Nesse hospital ela não pôde ser recebida e então foi encaminhada para uma

maternidade onde também sofreu algumas violências:

Quando chegou na maternidade, na hora lá da episiotomia do médico, a intervenção do

médico, de gostar de cortar, eu vi que aquele homem gostava de cortar. Parece que

esses médicos gostam de fazer corte e costurar pele, essas coisas. Ali também foi

desumano, porque inclusive na hora que eu reclamei, ele ficou com raiva porque

eu tava reclamando da minha própria dor que eu tava sentindo com aqueles

pontos ali embaixo. E isso pra mim é desumano. (Margarida – Fragmento da

entrevista)

A OMS conceitua violência como a imposição de um grau significativo de dor e

sofrimento evitáveis. A violência obstétrica se caracteriza então como um tipo específico de

violência contra a mulher (OMS, 1996).

O relato de Margarida nos revela diversos tipos de violências praticados contra ela. A

pesquisa Nascer no Brasil revelou que a episiotomia, por exemplo, acontece em 56% dos

partos no Brasil, mesmo sendo considerada uma intervenção desnecessária (Zanardo et al.,

2017). O médico que realizou a episiotomia em Margarida afirmou que se tratava de um

procedimento padrão do hospital para as mulheres que chegavam em trabalho de parto.

Mesmo a parturiente desejando não ser cortada, sua vontade não foi respeitada.

Tal fato nos leva a refletir sobre as palavras de Ayres (2009): “Destaca-se entre outros

problemas, uma progressiva incapacidade das ações de assistência à saúde de se provarem

racionais, de se mostrarem sensíveis às necessidades das pessoas e se tornarem cientes de seus

próprios limites” (p.58).

Além da episiotomia, Margarida foi colocada em posição ginecológica (litotomia) e

foi realizada a manobra de kristeller, práticas também consideradas desumanizadas e que não

favorecem o parto normal. A violência psicológica também esteve presente nas duas

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instituições, através do tratamento hostil oferecido, pois nem reclamar da sua própria dor

Margarida pôde.

Ela considerou também desumanizado a própria estrutura da maternidade, que não

acomodava bem as puérperas e seus acompanhantes:

E a própria estrutura da maternidade também é desumano, porque na própria

enfermaria o acompanhante não tinha onde dormir. Ou dormia numa cadeira de

plástico ou dormia debaixo da maca do paciente. Que barra! Isso pra mim é desumano.

O banheiro completamente anti-higiênico, porque era só dois vasos sanitários para

aquele monte de mulher... Acho que na minha ala tinham umas 15 mães pra usar dois

vasos sanitários. O banheiro pra chuveiro era só um chuveiro com a porta quebrada.

Totalmente desumano. (Margarida – Fragmento da entrevista)

De fato, um ambiente acolhedor está dentro dos princípios preconizados pela Política

Nacional de Humanização, podendo contribuir significativamente para um processo de

produção de saúde.

A instituição citada por Margarida é referência em atendimentos a gestantes de alto

risco e bebês prematuros. Muitas vezes a gestante ou o bebê passam meses internados, sendo

então extremamente desconfortável permanecer em um ambiente tão inadequado, sem uma

estrutura mínima de acolhimento.

A forma como os professores médicos e os alunos se dirigiram à Margarida e seu filho

durante a estadia deles lá também foi criticada:

“E os estudantes, os próprios médicos, professores que chegavam lá atendendo a

gente, não chegava atendendo, chegava estudando. Eles não tratavam com carinho,

tratavam como se fossem umas coisas, uns objetos sem vida, um objeto de

estudo(...) O professor de pediatria lá com os alunos, aí ele foi pegar meu filho, a

maneira como ele pegou foi tão rude que meu filho começou a chorar. Ele viu que ele

não soube fazer, ele se percebeu sendo rude, ele ficou muito constrangido, eu percebi

que ele se constrangeu e os alunos também ficaram meio olhando meio feio pro

professor. Não tem tato, um médico, pediatra, professor, parece que não tem contato

direto com criança.” (Margarida – Fragmento da entrevista)

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Isso demonstra o quanto ainda precisamos avançar para obtermos de fato uma

assistência obstétrica que privilegie o humano e não a técnica. Somente com a desconstrução

de conceitos já engessados e a incorporação de um novo modelo pautado em práticas mais

acolhedoras e cuidadosas é que de fato poderemos falar em humanização do parto e

nascimento.

Em contrapartida, Margarida descreve o amparo recebido em suas dores físicas e

emocionais por suas doulas, representando o ponto humanizado de seu processo de parto:

“Das doulas eu só tenho elogios porque foram maravilhosas. É fundamental ter

doula, é tudo de bom pra uma mãe. O companheiro não vai dá o suporte de uma doula,

a parteira não vai dá o suporte de uma doula, o médico muito menos. (...) Ela tem uma

sensibilidade de saber lidar do jeito certo, na hora certa, com a mulher que tá tendo

neném. É assim muito importante ter doula. Uma mulher que sabe lidar com a outra

naquela situação. Ela dá um âmparo emocional, dá âmparo físico, é como se ela

fosse a mãe da mulher que tá tendo neném, uma mãe bem cuidadosa. Sabe lidar,

chegar, pegar, falar. Está ali disposta pra isso. Então a doula ela tá ali só para a mãe, e

o neném quando nascer. Tá ali pra cuidar, ela tá com tempo, disposição e saber lidar

com isso. (...) As doulas ficaram comigo o tempo todo, não me abandonaram.”

(Margarida – Fragmento da entrevista)

Interessante destacar que ela se sente cuidada, amparada e grata, mesmo não tendo seu

parto como planejado, de forma domiciliar.

As parturientes que receberam assistência de doulas em outros estudos relataram que

esse atendimento fez todo diferencial para lidar com os momentos difíceis do trabalho de

parto e compararam as doulas a uma “fada”, “anjo” ou “mãe”, como foi o caso de Margarida

(Silva et al. 2012).

A pesquisa de Santos e Nunes evidenciou que as doulas desempenhavam um papel

importante proporcionando conforto materno, tranquilidade, redução de ansiedade, mantendo

um elo entre os profissionais e a paciente, fazendo com que o medo fosse dissipado e o parto

se conduzisse com tranquilidade (Silva et al. 2012).

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Girassol descreve bem esse elo que a doula traçou entre a equipe como um todo, e

resume sua importância no processo quando diz:

Ela parecia uma mediadora do trabalho de parto e ao mesmo tempo uma pessoa que

me confortava, tentava trazer pra mim um alívio (...) Sinto que o trabalho dela foi esse,

fazer eu me sentir bem em todos os momentos e guiar, guiar toda a equipe no meu

trabalho de parto. (Girassol – Fragmento da entrevista)

Portanto, em nossa pesquisa ficou evidenciado a importância do trabalho das doulas,

assim como a literatura vem apontando, principalmente no que diz respeito ao amparo e

conforto emocional, propiciando o bem-estar da gestante. Torna-se necessário cada dia mais a

inclusão dessa profissional no cenário obstétrico, a fim de que a assistência prestada às

parturientes possa ter o olhar de diversos profissionais, proporcionando assim um cuidado

mais abrangente.

Toda a vivência de Margarida destaca o cuidado que é necessário ter nos preparativos

para um parto domiciliar. Muitas foram as questões emocionais que rodearam a experiência

de seu parto e causaram insegurança na relação com sua equipe. A composição da equipe de

uma maneira rápida, sem muito conhecimento a respeito dos profissionais, já aos 8 meses de

gestação, não oportunizou que ela desenvolvesse a intimidade necessária, em especial com a

parteira, culminando ao final do processo na frustração com o atendimento recebido.

Entendemos que os cuidadores exercem um papel fundamental para o alcance de um

cuidar humanizado no trabalho de parto e parto, por meio de um cuidado capaz de ouvir com

qualidade as demandas, compartilhar decisões, aliando a sabedoria técnica à sabedoria pratica

(Ayres, 2004). Atitude esta só vivenciada por Margarida na relação de cuidado com suas

doulas.

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8.1.3 “Sim, fui respeitada”: entre um cuidado humanizado e práticas invasivas

Flor de Lótus também não conseguiu realizar o PDP. A respeito do seu parto ter sido

humanizado, ela diz:

Foi. Porque assim, como eu disse, a médica perguntou tudo que podia fazer, então

assim, ela olhava pra mim, ela sabia que era importante pra mim ter o parto normal. É

tanto que ela dizia assim “Flor, a gente vai pra uma cesárea mas o próximo parto você

pode ter normal. Espere 2 anos que você pode ter normal.” Então ela sabia que era

importante pra mim. Então assim, acho que eu fui respeitada, apesar de ter sido uma

cesárea, eu fui respeitada. (Flor de Lótus – Fragmento da entrevista)

Flor de Lótus ao ser transferida para um hospital para finalizar seu parto foi recebida

por uma médica. Os profissionais dessa instituição tinham recebido um treinamento sobre

humanização recentemente e segundo Flor de Lótus, “a médica foi bem treinada.”

A relação estabelecida com a médica foi considerada por Flor muito boa, pois segundo

ela, a médica perguntava tudo para ela, se podia realizar os procedimentos, como estourar a

bolsa, fazer episiotomia, colocar a sonda, dentre outros. Apesar de ter uma postura bastante

intervencionista, ela buscou estabelecer com Flor de Lótus uma relação de diálogo.

Porém, duas intervenções foram criticadas por nossa colaboradora: A utilização de

ocitocina sem a autorização dela e a anestesia recebida. Ela comenta:

Colocaram ocitocina em mim e eu não queria. E é uma das coisas que eu atribuo ao

mecônio, tanto a anestesia quanto a ocitocina. Foi uma ocitocina totalmente aberta,

que depois que tava correndo foi que eu vi, que tava correndo rápido, não tava

regular. Eu acho que de tanto costume assim, de medicar de drogar de todo jeito, sai

colocando as coisas de todo jeito sem perguntar, sem avisar. (...) O anestesista

também, ele não teve a „mão‟ da anestesia, ele me anestesiou demais pra parto

normal. Porque assim, tem a „mão‟, tem o jeito de fazer a anestesia pra você não ficar

morto da cintura pra baixo, só no caso, a analgesia, que é a percepção da dor diminuir

mas eu continuar sentindo as pernas, e ele não teve essa mão, foi uma anestesia pesada

que eu não sentia mais nada nem conseguia perceber o puxo, não conseguia fazer

força. (Flor de Lótus – Fragmento da entrevista)

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Nesse sentido, percebe-se que Flor de Lótus se sentiu respeitada com o tratamento

recebido na instituição, porém ainda assim foi vítima de práticas invasivas, sem o seu

consentimento. Tais práticas podem ter diversas repercussões e consequências negativas,

conforme Flor de Lótus relata a respeito da anestesia recebida:

Hoje eu tenho um problema que eu atribuo aos puxos que eu tive lá no hospital,

eu fazia muita força, muita força e não tinha eficiência. E hoje eu tô com um problema

chamado pubagina, que é como se meu osso da pelve tivesse descolado sabe? Vou ter

que fazer fisioterapia. Saiu alguma coisa do lugar, foi da pressão de fazer a força no

momento errado, porque eu não sabia quando vinha a contração pra fazer a força na

hora certa, entendeu? Por isso que não é legal você tá anestesiada no expulsivo,

porque você faz a força sem saber a hora certa de fazer... Eu lesionei alguma coisa que

eu vou ter que fazer fisioterapia agora pra corrigir isso. (Flor de Lótus – Fragmento da

entrevista)

Devido ao fato de ter sido anestesiada excessivamente, Flor de Lótus não percebia

quando sentia os puxos involuntários característicos da fase final do parto, levando-a fazer

força na hora errada, prejudicando assim sua estrutura física.

Resumindo sua experiência no hospital, Flor de Lótus diz:

A médica era “fofa”, sabe? Fofinha (termo usado por ativistas da humanização pra se

referir aos médicos que apoiam o parto normal apenas sob certas circunstâncias). Mas

eu não vejo violência no atendimento deles. (Flor de Lótus – Fragmento da entrevista)

A experiência de Flor de Lótus no que diz respeito à sua vivência do parto domiciliar

nos fala também sobre o cuidado com as questões emocionais. Desde a gestação ela falava do

seu principal medo: medo do expulsivo, de lacerar e não ter alguém pra suturar.

Ela queria ter a presença da médica caso isso acontecesse, o que não foi possível no

dia do parto. O único dia que a médica estaria de plantão e não poderia acompanhá-la foi

justamente o dia que ela entrou em trabalho de parto. A insegurança que essa ausência pode

ter causado se somou a vários outros conflitos de ordem emocional abordados no capítulo

anterior, como a preocupação excessiva com a expectativa dos outros, o papel da mãe,

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acrescidos à sua difícil relação com a dor física. Conforme ela mesma disse, ela preparou tudo

mas não se preparou para sentir a dor. Por ser da área de saúde e trabalhar diretamente na

assistência ao parto, lidando todos os dias com mulheres em trabalho de parto, talvez ela

acreditasse que essa questão estivesse bem resolvida.

Segundo Flor de Lótus, ela já tinha o conhecimento a respeito da necessidade de

aceitar a dor antes de entrar em trabalho de parto. Porém, somente ter o conhecimento não foi

suficiente, seria preciso um trabalho anterior ao parto, de lidar com as emoções, de perceber

como é a compreensão dela a respeito da dor, os medos envolvidos nesse processo, enfim,

suas emoções como um todo.

Conhecer a história de cada protagonista dessa pesquisa nos leva a profundas reflexões

nos mais diversos aspectos. Foi percebido que o cuidado humanizado é amplamente

considerado no modo como as relações entre pacientes e profissionais são estabelecidas,

sendo esse um dos principais enfoques trazidos por elas. Também aprendemos com elas sobre

a importância do cuidado das emoções e do resgate às dimensões da espiritualidade e do

feminino pra que esse cuidar seja de fato integral.

8.2 Sobre o parir-se: o encontro com a espiritualidade feminina no lidar com suas dores

Na fase final da entrevista com nossas protagonistas, foi pedido a elas que

formulassem um recado a respeito do que consideram essencial a quem está buscando um

parto humanizado, a partir da experiência vivida por elas. Compartilharemos o entendimento

que fomos construindo com elas, sobre esses recados após o percurso que trilhamos juntas no

estudo.

Gardênia e Girassol inicialmente reforçaram a importância de buscar informação ainda

na gravidez para que a mulher se sinta segura de sua decisão:

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A gente ter a compreensão de que parir exige um exercício, um trabalho, exige que a

gente se esforce no sentido assim de informação. De informação pra que a gente

esteja empoderada, pra que a gente não caia nas armadilhas do sistema obstétrico.

Porque toda informação que a gente entra em contato na gravidez, é importante pra

que a gente tenha segurança no momento que em tiver vivenciando determinação

situação(...)É preciso muita informação. A gente se preocupar um pouco menos com

enxoval e se preparar pra isso, sabe? (Gardênia – Fragmento da entrevista)

A primeira coisa que eu sugiro nesse meu recado é se informe. Você só vai saber

tomar uma decisão pensada no que é melhor pra você e pro seu filho se você se

informar. É através da informação que você traz a responsabilidade do seu parto

pra si e não coloca na mão de um médico. Mas busque informação, mesmo que a

sua opção seja: „Eu me sinto mais a vontade na cesárea‟, mas busque informação pra

você tomar essa decisão com segurança e você depois do processo ficar bem com

isso. Porque tem muitas mulheres que dizem „eu quero um parto normal!‟ E terminam

numa cesárea. E aí beleza, deu tudo certo, todo mundo saudável, mas o processo foi

quebrado. Não foi o processo que foi desejado no início. E isso acaba trazendo

uma certa frustração meio que lá no fundo, e a informação faz com que você

tome uma decisão pensada no bem estar, no seu bem estar, no bem estar do bebê,

antes, durante e depois desse processo. (Girassol – Fragmento da entrevista)

Os recados de Gardênia e Girassol enfocam o protagonismo implicado no processo de

quem deseja vivenciar um parto humanizado. Segundo elas, não basta “apenas” querer, mas

buscar informação, se apoderar dessa decisão, para que isso se reflita em um sentimento de

segurança e em uma escolha bem pensada. Entendemos que esse sentimento interno de

segurança, talvez possa ser chamado de segurança emocional, capaz de contribuir no lidar

com os medos, acrescido à segurança que teve com os cuidadores escolhidos para amparar o

trabalho de parto.

Girassol enfatiza também a importância de fazer uma escolha bem informada para que

a mulher se sinta tranquila com o que foi escolhido, sem correr o risco de gerar frustrações

futuras. Em sua primeira gestação, ela ficou bem triste por ter que passar por uma cesárea e

apesar de ter ficado feliz com o nascimento da filha, por dentro havia um sentimento de

incompletude, algo que foi superado após a vivência do PDP.

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Gardênia, Girassol e Dália vivenciaram partos com significados muito profundos,

repletos de um grande contato interior, um verdadeiro “parir-se” como trouxe Gardênia. Esse

parir-se resultou em um encontro com a espiritualidade feminina ou sagrado feminino.

Barbalho (2014) traduz o conceito de sagrado feminino como “aspectos da psique

feminina que se manifestam por mecanismos relacionados à intuição, alicerçado entre a

espiritualidade e a materialidade.” (p.11) O parto para a autora citada pode ser então, um

ritual de consagração e passagem para essa dimensão do Sagrado Feminino, uma força ligada

ao útero e a mulher.

Para Faur (2011), a Espiritualidade Feminina seria um caminho de expansão de

consciência que visa o empoderamento das mulheres a partir de imagens sagradas femininas,

rituais e símbolos adequados às suas necessidades específicas.

Espiritualidade Feminina é entendida aqui como sinônimo de Sagrado Feminino a

partir do diálogo com as narrativas de nossas colaboradoras e a compreensão do que há em

comum entre esses conceitos.

Apesar das colaboradoras não terem usado exatamente o termo “Sagrado Feminino”

percebemos em seus relatos vivências que se caracterizam como tal, expressões da

espiritualidade feminina, de conexão com algo transcendente, por meio do parto materializado

no útero, conforme podemos observar na fala de Gardênia: “Foi um momento de encontro

assim com a ancestralidade, com toda sua linhagem, a sua linhagem astral, espiritual.”

Há um contato com o divino a partir de uma conexão com o corpo, especialmente com

o útero. O simbolismo trazido por Gardênia, por exemplo, retrata bem essa conexão, com a

caverna representando o útero: “Essa caverna é exatamente aqui (útero), no meu centro, no

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centro da mulher, um centro de energia(...) É o nosso centro, de ancoramento, de energia, da

criação, né?”

A ligação com o divino, o espiritual, levam-nas a comparar-se com a própria natureza,

sentindo-se parte dela, como foi o caso de Dália. Essa ligação com a natureza também traz a

relação existente entre o animal e espiritual, o sentir-se bicho, mulher-bicho, também

expressado por Gardênia. O portal, simbolismo trazido por Girassol, também remete a um

contato com a espiritualidade, o acesso a um mundo inteiramente novo e repleto de

aprendizados.

Os aspectos do transcendente se manifestem na imanência, na matéria, se portando

como uma dimensão de abertura e força do ser humano em meio as suas limitações materiais,

físicas e culturais (Vasconcelos, 2006).

Essas esferas e dimensões parecem ser acessadas por essas mulheres possibilitando

que elas entrem em contato com o potencial do feminino que, de acordo com Alves (2011),

permite a criação de outras formas de espiritualidades, ora com resgates do saber ancestral,

ora com novas leituras, com a intenção explícita de abrir espaços para articulação e realização

de seus desejos.

Essas vivências transcendentes foram possíveis em parte graças aos cuidados

recebidos, às muitas mãos que ampararam essas mulheres e promoveram um cuidado que

possibilitou que elas se entregassem ao processo, além do cuidado pessoal que cada uma

buscou ter. Isso possibilitou que durante as dores físicas intensas elas acreditassem na

capacidade que tinham para aquele enfrentamento, promovendo para algumas o encontro ou

reencontro com a espiritualidade feminina, sagrada.

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No percurso em busca de cuidar-se, de encontrar-se e ser cuidada, Gardênia relatou

que na gestação leu muitos relatos de parto e acredita que isso foi o mais importante para ela,

entender como é essa vivência no campo subjetivo, como ela mesma afirmou:

Mas na gravidez o que foi mais importante pra mim foi ler os relatos de parto, do

que as próprias evidências. Mas porque? Porque os relatos eles traziam essa vivência

subjetiva, de como é essa vivência no campo subjetivo, de ter esse entendimento. Isso

foi mais importante pra mim, estar preparada pra encarar esses medos e os

fantasmas de cada um. (Gardênia – Fragmento da entrevista)

De fato, ela pôde encarar esses “medos e fantasmas” em sua vivência, porém sem

consentir que isso influenciasse de forma negativa, mas se permitindo experimentar,

entendendo quais aprendizados ela poderia retirar dali. Ela realizou um auto cuidado. A

procura pelos relatos de ordem subjetiva e o modo como ela foi lidando com isso ilustra bem.

“É um rasgar-se, um desabrochar, na maioria das vezes é doloroso”, afirma Gardênia.

Girassol viveu, segundo suas palavras, um renascimento, a descoberta do seu poder

interior, um processo de autoafirmação e confiança em si mesma. Todo esse empoderamento

derivou a partir de sua busca e decisão pelo parto domiciliar. Confiar que aquela era sua

melhor escolha possibilitou o desenvolvimento da confiança em todo processo, inclusive na

sua capacidade de parir.

A busca por um tipo de empoderamento que promove o cuidado foi se construindo.

Primeiro interiormente através da sua escolha pelo parto em casa, passando pelo externo

através das leituras sobre as evidências científicas e estudos, assim como a aproximação com

pessoas que podiam apoiá-la nessa decisão. Ao chegar no momento do parto, o

empoderamento volta novamente ao interno, aflorando sua confiança e poder, transformando-

a em uma nova mulher. Trata-se de um empoderamento de conhecimentos e de um reencontro

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com sua força, que necessita também de outras mulheres, de apoios, da família e de

cuidadores próximos existencialmente, capazes de acolher sensibilidades.

Um dos papeis dos profissionais que prestam assistência ao parto é possibilitar que a

mulher se conecte com sua natureza, que ela própria conduza seu parto de acordo com sua

necessidade (Souza et al. 2014).

A segurança adquirida externamente por Girassol permitiu que a segurança

interna/emocional também fluísse, resultando em um parto tranquilo. Conforme as palavras

dela: “A segurança vai te permitir relaxar e fazer compreender aquela dor.” Compreender a

dor implica em aceitá-la e permitir que o trabalho de parto flua sem ansiedades, medos,

cobranças ou expectativas, autorizando assim uma vivência que pode ser tão enriquecedora

como foi a dela.

Dália por sua vez, dá seu recado a respeito da importância de confiar na natureza:

“Parto é natureza. Confiar que ela é perfeita, confiar na sua natureza, eu acho que é

a coisa mais fortificante, assim, que a pessoa se dá conta. Então é confiar na natureza.

O que a gente fala nas rodas, você nunca duvida que você vai conseguir digerir uma

comida né, mas até mesmo você duvida que você consegue parir, que é uma coisa bem

natural. É isso.” (Dália – Fragmento da entrevista)

A vivência de Dália possibilitou a ela seu reencontro com o que ela chamou de

natureza perfeita, que antes parecia distante mas a partir daquele momento foi percebida nela

mesma. Ela teve um parto natural, sem intervenções externas, regido apenas pelo seu corpo e

poder feminino.

Se conectar com a própria natureza permitiu a vivência de um parto com entrega,

fluidez e a oportunidade de um encontro consigo mesma, uma experiência que fica marcada

na vida da mulher. Conforme ela relata: “Foi muito bonito, foi a coisa mais forte que já vivi

na minha vida.”

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Nesse sentido, o desejo das mulheres por um parto natural não é produto de

irresponsabilidade ou ignorância, mas da intuição de que há algo nesse processo de

inestimável valor que ela não quer e não pode perder (Nogueira, 2013).

Compreendemos que as mulheres, por vezes, tem a intuição de que no parto podem

viver uma experiência rica, transcendente, mas não sabem como fazer, como buscar se

reconectar. Algumas buscam com práticas espirituais, com recursos meditativos, yoga, como

observamos no estudo de Barbalho (2015), outras acessam no trabalho de parto e parto, no

enfrentamento da entrega à dor física.

As vivências de Dália, Girassol e Gardênia ilustram o reencontro com a espiritualidade

delas, o encontro com sua força transcendente. Elas nos ensinam que o caminho da mulher

para vivenciar o seu trabalho de parto e parto como desejam pode não ser tão fácil, pois

sentimentos diversos coexistem, porém, ao final a experiência tende a ser extremamente

gratificante, se muitas trilhas tiverem sido percorridas, dentre elas: as trilhas da informação e

do conhecimento, a trilha da busca por cuidadores que possam amparar as dores, além da

busca de formas pessoais de cuidarem dos medos antes e durante o processo. Esse percurso

possibilitou uma entrega que as conectaram com a experiência transcendente de renascerem.

Especialmente em Dália, Girassol e Gardênia podemos inferir que não havia dores

emocionais fortes capazes de invadirem a cena do parto, conforme aconteceu com Flor de

Lótus e Margarida. As dores físicas puderam ser suportadas e transcendidas através da

segurança que havia no entorno delas, no cuidado a elas direcionado e no resgate da própria

força, que não acontece sem um trabalho subjetivo, emocional e espiritual.

O cuidado com as questões emocionais para a vivência de um trabalho de parto no

qual seja possível superar as dores e os medos, precisa acontecer ainda na gestação, ou em um

momento anterior a esse, para que haja tempo suficiente de identificar e trabalhar possíveis

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situações de fragilidade. Durante a gestação, a doula de Flor de Lótus tentou trabalhar com ela

as questões emocionais:

A doula tentou trabalhar comigo. „Flor, vamos tentar resolver tudo que tem pra

resolver antes do parto.‟ E eu disse „Não tem nada pra resolver não, tá tudo bem

comigo, tá fluindo bem‟. Aí ela „Não, vamos conversar... vai que tem alguma coisa aí,

na cabeça, no subconsciente que tem que sair‟. Mas assim, é muito subconsciente

mesmo, muito subconsciente, que na época tava tudo bem, eu tava muito preparada.

(Flor de Lótus – Fragmento da entrevista)

A doula teve a sensibilidade de tentar trabalhar com Flor as questões emocionais, mas

aparentemente estava tudo bem, fluindo. A recusa de Flor de Lótus aos recursos em seu

processo nos leva a refletir sobre a diversidade de emoções presentes em um processo tão

complexo como o parto. A dor física evoca muitos medos que podem produzir fortes

sofrimentos, o medo desafia a confiança e a autoestima é ameaçada pelo desconhecido.

O recado que Flor de Lótus formulou expressa bem sua vivência e a relação com as

questões emocionais:

Confiar em si. Confiar em si, tentar abrir a cabeça pra aceitar a dor. Eu não

aceitei. Chegou uma hora que eu não aceitei mais. Eu tô dizendo isso agora mas eu já

dizia isso antes de ter meu trabalho de parto, mas nada que eu disser vai resolver,

porque é só na hora mesmo... Nenhum conselho vai funcionar, nenhum conselho

funciona porque dizer assim: aceite a dor. Eu não aceitei a dor na hora, e tudo que

eu já sabia na hora eu não aceitei. Então não tem muito o que dizer né? (Flor de

Lótus – Fragmento da entrevista)

O recado que Margarida dá para as mulheres que estão buscando um parto

humanizado também fala fortemente da importância do cuidado com as emoções:

Primeiro de tudo a mulher tem que se empoderar dela mesma. Ela tem que se cuidar

emocionalmente, afetivamente, em termos de conhecimento, se quiser ler mais sobre

parto, essas coisas. Essa é a primeira coisa, pra poder ter um parto humanizado a

própria mulher tem que se humanizar. (Margarida – Fragmento da entrevista)

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Cuidar das emoções envolve um preparo interno, onde cada mulher precisa olhar para

as suas questões, seus medos, receios, expectativas e ansiedades. É necessário fazer um

profundo mergulho interior a fim de perceber o que dali poderia vir a atrapalhar no processo

de entrega ao parto. Isso pode ser facilitado pela intervenção profissional de um psicólogo,

ajudando na compreensão das sombras que todos nós possuímos e muitas vezes não

enxergamos.

Ela dá seu recado também a respeito dos profissionais envolvidos na assistência ao

parto:

“E a equipe que vai estar com ela também tem que se sensibilizar com essa mulher.

Tem que estar todos abertos pra receber esse parto humanizado. Não pode ter

conflitos, pessoas criticando. As pessoas que tiverem tem que estar preparadas.”

(Margarida – Fragmento da entrevista)

Portanto, o preparo interno e a busca por profissionais que possam construir

intimidade com a mulher a fim de que a confiança alie a técnica ao humano, imprescindíveis

para um cuidado humanizado, são vitais no processo. A tecnologia leve presente nas

conversações entre elas, as técnicas sutis utilizadas como recursos e habilidade humana para o

amparo farão diferença. Margarida resume melhor:

Mas o primeiro recado mesmo é vir dela mesmo porque a partir dela que tudo isso vai

poder acontecer. (Margarida)

Cuidar das emoções propicia um melhor enfrentamento do trabalho de parto, em

especial o enfrentamento das dores físicas. Quando esse trabalho emocional não é realizado, a

dor física alcança contornos ainda maiores, pois as dores emocionais podem invadir a cena

com todos os conflitos e medos possíveis, conforme pudemos observar com mais intensidade

nas vivências de Margarida e Flor de Lótus.

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Ressaltamos mais uma vez as contribuições que um pré-natal psicológico pode trazer

para as gestantes que desejam trabalhar em si as questões emocionais, se constituindo como

um espaço de cuidado e escuta ativa às diversas demandas que surgem no gestar e parir.

Portanto, o parir-se, o renascer, ou encontrar-se como parte da natureza revelado por

Gardênia, Girassol e Dália implica em um processo de reencontro com a dimensão espiritual

do sagrado feminino.

Nessa direção compartilhamos das reflexões de Barbalho e Nogueira da Silva (2015)

que nos lembram que é possível espaços que aliem a informação, o cuidado emocional na

promoção do contato com as intuições e a força espiritual.

A criação de espaços de acolhimento e apoio à mulher que não se restrinjam somente

aos aspectos informacionais pode ser um caminho, utilizando ferramentas que permitam que

as próprias mulheres se internalizem, silenciem, podendo então encontrar em si mesmas o

espiritual, bem como as respostas para os desafios e enfrentamentos tão presentes na

maternidade como um todo, tendo como norte a confiança em suas intuições e no poder de

seus corpos (Barbalho & Nogueira da Silva, 2015).

Apreendemos os recados de nossas flores colaboradoras como uma convocação para a

importância de um pré-natal psicológico, que agregue as dimensões espirituais, dentro do

universo de crenças de cada um, um resgate com seu feminino espiritual em suas sombras e

luzes.

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9. Considerações finais

A motivação para a realização desse estudo surgiu a partir das minhas inquietações no

que diz respeito aos preconceitos que envolvem o parto domiciliar planejado e as dificuldades

que giram em torno das mulheres que querem viver essa experiência. Tantas delas em busca

de um parto humanizado, onde seus anseios sejam atendidos, na busca de acolhimento e um

cuidado mais humano. Essas questões continuam me inquietando mas o caminho realizado

com nossas colaboradoras possibilitou lançar novos olhares sobre o tema.

Por que no Brasil parir ainda é uma luta? Por que o natural e “normal” está sendo visto

como loucura? Por que anestesiar mulheres virou normalidade? Por que evitar o contato com

o que temos de mais íntimo, profundo e misterioso?

Como disse Dália “Gente, coragem é se submeter a uma cirurgia tando boazinha, não

precisa de coragem para parir não.” Compreendo o sentido de sua afirmação, porém ouso

discordar em partes. Querer um parto normal em um dos países líder mundial de cesáreas

precisa de coragem e muita! Coragem para ir contra um sistema em que não há um único

“culpado” ou responsável, pois como o próprio nome diz, é um sistema, um jogo de interesses

e conveniência.

Porém, o foco desse estudo não foi adentrar nos aspectos que envolvem interesses

corporativos, financeiros ou institucionais, mas sim conhecer o caminho das mulheres em

busca de um parir humanizado e descobrir, por meio delas, como está sendo a vivência do

PDP, suas dificuldades, desafios e alegrias. A luta por uma mudança nesse sistema está vindo

dessas mulheres, que não aceitam mais o que é imposto e buscam o melhor para si e seus

filhos, por isso é tão importante dar voz a elas.

Se é preciso coragem para parir, é necessário uma coragem ainda maior para ter um

parto domiciliar. Conseguir enfrentar todos os preconceitos, se fortalecer nessa decisão,

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buscar recursos financeiros e ainda por vezes, lidar com críticas vindas muitas vezes das

pessoas mais importantes da vida daquela mulher: sua família.

A construção dessa pesquisa visou trazer mais conhecimentos a respeito do tema,

desmistificar alguns preconceitos, proporcionando um diálogo mais aberto e franco. Buscou-

se aliar as evidências científicas aos relatos das nossas protagonistas, em uma co-construção

de ensinos e aprendizados. Foi possível conhecer as dores e alegrias, os medos, mas também

as vitórias e conquistas alcançadas.

Buscamos compreender não somente a história de quem conseguiu vivenciar o parto

domiciliar, mas também das mulheres que planejaram e não puderam finalizar o parto em

casa. Elas gentilmente possibilitaram o compartilhamento de vivências de tamanha

importância, nos dando a oportunidade de conhecer valiosos ensinamentos e aprendizagens

conjuntas.

Como estratégias metodológicas buscamos recursos também para aprofundar esse

diálogo, afinal queremos uma compreensão hermenêutica que se propõe, como diz Sibele:

“Habitar sem ocupar, possibilitar encontros comunicativos e transitar nas sombras.”

Utilizamos a entrevista narrativa e realizamos a oficina com o uso de cenas e brasões. Essas

formas de acessar as narrativas foram de extrema importância para o aprofundamento das

vivências de nossas protagonistas, possibilitando driblar às vezes o discurso mais racional,

nos levando a novas compreensões, insights e identificações, proporcionando um rico

momento para todas.

A elas, demos nomes de flores. Gardênia, Girassol, Dália, Margarida e Flor de Lótus

exalaram o que possuíam de mais belo, sempre com tanta generosidade no compartilhar,

possibilitando através de seus relatos a compreensão de suas vivências.

No primeiro capítulo denominado “O parir: entre rituais, institucionalização, e (des)

humanização do nascer”, fizemos um breve percurso teórico a respeito de como ocorreram as

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diversas mudanças em torno do nascimento, de um evento sagrado e misterioso ao seu

processo de institucionalização, desumanização e posteriormente, o resgate de práticas

humanizadas.

O capítulo seguinte “A escolha pelo parto domiciliar planejado: entre o desejo de um

parto humanizado aos medos e apoios” nos apresentou como se deu a escolha de nossas

protagonistas pelo parto domiciliar, assim como os medos envolvidos nesse processo e os

apoios fundamentais para a conquista do PDP. Nesse momento foi possível compreender que

essa decisão está ancorada principalmente no desejo de vivenciar um parto humanizado, que

para elas significa obter o respeito em todo o processo da escolha, que por sua vez implica na

construção de conhecimentos e protagonismo da mulher e do casal.

O terceiro capítulo “Os preparativos para a boa hora” nos fala sobre os receios

existentes nas mulheres após tomarem a decisão de vivenciar o parto em casa e como elas

lidaram com tais dificuldades, superando os desafios. No prosseguimento dos preparativos

está a busca pela equipe ideal, que preste uma assistência qualificada e humanizada. Aqui foi

possível apreender que os critérios de escolha da equipe tem como base a formação técnica e

as questões afetivas.

O quarto capítulo “Chegou a hora: a vivência do parto” retrata a vivência do parto para

cada uma de nossas participantes, evidenciando a singularidade de cada processo, assim como

as dores e alegrias vivenciadas por cada uma delas. Além da dor física, há a compreensão

também das dores emocionais e dos recursos internos e externos que cada uma utilizou para

lidar com os entraves. Ficou evidenciado a importância do preparo não apenas físico, do

ambiente, da escolha da equipe e da obtenção de conhecimento para a decisão de parir em

casa, mas acima de tudo o cuidado com as questões emocionais, a necessidade de um

profundo olhar interno para que se possa viver a experiência do parto em toda sua

completude, que significou para as que conseguiram o PDP, um renascer, um encontro com a

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sua natureza, parir-se parindo.

Por fim, o último capítulo, “Os aprendizados/ensinamentos demasiadamente

humanos” nos fala sobre o parto ter sido humanizado ou não, trazendo também os

aprendizados delas em forma de recados para outras mulheres que estão buscando um parto

humanizado.

Nesse sentido, foi possível perceber que o parto domiciliar pode ser humanizado ou

não, a depender de alguns fatores envolvidos. A principal questão diz respeito ao cuidado

ofertado pelos profissionais, tanto no âmbito domiciliar quanto hospitalar. No que diz respeito

ao domicílio, Margarida por exemplo, não sentiu um cuidado humanizado de sua parteira.

Ressaltamos então que não é o local que definirá se um parto será humanizado, mas sobretudo

a atuação e o cuidado dos profissionais.

Os recados enfocaram a necessidade de buscar informação de qualidade que venha a

subsidiar uma decisão que traga segurança para a mulher; a importância de confiar em si e no

parto como algo da natureza, fortalecendo assim a capacidade da mulher de parir; a escolha de

uma equipe que tenha sintonia e intimidade com a gestante e principalmente a importância do

cuidado emocional que a mulher precisa ter ainda na gestação, para que possíveis conflitos,

medos e ansiedades não venham a interferir negativamente no desfecho do parto. Tais

condições favorecem o reencontro com a espiritualidade feminina oportunizando portanto,

novas formas de nascer.

Nessa perspectiva, compreendemos que a realização dessa pesquisa possibilitou

aprofundar a discussão sobre o parto domiciliar planejado, lançando novos olhares e

questionamentos que venham a contribuir para tornar essa modalidade de parto mais acessível

a quem assim desejar.

O cuidado humanizado nessa pesquisa foi compreendido como a busca de uma relação

onde se faça presente o diálogo, o acolhimento e o respeito, através de um encontro com o

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outro. Tal encontro visa atender às necessidades do sujeito, reconhecendo a importância de

sua história e seu saber.

A compreensão das dores e questões emocionais se mostrou fundamental no preparo

do parto domiciliar planejado, promovendo assim um cuidado que vai além do biológico e se

faz integral. As mulheres que promoveram minimamente esse cuidado e olhar interno

conseguiram realizar o parto no domicílio e demonstraram profundo crescimento e gratidão

com a experiência vivenciada. Por sua vez, as participantes que tiveram mais dificuldade em

identificar questões emocionais que pudessem atrapalhar a evolução de seus partos

vivenciaram mais desafios para lidar com os entraves surgidos durante o trabalho de parto.

Ainda nesse sentido, essa pesquisa buscou compreender a vivência do parto domiciliar

planejado a fim de subsidiar contribuições para um cuidado humanizado. Ressaltamos então a

importância do pré-natal psicológico como um cuidado direcionado à gestante que possibilita

a expressão das emoções e contribui para o resgate e acesso da espiritualidade feminina.

Destacamos o psicólogo como um profissional capacitado para dar esse suporte e fornecer o

apoio emocional necessário.

Nosso estudo aponta também para a importância do resgate da espiritualidade

feminina, algo bem presente na vivência das nossas colaboradoras que conseguiram realizar o

parto em casa. O encontro delas com a espiritualidade e aspectos do transcendente propiciou

uma vivência repleta de significados, trazendo ainda mais empoderamento e a descoberta de

uma força interna e poder pessoal, representando para algumas, o “nascimento” de uma nova

mulher. Os relatos reforçam, portanto, a consideração das dimensões espirituais nos processos

de gestar e parir a fim de contribuir para o alcance de um cuidado humanizado ao integrar

essa dimensão da existência e possibilitar o reencontro com a força interna dessas mulheres.

Nesse sentido é necessário destacar que nosso caminho com essas mulheres permite

que nos aliemos ao estudo de Barbalho (2015) no que diz respeito à importância de

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defendermos um processo de (re)educação para o feminino, que seja capaz de estimular o

aprendizado arquetípico dessa dimensão, tão caras aos processos de gestar e parir. Um

processo que incorpore, acolha e estimule a manifestação de aspectos da psique feminina.

Para isso, é imprescindível também incluirmos os homens em busca de um lugar de

compartilhamento e vivência mútua, pois os relatos de nossas protagonistas revelaram o

quanto o apoio do companheiro foi importante para a decisão pelo PDP. E, para além disso, o

apoio emocional ofertado por eles durante a vivência do parto também foi essencial,

especialmente para as que conseguiram realizar o parto no domicílio.

O cuidado humanizado abrange não somente a atuação do psicólogo mas de todos os

profissionais envolvidos nos processos de gestar e parir. Tal cuidado se inicia na formação

desses profissionais que precisa agregar também as dimensões humanas do afeto, do respeito,

do saber ouvir e cuidar de modo integral.

O psicólogo inserido em diversos contextos pode colaborar com a formação e atuação

desses profissionais, tanto no âmbito acadêmico quanto nas equipes multiprofissionais,

trabalhando as dimensões emocionais e espirituais que muitas vezes ficam esquecidas.

A elaboração de políticas públicas que possibilitem mudanças nas condições

estruturais de nossa realidade obstétrica também é de suma importância, já que nos países em

que a assistência obstétrica possui um alto nível de excelência, o governo financia os partos

domiciliares planejados e incentiva os profissionais a prestarem esse tipo de assistência,

facilitando assim o acesso das mulheres que desejam viver essa experiência.

Sabemos que esse estudo não pode e nem tem a intenção de ser generalizado, mas sem

dúvidas ele lança luzes, caminhos em relação a experiências semelhantes. Espera-se ampliar a

discussão desse tema dentro da Psicologia, ciência que pode vir a contribuir muito no

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entendimento das questões emocionais, bem como na inclusão do espiritual no seu saber fazer

ao cuidar das dores e alegrias nas práticas de humanização na saúde.

Apesar de essa pesquisa ter como foco o olhar da psicologia sobre o parto domiciliar

planejado, as contribuições desse estudo percorrem outros caminhos e ciências, necessitando

assim do olhar e cuidado de diversas profissões.

Nosso desejo é que essa pesquisa sirva de inspiração para que outras aconteçam,

trazendo então novos questionamentos, debates e compreensões, agregando ainda mais

conhecimento.

Às mulheres que se doaram para a construção dessa dissertação, o nosso mais sincero

agradecimento. Com certeza vocês já contribuíram para mudar um pouco da nossa realidade

obstétrica e incentivar que outras mulheres e seus filhos possam ter partos respeitosos,

amorosos e humanizados.

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11. Apêndices

11.1 Roteiro da Entrevista

INSTRUMENTO I – ENTREVISTA NARRATIVA

Após ter explicado o contexto da investigação em termos amplos para a participante,

ter pedido permissão para gravar, explicado sobre o TCLE e obtido a autorização, é realizada

uma breve explicação do procedimento da entrevista.

Em seguida são feitas questões para os dados de identificação da colaboradora:

o Nome

o Idade

o Profissão/Ocupação

o Estado Civil

o Religião

o Escolaridade

Segue-se para a formulação do tópico inicial para a narração sobre a vivência do parto:

Sugestão de tópico inicial ou questão disparadora: Pedimos a sua colaboração para nos contar

com detalhes como foi a vivência do parto, desde a decisão de ter o parto domiciliar planejado

ainda na gravidez, os momentos do trabalho de parto (domiciliar ou não), assim como outros

aspectos que você julgue importante destacar.

Iniciada a narração, esta não deverá ser interrompida até que haja uma clara indicação,

significando que a colaboradora se detém e dá sinais de que a história terminou. Quando a

participante indicar que finalizou a narração, poderá ser perguntado se há mais alguma coisa

que ela gostaria de dizer.

Quando a narração chegar a um fim “natural”, surge a fase de questionamento com

temas, tópicos e relatos de acontecimentos que surgiram durante a narração, buscando

completar as lacunas da história. Essas perguntas devem focalizar principalmente:

As motivações que levaram à decisão de optar pelo parto domiciliar planejado

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Nos sentimentos vivenciados na experiência e os significados do processo de parir

Nas dificuldades e limitações enfrentadas pelas mulheres com a escolha pelo parto

domiciliar planejado

Na visão que essas mulheres têm sobre a humanização do parto

Na avaliação das mulheres sobre os profissionais que as acompanharam no parto

Na avaliação se a vivência do parto domiciliar planejado se configurou como uma

experiência de humanização do parto na visão das mulheres.

11.2 Roteiro da oficina

INSTRUMENTO II – ROTEIRO DA OFICINA

Momento 1

Apresentação e dinâmica “quebra-gelo”

“Contrato Simbólico” – Explicação dos objetivos, como funcionará a oficina - regras,

uso do gravador, sigilo e etapas.

Momento 2

Pedir que elas fechem os olhos e entrem em contato com a respiração, tomem consciência de

como estão nesse momento. Faremos um breve relaxamento e depois darei início as

instruções para a construção da cena.

CENA 1: Para as mulheres que conseguiram realizar o parto domiciliar planejado

Crie uma cena imaginária, em que uma mulher que deseja muito um parto humanizado

consegue ter essa vivência bem-sucedida em um hospital. Tente mergulhar nessa cena como

se fosse real, imaginando exemplos de como aconteceu esse parto. Escreva com o máximo de

detalhes como foi, quem estava na cena, como era o ambiente, que pessoas estavam e como

você lidou com os sentimentos que surgiram. Enfim, descreva o que aconteceu.

CENA 2: Para as mulheres que não conseguiram realizar o parto domiciliar planejado

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Crie uma cena imaginária, em que uma mulher que deseja muito um parto humanizado

consegue ter essa vivência bem-sucedida em casa. Tente mergulhar nessa cena como se fosse

real, imaginando exemplos de como aconteceu esse parto. Escreva com o máximo de detalhes

como foi, quem estava na cena, como era o ambiente, que pessoas estavam e como você lidou

com os sentimentos que surgiram. Enfim, descreva o que aconteceu.

É pedido, após alguns minutos, que abram os olhos e escrevam sobre a cena, com o máximo

de detalhes possível.

Quando todos terminam, é realizado uma discussão em grupo.

(INTERVALO)

Momento 3

Técnica do Brasão do Parto:

Explicação sobre o que são os brasões e suas finalidades, seguido da

apresentação de alguns modelos e a adaptação para a construção dos brasões

do parto.

Apresentação do modelo de Brasão do Parto:

O Brasão do Parto será composto de 5 quadrantes, onde cada um deles deverá ser

preenchido por um aspecto específico, a saber:

- 1° quadrante (superior): Escrever uma frase que descreva seu parto

- 2° quadrante (superior esquerdo): Desenhar uma imagem ou símbolo para

expressar seu parto

- 3° quadrante (superior direito): Descrever pensamentos ou sensações

corporais durante o seu parto

- 4° quadrante (inferior esquerdo): Descrever sentimentos e intuições durante o

seu parto

- 5° quadrante (inferior direito): Expressão livre sobre o parto, da escolha da

colaboradora.

Abaixo, uma figura representativa do brasão a ser usado:

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Construção dos Brasões do Parto

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226

Compartilhamento dos brasões

O fechamento da oficina ocorre após o debate sobre a atividade, realizando uma avaliação

sobre como os participantes se sentiram com a experiência, sendo pedido que expressem o

resumo do vivido por meio de uma palavra.

11.3 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

Esclarecimentos

Este é um convite para você participar da pesquisa: “Compreendendo a vivência do

parto domiciliar planejado e as implicações para um cuidado humanizado”, que tem

como pesquisador responsável Michele Nobre Borges, sob orientação da professora doutora

Geórgia Sibele Nogueira da Silva.

Esta pesquisa pretende compreender como é a experiência das mulheres que optaram

pelo parto domiciliar planejado a fim de contribuir para a ampliação do tema e discussões

sobre a humanização do nascimento.

O motivo que nos leva a fazer este estudo é querer contribuir com o campo do

conhecimento sobre as mulheres que optaram por parir em casa, já que essa é uma temática

ainda pouco conhecida pela sociedade no geral e permeada por preconceitos e julgamentos.

Caso você decida participar, você deverá participar de uma entrevista, que será

gravada em áudio e transcrita posteriormente para uso na pesquisa.

Durante a realização da entrevista, a previsão de riscos é mínima, ou seja, o risco que

você corre é semelhante àquele sentido num exame físico ou psicológico de rotina.

Pode acontecer um desconforto emocional por alguma pergunta da entrevista que será

minimizado através de um encaminhamento a um serviço de Psicologia. Cabe registrar que a

pesquisadora possui condições de oferecer um acolhimento e suporte terapêutico inicial,

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227

devido a ser profissional de psicologia. E você terá como benefício a contribuição da

produção de conhecimento na área do estudo.

Em caso de algum problema que você possa ter, relacionado com a pesquisa, você terá

direito a assistência gratuita que será prestada pela pesquisadora Michele Nobre Borges.

Durante todo o período da pesquisa você poderá tirar suas dúvidas ligando para

Michele Nobre Borges, através do celular: 84-98708-7257, ou do e-mail

[email protected], ou para a orientadora da pesquisa Geórgia Sibele Nogueira da

Silva. Celular: 84-9471-0024 e email: [email protected].

Você tem o direito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer

fase da pesquisa, sem nenhum prejuízo para você.

Você tem o direito de se recusar a responder qualquer pergunta que lhe cause

constrangimento de qualquer natureza.

Os dados que você irá nos fornecer são confidenciais e serão divulgados apenas em

congressos ou publicações científicas, não havendo divulgação de nenhum dado que possa lhe

identificar.

Esses dados serão guardados pelo pesquisador responsável por essa pesquisa em local

seguro e por um período de 5 anos.

Se você tiver algum gasto pela sua participação nessa pesquisa, ele será assumido pelo

pesquisador e reembolsado para você.

Se você sofrer algum dano comprovadamente decorrente desta pesquisa, você será

indenizado.

Qualquer dúvida sobre a ética dessa pesquisa você deverá ligar para o Comitê de Ética

em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, telefone 3215-3135.

Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com a

pesquisadora responsável Michele Nobre Borges.

Consentimento Livre e Esclarecido

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228

Após ter sido esclarecido sobre os objetivos, importância e o modo como os

dados serão coletados nessa pesquisa, além de conhecer os riscos, desconfortos e benefícios

que ela trará para mim e ter ficado ciente de todos os meus direitos, concordo em participar da

pesquisa “Compreendendo a vivência do parto domiciliar planejado e as implicações

para um cuidado humanizado”, e autorizo a divulgação das informações por mim

fornecidas em congressos e/ou publicações científicas desde que nenhum dado possa me

identificar.

Natal ___/___/___

_____________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

Declaração do pesquisador responsável

Como pesquisador responsável pelo estudo “Compreendendo a vivência do parto

domiciliar planejado e as implicações para um cuidado humanizado”, declaro que assumo

a inteira responsabilidade de cumprir fielmente os procedimentos metodológicos e direitos

que foram esclarecidos e assegurados ao participante desse estudo, assim como manter sigilo

e confidencialidade sobre a identidade do mesmo.

Declaro ainda estar ciente que na inobservância do compromisso ora assumido estarei

infringindo as normas e diretrizes propostas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de

Saúde – CNS, que regulamenta as pesquisas envolvendo o ser humano.

Natal ___/___/___.

_____________________________________

Assinatura da pesquisadora

Impressão datiloscópica do

participante

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229

11.4 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para a oficina - TCLE

Esclarecimentos

Este é um convite para você participar da pesquisa: “Compreendendo a vivência do

parto domiciliar planejado e as implicações para um cuidado humanizado”, que tem

como pesquisador responsável Michele Nobre Borges, sob orientação da professora doutora

Geórgia Sibele Nogueira da Silva.

Esta pesquisa pretende compreender como é a experiência das mulheres que optaram

pelo parto domiciliar planejado a fim de contribuir para a ampliação do tema e discussões

sobre a humanização do nascimento.

O motivo que nos leva a fazer este estudo é querer contribuir com o campo do

conhecimento sobre as mulheres que optaram por parir em casa, já que essa é uma temática

ainda pouco conhecida pela sociedade no geral e permeada por preconceitos e julgamentos.

Caso você decida participar, você deverá participar de uma oficina que será gravada

em áudio e transcrita posteriormente para uso na pesquisa.

Durante a realização da oficina, a previsão de riscos é mínima, ou seja, o risco que

você corre é semelhante àquele sentido num exame físico ou psicológico de rotina.

Na oficina conversaremos em grupos após algumas atividades como construção de

uma cena imaginaria e desenhos.

Pode acontecer um desconforto emocional em algum momento da oficina que será

minimizado através de um encaminhamento a um serviço de Psicologia. Cabe registrar que a

pesquisadora possui condições de oferecer um acolhimento e suporte terapêutico inicial,

devido a ser profissional de psicologia. E você terá como benefício a contribuição da

produção de conhecimento na área do estudo.

Em caso de algum problema que você possa ter, relacionado com a pesquisa, você terá

direito a assistência gratuita que será prestada pela pesquisadora Michele Nobre Borges.

Durante todo o período da pesquisa você poderá tirar suas dúvidas ligando para

Michele Nobre Borges, através do celular: 84-98708-7257, ou do e-mail

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[email protected], ou para a orientadora da pesquisa Geórgia Sibele Nogueira da

Silva. Celular: 84-9471-0024 e email: [email protected].

Você tem o direito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer

fase da pesquisa, sem nenhum prejuízo para você.

Você tem o direito de se recusar a responder qualquer pergunta que lhe cause

constrangimento de qualquer natureza.

Os dados que você irá nos fornecer são confidenciais e serão divulgados apenas em

congressos ou publicações científicas, não havendo divulgação de nenhum dado que possa lhe

identificar.

Esses dados serão guardados pelo pesquisador responsável por essa pesquisa em local

seguro e por um período de 5 anos.

Se você tiver algum gasto pela sua participação nessa pesquisa, ele será assumido pelo

pesquisador e reembolsado para você.

Se você sofrer algum dano comprovadamente decorrente desta pesquisa, você será

indenizado.

Qualquer dúvida sobre a ética dessa pesquisa você deverá ligar para o Comitê de Ética

em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, telefone 3215-3135.

Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com a

pesquisadora responsável Michele Nobre Borges.

Consentimento Livre e Esclarecido

Após ter sido esclarecido sobre os objetivos, importância e o modo como os

dados serão coletados nessa pesquisa, além de conhecer os riscos, desconfortos e benefícios

que ela trará para mim e ter ficado ciente de todos os meus direitos, concordo em participar da

pesquisa “Compreendendo a vivência do parto domiciliar planejado e as implicações

para um cuidado humanizado”, e autorizo a divulgação das informações por mim

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231

fornecidas em congressos e/ou publicações científicas desde que nenhum dado possa me

identificar.

Natal ___/___/___

_____________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

Impressão datiloscópica do

participante

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232

11.5 Termo para Gravação de Voz

TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO DE VOZ

Eu, _______________________________________depois de entender os riscos e

benefícios que a pesquisa intitulada “ Compreendendo a vivência do parto domiciliar

planejado e as implicações para um cuidado humanizado” poderá trazer e, entender

especialmente os métodos que serão usados para a coleta de dados, assim como, estar ciente

da necessidade da gravação de minha entrevista, AUTORIZO, por meio deste termo, o

pesquisador Michele Nobre Borges a realizar a gravação de minha entrevista sem custos

financeiros a nenhuma parte.

Esta AUTORIZAÇÃO foi concedida mediante o compromisso do pesquisador acima

citado em garantir-me os seguintes direitos:

1. poderei ler a transcrição de minha gravação;

2. os dados coletados serão usados exclusivamente para gerar informações para a

pesquisa aqui relatada e outras publicações dela decorrentes, quais sejam: revistas científicas,

congressos e jornais;

3. minha identificação não será revelada em nenhuma das vias de publicação das

informações geradas;

4. qualquer outra forma de utilização dessas informações somente poderá ser feita

mediante minha autorização;

5. os dados coletados serão guardados por 5 anos, sob a responsabilidade do(a)

pesquisador(a) coordenador(a) da pesquisa Michele Nobre Borges, e após esse período, serão

destruídos e,

6. serei livre para interromper minha participação na pesquisa a qualquer momento

e/ou solicitar a posse da gravação e transcrição de minha entrevista.

Natal, ___/___/___

Impressão datiloscópica do

participante

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_____________________________________________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

______________________________________________________________________

Assinatura e carimbo do pesquisador responsável