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Programa de Iniciação Científica da UESC – PROIC/UESC – 2011-2012

Projeto de Pesquisa do Orientador

INFORMAÇÕES GERAIS DO PROJETO Orientador: Inara de Oliveira Rodrigues Título do Projeto: Identidade e resistência – Estudos Culturais e Literaturas Lusófonas Financiamento: (X) sim ( ) não Agência: FAPESB/CNPq Número de planos de trabalho envolvidos: 3 Dados do(s) discente(s): 1 Nome: Karine Xavier Curso: Letras BOLSISTA CNPq/UESC Plano de Trabalho: “Construções identitárias, processos de resistência - o conto contemporâneo nas Literaturas Africanas de Língua Portuguesa (2005/2011)” 2 Nome: Bianca Magalhães Wolff Curso: Letras BOLSISTA UESC Plano de Trabalho: “Literatura angolana: identidade e resistência em romances contemporâneos (2005-2011)” 3 Nome: Ingrid Meira Mendes Curso: Letras VOLUNTÁRIA Plano de Trabalho: “Identidade e resistência nos romances contemporâneos de São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Cabo Verde (2005/2011)”

Resumo Por meio desta proposta de pesquisa intenta-se investigar as construções/representações identitárias atravessadas por processos de resistência e negociação, no âmbito das literaturas africanas de língua portuguesa. Para tanto, o projeto tem como base a crítica materialista, assentada nos Estudos Culturais e nas problematizações da Teoria Pós-Colonial, voltando-se para as margens dos sistemas, para os elementos excluídos, para as contra-hegemonias. Reafirma-se, como pressuposto, que o rumo das reflexões organizadas em torno da literatura não é pura aventura de linguagem, mas consiste em um jogo de práticas históricas de dominação, dependente do locus cultural de produção/recepção do objeto literário, por sua vez entendido como multivetorial e instável, mas capaz de atingir o campo extraliterário e nele operar transformações. O corpus da proposta será formado por ficções narrativas publicadas nos PALOP (Países Africanos de Lingua Oficial Portuguesa) a partir de 2005, entendendo-se que esse recorte temático e temporal permite um “mapeamento”, na instabilidade desafiadora do presente, de parte relevante das literaturas em questão.

Palavras Chave (máximo 4): História/ficção Identidade Literatura Lusófona Narrativa ficcional

DADOS COMPLEMENTARES DO PROJETO

Justificativa Com as alterações das noções de nação e identidade diante das novas pressões sociais advindas dos

processos de globalização econômica, a literatura contemporânea tem-se desdobrado em gêneros híbridos, nos quais as fronteiras tradicionais são transgredidas. Nesse processo, os modelos clássicos são retomados e refundidos, os estilos se particularizam, recusando-se assumir os lugares estéticos consagrados pelos diversos modernismos do século XX, mas também repensando as estratégias textuais associadas ao chamado pós-modernismo.

A premissa dominante do projeto é, portanto, que o estudo das produções simbólicas representadas nas produções recentes das literaturas portuguesa e africanas de língua portuguesa, por meio de uma abordagem interdisciplinar em que se entrecruzam as categorias da cultura e da identidade, permite revigorar o possível diálogo entre os “de lá” e os “de cá”; de identidades que se constituem no entrecruzamento do imaginário e da realidade, “do que foi” e “do que poderia ter sido”, cuja captura a ficção, enquanto discurso eminentemente simbólico, pode realizar.

Se a obra literária hoje não pode ser pensada fora de um contexto móvel e instável, os estudos que a ela se dedicam devem considerá-la como evento histórico-cultural e não um universo fechado, bastante a si mesmo. Para tanto, revela-se imprescindível articular a diferença que funda a especialidade das produções simbólicas e as dependências que as inscrevem no mundo social no cruzamento de enfoques que foram, durante muito tempo, alheios uns aos outros. Daí que as relações entre ficção e história, como objeto de interpretação, apontam para o imperativo da ultrapassagem de fronteiras do conhecimento, enquanto limitação, e abertura para possibilidades teóricas entrecruzadas, capaz de capturar, no literário, as formações imaginárias constitutivas das identidades.

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Inter-relacionam-se, assim, nesse plano de análise, os movimentos de interação entre mundo real e mundos possíveis ficcionais, assim como os inerentes procedimentos de modelização narrativa. Por essa lógica, é possível afirmar que a literatura, enquanto força de representação discursiva, captura, no viés imaginativo, as margens dos discursos hegemônicos, entalhados nos interstícios das instituições e nas brechas dos aparelhos de poder.

Entende-se, assim, que a relevância desta proposta de pesquisa consiste em propiciar o aprofundamento do quadro teórico mais atual no âmbito das agendas críticas para o desenvolvimento de significativas abordagens da literatura e cultura dos países africanos de língua portuguesa. De igual modo, com o desenvolvimento desta investigação, torna-se possível apresentar um “mapeamento” das produções literárias mais recentes no quadro dessas literaturas no que concerne a problematizações relacionadas aos tópicos da identidade, sobretudo quanto aos processos de resistência e negociação.

Deve-se ressaltar ainda que, levando-se em conta a Lei Federal nº 10.639, que modificou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de cultura africana e afro-brasileira nas escolas públicas e privadas brasileiras, a divulgação dos resultados a serem alcançados pela pesquisa, permite qualificar a prática docente dos participantes do projeto que, consequentemente, será desdobrada em trabalhos acadêmicos, integrando ensino e pesquisa de forma imbricada e multidisciplinar.

Objetivo Geral

O objetivo central desta proposta de pesquisa consiste em investigar, nas malhas da tessitura ficcional das produções literárias contemporâneas africanas de língua portuguesa, a constituição de identidades entrecruzadas que se inscrevem no imaginário discursivo como resultantes das igualdades e das diferenças sociais, culturais e políticas, enquanto processos de resistência/negociação.

Objetivos Específicos São objetivos específicos da pesquisa: - aprofundar estudos sobre os atuais quadros teóricos relacionados às categorias/conceitos-chave da pesquisa, bem como os dedicados à análise de narrativas literárias, sobretudo em relação aos gêneros conto e romance; - efetivar o levantamento de narrativas literárias africanas de língua portuguesa publicadas nos últimos cinco anos que permitem, por sua proposição temático-formal, problematizar o entrecruzamento entre o discurso ficcional e a temporalidade histórica em que se inscrevem, a partir da análise das estratégias narrativas que constroem os diferentes discursos identitários no plano da diegese; - estabelecer um diálogo crítico entre as narrativas ficcionais analisadas para a composição de um quadro atual, baseado na crítica materialista da cultura, sobre processos de construção/afirmação identitária.

Revisão de Literatura No campo teórico em que se sustenta a pesquisa, se reconhece a identidade como movimento/processo

desencadeado historicamente pelas relações sociais (HALLl, 2004) e a literatura como campo privilegiado de interpretação da cultura, especialmente, no que diz respeito às identidades da diferença. Para Bhabha (1998, p. 33), “o estudo da literatura mundial poderia ser o modo pelo qual as culturas se reconhecem através de suas projeções de alteridade.”

Sobre esse último aspecto, a questão da alteridade em relação à formação identitária, Paul Ricoeur (1997), considerando que o indivíduo está profundamente inscrito na dimensão da história, afirma que a tomada de consciência da sua própria identidade se fundamenta na elaboração de narrativas sobre “si-mesmo”, o que implica a descoberta, por parte do indivíduo, de que a sua história faz parte da história dos outros. Nesse processo, entretanto, a formulação narrativa se constitui em elemento fundamental. Para o filósofo francês (1997), só um ser capaz de reunir a sua vida sob forma de uma narrativa e de se reconhecer uma identidade narrativa é suscetível de aceder a essa outra identidade superior, que é a identidade de uma promessa mantida.

O conceito de identidade revela-se, desse modo, evidentemente incontornável e põe em relevo a problemática da ética do sujeito nesse início do terceiro milênio, que se constrói, paulatinamente, no entrecruzamento de várias vozes: a do homem falante, do homem agente e sofredor, do homem narrador e protagonista da sua própria vida, do homem da responsabilidade ética. Para cada um desses níveis, segundo Ricoeur (1997), pode-se encontrar uma dimensão institucional que encerra implicações políticas.

Em tempos de globalização, e questionando-se a ideia de homogeneização da cultura que esse processo engendra, é necessário refletir sobre tais implicações políticas. Na tensão entre “o local” e o “global”, cada vez mais torna-se “imprescindível ao pensamento crítico discutir as formulações discursivas que articulam essas mediações” (ABDALA JÚNIOR, 2002, p. 125).

Olhar essa problemática em produções literárias dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial

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Portuguesa) exige abertura teórica e reflexão crítica, acreditando-se na literatura como artefato privilegiado da cultura pela sua capacidade de capturar os afetos, os conflitos e os desejos humanos.

Em Estórias africanas: história e antologia (1985), Maria Aparecida Santilli apresenta o trajeto inaugural da Literatura Africana em Moçambique, Cabo Verde e Angola, países que conquistaram sua independência em 1975, um ano depois da redemocratização de Portugal com a Revolução dos Cravos (25/04/1974), e que solidificaram mais cedo, em relação aos outros países africanos de língua portuguesa, o seu sistema literário. Como resultado de um processo de luta que durou mais de uma década, nasceu uma literatura marginal, produzida em situações extremas (guerras coloniais, memórias do cárcere e exílio), que teve como alternativa de sobrevivência, durante muito tempo as antologias, publicadas em revistas.

A autora classifica a literatura desses países africanos de língua portuguesa com base no estudo do missionário suíço Helí Chatelain que, em 1885, dedicou-se a estudar e reconhecer a literatura africana oral, tendo em vista que esses povos eram ágrafos. Tal divisão literária está apresentada da seguinte forma: MI-SOSO - histórias que “pendem para o maravilhoso, o fantástico e o excepcional, incluindo também as fábulas; MAKA - histórias verdadeiras, ou “conhecidas como tal”, tinham finalidade de instruir ou uma aplicação lúdica; MALUNDA ou MI-SENDU - nessa literatura, as conquistas das tribos ou de toda a nação eram transmitidas em forma “de segredo de estado” entre velhos e anciões e de uma geração para outra; JI-SABU - são os provérbios que geralmente sintetizam uma história, ou ainda, são a representação de uma filosofia da tribo ou de toda nação, no que se refere aos costumes e tradições. Ainda com respeito às divisões, encontram-se mais duas: MI-EMBU, poesias e músicas, abrangendo do estilo épico ao dramático; e JI-NON-GONGO, que eram as “advinhas”, destinadas tanto a entreter quanto a incitar a memória e à inteligência das pessoas (SANTILLI, 1985, p. 7-8).

Todas as impressões dessa África ágrafa, porém rica culturalmente, ficou fadada, durante muito tempo, a ser descrita pelo olhar externo dos colonizadores portugueses. Como explicação da alfabetização tardia em língua portuguesa, Santilli (1985) aponta que a rota marítima de Portugal na África aconteceu no século XV, mas o interesse do governo lusitano sobre o ensino e aprendizagem da língua portuguesa só se concretizou no século XIX, e a partir desse momento é que a influência portuguesa foi sentida consideravelmente.

Mesmo com esses percalços, segundo Manuel Ferreira (1977 apud SANTILLI, 1985) fundaram-se, desde 1858, treze associações recreativas e culturais, dentre elas a Sociedade de Gabinete de Literatura, em 1860, e a Associação Literária Grêmio Cabo-Verdiano, em 1880. Ferreira ressalta ainda que, nessa mesma época, foi criada a imprensa de Angola, Moçambique e Cabo Verde, com o aparecimento dos primeiros periódicos. Destacaram-se os jornalistas Pedro Félix Machado e o português Alfredo Troni, ambos escritores, que tiveram grande contribuição para a prosa de ficção africana. Troni marca presença na prosa moderna angolana com a novela Nga Muturi (1882). Em Cabo Verde desponta José Evaristo de Almeida com a obra O escravo, de 1856 (Ibidem, p. 10).

De acordo com Santilli (1985), a grande virada do século XX foi marcada pelos movimentos de Negritude, que passaram a discutir os problemas africanos nos foros internacionais. A partir disso, são muitas as datas importantes: 1905 - Proclamação da liberdade absoluta entre brancos e negros; 1910 - surge a NACP (Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor; 1912 - sob o reflexo do Pan-africanismo em Portugal, nasce a ‘Junta de Defesa dos Direitos de África, que tem continuidade mais tarde na Liga Africana; em 1919, realiza-se, em Paris, o I Congresso do Pan-africanismo, quando acontece a Conferência da Paz, uma oportunidade de reivindicação de decisões sobre o destino da África “para os africanos” (ibidem, p. 12).

Deve-se reconhecer que o Pan-africanismo, na literatura, representou a busca de identidade coletiva do africano, marcado pela dispersão pelo mundo; surgem então, obras de afirmação da personalidade negra, dentre elas Batoula (1921), de René Maron. Mas, mesmo com o surgimento de condições para a criação de uma literatura moderna, os resultados não foram muito além de publicações esparsas em jornais e revistas (SANTILLI, 1985, p. 12).

Por isso ganha destaque, na história literária de Angola, a obra O segredo da morta (1929), de Assis Junior, romance de costumes angolanos, que se tornou representativo na caminhada dessa literatura para a consolidação de uma identidade nacional. Outro escritor que marcou o cenário da literatura angolana foi Fernando de Castro Soromenho, com os romances Noites de angústia, Homens sem caminho, Terra Morta, Viragem, A chaga, publicados ao longo dos anos de 1930-1940. Para Maria Aparecida Santilli (1985), contudo, na obra de Soromenho, encontra-se uma África inocente que vai se tornando a representação das experiências de cativeiro como um inferno na existência do homem negro.

Somente a partir de 1940, ainda de acordo com Estórias Africanas.., (1985), os escritores angolanos, que ainda divulgam seus trabalhos principalmente em revistas, como Mensagem e Cultura (1957-1961), passam a refletir sobre as ideias de Negritude, transpostas nas vozes de Senghor e Césaire, dos escritores negros americanos Richard Wright, Countee Cullen e Langston Hughes, do cubano Nicolas Guillén, que ganham espaço e fazem eco entre os escritores da África de língua portuguesa, incluindo nomes como o angolano Mário de

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Andrade e do são-tomense Francisco José Tenreiro. A repressão do governo ditatorial do primeiro ministro português Antonio de Oliveira Salazar teve seu ápice

na década de 1960, e passam a fazer parte dessa geração de escritores contestadores do regime nomes como Ernesto Lara Filho, Henrique Guerra (Andiki), Artur Maurício Pestana dos Santos (Pepetela), Jofre Rocha, Jorge Macedo, Arnaldo Santos, Manuel dos Santos Lima, Agostinho Mendes de Carvalho (Uanhenga Xitu), Manuel Pacavira, Carlos Gouveia, Bobela Mota, Manuel Rui, entre outros.

De acordo com Maria Aparecida Santilli (1985), a prosa angolana terá como expoente Agostinho Neto, um escritor que revisitou diversas vezes a temática “mar” representando “o contraste mar versus interior” resultando paralelos sociais, cruzando também, os paralelos do tempo (p. 16). O tempo presente de um mar que se atualiza, remete ao passado de tristeza da história africana. Assim como Neto, Antônio Jacinto (Orlando Távora) e outros autores desenvolvem histórias sobre avôs e avós africanos, singelas, mas que retomam as questões importantes à tradição africana, ao mesmo tempo em que apontam para as necessárias perspectivas de futuro.

Em Cabo Verde, destaca-se a questão de mistura de fatores étnicos e culturais, que segundo Santilli (1985), aconteceu de maneira intensa, resultando em uma forte mestiçagem, marcada na linguagem intermediária, o crioulo. Os escritores de Cabo Verde, primeiramente, tentaram traçar um perfil psicológico de seu povo, na tentativa de encontrar uma identidade cultural, encontrando afinidade no Modernismo brasileiro, por meio do qual era problematizada a questão regionalista, o descaso do governo com os lugares longe da urbanização, a seca, a falta de instrução, aspectos e problemas que se aproximavam da saga dos cabo-verdianos. Destacam-se os prosadores Manuel Lopes e Baltasar Lobes e os poetas Gabriel Mariano, Manuel Ferreira, Orlanda Amarílis.

Já em Moçambique, seguindo-se a autora portuguesa (1985), destacam-se nomes como o do jornalista João Abansini, os poetas Noêmia de Souza e Marcelino de Souza, José Craveirinha, Rui Nogar, Orlando Mendes, além dos contistas como Sobral de Campos, Ruy Guerra, Augusto dos Santos Abranches, Vieira Simões, Vergílio de Lemos e Ilídio Rocha. A maturidade da literatura moçambicana dá seus primeiros passos com a publicação da novela Nós matamos o cão tinhoso, de Luís Bernardo Honwana, publicado em 1964, e hoje se destaca, entre outros, o nome de Mia Couto como um dos maiores romancistas africanos de língua portuguesa.

Reconhecendo-se, assim, a abrangência e complexidade das literaturas africanas de língua portuguesa, pode-se considerar, para fins de periodização, que seu momento inicial, enquanto produção sistematizada, foi a época da guerra de libertação (1961 a 1974). Aceitando-se essa divisão de Alfredo Margarido, como o faz Francisco Salinas Portugal (1999, p. 50-51), neste período, “desenvolve-se, em chave simbólica ou alegórica, um tipo de literatura que proclama, mesmo com violência, a sua originalidade e singularidade, mas, sobretudo, e pela via dos fatos, a sua independência a respeito do discurso literário português”. Entretanto, de maneiras diversas, vem se desenhando, conforme Inocência Mata (2008, p. 52), “novas configurações operadas no sistema literário dos Cinco (Países Africanos de Língua Portuguesa) que se revelam motivadas por uma consciência que evoluiu da sua condição nacionalista e sente agora necessidade de repensar o país que não mais se encontra em fase de nacionalização ou na condição de emergência, mas sim do agenciamento de sua emancipação”. Pode-se compreender, assim, que se trata de um sistema literário que, ao mesmo tempo, dialoga com a tradição e com a contemporânea realidade local e do continente africano em relação ao processo de globalização.

Desse modo, em contextos variados, boa parte dos textos literários dos países referidos efetiva um resgate da memória de maneira a sedimentar o desejo de caminhos possíveis para uma realidade outra, assentada na solidariedade. Sobre esse último aspecto, torna-se relevante retomar as considerações de Paul Ricoeur (2007, p.22) sobre o mundo contemporâneo: “O passado não é mais garantia, eis a razão principal da promoção da memória como campo dinâmico e única promessa de continuidade”. Pode-se ler, nessa afirmativa, sem muita dificuldade, os sentidos da memória e a memória dos sentidos que atravessam a literatura das ex-colônias africanas portuguesas, considerando-se o processo de construção do presente a articular perspectivas de superação da enorme desigualdade social que teima em desafiar o futuro. Nesse processo, as questões identitárias ganham ênfase – “até porque”, como afirma Jane Tutikian, “a literatura é fonte de cultura e cultura é fonte de identidade” (2006, p. 15). Seguindo-se as reflexões de Tutikian, se a literatura é resistência, resultado e reinterveniência no tempo histórico, o que se encontra nas narrativas atuais africanas de língua portuguesa é a problematização da situação dos migrantes, colonizados, exilados, que apresentam uma nova confluência nas relações entre a ficção literária e a História.

De forma semelhante, para Inocência Mata, “O que as literaturas africanas intentam propor nestes tempos pós-coloniais é que as identidades (nacionais, regionais, culturais, ideológicas, socioeconômicas, estéticas) gerar-se-ão da capacidade de aceitar as diferenças” (ibidem, p. 55). Nessa perspectiva da diferença, estabelece-se a potencialidade criativa da arte literária que, refletindo e recriando a realidade multifacetada dos países africanos de Língua Portuguesa, para o caso desta proposta de pesquisa, permite um diálogo com a tradição e com o presente da não menos diversa realidade brasileira, abrindo possíveis caminhos para uma integração cultural mais efetiva.

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Metodologia

Esta pesquisa tem caráter eminentemente bibliográfico, com uma proposição metodológica comparativa e dialética. Para o seu desenvolvimento, o plano de trabalho consiste nas seguintes atividades a serem implementadas:

1) organização da equipe (espera-se agregar maior número de alunos para o trabalho no decorrer de 2011, considerando-se a recente inserção da orientadora no quadro docente da UESC) em encontros quinzenais durante o ano de 2011, nos quais serão discutidos textos de fundamentação teórica;

2) a par da afirmação da base teórica, serão selecionados textos literários africanos de língua portuguesa, para análise – contos e romances (serão mantidos os encontros quinzenais, durante os quais os textos serão estudados);

3) para a divulgação dos resultados obtidos nessa primeira etapa de afirmação teórico-analítica dos objetivos da pesquisa, serão elaborados artigos para publicação em revistas acadêmicas e para comunicação em eventos científicos.

4) No ano de 2012 (primeiro semestre – equivalente à segunda etapa do projeto), realizar-se-á nova seleção e estudo das narrativas literárias definidas como corpus da investigação. Observa-se que, considerando-se a dinâmica dos estudos (e do próprio sistema literário), não se apresenta, aqui, uma listagem prévia das narrativas ficcionais a serem analisadas, entretanto, apontam-se alguns autores cujas produções literárias integrarão esta proposta de pesquisa, tendo em vista sua representatividade no cenário cultural contemporâneo: Eduardo Agualusa, Mia Couto, Pepetela, Olinda Beja, Nelson Saute; Aíto Bonfim, Germano Almeida;

5) ao estudo dos textos literários contemporâneos desses autores (apenas provisoriamente indicados pelos motivos apresentados), seguir-se-á a elaboração crítica das análises, que deverão compor um quadro comparativo sobre as intersecções encontradas, no plano temático-formal, entre essas realidades culturais; reconhecendo-se o caráter necessariamente parcelar de tal quadro, intenta-se assim capturar, nesses diferentes contextos e no entrecruzamento das categorias cultura e identidade, como são representados os imaginários e as suas práticas sociais. Os resultados serão encaminhados para publicação de cadernos paradidáticos voltados aos acadêmicos do curso de Letras, sobretudo, mas também aos acadêmicos da História e a cursos ligados às áreas das Ciências Humanas e Sociais; e para a publicação de um livro. Esse material será organizado com vistas a servir de referência para estudo nas escolas, constituindo-se em efetiva contribuição ao cumprimento da referida Lei Federal nº 10.639.

Destaca-se ainda que, durante a realização do projeto, se espera mobilizar pesquisas que se integrem ao quadro geral teórico-analítico desta proposta, propiciando o desenvolvimento de produções científicas no âmbito da Graduação e do Mestrado em Letras, Linguagens e Representações.

Ressalta-se, por fim, que o encaminhamento metodológico proposto tem por horizonte o diálogo com grupos de pesquisa da Instituição, como o Kawê, e de outras instituições de ensino superior, sobretudo com o Grupo de Pesquisa Estudos Culturais e Literaturas Lusófonas, na linha de pesquisa Literatura: memória e história (CNPq/PUCRS).

Resultados Esperados

Com o desenvolvimento deste projeto de pesquisa espera-se atingir os seguintes resultados: - publicação de cadernos paradidáticos dirigidos a professores e alunos de graduação do curso de Letras da UESC e áreas afins, com estudos teóricos sistematizados sobre as categorias de cultura e identidade, no âmbito dos estudos literários lusófonos; - elaboração de trabalhos acadêmicos no âmbito da Graduação (TCC) e do Mestrado em Linguagens e Representações (Dissertações), com a consequente divulgação dos resultados em revistas acadêmicas avaliadas pela CAPES, bem como em eventos significativos da área. - publicação de livro com os resultados da pesquisa, contendo um quadro atual das aproximações/distanciamentos temático-formais entre produções literárias de Portugal e dos países africanos de Língua Portuguesa. Infra-estrutura disponível

- Acervos da biblioteca da UESC, do CEHPS (Centro de Estudos Portugueses Hélio Simões – UESC – DLA) e da orientadora. - Salas de aula da UESC.

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Referências Bibliográficas

ABDALA JÚNIOR, Benjamin. Fronteiras múltiplas, identidades plurais. São Paulo: SENAC, 2002.

BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

MATA, Inocência. A literatura africana e a crítica pós colonial – reconversões, Angola: Editorial Nzila, 2008.

PORTUGAL, Francisco Salinas. Entre Próspero e Caliban: literaturas africanas de língua portuguesa - Santiago de Compostela: Laiovento, 1999.

RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. Campinas: Papirus, 1997.

______. A história, a memória e o esquecimento. São Paulo: Ed. da Unicamp, 2007.

SANTILLI, Maria Aparecida. Estórias africanas: História e Antologia. São Paulo, Ática, 1985.

TUTIKIAN, Jane. Velhas identidades novas. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 2006.

Cronograma de atividades do projeto

Meta

MESES – 12 meses

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Aprofundamento de estudos teóricos sobre as categorias/conceitos-chave da pesquisa, bem como sobre a narrativa ficcional literária, especialmente em relação aos gêneros conto e romance.

X

X

X

X

Seleção e consequente análise dos textos literários definidos como corpus da pesquisa – primeira lista de contos e romances,

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Elaboração de artigos – apresentação de resultados parciais.

X X

Seleção e consequente análise dos textos literários definidos como corpus da pesquisa – lista final de contos e romances.

X X X X

Elaboração de cadernos paradidáticos e de livro com a apresentação de resultados

X X X

Local e data: Ilhéus, 27 de abril de 2011. Assinatura do Orientador