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MINISTÉRIO DA SAÚDE FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA COORDENAÇÃO DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO Programa Bolsa Família: dilemas e avanços no combate à fome e à miséria. Um estudo de caso do Município de São Francisco de Itabapoana - RJ Vanessa Schottz Rio de Janeiro Maio/2005 i

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MINISTÉRIO DA SAÚDE

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ

ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA

COORDENAÇÃO DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO

Programa Bolsa Família: dilemas e avanços no combate à fome e à miséria.

Um estudo de caso do Município de São Francisco de Itabapoana - RJ

Vanessa Schottz

Rio de Janeiro Maio/2005

i

II

Vanessa Schottz

Programa Bolsa Família: dilemas e avanços no combate à fome e à miséria.

Um estudo de caso do Município de São Francisco de Itabapoana – RJ.

Dissertação apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Saúde Pública.

Orientadora: Profa. Dra. Rosana Magalhães.

Rio de Janeiro Maio / 2005

III

Aos meus pais e aos meus irmãos, Por terem sonhado com este momento junto comigo.

Especialmente à minha Mãe (in memorium),

Que continua viva dentro do meu coração.

IV

AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me guiado nas horas mais difíceis. À Rosana Magalhães, orientadora deste trabalho, pelo apoio e pela oportunidade. Às minhas amigas muito queridas, Giselle Lavinas e Mônica Senna, pelo apoio, motivação e pelos infindáveis debates sobre o tema que orientou esta dissertação. À Luciene Burlandy, a quem tenho profunda admiração e carinho, pela generosidade e pelo apoio nos momentos mais difíceis. À Cláudia March, minha sempre mestra e companheira. Ao Núcleo de Pesquisa, pelos debates enriquecedores e por fazerem parte dessa dissertação. Especialmente, à Luciana Silva, pela dedicação na coleta de dados sobre o município de São Francisco de Itabapoana. À Esther Zaborowisk, pela grande colaboração dada ao trabalho de campo. Às minhas amigas, Andréa Sippli, Daniela Calegari, Emanuela Belgone, Kíssila de Caeres, Natérsia Câmara, Priscila Cordeiro, Renata Frauches e Simone Barreto, por estarem sempre ao meu lado em todas as fases de construção dessa dissertação. À minha querida amiga, Felícia Biato, pelo apoio e pela dedicação nos momentos mais difíceis. À minha grande companheira de Mestrado e amiga, Renata Bessa, pelas incansáveis conversas, debates e trocas de experiências. A Ricardo Hallais, pela paciência em ouvir as minhas angústias e pelo incentivo e torcida. Aos funcionários da Prefeitura Municipal de São Francisco de Itabapoana, Alexandro Silva, Kátia Regina dos Santos, Maria Beatriz Godoy e Silvana Salles, por terem me recebido com carinho e contribuído com o trabalho de campo.

V

SUMÁRIO

Lista de Gráficos......................................................................................................... VII Lista de Quadros......................................................................................................... VIII Lista de Tabelas........................................................................................................... IX Lista de Siglas............................................................................................................. XI Resumo........................................................................................................................ Abstract........................................................................................................................

XIII XIV

INTRODUÇÃO............................................................................................................

15

CAPÍTULO 1: POLÍTICA SOCIAL: A EMERGÊNCIA DOS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA................................................................................ 1.1 – A Nova Institucionalidade das Políticas Sociais................................................ 1.1.1 – Descentralização.................................................................................... 1.1.2 – Participação e Controle Social............................................................... 1.1.3 – Direito Social enquanto fundamento da política.................................... 1.1.4 – Busca por maior equidade, efetividade e eficiência dos gastos sociais 1.2 – Política de Transferência de Renda – o debate internacional............................ 1.3 – Brasil: Velhas e Novas Questões Sociais..........................................................

19

20 21 22 24 25 29 35

CAPÍTULO 2: POLÍTICA DE COMBATE Á FOME E À POBREZA NA DÉCADA DE 90 NO BRASIL.................................................................................. 2.1 – Pobreza e Fome: conceitos e dimensões........................................................... 2.1.1 – Algumas abordagens sobre a Pobreza..................................................... 2.1.2 - A Fome numa perspectiva do direito humano à alimentação................... 2.2 – Estratégias de enfrentamento da fome e da pobreza.......................................... 2.3– Os Programas de Transferência de Renda no Brasil...........................................

38

38 38 44 47 52

CAPÍTULO 3: PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA – OBJETIVOS E DESENHO OPERACIONAL........................................................................................................ 3.1 - A Institucionalidade do Programa Bolsa Família............................................... 3.2 – Metas e trajetórias de implementação................................................................ 3.2.1 – A implementação................................................................................... 3.3 – Possibilidades e desafios....................................................................................

59

63 70 76 80

CAPÍTULO 4: A ABORDAGEM METODOLÓGICA.............................................

83

CAPÍTULO 5: CONTEXTO SÓCIO-MUNICIPAL.................................................. 5.1 – Aspectos demográficos...................................................................................... 5.2 – Aspectos sócio-econômicos............................................................................... 5.3 - Oferta e acesso a serviços públicos de saneamento básico, educação e saúde...

91

91 93

106

VI

5.4 – Aspectos políticos..............................................................................................

115

CAPÍTULO 6: O PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM SÃO FRANCISCO DE ITABAPOANA............................. 6.1 - Experiência Prévia com Programas de Transferência de Renda........................ 6.1.1 - Programa Municipal de Garantia de Renda Mínima............................... 6.2 – O Programa Bolsa Família em São Francisco de Itabapoana............................ 6.2.1 - Captação, Cadastramento e Seleção de Beneficiários............................ 6.2.1.1 – Uso eleitoral do cadastramento?............................................. 6.2.2 – Oferta e monitoramento das condicionalidades..................................... 6.2.3 – Descentralização e intersetorialidade..................................................... 6.2.4 – Participação e controle social.................................................................

120

120 127 131 137 146 149 157 162

CONCLUSÕES.............................................................................................................

165

BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................

179

ANEXO....................................................................................................................... 188

VII

LISTA DE GRÁFICOS

Pág

Gráfico 1 Percentual de Famílias pobres atendidas e não atendidas pelo PBF Brasil, 2004

73

Gráfico 2 Distribuição percentual de Famílias Atendidas pelo PBF segundo Regiões, Brasil, 2004

73

Gráfico 3 Distribuição Percentual de Famílias Pobres segundo Regiões, Brasil, 2004

74

Gráfico 4 Percentual de Cobertura do PBF segundo Regiões, Brasil, 2004 74 Gráfico 5 Percentual de Cobertura do Programa Bolsa Família segundo

Unidades da Federação, Brasil, 2004 75

Gráfico 6 Evolução da Relação Despesas de Custeio/Receitas Correntes em São Francisco de Itabapoana, (RJ), de 1997 a 2002

99

Gráfico 7 Evolução Percentual da Cobertura do PBF, São Francisco de Itabapoana, Brasil 2004 em Outubro/2003 a Dez/2004

134

VIII

LISTA DE QUADROS

Pág

Quadro 1 Programas de Transferência de Renda Unificados no Programa Bolsa Família

59

Quadro 2 Valor do Benefício do PBF Segundo Renda Per Capita Familiar 61 Quadro 3 Celebração de Termos de Cooperação entre Estados e União –

Janeiro – Novembro 2004 66

Quadro 4 Características demográficas de São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000

92

Quadro 5 Distribuição da população por faixa etária em São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000

96

Quadro 6 Evolução percentual das receitas correntes em São Francisco de Itabapoana (RJ), de 1997 a 2002

102

Quadro 7 Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) em São Francisco de Itabapoana, Estado do Rio de Janeiro e Brasil, 1991 e 2000

121

Quadro 8 Principais Características do Programa Municipal de Renda Mínima (PMRM) de São Francisco de Itabapoana

128

IX

LISTA DE TABELAS

Pág

Tabela 1 Evolução da Inclusão de Famílias no PBF nas Capitais – Jan/Dez 2004

71

Tabela 2 Cobertura (%) do PBF nas Capitais – Dez/04 72 Tabela 3 Distribuição da população por sexo e por área nos distritos de

Barra Seca, Maniva e São Francisco de Itabapoana, 2000 92

Tabela 4 Distribuição da população por faixa etária em São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000

93

Tabela 5 Principais produtos selecionados em lavouras permanente e temporária em São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000

94

Tabela 6 Evolução de receita e despesa realizadas (em mil reais) no município de São Francisco de Itabapoana (RJ), de 1997 a 2002

95

Tabela 7 Transferência de royalties e participações especiais no 1º semestre de 2000 e o total arrecadado pelos municípios selecionados de Macaé, Cabo Frio, Quissamã e Rio das Ostras, em 1998, em milhões de reais

98

Tabela 8 Transferências governamentais dos royalties do petróleo no Estado do Rio de Janeiro e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro, de São João da Barra e São Francisco de Itabapoana, nos meses de dezembro de 2003 e fevereiro de 2004, em mil reais

99

Tabela 9 Renda per capita e percentual da população abaixo da linha de miséria no Estado do Rio de Janeiro e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro, de São João da Barra e de São Francisco de Itabapoana, 2000

100

Tabela 10 Indicadores de desigualdade de renda no Brasil, Estado do Rio de Janeiro e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro, de São João da Barra e de São Francisco de Itabapoana, 2000

101

Tabela 11 Dimensões do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal em São Francisco de Itabapoana, Estado do Rio de Janeiro e Brasil, 1991 e 2000

102

Tabela 12 Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais nos municípios selecionados de São Francisco de Itabapoana, Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro e Brasil, 1991,2000

103

Tabela 13 Percentual da população jovem entre 15 e 17 anos por anos de estudo e freqüência escolar nos municípios selecionados de São Francisco de Itabapoana, Rio de Janeiro e Estado do Rio de Janeiro, 1991, 2000

103

Tabela 14 População economicamente ativa ocupada e desocupada; trabalhadores formais e informais em São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000

104

Tabela 15 Empregos formais nas principais atividades econômicas selecionadas em São Francisco de Itabapoana (RJ), dezembro, 2002

105

Tabela 16

Renda do Trabalho e taxa de desemprego no município do Rio de Janeiro e nos distritos de Barra Seca e de São Francisco de Itabapoana, 2003

106

X

Tabela 17 Número de domicílios por rendimentos do chefe de família nos municípios selecionados do Rio de Janeiro, de São João da Barra e de São Francisco de Itabapoana, 2000

106

Tabela 18 Número de domicílios particulares permanentes segundo tipos selecionados de abastecimento de água no Brasil e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro e de São Francisco de Itabapoana, 2000

107

Tabela 19 Percentual de domicílios particulares permanentes segundo o tipo de esgotamento sanitário no Brasil e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro e de São Francisco de Itabapoana, 2000

108

Tabela 20 Percentual de domicílios particulares permanentes segundo o destino selecionado do lixo no Brasil e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro e de São Francisco de Itabapoana, 2000

108

Tabela 21 Número de Matrículas segundo a Natureza e a Rede de Ensino - 2003

109

Tabela 22 Estabelecimentos de ensino por nível e natureza. São Francisco de Itabapoana (RJ), 2003

110

Tabela 23 Percentual de Crianças entre 7 e 14 anos que não freqüentam a escolas nos municípios selecionados , Estado do Rio de Janeiro e Brasil, 2000

110

Tabela 24 Percentual de alunos repetentes, na matrícula inicial do ensino fundamental e médio nos municípios selecionados e no Estado do Rio de Janeiro, 2002.

111

Tabela 25 Consultas médicas do SUS por habitante/ano, São Francisco de Itabapoana (RJ), 1998 a 2001

112

Tabela 26 Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) Dez/1998,Dez/1999,Jun/2000

113

Tabela 27 Leitos vinculados ao SUS por especialidade, São Francisco de Itabapoana (RJ), 2002

114

Tabela 28 Internações hospitalares do SUS por especialidade, São Francisco de Itabapoana (RJ), 2002

115

Tabela 29 Cobertura do Programa Bolsa Família nos Municípios do Norte Fluminense, Brasil 2004.

133

Tabela 30 Programas de Transferência de Renda (PBF e Programas Remanescentes) no Município de São Francisco de Itabapoana – Dezembro, 2004.

135

XI

LISTA DE SIGLAS

ACS Agentes comunitários de saúde. BID Banco Interamericano de Desenvolvimento. BIEN Rede Européia de Renda Básica CIDE Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro. CMAS Conselho Municipal de Assistência Social. CMS Conselho Municipal de Saúde. CNS Conselho Nacional de Saúde COMSEA Conselho Municipal de Segurança Alimentar CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar CS Comunidade Solidária ENDEF Estudo Nacional de Despesas Familiares FAO Food and Drug Administration FGV Fundação Getúlio Vargas. FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz. FPM Fundo de Participação dos Municípios. FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental. IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. ICCN Incentivo ao combate às carências nutricionais. IDF Índice de Desenvolvimento Familiar IDH Índice de Desenvolvimento Humano. IDH-M Índice de Desenvolvimento Humano Municipal IPEA Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano. LBA Legião Brasileira de Assistência. MAS Ministério da Assistência Social MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MEC Ministério da Educação e Cultura MESA Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar MS Ministério da Saúde PAB Piso de Atenção Básica. PACS Programa de Agentes Comunitários de Saúde. PBA Programa Bolsa Alimentação PBE Programa Bolsa Escola PBF Programa Bolsa Família PCA Programa Cartão Alimentação PCFM Política de Combate à Fome e à Miséria e Pela Vida PDT Partido Democrático Trabalhista. PFL Partido da Frente Liberal. PFZ Programa Fome Zero PIB Produto Interno Bruto. PMSFI Prefeitura Municipal de São Francisco de Itabapoana PNSN Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. PP Partido Progressista. PPB Partido Progressista Brasileiro. PPV Pesquisa de Padrão de Vida PSDB Partido da Social Democracia Brasileira. PSF Programa Saúde da Família. PTB Partido Trabalhista Brasileiro.

XII

RAIS Relação Anual de Informações Sociais. RBI Renda Básica Incondicional RSM Renda Social Mínima SISVAN Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional. SUS Sistema Único de Saúde. TCERJ Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. TCU Tribunal de Contas da União

XIII

RESUMO

Os programas de transferência de renda começaram a ser desenvolvidos no Brasil na década de 90. Esses programas têm focalizado as famílias pobres (com filhos até 14 anos) e, também, buscado associar ao benefício monetário o estímulo à freqüência escolar e ao acesso aos serviços básicos de saúde. Em 2003, na perspectiva de superar a fragmentação, a sobrefocalização, o paralelismo e a pouca efetividade das ações, o governo federal, unificou quatro programas de transferência de renda (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Cartão Alimentação) no Programa Bolsa Família (PBF). A proposição de um programa de transferência de renda com gestão unificada, com foco nas famílias (com ou sem filhos), a maximização das ações básicas de saúde e de educação trazem novas possibilidades e desafios. Nesse sentido, o presente trabalho teve como objetivo acompanhar através de um estudo de caso do município de São Francisco de Itabapoana no Estado do Rio de Janeiro, o Programa Bolsa Família e seus desdobramentos nas diferentes fases de implementação, buscando identificar seus principais pressupostos, concepção, mecanismos operacionais, possíveis limites e alcances, além de atores chaves no desenho e execução das ações locais. O estudo, desenvolvido durante o ano de 2004, contou com análise documental, observação de campo e entrevistas semi-estruturadas com os gestores dos diversos setores municipais (saúde, educação e assistência social) e representantes dos respectivos conselhos de controle social. As principais questões analisadas foram: experiência prévia, estratégia de captação, cadastramento e seleção de famílias, mecanismo de oferta e acompanhamento das contrapartidas, relação entre os níveis de governo, relação entre os setores de governo e o controle e a participação social. O PBF começou a ser implementado no município em outubro de 2003 enquanto uma das localidades prioritárias definidas pelo governo federal. È possível afirmar que o processo de implementação do Programa Bolsa Família em São Francisco de Itabapoana vem esbarrando na fragilidade institucional, na capacidade técnica reduzida do município, na baixa capacidade de oferta e monitoramento dos serviços de saúde e educação e na ausência de controle social. Aliada a essas limitações, a demora do governo federal em definir de forma clara os papéis dos entes federativos, os mecanismos de oferta e controle das condicionalidades e a estratégia de controle social também se constituíram em importantes obstáculos ao programa. Embora a introdução do PBF não tenha sido capaz de alterar a situação anterior de fragilidade institucional e clientelismo, ela tem produzido alguns avanços no campo das políticas sociais, principalmente no que diz respeito à maior proximidade, até então, praticamente inexistente, entre as secretarias municipais de saúde, educação e assistência social. Vale ressaltar que o município tem desenvolvido alguns esforços de superação de tais fragilidades.

XIV

ABSTRACT

During the 1990s in Brazil, policies designed to guarantee minimum wage have been targeting families vulnerable to hunger and stablishing the health and school attendance as conditions for the beneficiaries to remain in the programs. Several challenges of social policy in the country must be faced to improve the implementation process of those programs, such as: institutional fragmentation, lack of interaction among the governamental sectors involved, inequity, lack of effectiveness of the programs and weackness in social control. Since 2003 the Federal Government unifed and integrated the income transfer programs (School Stipend; Cooking Gas Coupon, Food Coupon and Food Stamp Program) into the Family Income Transfer Program (FIT). Considering the challenges to articulate income transfer with providing health and education services, this study aims to analyse the institutional framework and the implementation process of the FIT program, based on the case of São Francisco de Itabapoana´s city , in Rio de Janeiro, trying to identify its main presuppositions, conceptions, operational mechanisms, possible limits and competences, as well as key actors in the drawing and execution of local actions. This study was developed during the year of 2004, and the procedures for data collection counted on documental analysis, field observation and semi-structured interviews with the managers of many city sectors (health, education and social assistance) and representatives of the respective councils of social control.The main points considered in the data analysis were: previous experience, captation strategy, register and selection of families, offer mechanism, accompaniment of the counterparts, relation between the government levels, relation between the government sectors and the control and social participation. FIT was first implemented in the city in October of 2003 defined by the Federal Government as one of the main locations. It´s possible to say that the Family Income Transfer Program implementation process in São Francisco de Itabapuana has been facing some obstacles like: institutional fragilities, reduced technical capacity of the city, low offer capacity and monitoring of health services and the absence of social control. Allied to these limitations, the Federal Government´s delay on clearly defining the federative beings´ roles, the offer mechanisms and control of the conditions to remain in the program and the strategy of social control also constitued main obstacles to the program.Although FIT´s introduction has not been able to change the previous institutional fragility situation, it has been producing some advances in the social politics field, specially what concerns higher proximity, which so far had been practically inexistent between the health, education and social assistance secretariats.

15

INTRODUÇÃO

As propostas de renda mínima ganham destaque nos países centrais da Europa,

no final da década de 70, como alternativa à incapacidade dos Sistemas de Proteção

Social tradicionais (Welfare State), baseados no pleno emprego, em responder às

intensas transformações ocorridas nas relações de trabalho1. O desemprego de longa

data, a flexibilização, a precarização e a redução das horas de trabalho têm criado, na

Europa, um enorme contingente de novos pobres que nunca havia experimentado

situações de destituição social (Silva e Silva, 1996).

É interessante notar que os programas de renda mínima podem estar inseridos

tanto na perspectiva de substituição (proposta neoliberal) quanto de ampliação e

complementação (distributivismo) dos sistemas de proteção social.

No Brasil, essas questões relacionadas às mudanças no mundo do trabalho e ao

recrudescimento da pobreza se tornam ainda mais complexas, diante da especificidade e

da complexidade do seu Sistema de Proteção Social, extremamente fragmentado e

excludente, e da não resolução das velhas formas de exclusão social. Aqui, a

combinação de novas e velhas questões sociais requer soluções que compatibilizem

programas estruturais e emergenciais.

Essas questões são agravadas, sobretudo, pelas características que tem balizado a

política social brasileira, quais sejam: incapacidade em atender os grupos mais

vulneráveis; sobreposição de ações e de clientela e; ineficiência e ineficácia dos gastos

sociais.

Nesse contexto, a década de 90 é marcada pelo retorno da fome e da pobreza na

agenda política e social e pela promoção de mudanças na institucionalidade das políticas

sociais em direção à descentralização, participação e controle social, maior equidade e

eficiência dos gastos e no reforço da noção de direitos de cidadania.

É no bojo da existência de novas e velhas formas de pobreza e das

transformações no padrão de política social nos anos 90, que os programas de renda

mínima surgem no Brasil como uma possível inovação do sistema de proteção social.

Embora a proposta inicial fosse a provisão de uma renda mínima individual sob

a forma de imposto negativo, a modalidade que se consolidou no Brasil foi a

1 Na verdade, as primeiras experiências de renda mínima foram desenvolvidas ainda no início do século XX. Contudo, é a partir da década de 70, no bojo da crise do Welfare State e da emergência da nova pobreza, que essas propostas ganham um maior destaque na agenda internacional.

16

transferência de renda voltada para as famílias com filhos em idade escolar

condicionada ao acesso dessas crianças a uma educação pública.

Inicialmente, em meados da década de 90, os programas de transferência de

renda foram desenvolvidos por alguns municípios da federação, como Ribeirão Preto,

Campinas e por alguns estados, como São Paulo e o Distrito Federal. Somente a partir

do ano de 2001, o governo federal adotou a modalidade de transferência monetária de

renda a famílias pobres, através da criação de programas como o Bolsa-Escola,

vinculado ao Ministério da Educação e o Bolsa-Alimentação, do Ministério da Saúde.

Todavia, à medida que estes programas eram desenvolvidos de forma

desarticulada por diferentes Ministérios setoriais, perpetuavam-se algumas das

características intrínsecas a política social brasileira, como a sobrefocalização de

clientela, a debilidade dos mecanismos de monitoramento e avaliação, a baixa cobertura

e a pulverização dos recursos.

Na tentativa de superar tais problemas, no final de 2003, o governo federal

iniciou um processo de unificação de quatro programas de transferência de renda

(Programa Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Cartão Alimentação) no

Programa Bolsa Família (PBF).

O PBF é um programa de transferência de renda destinado às famílias pobres,

com ou sem filhos, cuja renda per capita seja inferior à R$100,00. O Programa tem

como objetivo principal combater a fome e a pobreza e gerar autonomia das famílias

mediante a combinação da concessão de benefício monetário com o acesso aos serviços

públicos de saúde e educação.

As principais inovações presentes no desenho operacional do PBF são:

i. Gestão unificada e descentralização pactuada

(possibilidade de adequação do desenho do programas à

realidade dos estados e municípios através da assinatura

de um termo de cooperação com a União)

ii. Foco nas famílias com ou sem filhos e;

iii. Ampliação da agenda de compromissos, conciliando,

sobretudo, ações de saúde e educação;

A implementação de um programa descentralizado, intersetorial e com exigência

de diversas contrapartidas se configura num importante desafio aos municípios

17

brasileiros, diante da histórica fragilidade institucional e gerencial, da pouca tradição de

diálogo entre os diversos setores de governo, da baixa capacidade de oferta dos serviços

e da debilidade dos mecanismos de monitoramento e controle dos programas sociais.

Alguns estudos sobre os programas de transferência de renda no Brasil vêm

indicando que variações na capacidade técnico político-institucional e nas relações de

poder e interesse entre os atores envolvidos no programa levam a experiências muito

distintas de implementação.

Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo acompanhar através de um

estudo de caso do município de São Francisco de Itabapoana no Estado do Rio de

Janeiro, o Programa Bolsa Família (PBF) e seus desdobramentos nas diferentes fases de

implementação, buscando identificar em que medida o PBF e os elementos presentes no

seu desenho operacional favorecem ou dificultam os princípios de descentralização,

intersetorialidade, equidade e controle social.

São Francisco de Itabapoana (SFI), considerado o município mais pobre do

Estado do Rio de Janeiro, possui pouco mais de 40 mil habitantes com predomínio da

população rural e de indicadores sociais extremamente dramáticos. Outro aspecto a

destacar é que SFI foi emancipado recentemente (1995) e assim como grande parte dos

municípios brasileiros apresenta uma baixa memória e qualificação técnico-gerencial,

escassez de oferta de serviços públicos e grande dependência das transferências

intergovernamentais. O PBF começou a ser implementado no município em outubro de

2003 enquanto uma das localidades prioritárias.

A presente dissertação encontra-se subdividida em sete capítulos. No primeiro

foram abordadas questões relativas à nova institucionalidade da política social brasileira

e ao contexto internacional e nacional de surgimento dos programas de transferência de

renda.

A conceituação e o dimensionamento da pobreza e da fome e as principais

estratégias de enfrentamento dessas questões no Brasil a partir da década de 90 são

apresentadas no capítulo II. O Capítulo III buscou analisar a concepção e as estratégias

de implementação do Programa Bolsa Família. O quarto capítulo apresenta a abordagem

metodológica que norteou o presente trabalho.

O Capítulo V buscou apresentar os principais aspectos demográficos, sócio-

econômicos e políticos do município de São Francisco de Itabapoana. Entende-se que o

18

contexto social se configura numa variável de extrema importância nos estudo de

avaliação de processo de implementação.

O sexto Capítulo reconstitui a trajetória de implementação do Programa Bolsa

Família no município de São Francisco de Itabapoana. Buscou-se analisar à luz dos

princípios de descentralização, equidade, intersetorialidade e participação social, os

elementos presentes no desenho operacional do PBF e a forma como são

implementados localmente (critérios de seleção dos beneficiários, estratégia de captação

e cadastramento das famílias, mecanismos de oferta e acompanhamento das

contrapartidas, relação entre os níveis e setores de governo, relação entre o governo e a

sociedade civil).

Por fim, o capítulo 7 apresenta as considerações finais sobre os avanços e os

limites do Programa Bolsa Família no Brasil e, especificamente, no município de São

Francisco de Itabapoana.

19

Capítulo I

POLÍTICA SOCIAL BRASILEIRA: A EMERGÊNCIA DOS PROGRAMAS DE

TRANSFERÊNCIA DE RENDA

A política social no Brasil caracterizou-se pela extrema centralização decisória e

financeira no governo federal, por uma acentuada fragilidade institucional e gerencial,

pela desarticulação entre os diversos setores de governo, descontinuidade dos

programas e ações, pela fraca participação e controle social. Somam-se a essas questões

a baixa capacidade de oferta dos serviços e a debilidade dos mecanismos de

monitoramento e controle dos programas sociais. (Draibe, 1998; Arretche, 1997).

“Particularmente, o binômio forte descentralização, fragmentação institucional

e corporativismo versus fracas capacidades administrativas e participativas

tendeu a conferir pouca transparência ao sistema de política social, inibindo a

ação de eventuais mecanismos de correção, modernização ou inovação

institucional”. (Draibe, 1998:4)

Tais fragilidades contribuíram para a sobreposição de programas e clientelas,

baixa efetividade das ações e ineficácia dos gastos sociais. Diversos estudos

evidenciaram, ainda, que as políticas e os programas desenvolvidos na área não foram

capazes de atingir aqueles segmentos mais vulneráveis (Peliano, 1996; Lopes,1996).

No campo do combate à fome e à pobreza, além das características citadas

acima, as ações foram marcadas por um alto grau de clientelismo2 numa perspectiva de

benemerência do Estado com os pobres em detrimento da noção de direitos de

cidadania.

Na década de 80, iniciou-se uma agenda de reformas no país, causada tanto por

fatores externos quanto internos3, que ao longo do tempo, vem produzindo mudanças

2 O clientelismo, de acordo com Bezerra (1999), se caracteriza como uma relação pessoal e assimértica (entre pessoas que não possuem o mesmo poder, prestígio ou status) de troca de favores, serviços e outros. É dotada por uma racionalidade própria e de um forte conteúdo moral. 3 Não se pode descolar a execução das reformas no Brasil, de uma conjuntura internacional mais ampla de crise do modelo de welfare state, iniciado na década de 70. As reformas tinham como pano de fundo a

20

significativas na institucionalidade das políticas sociais, inclusive na política de

combate à fome e à pobreza.

1.1 A Nova Institucionalidade das Políticas Sociais Brasileiras

No plano legal, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) representou um marco

em direção a construção de uma nova concepção da política social enquanto “um

conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade

destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência

social” (CF, 1988 artº 14) conformando, assim, uma perspectiva de seguridade social

pautada nos direitos de cidadania.

Ao longo da década de 90, a regulamentação das áreas de saúde, previdência e

assistência social através de Leis Orgânicas4 propiciou uma definição mais clara do

conjunto de diretrizes e princípios que regem essas áreas.

È dentro desse arcabouço legal, que se verificam alguns dos principais eixos de

transformação na política social, inclusive daquelas voltadas para o combate à pobreza e

à fome. Para Draibe (1998), esses eixos apresentados abaixo configuram uma nova

institucionalidade das políticas:

i. descentralização financeira e administrativa

ii. ampliação da participação e do controle social

iii. direito social enquanto fundamento da política

iv. busca por maior equidade, efetividade e eficácia do gasto social

redefinição do papel dos Estados. Por outro lado, a conjuntura interna era de um grande desgaste da matriz política-institucional, agravamento do processo inflacionário, crise do setor público, rejeição ao sistema concentrado, o que gerou um grande luta pela redemocratização do Brasil. 4 A lei orgânica da saúde foi publicada em 1990, a LOPS, Lei Orgânica Previdência Social em 1991. A assistência social foi a última área da seguridade social a ser regulamentada. A LOAS, só foi aprovada em 1993. Segundo Couto (2004), a demora no processo de regulação pode ser atribuída a duas questões: falta de densidade política e de debate conceitual que alimentassem as decisões sobre a LOAS e; rearticulação das forças conservadoras no país, no pós 1989.

21

1.1.1 Descentralização

A Constituição Federal de 1988 produziu grandes avanços em direção a

descentralização, uma vez que definiu um arranjo federativo pautado na transferência de

recursos e atribuições do governo federal para os estados e principalmente para os

municípios. Contudo, no campo específico da política social, não houve uma clareza na

definição das atribuições, optando-se por estipular uma gama de competências

concorrentes entre as três esferas de governo.

Dado que os estados e municípios se constituem em entes federativos

autônomos, a assunção de funções de gestão de políticas públicas, salvo em casos de

expressa imposição institucional, se dá pela via da adesão a programas propostos por

níveis supranacionais de governo, que precisam, dessa forma, desenhar estratégias

sólidas e pertinentes de indução ao processo de descentralização.

Para Arretche (2004), a opção pelo formato de divisão de competências em que

ao mesmo tempo em que qualquer ente federativo está constitucionalmente autorizado a

implementar programas sociais e que nenhum deles está constitucionalmente obrigado a

implementar tais programas, pode produzir alguns efeitos inesperados como a

superposição de ações ou o não comprometimento de nenhuma dessas esferas.

Dessa forma, “no início dos anos 90, a distribuição federativa dos encargos na

área social derivava menos de obrigações constitucionais e mais da forma como

historicamente estes serviços estiveram organizados em cada política particular.”

(Arretche, 2004:9). De fato, diversos estudos (Almeida, 1995; Arretche, 2000)

evidenciaram que o processo de descentralização não se dá de forma homogênea entre

os estados e municípios do país, tampouco, entre as diversas áreas da política social.

As disparidades intra e entre as regiões do Brasil, pode ser explicada em parte

pelas intensas desigualdades nas capacidades administrativas, financeiras e

institucionais dos entes federativos (Souza, 2002). Já no que refere as diferenças entre

as áreas das políticas sociais, Almeida (1995), identificou a partir de um estudo sobre

quatro áreas (saúde, educação, habitação e saneamento), em meados da década de 90,

um conjunto de fatores que podem influenciar sobremaneira a forma e o grau de

descentralização de uma determinada política. São eles:

22

(i) a presença ou ausência de políticas deliberadas de indução da

descentralização no âmbito federal

(ii) a natureza e o poder das coalizões reformadoras

(iii) as características prévias de cada área, do ponto de vista de suas estruturas e

das relações intergovernamentais.

A literatura aponta que a descentralização, ao propiciar uma atuação em nível

mais local, e, portanto, mais próxima da população, apresenta um grande potencial de

aumento do controle social, da universalização do acesso e da geração de espaços de

pactuação e de interação entre os diversos atores, gerando maior accoutability, maior

transparência na alocação de recursos públicos, redução do clientelismo e maior

eficiência e eficácia dos gastos.

No entanto, conforme sinaliza Arretche (2000), somente o processo de

descentralização não é capaz de garantir tais alterações no padrão de políticas públicas.

É preciso considerar que esse processo não se dá num vazio institucional, uma vez que

os estados e municípios possuem características próprias e um legado prévio que

influenciam, sobremaneira, a gestão da política no nível local. Dessa forma, a

descentralização pode não implicar em maior participação da sociedade civil nas arenas

decisórias, na realização de um efetivo controle social tampouco na redução das ações

clientelistas. Vale ressaltar também, que num sistema eleitoral partidário e competitivo,

como o brasileiro, as relações entre os entes federados podem ser dar mais no sentido da

competição do que da cooperação, configurando o chamado federalismo predatório.

Neste sentido, faz-se de extrema importância a definição das responsabilidades e

papéis dos entes federados, uma ação de coordenação do nível central, no sentido de

promover uma redistribuição dos recursos entre as regiões e os estados e a garantia de

espaços para a realização de um efetivo controle social.

1.1.2 Participação e Controle Social

A participação e o controle social se configuram numa das principais inflexões

da política social nos anos 90 (Draibe, 1998) e vem se dando, principalmente, através da

institucionalização da participação de conselhos de representação social na estrutura

decisória dos três níveis de governo.

23

A incorporação de novos atores, principalmente da sociedade civil, no processo

decisório, possibilita a inserção de segmentos historicamente excluídos desses níveis de

decisão, contribuindo, sobretudo, para o exercício da cidadania. Além disso, tem o

potencial de promover uma alocação mais efetiva e eqüitativa dos recursos e um maior

grau de accountability e de responsabilização dos governos (Burlandy, 2003).

No entanto é preciso considerar algumas questões que limitam as

potencialidades dessas instâncias de participação e controle social. Como aponta Draibe

(1998:17), em muitos casos “no processo de implementação dos conselhos, tende a se

repetir o conhecido padrão no qual o Estado, através das políticas públicas, alavanca a

emergência, conferindo-lhes fisionomia tal que, muitas vezes, aparecem como sua

criatura”.

Uma primeira questão que se coloca, é que em muitos conselhos, a participação

da sociedade civil ainda sofre grande interferência do gestor local, principalmente

através da nomeação de pessoas ligadas a administração pública. Nesse caso, a

possibilidade de representação dos interesses da população e de um efetivo controle

social pode ser comprometida. É preciso ainda, considerar a fragilidade das instâncias

de participação e controle social, principalmente em locais aonde o capital social ainda é

muito limitado (Labra, 2002).

Além disso, o Estado apresenta um ritmo de “hiperatividade decisória” que não

se constitui na implementação de fato de políticas e programas, o que pode gerar

impotência e desmobilização da sociedade civil (Burlandy, 2003)

A multiplicação de conselhos de políticas sociais também se configura numa

questão relevante. De acordo com levantamento feito por Draibe (1998), no final dos

anos 90, já haviam sido criados 25 conselhos nacionais de política social, como por

exemplo, educação, saúde e direito da criança e do adolescente. Alguns conselhos

existentes atualmente (2004) têm relação direta com ações de combate à fome e à

pobreza, como o Conselho Nacional de Assistência Social (CONAS), o Conselho

Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e Conselho Consultivo e de

Acompanhamento do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.

No nível local, esse quadro é ainda mais dramático uma vez que, principalmente

nos municípios de pequeno e médio porte, há grandes dificuldades de conseguir a

participação da sociedade civil, sobretudo aquela sem vínculo com a administração

24

municipal, o que pode levar a uma fragmentação ainda maior do processo decisório e a

participação dos mesmos grupos de interesses nas arenas decisórias.

Estudos desenvolvidos sobre a atuação dos conselhos (Labra, 2002; Draibe,

1998b) concluíram que, em geral, os conselheiros não estão capacitados para

desempenharem o controle social e que se limitam a endossar o que é proposto pelo

executivo.

Superar tais limitações se constitui num dos principais desafios das políticas

públicas, que deve promover um trabalho verdadeiramente árduo de capacitação dos

conselheiros e de apoio logístico ao funcionamento dos conselhos.

1.1.3 Direito Social enquanto fundamento da política

No Brasil, os direitos de cidadania ocorreram de forma invertida à seqüência

lógica descrita por Marshall na Inglaterra, em que os direitos civis foram a base,

seguidos pelos direitos políticos e por último os direitos sociais. Aqui, a pirâmide foi

colocada de cabeça pra baixo, na medida em que os direitos sociais precederam os

demais, sendo implantados em um contexto de ditadura (Carvalho, 2003) e dentro de

uma perspectiva de cidadania regulada5, ou seja, intrinsecamente atrelados ao trabalho

formal. Neste contexto, só eram portadores de direitos àquelas pessoas que tinham

carteira de trabalho assinada (Santos, 1994).

Para Carvalho (2003), a inversão da seqüência de direitos e a forma como os

mesmos foram implantados afetou, sobremaneira, a natureza da cidadania no país,

gerando graves conseqüências como: a extrema centralidade do executivo; o

corporativismo; o clientelismo e; a visão do direito social enquanto privilégio de alguns

grupos.

“A antecipação dos direitos sociais fazia com que os direitos não fossem vistos

como tais, como independentes da ação do governo, mas como um favor em

troca do qual se deviam gratidão e lealdade” (Carvalho, 2003:126).

5 Este conceito de cidadania regulada foi desenvolvido pelo pesquisador Wanderley Guilherme dos Santos. Para melhor aprofundamento consultar: SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Razões da desordem. Rio de Janeiro, Rocco, 1994.

25

Apesar do avanço promovido pela CF/88 no reconhecimento do direito social

enquanto fundamento da política, na prática ainda persistem muitos obstáculos no que

se refere principalmente, aos constrangimentos orçamentários impostos aos programas

da área, fazendo com que os mesmos tenham baixa cobertura. Uma implicação

importante é que ao não atender a toda a clientela, tais programas tendem a reforçar a

noção de privilégio e do direito enquanto barganha.

1.1.4 Busca por maior equidade, efetividade e eficácia dos gastos sociais.

Conforme exposto no início deste capítulo, os programas sociais, especialmente

os de combate à fome e à pobreza, se caracterizaram pela superposição, pela

desarticulação entre as diversas instituições, pela dificuldade em atingir os mais pobres

entre os pobres e pela incapacidade de atender às regiões mais vulneráveis. (Peliano,

1996; Draibe, 1998)

Nesse sentido, a década de 90 no Brasil foi marcada pela tentativa em responder

aos problemas já diagnosticados na condução das políticas sociais no país e pela

realização de reformas, no sentido de promover maior equidade, efetividade e eficácia

dos gastos sociais. As principais estratégias que vêm sendo empregadas são: a maior

seletividade e focalização das políticas sociais, a potencialização dos programas já

existentes e a substituição da distribuição de alimentos por programas de transferência

de renda.

Para além dessa conjuntura interna, nas décadas de 80 e 90, ganha força na

América Latina, inclusive no Brasil, a realização de ajustes macroeconômicos e de

reformas dos aparelhos estatais, fortemente baseadas no neoliberalismo. A perspectiva

principal era de que num contexto de recursos escassos e de vultosas dívidas externas,

os países buscassem garantir maior eficácia e eficiência dos gastos sociais (Kligsberg,

2002).

Dessa forma, esse debate sobre maior equidade, efetividade e eficácia dos gastos

sociais é permeado por profundas tensões, uma vez que pode estar inserido tanto na

proposta progressista quanto no ideário neoliberal. A diferença principal é que enquanto

26

para a primeira, tais ações se inserem numa perspectiva de justiça e responsabilidade

social, através do uso e da priorização adequada dos recursos e também de uma maior

transparência, para a segunda elas estão ligadas principalmente, à noção de diminuição e

racionalização dos gastos sociais.

a) Focalização

Dentro da lógica de promoção de maior equidade, efetividade e eficiência dos

gastos sociais ganha destaque na política social brasileira6 o direcionamento dos

programas sociais para os segmentos mais vulneráveis da população.

No entanto, a focalização é alvo de profundas tensões entre políticos, técnicos e

estudiosos do tema. Para alguns, como Soares (2003), a focalização nada mais é do que

a priorização do pagamento das dívidas externas em detrimento dos investimentos na

política social, conformando uma política de Estado Mínimo. Para outros (Draibe, 1998;

Barros, 2003), a focalização pode ser positiva, na medida em que promove o acesso a

bens e recursos de parcelas excluídas da população, gerando uma igualdade de

oportunidades.

Em que pesem tais considerações, Abranches (1994) chama a atenção para o fato

de que, embora as políticas sociais devam ser universais, o campo específico das ações

de combate à fome e à pobreza é eminentemente seletivo. No entanto, cabe ressaltar que

apesar da política de combate à pobreza estar intrinsecamente ligada à seletividade,

muitas ações, sobretudo as de cunho estrutural, são necessariamente universais, como o

acesso aos serviços públicos de saneamento, educação entre outros.

No Brasil, pode ser observada uma dualidade no sistema de proteção social, pois

apesar da realização de reformas estruturais, restrição e priorização de gastos sociais nos

mais pobres, algumas políticas como a saúde e a educação caminharam no sentido da

universalidade.

Um grave problema que as políticas focalizadas têm enfrentado, sobretudo no

Brasil, é a incapacidade de atendimento da totalidade da clientela potencialmente

6 É importante salientar que essa não é uma conjuntura observada apenas no Brasil. É um tendência mundial e, sobretudo latino americana.

27

beneficiária. Dessa forma, a não provisão de políticas e programas a todos aqueles que

precisariam resulta numa segmentação ainda maior da clientela.

A focalização nos grupos mais pobres implica, portanto, na utilização de

metodologias e indicadores para distinguir os pobres dos não pobres. Neste sentido,

para que sejam realmente efetivos estes requerem gastos adicionais para a construção

dos mecanismos de seleção e monitoramento da população potencialmente beneficiária.

Alguns críticos da focalização (Lavinas, 2000a; Suplicy, 2004) argumentam que os

gastos com a definição dos beneficiários muitas vezes supera o custo de

operacionalização do próprio programa.

No Brasil, o principal meio de identificação da população potencialmente

beneficiária, sobretudo nos programas federais de transferência de renda, é o cadastro

das famílias pobres. Em princípio cada programa tinha um cadastro e questionários

próprios. No entanto, diversos problemas foram identificados no processo de captação

e cadastramento desses programas, principalmente no que concerne a duplicação de

cadastros e benefícios (TCU, 2002). Na tentativa de superar tais problemas o governo

federal criou através do decreto nº. 3.877 o Cadastro-Único do Programas Sociais do

Governo.

O Cad-único visa uniformizar em um mesmo banco de dados informações sobre

as famílias beneficiárias dos programas sociais (exceto aqueles administrados pelo

INSS e pelo DATAPREV e as famílias pobres - renda per capita inferior a ½ salário

mínimo - e servir como um instrumento de planejamento das políticas públicas de

combate à pobreza). Os dados e as informações são coletados pelos municípios que os

enviam para serem processados pela Caixa Econômica Federal (CEF), que procederá à

identificação dos beneficiários e atribuirá o respectivo número de identificação social

(NIS). Para a coleta de dados é utilizado um formulário, igual para todo o país, aonde

constam informações de toda a família sobre escolaridade, rendimentos, gastos,

condições de habitação, entre outros.

O Cadastro Único começou a ser implantado em 2001 de forma bastante

desigual entre os estados e municípios. De acordo com a avaliação realizada pelo

Tribunal de Contas da União (TCU) em 2002, o Cad-único propiciou algum

aperfeiçoamento na gestão municipal dos programas sociais em diversos municípios e

estados.

28

Em 2003, já no governo do Presidente Lula, o Cad-único se manteve como

estratégia de focalização e de mapeamento das populações de baixa renda no Brasil.

Algumas modificações no sistema de informática e a realização de treinamentos têm

conseguido a pequenos passos corrigir os problemas apontados pelo TCU. No entanto o

governo federal ainda não foi capaz de evitar o mau uso do cadastro pelas prefeituras

municipais, como cadastramento de pessoas acima da linha estipulada, uso eleitoral e a

duplicidade de cadastros. (TCU, 2004)

b) Potencialização dos Programas

Nos governos Itamar Franco (1992-1993) e Fernando Henrique Cardoso (1994-

2002), respectivamente foram criados o Plano de Combate à Fome e à Miséria pela

Vida (PCFM) e o Programa Comunidade Solidária (CS). Tais estratégias tinham como

característica comum a não criação de novos programas de combate à fome e à pobreza,

mas a potencialização dos já existentes, dentro de uma perspectiva de melhor

gerenciamento, articulação e coordenação. (Draibe, 1998; Burlandy, 2003)

No caso específico da Comunidade Solidária, foi composta uma agenda básica

constituída de 16 programas federais setoriais desenvolvidos por seis Ministérios

(Saúde, educação, Agricultura e Abastecimento, Planejamento e Orçamento, Desporto e

Trabalho). O objetivo era fazer convergir tais programas para os municípios mais

necessitados, cuja definição era feita através da utilização de critérios técnicos, como

por exemplo, o Modelo Preditivo de Desnutrição da USP (Benício et al, 1995) para o

Programa Leite é Saúde.

c) Transferência de Renda X Distribuição de Alimentos

Com relação à natureza dos programas, um dilema que tem se colocado em

relação à ineficácia dos gastos sociais, é a discussão sobre a distribuição de alimentos

ou a transferência de renda. Alguns estudos, como Lavinas (2000) evidenciaram que

embora a provisão de benefícios via alimentos in natura possa evitar um possível

desvirtuamento e aquecer o setor agroalimentar, o mesmo, além de limitar a autonomia

29

de escolha das famílias, requer gastos administrativos altíssimos para o seu

armazenamento e distribuição. Por outro lado, a transferência de renda apresentou

potencialidades no que concerne à possibilidade de maximização do consumo de

alimentos por parte das famílias, propiciando uma maior autonomia no uso da renda,

fomento da economia local e redução de gastos com logística.

Apesar da tendência marcante de distribuição de alimentos in natura,

recentemente, algumas iniciativas passaram a preconizar a transferência de renda

monetária para as populações em situação de vulnerabilidade. No final de 2001, o

programa de distribuição de leite e óleo de soja para as famílias com crianças em risco

nutricional (ICCN) foi substituído por um programa de transferência de renda, o

Programa Bolsa Alimentação.

Embora, tenha se iniciado no Brasil na década de 90, o debate sobre os

programas de transferência de renda ganhou destaque na década de 70 nos países

centrais da Europa, como alternativa às transformações ocorridas nas relações de

trabalho e à crise do Sistema de Proteção Social.

1.2 Política de Transferência de Renda: o debate internacional

Nas últimas décadas a pobreza vem sofrendo importantes alterações no que

concerne à sua origem e aos grupos populacionais que ela atinge. A chamada “Nova

Pobreza” é um fenômeno relacionado especialmente com as transformações ocorridas

no mundo do trabalho, como a precarização e a flexibilização das relações de trabalho, o

aumento do desemprego de longo prazo e também o descolamento entre o trabalho e o

rendimento. (Paugam,2003)

Dessa forma, a pobreza, que nos países centrais da Europa, ficava

circunscrita aos cortiços e favelas e estava ligada fortemente a noção de que esta era

uma população fracassada, incapaz de conseguir emprego e de se sustentar, passa a

atingir também, às famílias que nunca viveram em condições miseráveis e tampouco

habitaram cortiços ou favelas (Castel, 1999; Paugam, 2003). Ao perderem seus

empregos e permanecerem nesta situação por logo período, essas famílias perdem o

vínculo com o mundo do trabalho e experimentam uma série de outros acontecimentos,

como o afastamento da vida social, crise de identidade, problemas de saúde e ruptura

30

familiar gerando, segundo Paugam (2003), uma desafiliação social. Para o autor, essa

desafiliação agrava ainda mais a situação de pobreza experimentada por essas famílias,

porque além da privação material há uma degradação moral.

“Nas sociedades modernas, a pobreza não é somente o estado de uma

pessoa que carece de bens materiais, ela corresponde, igualmente, a um

status específico, inferior e desvalorizado, que marca profundamente a

identidade de todos os que vivem essa experiência”. (Paugam, 2003:31)

Para Rosanvallon (1996) essas questões relacionadas às profundas

transformações no mundo do trabalho e a desafiliação social remetem ao que o autor

denomina de “nova questão social”, que coloca em cheque os princípios organizadores

de solidariedade e a concepção tradicional de direitos sociais.

“Los fenômenos actuales de exclusión no remite a las categorías antiguas de

la explotación. Así, ha hecho su aparición una nueva cuestión social”

(Rosanvallon, 1996:7).

Neste contexto, o sistema de proteção social existente nos países centrais, o

Welfare State, da forma como estava estruturado, baseado no pleno emprego e no

desemprego temporário, passa a não ser capaz de atender a demanda cada vez mais

crescente de novos pobres (Silva e Silva, 1996). Como aponta Castel (1999) a nova

questão social impõe grandes desafios aos países, principalmente aos que já haviam

consolidado o Welfare State, no sentido de redesenharem suas políticas públicas.

Para Rosanvallon (1996), o Estado Providência Passivo7, que se limita a

distribuir benefícios aos cidadãos ou indenizar os casos de disfunções passageiras, como

doença ou desemprego de curto prazo, é incapaz de resolver ou mesmo de amenizar a

nova questão social. O autor propõe uma reformulação no sentido de criar um Estado

Providência Ativo pautado sob uma nova concepção de direito social e em novos

princípios de justiça e equidade e também de solidariedade.

7 Esse termo foi criado pelo próprio autor para designar o sistema de proteção social, classificado pelo autor como indenizador.

31

É dentro dessa conjuntura de precarização e flexibilização das relações de

trabalho, recrudescimento da pobreza nos países europeus e de total incapacidade dos

sistemas de proteção social tradicionais em responderem satisfatoriamente a essas

questões que os programas de renda mínima surgem como uma estratégia de

enfrentamento a essa realidade da nova pobreza.

Os programas de renda mínima podem ser entendidos como “transferências

monetárias a indivíduos ou a famílias, prestada condicional ou incondicionalmente;

complementando ou substituindo outros programas sociais, objetivando garantir um

patamar mínimo de satisfação das necessidades básicas” (Silva e Silva, 1996:3). Como

pode ser observado em sua própria definição, o termo renda mínima pode representar

uma gama diversa de propostas que podem ser inspiradas por matrizes ideológicas

opostas, como o neoliberalismo e o distributivismo.

Ao analisar as experiências de renda mínima, Silva e Silva (1996)

identificou três matrizes principais:

a) Neoliberal: programas residuais desenhados a partir de mecanismos

compensatórios e de substituição das políticas de proteção social.

b) Progressista/distributivista: programas de ordem mais universalistas,

baseadas nos direitos de cidadania e complementares ao sistema de

proteção.

c) Inserção social – renda mínima como um mecanismo voltado para a

inserção social e capacitação profissional dos cidadãos.

Em que pesem os esforços em classificar os programas de renda mínima a

partir das matrizes apresentadas acima, muitos deles assumem formas mistas e,

portanto, difíceis de serem classificadas de uma forma fidedigna.

Uma das experiências pioneiras8 desta modalidade de programas é o Imposto

Negativo proposto por Milton Friedman, no final dos anos 60. Na perspectiva deste

programa, considerado de inspiração neoliberal, está a reorientação do Estado

Providência no sentido de garantia do mínimo necessário à sobrevivência e a

substituição do Sistema de Proteção Social.

8 Embora já existissem iniciativas de renda mínima desde o início do século, estamos considerando a proposta de Friedman como pioneira dentro deste cenário de crise do Welfare State e emegência da nova pobreza.

32

Uma das preocupações centrais do Imposto Negativo é a promoção de uma

estratégia de transferência de renda que não seja capaz de criar um estímulo ao ócio.

Para tanto, é fixada uma linha de pobreza, acima da qual a pessoa pagaria o imposto e

abaixo receberia um determinado valor complementar à renda auferida através do

trabalho (suficientemente baixo para não desestimular o trabalho) (Silva e Silva, 1996).

Dessa forma, o Imposto Negativo apresenta componentes fortemente

baseados no individualismo, no mercado auto-regulador e na concepção de que o pobre

precisa ser constantemente estimulado ao trabalho.

A Renda Básica Incondicional (RBI) desenhada por Philipe Van Parijs

(2000), embora de natureza distinta do Imposto Negativo, também é inserida por alguns

autores, como (Silva e Silva, 1996) na proposta neoliberal, uma vez que se orienta pela

lógica da substituição do sistema de proteção social. No entanto, a própria autora

destaca a necessidade de se relativizar tal classificação devido à característica híbrida

dessa proposta, que em alguns aspectos assemelha-se mais ao distribuitivismo.

A RBI é uma renda monetária paga a todo e qualquer cidadão (é individual)

sem qualquer restrição quanto à natureza ou ao ritmo de consumo, independente da

renda auferida e sem distinção de valor a ser pago aos ricos e aos pobres. Segundo Van

Parijs (2000) esta proposta está associada a uma concepção de cidadania plena, na

medida em que é universal e incondicional.

Para o autor, a combinação da ausência de teste de trabalho e da não

exigência de comprovação da situação financeira se configura numa resposta ao desafio

conjunto de enfrentar a pobreza e o desemprego, a partir de um novo paradigma no qual

a renda é desvinculada do trabalho.

Alguns autores classificam a proposta de RBI como um terceiro modelo de

Proteção Social, o Painiano, aonde “todos os titulares de rendimentos renunciam,

obrigatoriamente, a uma parte deles para construir um fundo que sirva para pagar

incondicionalmente uma renda uniforme a todos os membros da Sociedade”. (Van

Parijs, 2004:83)

Com relação às propostas distributivistas, a Renda Social Mínima (RSM)

formulada por André Gorz é considerada uma das mais importantes (Silva e Silva,

1996; Suplicy, 2004). Diferente de Van Parijs, o autor propõe que o programa seja

complementar e não substitutivo ao sistema de proteção social. Partindo da concepção

33

de que a desvinculação da renda de um trabalho produtivo é humilhante e

estigmatizante, a RSM baseia-se na proposição de um sistema de renda mínima

associado à redução progressiva do tempo de trabalho para todos (a perda de renda

decorrente dessa redução seria compensada pela RSM) aliada a uma política de

qualificação efetiva e consistente. A redução do tempo de trabalho teria o potencial de

geração de novas oportunidades para todos e de distribuição da riqueza socialmente

produzida (Gorz, 1991 apud Silva e Silva, 1996). Na perspectiva desse autor, está a

articulação de uma sociedade alternativa (diminuição progressiva do tempo de trabalho)

cujas fontes de direito social não devem se restringir ao trabalho, passando a incluir

outros aspectos importantes como, a cidadania e a solidariedade social.

Na outra ponta, a inserção social é assinalada por Rosanvallon (1996), como

uma nova concepção de direito social. Tal perspectiva, pode ser entendida de forma

mais clara a partir das argumentações de Amartya Sen (2001) de que a pobreza não é só

uma questão de desigualdade no acesso à renda, mas também, desigualdade de

oportunidades e de condições. Tais fatores poderiam ser superados ou minimizados

através de ações de capacitação profissional, educação entre outros, de acordo com a

necessidade social de cada indivíduo.

A principal expressão dessa vertente é o programa Renda Mínima de

Inserção (RMI) instituído na França em 1988. A RMI é um programa voltado a todas as

pessoas maiores de 25 anos que não aufiram renda suficiente para a garantia da

sobrevivência. Mensalmente, são repassados 500 Francos para indivíduos solteiros e

750 Francos para os casados. Está previsto ainda um adicional em caso de filhos ou

dependentes. (Rosanvallon, 1996)

No desenho da RMI não há previsão de limite de permanência no programa,

o objetivo principal é preparar o indivíduo para retornar ou se inserir no mercado de

trabalho. Dessa forma, a renda tem a função de manter condições mínimas de

sobrevivência, enquanto os beneficiários são capacitados para o trabalho. É preciso

ressaltar dois pontos importantes, o primeiro é que ao aderir ao programa, a pessoa

assina um contrato com o Estado aceitando a sua participação nas diversas ações

voltadas para a sua inserção social, o segundo é que as ações, em princípio, seriam

definidas a partir da necessidade e da capacidade de cada um (Paugam, 2003;

Rosanvallon, 1996; Silva e Silva 1996).

34

Rosanvallon (1996) considera a RMI uma conjugação entre direito social, à

medida que é acessível a todos aqueles que estão excluídos, e um contrato, visto que

exige contrapartidas.

“El RMI se apoya sobre el principio de compromiso recíproco del

individuo y la colectividad, teniendo en cuenta las necesidad,

aspiraciones y posibilidades de los beneficiarios”. (Rosanvallon,

1996:161)

A exigência de contrapartidas é uma das principais críticas ao RMI, pois

para muitos autores, as principais características do direito é a universalidade e a

incondicionalidade. Apesar disso, de acordo com Rosanvallon (1996), as

condicionalidades representam uma nova forma de relação com o direito.

“Introduce um tipo de norma que integra el hecho de que algunos

indivíduos se encuentram em situaciones singulares y, por lo tanto,

deben ser tratados particularmente para lograr uma verdadera

equidade” (Rosanvallon, 1996:163)

No entanto, alguns autores como Castel (1999), Silva e Silva (1996) e o

próprio Rosanvallon (1996) apontam algumas limitações do RMI na França,

evidenciados em alguns estudos sobre o programa. O principal desafio que ainda não foi

enfrentado é justamente a inserção social dos beneficiários, sobretudo no mercado de

trabalho. Em 1992, apenas 15% dos beneficiários do RMI conseguiram um emprego

estável ou mesmo precário. Nesse caso, Castel (1999) questiona qual seria o efeito de

uma inserção social sem a concomitante inserção profissional.

“As políticas de inserção parecem, assim, ter fracassado na preparação,

para uma parte importante de sua clientela, dessa transição para a

integração que era a sua primeira vocação” (Castel, 1999:558)

35

Ainda assim, diversos autores consideram a Renda Mínima de Inserção uma

das principais inovações no enfrentamento da desafiliação social, mediante a

transferência de recursos monetários e a exigência de contrapartidas.

Embora, nos EUA a provisão de renda também esteja ligada à exigência de

condicionalidades, Rosanvallon (1996) argumenta que são de naturezas distintas.

Enquanto no RMI o objetivo é capacitar o indivíduo, gerando igualdade de

oportunidade que poderá traduzir-se em futura autonomia, na América, ele é baseado na

noção de workfare, isto é, numa perspectiva de controle permanente e estigmatização

dos pobres. Em discursos oficiais sobre o programa é recorrente a menção de que é

preciso vencer a cultura da dependência, estando implícita a noção de que o Welfare

State é permissivo.

Na Europa, quase todos os países9 já instituíram programas de renda mínima

baseados principalmente na concepção distributivista de complementação dos sistemas

de proteção sociais já existentes. Como aponta Silva e Silva (1996:65) “a intenção, é,

portanto, reforçar os mecanismos de solidariedade e de assistência no âmbito do

sistema atual de proteção social, adotando um sistema “multicategorial”, com vistas à

superação das lógicas securitárias e assistenciais”.

Na verdade, a renda mínima, sobretudo a modalidade de renda básica, está

caminhando cada vez mais para a consolidação de uma nova face da proteção social na

Europa. Já em 1986, foi fundada a Rede Européia de Renda Básica (BIEN), constituída

por importantes atores sociais como Philippe Van Parijs, Guy Standing, entre outros. A

BIEN tem como finalidade defender a instituição e trocar experiências sobre a renda

básica universal. Nos últimos anos, essa rede vem se fortalecendo e ganhando adeptos

do mundo inteiro, inclusive do Brasil (Suplicy, 2004).

1.3 Brasil: Velhas e Novas Questões Sociais

9 De acordo com Silva e Silva (1997), apenas os países do Sul da Europa ainda não haviam instituído programas nacionais de renda mínima, embora já existam iniciativas isoladas nesses países.

36

No Brasil, à medida que o sistema de proteção social configurou-se de forma

fragmentada e meritocrática, as velhas questões sociais ainda persistem e passam a

conviver com as novas. É preciso contextualizar que, diferente dos países

desenvolvidos, no Brasil, a pobreza pode existir mesmo entre as famílias e os indivíduos

que estão inseridos no mercado formal de trabalho. Além disso, ela se manifesta de

forma tão dramática que uma boa parcela dos pobres não possui recursos nem para a

garantia de condições mínimas de sobrevivência, como o acesso à alimentação. Dessa

forma, o enfrentamento dessa realidade exige respostas muito mais complexas que

combinem políticas de cunho estrutural com ações mais emergenciais.

Existe ainda o desafio de superar as características marcantes das políticas

sociais brasileiras, especialmente as de combate à fome e à pobreza, evidenciadas por

diversos estudos de avaliação realizados nas décadas de 80 e 90 e apresentadas no início

desse capítulo (Draibe, 1998, Peliano, 1996).

É dentro desse contexto de existência de novas e velhas formas de pobreza,

precariedade do sistema de proteção social e de reformas institucionais no arcabouço

das políticas sociais (discutidas no item 1.1) que os programas de renda mínima surgem

no Brasil como estratégia de enfrentamento da pobreza e da fome.

Um dos principais responsáveis pela introdução deste debate no Brasil foi o

Senador Eduardo Suplicy. No início da década de 90, ele elaborou um projeto de Lei

80/91 propondo que todo cidadão acima de 25 anos com renda per capita inferior a uma

determinada linha de pobreza teria direito a uma renda mínima incondicional. Assim

como no Imposto Negativo de Milton Friedman, a perspectiva era de que o montante

transferido aos beneficiários não fosse suficientemente alto para gerar desestímulo ao

trabalho. (Suplicy, 2004, Silva e Silva, 2001).

Esse projeto de renda mínima, embora aprovado no Senado, sofreu diversas

críticas relacionadas à viabilidade de financiamento e as reais condições para a sua

implantação. Foi a partir desse debate, que a proposta de Renda Mínima foi sendo

flexibilizada e substituída, ao longo do tempo, pela modalidade de transferência de

renda.

Essa modalidade se difundiu no Brasil com as seguintes características: foco

nas famílias com filhos em idade escolar e não nos indivíduos e atrelamento do

37

recebimento do benefício ao cumprimento de contrapartidas (acesso à escola e

freqüência escolar acima de um determinado percentual). (Lavinas,2000 a)

Na perspectiva dessa proposta, apoiada por diversos estudiosos sobre o tema

das políticas de combate à pobreza, como Lavinas (2000) e Silva e Silva (1996), a

melhoria das condições de vida das crianças e adolescentes seria possível através da

combinação de ações compensatórias - complementação da renda monetária das

famílias - e estruturais, através da garantia do acesso e da freqüência das crianças e

jovens à escola. Ou seja, ao inserir as crianças na escola e, conseqüentemente, ao elevar

o seu nível educacional, seriam criadas maiores chances de autonomia e de geração de

renda.

Inicialmente, esses programas foram desenvolvidos no âmbito local por

alguns municípios e estados da Federação e foi evoluindo para uma co-participação do

governo federal, até que em 2001 passou a integrar as estratégias federais de combate à

pobreza e à fome (Lavinas, 2000b). Além das condicionalidades relacionadas à

educação foram instituídos programas que associavam a transferência de renda ao

acesso às ações básicas de saúde.

Nesse contexto de emergência dos programas de transferência de renda no

Brasil, algumas questões são colocadas no debate sobre o enfrentamento da pobreza e

da fome e sobre o sistema de proteção social. Em qual matriz os programas de

transferência de renda se inserem: progressista e universalista ou neoliberal e residual?

Qual o lugar desses programas no sistema de proteção social brasileiro, substituição ou

complementação? Como a exigência de contrapartidas é enfrentada pelas famílias e pelo

nível local? Quais as estratégias adotadas para que os programas atinjam os mais pobres

entre os pobres? Quais as inovações e as dificuldades de implementação no nível local?

38

Capítulo II

POLÍTICAS DE COMBATE À FOME E À POBREZA NA DÉCADA DE 90 NO

BRASIL

O presente capítulo tem como objetivo discutir as principais estratégias de

combate à fome e à pobreza no Brasil, sobretudo na década de 90. No entanto, se faz

imprescindível apresentar a definição e a dimensão desses fenômenos.

2.1 Pobreza e Fome: conceitos e dimensões

Embora, a pobreza e a fome estejam intrinsecamente ligadas e se constituam em

profundos dilemas da política social, os mesmos possuem naturezas distintas. É fato que

a pobreza dificulta o acesso à alimentação, contudo cada família elege, dentre os

recursos que lhes cabem, qual a prioridade a ser dada. Dessa forma, é possível quem em

uma família cuja renda seja insuficiente, não exista fome, pois a mesma pode estar

priorizando a alimentação em detrimento de outras necessidades como educação e

moradia (Monteiro, 2003).

A correta compreensão e distinção desses fenômenos permite a elaboração e a

implementação de políticas públicas mais efetivas, uma vez que se fazem necessárias a

definição de estratégias, população beneficiária e a construção de indicadores

(Burlandy, 2003).

2.1.1 Algumas abordagens sobre a Pobreza

A definição do que vem a ser pobreza não é simples e ainda suscita amplos

debates, indo desde aquela relacionada à subsistência e à sobrevivência física até

concepções mais amplas como a sugerida por Rocha (1990 p.67) “pobreza é uma

síndrome multidimensional de carências diversas – saúde, educação, habitação,

saneamento, lazer, nutrição, etc – inclusive condições inadequadas de cidadania e de

inserção no mercado de trabalho”.

39

Para Towsend (1993) a questão da pobreza não pode ser concebida somente sob

a perspectiva da baixa disponibilidade de recursos, mas deve ser situada dentro de um

contexto amplo de estrutura social e institucional.

Entretanto, alguns desafios se colocam na operacionalização do conceito de

pobreza, ou seja, no processo de mensuração e definição de projetos e programas de

intervenção. No que se referem à mensuração do fenômeno, as principais abordagens

que tem orientado os estudos na área são: a pobreza enquanto insuficiência de renda e a

pobreza enquanto condições adversas de vida (Rocha, 1990).

a) Pobreza enquanto insuficiência de renda

Dentro dessa abordagem, a renda é considerada como um proxy das diversas

carências associadas à pobreza, uma vez que em uma economia de mercado, o acesso

aos meios para a satisfação das necessidades se dá principalmente pela renda. Os

parâmetros mais utilizados para medir a pobreza são as linhas de indigência e de

pobreza (Abranches, 1994; Rocha, 1990)

A linha de indigência corresponde à renda mínima necessária para obter uma

cesta alimentar que garanta as necessidades nutricionais mais elementares. A família ou

indivíduo que se encontra abaixo dessa linha é considerado indigente ou miserável, isto

é, não aufere renda suficiente para adquirir alimentos que garantam a sua sobrevivência.

A determinação do valor monetário da linha de indigência segue os seguintes

passos: definição da necessidade energética mínima, de acordo com a idade, sexo e

atividade; após procede-se a conversão desse valor calórico em uma determinada cesta

de alimentos, que por sua vez é convertida em valor monetário. Contudo, a conversão

das necessidades nutricionais em uma cesta de alimentos é bastante problemática e deve

ser definida de acordo com a cultura alimentar de cada sociedade. Mesmo a necessidade

nutricional mais elementar é construída socialmente e, portanto, não é qualquer

alimento que irá satisfazê-la. Afinal, ninguém come nutriente, mas, sim alimentos.

Uma vez calculado o valor da cesta de alimentos, pode-se definir a linha de

pobreza, que incorpora, além da dimensão nutricional, outras necessidades básicas

como vestuário, habitação, educação e saúde. Diferente do consumo alimentar, não se

dispõe com facilidade de parâmetros de consumo essencial das demais necessidades.

Para chegar ao valor, a despesa com a cesta básica é multiplicada pelo Coeficiente de

40

Engel10. Parte-se do pressuposto de que as despesas alimentares representam um

determinado percentual constante da despesa total das famílias ao longo do tempo. Em

geral, utiliza-se o valor de 0,5 para as áreas urbanas e 0,75 para as áreas rurais (Rocha,

2003)

Ambas as linhas são construídas a partir da concepção de pobreza absoluta ou da

pobreza relativa, que se baseiam no pressuposto da conversão das necessidades básicas

em renda monetária. A pobreza absoluta está relacionada à definição de um padrão

mínimo de necessidades, um grau de destituição tão acentuado que inviabilizaria o

atendimento das necessidades mais triviais do indivíduo, ou seja, a sua sobrevivência

física.

Já o conceito de pobreza relativa situa o indivíduo na sociedade em que ele vive,

uma vez que se baseia na definição das necessidades a serem satisfeitas em função do

modo de vida predominante na sociedade em questão. Por exemplo, um indivíduo

considerado pobre na França, não necessariamente seria pobre se morasse em Portugal,

pois o custo de vida e mesmo, as necessidades, podem ser diferentes. Em geral para

efeitos de análise, é comum a definição de parâmetros cujo ponto de corte se situe na

metade da renda mediana da sociedade em estudo. (Sen, 2001)

Os estudos sobre pobreza relativa são mais comuns aos países desenvolvidos,

enquanto a abordagem mais usual nos países emergentes e em desenvolvimento é a da

pobreza absoluta. Porém, não se pode dissociar nesses estudos em países em

desenvolvimento a pobreza absoluta da relativa, pois esses países têm como

característica marcante a desigualdade social (Rocha, 2003).

O valor monetário, tanto da linha de pobreza quanto da linha de indigência, pode

ser arbitrado – é o caso do valor de US$ 1 adotado pelo Banco Mundial para comparar a

pobreza entre países - ou estipulado a partir do consumo observado em pesquisas de

despesa familiar. No Brasil, é comum a adoção de linhas de pobreza definidas a partir

de múltiplos do salário mínimo. A construção dessas linhas pressupõe escolhas durante

todo o processo, que irão refletir diretamente no resultado do estudo. Dessa forma, é

comum observarmos pesquisas com a mesma base de dados apresentarem resultados

bastante diferenciados.

10 Coeficiente de Engel é a relação entre a despesa alimentar e a despesa total.

41

Entretanto, a pobreza é um fenômeno bastante heterogêneo, mesmo entre

aqueles considerados pobres ou indigentes existe uma diversidade muito grande de

situações e de vulnerabilidade. O quão pobre são os pobres é uma questão de extrema

relevância para a definição de políticas e programas. Nesse caso, foi preciso lançar mão

de um outro instrumento – o hiato de renda -, uma vez que tanto a linha de indigência

quanto a linha de pobreza não são capazes de fazer essa distinção. O hiato de renda

mede o gap, isto é, fornece a medida da intensidade da pobreza.

Apesar das limitações, para Rocha (2003:43), “a adoção de linhas de pobreza é

uma abordagem adequada no contexto brasileiro. Por um lado, a economia brasileira é

largamente monetizada, de modo que a renda se revela uma boa proxy do bem-estar

das famílias, pelo menos no que concerne ao consumo no âmbito privado”.

b) Pobreza enquanto necessidades básicas não satisfeitas

Somente a renda monetária não é suficiente para qualificar a pobreza, pois esse

fenômeno, multifacetado, está relacionado com diversas carências e vulnerabilidades

que englobam também um status social específico, um sentimento de inferioridade e de

não pertencimento (Paugam, 2003). As medidas de renda domiciliar e mesmo de gastos

familiares per capta não são capazes de identificar outras vulnerabilidades como saúde,

esperança de vida, educação saneamento e acesso a bens e serviços públicos, que vão

além da privação de bens materiais.

Amartya Sen (2001) propõe um entendimento da pobreza sob a perspectiva da

“capacidade individual”, ou seja, das prerrogativas (entitlements) de cada pessoa.

Dentro desse contexto, a pobreza estaria intimamente relacionada à capacidade do

indivíduo em reverter a renda em meios de satisfação das necessidades e geração de

bem-estar. Essa capacidade é influenciada por diversos fatores como idade, local de

moradia, condições de saúde, ciclo de vida, entre outros. È o caso, por exemplo, de duas

famílias que auferem a mesma renda monetária, contudo, em uma delas há um membro

com uma doença crônica, que demanda custos com atendimento médico e

medicamentos. Nesse caso, embora a renda monetária seja semelhante, as duas famílias

provavelmente não apresentam a mesma capacidade em converter essa renda em bem-

estar.

42

Dentro desse contexto, uma forma de se pensar a pobreza seria através do uso de

indicadores sociais combinados. Um dos mais utilizados é o IDH (Índice de

Desenvolvimento Humano), calculado pelo PNUD (Programa para o Desenvolvimento

das Nações Unidas) desde 1990. O IDH é formado por três indicadores combinados:

renda (PIB nacional); medidas de Saúde (esperança de vida ao nascer) e; educação (taxa

de analfabetismo). Esse indicador é utilizado para a comparação das condições de vida

entre os países. No nível municipal é utilizada uma variação do IDH, o IDH-M (Índice

de Desenvolvimento Humano Municipal).

Além do IDH, existem outros indicadores para trabalhar a questão da

pobreza e das condições de vida, como o IPH (Índice de Pobreza Humana) e o ICV

(Índice de Condições de Vida).

Recentemente, em 2003, foi desenvolvido pelo IPEA um indicador sintético,

chamado de Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF), que diferente do IDH, é

calculado no nível das famílias, sendo posteriormente, agregado para outros grupos

demográficos. O IDF é composto, ao todo, por 6 dimensões, 26 componentes e 48

indicadores. As seis dimensões das condições de vida são: ausência de vulnerabilidades

(gravidez na adolescência, chefe de família do sexo feminino entre outros); acesso ao

conhecimento; acesso ao trabalho; disponibilidade de recursos; desenvolvimento

infantil e; condições habitacionais (Barros & Carvalho, 2003).

Todos esses indicadores, apesar de apresentarem diversas limitações,

propiciam um maior conhecimento sobre as condições de vida da população e possuem

ampla aplicabilidade no planejamento de intervenções (Rocha, 2003).

c) A Dimensão da Pobreza no Brasil

Os estudos sobre pobreza e indigência no Brasil, em sua maioria, utilizam a

renda monetária como proxy. Dependendo da metodologia da pesquisa, principalmente

a linha de pobreza/indigência estipulada, pode ocorrer grandes variações na proporção

de pobres. Por exemplo, o estudo realizado pelo IPEA em 1992, o Mapa da Fome

(Peliano, 1993), apontava a existência de 32 milhões de indigentes, enquanto no estudo

de Sônia Rocha (2003) esse contingente era de 16,6 milhões.

Para Rocha (2003) os dados sobre a pobreza no Brasil indicam a existência de

quatro patamares distintos ao longo das últimas três décadas. Entre 1970 e 1980 a

43

proporção de pobres reduziu-se a metade, passando de 68% para 35%. No entanto,

nesse mesmo período houve aumento da desigualdade de rendimentos, o Índice de Gini

subiu de 0,56 para 0,59. Além disso, foi observado um agravamento das diferenças

interregionais.

Já o período que compreende os anos 80, apresentou oscilação ano a ano,

atribuído pela autora (open cit.) aos ciclos econômicos de curto prazo ocorridos nessa

década. Ao final verificou-se que entre 1981 e 1990, a proporção de pobres se alterou de

forma tênue (passou de 34% para 30%). Houve uma melhora sensível desse indicador,

principalmente na região Nordeste.

A década de 90, sobretudo o período entre 1994 e 1996, foi marcada por uma

acentuada queda da pobreza (houve redução de 30 para 20%), atribuída principalmente

ao Plano Real de estabilização econômica. Como aponta Rocha (2003), a redução se

deu em todos os estratos de renda e em todas as regiões do país. Contudo, no período

subseqüente (1996-1999), a proporção de pobreza manteve-se num patamar em torno de

34%.

Apesar das constantes alterações no patamar de pobreza, a desigualdade de

renda no Brasil (uma das maiores do mundo) manteve-se praticamente inalterada nesse

período. Ao analisar a evolução desse indicador entre 1970 e 1999, Barros (2001)

constatou que o grau de desigualdade praticamente não se alterou nas últimas décadas.

Para o autor essa estabilidade na desigualdade social sem qualquer tendência de

declínio, em qualquer que seja o indicador utilizado, é inaceitável.

A pobreza no Brasil apresenta algumas características marcantes que são

consensuais entre os diversos estudiosos do tema (Barros, 2001; Rocha, 2003,

Halsenbalg, 2003), quais sejam:

i. Apresenta um forte viés regional, atingindo proporcionalmente mais

as regiões Norte e Nordeste do que as regiões Sul, Sudeste e Centro-

oeste;

ii. A proporção de pobres é maior nas áreas rurais (chegam a ser

superiores a 50%) e também nas pequenas cidades urbanas, contudo

as áreas urbanas, sobretudo as regiões metropolitanas, embora não

apresentem elevados percentuais de pobreza, em termos absolutos

concentram quase 75% dos pobres no Brasil;

44

iii. A pobreza vem se acentuando de forma intensa, ao logo das últimas

décadas, nas regiões metropolitanas, fenômeno esse conhecido como

metropolização da pobreza;

iv. A incidência de pobreza não está distribuída de forma uniforme entre

os diferentes ciclos de vida, acomete principalmente as crianças e vai

diminuindo à medida que aumenta a idade dos indivíduos;

v. Os grupos mais vulneráveis à pobreza são as famílias monoparentais,

chefiadas por mulheres, trabalhadores rurais e/ou com baixa

escolaridade, não brancos e com maior número de dependentes com

idade inferior a 14 anos.

2.1.2 A Fome numa perspectiva do direito humano à alimentação

A definição do que vem a ser fome ainda é bastante controversa entre os

estudiosos do tema. Mais do que a falta total ou parcial de alimentos para a manutenção

adequada do funcionamento do corpo, a fome é uma expressão cruel da desigualdade e

da violação de um direito humano tão elementar.

A despeito do consenso existente de que a fome se constituía numa fatalidade,

o estudo de Josué de Castro, “Geografia da Fome” publicado na década de 40,

evidenciou que mais do que um fenômeno biológico, a fome possuía um caráter

eminentemente político e social (Castro, 1946).

Como aponta Valente (2003), a fome dever ser entendida dentro de uma

perspectiva mais ampla de garantia do Direito Humano à Alimentação (DHA). A

violação desse direito tão intrínseco à sobrevivência humana, representa segundo o

autor, a negação do direito à vida. Dentro dessa perspectiva, a fome não é entendida

apenas como a falta física de alimentos, passa pela violação do “direito de acesso aos

recursos e meios para produzir ou adquirir alimentos seguros e saudáveis que

possibilitem uma alimentação de acordo com os hábitos e práticas alimentares de sua

cultura, de sua região ou sua origem étnica” (Valente, 2003:38).

45

As diferentes concepções do que vem a ser fome estão presentes nas formas de

mensuração que vem sendo empregadas ao longo do tempo, a partir de dados

antropométricos, renda monetária ou aspectos relacionados à insegurança alimentar.

Na metodologia proposta pela FAO (Food and Drug Administration) e

bastante utilizada por alguns pesquisadores brasileiros, a fome é mensurada através dos

dados antropométricos da população adulta. Parte-se do pressuposto de que a fome

crônica, ou seja, aquela que ocorre diariamente por um longo período, leva a uma perda

de peso e, por conseguinte a um processo de desnutrição crônica. São considerados

desnutridos os adultos que possuem Índice de Massa Corporal (relação entre o peso e a

altura ao quadrado) inferior a 18,5 Kg/m². Nesse caso, proporções de adultos com baixo

peso acima do padrão de normalidade de 5% seriam indicativos de fome crônica (WHO,

1995).

Monteiro (2003) estimou a evolução da fome no Brasil através da análise e

comparação dos dados antropométricos (percentual de adultos com desnutrição crônica)

provenientes da Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV) realizada nos anos de 1996 e

1997, da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (PNSN/89) e do Estudo Nacional de

Despesas Familiares (ENDEF) ocorrido nos anos 1975/76.

De acordo com os resultados do estudo, a desnutrição crônica da população

adulta no Brasil vem apresentando uma forte tendência de declínio em todas as regiões

do país, chegando a um patamar de 4,9%, ou seja, bem próximo do padrão de

normalidade (3 a 5% de indivíduos baixo peso).

Os dados da PPV 96/97 apontaram ainda para a existência de diferenças entre as

regiões Sudeste e Nordeste e entre o urbano e o rural. No Sudeste urbano, a deficiência

energética crônica foi de 4% e no rural esse percentual subiu para 5,5%. Já o Nordeste

urbano e o rural apresentaram, respectivamente, taxas de 5,5% e 7,1% de adultos baixo

peso. Dentro desse contexto, Monteiro (2003) concluiu que a fome é um fenômeno

restrito a determinadas áreas geográficas do Brasil, sobretudo na área rural do Nordeste.

Os dados mais recentes são provenientes da Pesquisa de Orçamentos Familiares

(POF 2002/2003) realizada pelo IBGE e publicada em 2005. A análise dos resultados da

pesquisa revelou que a freqüência média de déficit de peso no Brasil é de 4% e que esse

padrão se reproduz com poucas variações na maioria dos grupos populacionais. Por

outro lado, a obesidade (40,6%) vem aumentando significativamente, principalmente

46

nos menores extratos de renda. O estudo evidenciou ainda que o padrão alimentar do

brasileiro vem sofrendo alterações importantes ao logo dos anos, como o aumento no

consumo de açúcares e gorduras.

A divulgação da POF (2002/2003) gerou grande polêmica em torno da

prioridade dada à fome no governo Lula. A principal argumentação era de que tal

prioridade não se justificaria, uma vez que a proporção de adultos com IMC inferior à

18,5Kg/m² está próxima dos 5%, considerados como dentro do padrão de normalidade

pela FAO.

Em que pesem as diversas argumentações que vem sendo feitas no sentido da

baixa qualidade dos alimentos consumidos pela população mais pobre e dos

mecanismos de adaptação biológica do organismo, estão implícitas nessas conclusões, a

visão reducionista da fome enquanto um fenômeno meramente biológico, evidenciado

pela deficiência crônica de calorias e proteínas. Mais do que privação física dos

alimentos, a fome engloba questões relacionadas à própria dignidade humana. Como

apontado por Valente (2003), um cidadão que se alimenta do lixo ou vive em

permanente situação de insegurança alimentar, pode não ter seu estado nutricional

comprometido, mas, com certeza o seu direito humano a alimentar-se com dignidade

não está sendo respeitado.

Além da abordagem nutricional, uma outra forma bastante comum de

mensuração da fome é através da aferição da renda monetária. Como descrito

anteriormente, através da linha de indigência (renda mínima suficiente para atender às

necessidades alimentares mais elementares) são estimados o número de pessoas que não

são capazes de adquirir, com a renda de que dispõem, uma cesta básica de alimentos.

Embora, seja insuficiente para contemplar todas as dimensões relacionadas à fome, a

aferição da renda permite ao menos a identificação daqueles que estão potencialmente

mais vulneráveis. Além disso, como aponta Sônia Rocha (2003) numa sociedade

monetizada como a brasileira, a renda se configura num dos principais meios de acesso

aos alimentos.

Partindo dessa concepção, alguns estudos, como o levantamento feito pelo

Projeto Fome Zero do Instituto de Cidadania (2001), estimou a existência de cerca de

cerca de 44 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.

47

Nos últimos anos, alguns esforços vêm sendo feitos no sentido de construir um

indicador capaz de explorar as diferentes dimensões relacionadas com a fome, inclusive

as psicológicas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Centro de Pesquisa Alimentar e

Ação desenvolveu uma metodologia para identificar a fome em crianças a partir de

questões relacionadas à insegurança alimentar e nutricional. Essa metodologia,

posteriormente foi agregada como suplemento na Pesquisa Anual da População

Americana (Burlandy, 2003).

A abordagem a partir da insegurança alimentar busca apreender não só as

situações concretas de fome mas também situações de vulnerabilidades, como a não

disponibilidade de alimentos, o acesso permanente ou temporário à uma alimentação

inadequada e insuficiente (Burlandy, 2003).

Ainda que esta metodologia represente uma estratégia mais eficaz para se

traçar o perfil da fome na população, ela ainda não está sendo utilizada para a definição

da clientela a ser beneficiada por programas de combate à fome.

2.2 Estratégias de enfrentamento da fome e da pobreza

Até o final dos anos 30, a pobreza e a fome no Brasil eram vistos como

fenômenos naturais e intrínsecos a raça mestiça do país (Sprandel, 2004). O marco

inicial em direção ao enfrentamento destas questões como problemas sociais e políticos

foi a publicação, na década de 40, do livro Geografia da Fome por Josué de Castro

(Magalhães, 1997), que introduziu o tema na agenda pública. No entanto, como aponta

Natal (1982), nas décadas subseqüentes, há um vai e vem permanente da pobreza e da

fome na agenda governamental.

Na década de 90, a fome e a pobreza voltaram a fazer parte da agenda pública,

sobretudo da sociedade civil, passando a serem vistos como problemas políticos e de

cidadania. O início da década foi marcado pela sensibilização da sociedade civil às

questões ligadas à política e à cidadania. Do Movimento pela Ética na Política nasceu,

em 1993, a Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e Pela Vida, coordenado pelo

Sociólogo Herbert de Souza (Betinho), tendo como objetivo o enfrentamento nacional

da fome e da pobreza através de redes de solidariedade. Além da solidariedade e do

trabalho voluntário, através dos Comitês da Fome, o movimento de Ação da Cidadania

48

suscitou amplos debates sobre o papel do Estado frente à miséria da população

brasileira, corroborado pela publicação do Mapa da Fome do IPEA que apontava a

existência de 32 milhões de indigentes no país. (Magalhães, 2002)

É dentro desse contexto, que após o impeachment do Presidente Fernando

Collor, a questão da fome e da pobreza se torna um dos eixos estratégicos do governo

sucessor, dentro de uma perspectiva de segurança alimentar e nutricional (SAN)11. Em

parceria com a Ação da Cidadania, o governo federal criou um órgão de

aconselhamento da Presidência da República na formulação e na implementação de

políticas públicas de SAN, o Consea (Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional),

que era formado por 1/3 de representantes do governo federal e 2/3 da sociedade civil,

indicados pelo Movimento de Ética na Política e pela Ação da Cidadania. (Draibe,

1998; Consea, 1994)

O Consea e a Ação da Cidadania elaboraram, então, o Plano de Combate à Fome

e à Miséria pela Vida (PCFM), cujos princípios eram a parceria entre Estado e

Sociedade Civil, a descentralização das ações, a solidariedade, a coordenação de ações

de diferentes setores governamentais e o melhor gerenciamento dos programas

existentes (Burlandy, 2003; Magalhães, 2002).

Dentro desse contexto, conforme sinaliza Burlandy (2003, p. 138) "a segurança

alimentar é assumida como componente estratégico do governo federal, conjugando

ações voltadas para grupos vulneráveis com ações direcionadas a toda população,

numa perspectiva do direito a alimentação saudável e de qualidade”.

Todavia, o PCFM foi de curta duração, e apesar do impacto mobilizatório,

apresentou resultados pouco significativos, visto que esbarrou em diversos obstáculos,

como a restrição orçamentária, a precariedade de funcionamento das instituições

públicas, a dificuldade em articular os diversos órgãos governamentais e a incapacidade

em por fim ao clientelismo. (Draibe,1998)

Em 1995, na gestão Fernando Henrique Cardoso, a segurança alimentar perde

destaque enquanto política universalizante. Nesse período, o eixo estratégico volta a ser

o combate à fome e à pobreza e a focalização nos grupos vulneráveis.

11 Segurança Alimentar e Nutricional é a garantia de uma alimentação adequada em quantidade e qualidade, sustentável do ponto de vista econômico, social e ambiental.

49

É criada a Estratégia Comunidade Solidária (CS), que tinha como objetivo a

convergência dos programas de combate à pobreza e à fome para os municípios mais

necessitados, numa perspectiva de articulação, coordenação e potencialização de

programas federais já existentes. (Burlandy, 2003). Era gerida por uma Secretaria-

Executiva vinculada à Casa Civil da Presidência da República e não dispunha de

recursos próprios, tampouco executava programas ou projetos. Dessa forma, sem

dotação orçamentária, buscavam-se evitar o surgimento de estruturas paralelas de ação

governamental, disputas por orçamentos e sobreposição de ações. Portanto, assim como

no governo anterior, a principal perspectiva era aumentar a efetividade e a eficácia dos

programas federais já existentes.

Em relação à participação social, o Consea foi extinto e substituído pelo

Conselho Comunidade Solidária, que além de se constituir num espaço de concertação

entre governo e sociedade civil, promovia a capacitação de ONG`s e os programas

Universidade Solidária, Alfabetização Solidária e o Programa de Capacitação de Jovens.

(Draibe, 1998)

A Comunidade Solidária compôs uma agenda básica constituída de 16

programas federais setoriais considerados prioritários. Os programas eram

desenvolvidos por seis Ministérios (Saúde, educação, Agricultura e Abastecimento,

Planejamento e Orçamento, Desporto e Trabalho).

A CS vigorou até 2002, contudo, a partir do 2° mandato do Presidente Fernando

Henrique Cardoso, ganhou maior visibilidade dentro do CS o Programa Comunidade

Ativa, cujo objetivo principal era o de potencializar os recursos das próprias

comunidades no combate à pobreza, buscando tornar os municípios auto-sustentáveis.

Ao final do governo, em 2002, o programa transformou-se em uma ONG, a

COMUNITAS. (Fleury, 2003)

Assim como o PCFM, a CS enfrentou algumas dificuldades, principalmente no

que concerne à garantia da alocação, no tempo adequado, dos recursos necessários à

implementação dos diversos programas nos municípios. Além disso, são apontados

como pontos fracos da CS: a) estrutura paralela à proteção social; b) decisão centrada no

executivo federal; c) privilegiamento de programas clientelísticos; d) transferência do

dever do Estado de garantir a proteção social para a Sociedade Civil; e) baixa cobertura

da população potencialmente beneficiária; f) descontinuidade das ações dos programas

(Burlandy, 2003; Draibe, 1998; Resende, 2001).

50

No entanto, apesar dos problemas destacados acima, Draibe (1998) considera

que a CS representou uma importante inovação na política social brasileira,

contribuindo significativamente para o aprimoramento das ações de combate à fome e à

pobreza, pois “além de concentrar-se em formas inovadoras de ação e controle,

privilegia ações sociais integradas – de caráter universal e emergencial -, mas também

contínuas, flexíveis e descentralizadas. Inovou também ao introduzir a delimitação

territorial – municípios com maior incidência de pobreza – como um dos critérios que,

aliado ao de renda, focalizam os beneficiários.” (Draibe, 1998:.8)

Uma inovação importante no campo do combate à fome e à pobreza e do sistema

de proteção social, desenvolvida de forma paralela ao Comunidade Solidária, foi a

criação de programas federais12 de transferência de renda, voltados para às famílias com

filhos em idade escolar e com exigência de condicionalidades.

Ao término do governo, em 2002, existiam cerca de seis programas de

transferência de renda alocados em diversos Ministérios setoriais: Benefício de

Prestação Continuada (BPC), Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e

Programa Agente Jovem (Ministério da Assistência Social), Programa Bolsa Escola

(Ministério da Educação e Cultura), Programa Bolsa Alimentação (Ministério da Saúde)

e Programa Vale-Gás (Ministério de Minas e Energia).

Na verdade, o governo Fernando Henrique foi marcado por profundas

contradições no campo das políticas sociais. Ao mesmo tempo em que foram efetuadas

importantes inovações no campo do combate à fome e à pobreza, o ajuste econômico e a

provisão de reformas na área social foram marcas importantes desse governo (Fleury,

2003; Soares, 2003).

Em 2003, no discurso de posse do Presidente Lula, o mesmo afirmou ser o

combate à fome e à pobreza o principal objetivo de seu governo. Nesta perspectiva, é

lançado como principal política de governo o Programa Fome Zero (PFZ), recuperando

a proposta original elaborada, em 2001, pelo Instituto Cidadania13. O PFZ pode ser

caracterizado como um conjunto de ações estruturais e compensatórias a serem

implementadas gradativamente ao longo dos quatro anos de governo (MESA, 2003). O

12 Na verdade, os programas federais basearam-se nas experiências exitosas de alguns municípios, que vinham desenvolvendo programas de transferência de renda desde 1995. 13 Fonte: Instituto Cidadania. 2001. Projeto Fome Zero: Uma Proposta de Segurança Alimentar.

51

principal objetivo do PFZ é a garantia da segurança alimentar e nutricional a todos os

cidadãos brasileiros, principalmente através do rompimento do círculo vicioso da fome

e da pobreza.

O programa parte do pressuposto de que a principal causa da insegurança

alimentar é o modelo econômico vigente - que incentiva a concentração de renda e as

desigualdades sociais - sendo, portanto, necessário reorientar as estratégias de

desenvolvimento econômico visando o alcance da equidade social (Instituto Cidadania,

2001). Ao mesmo tempo a proposta reitera a necessidade de intervenções públicas

voltadas à melhoria das condições de vida e nutrição de populações vivendo que vivem

na miséria.

Em relação à dinâmica de ação, o PFZ possui três eixos estratégicos: construção

participativa de uma política de SAN; mutirão contra a fome e; implantação de políticas

públicas (estruturais, específicas, e locais).

Dentre os programas que compõem o PFZ, a modalidade de transferência de

renda com exigência de contrapartidas permanece como uma das principais estratégias

de combate à pobreza e à fome e de garantia da segurança alimentar. Inicialmente é

criado o Programa Cartão Alimentação (PCA), que assim como as demais ações do PFZ

eram geridas pelo Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar (MESA), criado

no governo Lula. Posteriormente, iniciou-se um processo de unificação dos programas

federais de transferência de renda.

No início de 2004, por ocasião da Reforma Ministerial, a área social, sobretudo

a de assistência, sofreu importantes alterações institucionais. O Ministério da

Assistência Social e o MESA foram extintos e suas funções foram transferidas para o

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), criado nesta

oportunidade.

Em resumo, o período pós 1990 trouxe avanços importantes para o campo da

Política Social, sobretudo das ações de combate à fome e à pobreza, principalmente em

relação a descentralização, a ampliação da participação e do controle social e da busca

por maior efetividade e eficácia dos gastos sociais. No entanto, alguns autores, como

Couto (2004), Macedo (2004), Fleury (2003), consideram que a partir de meados da

década de 90, o projeto de reforma neoliberal ganhou consistência no país, havendo

52

certo desmonte do sistema de proteção social que caminha em direção à seletividade e à

focalização.

Em que pesem tais considerações, a emergência de programas de transferência

de renda voltados para a família e articulados ao acesso à educação e às ações básicas de

saúde representa uma importante inflexão nas políticas sociais e possivelmente, uma

nova face da proteção social no Brasil.

2.4 Os Programas de Transferência de Renda no Brasil

Como apontado no Capítulo I, o debate sobre transferência de renda no Brasil

teve seu marco inicial em 1991, quando o Senador Eduardo Suplicy elaborou o projeto

de lei nº 80/91 que foi aprovado pelo Senado Federal. O projeto propunha que a todo

indivíduo adulto (maior de 25 anos) cuja renda familiar per capta mensal fosse inferior a

uma determinada linha de pobreza, seria transferido o equivalente a 30% da diferença

entre a renda do indivíduo e a linha de pobreza estipulada. (Suplicy, 2004, Silva e Silva,

2004). No projeto de lei consta que “O indivíduo é cidadão e como tal tem direito a

uma renda mínima e a usá-la como melhor lhe aprouver, aumentando, à sua maneira,

seu nível de bem-estar” (Silva e Silva, 1996 p. 24).

O Projeto, embora aprovado no Senado Federal, nunca foi submetido à votação

na Câmara de Deputados. As principais críticas a proposta de renda mínima do Senador

se deram principalmente no sentido da viabilidade de financiamento e condições para a

sua implantação. (Macedo, 2004)

A partir de 1993, o debate ganha novos contornos, quando o pesquisador José

Márcio Camargo publica na Folha de São Paulo em 18 de Março de 1993 o artigo “Os

Miseráveis” e propõe a transferência monetária de renda atrelada ao acesso à educação.

Em sua proposta, o direito ao benefício não estaria voltado aos indivíduos, mas às

famílias com filhos em idade escolar (5 a 16 anos). Neste caso, o ponto de corte para a

definição das famílias beneficiárias não seria a renda, mas a matricula na rede pública

de ensino.

Na verdade, o primeiro programa federal de transferência de renda foi o Renda

Mensal Vitalícia (criado nos anos 70), que na década de 90 foi substituído pelo

53

Benefício de Prestação Continuada (BPC). O BPC, criado através do Decreto nº 1.744

de 11/12/95, é um programa de abrangência nacional que transfere um salário mínimo

para as pessoas idosas (acima de 65 anos) ou portadoras de deficiências, cuja renda per

capita seja inferior a ¼ do salário mínimo e que não estejam vinculados a nenhum

regime de previdência social. A coordenação do BPC era feita pelo Ministério da

Assistência Social, sendo implementado no nível local pelas agências do INSS. O

benefício é pago através de um cartão bancário. Em 2003, o BPC já beneficiava cerca

de 1.756 milhões de brasileiros. (Silva e Silva, 2004)

Em 1996, a partir da constatação da existência de trabalho infantil e da pressão

de organismos internacionais, principalmente a Organização Internacional do Trabalho

(OIT), o Ministério da Assistência Social criou o Programa Criança Cidadã, que tinha

como objetivo fomentar a erradicação do trabalho infantil por meio da concessão de

auxílio financeiro às famílias, atrelando-o à permanência das crianças e adolescentes na

escola. O Programa, inicialmente, era voltado para as crianças que exerciam tarefas

laborativas na área rural nas regiões de Mato Grosso, Pernambuco, Bahia, Rondônia e

norte do Estado do Rio de Janeiro. Posteriormente, o Programa Criança Cidadã foi

substituído pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) (Macedo, 2004).

O principal objetivo do Peti era erradicar o trabalho infantil através da concessão

de auxílio financeiro (R$ 25,00 nas áreas rurais/R$40,00 em áreas urbanas) às famílias

com crianças entre 7 e 14 anos que trabalhavam ou encontravam em risco de trabalhar,

buscava-se também, através do programa, promover a inclusão e a permanência dessas

crianças na escola.

Entretanto, vale dizer que os programas de transferência de renda ganharam

verdadeiro impulso, a partir de 1995, quando passaram a ser desenvolvidos por alguns

municípios e estados da Federação14. No entanto, de acordo com o levantamento

realizado pelo NEPP em 199615, os programas de renda mínima em execução assumiam

características distintas no que tangia aos critérios de seleção, cálculo da renda familiar

e valor do benefício, modos de operacionalização, vinculação institucional,

14 As primeiras experiências foram desenvolvidas nos municípios de Campinas (Programa Municipal de Garantia de Renda Mínima) e Ribeirão Preto (Programa de Garantia de Renda Mínima), no estado de São Paulo e em Brasília (Programa Bolsa Escola), no Distrito Federal. 15 O NEPP fez um levantamento em 1996 dos diversos programas municipais de transferência de renda que estavam sendo desenvolvidos no Brasil.

54

contrapartidas, e nas formas de avaliação e monitoramento. Em relação ao foco dos

programas, apenas o programa desenvolvido pelo município de Jundiaí – SP tinha como

população alvo tanto as famílias com crianças quanto os indivíduos, uma vez que os

demais programas só contemplavam famílias que possuíam filhos (Draibe et al, 1996).

Alguns estudos voltados à avaliação dos programas de renda mínima

implementados no Brasil, apontaram para alguns importantes limites e impasses. Para

Silva e Silva (1996), os programas se restringiam, em geral, aos municípios com mais

recursos financeiros e que, mesmo assim, não eram capazes de atender a toda a

demanda municipal. Existia uma relação inversa entre a necessidade de intervenção

através de programas e a capacidade financeira dos municípios em garantir sua

operacionalização.

Dados os constrangimentos orçamentários a que estava submetida a maior parte

dos municípios, o atendimento universal da clientela alvo tornava-se problemático.

Como apontou Lavinas (1999:79), para atender a totalidade da população

potencialmente beneficiária, “dificilmente se poderá escapar de um co-financiamento

dos programas municipais por parte das demais esferas de governo, federal, e estadual,

sob pena de haver delimitação estreitamente focalizada do público-alvo em muitos

municípios ou mesmo de se desencorajar a implementação de PGRMs.”

Assim em 1997, no primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique, foi

aprovada a Lei nº 9533/97, que estabelecia uma co-participação (cerca de 50%) do

governo federal, via Ministério da Educação, nos programas municipais de renda

mínima. Os recursos eram transferidos para as prefeituras que, por sua vez, repassavam

para as famílias beneficiárias. Cada município deveria elaborar a sua proposta de renda

mínima voltada para as famílias com crianças (7 a 14) e associadas a exigência de

mantê-las na escola. De acordo com a lei só poderiam receber auxílio da União, os

municípios cuja receita tributária e renda familiar per capita fossem inferiores às

respectivas médias do estado.

A partir de 2001, o programa é redimensionado, passando a se chamar Programa

Bolsa Escola (Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Educação)16, dirigido

às famílias pobres (renda per capita inferior a meio salário mínimo) com filhos em idade

16 O Programa Bolsa Escola Federal foi fortemente baseado na experiência do Distrito Federal no governo de Cristovam Buarque.

55

escolar (7 a 14 anos). São transferidos para as famílias R$15,00 mensais por cada filho

em idade escolar, num teto máximo de três crianças, perfazendo um total de R$45,00.

Para receber o benefício, a família precisava garantir que as crianças freqüentassem

regularmente a escola (freqüência superior a 85%).

De acordo com o Ministério da Educação e Cultura (MEC), ao atrelar o

benefício monetário à manutenção das crianças na escola, o PBE buscava garantir não

só uma renda mínima para as famílias carentes, mas o acesso à educação das crianças.

Dessa forma, o principal objetivo do PBE, definido na lei de criação, era “quebrar o

círculo vicioso da pobreza significa oferecer oportunidades para as camadas de renda

mais baixa da população, sobretudo por meio da educação de qualidade” (MEC,

2001).

Segundo a Portaria nº 12 de 26 de Abril de 2002 cabiam a prefeitura Municipal

acompanhar a freqüência das crianças beneficiárias do PBE e informar trimestralmente

ao MEC, mediante um Relatório de Freqüência Escolar disponibilizado pela Caixa

Econômica Federal (agente operador do programa) para os municípios. O Relatório só

poderia ser enviado ao MEC após ter sido submetido ao Conselho de Controle Social do

Bolsa Escola.

O PBE apresentou algumas inovações em relação ao programa que o antecedeu,

como o repasse do benefício diretamente, via cartão bancário, às famílias beneficiárias

ao invés da prefeitura - diminuindo os riscos de fraudes- e a extensão do programa a

todo que qualquer município que quisesse aderir.

Na prática, a implantação de um programa federal de transferência de renda, o

Programa Bolsa Escola, de acordo com o levantamento feito por Silva e Silva (2004),

afetou diretamente os programas desenvolvidos pelos estados e municípios,

principalmente nos locais aonde o orçamento era mais reduzido. Na maior parte desses

locais, os programas foram substituídos pelo PBE, havendo inclusive, uma

desaceleração no processo de criação de novos programas. Por outro lado, foi possível

observar que nos municípios de maior recurso orçamentário, os programas foram

mantidos em paralelo ao Bolsa Escola.

Ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, foram criados os Programas

Vale-Gás (Ministério de Minas e Energia) e o Agente Jovem (Ministério da Assistência

Social). Além disso, o Renda Mensal Vitalícia e o Programa Criança Cidadã tornaram-

56

se mais abrangentes e foram substituídos, respectivamente, pelo Benefício de Prestação

Continuada (BPC) e pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)

(Ministério da Assistência Social), consolidando assim a modalidade de transferência de

renda como uma das principais estratégias de combate à pobreza no país.

No campo específico da alimentação e nutrição, foi criado no final de 2001 o

Programa Bolsa Alimentação (MP Nº 2.206/2001) que substituiu o ICCN (Incentivo Ao

Combate às Carências Nutricionais), programa que distribuía leite e óleo de soja para as

famílias com crianças em risco nutricional. O PBA consistia na complementação da

renda familiar visando uma melhoria no padrão alimentar e das condições de saúde e

nutrição das gestantes, nutrizes e crianças. O pagamento, assim como no Programa

Bolsa Escola, era feito diretamente à família por meio de um cartão bancário. O valor

transferido por beneficiário era de R$15,00, podendo chegar ao valor máximo de

R$45,00. (MS,2001)

Uma vez cadastrada no programa, a família se comprometia a realizar uma

agenda de compromissos em saúde – assistência ao pré-natal, vacinação,

acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, além da participação em

atividades educativas em saúde e nutrição. O controle social do PBA em âmbito

municipal era função do Conselho Municipal de Saúde (CMS).

Ainda em 2001, foi instituído o Programa Agente Jovem que se destinava às

pessoas com idade entre 15 e 17 anos e com renda per capita familiar inferior a meio

salário mínimo. Para receber a bolsa no valor de R$65, 00, os jovens deveriam estar

matriculados na rede de ensino e ter freqüência superior a 75%, além de participar de

atividades comunitárias. Em 2002, o programa beneficiou cerca de 105.000

adolescentes (Silva e Silva, 2004).

O último programa de transferência de renda instituído no governo Fernando

Henrique, foi o Programa Auxílio-Gás, criado através da Lei 10.453/2002 para atender

as famílias pobres (renda per capita inferior a meio salário mínimo ou integrante de

algum programa social do governo). O repasse bimestral de R$14,00 tinha como

objetivo compensar os efeitos da liberação do comércio de derivados de petróleo e a

retirada de subsídio ao gás de cozinha.

Em consonância com o processo de descentralização e de municipalização das

políticas públicas, a gestão desses programas de transferência de renda era municipal,

57

cabendo à Secretaria gestora do programa a indicação de um profissional como

responsável técnico, a seleção, a inscrição e o acompanhamento das famílias e a oferta

das condicionalidades de forma a garantir os meios necessários ao cumprimento da

agenda de compromissos por parte das famílias vinculadas ao programa. Cabia ainda ao

município a execução do cadastramento dessas famílias para que fossem beneficiadas

pelos programas sociais do governo.

As principais críticas aos programas de transferência de renda apontam para o

baixo valor do benefício, com efeitos quase nulos na geração de maior autonomia para

as famílias e diminuição da pobreza. A baixa cobertura da população potencialmente

beneficiária também é ressaltada como um importante limite da intervenção.

Igualmente, o cadastramento e a seleção de beneficiários vem sendo alvo de críticas,

uma vez que o processo não era conduzido com transparência, havendo problemas de

má focalização, duplicação de cadastros, uso eleitoral, entre outros (Silva e Silva, 2004;

Lavinas, 1997; 2000a; 2004).

Como discutido no item anterior, em 2003, já no governo do Presidente Lula, a

modalidade de transferência de renda com exigência de contrapartidas permanece como

uma das principais estratégias de combate à pobreza e à fome, porém dentro de uma

perspectiva mais ampla de garantia da segurança alimentar e nutricional (SAN) da

população, principal eixo da política social do governo.

Inicialmente, foram mantidos os programas de transferência de renda do governo

anterior e também foi criado um programa próprio, o Programa Cartão Alimentação

(PCA), que integrava o Fome Zero. O PCA tinha como objetivo principal a

complementação da renda das famílias consideradas muito pobres, mediante a exigência

de algumas contrapartidas, como os cursos de alfabetização para adultos e de

requalificação profissional. O mecanismo de transferência monetária era similar aos

programas anteriores, via cartão bancário em nome da mulher responsável pela família,

sendo o valor repassado de R$50,00 (Instituto Cidadania, 2001).

Para que o PCA fosse implantado no município se fazia necessário a criação de

um Comitê Gestor, formado pela sociedade civil e que tinha como papel a captação, o

cadastramento e a seleção das famílias beneficiárias, além do controle social. O PCA

priorizou os municípios de pequeno porte e com alto percentual de pobreza,

principalmente na região nordeste e em algumas áreas do sudeste.

58

Em outubro de 2003, o PCA e outros três programas federais de transferência de

renda, foram unificados no Programa Bolsa Família (PBF), que tem como meta

beneficiar 11,2 milhões de famílias pobres (renda per capita inferior a R$100,00) até o

final de 2006.

59

Capítulo III

PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA – OBJETIVOS E DESENHO OPERACIONAL

Apesar dos avanços obtidos na trajetória dos programas de complementação de

renda, enquanto uma estratégia de combate à fome e à pobreza, na década de 90, as

ações ainda foram marcadas pela fragmentação e paralelismo. Com efeito, perpetuaram-

se mecanismos de sobrefocalização dos beneficiários – ou seja, enquanto algumas

famílias recebiam o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação, outras famílias em igual

condição de miséria, não recebiam nenhum benefício – além da baixa cobertura e do

fraco controle social. A pulverização dos programas criou uma duplicação na

administração dos escassos recursos, reduzindo significativamente o seu impacto.

Na tentativa de romper com essa realidade, consolidar a estratégia de

transferência de renda condicional, o governo federal instituiu através da Medida

Provisória nº 132 em outubro de 2003, convertida na Lei 10.386 de 09/01/04, o

Programa Bolsa Família (PBF), que reúne quatro programas de complementação de

renda (Bolsa Escola, Auxílio-Gás, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação) sob uma

gestão unificada (quadro 1).

Quadro 1: Programas de Transferência de Renda Unificados no Programa Bolsa Família

Programa Bolsa Escola

Programa Bolsa Alimentação

Vale-Gás Programa Cartão Alimentação

Gestor MEC MS MME MESA

Valor Mensal do benefício

R$ 15,00

Teto de R$45,00 por família

R$15,00

Teto de R$45,00 por família

R$ 7,50 pagos bimestralmente

R$50,00

Público Alvo/

critério inclusão

Famílias com crianças entre 6 e 15 anos com renda per capita inferior a ½ SM

Famílias com crianças (6meses a 6 anos), gestantes e nutrizes com renda per capita inferior a ½ SM

Famílias com renda mensal per capita inferior a ½ SM integrantes do Cad-único

Famílias com renda mensal per capita inferior a meio salário mínimo

Critério Renda, Faixa Etária Renda, Faixa Etária

Estado nutricional

Renda Renda

Condicionalidades

Freqüência escolar igual ou superior a 85%

Acompanhamento estado nutricional

Vacinação,Assistência pré-natal

Participação em atividades sociais, comunitárias e educativas.

Elaboração própria a partir das Leis de criação dos PBE, PBA, PCA e Auxílio Gás.

60

A criação do Programa Bolsa Família, representa ainda um esforço de

fortalecimento do Programa Fome Zero (PFZ), principal política social do governo. O

PBF é considerado um braço importante do PFZ, primeiro porque se espera que através

do auxílio financeiro, as famílias possam adquirir alimentos e sair da situação de

insegurança alimentar, e segundo porque está previsto que em parceria com os estados e

municípios, o PBF trará para o local, outros programas de combate à fome, à pobreza e

à exclusão social (Brasil, 2003).

O principal objetivo do Programa Bolsa Família é promover a emancipação das

famílias pobres através da conjugação de ações emergenciais e estruturais, à medida que

busca incorporar à concessão do benefício financeiro o aumento do capital humano e o

acesso aos serviços públicos de saúde e educação. Dentre os objetivos oficiais do PBF,

definidos na Lei 10.836, estão ainda o combate à fome, à pobreza e a garantia da

segurança alimentar e nutricional, além da promoção da intersetorialidade e da sinergia

entre as ações desenvolvidas pelo poder público.

Uma das principais inovações do PBF é que o foco prioritário passa a ser a

família em situação de pobreza ou de extrema pobreza, independente da composição

familiar. Até então, os programas que o antecederam só contemplavam as famílias com

indivíduos em situação de vulnerabilidade social e biológica, como crianças, gestantes e

nutrizes, sendo consideradas inelegíveis as famílias constituídas apenas por adultos.

Verifica-se ainda um rompimento com a noção tradicional de família nuclear abrindo-se

espaço para um conceito mais ampliado e flexível17.

O critério para a seleção das famílias beneficiárias é a renda mensal per capita

até R$100,00. Na verdade, são definidas duas linhas de corte para concessão dos

benefícios, a partir da qual a família é classificada em extremamente pobre (renda

mensal per capita inferior a R$50,00) e pobre (renda mensal per capita entre R$50, 00 e

R$100,00) (MDS, 2003). A partir dessa classificação e da composição familiar, as

famílias têm direito a um determinado valor monetário conforme mostra o quadro

abaixo:

17 Apesar de mais flexível, de acordo com um relatório do Consea e uma Nota da Relatoria do Direito Humano à Alimentação, a definição de família adotada no programa ainda não foi suficiente para se adaptar às famílias indígenas e quilombolas.

61

Quadro 2 – Valor do Benefício do PBF Segundo Renda Per Capita Familiar

Renda Per Capita Familiar Valor do Benefício

Até R$ 50,00 Benefício Básico – R$ 50,00

Benefício Variável – R$ 15 por cada criança (0 a 15 anos), gestante ou nutriz com filho até 6 meses de idade, até no máximo, R$ 45,00.

Até R$100,00 Benefício Variável – R$ 15 por cada criança (0 a 15 anos), gestante ou nutriz com filho até 6 meses de idade, até, no máximo, R$45,00.

Fonte: Elaboração própria a partir da Lei 10836 de 09 de janeiro de 2004.

Embora haja a previsão de que gradativamente passarão a ser utilizados

indicadores sociais enquanto critérios de elegibilidade, atualmente a renda é utilizada

como único critério de seleção de beneficiários.

A concessão de um benefício fixo no valor de R$50,00 às famílias extremamente

pobres (renda per capita inferior R$50,00) possibilitou que a unificação dos programas

sociais aumentasse, segundo informações do governo federal, o valor médio transferido

às famílias de R$23,00 para R$73,00. Existe ainda a possibilidade de esse valor ser

ampliado mediante a celebração de um termo de cooperação entre estados, municípios e

União.

No que concerne aos mecanismos de seleção, o ingresso das famílias ao PBF

ocorre por meio da inscrição no Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo

Federal. Em princípio, tem sido dada prioridade à migração das famílias beneficiárias

dos programas remanescentes que integram o Bolsa Família, cujos cadastros já fazem

parte do Cad-único. Além disso, podem ser incorporadas, também, famílias que

atendam aos critérios de elegibilidade e que não são contempladas por nenhum

programa de transferência de renda do governo federal. As famílias que ainda não

migraram para o PBF continuam recebendo a bolsa referente ao programa remanescente

a que estão vinculados, contudo é vedada a concessão de novos benefícios.

Após a seleção dos beneficiários, a Caixa Econômica Federal (CEF) emite um

cartão magnético em nome do titular da família, preferencialmente a mulher. Para a

entrega do cartão, estão previstas duas possibilidades: a CEF marca uma data para a

entrega, ou em caso da não existência de uma agência da CEF, a prefeitura pode

62

agendar algum evento para que as famílias recebam o cartão. Ao receber o cartão, o

titular cadastra uma senha com seis dígitos e passa a receber mensalmente o benefício.

É interessante notar que o PBF mantém a estratégia dos programas anteriores ao

colocar a mulher como titular do benefício e ao transferir o valor da bolsa diretamente

às famílias por meio do cartão eletrônico. A adoção dessa estratégia teria o potencial de

racionalizar os custos administrativos com o programa e de dificultar o desvio de verbas

por parte de algumas prefeituras municipais.

Com relação ao tempo de permanência no programa, tanto a lei quanto o decreto

de regulamentação do PBF não definem um período específico, apenas que o benefício

tem caráter temporário e não gera direito adquirido. Constam nesses documentos

oficiais apenas os critérios de desligamento nos seguintes casos: trabalho infantil, fraude

ou informação incorreta, aumento da renda per capita acima da linha estipulada e o não

cumprimento das condicionalidades exigidas pelo Programa.

O PBF ao unificar os programas de transferência de renda, maximiza a agenda

de compromissos, incorporando as diversas condicionalidades exigidas nos programas

remanescentes. Cabem às famílias beneficiárias do PBF as seguintes

responsabilidades18:

i. Gestantes – a) inscrever-se no pré-natal e comparecer às consultas de acordo

com o calendário mínimo preconizado pelo Ministério da Saúde;b) participar

de atividades educativas ofertadas pelas equipes de saúde sobre aleitamento

materno e promoção da alimentação saudável.

ii. Responsáveis pelas crianças menores de 7 (sete) anos - a) manter em dia o

calendário de vacinação; b) levar a criança às unidades de saúde para a

realização do acompanhamento do estado nutricional e do desenvolvimento

e de outras ações; c) efetivar a matrícula escolar em estabelecimento regular

de ensino; d) garantir a freqüência escolar de no mínimo 85%; e) informar

imediatamente à escola, quando da impossibilidade de comparecimento do

aluno à aula, apresentando, se existente, a devida justificativa da falta.

18 As referidas responsabilidades foram definidas através das Portarias Interministeriais nº 3.789, de 17 de novembro de 2004 e nº 2.509, de 18 de novembro de 2004, que regulamentam, respectivamente, as condicionalidades referentes à educação e à saúde.

63

iii. Informar ao órgão municipal responsável pelo Cadastramento Único

qualquer alteração no seu cadastro original objetivando a atualização do

cadastro da sua família

O monitoramento do cumprimento dessa agenda de compromissos deve ser

realizado no âmbito local, através das secretarias de educação e saúde e de seus

respectivos conselhos de controle social.

3.1 A Institucionalidade do Programa Bolsa Família

A gestão e a execução do Programa Bolsa Família, seguindo a trajetória atual

das políticas sociais no Brasil, é descentralizada e baseada na conjugação de esforços

entre os entes federados, com atribuições articuladas e complementares.

No nível federal, na ocasião de sua criação, o PBF esteve do ponto de vista

institucional, ligado diretamente ao gabinete da Presidência da República e era gerido

por um Conselho Gestor Interministerial do Programa Bolsa Família (Secretaria

Executiva do PBF). Com a reforma ministerial, o PBF passou a ser gerido pela

Secretaria Nacional de Renda de Cidadania, vinculada ao recém criado Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)19 e as funções do Conselho Gestor

Interministerial foram transferidas para o Conselho Gestor do PBF20 (CGPBF), órgão

colegiado de caráter deliberativo e também vinculado ao MDS. As principais funções

do CGPBF, definidos em regulamento, são: “formular e integrar políticas, definir

diretrizes, normas e procedimentos sobre o desenvolvimento e implementação do

Programa Bolsa Família, bem como apoiar iniciativas para a instituição de políticas

sociais visando promover a emancipação das famílias pelo Programa nas esferas

19 Embora inicialmente concebido como um braço importante do Programa Fome Zero, o PBF apresentava, assim, autonomia tanto em relação ao Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar (MESA), responsável pelo Programa Fome Zero, quanto ao Ministério de Assistência Social. Entretanto, por ocasião da reforma ministerial através da Medida Provisória nº163 de 23 de janeiro de 2004, as funções do MESA, do Ministério de Assistência Social e do Conselho Gestor Interministerial do Programa Bolsa Família (Secretaria Executiva do Bolsa Família) foram transferidas para o recém criado Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). 20 O Conselho Gestor do Programa Bolsa Família é composto pelos titulares dos seguintes órgão e entidades: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério da Educação; Ministério da Saúde; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério da Fazenda; Casa Civil da Presidência da República e Caixa Econômica Federal.

64

federal, estadual, do Distrito Federal e municipal”. O regulamento prevê ainda a

constituição de um Comitê Executivo, coordenado pelo MDS, para implementar e

acompanhar as decisões do CGPBF.

No âmbito estadual, o acompanhamento do PBF deve ser realizado através de

uma coordenação intersetorial (representantes das áreas de saúde, educação, assistência

social e segurança alimentar). Cabe aos estados, a promoção de ações que viabilizem a

gestão intersetorial, a articulação com os gestores municipais, o fornecimento de apoio

técnico, institucional e estrutural aos municípios e o acompanhamento e apoio ao

cadastramento municipal.

No nível municipal, é recomendado que a gestão seja feita através de uma

coordenação, envolvendo a participação de técnicos da Educação, Saúde e Assistência

Social (além de outras Secretarias), preferencialmente daqueles profissionais que

haviam sido responsáveis pelos programas remanescentes e pelo Cadastro Único. O

cadastramento das famílias pobres e o estabelecimento de parcerias com órgãos e

instituições municipais, estaduais e federais, governamentais e não governamentais para

a oferta de programas complementares ao PBF (crédito, alfabetização, capacitação entre

outros) também são atribuições dos municípios.

Com relação à oferta e ao acompanhamento das contrapartidas do PBF, o

Decreto de Regulamentação se limitou a estabelecer que tais papéis seriam de

responsabilidade dos três níveis de governo e que deveria ser feita de forma articulada e

intersetorial. Esse fato teve grande repercussão na mídia nacional, uma vez que foram

feitas diversas denúncias21 sobre a falta de acompanhamento das contrapartidas exigidas

pelo programa, o que gerou grande desgaste ao Bolsa Família. Em resposta às

denúncias, o governo federal publicou, em novembro de 2004, duas Portarias

Interministeriais22 que definiram as responsabilidades no âmbito das três esferas e dos

diversos setores de governo.

De acordo com as referidas Portarias, cabe aos Ministérios da Saúde e da

Educação a indicação de técnicos para gerir o Sistema Federal de Acompanhamento das

21 Artigo do jornalista Ali Kamel publicado no Jornal O Globo de 07 de setembro de 2004. 22 A definição dos Papéis e Responsabilidades das condicionalidades referentes à educação foram definidas pela Portaria Interministerial de nº 3.789, de 17 de novembro de 2004 e a da saúde pela Portaria Interministerial nº 2.509 de 18 de novembro de 2004

65

Contrapartidas (SFAC), a capacitação dos gestores estaduais e municipais, o envio de

dados para o MDS e o estabelecimento das diretrizes técnicas. Quanto ao MDS, suas

principais funções são: a articulação e a integração dos Ministérios; o apoio

institucional aos estados e municípios e; a disponibilização dos dados da base do Cad-

único.

Com relação ao governo estadual, cabe às secretarias de saúde e educação a

indicação de um técnico para coordenar o acompanhamento das contrapartidas, a

capacitação e a divulgação para os municípios das normas de monitoramento, o apoio

logístico e a consolidação dos dados.

No nível local, as principais ações que devem ser desenvolvidas pelas secretarias

municipais são: a indicação de um técnico para coordenar os respectivos sistemas de

controle das condicionalidades da saúde e da educação; a atualização das informações, a

oferta dos serviços previstos no Programa, a promoção de ações de apoio e de

capacitação dos profissionais e; atualização dos dados do Cad-único.

Para além dessas responsabilidades definidas pelo Decreto e pelas duas

Portarias, os municípios e estados da federação podem aderir ao PBF mediante a

assinatura de um termo de cooperação com a União. Sob esta condição, os entes

federados podem ampliar o valor do benefício, unificar programas próprios de

transferência de renda ao programa federal, aumentar o número de beneficiários, definir

outras ações de proteção social - como mini-crédito, programas de moradia e/ou

qualificação profissional – e ampliar suas responsabilidades na execução do programa

em seu território. Através da unificação dos programas sociais, as famílias beneficiadas

passam a receber um único cartão bancário, aonde constam as logomarcas do governo

federal e dos governos e prefeituras que firmaram a parceria.

Até Novembro de 2004, o MDS já havia estabelecido parcerias com 14 estados e

14 municípios da federação. O Quadro 5 apresenta os principais itens presentes nos

termos de cooperação entre União e as Unidades Federativas.

66

Quadro 3: Celebração de Termos de Cooperação entre Estados e União – Janeiro – Novembro 2004

Elaboração Própria a partir dos Termos de Cooperação entre os Estados e a União na página

www.mds.gov.br/bolsafamilia

Dentre os acordos firmados entre estados e União, 43% previam um aumento do

valor do benefício a ser transferido para as famílias. No Estado do Rio de Janeiro, por

exemplo, foi estabelecido que nas cidades da região metropolitana, haverá um

acréscimo de R$10,00 no valor da bolsa repassado às famílias.

UF Data de assinatura do Termo

Aumento do valor do benefício

Integração de algum programa estadual de transferência de renda

Implementação conjunta de algum Programa Social do Estado

AC Junho 2004 Sim Sim.

Programa Estadual Adjunto da Solidadiredade

Sim

BA Setembro 2004 Não Não Sim

CE Junho 2004 Sim Sim.

Programa Bolsa Cidadão

Sim

DF Março 2004 Sim Sim.

Programas Renda Solidariedade/ Renda Mínima

Sim

MA Março 2004 Não Não Sim

MG Maio 2004 Não Sim.

Programa Bolsa Familiar

Sim

MS Março 2004 Sim Não Sim

PE Setembro Não Não Sim

PI Outubro Não Não Sim

PR Julho 2004 Não Não Sim

RJ Maio 2004 Sim Não Sim

RN Novembro 2004 Não Não Sim

SC Outubro 2004 Não Não Sim

SP Maio Sim Sim.

Programa Renda Cidadã

Sim

67

Quanto à unificação de programas estaduais de transferência de renda ao

Programa Bolsa Família, apenas cinco estados (35,7%) estabeleceram tal parceria. Vale

ressaltar que alguns estados que assinaram o termo não possuíam nenhum programa de

transferência de renda. Em todos os termos de celebração foram previstos que as

famílias inseridas no PBF seriam prioritárias para os programas sociais dos estados.

Constam ainda na maior parte dos termos a assunção de responsabilidade dos estados

com o processo de cadastramento único nos municípios.

É possível ainda a celebração de termos de cooperação entre os Ministérios da

Educação e da Saúde com as suas respectivas secretarias estaduais e municipais para

efetuarem a oferta e o acompanhamento das condicionalidades previstas no Programa

Bolsa Família. Contudo, até dezembro de 2004, nenhum termo desta natureza havia sido

assinado.

Além da União, Estados e Municípios, a Caixa Econômica Federal também se

configura num ator importante na operacionalização do PBF, uma vez que é o agente

operador e pagador do beneficio financeiro dado às famílias inscritas no programa. São

atribuições da CEF: fornecimento da infra-estrutura necessária à organização e à

manutenção do Cadastramento Único; desenvolvimento dos sistemas de processamento

de dados; organização e operação da logística de pagamento dos benefícios; elaboração

de relatórios e fornecimento de bases de dados necessários ao acompanhamento, ao

controle, à avaliação e à fiscalização da execução do Programa.

Quanto ao controle e a participação social, a Lei 10.836 estabelecia que os

mesmos deveriam ser realizados no âmbito local, através de um conselho ou comitê

instalado pelo Poder Público Municipal, mas não definia qual seria esse conselho,

tampouco qual seria o seu papel com relação ao PBF. Essas questões só foram definidas

de forma mais clara, por ocasião da publicação do Decreto de regulamentação do PBF,

um ano após o início da implementação do programa. Este decreto pontua que o

controle social deve ser realizado por um conselho formalmente instituído pelo

município ou mesmo por uma instancia já existente anteriormente, desde que seja

respeitada a paridade entre sociedade civil e governo e que tenha dentre seus

conselheiros, representantes das áreas de educação, saúde, segurança alimentar e direito

da criança e do adolescente. O controle social no nível local pode também ser feito em

âmbito regional por meio de um consórcio intermunicipal, celebrado através de um

termo de cooperação.

68

As normas do programa prevêem que o conselho responsável pelo PBF deve ser

de caráter deliberativo e fiscalizador, cabendo-lhe as seguintes funções:

a) Acompanhar, avaliar e subsidiar a fiscalização da execução do PBF

no âmbito municipal ou jurisdicional;

b) Acompanhar e estimular a integração e a oferta de outras políticas

públicas sociais para as famílias beneficiárias do PBF

c) Estimular a participação comunitária no controle da execução do PBF

d) Elaborar, aprovar e modificar seu regimento interno.

Contudo, dada a constatação da urgência em iniciar um efetivo controle social23

do PBF, o MDS publicou a Portaria nº 660, em 11 de novembro de 2004, onde são

estabelecidas as regras de fiscalização e acompanhamento, até que os conselhos ou

comitês sejam criados nos municípios.

Dessa forma, a referida Portaria definiu que, temporariamente24, caberão aos

Comitês Gestores do Fome Zero (caso existam) e aos Conselhos Municipais de

Assistência Social o controle social do PBF. Tais conselhos passarão a ter acesso aos

dados cadastrais das famílias inscritas no Programa e poderão receber e encaminhar ao

MDS e ao Ministério Público denúncias relacionadas à execução do PBF no nível local.

O acompanhamento do cumprimento das condicionalidades será efetuado pelos

Conselhos de Saúde e Educação.

No âmbito Federal, a Portaria nº 1 publicada em 3 de setembro de 2004,

estabeleceu um conjunto de medidas para que sejam realizadas atividades de

fiscalização, acompanhamento e controle da execução e gestão local do PBF. Tal

controle pode ser efetuado através de quatro tipos de ações, dependendo do grau de

prioridade:

23 Durante os meses de setembro, outubro e novembro, várias reportagens veiculadas nos diversos meios de comunicação denunciavam fraudes no processo de cadastramento, seleção, entrega de cartões e acompanhamento das condicionalidades estabelecidas pelo PBF. Tais denúncias tiveram repercussões importantes na sociedade civil e no governo federal. 24 De acordo com a Portaria nº 660, a efetiva constituição dos conselhos ou comitês fará cessar as competências do Conselho de Assistência Social e do Comitê Gestor do Fome Zero.

69

i. Acompanhamento à distância – é realizado de forma sistemática,

padronizada, preventiva e prospectiva quando for considerado baixo

nível de prioridade.

ii. Vistoria – é aplicada de forma sistemática, padronizada e preventiva

quando for considerado de média prioridade ou quando forem

detectadas falhas durante o acompanhamento à distância.

iii. Fiscalização – de natureza reativa ou prospectiva, é aplicado em

casos onde seja necessário verificar denúncias, apurar fatos,

circunstâncias ou responsabilidades por ocasião de denúncias ou ao

cumprimento de recomendação dos órgãos de Controle Interno e

Externo da União.

iv. Monitoria – efetuada por ocasião de algum deslocamento de

técnicos do MDS próximo a alguma região a ser monitorada.

A Portaria prevê ainda que denúncias formais ou mesmo matérias jornalísticas e

de mídia impressa ou eletrônica relacionadas com a gestão local do PBF, implicarão em

abertura de processo investigativo.

Além destes mecanismos, uma outra ação que visa dar maior transparência à

execução do Programa, evitando fraudes, é a disponibilização e divulgação da relação

de beneficiários do PBF nos sites da CEF e do MDS.

No que se refere aos mecanismos de financiamento, o artigo 6o. da lei que cria o

Bolsa Família prevê a unificação no MDS dos recursos dos antigos programas de

transferência de renda que agora integram o PBF. Também está prevista a incorporação

de recursos provenientes do Cadastramento Único e de outras dotações do orçamento da

seguridade social da União. Um aspecto a ressaltar é a ausência de especificação de

novas fontes de recursos e sua limitação ao montante já disponível, conforme mostra o

Parágrafo Único deste artigo: “O Poder Executivo deverá compatibilizar a quantidade

de beneficiários do Programa Bolsa Família com as dotações orçamentárias

existentes”

70

3.2 Metas e Trajetórias de Implementação

De acordo com o MDS, o PBF tem como meta beneficiar, até o final de 2006,

11,2 milhões de famílias, ou seja, todas as famílias em situação de extrema pobreza no

país, segundo os dados do IBGE. Vale ressaltar que o número de famílias pobres e

extremamente pobres no Brasil não é consensual, e varia sobremaneira, dependendo da

linha de pobreza ou da metodologia adotada.

Inicialmente (em 2003), o PBF priorizou os municípios mais pobres e de

pequeno porte, principalmente nas regiões norte e nordeste e algumas áreas do

Sudeste25. Em 2004, com a criação do MDS, o foco se desloca destes municípios para

as grandes metrópoles, que embora não apresentem um percentual tão alto de pobreza,

possuem um número absoluto de pobres bastante significativo.

Na verdade, a trajetória de implantação de programas focalizados revela um

campo amplo de debates e tensões, principalmente em relação à questão dos critérios

para a priorização dos municípios. Devem-se priorizar aqueles com maior proporção ou

com maior número absoluto de pobres? De acordo com estudo realizado por Sônia

Rocha (2003), em geral, os 100 municípios que apresentam uma proporção

elevadíssima de pobres (maior que 50%) são municípios pequenos, que juntos não

representam mais que 2,6% do contingente de pobres no Brasil. Por outro lado, as

grandes metrópoles, apesar de apresentarem uma proporção relativamente menor de

pobres, devido a sua grande expressão demográfica, concentram elevados contingentes

de pobreza extrema (71% do total).

Ainda de acordo com Rocha (2003), políticas focalizadas nos municípios menos

populosos, mas com proporções elevadas de pessoas vivendo em pobreza extrema,

podem ter impactos menos expressivos. È preciso considerar um conjunto de

indicadores de pobreza extrema como: a proporção e o número de pessoas em pobreza

extrema, os níveis de renda e de vida das pessoas e o número de municípios a serem

contemplados.

25 Inicialmente, o PBF priorizou os municípios do Nordeste, Norte e região Sudeste que já haviam implantado o Programa Cartão Alimentação.

71

De fato, em 2004, conforme mostra a tabela abaixo, o PBF cresceu mais de

100% na maior parte das capitais brasileiras. As capitais que apresentaram maior

crescimento foram Belém, Rio de Janeiro, Brasília e Porto Velho. É interessante notar

que seis26 das dez capitais que apresentaram maior crescimento do número de famílias

incluídas no programa assinaram o termo de cooperação com a União.

Tabela 1: Evolução da Inclusão de Famílias no PBF nas Capitais – Jan/Dez 2004

UF Capitais Jan/04 Dez/04 Evolução (%)

PA Belém 298 30.574 10.159

RJ Rio de Janeiro 1.839 47.412 2.478

DF Brasília 2.060 39.889 1.936

RO Porto Velho 666 13.050 1.859

RR Boa Vista 2.070 10.936 428

ES Vitória 1.472 6.792 361

MT Cuiabá 4.272 14.962 250

SE Aracaju 4.741 15.485 226

AL Maceió 12.073 37.576 211

GO Goiânia 5.767 17.773 208

SP São Paulo 54.039 166.370 207

PR Curitiba 8.886 24.480 175

AM Manaus 13.824 36.709 165

PE Recife 16.852 42.187 150

BA Salvador 34.324 84.920 147

TO Palmas 1.605 3.845 139

PB João Pessoa 10.203 23.871 134

RN Natal 10.429 24.176 131

AP Macapá 1.918 3.885 102

CE Fortaleza 38.568 75.598 96

AC Rio Branco 6.331 12.218 93

MA São Luis 20.194 37.895 87

SC Florianópolis 2.875 4.826 67

MS Campo Grande 7.905 13.136 66

PI Teresina 21.182 34.213 61

MG Belo Horizonte 50.466 71.299 41

RS Porto Alegre 20.473 27.485 34

Total 335.352 923.622 160

Fonte: MDS, 2004

26 Aracaju, Belém, Boa Vista, Brasília, Goiânia e Rio de Janeiro.

72

Porto Alegre (34%), Belo Horizonte (41%) e Teresina (61%) foram as capitais

que apresentaram menor crescimento de beneficiários entre os meses de janeiro e

novembro de 2004. Tal fato pode ser justificado pela ampliação ocorrida nestas capitais

ainda em 2003. Como mostra a tabela 2, esses municípios estão entre as capitais que

atingiram o maior percentual de cobertura do programa. Belo Horizonte é a capital com

maior inclusão de famílias (87,9%), seguida por Teresina (67,9%) e Porto Alegre

(66,75) que ocupam respectivamente a 4ª e a 8ª posição.

Tabela 2: Cobertura (%) do PBF nas Capitais – Dez/04

UF Capital Cobertura UF Capital Cobertura (%)

MG B. Horizonte 87,9 SE Aracaju 56,3

RR Boa Vista 86,3 AL Maceió 56,2

SC Florianópolis 80,8 CE Fortaleza 52,3

PI Teresina 67,9 BA Salvador 50,8

AC Rio Branco 67,3 MS Campo 50,0

PB João Pessoa 67,1 DF Brasília 48,7

MT Cuiabá 67,0 RN Natal 48,4

RS Porto Alegre 66,7 GO Goiânia 45,5

PR Curitiba 63,8 PE Recife 42,1

SP São Paulo 62,3 AP Macapá 40,3

MA São Luis 61,6 PA Belém 39,0

RO Porto Velho 60,2 AM Manaus 36,8

TO Palmas 60,0 RJ R. de Janeiro 25,7

ES Vitória 57,8

Fonte: MDS, 2004

Ao comparar as tabelas 1 e 2, é possível observar que mesmo com um

crescimento bastante expressivo no número de famílias incluídas no PBF, algumas

capitais, como o Rio de Janeiro (25,7%), Belém (39%), Brasília (48,7%), ainda

apresentam uma cobertura bastante inferior às demais capitais.

O PBF, em 2004, passou a se expandir com grande rapidez, chegando a atender,

em novembro deste ano, 5 milhões 948 mil famílias residentes em 5.521 municípios, ou

seja, 53,1% da meta final do programa (Gráfico 1).

73

Gráfico 1: Percentual de Famílias pobres* atendidas e não atendidas pelo

PBF – Brasil, 2004**

53%

47%Famílias Pobresatendidas pelo PBF

Famílias Pobres nãoatendidas pelo PBF

.

O Gráfico abaixo apresenta a distribuição percentual de famílias atendidas pelo

PBF nas cinco grandes regiões do País. Observa-se que, até novembro de 2004, a região

Nordeste concentrava mais de 50% das famílias beneficiadas pelo PBF, enquanto a

região Centro-Oeste apenas 4%.

Gráfico 2: Distribuição percentual de Famílias Atendidas pelo PBF segundo

Regiões, Brasil, 2004

4%

53%

8%

10%

25% Centro-Oeste

Nordeste

Norte

Sul

Sudeste

Fonte: MDS, 2004

* Segundo estimativa do IBGE. ** Dados referentes à Novembro de 2004.

Fonte: MDS, 2004. Dados referentes à novembro de 2004.

74

A comparação entre os gráficos 2 e 3 permite observar uma tendência do Bolsa

Família em acompanhar a distribuição percentual de famílias pobres nas regiões. No

caso, a maior destinação de bolsas para o Nordeste (53%) e menor para o Centro-Oeste

(4%) se justificaria, uma vez que representam respectivamente a região com maior e

menor proporção de pobres do país.

Gráfico 3: Distribuição Percentual de Famílias Pobres * segundo Regiões, Brasil, 2004

6%

47%

10%

10%

27% Centro-Oeste

Nordeste

Norte

Sul

Sudeste

Fonte: MDS, 2004. Dados referentes à novembro de 2004

* Segundo estimativas do IBGE.

No que concerne à cobertura do PBF nas grandes regiões, enquanto o Norte

(42,6%) e o Centro-Oeste (37,8%) apresentaram o menor percentual de famílias pobres

incluídas no Programa, as regiões Nordeste (59,4%) e Sul (54,2%) já ultrapassaram

50% da meta.

Gráfico 4: Percentual de Cobertura do PBF segundo Regiões, Brasil, 2004

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Centro-Oeste

Nordeste Norte Sul Sudeste

% famílias a seremincluídas no PBF

% famílias incluídas noPBF

Fonte: MDS, 2004

75

De fato, quando analisamos os dados segundo Unidades da Federação (gráfico

5), observamos que dentre os cinco estados com menor percentual de cobertura, dois

(Pará e Rondônia) são da região Norte e dois da região Centro-Oeste (Mato Grosso do

Sul e Goiás).

Gráfico 5: Percentual de Cobertura do Programa Bolsa Família segundo

Unidades da Federação, Brasil, 2004

0

10

20

30

40

50

60

70

AC

AL

AM AP

BA CE

DF ES

GO

MA

MG

MT

MS

PA PB PE PI PR RJ

RN RS

RR

RO SC SP SE TO

Fonte: MDS, 2004.

O gráfico revela ainda que a expansão do Programa Bolsa Família vem se dando

de forma bastante heterogênea entre os estados. Por exemplo, enquanto o Ceará atingiu

uma cobertura de 68% das famílias pobres, no Mato Grosso do Sul só 28,4% das

famílias foram contempladas. Vale ressaltar que dentre as 27 Unidades da Federação, 15

atingiram cobertura superior a 50%.

Ainda de acordo com os dados do MDS, a maior expansão do programa em

termos percentuais ocorreu no Distrito Federal (1946%) e nos estados do Rio de Janeiro

(217,4%) e Roraima (193,2%). Segundo o Ministério, o crescimento de famílias

beneficiadas pelo programa vem sendo mais expressivo nos municípios e estados que

assinaram o termo de cooperação com a União (MDS, 2004). De fato, tanto São Paulo,

quanto, Rio de Janeiro e Roraima firmaram convênios com o governo federal.

76

Os dados apresentados nos gráficos acima, demonstram que, embora, a

destinação de bolsas esteja próximo da distribuição de famílias pobres nas regiões do

país, o Norte e o Centro-Oeste ainda apresentam coberturas muito inferiores às demais

regiões, principalmente quando comparados ao Nordeste.

Com relação aos programas remanescentes, como o período ainda é de transição,

o MDS continua atendendo as famílias beneficiadas27 pelos Programas Bolsa Escola

(3,3 milhões de famílias), Bolsa Alimentação (63 mil famílias), Cartão Alimentação

(112 mil famílias) e Auxílio Gás (5,9 milhões de famílias). O pagamento desses

benefícios ocorrerá até que todos os beneficiários sejam migrados para o Bolsa Família.

O repasse mensal dos programas remanescentes totalizava, em outubro de 2004,

R$172,9 milhões (MDS, 2004).

3.2.1 A Implementação

É importante ressaltar que os processos de formulação e implementação do

Programa Bolsa Família vêm ocorrendo de forma concomitante. Diversas questões

relacionadas ao desenho operacional do programa ainda estão sendo formuladas e

regulamentadas pelo MDS. Por exemplo, o Decreto de Regulamentação do programa só

foi publicado 11 meses após a Lei de criação do PBF, nesta ocasião o programa já

abrangia quase 6 milhões de famílias com uma cobertura de aproximadamente 80% dos

municípios brasileiros.

Na verdade, conforme sinalizam Arretche (2003) e Labra (2003), é comum a

implementação de um determinado programa ter início sem que o processo de

formulação já tenha se esgotado, uma vez que dificilmente estas etapas do policy

making ocorrem de forma seqüencial, linear e racional, tampouco, possuem um ponto

de partida claramente definido.

Contudo, vale ressaltar, que no caso do Programa Bolsa Família a demora entre

o início da implementação e a definição das regras no decreto de regulamentação criou

27 Dados referentes à outubro de 2004.

77

grandes dificuldades de operacionalização28 do programa em nível local, principalmente

se levarmos em consideração a heterogeneidade e o legado institucional dos municípios

do país.

As principais questões que careceram de uma maior definição são aquelas

referentes aos papéis dos entes federados, da oferta e do monitoramento das

condicionalidades e os mecanismos de controle social do programa. Estas duas últimas,

ainda permaneceram indefinidas mesmo após a publicação do Decreto 5.209, sendo,

inclusive, alvo de divergências no interior do MDS e do Governo Federal.

A falta de controle das condicionalidades do Programa Bolsa Família se

configurou num dos maiores pontos de críticas ao programa, figurando este debate,

como comentado anteriormente, na mídia nacional. De fato, o não monitoramento das

condicionalidades faz com que o PBF funcione apenas como um programa de

transferência de renda, o que pode implicar no não atendimento dos objetivos definidos

em seu desenho.

No relatório de avaliação do PBF29, o TCU (2004) apontou, inclusive, que a

implantação do Programa Bolsa Família, sem uma definição clara dos mecanismos de

monitoramento, desestruturou o sistema de acompanhamento das condicionalidades na

área de saúde (Programa Bolsa Alimentação) e sobretudo na área de educação

(Programa Bolsa Escola).

O MDS30 reconhece que o monitoramento das condicionalidades enfrenta hoje

um grande desafio operacional, dado que tanto o sistema de monitoramento

desenvolvido pelo Programa Bolsa Alimentação, quanto pelo Programa Bolsa Escola

tinham uma demanda muito inferior às quase 5 milhões de famílias incluídas atualmente

no Programa Bolsa Família.

Na tentativa de solucionar tais questões, o MDS em parceria com os Ministérios

da Saúde e da Educação, publicou duas Portarias Interministeriais, nas quais define as

28 O Tribunal de Contas da União em recente avaliação do Programa Bolsa Família, apurou que em diversos municípios as contrapartidas exigidas pelo Programa não vinham sendo monitoradas e nem o controle social estava sendo realizado. 29 O referido relatório foi realizado pelo Tribunal de Contas da União em diversos municípios brasileiros e teve com objetivo avaliar os rumos do processo de implementação do Programa Bolsa Família no nível local. 30 Essa afirmação feita por um técnico do MDS está presente na Ata da 5ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional em 31 de agosto de 2004 .

78

competências dos níveis e setores de governo e os meios para a realização do

acompanhamento e monitoramento das condicionalidades. A perspectiva principal é de

que a mesma seja feita de forma descentralizada e articulada entre os diversos setores.

O controle e a participação social também se configuram num dos pontos mais

polêmicos do Programa Bolsa Família, cuja fragilidade ficou mais evidente após as

diversas denúncias, veiculada na mídia, sobre casos de corrupção no Cad-único, entrega

de cartões e até de cadastramento de senhas em diversos municípios brasileiros.

De fato, tanto a Lei de criação quanto o Decreto que regulamenta o Bolsa

Família são bastante vagos na definição de qual instância fará o controle social e como

o fará. No Decreto 5.209 de 17 de Setembro de 200431 está previsto que o controle

social em âmbito local deverá ser feito por um conselho formalmente constituído pelo

município ou mesmo por uma instância a já existente, desde que seja respeitada a

paridade entre governo e sociedade civil e que tenha dentre seus conselheiros,

representantes das áreas de educação, Saúde, Assistência Social, Segurança Alimentar,

Criança e Adolescente.

A definição dos mecanismos e de qual instância deverá realizar o controle social

do Programa Bolsa Família não é consensual no interior do governo federal. Em

outubro de 2004, o então Assessor Especial do Governo Federal, Frei Beto, manifestou

publicamente sua discordância do que foi definido no decreto de regulamentação do

PBF. Para ele o controle social do programa deveria ser função do Comitê Gestor do

Programa Fome Zero32.

Os comitês gestores foram criados por ocasião da implantação do Programa

Cartão Alimentação, que hoje integra o Programa Bolsa Família, e tinham como função

viabilizar a implantação do PCA, principalmente através da seleção das famílias

beneficiárias (desde que cumprissem os critérios estabelecidos pelo programa). Com a

unificação dos programas de transferência de renda, incluindo o PCA, o processo de

cadastramento das famílias pobres deixou de ser função dos Comitês Gestores sendo

repassado para as prefeituras municipais. Mesmo a função de controle social do PBF foi

31 O referido Decreto só foi publicado um ano após o início da implementação do programa nos municípios, quando na ocasião já eram contempladas quase 5 milhões de famílias brasileiras. 32 Reportagem do Jornal O Globo em 20 de Novembro de 2004.

79

delegada aos Conselhos Municipais de Políticas Públicas, o que gerou um esvaziamento

e desestruturação dos Comitês Gestores formados nos municípios.

No âmbito do governo federal, várias providências foram tomadas no sentido de

intensificar o controle social do Programa Bolsa Família e de evitar possíveis fraudes

nos municípios33, a saber:

i) Assinatura de um convênio com o Ministério Público para que este

contribua na fiscalização do Bolsa Família.

ii) Publicação da Portaria nº 660 que delega temporariamente aos

Conselhos de Assistência Social e aos Comitês Gestores criados pelo

Fome Zero a fiscalização do Bolsa Família até que sejam formados

Comitês de Controle definitivos do Bolsa Família.

iii) Publicação da Portaria nº 1 que estabeleceu um conjunto de medidas

para que sejam realizadas atividades de fiscalização, acompanhamento

e controle da execução e gestão local do PBF.

iv) Criação de um Grupo de Trabalho para definir a metodologia, prazos,

cronograma de implantação definitiva deste Comitê de Controle do

Bolsa Família.

v) Criação de uma Rede Pública de Fiscalização do Programa Bolsa

Família formado pelos Ministérios Públicos Federal e Estaduais,

Controladoria Geral da União e o Tribunal de Contas da União.

As denúncias de falta de acompanhamento das condicionalidades e de fraudes na

implementação do Programa Bolsa Família geraram importantes discordâncias no

interior do MDS quanto à forma de enfrentamento dessas questões. Isso culminou com

a saída em novembro de 2004, um ano após o início do Programa Bolsa Família, da

Secretária Executiva e uma das formuladoras do Programa, Ana Fonseca e alguns dos

mais importantes técnicos do segundo escalão.

33 Para maior aprofundamento sobre as referidas providências consultar: http://www.desenvolvimento social.gov.br/bolsafamilia

80

3.3 Possibilidades e Desafios

A proposição de um programa de transferência de renda cuja meta é atender a

mais de 11 milhões de famílias, com gestão unificada, com foco nas famílias (com ou

sem filhos), a maximização das ações básicas de saúde e de educação trazem novas

possibilidades e desafios.

Uma questão que se coloca é que em Repúblicas Federativas, como o Brasil, em

que os estados e municípios possuem autonomia fiscal, política e administrativa, a

adesão a qualquer programa, inclusive ao PBF, depende da decisão dos níveis

subnacionais de governo. Neste sentido, é imprescindível entender quais são as

estratégias de indução que vem sendo desenvolvidas pelo governo federal? O desenho

operacional do Programa Bolsa Família estimula ou não a adesão dos níveis sub-

nacionais de governo? Qual o cálculo que vem sendo feito pelos estados e municípios

para aderirem ao PBF?

O PBF apresenta uma inovação em relação aos programas anteriores de

transferência de renda, uma vez que abre a possibilidade dos estados e dos municípios

celebrarem um termo de cooperação com a União, adequando o PBF à sua realidade,

através da ampliação do benefício, indicação de um outro banco para agente operador

do programa, integração de seus programas de transferência de renda ao PBF. Em que

medida esse processo de descentralização pactuada tem o potencial de induzir uma

maior adesão dos entes federativos ao programa? A assinatura do Termo de cooperação

significará um comprometimento por parte dos entes federados e a unificação de

programas municipais e estaduais de transferência de renda ao Bolsa Família?

Ainda no âmbito federal, a articulação entre os Ministérios do Desenvolvimento

Social, Saúde e Educação no planejamento, gestão e acompanhamento das

contrapartidas se configura num dos principais desafios do PBF, uma vez que

tradicionalmente as relações entre os setores sociais caracterizam-se mais pela

competição por recursos públicos do que pela cooperação (Burlandy, 2003). Esse

desafio também se coloca para os níveis subnacionais de governo. Neste sentido, é

importante analisar se a gestão do PBF por uma equipe intersetorial, conforme sugestão

do MDS, pode vir a reduzir a fragmentação institucional e contribuir para a participação

81

conjunta das diversas áreas sociais nos processos de decisão e implementação do

programa.

Com relação ao processo de captação, seleção e cadastramento, uma vez que a

gestão do Programa Bolsa Família é descentralizada, é provável que esses processos

ocorram de forma bastante distinta dependendo da capacidade técnico político-

institucional dos municípios. Neste sentido, a questão principal é se o município será

capaz de selecionar adequadamente as famílias mais pobres dentre os pobres. Em que

medida as estratégias adotadas pelo gestor facilitam ou dificultam o acesso das famílias

mais pobres e excluídas ao Cadastro-Único? É feita alguma divulgação desse processo

de cadastramento e seleção das famílias? Como é feita? Os técnicos responsáveis pelo

cadastramento foram treinados? Existe alguma preocupação com a qualidade do

cadastro?

A oferta e o acompanhamento das contrapartidas também são de

responsabilidade dos municípios. Neste sentido, cabe analisar até que ponto o nível

local está preparado para atender a essas demandas. Vale lembrar que os mecanismos de

oferta e controle das condicionalidades só foram definidos pelo governo federal um ano

após o início da implementação do PBF. Em que medida a demora em traçar tais

mecanismos comprometeu os sistemas de monitoramento dos programas

remanescentes? Os mecanismos propostos serão capazes de garantir um controle efetivo

da oferta e do cumprimento das contrapartidas?

No que concerne ao controle e a participação social, os mecanismos previstos no

desenho do Programa são capazes de garantir uma maior participação dessas instâncias

nos processos decisórios relacionados ao Programa Bolsa Família? Como discutido

anteriormente, a definição dos mecanismos e das instâncias responsáveis pelo controle

social do PBF só ocorreu um ano após o início de sua implementação, quais as

implicações dessa demora para o nível local? A implementação do Programa e a

necessidade do acompanhamento por parte de um conselho de política social será capaz

de superar ou minimizar os efeitos da cultura local e do legado institucional?

Nesse contexto, faz-se de extrema importância investigar como os municípios

desempenharão tais papéis diante da histórica fragilidade institucional e gerencial, da

pouca tradição de diálogo entre os diversos setores de governo, da baixa capacidade de

oferta dos serviços e da debilidade dos mecanismos de monitoramento e controle dos

programas sociais.

82

Algumas dessas questões apontam para a necessidade de um mergulho mais

profundo no processo de implementação do Programa Bolsa Família no nível local,

buscando articular a história prévia das políticas de combate à fome e à pobreza à

dinâmica local de implementação do PBF.ma? A universalidade ou a substituição da

seguridade social?

83

Capítulo IV

A ABORDAGEM METODOLÓGICA

A avaliação de uma dada política pode ser realizada a partir de dois

diferentes focos de análise: nos resultados e; nos processos. A avaliação de processo,

que norteia o presente estudo, “busca identificar os fatores facilitadores e os obstáculos

que operam ao longo da implementação e que condicionam positiva ou negativamente,

o cumprimento das metas e objetivos” (Draibe, 2001:30).

A implementação de uma dada política constitui uma das etapas do processo

de policy making, a saber: construção da agenda; formulação da política;

implementação e; avaliação. Embora essas etapas possam ser distinguidas umas das

outras, as mesmas geralmente não ocorrem de forma seqüencial, linear e racional,

tampouco, possuem um ponto de partida claramente definido. È possível que um

programa seja implementado, sem que, contudo, o processo de formulação já tenha se

esgotado. (Labra, 2003)

Durante o processo de formulação, são definidos o desenho da política e os

meios previstos para a sua implementação. Esse processo é permeado por um ambiente

carregado de incertezas e se configura em uma arena de intensos conflitos e jogos de

poder. O ciclo se encerra com a promulgação da lei referente à política ou programa em

questão (Arretche, 2001; Labra, 2001). Os principais atores nessa fase do policy-making

são os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Em síntese, a formulação de uma política ou programa “expressa as escolhas

– expressas sob a forma de determinados objetivos (explícitos ou não explícitos) e de

uma dada metodologia de operação – de uma autoridade central (qualquer nível em

que esta autoridade esteja inserida)” (Nepp, 1999 p.107).

O campo da implementação de políticas, assim como a formulação, é

influenciado pelas vontades, interesses e concepções ideológicas dos diversos atores

envolvidos. A implementação é um conjunto complexo de relações entre formuladores,

implementadores, grupos de interesses (stakeholders) e público-alvo.

84

Raramente, um programa é implementado exatamente como fora concebido

por seus formuladores. Quanto mais profunda e abrangente é a mudança proposta maior

é o grau de incongruência entre a formulação e a implementação, que, em geral, altera

as políticas públicas (Arretche, 2001; Viana, 1996)

Se os programas ou os meios não se adequam às concepções e valores dos

agentes implementadores, dos grupos de interesses e dos grupos-alvo, maiores são os

conflitos e as incongruências entre o que foi formulado e o que efetivamente será

implementado.

A priori, espera-se que o princípio que deveria nortear a ação dos agentes

implementadores seria a da regulação específica da política, todavia, esses atores têm

ampla margem de autonomia para determinar a natureza, a quantidade e a qualidade dos

bens e serviços a serem oferecidos. A efetiva implementação é realizada de acordo com

as referências e interesses que eles adotam para desempenhar as suas funções. (Nepp,

1999)

É possível ocorrer as seguintes situações:

a) Os agentes implementadores não conhecem com clareza os objetivos e a

metodologia proposta pelo programa, agindo, então, de acordo com a sua

própria referência.

b) Os agentes conhecem com clareza os objetivos e métodos, mas

discordam dos mesmos, e agem, então, de acordo com os seus valores e

princípios.

c) Os agentes conhecem e concordam com o proposto, mas não dispõem de

meios para realizar os objetivos previstos. Nesse caso, é feita uma

adaptação.

De acordo com Viana(1996), a participação dos implementadores no processo de

formulação pode atenuar o conflito e aumentar o consenso em torno dos objetivos e

metas previstas.Dessa forma, faz-se extremamente necessário a adoção de estratégias de

incentivo à adesão desses atores por parte da agência formuladora. Além desses atores,

os grupos-alvo do programa também podem interferir no processo de implementação,

sendo, também necessárias a elaboração de estratégias de incentivo à adesão.

Em Estados Federativos, como o Brasil, o grau de incongruência entre a

formulação e a implementação tende a ser potencializado, uma vez que, os estados e

85

municípios possuem autonomia fiscal, política e administrativa. Nesse caso, é preciso

que essas unidades sejam incentivadas a aderirem à proposta. Os elementos centrais na

decisão de adesão dos governos locais são: formas e montantes de transferência de

recursos; b) o conjunto de regulação de cada programa; c) o provável efeito eleitoral dos

créditos políticos do programa. (Nepp, 1999)

O programa pode ainda produzir resultados inesperados no nível local, como por

exemplo, no caso do município possuir uma baixa capacidade técnica para operar os

critérios de elegibilidade do programa. Burlandy (2003), no estudo sobre a

implementação dos programas da cesta da Comunidade Solidária no Noroeste

fluminense analisa os efeitos dessa fragilidade institucional.

Em resumo, a implementação é um processo extremamente dinâmico, cuja

arena é formada por diversos grupos de interesses e de pressão, e que, portanto, podem

alterar o curso da política inicial. Para Arretche (2001), as questões colocadas acima não

podem ser encaradas pelo pesquisador como problemas, mas como dados da realidade.

Neste contexto, o bom desempenho dos programas depende, entre outros, de

fatores institucionais que operam como condicionantes tanto do sucesso quanto do seu

fracasso. Dentre esses, destacam-se: (Draibe, 1996).

• As pré-condições institucionais, e a experiência anterior em

programas semelhantes, a forma como é processada, acumulada e

utilizada a aprendizagem institucional e a relação com grupos e

famílias pobres;

• A qualidade da implementação;

• Os graus de constrangimentos burocráticos e legais na definição das

rotinas e procedimentos dos programas;

• As características e qualidades do pessoal envolvido na sua direção e

gestão e na sua operação rotineira

Embora as pré-condições institucionais exerçam um papel importante no

processo de implementação, vale considerar que as instituições e os atores e

principalmente, os interesses, podem mudar. Dessa forma, é possível que um município

que tradicionalmente apresente uma baixa capacidade administrativa para gerir as

políticas públicas, em um curto período consiga modificar essa realidade. (Immergut,

1992)

86

Neste sentido, este estudo buscou acompanhar através de um estudo de caso

do município de São Francisco de Itabapoana no Estado do Rio de Janeiro, o Programa

Bolsa Família e seus desdobramentos no nível local, partindo da premissa de que a

implementação de políticas é um campo que envolve processos de pactuação de

conflitos e intermediação de interesses.

A relevância deste estudo reside no fato do PBF se configurar num dos

principais programas da atualidade da política social brasileira, com grande

investimento financeiro por parte governo federal. Além disso, a avaliação de processo

só tem sido incorporada aos diversos programas de renda mínima recentemente.

A realização deste estudo de caso em São Francisco de Itabapoana é

particularmente importante por que o município foi o primeiro no Estado do Rio de

Janeiro a ser contemplado com o PBF, na medida em que é considerada uma localidade

prioritária no combate à fome e à pobreza. Para além dessa prioridade do governo

federal, entender as singularidades e as especificidades que o programa assume num

município de pequeno porte, rural, recém emancipado e com indicadores sociais

extremamente dramáticos se configura num importante desafio.

O estudo de caso, definido por Bruyne (1991) como sendo um estudo minucioso

de casos particulares, de forma que os dados e informações gerados sejam capazes de

traduzir a realidade de uma dada situação, é indicado para situações em que não há

possibilidade de separar o objeto de estudo do seu contexto (Yin, 2001).

Devido à sua capacidade de reunir grande número de informações e a sua busca

de apreensão da totalidade de uma situação, o estudo de caso utiliza técnicas de coletas

variadas, como a observação participante, entrevistas e consulta a documentos. (Bruyne,

1991)

Nesse estudo, a estratégia metodológica adotada foi a pesquisa qualitativa, uma

vez que, segundo Minayo (1994), ela permite um aprofundamento maior da realidade, à

medida que trabalha com o universo de significados, crenças, valores e atitudes não

mensuráveis (sensíveis) a uma fórmula numérica. Os principais instrumentos utilizados

para esta investigação foram as consultas documentais, observação de campo e

entrevistas semi-estruturadas com os atores chaves.

Para a construção do contexto sócio municipal foram consultadas diversas fontes

de dados secundários, como IBGE, Tribunal de Contas do Estado, DATASUS,

87

Ministério do Trabalho, Ministério da Educação, atas dos Conselhos Municipais de

política social, Plano Municipal de Saúde, entre outros. Vale ressaltar que o

levantamento de dados sobre São Francisco de Itabapoana exigiu um grande esforço,

uma vez o município não possui uma tradição de coleta e análise de dados.

A observação pode ser considerada uma estratégia fundamental no trabalho de

campo da pesquisa qualitativa (Minayo,1994). Através dela é possível complementar os

dados coletados nas entrevistas ou nos documentos quantitativos, à medida que capta

dados importantes da rotina de trabalho.

A entrevista semi-estruturada pode ser entendida como um diálogo que mescla

perguntas fechadas e abertas cujo objetivo principal é fornecer informações relevantes

para um objeto de pesquisa. Dessa forma, o entrevistado pode falar sobre o tema

proposto sem, no entanto, haver respostas ou condições pré-estabelecidas pelo

pesquisador. A fala individual é um instrumento privilegiado de coleta de informações

no campo das Ciências Sociais, à medida que se torna reveladora dos diversos códigos

de sistemas e valores contraditórios (Minayo, 1994).

O estudo de caso contemplou o período inicial de implementação do Programa

Bolsa Família em São Francisco de Itabapoana, em outubro de 2003, até novembro de

2004. Em alguns momentos, foi feito um recorte temporal mais amplo para que o

contexto político e a experiência prévia do município com programas de transferência

de renda fossem abordados.

As entrevistas foram realizadas durante as três visitas de campo, em maio, junho

e setembro de 2004. Ao todo foram entrevistados cinco representantes da administração

municipal (Secretarias de Saúde, Educação e Assistência Social), sendo três deles

gestores e dois coordenadores de programas de transferência de renda e seis integrantes

dos Conselhos Municipais de Assistência Social (CMAS), Saúde (CMS), Bolsa Escola

(CMPBE), e Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). Vale ressaltar que no caso

da CMAS e do CMPBE foram entrevistados um representante da sociedade civil e um

do governo municipal, nos demais, apenas conselheiros da sociedade civil. Com relação

à coordenação do PBF no estado do Rio de Janeiro, apesar das inúmeras tentativas, não

foi possível agendar uma entrevista.

Atendendo à solicitação do Comitê de Ética, ao qual este trabalho foi submetido,

para preservar a identidades dos atores, as entrevistas foram enumeradas (entrevista 1,

entrevista 2 e assim por diante).

88

Na segunda visita de campo, em junho de 2004, participamos do “Seminário do

Programa Bolsa Família” promovido pelo município e na terceira, em setembro de

2004, foi possível acompanhar o processo de cadastramento das famílias potencialmente

beneficiárias do PBF.

A definição das categorias de análise foi desenvolvida no sentido de privilegiar a

identificação e a apreciação de elementos que podem facilitar ou dificultar o processo

de implementação do Programa Bolsa Família no município de São Francisco de

Itabapoana. As variáveis analisadas são de natureza Política e Institucional (Burlandy,

2003).

Na análise de natureza política buscou-se identificar os atores sociais

envolvidos com a implementação do programa, quais os seus interesses, valores,

principais motivações e posição frente aos objetivos do PBF; quais as arenas e as

relações de poder estabelecidas entre estes atores e; qual a dinâmica política local.

A análise institucional contemplou os seguintes aspectos:

a) contexto sócio municipal: principais características demográficas,

econômicas, políticas e sociais que marcam o município em estudo;

experiência prévia em outros programas, memória técnica e o

aprendizado institucional.

b) equidade: mecanismos de captação, cadastramento e seleção das

famílias que favoreçam ou dificultam o acesso das famílias mais

pobres e mais excluídas; existência de estratégias de divulgação de

informações para a população; existência de mecanismos de

capacitação dos técnicos para o cadastramento.

c) descentralização: relações entre os níveis de governo; existência de

iniciativas de concertação e diálogo; participação do governo do

estado na implementação do programa; capacitação dos gestores e

técnicos do nível local; existência de mecanismos institucionais de

controle e canais de diálogo e de informação; estratégias de incentivo

à adesão ao programa;

d) Intersetorialidade: existência de espaços e mecanismos institucionais

para planejamento e execução conjunta do programa;

89

e) Participação Social: existência de espaços institucionais e

mecanismos de participação na implementação do programa;

conhecimento dos conselheiros sobre o PBF; discussões sobre o

programa nas atas dos conselhos (Saúde, Bolsa Escola, Consea e

Assistência Social); existência de mecanismos de divulgação das

informações sobre o programa (folders, programas de rádio, cartazes)

Além das variáveis apresentadas acima, este estudo envolveu uma análise das

variáveis conjunturais, ou seja, fatores externos ao Programa, que podem afetar de

alguma forma a sua implementação, como por exemplo, situação econômica atual,

fenômenos da natureza ou momento eleitoral.

A análise qualitativa se deu através do método de análise dos conteúdos,

definida como um conjunto de técnicas de análise que se propõem à verificação de

hipóteses ou questões e à descoberta de questões que se encontram implícitas nos

discursos.

“Do ponto de vista operacional, a análise de conteúdo parte de uma literatura

de primeiro plano para tingir um nível mais aprofundado: aquele que

ultrapassa os significados manifestos. Para isso a análise de conteúdo em

termos gerais relaciona estruturas semânticas (significantes) com estruturas

sociológicas (significados) dos enunciados. Articula a superfície dos textos

descrita e analisada com os fatores que determinam suas características:

variáveis psicossociais, contexto cultural, contexto e processo de produção da

mensagem”. (Minayo 1994:203)

Para a presente pesquisa foi utilizada a análise temática. “A análise temática

consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja

presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado”

(Minayo, 1994:209).

Segundo essa mesma autora, para se efetuar a Análise Temática faz-se

necessário o cumprimento de três etapas: a pré análise, a exploração do material e a

análise da fala.

90

Na pré-análise são retomados os principais objetivos e as hipóteses formuladas

inicialmente. É nessa fase que são determinadas as palavras chaves ou frases,

conhecidas como unidade de registro, a unidade de contexto, os recortes e os principais

conceitos de origem teórico que irão conduzir a análise propriamente dita.

Na segunda fase, as falas são transformadas, mediante a codificação. Primeiro é

efetuado o recorte da entrevista em unidades de registro, e por último é feita a

classificação e a agregação dos dados em categorias (Minayo, 1994). Essa análise foi

feita de forma que as falas dos entrevistados fossem situadas em seu contexto social.

91

Capítulo V

CONTEXTO SÓCIO MUNICIPAL

Este capítulo busca apresentar os aspectos demográficos, sócio-econômicos e

políticos do município de São Francisco de Itabapoana. Do ponto de vista analítico, o

conhecimento desses aspectos é imprescindível para a compreensão do processo de

implementação do PBF no nível local, uma vez que os programas tendem a sofrer

retraduções nos municípios.

A implementação de uma política não é a simples execução do que fora

previamente formulado. Ela se configura num processo extremamente dinâmico, capaz

de alterar o curso das políticas previamente desenhadas (Arretche, 2001). Esse processo

é influenciado pelo contexto sócio municipal e pela relação entre os diversos atores

sociais envolvidos no programa.

5.1 Aspectos Demográficos

São Francisco de Itabapoana localiza-se na Região Norte do Estado do Rio de

Janeiro, que abrange outros oito municípios, Campos dos Goytacazes, Carapebus,

Cardoso Moreira, Conceição de Macabu, Macaé, Quissamã, São Fidélis e São João da

Barra.

O município ocupa o segundo maior território do estado, 1122, 3 Km², e está

dividido entre os distritos de São Francisco de Itabapoana, Barra Seca e Maniva. Apesar

dessa grande extensão, segundo os dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE), a

população total é de apenas 41.145 habitantes, sendo a taxa média anual de crescimento

populacional no período de 1991 a 200034 do município (0,68%) inferior às médias da

região (1,49%) e do Estado (1,30%). A densidade demográfica (36,80) também é

inferior às taxas da Região (74) e do Estado (328).

34 Dados referentes a publicação do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro sobre São Francisco de Itabapoana.

92

Ainda de acordo com o Censo 2000, a maior parte da população de São

Francisco vivia na área rural (53,27%). Com relação à distribuição segundo sexo, havia

um predomínio da população masculina (51,53%) sobre a feminina (48,47%). A

população de cor branca totalizava 62,7% e de cor negra, 36,9%. (IBGE, 2000)

Quadro 4 – Características demográficas de São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000

Características Demográficas N %

População Total 41.145

População Urbana 19.228 46,73

População Rural 21.917 53,27

População Masculina 21.201 51,53

População Feminina 19.944 48,47

Área (km²) 1.118

Densidade demográfica (hab/km²) 36,80

Densidade demográfica do Norte Fluminense (hab/km²) 74

Densidade demográfica do Estado do Rio de Janeiro 328

Fonte: IBGE. Censo Demográfico, 2000.

Analisando a distribuição da população por área nos distritos do município,

observamos que o Distrito de São Francisco de Itabapoana concentrava o maior

percentual de pessoas residentes (45,2%) e Maniva apresentava o maior predomínio da

população rural (73,45) sobre a urbana. Em relação à distribuição por sexo, os distritos

apresentaram percentuais muito próximos (Tabela 3).

Tabela 3 – Distribuição da população por sexo e por área nos distritos de Barra Seca, Maniva e São Francisco de Itabapoana, 2000.

Região Total % (N)

Homens (%) Mulheres (%) Urbana (%) Rural (%)

Barra Seca 32,4

(13.334)

51,28

(6.735)

48,72

(6.399)

61,00

(8.012)

39,00

(5.122)

Maniva 22,4

(9.374)

51,59

(4.836)

48,41

(4.538)

26,66

(2.499)

73,34

(6.875)

S. F. Itabapoana 45,2

(18.637)

51,67

(9.630)

48,33

(9.007)

46,77

(8.717)

53,23

(9.920)

Fonte: IBGE. Censo Demográfico, 2000.

93

No que se refere à distribuição da população por faixa etária, nota-se no quadro

abaixo, o predomínio da população jovem até 29 anos de idade (57,29%). A população

em idade economicamente ativa, compreendida ente 20 e 65 anos de idade,

correspondia a 52% do total, enquanto os idosos com mais de 65 anos e os menores de 5

anos representavam 6,95 % e 9,19% da população do município, respectivamente.

Tabela 4 – Distribuição da população por faixa etária em São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000

População por Faixa Etária

% (N) População por Faixa Etária

%(N)

0 a 4 anos 9,19 (3.781) 35 a 39 anos 7,30 (3.002)

5 a 9 anos 10,52 (4.329) 40 a 44 anos 6,05 (2.490)

10 a 14 anos 10,82 (4.451) 45 a 49 anos 4,95 (2.037)

15 a 19 anos 10,48 (4.310) 50 a 54 anos 4,00 (1.647)

20 a 24 anos 8,92 (3.672) 55 a 59 anos 3,26 (1.343)

25 a 29 anos 7,36 (3.029) 60 a 64 anos 2,84 (1.170)

30 a 34 anos 7,35 (3.023) 65 anos ou mais 6,95 (2.861)

Fonte: IBGE. Censo Demográfico, 2000.

5.2 Aspectos sócio-econômicos

As principais atividades econômicas de São Francisco de Itabapoana

encontram-se no setor primário, mais precisamente na agropecuária e na pesca.

Destacam-se ainda as atividades relacionadas ao turismo, visto que o município

apresenta uma orla marítima de aproximadamente 68Km. (TCE, 2001)

O solo fértil e plano, bem como, a proximidade com grandes centros

consumidores são algumas das características que fazem da agricultura uma atividade

forte no município. A fruticultura é a principal alternativa agrícola em São Francisco,

sendo as culturais mais desenvolvidas, a da cana-de-açúcar, o abacaxi, o maracujá e o

Côco-da-Bahia. Vale dizer que o município é o maior produtor de abacaxi e maracujá

no estado do Rio de Janeiro. (TCE, 2001)

94

Apesar da diversificação da fruticultura no município e também na região

norte35, o plantio de cana-de-açúcar, em São Francisco de Itabapoana, assim como na

região, ainda é predominante (Tabela 5).

Tabela 5 - Principais produtos selecionados em lavouras permanente e temporária em São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000

Lavoura Permanente Lavoura Temporária Produtos

(mil frutos) Quant.

Produzida

Produção

(mil reais)

Área (hc)

Produtos

(mil frutos)

(toneladas) Quant.

Produzida

Produção (mil reais)

Área (hc)

Côco (BA) 2.000 700 300 Abacaxi (mil fr.) 57.000 22.230 2.000

Maracujá 25.000 11.750 1.000 Cana-de-açúcar

(t.)

902.250 18.947 20.050

Mandioca (t.) 50.400 2.520 2.800

Fonte: IBGE. Produção Agrícola Municipal, 2000.

A cultura de mandioca, também é tradicional no município, contudo, vem

apresentando declínio acentuado, restando atualmente apenas uma fábrica de

beneficiamento deste alimento. Registra-se que o cultivo deste produto está fortemente

ligado à história de formação desta localidade36.

Apesar da agricultura e da pesca se configurar na principal atividade

econômica do município, a política municipal de apoio e fomento a essas atividades é

bastante incipiente. Na verdade, a secretaria municipal de agricultura e pesca,

apresentou uma grande fragilidade institucional e administrativa37.

Aliada a esta situação, em São Francisco de Itabapoana não existem

cooperativas de produtores, que possam articular os interesses dos pequenos produtores

35 Existe, inclusive, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, o Programa Frutificar que concede crédito aos agricultores que fazem plantio de frutas. 36 De acordo com alguns depoimentos, a história do ainda distrito de São Francisco de Itabapoana, foi marcada pela vinda e estadia de um Barão de origem Alemã, que montou uma grande fábrica de beneficiamento da Farinha de Tipity, o que promoveu um grande avanço econômico na região. 37 Durante a pesquisa sobre Sistemas Locais de Segurança Alimentar e Nutricional realizada no município de São Francisco de Itabapoana no mesmo período deste estudo, foram realizadas entrevistas com membros das Secretarias Municipais de Agricultura e Meio Ambiente e também com um técnico da Emater.

95

locais, viabilizando o escoamento da produção de forma autônoma, independente dos

atravessadores e com preços mais competitivos. Assim, a falta de apoio governamental

e de uma cooperativa de produtores no município facilita a atuação dos atravessadores,

reduz o lucro dos pequenos e médios produtores, deixando de potencializar tão

importante atividade na cidade.

No que tange ao perfil econômico, no ano 2000, o Produto Interno Bruto (PIB)

de São Francisco de Itabapoana, segundo dados da Fundação CIDE (2000), foi

equivalente a R$101.846.000, 00, o que representava apenas 2,7% do PIB da Região

Norte Fluminense e 0,07 % do PIB do Estado do Rio de Janeiro (a preços básicos) no

mesmo período. Contudo, apesar da baixa participação no PIB da Região, o valor

auferido por São Francisco ainda foi superior ao município de São João da Barra38.

Entre os anos de 1997 e 2002, o município apresentou crescimento percentual

tanto na realização de receitas quanto de despesas. Enquanto a primeira aumentou

389%, a última cresceu 339% (Tabela 6). (TCE, 2001)

Tabela 6 - Evolução de receita e despesa realizadas (em mil reais) no município de São Francisco de Itabapoana (RJ), de 1997 a 2002

Ano Receitas Despesas

De capital Correntes Total De capital Correntes Total

1997 2.319 5.958 8.277 1.453 7.205 8.659

1998 3.587 8.355 11.942 4.173 11.055 15.227

1999 4.835 10.260 15.095 2.626 12.743 15.369

2000 4.160 14.199 18.359 3.309 13.663 16.972

2001 4.166 20.431 24.597 1.916 21.364 23.280

2002 10.977 29.457 40.435 11.017 26.971 37.988

Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, 2003.

Especificamente com relação às receitas, embora tenha havido um aumento de

187% na arrecadação tributária, fortemente beneficiada pelo aumento na arrecadação de

38 O Produto Interno Bruto do município foi equivalente à R$101.846.000, 00, enquanto que a renda municipal (o que é auferido pelos residentes) do mesmo ano foi de R$ 74.220.000,00. São João da Barra, no mesmo ano, obteve PIB e renda de R$91.416.000,00 e R$30.739.000,00 respectivamente. Em 2001, segundo a Fundação CIDE, o PIB per capita no município foi R$2.632,41 e o PIB estadual foi de R$ 160 bilhões, dos quais a capital participou com 50%.

96

taxas e impostos39, o crescimento das transferências da União e do Estado foi muito

superior40, chegando a 339%, como pode ser observado no quadro 5.

Quadro 5 - Evolução percentual das receitas correntes em São Francisco de

Itabapoana (RJ), de 1997 a 2002

Receitas Correntes 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Rec. Tributária 6 7 5 3 3 4

Rec. Patrimonial 0,0 0,0 0,0 0,0 0,6 0,0

Outras rec. Corr. 2 2 1 1 2 9

Rec. De Contribuição - - - 13,7 13 10

Transf. Correntes da União 11 8 7 8 16 19

Transf. Corr. do Estado 81 83 87 74 65 58

Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, 2003.

Vale destacar que os recursos advindos dos royalties de Petróleo, até 1999, eram

alocados no item “outras receitas correntes” e a partir do ano 2000 passou a ser

considerado como recita de contribuição.

Dessa forma, fica bastante claro como São Francisco de Itabapoana apresentava

uma forte dependência dos recursos transferidos pela União e pelos Estados e pela

arrecadação com os royalties de Petróleo. De acordo com o indicador de esforço

tributário próprio41 - compara a arrecadação tributária própria do município e as outras

receitas arrecadam - em 2002, apenas 8% da receita total de São Francisco advinham de

arrecadação tributária própria. Com relação à transferência de recursos, o município

apresentou uma taxa de dependência de níveis supranacionais de governo de

aproximadamente 84%, que subia para 91% quando somada às receitas com royalties de

petróleo.

39 De acordo com o Tribunal de Contas do Estado, houve aumento de 239% na arrecadação de taxas, seguido de 220% no ISS, 166% no IPTU e 100% ITBI. 40 As transferências correntes da União cresceram 798% no período, com aumento de 781% no repasse do Fundo de Participação dos Municípios. As transferências estaduais cresceram 254%, com aumento de 184% no repasse do ICMS e o ingresso do Fundef a partir de 1998. 41 Este indicador é utilizado pelo Tribunal de Contas do Estado para avaliar a dependência do município das transferências Estadual e Federal.

97

De acordo com uma reportagem do Jornal do Brasil42, a partir dos dados da

pesquisa do IBGE sobre o perfil dos municípios, São Francisco de Itabapoana é o

município que apresentou maior dependência das transferências federais e estaduais.

Ainda de acordo com o artigo, dos 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro, 25 têm

pelo menos 80% de suas receitas provenientes de transferências.

Os recursos derivados dos royalties43. do petróleo se configuram numa variável

conjuntural de extrema importância para compreender a dinâmica financeira do Estado

e principalmente da região Norte do Rio de Janeiro. O Estado possui respectivamente,

88% e 49% das reservas de petróleo e gás natural do Brasil, o que lhe confere uma

arrecadação vultosa com os royalties advindos da exploração dessas reservas naturais.

Na verdade, a recente descoberta de novas bacias e petrolíferas na região Norte

Fluminense e o aperfeiçoamento constante das tecnologias de prospecção em águas

profundas têm cada vez mais alavancado44 a economia dos municípios da região,

principalmente, Campos dos Goytacazes, Macaé, Quissamã, Cabo Frio, Rio das Ostras.

De acordo com a tabela 7, a arrecadação em Reais com os royalties superou as

demais transferências governamentais estaduais destinadas a estas cidades. (TCE-RJ,

2003).

42 Jornal do Brasil, reportagem de Daniela Dariano em 27 de Outubro de 2004. 43 Royalties são uma de espécie de compensação financeira devida ao Estado pela exploração e produção de petróleo e gás natural por parte das empresas concessionárias destas atividades. Para calcular seu valor leva-se em conta os preços do mercado de petróleo, gás natural ou condensado, a localização do campo, as especificações do produto. Participação especial, regulamentada pelo Decreto nº2.705/98, também é participação governamental, paga quando o poço apresenta grande volume de produção ou grande rentabilidade. 44 A Lei 7.990/89, que instituiu para estados, Distrito Federal e municípios a compensação financeira pela exploração do petróleo, somente no primeiro semestre de 2000 promoveu um crescimento significativo nas receitas de participações governamentais, em especial nos municípios fluminenses de Campos, Macaé, Quissamã e Rio das Ostras.

98

Tabela 7 – Transferência de royalties e participações especiais no 1º semestre de 2000 e o total arrecadado pelos municípios selecionados de Macaé, Cabo Frio,

Quissamã e Rio das Ostras, em 1998, em milhões de reais

Municípios

Royal. e Part. Esp.

Royalties

1998

Relação (%)

Receita Total

Relação (%)

Macaé 55 11 400 68 81

Cabo Frio 15 4 275 30 50

Quissamã 20 4 400 14 143

Rio das Ostras 39 4 875 21 186

Fonte: Agência Nacional do Petróleo, 2000.

Entretanto, o aporte de recursos advindos do petróleo não se dá de forma

homogênea entre os municípios da região, o que vem gerando grandes iniqüidades, uma

vez que alguns municípios recebem quantias extremamente altas, como Campos dos

Goytacazes, enquanto outros, como São Francisco de Itabapoana, auferem valores

muito inferiores. São Francisco é considerado como um município-limítrofe45 ao

Campo de Roncador (Bacia Petrolífera de Campos), tendo, portanto direito a um

percentual menor de recursos, até mesmo do que São João da Barra.

Esse valor se tornou ainda menor com a redivisão dos royalties46 feita pela

Agência Nacional do Petróleo, em janeiro de 2004, onde outros municípios do Estado,

fora da região Norte, passaram a ser considerados limítrofes e outros foram enquadrados

como zona de produção principal (tabela 8).

45 Município-limítrofe é aquele contíguo àqueles que integram a zona de produção principal, ou que possa ser social ou economicamente atingido pela produção ou exploração de petróleo e gás natural. 46 Os municípios de Niterói e Rio de Janeiro foram enquadrados na Zona de Produção Principal, por disporem de instalações de apoio às atividades de exploração e produção de petróleo e gás (portos, oficinas, armazéns). Assim, ambas as cidades aumentaram sua arrecadação de royalties. Belford Roxo, Itaguaí, Maricá, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, São João de Meriti, Seropédica e Tanguá passaram a receber a compensação. Itaboraí e Japeri tiveram aumento de arrecadação por inclusão na zona limítrofe. Ainda segundo a Lei 9478/97, São Francisco de Itabapoana não tem direito ao recebimento dos royalties excedentes a 5% da produção.

99

Tabela 8 - Transferências governamentais dos royalties do petróleo no Estado do Rio de Janeiro e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro, de São João da

Barra e São Francisco de Itabapoana, nos meses de dezembro de 2003 e fevereiro de 2004, em mil reais

Estado do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro São João da Barra S.F. de Itabapoana Royalties

Dez 03 Fev 04 Dez 03 Fev 04 Dez 03 Fev 04 Dez 03 Fev 04

Até 5% 42.448 39.511 734 2.776 2.011 1.385 404 241

Exc. a 5% 31.335 29.206 70 11 636 449 - -

Total 73.783 68.716 804 2.787 2.646 1.834 404 241

Fonte: Agência Nacional do Petróleo,2004.

No que se refere aos gastos da administração municipal, a relação despesas de

custeio47 e receita corrente é utilizada como indicador com o funcionamento da máquina

administrativa. De acordo com o dados apresentados no gráfico abaixo, embora viesse

decrescendo, os gastos com as despesas de custeio eram da ordem de 0,92, ou seja, 92%

da receita.

Gráfico 6- Evolução da Relação Despesas de Custeio/Receitas Correntes em

São Francisco de Itabapoana, (RJ), de 1997 a 2002

0

0,4

0,8

1,2

1,6

1997 1998 1999 2000 2001 2002

Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, 2003

47 A despesa de custeio representa o gasto com manutenção dos serviços prestados à população, inclusive despesas de pessoal, mais as destinadas a obras de conservação e adaptação de bens móveis, para operacionalização dos órgãos públicos.

100

Dessa forma, a maior parte da receita do município encontra-se comprometida

com a manutenção da máquina administrativa em detrimento de possíveis gastos com

infra-estrutura e investimento em ações sociais.

São Francisco de Itabapoana apresenta indicadores sociais bastante dramáticos,

em qualquer que seja a área, desde o alto percentual de pobreza até o acesso precário

aos serviços públicos, como rede de esgoto e água encanada, alto índice de desemprego

e de pessoas no setor informal.

De acordo com os dados do Mapa do Fim da Fome II48, publicado pela

Fundação Getúlio Vargas em 2003 e apresentados na Tabela 9, a proporção de

indigentes em São Francisco de Itabapoana é de 43,80%, a maior do Estado do Rio de

Janeiro. Os distritos de São Francisco de Itabapoana e Barra Seca apresentavam maior

proporção de indigentes, sendo que Barra Seca chegava a ter 44,71% de sua população

vivendo em pobreza extrema.

Tabela 9 - Renda per capita e percentual da população abaixo da linha de miséria no Estado do Rio de Janeiro e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro, de

São João da Barra e de São Francisco de Itabapoana, 2000.

Região Renda per capita (R$) Proporção de miseráveis

Estado do Rio de Janeiro 413,94 19,45

Rio de Janeiro 596,65 14,57

São João da Barra 177,33 29,22

São Francisco de Itabapoana 156,00 43,80

Fonte: PNUD/IPEA/Fund. João Pinheiro. Atlas do Desenvolvimento Humano, 2000. FGV/CPS. Mapa do Fim da Fome II, 2003.

Conforme mostra a tabela 9, a proporção de pobres no município de São

Francisco de Itabapoana (43,80%) é bastante superior à cidade e ao Estado do Rio de

janeiro. De fato, um estudo realizado por Sônia Rocha (2003) mostrou, que em geral, os

100 municípios que apresentam uma proporção elevadíssima de pobres são municípios

pequenos, que juntos não representam mais que 2,6% do contingente de pobres no

48 Fonte: Néri, M. (org)., 2003. O mapa do fim da fome II. RJ:FGV/SESC/Ação da Cidadania.

A linha de indigência utilizada foi de R$75,00.

101

Brasil. Por outro lado, as grandes metrópoles, apesar de apresentarem uma proporção

relativamente menor de pobres, devido a sua grande expressão demográfica, concentram

elevados contingentes de pobreza extrema (71% do total). A tabela 5 revela ainda que a

renda per capita do município também é bastante inferior à média do Estado, e próxima,

embora menor que a do município de São João da Barra.

Vale ressaltar que os dados sobre a proporção de indigentes e pobres apresentam

grandes disparidades de um estudo para o outro, dependendo, principalmente do valor

monetário da linha de indigência adotada em cada estudo49.

Com relação às desigualdades de distribuição de renda, os indicadores

apresentados na tabela 10, demonstram o quanto a situação é dramática em São

Francisco de Itabapoana. Contudo, os valores encontrados no município são bem

próximos das realidades estadual e nacional.

Tabela 10 – Indicadores de desigualdade de renda no Brasil, Estado do Rio de Janeiro e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro, de São João da Barra e

de São Francisco de Itabapoana, 2000

% da renda apropriada Região Índice de Gini50

20% mais pobres 20% mais ricos

Brasil 0,65 1,50 68,06

Est. Rio de Janeiro 0,61 2,12 65,58

Rio de Janeiro 0,62 1,96 65,48

São João da Barra 0,52 3,32 56,55

S.F. de Itabapoana 0,62 2,52 65,54

Fonte: PNUD/IPEA/Fund. João Pinheiro. Atlas do Desenvolvimento Humano, 2003.

Além da renda monetária, um indicador utilizado para qualificar a pobreza é o

IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)51. No nível municipal é utilizada uma

variação do IDH, o IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal).

49 Por exemplo, o estudo realizado por Rocha, em 2003, apresentou percentuais diferentes dos apresentados na tabela acima. 50 O Índice de Gini afere a desigualdade de renda a partir de uma razão que vai de 0 (divisão igualitária) a 1 (desigualdade extrema). Assim, “a evolução do indicador mede a evolução da distribuição da renda no sentido de maior ou menor igualdade, quando aplicado à população total". Salama & Destremau (1999:30)

102

Quadro 6 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) em São Francisco de Itabapoana, Estado do Rio de Janeiro e Brasil, 1991 e 2000

IDH-M

Total Classificação na UF

Região

1991 2000 1991 2000

São F.de Itabapoana

0,584 0,688 90º 90º

Est. Rio de Janeiro 0,753 0,807 - -

Brasil 0,696 0,766 - -

Fonte: PNUD/IPEA/Fund.João Pinheiro. Atlas do Desenvolvimento Humano, 2003.

De acordo com o quadro 6, observa-se que entre 1991 e 2001 houve uma

evolução razoável do IDH-M em São Francisco de Itabapoana, que deixou de ser de ser

classificado no nível médio-baixo de desenvolvimento (de 0,501 a 0,650) atingindo o

nível de médio-alto (de 0,651 a 0,800). No entanto, tal progresso não foi suficiente para

alterar sua posição no ranking estadual (90º), segundo pior IDH-M. No âmbito nacional,

o município de São Francisco de Itabapoana ocupava, em 2000, o 3.178º lugar em um

total de 5.507 municípios (Censo Demográfico, IBGE 2000).

A tabela 11 apresenta as dimensões de longevidade, educação e renda, que

compõem o IDH-M, em São Francisco e também nos níveis estadual e federal. De

acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano (2003), houve melhora nos três

índices. É possível observar que a evolução menos significativa se deu no indicador de

renda, enquanto o setor de educação foi aquele que apresentou melhor desempenho.

Tabela 11 – Dimensões do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal em São Francisco de Itabapoana, Estado do Rio de Janeiro e Brasil, 1991 e 2000

IDH-M Longevidade IDH-M Educação IDH-M Renda Região

1991 2000 1991 2000 1991 2000

São F. de Itabapoana 0,682 0,734 0,572 0,715 0,497 0,616

Est. do Rio de Janeiro 0,690 0,740 0,837 0,902 0,731 0,779

Brasil 0,662 0,727 0,745 0,849 0,681 0,723

Fonte: PNUD/IPEA/Fund. João Pinheiro. Atlas do Desenvolvimento Humano, 2003.

51 O IDH, calculado pelo PNUD (Programa para o Desenvolvimento das Nações Unidas) desde de 1990, que combina indicadores de renda, saúde e educação.

103

Apesar da sensível melhora na dimensão educação do IDH-M, os indicadores de

escolaridade de São Francisco de Itabapoana, como a taxa de analfabetismo da

população acima de 15 anos, ainda se revelam dramáticos. Conforme demonstra a tabela

12, apesar do município ter seguido a tendência estadual e nacional de redução do

analfabetismo (de 38,31% para 25,01%), a taxa apresentada no ano 2000 ainda é muito

superior às médias do estado do Rio (6,22%), do Brasil (12,94) e de cidades, como o

Rio de Janeiro (4,41%).

Tabela 12 – Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais nos municípios selecionados de São Francisco de Itabapoana, Rio de Janeiro, Estado

do Rio de Janeiro e Brasil, 1991,2000

Analfabetismo da população de 15 anos ou mais (%) Região

1991 2000

São Francisco de Itabapoana 38,31 25,01

Rio de Janeiro 6,10 4,41

Est. Do Rio de Janeiro 9,72 6,22

Brasil 20,07 12,94

Fonte: PNUD/IPEA/Fund. João Pinheiro. Atlas do Desenvolvimento Humano, 2003.

O município apresentou ainda, de acordo com o Mapa do Fim da Fome II, a pior

taxa de anos médios de estudo no Estado do Rio de Janeiro, destacando-se os distritos

de Barra Seca e São Francisco de Itabapoana.

Tabela 13 – Percentual da população jovem entre 15 e 17 anos por anos de estudo e freqüência escolar nos municípios selecionados de São Francisco de Itabapoana,

Rio de Janeiro e Estado do Rio de Janeiro, 1991, 2000

Percentual da população jovem entre 15 e 17 anos

com menos de 4 anos de estudo

com menos de 8 anos de estudo

Freqüentando2º grau

Freqüentando ensino médio

Região

1991 2000 1991 2000 1991 2000

S. F. de Itabapoana 47,69 22,52 92,95 79,96 3,50 17,22

Rio de Janeiro 13,14 6,94 61,66 46,63 31,02 47,43

Est. Rio de Janeiro 19,04 9,42 70,85 55,58 22,80 38,93

Fonte: PNUD/IPEA/Fund. João Pinheiro. Atlas do Desenvolvimento Humano, 2003.

104

No que tange à escolaridade dos jovens entre 15-17 anos, a maior parte deles

possuem menos de oito anos de estudo (79,96%), e um percentual expressivo (22,52%),

ainda que tenha se reduzido a metade durante a última década, possui menos de quatro

anos de estudo, principalmente quando comparada com as demais regiões selecionadas.

A Tabela 13 apresenta ainda uma evolução positiva, na década de 90, com relação à

freqüência de jovens no ensino médio, que passou de 3,50% para 17,22%. Apesar disso,

de acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano (PNUD, 2003) o percentual de

jovens entre 15 e 17 anos que não freqüentavam a escola chegava a 45,87%.

No que concerne ao mercado de trabalho, apesar de no ano 2000, a população

economicamente ativa de São Francisco de Itabapoana, de acordo com o Ministério do

Trabalho e Emprego, ser da ordem de 17.201 pessoas (41% da população total), apenas

12% dessa população encontrava-se no mercado formal de trabalho (Tabela 14).

Tabela 14 – População economicamente ativa ocupada e desocupada; trabalhadores formais e informais em São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000

Homens Mulheres Total

População Residente 21.201 20.274 41.145

Pop. Econ. Ativa (PEA) 11.592 5.609 17.201

PEA Ocupada 10.719 4.452 15.171

PEA Desocupada 873 1.157 2.030

Trabalhadores Formais 1.122 949 2.071

Trabalhadores Informais 9.097 2.168 11.265

Fonte: RAIS/Ministério do Trabalho e Emprego, a partir de microdados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE).

Dentre os empregos formais, os setores que mais empregam são: a administração

pública, o comércio, a agropecuária, a indústria de transformação e os serviços. Não é

surpresa a administração pública (46% dos empregos formais) ser a principal atividade

econômica do município, uma vez que como demonstrado anteriormente, grande parte

da receita do município é gasto dom o pagamento de funcionários públicos.

A tabela 15 demonstra ainda que enquanto as mulheres encontram-se

predominantemente empregada na administração pública e os homens nas atividades de

comércio e agropecuária.

105

Tabela 15 – Empregos formais nas principais atividades econômicas selecionadas em São Francisco de Itabapoana (RJ), dezembro, 2002

Atividades Homens Mulheres Total

Adm.Pública 114 498 612

Comércio 208 90 298

Agropecuária 242 16 258

Indústria de Transformação 91 22 113

Serviços 42 40 82

Fonte: RAIS/Ministério do Trabalho e Emprego,2004.

A renda proveniente do trabalho é comumente utilizada como um importante

indicador de pobreza nos municípios. De acordo com os dados apresentados pelo Mapa

do Fim da Fome II (FGV,2003), a renda do trabalho em dois distritos do município,

São Francisco de Itabapoana e Barra Seca, era bastante inferior ao município do Rio de

Janeiro. Barra Seca, inclusive, apresentava o mais baixo valor da renda advinda do

trabalho (R$278,32) do Estado do Rio de Janeiro. Apesar da jornada de trabalho ter sido

maior no município de São Francisco de Itabapoana, o salário-hora era inferior ao pago

no município do Rio de Janeiro, revelando ser a mão de obra no município de baixa

capacitação e incorporação tecnológica (Tabela 16).

Tabela 16 – Renda do Trabalho e taxa de desemprego no município do Rio de Janeiro e nos distritos de Barra Seca e de São Francisco de Itabapoana, 2003

Região Renda (R$) Jorn. de Trabalho

Salário-Hora Taxa de desemprego

Rio de Janeiro 985,24 42,83 5,19 15,88

Barra Seca 278,32 43,93 1,43 12,30

São Francisco de Itabapoana 434,31 43,93 2,27 12,30

Fonte: CPS/FGV/Mapa do Fim da Fome II,2003, a partir dos microdados do Censo 2000.

Outro indicador de pobreza é a renda auferida pelos chefes de família. Como

pode ser observado na Tabela 17, a maior parte dos chefes de São Francisco recebiam

entre 1 e 5 salários mínimos, sendo que o número daqueles que não possuem

rendimentos se mostrou bastante expressivo (1531 chefes) e duas vezes maior que no

106

município vizinho de São João da Barra. O percentual de domicílios chefiados por

mulheres era semelhante em ambos os municípios e menor do que o encontrado no Rio

de Janeiro.

Tabela 17 – Número de domicílios por rendimentos do chefe de família nos municípios selecionados do Rio de Janeiro, de São João da Barra e de São

Francisco de Itabapoana, 2000

Região Superior a 15 salários-mínimos

Entre 01 e 05 salários-mínimos

Inferior a 01 salário-mínimo

Chefe sem rendimentos

% Dom. chefiados por

mulheres

Rio de Janeiro 256.907 885.178 16.037 143.521 35,3

São J. da Barra 125 6.349 372 566 20,8

S.F de Itabapoana 128 8.228 1.187 1.531 19,9

Fonte: Sistema Nacional de Indicadores Urbanos, 2002, a partir dos dados do Censo 2000

Uma outra característica importante da situação de trabalho do município é que

os principais cultivos são provenientes de lavouras temporárias que, portanto,

empregam os fruticultores também de forma temporária, fazendo com que haja uma

grande instabilidade na aferição de renda por parte das famílias.

5.3 Oferta e Acesso a Serviços Públicos de Saneamento Básico, Educação e Saúde

O saneamento básico em São Francisco de Itabapoana, de acordo com os dados

do Censo 2000, se revelou uma questão extremamente dramática, dada a precariedade

da oferta e do acesso aos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário e

coleta de lixo.

Na tabela 18, é possível constatar que a maior parte dos domicílios (76,39%) não

estava ligada a uma rede geral de abastecimento de água, percentual esse, muito

superior à média nacional (22,18%) e a cidade do Rio de Janeiro (2,19%). No município

o acesso à água se dava principalmente, através de poço ou nascente (74,37%).

107

Tabela 18 – Número de domicílios particulares permanentes segundo tipos selecionados de abastecimento de água no Brasil e nos municípios selecionados do

Rio de Janeiro e de São Francisco de Itabapoana, 2000

Brasil Rio de Janeiro S. F.de Itabapoana

Abastecimento de água

% % %

Rede geral 77,82 97,81 23,63

Poço ou nasc. (na propriedade) 15,58 1,01 74,37

Outra forma canaliz./pelo menos um 1,10 0,74 0,32

Outra forma canaliz. só na propr. Ou 0,32 0,10 0,04

Outra forma não canalizada 5,18 0,35 1,64

Total 100 100 100

Fonte: IBGE. Censo Demográfico, 2000.

A metade dos domicílios em São Francisco de Itabapoana possuía água

canalizada em pelo menos um cômodo, ainda que a fonte desta água estivesse na

propriedade. Mas 23,51% das unidades, mesmo com a captação de água caseira, não

possuíam canalização interna.

A situação do esgotamento sanitário em São Francisco se revelou ainda pior que

a do abastecimento de água, uma vez que apenas 0,4% das residências estavam ligadas a

uma rede geral de esgotamento sanitário ou pluvial. No Brasil e no município do Rio de

Janeiros, respectivamente, esse percentual é de 47,24% e 77,99%.

A fossa séptica, que se constitui numa alternativa de acesso ao esgotamento

sanitário, era utilizada por apenas 1,37% dos domicílios em São Francisco. O percentual

de residências sem nenhum tipo de instalação sanitária era superior a 10%. (Tabela 19).

108

Tabela 19 – Percentual de domicílios particulares permanentes segundo o tipo de esgotamento sanitário no Brasil e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro e

de São Francisco de Itabapoana, 2000

Brasil Rio de Janeiro S. F.de Itabapoana Instalação Sanitária

% % %

Rede geral de esgoto ou pluvial

47,24

77,99

0,40

Fossa séptica 14,96 15,58 1,37

Fossa rudimentar 23,65 1,26 81,50

Vala 2,58 2,68 1,65

Rio, lago ou mar 2,48 1,65 3,70

Outro escoadouro 0,83 0,32 0,74

Sem instalação sanitária 8,27 0,52 10,63

Total 100 100 100

Fonte: IBGE. Censo Demográfico, 2000.

Com relação ao destino do lixo, enquanto no Brasil e no município do Rio de

Janeiro, respectivamente, 79% e 98,87% dos domicílios tinham coletas, em São

Francisco esse percentual não chega a 40%. A forma de destinação do lixo que

predominava no município era a incineração realizada na propriedade. Vale destacar

que a maior parte do lixo sem tratamento, seja ele público ou caseiro, tinha como

destino terrenos baldios ou logradouros (8,33%) (Tabela 20).

Tabela 20 – Percentual de domicílios particulares permanentes segundo o destino selecionado do lixo no Brasil e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro e de

São Francisco de Itabapoana, 2000.

Brasil Rio de Janeiro S.F. de Itabapoana Destino do Lixo

% % %

Coletado por serviço de limpeza 74,26 88,83 33,25

Coletado em caçamba de serviço de limpeza 4,76 10,04 1,90

Total Coletado 79,01 98,87 35,15

Queimado (na propriedade) 11,23 0,46 52,65

Enterrado (na propriedade) 1,16 0,02 1,94

Jogado em Terreno baldio ou logradouro 6,93 0,43 8,33

Jogado em rio, lago ou mar 0,43 0,13 0,67

Outro destino 1,24 0,09 1,26

Total Não Coletado 20,99 1,13 64,85

Total 100 100 100

Fonte: IBGE. Censo Demográfico, 2000.

109

No que concerne à oferta e ao acesso aos serviços de educação e saúde, os dados

apresentados são especialmente importantes, uma vez que o Programa Bolsa Família,

objeto deste estudo, exige algumas contrapartidas relacionadas com essas duas áreas, o

que implica na capacidade do município em ofertar tais serviços, como, escola às

crianças entre 7 e 14 anos, acompanhamento do crescimento e desenvolvimento e

vacinação das crianças, atenção pré-natal e ao puerpério.

Com relação ao setor educacional, observa-se a predominância no município, de

forma quase absoluta, de estabelecimentos públicos, principalmente da rede estadual,

uma vez que, de acordo com os dados do Censo Escolar 2003, neste ano, das 9.356

matrículas no ensino fundamental, 98% eram do setor público (54,4% da rede estadual e

43,2% da rede municipal). No ensino médio, 98% do total de matrículas (1.776) eram

da rede estadual e apenas 2% do setor privado. Também no ensino pré-escolar, a

predominância é do setor público (95%), mas neste caso, a rede municipal é o maior

provedor (82%). (Tabela 21)

Tabela 21 : Número de Matrículas segundo a Natureza e a Rede de Ensino - 2003

Rede Pré-Escola Ensino Fundamental

Ensino Médio Educação de Jovens e Adultos (EJA)

Municipal 1.616 (82,1%) 4.042 (43,2%) - 822 (62%)

Estadual 259 (13,1%) 5.094 (54,4%) 1.736 (98%) 505 (38%)

Privado 94 (4,8%) 220 (2,4%) 40 (2,%) -

Total 1969 (100%) 9.356 (100%) 1.776 (100%) 1.327 (100%)

Fonte: INEP/MEC. Censo Escolar, 2003

Como pode ser observado na Tabela 21, o município de São Francisco conta

também com a Educação de Jovens e Adultos52 (EJA), sendo que 62% das matrículas

no ano de 2003, foram efetuadas no setor público municipal. A importância do EJA no

52 O EJA, Educação de Jovens e Adultos, é um programa do Ministério da Educação e Cultura

que visa assegurar a todos os brasileiros de 15 anos e mais que não tiveram acesso à escola ou dela foram

excluídos precocemente, o ingresso, a permanência e a conclusão do ensino fundamental com qualidade.

110

município pode ser constatada pelo número de matrículas (1327) efetuadas no ano de

2003, que é bem próxima do número de matrículas do ensino médio (1.776)

Com relação aos estabelecimentos de ensino, de acordo com o Censo Escolar

2003, São Francisco possuía naquele ano, 178 estabelecimentos, sendo 88 de ensino

fundamental, 6 de ensino médio e 84 de ensino pré-escolar. (Tabela 22)

Tabela 22 – Estabelecimentos de ensino por nível e natureza. São Francisco de Itabapoana (RJ), 2003

Público Nível de Ensino

Municipal Estadual

Privado Total

Pré-escolar 73 9 2 84

Fundamental 63 23 2 88

Médio 0 5 1 6

Fonte: INEP/MEC. Censo Escolar, 2003.

Cabe destacar duas importantes questões com relação ao número de

estabelecimentos de ensino, o primeiro diz respeito ao fato de que o mesmo

estabelecimento pode oferecer mais de um nível de ensino, sendo contabilizado em cada

um dos níveis. O segundo ponto está relacionado com as características demográficas de

São Francisco, a baixa densidade demográfica, as grandes distâncias entre as

localidades e o acesso precário que aliada às precárias condições de transporte público,

fazem com que seja necessária a construção de pequenas escolas em diversas

localidades.

Tabela 23 – Percentual de Crianças entre 7 e 14 anos que não freqüentam a escolas nos municípios selecionados , Estado do Rio de Janeiro e Brasil, 2000

Região Crianças (7-14 anos) fora da escola

Parati 8,3%

São Francisco de Itabapoana 6,6%

Est. Do Rio de Janeiro 3,7%

Brasil 5,5%

Fonte: Mapa da Exclusão Educacional, INEP, 2000.

111

De acordo com o Mapa da Exclusão Educacional (INEP, 2000), São Francisco

de Itabapoana possuía, neste ano, 7133 crianças com idade entre 7 e 14 anos, das quais

6,6% encontravam-se fora da escola. Este percentual, como demonstra a tabela 19 é

superior à média do estado (3,7%) e do Brasil (5,5%). Vale destacar que São Francisco

(6,6%) apresenta, juntamente com Parati (8,3%), São João da Barra (7,8%) e Varre-Sai

(6,6%) os maiores percentuais de crianças desta faixa etária que não freqüentam a

escola.

Com relação à repetência escolar, segundo os dados do Anuário Estatístico do

Rio de Janeiro, em 2002, 11,56 % dos alunos matriculados no ensino fundamental de

São Francisco repetiram de série. Esse percentual é bem próximo do valor apresentado

por seu município de origem, São João da Barra (11,83), no entanto, muito superior ao

município do Rio de Janeiro (5,96%) e à média do Estado (9,99%). Por outro lado,

quando analisamos a repetência no nível médio, o percentual em municípios pequenos e

rurais como São Francisco (3,57%) e São João da Barra (2,50%) era muito inferior à

média do Estado (9,97%) e das grandes cidades, como o Rio de Janeiro (11,71%)

Tabela 24: Percentual de alunos repetentes, na matrícula inicial do ensino

fundamental e médio nos municípios selecionados e no Estado do Rio de Janeiro,

2002.

Município Ensino Fundamental Ensino Médio

São Francisco de Itabapoana 11,56 3,57

São João da Barra 11,83 2,50

Rio de Janeiro 5,96 11,71

Estado do Rio de Janeiro 9,99 9,97

Fontes: Secretaria de Estado de Educação - SEE e Fundação Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro –

CIDE, 2003

Quanto à rede de saúde, São Francisco de Itabapoana, que se encontra habilitado

na Gestão Plena da Atenção Básica, possuía em 2002, segundo DATASUS/ Ministério

da Saúde, 23 estabelecimentos de saúde, sendo 20 públicos e 3 privados. Dos

estabelecimentos privados, dois referem-se a serviços de apoio à diagnose e terapia

(SADT) e um estabelecimento sem internação.

112

A rede ambulatorial do SUS em São Francisco de Itabapoana era composta neste

mesmo ano de 17 unidades básicas de saúde, um centro de saúde oral, um ambulatório

de hospital geral municipalizado53, 2 pronto-socorros especializados e 1 laboratório de

análises clínicas e 1 serviço de ultra-sonografia.

A Tabela abaixo mostra a série histórica (1998/2001) do número médio de

consultas médicas realizadas pelo SUS, por habitante/ano. È possível observar que há

uma enorme queda do número de consultas em São Francisco de Itabapoana a partir de

2000 e que os dados referentes aos anos 1998 e 1999 são bastante díspares da média de

consultas do Estado do Rio no mesmo período. Essa diferença acentuada merece ser

investigada. Uma possível justificativa para esse fato é que o município pode ter

trabalhado a partir de estimativas e não de dado concretos54. Outra explicação poderia

ser o fato de que a partir do final de 1999 houve uma modificação (alteração de

categorias) na tabela de procedimentos SIA-SUS.

Tabela 25 - Consultas médicas do SUS por habitante/ano, São Francisco de

Itabapoana (RJ), 1998 a 2001

Região 1998 1999 2000 2001

São F. de Itabapoana

5,91 9,96 3,26 3,55

Estado do Rio de Janeiro

2,86 3,14 3,11 3,05

Fonte: DATASUS – IDB/SUS, 2004.

Dessa forma, para efeito de comparação só será possível utilizar o dados

consolidados nos anos 2000 e 2001. Observa-se que o número médio de consultas do

município foi um pouco superior à média do estado nos dois anos analisados e superou

53 Até a emancipação do município, ocorrida em 1995, a rede de saúde de São Francisco de Itabopoana era composta de um hospital geral filantrópico (posteriormente municipalizado) e quatro unidades básicas de saúde, onde eram realizadas as vacinas e campanhas de rotina e as consultas médicas das especialidades básicas (PMSFI/SMS, 2002. Plano Municipal de Saúde 2002-2005. 54 Vale ressaltar que o município não apresenta uma tradição de coleta de dados e uso das mesmas para planejamento.

113

também o parâmetro definido pelo Ministério da Saúde, a partir da Portaria nº 1101/

GM de Agosto de 2001, de 2 a 3 consultas por habitante/ano.

De acordo com o Plano Municipal de Saúde (2002-2005), o município tem

implantados os seguintes programas: Humanização do parto e do nascimento;

assistência à mulher e à criança; saúde materno-infantil; hipertensão arterial; diabetes

mellitus; saúde oral; agentes comunitários de saúde; combate às carências nutricionais;

hanseníase; tuberculose; controle do aedes aegypti; imunização; idoso; saúde mental;

educação e comunicação em saúde; farmácia básica.

Com relação ao acompanhamento nutricional, a análise da série histórica dos

dados enviados para a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, sugere que o

Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) não está implantado de forma

efetiva no município, uma vez que o envio de dados e a participação nas oficinas de

capacitação têm sido bastante esporádicos. Em que pese a importância do

acompanhamento do estado nutricional, principalmente em um município com

acentuado grau de pobreza e de condições precárias de saneamento, o não

funcionamento do Sisvan pode contribuir para o agravamento da situação nutricional no

município e comprometer o sistema de monitoramento das condicionalidades do

Programa Bolsa Família.

O município conta também com o Programa de Agentes Comunitários da Saúde

(PACS), que atendia em 2000, 4.744 pessoas, ou seja, 12,5% da população. Conforme a

tabela 26, houve uma expansão em termos de cobertura do Programa em 1999,

passando de 9,2% para 13,8%, No entanto, no ano subseqüente, a cobertura passou para

12,5%. É possível observar ainda, que houve um aumento expressivo do percentual de

crianças com esquema de vacina em dia e um pequeno aumento da média de visitas por

família.

Tabela 26: Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) –

Dez/1998,Dez/1999,Jun/2000 1998 1999 2000 População atendida 3.393 5.171 4.744 % população coberta pelo programa 9,2 13,8 12,5 Média mensal de visitas por família 0,9 1,0 1,0 % de crianças c/esq.vacinal básico em dia 73,4 79,5 93,1 % de crianças c/aleit. materno exclusivo 62,5 83,3 62,5

Fonte: SIAB, 2003.

114

No que concerne ao Programa Saúde da Família (PSF), em setembro de 2004 foi

implantado o primeiro módulo no município. A previsão, segundo o Secretário

Municipal de Saúde, é de que o PSF atinja uma cobertura de 1500 famílias.

Conforme apontado no capítulo III, o estudo efetuado pelo TCU sobre o

Programa Bolsa Família, em diversos municípios evidenciou que o PACS e o PSF tem

sido de grande importância para a garantia da oferta e do monitoramento das

contrapartidas relacionadas à saúde dos programas de transferência de renda. Neste

sentido, a implantação de módulos do PSF no município pode vir a contribuir para que

São Francisco cumpra com as contrapartidas definidas pelo PBF.

A rede hospitalar do município é constituída de apenas um hospital público

municipal com 43 leitos. A distribuição do número de leitos vinculados ao SUS no

município por especialidade pode ser vista na tabela abaixo.

Tabela 27 - Leitos vinculados ao SUS por especialidade, São Francisco de

Itabapoana (RJ), 2002

Especialidades N

%

Cirurgia 9 20,9

Obstetrícia 12 27,9

Clínica Médica 13 30,2

Crônico/FPT 1 2,4

Pediatria 8 18,6

Total 43 100,0

Fonte: DATASUS,2004.

De acordo com o SIH/SUS, a relação de leitos hospitalares por 1.000 habitantes

no município de São Francisco de Itabapoana em 2002 era de 1,0 enquanto que a média

estadual era de 2,93 leitos por cada mil habitantes. Neste ano, foram realizadas 1.516

internações hospitalares no município, sendo 40% na especialidade de clínica médica,

quase 30% na cirurgia e 27 em obstetrícia.

115

Tabela 28 – Internações hospitalares do SUS por especialidade, São Francisco de

Itabapoana (RJ), 2002

Especialidades N %

Cirurgia 443 29,2

Obstetrícia 409 27,0

Clínica Médica 615 40,6

Crônico/FPT 0 0,0

Pediatria 49 3,2

Total 1.516 100,0

Fonte: DATASUS, 2004.

Em 2002, trabalhavam no município um total de 415 profissionais de saúde. A

relação de médicos por 1.000 habitantes era praticamente nula (0,002). De acordo com o

Secretário Municipal de Saúde, o setor público encontra dificuldades em contratar e

manter recursos humanos na área da saúde, sendo que a maioria vem do município

vizinho de Campos dos Goytacazes.

O município enfrenta uma grande carência de serviços de saúde, sobretudo os de

média e alta complexidade. De acordo com o Plano Municipal de Saúde (2002-2005),

São Francisco de Itabapoana integra o Consórcio Intermunicipal de Saúde da Região

Norte Fluminense, encaminhando os casos de média e alta complexidade para o vizinho,

Campos dos Goytacazes.

5.4 Aspectos Políticos

A implementação de políticas e programas não se dá num vazio institucional,

sendo, portanto, extremamente permeável à dinâmica da política local. Nesse sentido,

compreender os interesses, os conflitos, as arenas de disputas de interesses e as

características que marcam São Francisco de Itabapoana se fazem de grande

importância para o estudo do Programa Bolsa Família.

São Francisco de Itabapoana era um grande distrito do município de São João da

Barra na região Norte do Estado do Rio de Janeiro. Uma das grandes dificuldades que a

localidade enfrentava era que o acesso à São João era muito precário, via barca ou

116

passando pelo município de Campos dos Goytacazes. De acordo com alguns moradores

antigos, quase não havia investimento em infra-estrutura, saúde, educação e

saneamento.

São Francisco de Itabapoana emancipou-se de São João da Barra em 18 de

Janeiro de 1995 (Lei 2.37). Dessa forma, o município só contou com apenas duas

gestões administrativas (1997-2000/2001-2004).

Na primeira eleição ocorrida em 1996, a disputa pela Prefeitura Municipal ficou

entre Pedro Cherene pelo Partido Frente Liberal (PFL) e José Antonio Barbosa Lemos

representando o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). A disputa foi acirrada

e Barbosa Lemos tornou-se o primeiro prefeito de São Francisco de Itabapoana por uma

diferença de apenas 141 votos para Cherene.

Em 2000, novamente a disputa pela prefeitura foi entre o então prefeito Barbosa

Lemos (PMDB) e o segundo colocado na última eleição, Pedro Cherene (PDT). Dessa

vez, a vitória foi de Cherene por uma diferença de 4 mil votos.

Se num primeiro momento o governo municipal contou com maioria na Câmara

de Vereadores, a partir do terceiro ano de mandato com a situação passa a ser a minoria.

Uma das conseqüências apontadas pelos gestores foi a dificuldade de aprovação do

orçamento municipal em 2003 e 2004. Além disso, houve impasses para a

implementação de projetos e liberação de verbas, vindos principalmente do governo do

Estado55, como por exemplo, a viabilização de investimentos no valor de R$ 1 milhão

para o reasfaltamento da área urbana e igual quantia para a Saúde para a expansão de

programas, dentre eles o Programa Saúde da Família. Vale ressaltar que as destinações

desses recursos ocorreram durante o período eleitoral.

A última eleição, ocorrida outubro de 2004, foi particularmente importante para

este estudo porque coincidiu com o início da implementação do Programa Bolsa

Família no município e também com as visitas de campo.

O cenário foi de intensa disputa eleitoral, com o atual prefeito concorrendo à

reeleição pela coligação PSB-PMDB com o então presidente da Câmara Leonardo Terra

(PTB) e com Barbosa Lemos (PDT).

55 Vale ressaltar que tanto o governo municipal quanto o governo do estado do Rio integravam o mesmo Partido, o PMDB. E que próximo às eleições, o governo do estado liberou grande quantia de verbas para serem utilizadas nos municípios aliados.

117

O processo de eleição no município foi extremamente conturbado, devido às

denúncias de assassinato contra o candidato Leonardo Terra, que esteve foragido a

maior parte das eleições, e de uso eleitoral dos programas sociais pelo atual prefeito

Jorge Cherene. Ainda durante este período, Barbosa Lemos desistiu de sua candidatura

para apoiar Leonardo Terra.

Durante o período de visita ao município, a menos de um mês das eleições, foi

possível observar que os principais candidatos gastaram vultosas quantias em suas

campanhas, que contavam com grandes comícios e fretamento de diversos ônibus para

transportarem a população. Pedro Cherene foi reeleito prefeito de São Francisco de

Itabapoana.

É possível observar, que apesar de ser um município recente, a disputa pela

prefeitura fica sempre entre as mesmas elites que se alternam no poder. Essas figuras

políticas apresentam características semelhantes no sentido de serem lideranças com

fortes vínculos personalísticos e fraca ligação partidária. Tal fato dificulta a emergência

de novos atores no cenário político do município.

Com relação à Sociedade Civil, foi possível identificar a atuação de quatro

organizações não governamentais (ONG) no município, sendo duas voltadas para a

recuperação de dependentes químicos e as outras duas para a atenção às crianças

carentes.

De acordo com as entrevistas com os gestores das Secretarias Municipais de

Saúde, Educação e Promoção Social ainda não foram estabelecidas nenhuma parceria

com as ONGS que atuam no município.

No que concerne à formação de cooperativas e de associações civis, há uma

recorrência no depoimento dos diversos atores locais, inclusive antigos moradores, de

que o município, de um modo geral, não apresenta experiências positivas. De fato,

apesar de São Francisco de Itabapoana ser um dos maiores produtores de frutas do

Estado do Rio de Janeiro, os pequenos produtores precisam vender suas safras para os

atravessadores56 a preços muito abaixo do mercado, uma vez que não existe no

município sequer uma cooperativa de pequenos e médios agricultores.

56 Os atravessadores são pessoas que compram os produtos agrícolas dos pequenos e médios agricultores e revendem para os grandes centros e para as grandes distribuidoras e redes de supermercado.

118

Apesar das dificuldades na formação de cooperativas e associações civis, nos

últimos três anos, foram criadas duas associações, uma de pescadores e outra de

mulheres que têm filhos inscritos no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

(Peti).

No caso dos pescadores, em 2002, foi criada uma Colônia no município.

Segundo informações do fundador da Colônia, que em 2004 já contava com que cerca

de 900 filiados, ela tem propiciado avanços na avanços na situação de trabalho dos

pescadores, na medida em que regulariza sua situação trabalhista e que garante a sua

remuneração nos períodos em que a pesca não é possível. Um fato bastante interessante,

é que as mulheres que trabalham nos mangues “catando” caranguejos, também foram

incorporadas à colônia.

A Associação “Mães do Peti”, que será abordada no capítulo 6, foi criada em

2001, em parceria com a Secretaria Municipal de Promoção Social.O principal objetivo

dessa associação é gerar renda e autonomia, através da produção de artesanatos, às

mulheres cujos filhos são beneficiários do Peti.

Tanto a Colônia de Pescadores quanto a Associação “Mães do Peti”, apesar de

serem recentes, são apontadas como experiências que vêm apresentando alguns êxitos.

Neste sentido, a perspectiva principal é de que tais iniciativas possam gerar estímulos

para a criação de outras associações civis e cooperativas no município.

Uma questão interessante a destacar, é que apesar das denúncias constantes de

corrupção, compras de votos durante o período eleitoral e de envolvimento de políticos

locais com assassinatos, não foi possível observar alguma mobilização social em torno

destas questões, como se fossem características inerentes ao local.

Com relação aos conselhos de política social, a observação e a análise das

entrevistas e das atas dos Conselhos Municipais de Segurança Alimentar, Saúde,

Programa Bolsa Escola e Assistência Social demonstrou que alguns destes conselhos,

apontam para existência de algumas dificuldades e limitações no funcionamento dessas

instâncias no município: interferência dos gestores na indicação dos conselheiros da

sociedade civil; existência de vínculos diretos ou indiretos dos conselheiros da

sociedade civil com o governo municipal; desconhecimento (no caso dos conselheiros

entrevistados) sobre o papel do conselho do qual participam e;

119

A falta de parcerias entre as Ongs e o governo municipal, a dificuldade na

formação de cooperativas e de associações civis, além da passividade da população

frente à casos e a fragilidade dos conselhos de política pública apontam para uma

grande fragilidade da sociedade civil organizada no município de São Francisco de

Itabapoana.

Em resumo, o cenário em que o Programa Bolsa Família está sendo

implementado em São Francisco de Itabapoana é de precariedade de acesso às políticas

sociais, dramáticos indicadores sociais e de grande escassez de recursos e dependência

das transferências dos níveis supranacionais de governo e fragilidade da sociedade civil.

Aliada a essas características uma trajetória política, ainda que breve, marcada pelo

predomínio dos mesmos grupos de poder e por relações de favorecimento pessoal.

120

Capítulo VI

O PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

EM SÃO FRANCISCO DE ITABAPOANA

O presente capítulo reconstitui o processo de implementação do Programa Bolsa

Família no município de São Francisco de Itabapoana. Em sua fase inicial (em 2003), o

PBF seguiu a trajetória do Programa Cartão Alimentação e das demais ações do Fome

Zero, contemplando os municípios mais pobres e de pequeno porte das regiões Norte,

Nordeste e Sudeste. Neste cenário, São Francisco emergiu como uma das localidades

prioritárias na fase inicial de implementação PBF.

As principais questões, experiência prévia de implementação de programas de

transferência de renda, estratégia de captação, cadastramento e seleção de famílias,

mecanismo de oferta e acompanhamento das contrapartidas, relação entre os níveis de

governo, relação entre os setores de governo e entre o governo e a sociedade civil foram

analisadas à luz dos seguintes eixos: equidade, descentralização, intersetorialidade e

controle social.

6.1 Experiência Prévia com Programas de Transferência de Renda

Para entender o processo de implementação do PBF em São Francisco de

Itabapoana faz-se de extrema importância recuperar a experiência local com os

programas anteriores de transferência de renda, uma vez que as pré-condições

institucionais e a experiência em programas semelhantes, ou seja, a memória técnica e o

aprendizado institucional exercem grande influência sobre esse processo (Draibe, 1996;

Arretche, 2000).

Quando começou a implementação do Programa Bolsa Família em São

Francisco, existiam no município cinco programas federais de transferência de renda,

são eles: Benefício de Prestação Continuada (BPC); Programa de Erradicação do

Trabalho Infantil (PETI); Bolsa Escola (PBE); Bolsa Alimentação (PBA) e; Auxílio

Gás. No quadro abaixo, são apresentados o número de beneficiários de cada programa

121

federal e os respectivos repasses mensais à prefeitura. Vale ressaltar que tais programas

muitas vezes beneficiam as mesmas famílias.

Quadro 7: Programas Federais de Transferência de Renda Existentes em

São Francisco de Itabapoana- 2003

São Francisco de

Itabapoana

Bolsa Escola Bolsa

Alimentação

Auxílio - Gás Peti BPC

Nº de beneficiários 1455 686 1.485

1.374

215

Repasse mensal

(R$)

16.740,00

10.290,00 22.275,00

27.480,00

51.790,19

Fonte: MDS, MEC, MS, Ministério das Minas e Energia.

São Francisco de Itabapoana, apesar de ser um município recente (emancipou-se

em 1995), foi um dos primeiros locais a ter acesso a um programa federal de

transferência de renda. O PETI foi implementado em 1997 quando ainda se chamava

“Programa Brasil Criança Cidadã”. Nessa época, o programa era restrito às áreas rurais

e às atividades laborativas que apresentassem grandes riscos à saúde das crianças e dos

adolescentes e, portanto, contemplava um número reduzido de municípios.

A definição das áreas prioritárias foi feita com base em um levantamento

realizado pelo Fórum Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil57, onde o Norte do

Estado do Rio de Janeiro foi indicado por conta da freqüente utilização de mão de obra

infantil nos canaviais nessa região. (Macedo, 2004)

Através de um convênio firmado com a União, o governo do Estado do Rio

criou uma Comissão Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, que

juntamente com a Secretaria de Estado de Trabalho e Ação Social, fizeram o

levantamento inicial do número de crianças que trabalhavam nos canaviais e nas

lavouras de fruticultura. A partir desse levantamento, foi elaborado o Plano Estadual de

Implantação do PETI nos municípios do norte fluminense, do qual São Francisco de

Itabapoana fazia parte.

57 Para maiores detalhes ler: Macedo, M. A., 2004. Transferência de Renda: Nova Face da Proteção Social?

122

De acordo com os dados, depois de Campos dos Goytacazes (2.614), São

Francisco de Itabapoana (891) era o município com maior número de crianças a serem

atendidas pelo programa (Macedo, 2004).

Dessa forma, já no seu primeiro ano como ente federativo (1997), o município

também iniciou sua experiência com programas de transferência de renda, no caso, o

PETI. Esse fato justifica o destaque dado ao programa na análise da experiência prévia

do município.

O PETI transfere recursos monetários (R$25,00 na área rural e R$40,00 na área

urbana) às famílias cujas crianças trabalham e também repassa verba às prefeituras para

que possam viabilizar a realização de atividades extra-classe, uma vez que para receber

a bolsa, a criança tem que ter freqüência mínima de 75% na escola e participar de

atividades educativas que são ministradas depois das aulas. Em novembro de 2004, o

PETI contemplava 1.374 crianças em São Francisco de Itabapoana, totalizando um

repasse mensal de R$27.480,00. (MDS, 2004)

Para os gestores entrevistados, o PETI se configura numa das experiências de

gestão mais exitosas do município, visto que houve importante redução da utilização da

mão de obra e infantil e a realização de atividades de capacitação e conscientização das

famílias.

“Tem dado um resultado imenso. Antigamente a gente chamava a família para

um encontro, vinham duas, três, quatro. Hoje, nós temos um resultado,

participando, a maioria é de 70% de famílias. Inclusive um aumento enorme em

relação aos maridos”. (Entrevista 3)

Uma experiência inovadora no município foi a criação, em 2001, da Associação

“Mães do PETI” que produz artesanatos com a Taboa, uma planta encontrada,

principalmente, nos mangues. A Associação conta com uma sede, doada pela prefeitura

municipal, aonde são realizados cursos de capacitação das mulheres e a venda dos

artesanatos.

Em 2004, trinta e duas mulheres integravam a Associação, que de acordo com a

Presidente, ganhavam, em média, um salário mínimo por mês. Ela destacou a

123

importância dessa atividade no aumento da auto-estima dessas mulheres e na

emancipação das famílias.

Uma das principais dificuldades do PETI no município é a constante

descontinuidade de repasse dos benefícios, o que gera desconfiança e desestímulo às

famílias beneficiárias, fazendo com que muitas crianças abandonem o programa e

retornem ao trabalho.

“As famílias passam a desacreditar no programa. (...) você ganha um mês, mês

que vem não sabe se ganha”. (Entrevista 2)

Além do PETI, o Programa Bolsa Escola58, que começou a ser implantado em

2001, também é destacado enquanto uma experiência positiva no município. O PBE tem

como objetivo reduzir a pobreza através da concessão de benefício financeiro e do

acesso à escola às crianças entre 7 e 14 anos. A adesão dos municípios ao Programa

implicava no cumprimento de algumas contrapartidas, como a indicação de um técnico

para coordenar o programa, a captação, cadastramento e seleção das famílias

beneficiárias, a garantia de acesso à escola às crianças, o monitoramento da freqüência

escolar e a instituição de um Conselho de Controle Social.

No âmbito local, o PBE era gerido pela Secretaria Municipal de Educação e

Cultura. De acordo com o coordenador do programa, todas as crianças contempladas

pelo PBE que não freqüentavam a escola foram inseridas na rede escolar do município.

No que concerne às condicionalidades, a freqüência escolar era acompanhada através de

relatórios trimestrais, que após aprovação do Conselho Bolsa Escola, eram

encaminhados ao Ministério da Educação.

O Conselho de Controle Social do Bolsa Escola foi instituído formalmente em

maio de 2001 e era composto por sete conselheiros, sendo quatro da sociedade civil e

três do governo municipal. As reuniões do Conselho, em geral, ocorriam com uma

periodicidade trimestral. Após exame das atas das reuniões e entrevistas com

58 O Programa Bolsa Escola transfere às famílias pobres (renda per capita inferior a ½ salário) uma bolsa no valor de R$15,00 por criança na faixa etária entre 7 e 14 anos, chegando ao teto de R$45,00 por família. Para receber o benefícios, as crianças precisam ter freqüência escolar superior à 85%.

124

conselheiros, foi possível observar que as discussões giravam em torno da aprovação

dos relatórios de acompanhamento da freqüência escolar das crianças beneficiárias do

Programa enviados pela Secretaria de Educação. Nos casos de baixa freqüência escolar

sem justificativas, o Conselho determinava a suspensão temporária do benefício até que

a família se pronunciasse sobre o assunto. No entanto, em alguns desses casos, antes de

suspender o benefício os conselheiros realizavam visitas domiciliares para apurarem as

causas da ausência da criança.

No entanto, para além das atividades de acompanhamento da freqüência escolar,

não foram identificadas nas atas e nem nas entrevistas, a existência no interior do

Conselho de discussões sobre o desenho e as estratégias de implementação do programa

no município.

Com relação aos resultados, embora não tenha sido feita nenhuma avaliação59

institucional do programa, os gestores apontam que o principal avanço propiciado por

ele foi o aumento da freqüência escolar das crianças beneficiadas pelo PBE.

“A gente teve bastante sucesso. (...) Em todos os sentidos, na complementação

das famílias e também na gestão, na execução do programa e na questão da

evasão”. (Entrevista )

“Você compara, pega uma escola... vamos colocar no início de 2002, quando

começou a freqüência realmente. Pega a freqüência escolar de 2002, no

primeiro trimestre de 2002 com o terceiro trimestre de 2003. Você vê a

diferença da freqüência escolar, o rendimento que passou a ter aquela criança.

(...) Se não me engano, a gente estava com 24% de evasão escolar e freqüência

baixa. O que após a freqüência, acompanhamentos, visitas e treinamentos com

diretores, professores, chegou a 0,2%. O número reduziu bastante”. (Entrevista

1)

59 Na verdade, durante o trabalho de campo, foi possível observar que o município não apresenta uma tradição de avaliação dos programas.

125

Já o Programa Bolsa Alimentação, gerido pela secretaria municipal de Saúde de

São Francisco, teve início em 2002. Assim como no Programa Bolsa Escola, para aderir

ao PBA o município precisava indicar um responsável técnico para gerir o programa,

garantir a oferta e o monitoramento da agenda de compromissos e o controle social.

A agenda de compromissos que deveria ser cumprida pelas crianças (6 meses a 6

anos), gestantes e nutrizes, incluía a atenção ao pré-natal, acompanhamento do

crescimento e desenvolvimento das crianças e a manutenção do cartão de vacinação em

dia. No entanto, dentre estas condicionalidades, segundo informações dos gestores,

apenas o estado nutricional das crianças vinha sendo acompanhado de forma

sistemática, a cada dois meses, no município.

“O padrão que a gente tinha era o peso. (...) de dois em dois meses a mãe tem

que ir lá me dar o peso”. (Entrevista 2)

Apesar da afirmação acima, conforme discutido no capítulo 5, a análise da série

histórica da Secretaria de Estado de Saúde, demonstrou que o município de São

Francisco de Itabapoana não tem alimentado regularmente o Sisvan, tampouco,

participado das atividades de capacitação que vem sendo efetuadas pelo estado. Tal

situação merece um maior aprofundamento: os dados são coletados nas unidades

básicas de saúde e consolidados pelo município, mas não são enviados ao estado? Os

dados são coletados, mas não são registrados pelo município? Vale destacar que apesar

dos dados do Sisvan terem sido solicitados à coordenação do programa, os mesmos não

foram disponibilizados para a pesquisa.

Além das contrapartidas citadas acima, o regulamento do PBA, previa ainda a

realização de atividades de educação nutricional com as famílias beneficiárias, com a

finalidade de orientar a utilização dos recursos de forma a garantir uma alimentação

adequada. No município, tal ação não era desenvolvida com êxito, uma vez que,

segundo os gestores, as famílias relutavam em participar das atividades propostas pela

secretaria de saúde.

126

“Essa agenda de compromisso, você vai lá para conversar com a mãe. A mãe

nem vai, diz que vai gastar passagem para conversar. Conversar o quê? A gente

incentiva para vir conversar, usar a verba na alimentação, mas elas não querem

saber disso”. (Entrevista 2)

Realizar atividades educativas, principalmente àquelas relacionadas com o

hábito alimentar, não é tarefa fácil. Em geral, a metodologia utilizada não se baseia em

trocas de experiência e na valorização da cultura das famílias, mas na simples

transmissão de conteúdos, muitas vezes fora da realidade local. Nesse processo não há

trocas, parte-se da premissa de que as pessoas desconhecem por completo as práticas

alimentares, e que, portanto, não são capazes de compartilhar o seu conhecimento.

(Rotenberg & Marcolan, 2002)

No que concerne à relação entre os níveis de governo em torno dos programas

federais de transferência de renda, as falas dos gestores deixam claro que este diálogo se

dava diretamente com o governo federal, sem a participação da esfera estadual.

“Eu nunca tive contato como Estado, o meu sempre foi com o Ministério”.

(Entrevista 1)

Contudo, tal padrão não é observado no caso do PETI e nos demais programas

geridos pela Secretaria Municipal de Promoção Social, pois, de acordo com os gestores,

o estado promove ações de capacitação e fornecimento de informações.

“O Governo Estadual, ele é mais ligado à Secretaria de Promoção Social. O

nosso já é direto com o Federal”. (Entrevista 4)

A maior proximidade do Governo Estadual com a Secretaria Municipal de

Promoção Social e do Governo Federal com as Secretarias de Saúde e Educação pode

estar relacionada aos seguintes fatores:

127

i) Contexto nacional - a descentralização não se deu da mesma forma

nos diversos setores sociais. As áreas da saúde e da educação sofreram

um grau mais acentuado de municipalização, e, portanto,

estabeleceram uma relação mais direta com o nível federal, enquanto

na assistência social, ultima a efetuar o processo de descentralização, a

municipalização não se deu de forma tão acentuada.

ii) Contexto regional - esse fato estaria relacionado com uma

característica própria do atual governo estadual do Rio de Janeiro, no

qual a assistência social é o principal carro-chefe e a porta de entrada

nos municípios. No caso de São Francisco de Itabapoana, essa

proximidade poderia ser mais acentuada ainda pelo fato dos governos

serem filiados ao mesmo partido político, o PMDB.

Com relação às dificuldades na implementação dos programas, os principais

entraves apontados pelos gestores foram: a ausência de um apoio logístico, técnico

operacional e de diálogo com o estado; a falta de canais de diálogo com o governo

federal e também de estratégias de capacitação dos gestores e dos técnicos municipais;

reduzida infra-estrutura e recursos humanos; dificuldade em operar o cadastramento e; a

precariedade de transporte no município.

Além dos cinco programas federais de transferência de renda, a Prefeitura de

São Francisco de Itabapoana criou através da Lei nº. 125 de 15 de Maio de 2002 o

Programa Municipal de Renda Mínima (PMRM) no qual o recebimento do benefício

também está atrelado ao cumprimento de contrapartidas por parte das famílias.

6.1.1 Programa Municipal de Garantia de Renda Mínima

O Programa Municipal de Renda Mínima (PMRM), assim como a maior parte

dos programas de transferência de renda desenvolvidos no Brasil, contempla as famílias

pobres com filhos até 14 anos de idade e atrela o recebimento do benefício a matricula e à

freqüência escolar das crianças.

O PMRM é gerido pela Secretaria Municipal de Promoção Social e tem como

objetivo principal “elevar o bem-estar de famílias carentes com filhos e dependentes

128

menores de 14 anos e, simultaneamente, incentivar a escolarização de seus filhos e

dependentes entre 7 e 14 anos” (Lei 125/02 artigo 1º) .

O quadro abaixo apresenta um resumo das principais características do PMRM

Quadro 8: Principais Características do Programa Municipal de Renda

Mínima (PMRM) de São Francisco de Itabapoana

Critério de

elegibilidade

Benefícios

(mensal)

Condicionalidades Meta Cobertura

(Julho/04)

Idade > 18 anos;

Tempo de

residência maior

que 2 anos;

Renda per capita

inferior a ¼

salário mínimo;

Ter filhos menores

de 14 anos

Cesta Básica de

Alimentos

ou

Bolsa auxílio

(1salário mínimo)

Crianças entre 7 e 14 anos -

freqüência escolar mínima de

75%

Maiores de 18 anos –

atividades laborativas,

educativas e promocionais em

alguma Secretaria Municipal

500 famílias

200 – cesta

básica

300 – bolsa

auxílio

82 famílias

Fonte: Lei Municipal nº 125 de 15 de Maio de 2002

As famílias selecionadas pelo PMRM recebem mensalmente uma “bolsa

auxílio” no valor de um salário mínimo ou uma cesta básica de alimentos60

(aproximadamente R$20,00). Apesar dos benefícios serem de natureza e de valores

distintos, não existe um critério específico para definir se a família receberá a cesta ou o

recurso em espécie.

No que concerne aos mecanismos de seleção, o ingresso das famílias ao PMRM

se dá através da inscrição num cadastro, cujas informações são coletadas através de um

formulário próprio para o programa. Após o cadastro, respeitando o limite de bolsas e

cestas a serem concedidas, são selecionadas as famílias que serão contempladas pelo

programa, desde que cumpram os critérios de elegibilidade apresentados no quadro 8

(PMSFI, 2002).

60 A cesta básica é composta por: 5kg de arroz, 5 Kg de açúcar; 2Kg de feijão; 1 Kg de farinha; 1 kg de macarrão; 1 KG de fubá; 1 litro de óleo, 1Kg de sal e 250g de café.

129

É interessante notar, que apesar do Cadastro Único61 já ter sido implementado

no município, o PMRM não compartilha desse banco de dados, utilizando um cadastro

próprio. Ao criar uma base de dados paralela existe o risco de o programa vir a

beneficiar famílias já contempladas por programas federais de transferência de renda

(sobrefocalização), em detrimento de famílias sem nenhuma proteção social. Além

disso, os recursos empregados na operacionalização deste cadastro poderiam ser

utilizados na ampliação da cobertura do programa.

Com relação às condicionalidades, cabem às famílias as seguintes

responsabilidades:

i) Crianças entre 7 e 14 anos - freqüência escolar mínima de 75%

ii) Adultos – atividades laborativas, educativas e promocionais nas

Secretarias Municipais de Promoção Social, Meio Ambiente,

Agricultura, Educação e Cultura ou Saúde

Tais condicionalidades, de acordo com a lei de criação do programa, são

monitoradas pela Secretaria de Promoção Social através dos seguintes mecanismos:

controle da freqüência escolar; reuniões mensais sócio-educativas e; acompanhamento

das atividades laborativas nas secretarias.

A lei define ainda que o tempo máximo de permanência é de 1 ano, no caso do

bolsa auxílio e de quatro meses, no caso da cesta básica de alimentos. No entanto, as

famílias poderão ser desligadas do programa antes de completar o período máximo se

for comprovada fraude nas informações prestadas ou mudança na situação econômica.

Em caso de descumprimento da freqüência escolar mínima o benefício é suspenso por

um mês.

A meta inicial do PMRM era a distribuição mensal de 200 cestas básicas e de

300 bolsas auxílio, totalizando um gasto anual de R$ 768.000,0062. No entanto, no final

de 2004, dois anos após o início da implementação do programa no município, só

61 O Cadastro Único dos programas sociais do governo federal começou a ser implementado em São Francisco de Itabapoana no ano de 2001. 62 Dados referentes à 2002. Considerando o salário mínimo de R$ 240,00 e a cesta básica em R$20,00.

130

haviam sido contempladas 82 famílias, ou seja, apenas 16,4% do previsto. Os gestores

alegaram que o município vem passando por uma grande restrição orçamentária,

causada principalmente pela queda na arrecadação dos royalties63 do petróleo e pela não

aprovação do orçamento pela Câmara Municipal.

Embora os gestores apontem que o maior entrave para o não atendimento da

população alvo seja a restrição orçamentária, na verdade, o próprio desenho do PMRM

dificulta a inclusão de todas as famílias consideradas como potencialmente

beneficiárias. Primeiro pelo alto valor do benefício frente à realidade financeira do

município (um salário mínimo) e segundo pela exigência de que os adultos exerçam

funções laborativas em diversas secretarias municipais de governo. Como incluir na

administração publica de um município de pequeno porte cerca de 500 pessoas?

A criação de um programa próprio de transferência de renda pode indicar a

preocupação do município em enfrentar a pobreza e a fome, contudo, a baixíssima

cobertura do programa implica numa baixa eficácia e numa segmentação ainda maior da

pobreza em São Francisco de Itabapoana.

Tal situação em que apenas uma pequena parcela das famílias pobres é

contemplada pelos programas de transferência de renda é bastante comum nos

municípios brasileiros, uma vez que, segundo Lavinas (1997), dificilmente a capacidade

financeira dos municípios com baixo nível de renda e grande proporção de pobres

possibilitaria um atendimento universal da população potencialmente beneficiária, salvo

em casos de co-financiamento das esferas estadual e federal.

Foge aos objetivos desse estudo uma análise pormenorizada do Programa

Municipal de Renda Mínima, no entanto, algumas questões merecem um futuro

aprofundamento, principalmente no que concerne às contrapartidas exigidas pelo

PMRM.

A partir dessa breve análise dos programas de transferência de renda em São

Francisco de Itabapoana, foi possível conhecer a experiência anterior do município em

programas semelhantes e as pré-condições institucionais, fatores esses que podem

exercer grande influência no processo de implementação do Programa Bolsa Família

(Draibe et al, 1996). De acordo com o exposto até o presente momento, fica claro que o

63 Conforme comentado no capítulo 5, em 2003 houve uma redivisão dos recursos advindos do petróleo entre os municípios limítrofes, havendo redução do montante destinado a São Francisco de Itabapoana.

131

município ainda apresenta importantes fragilidades institucionais e uma baixa memória

técnica. A grande extensão de seu território (2º maior do estado), aliado às condições

precárias de transporte e à falta de recursos logísticos das secretarias municipais

dificultam ainda mais a operacionalização dos programas no nível local. Em geral, a

maior parte dos programas carece de uma avaliação institucional e de mecanismos

sólidos de monitoramento. Foi possível observar ainda, que o município não possui uma

tradição de planejamento e execução conjunta dos programas de transferência de renda

desenvolvidos pelas diversas secretarias.

Com relação às relações intergovernamentais, o município tem estabelecido uma

relação direta com o governo federal e, inclusive, alegam ressentirem-se de uma atuação

mais próxima do governo do estado. De acordo com os gestores, com exceção do Peti,

os demais programas de transferência de renda não vêm sendo acompanhados pelo nível

estadual, faltando apoio técnico, recursos financeiros e logísticos.

No que concerne ao controle social, a análise das atas dos Conselhos Municipais

de Saúde (CMS) e do Programa Bolsa Escola (CMPBE) permitiu observar que as

discussões destes conselhos não contemplavam questões mais amplas relacionadas ao

desenho e a estratégia de implementação do programa no município, uma vez que suas

atuações se limitavam a aprovação dos relatórios de acompanhamento das

contrapartidas.

Por outro lado, é imperioso reconhecer que alguns esforços de superação dessas

limitações vêm sendo empregados, principalmente na gestão do PETI e do Programa

Bolsa Escola, como a criação da Associação “Mães do Peti” que tem como objetivo a

geração de emprego e renda para as famílias inscritas no Peti e a iniciativa de aumentar

a cooperação entre os níveis de governo através da organização de um seminário para

discutir o Programa Bolsa Escola.

6.2 O Programa Bolsa Família em São Francisco de Itabapoana

O Programa Bolsa Família começou a ser implementado em São Francisco de

Itabapoana, tão logo foi instituído pelo Governo Federal, em outubro de 2003, sendo

gerido pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Como mencionado

132

anteriormente, o município foi considerado como área prioritária para as ações do

Programa Fome Zero.

Num esforço de melhor compreensão do PBF no município, cabe apresentar

aqui o contexto de implementação do programa no Estado do Rio de Janeiro. O estado

fluminense foi uma das primeiras Unidades da Federação a celebrar um termo de

cooperação com a União, em maio de 2004.

No entanto, apesar da assinatura do termo ser considerada uma das principais

causas da aceleração do processo de implementação do PBF nos estados, no caso do Rio

de Janeiro (35,8%) a cobertura do programa está abaixo da média nacional (58,6%)64.

Tal fato também ocorre em relação ao Cadastro Único, sendo o Rio de Janeiro (55,7%)

o segundo estado com menor percentual de famílias pobres cadastradas.

Na verdade, existem grandes disparidades de cobertura entre os 92 municípios

pertencentes ao estado. Enquanto alguns como Itaocara e Aperibé já incluíram

respectivamente, 78,2% e 66,4% das famílias pobres, outros, como Cantagalo (0,0%),

Rio Claro (5,8%) e Barra do Piraí (9,2%) não atingiram nem 10% da população prevista

inicialmente.

Na região Norte Fluminense o panorama é similar ao encontrado no resto do

estado (Tabela 29). Ainda de acordo com a tabela abaixo, São Francisco de Itabapoana

está entre os municípios que apresentam o maior percentual de cobertura do PBF.

64 Dados referentes à Dezembro de 2004.

133

Tabela 29: Cobertura do Programa Bolsa Família nos Municípios do Norte Fluminense, Brasil 2004.

Município Estimativa de famílias pobres

% de Famílias Pobres incluídas no PBF

Cardoso Moreira 1.066 63,4

Conceição de Macabu 910 53,5

São Fidélis 2.741 51,1

São Francisco de Itabapoana 3773 50,00

São João da Barra 2033 36,8

Quissamã 843 36,7

Macaé 4.336 29,8

Carapebus 379 29,3

Campos do Goytacazes 21.868 10,9

Fonte: MDS, 2004. Dados referentes à Dezembro de 2004.

Vale ressaltar que a definição do teto de bolsas que cada município receberá do

governo federal foi baseada na estimativa de pobreza (famílias com renda per capita

inferior à R$100,00) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De

acordo com esse levantamento, em São Francisco de Itabaponana, 3773 famílias

encontravam-se em situação de pobreza ou extrema pobreza.

Em outubro de 2003, foram incluídas 1.308 famílias no PBF (35% da meta),

provenientes, principalmente, da migração dos Programas Bolsa Alimentação, em

menor escala, do Programa Auxílio Gás. No entanto, ao longo do ano de 2004 não

houve inclusão de novas famílias. Uma possível justificativa para essa estagnação é a

mudança de prioridades do MDS que passou a focalizar o PBF, principalmente, nas

grandes metrópoles.

Em Dezembro de 2004 com a inclusão de mais 571 famílias, algumas migradas

do Auxílio Gás e outras incluídas pelo Cad-Ùnico, o percentual de cobertura do PBF no

município passou de 35% para 50%, ou seja, um aumento de 46% (Gráfico 7). Essa

134

cobertura (50%) é próxima ao país (58,6%) e inferior a cobertura do Estado do Rio de

Janeiro (35,8%)65.

Gráfico 7: Evolução Percentual da Cobertura do PBF* – São Francisco de

Itabapoana, Brasil 2004 em Outubro/2003 a Dez/2004

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Out 2003 Dez 2004

% famílias não

atendidas

% famílias

atendidas

De acordo com os agentes implementadores, o processo de transição dos

programas remanescentes para o Programa Bolsa Família vem ocorrendo de forma

bastante confusa, sem informações concretas do governo federal e sem capacitação dos

gestores. Por esse motivo, na ocasião da primeira visita ao município em maio de 2004,

alguns destes atores não viam a unificação dos programas de renda como um possível

avanço.

“Porque só gerou problemas e a gente está sem acompanhamento, sem

treinamento, está sem nada. As prefeituras ainda estão um pouco presas ao que

fazer com o Bolsa Família”. (Entrevista 1)

“A gente ficou totalmente perdido. Não sabia quem tinha migrado pro bolsa

família, quem permaneceu no bolsa alimentação, bolsa escola”. (Entrevista 2)

65 Valores referentes ao mês de Dezembro de 2004.

Fonte: MDS, 2004. * Segundo estimativa de nº de famílias pobres do IBGE.

135

De fato, no panorama atual do município, ainda existem famílias que não

migraram para o PBF e que continuam nos programas remanescentes, recebendo valores

diferentes e com condicionalidades e gestões também diferenciadas (Tabela 30).

Tabela 30: Programas de Transferência de Renda (PBF e Programas Renamenescentes) no Município de São Francisco de Itabapoana – Dezembro,

2004.

Programa Nº de Famílias beneficiadas

Valor mensal do benefício

Bolsa Alimentação

0

R$15,00 por criança, gestante ou nutriz, com teto máximo de R$45,00

Bolsa Escola 728 R$15,00 por criança, gestante ou nutriz, com teto máximo de R$45,00

Auxílio Gás 927 R$14 bimensais

Bolsa Família

1879

Fixo:R$50,00

Variável: R$15,00 por criança, gestante ou nutriz, com teto máximo de R$45,00

Fonte: MDS, 2004.

Outro fato que vem tumultuando esse processo de transição é a falta de

esclarecimento sobre a compatibilidade ou não entre o PBF e o PETI. Em princípio, os

gestores mencionaram que a impossibilidade de inclusão das famílias beneficiárias do

PETI no Bolsa Família, vem gerando grandes transtornos na medida em que muitas

famílias estão querendo se desligar do PETI para que possam ser contempladas pelo

PBF.

“Houve um avanço. Eu só fico preocupada com a situação do PETI. Isto que

não está claro na minha cabeça. (...) Porque elas não fazem parte. (...) quem

faz parte do PETI não pode ter Bolsa Família. Então, eles de qualquer jeito

estão sendo excluídos”. (Entrevista 4)

136

“Então, aquele trabalho que você já vinha desenvolvendo há um bom tempo é

interrompido, porque eles querem sair a qualquer preço. E estas crianças que

foram trabalhadas, este trabalho todo que a gente vem desenvolvendo com esta

criança, com esta família?” (Entrevista 4)

Uma vez que o processo de implementação é bastante dinâmico e tem a

capacidade de alterar o curso do que foi previamente formulado, as opiniões, os

conceitos e os valores dos agentes implementadores sobre o programa são considerados

aspectos chaves, principalmente porque estes atores possuem grande autonomia

decisória (Arretche, 2001; Viana, 1996, Mazmanian & Sabatier, 1989).

No caso de São Francisco de Itabapoana, existe uma grande desconfiança entre

os principais atores envolvidos com o PBF de que os programas que transferem renda

podem vir a desestimular o trabalho.

“As pessoas ficam em função, e nem querem trabalhar. “Cadê meu benefício,

cadê meu benefício”?”. Teve um caso que aconteceu comigo que uma família

que não pegou durante três meses e quando foi pegar tinha R$245,00. Um

salário mínimo sem fazer nada. O trabalho deles agora é correr atrás do

benefício”. (Entrevista 2)

“Então, já tivemos várias famílias em que a mãe trabalhava. (...) doméstica,

fazia faxina nas casa, limpeza disso, descascando camarão, limpava peixe, tudo

isso. Elas pararam de trabalhar porque achavam que os R$50,00 (benefício

fixo) a mais seria mais do que se elas trabalhassem. Então, se diminuíssem a

renda familiar elas teriam direito a estes R$50,00 básicos66.” (Entrevista 1)

Na verdade, a possibilidade de estímulo ao ócio se configura numa das

principais críticas aos programas de renda mínima (Silva e Silva, 1997) e tem sua

66 De acordo com o regulamento do Programa Bolsa Família, quando a renda per capita é inferior à R$50,00 mensais, as famílias tem direito a receber um benefício fixo no valor de R$50,00 além do benefício variável de R$15,00 por criança até 14 anos.

137

origem na concepção bastante difundida, no início do século, de que a pobreza está

fortemente vinculada à noção do indivíduo sem disposição para o trabalho. Inclusive,

algumas propostas internacionais, como o Imposto Negativo de Milton Friedman, e

nacionais, como o Projeto de Renda Mínima do Senador Suplicy, preocuparam-se em

construir modelos que mantivessem o estímulo ao trabalho.

Apesar de considerarem que o PBF pode gerar desestímulo ao trabalho, os

entrevistados destacaram a complementação da renda familiar e a possibilidade de

maior acesso a uma alimentação adequada como pontos positivos presentes no

programa.

“Tem seus lados positivos e negativos. Os positivos, a ajuda financeira à

família, pela complementação da renda e pelas despesas alimentícias e outras.

E por outro lado, também desenvolve um pouco do chamado não-trabalho.

Muitos ficam na espera dos benefícios e não vão em busca de trabalho”.

(Entrevista 1)

6.2.1 Captação, Cadastramento e Seleção de Beneficiários

Diversos estudos apontaram que, em geral, os programas de combate à fome e à

pobreza no Brasil realizavam uma focalização perversa, pois não conseguiam atingir os

grupos mais vulneráveis e não priorizava as regiões mais atingidas pela miséria

(Peliano, 1996; Lopes,1996). Neste sentido, o processo de captação, seleção e

cadastramento dos potenciais beneficiários se constitui numa operação fundamental no

sentido de garantir a um determinado programa o princípio da equidade.

Paradoxalmente, esta etapa crucial da implementação de programas sociais é a

que padece de maior estrutura logística e de planejamento prévio. Apesar do esforço do

governo federal em criar um Cadastro Ùnico, em recente avaliação (2002), o TCU

apontou diversos problemas nos cadastros como: má qualidade dos dados, falta de

mecanismos de verificação dos rendimentos declarados pelas famílias; falta de

sistemática para a atualização e a manutenção da base de dados pelos municípios;

insuficiência de recursos humanos para o cadastramento nos municípios; deficiências de

138

treinamento e capacitação dos cadastradores; dificuldades no envio de informações dos

municípios para a CEF e dificuldades de acesso às famílias, duplicidade de cadastro e o

cadastramento de famílias acima da linha de pobreza (TCU, 2002).

Algumas ações empregadas pelo governo federal, como a realização de um

Seminário Nacional em Brasília com gestores estaduais e municipais, a aplicação de

recursos advindos da parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)

e o desenvolvimento de uma nova versão do software do programa, vêm propiciando a

correção de parte dos problemas identificados pelo TCU. No entanto o governo federal

ainda não foi capaz de evitar o mau uso do cadastro pelas prefeituras municipais, como

cadastramento de pessoas acima da linha estipulada, uso eleitoral e clientelista e a

duplicidade de cadastros (TCU, 2004). Na verdade, tais situações vêm sendo

constantemente denunciadas pela mídia.

Como o processo de cadastramento é descentralizado, cada prefeitura pode

efetuá-lo da forma que lhe for conveniente, uma vez que o MDS não dispõe de

mecanismos de controle desse processo, tampouco os governos estaduais.

Dessa forma, a qualidade do cadastro e o grau de focalização das famílias

potencialmente beneficiárias variam de município para município, sendo, portanto,

imprescindível reconstituir esse processo no nível local, para saber se o mesmo

reproduz as iniqüidades dos programas sociais anteriores ou se caminha em direção a

uma focalização positiva.

De fato, estudos realizados em municípios do Estado do Rio de Janeiro vêm

indicando que variações na capacidade técnico político-institucional da rede de saúde e

educação locais levam a processos muito distintos de captação, cadastramento e seleção

de beneficiários para os programas de transferência de renda. (Burlandy, 2003)

O acesso das famílias ao PBF pode se dar através da migração das famílias

beneficiárias dos programas remanescentes (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio-

Gás e Cartão Alimentação) ou da inclusão de novas famílias no cadastro único. Em São

Francisco de Itabapoana é possível dividir o processo de captação e cadastramento de

beneficiário do PBF em três etapas:

a) Migração dos programas remanescentes

b) Complementação dos dados do Cadastro do Programa Bolsa Escola (CadBes)

139

c) Cadastramento Único de novas famílias

a) Migração dos programas remanescentes:

O processo de cadastramento dos programas remanescentes ocorreu de forma

desarticulada, pois cada secretaria adotou uma estratégia própria, levando,

principalmente, em consideração a sua capacidade técnica e operacional.

Apesar do Cad-único ter sido implementado em 2001, o cadastro não era

aproveitado para outro programa, representando para o município maiores gastos com

operacionalização dos cadastros, além de gerar duplicidades.

“Cada secretaria acatou a sua. Não somente essa prefeitura, todas as

prefeituras fizeram isso (...) Porque os programas eram muito dependentes das

secretarias. O Bolsa Escola, por exemplo, tinha que ser da Educação, não

poderia ser vinculado a outra secretaria”. (Entrevista 1)

Na verdade, a superposição de ações e a desarticulação entre as secretarias

podem ser observadas em grande parte dos municípios. Não raro, quando há troca de

governos o cadastro anterior é descartado pela nova administração.

Os técnicos do município de São Francisco reconheceram que a desarticulação

entre as secretarias provocou alguns problemas como a duplicidade de cadastros e a má

focalização. Muitas famílias com maior grau de informação cadastravam-se nas várias

secretarias e muitas vezes, eram contempladas com mais de um programa de

transferência de renda.

“Aí o que aconteceu? Ela (Promoção Social) cadastrou, a saúde cadastrou e a

educação cadastrou. As famílias que tinham uma consciência melhor, um nível,

iam lá cadastravam na promoção, na saúde e na educação. Nós estamos tendo

muitos problemas com isso”. (Entrevista 2)

140

No caso do Bolsa Escola, a estratégia adotada em São Francisco foi a divulgação

do programa na rede municipal e estadual de ensino, a solicitação da indicação das

crianças pela escola e, por último, a realização de uma visita domiciliar para efetuar o

do cadastramento.

“A gente ia até a escola. Como era um número bem pequeno de vagas a ser

contempladas, a gente fazia estas visitas domiciliares mesmo. Através da

indicação da escola. (...) então ela nos indicava e a gente ia até a comunidade

fazer o cadastro”. (Entrevista 1)

As principais justificativas para a adoção desta estratégia foi a inviabilidade de o

município fazer uma visita a todos os domicílios da cidade, o pequeno número de bolsas

que inicialmente foram destinadas a São Francisco e a crença de que a escola, por ter

maior proximidade com as famílias, poderia indicar de forma mais fidedigna as crianças

em situação de miséria.

“A escola identifica aquela família, porque o aluno está ali na escola, então é

mais fácil fazer o cadastro. (....) Porque a escola sendo um agente dentro da

comunidade, ela tinha uma visualização bem maior do que nós aqui na

secretaria. Então ela nos indicava e agente ia até a comunidade fazer o

cadastro” (Entrevista 1)

A adoção deste mecanismo de captação via indicação das escolas apresenta

algumas vantagens, pois dada a impossibilidade de cadastramento de todas as famílias

pobres diretamente nos domicílios, as escolas, que segundo a secretaria de educação,

estão presentes em praticamente todo o território do município, poderia ser uma via de

acesso às famílias que se localizam fora do centro urbano. Além disso, as escolas

potencialmente apresentariam maior conhecimento acerca da situação social das

famílias. Por outro lado, tal estratégia pode representar uma exclusão das crianças que

não tem acesso à escola e que, portanto, se constituem nos grupos mais vulneráveis e

prioritários para o programa.

141

De acordo com os gestores, uma das soluções para este problema foi o Programa

Federal Brasil Escola de Todos, no qual uma equipe de entrevistadores ia até as

localidades e identificava as crianças que estavam fora da rede de ensino. Uma vez

identificadas, as crianças eram matriculadas na escola e inseridas na base do cadastro do

PBE.

“Temos o Programa Escola de Todos, que o governo federal deu início. Uma

equipe de dez entrevistadores vai até as localidades, de casa em casa e

identifica, faz a entrevista verificando se há alguma criança fora da escola. A

partir daí a gente toma as devidas providências como a questão do trabalho

infantil, como a questão nutricional, tudo isso”. (Entrevista 1)

Ainda assim, num estudo realizado pelo Instituto de Estudos Trabalho e

Sociedade (IETS)67, foi evidenciado que os programas do tipo “Bolsa Escola”

incluíram, principalmente, as crianças que já tinha acesso à rede de ensino, em

detrimento daquelas que ainda se encontravam fora da escola (Schwartzman, 2004).

Com relação ao Programa Bolsa Alimentação, foi feita a divulgação nas diversas

localidades do município através da rádio local e de um carro de som através dos quais a

população era convocada a comparecer à sede da secretaria de saúde para que fosse

cadastrada.

“A gente anunciou na rádio local que ia ter o cadastramento do Bolsa

Alimentação, aí a variação da idade da criança, marcamos um dia”.

(Entrevista 2)

A principal limitação desta estratégia de cadastramento é que, geralmente, as

famílias mais vulneráveis moram em localidades rurais e distantes do centro, em que o

acesso é dificultado, sobretudo pelo transporte precário do município. Dessa forma, a

possibilidade das famílias extremamente pobres e sem acesso a nenhuma rede social

serem incluídas no cadastro fica muito reduzida.

67 Este estudo foi realizado pelo pesquisador Simon Schwartzam a partir dos dados da PNAD 2003.

142

Quando indagados se esses programas foram capazes de atingir as famílias mais

pobres entre os pobres, os gestores reconheceram a dificuldade em realizar uma

focalização positiva.

“Não. Hoje em dia tem pessoas que precisam e que não estão cadastradas.

Aparecem muito. (...) Tem gente que vai pegar o Bolsa de carro.” (Entrevista 2)

O principal motivo alegado pelo município é que muitas famílias que não

precisariam do benefício se inscrevem, pois não há mecanismos para verificar a

veracidade dos dados informados pelas famílias.

“Todos se acham no direito de ter, por não ter uma renda fixa.” (Entrevista 1)

“A gente tentou através do per capita fazer a seleção. Mas, nunca fidedigna.

Como é que você vai comprovar que a renda que a pessoa está falando ali é

real”. (Entrevista 2)

Em que pesem as maiores dificuldades de auto-focalização dos programas de

transferência de renda em relação aos programas que distribuem alimentos, são as

estratégias de captação e cadastramento os principais instrumentos de garantia de uma

focalização positiva.

As principais dificuldades apontadas pelos gestores durante o cadastramento dos

programas de transferência de renda foram: falta de apoio e capacitação do governo

federal e estadual; recursos humanos e logísticos muito limitados; a falta de transporte e

a extensão do município e; a falta de preparo dos técnicos para o preenchimento da

ficha de cadastros e para o envio desses dados para a CEF e; a complexidade do

cadastro.

“Você já percebeu a extensão do nosso município? Não temos esta facilidade.

Transportes...Tudo isto complica, por mais que nós tentemos”. (Entrevista 4)

143

“Será que o cadastro não ficaria melhor se a pessoa pudesse estar verificando?

Verificando estas famílias?” (entrevista 3)

A rapidez com que os cadastros precisam ser elaborados também é apontada

como um grande entrave ao sucesso do cadastramento, já que não permite um

planejamento prévio da estratégia de captação e a adequada mobilização de recursos

financeiros e humanos.

“Agora, você já imaginou se eu tivesse um tempo? Se eu tivesse primeiro a

leitura de todo o município? Vou ter que fazer uma seleção minuciosa. Aí eu

realmente vou estar atingindo aquela camada mais carente.” (Entrevista, 3)

“Essa rapidez. É que tem que ser pra ontem. O planejamento. Nós precisamos

planejar. Chegou no município, a ânsia de perder este benefício, então você

começa... acho um pouquinho prematuro (...) que nós pudéssemos planejar,

entendeu? Há uns dois anos foi criado o cadastro único. Que a gente desse

continuidade. Para não acontecer o que aconteceu agora”. (Entrevista 3)

b) Complementação do Cadastro Bolsa Escola

A maior parte das famílias que migraram para o PBF integrava os Programas

Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e Auxílio Gás. No caso do Bolsa Escola essa

migração não tem sido feita concomitante com os demais programas, pois o PBE possui

uma base de dados própria, o CadBes. Dessa forma, para que o PBE possa integrar o

Cad-Único e, por conseguinte, migrar para o PBF, faz-se necessário que os municípios

complementem alguns dados das famílias inscritas no Bolsa Escola.

Em São Francisco de Itabapoana, 100% das famílias contempladas pelo

Programa Bolsa Alimentação e parte das que recebem o Auxílio-Gás já migraram para o

144

Bolsa Família. Com relação ao PBE, ainda não houve migração, visto que o município

só complementou os dados das famílias em agosto de 2004.

Os dados que faltavam ao Cad-Bes foram coletados nas escolas por uma equipe

de técnicos da Secretaria Municipal de Educação. No entanto, de acordo com o

coordenador do Programa, apesar dos dados terem sido enviados a Caixa Econômica

Federal, ainda não havia ocorrido a migração para o PBF em virtude da alegação da

CEF de inconsistência dos dados. Caso não haja entendimento com a CEF, o município

terá que refazer a coleta de dados.

c) Cadastramento Único para inclusão de novas famílias para o PBF

Em setembro de 2004, São Francisco de Itabapoana cadastrou as famílias de

baixa renda que ainda não faziam parte do Cad-Único. Para efetuar o cadastro, a

coordenação do PBF, encaminhou um ofício e fez uma reunião com as diretoras das

escolas municipais e estaduais solicitando que as mesmas identificassem, a partir dos

alunos matriculados nas escolas, famílias em situação de pobreza que ainda não foram

cadastradas. As famílias identificadas pela escola foram instruídas a comparecerem

munidas de documentação, inclusive do comprovante de matrícula escolar, ao local de

cadastramento, a Secretaria Municipal de Educação, no centro da cidade.

Dessa forma só poderiam ser cadastradas as famílias que tinham filhos

matriculados na escola, tal estratégia, conforme discutido anteriormente neste capítulo,

apresenta as seguintes desvantagens:

1) Exclusão das famílias com crianças fora da escola e também das

famílias sem filhos.

2) As famílias mais vulneráveis, que geralmente moram nas localidades

mais distantes do centro da cidade podem ter dificuldades de se

deslocarem ao centro da cidade, seja por falta de dinheiro para pagar a

passagem, as longas distâncias entre uma comunidade e outra, ou a

precariedade do sistema de transporte municipal.

145

Ao todo, nove técnicos foram cedidos pelas secretarias de Saúde, Educação e

Promoção Social para atuarem como cadastradores. Os técnicos participaram de um

treinamento de aproximadamente duas horas realizado pelo coordenador do Programa

Bolsa Família.

Ao chegarem à sede da secretaria de educação, as famílias recebiam uma senha

de atendimento, de acordo com a capacidade de cadastramento/dia. No entanto, como a

demanda, sobretudo no primeiro dia, foi muito acima da capacidade de cadastramento,

muitas famílias receberam senhas para que retornassem num outro dia previamente

agendado. Ainda por conta do comparecimento em massa das famílias, houve

necessidade de extensão do prazo inicial por mais uma semana e de transferência do

local de cadastramento para um CIEP, também localizado no centro da cidade. Ao todo

foram cadastradas na primeira semana quase mil famílias.

Antes de serem cadastradas, as famílias passavam por uma pré-entrevista, aonde

era verificado se ela já fazia parte do cadastro único e também era calculada a renda

familiar. Em caso de já serem cadastradas ou de auferirem um per capita acima de

R$100,00 a família era informada de que não poderia ser cadastrada.

A partir da observação de campo, ocorrida durante todo o processo de

cadastramento, foi possível notar algumas dificuldades encontradas pela Secretaria

Municipal de Educação: número de técnicos insuficiente para a demanda diária de

pessoas que compareceram ao local; falta de preparo dos técnicos para o preenchimento

dos cadastros e; falta de computadores para a digitação dos formulários.

Com relação às famílias, embora não estivesse previsto na metodologia deste

trabalho a execução de entrevistas, foi possível conversar, ainda que informalmente,

com algumas mulheres que estavam na fila de cadastramento.

Ainda que não se possa generalizar, o nível de informação dessas famílias sobre

o Cad-Único e o PBF era muito baixo. Muitas delas disseram que foram indicadas pela

escola para receberem o benefício do Programa Bolsa Família e desconheciam o fato de

que estar cadastrada não significava necessariamente vir a ser contemplada pelo

Programa68, tampouco estavam cientes dos critérios de seleção de beneficiários.

68 Os limites de renda per capita para a inclusão no Cad-ùnico e no Programa Bolsa Família são respectivamente, ½ salário mínimo (R$130,00) e R$100,00, portanto algumas famílias incluídas no cadastro e que possuem renda superior à R$100,00 não são elegíveis para o PBF.

146

Resultados semelhantes foram encontrados pelo TCU (2004), em recente

avaliação do Programa Bolsa Família em diversos municípios do País. Segundo o

relatório “famílias com renda per capita no intervalo entre os dois critérios reclamam

do não recebimento do Bolsa-Família, já que têm a expectativa de que a inserção no

Cadastro Único seja a porta de entrada para os programas sociais do governo federal”

(TCU, 2004:18).

De fato, ao serem cadastradas as famílias demonstravam ter grandes

expectativas em receber automaticamente o benefício. Algumas mulheres, inclusive,

reclamaram que já haviam sido cadastradas há algum tempo e que até o momento não

haviam recebido nenhum benefício.

Esse desconhecimento gerou grandes confusões, pois muitas famílias que

estavam na fila não puderam ser cadastradas por já integrarem o Cad-único. No entanto,

elas alegavam que embora tivessem sido cadastradas em algum momento, não recebiam

nenhum benefício. Outras famílias atribuíram a não possibilidade de recadastramento ao

posicionamento político oposto ao prefeito municipal.

A necessidade de enfrentar filas gigantescas durante horas e o fato de que muitas

famílias em igual situação de miséria recebem auxilio financeiro do governo e outras

não, provocaram um grande sentimento de humilhação. De fato, ao não se garantir o

mesmo direito a todas as famílias pobres, pode ocorrer um reforço da noção de

privilégio em detrimento dos direitos de cidadania, contribuindo para a perpetuação da

assistência aos pobres como uma benemerência do Estado e como um instrumento de

barganha e de favorecimentos pessoais.

6.2.1.1 Uso Eleitoral do Cadastramento?

Em junho de 2004, os gestores alegaram que não dariam continuidade ao

Cadastramento Único porque muitas famílias que estavam sendo cadastradas não eram

incluídas nos programas sociais do governo, o que vinha gerando frustração e desgaste

entre as famílias e os gestores.

“Hoje a gente até vai fazer dois anos de cadastro e tem gente que não foi

beneficiada ainda. Aí por que eu vou cadastrar mais gente? Mais gente

147

perguntando, e eu não consigo solucionar o que está pra trás. Então, parei de

cadastrar”. (Entrevista 2)

“Não tem como você cadastrar mais famílias, se está gerando problemas às

famílias de programas anteriores. A gente vai criar uma bola de neve maior”.

(Entrevista 1)

Do mesmo modo, na avaliação feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU)69

em alguns municípios, muitos gestores alegaram desconhecer quais eram os critérios

para definir a seqüência de ingresso das famílias ao PBF e qual o cronograma de acesso

aos benefícios. Houve diversos casos em que as famílias que já faziam parte do

cadastro há muito tempo ainda não tinham sido contempladas e outras que acabaram de

ser cadastradas foram incorporadas ao programa. Tal situação, em que os critérios de

acesso ao programa via cadastro único não são transparentes pode criar inclusive, um

descrédito entre os gestores com relação a funcionalidade do cadastro.

“Cadastro não adianta. A gente pode até cadastrar, mas vai ficar no papel. E

será que isto vai ter validade?” (entrevista 2)

Outrossim, além da não transparência dos critérios da seqüência de ingresso,

outro fato que gera grande situações constrangedoras para a população é que estar

cadastrado não significa a garantia de recebimento do benefício, uma vez que existe um

descompasso entre o critério de inclusão no Cadastro-único (renda mensal per capita de

até meio salário mínimo, equivalente atualmente à R$130,00) e o critério utilizado pelo

Bolsa-Família que exige renda per capita inferior a R$100,00. Na verdade, o Cad Único,

de acordo com o Decreto nº. 3.877 se configura num instrumento de planejamento do

governo federal. Contudo, conforme aponta o relatório do TCU, essa distinção não fica

clara para a população, tampouco para os gestores, gerando frustrações às famílias e

ônus para as prefeituras municipais.

69 A referida avaliação foi realizada no ano de 2004 pelo Tribunal de Contas da União, onde foi acompanhado o processo de implementação do programa bolsa família em alguns municípios do país.

148

“Isto acaba gerando uma certa polêmica dentro do município, entre as famílias,

por que? Porque tem aqueles que não são beneficiados, mas querem estar

incluídos no programa”. (entrevista 4)

“Ah, o governo está oferecendo o Programa, também quero ser beneficiado.

Claro que a gente tem que fazer o cadastro, mas isto acaba gerando um certa

polêmica, porque nem todos são atendidos” (Entrevista 4)

Todavia, se em um primeiro momento o município paralisou o processo de

cadastramento declarando que muitas famílias que já faziam parte do cadastro ainda não

haviam sido contempladas por nenhum programa social do governo federal, em

setembro de 2004, a duas semanas das eleições municipais, o cadastramento foi

retomado.

O principal motivo alegado pelos gestores para realizar uma nova etapa do Cad-

Único foi a necessidade de ampliação da base de dados, uma vez que, de acordo com

informações do MDS, haveria concessão de novas bolsas família para o município até o

final de 2004.

“Há uma previsão de aumento. E como a gente não tem muitos dados no banco,

a gente vai incluir mais para possível atendimento a um número maior de

famílias.” (Entrevista 1)

No dia 19 de setembro de 2004, quando o cadastramento já estava sendo

efetuado há uma semana, uma reportagem de primeira capa do Jornal O Globo70,

denunciou uma série de irregularidades no cadastro e o uso eleitoral do mesmo. Os

principais problemas apontados foram: associação direta do cadastro com a campanha

eleitoral de reeleição do prefeito e dos vereadores que faziam parte da sua coligação,

70 A referida reportagem de autoria do repórter Chico Otávio, foi publicada no dia 19 de setembro de 2004 no Jornal O Globo.

149

mediante a exigência de título de eleitor e a veiculação de propagandas na fila de

cadastramento; presença de irregularidades e inconsistências nos cadastros.

Diante disso, foram encaminhados ao município técnicos do MDS, Ministério

Público, Controladoria Geral da União e do Tribunal de Contas da União para averiguar

a procedência das denúncias.

O Ministério do Desenvolvimento Social solicitou a realização de uma auditoria

em São Francisco de Itabapoana pelo Tribunal de Contas da União e pela Controladoria

Geral da União (CGU). O relatório de auditoria especial do CGU concluiu que a

principal alegação do município de que havia um cronograma estabelecido pelo governo

federal não se sustentava, configurando dessa forma o uso eleitoral do programa.

Apesar da comprovação de uso eleitoral, o CGU não observou inconsistências

ou fraudes nas informações contidas nos cadastros das famílias, de forma que os

mesmos puderam ser enviados para a Caixa Econômica Federal.

6.2.2 Oferta e Monitoramento das Condicionalidades

A adesão dos municípios ao Programa Bolsa Família implica na necessidade de

provisão e monitoramento dos serviços de saúde e educação necessários ao

cumprimento das contrapartidas definidas no regulamento. A implantação do programa

pode representar, inclusive, um aumento da demanda desses serviços, visto que ao

unificar os programas de transferência de renda, o PBF, unificou também a agenda de

compromissos.

O cumprimento dessas contrapartidas se constitui numa tarefa complexa que

requer a superação de características marcantes da maior parte dos municípios

brasileiros: fragilidade e fragmentação institucional, a reduzida capacidade de oferta dos

serviços, a pouca tradição em monitoramento e controle dos programas sociais e a

dependência das transferências dos demais níveis de governo (Draibe, 1998, Arretche,

2000;2004).

Em São Francisco de Itabapoana, não houve nenhum planejamento prévio para a

oferta dos serviços de educação e saúde aos beneficiários do Programa Bolsa Família, o

que demonstra certa despreocupação com o cumprimento das contrapartidas. De acordo

150

com os gestores, até setembro de 2004, não teve aumento na demanda dos serviços por

conta da implementação do PBF no município.

No caso da educação, segundo os gestores, a rede tem uma boa capacidade

instalada, de forma que há vagas suficientes para incorporar as crianças incluídas no

PBF e que estão fora da escola.

“A gente tem oferta na nossa rede. Nós temos 72 escolas e trabalhamos com

turma multi-seriada. Tem escola em que a gente nem tem 15alunos, 30 alunos,

na zona rural. Certamente se aparecer, houver mais demanda, teremos como

absorver”.(Entrevista 4)

Não obstante, a capacidade física de atendimento da demanda não é

acompanhada por uma estrutura para o fornecimento de alimentação e material escolar,

entre outros, pois a Secretaria de Educação não dispõe de recursos financeiros para

complementar71 o repasse federal.

“Aí entra outra questão também. Vou ter como absorver a questão da demanda,

questão de espaço físico. (...) O que a gente recebe de recurso específico, por

exemplo, merenda escolar. O repasse é muito pequeno. (...) Nós temos que

complementar com recursos próprios”. (Entrevista 4)

“Eu não posso pensar só em ter a criança dentro da escola. Mas o que eu tenho

para oferecer para esta criança dentro da escola. Que aí, vai muito mais além.

Porque educação é um processo”. (Entrevista 4)

Na saúde, o gestor alega que com a implantação dos módulos do Programa

Saúde da Família, que iniciaram em agosto de 2004, haverá ampliação da capacidade e

que, portanto não ocorrerão problemas com possíveis aumentos de demanda.

71 A Constituição Federal de 1988 estabelece que o direito à educação é de competência das três esferas de governo. Aos municípios cabem atuar prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.

151

“Nós estamos preparados para isso. Nós estamos querendo isso. Onde que eu

vou atuar. Aí é tranqüilo, tem o PSF (...) se eu organizar melhor, não precisa

aumentar a rede não”.(Entrevista 5)

Apesar das falas dos gestores da saúde e da educação, de que estas redes têm

capacidade instalada suficiente para atender a um provável aumento de demanda, vale

ressaltar que a análise do contexto sócio-municipal, apresentada no capítulo 5, apontou

para a precariedade da oferta e do acesso desses serviços no município.

Para além das condicionalidades definidas pelo regulamento do Bolsa Família,

estão previstas a oferta, no nível local, de diversas ações para ampliar a proteção social

e gerar autonomia das famílias beneficiárias, como por exemplo, geração de

microcrédito, alfabetização de adultos, capacitação profissional dentre outros. Em São

Francisco de Itabapoana, até setembro de 2004, estas ações ainda não estavam sendo

oferecidas aos beneficiários do PBF.

“Não, não existe ( outras ações de proteção social). A gente espera partir do

Governo Federal, o que ainda não foi possível até agora, não”. (Entrevista 1)

“O Município não tem... é bem escasso na questão financeira, então ele não tem

um retorno muito alto do Governo Federal quanto à verbas. Então, ele fica

muito dependente. O que torna difícil fazer alguma coisa”. (Entrevista 1)

Embora a descentralização das políticas sociais tenha propiciado a emergência

de diversas e excelentes iniciativas no âmbito dos governos municipais nessas áreas

(Camarotti & Spink, 2001; Tendler, 1998), muitos municípios, principalmente aqueles

de pequeno porte, ainda apresentam uma grande dependência das iniciativas dos níveis

supranacionais de governo. Num esforço de síntese, Senna (2004) apresentou os

principais fatores que podem interferir na capacidade empreendedora do nível local:

capital social; memória técnica e institucional; a estrutura sócio-econômica e a

capacidade administrativa e; o contexto político.

152

Especificamente no caso de São Francisco de Itabapoana, as falas acima, deixam

claras as dificuldades de iniciativa própria e a grande dependência do município em

relação aos recursos logísticos e à transferência dos recursos financeiros72 do Governo

Federal. De fato, como apontado anteriormente, o município possui capacidade

financeira e administrativa reduzida, baixa memória técnica e fraca participação da

sociedade civil nos processos decisórios.

Apesar das dificuldades mencionadas, foi possível identificar algumas

iniciativas positivas da administração municipal, sobretudo na Secretaria de Educação e

Cultura, como por exemplo, os dois seminários sobre os programas de transferência de

renda que contou com a participação de outros municípios e dos níveis estadual e

federal.

Ainda no que concernem às condicionalidades previstas pelo Programa Bolsa

Família, até outubro de 2004, ainda não estavam sendo monitoradas pelas secretarias de

saúde e educação.

“No momento está parado. A saúde irá controlar a questão do peso das

crianças e o acompanhamento do cartão de vacinas das crianças de 0 a 6

anos”. (Entrevista 1)

“E a educação, quanto à freqüência escolar das crianças de 6 a 15 anos,

também não está sendo feito porque até então, a gente está esperando que o

Ministério envie os relatórios”.(Entrevista 1)

O mecanismo de controle das condicionalidades foi uma das questões que mais

padeceram de regulamentação pelo Ministério de Desenvolvimento Social, uma vez que

a lei de criação do programa era muito genérica e a publicação do decreto

regulamentador e das Portarias Interministeriais (Saúde e Educação) só ocorreram um

ano após o início da implantação do programa. A demora na definição das regras de

monitoramento fez com que a maior parte dos municípios não executasse essa função e

72 No Capítulo 5 foi abordada a grande dependência financeira que o município apresenta em relação às transferências do governo federal e aos royalties do petróleo.

153

segundo o TCU (2004), resultou ainda na desestruturação dos sistemas já existentes de

acompanhamento das contrapartidas dos Programas Bolsa Alimentação e Bolsa Escola.

“A implantação do Bolsa-Família significou a desestruturação dos sistemas de

monitoramento de condicionalidades. (...) A criação do Bolsa-Família não foi

acompanhada da definição de mecanismos de controle das condicionalidades.

(...)Assim, à medida que são migrados para o novo programa, os beneficiários

das ações de transferência de renda anteriores deixam de ser monitorados”.

(TCU, 2004:9)

O referido relatório aponta ainda que o sistema de monitoramento da freqüência

escolar (Programa Bolsa Escola) foi mais afetado do que a agenda de compromissos de

saúde do Programa Bolsa Alimentação. As principais razões foram:

i) Programa Bolsa Escola - Caixa Econômica Federal deixou de

enviar os relatório trimestrais para que as escolas fizessem o

acompanhamento da freqüência.

ii) Programa Bolsa Alimentação – embora a agenda de compromissos

tenha deixado de ser enviada às famílias, não houve mudanças

significativas no sistema de monitoramento do programa porque as

ações básicas previstas (acompanhamento nutricional, atenção pré-

natal entre outros) já fazem parte da rotina do Programa Agentes

Comunitários (PACS) e Programa Saúde da Família (PSF) que,

em geral, atuam na mesma área da população beneficiária dos

programas sociais de transferência de renda.

São Francisco de Itabapoana apresenta um panorama similar ao dos municípios

avaliados pelo TCU. O último relatório de acompanhamento da freqüência escolar das

crianças beneficiárias do Programa Bolsa Escola foi preenchido em Dezembro de 2003,

depois desta data, mesmo as crianças que permaneceram no PBE não estavam sendo

154

monitoradas. Todavia, a coordenação do Programa Bolsa Família mencionou a intenção

de iniciar73 no ano de 2005 o acompanhamento da freqüência escolar por conta própria

através de um relatório similar ao utilizado no Bolsa Escola.

“O acompanhamento será através da freqüência. A gente vai enviar um

relatório que a gente mesmo fez, parecido com o do Bolsa Escola. A gente vai

enviar para as escolas e as escolas vão fazer o preenchimento das crianças que

estão acima de 85% da freqüência. Os que não estão, dependendo do número de

freqüências baixas, a gente vai até a família, com visitas, para poder ver o que

ta acontecendo e tentar resolver o problema”. (Entrevista 1)

No caso do Programa Bolsa Alimentação, em que todas as famílias já migraram

para o Programa Bolsa Família, segundo os gestores, o estado nutricional dessas

crianças (até 6 anos) continua sendo monitorado pelo serviço de saúde.

“A saúde continua ainda fazendo o controle do peso das famílias que já

migraram do Bolsa Alimentação. (...) Porque eles continuam com o mesmo

relatório do Bolsa Alimentação. Mas, existem crianças de 0 a 6 anos novas,

ainda não identificadas pela saúde que a gente está fazendo uma separação

para a gente envia-las à saúde”. (Entrevista 1).

É importante ressaltar que, o funcionamento do Sisvan no município ainda é

bastante incipiente, uma vez que não está implantado em todas as unidades básicas e os

dados não são coletados sistematicamente. Considerando que o Sisvan (Sistema de

Vigilância Alimentar e Nutricional) é o principal instrumento de acompanhamento do

crescimento e desenvolvimento infantil74, a debilidade desse sistema em São Francisco,

pode dificultar, sobremaneira, o monitoramento dessa condicionalidade.

73 Entrevista realizada em setembro de 2004. 74 Na verdade, o Sisvan deveria acompanhar o estado nutricional de todos os ciclos da vida. Porém, até o presente momento, o sistema se reduz ao monitoramento das crianças e das gestantes.

155

À medida que o Programa Saúde da Família tem sido apontado como um grande

aliado na oferta e no monitoramento das contrapartidas de saúde do PBF, a implantação

dos primeiros módulos do PSF no município, em agosto de 2004 e de novos módulos ao

longo de 2005, poderá ampliar o acesso às ações básicas de saúde, contribuindo, assim,

para o aprimoramento do sistema de acompanhamento e monitoramento das

contrapartidas.

Ainda com relação às contrapartidas previstas para o município, foi relatado que o

mesmo tem encontrado muitas dificuldades, principalmente pela falta de infra-estrutura

física e de recursos humanos. Essa fragilidade estrutural é acentuada pela conformação

territorial do município - pequena população (cerca de 40 mil habitantes) espalhada por

uma grande extensão de terras (3º maior município do estado do Rio de Janeiro) aliada à

precariedade do sistema de transporte local.

“ Realmente você acompanhar um município com esta extensão toda, com uma

estrutura pequena, é muito difícil. E também tem o seguinte, o programa vem, o

município não está preparado para receber aquele programa”. (Entrevista 3)

“Tem que ter um acompanhamento. Você já percebeu a extensão do nosso

município. Não temos esta facilidade. Transportes... Tudo isto implica, por mais

que nós tentemos”. (Entrevista 4)

Neste sentido, é possível observar que a oferta e o monitoramento das

condicionalidades do Programa Bolsa Família tem esbarrado na fragilidade institucional

e na capacidade reduzida dos sistemas de saúde e educação e também na demora da

definição de mecanismos claros por parte do governo federal e na falta de apoio técnico

e operacional do nível estadual75.

Apesar disso, nos primeiros meses de 2005, foram efetuadas algumas alterações

importantes no sistema de oferta e monitoramento das condicionalidades do PBF em

75 De acordo com o Termo de Cooperação celebrado entre o Rio de Janeiro e o Governo Federal, caberia ao estado prover apoio técnico e logístico aos municípios.

156

São Francisco de Itabapoana. As principais ações relatadas pelo coordenador do

programa são:

i. Oferta de cursos de capacitação para geração de emprego e renda

em oito localidades consideradas extremamente pobres. Os cursos

são abertos a toda a comunidade, mas são obrigatórios para os

adultos beneficiários do PBF que residem nesses locais.

ii. Acompanhamento da freqüência escolar das crianças em grande

parte das escolas do município, tendo sido o relatório

encaminhado ao Ministério da Educação.

iii. Previsão da extensão do acompanhamento nutricional pela rede

de saúde a todas as crianças entre 0 e 6 anos incluídas no

programa.

Tais alterações podem estar relacionadas com as recentes medidas de

regulamentação das contrapartidas instituídas pelo governo federal, como a publicação

das duas Portarias Interministeriais. Todavia, são nítidos os esforços que o município

vem empregando no sentido de superar os fatores limitantes e de aperfeiçoar o

programa.

Ainda assim, no que concernem as demais condicionalidades de saúde

(vacinação, acompanhamento do pré-natal e puerpério, atividades de educação

nutricional) não há previsão de que o município venha a acompanhá-las.

No caso específico do acompanhamento nutricional, dada a fragilidade

apresentada pelo Sisvan no município, a extensão dessa ação a todas as crianças (idade

entre 0 e 6 anos) inscritas no PBF, só será possível mediante um maior investimento na

estruturação do sistema de vigilância nutricional.

6.2.3 Descentralização e Intersetorialidade

A descentralização e a intersetorialidade se configuram em princípios

norteadores do Programa Bolsa Família. No entanto, diante da histórica fragmentação

157

institucional, desarticulação e competição entre os setores e os níveis de governo e da

fragilidade dos mecanismos de cooperação e de monitoramento e avaliação, a garantia

desses princípios é um desafio permanente às políticas sociais.

Para além da transferência de recursos, a efetiva descentralização do PBF para

os estados e municípios requer uma política de indução coordenada e explícita,

definição clara dos papéis e responsabilidades dos entes federados, política de

capacitação e apoio logístico aos gestores, além de mecanismos sólidos de avaliação e

monitoramento (Draibe, 1998).

Como apontado no capítulo III, o desenho operacional do PBF prevê a

possibilidade dos estados e municípios aderirem ao programa através da celebração de

um termo de cooperação com a União. Através desse termo, é possível adaptar o

programa à realidade local e a definição das responsabilidades dos municípios e,

sobretudo, dos estados da federação. Esse processo de descentralização pactuada pode

vir a minimizar a competição entre os níveis de governo.

O Estado do Rio de Janeiro foi um dos primeiros a celebrar um termo de

cooperação com a União (maio de 2004), no qual foram previstas as seguintes ações:

i. Complementação de R$10,00 no valor da bolsa repassada às

famílias beneficiárias do PBF residentes na área metropolitana.

ii. Inclusão das famílias do PBF como prioritárias nos programas de

proteção social do estado.

iii. Apoio logístico e institucional a implementação do PBF nos

municípios

Com relação à unificação dos programas de transferência de renda, um dos

principais objetivos da proposição dos termos de cooperação, o Estado do Rio de

Janeiro optou por manter o seu programa próprio, o Cheque Cidadão76. As possíveis

justificativas para a não unificação dos programas são:

76 O Cheque Cidadão transfere mensalmente, através das Igrejas, R$100,00 para as famílias pobres. É dado um cheque nominal às famílias que só podem gasta-lo com gênero alimentício. O programa vem

158

i. A existência de um grande embate político entre os governos

estadual e federal;

ii. O Programa Cheque Cidadão se configura num dos principais

carros-chefe do governo estadual com forte apelo político e

religioso.

Assim como o estado, São Francisco de Itabapoana optou pela não unificação do

seu programa municipal de renda mínima ao Programa Bolsa Família. Na verdade,

como a maior parte dos municípios pequenos, SFI não assinou o termo de cooperação

com o governo federal.

No que concerne à relação entre os níveis de governo, observa-se que o diálogo

vem sendo efetuado diretamente entre o município e o Ministério do Desenvolvimento

Social.

“Direto com o governo federal. A gente não teve ainda nenhum contato ainda,

nenhuma reunião, nenhum telefonema que deveria procurar primeiro o estado.

A gente ainda não teve nenhum contato com o Estado”. (Entrevista 1)

De fato, a descentralização dos setores da área social, sobretudo saúde e

educação, priorizou o estabelecimento de uma relação entre o nível local e o federal, em

detrimento de uma atuação mais articulada e conjunta com os estados. Nesse processo

de municipalização, a função dos estados federativos sofreu uma redução bastante

significativa (Arretche, 2001; Almeida, 1995).

Em São Francisco de Itabapoana, a gestão dos programas anteriores de

transferência de renda (Programa Bolsa Escola e Bolsa Alimentação) também se

caracterizou pela ausência do nível estadual e pela relação direta com os respectivos

gestores federais, Ministério da Educação e Ministério da Saúde.

sofrendo diversas críticas pela sua vinculação com a Igreja Evangélica e por critérios clientelistas e políticos de escolha das famílias.

159

No caso do Programa Bolsa Família, apesar do estado ter assumido a função,

através do termo de cooperação, de apoiar a implementação do programa nos

municípios da federação e de ter constituído, inclusive, uma coordenação intersetorial

para gerir o PBF, na prática, o Rio de Janeiro ainda não vem cumprindo esse papel.

Nesse processo de descentralização, a construção de canais de diálogo e

informação e de mecanismos de capacitação dos níveis subnacionais se faz de extrema

relevância. Em São Francisco, os gestores alegaram que até o momento da entrevista ( 8

meses após o início do programa) não haviam sido capacitados pelos nível federal,

tampouco pelo estadual e que estavam encontrando grandes dificuldades em obter

informações sobre o programa junto ao MDS.

“Com o governo estadual a gente não teve nenhuma parceria. Com o governo

federal também. Só enviaram material para o cadastramento e fazer o processo

de implementação”. (Entrevista 1)

“E outro problema é que as dúvidas que a gente tem, porque a gente também

não foi capacitado, a gente liga para lá e eles não sabem solucionar”.

(Entrevista 2)

A análise das entrevistas e a observação direta demonstraram que o técnico

responsável pelo PBF dispunha de informações básicas sobre o programa, como

objetivos, critérios de inclusão e de desligamento, público alvo, valor do benefício, as

condicionalidades e o controle social. Contudo, os demais gestores e técnicos

entrevistados, quando indagados sobre questões referentes ao desenho do programa,

demonstraram certo desconhecimento dessas informações.

Tais dificuldades também foram observadas em outros municípios avaliados

pelo TCU em 2004. De acordo com o relatório, os gestores municipais e demais

técnicos (diretores de escolas e de unidades de saúde entre outros) dispunham de

pouquíssimas informações acerca do funcionamento e da operacionalização do

Programa Bolsa Família. O TCU apontou ainda, que os baixos níveis de informação e a

160

falta de capacitação tiveram importantes implicações para o gerenciamento do programa

no nível local (TCU, 2004).

Vale ressaltar que, em junho de 2004, o município de São Francisco de

Itabapoana organizou um seminário sobre o Programa Bolsa Família, no qual foram

convidados representantes do MDS, Caixa Econômica Federal, Ministérios da Saúde e

da Educação, Governo do Estado e gestores e técnicos dos municípios vizinhos. Tal

iniciativa representa um empenho do município em ampliar a cooperação entre os níveis

de governo. É interessante notar que, no ano anterior (2003), a Secretaria Municipal de

Educação já havia organizado um seminário para discutir o Programa Bolsa Escola.

Ainda com relação à descentralização, não foi possível observar ações de

fiscalização e monitoramento da implementação do PBF em São Francisco de

Itabapoana, visto que a definição desses mecanismos por parte do governo federal só

ocorreu recentemente, em novembro de 2004.

No que concerne à intersetorialiade, o principal mecanismo de incentivo a

cooperação entre os setores de governo presente no desenho institucional do Programa

Bolsa Família é a constituição de comitês gestores nos três níveis de governo formados

por representantes das diversas áreas sociais, como saúde, educação e assistência social.

De fato, a criação de espaços de interação e a garantia de participação de

diversas instâncias nas arenas decisórias, apresenta um grande potencial de atenuar

conflitos, aumentar o consenso em torno do programa e contribuir para a construção de

um planejamento global e intersetorial, gerando maior participação dos diversos setores

na implementação do Programa. (Arretche, 2003; Burlandy, 2004; Kligsberg, 1992)

Na verdade, a própria exigência de contrapartidas que envolve, principalmente,

as áreas de saúde e educação, contribui para que haja uma maior aproximação e

cooperação intersetorial.

Em São Francisco de Itabapoana, a análise das experiências anteriores com

programas de transferência de renda evidenciou a pouca ou nenhuma tradição do

município na formulação e implementação conjunta de políticas e programas. Dessa

forma, o desafio de promoção da intersetorialidade se torna ainda mais complexo.

Com relação à gestão do programa, inicialmente, apesar da recomendação por

parte do governo federal para que fosse criado um conselho intergestor nos municípios,

o PBF ficou sob responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação. De acordo com

161

as entrevistas, essa secretaria era a que apresentava maior infra-estrutura, boa

capacidade de articulação, além de acumular experiências exitosas, sobretudo na gestão

do Programa Bolsa Escola.

“Naquele momento a secretaria era a que tinha mais estrutura para estar

fazendo estes cadastros. Nós tínhamos mais computadores lá na educação.

Tinha uma pessoa que estava altamente qualificada para fazer isso. (...) Foi

uma coisa cordial entre a secretaria de saúde e de promoção social”.

(Entrevista 3)

Foi possível observar algumas iniciativas de diálogo e cooperação entre as

secretarias de educação, saúde e assistência, no que concerne, principalmente, aos

processos de cadastramento e, em menor escala, ao acompanhamento das

condicionalidades. Entretanto, essa articulação não chega a envolver um processo mais

amplo de planejamento conjunto das ações e de tomada de decisões, já que as principais

deliberações acerca do processo de implementação do programa em São Francisco de

Itabapoana eram tomadas no âmbito da Secretaria Municipal de Educação e Cultura

pelo técnico responsável pela coordenação do PBF.

Todavia, ainda que elementar a aproximação entre os setores de governo tem

contribuído para a superação de algumas dificuldades na gestão do PBF, como as

limitações de recursos financeiros, logísticos e humanos. Um exemplo disso foi a

disponibilização de técnicos das três secretarias e de computadores para a efetuação do

cadastramento das famílias.

“Houve, houve. Portanto, está havendo a participação lá (no cadastramento),

ele está sendo assessorado também. Junto em parceria com a Promoção Social e a

Saúde, que estão lá ajudando no cadastramento”. (Entrevista 4)

No início de 2005, o município instituiu formalmente uma “Comissão de Gestão

do Programa Bolsa Família”, constituído pelas secretarias municipais de educação,

saúde e assistência social. Neste sentido, a criação deste espaço de articulação

162

intersetorial, tem o potencial de aumentar a participação das demais secretarias nos

processos decisórios que envolvem o Programa Bolsa Família no município.

6.2.4 Participação e Controle Social

A descentralização das políticas implicou na necessidade de criação de

conselhos de representação e controle social. A perspectiva principal é de que a

incorporação de atores da sociedade civil ao processo decisório e o estabelecimento de

espaços de diálogo com a administração pública poderá contribuir para o

desenvolvimento de mecanismos de accountability.

Como aponta Labra (2002:537), a participação em conselhos “fomenta um

círculo virtuoso caracterizado pelo envolvimento dos cidadãos em questões de interesse

geral, pela acumulação de capital social e pelo despertar de uma cultura cívica,

contribuindo, em última instância, para o fortalecimento da democracia”.

A cultura cívica, definida por Putnan (1996:31) como “cidadãos atuantes e

imbuídos de espírito público, por relações políticas igualitárias, por uma estrutura

social firmada na confiança e na colaboração” exerce profunda influência no

desempenho das instituições governamentais.

Em São Francisco de Itabapona, é possível observar um alto grau de fragilidade

da sociedade civil. A título de ilustração, há uma recorrência nos depoimentos dos

diversos atores locais de que o município, de um modo geral, não apresenta

experiências positivas de formação de cooperativas e associações civis. Além disso, foi

possível observar uma grande passividade da população local diante das denúncias

crônicas de corrupção e clientelismo no município.

Esse perfil da sociedade civil parece refletir na forma de atuação dos conselhos

de política social do município. Foram analisados os seguintes conselhos: Conselho

Municipal de Saúde (CMS); Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS);

Conselho Municipal de Segurança Alimentar (COMSEA) e; Conselho de Controle

Social do Programa Bolsa Escola.

Vale ressaltar que a análise dos conselhos apresenta uma limitação referente ao

fato das entrevistas, exceto nos casos da CMAS e da CMPBE, terem contemplado

163

apenas um conselheiro. Por outro lado, o exame da lógica de funcionamento e da

participação dos conselhos na formulação e implementação do Programa Bolsa Família,

considerou, além das entrevistas, os regimentos internos e as atas dos conselhos. No

caso específico do Conselho Municipal de Assistência Social, foi possível ainda a

observação direta de uma reunião deste conselho77.

A relação dos conselhos com o governo municipal caracterizava-se pela

interferência dos gestores na indicação dos conselheiros da sociedade civil, que em sua

maioria, possui vínculos diretos ou indiretos com a administração pública municipal, e

também na definição da pauta de discussão. De fato, durante o processo de

mapeamento de atores, foi extremamente difícil identificar conselheiros que não

tivessem vínculos com a prefeitura. Essa situação, na avaliação dos próprios

conselheiros, gera constrangimentos e dificulta bastante o exercício do controle social.

“A maioria dos representantes dos conselhos tem algum vínculo com o

Executivo. (...) Isso compromete, sem dúvida. Você vai se indispor com o seu

empregador? Você não vai. Então, por mais que você fale assim: Eu estou aqui

representando, mas eu tenho, de repente, um cargo de confiança no Executivo.

Eu não quero me indispor com fulaninho, né?” (Entrevista 6)

Foi possível notar ainda que boa parte dos atores entrevistados ignorava o papel

do conselho do qual participava, tampouco, dispunha de conhecimentos mínimos sobre

as políticas e programas que são acompanhados pelo conselho.

No que diz respeito especificamente ao Programa Bolsa Família, a análise das

atas e das entrevistas demonstrou que nenhum conselho de política social estava

acompanhando o processo de implementação do programa no município. Na verdade,

os conselheiros demonstraram um acentuado grau de desconhecimento do programa.

“Olha só. Com relação ao Bolsa Família, a gente não.....pelo menos eu não

tenho lembrança de ter traçado nenhuma discussão no Conselho de Assistência,

77 A referida reunião ocorreu no dia 15 de setembro de 2004.

164

não. (...) Agora, uma acompanhamento de como está esta implementação do

Bolsa Família no município, isso ainda não”. (Entrevista 7)

“Eu acho que não (está acompanhando). Muito pouco. Eu acho que as

informações (sobre o programa) são poucas pra nós”. (Entrevista 8)

Vale ressaltar que apesar das entrevistas com os conselheiros terem sido

realizadas na mesma semana em que estava sendo efetuado o cadastramento e a seleção

de famílias para o PBF muitos deles desconheciam a ocorrência de tal processo no

município.

Em que pesem as especificidades locais, na maior parte dos municípios

brasileiros, os conselhos de controle social não estavam acompanhando o processo de

implementação do Programa Bolsa Família. De acordo com o TCU (2004), esse fato

está intimamente relacionado com a demora do governo federal em regulamentar os

mecanismos de controle social do PBF, especialmente, no nível local.

Tal situação, na qual o programa não esta sendo acompanhado por nenhum

conselho de controle social, pode ter repercussões importantes sobre o curso do

programa no município, facilitando inclusive a ocorrência de corrupção, fraudes e o uso

clientelista do programa.

165

CONCLUSÕES

A implementação de políticas não se dá num vazio institucional, ela é um

processo dinâmico e influenciado pelo contexto político e social e pelas relações de

conflito e de coalizão de interesses que se estabelecem entre os atores no nível local.

Como afirma Arretche (2001), raramente, um programa é implementado exatamente

como fora concebido na sua formulação.

Os processos de formulação e implementação, em geral, não ocorrem de forma

seqüencial e linear (Arretche, 2003; Labra,2003). No caso do Programa Bolsa Família,

diversas questões relacionadas ao seu desenho vêm sendo formuladas e regulamentadas

pelo Ministério do Desenvolvimento Social concomitantemente ao processo de

implementação do PBF nos municípios.

Neste sentido, a análise do objeto de estudo indicou duas ordens de questões

inter-relacionadas, a primeira se refere a elementos que permitem pensar os potenciais

limites e avanços presentes na concepção do Programa Bolsa Família no âmbito da

experiência brasileira de transferência de renda e a segunda relacionada ao processo de

implementação do programa em município de pequeno porte, rural e que apresenta

indicadores sociais bastante dramáticos.

O Programa Bolsa Família apresenta em seu desenho operacional alguns

princípios norteadores, como descentralização, intersetorialidade, e controle social.

Dessa forma, tanto as questões relacionadas à concepção do programa quanto da

implementação local foram pensadas a partir destes três eixos de análise e também a

partir do princípio da equidade.

• Limites e Avanços na Concepção do Programa Bolsa Família

A unificação dos programas de transferência de renda tem o potencial de superar

algumas características marcantes da nossa política social, tais como: sobreposição de

clientelas, baixa cobertura, fragmentação institucional, desarticulação entre os setores,

pulverização de recursos e paralelismo de ações. Dessa forma, a descentralização, a

166

intersetorialidade e o controle social se configuram nos principais núcleos ordenadores e

aspectos chaves para o sucesso do PBF.

Segundo Viana (2004), o PBF representa um aperfeiçoamento resultante de

aprendizados institucionais com os programas anteriores de transferência de renda. Na

visão da autora, o PBF caracteriza-se por tentar promover a articulação em três

diferentes eixos: intergovernamental (entre os governos federal, estaduais e municipais);

intersetorial (entre diferentes setores da política social, como assistência, saúde e

educação); e entre governo e a sociedade civil (entre os gestores e as instâncias de

controle social).

No que concerne às relações intergovernamentais, a definição clara de papéis e

responsabilidades dos diferentes atores se faz de extrema necessidade, além disso, o

MDS precisa ter uma grande capacidade de pactuação de interesses e mediação de

conflitos. Vale ressaltar, que a definição desses papéis só foi feita de forma mais clara

por ocasião da publicação do Decreto de Regulamentação do PBF, o que só ocorreu um

ano após o início da implementação do programa, quando mais de 5 milhões de famílias

em quase todos os municípios do país já estavam incluídas no PBF.

Em Estados Federativos, como o Brasil, em que os estados e municípios

possuem autonomia fiscal, política e administrativa, a adesão a qualquer programa,

inclusive ao PBF, depende da decisão dos níveis subnacionais de governo. Nesse caso, é

imprescindível que o governo federal adote mecanismos claros de indução ao programa

(Nepp, 1999). De acordo com Arretche (2001:39), “a adesão dos governos locais à

transferência de atribuições depende diretamente de um cálculo no qual são

considerados, de um lado, os custos e benefícios derivados da decisão de assumir a

gestão de uma dada política e, de outro, os próprios recursos fiscais e administrativos

com os quais cada administração conta para desempenhar tal tarefa”.

No caso do PBF, a adesão ao programa implica na criação e/ou na mobilização

do aparato técnico e administrativo local para a gestão e provisão de serviços

necessários ao cumprimento da agenda de compromissos do programa. Diferente de

outros programas de transferência de renda, como o PETI e o Programa Bolsa Escola,

não estão previstos o repasse de recursos federais para auxiliar na execução desse papel.

Apesar disso, o Programa Bolsa Família vem obtendo êxito no que se refere à

adesão dos municípios e estados, uma vez que já contempla mais de 5000 municípios

167

distribuídos por todos os estados da federação. Uma possível explicação pode estar no

fato do PBF ter adquirido uma grande relevância no cenário nacional e o custo político

de não adesão ao programa ser muito elevado.

Do mesmo modo, o PBF apresenta uma diferença em relação aos programas

anteriores de transferência de renda, uma vez que abre a possibilidade dos estados e dos

municípios celebrarem um termo de cooperação com a União, adequando o PBF à sua

realidade, através da ampliação do benefício, indicação de um outro banco para agente

operador do programa, integração de seus programas de transferência de renda ao PBF.

Dentro desse contexto brasileiro de descentralização das políticas sociais, a

implementação de um programa de transferência de renda com exigência de

contrapartidas, como no caso do PBF, implica no enfrentamento de importantes desafios

no sentido de superar características marcantes de grande parte dos municípios

brasileiros como: a histórica fragilidade institucional e técnico-gerencial, a baixa

capacidade de oferta de serviços, a pouca ou nenhuma tradição de diálogo entre os

diversos setores de governo e a debilidade dos mecanismos de monitoramento e

controle dos programas sociais.

Desse modo, uma vez exigidas contrapartidas das famílias é imprescindível que

o nível federal desenvolva mecanismos consistentes de acompanhamento e

monitoramento do cumprimento destas pelas famílias beneficiárias e a oferta desses

serviços por parte do poder público municipal. Contudo, a lei de criação do PBF não

definiu quais seriam os mecanismos de controle das condicionalidades, o que só foi

feito um ano após o início da implementação do Programa, por ocasião da publicação

do Decreto de Regulamentação e de duas Portarias Interministeriais.

Em relação à articulação intersetorial, uma primeira questão que se coloca é

que ao unificar os programas de transferência de renda, o MDS passa a concentrar,

através do PBF, os recursos antes espalhados pelos diversos Ministérios que os

implementavam, como por exemplo, o Ministério da Educação, Ministério da Saúde e

de Minas e Energia. Entretanto, apesar de não mais gerirem os seus respectivos

programas, por ocasião da unificação do PBF esses Ministérios (Saúde e Educação) têm

o papel de garantir a oferta e o monitoramento das condicionalidades exigidas pelo

Programa.

168

Conforme sinaliza Burlandy (2004) dentro do setor social, é grande a

competição pela alocação de recursos públicos entre os diversos setores

governamentais, o que pode gerar conflitos e o não comprometimento em torno de

objetivos comuns. Dessa forma, é preciso saber se as mudanças citadas acima, teriam o

potencial de criar um esvaziamento de recursos financeiros e políticos de tais

Ministérios e se esse novo estatuto conferido ao MDS trará algum tipo de dificuldade

para a tão necessária articulação intersetorial. Tal situação demanda grande capacidade

de negociação política.

Neste sentido, o desenho institucional proposto para gerir o PBF - um Comitê

Gestor formado pelo alto escalão dos ministérios da área social e da Casa Civil – ao

garantir a participação dessas instancias nas arenas decisórias, apresenta um grande

potencial de atenuar os conflitos, aumentar o consenso em torno do programa e

contribuir para a construção de um planejamento global e intersetorial, gerando maior

participação desses ministérios na implementação do Programa. (Arretche, 2003;

Burlandy, 2003)

No nível estadual e municipal, esses mecanismos de cooperação intersetorial

ainda não estão bem definidos. Embora seja sugerida a constituição de uma

coordenação intergestora do Programa Bolsa Família, ainda carece de diretrizes claras e

mecanismos de indução por parte do governo federal. Dessa forma, é possível que, na

prática, o PBF seja gerido por uma determinada secretaria sem o diálogo necessário com

as demais áreas de governo.

O princípio da equidade também se configura num importante desafio ao

Programa Bolsa Família, uma vez que, tradicionalmente, os programas sociais

desenvolvidos no Brasil não foram capazes de atingir os segmentos mais pobres e

vulneráveis da população (Peliano, 1996; Lopes, 1996).

Neste sentido, os processos de captação e cadastramento das famílias

potencialmente beneficiárias, que são efetuados no âmbito dos municípios, se

configuram em questões chaves para o Programa Bolsa Família. As principais

dificuldades encontradas pelos municípios na condução desses processos, evidenciados

em estudos de programas anteriores (TCU, 2002, Burlandy, 2003) e também na

avaliação do PBF feita pelo TCU, em 2004, referem-se à captação dos segmentos mais

vulneráveis e à operacionalização do Cadastro-Único.

169

Com relação à captação, a maior dificuldade é que, geralmente, as famílias que

apresentam as maiores vulnerabilidades moram em localidades distantes e de difícil

acesso, e não estão inseridas nos serviços públicos de saúde e educação. Dessa forma,

para atingir esses segmentos são necessários o aporte de maiores recursos financeiros,

humanos e logísticos e um planejamento prévio das ações. No entanto, é possível

observar que, na prática, esta etapa crucial do processo de implementação do programa

ainda padece de tais investimentos.

No que concerne ao Cadastro-único, porta de entrada do PBF, as principais

fragilidades que vêm sendo observadas na sua operacionalização são: falta de

capacitação dos técnicos para o preenchimento dos formulários, digitação dos dados e

envio para a Caixa Econômica Federal; falta de sistemática de atualização dos dados;

insuficiência de recursos humanos e de recursos logísticos; falta de apoio dos governos

estaduais.

É preciso ressaltar que o governo federal vem empregando esforços no sentido

de superar tais fragilidades, principalmente através do desenvolvimento de uma versão

menos complexa do software do Cad-único e do maior aporte de recursos financeiros

para a realização do cadastramento nos municípios.

Ainda com relação aos processos de captação e cadastramento, uma questão

importante a ser enfrentada pelos gestores do PBF refere-se ao uso clientelista e

eleitoral do cadastro por parte de algumas prefeituras municipais. Diversas denúncias

dessa natureza foram feitas, principalmente pela mídia78, durante o período eleitoral em

2004, muitas das quais estão sendo investigadas pela Controladoria Geral da União.

Um fator que pode aumentar a possibilidade de fraude na inclusão de famílias é

que o PBF utiliza a renda familiar auto-declarada como critério único de seleção das

famílias. Dessa forma, uma vez que tal dado é de fácil manipulação e de difícil

verificação, a possibilidade de fraudes é muito maior. Em Terezina, capital do estado do

Piauí, o governo federal verificou que boa parte das famílias que foram cadastradas e

posteriormente, incluídas no PBF, eram funcionários da administração municipal e que

auferiam renda muito superior ao limite estipulado pelo programa79.

78 Reportagens veiculadas pelo Programa Fantástico da Tv Globo no dia 17 de outubro de 2004 e pelo MDS Informe Especial de 18 de outubro de 2004. 79 Reportagem do Jornal O Globo de 21 de Janeiro de 2005.

170

Na verdade, a utilização da renda como critério único de seleção das famílias

pode ser considerado um aspecto desfavorável ao princípio da equidade. Embora, no

Brasil, a pobreza tenha uma relação estreita com a renda monetária, o uso dela como

critério único pode não ser capaz de identificar e selecionar famílias que apresentam

outras vulnerabilidades que vão além da renda, como acesso a bens e serviços públicos,

a saúde, a esperança de vida, a educação e o saneamento (Sen, 2001, Towsend, 1993;

Rocha, 2003). Sendo assim, ao utilizar somente o critério de renda, o programa restringe

o conceito de pobreza, havendo risco de não atingir famílias que experimentam outras

situações de vulnerabilidade como, por exemplo, a desnutrição infantil.

Uma outra questão relacionada à seleção, é que, no setor saúde, o Programa

Bolsa Alimentação conjugava critérios de renda e de estado nutricional. Com a

unificação no Programa Bolsa Família, existe grande possibilidade de não inclusão das

famílias com crianças que apresentem um comprometimento do estado nutricional.

Por outro lado, a possibilidade de inclusão de famílias com adultos sem filhos,

gestantes ou nutrizes se configura numa importante inovação trazida pelo programa,

uma vez que os programas que o antecederam consideravam inelegíveis as famílias

constituídas apenas por adultos. Como sinaliza (Fonseca, 2001), o vínculo familiar

passa a se configurar num dos principais determinantes de acesso aos programas de

transferência de renda. A perspectiva principal é de que os recursos passem a ser

utilizados em prol de toda a família e não de forma individual.

Todavia, é interessante notar que apesar do programa optar pelo foco na família,

a análise de seu desenho operacional demonstra que as exigências de condicionalidades

estão previstas apenas para aqueles grupos tradicionalmente priorizados na política

social.

Vale ressaltar que a vinculação do benefício monetário ao cumprimento de

contrapartidas tem suscitado um amplo debate entre perspectivas de garantia de direito

incondicional e a necessidade de co-responsabilização dos beneficiários e das

prefeituras. Alguns estudiosos, como Lavinas (2000a) consideram que à medida que o

direito social é condicionado ao cumprimento de obrigatoriedades, podem ser

ameaçados os princípios dos direitos de cidadania. Por outro lado, é forçoso reconhecer

que a exigência de condicionalidades tem o potencial de pressionar a demanda sobre os

serviços de educação e saúde, o que, de certa forma, representa uma oportunidade de

ampliar o acesso aos circuitos de oferta de serviços sociais. Além disso, partindo dos

171

trabalhos de Rosanvallon, (1996) e Amartya Sen (2001) é possível pensar as

contrapartidas enquanto obrigações positivas, capazes de ampliar as capacidades

individuais em converter o benefício monetário em bem-estar e de representar uma

porta de saída para essas famílias.

A ausência de mecanismos que garantam uma porta de saída para o programa

pode ser considerada uma das principais fragilidades do PBF, uma vez que, como

discutido anteriormente, as condicionalidades estabelecidas pelo PBF não englobam

ações voltadas para a inserção social dos adultos. Na verdade, na legislação está prevista

que a oferta de tais ações depende da iniciativa dos governos municipal e estadual.

Ainda com relação à autonomia das famílias, embora por ocasião da unificação

dos programas sociais, tenha aumentado o valor médio dos benefícios repassados às

famílias (passou de R$23,00 para R$73,00), ainda permanece a dúvida se este montante

é suficiente para tirar essas famílias da situação de miséria em que se encontram.

No que concerne ao controle social, até o presente momento, tal princípio se

configura numa das facetas mais frágeis do PBF. Essa fragilidade ficou mais exposta

após as diversas denúncias, veiculadas na mídia, sobre de casos de corrupção no

processo de cadastramento único, entrega de cartões e até de cadastramento de senhas

em diversos municípios brasileiros.

De fato, tanto a lei de criação quanto o Decreto que regulamenta o Bolsa Família

são bastante vagos na definição de qual instância fará o controle social e como o fará.

No Decreto 5.209 de 17 de Setembro de 2004, está previsto que o controle social em

âmbito local deverá ser feito por um conselho formalmente constituído pelo município

ou mesmo por uma instância a já existente, desde que seja respeitada a paridade entre

governo e sociedade civil e que tenha dentre seus conselheiros, representantes das áreas

de educação, Saúde, Assistência Social, Segurança Alimentar, Criança e Adolescente.

Na prática, o que vem ocorrendo é que, em muitos municípios, o PBF não é

acompanhado por nenhum conselho de controle social.

Em alguns estados e municípios, a sociedade civil, sensibilizada pelas denúncias

de fraude na execução do PBF, vem debatendo o assunto e se propondo a acompanhar

mais de perto a implementação do programa, como é o caso do Talher no estado do

Mato Grosso e da Força Tarefa Popular no Piauí. No Plano nacional, o Conselho

172

Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) também vem discutindo essa

questão e repassando sua posição ao Governo Federal.

No âmbito do governo federal, o MDS assinou um convênio com o Ministério

Público para que este contribua na fiscalização do Bolsa Família. Além disso, entrou em

vigor duas Portarias que tratam dessa questão, uma delegou temporariamente aos

Conselhos de Assistência Social e aos Comitês Gestores criados pelo Fome Zero a

fiscalização do Bolsa Família até que fossem formados Comitês de Controle definitivos

do Bolsa Família. A segunda portaria criou um Grupo de Trabalho para propor um

plano de ação em 30 dias, com definição, metodologia, prazos, cronograma de

implantação definitiva deste Comitê de Controle do Bolsa Família. Mesmo após a

publicação das portarias, o cenário ainda encontra-se indefinido.

• O Cenário Local de Implementação do Programa Bolsa Família

O Programa Bolsa Família tem pela frente o desafio de superar as características

inerentes à maior parte dos municípios brasileiros, tais como: fragmentação e

fragilidade institucional e gerencial, pouca tradição de diálogo e cooperação entre os

níveis e setores de governo, reduzida capacidade de oferta dos serviços públicos, fraca

capacidade de controle social, debilidade dos mecanismos de monitoramento e controle

dos programas sociais, grande dependência da transferência de recursos dos demais

níveis de governo, além do clientelismo.

Em São Francisco de Itabapoana, o cenário no qual o PBF está sendo

implementado é bastante similar ao quadro apresentado acima. Esse município, recém

emancipado (1995), apresenta indicadores sociais dramáticos (alto percentual de

pobreza, um perfil de acesso extremamente precário aos serviços públicos de saúde,

educação e, sobretudo, saneamento básico), grande escassez de recursos e dependência

acentuada das transferências intergovernamentais e dos royalties advindos da

exploração de petróleo na região Norte Fluminense (apenas 8% dos recursos são

provenientes da arrecadação tributária própria). No que concerne à política local, vale

ressaltar que sua curta trajetória tem sido marcada pela alternância dos mesmos grupos

de poder e pelas relações de favorecimento pessoal e de barganha.

173

A análise da experiência do município com programas anteriores de

transferência de renda demonstrou que São Francisco apresentava importantes

fragilidades institucionais, como ausência de mecanismos de avaliação e monitoramento

dos programas, pouca tradição em planejamento conjunto entre as secretarias da área

social, limitada capacidade de oferta das condicionalidades, sobretudo, aquelas

relacionadas ao Programa Bolsa Alimentação, e insuficiência de recursos logísticos e

humanos para a operacionalização dos programas. Com relação ao controle social, os

Conselhos Municipais de Saúde (CMS) e do Programa Bolsa Escola (CMPBE) tinham

uma atuação restrita à aprovação dos relatórios de acompanhamento das

condicionalidades.

De outra forma, foi possível observar algumas iniciativas exitosas, sobretudo, na

gestão dos programas Bolsa Escola e Peti, como a organização de um Seminário, que

contou a participação do governo federal e de outros municípios vizinhos, para discutir

o PBE e, a criação de uma associação de mães de crianças inscritas no Peti, que produz

e comercializa artesanatos a partir de uma planta típica do mangue da região.

O Programa Bolsa Família começou a ser implementado no município no final

de 2003, sendo gerido pela Secretaria Municipal de Educação. Em janeiro de 2005,

1879 famílias, ou seja, 50% da meta prevista para São Francisco, haviam sido

contempladas pelo PBF.

No que concerne à relação entre os níveis de governo, verificou-se que ainda

permanece o padrão observado nos programas de transferência de renda que

antecederam o PBF no município. Essa tradição em dialogar diretamente com o nível

federal, certamente, foi acentuada pela ausência de apoio técnico e operacional do

Estado do Rio de Janeiro aos municípios. Na verdade, a celebração do termo de

cooperação com a União e a criação de uma coordenação do programa, ainda não se

traduziram numa participação mais ativa do governo estadual.

Num contexto de descentralização, a participação mais efetiva dos estados se faz

de extrema importância, dada a dificuldade do governo federal em acompanhar e

monitorar a implementação do programa nos mais de cinco mil municípios da

federação.

É interessante notar que apesar da fragilidade técnica, o município buscou,

através da realização de um Seminário, ampliar os canais de diálogo e a cooperação

174

entre as três esferas de governo. Contudo, vale ressaltar que ainda prevalece no

município uma grande dependência das iniciativas e das transferências do governo

federal, principalmente, no que concerne a oferta e ao monitoramento das

condicionalidades.

Com relação à intersetorialidade, dada a pouca tradição de diálogo entre as

secretarias municipais de saúde, educação e promoção social, tal princípio se configurou

num desafio ainda maior para o município.

Inicialmente, o programa foi alocado numa secretaria específica, a Secretaria

Municipal de Educação e Cultura (SMEC), não tendo sido criado, conforme sugerido

pelo MDS, o comitê intersetorial para gerir o programa. Tal conformação dificultou o

processo de formulação e implementação conjunta do PBF no município. De fato, a

maior parte das decisões acerca do programa ficava concentrada na SMEC.

Todavia, ainda que incipiente, foi possível observar algumas iniciativas de

diálogo e cooperação entre as secretarias, sobretudo, no processo de captação e

cadastramento das famílias. Vale ressaltar que tal cooperação não se deu no sentido

mais amplo de planejamento conjunto do cadastramento, mas através da

disponibilização de técnicos e de computadores das três secretarias.

No início de 2005, o município instituiu formalmente uma comissão formada

pelas secretarias de saúde, educação e promoção social para gerir o Programa Bolsa

Família. A questão é saber se tal comissão ampliará os canais de diálogo entre as

secretarias e englobará processos de planejamento e ação conjuntos.

Com relação ao princípio da equidade, considerando que as famílias mais

pobres dentre os pobres são aquelas que tradicionalmente apresentam as maiores

dificuldades de acesso aos serviços de saúde e educação e de inserção em outras redes

de proteção social, é possível que a estratégia de captação adotada por São Francisco,

via indicação da rede escolar, tenha resultado na exclusão das famílias cujos filhos estão

fora da escola e também daquelas que não tem filhos. Além disso, a realização do

cadastramento no centro da cidade dificultou o acesso das famílias que moram nas

localidades rurais e mais distantes, principalmente, porque no município, devido a sua

extensão, as distâncias são consideráveis e o sistema de transporte local é extremamente

precário.

175

As principais limitações observadas na operacionalização do cadastro no

município foram: insuficiência de recursos humanos para atender a demanda diária, de

forma que as filas que se formavam todos os dias eram enormes, dificuldades dos

técnicos no preenchimento dos cadastros, insuficiência de computadores para a

digitação dos formulários e envio dos dados para a Caixa Econômica Federal.

Por conta das denúncias de uso eleitoral e de irregularidades80, o governo federal

determinou que o processo de cadastramento das famílias em São Francisco de

Itabapoana fosse paralisado e que tais denúncias fossem apuradas pela Controladoria

Geral da União (CGU). A auditoria realizada pela CGU concluiu que houve uso

eleitoral do cadastro no município. No entanto, segundo a auditoria, não foram

encontradas inconsistências e irregularidades nos cadastros efetuados pelo município, de

forma que os dados puderam ser enviados à Caixa Econômica Federal.

A CGU, juntamente com a Polícia Federal, dando prosseguimento às

investigações iniciadas durante o processo de cadastramento das famílias, descobriu um

esquema de corrupção que envolvia o próprio coordenador do programa. De acordo

com a reportagem do Jornal o Globo81, para sacar o dinheiro do programa, o

coordenador, recolhia os cartões e as respectivas senhas dos beneficiários do PBF sob a

alegação de que os mesmos precisariam ser substituídos. Em alguns casos, as famílias

não eram notificadas de que haviam sido incluídas no PBF, não recebendo, portanto, os

cartões. Tal situação se constitui num fato chocante e que, mais do que tendências

individuais, expõe as fragilidades das malhas institucionais e do controle social já

apresentadas nesse estudo de caso.

De fato, com relação à participação e ao controle social, não foi constituído

nenhum conselho, tampouco foram designadas atribuições específicas para o

acompanhamento do PBF aos conselhos de políticas sociais já existentes no município.

Foi possível observar que os quatro Conselhos de Política Social (Saúde, Segurança

Alimentar, Assistência Social e Bolsa Escola) encontram-se alheios ao processo de

implementação do PBF no município e um acentuado grau de desconhecimento do

programa por parte dos conselheiros entrevistados.

80 Reportagem de autoria de Chico Otávio publicada pelo Jornal O GLOBO no dia 19 de setembro de 2004. 81 Reportagem de autoria de Chico Otávio publicada pelo Jornal O GLOBO no dia 25 de março de 2005.

176

No que concerne à oferta e ao monitoramento das condicionalidades definidas

no regulamento do Programa Bolsa Família, ficou evidente que a reduzida capacidade

da rede de educação e, sobretudo, da rede saúde do município vem dificultando a

viabilização do cumprimento dessa agenda de compromissos. No caso da educação, o

acompanhamento da freqüência escolar só começou a ser realizado nos primeiros meses

de 2005.

Com relação às contrapartidas ligadas à saúde, o acompanhamento do pré-natal e

puerpério e as atividades de educação em saúde e nutrição ainda não estão sendo

cumpridas pelo município. Segundo os gestores, em 2004, as crianças até 6 anos que

migraram do Programa Bolsa Alimentação para o Bolsa Família continuaram a ter o seu

crescimento e desenvolvimento acompanhados nas unidades de saúde. No entanto, a

análise da série histórica dos dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional

(SISVAN) da enviados pelo município para a Secretaria Estadual de Saúde, apontou

que o funcionamento desse sistema no município ainda é bastante incipiente.

É possível que a implantação de módulos do Programa Saúde da Família,

iniciada no final de 2004, possa vir a contribuir de forma efetiva para a

operacionalização do próprio PBF à medida que amplia o acesso às ações de saúde, nas

quais se inclui boa parte da agenda de compromissos do Bolsa Família.

Uma variável que se mostrou de extrema importância para o entendimento do

curso do programa no município foi a eleição municipal ocorrida em outubro de 2004.

Decisões importantes acerca do programa, principalmente no que concerne ao processo

de cadastramento, foram influenciadas pelo período eleitoral. Em São Francisco de

Itabapoana, embora, num primeiro momento a administração municipal tenha optado

pela paralisação do cadastramento até que a maior parte das famílias que já fazia parte

do banco de dados fosse inserida no Programa Bolsa Família, com a proximidade da

eleição para prefeito, esse processo foi retomado.

De maneira geral, o uso eleitoral e clientelista do Cad-único e principalmente do

PBF em alguns municípios é possível porque muitas famílias pensam ser o prefeito

quem distribui os recursos dos programas federais e associam, então, com o voto.

Conforme discutido anteriormente, esse processo de definição da clientela

potencialmente beneficiária é crucial para garantir que o programa consiga atingir

aqueles segmentos mais vulneráveis da população. No entanto, tal tarefa é

extremamente complexa, uma vez que envolve a necessidade de um maior aporte de

177

recursos financeiros e logísticos e a superação do padrão clientelista que tem marcado a

política social brasileira.

Dessa forma, fica evidente a necessidade da construção de mecanismos efetivos

de acompanhamento e monitoramento da execução do Cad-Único no nível local por

parte dos governos federal e, sobretudo, o estadual e também do fortalecimento e

capacitação dos Conselhos de controle social.

Em resumo, o presente estudo de caso demonstrou que o processo de

implementação do Programa Bolsa Família vem esbarrando na fragilidade institucional,

na capacidade técnica reduzida do município, na baixa capacidade de oferta e

monitoramento dos serviços de saúde e educação e na ausência de controle social.

Aliada a essas limitações, a demora do governo federal em definir de forma clara os

papéis dos entes federativos, os mecanismos de oferta e controle das condicionalidades

e a estratégia de controle social também se constituíram em importantes obstáculos ao

programa.

Dessa forma, a superação do clientelismo e da dependência financeira e de

iniciativas do governo federal e o fortalecimento das instâncias de controle e

participação social ainda se configuram em questões chaves a serem enfrentados pelo

município de São Francisco de Itabapoana.

• O Cenário Futuro da Transferência de Renda no Brasil

A política de transferência de renda parece estar se consolidando cada vez mais

como uma estratégia de enfrentamento da pobreza e da fome e como uma nova face da

proteção social brasileira. Para além dos programas focalizados nas populações

vulneráveis, a aprovação da lei 10.835, em 2003, que garante renda básica incondicional

a todos os indivíduos adultos pode representar a tomada de novos rumos dessa política

em direção à universalidade e à incondicionalidade dos direitos.

No entanto, apesar da referida Lei prever o início da implementação do Renda

de Cidadania para este ano de 2005, muitas dúvidas ainda persistem: Qual será o futuro

do Programa Bolsa Família? Como será o processo de transição? Dada a inviabilidade

178

de contemplar todos os cidadãos de uma só vez e a natureza incondicional e universal

do benefício, como se dará o processo inicial de implementação do Renda de

Cidadania?

Para o autor da Lei de Renda de Cidadania, Senador Eduardo Suplicy, uma

possibilidade seria a promoção de algumas alterações imediatas no Programa Bolsa

Família de forma a facilitar o processo de transição. Ele propõe a extensão imediata do

PBF aos 11,2 milhões de família (meta do programa a ser atingida em 2006) e a

transferência de uma bolsa no valor de R$40,00 para cada indivíduo adulto da família.

Todavia, Lavinas (2004) salienta que esta proposta representaria um aumento enorme de

custo do PBF, sem, contudo, um impacto de tal magnitude na redução da pobreza. Além

disso, os testes de comprovação de renda continuariam sendo necessários. Para ela, a

melhor forma de caminhar no sentido da universalidade seria através da priorização das

famílias com filhos até 16 anos, pois este é o grupo socialmente mais vulnerável.

Apesar das propostas colocadas acima, essas questões ainda permanecem sem respostas

concretas.

179

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INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas)., 2000. Mapa da Exclusão Educacional. Disponível no site: http://www.inep.gov.br

MS (Ministério da Saúde)., 1999. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Portaria nº 170 de 10 de Junho de 1999.

_____________________., 2001. Programa de Combate às Carências Nutricionais – PCCN. Brasília:MS/Secretaria Executiva.

_____________________., 2001. Manual de Orientação do Programa Bolsa Alimentação. Brasília:MS/Secretaria de Políticas de Saúde.

___________________ (Gabinete do Ministro). Portaria Interministerial nº 2.509, de 18 de Novembro de 2004. Dispõe sobre as atribuições e normas para a oferta e o monitoramento das ações de saúde relativas às condicionalidades das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família.

187

PMSFI (Prefeitura Municipal de São Francisco de Itabapoana)., 2002. Programa Municipal de Renda Mínima. São Francisco de Itabapoana: Secretaria Municipal de Assistência e Promoção Social.

___________________., 2002. Plano Municipal de Saúde – 2002/2005. São Francisco de Itabapoana: Secretaria Municipal de Saúde.

Presidência da República (Casa Civil). Decreto nº. 4.142 de 24 de Janeiro de 2002. Regulamenta a Medida Provisória nº 18, de 28 de Dezembro de 2001, relativamente ao “Auxílio Gás”.

______________. Decreto nº. 3.877 de 24 de Julho de 2001. Institui o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.

______________. Decreto nº. 5.209 de 17 de Setembro de 2004. Regulamenta a Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004, que cria o Programa Bolsa Família, e dá outras providências.

______________. Lei nº 10.219 de 11 de abril de 2001. Cria o Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à educação - "Bolsa Escola", e dá outras providências.

______________. Lei nº 10.689, de 13 de Junho de 2003. Cria o Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA.

______________. Lei nº 10.836 de 19 de Janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências.

______________. Medida provisória nº 2.206-1 de 6 de Setembro de 2001. Cria o Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à saúde: "Bolsa-Alimentação" e dá outras providências.

TCU (Tribunal de Contas da União)., 2002. Avaliação do TCU sobre o Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo Federal. Brasília: TCU: Secretaria de Fiscalização e Avaliação dos Programas de Governo.

_____________., 2004. Relatório de Auditoria Especial do Programa Bolsa Família. Brasília: TCU: Secretaria de Fiscalização e Avaliação dos Programas de Governo.

TCERJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro)., 2000. Os royalties de Petróleo e a Economia do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: TCERJ.

_____________., 2003. Estudo Sócio Econômico – São Francisco de Itabapoana. Rio de Janeiro:TCERJ.

188

ANEXO I

ROTEIROS DE ENTREVISTAS

I) Entrevistas com os Conselhos de Políticas Sociais

Identificação:

1) Quando foi criado o Conselho no município? 2) Por que foi criado? Qual a função deste conselho? 3) Qual é a natureza do conselho? (deliberativo, consultivo) 4) Como se estrutura o conselho? (Presidência/Câmara Técnica/Secretaria

Executiva)? 5) Quem define as pautas? Qual a periodicidade das reuniões? 6) Como é a relação do conselho com a prefeitura? 7) Quais foram as principais decisões do conselho até o presente momento? 8) Você acha que as decisões do conselho influenciam na trajetória da

política municipal? De que forma? 9) Existem conflitos no interior do conselho? Quais? Envolvendo que

atores? 10) Existe alguma iniciativa de capacitação dos conselheiros? De que

tipo?Quem executa? 11) Existe alguma articulação entre este conselho e os demais conselhos

existentes no município? 12) Você conhece os programas de transferência de renda atualmente

implantados no município? Qual a sua opinião? 13) O conselho participou de alguma forma da discussão, implementação

e/ou acompanhamento de algum desses programas? 14) Especificamente em relação ao Bolsa Família, qual a participação do

conselho no processo de implementação? 15) Como você vê esse processo inicial de implantação do programa no

município? Vocês têm tido acesso a esse processo? 16) Há alguma posição contrária à implementação do PBF no município? 17) Em sua opinião, o PBF tem conseguido beneficiar as famílias mais

pobres do município? Por quê?

II) Roteiro aplicado simultaneamente às Secretarias de Saúde, Educação e

Assistência Social

1) Além do PBF, o município possui outros programas de transferência de renda implementados? (Programas federais e/ou criados pelo próprio município) Quais?

2) Existem avaliações e estudos sobre o impacto dos programas anteriores?

189

3) Quais as foram as dificuldades encontradas na implementação desses

programas? 4) Quando de sua implantação, o(s) programa(s) foi submetido à apreciação de

algum Conselho ou fórum de controle social? 5) Quando o PBF começou a ser implementado no município? 6) Como a opinião pública reagiu quando da implantação do programa? 7) Com a implantação do Programa Bolsa Família houve alguma alteração nos

programas de transferência de renda anteriormente implantados? Quais? 8) Que órgão está gerindo o PBF? Este órgão já fazia parte da estrutura

organizacional da prefeitura municipal? Quais foram os critérios utilizados para definir o órgão gestor ?

9) Como se dá o financiamento do Programa? Como se dá a relação com outras esferas de governo no que diz respeito a esta questão?

10) Como se dá o diálogo entre as áreas de governo envolvidas em torno do programa? Como se dá o processo de tomada de decisão em relação a implementação do programa?

11) Quais são os critérios e como está sendo realizado o processo de captação, seleção e cadastramento do PBF? Há participação de outras instâncias de governo?

12) Quais são os critérios de desligamento? 13) Quantas famílias atualmente são atendidas no município? Como esse n. foi

definido? Há perspectiva de ampliação? Este n. é considerado adequado ? 14) Como o município está estruturado para ofertar os serviços de saúde e educação,

especificamente aqueles que se referem às condicionalidades do PBF? 15) Existe algum tipo de acompanhamento das famílias no que se refere,

especificamente, às contrapartidas exigidas pelo programa? 16) Quais são as dificuldades encontradas com relação à efetivação das

contrapartidas previstas no programa? 17) O município realiza outras ações que visem ampliar e potencializar a rede de

proteção social às famílias beneficiárias? Quais? 18) Existe alguma perspectiva de alteração do PBF no município? ( com relação a

proposta do governo federal) Quais são as vantagens e desvantagens para município aderir ao PBF?

19) Os Conselhos de política social participaram/paticipam do processo de implementação do PBF? ( Principalmente das fases de cadastramento e seleção de beneficiários). Quais são os conselhos que participaram/ participam?

20) Existe algum tipo de avaliação ou monitoramento do PBF no município? 21)Quais são os maiores entraves para o sucesso do programa? 22)Qual é o maior mérito do programa? 23)Qual é a sua opinião sobre o PBF?

III) - Secretaria de Educação/Saúde

1) O que você pensa sobre os programas de combate à fome e à pobreza que vem sendo desenvolvidos pelo governo federal?

2) Na sua opinião, os programas de transferência de renda teriam o potencial de alterar a situação de pobreza das famílias? Por quê?

190

3) Como foi a experiência de implementação de programas de transferência de renda no município?

4) Como foi implementado o cadastro único no município? 5) Quais foram as principais dificuldades e facilidades encontradas durante esse

processo? 6) Foi feita alguma capacitação dos técnicos para realizarem o processo de

cadastramento? 7) Como os demais níveis de governo participaram do processo de cadastramento? 8) Quando foi implementado o PBF no município? 9) Você considera que houve avanço na unificação dos programas de transferência

de renda no Programa Bolsa Família? Por quê? 10) Quais foram os critérios utilizados para definir a secretaria de educação como

órgão gestor do PBF? 11) Como se dá o diálogo entre as áreas de governo envolvidas em torno do

programa? Como se dá o processo de tomada de decisão em relação a implementação do programa?

12) Quais são os critérios e como está sendo realizado o processo de captação, seleção e cadastramento do PBF? Há participação de outras instâncias de governo?

13) É feita alguma capacitação dos técnicos que atuam no programa? 14) Quantas famílias atualmente são atendidas no município? Como esse n. foi

definido? Há perspectiva de ampliação? Este n. é considerado adequado ? 15) Como o município está estruturado, na área de educação, para atender às

condicionalidades do PBF? 16) Existe algum tipo de acompanhamento das famílias no que se refere,

especificamente, às contrapartidas exigidas pelo programa? 17) Quais são as dificuldades encontradas com relação à efetivação das

contrapartidas previstas no programa? 18) Quais são os critérios de desligamento? 19) O município realiza outras ações que visem ampliar e potencializar a rede de

proteção social às famílias beneficiárias? Quais? 20) Existe alguma iniciativa no âmbito do município para ampliar a cooperação

entre os níveis de governo?

IV) Secretaria de Promoção Social

1) O que você pensa sobre os programas de combate à fome e à pobreza que vem sendo desenvolvidos pelo governo federal? 2) Na sua opinião, os programas de transferência de renda teriam o potencial de

alterar a situação de pobreza das famílias? Por quê? 3) Quais são os programas sociais desenvolvidos por esta secretaria? 4) Quais são os objetivos dos programas desenvolvidos? 5) Quantas famílias estão sendo beneficiadas nos diferentes programas? 6) Quais são os critérios de seleção, cadastramento e desligamento desses

programas? 7) Existem condicionalidades vinculadas aos programas desenvolvidos? Quais? 8) Fale sobre as principais dificuldades e facilidades encontradas na implementação

deste programas? 9) Quais são os objetivos do Programa de Renda mínima concebido no Município?

191

10) Qual a meta do Programa? E qual o critério para a definição dessa meta? 11) Quantas famílias estão sendo atendidas no momento? 12) Quais são os critérios de seleção, captação e cadastramento dos beneficiários? 13) Quais as atividades que estão previstas para as famílias inseridas no programa? 14) Quais são os critérios de desligamento? 15) Quais as dificuldades e facilidades encontradas na implementação do programa? 16) A secretaria desenvolve programas em parceria com outras secretarias,

associações ou ongs? Quais? 17) Como foi implementado o cadastro único no município? 18) Quais foram as principais dificuldades e facilidades encontradas durante esse

processo? 19) Foi feita alguma capacitação dos técnicos para realizarem o processo de

cadastramento? 20) Como os demais níveis de governo participaram do processo de cadastramento? 21) Quando foi implementado o PBF no muncípio? 22) Você considera que houve avanço na unificação dos programas de transferência

de renda com a instituição do Programa Bolsa Família? Por quê? 23) Quais foram os critérios utilizados para definir a secretaria de educação como

órgão gestor do PBF? 24) Como se dá o diálogo entre as áreas de governo envolvidas em torno do

programa? Como se dá o processo de tomada de decisão em relação a implementação do programa?

25) Quais são os critérios e como está sendo realizado o processo de captação, seleção e cadastramento do PBF? Há participação dos governos federal e estadual? De que forma?

26) Quais são os critérios de desligamento? 27) Quantas famílias atualmente são atendidas no município? Como esse n. foi

definido? Há perspectiva de ampliação? Este n. é considerado adequado ? 28) Como o município está estruturado para ofertar os serviços de educação e saúde

especificamente aqueles que se referem às condicionalidades do PBF? 29) Existe algum tipo de acompanhamento das famílias no que se refere,

especificamente, às contrapartidas exigidas pelo programa? 30) Quais são as dificuldades encontradas com relação à efetivação das

contrapartidas previstas no programa? 31) O município realiza outras ações que visem ampliar e potencializar a rede de

proteção social às famílias beneficiárias? Quais?