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PROFISSIONALIDADE, CONSTITUIÇÃO DO SER PROFESSOR E
CURRÍCULO CULTURAL: A FORMAÇÃO DOCENTE SOB UMA ÓTICA
PLURAL
O painel proposto discute a formação docente a partir de três perspectivas: a
profissionalidade construída no decorrer do exercício profissional de professores
bacharéis, o delineamento do ser professor da educação básica durante o percurso
formativo e a instituição do currículo cultural como saber docente que opera na sala de
aula de professores dos cursos de licenciatura. Para tanto, as autoras, dialogando com
autores que tratam das temáticas, apresentam resultados de pesquisas desenvolvidas no
âmbito do Instituto Federal do Piauí (IFPI), tanto com professores da própria instituição,
quanto com professores da escola de educação básica que recebem alunos da
licenciatura do IFPI para a vivência do estágio supervisionado. Os estudos analisam o
caráter tecnicista que marca a Educação Profissional, a desvalorização histórica da
profissão docente que ainda entrava a escolha de jovens pela profissão e a definição da
docência como profissão e, ainda, os desafios que se apresentam à profissão docente
diante da instantaneidade da produção, consumo e descarte do conhecimento na
sociedade atual. Constatam, entre outros fatos, que a Educação Profissional e
Tecnológica mantém na identidade profissional docente a construção de posturas
tecnicistas; que o ser professor é um processo individual e intricado que acontece em
formatos e tempos diferentes; e que o currículo cultural dos professores atua em
contraste com o currículo cultural dos alunos na liquidez da contemporaneidade. Os três
estudos se alinham ao defenderem a necessidade de uma formação docente mais
consistente, alicerçada na reflexão, na autonomia dos professores e na possibilidade de
tomada de decisão e transformação da realidade social.
Palavras-chave: Formação Docente. Profissionalidade. Currículo Cultural.
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A CONSTITUIÇÃO DO SER PROFESSOR: SINGULARIDADES,
INCERTEZAS E PERSPECTIVAS DESTE PROCESSO
Emanoela Moreira Maciel - IFPI
RESUMO
O presente estudo apresenta um recorte dos resultados de pesquisa desenvolvida, em
nível de doutorado, cujo objetivo geral se delineou em investigar a experiência
supervisiva no estágio supervisionado como fonte de aprendizagem docente para o
professor supervisor que, na escola-campo de estágio, recebe alunos da licenciatura em
sala de aula para a vivência dessa atividade formativa. No desenvolvimento do estudo,
de modo específico, buscamos entender o processo de constituição do ser professor
deste profissional, com o intuito de caracterizar seu percurso formativo e analisar as
influências deste percurso em sua formação docente. O estudo adotou o método
autobiográfico e a pesquisa narrativa, por meio do memorial e das rodas de conversa,
como técnicas de produção dos dados e teve como interlocutores quatro professores de
uma escola da rede estadual que recebem alunos do Instituto Federal do Piauí - IFPI
para a vivência do estágio supervisionado. A análise de dados desenvolveu-se a partir
do método de análise de conteúdo das narrativas, proposta por Poirier, Clapier-Valladon
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e Raybaut (1999). Para atingir ao objetivo proposto, estabelecemos um diálogo teórico
com Freire (1996), Grillo (2004), Imbernón (2010), Monteiro et al (2012), Tardif
(2002), entre outros. Foi possível constatar que entrar na profissão ou iniciar a carreira
docente não demarca o ser professor, que se constitui processo individual e intricado
que acontece em formatos e tempos diferentes. Além disso, o ser professor se consolida
pelo vínculo financeiro com a profissão e pela experiência profissional, o que nos
consente coligir que a formação inicial pela qual os interlocutores passaram, não
promoveu a pertença desse grupo de professores à docência, nem mesmo a certeza de
ingresso na carreira quando da conclusão de seus estudos universitários.
Introdução
A profissão docente no Brasil resguarda consigo as mazelas de uma
desvalorização histórica marcada por condições de trabalho deficitárias, baixos salários
e falta de investimentos políticos e financeiros na carreira. A expansão da demanda
escolar tem crescido na mesma proporção com que os jovens se afastam da carreira
docente como escolha profissional e aí reside uma incoerência: quanto mais há a
ampliação da oferta do ensino escolar, maior se revela a dificuldade em formar
professores que possam atendê-la.
De forma recorrente, sobram vagas nos cursos de licenciatura oferecidos pelas
universidades e, ainda, turmas com números muito reduzidos de alunos concluem a
formação inicial. Aranha e Souza (2013, p. 78) atribuem tal fato ao “[...] baixo valor do
diploma de professor, sobretudo, na educação básica, tanto no mercado de bens
econômicos (salário) quanto no mercado de bens simbólicos (prestígio)”. Nessa
perspectiva, o ser professor vai se delineando a partir de importantes implicações de
ordem contextual e social e, de modo mais raro, de implicações individuais, ou seja,
uma escolha prioritária de ser professor. A docência é percebida pelos jovens como
meio de acesso preciso ao ensino superior e, consequentemente, possibilidade de
ascensão social, constituindo, por isso, escolha para muitos deles.
A questão da desvalorização da profissão docente supõe discutir, ainda, um
aspecto importante: a docência como vocação. A vocação pressupõe doação e, como tal,
dispensa salários altos ou reivindicações salariais. Haghette (1991 apud DINIZ, 2006)
comenta que a ideologia da vocação pode ser considerada como um mecanismo de
autodefesa. É como se o professor pensasse que, apesar de ser mal pago e de a escola
estar em condições precárias, desenvolve um trabalho sagrado. A ideia da docência
como sacerdócio, entendemos, beneficia o sistema político, econômico e social em
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vigor, que continua a não investir nas condições de trabalho docente, nos salários dos
professores, nem em medidas de valorização da carreira.
Tendo as discussões citadas como norte, desenvolvemos um estudo situado no
método autobiográfico e tendo como técnicas de produção de dados as narrativas
memorial escrito e roda de conversa. Os interlocutores foram quatro professores do
ensino médio que, recebendo alunos de licenciatura em sala de aula para a vivência do
estágio supervisionado, assumem a faceta de supervisores de estágio. Os professores são
das seguintes áreas: física, matemática, biologia e química, as quatro licenciaturas
trabalhadas no Instituto Federal do Piauí (IFPI), campus Teresina Central. Os
professores, no decorrer deste estudo, terão suas falas identificadas pela primeira letra
de suas áreas de atuação (F, M, B e Q, ou seja, física, matemática, biologia e química)
O problema central que move este estudo é: De que forma a experiência
supervisiva no estágio se constitui em fonte de aprendizagem docente para o professor
supervisor? O objetivo geral foi investigar a experiência supervisiva no estágio
supervisionado como fonte de aprendizagem docente para esses docentes. De modo
específico, entre outros objetivos, buscamos entender o processo de constituição do ser
professor deste profissional, com o intuito de caracterizar seu percurso formativo e
analisar as influências deste percurso em sua formação docente.
A profissão docente: vocação ou aprendizagem social?
A discussão sobre a profissionalização da carreira docente denota a urgência de
entendermos o professor como profissional que tem autonomia, toma decisões sobre os
problemas profissionais da prática, mas também luta contra a exclusão social, estabelece
relações com estruturas sociais e, por seu desenvolvimento crítico, identifica e
reconhece as contradições da profissão para nelas intervir. O conceito de profissão é,
para Imbernón (2010), produto de um conteúdo ideológico que influencia a prática
profissional. Quando as ideias da docência como vocação, sacerdócio e doação
sobrepujam a noção de profissão docente, abre a possibilidade de práticas carentes de
valores éticos, morais, ideológicos que possam desenvolver autonomia e liberdade no
indivíduo. Entender a docência como profissão pressupõe que “[...] o conhecimento
específico do professor e da professora se ponha a serviço da mudança e da dignificação
da pessoa.” (IMBERNÓN, 2010, p. 28).
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Por mais que a discussão acerca da formação de professores tenha avançado
nas duas últimas décadas, ainda permanece no discurso e no pensamento de muitos
professores que há essa inclinação ou tendência natural para ser professor. Alguns
interlocutores de nosso estudo se mostraram crentes na ideia da vocação. Durante uma
das rodas de conversa, a interlocutora B afirmou que sua dificuldade com a docência era
relacionada com a vocação “[...]eu não sou vocacionada naturalmente”. Essa
afirmação foi disparadora de uma reflexão, na roda de conversa posterior, sobre
vocação, desvalorização salarial e a dimensão social da profissão docente caracterizada
pela produção de saberes. Segundo Tardif (2002), esses saberes são esquemas, regras,
hábitos, procedimentos não inatos, mas elaborados pela socialização, por meio da
inserção dos indivíduos nos diferentes grupos socializados nos quais eles constroem, em
interação com os outros, sua identidade pessoal e social. Admitimos, assim, que o ser
professor é aprendizagem social escolhida pelos sujeitos.
As ideias de Tardif (2002) sobre a aprendizagem social da docência e as
considerações sobre a perspectiva de vocação desvalorizadora da profissão docente
foram apresentadas na roda de conversa através de nossos comentários, mesmo sem o
suporte da leitura do livro ou texto do autor. Os professores supervisores discorreram
sobre suas ideias, inspirados pela confrontação apresentada, concordando, ou não, com
a perspectiva da docência como profissão aprendida durante um processo formativo
pessoal e profissional.
O pessoal não pode confundir vocação com filantropia. Há
essa diferenciação. Vocação enquanto tendência, facilidade
para. E filantropia enquanto fazer sem retorno. Uma pessoa
que não tem tendência para ser professor, não vai ser
professor nunca. [...] tem pessoas na universidade, que têm
disciplinas [...] que tá lá como professor, não tem nenhuma
habilidade para ser professor. Tanto é que os cursos de
física e matemática, que eram os cursos de maior evasão
antes, hoje já não são mais porque quem está chegando
hoje, está chegando com vocação. (M).
Pois para mim são duas surpresas. É surpreendente eu ser
professor e ser professor de física. Eu fui péssimo orador,
tinha medo de ficar no meio de um monte de gente, como era
péssimo aluno de física. (F)
Pelas falas dos interlocutores, percebemos que há uma divergência de ideias
sobre como ocorre o processo de ser professor. Ao tempo em que B e M creditam a uma
inclinação natural e inata as habilidades relativas à docência, F confirma, pela sua fala,
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que os saberes de que necessita para ser professor, como o conteúdo da disciplina, a
capacidade de falar em público e o estabelecimento de relações interpessoais, são todos
aprendidos em contextos sociais e nos cursos de formação. Identificamos na fala de M,
uma contradição importante. Logo após afirmar que quem não tem vocação nunca será
professor, expressa que há professores que não têm nenhuma habilidade para tal, mas
estão na universidade ministrando aulas. A incoerência destacada na fala do interlocutor
confirma que a profissão docente requer conhecimentos oriundos de fontes diversas
como as experiências pré-profissionais, a formação inicial e continuada, as trocas com
os pares, entre outras formas essencialmente sociais, apontando a docência como
profissão aprendida.
É válido ressaltar a feição formativa da roda de conversa e as reflexões
proporcionadas por esta técnica de pesquisa. Em uma roda posterior a que debatemos
sobre a ideia de vocação, durante uma discussão sobre as aprendizagens produzidas no
contexto de estágio, a interlocutora B fez questão de destacar:
A gente pega todas as influências ali e vai tentar passar
todas aquelas influências para aquela pessoa e você também
aprende com eles. Não vou dizer que é vocação. (B)
Ao concluir que o processo de ser professor se faz em diferentes contextos e
em trocas de experiências nos diversos ambientes sociais, pois “Nenhum professor é
professor isoladamente” (GRILLO, 2004, p. 79), a interlocutora nos permite inferir que
pensou acerca das provocações instituídas, mudando seu ponto de vista sobre a
profissão docente e seu caráter social, realçando a roda, momento narrativo, como
espaço formativo que articula três dimensões desta técnica de pesquisa: reflexão,
formação de conhecimento e autoformação. Como endossa Monteiro et al (2012), na
narrativa como técnica de pesquisa, os objetivos de pesquisa e de formação estão
imbricados como processos de reflexão e reconstrução do pensamento.
O delineamento do sujeito professor vai tomando forma a partir das relações
que estabelece consigo, com os outros e com as intercorrências contextuais, como cita
Zabalza (1998, p.13), a melhora profissional se dá “[...] mediante o conhecimento e a
experiência: o conhecimento das variáveis que intervêm na prática e a experiência para
dominá-las. A experiência, a nossa e a dos outros professores”.
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Cabe aqui a discussão do conceito de identidade que agrega características
individuais e subjetivas do indivíduo, ressalta a ideia de constituição do sujeito em uma
coletividade, uma perspectiva social da constituição humana. Diz respeito às questões
de reconhecimento pessoal (sou único e singular) e também às questões de
reconhecimento social (sou de determinada família, me identifico com uma profissão,
pertenço a esta categoria e tenho similitudes com meus pares). A constituição de uma
identidade, desse modo, é processual e se dá em diversos ambientes e pelas diversas
experiências pessoais e sociais do indivíduo. É simultaneamente original e
coletivamente formada. Nessa perspectiva, o ser professor, enquanto identidade e
sentimento de pertença à categoria, vai se desenhando em um processo simultaneamente
pessoal e social.
Nas narrativas dos interlocutores, encontramos indícios importantes da escolha
da profissão docente como segunda opção ou como forma segura de ingresso à
universidade, particularmente no processo de seleção e inserção, justamente pela baixa
concorrência às vagas referentes às licenciaturas, corroborando a perspectiva da
desvalorização da profissão. Há que se considerar os motivos da escolha profissional
que muito influenciam as ações desenvolvidas pelo professor durante o exercício da
profissão. Assim, encontramos nos memoriais os seguintes trechos, referentes a cada
interlocutor:
Eu sonhava em fazer medicina e assim melhorar minha
condição socioeconômica. Como a concorrência para o
curso desejado era muito grande, resolvi prestar vestibular
para química, com a ideia de que iria adquirir mais
conhecimentos e só em seguida viria a aprovação para
medicina. Com o tempo, vi que aquele sonho não seria
concretizado, tinha muitas incertezas quanto ao meu curso,
achava que ser professor não valeria a pena, tinha a
impressão que era uma profissão pouco valorizada. (Q)
Usando meus poucos livros, até então, e com muita força de
vontade, consegui entrar no CEFET (hoje IFPI) no curso
técnico em informática na esperança de uma realização
próspera, [...] sempre adorei videogames.[....] Ao
abandonar este curso, me foquei na ideia de uma formação
sólida, de preferência em nível superior, como forma de
garantir uma renda. [...] Enquanto a vida passava, pensei
em várias profissões que eu poderia exercer a fim de
garantir minha subsistência. [...] Relacionamos as possíveis
profissões às quais gostávamos e, como num sorteio, escolhi
Licenciatura Plena em física. Parecia para mim uma
escolha conveniente, uma vez que a concorrência nesse
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curso sempre é menor e a carência de profissionais nessa
área me chamou a atenção. (F)
Queria ser cientista ou pesquisadora. Por influência da
família tentei vestibular para medicina, duas vezes, não
suportei a pressão psicológica, então tentei para o curso de
biologia da UESPI. Lá entrei em 1996 sem nenhuma ideia
da formação que viria pela frente. (B)
No terceiro ano, eu ensinava matemática e física para meus
colegas. O professor faltava, lá eu ia dar aula no lugar para
meus colegas de sala. O diretor da escola, alertado pelos
professores, me chamou e disse que se eu obtivesse
aprovação no vestibular me daria um emprego. Coloquei a
primeira opção Matemática e a segunda Física. [...] Passei
na segunda opção, penúltimo lugar, e o diretor cumpriu a
promessa. Comecei a lecionar matemática, mas cursava
física, com seis meses de curso. (M)
Dos excertos, depreendemos que os interlocutores chegaram ao curso de
licenciatura por uma série de fatores de ordem social, tais como: necessidade de retorno
financeiro mais rápido, certeza da entrada em curso superior ou esperança de consolidar
conteúdos relativos ao curso que, de fato, desejavam. Essa situação reforça que os
motivos pelos quais o sujeito se torna professor podem ser diversos, mas nada têm a ver
com vocação, e sim com uma escolha pessoal.
Contraditoriamente, o quadro de desvalorização da profissão docente favorece
a busca das licenciaturas por indivíduos de classes sociais populares que, oriundos de
escolas públicas, consideram-se menos preparados a concorrer para cursos de maior
prestígio social, ou seja, admitem a “esperança subjetiva” (BOURDIEU; PASSERON,
2012) excluindo-se da concorrência por se considerarem inaptos para tanto, a exemplo
da narrativa de Q e B.
Claramente, Q e B demonstram a insegurança em tentar um curso com
concorrência maior, insegurança essa capaz de impedir até a tentativa de aprovação. Q,
F e B, nos chamam a atenção para outro aspecto relevante: ter afinidade com
determinada área não foi suficiente para que eles a seguissem ou insistissem em segui-
la. A necessidade de subsistir-se fez com que optassem por uma profissão mais estável e
segura, tanto no que diz respeito à entrada no curso superior, como no tocante à
possibilidade de garantia de renda. Isso definiu suas escolhas profissionais que, de certo
modo, encontra-se corroborado nos pensamentos de Bourdieu e Passeron (2012): a
eliminação de ambições socialmente definidas aconteceu em função da modalidade
própria de seu ethos de classe. Em outras palavras, a licenciatura não foi escolhida como
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área de afinidade, mas como um meio de assegurar renda e, consequentemente, o
sustento.
A fala de M fortalece essa proposição ao demonstrar que, mesmo tendo certa
proximidade com a profissão ao ensinar os colegas, o que o fez decidir por uma
licenciatura foi, de fato, o compromisso de emprego firmado com a escola particular na
qual era bolsista. Ou seja, a garantia de uma renda.
Vale ressaltar que a escolha da licenciatura pelos jovens de classes populares
admite, também, um raciocínio tanto similar quanto oposto: quando jovens de classes
sociais mais altas e com acesso a um capital cultural mais amplo direcionam suas
escolhas para cursos de maior prestígio social como meio de manutenção de um status
social e econômico, não como inclinação pessoal.
B realça que, mesmo escolhendo o curso de Biologia, a formação pela qual
passaria era uma incógnita. Em nossa atuação como professora nos cursos de
licenciatura, esta é uma realidade comum em turmas iniciantes. Os alunos, muitas vezes,
são atraídos para o curso pela área específica sem, no entanto, terem conhecimento que
a formação é para professores daquela área.
Os relatos dos professores nos permitem deduzir que suas histórias de vida
possuem aproximações, uma vez que todos são oriundos de camadas populares da
pirâmide social e vislumbravam na formação superior a assunção de que gostariam. Por
isso, optaram por não correr riscos, escolhendo curso de mais fácil acesso. O processo
de tornar-se professor, nesse caso, tem início num contexto de incertezas e descrenças
sobre profissão, mas também de esperança na possibilidade de mudança de vida e
constituição profissional.
O estabelecimento de estigmas em torno da profissão é, também, sob nossa
ótica, um fator impeditivo da convicção dos sujeitos em reconhecerem-se professores.
Há um significado construído e enraizado socialmente, inclusive dos próprios
professores, de que a profissão docente é difícil. Propugnam a docência como profissão
complicada, de trabalho excessivo, em realidades árduas com ganhos débeis. Cabe-nos
pensar a respeito de como tais questões são abordadas - e se o são - no processo de
formação inicial de professores, o que tem influência marcante do processo de
identidade docente.
A crença no “professor resignado” impera sobre a discussão acerca das
possibilidades relativas à formação docente, quais sejam: o desenvolvimento pessoal e
profissional, a elaboração de pensamento livre e emancipado, a formação permanente, a
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ascensão na carreira e ampliação de salário, a oportunidade de transformação social, a
reinvenção profissional contínua, o descortinar da miopia que impede a evolução do
pensar por uma visão crítica, entre outras. Essas são possibilidades que, trazidas à pauta
na formação, constituem-se discussões valiosas a respeito da profissão docente, da
prática e do trabalho do professor como intervenção social, edificam novas convicções
sociais.
O interlocutor Q durante a participação numa roda de conversa que, ao
comentar o ser professor, afirmou:
Todos nós professores tivemos outros professores e
procuramos nos espelhar naquele professor da gente do
ensino fundamental. “O que aquele professor dava na aula?
O que ele fazia de bem que agradava? Gostava das aulas
dele”, então a gente procura ter um pouquinho de um, um
pouquinho de outro para [...] construir um pouco desse
mesmo aprendizado. Cada um de nós procura misturar o
melhor de um, de outro pra tentar fazer o melhor da gente.
(Q)
Reconhecer-se professor, nessa perspectiva, vai além da formação profissional
e da vinculação técnica/prática com a profissão, mas compõe o desenvolvimento pessoal
do sujeito e este desenvolvimento, por sua vez, interfere na constituição do ser
professor. Essa relação dialética nos assente pensar que a identidade do sujeito não é,
mas está em constante transformação e se dá ao longo da vida.
A formação, nesse contexto, resguarda a atribuição de discutir aspectos
relativos à constituição da identidade docente, particularmente no que tange ao
sentimento de pertença à categoria, além de respaldar reflexões de futuros
professores para as possibilidades de intervenção social da profissão, mesmo diante
de empecilhos históricos. A compreensão que emerge é que a formação da identidade
docente deve permitir ao professor, como entende Freire (1996), reconhecer que seu
papel no mundo não é só o de quem constata o que acontece, mas também o de quem
intervém como sujeito. O desejo pela mudança deve ser fomentado, também, pela
formação.
A narrativa de Q realça o aspecto social que marca o delinear da identidade
docente. O ser professor conjectura-se como construção social na medida em que
influencia e é influenciado pelas interações sociais estabelecidas. Quando afirma que
“mistura” o melhor de cada um para fazer o melhor de si mesmo, o interlocutor
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destaca que a identidade é, simultaneamente, pessoal e coletiva, marcada tanto por
traços subjetivos do indivíduo, quanto por sentidos construídos socialmente.
Reconhecer-se professor pode ser fomentado, também, pelo potencial
interventivo da docência quando o docente tem a reflexão e o pensamento crítico
como vieses formativos e faz da transformação da realidade seu caminho
profissional. Tal caminho, no entanto, é tortuoso e marcado, inclusive, pelo paradoxo
ao qual Imbernón (2010) se refere, que fica manifesto na escrita dos memoriais dos
sujeitos e desperta sentimentos ambíguos referentes à profissão. Demonstram não se
sentirem plenamente convictos com o percurso tomado para o trabalho, entretanto
evidenciam que é a profissão responsável por seu crescimento pessoal, financeiro e
profissional, como manifestam nos seguintes excertos narrativos:
Casei cedo, não havia concluído o curso de graduação, [...]
fui trabalhar numa indústria que oferecia carteira assinada
e todos os direitos, passaram-se seis meses e continuava
insatisfeito porque o salário era muito pouco. Fiz as contas
e percebi que o tempo que passava na indústria
trabalhando, eu ganharia muito mais se tivesse em sala de
aula. Então, retornei à sala de aula seis meses depois, decidi
abraçar a profissão de professor de verdade. (Q)
Depois de tudo veio a formatura e a colação de grau. Passei
seis meses desempregada e logo apareceu o concurso da
SEDUC – PI. Fui aprovada em 22º lugar, mas ainda não
tinha certeza se realmente queria ser professora para o
resto da vida. Só a experiência dos anos me transformou
numa professora. (B)
Com esta história de lecionar, tirei minha mãe das cozinhas
alheias. (M)
Constatamos que o ser professor se desenha em diferentes momentos da vida
dos sujeitos e por diferentes motivos. A resistência à entrada na profissão apontada por
Q e B certifica que, mesmo com retorno financeiro e estabilidade no trabalho, a carreira
docente não se mostrava atraente. Q aponta vantagens da profissão docente em relação à
outra que exercia e, ponderando essas vantagens, é que decidiu investir na carreira.
As revelações advindas dessas narrativas nos permitem compreender que a
formação, por si só, não deu conta de instituir uma identidade docente aos interlocutores
que, durante ou após a formação inicial, ainda não se reconheciam como professores e
resistiam a esta ideia. A propósito, B ressalta que “Só a experiência dos anos me
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transformou numa professora”, demonstra que a experiência direta no trabalho
possibilita que o sujeito conheça o ambiente e a assimile saberes necessários à
realização de suas tarefas, aspecto que converge para os discursos de Tardif e Raymond
(2000). Vale ressaltar que não é apenas a experiência que propicia o desenvolvimento
da identidade docente. Desenvolvimento profissional, formação continuada,
sindicalização são meios pelos quais os professores podem reconhecer-se docentes.
Mesmo tendo cumprido o estágio supervisionado em sua formação, a
interlocutora menciona que esta ação formativa ainda não possibilitou sua identificação
com a carreira. A fala de M reforça essa ideia pela forma com a qual se refere à
docência (“Com esta história de lecionar...”), que mesmo atuando como professor
ainda não se sentia, de fato, como tal.
F resgata na sua fala o aspecto financeiro, também citado por M, que o segura
na carreira. Ele afirma:
Para mim, felicidade no trabalho é coisa de televisão. O que
eu quero mesmo é receber todo mês. [...] Eu preciso de
dinheiro, é o que tem pra fazer, vamos fazer. (F)
O excerto do interlocutor nos permite constatar que a profissão encarada dessa
forma ressalta o caráter de racionalidade técnica que permeou, e ainda permeia, a
formação docente. Vista dessa forma, a formação contempla apenas um componente
científico-cultural, relativo ao conhecimento do conteúdo a ser ensinado, e um
componente psicopedagógico, que diz respeito a uma atuação eficaz na sala de aula
(PÉREZ GÓMEZ, 1992), como suficientes para o desenvolvimento de uma prática
educativa. O professor oriundo de uma formação nessa perspectiva é um aplicador de
instrumentos e técnicas, cuja identidade pessoal não interfere na sala de aula,
considerada como contexto previsível e desconectada da realidade social em que se
encontra.
Considerações Finais
Não percebemos, ao analisar os excertos, indícios do comprometimento com a
mudança, como nos diz Freire (1996) acerca de que o desejo para essa mudança precisa
ser fomentado numa formação que provoca curiosidade inquieta, problematiza e
questiona „irracionalismos‟ gerados pelo excesso de „racionalidade‟. Essa constatação
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permite-nos entender que a formação docente precisa amparar o professor em aspectos
referentes aos conteúdos, métodos, conhecimentos e saberes próprios da profissão, mas
também na percepção que esses conhecimentos, em si mesmos, não dão conta das
realidades que se apresentam. Assim, a formação precisa despertar no professor
constituições preliminares com a profissão, favorecendo o desenvolvimento de uma
identidade que vai se formando, consubstanciando-se, ao longo de sua carreira,
ampliando a capacidade de reflexão e a compreensão do papel interventivo da docência,
rascunhando o ser professor.
Pela análise das falas, entrar na profissão ou iniciar a carreira não demarca o
ser professor que é um processo individual e intricado que acontece de formatos e
tempos diferentes para cada profissional e que se delineia também pela constituição de
uma identidade docente que, a rigor, é demarcada tanto por um processo dinâmico de
desenvolvimento do professor, quanto por dilemas, dúvidas, falta de estabilidade e
divergência que, no conjunto, constituem aspectos de seu desenvolvimento profissional,
como refere Imbernón (2010).
Desse modo, para Q, F, B e M, o que se evidencia em suas narrativas é que o
ser professor se consolida pelo vínculo financeiro com a profissão e pela experiência
profissional, o que nos consente coligir que a formação inicial pela qual passaram, não
promoveu a pertença desse grupo de professores à docência, nem mesmo a certeza de
ingresso na carreira quando da conclusão de seus estudos universitários, visto que seus
depoimentos não dão mostras de ter despertado, nos sujeitos, a percepção da
possibilidade de interferências contextuais.
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TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
ZABALZA, M. A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
REFLEXÕES SOBRE O LUGAL DO CURRÍCULO CULTURAL NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Sádia Castro - IFPI
RESUMO
Ao entrar na sala de aula, os professores passam a conviver com alunos do século XXI,
ou seja, municiados de poderosos equipamentos tecnológicos de última geração por
meio dos quais podem dispor com o esforço de um click, de toda informação já
produzida pela sociedade humana e em qualquer área do conhecimento. Pelo mesmo
aparato, são atraídos a todo instante, por convites deslumbrantes, a adquirir novos
amigos e consumir o mais recente “lançamento”, do telefone, do tênis, da música, do
filme etc. Como os professores elaboram sua formação para lidar com esses alunos que
já nascem expostos à liquidez da pós-modernidade (BAUMAN, 1998), onde tudo, do
afeto ao conhecimento é produzido e consumido rápido e descartado, mais rápido
ainda? Como lidar com sujeitos em corrida frenética pela satisfação que não chega
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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nunca, pois já existe outra pronta para substituí-la? Em que fontes os(as) professores(as)
buscam reforços para enfrentar a instantaneidade da produção do conhecimento?
impulsionado por estas questões, esse trabalho tem por objetivo problematizar a
formação de professores, fundamentado nas lentes dos estudos culturais, caminhando
pelos conceitos de currículo cultural, sociedade de consumo, indústria cultural,
subjetividade, identidade, conhecimento, mídia e redes sociais. Esses conceitos serão
discutidos baseados nos resultados de pesquisa realizada junto aos professores dos
cursos de licenciatura do IFPI, adotando com força argumentativa a construção dos
elementos que compõem a formação da subjetividade dos(as) professores(as) que irá se
constituir como um saber docente e se concretizar como o currículo cultural que opera
no cotidiano da sala de aula em contraste com o currículo cultural do aluno na liquidez
da contemporaneidade.
PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores(as), Sociedade do consumo,
Currículo cultural
Existem tantos sentidos para a sociedade atual quantos forem os pensadores a
interpretá-la, e ainda que hajam fortes embates teóricos na busca do conceito ideal,
todos as interpretações de alguma maneira se referem à passagem do tempo. Quando
aparecem termos como contemporaneidade, modernidade avançada, pós-modernidade,
sempre há subjacente a ideia de rupturas e contrastes entre algo que se configura como
novo, diferente, transitório em contraposição a algo considerado antigo, tradicional e
fixo. Zigmund Bauman(2007), fala de tempos líquidos, que se delineiam em redes,
conexões e relações fluídas e instáveis. São vivências, laços e desejos que não se
solidificam, porque precisam estar em constante transformação ou sujeitar-se à
substituição a qualquer momento. A experiência contemporânea de homens, mulheres,
jovens, adultos e crianças, no centro ou na periferia do planeta, está profundamente
marcada pela instantaneidade, volatilidade, efemeridade e descartabilidade em todas as
dimensões da vida cotidiana. Desde as relações interpessoais, às grandes redes de
relacionamento envolvendo países, culturas e economias distintas no mundo inteiro, não
há nada que já não tenha sido afetado pela rapidez, fluidez e esteja sujeito a ser diluído,
transformado, desaparecido ou modificado a cada instante. “As relações se misturam e
condensam com laços momentâneos, frágeis e volúveis, em um mundo cada vez mais
dinâmico e veloz, seja real ou virtual” diz Bauman.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
3823ISSN 2177-336X
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Como o objetivo de problematizar a realidade dos cursos de formação de
professores que se preparam para atuar na escola, esta instituição de origem medieval,
que resiste ao tempo e agora convive com o desafio de perder o lugar ocupado
secularmente de única detentora e legitimadora de saberes, proponho-me fazer, antes, de
maneira breve, um reconhecimento do perfil do aluno, filho dessa realidade pós-
moderna (BAUMAM,1998) com o qual professores e professoras encontram-se no
cotidiano de suas salas de aula.
Hoje, qualquer jovem ou criança tem, ou pode ter, uma quantidade de amigos
cinquenta vezes superior à que teria seu avô se vivesse cem anos ou mais; e em tantos
lugares distintos e em simultânea conexão, ao ponto de todos saberem onde estão,
pensam, gostam ou acabaram de fazer. A noção de tempo e espaço está modificada, o
ambiente das redes sociais habitado, dominado e domesticado pelos jovens, crianças e,
também, por adultos, permite encurtar distâncias, aproximar pessoas e fazer da fantasia
a realidade ou até mesmo diluir a linha que existe entre uma coisa e outra. Tampouco
importa se é real ou fantasia, é na ordem do virtual que estão as verdades do presente. O
tempo, apesar da aceleração dos processos de produção, deslocamento e comunicação,
está cada vez mais escasso. Todos correm olimpicamente para garantir seu lugar em um
futuro que nunca chega.
Compondo o repertório dos moradores do mundo pós-moderno estão, ainda, os
meios de comunicação, em especial, a televisão que elabora desejos, cria necessidades,
institui valores, implanta códigos de ética e moral e orienta sobre a forma de afetar-se
pelos acontecimentos. O que comer, o que vestir, a música, a cor do cabelo, a fórmula
de sucesso chegam na forma de convites sedutores e mensagens irresistíveis. O telefone
celular é outro aparato pós- moderno que ocupa o centro da vida de qualquer indivíduo,
ninguém sai de casa sem ele e o mantém sempre à vista e ao alcance da mão. Segundo
Marisa Vorraber Costa (2009), este tem sido o equipamento mais polêmico na vida das
crianças desta Era, pois modifica suas relações na escola, na família e entre elas, além
de ajudar a fortalecer a visão da infância que transforma crianças em seres poderosos e
superinteligentes. Todos esses aparatos oferecem fórmulas de felicidade por meio de
“ordens, avisos, premências” que geram necessidades impossíveis de ser satisfeitas e é
importante que assim sejam. É a insatisfação, o desejo sempre acesso que faz as veias
da modernidade líquida pulsarem e manter o corpo social vivo e em constante atividade.
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As tecnologias da comunicação e da informação vêm contribuindo
para a proliferação, ampla circulação e consumo de textos culturais
populares que exercem um fascínio sobre as pessoas. Na promoção
desse fascínio estão implicados desejos, sonhos, sedução, modelos a
serem imitados, aptidões a serem adquiridas. E já não se trata mais de
consumir em um sentido usual da palavra, são novas formas de
consumo que poderiam ser mais bem descritas como “comprismo”,
desejo de adquirir de tudo - imagens de si, sonhos, objetos - para em
seguida descartar, substituir.(COSTA, 2010, p.138-139).
Nas sociedades da circulação global de mercadorias e serviços, tudo pode ser
comprado em qualquer lugar, o consumo passa a ocupar o centro que move não só a
economia mas a distinção que classifica os indivíduos entre os que desejam e podem ter
e os que desejam e não podem ter. Tanto assim, que as pessoas passam a ser valorizadas
pela capacidade de consumir os hábitos e produtos culturais que circulam pelo planeta.
Este é, portanto, o capital cultural mais valorizado nas sociedades contemporâneas. Ou
seja, o marcador da distinção social, da hierarquia e auxiliador da mobilidade cultural e
social (Botelho, 2004, p.196). Porém, esse mundo, eldorado, não está acessível a todos
os quais dele tomam conhecimento, o estágio planetário do consumo põe à mostra uma
consequência da disfunção explosiva e gritante do capitalismo, que antes foi chamada
de exploração e, hoje, com os contornos da pós-modernidade atende pelo conceito de
exclusão.
Se antes os indivíduos eram treinados e moldados para ser antes de tudo,
produtores, na era pós-moderna somos cada vez mais moldados e treinados para sermos
consumidores. “A educação de um consumidor não é uma ação solitária. Começa cedo e
dura o resto da vida. O desenvolvimento de habilidades de consumidor talvez seja o
exemplo mais bem-sucedido de educação continuada. Tanto assim que, ao chegarem à
escola, as crianças já trazem em seu Currículo Cultural (Veiga-Neto, 2004) pelos menos
cinco mil horas de TV e outras tantas de internet. Já se puseram em contato com o
currículo da mídia sobre os mais diversos assuntos. Aprenderam sobre educação
ambiental, educação sexual, moral, ética e tudo isto na perspectiva que a mídia elabora,
tendo como pano de fundo muitas lições de consumo. Para o Currículo Cultural
estabelecido pela mídia, depois do treinamento para ser consumidor, o segundo ponto
mais valorizado são as aulas de competitividade. As crianças e jovens aprendem que o
mundo é uma grande arena e todos estão ali para competir e ganhar. Sobre as maneiras
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de ser criança sob os auspícios dessa modernidade fluída, Momo e Costa, assim se
expressam:
Há um modo de ser criança, incansavelmente desejoso por inscrever-
se na cultura globalmente reconhecida e integrar uma comunidade de
consumidores de artefatos em voga da mídia no momento. Observou-
se a espetacularização dos corpos infantis de modo a harmonizá-los
com o mundo das visibilidades, caracterizado por constantes e
ininterruptas mutações. São crianças que vão se tornando o que são,
vivendo sob a condição pós-moderna (MOMO; COSTA, 2009).
A Educação sobre o olhar dos Estudos Culturais
Neste panorama de grandes transformações nas concepções, políticas,
culturais, sociais e econômicas, onde os conceitos de formação de identidade são
profundamente atingidos e cada vez mais instáveis, os Estudos Culturais (SILVA, 2000)
oferecem lentes teóricas que podem nos auxiliar a observar, interpretar e encontrar
caminhos para enfrentar os desafios que esse mundo caleidoscópico nos revela a cada
instante. Por não estarem presos a nenhuma disciplina específica e buscar argumentação
e fundamentos em diversas áreas do conhecimento, configuram-se como um próspero
campo de análise que ascende as luzes que nos permite analisar a formação de sujeitos
híbridos, a constituição de identidades e a proliferação de saberes, desejos e
comportamentos, na disseminação de práticas e condutas, enfim, no delineamento da
maneira de ser e viver na contemporaneidade(COSTA, 2010). A partir dos Estudos
Culturais podemos visualizar mais claramente as identidades que estão sendo
constituídas na articulação e exposição ao gigantesco repertório cultural que circula nas
mídias e nas redes sociais e atinge igualmente contextos sociais e indivíduos distintos,
geográfica, cultural e economicamente. Especialmente, no que diz respeito ao efeito que
toda essa tormenta de informações, estímulos e desejos provoca na escola, esse espaço
social historicamente constituído para ser a sede de toda produção e disseminação do
conhecimento e do saber.
Parte significativa das organizações que hoje educam crianças e
jovens (adultos também) não são educacionais, e sim comerciais. O
currículo cultural que põem em operação não está preocupado com a
melhoria da sociedade, com o aprimoramento de suas práticas,
instituições e com o bem comum; as corporações empresariais de hoje
estão interessadas na convocação e enredamento de sujeitos em suas
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teias de mercantilização e consumo. Colocam em operação estratégias
que acionam sedução, fascínio e prazer, visando ampliar seus ganhos
individuais e seu poder nas economias globalizadas do novo
capitalismo. (COSTA, 2010, p. 137).
Compartilhamos com Marisa Vorraber Costa (2010), a convicção da
imprescindível contribuição que os Estudos Culturais dão ao debate sobre educação tem
oferecem a esse campo “a possibilidade de se abordar de forma ampla, complexa e
plurifacetada a educação e os processos pedagógicos, os sujeitos implicados e as
fronteiras construídas pelas ordens discursivas dominantes”. Costa, diz, ainda, que a
partir dos Estudos Culturais promoveu-se uma ressignificação do campo pedagógico no
qual questões como identidade e diferença, discurso e representação são convertidas em
foco preferencial.
A formação de professores frente aos alunos iluminados pela liquidez da
modernidade
A escola como um espaço social, institucionalizado, de muros permeáveis à
influência das ordens do mundo de fora, tem seus sujeitos, professores e alunos,
profundamente marcados por essa realidade que se configura como o “maravilhoso”
mundo pós-moderno. Portanto, esse trabalho pretende expor algumas reflexões sobre a
formação de professores que prepara profissionais para atuar em escolas repletas de
alunos profundamente capturadas pelas luzes dessa modernidade líquida (BAUMAM,
2007), usaremos como força argumentativa uma pesquisa sobre a formação do
Currículo Cultural junto aos professores das disciplinas específicas dos cursos de
licenciatura do IFPI, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí,
realizada entre agosto de 2012 e julho de 2013. Me refiro ao Currículo Cultural, me
apropriando do conceito que Veiga-Neto concede ao termo, como sendo um artefato
cultural, um espaço, um campo de produção e criação de significados, estendendo-o
para além dos muros da escola, permitindo a pensar no currículo das novelas, revistas de
variedades, músicas, viagens, shoppings centers, da publicidade, das corporações e
sindicatos etc.
O IFPI oferece quatro cursos de licenciatura: física, química, matemática e
biologia, os quais têm o currículo estruturado em três eixos, o das disciplinas
específicas, pedagógicas e o chamado tronco comum. As disciplinas pedagógicas e do
tronco comum, são ofertadas igualmente aos quatro cursos, seguindo o mesmo currículo
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e, na maioria dos casos, são ministradas pelo(a) mesmo(a) professor(a), enquanto as
específicas, estão relacionadas ao conteúdo próprio de cada licenciatura e, naturalmente,
possuem programa e professor diferente. A maioria dos docentes entrevistados é
licenciada mas existe também aqueles, em número bem reduzido, que possuem
formação em bacharelado. Os sujeitos selecionados para nossa amostra fizeram
graduação na Universidade Federal ou Estadual do Piauí, todos são mestres, doutores ou
estão cursando o doutorado. O tempo de experiência docente varia entre dois e dez anos.
Antes de serem aprovados no concurso do IFPI, já haviam iniciado as
atividades docentes na rede pública estadual ou municipal, como professores do ensino
fundamental ou médio. E, agora, estão com a responsabilidade de formar novos(as)
professores(as). Utilizamos como instrumento de coleta, conversas abertas, coletivas ou
individuais e entrevistas semi estruturadas.
O questionário objetivava saber como os professores absorvem os conteúdos
das mídias, se relacionam com as redes sociais, os transformam em Currículo Cultural e
os articulam como saber docente na sala de aula. Os resultados sublinharam que, assim,
como os alunos, os(as) professores(as) também estão capturados pelos aparatos
tecnológicos e aceitam à convocação de consumo feita pela mídia. Esta conclusão tem
como base a revelação das fontes nas quais eles, os(as) professores(as), buscam as
informações, conhecimentos e entretenimentos, enfim, as experiências que constituem o
que Alfredo Veiga-Neto chama de Currículo Cultural. Começando pela literatura,
muitos informaram que somente leem livro didático e, por vezes, as revistas de notícias
semanais. Segundo eles, diante de tantas obrigações nas quais o professor se encontra
envolvido, tais como, a sala de aula, orientação de Trabalho de Conclusão de Curso, o
encaminhamento de sua pesquisa do doutorado, as atividades do PIBID- programa do
MEC de incentivo a iniciação à docência, correção dos trabalhos dos alunos etc., não
sobra muito tempo para dedicar-se a outras leituras. Reconhecem que estão em falta
com os livros e gostariam de ter mais tempo para ler “outras coisas”. Disseram que,
raramente, vão ao cinema, gostam de ir ao shopping center e quando podem, muitos dão
aula à noite, vão ao show de algum artista conhecido e preferem música popular
brasileira que definem como “aquela que está tocando no rádio”.
Sobre os programas mais assistidos na televisão, além dos telejornais,
nacionais e locais, foram citados os “campeões de audiência” como o programa
Fantástico, Domingão do Faustão, Sílvio Santos e o futebol, no caso dos homens,
exclusivamente. Quanto às novelas, quase não foram lembradas, como foi dito antes, a
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maioria leciona nos cursos noturnos, assim, não conseguem acompanhar os folhetins da
televisão. Durante o período de férias, aqueles que vieram de outras cidades do Piauí,
viajam para seus municípios de origem, para rever amigos e encontrar familiares; no
verão, a maioria vai à praia, no litoral piauiense, ainda, que seja por um final de semana.
Quanto à participação em congressos, seminários, conferências etc., alguns
disseram que costumam ir a eventos específicos de sua área de estudo, mas não com a
frequência que gostariam, atribuem a pouca frequência à falta de incentivo da
Instituição que, quase nunca concede passagens e diárias e ainda, dificulta a justificativa
das ausências.
Ao serem estimulados a opinar sobre o currículo do curso no qual lecionam, a
maioria dos entrevistados disse que as disciplinas ditas pedagógicas como: filosofia da
educação, psicologia da educação, educação, sociedade e cultura, desenvolvimento
profissional ocupam mais espaço no curso do que deveriam, fazendo sobrar menos
tempo para as específicas, que consideram mais importante. Alguns até relutam em
reconhecer a licenciatura como um curso de formação de professores(as), preferem
tratá-lo, ainda que de maneira indireta, como um curso para formar físicos, químicos,
matemáticos ou biólogos e repassam este sentimento aos alunos, que por sua vez, se
sentem inferiorizados por estar cursando uma licenciatura e não um bacharelado.
Percebe-se, ainda, que alguns, não todos, mantém a visão do conhecimento
fragmentado na qual cada disciplina é soberana, a sua especialmente, e sozinha, será
capaz de dar conta da complexidade do cotidiano. Perdendo de vista a
interdisciplinaridade e a interdependência entre os saberes, atitude que Segundo Edgar
Morin, é imprescindível para a compreensão do todo e a formulação da crítica e da
reflexão.
O rompimento das barreiras invisíveis que foram colocadas pela tradição
escolar, que divide os conteúdos do ensino em matérias, mantidas à distância umas das
outras pelo currículo formal e pelo toque da campainha a cada cinquenta minutos,
precisa ser providenciado o quanto antes, a fim de evitarmos que os cursos de formação
de professores siga com a visão fragmentada do mundo, repassando isto aos alunos e
sedimentando a ideia de que é possível enfrentar os desafios do cotidiano com um
conhecimento único. Tratando as áreas do conhecimento como saberes isolados, não
iremos longe e o efeito poderá ser desastroso não só para a escola, mas para a sociedade
e para a vida. Passo a palavra Edgar Morin, na inspiração do que ele chama de uma
cabeça bem feita, diz:
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Atualmente é impossível democratizar um saber fechado e esotérico
por natureza, mas a partir daí, não seria possível conceber uma
reforma do pensamento que permitirá enfrentar o extraordinário desfio
que nos encerra na seguinte alternativa: ou sofrer o bombardeamento
de incontáveis informações que chovem sobre nós, cotidianamente,
pelos jornais, rádios, televisões; ou então, entregar-nos a doutrinas que
só retém das informações o que as confirma ou que lhes é inteligível e
refugam como erro ou ilusão o que as desmentem o que lhes é
incompreensível. É um problema que se coloca não só ao
conhecimento do mundo no dia-a-dia, mas também no conhecimento
de tudo que é humano e ao próprio conhecimento científico.
(MORIN, 2003, p.20).
Os professores também reconhecem que a mídia é um instrumento poderoso de
ensino e aprendizagem, mas não souberam sugerir como fazer para que o aluno seja
capaz de elaborar o pensamento, estruturar a crítica e aproveitar o potencial de
conhecimento e informações, tão facilmente, posto ao alcance de todos e muito menos,
como ensinar aos alunos como se defender do que a mídia pode oferecer de nefasto e
perigoso, ou seja, a formação de um pensamento único, hegemônico e obediente.
Os entrevistados demonstraram saber utilizar os instrumentos tecnológicos e
midiáticos em suas aulas, explorando o aspecto que eles têm de memorizador,
dinamizador e ilustrador de informações e dados, mas não sabem como ultrapassar esse
limite para estimular a crítica, a reflexão e nem a intensidade do pensamento, por
estarem eles(elas) próprios(as), enredados(das) no processo de reprodução cultural que
se utiliza dos discursos luminosos e sedutores da mídia e do mercado e se expressa em
um sistema de significados, gostos, atitudes e normas que vão sendo naturalizados na
sociedade pós-moderna. A questão é complexa e exige reflexão e flexibilidade nas
análises para evitarmos o risco de cair em um dos abismos mais próximos: ou nos
apossar do discurso de amor e paixão pela TV, smarts fones, tabletes, redes sociais e
afins ou apoiar-nos no discurso rancoroso do argumento único da tecnologia como
instrumento do mal. Nesse sentido, Antonio Flavio Moreira (2008), adverte que não se
pode relacionar-se com esses aparatos pós-modernos, unicamente, como instrumentos
de dominação mas como elementos de nosso presente que devem ser seriamente
encarados, para não permitir que a escola por meios dos seus agentes, os professores e
alunos, fuja do seu projeto principal que é formar indivíduos com vistas à
emancipação.
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Para concluir
Reconhecer a repercussão das transformações sociais no ambiente escolar é
vislumbrar uma formação que prepare o professor para lidar com esses impactos na vida
do aluno que ele encontrará em sua sala de aula, como também, em sua própria atuação
profissional. Faz-se necessário interpretar o mundo em que vivemos, verificar onde se
pode avançar para não permitir que o imenso potencial de conhecimento e informação
oferecido pelos aparatos tecnológicos sirva apenas para transformar as nossas
subjetividades em uma massa anônima.
O professor há muito deixou de ser o único detentor do saber e o seu aluno por
mais jovem, dispõem de um equipamento que pode acessar todo conhecimento
produzido pela humanidade no esforço de um click. O papel do educador não é competir
com esses instrumentos, mas ir até aonde eles não conseguem chegar, fazer o que eles
não conseguem fazer: instigar o pensamento, o diálogo, enriquecer os argumentos, a
reflexão e a crítica da escola, da sociedade e da vida que se tem e que se pode melhorar,
tirando alunos e professores da zona de conforto onde reina a repetição e a passividade.
Os aparatos tecnológicos são imbatíveis no armazenamento de informações e
estão cada vez mais fáceis de serem adquiridos e transportados, mas a articulação dessas
informações para o enfrentamento dos desafios, quem faz são professores e alunos na
discussão, no debate e no diálogo de saberes e vivências travados no dia a dia. É isto
que a formação de professores deve estimular para não chegar à perspectiva que assusta
o professor Ramos do Ó (2007), que é estarmos formando professores para o XIX,
enquanto as salas de aula estão repletas de alunos completamente inseridos nas
dinâmicas e ordens do século XXI.
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NARRATIVAS DE PROFESSORES: REVELANDO A PROFISSIONALIDADE
DOCENTE E SUA CONSTRUÇÃO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E
TECNOLÓGICA
Ana Célia Furtado Orsano – IFPI
RESUMO
A Educação Profissional e Tecnológica, atualmente, aponta para um modelo de
formação profissional circunscrito a uma concepção de formação humana integral,
exigindo dos docentes, que nela atuam novas posturas e diversificadas e inovadoras
práticas pedagógicas na condução desse projeto educativo. Entretanto, historicamente,
desde a criação do Colégio das Fábricas em 1809, essa modalidade de educação tem se
constituído diante de uma perspectiva assistencialista e acessória cuja implantação
estava relacionada às necessidades emergentes da economia, que exigia a preparação de
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mão de obra para o mercado de trabalho. Mestres oficineiros e posteriormente, técnicos
assumem a função de repassar o ofício. O exercício da docência não esteve relacionado
ao necessário investimento em formação docente e consequentemente à constituição da
profissionalidade docente O objeto desse estudo, em andamento, acerca da nossa
pesquisa de doutorado trata sobre o desenvolvimento da profissionalidade docente
construída no decorrer do exercício profissional. Analisa as políticas de formação de
professores na Educação Profissional a partir das narrativas de professores bacharéis do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piaui-IFPI. Trata-se de um
estudo qualitativo realizado por meio de uma pesquisa de campo tendo a entrevista
narrativa como técnica de pesquisa. Fundamenta-se em Contreras (2002), Formosinho
(2009); García (1999), Nóvoa (1997), Sacristán (1985) dentre outros. Por meio de
análise de conteúdo dos depoimentos orais conclui que a educação profissional
tecnológica mantém na identidade profissional docente a construção de posturas
tecnicistas, com habilidades para o uso de novas tecnologias, mas com desafios a serem
vencidos acerca da necessária formação docente.
PALAVRAS-CHAVE: Profissionalidade, Educação Profissional e Tecnológica,
Docência
Introdução
Este estudo trata sobre o desenvolvimento da profissionalidade docente
construída no decorrer do exercício profissional, destacando aspectos que a
circunscrevem em ações de formação continuada, por meio das narrativas, envolve a
possibilidade de ouvir as vozes dos (as) interlocutores(as) do estudo e desvelar suas
experiências nesse processo de construção da profissionalidade.
Neste sentido, a pesquisa foi desenvolvida a partir da análise das narrativas
construídas de sujeitos em sua formação, tem-se a entrevista como método que
oportuniza informações para o pesquisador, que mergulha num turbilhão de histórias e
de ações, vivendo, ao mesmo tempo, sua própria história e as histórias de outros,
procurando conexões, padrões e sentidos, entre histórias relatadas, experiências vividas
e observadas. Nesse processo, o pesquisador adentra dimensões temporais, contextuais e
pessoais, ao produzir dados através dos diversos documentos da pesquisa, como as
narrativas de entrevistas orais.
Assim, diversas pesquisas confirmam a importância do uso da narrativa,
presente na história oral, sendo esta essencial ao propósito de comunicar quem somos,
como nos constituímos como profissionais, o que fazemos, que escolhas fazemos, como
sentimos, por que optamos seguir um curso de ação e não outro. Destacamos que
enquanto sujeitos somos produtores e contadores de histórias, e que a interpretação é
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inevitável porque narrativas dessas histórias são representações construídas e
reconstruídas, como assim refere Souza (2005).
Tendo a Educação Profissional e Tecnológica como objeto deste estudo,
delimitou-se o seguinte problema: como se desenvolve o exercício da docência na
educação profissional? Neste sentido, o objetivo deste estudo é analisar a história da
Educação Profissional no Brasil e a trajetória profissional dos professores do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí-IFPI, no que concerne a sua
formação docente, a partir de suas narrativas orais sobre suas histórias de vida
profissional e de formação docente. Objetiva, também, caracterizar os aspectos
presentes nas histórias orais dos professores sobre sua formação e descrever o perfil do
professor da EPT. Trata-se de um estudo qualitativo realizado por meio de uma
pesquisa de campo tendo a entrevista narrativa como técnica de pesquisa. Fundamenta-
se em Contreras (2002), Formosinho (2009); García (1999), Nóvoa (1997), Sacristan
(1985) e Souza (2005), dentre outros.
A Educação Profissional
Um olhar atento na história da educação profissional, nos possibilitou
observar que no Brasil tem se constituído, desde a criação do Colégio das Fábricas em
1809,um modelo de formação profissional mediante uma perspectiva assistencialista
cuja implantação estava relacionada às necessidades emergentes da economia, que
exigia a preparação de mão de obra para o mercado de trabalho. Com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação - LDB, a Lei 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, o
cenário educacional foi contemplado com o estabelecimento, por esta lei, de uma
modalidade complementar: a educação profissional. (BRASIL, 2014).
A educação profissional tem como objetivos não só a formação de técnicos
de nível médio, mas a qualificação, a requalificação, a reprofissionalização para
trabalhadores com qualquer escolaridade, a atualização tecnológica permanente e a
habilitação nos níveis médio e superior. A educação profissional deve levar ao
permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva.
A profissionalidade, em nossa visão, não está apenas voltada para a vida
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produtiva, mas para a formação, para recomposição das identidades profissionais, no
contexto do trabalho, das organizações, instituições educativas, considerando o
desenvolvimento e a interdependência de saberes e interações, reconhecendo a dinâmica
desses processos que possibilitam contribuições individuais e coletivas.
Nesta perspectiva a profissionalidade não pode ser pensada, analisada fora
da compreensão de complexidade, o que implica em articulação e desenvolvimento
permanente de capacidades e competências, que exige a reconstrução dos saberes e
práticas, requerem uma formação contínua do sujeito, em seu processo educativo.
Portanto, o desenvolvimento da profissionalidade se faz a partir da interação entre
sujeitos que enquanto motivados são desafiados a refletirem criticamente suas práticas
individuais e profissionais, em busca de renovações no âmbito da valorização social
(ROLDÃO, 2001).
A educação profissional não pode ser pensada, discutida separada da prática
educativa que permeia as ações docentes e humanas desde as sociedades mais
primitivas, até os dias atuais. No Brasil,as instituições que compõem a Rede Federal de
Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPT) – os Institutos Federais,
assumem a oferta dessa modalidade educativa.
Neste contexto, ainda discutimos, indagamos, sobre como se desenvolve o
exercício da docência na educação profissional. Sendo assim, buscamos analisar a
docência do professor na educação profissional contemporânea e acerca desse
propósito, percorremos um breve olhar na legislação tendo nas narrativas dos
professores da educação profissional do IFPI referencial de sustentação da presente
pesquisa
A construção de conhecimentos sobre a educação profissional
Nesta seção lançamos um olhar na legislação sobre a educação profissional
e em seguida, por meio das narrativas trazemos os significados dessa forma de educação
na vida dos sujeitos da pesquisa, objeto desta comunicação.
Em relação às leis, observamos que a nova institucionalidade, imposta pela
Lei nº 11.892 de dezembro de 2008, que trata sobre as finalidades dos Institutos
Federais (IFs), diversifica e amplia significativamente a oferta de cursos nos diferentes
níveis e modalidades desse ensino nessas instituições, cuja missão imposta, a todas que
compõem a RFEPCT, quanto à expansão da oferta de cursos, está representada por
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desafios significativos, entre estes destacamos a heterogeneidade formativa dos
professores que compõem o quadro docente dessas instituições.
Essa característica nos leva, neste estudo a discutir aspectos que constituem
o desenvolvimento da profissionalidade docente no âmbito da Educação Profissional e
Tecnológica - EPT, enquanto elemento constituinte da profissão de professor, trazendo
a história de vida de professores.
Como contexto deste estudo situamos o Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI), instituição historicamente responsável pelo ensino
técnico, tecnológico e profissional que vem sendo impulsionada por políticas de
fortalecimento da educação profissional.
Os Institutos Federais vivenciam atualmente uma rápida expansão na sua
estrutura multicampi, dispondo, atualmente, de dezenove campi. Nesse contexto
expansionista, novos professores compõem o numeroso quadro da instituição, com
perfis de formação voltada para a área técnica. Na sua maioria, são os bacharéis que
assumem a docência na educação profissional. Esses aspectos nos levam a investigar
sobre as questões formativas implementadas pela instituição em relação à construção da
aprendizagem docente, tendo em vista que o professor é um dos agentes educativos que
concebe o projeto pedagógico da instituição, em contrapartida, entretanto, percebemos
que expressam a necessidade de buscar a capacitação na área docente.
Sobre este assunto trazemos trechos da narrativa de uma das professoras
investigadas que narra:
[...] como professora, nos cursos técnicos e superiores de uma
instituição de Educação Profissional, observamos a importância da
construção da nossa profissionalidade docente. Necessitamos de
capacitação pedagógica, capacitação na área de professor. Porque eu
tenho formação técnica, sou engenheira, que é uma área muito técnica
precisamos nos capacitar sobre que métodos de ensino devemos
utilizar para organizar nossas aulas. (PROFESSORA A – IFPI).
A instituição investigada (IFPI), nos seus mais de cem anos de atividade
oferta Educação Profissional sendo portadora de práticas educativas diversificadas. Seus
docentes apresentam experiências diferenciadas nessa instituição e tecem considerações
comparativas entre momentos anteriores e seu momento atual. Afirmativas como: “[...]
no passado a escola oferecia mais capacitação e nos apoiava mais nessa caminhada pra
ser professor, pois eu fiz foi engenharia. Hoje, os encontros pedagógicos pouco
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contribuem para nosso fazer em sala de aula. As políticas do governo buscam valorizar
a experiência profissional, através do -Reconhecimento de Saberes e Competências-
RSC- mas cursos de educação continuada na área da docência, eu não fiz”
(PROFESSOR B – IFPI), referendam que vimos expondo a esse respeito.
Nessa direção, as diretrizes que orientam a oferta educacional dessa
modalidade são conduzidas pelas mudanças constantes no mundo do trabalho e nas
relações sociais, constituindo-se desafios para o exercício da docência no campo da
Educação Profissional, O desafio é complexo e tem como pressuposto romper com o
modelo tecnicista de educação, que ainda domina a prática educativa dos professores
dos Institutos de educação profissional. A exemplo da consideração exposta por
Machado (2008, p . 52):
[...] o desafio da formação de professores para a EPT manifesta-se de
vários modos, principalmente quando se pensa nas novas necessidades
e demandas político-pedagógicas dirigidas a eles: mais diálogos com o
mundo do trabalho e a educação geral; práticas pedagógicas
interdisciplinares e interculturais; enlaces fortes e fecundos entre
tecnologia, ciência e cultura; processos de contextualização
abrangentes; compreensão radical do que representa tomar o trabalho
como princípio educativo; perspectiva de emancipação do educando,
porquanto sujeito de direitos e da palavra.
Assim, neste estudo tratamos de forma específica o Campus Teresina
Central que representa o cenário da realização do estudo - o lócus deste estudo. O IFPI
constitui uma instituição que integra a Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica (RFEPT), cuja denominação foi recebida a partir da aprovação
da Lei nº 11.892 de dezembro de 2008, que entre outras diretrizes realizou a
diversificação, ampliou significativamente suas finalidades, ofertando cursos nos
diferentes níveis e modalidades de ensino.
A condição ora referenciada se inscreve no contexto das políticas públicas
nacionais de expansão da educação profissional, que projetaram a estrutura multicampi aos
institutos federais, que atualmente somam dezenove campi em todo o estado do Piauí. O
Campus Teresina Central- que deu origem, em 1909, a oferta de educação Profissional no
Piauí, assume um posto que o credencia como representante significativo de uma trajetória
histórica construída na oferta dessa modalidade de ensino. Hoje a instituição apresenta
quadro docente de mais de 400 professores oriundos das mais diversas áreas do
conhecimento e com diferentes perfis de formação. Portanto, a história desse campus do IFPI
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o caracteriza como agregador de variadas experiências profissionais docentes, presentes nos
diversos contextos de sua trajetória.
Dessa forma, as narrativas conferem significados a contextos de atuação
profissional na perspectiva dos professores, pois são eles que explicam como desenvolvem
suas práticas, e a continuidade, no sentido, de conferir significados a suas práticas se
desdobraria , de forma intencional , em mudanças de atitudes em relação a profissão
Consideramos, assim, que a forma de vínculo que o professor tem com a
instituição diferencia sua prática educativa, seu compromisso enquanto profissional, como
expressa a professora investigada, em sua narratividade:
São muitas as singularidades que marcam a oferta da EPT, nos
Institutos Federais –Ifs, normalmente os docentes são convocados a
desenvolverem suas práticas educativas em diversos itinerários
formativos. O grau de abrangência dos IFs lhes confere condições de
estabelecer itinerários de formação que nos permitem dialogar
ricamente no interior das práticas educativas e a integração dos
diferentes níveis da educação básica e do ensino superior.
No entanto, a ampliação das tarefas não nos proporciona
investimentos na profissão, poucos são os investimentos na
aprendizagem ou na formação contínua por parte da instituição que
trabalhamos e geralmente fazemos investimentos por nossa conta, por
reconhecermos que essa formação contribui para melhorarmos na
profissão, enquanto docentes que atuam na EPT.
A narradora refere em sua fala que os professores têm que atender as
demandas da instituição, mas não há propostas de cursos de forma contínua na área da
docência por parte da instituição. Expressa em sua compreensão de que os professores
reflitam sobre suas práticas e que o façam criticamente, no que concerne à sua atuação
na EPT, tendo em vista que esse desafio não é só dos docentes, mas implica na
compreensão por parte das instituições que ofertam EPT, no sentido de promoverem
condições efetivas de formação contínua que possibilitem aos professores o
estabelecimento de sua trajetória formativa de constituição da sua profissionalidade
docente concretizando-se da da necessidade de constantemente investir na formação
desses profissionais.
A análise interpretativa das narrativas produzidas pelos professores da de
EPT, no IFPI, revela os desafios a serem enfrentados pelos docentes e gestores da EPT,
que precisam ser trabalhados por meio de ações conjuntas, reflexivas críticas e,
portanto, na perspectiva transformadoras da realidade atual. (CONTRERAS, 2002). O
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entendimento é que essas ações não podem continuar marcadas pelas incertezas e pela
falta de investimentos na formação contínua dos docentes, posto que se faz necessário,
por meio de reflexão sistemática, reestruturar o processo de construção da
profissionalidade docente, – entendida também como aquilo que “é específico na ação
docente, isto é, o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e
valores que constituem a especificidade de ser professor” (SACRISTÁN,1985, p. 64).
A esse respeito há o entendimento de que o professor reconhece a esse
respeito que é no espaço pedagógico que se constrói e se expressa a
multidimensionalidade da sua ação docente, contribuindo para essa estruturação a
formação contínua, compreendendo que o processo de construção da profissionalidade
é impulsionado no contexto do espaço escolar onde o professor atua, articulando-se à
reflexão sobre e na gestão de sua aula. Essas considerações podem ser percebidas,
interpretadas na fala do professor “C”:
Na minha formação inicial foi formado para ser engenheiro não posso
negar…tive que me dedicar muito.pra ser professor.Nunca estudei
nada sobre o como ensinar, [...] A experiência inicial na docencia foi
dificil – o que me fez perceber a necessidade de continuar
aprendendo…Aprendendo, sobretudo, como ser professor e a
compreender a complexidade do processo educativo, com vista a
melhorar meu modo de ensinar e possibilitar que os meus alunos
realmente aprendessem. […] Esse início foi marcante pelas
dificuldades que eram apresentadas na escola, como ser um bom
professor… seguir exemplos dos bons professores que eu considerei, e
também muitas incertezas quanto continuar ou não na docência.
(PROFESSOR C).
Ao analisarmos o depoimento do professor, compreendemos a importância
da entrevista narrativa como técnica/metodológica de pesquisa qualitativa,
possibilitando informações que nos levam a compreende/responder as questões
propostas. É relevante que se compreenda que, a exemplo do que afirma Nóvoa (1995)
sobre esse espectro da formação do professor, que deve “[...] a formação deve estimular
uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um
pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada”. O autor
também esclarece a importância do professor reconhecer a necessidade dessa formação
contínua e acrescenta: “Estar em formação implica um investimento pessoal, um
trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, com vista à
construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional”(p. 58).
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Assim, estão presentes nas narrativas dos professores, expressões que
demonstram os desafios, as preocupações com a forma de como melhor ensinar, como
possibilitar a aprendizagem, demonstrando que o professor no exercício de suas práticas
exerce reflexão acerca dessas questões, sem no entanto, contar com o devido apoio da
instituição, considerando que esse professor é constantemente convocado a atuar em
contextos desafiadores, como é o caso concreto da docência.
É a partir da necessidade, proveniente do cotidiano de sala de aula que os
professores investigados revelam seu compromisso com a busca de uma formação
contínua, exigência que está presente no contexto educativo em que estão inseridos,
como observamos na fala do Professor “C”:
Compreendi logo no início que a minha formação incial não fora
suficiente para o desafio que tinha nas mãos, e essa condição de
rememorar minha trajetoria formativa me leva a refletir que é
necessário constatemente pensar como eu estou me tornando um
professor, como consigo burlar os incidentes que me aparecem no
desenrolar da minha prática educativa. Procurei sozinho os recursos
que me levassem a investir na minha formação contínua. A Escola
promovia algumas palestras no início de cada semestre, mas tudo
muito vago em relação ao que eu realmente precisava para enfrentar
uma sala de aula e suas incertezas a cada ano da minha trajetoria
profissional. Fiz cursos de aperfeiçoamento voltados para o domínio
dos conteúdos da minha área de formação. E passei a pensar em como
eu estava desenvolvendo minhas aulas na perspectiva de torna-las melhores e mais significativas para meus alunos.
Com base na análise da narrativa do Professor “C”, emergem possibilidades
de conferir significados a suas práticas que se desdobraria, de forma intencional, em
mudanças de atitudes em relação a profissão. Implica, pois, em reconhecer dúvidas,
desafios e necessidades de uma formação contínua, que não é possibilitada por parte da
instituição, havendo necessidade da implantação de um projeto inovador de formação de
professores. Outra característica presente na fala refere-se à importância da narrativa
autobiográfica oral e/ou escrita, que possibilita ao professor, ao falar, narrar suas
experiências de vida enquanto docente, refletir sobre sua prática.
A partir da experiência que o professor tem de narrar sua história de vida de
professor essa ação possibilita que o professor passe por um processo de compreender
as aprendizagens que são requeridas para a docência e, que podem inserir o professor
em um contexto de mudanças, perspectivas essas presentes nas ideias de Imbernón
(2010) e em Formosinho (2009), que afirmam sobre ser a função docente uma atividade
profissional complexa que requer, entre outras demandas, uma formação contínua dos
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professores articulada, integrada ao contexto e escolar de seu campo de atuação,
buscando atender às necessidades referentes ao ensino e aprendizagem.
Assim, é fundamental aos docentes, suprirem a necessidade de atuar
segundo as propostas de modelos de formação, com base apenas em uma orientação
acadêmica, que conforme Garcia (1999), é o modelo predominante de formação na
EPT, em que o papel do professor como especialista em uma área disciplinar, é o
domínio do conteúdo.
Portanto, cabe às instituições desenvolver projetos que ultrapassem uma
formação que consiste apenas no processo de “[…] transmissão de conhecimentos
científicos e culturais de modo a dotar os professores de uma formação especializada,
centrada principalmente no domínio dos conceitos e estrutura disciplinar da matéria em
que é especialista” (GARCÍA, 1999, p.33). Mudanças tem se efetivado nesse cenário,
mas também muito ainda tem que ser realizado para que se mude esta realidade, e que
essas ações de mudanças sejam institucionalizadas e não venham apenas do esforço
individual do professor, mas de ações conjuntas, integradas entre instituições
competentes e os profissionais na construção de sua profissionalidade.
.
Considerações conclusivas
Historicamente vem sendo desenvolvido um modelo de formação na EPT
que valoriza conhecimentos especializados, centrados principalmente no domínio dos
conteúdos, conceitos e a manutenção de uma estrutura disciplinar voltada para área
específica de conhecimento, sem a preocupação com a multidimenssionalidade da
atuação docente, e consequentemente da sua formação profissional , enquanto docente.
Neste sentido, as narrativas relatam que a formação desses professores está
pautada em um modelo tecnicista, sem uma devida correspondência por parte das
instituições formadoras, neste caso das instituições de EPT, para um importante
investimento na área de formação docente, sem negligenciar as questões técnicas,
científicas, bem como a valorização pedagógica.
Diante dessa realidade, a perspectiva é que busquemos a compreensão de
que para termos pessoas enquanto cidadão de uma sociedade ativa, participativa,
democrática e em constante desenvolvimento faz-se necessário refletir sobre o contexto
da formação dos professores formadores, não ficando somente na reflexão crítica, mas
se estendendo para o agir, no sentido de promover investimentos em projetos para a
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formação contínua dos professores, seu fazer docente e constantes reflexões críticas
sobre sua utilização. .
Assim, respondendo à questão de como se desenvolve o exercício da
docência na educação profissional, a partir da narrativa de cada sujeito investigado,
temos em comum que os professores trabalham de forma individualizada, em seu
cotidiano e, a rigor se deparam com desafios inerentes ao contexto educativo que os
levam a refletir sobre suas necessidades e despertando em alguns a necessidade de
buscarem uma formação contínua, com seus próprios esforços, sem uma merecida
orientação, fomentação e investimento por parte da instituição em que trabalham.
Neste sentido, as narrativas desses professores revelam seus principais
desafios em que a necessidade de uma formação docente se destaca, sendo para eles
muito difícil ser professor na EPT, tendo em vista que a formação inicial não lhes
conferem o necessário preparo para a docência, de modo que, conforme narram, buscar
essa formação sem um apoio da instituição, a partir das reflexões que surgem na
atividade do cotidiano em sala de aula.
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