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PROFISSIONALIDADE, CONSTITUIÇÃO DO SER PROFESSOR E CURRÍCULO CULTURAL: A FORMAÇÃO DOCENTE SOB UMA ÓTICA PLURAL O painel proposto discute a formação docente a partir de três perspectivas: a profissionalidade construída no decorrer do exercício profissional de professores bacharéis, o delineamento do ser professor da educação básica durante o percurso formativo e a instituição do currículo cultural como saber docente que opera na sala de aula de professores dos cursos de licenciatura. Para tanto, as autoras, dialogando com autores que tratam das temáticas, apresentam resultados de pesquisas desenvolvidas no âmbito do Instituto Federal do Piauí (IFPI), tanto com professores da própria instituição, quanto com professores da escola de educação básica que recebem alunos da licenciatura do IFPI para a vivência do estágio supervisionado. Os estudos analisam o caráter tecnicista que marca a Educação Profissional, a desvalorização histórica da profissão docente que ainda entrava a escolha de jovens pela profissão e a definição da docência como profissão e, ainda, os desafios que se apresentam à profissão docente diante da instantaneidade da produção, consumo e descarte do conhecimento na sociedade atual. Constatam, entre outros fatos, que a Educação Profissional e Tecnológica mantém na identidade profissional docente a construção de posturas tecnicistas; que o ser professor é um processo individual e intricado que acontece em formatos e tempos diferentes; e que o currículo cultural dos professores atua em contraste com o currículo cultural dos alunos na liquidez da contemporaneidade. Os três estudos se alinham ao defenderem a necessidade de uma formação docente mais consistente, alicerçada na reflexão, na autonomia dos professores e na possibilidade de tomada de decisão e transformação da realidade social. Palavras-chave: Formação Docente. Profissionalidade. Currículo Cultural. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 3809 ISSN 2177-336X

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PROFISSIONALIDADE, CONSTITUIÇÃO DO SER PROFESSOR E

CURRÍCULO CULTURAL: A FORMAÇÃO DOCENTE SOB UMA ÓTICA

PLURAL

O painel proposto discute a formação docente a partir de três perspectivas: a

profissionalidade construída no decorrer do exercício profissional de professores

bacharéis, o delineamento do ser professor da educação básica durante o percurso

formativo e a instituição do currículo cultural como saber docente que opera na sala de

aula de professores dos cursos de licenciatura. Para tanto, as autoras, dialogando com

autores que tratam das temáticas, apresentam resultados de pesquisas desenvolvidas no

âmbito do Instituto Federal do Piauí (IFPI), tanto com professores da própria instituição,

quanto com professores da escola de educação básica que recebem alunos da

licenciatura do IFPI para a vivência do estágio supervisionado. Os estudos analisam o

caráter tecnicista que marca a Educação Profissional, a desvalorização histórica da

profissão docente que ainda entrava a escolha de jovens pela profissão e a definição da

docência como profissão e, ainda, os desafios que se apresentam à profissão docente

diante da instantaneidade da produção, consumo e descarte do conhecimento na

sociedade atual. Constatam, entre outros fatos, que a Educação Profissional e

Tecnológica mantém na identidade profissional docente a construção de posturas

tecnicistas; que o ser professor é um processo individual e intricado que acontece em

formatos e tempos diferentes; e que o currículo cultural dos professores atua em

contraste com o currículo cultural dos alunos na liquidez da contemporaneidade. Os três

estudos se alinham ao defenderem a necessidade de uma formação docente mais

consistente, alicerçada na reflexão, na autonomia dos professores e na possibilidade de

tomada de decisão e transformação da realidade social.

Palavras-chave: Formação Docente. Profissionalidade. Currículo Cultural.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3809ISSN 2177-336X

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A CONSTITUIÇÃO DO SER PROFESSOR: SINGULARIDADES,

INCERTEZAS E PERSPECTIVAS DESTE PROCESSO

Emanoela Moreira Maciel - IFPI

RESUMO

O presente estudo apresenta um recorte dos resultados de pesquisa desenvolvida, em

nível de doutorado, cujo objetivo geral se delineou em investigar a experiência

supervisiva no estágio supervisionado como fonte de aprendizagem docente para o

professor supervisor que, na escola-campo de estágio, recebe alunos da licenciatura em

sala de aula para a vivência dessa atividade formativa. No desenvolvimento do estudo,

de modo específico, buscamos entender o processo de constituição do ser professor

deste profissional, com o intuito de caracterizar seu percurso formativo e analisar as

influências deste percurso em sua formação docente. O estudo adotou o método

autobiográfico e a pesquisa narrativa, por meio do memorial e das rodas de conversa,

como técnicas de produção dos dados e teve como interlocutores quatro professores de

uma escola da rede estadual que recebem alunos do Instituto Federal do Piauí - IFPI

para a vivência do estágio supervisionado. A análise de dados desenvolveu-se a partir

do método de análise de conteúdo das narrativas, proposta por Poirier, Clapier-Valladon

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e Raybaut (1999). Para atingir ao objetivo proposto, estabelecemos um diálogo teórico

com Freire (1996), Grillo (2004), Imbernón (2010), Monteiro et al (2012), Tardif

(2002), entre outros. Foi possível constatar que entrar na profissão ou iniciar a carreira

docente não demarca o ser professor, que se constitui processo individual e intricado

que acontece em formatos e tempos diferentes. Além disso, o ser professor se consolida

pelo vínculo financeiro com a profissão e pela experiência profissional, o que nos

consente coligir que a formação inicial pela qual os interlocutores passaram, não

promoveu a pertença desse grupo de professores à docência, nem mesmo a certeza de

ingresso na carreira quando da conclusão de seus estudos universitários.

Introdução

A profissão docente no Brasil resguarda consigo as mazelas de uma

desvalorização histórica marcada por condições de trabalho deficitárias, baixos salários

e falta de investimentos políticos e financeiros na carreira. A expansão da demanda

escolar tem crescido na mesma proporção com que os jovens se afastam da carreira

docente como escolha profissional e aí reside uma incoerência: quanto mais há a

ampliação da oferta do ensino escolar, maior se revela a dificuldade em formar

professores que possam atendê-la.

De forma recorrente, sobram vagas nos cursos de licenciatura oferecidos pelas

universidades e, ainda, turmas com números muito reduzidos de alunos concluem a

formação inicial. Aranha e Souza (2013, p. 78) atribuem tal fato ao “[...] baixo valor do

diploma de professor, sobretudo, na educação básica, tanto no mercado de bens

econômicos (salário) quanto no mercado de bens simbólicos (prestígio)”. Nessa

perspectiva, o ser professor vai se delineando a partir de importantes implicações de

ordem contextual e social e, de modo mais raro, de implicações individuais, ou seja,

uma escolha prioritária de ser professor. A docência é percebida pelos jovens como

meio de acesso preciso ao ensino superior e, consequentemente, possibilidade de

ascensão social, constituindo, por isso, escolha para muitos deles.

A questão da desvalorização da profissão docente supõe discutir, ainda, um

aspecto importante: a docência como vocação. A vocação pressupõe doação e, como tal,

dispensa salários altos ou reivindicações salariais. Haghette (1991 apud DINIZ, 2006)

comenta que a ideologia da vocação pode ser considerada como um mecanismo de

autodefesa. É como se o professor pensasse que, apesar de ser mal pago e de a escola

estar em condições precárias, desenvolve um trabalho sagrado. A ideia da docência

como sacerdócio, entendemos, beneficia o sistema político, econômico e social em

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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vigor, que continua a não investir nas condições de trabalho docente, nos salários dos

professores, nem em medidas de valorização da carreira.

Tendo as discussões citadas como norte, desenvolvemos um estudo situado no

método autobiográfico e tendo como técnicas de produção de dados as narrativas

memorial escrito e roda de conversa. Os interlocutores foram quatro professores do

ensino médio que, recebendo alunos de licenciatura em sala de aula para a vivência do

estágio supervisionado, assumem a faceta de supervisores de estágio. Os professores são

das seguintes áreas: física, matemática, biologia e química, as quatro licenciaturas

trabalhadas no Instituto Federal do Piauí (IFPI), campus Teresina Central. Os

professores, no decorrer deste estudo, terão suas falas identificadas pela primeira letra

de suas áreas de atuação (F, M, B e Q, ou seja, física, matemática, biologia e química)

O problema central que move este estudo é: De que forma a experiência

supervisiva no estágio se constitui em fonte de aprendizagem docente para o professor

supervisor? O objetivo geral foi investigar a experiência supervisiva no estágio

supervisionado como fonte de aprendizagem docente para esses docentes. De modo

específico, entre outros objetivos, buscamos entender o processo de constituição do ser

professor deste profissional, com o intuito de caracterizar seu percurso formativo e

analisar as influências deste percurso em sua formação docente.

A profissão docente: vocação ou aprendizagem social?

A discussão sobre a profissionalização da carreira docente denota a urgência de

entendermos o professor como profissional que tem autonomia, toma decisões sobre os

problemas profissionais da prática, mas também luta contra a exclusão social, estabelece

relações com estruturas sociais e, por seu desenvolvimento crítico, identifica e

reconhece as contradições da profissão para nelas intervir. O conceito de profissão é,

para Imbernón (2010), produto de um conteúdo ideológico que influencia a prática

profissional. Quando as ideias da docência como vocação, sacerdócio e doação

sobrepujam a noção de profissão docente, abre a possibilidade de práticas carentes de

valores éticos, morais, ideológicos que possam desenvolver autonomia e liberdade no

indivíduo. Entender a docência como profissão pressupõe que “[...] o conhecimento

específico do professor e da professora se ponha a serviço da mudança e da dignificação

da pessoa.” (IMBERNÓN, 2010, p. 28).

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Por mais que a discussão acerca da formação de professores tenha avançado

nas duas últimas décadas, ainda permanece no discurso e no pensamento de muitos

professores que há essa inclinação ou tendência natural para ser professor. Alguns

interlocutores de nosso estudo se mostraram crentes na ideia da vocação. Durante uma

das rodas de conversa, a interlocutora B afirmou que sua dificuldade com a docência era

relacionada com a vocação “[...]eu não sou vocacionada naturalmente”. Essa

afirmação foi disparadora de uma reflexão, na roda de conversa posterior, sobre

vocação, desvalorização salarial e a dimensão social da profissão docente caracterizada

pela produção de saberes. Segundo Tardif (2002), esses saberes são esquemas, regras,

hábitos, procedimentos não inatos, mas elaborados pela socialização, por meio da

inserção dos indivíduos nos diferentes grupos socializados nos quais eles constroem, em

interação com os outros, sua identidade pessoal e social. Admitimos, assim, que o ser

professor é aprendizagem social escolhida pelos sujeitos.

As ideias de Tardif (2002) sobre a aprendizagem social da docência e as

considerações sobre a perspectiva de vocação desvalorizadora da profissão docente

foram apresentadas na roda de conversa através de nossos comentários, mesmo sem o

suporte da leitura do livro ou texto do autor. Os professores supervisores discorreram

sobre suas ideias, inspirados pela confrontação apresentada, concordando, ou não, com

a perspectiva da docência como profissão aprendida durante um processo formativo

pessoal e profissional.

O pessoal não pode confundir vocação com filantropia. Há

essa diferenciação. Vocação enquanto tendência, facilidade

para. E filantropia enquanto fazer sem retorno. Uma pessoa

que não tem tendência para ser professor, não vai ser

professor nunca. [...] tem pessoas na universidade, que têm

disciplinas [...] que tá lá como professor, não tem nenhuma

habilidade para ser professor. Tanto é que os cursos de

física e matemática, que eram os cursos de maior evasão

antes, hoje já não são mais porque quem está chegando

hoje, está chegando com vocação. (M).

Pois para mim são duas surpresas. É surpreendente eu ser

professor e ser professor de física. Eu fui péssimo orador,

tinha medo de ficar no meio de um monte de gente, como era

péssimo aluno de física. (F)

Pelas falas dos interlocutores, percebemos que há uma divergência de ideias

sobre como ocorre o processo de ser professor. Ao tempo em que B e M creditam a uma

inclinação natural e inata as habilidades relativas à docência, F confirma, pela sua fala,

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que os saberes de que necessita para ser professor, como o conteúdo da disciplina, a

capacidade de falar em público e o estabelecimento de relações interpessoais, são todos

aprendidos em contextos sociais e nos cursos de formação. Identificamos na fala de M,

uma contradição importante. Logo após afirmar que quem não tem vocação nunca será

professor, expressa que há professores que não têm nenhuma habilidade para tal, mas

estão na universidade ministrando aulas. A incoerência destacada na fala do interlocutor

confirma que a profissão docente requer conhecimentos oriundos de fontes diversas

como as experiências pré-profissionais, a formação inicial e continuada, as trocas com

os pares, entre outras formas essencialmente sociais, apontando a docência como

profissão aprendida.

É válido ressaltar a feição formativa da roda de conversa e as reflexões

proporcionadas por esta técnica de pesquisa. Em uma roda posterior a que debatemos

sobre a ideia de vocação, durante uma discussão sobre as aprendizagens produzidas no

contexto de estágio, a interlocutora B fez questão de destacar:

A gente pega todas as influências ali e vai tentar passar

todas aquelas influências para aquela pessoa e você também

aprende com eles. Não vou dizer que é vocação. (B)

Ao concluir que o processo de ser professor se faz em diferentes contextos e

em trocas de experiências nos diversos ambientes sociais, pois “Nenhum professor é

professor isoladamente” (GRILLO, 2004, p. 79), a interlocutora nos permite inferir que

pensou acerca das provocações instituídas, mudando seu ponto de vista sobre a

profissão docente e seu caráter social, realçando a roda, momento narrativo, como

espaço formativo que articula três dimensões desta técnica de pesquisa: reflexão,

formação de conhecimento e autoformação. Como endossa Monteiro et al (2012), na

narrativa como técnica de pesquisa, os objetivos de pesquisa e de formação estão

imbricados como processos de reflexão e reconstrução do pensamento.

O delineamento do sujeito professor vai tomando forma a partir das relações

que estabelece consigo, com os outros e com as intercorrências contextuais, como cita

Zabalza (1998, p.13), a melhora profissional se dá “[...] mediante o conhecimento e a

experiência: o conhecimento das variáveis que intervêm na prática e a experiência para

dominá-las. A experiência, a nossa e a dos outros professores”.

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Cabe aqui a discussão do conceito de identidade que agrega características

individuais e subjetivas do indivíduo, ressalta a ideia de constituição do sujeito em uma

coletividade, uma perspectiva social da constituição humana. Diz respeito às questões

de reconhecimento pessoal (sou único e singular) e também às questões de

reconhecimento social (sou de determinada família, me identifico com uma profissão,

pertenço a esta categoria e tenho similitudes com meus pares). A constituição de uma

identidade, desse modo, é processual e se dá em diversos ambientes e pelas diversas

experiências pessoais e sociais do indivíduo. É simultaneamente original e

coletivamente formada. Nessa perspectiva, o ser professor, enquanto identidade e

sentimento de pertença à categoria, vai se desenhando em um processo simultaneamente

pessoal e social.

Nas narrativas dos interlocutores, encontramos indícios importantes da escolha

da profissão docente como segunda opção ou como forma segura de ingresso à

universidade, particularmente no processo de seleção e inserção, justamente pela baixa

concorrência às vagas referentes às licenciaturas, corroborando a perspectiva da

desvalorização da profissão. Há que se considerar os motivos da escolha profissional

que muito influenciam as ações desenvolvidas pelo professor durante o exercício da

profissão. Assim, encontramos nos memoriais os seguintes trechos, referentes a cada

interlocutor:

Eu sonhava em fazer medicina e assim melhorar minha

condição socioeconômica. Como a concorrência para o

curso desejado era muito grande, resolvi prestar vestibular

para química, com a ideia de que iria adquirir mais

conhecimentos e só em seguida viria a aprovação para

medicina. Com o tempo, vi que aquele sonho não seria

concretizado, tinha muitas incertezas quanto ao meu curso,

achava que ser professor não valeria a pena, tinha a

impressão que era uma profissão pouco valorizada. (Q)

Usando meus poucos livros, até então, e com muita força de

vontade, consegui entrar no CEFET (hoje IFPI) no curso

técnico em informática na esperança de uma realização

próspera, [...] sempre adorei videogames.[....] Ao

abandonar este curso, me foquei na ideia de uma formação

sólida, de preferência em nível superior, como forma de

garantir uma renda. [...] Enquanto a vida passava, pensei

em várias profissões que eu poderia exercer a fim de

garantir minha subsistência. [...] Relacionamos as possíveis

profissões às quais gostávamos e, como num sorteio, escolhi

Licenciatura Plena em física. Parecia para mim uma

escolha conveniente, uma vez que a concorrência nesse

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curso sempre é menor e a carência de profissionais nessa

área me chamou a atenção. (F)

Queria ser cientista ou pesquisadora. Por influência da

família tentei vestibular para medicina, duas vezes, não

suportei a pressão psicológica, então tentei para o curso de

biologia da UESPI. Lá entrei em 1996 sem nenhuma ideia

da formação que viria pela frente. (B)

No terceiro ano, eu ensinava matemática e física para meus

colegas. O professor faltava, lá eu ia dar aula no lugar para

meus colegas de sala. O diretor da escola, alertado pelos

professores, me chamou e disse que se eu obtivesse

aprovação no vestibular me daria um emprego. Coloquei a

primeira opção Matemática e a segunda Física. [...] Passei

na segunda opção, penúltimo lugar, e o diretor cumpriu a

promessa. Comecei a lecionar matemática, mas cursava

física, com seis meses de curso. (M)

Dos excertos, depreendemos que os interlocutores chegaram ao curso de

licenciatura por uma série de fatores de ordem social, tais como: necessidade de retorno

financeiro mais rápido, certeza da entrada em curso superior ou esperança de consolidar

conteúdos relativos ao curso que, de fato, desejavam. Essa situação reforça que os

motivos pelos quais o sujeito se torna professor podem ser diversos, mas nada têm a ver

com vocação, e sim com uma escolha pessoal.

Contraditoriamente, o quadro de desvalorização da profissão docente favorece

a busca das licenciaturas por indivíduos de classes sociais populares que, oriundos de

escolas públicas, consideram-se menos preparados a concorrer para cursos de maior

prestígio social, ou seja, admitem a “esperança subjetiva” (BOURDIEU; PASSERON,

2012) excluindo-se da concorrência por se considerarem inaptos para tanto, a exemplo

da narrativa de Q e B.

Claramente, Q e B demonstram a insegurança em tentar um curso com

concorrência maior, insegurança essa capaz de impedir até a tentativa de aprovação. Q,

F e B, nos chamam a atenção para outro aspecto relevante: ter afinidade com

determinada área não foi suficiente para que eles a seguissem ou insistissem em segui-

la. A necessidade de subsistir-se fez com que optassem por uma profissão mais estável e

segura, tanto no que diz respeito à entrada no curso superior, como no tocante à

possibilidade de garantia de renda. Isso definiu suas escolhas profissionais que, de certo

modo, encontra-se corroborado nos pensamentos de Bourdieu e Passeron (2012): a

eliminação de ambições socialmente definidas aconteceu em função da modalidade

própria de seu ethos de classe. Em outras palavras, a licenciatura não foi escolhida como

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área de afinidade, mas como um meio de assegurar renda e, consequentemente, o

sustento.

A fala de M fortalece essa proposição ao demonstrar que, mesmo tendo certa

proximidade com a profissão ao ensinar os colegas, o que o fez decidir por uma

licenciatura foi, de fato, o compromisso de emprego firmado com a escola particular na

qual era bolsista. Ou seja, a garantia de uma renda.

Vale ressaltar que a escolha da licenciatura pelos jovens de classes populares

admite, também, um raciocínio tanto similar quanto oposto: quando jovens de classes

sociais mais altas e com acesso a um capital cultural mais amplo direcionam suas

escolhas para cursos de maior prestígio social como meio de manutenção de um status

social e econômico, não como inclinação pessoal.

B realça que, mesmo escolhendo o curso de Biologia, a formação pela qual

passaria era uma incógnita. Em nossa atuação como professora nos cursos de

licenciatura, esta é uma realidade comum em turmas iniciantes. Os alunos, muitas vezes,

são atraídos para o curso pela área específica sem, no entanto, terem conhecimento que

a formação é para professores daquela área.

Os relatos dos professores nos permitem deduzir que suas histórias de vida

possuem aproximações, uma vez que todos são oriundos de camadas populares da

pirâmide social e vislumbravam na formação superior a assunção de que gostariam. Por

isso, optaram por não correr riscos, escolhendo curso de mais fácil acesso. O processo

de tornar-se professor, nesse caso, tem início num contexto de incertezas e descrenças

sobre profissão, mas também de esperança na possibilidade de mudança de vida e

constituição profissional.

O estabelecimento de estigmas em torno da profissão é, também, sob nossa

ótica, um fator impeditivo da convicção dos sujeitos em reconhecerem-se professores.

Há um significado construído e enraizado socialmente, inclusive dos próprios

professores, de que a profissão docente é difícil. Propugnam a docência como profissão

complicada, de trabalho excessivo, em realidades árduas com ganhos débeis. Cabe-nos

pensar a respeito de como tais questões são abordadas - e se o são - no processo de

formação inicial de professores, o que tem influência marcante do processo de

identidade docente.

A crença no “professor resignado” impera sobre a discussão acerca das

possibilidades relativas à formação docente, quais sejam: o desenvolvimento pessoal e

profissional, a elaboração de pensamento livre e emancipado, a formação permanente, a

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ascensão na carreira e ampliação de salário, a oportunidade de transformação social, a

reinvenção profissional contínua, o descortinar da miopia que impede a evolução do

pensar por uma visão crítica, entre outras. Essas são possibilidades que, trazidas à pauta

na formação, constituem-se discussões valiosas a respeito da profissão docente, da

prática e do trabalho do professor como intervenção social, edificam novas convicções

sociais.

O interlocutor Q durante a participação numa roda de conversa que, ao

comentar o ser professor, afirmou:

Todos nós professores tivemos outros professores e

procuramos nos espelhar naquele professor da gente do

ensino fundamental. “O que aquele professor dava na aula?

O que ele fazia de bem que agradava? Gostava das aulas

dele”, então a gente procura ter um pouquinho de um, um

pouquinho de outro para [...] construir um pouco desse

mesmo aprendizado. Cada um de nós procura misturar o

melhor de um, de outro pra tentar fazer o melhor da gente.

(Q)

Reconhecer-se professor, nessa perspectiva, vai além da formação profissional

e da vinculação técnica/prática com a profissão, mas compõe o desenvolvimento pessoal

do sujeito e este desenvolvimento, por sua vez, interfere na constituição do ser

professor. Essa relação dialética nos assente pensar que a identidade do sujeito não é,

mas está em constante transformação e se dá ao longo da vida.

A formação, nesse contexto, resguarda a atribuição de discutir aspectos

relativos à constituição da identidade docente, particularmente no que tange ao

sentimento de pertença à categoria, além de respaldar reflexões de futuros

professores para as possibilidades de intervenção social da profissão, mesmo diante

de empecilhos históricos. A compreensão que emerge é que a formação da identidade

docente deve permitir ao professor, como entende Freire (1996), reconhecer que seu

papel no mundo não é só o de quem constata o que acontece, mas também o de quem

intervém como sujeito. O desejo pela mudança deve ser fomentado, também, pela

formação.

A narrativa de Q realça o aspecto social que marca o delinear da identidade

docente. O ser professor conjectura-se como construção social na medida em que

influencia e é influenciado pelas interações sociais estabelecidas. Quando afirma que

“mistura” o melhor de cada um para fazer o melhor de si mesmo, o interlocutor

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destaca que a identidade é, simultaneamente, pessoal e coletiva, marcada tanto por

traços subjetivos do indivíduo, quanto por sentidos construídos socialmente.

Reconhecer-se professor pode ser fomentado, também, pelo potencial

interventivo da docência quando o docente tem a reflexão e o pensamento crítico

como vieses formativos e faz da transformação da realidade seu caminho

profissional. Tal caminho, no entanto, é tortuoso e marcado, inclusive, pelo paradoxo

ao qual Imbernón (2010) se refere, que fica manifesto na escrita dos memoriais dos

sujeitos e desperta sentimentos ambíguos referentes à profissão. Demonstram não se

sentirem plenamente convictos com o percurso tomado para o trabalho, entretanto

evidenciam que é a profissão responsável por seu crescimento pessoal, financeiro e

profissional, como manifestam nos seguintes excertos narrativos:

Casei cedo, não havia concluído o curso de graduação, [...]

fui trabalhar numa indústria que oferecia carteira assinada

e todos os direitos, passaram-se seis meses e continuava

insatisfeito porque o salário era muito pouco. Fiz as contas

e percebi que o tempo que passava na indústria

trabalhando, eu ganharia muito mais se tivesse em sala de

aula. Então, retornei à sala de aula seis meses depois, decidi

abraçar a profissão de professor de verdade. (Q)

Depois de tudo veio a formatura e a colação de grau. Passei

seis meses desempregada e logo apareceu o concurso da

SEDUC – PI. Fui aprovada em 22º lugar, mas ainda não

tinha certeza se realmente queria ser professora para o

resto da vida. Só a experiência dos anos me transformou

numa professora. (B)

Com esta história de lecionar, tirei minha mãe das cozinhas

alheias. (M)

Constatamos que o ser professor se desenha em diferentes momentos da vida

dos sujeitos e por diferentes motivos. A resistência à entrada na profissão apontada por

Q e B certifica que, mesmo com retorno financeiro e estabilidade no trabalho, a carreira

docente não se mostrava atraente. Q aponta vantagens da profissão docente em relação à

outra que exercia e, ponderando essas vantagens, é que decidiu investir na carreira.

As revelações advindas dessas narrativas nos permitem compreender que a

formação, por si só, não deu conta de instituir uma identidade docente aos interlocutores

que, durante ou após a formação inicial, ainda não se reconheciam como professores e

resistiam a esta ideia. A propósito, B ressalta que “Só a experiência dos anos me

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transformou numa professora”, demonstra que a experiência direta no trabalho

possibilita que o sujeito conheça o ambiente e a assimile saberes necessários à

realização de suas tarefas, aspecto que converge para os discursos de Tardif e Raymond

(2000). Vale ressaltar que não é apenas a experiência que propicia o desenvolvimento

da identidade docente. Desenvolvimento profissional, formação continuada,

sindicalização são meios pelos quais os professores podem reconhecer-se docentes.

Mesmo tendo cumprido o estágio supervisionado em sua formação, a

interlocutora menciona que esta ação formativa ainda não possibilitou sua identificação

com a carreira. A fala de M reforça essa ideia pela forma com a qual se refere à

docência (“Com esta história de lecionar...”), que mesmo atuando como professor

ainda não se sentia, de fato, como tal.

F resgata na sua fala o aspecto financeiro, também citado por M, que o segura

na carreira. Ele afirma:

Para mim, felicidade no trabalho é coisa de televisão. O que

eu quero mesmo é receber todo mês. [...] Eu preciso de

dinheiro, é o que tem pra fazer, vamos fazer. (F)

O excerto do interlocutor nos permite constatar que a profissão encarada dessa

forma ressalta o caráter de racionalidade técnica que permeou, e ainda permeia, a

formação docente. Vista dessa forma, a formação contempla apenas um componente

científico-cultural, relativo ao conhecimento do conteúdo a ser ensinado, e um

componente psicopedagógico, que diz respeito a uma atuação eficaz na sala de aula

(PÉREZ GÓMEZ, 1992), como suficientes para o desenvolvimento de uma prática

educativa. O professor oriundo de uma formação nessa perspectiva é um aplicador de

instrumentos e técnicas, cuja identidade pessoal não interfere na sala de aula,

considerada como contexto previsível e desconectada da realidade social em que se

encontra.

Considerações Finais

Não percebemos, ao analisar os excertos, indícios do comprometimento com a

mudança, como nos diz Freire (1996) acerca de que o desejo para essa mudança precisa

ser fomentado numa formação que provoca curiosidade inquieta, problematiza e

questiona „irracionalismos‟ gerados pelo excesso de „racionalidade‟. Essa constatação

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permite-nos entender que a formação docente precisa amparar o professor em aspectos

referentes aos conteúdos, métodos, conhecimentos e saberes próprios da profissão, mas

também na percepção que esses conhecimentos, em si mesmos, não dão conta das

realidades que se apresentam. Assim, a formação precisa despertar no professor

constituições preliminares com a profissão, favorecendo o desenvolvimento de uma

identidade que vai se formando, consubstanciando-se, ao longo de sua carreira,

ampliando a capacidade de reflexão e a compreensão do papel interventivo da docência,

rascunhando o ser professor.

Pela análise das falas, entrar na profissão ou iniciar a carreira não demarca o

ser professor que é um processo individual e intricado que acontece de formatos e

tempos diferentes para cada profissional e que se delineia também pela constituição de

uma identidade docente que, a rigor, é demarcada tanto por um processo dinâmico de

desenvolvimento do professor, quanto por dilemas, dúvidas, falta de estabilidade e

divergência que, no conjunto, constituem aspectos de seu desenvolvimento profissional,

como refere Imbernón (2010).

Desse modo, para Q, F, B e M, o que se evidencia em suas narrativas é que o

ser professor se consolida pelo vínculo financeiro com a profissão e pela experiência

profissional, o que nos consente coligir que a formação inicial pela qual passaram, não

promoveu a pertença desse grupo de professores à docência, nem mesmo a certeza de

ingresso na carreira quando da conclusão de seus estudos universitários, visto que seus

depoimentos não dão mostras de ter despertado, nos sujeitos, a percepção da

possibilidade de interferências contextuais.

REFERÊNCIAS

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Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 50, p. 69-86, out./dez. 2013. Editora

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ZABALZA, M. A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

REFLEXÕES SOBRE O LUGAL DO CURRÍCULO CULTURAL NA

FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Sádia Castro - IFPI

RESUMO

Ao entrar na sala de aula, os professores passam a conviver com alunos do século XXI,

ou seja, municiados de poderosos equipamentos tecnológicos de última geração por

meio dos quais podem dispor com o esforço de um click, de toda informação já

produzida pela sociedade humana e em qualquer área do conhecimento. Pelo mesmo

aparato, são atraídos a todo instante, por convites deslumbrantes, a adquirir novos

amigos e consumir o mais recente “lançamento”, do telefone, do tênis, da música, do

filme etc. Como os professores elaboram sua formação para lidar com esses alunos que

já nascem expostos à liquidez da pós-modernidade (BAUMAN, 1998), onde tudo, do

afeto ao conhecimento é produzido e consumido rápido e descartado, mais rápido

ainda? Como lidar com sujeitos em corrida frenética pela satisfação que não chega

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3822ISSN 2177-336X

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nunca, pois já existe outra pronta para substituí-la? Em que fontes os(as) professores(as)

buscam reforços para enfrentar a instantaneidade da produção do conhecimento?

impulsionado por estas questões, esse trabalho tem por objetivo problematizar a

formação de professores, fundamentado nas lentes dos estudos culturais, caminhando

pelos conceitos de currículo cultural, sociedade de consumo, indústria cultural,

subjetividade, identidade, conhecimento, mídia e redes sociais. Esses conceitos serão

discutidos baseados nos resultados de pesquisa realizada junto aos professores dos

cursos de licenciatura do IFPI, adotando com força argumentativa a construção dos

elementos que compõem a formação da subjetividade dos(as) professores(as) que irá se

constituir como um saber docente e se concretizar como o currículo cultural que opera

no cotidiano da sala de aula em contraste com o currículo cultural do aluno na liquidez

da contemporaneidade.

PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores(as), Sociedade do consumo,

Currículo cultural

Existem tantos sentidos para a sociedade atual quantos forem os pensadores a

interpretá-la, e ainda que hajam fortes embates teóricos na busca do conceito ideal,

todos as interpretações de alguma maneira se referem à passagem do tempo. Quando

aparecem termos como contemporaneidade, modernidade avançada, pós-modernidade,

sempre há subjacente a ideia de rupturas e contrastes entre algo que se configura como

novo, diferente, transitório em contraposição a algo considerado antigo, tradicional e

fixo. Zigmund Bauman(2007), fala de tempos líquidos, que se delineiam em redes,

conexões e relações fluídas e instáveis. São vivências, laços e desejos que não se

solidificam, porque precisam estar em constante transformação ou sujeitar-se à

substituição a qualquer momento. A experiência contemporânea de homens, mulheres,

jovens, adultos e crianças, no centro ou na periferia do planeta, está profundamente

marcada pela instantaneidade, volatilidade, efemeridade e descartabilidade em todas as

dimensões da vida cotidiana. Desde as relações interpessoais, às grandes redes de

relacionamento envolvendo países, culturas e economias distintas no mundo inteiro, não

há nada que já não tenha sido afetado pela rapidez, fluidez e esteja sujeito a ser diluído,

transformado, desaparecido ou modificado a cada instante. “As relações se misturam e

condensam com laços momentâneos, frágeis e volúveis, em um mundo cada vez mais

dinâmico e veloz, seja real ou virtual” diz Bauman.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3823ISSN 2177-336X

16

Como o objetivo de problematizar a realidade dos cursos de formação de

professores que se preparam para atuar na escola, esta instituição de origem medieval,

que resiste ao tempo e agora convive com o desafio de perder o lugar ocupado

secularmente de única detentora e legitimadora de saberes, proponho-me fazer, antes, de

maneira breve, um reconhecimento do perfil do aluno, filho dessa realidade pós-

moderna (BAUMAM,1998) com o qual professores e professoras encontram-se no

cotidiano de suas salas de aula.

Hoje, qualquer jovem ou criança tem, ou pode ter, uma quantidade de amigos

cinquenta vezes superior à que teria seu avô se vivesse cem anos ou mais; e em tantos

lugares distintos e em simultânea conexão, ao ponto de todos saberem onde estão,

pensam, gostam ou acabaram de fazer. A noção de tempo e espaço está modificada, o

ambiente das redes sociais habitado, dominado e domesticado pelos jovens, crianças e,

também, por adultos, permite encurtar distâncias, aproximar pessoas e fazer da fantasia

a realidade ou até mesmo diluir a linha que existe entre uma coisa e outra. Tampouco

importa se é real ou fantasia, é na ordem do virtual que estão as verdades do presente. O

tempo, apesar da aceleração dos processos de produção, deslocamento e comunicação,

está cada vez mais escasso. Todos correm olimpicamente para garantir seu lugar em um

futuro que nunca chega.

Compondo o repertório dos moradores do mundo pós-moderno estão, ainda, os

meios de comunicação, em especial, a televisão que elabora desejos, cria necessidades,

institui valores, implanta códigos de ética e moral e orienta sobre a forma de afetar-se

pelos acontecimentos. O que comer, o que vestir, a música, a cor do cabelo, a fórmula

de sucesso chegam na forma de convites sedutores e mensagens irresistíveis. O telefone

celular é outro aparato pós- moderno que ocupa o centro da vida de qualquer indivíduo,

ninguém sai de casa sem ele e o mantém sempre à vista e ao alcance da mão. Segundo

Marisa Vorraber Costa (2009), este tem sido o equipamento mais polêmico na vida das

crianças desta Era, pois modifica suas relações na escola, na família e entre elas, além

de ajudar a fortalecer a visão da infância que transforma crianças em seres poderosos e

superinteligentes. Todos esses aparatos oferecem fórmulas de felicidade por meio de

“ordens, avisos, premências” que geram necessidades impossíveis de ser satisfeitas e é

importante que assim sejam. É a insatisfação, o desejo sempre acesso que faz as veias

da modernidade líquida pulsarem e manter o corpo social vivo e em constante atividade.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3824ISSN 2177-336X

17

As tecnologias da comunicação e da informação vêm contribuindo

para a proliferação, ampla circulação e consumo de textos culturais

populares que exercem um fascínio sobre as pessoas. Na promoção

desse fascínio estão implicados desejos, sonhos, sedução, modelos a

serem imitados, aptidões a serem adquiridas. E já não se trata mais de

consumir em um sentido usual da palavra, são novas formas de

consumo que poderiam ser mais bem descritas como “comprismo”,

desejo de adquirir de tudo - imagens de si, sonhos, objetos - para em

seguida descartar, substituir.(COSTA, 2010, p.138-139).

Nas sociedades da circulação global de mercadorias e serviços, tudo pode ser

comprado em qualquer lugar, o consumo passa a ocupar o centro que move não só a

economia mas a distinção que classifica os indivíduos entre os que desejam e podem ter

e os que desejam e não podem ter. Tanto assim, que as pessoas passam a ser valorizadas

pela capacidade de consumir os hábitos e produtos culturais que circulam pelo planeta.

Este é, portanto, o capital cultural mais valorizado nas sociedades contemporâneas. Ou

seja, o marcador da distinção social, da hierarquia e auxiliador da mobilidade cultural e

social (Botelho, 2004, p.196). Porém, esse mundo, eldorado, não está acessível a todos

os quais dele tomam conhecimento, o estágio planetário do consumo põe à mostra uma

consequência da disfunção explosiva e gritante do capitalismo, que antes foi chamada

de exploração e, hoje, com os contornos da pós-modernidade atende pelo conceito de

exclusão.

Se antes os indivíduos eram treinados e moldados para ser antes de tudo,

produtores, na era pós-moderna somos cada vez mais moldados e treinados para sermos

consumidores. “A educação de um consumidor não é uma ação solitária. Começa cedo e

dura o resto da vida. O desenvolvimento de habilidades de consumidor talvez seja o

exemplo mais bem-sucedido de educação continuada. Tanto assim que, ao chegarem à

escola, as crianças já trazem em seu Currículo Cultural (Veiga-Neto, 2004) pelos menos

cinco mil horas de TV e outras tantas de internet. Já se puseram em contato com o

currículo da mídia sobre os mais diversos assuntos. Aprenderam sobre educação

ambiental, educação sexual, moral, ética e tudo isto na perspectiva que a mídia elabora,

tendo como pano de fundo muitas lições de consumo. Para o Currículo Cultural

estabelecido pela mídia, depois do treinamento para ser consumidor, o segundo ponto

mais valorizado são as aulas de competitividade. As crianças e jovens aprendem que o

mundo é uma grande arena e todos estão ali para competir e ganhar. Sobre as maneiras

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3825ISSN 2177-336X

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de ser criança sob os auspícios dessa modernidade fluída, Momo e Costa, assim se

expressam:

Há um modo de ser criança, incansavelmente desejoso por inscrever-

se na cultura globalmente reconhecida e integrar uma comunidade de

consumidores de artefatos em voga da mídia no momento. Observou-

se a espetacularização dos corpos infantis de modo a harmonizá-los

com o mundo das visibilidades, caracterizado por constantes e

ininterruptas mutações. São crianças que vão se tornando o que são,

vivendo sob a condição pós-moderna (MOMO; COSTA, 2009).

A Educação sobre o olhar dos Estudos Culturais

Neste panorama de grandes transformações nas concepções, políticas,

culturais, sociais e econômicas, onde os conceitos de formação de identidade são

profundamente atingidos e cada vez mais instáveis, os Estudos Culturais (SILVA, 2000)

oferecem lentes teóricas que podem nos auxiliar a observar, interpretar e encontrar

caminhos para enfrentar os desafios que esse mundo caleidoscópico nos revela a cada

instante. Por não estarem presos a nenhuma disciplina específica e buscar argumentação

e fundamentos em diversas áreas do conhecimento, configuram-se como um próspero

campo de análise que ascende as luzes que nos permite analisar a formação de sujeitos

híbridos, a constituição de identidades e a proliferação de saberes, desejos e

comportamentos, na disseminação de práticas e condutas, enfim, no delineamento da

maneira de ser e viver na contemporaneidade(COSTA, 2010). A partir dos Estudos

Culturais podemos visualizar mais claramente as identidades que estão sendo

constituídas na articulação e exposição ao gigantesco repertório cultural que circula nas

mídias e nas redes sociais e atinge igualmente contextos sociais e indivíduos distintos,

geográfica, cultural e economicamente. Especialmente, no que diz respeito ao efeito que

toda essa tormenta de informações, estímulos e desejos provoca na escola, esse espaço

social historicamente constituído para ser a sede de toda produção e disseminação do

conhecimento e do saber.

Parte significativa das organizações que hoje educam crianças e

jovens (adultos também) não são educacionais, e sim comerciais. O

currículo cultural que põem em operação não está preocupado com a

melhoria da sociedade, com o aprimoramento de suas práticas,

instituições e com o bem comum; as corporações empresariais de hoje

estão interessadas na convocação e enredamento de sujeitos em suas

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3826ISSN 2177-336X

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teias de mercantilização e consumo. Colocam em operação estratégias

que acionam sedução, fascínio e prazer, visando ampliar seus ganhos

individuais e seu poder nas economias globalizadas do novo

capitalismo. (COSTA, 2010, p. 137).

Compartilhamos com Marisa Vorraber Costa (2010), a convicção da

imprescindível contribuição que os Estudos Culturais dão ao debate sobre educação tem

oferecem a esse campo “a possibilidade de se abordar de forma ampla, complexa e

plurifacetada a educação e os processos pedagógicos, os sujeitos implicados e as

fronteiras construídas pelas ordens discursivas dominantes”. Costa, diz, ainda, que a

partir dos Estudos Culturais promoveu-se uma ressignificação do campo pedagógico no

qual questões como identidade e diferença, discurso e representação são convertidas em

foco preferencial.

A formação de professores frente aos alunos iluminados pela liquidez da

modernidade

A escola como um espaço social, institucionalizado, de muros permeáveis à

influência das ordens do mundo de fora, tem seus sujeitos, professores e alunos,

profundamente marcados por essa realidade que se configura como o “maravilhoso”

mundo pós-moderno. Portanto, esse trabalho pretende expor algumas reflexões sobre a

formação de professores que prepara profissionais para atuar em escolas repletas de

alunos profundamente capturadas pelas luzes dessa modernidade líquida (BAUMAM,

2007), usaremos como força argumentativa uma pesquisa sobre a formação do

Currículo Cultural junto aos professores das disciplinas específicas dos cursos de

licenciatura do IFPI, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí,

realizada entre agosto de 2012 e julho de 2013. Me refiro ao Currículo Cultural, me

apropriando do conceito que Veiga-Neto concede ao termo, como sendo um artefato

cultural, um espaço, um campo de produção e criação de significados, estendendo-o

para além dos muros da escola, permitindo a pensar no currículo das novelas, revistas de

variedades, músicas, viagens, shoppings centers, da publicidade, das corporações e

sindicatos etc.

O IFPI oferece quatro cursos de licenciatura: física, química, matemática e

biologia, os quais têm o currículo estruturado em três eixos, o das disciplinas

específicas, pedagógicas e o chamado tronco comum. As disciplinas pedagógicas e do

tronco comum, são ofertadas igualmente aos quatro cursos, seguindo o mesmo currículo

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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e, na maioria dos casos, são ministradas pelo(a) mesmo(a) professor(a), enquanto as

específicas, estão relacionadas ao conteúdo próprio de cada licenciatura e, naturalmente,

possuem programa e professor diferente. A maioria dos docentes entrevistados é

licenciada mas existe também aqueles, em número bem reduzido, que possuem

formação em bacharelado. Os sujeitos selecionados para nossa amostra fizeram

graduação na Universidade Federal ou Estadual do Piauí, todos são mestres, doutores ou

estão cursando o doutorado. O tempo de experiência docente varia entre dois e dez anos.

Antes de serem aprovados no concurso do IFPI, já haviam iniciado as

atividades docentes na rede pública estadual ou municipal, como professores do ensino

fundamental ou médio. E, agora, estão com a responsabilidade de formar novos(as)

professores(as). Utilizamos como instrumento de coleta, conversas abertas, coletivas ou

individuais e entrevistas semi estruturadas.

O questionário objetivava saber como os professores absorvem os conteúdos

das mídias, se relacionam com as redes sociais, os transformam em Currículo Cultural e

os articulam como saber docente na sala de aula. Os resultados sublinharam que, assim,

como os alunos, os(as) professores(as) também estão capturados pelos aparatos

tecnológicos e aceitam à convocação de consumo feita pela mídia. Esta conclusão tem

como base a revelação das fontes nas quais eles, os(as) professores(as), buscam as

informações, conhecimentos e entretenimentos, enfim, as experiências que constituem o

que Alfredo Veiga-Neto chama de Currículo Cultural. Começando pela literatura,

muitos informaram que somente leem livro didático e, por vezes, as revistas de notícias

semanais. Segundo eles, diante de tantas obrigações nas quais o professor se encontra

envolvido, tais como, a sala de aula, orientação de Trabalho de Conclusão de Curso, o

encaminhamento de sua pesquisa do doutorado, as atividades do PIBID- programa do

MEC de incentivo a iniciação à docência, correção dos trabalhos dos alunos etc., não

sobra muito tempo para dedicar-se a outras leituras. Reconhecem que estão em falta

com os livros e gostariam de ter mais tempo para ler “outras coisas”. Disseram que,

raramente, vão ao cinema, gostam de ir ao shopping center e quando podem, muitos dão

aula à noite, vão ao show de algum artista conhecido e preferem música popular

brasileira que definem como “aquela que está tocando no rádio”.

Sobre os programas mais assistidos na televisão, além dos telejornais,

nacionais e locais, foram citados os “campeões de audiência” como o programa

Fantástico, Domingão do Faustão, Sílvio Santos e o futebol, no caso dos homens,

exclusivamente. Quanto às novelas, quase não foram lembradas, como foi dito antes, a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3828ISSN 2177-336X

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maioria leciona nos cursos noturnos, assim, não conseguem acompanhar os folhetins da

televisão. Durante o período de férias, aqueles que vieram de outras cidades do Piauí,

viajam para seus municípios de origem, para rever amigos e encontrar familiares; no

verão, a maioria vai à praia, no litoral piauiense, ainda, que seja por um final de semana.

Quanto à participação em congressos, seminários, conferências etc., alguns

disseram que costumam ir a eventos específicos de sua área de estudo, mas não com a

frequência que gostariam, atribuem a pouca frequência à falta de incentivo da

Instituição que, quase nunca concede passagens e diárias e ainda, dificulta a justificativa

das ausências.

Ao serem estimulados a opinar sobre o currículo do curso no qual lecionam, a

maioria dos entrevistados disse que as disciplinas ditas pedagógicas como: filosofia da

educação, psicologia da educação, educação, sociedade e cultura, desenvolvimento

profissional ocupam mais espaço no curso do que deveriam, fazendo sobrar menos

tempo para as específicas, que consideram mais importante. Alguns até relutam em

reconhecer a licenciatura como um curso de formação de professores(as), preferem

tratá-lo, ainda que de maneira indireta, como um curso para formar físicos, químicos,

matemáticos ou biólogos e repassam este sentimento aos alunos, que por sua vez, se

sentem inferiorizados por estar cursando uma licenciatura e não um bacharelado.

Percebe-se, ainda, que alguns, não todos, mantém a visão do conhecimento

fragmentado na qual cada disciplina é soberana, a sua especialmente, e sozinha, será

capaz de dar conta da complexidade do cotidiano. Perdendo de vista a

interdisciplinaridade e a interdependência entre os saberes, atitude que Segundo Edgar

Morin, é imprescindível para a compreensão do todo e a formulação da crítica e da

reflexão.

O rompimento das barreiras invisíveis que foram colocadas pela tradição

escolar, que divide os conteúdos do ensino em matérias, mantidas à distância umas das

outras pelo currículo formal e pelo toque da campainha a cada cinquenta minutos,

precisa ser providenciado o quanto antes, a fim de evitarmos que os cursos de formação

de professores siga com a visão fragmentada do mundo, repassando isto aos alunos e

sedimentando a ideia de que é possível enfrentar os desafios do cotidiano com um

conhecimento único. Tratando as áreas do conhecimento como saberes isolados, não

iremos longe e o efeito poderá ser desastroso não só para a escola, mas para a sociedade

e para a vida. Passo a palavra Edgar Morin, na inspiração do que ele chama de uma

cabeça bem feita, diz:

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3829ISSN 2177-336X

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Atualmente é impossível democratizar um saber fechado e esotérico

por natureza, mas a partir daí, não seria possível conceber uma

reforma do pensamento que permitirá enfrentar o extraordinário desfio

que nos encerra na seguinte alternativa: ou sofrer o bombardeamento

de incontáveis informações que chovem sobre nós, cotidianamente,

pelos jornais, rádios, televisões; ou então, entregar-nos a doutrinas que

só retém das informações o que as confirma ou que lhes é inteligível e

refugam como erro ou ilusão o que as desmentem o que lhes é

incompreensível. É um problema que se coloca não só ao

conhecimento do mundo no dia-a-dia, mas também no conhecimento

de tudo que é humano e ao próprio conhecimento científico.

(MORIN, 2003, p.20).

Os professores também reconhecem que a mídia é um instrumento poderoso de

ensino e aprendizagem, mas não souberam sugerir como fazer para que o aluno seja

capaz de elaborar o pensamento, estruturar a crítica e aproveitar o potencial de

conhecimento e informações, tão facilmente, posto ao alcance de todos e muito menos,

como ensinar aos alunos como se defender do que a mídia pode oferecer de nefasto e

perigoso, ou seja, a formação de um pensamento único, hegemônico e obediente.

Os entrevistados demonstraram saber utilizar os instrumentos tecnológicos e

midiáticos em suas aulas, explorando o aspecto que eles têm de memorizador,

dinamizador e ilustrador de informações e dados, mas não sabem como ultrapassar esse

limite para estimular a crítica, a reflexão e nem a intensidade do pensamento, por

estarem eles(elas) próprios(as), enredados(das) no processo de reprodução cultural que

se utiliza dos discursos luminosos e sedutores da mídia e do mercado e se expressa em

um sistema de significados, gostos, atitudes e normas que vão sendo naturalizados na

sociedade pós-moderna. A questão é complexa e exige reflexão e flexibilidade nas

análises para evitarmos o risco de cair em um dos abismos mais próximos: ou nos

apossar do discurso de amor e paixão pela TV, smarts fones, tabletes, redes sociais e

afins ou apoiar-nos no discurso rancoroso do argumento único da tecnologia como

instrumento do mal. Nesse sentido, Antonio Flavio Moreira (2008), adverte que não se

pode relacionar-se com esses aparatos pós-modernos, unicamente, como instrumentos

de dominação mas como elementos de nosso presente que devem ser seriamente

encarados, para não permitir que a escola por meios dos seus agentes, os professores e

alunos, fuja do seu projeto principal que é formar indivíduos com vistas à

emancipação.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3830ISSN 2177-336X

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Para concluir

Reconhecer a repercussão das transformações sociais no ambiente escolar é

vislumbrar uma formação que prepare o professor para lidar com esses impactos na vida

do aluno que ele encontrará em sua sala de aula, como também, em sua própria atuação

profissional. Faz-se necessário interpretar o mundo em que vivemos, verificar onde se

pode avançar para não permitir que o imenso potencial de conhecimento e informação

oferecido pelos aparatos tecnológicos sirva apenas para transformar as nossas

subjetividades em uma massa anônima.

O professor há muito deixou de ser o único detentor do saber e o seu aluno por

mais jovem, dispõem de um equipamento que pode acessar todo conhecimento

produzido pela humanidade no esforço de um click. O papel do educador não é competir

com esses instrumentos, mas ir até aonde eles não conseguem chegar, fazer o que eles

não conseguem fazer: instigar o pensamento, o diálogo, enriquecer os argumentos, a

reflexão e a crítica da escola, da sociedade e da vida que se tem e que se pode melhorar,

tirando alunos e professores da zona de conforto onde reina a repetição e a passividade.

Os aparatos tecnológicos são imbatíveis no armazenamento de informações e

estão cada vez mais fáceis de serem adquiridos e transportados, mas a articulação dessas

informações para o enfrentamento dos desafios, quem faz são professores e alunos na

discussão, no debate e no diálogo de saberes e vivências travados no dia a dia. É isto

que a formação de professores deve estimular para não chegar à perspectiva que assusta

o professor Ramos do Ó (2007), que é estarmos formando professores para o XIX,

enquanto as salas de aula estão repletas de alunos completamente inseridos nas

dinâmicas e ordens do século XXI.

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NARRATIVAS DE PROFESSORES: REVELANDO A PROFISSIONALIDADE

DOCENTE E SUA CONSTRUÇÃO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E

TECNOLÓGICA

Ana Célia Furtado Orsano – IFPI

RESUMO

A Educação Profissional e Tecnológica, atualmente, aponta para um modelo de

formação profissional circunscrito a uma concepção de formação humana integral,

exigindo dos docentes, que nela atuam novas posturas e diversificadas e inovadoras

práticas pedagógicas na condução desse projeto educativo. Entretanto, historicamente,

desde a criação do Colégio das Fábricas em 1809, essa modalidade de educação tem se

constituído diante de uma perspectiva assistencialista e acessória cuja implantação

estava relacionada às necessidades emergentes da economia, que exigia a preparação de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3832ISSN 2177-336X

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mão de obra para o mercado de trabalho. Mestres oficineiros e posteriormente, técnicos

assumem a função de repassar o ofício. O exercício da docência não esteve relacionado

ao necessário investimento em formação docente e consequentemente à constituição da

profissionalidade docente O objeto desse estudo, em andamento, acerca da nossa

pesquisa de doutorado trata sobre o desenvolvimento da profissionalidade docente

construída no decorrer do exercício profissional. Analisa as políticas de formação de

professores na Educação Profissional a partir das narrativas de professores bacharéis do

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piaui-IFPI. Trata-se de um

estudo qualitativo realizado por meio de uma pesquisa de campo tendo a entrevista

narrativa como técnica de pesquisa. Fundamenta-se em Contreras (2002), Formosinho

(2009); García (1999), Nóvoa (1997), Sacristán (1985) dentre outros. Por meio de

análise de conteúdo dos depoimentos orais conclui que a educação profissional

tecnológica mantém na identidade profissional docente a construção de posturas

tecnicistas, com habilidades para o uso de novas tecnologias, mas com desafios a serem

vencidos acerca da necessária formação docente.

PALAVRAS-CHAVE: Profissionalidade, Educação Profissional e Tecnológica,

Docência

Introdução

Este estudo trata sobre o desenvolvimento da profissionalidade docente

construída no decorrer do exercício profissional, destacando aspectos que a

circunscrevem em ações de formação continuada, por meio das narrativas, envolve a

possibilidade de ouvir as vozes dos (as) interlocutores(as) do estudo e desvelar suas

experiências nesse processo de construção da profissionalidade.

Neste sentido, a pesquisa foi desenvolvida a partir da análise das narrativas

construídas de sujeitos em sua formação, tem-se a entrevista como método que

oportuniza informações para o pesquisador, que mergulha num turbilhão de histórias e

de ações, vivendo, ao mesmo tempo, sua própria história e as histórias de outros,

procurando conexões, padrões e sentidos, entre histórias relatadas, experiências vividas

e observadas. Nesse processo, o pesquisador adentra dimensões temporais, contextuais e

pessoais, ao produzir dados através dos diversos documentos da pesquisa, como as

narrativas de entrevistas orais.

Assim, diversas pesquisas confirmam a importância do uso da narrativa,

presente na história oral, sendo esta essencial ao propósito de comunicar quem somos,

como nos constituímos como profissionais, o que fazemos, que escolhas fazemos, como

sentimos, por que optamos seguir um curso de ação e não outro. Destacamos que

enquanto sujeitos somos produtores e contadores de histórias, e que a interpretação é

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3833ISSN 2177-336X

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inevitável porque narrativas dessas histórias são representações construídas e

reconstruídas, como assim refere Souza (2005).

Tendo a Educação Profissional e Tecnológica como objeto deste estudo,

delimitou-se o seguinte problema: como se desenvolve o exercício da docência na

educação profissional? Neste sentido, o objetivo deste estudo é analisar a história da

Educação Profissional no Brasil e a trajetória profissional dos professores do Instituto

Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí-IFPI, no que concerne a sua

formação docente, a partir de suas narrativas orais sobre suas histórias de vida

profissional e de formação docente. Objetiva, também, caracterizar os aspectos

presentes nas histórias orais dos professores sobre sua formação e descrever o perfil do

professor da EPT. Trata-se de um estudo qualitativo realizado por meio de uma

pesquisa de campo tendo a entrevista narrativa como técnica de pesquisa. Fundamenta-

se em Contreras (2002), Formosinho (2009); García (1999), Nóvoa (1997), Sacristan

(1985) e Souza (2005), dentre outros.

A Educação Profissional

Um olhar atento na história da educação profissional, nos possibilitou

observar que no Brasil tem se constituído, desde a criação do Colégio das Fábricas em

1809,um modelo de formação profissional mediante uma perspectiva assistencialista

cuja implantação estava relacionada às necessidades emergentes da economia, que

exigia a preparação de mão de obra para o mercado de trabalho. Com a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação - LDB, a Lei 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, o

cenário educacional foi contemplado com o estabelecimento, por esta lei, de uma

modalidade complementar: a educação profissional. (BRASIL, 2014).

A educação profissional tem como objetivos não só a formação de técnicos

de nível médio, mas a qualificação, a requalificação, a reprofissionalização para

trabalhadores com qualquer escolaridade, a atualização tecnológica permanente e a

habilitação nos níveis médio e superior. A educação profissional deve levar ao

permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva.

A profissionalidade, em nossa visão, não está apenas voltada para a vida

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produtiva, mas para a formação, para recomposição das identidades profissionais, no

contexto do trabalho, das organizações, instituições educativas, considerando o

desenvolvimento e a interdependência de saberes e interações, reconhecendo a dinâmica

desses processos que possibilitam contribuições individuais e coletivas.

Nesta perspectiva a profissionalidade não pode ser pensada, analisada fora

da compreensão de complexidade, o que implica em articulação e desenvolvimento

permanente de capacidades e competências, que exige a reconstrução dos saberes e

práticas, requerem uma formação contínua do sujeito, em seu processo educativo.

Portanto, o desenvolvimento da profissionalidade se faz a partir da interação entre

sujeitos que enquanto motivados são desafiados a refletirem criticamente suas práticas

individuais e profissionais, em busca de renovações no âmbito da valorização social

(ROLDÃO, 2001).

A educação profissional não pode ser pensada, discutida separada da prática

educativa que permeia as ações docentes e humanas desde as sociedades mais

primitivas, até os dias atuais. No Brasil,as instituições que compõem a Rede Federal de

Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPT) – os Institutos Federais,

assumem a oferta dessa modalidade educativa.

Neste contexto, ainda discutimos, indagamos, sobre como se desenvolve o

exercício da docência na educação profissional. Sendo assim, buscamos analisar a

docência do professor na educação profissional contemporânea e acerca desse

propósito, percorremos um breve olhar na legislação tendo nas narrativas dos

professores da educação profissional do IFPI referencial de sustentação da presente

pesquisa

A construção de conhecimentos sobre a educação profissional

Nesta seção lançamos um olhar na legislação sobre a educação profissional

e em seguida, por meio das narrativas trazemos os significados dessa forma de educação

na vida dos sujeitos da pesquisa, objeto desta comunicação.

Em relação às leis, observamos que a nova institucionalidade, imposta pela

Lei nº 11.892 de dezembro de 2008, que trata sobre as finalidades dos Institutos

Federais (IFs), diversifica e amplia significativamente a oferta de cursos nos diferentes

níveis e modalidades desse ensino nessas instituições, cuja missão imposta, a todas que

compõem a RFEPCT, quanto à expansão da oferta de cursos, está representada por

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desafios significativos, entre estes destacamos a heterogeneidade formativa dos

professores que compõem o quadro docente dessas instituições.

Essa característica nos leva, neste estudo a discutir aspectos que constituem

o desenvolvimento da profissionalidade docente no âmbito da Educação Profissional e

Tecnológica - EPT, enquanto elemento constituinte da profissão de professor, trazendo

a história de vida de professores.

Como contexto deste estudo situamos o Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI), instituição historicamente responsável pelo ensino

técnico, tecnológico e profissional que vem sendo impulsionada por políticas de

fortalecimento da educação profissional.

Os Institutos Federais vivenciam atualmente uma rápida expansão na sua

estrutura multicampi, dispondo, atualmente, de dezenove campi. Nesse contexto

expansionista, novos professores compõem o numeroso quadro da instituição, com

perfis de formação voltada para a área técnica. Na sua maioria, são os bacharéis que

assumem a docência na educação profissional. Esses aspectos nos levam a investigar

sobre as questões formativas implementadas pela instituição em relação à construção da

aprendizagem docente, tendo em vista que o professor é um dos agentes educativos que

concebe o projeto pedagógico da instituição, em contrapartida, entretanto, percebemos

que expressam a necessidade de buscar a capacitação na área docente.

Sobre este assunto trazemos trechos da narrativa de uma das professoras

investigadas que narra:

[...] como professora, nos cursos técnicos e superiores de uma

instituição de Educação Profissional, observamos a importância da

construção da nossa profissionalidade docente. Necessitamos de

capacitação pedagógica, capacitação na área de professor. Porque eu

tenho formação técnica, sou engenheira, que é uma área muito técnica

precisamos nos capacitar sobre que métodos de ensino devemos

utilizar para organizar nossas aulas. (PROFESSORA A – IFPI).

A instituição investigada (IFPI), nos seus mais de cem anos de atividade

oferta Educação Profissional sendo portadora de práticas educativas diversificadas. Seus

docentes apresentam experiências diferenciadas nessa instituição e tecem considerações

comparativas entre momentos anteriores e seu momento atual. Afirmativas como: “[...]

no passado a escola oferecia mais capacitação e nos apoiava mais nessa caminhada pra

ser professor, pois eu fiz foi engenharia. Hoje, os encontros pedagógicos pouco

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3836ISSN 2177-336X

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contribuem para nosso fazer em sala de aula. As políticas do governo buscam valorizar

a experiência profissional, através do -Reconhecimento de Saberes e Competências-

RSC- mas cursos de educação continuada na área da docência, eu não fiz”

(PROFESSOR B – IFPI), referendam que vimos expondo a esse respeito.

Nessa direção, as diretrizes que orientam a oferta educacional dessa

modalidade são conduzidas pelas mudanças constantes no mundo do trabalho e nas

relações sociais, constituindo-se desafios para o exercício da docência no campo da

Educação Profissional, O desafio é complexo e tem como pressuposto romper com o

modelo tecnicista de educação, que ainda domina a prática educativa dos professores

dos Institutos de educação profissional. A exemplo da consideração exposta por

Machado (2008, p . 52):

[...] o desafio da formação de professores para a EPT manifesta-se de

vários modos, principalmente quando se pensa nas novas necessidades

e demandas político-pedagógicas dirigidas a eles: mais diálogos com o

mundo do trabalho e a educação geral; práticas pedagógicas

interdisciplinares e interculturais; enlaces fortes e fecundos entre

tecnologia, ciência e cultura; processos de contextualização

abrangentes; compreensão radical do que representa tomar o trabalho

como princípio educativo; perspectiva de emancipação do educando,

porquanto sujeito de direitos e da palavra.

Assim, neste estudo tratamos de forma específica o Campus Teresina

Central que representa o cenário da realização do estudo - o lócus deste estudo. O IFPI

constitui uma instituição que integra a Rede Federal de Educação Profissional,

Científica e Tecnológica (RFEPT), cuja denominação foi recebida a partir da aprovação

da Lei nº 11.892 de dezembro de 2008, que entre outras diretrizes realizou a

diversificação, ampliou significativamente suas finalidades, ofertando cursos nos

diferentes níveis e modalidades de ensino.

A condição ora referenciada se inscreve no contexto das políticas públicas

nacionais de expansão da educação profissional, que projetaram a estrutura multicampi aos

institutos federais, que atualmente somam dezenove campi em todo o estado do Piauí. O

Campus Teresina Central- que deu origem, em 1909, a oferta de educação Profissional no

Piauí, assume um posto que o credencia como representante significativo de uma trajetória

histórica construída na oferta dessa modalidade de ensino. Hoje a instituição apresenta

quadro docente de mais de 400 professores oriundos das mais diversas áreas do

conhecimento e com diferentes perfis de formação. Portanto, a história desse campus do IFPI

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3837ISSN 2177-336X

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o caracteriza como agregador de variadas experiências profissionais docentes, presentes nos

diversos contextos de sua trajetória.

Dessa forma, as narrativas conferem significados a contextos de atuação

profissional na perspectiva dos professores, pois são eles que explicam como desenvolvem

suas práticas, e a continuidade, no sentido, de conferir significados a suas práticas se

desdobraria , de forma intencional , em mudanças de atitudes em relação a profissão

Consideramos, assim, que a forma de vínculo que o professor tem com a

instituição diferencia sua prática educativa, seu compromisso enquanto profissional, como

expressa a professora investigada, em sua narratividade:

São muitas as singularidades que marcam a oferta da EPT, nos

Institutos Federais –Ifs, normalmente os docentes são convocados a

desenvolverem suas práticas educativas em diversos itinerários

formativos. O grau de abrangência dos IFs lhes confere condições de

estabelecer itinerários de formação que nos permitem dialogar

ricamente no interior das práticas educativas e a integração dos

diferentes níveis da educação básica e do ensino superior.

No entanto, a ampliação das tarefas não nos proporciona

investimentos na profissão, poucos são os investimentos na

aprendizagem ou na formação contínua por parte da instituição que

trabalhamos e geralmente fazemos investimentos por nossa conta, por

reconhecermos que essa formação contribui para melhorarmos na

profissão, enquanto docentes que atuam na EPT.

A narradora refere em sua fala que os professores têm que atender as

demandas da instituição, mas não há propostas de cursos de forma contínua na área da

docência por parte da instituição. Expressa em sua compreensão de que os professores

reflitam sobre suas práticas e que o façam criticamente, no que concerne à sua atuação

na EPT, tendo em vista que esse desafio não é só dos docentes, mas implica na

compreensão por parte das instituições que ofertam EPT, no sentido de promoverem

condições efetivas de formação contínua que possibilitem aos professores o

estabelecimento de sua trajetória formativa de constituição da sua profissionalidade

docente concretizando-se da da necessidade de constantemente investir na formação

desses profissionais.

A análise interpretativa das narrativas produzidas pelos professores da de

EPT, no IFPI, revela os desafios a serem enfrentados pelos docentes e gestores da EPT,

que precisam ser trabalhados por meio de ações conjuntas, reflexivas críticas e,

portanto, na perspectiva transformadoras da realidade atual. (CONTRERAS, 2002). O

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entendimento é que essas ações não podem continuar marcadas pelas incertezas e pela

falta de investimentos na formação contínua dos docentes, posto que se faz necessário,

por meio de reflexão sistemática, reestruturar o processo de construção da

profissionalidade docente, – entendida também como aquilo que “é específico na ação

docente, isto é, o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e

valores que constituem a especificidade de ser professor” (SACRISTÁN,1985, p. 64).

A esse respeito há o entendimento de que o professor reconhece a esse

respeito que é no espaço pedagógico que se constrói e se expressa a

multidimensionalidade da sua ação docente, contribuindo para essa estruturação a

formação contínua, compreendendo que o processo de construção da profissionalidade

é impulsionado no contexto do espaço escolar onde o professor atua, articulando-se à

reflexão sobre e na gestão de sua aula. Essas considerações podem ser percebidas,

interpretadas na fala do professor “C”:

Na minha formação inicial foi formado para ser engenheiro não posso

negar…tive que me dedicar muito.pra ser professor.Nunca estudei

nada sobre o como ensinar, [...] A experiência inicial na docencia foi

dificil – o que me fez perceber a necessidade de continuar

aprendendo…Aprendendo, sobretudo, como ser professor e a

compreender a complexidade do processo educativo, com vista a

melhorar meu modo de ensinar e possibilitar que os meus alunos

realmente aprendessem. […] Esse início foi marcante pelas

dificuldades que eram apresentadas na escola, como ser um bom

professor… seguir exemplos dos bons professores que eu considerei, e

também muitas incertezas quanto continuar ou não na docência.

(PROFESSOR C).

Ao analisarmos o depoimento do professor, compreendemos a importância

da entrevista narrativa como técnica/metodológica de pesquisa qualitativa,

possibilitando informações que nos levam a compreende/responder as questões

propostas. É relevante que se compreenda que, a exemplo do que afirma Nóvoa (1995)

sobre esse espectro da formação do professor, que deve “[...] a formação deve estimular

uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um

pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada”. O autor

também esclarece a importância do professor reconhecer a necessidade dessa formação

contínua e acrescenta: “Estar em formação implica um investimento pessoal, um

trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, com vista à

construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional”(p. 58).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3839ISSN 2177-336X

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Assim, estão presentes nas narrativas dos professores, expressões que

demonstram os desafios, as preocupações com a forma de como melhor ensinar, como

possibilitar a aprendizagem, demonstrando que o professor no exercício de suas práticas

exerce reflexão acerca dessas questões, sem no entanto, contar com o devido apoio da

instituição, considerando que esse professor é constantemente convocado a atuar em

contextos desafiadores, como é o caso concreto da docência.

É a partir da necessidade, proveniente do cotidiano de sala de aula que os

professores investigados revelam seu compromisso com a busca de uma formação

contínua, exigência que está presente no contexto educativo em que estão inseridos,

como observamos na fala do Professor “C”:

Compreendi logo no início que a minha formação incial não fora

suficiente para o desafio que tinha nas mãos, e essa condição de

rememorar minha trajetoria formativa me leva a refletir que é

necessário constatemente pensar como eu estou me tornando um

professor, como consigo burlar os incidentes que me aparecem no

desenrolar da minha prática educativa. Procurei sozinho os recursos

que me levassem a investir na minha formação contínua. A Escola

promovia algumas palestras no início de cada semestre, mas tudo

muito vago em relação ao que eu realmente precisava para enfrentar

uma sala de aula e suas incertezas a cada ano da minha trajetoria

profissional. Fiz cursos de aperfeiçoamento voltados para o domínio

dos conteúdos da minha área de formação. E passei a pensar em como

eu estava desenvolvendo minhas aulas na perspectiva de torna-las melhores e mais significativas para meus alunos.

Com base na análise da narrativa do Professor “C”, emergem possibilidades

de conferir significados a suas práticas que se desdobraria, de forma intencional, em

mudanças de atitudes em relação a profissão. Implica, pois, em reconhecer dúvidas,

desafios e necessidades de uma formação contínua, que não é possibilitada por parte da

instituição, havendo necessidade da implantação de um projeto inovador de formação de

professores. Outra característica presente na fala refere-se à importância da narrativa

autobiográfica oral e/ou escrita, que possibilita ao professor, ao falar, narrar suas

experiências de vida enquanto docente, refletir sobre sua prática.

A partir da experiência que o professor tem de narrar sua história de vida de

professor essa ação possibilita que o professor passe por um processo de compreender

as aprendizagens que são requeridas para a docência e, que podem inserir o professor

em um contexto de mudanças, perspectivas essas presentes nas ideias de Imbernón

(2010) e em Formosinho (2009), que afirmam sobre ser a função docente uma atividade

profissional complexa que requer, entre outras demandas, uma formação contínua dos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3840ISSN 2177-336X

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professores articulada, integrada ao contexto e escolar de seu campo de atuação,

buscando atender às necessidades referentes ao ensino e aprendizagem.

Assim, é fundamental aos docentes, suprirem a necessidade de atuar

segundo as propostas de modelos de formação, com base apenas em uma orientação

acadêmica, que conforme Garcia (1999), é o modelo predominante de formação na

EPT, em que o papel do professor como especialista em uma área disciplinar, é o

domínio do conteúdo.

Portanto, cabe às instituições desenvolver projetos que ultrapassem uma

formação que consiste apenas no processo de “[…] transmissão de conhecimentos

científicos e culturais de modo a dotar os professores de uma formação especializada,

centrada principalmente no domínio dos conceitos e estrutura disciplinar da matéria em

que é especialista” (GARCÍA, 1999, p.33). Mudanças tem se efetivado nesse cenário,

mas também muito ainda tem que ser realizado para que se mude esta realidade, e que

essas ações de mudanças sejam institucionalizadas e não venham apenas do esforço

individual do professor, mas de ações conjuntas, integradas entre instituições

competentes e os profissionais na construção de sua profissionalidade.

.

Considerações conclusivas

Historicamente vem sendo desenvolvido um modelo de formação na EPT

que valoriza conhecimentos especializados, centrados principalmente no domínio dos

conteúdos, conceitos e a manutenção de uma estrutura disciplinar voltada para área

específica de conhecimento, sem a preocupação com a multidimenssionalidade da

atuação docente, e consequentemente da sua formação profissional , enquanto docente.

Neste sentido, as narrativas relatam que a formação desses professores está

pautada em um modelo tecnicista, sem uma devida correspondência por parte das

instituições formadoras, neste caso das instituições de EPT, para um importante

investimento na área de formação docente, sem negligenciar as questões técnicas,

científicas, bem como a valorização pedagógica.

Diante dessa realidade, a perspectiva é que busquemos a compreensão de

que para termos pessoas enquanto cidadão de uma sociedade ativa, participativa,

democrática e em constante desenvolvimento faz-se necessário refletir sobre o contexto

da formação dos professores formadores, não ficando somente na reflexão crítica, mas

se estendendo para o agir, no sentido de promover investimentos em projetos para a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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formação contínua dos professores, seu fazer docente e constantes reflexões críticas

sobre sua utilização. .

Assim, respondendo à questão de como se desenvolve o exercício da

docência na educação profissional, a partir da narrativa de cada sujeito investigado,

temos em comum que os professores trabalham de forma individualizada, em seu

cotidiano e, a rigor se deparam com desafios inerentes ao contexto educativo que os

levam a refletir sobre suas necessidades e despertando em alguns a necessidade de

buscarem uma formação contínua, com seus próprios esforços, sem uma merecida

orientação, fomentação e investimento por parte da instituição em que trabalham.

Neste sentido, as narrativas desses professores revelam seus principais

desafios em que a necessidade de uma formação docente se destaca, sendo para eles

muito difícil ser professor na EPT, tendo em vista que a formação inicial não lhes

conferem o necessário preparo para a docência, de modo que, conforme narram, buscar

essa formação sem um apoio da instituição, a partir das reflexões que surgem na

atividade do cotidiano em sala de aula.

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