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REVISTA REDAÇÃO PROFESSOR: Lucas Rocha DISCIPLINA: Redação DATA: 31/08/2014 ————————————————————————————————————————————— 1 35

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Page 1: PROFESSOR: Lucas Rocha DISCIPLINA: Redação …...dos eleitores – pouco mais de 45 milhões de pessoas – é formado por jovens entre 16 e 33 anos. Para entender melhor a Para

REVISTA REDAÇÃO

PROFESSOR: Lucas Rocha

DISCIPLINA: Redação

DATA: 31/08/2014

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O que os jovens pensam sobre a política (ALAN RODRIGUES)

Pesquisa Data Popular revela que a juventude brasileira é mais informada que seus pais e tem peso decisivo na eleição

NAS ELEIÇÕES de 5 de outubro, mais de 140 milhões de brasileiros estarão aptos a votar. Nesse universo, um terço dos eleitores – pouco mais de 45 milhões de pessoas – é formado por jovens entre 16 e 33 anos. Para entender melhor a cabeça política da juventude brasileira, quais suas demandas e de que maneira ela pode influenciar na corrida eleitoral, ISTOÉ destrinchou uma pesquisa realizada pelo Instituto Data Popular com 3.500 jovens do País. O levantamento revela, entre outros dados interessantes, que essa turma, por ser mais informada do que seus pais e levar dinheiro para dentro de casa, contribuindo para o aumento da renda, forma opinião, influencia no voto da família e pode até decidir a eleição. A pesquisa não questiona em quem eles votariam. Mas mais de 50% deles se encontram entre os eleitores indecisos ou que pretendem anular o voto. O discurso, porém, carrega um viés de oposição. Como na maioria da população brasileira, o desejo de mudança está impregnado em 63% deles, que acreditam que o Brasil não está no rumo certo. Apesar disso, 72% desses brasileiros que têm entre 16 e 33 anos consideram ter melhorado de vida. Mas a juventude indica querer mais. ―Eles querem serviços públicos de mais qualidade, maior conectividade, acessos livres a banda larga e a tecnologia de ponta. E não abrem mão da manutenção do poder de compra‖, afirma o autor do estudo, o publicitário Renato Meirelles, presidente do Data Popular.

O levantamento embute outros recados importantes à classe política. Ao mesmo tempo que 92% acreditam na própria capacidade de mudar o mundo, 70% botam fé de que o voto possa transformar o País e 80% reconhecem o papel determinante da política no cotidiano brasileiro, fatia expressiva dos jovens do Brasil (59%) acredita que o País estaria melhor se não houvesse partido político. Para os jovens, as agremiações partidárias e os governantes não falam a linguagem deles. ―Os políticos são analógicos e a juventude digital‖, atesta Renato Meirelles. Observador atento do cenário político e um dos maiores especialistas sobre o comportamento da juventude brasileira, Meirelles foi quem criou o verbete ―Geração D‖ – de digital, numa alusão à juventude conectada.

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BEM-ESTAR - Sâmia Vilela (acima), filha de uma cobradora de ônibus, hoje estuda marketing e é uma empreendedora. Júlio Fernandes (abaixo) faz pós-graduação para gerir melhor os negócios da família

Nascidos totalmente integrados à tecnologia digital, sob os ventos favoráveis da estabilidade econômica, da democracia e com menos privações que a geração anterior, esses jovens foram os grandes protagonistas das manifestações de junho de 2013, quando milhões de pessoas de todo o País foram às ruas para cobrar mudanças na política brasileira. De lá para cá, a onda de indignação, revolta e envolvimento dos jovens na vida política só cresceu. Chamados a dialogar, eles foram instados a ter opiniões. Não existe aí uma novidade. Os jovens sempre tiveram opiniões. Muitas opiniões, diga-se. A diferença crucial agora é que o que eles dizem tem muito mais peso. Eles são ouvidos e exercem influência sobre a família. ―Hoje, as decisões familiares são

totalmente compartilhadas. Inclusive as decisões políticas‖, afirma a estudante Sâmia Vilela, 27 anos. A história de vida de Sâmia iguala-se à de milhões de jovens brasileiros que na última década deixaram para trás a pobreza, conseguiram estudar e abriram seu próprio negócio.

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Filha de uma cobradora de ônibus, que nas horas vagas ainda arrumava tempo para fazer salgados para vender nas ruas de São Paulo, ela foi criada na favela, ficou anos longe do banco escolar, mas hoje estuda marketing e tornou-se uma pequena empreendedora. Criou um blog sobre como organizar festas de casamento com pouco dinheiro, o Casamento sem Grana. ―Hoje, minha página soma 3,5 milhões de pageviews e 40 mil usuários únicos no mês‖, comemora. O caso bem-sucedido de Sâmia dá vida a números da pesquisa do Data Popular segundo os quais 85% dos jovens acreditam que só é possível progredir na vida com muito trabalho. ―A internet ampliou o repertório, as redes de relacionamento e as possibilidades de ascensão social dessa geração‖, afirma Meirelles. Não apenas isso.

A internet e as redes sociais viraram palco dos novos debates políticos – a maior parte deles travada por jovens. O que rola na rede é disseminado em casa por meio da juventude conectada. Se surge uma informação nova sobre determinado candidato, o assunto logo vira tema de discussão no seio familiar durante cafés da manhã, almoços e jantares, momentos em que normalmente todos estão reunidos em torno da mesa. ―Hoje, sou muito mais escutado em casa, ainda mais quando o assunto é política‖, diz Júlio Espósito Fernandes, 25 anos. Estudante de pós-graduação, ele trabalha nas empresas da família. ―Cresci ouvindo meu pai dizendo: vote nesse candidato. Ele rouba, mas faz. Hoje, não aceito essa história‖, conclui. ―Não há como discutir o processo eleitoral sem falar dos jovens – que estão olhando para a frente, não para trás‖, diz o autor da pesquisa. Numa direção oposta a 59% dos jovens que afirmaram que o Brasil estaria melhor se não tivesse nenhum partido político, a produtora de audiovisual Mary Miloch, 23 anos, acredita que o aperfeiçoamento da democracia passa pelo fortalecimento das organizações partidárias.

―Não consigo imaginar a política sem partidos‖, diz Mary. O problema, segundo ela, é que ―algumas legendas têm dificuldade em dialogar com os jovens‖. Primeira da família a fazer um curso de nível superior, Mary é estudante de rádio e televisão e cursa universidade com o auxílio de uma bolsa integral do Prouni. Apaixonada pela política, ela esteve nas ruas durante as jornadas de junho do ano passado e integra o grupo de jovens que acreditam na importância do voto para a mudança dos rumos do País. ―Eu não só sei, como tenho certeza da nossa capacidade transformadora‖, afirma.

MIGRANTE - Vivian Silva, beneficiada pelos programas sociais e pelo aumento na oferta de empregos e renda, dita

o rumo na família

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Ao menos em casa, a juventude já ajuda a transformar a vida de seus pais, contribuindo no orçamento doméstico. Hoje, de cada R$ 100 que um pai da classe alta injeta na economia do lar, o filho jovem coloca R$ 57. Na classe C, também a cada R$ 100, o filho investe R$ 96. O fato de os jovens participarem ativamente no orçamento familiar deu a eles a condição de ser um dos interlocutores da família. Aos 29 anos, a operadora de telemarketing Vivian Silva mora na cidade de Guarulhos, região metropolitana de São Paulo, com a mãe, os dois filhos e o marido. Migrante nordestina, Vivian desembarcou na capital paulista em busca de trabalho há três anos. Chegou praticamente só com a roupa no corpo. Dependente dos programas sociais do governo como o Bolsa Família, ela conseguiu trabalho, comprou seu imóvel através do programa Minha Casa Minha Vida e hoje cursa universidade. Ela faz parte dos 92% dos jovens brasileiros que acreditam na capacidade da juventude de mudar o mundo. ―Como nos consultam para adquirir ou pesquisar sobre um determinado produto, a família também nos procura para saber de política, economia e outras notícias‖, garante Vivian.

EU QUERO MAIS - Depois do passado difícil, Verônica Gonçalves faz coro com os que acham que precisa de mudanças

Esse apoderamento dos jovens é explicado, segundo Meirelles, por diversos fatores. Além de ter mais acesso à informação (93% dos jovens são conectados), a juventude digital é muito mais escolarizada que os pais. Quando o recorte da pesquisa trata da educação nos lares brasileiros, salta aos olhos a evolução educacional dos filhos da classe C (54% dos brasileiros). Nesse estrato da sociedade, sete em cada dez jovens estudaram mais que seus pais. É o caso da garçonete Verônica Gonçalves, 30 anos. A mãe era analfabeta até os 30 anos, quando ficou viúva, e foi obrigada a estudar. Diante das necessidades alimentares dos filhos, ela aprendeu a ler. Agora, trabalha e divide com os três filhos as despesas da casa. ―Hoje, lá em casa, somos todos internautas e dividimos tudo. Principalmente, as decisões de compra‖, diz ela. Indecisa eleitoralmente, apesar das mudanças na vida na última década, Verônica está atenta aos programas eleitorais para definir seu voto. ―Precisamos melhorar um pouco mais‖, diz ela, que pretende estudar gastronomia no próximo ano.

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ATUAÇÃO POLÍTICA - Mary Miloch, assim como milhões de brasileiros, participou dos protestos de junho de 2013 e acredita que seu voto pode fazer a diferença nas eleições de outubro

Neste mundo de interatividade, a enorme capacidade da juventude de assimilar as transformações tecnológicas interfere em como esses jovens agem, pensam e levam o seu ritmo de vida. Ao contrário do que muita gente possa pensar, o estudo do Data Popular mostra que os jovens querem um Estado forte, com a eficiência do setor privado e que ofereça serviço público gratuito de qualidade. ―Essa juventude quebra a lógica política tradicional, ideológica‖, explica Meirelles. ―Principalmente porque os jovens dessa geração utilizam-se de uma régua muito mais rigorosa para medir a qualidade do serviço público do que os pais‖, explica Meirelles.

ESTADO FORTE - Líder dos rolezinhos, Vinícius André do Prado acha que, além de médicos, os jovens precisam de professores e de mais segurança, até no ambiente virtual

Do ponto de vista comportamental, os jovens da geração D são ambiciosos, impulsivos e ousados. Contestadores, eles não querem saber de censura. Impactados pelo sucesso dos programas de distribuição de renda, redução da pobreza e pleno emprego, eles, agora, querem muito mais dos políticos. Na pesquisa do Data Popular, a segurança aparece em primeiro lugar entre os problemas que mais preocupam os jovens, seguido por políticas públicas para a juventude e a inflação do cotidiano. O jovem Vinícius André do Prado, 18 anos, é um dos jovens da periferia que cobram das autoridades uma maior presença do Estado no cotidiano das comunidades, principalmente na questão da segurança. Um dos líderes dos chamados ―rolezinhos‖, Vinícius diz que a quantidade de brigas nas baladas e em eventos frequentados pelos jovens da periferia está afastando o público jovem do lazer. ―A falta de segurança é o nosso principal problema. Rolam muitas brigas nas

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baladas‖, queixa-se. ―O pessoal fica falando da ausência de médico na periferia, mas faltam professores, bolsas de estudo e publicidade para informar a gente sobre os projetos‖, critica Vinícius. Para ele, os governos utilizam-se de ferramentas comunicacionais atrasadas, como o rádio, para anunciar projetos. ―Será que alguém nas zonas urbanas ainda ouve rádio?‖, questiona. O governo, segundo o líder dos rolezinhos, pensa o País com a cabeça voltada para o passado. E eles só querem saber do futuro. Os rebeldes de outrora, hoje conectados e formadores de opinião em casa, não deixam de ter muita razão.

“Os políticos não falam a língua dos jovens”

ISTOÉ – Muitos analistas apostam que essas serão as eleições da mudança. O sr. concorda com isso?

Renato Meirelles – As pesquisas mostram que as pessoas querem um Brasil diferente do que está hoje, mas com uma garantia efetiva de que as conquistas dos últimos anos não sejam perdidas. O eleitor está insatisfeito com a situação do País da porta de casa para fora, já que do lado de dentro as pessoas sabem que as coisas melhoraram muito. Essa será uma eleição de futuro e não de passado.

ISTOÉ – Isso explica, por exemplo, o fato de os candidatos defenderem os programas sociais do governo e concentrarem as críticas em economia e gestão pública?

Meirelles – Economistas não entendem de gente de carne e osso. De nada vale discutir o passado. Só um terço dos eleitores tem condições maduras de comparar os governos FHC e Lula. O eleitor não quer mais discutir cesta básica, ele quer banda larga. Ele não quer dentadura, mas o Bolsa Família 2.0. ISTOÉ –O que é Bolsa Família 2.0?

Meirelles – Essa juventude quer maior conectividade, acessos livres a banda larga e a tecnologia de ponta. Eles representam 33% do eleitorado e 85% deles são internautas.

ISTOÉ – Mas problemas econômicos, como a alta da inflação e a falta de crescimento do PIB, não pautam o voto?

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Meirelles – A maior parte dos eleitores é da classe C e eles não entram e nem querem saber sobre essa conversa de pibinho, taxa Selic e tripé macroeconômico. Eles querem saber sobre o preço do tomate, do emprego e da diminuição dos juros no crediário e nos juros do cheque especial. ISTOÉ – Quais são os desejos e necessidades desses eleitores?

Meirelles – Eles querem saber quem vai garantir a creche para as mulheres que foram para o mercado de trabalho. Querem serviços públicos de mais qualidade e não abrem mão da manutenção do poder de compra.

ISTOÉ – Quem são os jovens dessa geração digital?

Meirelles – São jovens de 18 a 33 anos, uma mistura das gerações Y e X (nascidos entre 1980 e hoje) e predominantemente de classe C. Gastam R$ 200 bilhões por ano. De cada R$ 100 que um pai da classe alta injeta na economia do lar, o filho jovem coloca R$ 57. Na classe C, o filho coloca R$ 96. É por isso que os filhos influenciam mais a economia doméstica. Além disso, eles são mais escolarizados que os pais e mais conectados.

ISTOÉ – Qual será a importância deles nas eleições de outubro?

Meirelles – Como os jovens decidem mais sobre as coisas dentro de casa, eles são os novos formadores de opinião. Isso vale tanto para a compra de um produto quanto para a decisão do voto familiar. Não há como discutir o processo eleitoral sem falar da juventude. Os jovens olham para a frente; são eles que vão ajudar a decidir as eleições este ano.

ISTOÉ – As pesquisas mostram em qual candidatura eles estão apostando as fichas?

Meirelles – É muito cedo para falar em definições, mas certamente a entrada da candidata Marina Silva modificou o quadro eleitoral. A ex-senadora, ao que tudo indica, consegue angariar o voto jovem, que soma boa parte dos descontentes com a política que saíram às ruas em junho do ano passado.

ISTOÉ – O que as manifestações de junho de 2013 deixaram de legado?

Meirelles – Que os jovens não aceitam mais uma classe política que não os representa. Eles querem ser protagonistas da própria história. Essa geração não aceita hierarquias, censura e tampouco tentativas de silenciá-los.

ISTOÉ – Os jovens estão mais insatisfeitos?

Meirelles – Por serem mais escolarizados e conectados que os pais, eles são mais críticos com a real situação do País. Eles não enxergam na classe política a solução para um futuro melhor. ISTOÉ – Isso explica por que a maioria dos jovens está indecisa ou pretende anular o voto?

Meirelles – Os políticos não sabem levar a pauta política para o cotidiano dos jovens. Eles não falam a linguagem desse eleitorado. Os políticos são analógicos e os jovens são digitais. Eles têm uma mentalidade velha que avalia políticas públicas pela lógica da oferta e não pela demanda. Ou seja, é mais importante o que os estudiosos afirmam que é bom para as pessoas, do que o que o povo sabe que é importante para elas.

ALAN RODRIGUES é Jornalista e escreve para esta publicação. Revista ISTO É, Agosto de 2014.

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Será o fim do tabu da monogamia? (CAMILA BRANDALISE e PAULA ROCHA)

O crescimento do número de casas de swing, de adeptos do poliamor e de casais que optam pelo relacionamento

aberto coloca em xeque a exclusividade afetiva e sexual, o último dogma das relações conjugais

FORAM quase 15 anos de casamento até que a funcionária pública E., de 36 anos, e o marido M., 35, de Curitiba (PR), passassem pela primeira crise conjugal. Após traições mútuas virem à tona, o casal resolveu se separar. No entanto, infelizes com a distância, eles reataram, mas começaram a pensar em possibilidades para continuarem juntos e mais satisfeitos. ―Foi quando decidimos tentar o swing. Faz cerca de dez meses que saímos com outros casais e vamos a casas especializadas‖, diz E., que é mãe de dois adolescentes. Embora ainda seja difícil assumi-la abertamente, a solução encontrada pelos curitibanos de trocar de forma consensual os parceiros sexuais tem se tornado cada vez mais comum. Em janeiro de 2015, um cruzeiro temático promete reunir cerca de 400 casais adeptos do swing e já está com todos os pacotes vendidos. O número de casas noturnas especializadas nessa prática também aumentou muito nos últimos anos, assim como cresceu o debate sobre relacionamentos abertos e a multiplicidade de parceiros, colocando em xeque o último tabu das relações conjugais: a monogamia.

POLIAMOR - Sharlenn (centro) namora Mário (à esq.) e Rafael (à dir.). Para poliamoristas, é natural se envolver

com mais de uma pessoa ao mesmo tempo

A exclusividade afetiva e sexual é o único dos três pilares ainda inabaláveis do casamento. Os outros dois, o caráter indissolúvel do matrimônio e a heterossexualidade, já caíram por terra, derrubados pela possibilidade do divórcio e o reconhecimento legal das uniões homoafetivas. A monogamia, no entanto, continua sendo considerada a única opção possível

para grande parte dos casais. ―Vivemos esse padrão há milênios, mas sabemos que, na prática, ele pode não funcionar‖, afirma a antropóloga e jornalista Maria Silvério, autora do livro ―Swing – Eu, Tu... Eles‖ (Chiado Editora). Apesar de ainda serem vistas com receio, as relações não monogâmicas vêm se tornando uma alternativa para aqueles insatisfeitos em seguir o modelo vigente. Segundo uma pesquisa publicada neste ano no periódico ―Journal of Social and Personal Relationships‖, 4% a 5% dos americanos se consideram em um relacionamento não monogâmico consensual, embora a maioria prefira esconder a opção. ―Essas outras formas de amar não significam que a família vai acabar, tampouco o casamento entre dois indivíduos, mas é importante notar que há uma crise no modelo padrão e que há alternativas‖, diz Maria.

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Se para alguns o desejo extraconjugal se limita ao sexo, para outros a necessidade é também emocional. Entre as alternativas à monogamia, a menos difundida é o poliamor. Essa forma de se relacionar admite a possibilidade de se ter duas ou mais relações afetivas e sexuais ao mesmo tempo. Não há dados que contabilizem o número de brasileiros em relacionamentos desse tipo, mas o interesse pelo tema tem crescido e já há até grupos que se encontram regularmente para discutir esse estilo de vida. Um desses, o Pratique Poliamor Rio de Janeiro, foi criado pelo professor de história Rafael Machado, 27 anos. Filho de pai militar, ele cresceu acreditando que a monogamia era a única alternativa.

―Até os 17 anos eu tinha uma postura bem moralista, resultado da minha criação. Mas, quando conheci o poliamor, entendi que é natural amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo‖, diz. Em um dos poliencontros, Machado conheceu a também professora Sharlenn de Carvalho, 31 anos. Depois de viver um casamento monogâmico por nove anos, ela buscava alternativas. O namoro com Machado começou com a concordância do ex-marido de Sharlenn, na época casada. ―A princípio ele achou a ideia interessante, mas depois pediu prioridade e, então, eu resolvi terminar‖, diz a carioca. Hoje, ela tem outros dois namorados: o autônomo Mário Silva, 31 anos, amigo do casal, e um rapaz de Belo Horizonte que pediu para não ser identificado. Foi Machado, inclusive, quem apresentou Silva à parceira. ―Ter de podar o seu desejo e o desejo do outro é uma violência‖, afirma Sharlenn.

PRAZER - Casados há 15 anos, E. e M. são praticantes de swing e frequentam casas do ramo há quase um ano

Diferentemente do poliamor, em que todas as uniões têm a mesma importância, o relacionamento aberto é outra opção no leque das relações não monogâmicas e se caracteriza por ter o núcleo de um casal em que ambos saem com outras pessoas. O professor Victor Zellmeister, 27 anos, e a estudante de publicidade Débora Nisenbaum, 22 anos, concordaram em abrir o relacionamento um ano após começarem a namorar e estão juntos há três.

―Passamos por várias regras. Em um determinado momento percebemos que as relações humanas não seguem cartilhas, então abolimos tudo. Nossa política passou a ser conversar sempre e encontrar as linhas de conforto de cada um‖, diz Débora. Tanto para o relacionamento aberto quanto para swing e poliamor, quem está do lado de fora normalmente se pergunta: e o ciúme? Adeptos desses tipos de relacionamento dizem que o sentimento é superestimado e ligado apenas à insegurança. Por isso, é possível superá-lo. Mas depende de cada um. Para a antropóloga Mirian Goldenberg, autora do livro ―Por que Homens e Mulheres Traem?‖ (editora BestBolso), as relações não exclusivistas continuarão sendo um desafio. ―Conciliar liberdade e segurança é o mundo ideal, mas quem consegue fazer isso? A maioria sofre‖, diz.

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Assim como uma infinidade de temas ligados à liberdade sexual, o swing gera ao mesmo tempo curiosidade e preconceito. Se por um lado o casal de ―swingers‖ não topou revelar suas identidades, por outro eles contaram suas histórias com a animação de quem sabe que vai ter uma audiência interessada em conhecer suas experiências. A visita a uma casa de swing, por si só, é suficiente para atrair a atenção. A reportagem conheceu duas delas na cidade de São Paulo e constatou que é um negócio muito bem organizado.

Na pista de dança, o clima é de paquera, com um pouco mais de sensualidade e ímpeto do que em uma casa noturna tradicional, visto que o propósito de todos ali está bem claro. Dali, os casais vão para o labirinto, outro espaço onde há ambientes para cada tipo de aventura. Há salas totalmente fechadas, outras equipadas com estratégicos buracos, por onde se pode espiar e inclusive tocar outros casais, bisbilhotar por treliças de madeira, puxar cortinas ou então ficar em volta de uma das camas no meio dos corredores. Salas de cinema, cadeiras, poltronas... Tudo é lugar para tentar uma investida. Se alguém forçar, é expulso. ―O lema geral é: ‗onde tudo é permitido e nada é obrigatório‘‖, diz Maria Silvério.

Desafiadoras para alguns, opções de vida para outros, as relações não monogâmicas devem angariar cada vez mais adeptos, o que não significa o fim da monogamia, mas apenas um melhor entendimento dessas alternativas. ―Os relacionamentos com múltiplos parceiros sempre existiram, mas hoje é mais admissível discuti-los‖, afirma o psicoterapeuta Ailton Amélio, da Universidade de São Paulo (USP). ―Entretanto, por nos proporcionar um senso de estabilidade e segurança, a monogamia continuará sendo escolhida pela maioria das pessoas‖, diz. Para a psicanalista Regina Navarro Lins, autora de ―O Livro do Amor‖ (editora BestSeller), a tendência é não haver mais um modelo padrão para os relacionamentos. ―Acredito que, no futuro, se uma pessoa quiser ficar 40 anos casada, tudo bem. Se outra quiser morar com três parceiros, tudo bem também‖, diz. Se o amor for de fato uma construção social, vivemos tempos em que a sociedade já está se encarregando de criar outras formas de vivê-lo.

Segundo uma pesquisa publicada neste ano no “Journal of Social and Personal Relationships”,4% a 5% dos americanos se consideram em um relacionamento não monogâmico consensual

CAMILA BRANDALISE e PAULA ROCHA são Jornalistas e escrevem periodicamente para esta publicação. Revista ISTO É,

Agosto de 2014.

O país e o armário (GREGÓRIO DUVIVIER)

"TODO ANO, um milhão de mulheres fazem aborto na França. Eu sou uma dessas mulheres. Eu abortei." O manifesto foi assinado por 343 mulheres e publicado no Nouvel Observateur, em 1971.

O Estado francês tinha duas opções: prender essas mulheres ou reconhecer que elas não fizeram nada de errado. O Estado não prenderia 343 mulheres. Ou melhor: não essas mulheres. Dentre as assinaturas, estavam as de Ariane Mnouchkine, Catherine Deneuve, Jeanne Moreau, Marguerite Duras. A redatora do manifesto era ninguém menos que Simone de Beauvoir. Não prenderam ninguém.

A esse manifesto, seguiram-se outros: 331 médicos assumiram-se a favor da causa. Na Alemanha, mais 374 mulheres assinaram um manifesto em que diziam: Wir haben abgetrieben. Nós abortamos. Entre as mulheres, Romy Schneider e Senta Berger. Em 1975 o aborto deixa de ser crime na França e passa a ser chamado de "interrupção voluntária de gravidez". A interrupção passa a ser "livre e gratuita" até a décima semana de gestação.

Estamos muito longe dessa lei por aqui. Nenhum dos candidatos a presidente parece interessado em discuti-la. Tampouco a classe artística está interessada em sair do armário nesse assunto. O Brasil vai na direção oposta. É constrangedor ver todos os principais candidatos se estapeando pelo eleitorado conservador. Não se trata de propor mudanças, trata-se de vender apego à tradição. "Você me conhece, sabe que eu sou o que mais acredita em Deus, o que mais passou longe de dar a bunda, de cheirar pó, olhem só como a minha é filha virgem, olhem só como o meu filho é hétero." Todos estão desesperados pelo voto conservador. Estranhamente, ninguém está nem aí pro voto aborteiro.

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Se as eleições, como anuncia o plantão da Globo, são a festa da democracia, essa festa, Dona Globo, está meio caída -- ou fui eu que bebi pouco. Na minha opinião, tem pastor demais e maconha de menos. A maioria dos candidatos não fede nem cheira - a não ser um deles, que cheira. Um amigo gay outro dia disse que "levantar bandeira é cafona e quem sai do armário é porque quer atenção". Amigo, tudo bem, ninguém é obrigado a sair do armário. Mas você não precisa trancar a porta por dentro.

Sair do armário não é um ato exibicionista. Levantar bandeira também não. O manifesto das 343 vagabundas, como ficou conhecido, não permitiu às manifestantes que elas fizessem um aborto. Elas já o tinham feito. Permitiu às suas filhas e netas. Ateus, maconheiros, vagabundas, pederastas, sapatões e travestis do mundo: uni-vos. Porque o lado de lá tá bem juntinho.

GREGÓRIO DUVIVIER é ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos. Jornal FOLHA DE

SÃO PAULO, Agosto de 2014.

Por que a religião não é saída? (LUIZ FELIPE PONDÉ)

POR QUE a religião não é mais uma saída? Afirmei há algumas semanas nesta coluna ("O Impasse Conservador", de 11 de agosto) que a religião não era mais saída. Muitos leitores me perguntaram o que eu queria dizer com isso. No contexto do pensamento conservador é muito comum associar tradições religiosas à defesa do hábito como instrumento contra os excessos do "racionalismo político" herdeiro da Revolução Francesa e sua "engenharia social".

Muitos conservadores (mas, evidentemente, não todos) são religiosos ou defendem uma adesão religiosa de alguma forma. Entendem que a vida pautada por alguma tradição religiosa responde a uma necessidade profunda do ser humano e que, portanto, o anticlericalismo iluminista francês atrapalha o homem quando o faz pensar que a religião seria atraso de vida ou coisa de gente estúpida ou ignorante.

Voltaire, por exemplo, típico iluminista do século 18 francês, via a religião como uma superstição das trevas. A crítica de Voltaire se aplicaria bem ao caso do Estado Islâmico no Iraque e seus horrores como cortar cabeças e clitóris. Sei que muitas pessoas inteligentes são religiosas e que não se pode afirmar definitivamente nada sobre a existência de figuras como o Deus israelita, que o cristianismo abraçou na figura de Cristo. Vejo muitas das tradições religiosas do mundo como grandes exemplos de sabedoria. Nem tudo é o Estado Islâmico em religião.

Como dizia Chesterton, autor inglês do início do século 20, não há problema em deixar de acreditar em Deus; o problema é que normalmente passa-se a acreditar em qualquer bobagem como história, política, ciência, ou, pior, em si mesmo, como forma de salvação. Eu acho que não há salvação para o homem. Existe também a literatura mística que descreve experiências diretas de Deus e que é marcada por grandes transformações na vida dessas pessoas, muitas vezes de modo enriquecedor. Sou um leitor apaixonado dessa tradição.

Mas, então, por que digo que a religião não é saída? Antes de tudo para mim, pessoalmente. Não nasci com o órgão da fé, como dizia o filósofo Cioran no século 20. Mas, de modo mais amplo, entendo que as religiões no mundo contemporâneo ou se acomodam aos ditames da sociedade de mercado e viram mais ou menos produtos dela (e acabam ficando meio inócuas), ou entram em choque com o mundo contemporâneo e caem na tentação fundamentalista.

Existem tipos de religião. Um deles é a "nova era", forma de espiritualidade ao portador, com alto poder de consumo e baixíssimo comprometimento, do tipo "budismo light". Vai bem com vinho branco no calor. Também há o tipo de religião nas redes sociais - vai bem com Coca Zero. Outro é a adesão "dura", que muitos chamam de fundamentalismos. Podem ter viés político, como no Oriente Médio, ou os católicos comunistas da América Latina (que reclamam do capitalismo e viram MST), ou moral, como no caso dos evangélicos. Ou mesmo os católicos "praticantes".

Há também os sensíveis e cultos, que podem deixar qualquer ateu chocado com como são mais inteligentes do que os ateus militantes (um tipo basicamente chato). Há também os que creem em "transes", do kardecismo doutrinário, meio sem graça, aos cultos afro-brasileiros, mais interessantes e "coloridos". Claro, há também os conversos às religiões orientais, que, na maioria das vezes, têm baixo comprometimento ou viram monges de adesão "dura". Há também os que entendem que as religiões falam todas a mesma coisa: amor, generosidade, compreensão. A ideia é boa, mas não é verdade. Na prática, as religiões não falam a mesma coisa. Por exemplo, um judeu e um cristão podem concordar sobre como a guerra é ruim, mas é melhor que não discutam sobre se Jesus é ou não o messias.

No mundo contemporâneo, uma religião, para ser bem-comportada, tem que se submeter à lógica do Estado democrático laico, como diria John Stuart Mill no início do século 19. Por isso, deve "baixar a bola" e entrar na competição do "mercado de sentido da vida" e jamais questionar a sociedade laica. Se o fizer, cai na tentação fundamentalista. Um beco sem saída;

LUIZ FELIPE PONDÉ é filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de

vários títulos, entre eles, 'Contra um mundo melhor' (Ed. LeYa). Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Agosto de 2014.

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Como conversar com os filhos? (ROSELY SAYÃO)

PAIS precisam dialogar com filhos. Dessa afirmação ninguém duvida. É pelo diálogo que os pais ensinam aos filhos as coisas da vida, que os conhecem de perto, sabem das suas opiniões e expressam com clareza os seus valores. É o diálogo o catalisador dos vínculos entre pais e filhos.

Mas, o que é diálogo, e como entabular conversas com os filhos, sempre arredios? Mães e pais enfrentam respostas monossilábicas dos filhos quando tentam iniciar uma conversa. Invariavelmente, para a pergunta: "Filho, como foi a escola hoje?", a resposta é "Bem.", "Legal." ou "Normal.". Crianças e adolescentes não gostam de prestar contas de suas vidas aos pais, principalmente dos raros momentos em que estão longe das vistas deles. Ir para a escola é um descanso da família!

Da mesma forma, o trabalho, para o adulto, também funciona como uma folga da família. Outro empecilho são as perguntas que os pais fazem sobre o que se passa com os filhos, perguntas essas que, muitas vezes, não ajudam os filhos a verbalizar o que pensam ou sentem. "Filho, o que está acontecendo com você?" ou "Filha, o que você tem passado para estar tão triste?" são perguntas interessadas dos pais, mas que em geral não contribuem para que os filhos exteriorizem seus pensamentos, sentimentos e angústias. O que fazer para alcançar os tais diálogos? Alguns princípios ajudam: respeitar a privacidade deles - filhos têm direito a ter segredos! -, não confundir diálogo com persuasão e considerar com seriedade o que eles falam são alguns deles. Além disso, o que costuma ajudar é o fato de os pais contarem com um mediador para essas conversas. Um terceiro elemento permite que os diálogos entre pais e filhos não assumam a forma de uma discussão da relação entre eles.

Cinema em casa: essa foi a estratégia adotada por uma família com filhos de idades bem diferentes. Os pais determinaram que, uma vez na semana, a família se reúne para assistir a um filme juntos. Antes, durante e depois do filme, a família dialoga: "A qual filme assistir, e por quê?", "O que esse filme tem a ver com a vida que levamos em nossa sociedade?", "Qual a opinião a respeito do desfecho do enredo e/ou de determinados personagens?" são algumas das questões que a família debate. O que considerei interessante é que os pais não censuram filme algum, mesmo quando eles sabem que não é bom ou quando a classificação indicativa está acima da idade do filho que tem sete anos. Eles pensam que qualquer programa ou propaganda em televisão traz para os filhos o mundo adulto e suas mazelas. "Melhor que seja em ficção", me disse o pai. Eles riem, choram e se emocionam juntos, ficam em suspense, com medo, sempre juntos. Eles discordam, argumentam, emitem opiniões diversas. Só não podem desistir do filme, a não ser que seja consenso. Isso é diálogo!

Fazer a programação da semana: essa estratégia é usada por outra família com filhos adolescentes. Toda segunda-feira à noite, eles conversam sobre como será a semana deles, separadamente e juntos. É quando os filhos pedem para ir a festas ou fazer viagens, argumentam, contestam, reclamam das viagens constantes do pai etc. É nessa situação que essa família se atualiza, dialoga. Os exemplos que citei foram criados pelas famílias. Que tal criar as suas estratégias e usá-las regularmente para dialogar com seus filhos?

ROSELY SAYÃO é psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia dessa relação. Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Agosto de 2014.

Sou Marina (até a posse) (DIOGO MAINARDI)

SOU um homem simples: acredito que, a cada quatro anos, é necessário trocar o bandido que nos governa. Tira-se um, bota-se outro qualquer em seu lugar. Nunca votei para presidente e, por isso mesmo, nunca me arrependi por ter votado num determinado candidato.

O voto nulo é sempre o melhor - o menos vexaminoso, o menos degradante. Isso não quer dizer que não me interesse pelas eleições. Ao contrário: acompanho fanaticamente todas as campanhas e, no tempo ocioso, que corresponde a mais ou menos quatro quintos de meu dia, pondero sobre a fanfarronice daquela gente pitoresca que pede nosso voto. Além de ponderar sobre a fanfarronice daquela gente pitoresca que pede nosso voto, sou um especialista em torcer contra. Torci contra Fernando Henrique Cardoso em 1998. Torci contra Lula em 2002. Torci contra Lula - e torci muito - em 2006. Torci contra Dilma em 2010. Agora estou torcendo novamente contra ela. Como se nota, além de ser um especialista em torcer contra, sou também um especialista em derrotas eleitorais. E quem se importa? Com tanto tempo ocioso, aprendi a esperar.

A candidatura de Marina Silva, para quem só sabe torcer contra, como eu, é muito animadora. Depois de 12 anos, há uma perspectiva real de derrotar o PT. E há uma perspectiva real de derrotar o PSDB, sem o qual o PT tende a desaparecer, pois perde seu adversário amestrado. O conceito segundo o qual é necessário trocar, a cada quatro anos, o bandido que nos governa (Montesquieu, "O Espírito das Leis", volume 2), finalmente pode ser aplicado. Tira-se um, põe-se outro qualquer em seu lugar. O outro qualquer é Marina Silva? Eu topo.

A possibilidade de derrotar o PT --toc, toc, toc-- é o aspecto mais atraente da candidatura de Marina Silva. Com um tantinho de empenho, porém, posso apontar outros. Muitos palpiteiros se alarmaram porque seu primeiro passo foi rachar ao meio o PSB; eu, vendo aquela gente pitoresca do PSB, comemorei. De fato, espero que ela rache ao meio os outros partidos de sua base. Passei 12 anos denunciando os apaniguados de um partido que se empossava criminosamente de

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todos os cargos estatais. O que eu quero, agora, é que os partidos se esfarinhem. Em primeiro lugar, o PT. Em seguida, o resto.

Outro aspecto animador de Marina Silva é que ela sabe que o eventual apoio de um petista ou de um tucano só pode tirar-lhe votos, prejudicando suas chances de ser eleita. Isso deve persuadi-la a repelir, neste momento, qualquer tentativa exasperada de adesismo. Se ela ganhar, porém, tudo mudará: voluntários de todos os partidos irão oferecer seus préstimos, e ela, agradecida, aceitará, claro.

Assim como aceitará a serventia e a cumplicidade daqueles que, até hoje, sempre lucraram com Dilma e o PT: no empresariado, no sindicato, na cultura, na imprensa. Mas esse é outro motivo pelo qual me animo com a candidatura de Marina Silva: não espero rigorosamente nada de seu governo, e passarei a torcer contra ela um dia depois da posse. Sou um homem simples.

DIOGO MAINARDI, 51, jornalista, é comentarista do programa Manhattan Connection, da GloboNews, e autor de "Lula é Minha Anta" e "A Queda - Memórias de um Pai em 424 Passos" (ambos pela editora Record), entre outros livros. Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Agosto de 2014.

Duas palavrinhas sobre a vírgula (PASQUALE CIPRO NETO)

FAZ um bocado de tempo que não trocamos duas palavras sobre a vírgula e outros sinais de pontuação. Não faltam "teses" bizarras sobre o tema. Uma delas diz que "a vírgula serve para respirar". Se assim fosse, César Cielo escreveria textos enormes sem usar a vírgula. A coisa não é bem assim. Na linguagem escrita culta formal, o emprego da vírgula é orientado essencialmente por critérios sintáticos e estilísticos. Calma, caro leitor; já traduzo (ou tento traduzir) isso.

Vamos começar pela sintaxe, por uma regra básica: não há vírgula entre termos que têm relação sintática direta, como sujeito e verbo, verbo ou nome e complemento etc. Vejamos um exemplo concreto: "O presidente da montadora alemã no Brasil disse que negocia com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC a redução da tabela de salários na fábrica de São Bernardo do Campo". Muita gente simplesmente não resiste à tentação de lascar uma vírgula nesse trecho. O motivo dessa necessidade quase infrene de lascar uma inútil vírgula? "O trecho é muito longo", dirão/diriam alguns.

Aos fatos: no trecho citado, temos dois verbos ("disse" e "negocia"). O sujeito do primeiro verbo é "o presidente da montadora alemã no Brasil", que NÃO pode nem deve ser separado por vírgula do verbo imediatamente posterior ("disse"). Poderíamos até espichar o sujeito, o que não significaria nada em termos de pontuação: "O novo presidente da mais importante montadora alemã no Brasil disse...". A comichão talvez aumentasse, mas seria necessário resistir à tentação de empregar a vírgula antes de "disse", já que ela separaria o sujeito do verbo, do predicado.

E pode haver vírgula depois de "disse"? O que vem depois de "disse"? Vem o que o presidente da montadora disse, isto é, vem o complemento direto da forma verbal "disse". Pergunto: você poria vírgula depois de "disse" em "Fulano disse isso"? Decerto não. Nesse caso, a palavra "isso" representa o que Fulano disse, certo? Volte ao trecho citado e veja o que o líder da montadora disse. Seja lá o que for, não há vírgula entre "disse" e o trecho que representa o que ele disse: "... disse que negocia com o Sindicato...". Em vestibulares mais sofisticados, não é improvável a seguinte pergunta: "Indique o objeto direto de disse' no trecho citado". Ora, o objeto direto de "disse" é justamente o que o indivíduo disse (se ele disse, disse alguma coisa, certo?). Então o objeto (complemento verbal) direto de "disse", ou seja, a resposta a essa hipotética questão é o que vai de "que negocia" até o fim.

E dentro do trecho que vai de "que negocia" até o fim? Vamos lá: o verbo "negociar" foi empregado com dois complementos, já que se diz com quem o presidente negocia e o que ele negocia. A forma verbal "negocia" tem dois "filhos": "com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC" e "a redução da tabela de salários na fábrica de São Bernardo do Campo". Entre o "pai" (ou "mãe") e o "primeiro filho", ou seja, entre "negocia" e "com o Sindicato...", nada de vírgula. Ou você teria coragem de separar pai (ou mãe) de filho? E entre os dois "irmãos", ou seja, entre os dois complementos da forma verbal "negocia"? É possível lascar uma vírgula? Mudo a pergunta: você separaria irmão de irmão?

Moral da história: por mais forte que seja a comichão, resista à tentação de pôr uma vírgula entre termos que têm relação sintática direta, ainda que algum deles seja longo. É claro que o que está neste texto é apenas uma gotinha do imenso mar que abriga a pontuação. Prometo voltar logo ao tema. É isso.

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A arte da fuga (CONTARDO CALLIGARIS)

HÁ mil momentos em que gostaríamos de fugir - da família, dos amigos, do nosso passado, de nós mesmos: em suma, de tudo. Especialmente na adolescência, a fuga é um jeito saudável de crescer --fugimos para os devaneios, para outra religião, para drogas, para ideias políticas inéditas na nossa família, para promiscuidades sexuais bizarras ou, ainda, fugimos de casa com uma trouxa nas costas.

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É preciso fugir para ter a impressão de sermos "nós mesmos", diferentes do que os pais, a escola e os adultos esperavam que fôssemos. Mas a arte da fuga é complicada e comporta alguns riscos. Está em cartaz "Um Belo Domingo", de Nicole Garcia. O filme não é uma obra-prima, mas é perfeito para pensar na arte da fuga. Além disso, tenho um carinho especial por Nicole Garcia.

Em 1983, eu estava dando a volta à França para promover um livro ("Hipothèse sur le fantasme", Seuil). Era um livro de psicanálise, para adeptos. Nas cidades que eu visitava, conversava com um pequeno público de psicanalistas e estudantes. Em Grenoble, o encontro era num sábado, na casa da cultura.

Quando cheguei, já havia uma fila impressionante esperando para entrar: o papo foi transferido para o grande anfiteatro. O que tinha acontecido? Na época, semanalmente, "Le Nouvel Observateur" convidava uma celebridade a indicar seu evento preferido para cada dia. Naquela semana, Nicole Garcia, atriz (ela ainda não dirigia), tinha indicado, para aquele sábado, o encontro comigo na casa da cultura de Grenoble. Alguns acharam que eu devia estar secretamente namorando Nicole Garcia, e outros que ela devia estar se analisando comigo.

Por que conto essa história agora? Freud explica: aquela viagem a Grenoble por pouco não foi a ocasião para uma grande fuga (que foi postergada: o ano seguinte foi minha primeira viagem ao Brasil). Agora, se Nicole Garcia tivesse estado lá e tivesse me proposto para fugir com ela... Curiosidade: esbarrei na página responsável pelas mil pessoas que compareceram naquele dia (http://migre.me/ldhZa). Nicole Garcia sempre se interessou por psicanálise, e "Um Belo Domingo" é quase um filme didático. Sem spoilers: Baptiste fugiu de seu passado, mas um dia, para ajudar uma amiga, ele precisa voltar para a casa e a família das quais ele fugiu.

1) A recusa do passado da gente pode ser uma revolta (sou contra a família que me criou) ou uma mistura de ficção e esquecimento (eles me quiseram ou não me quiseram etc.) --enfim, tudo para dar sentido à nossa presença no mundo.

Há fugas que são apenas distorções da vida que parecia nos ser destinada, e há fugas nas quais a gente se afasta de nossa história a ponto de se perder. Nessas fugas radicais, à força de querermos ser nós mesmos, podemos acabar não sendo mais nada. Os exemplos, justamente, vão desde o filho de um advogado californiano que acabou sendo talibã no Afeganistão até os que enlouquecem por ter cancelado sua história sem conseguir inventar ou encontrar outra.

2) As recusas radicais produzem uma espécie de errância. Quase sempre, o que nos prende a um lugar é nosso passado - sem ele, por que parar? Inversamente, prender alguém (interná-lo) se apresenta como um jeito de "convencê-lo" a aceitar seu passado.

3) É fácil imaginar que a recusa radical de nosso passado nos leve a uma grande liberdade de vida, de ação e de pensamento. Não é assim: a recusa radical de nosso passado nos leva à procura incessante (angustiada e, às vezes, delirante) de qualquer coisa que organize o mundo ao redor da gente.

4) As fugas radicais são fracassos da arte da fuga. E não sei se há mesmo casos em que uma fuga radical seja inevitável ou desejável. Há poucas histórias que precisem ser apagadas e que não possam ser transformadas.

Fugi de casa aos 14 ou 15 anos; sumi durante um ano. Ninguém me procurou para me internar. O extraordinário, retroativamente, foi o respeito de minha família por minha fuga. De qualquer forma, eu não desprezava o sentido que minha família e meu passado me reservavam. Fugi por pressa de inventar sentidos novos, porque me parecia que o passado não bastava para justificar minha vida.

Em que medida é justo querer que os filhos sejam "nossos" filhos? E em que medida é possível aguentar que eles, um dia, fujam da gente?

CONTARDO CALLIGARIS, italiano, é psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor. Ensinou Estudos Culturais na New School de NY e foi professor de antropologia médica na Universidade da Califórnia em Berkeley. Reflete sobre cultura, modernidade

e as aventuras do espírito contemporâneo (patológicas e ordinárias). Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Agosto de 2014.

Hospital da USP deve ser gerenciado pelo Estado? SIM

É preciso integrar a universidade e o SUS

(ANDRÉ LUCIRTON COSTA E JOSÉ SEBASTIÃO DOS SANTOS)

OS PRINCÍPIOS do SUS (Sistema Único de Saúde) preveem a estruturação de uma rede de serviços de saúde de complexidade tecnológica crescente, regionalizada e integrada, desde a atenção básica até a hospitalar, e sob gestão de um dos entes federados. Todavia, a integração dos hospitais universitários com o SUS ainda não se consolidou.

Diante disso, a atual gestão da Universidade de São Paulo encomendou um estudo para mapear aspectos da interação e da organização de seus hospitais - o Universitário (HU), em São Paulo, e o de Anomalias e Reabilitação Craniofacial (HRAC), em Bauru - com as unidades de ensino e o SUS. Dentre outros aspectos, o estudo comparou os indicadores acadêmicos, assistenciais e hospitalares das duas instituições da USP com os de hospitais de ensino geridos pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (FMRP), mas vinculados administrativamente ao SUS, por meio da Secretaria de Estado da Saúde, na forma de autarquia e de organizações sociais de saúde.

O Hospital Universitário tem perfil semelhante aos três estaduais - de Ribeirão Preto, Mater e Américo Brasiliense -, enquanto o de Bauru tem complexidade que se assemelha ao HC de Ribeirão Preto (Hospital das Clínicas da FMRP).

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Observou-se que os hospitais universitários mantêm tarefas conflitantes com os princípios de organização do SUS, pois abrigam serviços que deveriam estar no âmbito pré-hospitalar, como a Unidade de Pronto Atendimento, que funciona junto à unidade de urgência hospitalar no Hospital Universitário. Esses dois hospitais também necessitam de investimentos na infraestrutura predial e recomposição do quadro de pessoal (no Hospital Anomalias e Reabilitação Craniofacial, por exemplo, são 200 servidores para manter o seu funcionamento e 422 para ativar a nova construção do hospital).

A relação pessoal/leito no Hospital Universitário da USP, em 2013, foi de 11,7 funcionários por leito, enquanto nos hospitais estaduais foi de 5,9. Em Bauru, a relação foi de 9,3 e no HC de Ribeirão Preto, de 7,5. As despesas com leito por ano nos hospitais exclusivamente da USP foram mais que o dobro (no HU, R$ 1.459.097, e R$ 1.495.454 em Bauru), se comparadas às do HC de Ribeirão Preto (R$ 679.989) e dos hospitais estaduais (R$ 445.050). Recomendou-se a vinculação do Hospital Universitário ao Hospital das Clínicas de São Paulo após considerar o sucesso das vinculações do HC de São Paulo e do HC de Ribeirão Preto ao SUS, a discrepante relação de custos entre os hospitais e a importância da interação dos espaços de formação e pesquisa com as estratégias das políticas públicas do Estado.

Recomendou-se também a transformação do hospital de Bauru em autarquia vinculada à Secretaria da Saúde e associada à USP, sob administração da Faculdade de Odontologia de Bauru, medida recém-aprovada pelo Conselho Universitário. Há 23 anos, prosperou a vinculação do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto ao SUS. Foi assim que a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto associou-se a uma rede composta por oito unidades de saúde da família, três unidades básicas de saúde, uma unidade de pronto atendimento, um centro de especialidades, três hospitais de média complexidade e fortaleceu o papel do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto como referência.

Com esse modelo, a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto ampliou os horizontes da extensão, de ensino e pesquisa e a interação com a comunidade. Fica a expectativa de que, mais uma vez, se aproveite a oportunidade de fortalecer a relação da USP com a sociedade e o SUS.

ANDRÉ LUCIRTON COSTA, 52, é professor Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto. JOSÉ

SEBASTIÃO DOS SANTOS, 53, é secretário de Saúde de Ribeirão Preto e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Agosto de 2014.

Hospital da USP deve ser gerenciado pelo Estado? NÃO

Ensino e assistência serão prejudicados (JOSÉ PINHATA OTOCH)

DESDE 1989, ano em que USP conquistou a autonomia universitária, o Hospital Universitário da USP (HU) recebe 8% da verba destinada à Universidade de São Paulo, proveniente do governo do Estado, valor relativo que não foi modificado ao longo desses 25 anos. Mudanças expressivas ocorreram, como o aumento do interesse no hospital como cenário para o ensino, assistência e pesquisa no âmbito de um hospital secundário, acompanhando o crescimento da universidade.

O Hospital das Clínicas, que outrora fora o único hospital-escola da Faculdade de Medicina da USP, progressivamente foi cedendo lugar e dividindo com o HU a carga didática, ficando com a especialização médica, e o Hospital Universitário, com o ensino das áreas básicas da medicina. Atualmente, o HU é utilizado como plataforma de ensino para sete unidades da universidade ministrarem seus cursos de graduação, pós-graduação e aperfeiçoamento, além de receber alunos estrangeiros por meio dos programas de cooperação internacional.

Um diferencial do hospital é possibilitar o ensino baseado numa abordagem multidisciplinar integrando todas as áreas da saúde num mesmo ambiente, proporcionando a integralidade da assistência e do ensino da mesma nesses moldes. O Hospital Universitário recebe anualmente 2.430 alunos entre graduandos e pós-graduandos que têm sua formação conduzida por profissionais de alta qualidade, dos quais mais de 50% possuem titulação acadêmica, que atuam como professores, além de praticar assistência e pesquisa, possibilitando aproximação entre a teoria e a prática. O HU é considerado um hospital de ensino de excelência, tendo recebido do Centro de Desenvolvimento de Ensino Médico 95% de ótimo e bom nas últimas cinco avaliações.

Cumprindo seu papel assistencial e social, o HU atende a população do subdistrito do Butantã, que tem 500 mil habitantes, e a comunidade USP, sendo o hospital de referência da região oeste da cidade de São Paulo, tendo realizado no ano passado 282 mil atendimentos de emergência, 12 mil consultas ambulatoriais por mês, 13 mil internações, 400 cirurgias por mês, 3.543 partos, 140 mil exames de imagem e 965 mil exames laboratoriais. No momento atual, onde o orçamento de todas as unidades da USP está sendo reavaliado por orientação da reitoria, salientamos que já vinham sendo tomadas medidas internas no HU para redução de gastos, obtendo-se um decréscimo de 20% nos custos materiais ao longo dos últimos quatro anos.

É preciso lembrar que a política salarial dos funcionários do HU, assim como de todos os funcionários da USP, sempre foi determinada pela reitoria, não nos diferenciando em nada também nos planos de carreira adotados sob essa orientação. Somos unidade diferenciada no que se refere à jornada de trabalho, já que mantemos o funcionamento do hospital na assistência e no ensino. A desvinculação do Hospital Universitário irá afetar o patrimônio da USP, o hospital perderá autonomia na diretriz de ensino e há o risco de esse não ser mais o seu foco, já que poderá ficar à mercê da política de saúde da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, que, atualmente, se depara com a falência do sistema público.

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Será impossível manter excelência em ensino após troca de equipes a preços de funcionários SUS. Dessa forma, para que possamos abrir espaço para discutir profundamente o papel científico-acadêmico do HU, somos contrários à desvinculação e favoráveis à discussão que permita uma tomada de decisão sob o ponto de vista administrativo que mantenha o vínculo entre o HU e a USP.

JOSÉ PINHATA OTOCH, 57, é diretor do Departamento Médico do Hospital Universitário da USP. Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, Agosto de 2014.

Controvérsia no seio do chavismo (ROMAIN MIGUS e JULIEN REBOTIER)

Um ano após a morte do então presidente Hugo Chávez, o governo venezuelano parece hesitar sobre qual caminho

seguir. As dissensões internas entre os radicais e os reformistas ameaçam a continuidade do chavismo no poder?

AO LONGO dos três primeiros meses do

ano, o poder venezuelano teve uma prioridade: exibir sua união diante da oposição e das tentativas de desestabilização apoiadas por Washington.1 Há algumas semanas, porém, o mundo político vive no ritmo da publicação de cartas abertas de antigos altos dirigentes chavistas pouco preocupados em atrapalhar com suas críticas o atual presidente, Nicolas Maduro.

Não é de agora que o movimento chavista descobre as controversas públicas: rupturas, cisões e recomposições marcaram sua história. Podemos lembrar as dissidências do Movimiento Al Socialismo(2002), de uma fração do Patria para Todos (2010) ou ainda do líder William Ojeda (2005). Em muitos desses casos, sinal das flutuações características do chavismo, os rebeldes acabaram por retornar ao seio da coalizão. Fato novo: o ex-presidente Hugo Chávez, falecido em março de 2013, não está mais lá para arbitrar e repensar as alianças estratégicas.

Tudo começou com a mensagem de Jorge Giordani,2 publicada em 18 de junho de 2014. Na véspera, Maduro informara-o sobre seu afastamento do posto de ministro do Planejamento, que ele havia ocupado de forma quase ininterrupta desde a chegada de Chávez ao poder, em 1999. Exibindo a ambição de ―assumir suas responsabilidades diante da história‖, o arquiteto das políticas econômicas bolivarianas arrasou o presidente: ―incompreensão dos mecanismos econômicos‖, incapacidade de ―dar impulso a uma liderança‖, falta de ―coerência‖.

Giordani condenou igualmente ―a interferência de conselheiros franceses‖, que teria travado a aplicação de seu próprio programa de estatização crescente da economia. Segundo o intelectual alemão Heinz Dieterich, outrora próximo do governo

venezuelano, Caracas, ao se ver na impossibilidade política de apelar para o Fundo Monetário Internacional (FMI), teria solicitado a ajuda de Matthieu Pigasse, diretor-geral do Banco Lazard, coproprietário do grupo Le Monde e consultor dos governos equatoriano e argentino para a reestruturação de suas dívidas. Ele teria encarregado o francês de contribuir para o

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―salvamento‖ do ―Titanic bolivariano, que entrara em colisão com o iceberg do capitalismo, da corrupção e da incompetência‖.3 Graças a ele, em 13 de junho de 2014, o vice-presidente do Conselho de Ministros para a Área Econômica e ministro do Petróleo, Rafael Ramírez, encontrou cerca de cinquenta investidores internacionais nos salões do hotel Claridge‘s em Londres para tranquilizá-los sobre o estado da economia venezuelana.4

Outro documento tinha suscitado algumas ondas no início de junho: aquele redigido por Temir Porras, um próximo de Maduro, formado na École Nationale d‘Administration (ENA) em Paris. Responsável pela campanha do candidato chavista na eleição presidencial de 2013, Porras evoca uma política monetária ―que lembra mais o funcionamento de um cassino do que o de um banco central‖ e apela ao ―pragmatismo‖, ―uma virtude extremamente necessária nas circunstâncias complexas que atravessamos‖.

Apesar da avalanche de artigos na imprensa, tanto na Venezuela como no estrangeiro, tal conflito não é surpresa num país onde, há bastante tempo, os pragmáticos dominam. A ilusão de óptica se explica facilmente: o chavismo nunca reuniu militantes fiéis a umcorpusdoutrinal. Desde o início dos anos 1990, pelo contrário, ele agregou em torno de sua figura tutelar posturas políticas e correntes de pensamento muito diversas, tendo por base comum certas prioridades, como a afirmação de um Estado forte e soberano, ou a necessidade urgente de remediar as desigualdades. Como bom estrategista, Chávez conseguia levar adiante uma linha, apesar das contradições – por vezes profundas – entre discursos teóricos e medidas concretas.

Assim, a revolução bolivariana manteve o modelo econômico baseado na renda do passado, contando com o afluxo de capitais estrangeiros, sobretudo no setor petrolífero, no qual a exploração reside nas sociedades mistas que associam o Estado a empresas estrangeiras. Ao longo dos anos 2000, as taxas de pobreza baixaram fortemente, as desigualdades foram reduzidas, mas sem transformação profunda do sistema tributário ou do aparelho produtivo. Não somente a alta do consumo dopa a atividade dos importadores (e fragiliza as contas externas), como, apesar dos uivos de indignação da imprensa contra as ―nacionalizações‖, a parte do setor privado se mantém: ela representa entre 58% e 62% do PIB. Em resumo, o laboratório do ―socialismo do século XX‖ jamais voltou as costas a uma realpolitik nem sempre compatível com seus projetos de transformação da sociedade a longo prazo.

Além disso, o chavismo, enquanto teoria prática do poder, caracteriza-se por um jogo de alianças constantemente rompidas e reatadas: difícil, nessas condições, fixar as fronteiras das diversas tendências. Sintomático desse movimento perpétuo, para além das ideologias: a proximidade entre o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, considerado um dos representantes da corrente ―de direita‖, próximo do Exército, e diversos coletivos da esquerda radical. As ―polêmicas internas‖ que recentemente surgiram na cena pública nascem sobretudo de divergências quanto à prática do governo ou da administração do Estado. Na Venezuela como em outros lugares, elas traduzem em termos facilmente identificáveis rearranjos políticos estratégicos mais delicados para expor aos militantes: ―direita contra esquerda‖, ―pragmático contra radical‖ transformam assim lutas de poder em nobres batalhas políticas.

O período atual, no entanto, caracteriza-se mais por uma ruptura do frágil equilíbrio de ontem. Com Chávez ausente, uma espécie de união sagrada havia se constituído no seio do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). É sem dúvida sob essa óptica que é preciso ler a enxurrada de críticas endereçadas a Giordani, cujas declarações ameaçam menos a homogeneidade ideológica do chavismo que sua unidade política.

As contradições internas à dinâmica bolivariana se intensificaram depois da morte de seu iniciador. Chávez personificava o Estado e o processo político; mas o que funcionava sozinho não mais o faz. A precariedade da situação apela com cada vez mais força pela consolidação das instituições (Estado, justiça) em torno de um modelo de sociedade de um lado e do esclarecimento do papel do PSUV de outro. Se o partido não consegue se impor como uma força de proposição ideológica que coloque em debate – e defenda – um projeto, o movimento só tem como horizonte as linhas de fuga. A versatilidade da atualidade política entrava o projeto de transformação social. A anomia espreita onde a desconfiança reina e onde as instituições que conferem consistência às escolhas ideológicas permanecem frágeis.

A recomposição pós-Chávez é o desafio principal do processo bolivariano se quisermos conservar o campo de atração social construído até aqui. Apesar das cassandras que predizem invariavelmente o fim da revolução bolivariana, muito esperto será aquele que souber presumir novas configurações desse processo em perpétuo movimento.

1 Ler Alexander Main, “Au Venezuela, la tentation du coup de force” [Na Venezuela, a tentação do golpe], Le Monde Diplomatique, abr. 2014. 2 O conjunto das mensagens (em espanhol) pode ser consultado no site Rebelion.org. 3 Heinz Dieterich, “La caída de Giordani y el futuro de Venezuela” [A queda de Giordani e o futuro da Venezuela], 24 jun. 2014. Disponível em: www.aporrea.org

ROMAIN MIGUS e JULIEN REBOTIER são, respectivamente, jornalista e encarregado de pesquisa no Centre National de la

Recherche Scientifique (CNRS), na França. Ilustração: Daniel Kondo. Jornal LE MONDE DIPLOMATIQUE BRASIL, Agosto de 214.

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A arte de materializar o pensamento (LÚCIO PACKTER)

O artesão pensa em uma asa de anjo

O ARTESÃO pensa em uma asa de anjo. O anjo é barroco, mas sua expressão é contemporânea. Então se aproxima do bloco de madeira, empunha seu formão, aperta as tarraxas da mesa, puxa um lampadário para perto. Com a outra mão ele segura um grosso toco de lápis; rabisca indistintamente sobre o madeiramento do bloco. O artesão, entre um risco e outro, imagina quanto de seu pensamento se materializará em sua arte. Há questões oportunas nas relações entre o que é pensado e o que é materializado daquilo que é pensado.

Clarice Lispector escreveu que: "O homem parecia ter desapontadamente perdido o sentido do que queria anotar. E hesitava, mordia a ponta do lápis como um lavrador embaraçado por ter que transformar o crescimento do trigo em algarismos. De novo revirou o lápis, duvidava e de novo duvidava, com um respeito inesperado pela palavra escrita. Parecia- -lhe que aquilo que lançasse no papel ficaria definitivo, ele não teve o desplante de rabiscar a primeira palavra. Tinha a impressão defensiva de que, mal escrevesse a primeira, e seria tarde demais. Tão desleal era a potência da mais simples palavra sobre o mais vasto dos pensamentos. Na realidade o pensamento daquele homem era apenas vasto, o que não o tornava muito utilizável. No entanto parece que ele sentia uma curiosa repulsa em concretizá- lo, e até um pouco ofendido como se lhe fizessem proposta dúbia".

Verifique sua historicidade de vida. Quanto do que você imaginou, pensou, refletiu, sonhou se materializou? O que você imaginava ser, estar, acompanhar, vivenciar se efetivou de fato? Eis uma primeira aproximação de mensuração (por aproximação e não por exatidão) dos elementos conceituais que se tornaram materiais, palpáveis, corpóreos.

Temos muitas questões. Por exemplo, nem sempre o que é pensado, sentido, percepcionado encontra correspondente no mundo corpóreo, sensorial. Em casos assim, precisamos pesquisar se a pessoa desiste, se aceita algo que se aproxime do que pensou, se ergue outra construção no lugar da construção pensada. Dostoiévski ilustrou o assunto da seguinte maneira: "É sabido que grupos completos de pensamento atravessam instantaneamente as nossas cabeças, na forma de certos sentimentos, sem tradução para a linguagem humana, menos ainda para uma linguagem literária... Porque muitos dos nossos sentimentos, quando traduzidos numa linguagem simples, parecem completamente sem sentido. Essa é a razão pela qual eles nunca chegam a entrar no mundo, no entanto, todos os têm".

Materializar o pensamento é um aspecto que pode ser importante em nossas vidas. Pensar em uma bela casa de campo, em um lugar para visitar no fim de semana e tornar isso concreto é uma forma de estar no mundo. Mas até onde podemos chegar com isso? Qual o limite? Podemos olhar a lua no céu e dizer: "Ei, lua, pare bem aí!" E ela não se moverá mais no firmamento? Algumas pessoas dão por conclusivo e bom o próprio pensar. Não precisam e não querem ir além disso para qualquer outra coisa. O pensamento, em si mesmo, se basta. Para muitos dos que funcionam desta forma, a materialização do pensamento pode acarretar tristeza e decepção. Buscam viver somente o conceito, alimentam-se disso, não apreciam o tijolo e o cimento, mas a ideia do tijolo e do cimento.

Ocorre, em diversos casos, o inverso: a concretude alimenta, nutre o pensamento, e oferece tanto ao pensamento que este pouco tem a fazer.

Entre outros motivos, isso pode acontecer pelas confusões que o pensamento, e a palavra que expressa o pensamento, o mundo encontram nos diálogos. Vamos a um exemplo em Merleau-Ponty, de sua obra (muito bonita!) Fenomenologia da percepção: "A palavra não é o signo do pensamento, se compreendermos como tal um fenômeno que anuncia outro, como

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o fumo anuncia o fogo". A palavra e o pensamento só admitiriam essa relação exterior se fossem dados tematicamente; na realidade, uma está envolvida no outro, o sentido está preso na palavra, e a palavra é a existência exterior do sentido. O que confere força, intensidade, concretude a um pensamento a ponto de torná-lo algo tão denso quanto uma pedra, um cerâmico do mediterrâneo, um trem com suas tantas toneladas sobre os trilhos?

Será que cada vez que mudamos uma ideia de lugar fazemos algo assim? Epicteto, em seu Manual, diz: "O que perturba os homens não são as coisas, e sim as opiniões que eles têm em relação às coisas. A morte, por exemplo, nada tem de terrível, senão ela teria parecido assim a Sócrates. Mas a opinião que reina em relação à morte, eis o que a faz parecer terrível aos nossos olhos. Por conseguinte, quando estivermos embaraçados, perturbados ou penalizados, não o atribuamos a outrem, mas a nós próprios, isto é, às nossas próprias opiniões". Ou seja... Será que cada vez que mudamos uma ideia de lugar fazemos algo assim?!

Na realidade temos feito isso a vida inteira, muitas vezes sem sabermos. É evidente que bem antes disso eu lhe falarei sobre limites, problemas, responsabilidades, correlações. É assim que talvez você compreenda que sua garagem fica melhor sem uma Mercedes-Benz, que ela foi feita para outras coisas, que o caminho é outro, que uma Mercedes-Benz seria um problema. Materializar o que se pensa é parte importante da questão (tomando o número de pessoas como parâmetro), do problema. Consequências, responsabilidades, decorrências são muito importantes.

LÚCIO PACKTER é filósofo clínico e criador da Filosofia Clínica. Graduado em filosofia pela PUC-FAFIMC de Porto Alegre (RS). É

coordenador dos cursos de pós-graduação em Filosofia Clínica da Faculdade Católica de Anápolis, Faculdade Católica de Cuiabá e Faculdades Itecne de Cascavel. Revista FILOSOFIA, Agosto de 2014.

“A medalha Fields não deve ser foco do País” (CINTHIA RODRIGUES)

O brasileiro vencedor do prêmio equivalente ao Nobel afirma que o País não deve pensar na honraria como “torneio” mas, sim, na expansão da pesquisa

Artur Ávila, 35 anos, primeiro ganhador da medalha Fields no Hemisfério Sul

O PRIMEIRO vencedor de uma medalha Fields do Hemisfério Sul, o brasileiro Artur Ávila, de 35 anos, voltou ao trabalho no Instituto Nacional de Matemática Aplicada (Impa), no Rio de Janeiro, esta semana. A premiação, comparável ao Nobel, reconhece, a cada quatro anos, os matemáticos de até 40 anos cujas contribuições tenham sido significativas para a

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matemática. Falando do Rio de Janeiro por telefone com Carta na Escola, ele ressaltou a importância do Impa para seu feito.

O instituto é responsável pela Olimpíada Brasileira de Matemática, campeonato que o atraiu para a área quando tinha 13 anos. Também é o único centro brasileiro em que jovens podem fazer pós-graduação antes da faculdade. Ávila terminou o doutorado com 22 anos. Depois, passou a ter dois cargos de pesquisador: um no próprio Impa e outro em Paris, no Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França. Focado em seu trabalho, ele demonstra manter distância de temas que possam distraí-lo, mas está disposto a colaborar com quem planeja o uso de sua premiação para engajar mais pessoas com a matemática. Só não concorda que a Fields passe a ser uma meta para o País: ―Os objetivos são muito duros de dizer, são mais estruturais‖. Segundo o pesquisador, o objetivo agora é avançar em outros centros de pesquisa e melhorar a educação em outros níveis: ―A gente produz matemática de qualidade em certas áreas, mas não temos todas‖.

Carta na Escola: Em que medida a pesquisa brasileira em matemática contribuiu com sua medalha?

Artur Ávila: Toda a minha formação básica foi no Brasil. A minha primeira formação nesse sentido foi feita no Impa, onde estudei até concluir o doutorado. Isso foi possível pelo trabalho continuado e bem-sucedido do instituto. É algo que já vem dando resultados desde os anos 90, quande eu comecei aqui, e mesmo antes. Um resultado de 50 anos de história da instituição. Depois de algumas décadas de dedicação de grandes matemáticos, chegou-se a produzir em um nível elevado, atraindo pesquisadores de fora de maneira que eu, tendo sido formado aqui, não me senti abaixo de ninguém formado em nenhuma instituição do exterior.

CE: Sua pesquisa no Impa envolve outros pesquisadores? Há estudantes que você orienta ou que agora poderão ter contato com seu trabalho?

AA: Trabalho muito em colaboração, é o mais comum. A maior parte das minhas publicações foi feita em conjunto e o mais comum é iniciar projetos em grupos de até quatro pessoas. Oriento em nível de doutorado no Impa. Meus alunos, às vezes, participam e meu trabalho pode ser uma parte da pesquisa deles. Ao mesmo tempo, tento levá-los a trabalhar por conta própria, não seria desejável que ficassem só em pequenas partes de um projeto já em andamento.

CC: Você já declarou ter interesse por outras áreas quando estudante e pensou em fazer Jornalismo. Qual o papel do professor para que os alunos descubram a área em que podem se realizar e contribuir mais?

AA: Eu tinha outros interesses, pensava no que valeira a pena investir e cheguei a pensar em jornalismo como uma maneira de participação na sociedade mais diretamente. Mas isso foi bem cedo, antes de realmente exercer matemática. As olímpiadas (Brasileiras de Matemática) foram decisivas, quando percebi que tinha uma inclinação muito forte. O professor tem de fazer o aluno saber das possiblidades existentes. Ele não pode identificar como o aluno vai ter mais sucesso, mas pode falar, por exemplo, que a matemática tem muitas áreas e também envolve criatividade.

CE: Você tem expectativas ou projetos relacionados à Educação Básica?

AA: Sou um pesquisador, é nisso que sou competente e vou continuar fazendo. Por outro lado, a impressão que tenho é de que a contribuição simbólica da medalha Fields pode ter consequências positivas para o Brasil. Também para a França, mas mais ainda para o Brasil, sede do Congresso Internacional de Matemática em 2018. Tem pessoas que pensam em como utilizar isso, eu creio que isso tem um efeito e estou disposto a participar, sem assumir um papel de pensar qual é a solução, mas ajudando com o que me pedirem.

CE: Como você vê o resultado do Programa de Avaliação Internacional de Alunos (Pisa), que coloca o Brasil entre os últimos em aprendizagem de matemática?

AA: Não sei exatamente como essas classificações são feitas e não tenho capacidade de falar do significado delas. Mas creio que seja notório que no Brasil existem muitos lugares onde os professores não são qualificados e os alunos não têm esperança de ensino.

CE: Quais as chances de termos outros brasileiros medalha Fields?

AA: Isso é uma coisa que não deve ser o foco de um país. Não comecei minha carreira com esse objetivo. Só passei a saber que a medalha existia depois. Um país tem de ter expectativas realistas. A Alemanha tem uma única medalha Fields. Tem país que não tem nenhuma, por exemplo, países do Leste Europeu, como a Romênia, com vários matemáticos muito bons. Tem de ter discernimento, ter noção de quão raro este evento é. Produzimos matemática de qualidade, isso nos coloca como pesquisadores em potencial, então a medalha não é uma coisa impensável. É algo que até não surpreende diante do que o Brasil vinha fazendo. Mas não creio que ter uma expectativa sobre uma medalha que é dada a cada quatro anos ajuda ninguém. Tem EUA, França e todo mundo para ganhar.

CE: E qual seria uma meta para se ter?

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AA: Seria continuar produzindo matemática de qualidade, estender para mais áreas. A gente produz matemática de qualidade em certas áreas, mas não em todas. Isso foi uma decisão inteligente tomada lá atrás, não se podia começar com tudo. Alguns ramos são bem representados e agora precisam aumentar o intercâmbio e chegar a uma representação mais completa de matemática. Seria essa uma meta. Além disso, melhorar outros centros, ter mais centros de alto nível. É muito fácil chegar a um objetivo simbólico como a medalha Fields, mas isso não deve ser a motivação original para ninguém. Os objetivos mesmo são muito duros de dizer, são mais estruturais. Vai em melhorar a educação em vários níveis. Para você chegar a uma situação comparada a outros países mais avançados, tem de melhorar a graduação.

CINTHIA RODRIGUES é Jornalista e escreve para esta publicação. Revista CARTA A ESCOLA, Agosto de 2014.

Os candidatos que "farão pela saúde, pela educação e pelos idosos" (CRISTIANE SEGATTO)

Promessas genéricas não acabam com as filas do SUS. De onde sairá o dinheiro para financiar os serviços com que os brasileiros sonham?

Poucos hits da internet traduzem tão bem o vazio de ideias e o deboche do horário eleitoral gratuito quanto o vídeo ―Programa Político‖, estrelado pelo ator Fábio Porchat, no canal Porta dos Fundos. É uma maravilha:

https://www.youtube.com/watch?v=il-cG20QeG4

―Vote naquele que fará pela saúde, pela educação, pelos idosos‖, diz o candidato. ―Ah, pelos idosos...‖ E cai na gargalhada. Não vou contar o final para não estragar a surpresa, caso alguém ainda não conheça esse retrato perspicaz dos maus hábitos da nossa política.

Subestimar a inteligência do eleitor é uma prática disseminada. Não sei até quando ela vai funcionar. Mesmo com os imensos déficits de educação do Brasil, hoje qualquer pessoa com acesso à internet pode confrontar afirmações levianas e promessas sem pé nem cabeça com fatos e números. E quem tem disposição e habilidades suficientes para consultar as fontes corretas pode facilmente se transformar num multiplicador de conhecimento por meio das redes sociais. Sucessivas pesquisas demonstram que a saúde é a maior preocupação dos cidadãos. O que me intriga, eleição após eleição, é a falta de coragem dos candidatos de enfrentar as discussões duras e objetivas sobre o financiamento do sistema de saúde. Ele não vai melhorar enquanto os brasileiros continuarem caindo no conto das medidas emergenciais e eleitoreiras.

O SUS foi criado em 1988 com a melhor das intenções. Se funcionasse como o previsto na Constituição, seria um belíssimo instrumento de justiça social. Para ser justo e universal, para oferecer tudo (todo e qualquer tipo de tratamento) para toda a população (dos mais pobres aos mais ricos), o SUS precisa receber mais dinheiro. E, ainda assim, talvez não fosse possível oferecer todas as novas e caríssimas soluções criadas pela indústria farmacêutica. Nenhum país do mundo consegue fazer isso. Os cerca de 9% do PIB que o Brasil aplica em saúde (somando-se os recursos públicos e privados) não sustentam o sistema imaginado em 1988. Como resolver a equação? Nesta eleição, ressurgiu a promessa de aplicar em saúde 10% do orçamento da União.

Isso é defendido por muitos especialistas desde os anos 80. É uma ideia justificável. O gasto público do país por habitante (US$ 474, segundo dados de 2010 reunidos pela OMS) é inferior ao gasto da Argentina (US$ 851), do Chile (US$ 562), da França US$ 3.075) e do Reino Unido (US$ 2.857). Adoraria que o aumento do investimento em saúde pelo governo federal virasse realidade, mas é o tipo de promessa que tem grandes chances de ficar pelo caminho. Ela só poderia acontecer se houvesse um crescimento econômico espetacular – algo distante da realidade brasileira. Os candidatos que fazem essa promessa precisam dizer com todas as letras como pretendem fazer isso. Vão aumentar impostos? Tirar dinheiro de outros ministérios? A discussão não deve ficar só no dinheiro. O que vão fazer para melhorar a gestão do SUS?

Há medidas impopulares no horizonte, como limitar o atendimento público a determinadas faixas de renda? Garantir o acesso a um determinado pacote de programas, tratamentos e drogas -- e só a eles? O que pretendem fazer para reduzir as ações judiciais de cidadãos que exigem todo e qualquer recurso de saúde – independentemente do preço e de estar ou não disponível no SUS? Ninguém é capaz de assumir o ônus político de dizer que medidas impopulares podem ser necessárias para tornar o SUS verdadeiramente justo e universal. Sobra emoção e falta racionalidade quando se discute os rumos da saúde.

Se queremos um SUS melhor, precisamos nos armar de calculadoras. Fazer contas, mergulhar em planilhas, cobrar resultados e desprezar os políticos que só dizem generalidades. São muitas as medidas necessárias para melhorar a assistência à saúde. Uma delas é garantir a correta distribuição dos recursos públicos entre as regiões. Um bom começo é investir na construção de um mapa das reais necessidades de cada região. Isso permitirá que o investimento seja feito de forma correta, na área que mais precisa dela. Só com organização de alto nível é possível conter desperdício e transformar dinheiro em qualidade de vida. Em alguns estados do Nordeste, por exemplo, o número de mamógrafos disponíveis no SUS encontra-se acima do parâmetro adequado. Mesmo assim, a quantidade de mamografias realizadas está abaixo do esperado. Como isso é possível?

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―Muitas mulheres faltam ao exame agendado porque não têm dinheiro para pagar o transporte‖, diz o médico David Souza, professor de gestão em saúde do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Não há dúvida de que os recursos da saúde são escassos, mas a falta de racionalidade nos três níveis de gestão (governo federal, estados e municípios) produz desperdício sem melhorar a vida das pessoas. Racionalizar, segundo a definição de David Souza, significa o seguinte:

• Fazer um diagnóstico preciso das necessidades de saúde da população; • Construir protocolos de conduta que permitam oferecer o cuidado necessário prioritariamente a quem mais precisa dele; • Regular o acesso a serviços e tratamentos com base nesses protocolos; • Capacitar os profissionais das redes de saúde para que eles possam fazer uma boa gestão dos recursos disponíveis; • Monitorar regularmente a efetividade de todo o processo de regulação;

Hospital do Subúrbio, em Salvador (BA) (Foto: Márcio Lima/ÉPOCA)

―Todo médico precisa saber que os recursos são limitados. Isso vale para qualquer sistema de saúde do mundo‖, diz Souza. ―O exame que ele pede para um paciente faltará a outro‖. Por isso, é fundamental que a solicitação seja feita com base em critérios claros e objetivos.

Faremos, daremos, construiremos são os verbos mais usados pelos candidatos quando se referem à saúde. Quem for sincero o suficiente para assumir as mudanças impopulares e necessárias para reorganizar o SUS perde a eleição. Enquanto os brasileiros não estiverem preparados para ouvir as verdades duras e valorizar os políticos que as defendem, o sistema de saúde vai continuar na mesma. Assim como a balela dos candidatos que ―farão pela saúde, pela educação e pelos idosos‖.

Que o voto consciente traga um futuro melhor e mais saudável. Com esse texto, me despeço e entro em férias. A coluna volta a ser publicada em outubro. Até lá e boa eleição para todos nós!

CRISTIANE SEGATTO é Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve

sobre medicina há 17 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais e internacionais de jornalismo. Revista ÉPOCA, Agosto de 2014.