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MARIA CRISTINA BARBOSA PROFESSOR E ALUNO EM INTERAÇÃO NUM ESPAÇO CONVERSACIONAL: UM ESTUDO DE CASO CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO Osasco 2011

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MARIA CRISTINA BARBOSA

PROFESSOR E ALUNO EM INTERAÇÃO NUM ESPAÇO

CONVERSACIONAL: UM ESTUDO DE CASO

CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO

Osasco

2011

MARIA CRISTINA BARBOSA

PROFESSOR E ALUNO EM INTERAÇÃO NUM ESPAÇO

CONVERSACIONAL: UM ESTUDO DE CASO

CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO

Osasco

2011

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do

Centro Universitário FIEO para a obtenção do título de

Mestre em Psicologia Educacional.

Área de concentração: Ensino-Aprendizagem

Linha de pesquisa: Ensino-aprendizagem no contexto

social e político.

Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Luiza Puglisi Munhoz.

MARIA CRISTINA BARBOSA

PROFESSOR E ALUNO EM INTERAÇÃO NUM ESPAÇO

CONVERSACIONAL: UM ESTUDO DE CASO

Aprovado em: ______de: _________________de 2011

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________________

Prof.ª Dra. Maria Luiza Puglisi Munhoz

Centro Universitário FIEO (UNIFIEO)

_______________________________________________

Prof.ª Dra. Marisa Irene Siqueira Castanho

Centro Universitário FIEO (UNIFIEO)

_______________________________________________

Prof.ª Dra. Maria Amalia Faller Vitale

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP)

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho:

A Deus por ter me conservado com saúde, por ter me concedido sabedoria e

paciência para equilibrar meu tempo entre família, trabalho e mestrado.

Aos meus pais que construíram o alicerce da minha vida e torcem por mim

até hoje.

Ao meu esposo Alacy, à minha filha Emily e ao meu genro Welton que me

deram força para prosseguir e sempre compreenderam as minhas ausências.

Aos meus familiares que sempre estiveram na torcida pelo meu sucesso.

A minha amiga e companheira de trabalho Ervely que por vezes me

incentivou a prosseguir e cuidou do meu setor de trabalho enquanto precisei me

ausentar.

A todos os amigos e parentes que contribuíram direta e indiretamente ao

longo deste trabalho me dando ideias e incentivando a caminhada.

AGRADECIMENTOS

A todos os professores do curso de mestrado em Psicologia Educacional

pelos conhecimentos, conselhos e dicas oferecidos no decorrer do curso provendo

base para que pudesse produzir este trabalho de dissertação.

À Prof.ª Dra. Marcia Siqueira de Andrade, Coordenadora do curso de

Mestrado em Psicologia Educacional, pelos conselhos e apoio nos momentos mais

delicados desta jornada.

À Prof.ª Dra. Maria Luiza Puglisi Munhoz, minha orientadora, que com

sabedoria, paciência e maestria me forneceu ideias, conselhos, acompanhou passo

a passo o desenvolvimento deste trabalho e, por muitas vezes, me deu força,

incentivo e ânimo para prosseguir. Esta parceria fez diferença!

À Prof.ª Marisa Irene Castanho pelo incentivo, sugestões e orientações que

me levaram à reflexão sobre que caminhos trilhar para melhor produzir este

trabalho.

À Prof.ª Dra. Maria Laura Puglisi Barbosa Franco pelos sábios conselhos e

orientações dadas em suas aulas e extraclasse também.

À Prof.ª Dra. Maria Amália Faller Vitale pelos conselhos pontuais e

orientações que contribuíram para enriquecer este trabalho de pesquisa.

Ao meu esposo Alacy Mendes Barbosa pelos sábios conselhos nos

momentos de dúvidas, principalmente quando o assunto era Morin.

À Prof.ª Paula Strumiello Fonseca pelo companheirismo, descontrações e

força tão necessárias para prosseguir a caminhada.

Aos meus colegas de trabalho: Ervely, Márcia, Marli, Humberto e Rodrigo pela

paciência e força que me deram nestes dois anos e meio de mestrado.

À Raquel Lima e Gracy Pércio pela força dada na digitação e emergências de

boa parte deste material.

À todos os participantes desta pesquisa que forneceram informações

necessárias para este trabalho.

RESUMO

BARBOSA, Maria Cristina. Professor e aluno em interação num espaço

conversacional: um estudo de caso. 2011. 124f. Dissertação (Mestrado em

Psicologia Educacional) – Curso de Pós-Graduação em Psicologia Educacional,

Centro Universitário FIEO, Osasco, SP.

O ensino em ambiente escolar representa uma das mais importantes esferas de

ação da sociedade, pois é lá que acontecem atividades, o processo de ensino e

aprendizagem, relacionamentos e transformações. Porém, a sala de aula tem sido

palco de muitos conflitos relacionais entre professores e alunos, e destes com seus

pares. Com intuito de buscar caminhos para solucionar conflitos emergentes nessas

relações, procuramos organizar um espaço no qual professores e alunos possam

conversar. É neste contexto que surge esta pesquisa com o objetivo de investigar a

contribuição da ferramenta Espaço Conversacional, segundo Anderson (2009), na

relação professor-aluno, a fim de conhecer como interagem nesse espaço, se têm

direito a voz, se contribuem com suas ideias e opiniões e quais os resultados

práticos. Realizamos um estudo de caso com um grupo de 10 participantes, formado

por cinco professores e cinco alunos do Ensino Médio, de um colégio particular no

interior do Estado de São Paulo. Para realizarmos este estudo, criamos um espaço

para conversação no qual os participantes dialogaram sobre um problema específico

em que todos estavam envolvidos, formamos um sistema determinado pelo

problema (SDP) de acordo com definições de Vasconcellos (2010). Após três

encontros, por meio da entrevista semiestruturada, teve início o processo de coleta

de dados no qual os participantes falaram como perceberam e sentiram esta

experiência. Os resultados mostraram que o Espaço Conversacional contribuiu para

melhorar o relacionamento entre professores e alunos, mudando principalmente a

forma de se olharem e se compreenderem. Foi possível concluir que todos, ao

dialogarem, puderam contribuir com suas ideias e encontraram caminhos para

solucionar o problema em pauta.

Palavras-chave: Abordagem Sistêmica. Espaço Conversacional. Interação.

Professor-aluno.

ABSTRACT

BARBOSA, Maria Cristina. Teacher and student in interaction in a conversational

space: a case study. 124f. 2011. Dissertação (Mestrado em Psicologia

Educacional) – Curso de Pós-Graduação em Psicologia Educacional, Centro

Universitário FIEO, Osasco, SP.

The teaching in the school environment represents one of the most important

spheres of action of society because it is there where the activities, the teaching and

learning process, the relationships and transformations happen. However, the

classroom has staged many relational conflicts between teachers and students, and

these with their peers. In order figure out ways to solve emerging conflicts in these

relationships, we have tried to organize a space where teachers and students can

talk to each other. In this context, this survey comes up with the objective of

investigating the contribution of the Conversational Space tool, according to

Anderson (2009), in the teacher-student relationships in order to know how they do

interact in that space, if they have a right to voice, if they contribute with their ideas

and opinions, and what are the practical results. We conducted a case study with a

group of 10 participants, constituted of five teachers and five high school level

students, in a private college in the State of São Paulo. To carry out this study, we

have created a space for conversation where the participants discussed about a

specific problem in which they all were involved; we formed a system determined by

the (SDP) issue in accordance with definitions of Vasconcellos (2010). After three

meetings, through the half structured interview, we started the process of collecting

data on which the participants spoke how they had perceived and felt the experience.

The results showed that the Conversational Space has contributed to the

improvement of the relationship between teachers and students, changing mainly the

way of looking and understanding each other. It was possible to conclude that they

all, as they dialogued, were able to contribute with their ideas and find ways to solve

the issues discussed.

Keywords: Systemic Approach. Conversational Space. Interaction. Teacher-student

relationships.

LISTA DE FIGURAS E TABELAS

Figuras

Figura 1 - Exemplos de relações entre os sistemas e subsistemas ................. 25

Figura 2 - Exemplo de formação de um SDP ................................................... 52

Figura 3 - Modelo hierarquizado (AUN 2010) ................................................... 56

Figura 4 - Organização hierarquizada na escola .............................................. 56

Figura 5 - Circularidade no Espaço Conversacional ......................................... 57

Tabelas

Tabela 1 – Dados pessoais dos alunos participantes ........................................ 75

Tabela 2 – Dados pessoais dos alunos participantes ........................................ 75

Tabela 3 – Dados pessoais dos alunos participantes- perfil financeiro ............. 75

Tabela 4 – Dados pessoais dos alunos participantes- situação escolar ........... 76

Tabela 5 – Dados pessoais dos professores participantes ............................... 77

Tabela 6 – Dados pessoais dos professores participantes ............................... 78

Tabela 7 – Dados gerais dos participantes ........................................................ 79

Tabela 8 – Dados gerais dos participantes ........................................................ 79

Tabela 9 – Sentimentos sobre o convite para o espaço conversacional ........... 81

Tabela 10 – Atitudes que geraram tensões nas relações no Espaço Conversacional. ..................................................................................

84

Tabela 11 – Contribuições do Espaço Conversacional para a relação professor e aluno ................................................................................................

87

Tabela 12 – Opinião sobre as participações no Espaço Conversacional ............ 90

Tabela 13 – Resultados práticos pós- encontro Espaço Conversacional ........... 95

Tabela 14 – Sugestões sobre o Espaço Conversacional .................................... 100

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 12

1.1 TEMA ...................................................................................................... 12

1.2 PROBLEMA, JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA ..................................... 15

1.3 OBJETIVOS ............................................................................................ 16

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................................. 18

2.1 TEORIA SISTÊMICA .............................................................................. 18

2.2 APROXIMAÇÕES ENTRE MORIN E VIGOTSKI ................................... 26

2.3 SERES HUMANOS E A COMUNICAÇÃO ............................................. 33

2.4 SERES HUMANOS E SISTEMAS SOCIAIS .................................... 37

2.5 CONVERSA, CONVERSAÇÃO E ESPAÇO CONVERSACIONAL ........ 40

2.6 ESPAÇO CONVERSACIONAL E O SISTEMA DETERMINADO PELO PROBLEMA ............................................................................................

49

2.7 A RELAÇÃO PROFESSOR E ALUNO ................................................... 58

3 METODOLOGIA ..................................................................................... 63

3.1 PARTICIPANTES .................................................................................... 64

3.2 INSTRUMENTOS ................................................................................... 65

3.2.1 Entrevista semiestruturada .................................................................. 65

3.3 PROCEDIMENTOS ................................................................................ 66

3.3.1 Procedimentos de análise .................................................................... 68

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .................................... 71

4.1 O CONTEXTO EM QUESTÃO ............................................................... 71

4.2 O CONTEXTO EM QUE FOI CRIADO O ESPAÇO CONVERSACIONAL ...............................................................................

72

4.3 CARACTERÍSTICAS PESSOAIS DOS PARTICIPANTES ..................... 74

4.4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA ENTREVISTA ....... 80

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 102

REFERÊNCIAS ...................................................................................... 105

APÊNDICES ...........................................................................................

108

A- Questionário de identificação- Aluno.................................... 108

B- Questionário de identificação- Professor............................... 109

C- Roteiro para entrevista........................................................ 110

D- Convite Espaço Conversacional........................................... 111

ANEXOS

A- Autorização do Comitê de Ética

B- Termo de consentimento Livre e Esclarecido - Aluno

C- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - Professor

D- Transcrição da entrevista com o professor M

E- Transcrição da entrevista com o aluno LB

Um professor se olha no espelho e vê todas as idades que tem.

Vê que ele é como todas as pessoas que também se olham

naquele espelho, que têm filhos exigindo sua atenção, contas a

pagar, problemas e soluções, vontade de viver, divertir-se e

amar. Vê que pertence a todas as raças, credos e classes

sociais. Mas, por ser professor, é elo de uma corrente que não

pode quebrar, ao olhar-se no espelho vê a ebulição de todas

aquelas crianças e jovens querendo se transformar.

Olha mais atentamente e vê naquele espelho centenas de

faces: a face de alguém que é sempre um exemplo vivo em

tudo o que faz, sempre observado por olhos atentos; a face de

quem tem que temperar seus atos com rigor, limites de doçura,

de quem tem que olhar para o jardim sabendo que cada planta

é diferente da outra e cada uma requer um cultivo diferente,

uma atenção diferenciada.

E naquele espelho saltam aos olhos as faces de quem é

sempre aprendiz, seja para dominar uma nova ferramenta, uma

nova tecnologia, novas teorias; seja para escutar com muita

atenção e de forma nova o que os alunos trazem.

Ciranda Cultural

12

1. INTRODUÇÃO

1.1 TEMA

O século XXI tem sido marcado por grandes transformações em todos os

segmentos sociais, e a escola como instituição social tem sido alvo de preocupação

nos discursos de governantes, empresários, responsáveis pela educação, pais,

entre outros. Tardif e Lessard afirmam que o ensino em ambiente escolar representa

uma das esferas mais importantes e fundamentais de ação nas sociedades

modernas, esfera essa em que o social, por meio de “seus atores, seus movimentos

sociais, suas políticas e suas organizações, volta-se reflexivamente a si mesmo para

assumir-se como objeto de atividades, projetos de ação e, finalmente, de

transformações” (TARDIF; LESSARD, 2009, p.7).

A preocupação com a qualidade de ensino na escola têm sido intensa e

muitas pesquisas, livros, artigos, debates e congressos têm aberto espaço para

discussão sobre assuntos pertinentes a área escolar. Um dos destaques tem sido o

relacionamento professor-aluno como fator fundamental para a melhoria da

qualidade e sucesso do ensino. Rogers relata que nesse cenário um tanto incomum

no qual alunos e professores trazem histórias de vida, sentimentos e necessidades

pessoais, é importante buscar o equilíbrio entre obrigações e direitos. Ele afirma que

“tanto o professor quanto o aluno estão „ensinando‟ um ao outro por meio de seus

comportamentos relacionais diários” (ROGERS, 2008, p.17).

Por isso, é importante refletirmos sobre o comportamento do professor e do

aluno por influenciarem um ao outro o que pode vir a determinar o sucesso ou o

fracasso da aprendizagem naquele contexto. A sala de aula é o local em que

observamos a dinâmica desses comportamentos, porém, nem sempre encontramos

as condições ideais. Na maioria das escolas, a sala de aula é composta de pelo

menos 30 alunos, e muitas vezes o trabalho do professor se constitui em uma fonte

de tensões, conflitos, estresses que precisam ser resolvidos em suas relações com

os alunos. Na docência, as relações são complexas em si, pois elas geralmente

acontecem entre um adulto e crianças ou entre adultos e adolescentes, o que pode

gerar um desiquilíbrio entre eles.

Mas, como resolver essas questões em uma sala de aula com tantos alunos?

Surge então a necessidade de se ter um espaço fora da sala para que o aluno e o

professor busquem uma maior aproximação. Estudos têm apontado que por meio de

conversas abrem-se possibilidades para se estreitarem relacionamentos o que pode

13

vir a gerar aprendizagens mais significativas entre as partes envolvidas. De acordo

com alguns estudiosos, o conversar tem sido considerado uma das ferramentas

mais importantes nos relacionamentos para ajudar a resolver problemas e questões

da vida. Um desses estudiosos é Maturana (1997) que fala sobre as conversações e

a conceitua como sendo um fluxo coordenado de ações e emoções que acontecem

entre os seres humanos que interagem fazendo uso da linguagem. Por meio do

conversar nos posicionamos, recebemos e damos informações. Para Anderson

(2009) o conversar, quer seja em contexto de ensino ou em negócios, tem a ver com

ajudar o outro a ter acesso à coragem, a enfrentar situações, a não ficar paralisado,

a ter uma visão clara e, muitas vezes, a alcançar o autocomando da situação. Ela

orienta que, quando há conflitos, seria interessante criar um espaço de conversa

entre as partes para propiciar as trocas conversacionais. Nesse espaço seria

possível trazer vários tipos de conversações. Anderson afirma que “cada

conversação ocorre e se forma a cada momento e é peculiar a seu contexto, seus

participantes e suas circunstâncias” (ANDERSON, 2009, p.94).

Morin (2002b) afirma que na relação com o outro há carência de

compreensão e, para entendermos as partes e compreendê-las, faz-se necessário

dialogizar. Ele fala do princípio dialógico no qual pelo conversar é possível afrontar

realidades e verdades aparentemente contraditórias, e que, por meio da conversa,

podemos gerar possibilidades de entendimento. Vigotski (1998), por outro lado,

aponta que de nada adianta apenas ter todo o aparato biológico próprio do ser

humano se não são oferecidos ambientes e práticas necessários para propiciar a

aprendizagem do indivíduo, pois esta aprendizagem ocorrerá por meio das

experiências às quais ele será exposto. A escola é um excelente lugar para se

propiciar essas experiências onde o social e o cultural se encontram. Vigotski e

Morin se aproximam apontando a importância do todo e partes, produto e produtor

do conhecimento e da cultura, onde um influencia o outro podendo produzir

mudanças significativas no indivíduo/sistema.

Buscamos em Bertalanffy (1968/2009) o conceito de sistema, o qual o define

como um complexo de elementos em interação. Por elementos entendemos que são

pessoas trocando emoções, sentimentos, interagindo uma com a outra em um ou

mais contextos. E, por interação, podemos entender como sendo um todo agindo e

reagindo de maneira interdependente e inter-relacionado. Vasconcellos corrobora

com esta ideia dizendo que são as interações que “dão coesão ao sistema todo,

14

conferindo-lhe um caráter de totalidade, de integridade ou de globalidade, uma das

características definidoras do sistema” (VASCONCELLOS, 2009, p.199).

Sabemos que na escola há todo um sistema inter-relacional, sendo

permanentemente alimentado e retroalimentado pelos integrantes dessa rede

institucional, e a relação professor-aluno, se houvesse uma troca coerente e

conjunta entre eles, seria altamente beneficiada em favor da aprendizagem. A

escola atua como um sistema aberto, pois recebe novas informações, ideias, novos

alunos e funcionários, consequentemente novas formas de relacionamentos

precisam ser desenvolvidas. A fim de que haja um melhor desenvolvimento dos

integrantes deste sistema, deveria haver uma preocupação com a forma como essas

ideias e relacionamentos são integrados ao cotidiano da escola. Quando falamos em

“sistema aberto”, entendemos que é aquele que aceita as influências externas,

transforma e é transformado. Miermont e cols. o definem como sendo “um

intercâmbio de matéria, de energia e de informação com o meio ambiente”

(MIERMONT e cols , 1994, p.507 e 508).

Gasparian, ao falar da escola, se refere a ela como um sistema aberto por

causa do movimento dos seus integrantes para dentro e para fora, das relações e

interações uns com os outros e com outros sistemas. Nas relações no contexto

escolar como nos demais sistemas, há uma influencia recíproca “as ações e

comportamentos de um dos membros influenciam e simultaneamente são

influenciados pelos comportamentos de todos os outros (GASPARIAN, 1998, p. 35).

Confirmamos em Watzlawick et al. (1967/2007) essa ideia, pois, em suas pesquisas

eles vêm mostrar que cada uma das partes de um sistema está intimamente ligada

ao todo, que uma mudança em uma das partes afetará consequentemente o todo.

Isto acontece porque um sistema se comporta como um todo coeso e não

simplesmente como partes independentes. Podemos verificar isto na escola ao

observamos um início de aula onde crianças, adolescentes, professores, diretor,

orientadores, coordenadores e demais componentes da equipe escolar circulam pela

escola. É um fervilhar de emoções, de expectativas, de sonhos, de medos, de

ansiedades, de histórias de vidas trazidas pelas pessoas. A forma como

acontecerão as interações e as relações entre os envolvidos, principalmente em sala

de aula, dará o tom para o sucesso ou fracasso do processo ensino-aprendizagem.

Cada um dos envolvidos vem de um sistema familiar diferenciado, trazendo na

15

bagagem emoções e histórias de vida que interferirão positiva ou negativamente em

seu desenvolvimento.

Dando um passo à frente, se pensarmos em um sistema cujos

correspondentes, professor e aluno, são pessoas em interação: conversando,

linguajando, construindo significados em um mesmo espaço, estes agentes podem

gerar um novo sistema a partir das conversas sobre um assunto em comum que

poderá vir a se tornar um problema a ser discutido. Neste sentido, Vasconcellos

(2008) vem esclarecer que as conversações que acontecem entre as pessoas, onde

todas concordam em relação à existência de um problema, é chamado por ela de

SDP (Sistema Determinado pelo Problema). Desta forma, o sistema será formado

justamente pelo problema que todos já conversavam anteriormente.

Na escola, ouvimos falar sobre problemas de todas as ordens, em especial de

relacionamentos entre professor e alunos, pois o ensino no dia a dia acontece em

um cenário incomum, diferente da rotina que o adolescente e o professor têm em

suas casas. Por isso, sentimos a necessidade de pesquisar mais sobre esse

assunto, sob um olhar sistêmico, buscando respostas que ajudem na melhoria das

relações e na busca de caminhos que apontem soluções para os problemas.

1.2 PROBLEMA / JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA

Como coordenadora pedagógica, tenho presenciado e acompanhado, ao

longo dos anos, os problemas oriundos das relações, principalmente entre alunos e

professores. Temos percebido e constatado como a qualidade nas interações entre

eles tem interferido no processo de ensino e aprendizagem. Esse assunto tem me

incomodado muito e realizo frequentes reuniões com a equipe administrativa da

escola e com os professores, a fim de encontrarmos respostas e caminhos para a

solução de conflitos entre professores e alunos, buscando melhorar a qualidade do

processo ensino-aprendizagem. Desde 2010, temos um grupo de estudos fixo, que

se debruça sobre o tema em questão, porém, na prática, temos observado

resultados pouco expressivos. Assim, passei a estudar a possibilidade de criarmos

um espaço para conversação entre alunos e professores, e demais pessoas

envolvidas em determinado problema. Partindo dessa proposta e sob a orientação

16

da Prof.ª Dra. Maria Luiza Puglisi Munhoz, me envolvi na atual pesquisa buscando

aprofundar meu conhecimento sobre o Espaço Conversacional.

Observamos que a falta de tempo para investir na relação entre o professor e

o aluno tem sido um dos fatores que contribuem para se instalar conflitos entre eles.

Desta forma, abrimos na escola um espaço conversacional no qual, procuramos

incentivar o professor e o aluno a interagirem, a fim de estudarmos o efeito dessa

ferramenta nestes participantes. Buscamos, por meio dela conhecer as contribuições

que esta ferramenta venha a oferecer aos participantes do “Espaço Conversacional”,

principalmente no que diz respeito às relações entre eles e aos caminhos para a

solução do problema. Nesse espaço pretendemos formar um sistema partindo de

uma situação problema que seja apontada pelos envolvidos.

1.3 OBJETIVOS

Buscamos testar a ferramenta Espaço Conversacional numa escola

particular do interior de São Paulo e para isso temos como objetivos:

Geral: Investigar a contribuição da ferramenta Espaço Conversacional

no estreitamento da relação professor-aluno por meio das falas dos participantes.

Específicos:

a. Investigar a forma como os participantes interagem no espaço

conversacional: se têm direito a voz, se contribuem com suas ideias

e opiniões.

b. Investigar os resultados práticos do espaço conversacional como

ferramenta para criação de alternativas para solução do problema

em pauta.

Para melhor compreendermos o fenômeno em questão, realizamos uma

revisão bibliográfica buscando subsídio nos teóricos abaixo elencados:

Teoria sistêmica: Bertalanffy, Watzlawick et al., Miermont e cols.,

Vasconcellos, Grandesso.

Interação no espaço social: aproximação entre os teóricos Morin e

Vigotski usando como mediador da aproximação o texto de Zanella.

Seres humanos e a comunicação: Watzlawick e cols., Maturana e

Vasconcellos.

17

Seres humanos e sistemas sociais: Vasconcellos e Maturana.

Conversa, conversação e espaço conversacional: Maturana, Anderson,

Vasconcellos.

Espaço conversacional e o sistema determinado pelo problema:

Vasconcellos e Aun.

Relação professor e aluno: Gasparian, Rogers, Scatralle.

A metodologia utilizada neste trabalho tem uma abordagem qualitativa, com

ênfase no estudo de caso. O instrumento utilizado para conhecer as opiniões dos

participantes foi a entrevista semiestruturada. Desta forma, queremos colaborar para

que a escola encontre caminhos que ajudem o professor a analisar e a refletir sobre

suas ações e atuações, descobrindo alternativas de ações possíveis na sua prática.

Gasparian (1998) relata que isso só será possível se o professor alterar a sua forma

de olhar o mundo, a sociedade, as pessoas, seus alunos e, quem sabe, vê-los não

como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de fenômenos que

estão profundamente interconectados e interdependentes.

18

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 TEORIA SISTÊMICA

O biólogo austríaco Ludwig Von Bertalanffy, ao estudar os fenômenos

biológicos, diferenciando-os dos fenômenos físicos, tinha em mente como proposta

identificar os princípios básicos que determinavam o funcionamento de todos os

sistemas. A partir de suas investigações, chegou a organizar esses princípios

criando uma teoria, descrita e publicada em seu livro intitulado: Teoria Geral dos

Sistemas (1968). Esta teoria não permanece no âmbito de estudos da Biologia, mas

se generaliza para explicar fenômenos humanos e sociais. Desta forma, ela foi

posteriormente aplicada em diferentes áreas do conhecimento, voltando-se

especialmente ao entendimento dos sistemas vivos que para nós, sistemas

humanos, torna-se de fundamental importância. Podemos citar, como exemplo de

sistemas humanos, a sociedade, a família, a escola e o trabalho.

Esta teoria enfatiza a mútua interdependência e inter-relação dos

componentes que fazem parte de um sistema como uma totalidade integrada, com

dinâmica própria. Bertalanffy (1968/2009, p. 264) define um sistema como um

complexo de elementos em interação e afirma que “qualquer organismo é um

sistema, isto é, uma ordem dinâmica de partes e processos em mútua interação e

interdependência”. Nesse sentido, pode-se dizer que um conjunto de partículas que

se atraem mutuamente, como por exemplo, o sistema solar, um grupo de pessoas

em uma organização, uma rede de indústrias, um circuito elétrico, um computador

ou um ser vivo podem ser visualizados como sistemas. Por isso, baseamos nossos

estudos nessa visão, porque, de uma maneira ou de outra, deparamo-nos com

complexos, tendo que lidar com totalidades ou sistemas em todos os campos do

conhecimento.

Não há como negar que existe uma relação entre as diversas áreas do

conhecimento. Elas se comunicam, pois fazem parte de um todo. As pessoas vivem

em um mundo em interação onde ora são produtoras de mudanças ora são produtos

da mudança, ora influenciam ora são influenciadas, e assim todos nós fazemos

parte de um ou mais sistemas, quer em maior ou menor escala.

Outros estudiosos complementam essa teoria ao se deterem nos princípios

básicos de organização e nas relações que ocorrem entre os elementos de um

19

sistema. A concepção Sistêmica, de acordo com Capra, vê o mundo em suas

relações e integração, e afirma: “em vez de se concentrar nos elementos ou

substâncias básicas, a abordagem sistêmica enfatiza princípios básicos de

organização” (CAPRA, 1995, p. 260). Constatamos que o objeto de estudo desta

teoria está justamente nas relações que acontecem nos espaços intra, inter e trans

grupais e isto ocorre porque ela enfatiza as propriedades que emergem nas relações

intrinsecamente dinâmicas, ao invés das propriedades isoladas de cada fenômeno

ocorrente.

Quando Bertalanffy (1968/2009, p. 84) fala sobre o sistema como um

complexo de elementos em interação, ele ilustra o conceito, exemplificando da

seguinte forma: “a interação significa que os elementos p estão em relações R, de

modo que o comportamento de um elemento p em R é diferente de seu

comportamento em outra relação R‟ ”. Portanto, podemos entender que nós

assumimos diferentes papéis e interações dependendo do contexto e com quais

pessoas nos relacionamos. Ilustramos esse conceito como seguinte exemplo: o

relacionamento de uma determinada mulher com seus filhos ou com o seu marido

será diferente do relacionamento com o seu chefe de trabalho, pois ela se

comportará de acordo com o que é esperado em cada um dos contextos.

Vasconcellos (2009) afirma que a diferença na forma de se relacionar fica implícita

na interação, pois é esta que constitui o sistema e torna os elementos daquela

relação mutuamente interdependentes. Hoje na escola podemos perceber que o

professor, além de seus papéis particulares e pessoais, devido às circunstâncias e

mudanças sociais e culturais a que todos estão expostos, tem sido “forçado” a

aceitar outros papéis na sala de aula além do de professor: conselheiro, psicólogo,

pai ou mãe, disciplinador, entre outros. Desta forma os papéis acabam, por vezes,

se confundindo entre os contextos pelos quais o professor transita.

Compreendemos que para entender o comportamento das partes, é

indispensável levar em consideração as relações que ali acontecem, pois as partes

isoladas não formam um todo coeso, um sistema. Se somarmos as características

dos elementos de um amontoado de pessoas que não se inter-relacionam, não

teremos um sistema formado, pois precisamos perceber as pessoas em suas

relações específicas. Por isso, nos apoiamos em Vasconcellos quando cita: “as

relações são o que dá coesão ao sistema todo, conferindo-lhe um caráter de

totalidade ou globalidade, uma das características definidoras do sistema”

20

(VASCONCELLOS, 2009, p.199). São as relações que dão significado e vida ao

sistema.

O sistema apresenta algumas características que o definem como tal.

Recorremos a Watzlawick et al para buscarmos algumas dessas características ou

princípios. Ele cita alguns princípios básicos sobre os estudos que realizou na

família como um sistema. Um desses princípios é o da globalidade, onde conceitua

que o comportamento de cada pessoa dentro de um sistema/família “está

relacionado com (e depende do) comportamento de todos os outros. Todo o

comportamento é comunicação e influencia e é influenciado por outros” (1967/2007,

p.122). Quando há uma mudança, qualquer que seja, para pior ou para melhor, esta

influenciará os demais membros do sistema. Desta forma, podemos entender que

um sistema se comporta não como um simples conjunto de pessoas ou elementos

independentes uns dos outros, mas como um todo inseparável, interdependente e

interligado cujas mudanças afetam as partes e, como consequência, provocam

alterações no todo. Por sua vez, Grandesso (2006) também comenta sobre a

característica da globalidade do sistema, onde “todo e qualquer sistema comportam-

se como um todo coeso” (p.120). Assim, podemos compreender que é impossível

alterar as partes sem que o todo sofra as consequências dessas mudanças. No

cotidiano escolar é grande a carga de queixas dos alunos e, principalmente, dos

professores sobre problemas em suas relações, queixas essas advindas,

provavelmente, das mudanças que estão ocorrendo na sociedade e que afetam a

escola. Portanto, as partes estão sendo afetadas e alteradas, mas ainda por não

saberem lidar com essas mudanças, acabam desiquilibrando o todo.

Watzlawick et al. (1967/2007) complementam o princípio da Globalidade

citando duas características importantes: o da Não Somatividade e o das relações

entre os elementos de um sistema. Na Não Somatividade ele afirma que a análise

de um sistema não é a soma das análises dos seus membros individuais, mas sim

análise do conjunto das inter-relações, pois no sistema existem características,

padrões de interação que ultrapassam as qualidades dos membros individuais.

Grandesso interpreta o princípio da Não Somatividade afirmando que um sistema

não pode ser considerado como a soma de suas partes, isto é, “a complexidade

sistêmica não pode ser explicada a partir da soma dos seus elementos”

(GRANDESSO, 2006, p.120), mas em seus relacionamentos e contextos. Se

21

buscarmos decompor um sistema em unidades independentes e lineares, não

estaremos compreendendo a globalidade do sistema.

Outra característica apresentada por Watzlawick et al. diz respeito às

relações onde afirma que no sistema elas não podem ser unilaterais entre seus

elementos. Ele esclarece essa ideia exemplificando da seguinte forma: “afirmar que

o comportamento da pessoa A causa o comportamento em B é ignorar o efeito do

comportamento de B sobre a reação subsequente de A” (WATZLAWICK et al.,

1967/2007, p. 114), ou seja, A influencia B e B influencia A. Portanto, há que se

tomar cuidado, especialmente, quando se trata de relações entre os pares: pais-

filhos, líder-liderado, professor-aluno, pois nestas quem tem o poder acaba por ter

uma relação com o outro de uma forma mais unilateral, ou seja, ele manda e o outro

tem que obedecer. Porém, sabemos que é impossível A não influenciar B e B não

influenciar A. Por mais que as relações, em alguns casos, sejam de poder (quem

manda mais), um exerce influência sobre o outro o que provocará de alguma forma

mudanças em ambos.

Outro princípio dos sistemas citado por Watzlawick et al. (1967/2007) é o que

podemos chamar de circularidade, ou seja, as partes de um sistema se unem por

meio de uma relação circular. Quando nos referimos à circularidade, entendemos

que a interação entre os elementos de um sistema não é linear e sim circular, e

recorremos a Gasparian (1998) para compreendermos melhor esse princípio. Ela

explica que no caso da circularidade a noção de causa e efeito passa a ser

entendida de forma diferente, ou seja, no conceito de causalidade circular um todo

não possui começo nem fim e qualquer tentativa de transferir responsabilidade para

onde o problema começou é inapropriado. Assim, para se entender uma situação

problema é necessário englobar todos os elementos envolvidos e tentar

compreender a forma como eles estão ligados. Miermont e cols afirmam que a

circularidade “descreve uma sequência temporal de encadeamentos ligados por uma

relação de causalidade de tal maneira que o último estado da sequência age em

retorno sobre o estado inicial, formando assim um anel” (MIERMONT e cols, 1994

p.138).

Em Vasconcellos buscamos alguns esclarecimentos sobre a questão do

feedback e da retroalimentação:

22

Quando se diz que um sistema conta com um mecanismo de retroação ou retroalimentação, isso quer dizer que, à medida que o sistema vai funcionando, vai também sendo informado dos resultados ou efeitos produzidos por seu funcionamento. Ou seja, uma parte do resultado (output) é enviada, como informação (input), para a entrada do sistema (VASCONCELLOS, 2009, p.219).

Podemos exemplificar esse princípio citando a escola. Ela é vista como um

sistema e pode ser encarada como um circuito de retroalimentação, pois o

comportamento de cada indivíduo afeta e é afetado pelo comportamento de cada

uma das pessoas envolvidas, e os resultados das mudanças voltam como um

feedback ao início do circuito. Nesse processo, todos os elementos movem-se juntos

e podemos compreendê-lo sempre em termos de relações, informações e

organização entre seus membros (GASPARIAN, 1998).

Em Watzlawick et al. (1967/2007) buscamos esclarecimentos sobre o

princípio de homeostase, quando descreve que as admissões ou as ações dos

membros de um sistema ou do meio são influenciadas e modificadas também pelo

sistema. O princípio de homeostase são padrões ou processos básicos para a

manutenção de um sistema. Geralmente cada sistema tende a oferecer resistência a

determinadas mudanças que ameacem o equilíbrio desse sistema, por isso tentam,

quanto possível, manter seus padrões de interação, ou seja, a sua homeostase, seu

equilíbrio. Porém, a relação de um sistema pode ser perturbada pelos “inputs”

naquele sistema ao reagir positiva ou negativamente. Entendemos aqui “inputs”

como sendo a entrada de novas informações, atitudes, valores, comportamentos,

entre outros, que venham, de alguma forma, ameaçar o equilíbrio do sistema. Se

este aceitar os “inputs” do meio e mudar sua organização ele estará sendo

retroalimentado e dando feedbacks positivos. Podemos exemplificar este princípio

ao pensarmos no sistema professor-aluno. Se o professor procura compreender a

fase em que seus alunos estão vivendo, por exemplo, a adolescência, e se aproxima

mais do adolescente, se reorganiza para adaptar-se a essas mudanças, busca

dialogar e compreendê-lo melhor, a tendência é o sistema começar a achar um

caminho para a homeostase, para o equilíbrio. Isto favorecerá o circular da

informação, baixando possíveis barreiras. Porém, Grandesso (2006) alerta que

existem sistemas que estão sempre tentando se proteger das mudanças, não as

aceitam e esperam com isso manter o equilíbrio desse sistema. Podemos perceber

no cotidiano da escola, por exemplo, alguns professores que são inflexíveis e para

23

eles não interessa se essa geração de adolescentes é diferente da geração

passada. Eles continuam a agir da mesma forma, e usam as mesmas estratégias

para dar suas aulas. Alguns conflitos surgem, mas eles não aceitam mudar.

Quando o sistema aceita os “inputs” do meio e se reorganiza para adaptar-se

às mudanças ele é considerado um sistema aberto. De acordo com Miermont e cols.

o “sistema aberto supõe um intercâmbio de matéria, de energia e de informação com

o meio ambiente” (MIERMONT e cols.,1994, p. 507, 508). No entanto, no sistema

aberto é importante cuidar com o grau de abertura, ao permitir intercâmbios

necessários com outros sistemas sociais, é necessário tomar cuidado para que o

sistema não esteja totalmente aberto, para que não haja invasão completa. Caso

haja essa invasão o sistema pode correr o risco de ser destruído por falta de limites

e defesas necessários para o equilíbrio desse sistema. A escola é um sistema

aberto por causa dos movimentos que ocorrem a todo tempo para dentro e para fora

desse sistema na qual ocorrem “interação uns com os outros e com sistemas

familiares e extrafamiliares (como o meio ambiente e a comunidade), num fluxo

constante de informações, energia e material” (GASPARIAN, 1998, p.35). No

sistema-escola, podemos observar dois outros sistemas que estão em constante

interação: o professor e o aluno, que precisam estar abertos para receber

informações, conhecimentos, culturas vindos de cada um deles. Eles precisam estar

abertos suficientemente para que haja mudanças e crescimento necessários para

ambos. A estrutura do sistema precisa estar preparada para receber e lidar com

esses “inputs” vindos do seu ambiente, pois são os mecanismos constantes em sua

estrutura que determinam suas reações e possíveis mudanças em relação aos

aspectos de seu ambiente.

O que ajuda a manter o equilíbrio do sistema é o que Vasconcellos chama de

auto-regulação: “quando o próprio sistema exibe um comportamento adaptativo às

variações do meio, diz-se que está exibindo auto-regulação” (VASCONCELLOS,

2009, p.220). Para compreendermos esse conceito podemos citar como exemplo, o

sistema professor e aluno. Na sala de aula quando um aluno causa algum tumulto

prejudicando o andamento da aula, o professor, para recuperar novamente o

equilíbrio do sistema, pede para chamar o diretor disciplinar. Se o diretor não se

encontra e o professor mesmo procura resolver o problema conversando à parte

com o aluno, e se consegue resolver o problema, neste caso podemos dizer que o

24

sistema encontrou a auto-regulação. O professor pode incorporar essa atitude para

outros casos que ocorram na sala.

Alguns sistemas conseguem absorver grandes problemas e converte-os em

fortalecimento para o próprio sistema, enquanto outros parecem ser incapazes de

suportar o menor problema, e se desequilibram. Neste último caso, pode-se

considerar esse sistema como fechado. Tentando manter a homeostase do sistema

acabam tendo problemas maiores. Tudo depende dos recursos que cada sistema

desenvolve para se equilibrar diante de situações problemáticas: ou se fecha e

paralisa diante do problema, ou se abre para novos caminhos e alternativas. No

cotidiano da escola, podemos ver um exemplo no sistema aluno-professor: o do

professor, que diante do desinteresse dos alunos ao explicar a matéria, tenta criar

novas técnicas de passar o conteúdo e chamar a atenção, por outro lado há

professor que prefere deixar como está pois acha que os alunos estão

desinteressados, não querem aprender.

Concluímos então que a teoria dos sistemas, como qualquer outra teoria, tem

seus próprios axiomas (linguagens e enunciados próprios). Recordamos que a teoria

geral dos sistemas define um sistema como um complexo de elementos em

interação e, podemos sintetizá-la da seguinte forma (BERTALANFFY, 1968/2009):

1. Os elementos de um sistema são considerados subsistemas, dependendo da

posição que se estabelece em relação aos sistemas maiores, tal como o indivíduo é

um sistema em si, mas como pertencente à família torna-se um subsistema. Assim

como a família compreendida como um sistema, torna-se subsistema quando é

analisada como parte integrante de uma sociedade. Podemos esclarecer esse

conceito observando o esquema a seguir (figura 1):

25

Figura 1- Exemplos de relações entre os sistemas e subsistemas

2. O olhar do observador, para saber se a relação é de Sistema para Sistema ou

de Sistema para subsistema, depende da comparação que estamos fazendo

ou estudando. Dependendo do olhar, eles são ao mesmo tempo todo e parte,

ou sistemas dentro de sistemas.

3. A interação entre elementos, ou entre sistemas e subsistemas, estão sempre

buscando manter o equilíbrio do sistema (homeostase);

4. O sistema é aberto ou fechado, se permite, ou não, intercâmbios de matéria,

de energia e de informação com seu meio ambiente;

5. Com frequência, o funcionamento interno do sistema não pode ser conhecido,

apenas é percebido a partir da maneira como se estabelecem suas

sequências relacionais.

26

Capra, ao falar sobre a concepção sistêmica, a descreve como sendo a nova

visão da realidade, e a define como “o estado de inter-relação e interdependência

entre todos os fenômenos físicos, biológicos, psicológicos e sociais” (CAPRA, 1995,

p. 259). O destaque nesse caso é para as interações e interdependências entre as

partes do sistema vivo e a busca pela auto-organização e auto-renovação/auto-

regulação. Ele vem apresentando os aspectos da totalidade exibidos por todos os

sistemas que estão em interação mútua.

2.2 APROXIMAÇÕES ENTRE MORIN E VIGOTSKI: INTERAÇÃO NO ESPAÇO

SOCIAL

Morin defende a teoria do pensamento complexo, a qual alerta para a

necessidade de se enxergar os fatos e o mundo de forma sistêmica e

interdisciplinar. Ele diz que o próprio desenvolvimento no século XX “fez com que

nos defrontássemos cada vez mais amiúde e, de modo inevitável, com os desafios

da complexidade” (MORIN, 2002b, p.16). A formação que recebemos na escola nos

força a enxergar o mundo de forma fragmentada e nos induz a separar os objetos de

seu contexto, assim como acontece com as disciplinas na sala de aula onde são

separadas uma das outras e muitas não se relacionam. O autor relata que “essa

separação e fragmentação (....) é incapaz de captar „o que está tecido em conjunto‟,

isto é, o complexo, segundo o sentido original do termo” (MORIN, 2002b, p.16). A

fragmentação separa as pessoas, os fatos, os problemas do seu contexto e impede

a visualização ampla e verdadeira da situação, dificultando assim a solução dos

problemas. Enxergar os fenômenos em seu contexto, de forma sistêmica, em suas

inter-relações nos possibilita encontrar caminhos, para analisá-los com o

entendimento do complexo em que ocorrem, permitindo obter uma visão do todo e

não apenas das partes isoladas. Corrobora com essas afirmações a citação feita por

Morin: “os espíritos parcelados tornam-se cegos às inter-retroações e a causalidade

em circuito” (MORIN, 2002b, p.16).

Para evitar essa “cegueira”, seria necessário promover meios para que as

pessoas se tornem conscientes da necessidade de encarar o contexto, o complexo e

que sejam incitadas à reflexão, a fim de poder tecer um fio que perpasse, una e

promova um visualizar sistêmico. Para Morin a “inteligência que só sabe separar,

27

rompe o caráter complexo do mundo em fragmentos desunidos, fraciona os

problemas e unidimensionaliza o multidimensional” (MORIN, 2002b, p.17).

Buscamos em Bertalanffy (1968/2009) a confirmação dessas ideias quando orienta

que para conhecer as características de um sistema é necessário entender as

relações específicas no interior do complexo, levando em consideração não somente

as partes, mas as relações entre elas. Vasconcellos afirma que se pudermos

observar um fenômeno de forma contextualizada e ampliando o foco, podemos

verificar em que circunstância o fenômeno acontece, e ao estudar as relações em

suas interações, poderemos ver, de acordo com ela, “não mais um fenômeno, mas

uma teia de fenômenos recursivamente interligados e, portanto, terá diante de si a

complexidade do sistema” (VASCONCELLOS, 2009, p.151).

Vigotski, por sua vez, enfatiza o processo histórico social e o papel da

linguagem no desenvolvimento humano. Sua questão central é a aquisição de

conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. Ele considera o homem

sempre inserido na sociedade, sua abordagem é orientada para os processos de

desenvolvimento do ser humano com ênfase na dimensão sócio-histórica e na

interação do homem com o outro no espaço social (Vigotski, 1998). Ele acreditava

que as características individuais e até as atitudes estão impregnadas de trocas com

o coletivo, ou seja, mesmo o que tomamos por individual de um ser humano foi

construído a partir de sua relação com o outro. Seus estudos nos mostram que a

internalização de conceitos é promovida pela aprendizagem social, principalmente

aquela planejada no meio escolar. Martins, Castanho e Angelini (2011, p.168)

afirmam que “ é esse movimento „de dentro para fora‟ que possibilita a construção

de sujeitos únicos, por meio de vivências individuais na relação com os outros, com

o mundo”.

Morin (2002a), ao defender o pensamento complexo, afirma que este requer

um pensamento que leve em conta relações, inter-relações, e as implicações nessas

relações. Ele acredita que ao observar os fenômenos em suas inúmeras dimensões

sejam analisadas verdades aparentemente contraditórias, e que ao focar a relação

entre as partes se leve em consideração o todo, sem desrespeitar a individualidade.

Gasparian (1998) ao falar sobre Vigotski comenta que por meio de seus estudos ele

mostra a importância da dimensão cultural e histórica do sujeito, e que por meio da

teia de relações sociais, são formados o pensamento e o conhecimento. Martins,

Castanho e Angelini (2011, p.169) corroboram esse pensamento ao afirmarem: “o

28

funcionamento psicológico humano, portanto, é construído ao longo da vida por meio

de um processo constante de interação do indivíduo com o seu meio social”.

Podemos dizer que nesse caso a pessoa é formada pelas interações com o meio

físico e social, com o mundo das relações humanas. Gasparian (1998) vem

colaborar com este pensamento ao se referir à teoria Interacionista defendida por

Vigotski, a qual enfatiza que:

cada um dos pólos- sujeito e objeto- entra com sua parte: o sujeito entra com a „forma‟ de pensamento e o objeto, com o „conteúdo‟ da matéria. A síntese da ação dos dois é que produz, por construção, tanto a mente como o conhecimento. Vemos então uma das propriedades da Teoria do Sistema: a circularidade, onde A, que influencia B, que B influencia A (GASPARIAN, 1998, p. 58 e 59).

Na busca do verdadeiro pensamento complexo de Morin (2002b) esbarramos

em vários conceitos e princípios, entre eles estão três princípios básicos interligados:

o recursivo (autoprodutivo): processo no qual efeitos e produtos são

necessários à produção e à sua própria causação, na recursividade a causa

produz um efeito, que por sua vez produz uma causa. Nós mesmos, por

exemplo, somos os efeitos e os produtos de um processo de reprodução, mas

somos também seus produtores (circularidade). Somos produto de uma união

biológica, entre um homem e uma mulher, e por nossa vez seremos

geradores de outras uniões.

o dialógico: ele é necessário para afrontar realidades que, justamente, unem

verdades aparentemente contraditórias. Criam-se novas possibilidades de

entendimento de fenômenos ocorrentes. Por exemplo, “viver de morte e

morrer de vida”. O dialógico envolve o entrelaçar coisas que aparentemente

estão separadas, por exemplo: razão e emoção, sensível e inteligível, o real e

o imaginário, a razão e os mitos, a ciência e a arte.

o hologramático: a parte está no todo, como o todo está na parte. Por

exemplo, cada célula do corpo humano contém a totalidade das informações

de determinada pessoa. A pessoa é o todo e as células são as partes que

também contém o todo.

29

Sintetizando, podemos dizer que o pensamento complexo junta coisas que

estavam separadas, faz circular o efeito sobre a causa, não dissocia a parte do todo,

pois o todo está na parte e a parte está no todo. Partindo destes três princípios é

possível fazermos algumas aproximações entre Morin e Vigotski. Em cada um dos

princípios vamos buscar aproximações entre estes dois teóricos.

Aproximações pelo princípio Recursivo ou Autoprodutivo

Neste princípio, Morin diz que a causalidade linear é rompida, e explica que

“este circuito implica num processo no qual efeitos e produtos são necessários à sua

própria causação” (MORIN, 2002b, p.64). Podemos compreender, por exemplo, que

só há cultura enquanto esta for resultado da ação de homens que, por sua vez, a

mesma ação produz cultura, isto é, ela também é produtora do próprio homem.

Vigotski acredita que as características individuais e até mesmo as atitudes

individuais estão impregnadas de trocas com o coletivo, ou seja, mesmo o que

tomamos por mais individual de um ser humano foi construído a partir da relação

com o outro (VIGOTSKI,1998) . Na relação professor-aluno, ambos trazem suas

experiências de vida, sua cultura, que em contato um com outro provocarão

mudanças em ambos, um influenciará o outro, e nesta interação cada qual será

produtor e produto de novas aprendizagens. Neste sentido, Morin afirma que:

Uma sociedade é o produto das interações entre os indivíduos que a compõem. Desta sociedade emergem qualidades como a língua ou a cultura que retroagem sobre os produtos, produzindo indivíduos humanos. De modo semelhante, deixamos de ser apenas primatas, graças à cultura. A causalidade é representada de agora em diante por uma espiral. Ela não é mais linear” (MORIN, 2002 b, p.64).

Nessa perspectiva as relações passam a ser bilaterais e em espiral onde

cada um influencia e é influenciado pelo outro. Em Vigotski podemos encontrar

aproximações a essas ideias de Morin:

Todo cultural é social. A cultura é precisamente o produto da vida social e da atividade “mancomunada” do homem, e, por isto, o próprio apontamento do problema do desenvolvimento cultural da conduta nos introduz, de maneira direta, no plano social do desenvolvimento (ViGOTSKi, 1931/1987, p. 162).

30

Observamos então que tanto Morin quanto Vigotyski, quando falam sobre a

constituição de cada sujeito, se referem à relação sujeito-sociedade (ZANELLA,

2003). Percebemos que a escola é um desses locais no qual inúmeras

transformações acontecem, pois ali tanto alunos quanto professores estão

produzindo cultura e, de igual forma, estão sendo produtos dessa cultura.

Aproximações pelo princípio hologramático

Morin escolheu chamar este princípio de hologramático por causa do ponto

holograma que contém a quase totalidade da informação da figura apresentada. Por

isso, se entendermos a sociedade como um todo, também, nós como parte teremos

a sociedade em nosso interior, porque, de acordo com o autor “somos portadores de

sua linguagem e de sua cultura” (MORIN, 2002b, p. 65). Podemos compreender

ainda esse conceito ao lermos a citação de Morin:

um todo emerge a partir de elementos constitutivos que interagem, e o todo organizador que se constituiu retroage sobre as partes que o constituem. Essa retroação faz com que estas partes só possam funcionar graças ao todo (MORIN, 1983, p. 23).

Percebemos que há uma influência recíproca entre todo e partes. Para

Vigotski, a relação todo-partes acaba aparecendo em vários contextos, um deles diz

respeito à necessidade de se identificar unidades de análise, sobre o qual afirma:

As unidades, diferentes dos elementos, não perdem as propriedades inerentes ao todo que deve ser objeto de explicação, senão que encerram em sua forma mais simples e primária essas propriedades do todo que tem motivado a análise (ViGOTSKi, 1934/1991a, p. 288).

Tanto Morin quanto Vigotski entendem o todo relacionado com as partes que,

isoladamente, possuem também a própria harmonia. Zanella (2003) diz que parece

haver uma linha norteadora entre os dois autores, existe uma relação inexorável

entre geral e particular, todo e partes, que se caracteriza como de mútua

constituição. Para ela, o que os diferencia sobremaneira é onde aplicam esse

princípio: Vigotski estava interessado em explicar o psiquismo humano, sua gênese

e processo de desenvolvimento, o que só é possível via análise de produção cultural

e da produção cultural do sujeito, Morin, por sua vez, vem dedicando esforços no

31

sentido de explicar a complexidade do universo, assim como de todo e qualquer

conhecimento que se produz sobre esse universo.

Aproximações pelo princípio Dialógico

Neste princípio complexo, Morin (2002b) envolve o entrelaçar coisas que

aparentemente estão separadas. No caso do professor e o aluno com posições e

falas divergentes, conforme se aproximam e dialogizam, podem percebem que as

posições e conceitos outrora divergentes, são verdades que apenas precisavam ser

compreendidas e esclarecidas. Por meio desta interação dialógica poderão ocorrer

mudanças em ambos.

Morato (1996), ao falar sobre Vigotski, comenta sobre o movimento dialético

entre exterioridade e interioridade, demonstrando assim a influência da natureza

sobre o homem e o homem, por sua vez, age sobre a natureza e cria novas

condições para a manutenção de sua existência, assim, nesta aproximação, nos

apoderamos do conceito dialético que viria como um primeiro passo para chegar ao

dialógico defendido por Morin.

Ao criar este princípio, Morin (2002b) afirma que é preciso, em determinados

casos, juntar princípios, ideias e noções que, muitas vezes, aparentemente, opõem-

se uns aos outros. Neste princípio faz-se necessário afrontar realidades profundas

que justamente unem verdades aparentemente contraditórias.

Abaixo seguem duas citações, uma de Morin e uma de Vigotski, que trazem,

em si mesmas, aparente contradição, porém com verdades profundas, quando

analisadas e confrontadas. Estas citações acabam confirmando e reforçando o

princípio dialógico.

Quando falo “ao mesmo tempo que eu”, falamos “nós”; nós a comunidade cálida da qual somos parte. Mas, não há somente o “nós”; no “eu falo” também está o “se fala”. Fala-se, algo anônimo, algo que é a coletividade fria. Em cada “eu” humano há algo de “nós” e do “se”. Pois o “eu” não é puro e não está só, nem é único. Se não existisse o “se”, o eu não poderia falar (MORIN, 1996, p. 54).

Temos consciência de nós mesmos porque a temos dos demais e pelo mesmo procedimento através do qual conhecemos os demais, porque nós mesmos em relação a nós mesmos somos o mesmo que os demais em relação a nós. Tenho consciência de mim mesmo somente na medida em que para mim sou outro” (VYGOTSKY, 1996, p. 82).

32

De forma genérica o sujeito é entendido como socialmente constituído, a

esfera do social, é considerada não como a do outro, mas fundamentalmente a da

relação com o outro. O que se destaca nessas reflexões é o que caracteriza o

propriamente humano: a possibilidade de reconhecer o outro, o diferente, o que é

feito a partir da referência ao que é conhecido, assim como de converter-se em outro

de si mesmo, o que lhe permite se conhecer. Nessa aparente contradição encontra-

se o que de fato somos.

Com os três princípios apresentados por Morin e buscando algumas

aproximações com Vigotski, é possível criarmos a noção de totalidade, mas ao

mesmo tempo criarmos uma concepção de que a simples soma das partes não leva

a este total. Vigotski afirma que “cada pessoa é, em maior ou menor grau, o modelo

da sociedade, ou melhor, da classe a que pertence, já que nela se reflete a

totalidade das relações sociais”. (VIGOTSKI, 1996, p. 368).

Depois destas considerações podemos perceber de qual sujeito Morin e

Vigotski estão falando. Para Morin o sujeito... “é uma qualidade fundamental, própria

do ser vivo, que não se reduz à singularidade morfológica ou psicológica (...) é uma

realidade que compreende um entrelaçamento de múltiplos componentes” (MORIN,

1996, p. 52). Desta maneira, podemos compreender que ele vê o sujeito em suas

inter-relações com vários outros sistemas, como se fosse uma complexa teia de

aranha. Já, para Vigotski (1931/1991b), o sujeito é uma pessoa, um ser em

desenvolvimento que está em constante movimento e, por meio da utilização de

ferramentas culturais na atividade, é capaz de regular sua conduta e vontade. O

sujeito é um movimento constante, e para que ele esteja sempre em movimento há

necessidade do outro, assim acontecem as relações e, muitas vezes, uma

interdependência de um para com o outro. Ao tentar uma aproximação dos

conceitos propostos pelos estudiosos citados, vemos que o eu (como parte) está

inserido no todo, pois não sobrevive se assim não o for.

Nesses movimentos e relações acontecem, muitas vezes, crises, que são

momentos em que se produzem saltos qualitativos que modificam a relação, os

vínculos e produzem aprendizagem significativa.

Desta forma, podemos construir a seguinte ponte entre Morin e Vigotski: se para

Morin é de suma importância ter um olhar do complexo, do todo e não das partes

isoladas, de suas relações e interações; para Vigotski acaba sendo algo parecido

também, porque entende que será no âmago das interações, ou seja, no interior do

33

coletivo, que a pessoa terá condições de construir suas próprias estruturas

psicológicas. Para ele, não basta ter todo o aparato biológico da espécie para poder

realizar uma tarefa, se o indivíduo não participa de ambientes e práticas específicas

que propiciem esta aprendizagem. A aprendizagem deste indivíduo dependerá das

experiências a que foi exposto. Neste modelo, o sujeito é reconhecido como ser

pensante capaz de vincular sua ação à representação de mundo que constitui sua

cultura. A escola propiciará espaço e tempo, nos quais o processo de ensino-

aprendizagem será vivenciado, envolvendo diretamente a interação entre sujeitos.

Pela interação social, aprendemos e nos desenvolvemos, criamos e construímos

novas formas de agir no mundo, ampliamos nossas ferramentas de atuação no

contexto cultural complexo do qual todos fazemos parte.

2.3 SERES HUMANOS E A COMUNICAÇÃO

A comunicação faz parte dos seres humanos, portanto, exceto em casos de

doenças específicas, é impossível não comunicar. Buscamos em Watzlawick et al.

compreender esse pensamento, estes explicam que um indivíduo não pode não se

comportar, pois se todo comportamento em uma situação de interação é

interpretado como mensagem, e mensagem é traduzida como comunicação, logo

“por muito que o indivíduo se esforce, é-lhe impossível não comunicar”

(WATZLAWICK et al., 1967/2007, p.45). Entendemos que até mesmo quando

estamos em silêncio, estamos nos comunicando e, às vezes, nessas circunstâncias,

passamos a mensagem de “não estou para conversas, não me incomode”. Desta

forma, querendo ou não, estamos todo o tempo nos comunicando. Eles, ainda,

apontam outro detalhe e reforçam a ideia de que um indivíduo não apenas

comunica, ele se envolve em comunicação, ele participa dela, pois se torna parte da

comunicação. Por isso, entendemos que a comunicação no sistema precisa ser

compreendida no nível transacional, no qual há conversas e trocas.

Miermont e cols. (1994) conceituam que comunicar em sua forma transitiva

seria o mesmo que transmitir, não apenas de forma unilateral, mas bilateral, onde

um comunica e o outro responde. Isto significa estar em relação, e, portanto, pela

comunicação introduzimos a circularidade, pois a comunicação acontece em um “vai

e vem” de conversas e informações.

34

Para Miermont e cols. (1994, p. 542) “os fatos de comunicação são a arte e a

ciência de tornar uma ação eficaz através do tratamento de informações”.

Compreendemos que aquilo que recebemos pela comunicação, pode ser

considerado uma comunicação eficiente se conseguimos realizar ações sobre a

informação recebida. Podemos entender melhor este conceito ao usar um exemplo

do cotidiano da escola: em uma reunião com professores, a coordenadora conversa

com eles e passa as coordenadas de como acontecerá o sistema avaliativo do ano

corrente. Ela perceberá se a comunicação foi eficaz, se no dia a dia os professores

colocaram em prática o que foi combinado. Porém, por vezes, percebemos que a

comunicação sofre muitos ruídos o que pode vir a comprometer o trabalho. Quanto

melhor for a interação entre as partes, melhor será a comunicação. Watzlawick et al.

(1967/2007) ao falar sobre interação, a definem como uma série de mensagens

trocadas entre pessoas. No caso do exemplo acima, se a interação entre os

professores e coordenadora for boa, as mensagens trocadas tendem a ser claras, o

que pode trazer sucesso na prática.

De uma forma ampla, comunicação seria a maneira que um influencia o outro.

Ao se influenciarem estão interagindo, pois os seres humanos existem sempre

imersos em um meio no qual interagem e se comunicam. Porém, a comunicação

não ocorre somente de maneira intencional, pois, comunicamo-nos mesmo sem

perceber.

Para haver uma boa comunicação entre as partes, é necessário observar a

relação da comunicação. Watzlawick et al. apresentam dois aspectos importantes na

comunicação humana: relato e ordem. O relato seria em relação ao conteúdo da

mensagem e a ordem diz respeito à relação da comunicação. Eles descrevem esses

dois tipos, respectivamente como:

O primeiro transmite os “dados” da comunicação, o segundo como essa comunicação deve ser entendida. “Isto é uma ordem” ou “Estou só brincando” são exemplos verbais de tais comunicações sobre comunicação. A relação também pode ser expressa não verbalmente, por um grito, um sorriso ou muitos outros meios. E a relação pode ser claramente entendida com base no contexto em que a comunicação ocorre, por exemplo, entre soldados uniformizados ou uma arena de um circo (WATZLAWICK et al., 1967/2007, p. 49).

Nesse sentido podemos compreender que o “relato” seria o conteúdo

propriamente dito, isto é, independentemente das emoções contidas podemos

35

comunicar qualquer coisa. Já a “ordem” seria o que de fato quero comunicar, ou

seja, a forma como comunico, seriam as relações entre as pessoas que se

comunicam. Na maioria das vezes, essas relações são estabelecidas não de forma

consciente ou planejada. Podemos citar, como exemplo, duas frases onde

procuramos esclarecer a questão de relato e de “ordem”:

__Ao dirigir, use o freio somente quando for necessário.

__Se ficar pisando o tempo todo no freio, você acaba com o meu carro.

As duas frases têm basicamente o mesmo conteúdo de informação (relato),

porém determinam relações muito diferentes. Compreendemos que quanto maiores

são os problemas de ordem, maiores serão os problemas nas relações. Quanto

melhor forem as relações entre as partes, mais clara a mensagem fica. Buscamos

em Watzlawick et al. esclarecimentos sobre esse assunto:

De fato, parece que quanto mais espontânea e ´saudável´ é uma relação, mais o aspecto relacional da comunicação recua para um plano secundário. Inversamente, as relações ´doentes´ são caracterizadas por uma constante luta sobre a natureza das relações, tornando-se cada vez menos importante o aspecto de conteúdo da comunicação (WATZLAWICK et al., 1967/2007, p.48).

Constatamos que a forma como comunicamos e o contexto onde estamos

inseridos, influencia a forma como a mensagem chegará até os envolvidos. Ao

observarmos esse problema na relação professor-aluno, percebemos que, por

vezes, a comunicação fica cheia de problemas, pois o professor não é claro em suas

mensagens, ou então passa uma mensagem carregada de “ordem”, e o aluno não

compreende qual é a mensagem que o professor quer comunicar, ou reage

negativamente devido ao que interpretou. Quanto maiores os problemas nas

relações, maiores serão as dificuldades para se compreender o conteúdo da

mensagem. Desta forma, a interação entre professor e aluno acaba sendo

prejudicada.

Comunicamo-nos por meio da linguagem e por ela expressamos alegria,

tristeza, raiva, medo, em fim, expressamos nossas emoções. É normal ouvirmos em

nosso cotidiano que precisamos controlar nossos “nervos” e as nossas emoções.

Principalmente em contextos sociais, devido a regras estabelecidas ou aquilo que é

esperado, precisamos nos comunicar de forma mais racional. Buscamos em

Maturana (1997) informações sobre comunicação, linguagem e emoção. Ele afirma

36

que a participação da linguagem e das emoções no cotidiano dos relacionamentos é

fundamental e essencial para nos ajudar a comunicar. Porém, controlar as emoções

e comportamentos de forma racional no contexto em que nos encontramos, é

fundamental para evitarmos ou para resolvermos conflitos. O emocional e o racional

aparecem expressos em nossa habilidade para resolvermos os conflitos, e por meio

da linguagem podemos resolver as diferenças (MATURANA, 1997).

Maturana afirma que “a linguagem consiste num fluir de interações

recorrentes que constituem um sistema de coordenações consensuais de conduta”

(MATURANA, 1997, p.168). Entendemos que tanto seres humanos como os

animais, em suas interações com o meio em que estão inseridos, podem coordenar

suas ações para a busca de soluções de uma ou outra situação. No entanto,

somente na espécie humana há coordenações consensuais de conduta, de códigos

para se fazer entender. Os animais podem até interagir esporadicamente diante de

um estímulo, mas de acordo com Vasconcellos, “no caso dos seres humanos as

interações na linguagem não são episódios esporádicos, mas constituem o modo de

viver que vem sendo conservado pela espécie hominídea” (VASCONCELLOS,

2010a, p.18).

Comunicamo-nos por meio de vários elementos da linguagem: gestos, sons,

conduta e posturas corporais, estes vêm carregados de emoções e intenções.

Watzlawick et al. (1967/2007) em suas pesquisas sobre a comunicação humana,

constataram que as pessoas se comunicam de duas formas: digital, por meio das

palavras, e analogicamente, por meio de “postura, gestos, expressão facial, inflexão

da voz, sequência, ritmo e cadência das próprias palavras, e qualquer outra

manifestação não-verbal” (WATZLAWICK et al., 1967/2007, p. 57). Portanto, ao

comunicarmos, a leitura que o outro fará dessa mensagem levará em conta também

a mensagem que o organismo seja capaz de expressar naquele momento.

Vasconcellos (2010a) também fala das duas formas de comunicação, porém usa a

nomenclatura: verbal e não verbal. Entendemos que mais importante que a

mensagem (conteúdo) que está sendo passada, são as relações envolvidas, ou

seja, a riqueza da mensagem analógica (não verbal) envolvida. Quanto mais

cuidamos com a forma analógica que passamos a mensagem, mais compreendida a

mensagem (conteúdo) será. Ao tomarmos estes cuidados poderemos criar melhores

situações de interação nos relacionamentos.

37

É importante relembrarmos que toda comunicação tem um conteúdo e uma

relação, as duas formas de comunicação convivem lado a lado e uma complementa

a outra em todas as mensagens em que nos envolvemos. Sobre esse assunto

Watzlawick et al nos deixam uma dica: “o aspecto do conteúdo tem toda a

probabilidade de ser transmitido digitalmente, ao passo que o aspecto relacional

será predominantemente analógico em sua natureza” (WATZLAWICK et

al.,1967/2007, P.59). Portanto, a forma como comunicamos ou passamos a

mensagem define o tipo de relacionamento que teremos com as pessoas

envolvidas.

Em Maturana encontramos um estudo que vem corroborar as ideias acima

citadas. Ele afirma que o “fluir de suas mudanças corporais, posturas e emoções

tem a ver com o conteúdo de seu linguajar” (MATURANA, 1997, p.168). Ou seja, a

forma como usamos o nosso linguajar acaba mudando a nossa dinâmica corporal e

a dinâmica corporal, por sua vez, altera nosso linguajar. Pensando dessa forma

podemos compreender que todos os comportamentos ou condutas podem ser

considerados como mensagens informativas e pode causar impacto nos

relacionamentos.

Se nos comunicamos por meio da linguagem e das interações que nelas

acontecem, também é por meio delas que resolvemos nossos dilemas. Nós, seres

humanos, como seres de linguagem, vivemos imersos em comunicação, conversas,

conflitos, desavenças, e podemos resolver estas questões por meio da linguagem.

Somos seres relacionais e precisamos do outro para viver. Desta forma, de acordo

com Vasconcellos, “a compreensão do comportamento do ser humano (...) é uma

compreensão relacional ou interacional e, por isso, é reconhecida como uma teoria

sistêmica” (VASCONCELLOS, 2010a, p.17).

2.4 SERES HUMANOS E SISTEMAS SOCIAIS

Nós seres humanos somos caracterizados como seres de linguagem, pois

nos comunicamos uns com os outros, nos relacionamos e interagimos. Somos seres

sociais e pertencemos, segundo Vasconcellos, a “sistemas sociais humanos,

interagindo, se relacionando, linguajando, conversando (...)” (VASCONCELLOS,

2010a, p.19). Ao conversar e linguajar, precisamos do outro e assim estamos

38

imersos em um meio no qual interagir é essencial e vital. Nesta mesma direção,

buscamos em Maturana o conceito de sistemas sociais o qual diz:

Cada vez que os membros de um conjunto de seres vivos constituem, com sua conduta, uma rede de interações que opera para eles como um meio no qual eles se realizam como seres vivos, e no qual eles, portanto, conservam sua organização e adaptação, e existem em uma co-deriva contingente com sua participação em tal rede de interações, temos um sistema social (MATURANA, 1997, p.199).

Quando o autor fala sobre a questão de adaptação, entendemos que o ser

humano busca o equilíbrio entre ele e o meio em que está inserido, caso isso não

ocorra, as mudanças vindas do meio podem forçá-lo a mudar abruptamente e como

consequência podem gerar desestruturas profundas que podem chegar a aniquilá-lo.

As mudanças precisam acontecer aos poucos, de forma gradativa, a partir de uma

organização.

No sistema social é possível percebermos interações com sequências de

intercâmbios de mensagens entre as pessoas, percebermos a forma como os

membros estão vinculados uns aos outros, como se comunicam e desempenham

seus papéis naquele contexto. A escola, por exemplo, é um sistema social onde

acontece comunicação o tempo todo, e o professor e o aluno são os protagonistas

desse sistema. Sendo assim, nesse tipo de sistema, é importante haver integração

entre seus componentes por meio da comunicação para que haja melhorias

constantes em seu processo de ensinar e aprender.

Cada sistema social se distingue pelas características da rede de interações

que realizam, ou seja, cada sistema social é distinto um do outro. Citamos como

exemplos sistema família, sistema escola, sistema trabalho, entre outros. Nestes os

membros de cada um deles realizam condutas distintas. Um membro pode participar

de vários outros sistemas, porém apresenta condutas de acordo com cada contexto.

No sistema familiar, uma filha pode se comportar de acordo com aquele contexto e

se comportará na escola ou trabalho de acordo o respectivo contexto. Maturana

(1997) cita três tipos gerais de sistemas:

Sistemas sociais: é um sistema de convivência no qual deveria priorizar o

amor e o respeito ao outro;

Sistemas de trabalho: é um sistema de convivência no qual a emoção

dominante é o compromisso;

39

Sistemas hierárquico ou de poder: é um sistema de convivência no qual a

emoção dominante é a de autonegação ou a negação do outro numa relação de

ordem e de obediência.

Para essa pesquisa, nos deteremos nos sistemas sociais. Sobre este

Maturana explica “uma vez que as estruturas dos seres vivos que integram um

sistema social mudam, mudam suas propriedades, e o sistema social que estes

seres vivos geram com as suas condutas também muda” (MATURANA, 1997, p.

200). Cada sistema opera como um seletor de mudanças, mantendo a organização

e adaptação de seus membros. Os sistemas sociais precisam se preocupar

constantemente com a organização e adaptação de cada um dos seus integrantes,

prioritariamente lutando pela conservação da vida daquele sistema. Por exemplo, a

escola precisa se preocupar constantemente com cada um de seus membros

buscando adaptar-se às mudanças que ocorrerem. Palestras, treinamentos,

conscientização, atividades de integração, pesquisas, são exemplos de atividades

que a escola pode promover para ajudar na adaptação de seus membros às

mudanças.

Os sistemas não são isolados entre si, eles se conversam, se comunicam e

interagem. Os valores sociais podem ser percebidos quando passamos a observar a

interação entre os sistemas. Nessa interação os valores sociais vão sendo

afirmados, alterados, construídos. Percebemos, por exemplo, o aluno, em especial o

adolescente, que transita por vários sistemas e está em busca de sua identidade.

Muitas vezes ele traz questionamentos e comportamentos mais agressivos para

dentro da sala de aula e consequentemente causam problemas na relação com

professores e, muitas vezes, com seus pares. Losacco, ao realizar uma pesquisa

sobre o jovem e o contexto familiar, fala sobre a necessidade de conhecermos

“como se têm estabelecido os laços entre os jovens com os outros jovens, os jovens

com suas famílias e os jovens com a sociedade” (LOSACCO, 2008, p. 63). Ela

destaca ainda que para o entendimento do mundo em que vive esses jovens é

importante conhecermos as redes que têm sido tecidas. Cada pessoa torna-se parte

do social relacional, e entendermos um pouco dessas relações nos ajuda na

adaptação e organização dos sistemas nos quais estamos inseridos. Anderson

(2009) orienta que os sistemas humanos são sistemas linguísticos geradores de

significado e sua construção da realidade são formas de ação social, e não

40

processos sociais independentes. Assim, há necessidade de se conhecer melhor

essa dinâmica.

2.5 CONVERSA, CONVERSAÇÃO E ESPAÇO CONVERSACIONAL

Todo sistema social busca conversar para preservar suas características

particulares e de conduta própria, no entanto também está em contínua mudança

estrutural devido à entrada de novos componentes, perdas de outros elementos e

mudanças de estruturas nos seus membros que vêm de outros sistemas. Podemos

citar, por exemplo, a escola ao receber novos alunos também recebe

comportamentos e ideias diferenciados vindos de outros sistemas, como a família e

a sociedade. O sistema-escola busca formas de adaptar-se para encontrar o

equilíbrio nesse sistema e, ao mesmo tempo, preservar suas particularidades, suas

regras e normas, sua cultura, entre outros. Losacco (2008, p. 64) informa que “as

famílias reproduzem as dinâmicas sócio-hitóricas existentes”, e refletem

automaticamente no comportamento de seus filhos. Esses filhos, por sua vez, levam

esse impacto para a escola. Em nossa experiência profissional, notamos que as

mudanças ocorridas com certa velocidade na estrutura da sociedade e da família

têm causado um forte impacto sobre o sistema-escola. Isto tem afetado,

principalmente, a relação entre os professores e os alunos. Estes enfrentam e

desafiam mais os professores e parecem estar entediados em sala de aula. Os

conflitos entre eles têm sido mais frequentes e o desânimo dos professores têm sido

maior. Celso Vasconcellos afirma que os professores “andam perplexos com tudo

aquilo que vem acontecendo com eles, com a escola e com a sociedade” e está em

curso uma profunda mudança nessas relações para a qual ainda não despertamos

totalmente (VASCONCELLOS, Celso, 2007, p.16). O sistema social “escola” tem

sofrido com o rol de queixas de alunos, pais, professores e dirigentes.

Maturana chama de sistemas sociais aos sistemas de convivências

constituídos sob a emoção do amor e do respeito ao outro. Porém, muitas vezes,

não é o que tem ocorrido nas relações. Ele orienta que as interações e aceitação

sem acusações poderiam gerar conversações mais produtivas. De acordo com o

autor, “a palavra conversar vem da união de duas raízes latinas: cum, quer dizer

„com‟, e versare que quer dizer „dar voltas com‟ o outro” (MATURANA, 1997, p.167),

portanto conversar significa: dar volta com o outro, onde juntos expressam os

41

pensamentos por meio da linguagem e da emoção. A compreensão da linguagem e

das emoções do ser humano nesse conversar torna-se parte central de seu

desenvolvimento e do sistema no qual está inserido. O conversar poderia ser uma

possibilidade para se compreender melhor as mudanças que deveriam ocorrer no

sistema-escola.

Vasconcellos (2009) afirma que o entrelaçar do linguajar e do emocionar

determina a forma como conversamos. Às vezes essa forma pode se caracterizar

amorosamente, usufruindo dessa convivência; às vezes, raivosamente agredindo o

outro; e, às vezes, com medo e insegurança, fazendo com que se evite o outro. No

cenário da sala de aula presenciamos alguns conflitos oriundos da maneira como se

conversa: o professor muitas vezes chega cansado em sala de aula e menos

paciente, o aluno por sua vez quer conversar e falar o tempo todo e acaba deixando

o professor nervoso. Essa situação pode provocar um conflito no relacionamento

entre eles. Portanto, a forma como conversamos pode trazer consequências para o

nosso bem estar, assim como pode nos trazer sofrimento.

Maturana falando sobre a raiva gerada nos relacionamentos, aponta o

conversar como uma saída importante para se resolver conflitos. Ao falar sobre as

desavenças, ele orienta que quando ainda estamos no calor da raiva, nós podemos

e devemos buscar soluções, pois assim, diz o autor: “as emoções mudam e a

desavença ou se esvai ou se transforma, com ou sem briga, numa discordância

respeitável” (MATURANA, 1997, p.167). O conversar nos distingue de outros

animais e confirma nossa posição de seres humanos, pois além das emoções,

buscamos usar a razão para resolvermos conflitos.

Nas relações entre os seres humanos, o mecanismo fundamental de

interação nos sistemas sociais humanos é a linguagem, e por meio dela podemos

validar as condutas (ações) positivas e rejeitar as indesejáveis. Por isso,

destacamos aqui a preocupação que Maturana demonstra sobre o que cada sistema

está validando como conduta aceita naquele sistema. Ele justifica essa preocupação

ao escrever a seguinte frase: “se pertencemos a uma sociedade (sistema social)

cujos membros validam com sua conduta cotidiana a hipocrisia, o abuso, a mentira e

o autoengano, esse será o nosso modo de sermos humanos e o de nossos filhos”

(MATURANA, 1997, p. 206). Ao refletirmos no cotidiano da sala de aula pensamos

o quanto é importante a postura e a conduta do professor diante de seus alunos,

pois aqueles acabam ensinando, muitas vezes, mais pelo não intencional do que

42

pelo intencional (conteúdo). Portanto, quando conversamos precisamos cuidar com

as nossas atitudes, condutas, posturas e valores.

No linguajar as emoções estão presentes e estas são o aspecto fundamental

das relações humanas. Independentemente da situação ou espaço em que ocorrem

as conversas, o emocionar estará sempre envolvido e vai gerar ações específicas.

Maturana afirma que o emocionar é como “o fluir de uma emoção a outra, é como o

fluir de um domínio de ações a outro” (MATURANA, 1997, p. 170), isto nos leva a

entender que, dependendo da situação ou contexto onde estamos inseridos,

passamos de um emocionar a outro e quando isso ocorre passamos de um domínio

de ações a outro domínio. Vejamos por exemplo, na relação professor e aluno o

emocionar está presente em todos os momentos. Quando o aluno desacata o

professor, que estava sob uma determinada emoção (calmo) e que repentinamente

passa para outra emoção (raiva), consequentemente passa de um domínio de ações

(explicando o conteúdo e orientando os alunos) para outra ação (pedindo que o

aluno se retire da sala). Nesse caso, é possível que o professor, ao refletir sobre a

situação, tome a decisão de ter outra ação, por exemplo, conversar à parte com o

aluno, o que poderia gerar outras ações na interação entre eles.

Quando conversamos, nos movemos na linguagem em interações com os

outros e essas interações provocam mudanças em nossas emoções. Ao

conversarmos trazemos à tona emoções de histórias de convivências e interações

que já vivemos em outros contextos e relacionamentos (MATURANA,1997). Por

isso, podemos afirmar que a todo tempo estamos sob a influência das emoções,

mesmo quando estamos pensando sem a pressão de fortes emoções como ao fazer

uma leitura, resolver problemas matemáticos, ou simplesmente batendo um papo

(VASCONCELLOS, 2010a). Se mesmo nessas situações o emocionar está

presente, podemos ter certeza de que em situações de conversações sempre a

emoção será aflorada.

Na conversação surgem as emoções, surgem as lembranças de histórias

passadas e surgem convites para novas conversações, é o que explica Anderson

(2009, p. 158): “cada conversação (...) se torna um convite, um trampolim, para

outras conversas (...) cada conversação é parte de outras conversas, é influenciada

por elas e as influencia”. Ao acomodarmos as histórias e experiências passadas às

atuais, impomos uma nova unidade e um novo entendimento. Portanto, novas

43

conversas trazem novos significados para as pessoas que participam da

conversação, trazem novas formas de se relacionar e mudam comportamentos.

Grandesso traz importantes contribuições para se compreender o contexto

conversacional, principalmente ao falar sobre os questionamentos que podem

acontecer no falar e no ouvir o outro:

Quando se pergunta a um participante da sessão sobre a perspectiva do outro, cria-se um contexto para que os participantes possam tornar-se observadores de seus próprios padrões de interação (...). Assim, as diferenças surgidas desse contexto relacional que incentiva a escuta da versão da outra pessoa favorecem a validação de descrições alternativas, uma vez que convidam mais a uma escuta interessada do que à disputa por versões fatuais das histórias” (GRANDESSO, 2006, p.269).

O conversar possibilita resolvermos infinitas questões, pois somos seres

sociais. Vasconcellos (2010a, p.19) explica que temos sido chamados de seres

sociais porque somos biologicamente estruturados e, segundo ela, “dotados de

possibilidade da linguagem (no domínio da fisiologia) e porque vivemos em grupos e

em conversações (no domínio das interações)”. Logo, podemos afirmar que para

convivermos e interagirmos há necessidade de conversar e comunicar, pois esta é

uma das características mais importantes da vida.

Podemos entender o conversar como o fluir entrelaçado de linguajar e de

emocionar, mas quando o conversar acontece em uma rede particular de linguagem

e de emocionar, ele recebe o nome de conversação (MATURANA 1997). Quando

conversamos em um grupo específico no qual as emoções fluem por meio de uma

linguagem onde os integrantes procuram se entender, então estamos em

conversação.

Vivemos imersos em conversações, pois nas conversas formamos e

reformamos nossas experiências de vida e seus acontecimentos e, a partir delas,

podemos dar novos significados e compreensões para os eventos da vida. Desta

forma abrimos espaços para nos entender e para entendermos a realidade à nossa

volta (ANDERSON,2009). Ao buscarmos tal compreensão tentamos ter sob controle

nossos dilemas, problemas, preocupações, frustrações, sonhos e projetos.

Maturana (1997) ao escrever sobre as conversações afirma que há alguns

tipos gerais de conversações, que se dão no cotidiano da vida, com seus distintos

aspectos. Abaixo seguem dois tipos de conversações mencionados por ele:

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a) A cultura como rede de conversações - esta define um modo de viver que

envolve um modo de atuar e de emocionar, ou seja, conversamos baseados na

cultura na qual crescemos e convivemos.

b) Conversações de acordo com os sistemas- nós conversamos de acordo com

o contexto e sistema ao qual estamos inseridos no momento da conversa (social, de

trabalho, escolar, familiar, etc), no qual cada um deles se comporta como se fosse

uma rede particular de conversações.

As conversações ocorrem e se formam a todo momento, quer pela cultura na

qual as pessoas estão inseridas, ou quer no(s) sistema(s) do(s) qual(ais) participam,

pois a conversação é peculiar ao seu contexto de participantes e de circunstâncias.

Anderson (2009) fala de um tipo diferenciado de conversação o qual ela chama de

abordagem colaborativa. Seria uma forma diferente de estar num relacionamento, a

preocupação seria não somente sobre o que se conversa, mas a maneira como se

fala sobre o assunto. Segundo a autora, quando um grupo se reúne para uma

conversação, todos os participantes começam falando sobre o que trazem do seu

cotidiano. Essa conversa ocorre dentro de um contexto específico e, embora esteja

embutida em muitas outras conversas passadas, cada conversação tem seu objetivo

e intenção, sendo que todos os envolvidos têm contribuições a fazer trazendo à tona

suas conversas internas e silenciosas (ANDERSON, 2009). Sendo assim, é

importante conhecer as características básicas dos tipos de conversações

existentes.

As conversações, além de trazer experiências vividas no cotidiano, podem

trazer também dinâmicas emocionais particulares que dão origem, muitas vezes, a

ações contraditórias. Maturana (1997) cita três exemplos de conversações que

geram ações contraditórias:

a) Conversações nas quais se acusa implicitamente o outro - nesse caso

enquanto conversamos com o outro (alguém que queremos ao nosso lado), nas

entrelinhas passamos a informação de que o estamos acusando ou o culpando de

não cumprir promessas (que muitas vezes nem sequer foram feitas). O acusado

acaba por se sentir injustiçado, irrita-se e acaba rejeitando o outro. Esse tipo de

conversação pode gerar sofrimento, pois apesar de, ao mesmo tempo, haver uma

aceitação mútua e uma rejeição mútua, eles continuam conversando, pois

aparentemente precisam um do outro.

45

b) Conversações de autodepreciação - esse tipo de conversação acontece

quando em nossa intimidade reflexiva ou em nossos encontros com outros, nos

depreciamos, nos achamos incapazes, e aquilo que fazemos mostra a

autodepreciação. Se isto corre esporadicamente não há um sofrimento contínuo,

porém quando é recorrente, a avaliação que nós faremos de nós mesmos será

negativa, e estaremos sofrendo pela contradição entre o querer e o rejeitar.

c) Conversações do „dever ser‟- Nesse tipo de conversação assumimos sempre

a culpa pelas coisas que não deram certo, ou pelo não cumprimento de um valor ou

uma norma cultural. Dessa forma, nos sentimos frustrados, pois parece impossível

alcançar aquela norma ou valor. Se esse tipo de conversação acontece

ocasionalmente, não há problemas, mas, se ele é recorrente, vivemos no sofrimento.

Vemos então a necessidade de considerarmos o diálogo como sendo muito

importante na conversação para compreendermos melhor as relações, os assuntos

abordados, e em que tipo de conversação estamos inseridos . Para Grandesso, o

diálogo é importante, e afirma que “estar em diálogo é estar aberto para transformar-

se no fluxo da conversação em andamento” (GRANDESSO, 2006, p.263), com isso

podemos abrir espaços para a compreensão e para as mudanças.

Em Anderson (2009) encontramos dois tipos de conversação: aquelas nas

quais surgem um novo significado e aquelas em que não. Em síntese, seriam,

respectivamente, conversas com diálogo e conversas em monólogo. A conversação

com diálogo seria aquela em que se compartilha com o outro, sonhos, sentimentos,

histórias, problemas. Quando há o diálogo falamos um para o outro, dialogizamos,

ou seja, conversamos “entre e dentro”. Já no monólogo, só um fala e monopoliza a

conversa, não há um compartilhamento mútuo.

Na relação professor e aluno podemos perceber que, muitas vezes, há

apenas um monólogo, onde só o professor fala e o aluno, quando muito, finge que

ouve. O professor muitas vezes sente dificuldade de se relacionar com os alunos de

forma aberta e clara, talvez isto ocorra pela falta de espaço e tempo, por parte dele,

para dar uma atenção mais individualizada ao aluno. Anderson(2009) sugere que

um Espaço Conversacional ajuda a ter uma troca conjunta de informações e ideias

entre as partes envolvidas na conversa. Ela escreve sobre o contexto

conversacional e aponta ser este um espaço crítico para o desenvolvimento de

interações que promovem ideias, ações que fluem com facilidade e que, se

necessário for, podem vir a ser mudadas. Anderson orienta ainda que quando se

46

cria um espaço para conversação, as primeiras conversas deveriam ser para

apresentar pontos de vista, experiências e desejos, e que ao utilizar uma sequência

de perguntas, ao contar coisas, ao ouvir, aos poucos o espaço vai se transformando

num processo conversacional.

Quando falamos em conversação, precisamos conhecer quais são os

possíveis tipos de conversações existentes para que as conversas tragam o efeito

esperado. Maturana (1997) esclarece que precisamos conhecer os vários tipos de

conversação porque, mesmo no dia a dia, nós participamos de várias e sucessivas

conversações diferentes. Esses tipos de conversações podem inclusive surgir no

Espaço Conversacional, portanto para maiores esclarecimentos sob os tipos de

conversações propostas por Maturana, a seguir exemplificaremos cada item com

pequenos diálogos que acontecem no cotidiano da escola:

a) Conversões de coordenações de ações prescritas e futuras.

Nela os participantes só escutam as coordenações ou as ordens e em seguida

respondem. Não há uma profundidade na conversa e nem reflexão nas respostas,

apenas um perguntando, e o outro respondendo como demostramos no diálogo

abaixo, entre aluno e professor.

__ Se vocês ficarem em silêncio e prestarem atenção poderão sair dez

minutos mais cedo.

__ Ah, com certeza.

b) Conversações de queixas e pedidos de desculpas por acordos não

mantidos.

Nesse caso, a pessoa promete algo, mas não cumpre por fatores que independem

de sua vontade. Podemos citar, como exemplo, uma conversa entre professor e

aluno:

__ você prometeu que se esforçaria para tirar boas notas.

__ Ah, mas meu pai estava doente e tive de ajudá-lo.

c) Conversações de desejos e expectativas.

47

Nessas conversações as expectativas e desejos são sempre em relação ao futuro e

não ao presente. Abaixo, segue um exemplo em um diálogo entre aluno e

professor:

__ Vou esperar a recuperação para tirar uma boa nota.

__ Mas por que deixar para depois, se pode estudar hoje?

__ É que eu consigo me preparar melhor, quando estou sob pressão.

d) Conversação de mando e obediência.

Nesse tipo de conversação, alguns participantes obedecem, mesmo que não

concordem, e outros ordenam, e confirmam sua superioridade quando seu pedido é

atendido. Exemplificamos com uma situação abaixo:

__ Não anotem nada no caderno agora, olhem para mim e prestem

atenção à explicação.

__ Mas professora, eu só consigo entender se escrever no caderno aquilo

que a senhora está falando.

__ Eu já falei, feche seu caderno agora.

__ Grrr... Sim senhora.

e) Conversações de caracterizações, atribuições e avaliações.

Dependendo da forma como os participantes se percebem na conversação, se são

vistos adequadamente por aqueles que falam, eles podem se sentir aceitos ou

rejeitados, alegres ou frustrados. Abaixo seguem dois exemplos de conversa entre

professor e aluno, um de rejeição e um de aceitação.

__ Ah, você chegou. Achei que você fosse sempre pontual.

__ Só porque cheguei atrasada uma vez, você está me julgando e

achando que não sou pontual?

__ Querida parabéns pela entrega das tarefas e trabalhos pontualmente.

__ Obrigada, professora.

__ Se quiser pode sair da sala, tomar uma água enquanto os demais

terminam as atividades.

48

__ Obrigada.

f) Conversações de queixas por expectativas não preenchidas.

Nesse caso as queixas são por promessas não cumpridas e que nem se quer foram

feitas. Assim sendo quem fala ou acusa sente que o ouvinte está sendo desonesto

por não cumprir uma promessa feita, por sua vez, o ouvinte percebe que está sendo

acusado de uma coisa que nem se quer prometeu. Dessa forma há frustração, de

ambos os lados, na conversação. Abaixo segue uma situação entre aluno e

professor para exemplificar.

__ Eu tinha muita esperança que você não me decepcionaria e tiraria

excelente nota na prova de matemática.

__ Bem professor, mas você sabia que a sala toda estava sem base...

__ Se vocês tivessem sido mais sinceros eu poderia ter ajudado mais.

g) Conversações de co-inspiração.

Essas são conversações nas quais as ações e emoções envolvidas visam o respeito

mútuo e consequentemente geram ações que beneficiam ambos os lados. E por

haver respeito mútuo todos se sentem parte importante da conversação e se sentem

livres para ações responsáveis. Segue um diálogo entre o Diretor disciplinar e o

Diretor geral como exemplo sobre este tipo de conversação.

__ Tenho percebido que as coordenadoras e orientadoras estão

sobrecarregadas de trabalho. O que você acha que devemos fazer?

__ Andei pensando esses dias exatamente sobre este assunto. Acho que

deveríamos fazer uma reunião administrativa e ouvir o que elas têm para

dizer e que sugestões teriam.

__ Concordo. Acho que é um bom começo. Vou verificar qual o melhor dia

para agendar a reunião.

Como seres humanos participamos de vários tipos de conversações e, é

importante que no decorrer das conversas emerjam emoções contidas que

possibilitem a compreensão entre as partes para que se ampliem as alternativas de

soluções.

49

2.6 ESPAÇO CONVERSACIONAL E O SISTEMA DETERMINADO PELO

PROBLEMA.

O foco do trabalho na teoria sistêmica são as relações entre as pessoas e,

portanto, as conversas são o meio pelo qual as relações são estreitadas. De acordo

com os teóricos Anderson e Vasconcellos, o Espaço Conversacional vem

justamente propiciar as condições necessárias para que o sistema venha a se

equilibrar. Sabemos que as relações que observamos nos sistemas quase são

sinônimas de comunicação ou conversações. Um sistema é formado pelas

interações e comunicações, assim, ao observarmos, por exemplo, um sistema

escolar, podemos perceber inúmeras conversações que, muitas vezes, surgem

sobre algum assunto considerado como um problema para um determinado grupo

de pessoas. Cada uma das pessoas desse grupo pode ter opiniões diferentes uma

das outras, o que contribui para gerar conflitos nos relacionamentos. Partindo dessa

situação, começaremos a montar um sistema com as pessoas vinculadas ao

problema, a fim de refletirem e conversarem a respeito das suas opiniões

divergentes. Vasconcellos define uma situação-problema como aquela que “emerge

de um consenso surgido em conversações de pessoas que se consideram

relacionadas e/ou preocupadas com aquela situação” (VASCONCELLOS, 2008,

p.38). Desta forma, considera-se uma situação-problema quando um grupo de

pessoas concorda que aquele é um problema de fato.

Quando um sistema é formado por pessoas que estão linguajando sobre um

mesmo problema e se reúnem para estudar o problema por todos os ângulos, então,

de acordo com Vasconcellos (2010b), está sendo construído um SDP, cuja sigla

significa– Sistema Determinado pelo Problema. Seguindo esta linha de pensamento

um SDP é montado em um Espaço Conversacional, com as pessoas que tem a ver

com o problema em questão. Cada um dos integrantes vem de outros sistemas para

agora formarem um novo sistema em torno de um problema (SDP).

Sobre a organização de um SDP, Vasconcellos explica:

As pessoas componentes do sistema não são componentes enquanto indivíduos, mas somente na medida em que realizam, com suas ações e conversações, a organização – problemática – do sistema em torno do problema, ou na medida em que realizam o problema propriamente dito. Por

50

isso, se alguém não entra na conversação, não faz parte do sistema (VASCONCELLOS, 2008, p. 38).

Podemos citar como exemplo um problema ocorrido no cotidiano escolar a

respeito da qualidade do processo ensino-aprendizagem. Na sala dos professores a

maioria deles comentava que os alunos estavam cada vez mais fracos e por isso

precisavam baixar o nível das provas. Por sua vez, a coordenação pedagógica

reclamava nas reuniões administrativas que os professores estavam baixando o

nível das provas e como consequência os alunos estavam ficando cada vez mais

folgados e despreparados para enfrentar exames de vestibulares. As orientadoras

reclamavam que os professores estavam desmotivados e por isso os alunos também

não estavam nem aí para o estudo. E assim, sucessivamente, cada um via o

problema de um ângulo. Todos reclamavam, mas não sentavam para ouvir um ao

outro e buscar saídas para a situação instalada. Cada um apontava o problema

como sendo do outro. A partir do momento que a escola decidiu colocar as pessoas

envolvidas juntas e conversar, estavam formando um SDP.

É importante compreendermos que só faz parte do sistema as pessoas

envolvidas com o problema e que participem da conversação. Entretanto, ao longo

dos encontros, nada impede que outros componentes sejam agregados conforme

seja necessário. Para Vasconcellos, o SDP é constituído “pelas conversações entre

pessoas que estão linguajando sobre algo que elas próprias definem, ou consideram

como um problema, ou seja, algo que na percepção delas, não está bem, não está

como deveria estar” (VASCONCELLOS, 2008, p. 38). Nesse caso não é um sistema

construído por que alguém disse que existe um problema, ou porque um especialista

disse que existe um problema, mas é um sistema construído a partir de conversas

entre pessoas que se relacionam, a partir de um problema que emerge como

consequência dessas conversas e que preocupa a todos. Nessas conversas, cada

um tem sua opinião, muitas vezes até divergentes sobre o assunto que depois, por

consenso, acaba se tornando o “problema” que emergiu. Portanto, podemos concluir

que não é o sistema que faz gerar o problema, mas as conversas em torno do

problema é que formam o sistema.

A partir da formação do SDP com a situação-problema definida, é feito o

convite para que todos os envolvidos participem do encontro conversacional. Para

esses encontros, nos apoiamos nas orientações de Vasconcellos quando escreve

que eles “visam ao encaminhamento de soluções para a situação-problema

51

inicialmente distinguida, com a consequente dissolução do sistema linguístico por

ela inicialmente motivado” (VASCONCELLOS, 2010b, p. 48), portanto entendemos

que o SDP tem seu início pelas conversas que já aconteciam informalmente entre

algumas pessoas, em seguida as conversas passam a ter um “ponto de encontro”

no Espaço Conversacional, com todos os envolvidos, e têm seu término quando

cumprir sua função, assim que a situação for resolvida ou quando forem

encontradas as alternativas para a solução da problemática.

É importante salientarmos que no Espaço Conversacional do SDP, o que

mais interessa são as relações, o tipo de conversa que está acontecendo e que

possa gerar mudanças entre os envolvidos, e não os conteúdos da conversa e nem

a problemática, mas sim como estão acontecendo as relações entre os

componentes do SDP. Sabemos que ao conversar sobre o problema, as pessoas

começam a diminuir suas defesas, o que proporciona mudanças nas relações.

Torna-se benéfico para a criação do Espaço Conversacional que seus participantes

comprometam-se com as mudanças e com a qualidade das relações, que

anteriormente eram divergentes (VASCONCELLOS, 2010b).

Ao fazer o convite para a participação no SDP, é importante que os

envolvidos sintam que a situação apresentada é passível de solução e que, por meio

das conversas, buscar-se-á alternativas para a solução. AUN (2010) fala que

apresentar o problema de forma positivada às pessoas do SDP é muito importante,

pois cria uma pré-disposição para buscar as possíveis soluções. Podemos citar,

como exemplo, a seguinte situação: o problema “dificuldade de relacionamento entre

professor e aluno” poderia ser positivado desta forma “relacionamento professor e

aluno - condição para o sucesso na aprendizagem”.

Quanto ao número de participantes no Espaço Conversacional do SDP, este

dependerá do número de envolvidos com o problema a ser discutido, mas o mais

importante é ter uma diversidade de participantes para que o problema seja visto

sob o maior número de ângulos possíveis. Partindo das orientações e experiências

vividas por Vasconcellos com espaços de conversas, reconhecemos a importância

da ampliação e diversidade de participantes para possibilitar maior ângulo sobre o

que é exposto. Ela orienta que “a maior diversidade de participantes nas

conversações amplia os recursos que poderão ser colaborativamente mobilizados

para a solução da situação-problema” (VASCONCELLOS, 2010b, p. 53). Assim,

trazendo nas conversações integrantes de outros sistemas, haverá uma adequada

52

distribuição das responsabilidades. Os participantes poderão vir, conforme haja

necessidade, de vários outros sistemas para formar esse novo sistema(SDP).

Abaixo segue um exemplo de como poderíamos formar um SDP na escola, tomando

como base um problema que surge no relacionamento entre professor e aluno. Para

participar do SDP seriam chamadas pessoas pertencentes a outros sistemas, que já

conversavam sobre o problema: coordenadora, orientadora, diretor, professor, aluno.

Figura 2 – Exemplo de formação de um SDP

Para se formar um novo sistema, é importante levarmos em consideração a

visão novo-paradigmática do sistema ressaltada por AUN. Ela afirma que esta nova

visão “ultrapassa as definições pré-estabelecidas com base em diversos critérios ou

limites – territoriais, legais, institucionais, raciais, culturais – da comunidade com a

qual se pretende trabalhar” (AUN, 2010, p. 98). Nessa nova visão um sistema pode

ser formado, de acordo com a necessidade, buscando pessoas de outros sistemas,

como por exemplo, chamar os pais de um aluno que pertence ao “Sistema Familiar”

para participar do SDP. Mesmo no decorrer dos encontros, dependendo da

problemática e da necessidade, novos convites podem ser feitos.

Para que o SDP funcione com eficiência e cumpra o papel a que se propõe, é

necessário tomarmos alguns cuidados. O sistema que se forma precisa se tornar

autônomo e responsável por sua mudança. Para tanto, seguimos as orientações

53

dadas por Aun quando afirma que é necessário construir um contexto de autonomia

em um processo de co-construção que emerge do sistema. Ela define o contexto de

autonomia, dizendo ser “aquele em que todos os membros do SDP possam

conversar sobre a situação problema, colocando-se nas posições de decidir e

planejar, executar e de receber” (AUN, 2010, p.104). Num contexto de autonomia,

todos têm direito a voz e por isso, de forma colaborativa, co-constroem alternativas

para a solução do problema. Ela ainda relata que “o objetivo do processo de co-

construção não é que todos alcancem uma mesma maneira de pensar, não é a

homogeneidade dos diferentes pontos de vista, nem chegar a uma alternativa de

solução igual para todo mundo (AUN, 2010, p.114). Entendemos que o mais

importante é que as mudanças nas relações entre os integrantes do Espaço

Conversacional acabem por gerar alternativas para a solução do problema. Essas

alternativas vão surgindo paulatinamente ao longo dos encontros, isso ocorre

enquanto todos vão linguajando, se comunicando e vão sendo construídos os

vínculos de confiança.

É importante que haja no espaço de conversas a presença de uma pessoa

que assuma a liderança do grupo, não para mandar ou dar sua opinião, mas para

incentivar e dar direito a voz a todos os participantes. Grandesso diz que essa

função (no caso da terapia) caberia ao terapeuta, o qual seria responsável por criar

um contexto conversacional para “exploração, esclarecimento, expansão, ratificação

e criação de novos significados por meio do diálogo, na linguagem” (GRANDESSO,

2006, p.263). No caso desta pesquisa, essa pessoa assumiria a responsabilidade

pela criação e manutenção de um contexto de autonomia. Tendo como referência

básica os conceitos de Aun (2010) a qual descreve esse líder como “expert em

contexto”, entendemos que esse profissional assumiria o papel de construtor de

contextos conversacionais de autonomia, promovendo um ambiente em que todos

possam conversar entre si, para que, assim emerja o processo de co-construção.

Em Grandesso também buscamos compreender o sentido de co-construção no qual

ela afirma que o início da mudança acontecerá de dentro da própria conversação, na

qual, de acordo com a autora, todos os envolvidos “co-constroem narrativas

alternativas, consistentes com as experiências vividas e narrativas anteriores”

(GRANDESSO, 2006, p.263). Assim, as mudanças acontecerão como consequência

dessas conversações e pela atuação eficaz do “expert em contexto”.

54

Vasconcellos (2008) cita que esse líder, o expert em contexto, é o que

proporciona o emergir de um sistema conversacional, cujos participantes:

se dispõem a conversar sobre suas próprias relações, na emoção do respeito mútuo ou aceitação incondicional, o que viabiliza ações colaborativas. Emerge assim, efetivamente, um “sistema transformador de suas relações fundamentais”. Nesse sistema as regras de relação serão criadas e recriadas recursivamente nas próprias interações / conversações entre os componentes do sistema, o que torna imprevisíveis o rumo que o sistema poderá assumir e impossibilita a definição prévia de metas específicas a atingir (VASCONCELLOS, 2008, p.42).

Aun descreve o contexto de autonomia como sendo um contexto

conversacional no qual todas as pessoas participantes “têm igual direito à voz,

exceto aquela pessoa (...) que está na posição de coordenação e manutenção do

contexto conversacional” (AUN, 2010, p. 102). Este último componente precisa

estimular a participação de todos, e no caso em que estão presentes na

conversação o professor e o aluno, o coordenador pode incentivá-los a falar, a se

posicionarem e a buscar soluções, visto que, por muitas vezes, o aluno se sente

intimidado a falar diante do professor. Assim, ao participar do Espaço

Conversacional do SDP, o coordenador pode incentivar a participação,

principalmente a do aluno, dando-lhe direito a voz. O coordenador não deve emitir

sua opinião e, sim, deixar que todos os envolvidos tenham liberdade para falar e

conversarem, mantendo assim um contexto de autonomia. Por isso, nos apoiamos

em Aun quando descreve o coordenador como estando na posição de “expert em

contexto”, e esclarece assim o seu papel:

Não emite opiniões sobre a situação problema em questão, não interpreta comportamentos, não aconselha ações a serem tomadas, podendo, entretanto, elaborar ou resumir conclusões das conversações. A atuação do coordenador se dá especialmente por meio de perguntas, sempre que possível de perguntas reflexivas. Além disso, propõe jogos, dramatizações e outras técnicas de grupo que utiliza para estimular a reflexão, a troca de ideias, a explicação e pontos de vista diferentes e, nunca, para fazer interpretações psicológicas (AUN, 2010, p. 107).

O SDP ao ser construído em um contexto de autonomia cada um tem

oportunidade de escolher o que é melhor para si, porém precisa assumir as

consequências da escolha. O rumo do sistema vai sendo construído de acordo com

as conversas ocorridas em cada encontro. Os encontros proporcionarão a cada um

dos participantes autonomia para propor ideias, independentemente do líder, para

55

que sejam criadas as alternativas para a solução dos problemas. No entanto, ao

ouvirmos todas as alternativas, não significa que todas serão consideradas para a

solução da situação-problema, mas que entre as sugestões, as mais viáveis serão

escolhidas. Nesse contexto, algumas pessoas que participam da conversação e que

demonstram interesse, assumem a responsabilidade de realizar a ação necessária

para a solução. Podemos citar como exemplo, um SDP formado por professor,

aluno, orientadora, coordenadora pedagógica, diretor, entre outros. O professor

pode, por exemplo, assumir a responsabilidade de uma ou mais ações para a

solução da situação-problema, as quais foram apresentadas durante a conversação,

e assim sucessivamente com os demais integrantes do SDP.

É importante observar que no Espaço Conversacional, apesar da proposta de

se ter alguém, “o construtor de contexto”, para estimular o grupo, não podem existir

posições hierarquizadas, pois cada um dos elementos tem igual importância para

conversar e propor alternativas de soluções para a problemática. Sabemos que para

fortalecer as interações entre os membros desse sistema é necessário que todos

tenham “poder” igual e que sintam que o problema não é daquela pessoa ou da

outra, mas sim que o problema é de todo o grupo, assim como é de cada um em

particular (VASCONCELLOS, 2010b). As pessoas envolvidas ao tomarem como seu

o problema em questão demonstram interesse para que ocorra alguma mudança na

situação.

Portanto, não é possível concebermos o Espaço Conversacional do SDP

como sendo constituído de forma hierarquizada. Aun (2010), ao desenvolver um

dos seus trabalhos de pesquisas, utilizou a figura de uma pirâmide para demonstrar

uma organização em hierarquia (figura 3). Nessa pirâmide ela identificou que no

topo ficariam as pessoas que decidem e planejam, no meio, as que executam, e na

base apenas os que recebem (ou dizem, sim senhor!). Então, utilizando a mesma

ideia da pirâmide, colocamos em ordem hierárquica as pessoas envolvidas em uma

determinada situação-problema (relacionamento professor/aluno). Assim, ao

observar a figura 4, podemos ver que o diretor estaria no topo da pirâmide, seguido

da coordenadora e da orientadora, mais abaixo estariam os professores e na base

estariam os alunos. Neste formato hierarquizado, onde todos os envolvidos na

situação-problema estariam reunidos para buscar soluções, quem comandaria a

conversa seriam os que estão no topo da pirâmide, e os da base somente

concordariam com as decisões, muitas vezes, até por respeito à hierarquia ou pelo

56

status dos demais componentes. Nesse caso, o contexto de autonomia e de co-

construção não estaria presente, pois alguns dos participantes se encontrariam em

um paradoxo: concordando externamente, porém discordando internamente.

Figura 3- Modelo hierarquizado (AUN 2010) Figura 4- Organização hierarquizada na escola

Pensando no Espaço Conversacional do SDP, recorremos a Bertalanffy

(1968/2009), quando em seus estudos sobre a teoria sistêmica, nos informa que no

sistema há uma ordem dinâmica entre as partes e que estão em interação e

interdependência, portanto, se criarmos um novo sistema, no caso o SDP, ele deve

privilegiar essa interação e interdependência um do outro. Desta forma, pensamos o

SDP não em um formato de pirâmide, mas em formato circular, baseado no princípio

da circularidade, no qual quando ocorre uma mudança em uma das partes provoca

mudanças nas demais partes, e no sistema como um todo (GRANDESSO, 2006).

Assim, baseado nesse princípio, concordamos que todas as partes têm igual

importância, e por isso, no Espaço Conversacional do SDP a pirâmide seria

substituída pela forma circular (figura 5) em que cada elemento, em interação um

com o outro, comunica, conversa, decide, executa, cria e co-constrói.

57

Figura 05- Circularidade no espaço conversacional

No formato circular o foco é a interação entre os integrantes daquele sistema,

por isso, o conhecimento e decisões passam a ser de responsabilidade de todos.

Entretanto, no Espaço Conversacional do SDP, o que mantém os integrantes unidos

é a situação-problema, pois o sistema foi formado em torno dessa problemática.

Logo, quando surgirem alternativas de solução ou, até que não haja mais

desacordos entre as partes, o SDP pode ser dissolvido (AUN, 2010). Mas, outros

SDPs podem ser construídos, por outras situações, formando um novo sistema no

Espaço Conversacional, no qual podemos envolver integrantes de outros sistemas

de acordo com a necessidade.

Embora o SDP tenha sido utilizado amplamente, na formação de terapeutas,

por profissionais da EquipSIS (Equipe Sistêmica), fundada em 1993, Vasconcellos e

Aun nos dão abertura para usarmos esses conhecimentos ampliando a

aplicabilidade desse processo para outros contextos profissionais, além do que vem

sendo usado por elas. Aun (2010) oferece as condições necessárias para se criar

um Espaço Conversacional de um SDP: é preciso que alguém se interesse e tenha

uma preocupação legítima e ética em seu espaço de convivência, inclua outras

pessoas no espaço de conversação e busque alternativas para solucionar os

problemas que vão surgindo. Ela sugere que esse espaço pode ser criado numa

empresa, numa escola, numa comunidade ou em qualquer outro lugar onde seja

constituído um SDP, pois este ultrapassará os limites organizacionais, legais,

consanguíneos (AUN, 2010).

58

2.7 RELAÇÃO PROFESSOR E ALUNO

O processo ensino-aprendizagem e a relação professor/aluno tem sido tema

de inúmeras pesquisas, e parece que quanto mais se pesquisa, mais temos que

pesquisar esse universo. Com certeza todas elas buscam ajudar a escola e seus

integrantes a obterem sucesso no processo ensino-aprendizagem e a obter

melhorias nos relacionamentos no sistema escolar. No entanto, procurar

compreender o papel da escola e buscar meios para melhorar a qualidade dos

relacionamentos entre o professor e o aluno é fator primordial para o sucesso do

processo ensino-aprendizagem e para a vida futura das pessoas envolvidas,

principalmente a do aluno. Scatralle, ao realizar uma pesquisa sobre Espaço

Conversacional entre pais e professores, sobre o que consideram o ensino e a

aprendizagem, destaca a importância da escola:

Acreditamos que a escola apresenta-se ainda como uma das mais importantes instituições sociais por desempenhar ao lado de outras a mediação entre o indivíduo e a sociedade. Ao transmitir a cultura e, com ela, modelos sociais de comportamento e de valores morais, a escola permite que o aluno, humanize-se, cultive-se, socialize-se ou, numa palavra, eduque-se (SCATRALLE, 2009, p.58).

É na escola que aluno e professor participam de um lugar incomum, onde

cada qual traz sua história, seus sonhos, experiências vividas, expectativas e

necessidades pessoais. Porém, tanto o professor quanto o aluno têm obrigações e

direitos que precisam ser equilibrados. Eles precisariam viver em um processo de

interação um com o outro colocando limites, significados, respeito e confiança entre

eles. No entanto, Losacco afirma que, por vezes, essas relações tornam-se

complicadas porque o adolescente sente dificuldade em acomodar-se às

expectativas institucionais, não consegue submeter-se às regras e à autoridade

adulta. De acordo com ela, muitas vezes, o adolescente parte para atos de

autoritarismo tão intensos quanto aqueles que a comunidade lhe impõe (LOSSACO,

2008, p. 71). Faz parte da vida do adolescente questionar regras, valores, pais,

professores, pois está em busca de sua identidade e de seus próprios valores.

Rogers (2008, p. 17) relata que “tanto o professor quanto o aluno está

„ensinando‟ um ao outro por meio de seus comportamentos relacionais diários”. A

experiência profissional e os resultados de pesquisas tem nos mostrado o quanto o

59

comportamento de um influencia o outro e vice versa, especialmente quando há um

desentendimento entre aluno e aluno, ou entre aluno e professor, ou algo que

perturbe a rotina da sala. Sobre o papel da escola nos apoiamos em Gasparian ao

afirmar que esta se encontra “aliada à resolução da crise do ensino, da

aprendizagem, das relações entre professores e alunos, entre alunos e alunos, entre

pais e professores, das dinâmicas da sala de aula etc.” (GASPARIN, 1998, p. 21).

Na escola encontramos inúmeras diferenças entre o aluno e seus pares e

entre professor e aluno. Podemos perceber que o professor, ao longo da sua vida

profissional reconhece que o relacionamento entre ele e o aluno é fator primordial no

desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, porém em muitos casos, o

aluno provoca o professor não de forma direta ou agressiva, mas de uma forma mais

sutil como, por exemplo, suspiros, movimentos com a cabeça, olhos voltados para o

teto, baixar a cabeça fingindo que não está ouvindo. Isto pode vir a irritar o professor

e provocar uma reação não tão agradável diante da classe. Certamente esses

problemas podem afetar o relacionamento entre eles e prejudicar o andamento das

aulas e perturbar o processo de ensinar e aprender.

Rogers (2008), ao contar um pouco de sua experiência com alunos do Ensino

Médio, escreve a respeito da importância de se conversar com os alunos

envolvendo os problemas que se passam na sala de aula. Ele conta que certa vez

veio substituir um professor que estava afastado da escola por conta de estresse. A

turma acabou testando o professor Rogers para ver se ele conseguiria controlar a

disciplina da sala que era bem difícil. Ele, por sua vez, gastou tempo com os alunos

e, juntos conversando, conseguiu com que os alunos entendessem que não é o

professor que controla a sala, mas os alunos precisam compreender que cada um é

que precisa se controlar, que o controle na verdade é um autocontrole, tanto da

parte do professor quanto da parte do aluno. Quando, por meio de conversações os

alunos conseguiram chegar a esse conhecimento, acharam a solução para as

dificuldades disciplinares na sala naquele contexto. Sabemos que um dos segredos

para o sucesso nos relacionamentos entre professor e aluno é a disposição do

professor em gastar tempo para se aproximar dos alunos, sobremaneira àqueles

que são os causadores dos problemas.

Conseguir o autocontrole e ter calma diante de situações difíceis não é tão

simples, pois, além do professor se controlar, precisa acalmar o aluno e a classe.

Para Rogers (2008), o mais difícil, quando se trata de situações conflitantes com o

60

aluno, é passar tranquilidade e autocontrole. Mas, por outro lado sabemos que o tipo

de relacionamento que o professor tem com os alunos refletirá no grau de

cooperação que receberá deles, pois sabemos que as atitudes do professor influem

sobre a percepção que os alunos têm de sua própria relação com os professores.

Ter autocontrole não é tão simples assim, principalmente quando se trata de

relacionamento com adolescentes, por isso concordamos com Rogers quando

enfatiza:

Até onde refletidamente controlo a mim mesmo, a minha linguagem, meus „modos‟ e meu enfoque com os alunos, está o grau ao qual eu posso convidar para a cooperação ou, do contrário, ver meus alunos se tornando difíceis ou até mesmo, resistentes” (ROGERS, 2008, p. 34),

Assim, a colaboração dos alunos dependerá da forma como lidamos com

eles, de como os cativamos e da relação de confiança que construímos. Podemos

então perceber que o tipo de relacionamento entre os seres humanos e no caso,

entre professor e aluno, fará muita diferença. Uma das formas de melhorar esses

relacionamentos é ter tempo para conversar, com calma, tranquilidade, expondo,

cada qual seus motivos sobre o problema ocorrido. Porém, em sala de aula é muito

difícil manter conversas mais profundas e sinceras. Por isso, buscamos em

Maturana (1997) o sentido do conversar que é o fluir entrelaçado de linguajar e de

emocionar, e para desenvolver esse entrelaçar da linguagem com a emoção, há que

se dedicar tempo e ter um espaço separado que favoreça a criação de um clima

próprio.

Reconhecemos que tanto a escola quanto a família têm procurado atingir a

adequação necessária às mudanças sociais que se apresentam cada vez mais

desafiadoras. Em consequência dessas mudanças emergem dúvidas e

questionamentos nas relações entre pais e filhos, professores e alunos, em virtude

das alterações de princípios, valores e regras que regem as condutas das crianças,

dos jovens e dos adultos (MUNHOZ, 2010). Muitos dos problemas que surgem é por

falta de compreensão de ambas as partes. Assim, podemos concordar com Morin

(2002c) quando fala da relação com o outro, e afirma que sofremos por carência de

compreensão. No conflito entre professor e aluno cada qual retém apenas a palavra

ofensiva dita pelo outro e nem se lembra da sua própria, como se esta fosse apenas

uma resposta à agressão do outro. Muitas vezes, o professor até se esquece de que

61

ele é a parte madura do relacionamento. Morin (2002c) fala sobre a incompreensão

que se desenvolve com o individualismo, pois só pensamos em nós mesmos e nos

tornamos egocêntricos. Assim, quando há um desentendimento, ocorre a tendência

a reduzir o outro ao que ele tem de pior e nos esquecemos de suas qualidades.

As experiências vividas entre o professor e seus alunos ficarão marcadas na

vida do aluno, eles se lembrarão mais das atitudes e dos relacionamentos com seu

professor do que dos conteúdos ministrados. É claro que na escola, tanto os

conteúdos quanto os relacionamentos são importantes, portanto é necessário levar

em consideração as quatro dimensões que estão em interação no processo ensino-

aprendizagem: alunos-professor, conhecimento-comunicação. Se essas quatro

dimensões acontecem em situações relacionais significativas, com influência

positiva de um sobre o outro, a comunicação fluirá e a mensagem será transmitida

com clareza. Watzlawick et al. (1967/2007), ao falarem sobre a comunicação

humana, citam que por mais que uma pessoa se esforce ela não consegue “não

comunicar”, pois até mesmo com um gesto ou em silêncio estamos comunicando

algo, no entanto a qualidade da comunicação dependerá de ambas as partes. Por

meio da prática relacional as ações do professor promoverão condições para a

aprendizagem.

Quer seja na dificuldade de relacionamento entre professor e aluno ou na

aprendizagem deste, Gasparian (1998) enfatiza que o mais importante é encontrar

caminhos para possibilitar ao professor a descoberta de alternativas possíveis de

ação para a melhoria dos relacionamentos. Mas, torna-se necessário que o

professor promova meios para aproximar-se mais do aluno e com isso consiga

mudar a forma de olhá-lo. Concordamos com ela, pois realmente é necessário haver

uma aproximação entre ambos, para tanto, precisamos observar e ouvir ambas as

partes, como aponta Gasparian:

Temos que observar as áreas conceituais e organizadoras dos alunos e dos professores para podermos resolver as dificuldades específicas de aprendizagem e do ensino, assim como as áreas conceituais e organizacionais da escola. Observar como se produz a crise e não porque se produziu a crise (GASPARIAN, 1998, p.21).

O Instituto UNIBANCO (2011) financiou uma pesquisa com o título “Por que

você perde seus alunos: entendam o que os jovens pensam sobre a escola” e

apresentou seus resultados, em um encarte especial chamado “Especial Ensino

62

Médio”. Esta pesquisa foi realizada com 3.365 alunos do Ensino Médio. Os alunos

apontaram cento e quatorze propostas que podem ajudar na permanência do jovem

na escola. Entre elas estão duas que nos chamou atenção: “que seja criado um

espaço de diálogo entre gestores, professores, funcionários e alunos para que novas

ideias surjam, para que a participação do aluno seja fundamental e para que haja

interesse e permanência na escola” (p.11); na outra, eles propõem que a escola seja

atrativa e privilegie o diálogo e temas interessantes. Assim, percebemos que esta

pesquisa vem ao encontro do trabalho que estamos realizando, pois mostra o

quanto os jovens têm necessidade de falar e participar na busca de soluções. O

Espaço Conversacional, a nosso ver, poderia atender bem essas expectativas dos

jovens de serem ouvidos, de compartilhar e de ajudar.

O modelo de Espaço Conversacional já é aplicado em algumas clínicas como

modalidade terapêutica e em organizações como aproximação dos elementos do

sistema organizacional. Agora trazemos essa ideia para ser utilizada na escola,

porém não será utilizada como terapia, mas será um espaço em que seu uso tem

por finalidade aproximar o professor do aluno e vice-versa, utilizando-o como um

espaço para estreitar os relacionamentos e conversar com os envolvidos sobre os

problemas que os afligem, a fim de encontrar alternativas para a sua solução.

63

3 METODOLOGIA

Buscando alcançar os objetivos propostos nesse trabalho realizamos a

presente pesquisa usando uma abordagem qualitativa. Para tanto, utilizamos o

estudo de caso, este é usado quando se deseja analisar situações concretas nas

suas peculiaridades. Seu uso é adequado para investigar tanto a vida de uma

pessoa quanto a existência de uma entidade de ação coletiva nos seus aspectos

sociais e culturais. Essa modalidade metodológica tem sido incrementada no cenário

educacional como ponto de partida, embora particular, para uma análise que busca

o estabelecimento de relações mais amplas de um objeto de estudo. Severino

esclarece que essa modalidade:

se concentra no estudo de um caso particular, considerado representativo de um conjunto de casos análogos, por ele significativamente representativo. Os discursos analisados podem ser os já dados nas diferentes formas de comunicação e também aqueles obtidos a partir de perguntas, entrevistas e depoimentos (SEVERINO, 2007, p.120).

A exemplo dos teóricos que elaboraram a criação do Espaço Conversacional do

Sistema Determinado pelo Problema em suas experiências clínicas, trouxemos essa

ferramenta para utilizá-la em um contexto escolar. Tivemos a intenção de eliciar a

conscientização de problemas emergentes alvo de constantes e intermináveis

discussões entre professores e seus pares, e entre os alunos e seus colegas.

Partimos da finalidade de que haja uma compreensão mais ampla do problema

em estudo, possibilitando que cada elemento que se insere naquele sistema

determinado pelo problema, expresse suas ideias e defendam sua posição.

A fim de conhecermos a opinião dos participantes sobre o Espaço

Conversacional usamos como instrumento desta pesquisa a entrevista

semiestruturada. Para analisarmos essas falas de forma mais aprofundada,

utilizamos a modalidade metodológica de análise de conteúdo buscando

compreender o sentido manifesto ou oculto das informações coletadas.

Destacamos que esta pesquisa somente pôde ser realizada após a devida

autorização do Comitê de Ética do Centro Universitário FIEO (anexo A).

64

3.1 PARTICIPANTES

Participaram desta pesquisa cinco alunos e cinco professores que estudam

ou trabalham no Ensino Médio de uma escola particular no interior de São Paulo.

Antes da seleção dos participantes houve uma preocupação em limitarmos o

número de integrantes para que todos pudessem contribuir com suas opiniões, pois

buscamos no Espaço Conversacional a circularidade, o movimento dialógico da

comunicação por meio das falas.

Esta pesquisa foi aplicada na escola na qual atuamos como Coordenadora

Pedagógica do Ensino Médio. No entanto, esclarecemos que todos os cuidados

foram tomados para se evitar ao máximo a contaminação dos resultados da

investigação. Seguimos algumas orientações dadas por André quando fala sobre a

pesquisa do cotidiano escolar. Ela faz a seguinte pergunta: “como conseguir um

distanciamento do objeto estudado que permita por um lado fugir do senso comum,

já que se estuda em geral um contexto familiar?” (ANDRÉ, 2008, p. 43). Então

sugere que se use o “estranhamento”, que é uma atitude de policiamento contínuo

do pesquisador para transformar o familiar em estranho. Ela sugere que se deve

observar tudo para enxergar cada vez mais e “tentar vencer o obstáculo do processo

naturalmente seletivo” (ANDRÉ, 2008, p. 43). Por outro lado, buscamos apoio em

Fazenda quando defende a ideia de que o pesquisador deve tentar tornar clara a

ligação existente entre a sua história e a história de que cada um é produto. Ela

sugere que devemos como pesquisador tentar aplicar em nós mesmos, de acordo

com o método que escolhermos, “o olhar frio, englobante e explicativo que tantas

vezes se lançou sobre o outro” (FAZENDA, 2008, p.148). Ela afirma que desta forma

é possível termos uma percepção mais clara do por que nos tornamos determinado

tipo de pesquisador.

Portanto, é possível sermos pesquisadores dentro da nossa própria realidade,

desde que tomemos os devidos cuidados. Desta forma a pesquisa pode tornar-se

bem mais rica por se tratar de um campo de grande interesse e vivência do

pesquisador. Alguns cuidados foram tomados ao realizar a pesquisa: esclarecemos

à direção administrativa do colégio e a todos os participantes da pesquisa qual seria

o papel e postura da pesquisadora. Por exemplo, no Espaço Conversacional, não

participaria diretamente da roda da conversa, mas estaria ali para organizar e

coordenar o espaço e cuidar para que a conversação acontecesse entre os

65

participantes. Durante as entrevistas, tomamos o cuidado de deixar os participantes

bem à vontade e esclarecemos o objetivo da entrevista e nosso papel como

entrevistadora.

3.2 INSTRUMENTOS

Após o término do último encontro no Espaço Conversacional, a fim de

alcançarmos os objetivos propostos por esta pesquisa, utilizamos como instrumento

operacional, a entrevista semiestruturada. Ela é descrita por Severino (2007) como

um instrumento metodológico no qual se planeja um roteiro com antecedência e com

isso, pode-se conhecer pontualmente o que os entrevistados pensam sobre o

assunto que está sendo pesquisado. Na entrevista semiestruturada o participante

fica bem mais à vontade, pois não segue o rigor de um questionário. Porém, a fim de

situarmos o contexto socioeconômico dos participantes, foi aplicado um questionário

de identificação com doze perguntas para os alunos (apêndice A) e com dez para os

professores (Apêndice B). De acordo com Severino (2007) o questionário pode

conter tanto questões abertas, quanto questões fechadas. Ele serve para colher

informações escritas por parte dos participantes.

3.2.1 Entrevista Semiestruturada

Por meio da entrevista aprofundamos pontos relevantes observados ao longo

dos encontros e colhemos a opinião de cada participante sobre o Espaço

Conversacional. Sabemos que o sucesso dessa técnica depende muito da relação

entre o entrevistador e o entrevistado, por isso procuramos proporcionar, durante a

entrevista, um ambiente de confiança e descontração. Temos consciência de que

esta técnica apresenta vantagens tais como: captação imediata da informação, a

participação de pessoas independentemente de seu nível de instrução, maior

flexibilidade, pois o entrevistador pode esclarecer as perguntas, maior descontração

deixando o entrevistado mais a vontade, maior oportunidade para aprofundar itens

de interesse do entrevistador. Porém, também apresenta desvantagens, tais como:

dificuldade de expressão e comunicação por parte do entrevistado, fornecimento de

respostas falsas, o entrevistado pode ser influenciado pelo entrevistador e, às vezes,

é difícil de ser aplicada, especialmente pelo tempo dispendido para aplicá-la. Por

66

isso, ao longo das entrevistas, tomamos os devidos cuidados para que os

entrevistados ficassem bem à vontade e respondessem com sinceridade cada

pergunta.

A fim de conhecermos a opinião dos participantes sobre o Espaço

Conversacional, criamos um “Roteiro para entrevista com o participante” (apêndice

C) para o caso do entrevistado não se referir às informações que queríamos saber.

Tivemos o cuidado de criar itens/questões utilizando uma linguagem clara e de fácil

entendimento, mesmo quando em algum momento utilizamos uma terminologia mais

técnica, o participante compreendeu, pois já os esclarecemos previamente no

decorrer dos encontros no Espaço Conversacional.

A ordem das perguntas seguiu uma sequência lógica iniciando com perguntas

simples e gerais, indo até as mais específicas.

Com o objetivo de não perder nenhum detalhe e de deixar o entrevistado mais

à vontade, gravamos apenas o áudio das entrevistas, porém um detalhe ou outro foi

preenchido no próprio roteiro de itens/perguntas. Durante a entrevista, algumas

perguntas geraram respostas incompletas ou obscuras, então estimulamos o

entrevistado a fornecer respostas mais precisas usando indagações neutras, tais

como: “Poderia contar um pouco mais a respeito?”, “Qual sua ideia sobre este

ponto?”. Porém, procuramos sempre seguir o roteiro que tem como finalidade obter

dados que venham responder aos objetivos gerais e específicos desta pesquisa.

3.3 PROCEDIMENTOS

No final do ano de 2010, conversamos com o diretor disciplinar e com a

orientadora educacional e detalhamos como aconteceria a pesquisa, explicamos

como seria montado o Espaço Conversacional e para qual faixa etária seria.

Combinamos que começaríamos a criação do Espaço em 2011, visto que o final do

ano se aproximava e as atividades escolares estavam se encerrando.

Em 2011, o Espaço Conversacional foi criado partindo das queixas dos

professores e alunos envolvidos na problemática do 3º ano C do Ensino Médio. Após

a decisão de se criar esse espaço, seguimos os passos abaixo.

a) Definimos em qual local seria realizado o Espaço Conversacional e quais

materiais seriam necessários providenciar.

67

b) Fizemos um convite especial (apêndice D) para as pessoas envolvidas a fim de

que pudessem participar das conversas no espaço que estávamos criando. No

convite deixamos claro o objetivo do encontro e a situação-problema que estaria

em discussão. Colocamos o problema de forma positivada, ou seja, apontamos

que o problema em questão era passível de solução. Também informamos o

quanto seria importante a presença de cada um dos participantes.

c) Para os encontros, preparamos o local com cadeiras suficientes para todos os

participantes, bloquinhos de anotações, canetas, água, lista de presença e

gravador para o registro das falas. Desta forma, a sala para o Espaço

Conversacional foi preparada com antecedência: foram colocadas 11 carteiras

formando um círculo, sobre cada carteira foi colocado um bloquinho de

anotações, uma caneta e um copo com água. Foi preparado um gravador, que

foi utilizado com permissão dos participantes. No primeiro encontro houve um

atraso de quinze minutos até chegarem todos os participantes. Foram dadas as

boas-vindas, apresentados os participantes e a função de cada um, inclusive

qual seria o meu papel, pois eu estaria fora da roda da conversa e tinha a função

apenas de coordenar a conversa entre os participantes. Explicamos que os que

estavam na roda da conversa é que conversariam sobre a situação problema.

De forma clara e simples foi apresentada a proposta do Espaço Conversacional,

a situação-problema (Relacionamento professor e aluno e o rendimento escolar)

e algumas regras básicas para que a conversação fluísse de forma respeitosa:

todos estavam sendo convidados para se colocarem em uma posição de

colaboração, todos teriam direito de falar e de serem ouvidos, e que

respeitassem a opinião um do outro. Orientamos que todos poderiam expressar

seus pensamentos, crenças e pontos de vista, sem usar expressões de

agressões, julgamentos e desqualificações. Em seguida perguntamos se todos

concordavam com as regras de convivência.

d) Para o primeiro encontro, preparamos o termo de consentimento, para serem

assinados pelos participantes, objetivamos obter a autorização para a utilização

dos dados que foram colhidos na dissertação, em publicações ou possíveis

trabalhos posteriores. Foram preparados dois Termos de consentimentos Livre e

Esclarecido: um para os alunos (anexo B) e outro para os professores (anexo C).

e) Após o primeiro encontro foram agendadas as datas de mais dois encontros.

68

f) A fim de colhermos dados sobre o que acharam do Espaço Conversacional, ao

término da última reunião, cada participante agendou um horário para a

entrevista, que melhor se adaptasse à sua rotina de atividades e aulas.

g) O processo de agendamento das entrevistas se deu da seguinte forma:

Todos os participantes foram informados sobre o objetivo da entrevista, sobre

o local em que ela aconteceria, sobre o tempo de duração e que seria

individual.

Cada participante agendou seu horário de acordo com sua disponibilidade de

tempo.

h) Para a entrevista, foram disponibilizados: local, gravador e roteiro da entrevista.

i) A cada entrevistado, em seu respectivo horário, explicamos o porquê da

entrevista, orientamos sobre a gravação. Antes de iniciarmos a entrevista,

procuramos deixar o entrevistado bem à vontade.

j) Cada entrevistado preencheu um questionário de identificação do participante

(identificado anteriormente nos instrumentos) a fim de conhecermos melhor cada

um deles.

k) A entrevista teve duração média de 40 minutos.

l) Após cada entrevista, iniciamos a transcrição do material armazenado em áudio

a fim de não perdermos detalhes importantes.

m) Após o término das entrevistas com todos os participantes, e, após o término

das transcrições, iniciamos os procedimentos de análise dos conteúdos.

3.3.1 Procedimentos de análise

Após serem feitas as transcrições das entrevistas e de parte das conversas

do Espaço Conversacional, do qual foram transcritas somente as falas que

contribuíram para esclarecer e/ou confirmar dados colhidos nas entrevistas,

iniciamos os procedimentos de análise. Os dados transcritos das falas dos

participantes foram submetidos a análise de conteúdo. Ao elegermos a modalidade

metodológica de análise de conteúdo nos apoiamos em Franco (2007) e Bardin

(2009), pois ambos falam que o ponto de partida para a análise de conteúdo é a

mensagem, quer seja ela verbal (oral ou escrita), gestual, silenciosa, figurativa,

documental ou provocada. Franco alerta que “torna-se indispensável considerar que

69

a relação que vincula a emissão das mensagens (...) está necessariamente

articulada às condições contextuais de seus produtores” (FRANCO, 2007, p. 19).

Por isso, tomamos o cuidado de contextualizar cada cenário que envolvesse os

participantes da pesquisa. É essencial levarmos em consideração o contexto no qual

os participantes estão inseridos, bem como correlacionar os dados colhidos a outros

dados.

Segundo Severino (2007, p. 121), nessa modalidade “trata-se de

compreender criticamente o sentido manifesto ou oculto das comunicações”.

Buscamos nas falas dos participantes compreender o que está por detrás das

palavras e para analisar os dados colhidos procuramos trabalhar com todo o

material obtido ao longo da investigação, fazendo leituras sucessivas das

transcrições das entrevistas, procurando compreender o que está explícito e o que

está implícito em seu conteúdo.

Bardin (2009) orienta que sigamos três passos para a análise do conteúdo:

Pré-análise: é a fase da organização propriamente dita, começando com uma

leitura flutuante de todo o material colhido, sistematizando as ideias iniciais e

elaborando os indicadores.

A exploração do material: é a aplicação sistemática das decisões tomadas na

pré- análise.

Tratamento dos resultados obtidos: os resultados brutos são tratados de

forma a tornarem significativos e válidos, o que permite estabelecer quadros

de resultados, figuras, diagramas, entre outros, visando colocar em relevo as

informações fornecidas pela análise.

Bardin (2009, p. 48), ao falar sobre a análise de conteúdo, cita que o objetivo

desta “é a manipulação de mensagens (conteúdo e expressão desse conteúdo) para

evidenciar os indicadores que permitam inferir sobre uma outra realidade que não a

da mensagem”. Portanto, a análise de conteúdo foi concebida para fazer inferências

a partir da mensagem para se chegar a outra realidade além do que está explícito.

Para Franco (2007) a inferência é o procedimento intermediário que vai permitir a

passagem da descrição à interpretação.

Sobre os indicadores, Franco (2007, p. 58) menciona: “em grande parte das

investigações, qualquer que seja o tema explicitado, o mesmo passa a ter mais

70

importância para a análise dos dados, quanto mais frequentemente for mencionado”.

Por isso, ao apontar os indicadores e a frequência em que apareceram, podemos

criar as categorias de forma mais consistente e coerente. Franco (2007, p. 59)

afirma que “a categorização é uma operação de classificação de elementos

constitutivos de um conjunto” e que a criação das categorias é o ponto chave da

análise de conteúdo. Sabemos que não existe uma fórmula mágica para realizarmos

o levantamento das categorias, mas de acordo com as orientações de Franco, o

pesquisador deve seguir seu próprio caminho apoiando em seus conhecimentos e

guiado pela sua competência, sensibilidade e intuição.

Desta forma, de posse das transcrições da entrevista fizemos uma pré-

análise, ou seja, uma leitura flutuante das respostas dadas pelos alunos e pelos

professores. Analisamos, em um primeiro momento, as respostas dadas a cada uma

das perguntas dos roteiros. Em seguida fomos agrupando os assuntos semelhantes.

Fizemos então o levantamento dos indicadores e das categorias de acordo com os

assuntos previamente separados. Para levantarmos os indicadores, levamos em

consideração semelhanças, proximidade de sentidos e de significados. Quanto às

categorias, Franco (2007, p. 67) orienta que “uma categoria é considerada pertinente

quando está adaptada ao material de análise escolhido e ao quadro teórico

definido”. Por isso, o levantamento das categorias implicou em constantes idas e

vindas da teoria ao material de análise e vice-versa. Várias versões do sistema

categórico foram feitas até chegarmos à versão final.

Em seguida, para facilitar a interpretação dos dados, criamos sete tabelas nas

quais identificamos as categorias levantadas, exemplos de indicadores, o número de

vezes que os indicadores aparecem e a porcentagem de incidência. A porcentagem

de incidência foi calculada a partir do número de vezes que o assunto foi citado e

não pelo total de participantes.

71

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.1 O CONTEXTO EM QUESTÃO

A escola está localizada em um bairro de classe média de uma cidade do

interior de São Paulo. Ela está construída em uma área ampla, arborizada e possui

um bom espaço para os intervalos e recreios dos alunos. Para a prática de esportes

existe um complexo esportivo fora do prédio de aulas, com seis quadras, sendo

duas cobertas, um campo de atletismo e futebol, um ginásio olímpico, uma

academia e uma piscina semi-olímpica. Este complexo esportivo atende também

alunos da faculdade de Educação Física no período noturno. A Educação Básica

funciona nos períodos manhã e tarde, cuja maioria dos alunos pertence à classe

média. Entretanto, o colégio possui planos de bolsas de estudos para atender

especialmente alunos com dificuldades financeiras. Estudam ali alunos do Jardim da

Infância ao Ensino Médio, somando um total de 2203 alunos, sendo que cada grupo

estuda em prédios e locais separados (Ed. Infantil e Fundamental I / Fundamental II

e Ensino Médio). Do total de alunos, 500 são do Ensino Médio, distribuídos em dois

cursos: Ensino Médio regular, com três turmas de cada série, e o Médio Técnico em

Informática, com uma turma em cada série, somando um total de doze salas de

aulas tendo em média 45 alunos por turma. As salas de aulas possuem uma boa

estrutura para atender um número grande de alunos: são amplas, com carteiras

individuais para os alunos, mesa e cadeira para o professor, dois murais de recados,

uma lousa branca, um microcomputador, um projetor de vídeo, ar condicionado e,

quando solicitado, é disponibilizado microfone. O período de aulas acontece das 7h

às 12h30 minutos, sendo que para os alunos do Ensino Médio Regular, uma vez na

semana, também estudam no período da tarde, das 14h às 18h, somando um total

de quarenta horas/aulas semanais. Os alunos usam uniforme branco e azul marinho

e, no caso do Médio regular, utilizam material didático apostilado da própria

Instituição. As disciplinas são ministradas por professores formados nas suas

respectivas áreas de atuação. O número de aulas semanais para cada disciplina

varia de acordo com a disciplina e a série, sendo cada aula com duração de

quarenta e cinco minutos.

72

A equipe que atende os alunos do Ensino Médio é formada por um diretor

geral e um diretor disciplinar (ambos atendem também o fundamental II), uma

orientadora educacional e uma coordenadora pedagógica.

As três turmas do 3º Ano do Ensino Médio Regular somam um total de 121

alunos. Uma das turmas, à qual pertencem alguns participantes desta pesquisa,

possui 41 alunos e, na época da pesquisa, passava por problemas disciplinares

envolvendo relacionamento entre alunos e professores.

4.2 O CONTEXTO EM QUE FOI CRIADO O ESPAÇO CONVERSACIONAL

No início do ano de 2011 pedimos a ajuda da orientadora educacional e do

diretor disciplinar para que identificassem uma situação problema na qual

estivessem envolvidos professores e alunos, e que fosse interessante para o colégio

aplicarmos a ferramenta Espaço Conversacional a fim de verificarmos o que

aconteceria neste espaço. Por lidarem diretamente com os alunos e com seus

problemas, solicitei-lhes que assim que soubessem de algum problema que

justificasse a criação do espaço, nos procurassem.

Desta forma a escolha dos participantes foi feita partindo das queixas que

chegaram até a orientadora educacional, ao diretor disciplinar e a coordenadora

pedagógica. As queixas chegaram por parte de alguns professores e por parte de

alunos representantes de uma das turmas do 3º ano do Ensino Médio Regular, cujo

relacionamento entre eles estava muito ruim. A orientadora educacional nos

procurou preocupada com uma situação delicada que acontecia entre alguns alunos

e alguns professores de uma das turmas do 3º ano do Ensino Médio: durante as

aulas alunos saíam da sala de aula sem permissão, não deixavam o professor dar

aula, um dos alunos deitava no chão para “assistir” às aulas, enquanto os demais

ficavam rindo, outros viravam de costas para o professor, ficavam ouvindo som

mesmo sob ameaça de serem colocados para fora, entre uma aula e outra fechavam

a porta, apagavam as luzes e deitavam no chão para o professor pensar que não

havia ninguém na sala, os professores agendavam datas de provas e no dia da

prova alunos “provavam” para os professores que eles estavam equivocados, que a

data não era aquela, e o professor acabava não dando a prova. Estas e outras

condutas inadequadas eram orquestradas por um aluno específico que comandava

a sala, e a classe acabava obedecendo às ordens dele. A repetição destas e outras

73

atitudes estavam provocando problemas sérios no relacionamento entre

determinados professores e alunos. Ao prejudicar o andamento das aulas, como

consequência causou desmotivação para os professores e para a classe e queda no

desempenho escolar.

O diretor disciplinar também nos trouxe a mesma preocupação dizendo que

havia suspenso, de algumas aulas, o aluno que orquestrava a bagunça e seus

colegas, mas o problema persistia, pois agora tal aluno orquestrava tudo de forma

velada para que não fosse punido ou expulso. O problema estava crescendo dia a

dia e alguns alunos da própria classe começaram a se incomodar e procuraram a

orientadora pedindo ajuda a fim de que houvesse uma intervenção para melhorar a

situação da sala, pois estava atrapalhando o rendimento escolar da turma. A

representante da turma pediu à orientadora educacional para ajudá-los porque a

classe, sob o comando de alunos, estava controlando professores a ponto de não os

deixarem dar aulas. A classe estava se sentindo prejudicada. A orientadora nos

encaminhou os alunos para que apresentassem o problema. Por sua vez, os

professores também reclamavam da postura de determinados alunos que afetava a

classe como um todo e causava desmotivação no professor.

Desta forma, em consenso com o diretor disciplinar e a orientadora

educacional, concordamos que aquele seria um bom momento para aplicarmos a

ferramenta Espaço Conversacional para o qual convidaríamos alunos que estariam

diretamente implicados na situação em questão, e também alguns professores que

enfrentavam problemas com a turma. Eles gostaram da ideia: então chamamos o

aluno que liderava negativamente a sala e a representante de classe que também

estava participando dessa liderança e explicamos o plano de criarmos um espaço de

conversa entre alunos e professores. Explicamos que o grupo não poderia ser muito

grande, por isso solicitamos que eles fizessem uma lista de nomes, cerca de oito

alunos. Estes iriam representar a classe e participariam de um espaço de conversa a

fim de falar sobre o problema da sala e buscar caminhos para a situação problema.

Informamos que neste espaço estariam presentes alguns professores que se

sentiam também prejudicados com o comportamento deles, o diretor disciplinar e a

orientadora educacional. Eles gostaram da ideia e rapidamente trouxeram a lista. Os

oito nomes foram encaminhados à orientadora e ao diretor disciplinar, este último

percebeu que os nomes pertenciam somente ao círculo de amizades dos alunos que

74

fizeram a lista, então propôs trocar dois nomes por outros que estavam igualmente

envolvidos, porém pertenciam a dois outros grupos da sala.

Quanto aos professores, dois foram escolhidos por que estavam com muita

dificuldade de lidar com os alunos em sala, e para não entrar em atrito com os

alunos entravam na sala de cara fechada, ignoravam a rebeldia de alguns, davam

aula apenas para os alunos da frente. Dois professores foram convidados porque

haviam tido desentendimento com a classe, porém pediram para não participar dos

encontros porque eles e a classe já haviam resolvido os problemas. Também foi

convidada para o espaço uma professora de Educação Física que se sentia

decepcionada pelo que os colegas professores falavam dos alunos, então ela quis

participar, por ter uma linguagem e idade mais próximas deles, podendo contribuir

para buscar caminhos para a solução da problemática. O diretor disciplinar e a

orientadora educacional foram convidados porque estavam altamente implicados na

situação. Aquele já havia dado várias suspensões para alguns alunos da turma, por

sua vez, a orientadora já havia conversado com a classe e com alguns alunos,

porém sem resultados significativos. Neste contexto, abrimos um Espaço

Conversacional no qual formamos um sistema partindo da situação-problema:

relacionamento professor e aluno e queda no rendimento escolar. Foram realizados

três encontros: no primeiro encontro, dos oito alunos convidados, três desistiram de

participar porque não conseguiam conciliar as atividades extracurriculares com os

horários do espaço de conversa. Desta forma continuaram participando cinco alunos

e cinco professores (dos quais um é o diretor disciplinar e o outro orientadora

educacional); no segundo encontro todos vieram pontualmente, as conversas foram

muito produtivas; no terceiro e último encontro os participantes estavam bastante

animados e participaram intensamente.

4.3 CARACTERÍSTICAS PESSOAIS DOS PARTICIPANTES

Esta pesquisa envolveu dez participantes, dos quais cinco são alunos e cinco

são professores do Ensino Médio. Abaixo descreveremos, separadamente, os perfis

dos alunos e dos professores; após apresentaremos alguns dados gerais dos dez

participantes.

75

Todos os alunos participantes estudam na mesma turma do 3º ano do Ensino

Médio e a fim de conhecer o perfil destes, aplicamos o “Questionário de identificação

do participante aluno”. Para facilitar a visualização de alguns dados construímos as

tabelas 1 a 4.

Tabela 1 - Dados pessoais dos alunos participantes

Alunos Participantes

Sexo

Idade Estado Civil

Feminino Masculino 16 17 18 Solteiro Casado

05 20% 80% 0% 100% 0% 100% 0%

De acordo com a tabela 1, dos cinco alunos que participaram, 20% são do

sexo feminino e 80% são do sexo masculino. Observamos que o maior índice de

participação é do sexo masculino e podemos atribuir isto ao fato de terem mais

meninos implicados na situação problema em questão do que as meninas. Quanto

à idade, 100% deles têm dezessete anos, isto ocorre porque o colégio, salvo caso

excepcional, só aceita matricular alunos dentro da faixa etária correspondente à

série. Quanto ao estado civil, 100% se declararam solteiros.

Tabela 2 - Dados pessoais dos alunos participantes

Mora com

Pai, mãe e irmãos

Só pai Só mãe Avó e irmãos Outros

80% 0% 0% 20% 0%

Quanto à moradia, observamos na tabela 2 que 80% dos alunos declararam

que moram com pai, mãe e irmãos. Apenas 20% mora com a avó e irmãos. Dos

100% de alunos participantes, 60% é de família com apenas dois filhos, 20% de

família com três filhos e 20% de família com cinco filhos. Percebemos pelos dados

colhidos que 60% dos alunos participantes são de filhos caçulas e 40% de filhos

mais velhos na família.

Tabela 3 - Dados pessoais dos alunos participantes- perfil financeiro

Renda familiar

1-2 salários mínimos

3-5 salários mínimos

5-9 salários mínimos

Mais de 10 salários mínimos

40% 0% 20% 40%

76

Conforme apresentado na tabela 3, 40% dos alunos participantes têm renda

familiar entre 1 e 2 salários mínimos. Neste grupo está um aluno que não mora com

seus pais. Ele declarou que seu pai morreu na cadeia e a mãe ainda está presa.

Quem o sustenta e os seus quatro irmãos é a avó, por meio de uma baixa pensão

do avô falecido e da bolsa família. Ele declarou que para estudar no atual colégio

recebeu uma bolsa de estudos de 100% bem como materiais escolares e uniformes.

Outro aluno também pertencente a este grupo mora com os pais, a mãe é doente e

apenas o pai trabalha fora de casa, e no momento passam por uma situação

financeira difícil. Assim, ele também recebeu uma bolsa de 100% para estudar no

atual colégio. A renda familiar de 20% dos alunos participantes está entre 6 e 9

salários mínimos e 40% estão com mais de 10 salários mínimos. Em 80% das

famílias tanto o pai quanto a mãe trabalham fora, em apenas 20% das famílias a

mãe/avó não trabalham fora de casa.

Tabela 4 - Dados pessoais dos alunos participantes- situação escolar

Anos de estudos no colégio atual

Rendimento escolar em relação a media 6 (seis)

Até 1 ano 3 anos

10 anos

Abaixo da média

Na média Acima da média

40% 40% 20% 20% 20% 60%

De acordo com a tabela 4, 40% dos alunos participantes estudam no colégio

há menos de um ano. Segundo informações dadas pela orientadora educacional

estes alunos estudaram a vida toda em escola pública e agora, ao receberem uma

bolsa de estudos, tentarão melhorar sua situação educacional, pois querem passar

no vestibular. Estes alunos buscam por meio dos estudos melhorarem sua condição

financeira e social. Dos alunos participantes, 40% estudam há três anos no colégio

e 20% há dez anos. Quanto ao rendimento escolar, 60% dos alunos apresentam

rendimento acima da média, 20% na média e 20% abaixo da média. Ao

observarmos os dados das tabelas 1 a 3 e de detalhes trazidos no questionário,

percebemos que os alunos que necessitaram de maior ajuda financeira e com

menos tempo de estudos no atual colégio, apresentaram maiores dificuldades

escolares, ficando abaixo ou na média de nota escolar. De acordo com a orientadora

educacional, a dificuldade de adaptar-se ao ritmo de estudos do colégio e a

defasagem de conteúdo apresentada por estes alunos, tem sido um dos fatores

pelos quais eles apresentam resultados de notas não tão satisfatórios. Os demais

77

alunos apresentaram resultados acima da média denotando que estão bem

adaptados ao colégio.

Colocamos no questionário uma questão aberta, com solicitação para que o

aluno escrevesse um sonho. Cada aluno deixou registrado seu sonho conforme

informação abaixo:

Aluno G - Eu sonho em aproveitar as oportunidades dadas por Deus.

Aluno F – Quero terminar o 3º ano aqui neste colégio e não perder a bolsa.

Aluno L – Eu quero passar no vestibular.

Aluno LF- Superar meus desafios escolares.

Aluno J- Acabar meu 3º ano e planejar 2012.

Percebemos pelas respostas, que os alunos G, L e J sonham mais com

coisas em médio prazo: oportunidades, vestibular e planejamento para o futuro, já os

alunos F e LF sonham em superar seus medos presentes: terminar o 3º ano neste

colégio, não perder a bolsa e superar os problemas escolares. Os alunos FL e F são

os que receberam bolsas de estudos de 100% e, portanto querem vencer os

obstáculos imediatos, pois dependem disso para poder sonhar com o futuro.

A escolha dos professores foi feita devido às queixas que os mesmos fizeram

à orientadora educacional e ao diretor disciplinar de situações difíceis que

enfrentaram com alunos da referida classe. Participaram dos encontros três

professores que se sentiam de alguma forma implicados no problema, a orientadora

educacional e o diretor disciplinar que estavam diretamente envolvidos na

problemática. Para protegermos a imagem destes dois últimos profissionais, os

chamaremos daqui para frente também de professores.

Para conhecermos o perfil desses professores foi aplicado o questionário de

identificação do participante professor. De posse dos dados, para melhor

visualização de alguns deles, construímos as tabelas 5 e 6.

Tabela 5 - Dados pessoais dos professores participantes

Nº de Professores

Idade

Estado civil

Filhos

05

Menos 30 Mais de 40 Solteiro Casado Sem filhos Com filhos

40% 60% ----- 100% 40% 60%

78

De acordo com a tabela 5 os professores participantes estão distribuídos em

uma faixa etária bem diferenciada: 60% corresponde a professores com mais de

quarenta anos e consequentemente com mais experiência na área de atuação, e

40% com menos de trinta anos, faixa etária esta mais próxima dos alunos

participantes. Todos os professores são casados, sendo que 60% deles têm filhos.

Os professores mais jovens, 40%, não possuem filhos. A diferença de idade entre os

professores participantes veio enriquecer este projeto, pois os olhares acabam

sendo diferenciado sobre o mesmo problema. Quanto à renda familiar dos

professores participantes, 20% recebem de 7 a 10 salários mínimos e 80% recebem

mais de 10 salários mínimos.

Tabela 6 - Dados pessoais dos professores participantes

Formação

Profissão atual

Formação na área de atuação

Professor Diretor Disciplinar Orientadora Educacional

100% 60% 20% 20%

A tabela 6 nos mostra que 100% dos professores participantes são formados

em suas respectivas áreas de trabalho. No que tange ao trabalho atual, 60% dos

professores participantes atuam como professores na área de: língua portuguesa,

educação física e espanhol. Os 40% restantes atuam como orientadora educacional

e diretor disciplinar. As professoras de espanhol, português e a orientadora são as

pessoas que mais tempo têm de trabalho na área em que atuam (mais de dezoito

anos). Já a professora de educação física e o diretor disciplinar são os que menos

tempo têm de trabalho na área (três anos). Este último, de acordo com informações

dadas por ele, trabalhou em outras funções no mesmo colégio até chegar ao cargo

atual. Quanto à profissão atual, 60% dos professores participantes já estão há mais

de sete anos na função e 40% estão entre dois e três anos. Percebemos que todos

eles não são inexperientes em suas áreas de atuação e já possuem certo grau de

convivência com os alunos do referido colégio, o que pode ter contribuído

positivamente para as conversas no espaço conversacional. Apenas uma professora

disse que é o primeiro ano que ela dá aulas para esta turma.

Nas tabelas 7 e 8 sintetizamos os dados gerais dos 10 participantes desta

pesquisa:

79

Tabela 7 - Dados gerais dos participantes

No Participantes

Participantes

Sexo

10

Aluno Professor Masculino Feminino

50% 50% 50% 50%

Tabela 8 - Dados gerais dos participantes

Idades

Estado civil

Tempo (anos) no colégio atual

17 anos 20-30 anos 40-50 anos Solteiro Casado Menos de 1 ano

2-3 anos

7-11 anos

50% 20%

30% 50% 50% 20% 40% 40%

De acordo com a tabela 7, os participantes desta pesquisa são 50% de alunos

e 50% de professores, o que gerou certo equilíbrio no grupo. Quanto ao sexo

também há um empate de 50% para o sexo feminino e 50% para o sexo masculino,

sendo que dos participantes masculinos, quatro são alunos e um é professor, e nos

participantes femininos são quatro professoras e uma aluna.

Na tabela 8 percebemos que há três grupos de idades distintos: 50% de

participantes com dezessete anos, 20% com idades entre vinte e trinta anos, 30%

com idades entre quarenta e cinquenta anos. Percebemos que a maior porcentagem

é para os participantes de dezessete anos (alunos). O fato de termos representantes

de três faixas etárias diferentes trouxe contribuições importantíssimas para o grupo e

para esta pesquisa, pois por pertencerem a gerações diferentes trazem olhares

diferenciados sobre a problemática.

Outro dado importante de ser lembrado é o fato de termos representantes,

entre os participantes, de alunos de condição financeira mais baixa vindos de outras

realidades e alunos que estão a mais tempo no colégio e com uma situação

financeira melhor que aqueles. Este fato também trouxe ricas contribuições para

esta pesquisa, pois ao contarem de suas respectivas realidades puderam dar

opiniões sob pontos de vistas diferenciados.

80

4.4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA ENTREVISTA

Após o término dos encontros no Espaço Conversacional coletamos por meio

da entrevista semiestruturada, as opiniões sobre este espaço e tabulamos os dados

em seis tabelas. Para cada categoria ou subcategoria, na coluna indicadores,

colocamos apenas três exemplos de falas dos participantes, pois elas são inúmeras

e tomariam muito espaço nas tabelas. Tomamos o cuidado de identificar cada

indicador citado com a letra (A), quando se referir à fala do aluno, e (P), quando se

referir à fala do professor. A coluna “Nº” aponta o total de indicadores, ou seja,

quantas vezes o respectivo assunto apareceu na fala dos participantes. Na coluna

“porcentagem” o cálculo foi feito sob o total de indicadores da respectiva tabela.

Antes de apresentar os resultados de cada tabela, para um melhor

acompanhamento do leitor, informaremos o total geral de indicadores.

Na tabela 9, “Sentimentos sobre o convite para o Espaço Conversacional”,

procuramos sintetizar quais foram os sentimentos dos participantes ao serem

convidados para participar do Espaço Conversacional. Para tanto, baseado em

suas respostas, levantamos três categorias: Sentimentos de insegurança e medo,

Sentimento de responsabilidade, Sentimentos de confiança e valorização. Achamos

importante conhecer o que pensavam os professores e os alunos, por isso para

cada categoria acrescentamos duas subcategorias: sentimento do professor e

sentimento do aluno. O total de indicadores expressos na tabela 9 foi de 43, portanto

o cálculo da porcentagem de incidência, para cada categoria indicada na tabela, foi

realizado sobre esse total.

81

Tabela 9 - Sentimentos sobre o convite para o Espaço Conversacional

Categorias

Subcategorias

Indicadores

%

1.Sentimentos de insegurança e medo

Sentimento do professor Sentimento do aluno

-Pensei: “meu Deus o que será que vai acontecer ali”. Até fui pensando que eu teria que ser muito mais mediadora que tudo. (P) -A expectativa foi maior, gerando maior insegurança. Pensei: o que será que vai acontecer?(P) -O que vão falar de mim?(P) (...) -Fiquei com medo das perguntas que iam fazer. (A) -Sei lá pode ser que as perguntas me deixassem nervoso. (A) -Fiquei com medo. (A) (...)

8 18,6%

9 21%

2. Sentimento de responsabilidade

Sentimento do professor Sentimento do aluno

-Me senti com muita responsabilidade. (A) -Eu precisaria absorver tudo e levar para a sala. (A) -Ser chamada para representar a sala é difícil (...) tem a responsabilidade de levar para mais gente. (A) (...)

0 0%

6 14%

3.Sentimentos de confiança e valorização

Sentimento do professor Sentimento do aluno

-Fiquei feliz por que ia contribuir tanto para o melhoramento do rendimento escolar dos alunos e nosso relacionamento com eles como professores. (P) -Ao mesmo tempo em que eu me senti honrada, me senti importante. (P) - Senti uma expectativa positiva, pois eu estou acostumado, diariamente, a trabalhar com disciplina. (P) (...) -Achei bom porque me viram: o F. está na sala. Fiquei feliz. (A) -Me senti honrado, ia falar o que me incomodava. (A) -Como me chamaram senti que acreditavam em mim. (A) (...)

6 13,8%

14 32,6%

Obs. As palavras foram transcritas de acordo com as falas dos participantes. As porcentagens foram

calculadas a partir do total de respostas dadas e não a partir do número de participantes.

Conforme observamos na categoria 1 da tabela acima, os alunos

apresentaram mais sentimentos de medo e insegurança, 21%, do que os

professores, 18,6%. Já na categoria sentimento de responsabilidade, apenas os

82

alunos apresentaram este sentimento, 14%. Quanto à categoria 3, sentimento de

confiança e valorização, os indicadores apontaram que os participantes alunos

expressaram mais sentimento de confiança e valorização, 32,6%, ao receberam o

convite para participar do Espaço Conversacional, do que os professores, que foi de

13,8%. Se somarmos as subcategorias professor e aluno e compararmos os

resultados entre as 3 categorias, percebemos que o sentimento de confiança e

valorização, 46,4%, prevalece sobre os sentimentos de medo e insegurança, 39,6%

e o de responsabilidade, 14%. Podemos comprovar que os participantes de forma

geral estavam com um maior sentimento de confiança e valorização do que de

medo. O medo apareceu em parte das falas dos participantes, mas o fato de terem

sido convidados para participar despertou neles o sentimento de valorização, do “eu

também sou importante”. Percebemos em vários momentos das falas tanto de

professor quanto de alunos, que eles citavam a frase “me senti importante por ter

sido chamado”. No caso dos alunos apareceu o sentimento de reponsabilidade, o

que pode ser atribuído ao fato deles estarem representando a classe e por isso

deveriam compartilhar com a turma as decisões e conversas realizadas durante os

encontros.

Na maioria das vezes, os adolescentes são mais arrojados e acham que

podem enfrentar qualquer coisa e diante da situação que estavam vivendo em sala

de aula, o espaço pode ter vindo ao encontro das necessidades do aluno de ser

ouvido pelo professor e pela direção, apesar do medo. Os professores participantes

estavam num misto de medo e ansiedade para encontrar caminhos e solucionar os

problemas da turma. Antes de começar o primeiro encontro, em uma conversa

informal, uma das professoras disse que estava bem desanimada quanto à turma, já

havia feito de tudo para ajudar a sala, até almoço ofereceu para os alunos e nada

dava certo. Ela é conselheira da turma, então os professores reclamavam para ela

sobre as atitudes dos alunos. Ela não sabia mais o que fazer, pois na aula dela era a

mesma coisa. Esperava que no espaço conseguisse descobrir o caminho para

atingi-los. Uma outra professora falou que estava sofrendo bastante para dar aulas

na turma, preparava as aulas o melhor que podia, mas todas as vezes saia

decepcionada e desanimada, por isso ficou preocupada em aceitar o convite porque

não sabia o que os alunos iriam dizer dela lá no espaço, principalmente porque o

aluno mais trabalhoso estaria presente. Mas estava torcendo para que tudo

acabasse bem. Por outro lado, uma das alunas disse que estava bem animada por

83

que foi a primeira aluna a pedir que a escola os ajudasse a resolver o problema, pois

estava atrapalhando o rendimento da turma e causando problemas com os

professores. Ela estava com uma expectativa positiva porque, de acordo com ela “se

todos forem lá pensando em coisas que possam melhorar a classe, então dará

certo” (aluna J). Desta forma, entendemos que o convite para o Espaço

Conversacional pode ter trazido esperança para professores e alunos, no sentido de

que no espaço não seria privilegiada a hierarquia, mas todos teriam igual direito de

falar e dar suas opiniões sobre o problema existente a fim de buscar caminhos para

a solução do mesmo. Na sala de aula, normalmente ocorrem conversações de

mando e obediência, nas quais, muitas vezes, os professores, confirmam sua

superioridade (MATURANA, 1997), mas no Espaço Conversacional, todos os

participantes vislumbravam poder falar de forma circular, ou seja, falar olho no olho

como em uma equipe. Assim, de modo geral, podemos entender que os

participantes como um todo apresentavam com sentimentos positivos sobre a

participação no Espaço Conversacional.

Para a construção da tabela 10 levamos em consideração as falas dos

participantes que apontavam para as atitudes que geraram tensões nas relações

entre professor e aluno no Espaço Conversacional. Para tanto criamos três

categorias: atitudes do professor que geraram tensões no diálogo, atitudes do aluno

que geraram tensões no diálogo e momentos de tensões que geraram diálogo. O

total de indicadores da tabela 10 foi de 34, portanto o cálculo da porcentagem de

incidência, para cada categoria indicada na tabela, foi realizado sobre esse total.

84

Tabela 10 - Atitudes que geraram tensões nas relações no Espaço Conversacional

Categorias

Indicadores

%

1.Atitudes do professor que geraram tensões no diálogo

- Naquele momento quando ele (professor) alfinetou eu senti que podia ter “quebrado” tudo o que havia sido conquistado até ali. (P) -Eu achei que não era o momento de falar. Eles ficaram sem jeito. Ali tinha tudo para dar errado: professor e aluno, gente bocuda e gente não bocuda... eu acho que quando você vai para resolver esse tipo de problema, você tem que tirar tudo que é “arma (...) (P) -Eu acho que uma hora só que um professor colocou que “o erro com certeza era do aluno”, daí eu coloquei que eu não concordava, porque o professor tem uma força importante, e ele disse que não, que o aluno é que tem que fazer isso aí. (A) (...)

18

53%

2.Atitudes do aluno que geraram tensões no diálogo

-Teve alguns momentos que até entre os alunos houve divergência de ideias. (P) -A não ser no primeiro encontro quando teve um probleminha em relação ao lugar (se referindo à fala do aluno L quando falou do mapa de sala). (P) -Eu senti apenas por parte dos alunos na segunda reunião que alguns deles tentaram impor algumas coisas, impor sua opinião sem aceitar muito o comentário do outro. (A) (...)

3

9%

3.Momentos de tensões que geraram diálogo

-Mesmo que alguém começasse a falar alguma coisa que pudesse soar como imposição o outro estava aberto para dialogar o contrário. (P) -Não percebi problemas de hierarquia, de imposição. Por isso, eu acho que quando um ia fechar o outro abria... (P) -Quando um aluno criticou a forma de determinados professores darem aulas, foi esclarecido e eu entendi que cada professor tem uma forma diferente de pensar, de agir e de dar aula... (A) (...)

13

38%

Obs. As palavras foram transcritas de acordo com as falas dos participantes. As porcentagens foram

calculadas a partir do total de respostas dadas e não a partir do número de participantes.

Podemos constatar que, de acordo com a tabela 10, as atitudes dos

professores causaram mais tensões no diálogo entre professores e alunos, 53%, do

que a dos alunos, 9%. Em 38% das falas foi possível constatar que os participantes

85

acharam que mesmo nos momentos tensos o diálogo fluiu. Consideramos que o

índice mais elevado para as atitudes do professor que causaram tensões, se deve

ao fato de um episódio que ocorreu no Espaço Conversacional o qual será descrito

abaixo, na fala de um dos participantes:

“Foi muito legal o que aconteceu lá, achei que 99% das pessoas souberam se

colocar, só achei tensa, a vez, quando o professor R falava. Ele não foi feliz em

algumas colocações ou eu não soube interpretar. Eu achei que foi um momento

tenso (...) Naquele momento quando ele alfinetou eu senti que podia ter

“quebrado” tudo o que havia sido conquistado até ali , eu achei que foi por Deus

que não detonou tudo porque eles vinham num crescente, estavam aceitando bem

(...)depois acalmou (...) em seguida a professora M disse que compreendia o que o

aluno falara (ela se referia à fala do aluno antes do diretor falar com ‘firmeza’)”

(Professor M).

Percebemos que neste novo sistema criado, ainda alguns participantes não

conseguiram ficar em uma posição de circularidade, mas conservavam a postura

hierárquica de mando e obediência (AUN 2010). Porém, percebemos que faz parte

do processo de maturidade desse sistema passar por momentos de tensões, porém

a diferença é a forma como serão trabalhados estes momentos. Watzlawick e cols

(1967/2007) falam que cada sistema busca a homeostase, o equilíbrio. Este sistema,

agora criado, estava em busca do equilíbrio, pois passavam por mudanças.

Anderson (2009) aconselha que o conversar se torne parte principal desse processo,

pois de acordo com ela o conversar tem a ver com ajudar o outro a ter acesso à

coragem, a enfrentar situações, a não ficar paralisado e a ter uma visão clara do que

está acontecendo. Maturana (1997), ao falar sobre as desavenças nos

relacionamentos, orienta que é importante, quando ainda se esteja no calor da raiva,

buscar soluções, pois desta forma as emoções mudam e a raiva se esvai ou, pelo

menos, se transforma numa discordância respeitável. Compreendemos que este tipo

de atitude faz parte do processo de fortalecimento desse sistema. No espaço de

conversa os problemas relacionais vieram à tona conforme as falas foram sendo

expressas. Pois, esse é um espaço para compreender melhor o complexo

entrelaçar de ideias, coisas ou posições que aparentemente estavam divergentes,

separadas, conforme citado no princípio dialógico defendido por Morin (2002b).

86

Muitas vezes, no conversar descobre-se que as divergências eram apenas verdades

que precisavam ser compreendidas e esclarecidas. Nesse conversar os

participantes trouxeram emoções de histórias passadas o que permitiu o

crescimento do grupo. Em momentos como estes acontece a aprendizagem, pois

promovem-se o desenvolvimento das estruturas psicológicas (VIGOTSKI,1998). No

entanto, a forma como se lida com essas situações e emoções é que promoverá

saltos qualitativos para ambas as partes. Um dos participantes entrevistados

comentou: “Mesmo que alguém começasse a falar alguma coisa que pudesse soar

como imposição, o outro estava aberto para dialogar o contrário” (Professora M).

Percebemos que embora houvesse tensões, o diálogo prosseguiu e foi interpretado

pela maioria como parte do processo de conversação.

Percebemos na tabela 10, que muito embora em alguns momentos

ocorressem problemas no diálogo, o respeito prevaleceu. Maturana (1997) ao falar

da conversação cita o respeito e o amor que devem existir no decorrer das

conversações, bem como, o uso da razão que possibilita chegar a caminhos

facilitadores para todos expressarem suas ideias. Isso foi possível perceber ao longo

dos encontros.

Na construção da tabela 11, levamos em consideração as falas dos

participantes que apontavam para as contribuições da ferramenta Espaço

Conversacional para a relação professor e aluno. Para tanto, criamos 3 categorias:

Mudança no olhar do professor e do aluno, Abertura de espaço para o diálogo entre

professor e aluno, Melhoria na interação entre professor e aluno. O total de

indicadores da tabela 11 foi de 40, portanto o cálculo da porcentagem de incidência,

para cada categoria indicada na tabela, foi realizado sobre esse total.

87

Tabela 11 - Contribuições do Espaço Conversacional para a relação professor e aluno

Categorias

Indicadores

%

1.Mudança no olhar do professor e do aluno

-O olhar do L não tinha medo de mim mais. O L olhou no meu olho e eu falei com ele e ele disse: tudo bem professor eu já estou indo trocar. (P) -O nosso olhar é um olhar diferente, é de respeito. (P) -Eu penso isso, e agora, o que a gente vai fazer? Agora a gente tem uma confiança a mais um com o outro (...) o olhar agora é diferente. (A) (...)

8

20%

2.Abertura de espaço para o diálogo entre professor e aluno

-Meu relacionamento com L está muito melhor, nós até conversamos pelos corredores. (P) -Eu consegui me colocar no lugar deles, eu faço muito isso, e tento entender o porquê daquele comportamento, se está acontecendo alguma coisa. (P) -A minha relação com os professores está diferente, pois lá no espaço conversacional os professores ouviram a minha opinião, eu ouvi a deles, esclarecemos, colocamos o que pensamos ... (A) (...)

9

22,5%

3.Melhora na interação entre professor e aluno

-Nas reuniões as armas baixaram e não precisamos mais ficar competindo. (P) -Os professores na sala interagem com esses alunos e a sala vendo isso, começou a melhorar seu comportamento. (A) - A relação com o professor melhorou e me ajudou a tomar uma postura melhor, me conscientizou mais. (A) (...)

23

57,5%

Obs. As palavras foram transcritas de acordo com as falas dos participantes. As porcentagens foram

calculadas a partir do total de respostas dadas e não a partir do número de participantes.

Na tabela 11 observamos que mais da metade dos indicadores, 57,5%,

apontam que a maior contribuição do Espaço Conversacional foi em relação a

melhoria na interação entre professor e aluno. Em segundo lugar, com 22,5%, foi a

abertura para o diálogo entre professor e aluno e 20% dos indicadores apontam para

a mudança no olhar do aluno e do professor. Podemos inferir que se o maior índice

está para a melhoria na interação entre professor e aluno, significa que a relação

deles anterior ao espaço estava com problemas. Isto vem demonstrar que a partir do

momento em que os alunos e professores tiveram um espaço para conversar,

colocaram suas opiniões, conseguiram interagir melhor. Morin (2002b) afirma que na

88

relação com o outro há carência de compreensão e para que se possam entender as

partes faz-se necessário dialogizar. E nesse dialogizar, no qual foram providos

ambientes e práticas fora da sala de aula, em um lugar específico, com objetivos

definidos, os participantes chegam a um novo conceito sobre a relação com o outro,

quando aconteceu aprendizagem capaz de influenciar mudanças comportamentais e

melhoria na relação entre as partes envolvidas. Na entrevista um dos professores

participantes fez a seguinte colocação:

“Tudo que for feito para desenvolver esse relacionamento vai produzir bom fruto, mas como é difícil tomar uma decisão como essa, por que movimentar bons relacionamentos realmente é um desafio porque cada um está correndo atrás do seu objetivo: o aluno querendo passar de ano, o professor querendo ensinar. Cada um está do seu lado, não tem uma ponte, temos que construir uma ponte, e este espaço foi realmente uma ponte entre o ensinar e o aprender” (Professor R).

Vigotski (1998) afirma que a aprendizagem do indivíduo se dá por meio de

experiências às quais ele foi exposto, portanto o Espaço Conversacional pareceu

promover experiências aos participantes gerando aprendizagens significativas para

o relacionamento entre eles. Um exemplo dessas experiências é que no decorrer

dos encontros alguns alunos participantes não conseguiam manter os olhos fixos no

professor que falava. Porém, ao final dos encontros, a interação ficou bem mais

tranquila e eles ficaram mais à vontade. Uma das professoras disse:

“Eu senti assim, o olhar dos alunos, no começo eles não olhavam dentro do olho, eu sentia que eu falava, mas eles estavam com o olhar meio desviado e eu buscava o olhar deles e o olhar dos adultos, mas eu ainda só sentia o olhar dos adultos, demorou um pouquinho para pegar confiança. Eu senti que no final da reunião eles já olhavam em nossos olhos, já estavam bem mais a vontade.” (Professor Mr).

Os alunos tinham consciência do trabalho que estavam dando em sala de

aula, e o professor por sua vez também se sentia impotente frente à turma. Nas

conversas tentaram contato com os alunos pelo olhar, com o intuito de deixá-los

mais a vontade e a comunicação então fluiu. Watzlawick et al. (1967/2007) afirmam

que é impossível não comunicar, pois nos comunicamos, além das palavras, por

gestos, olhares, posturas. No início dos encontros os participantes estavam

distantes ainda, mas se comunicavam pelo olhar ou pelo baixar dos olhos. Nas

entrevistas foi possível ouvir frases como esta: “antes eu via que eram bons alunos,

hoje eu sinto uma amizade nos olhos deles, eu sinto que eles olham com mais

89

carinho” (Professor G.). Maturana (1997) ao falar sobre sistemas sociais afirma que

ao acontecerem mudanças nas pessoas envolvidas naquele sistema, ao mudarem

suas condutas também estarão mudando automaticamente o sistema social no qual

estão inseridos. Percebemos que aconteceram mudanças não só entre os

participantes, mas nas outras pessoas que estavam envolvidas, no caso a turma da

qual os alunos participantes fazem parte, como podemos perceber na fala de um

aluno: “Eu acho que já teve mudança lá na sala. Pelo menos o pessoal que foi (no

espaço de conversa) já está tentando mudar um pouquinho, e se muda um

pouquinho acaba arrastando outras pessoas. É uma mudança que acontecerá com

o tempo, aos poucos” (Aluno G).

Para a construção da tabela 12 levamos em consideração as falas dos

participantes a respeito das opiniões sobre participações no Espaço Conversacional

(conversações). Para tanto, criamos 4 categorias: Conversações dando direito a voz,

Conversações incentivando o respeito e a valorização, Conversações de co-

inspiração e outros . O total de indicadores da tabela 12 foi de 83, portanto o cálculo

da porcentagem de incidência, para cada categoria indicada na tabela, foi realizado

sobre esse total.

90

Tabela 12 – Opinião sobre as participações no Espaço Conversacional

Categorias

Indicadores

%

1.Conversações dando direito à voz

-Do segundo encontro em diante estava todo mundo mais a vontade, acho que a proporção da fala (entre alunos e professores) foi basicamente igual. (P) -Eles (alunos) contaram o que fazem à tarde, como se programam, como os professores poderiam ajudá-los no planejamento, no calendário deles, e o professor contou um pouco de como é difícil ir em várias salas.(P) -Pude dar minha opinião e ouvir a opinião dos meus colegas também. (A) (...)

39

47%

2.Conversações incentivando o respeito e a valorização

-É uma sensação boa quando as pessoas param para te ouvir, te dão valor, te dão respeito. (A) -Dá uma sensação de que você está sendo respeitado. Houve respeito entre os colegas de classe, entre professor e diretoria. (A) -Eu falei para eles que eles tinham potencial, que da mesma forma que lutaram unidos por um problema que passaram no início do ano, porque não unir agora para melhorar a classe e o futuro de cada um. (P) (...)

22

26,5%

3.Conversações de co-inspiração

-Pela forma como foi conduzida e o formato de círculo te dão uma facilidade e uma segurança maior e um sentimento que se está sendo ouvido e aceito. (P) -Eu acho que era muito bacana quando alguém ia contra, ou então dizia “você poderia me explicar melhor?”, eles achavam maneiras de explicar diferente, achei legal a postura deles.(P) -Os outros conseguiram conversar bem e compreender a posição do outro, a tia M.(Orientadora) até ajudou o diretor a compreender melhor e aí eu acho que ele compreendeu.(A) (...)

21

25,3%

Outros -Eu me senti à vontade, mas os outros professores

estavam mais envolvidos no problema. Os

professores que sofriam mais com as atitudes deles

falaram mais.(P)

1

1,2%

Obs. As palavras foram transcritas de acordo com as falas dos participantes. As porcentagens foram

calculadas a partir do total de respostas dadas e não a partir do número de participantes.

Na tabela 12, de acordo com as falas dos participantes, 47% dos indicadores

apontaram que houve conversação com direito à voz, e quase que empatados com

26,5% ficaram as conversações incentivando o respeito e a valorização e 25,3% as

conversações de co-inspiração. Notamos que em quase 50% das falas foi apontado

91

que os participantes tiveram direito a voz. Percebemos que neste caso, de acordo

com a teoria de AUN (2010), foi criado um contexto de autonomia, pois todos

tiveram direito a voz. Até mesmo um dos garotos que era mais simples participou

como podemos perceber na fala de um professor: “achei interessante aquele garoto

simples, o que ele falou de forma tão simples e até com umas palavras meio erradas

(...) sempre fazendo comparações com vivências passadas” (professora M). Este

garoto vem de uma família bem simples, no entanto ao longo dos encontros

conseguiu se posicionar e dar exemplos interessantes de suas vivências na escola

anterior e até de situações difíceis que passou. Anderson (2010) relata que quando

um grupo se reúne para uma conversação, todos os participantes começam falando

sobre o que trazem do seu cotidiano, trazem à tona suas conversas internas e

silenciosas e histórias passadas.

No primeiro encontro no Espaço Conversacional, um dos alunos agradeceu

pela iniciativa de se abrir um espaço para que alunos, professores e diretor

pudessem conversar sem medo de serem julgados. Ele disse:

“no mundo aí fora reina a democracia, porque que aqui também não pode ser assim? Os alunos precisam ser ouvidos também porque parece, pelo menos ao nosso olhar de aluno, que só o professor tem razão. Muitas vezes eu quis ser ouvido, mas fui punido sem falar tudo o que eu pensava. Por isso, quero dar os parabéns por este espaço estar existindo” (aluno L).

Nesta fala podemos perceber que o aluno estava se sentindo injustiçado

porque ele não conseguia ser ouvido, mas agora, com o Espaço Conversacional

surgiu a oportunidade de falar o que pensava sobre a situação. O aluno L trás em

sua fala a indignação, protesto e agradecimento, porém este aluno estava sempre

envolvido em problemas disciplinares e a direção já estava sem paciência para ouvi-

lo. Durante as conversas ele se referia a ele mesmo como representante dos

bagunceiros, mas que estava ali para achar caminhos e se comprometia em ajudar.

Vasconcellos (2010a) diz que o conversar possibilita resolvermos infinitas questões

e, de acordo com Maturana (1997), quando o conversar acontece em uma rede

particular de linguagem e de emocionar estamos em conversação, portanto o que

acontecia no Espaço Conversacional era uma verdadeira conversação que envolvia

sentimentos mais profundos. Neste espaço, em uma das conversações, o aluno L

deixou escapar um dos motivos que o levava a ser rebelde em sala de aula:

92

Eu acho que o problema da sala hoje em dia é a questão da liberdade. Meu pai conta que antigamente, o professor, tinha „tipo assim‟ autoridade de castigar fisicamente o aluno. Já pensou o professor C batendo em mim? Um tempo depois “o professor ainda era autoridade, você estando certo ou errado, você se ferrava do mesmo jeito, porque você era o aluno e tinha que respeitar o professor. Hoje ainda existe isso, por exemplo, na China o professor ainda é a autoridade máxima, você pode filmar uns quinze dias lá que os alunos não dão um pio na sala. Isso é muito chato. Eu acho que é um extremo do outro, extremo porque lá eles obedecem, aqui, eu vou falar, sou cara de pau mesmo, eu infernizo a vida do professor até eu conseguir o que eu quero, e é errado, por que o professor chega ao extremo, deixa de impor o seu respeito. Mas tem professor que consegue ter autoridade máxima na sala (...) mas, tem professor que deixa a coisa rolar e daqui a pouco você olha para a sala e diz: que é isso „véio‟, tem aluno batendo um no outro, está a maior bagunça (...) a gente tem consciência véio, que a culpa é da gente, porque a gente tem que ter consciência de sentar, calar a boca e ouvir (...) mas tem professor que tem medo de ser odiado pelos alunos, tem medo de dar bronca e deixa a sala do jeito que está” (Aluno L).

Depois dessa fala os demais alunos também concordaram com isso e

contaram casos que aconteceram em suas escolas de origem. O aluno F destacou

que a educação em sala de aula vem de casa também, de acordo com ele o

problema já vem da família. A professora G ficou escandalizada com a fala dos

alunos. Ela disse que não imaginava que eles tratavam os professores daquela

forma, porque ela os conhecia das quadras, nas aulas de educação física, sabia dos

problemas, mas nunca imaginava que os alunos pensassem desta forma. Partindo

destes diálogos, as conversas foram longas. Podemos perceber na prática o que

vimos em Maturana (1997), quando se referiu às conversações. No início as

conversações foram de acusações e de queixas, mas ao longo dos encontros

prevaleceram as conversações de respeito, valorização e co-inspiração, nas quais

estavam envolvidos o respeito mútuo, e como consequências surgiram atitudes que

beneficiaram a todos. Uma das professoras disse: “Eu gostei da forma que alguns

professores se colocaram, achei muito bacana como a professora Mr, que tinha mais

dificuldade com os alunos, administrava bem as coisas que eles colocavam”

(Professora M). O grupo, ao amadurecer os relacionamentos no Espaço

Conversacional, partiu para um tipo de conversação que Anderson (2009) chama de

abordagem colaborativa, pois a preocupação passou a ser não somente sobre o que

se falava, mas a forma como se falava. Os participantes envolvidos começaram a se

preocupar uns com os outros e procuravam achar caminhos para a solução do

problema. Juntos foram co-construindo os caminhos para a solução do problema.

Grandesso (2006) e AUN (2010) falam que as mudanças ocorrerão de dentro da

própria conversação e dali emergirá o processo de co-construção. Podemos citar,

93

por exemplo, a fala de dois alunos e de uma professora que ocorreram no Espaço

Conversacional sobre o problema:

“A culpa, a culpa é nossa. A gente precisa ter consciência de que a aula é dada e deveríamos sentar e ouvir. Só que a gente não tem essa consciência. E aí os professores ficam meio que com medo de se impor, e aí esse professor, por mais que a aula dele seja bagunçada, ele vai trabalhar. Porque para o aluno, ele vai pensar “se nessa aula eu baguncei, eu brinquei e não deu nada, porque na aula de biologia, de matemática, física, química eu tenho que ficar quieto?”. Aí começa, a outra matéria é mais difícil, e o cara começa a levar de qualquer jeito” (aluno L). “Eu acho que é a falta de liberdade do professor com o aluno. Eu acho que é muito distante o aluno com o professor, ele chega lá na frente e está dando um problema lá no cantinho, ele pede pra sala toda ficar quieta. Só que as vezes o professor tem vontade de chegar pra esse aluno e dizer: poxa J. você está atrapalhando minha aula, o que está acontecendo? Eu acho que o professor deveria ser mais específico: J. você está conversando na minha sala e ...” (aluna J)

“Existem dois extremos: tanto pelo interesse do aluno quanto por aquele que acha que não precisa daquele conteúdo, acha que não precisa porque vai bem sozinho, ele esnoba a aula e acaba atrapalhando muito quem precisa” (Professora M)

Neste momento as conversações começam a tomar um novo rumo, todos

passam a refletir no papel do aluno e no papel do professor e buscam caminhos

para solucionar o problema. Ouvir as falas acima no Espaço Conversacional não foi

tão simples assim, mas os participantes conseguiram ouvir, falar e contribuir, porque

foi possível vermos na prática o autocontrole, como diz Rogers (2008) que até onde

conseguimos nos controlar, quer seja pela linguagem, quer seja pelas atitudes e

modos, será o grau em que convidamos o outro para a cooperação.

No início das conversações os alunos falaram mais que os professores,

notamos isto ao longo das entrevistas quando os professores comentavam que no

começo ficaram mais quietos porque precisavam sentir o que os alunos pensavam

sobre o problema em questão. Percebemos isto numa das falas do professor G

sobre o primeiro encontro: “Eu não falei tudo o que eu pensava, até porque eu gosto

de analisar a situação. Todo momento que eu fiquei lá fiquei analisando o

comportamento de cada um, o que eles falavam”. Anderson (2009) fala que as

primeiras conversas no espaço deveriam ser para apresentar pontos de vista, contar

coisas, ouvir, e aos poucos o espaço vai se transformando num processo

conversacional. Conforme aconteciam os encontros, todos foram se soltando e

houve participações na mesma proporção, é o que afirma o professor R: “então

94

tornou-se algo mais produtivo, do segundo encontro em diante estava todo mundo

mais à vontade, acho que a proporção da fala era basicamente igual”

Ao observarmos e analisarmos os encontros como um processo de criação do

sistema, podemos compreendê-los a partir da teoria da complexidade defendida por

Morin (2002b). Aquilo que estava separado e fragmentado, no caso as partes

envolvidas, se juntou para tentar compreender este complexo, e começaram a tecer

em conjunto os relacionamentos e buscar caminhos para as soluções da

problemática. Morin afirma que “os espíritos parcelados tornam-se cegos às

interações e a causalidade circular” (MORIN, 2002b, p. 16), porém ao participarem

do espaço esta cegueira foi se dissipando e tornando os relacionamentos mais

significativos. Quando as conversações aconteceram, não se via mais um

fenômeno, mas como diz Vasconcellos (2009), foi possível ver uma teia de

fenômenos interligados e aí se via a complexidade do sistema. Nesses encontros, foi

possível ver os três princípios citados por Morin (2002b): recursivo ou autoprodutivo

no qual produtos e produtores estão, ora como produtores do conhecimento, ora

como produtos desse conhecimento; no princípio dialógico foi possível esclarecer

coisas aparentemente contraditórias e as verdades vieram à tona; e no princípio

hologramático, percebemos que as partes formaram um todo e que agora cada um

dos elementos influenciam o todo e o modificam, bem como o todo modifica as

partes. Podemos compreender melhor estes conceitos, quando lembramos da fala

do professor R o qual comentou que cada um enxerga a escola de uma maneira e

que a visão da orientadora é diferente da visão do diretor geral, que é diferente da

visão do diretor disciplinar e assim sucessivamente. Quando começaram as

conversações cada qual via o assunto à sua maneira, do seu ponto de vista. Aos

poucos foram se entendendo e o problema foi sendo analisado sob os diversos

ângulos e melhor compreendido por todos. Um exemplo está na fala de um dos

alunos: “As pessoas ouviram o que eu falava, ficaram até admirados com algumas

coisas que falei. Quem sabe pensaram que a gente não pensava assim” (Aluno LB).

Na fala do aluno foi possível perceber que as coisas foram sendo esclarecidas e as

verdades clareadas. Uma das professoras comentou: “Eu conheci o outro lado

deles” (Professora G). Foi interessante perceber o espaço que cada um foi dando

para o outro e compreendendo também o seu ponto de vista.

Para a construção da tabela 13 levamos em consideração as falas dos

participantes a respeito dos resultados pós-encontros no Espaço Conversacional.

95

Para tanto, criamos duas categorias: Resultados práticos em relação aos alunos,

Resultados práticos em relação aos professores. Ao criar as categorias, achamos

importante observar quais mudanças foram maiores, nos alunos ou nos professores.

O total de indicadores da tabela 13 foi de 38, portanto o cálculo da porcentagem de

incidência, para cada categoria indicada na tabela, foi realizado sobre esse total.

Tabela 13 - Resultados práticos pós- encontro Espaço Conversacional

Categorias

Indicadores

%

1.Resultados práticos em relação aos alunos

-Até minhas notas já estão melhorando, estou mais focado, agora eu vejo a realidade. Estou correndo atrás. (A) -É muito bom estudar, estamos com outra postura, de maior consciência. (A) -O grupo de estudos já começou. As palestras serão bem interessantes e chama muito atenção do aluno (se referindo a um dos caminhos encontrados). (A) (...)

30

79%

2.Resultados práticos em relação aos professores

-Eu estou até com algumas ideias para aplicar no 2º semestre com os alunos. (P) -Hoje fui com a representante de sala e a ajudei a organizar os grupos de estudos e já começou a funcionar, sexta-feira já teve a primeiro grupo de estudos. (P) -Temos ainda em longo prazo que cumprir as coisas, que é a palestra sobre ética, sobre as atitudes de sucesso( sobre o futuro deles) as nossa visitas às salas de aulas que nós prometemos (Orientação e direção). Agora é acompanhamento, é presença. (P)

8

21%

Obs. As palavras foram transcritas de acordo com as falas dos participantes. As porcentagens foram

calculadas a partir do total de respostas dadas e não a partir do número de participantes.

Ao observarmos a tabela 13, notamos que 79% dos indicadores apontam que

os resultados práticos foram bem maiores na vida dos alunos do que na dos

professores, 21%. Isto pode indicar que os alunos se conscientizaram de que

precisavam mudar de atitude e já estão tentando colocar em prática. Uma das frases

mais comentadas na fala dos alunos foi a mudança de atitude e postura em sala de

aula. Podemos comprovar isto na fala de um deles: “É muito bom estudar, estamos

com outra postura, de maior consciência” (Aluno LF). Por sua vez, os professores

têm seus pontos a melhorar e também estão mudando de atitude. Um dos

professores comentou: “Hoje fui com a representante de sala e a ajudei a organizar

96

os grupos de estudos e já começou a funcionar, sexta-feira já teve a primeiro grupo

de estudos” (Professora M). Eles estão tentando incentivar seus alunos a irem em

busca de melhorias, estão tentando ficar mais próximos dos alunos. Ao analisarmos

o contexto das conversações no Espaço conversacional percebemos que boa parte

dos problemas era causada pelos próprios alunos e eles mesmos chegaram a essa

conclusão, e disseram que alguns dos alunos participantes do espaço eram líderes

em sala de aula e que tinham diversos seguidores, agora precisavam criar uma

liderança que influenciasse a classe para o “bem”. Notamos isto na afirmação da

aluna J no último encontro no Espaço Conversacional:

“Então, mas aí é que está o problema, você está na liderança, quer fazer o certo, decide mudar de percurso, quer fazer o bem, na mudança alguém vai ter que mudar de atitude, mas mesmo você sendo mais forte, sempre vai ter alguém para te levar para o erro (...) é uma questão de escolha, é uma questão de tentar se envolver mesmo (...) mas, é necessário o pontapé inicial, é sempre difícil, mas é o que estamos fazendo” (Aluna J).

O professor Mr se colocou no lugar do aluno e disse que realmente ele sabia

que não era fácil você decidir entre o que é correto fazer e o desejo imenso de

conversar com os amigos e ignorar a aula e o professor. Desta forma, nestas

conversações e neste circular de informações e troca de ideias e incentivos, eles

foram achando caminhos. Um dos alunos participantes deu um conselho muito

interessante: “Você vem com a força positiva (vontade de fazer o que é certo fazer),

é muito importante chamar um colega e fazer tudo junto, assim pode dar certo, vai

somando” (Aluno F). Ele e outros colegas ao conversarem com os professores

comentavam que para fazer o que é errado é mais fácil e nem precisa ficar

chamando nenhum aluno, basta um começar que logo todo mundo vai atrás, mas

para fazer o que é certo, você tem que ir aos poucos influenciando aqueles que

estão perto de você e assim ir somando as forças. Por outro lado, foi possível

perceber que os alunos pediram ajuda aos professores para incentivá-los a

continuarem naquilo que se propuseram de melhoria. Eles pediram que os

professores os ajudassem a ficar mais motivados, pediram que se aproximassem

mais deles, que fossem firmes e pontuais na hora de chamar atenção sem ter

“medo” de se indispor com o aluno. Eles disseram que o aluno percebe quando o

professor está fazendo de conta que não vê a bagunça e permite que as coisas vão

“rolando”. Com isso os alunos acabam por criar situações disciplinares complicadas.

97

Podemos notar que, pelos exemplos acima citados os diálogos aconteceram

em um contexto de autonomia, como afirma Aun (2010) num contexto em que todos

os participantes do sistema determinado pelo problema puderam conversar sobre a

situação problema, no qual puderam se colocar nas posições de decidir, planejar,

executar e receber. Todos juntos puderam co-construir alternativas para a solução

do problema. A aluna J confirma essas ideias ao falar que:

“Muitas pessoas participam na busca da solução e então achamos o caminho certo, pois todo mundo tem um pouquinho de experiência. Eu sei que como aluno, muitas vezes tem alguém que tem muito mais experiência do que eu, mas se eu dou um pouquinho do meu caminho o outro da um pouquinho do dele, a gente vai entrando, entrando, a gente chega no caminho certo. Eu acredito que eu não dei o caminho certo, acredito que todo mundo junto, a gente achou” (Aluna J).

Notamos então que todos tiveram oportunidade de opinar e participar das

decisões e apontaram alguns caminhos:

1. Caminhos em relação aos alunos

O aluno precisará fazer sua própria escolha e tomar a decisão de fazer o que

é correto. Precisam ter em mente que as consequências boas ou ruins, são

para ele mesmo e que tudo dependerá das escolhas que fizer no dia a dia.

Cada aluno precisa se conscientizar de que a motivação é interna, é de

dentro para fora, por isso prestar atenção às aulas e estudar deve partir de

cada um.

Buscar estudar pelo estudo, não só para tirar nota, mas pensando no futuro.

Cada aluno que participou dos encontros se comprometeu a transmitir a seus

colegas de classe a tomarem-se mais focados, a colaborar na disciplina e a

melhorar o rendimento escolar.

2. Caminhos em relação aos professores

Procurarão ser menos tolerantes com as conversas em sala de aula e serem

mais firmes.

Chamar a atenção de forma individual e pontual do aluno que estiver

atrapalhando para que a conversa não se multiplique. Caso seja necessário,

solicitar que o aluno saia da sala.

98

No inicio do bimestre, seria interessante que o professor entregasse aos

alunos uma agenda com as datas de atividades e trabalhos do Bimestre. Isto

ajudaria os alunos a se organizarem.

Incentivar os alunos a criarem grupos de estudos em sua disciplina.

3. Caminhos em relação a outros departamentos

A orientação educacional e direção irão ajudar os alunos a organizarem

grupos de estudos e providenciar o local para isso.

A orientação educacional fará o agendamento das palestras sobre: “Futuro

com sucesso: caminhos e dicas” e “Ética entre colegas de classe e entre

professor e aluno”.

A orientação educacional fará o acompanhamento da turma, passando de vez

em quando na classe, a fim de monitorar o progresso da turma e incentivá-la

a prosseguir no propósito estabelecido.

Será agendada uma reunião com a turma, afim de que o grupo de alunos

participantes conte para a turma o que aconteceu nos encontros.

Percebemos que os participantes, por meio do diálogo e conversações,

conseguiram se comunicar de forma eficiente, pois de acordo com Miermont e cols.

(1994), podemos considerar que a comunicação foi eficiente se foi possível realizar

ações sobre essas informações. No caso dos participantes as ações já estão

acontecendo. A aluna J falou sobre a comunicação e fez o seguinte comentário:

“Todos os problemas na escola, família, trabalho, em todos os lugares, a falta de

comunicação tráz o problema. A parte da comunicação é o ponto chave. Quando

você tem um espaço conversacional, tanto na escola quanto em casa, percebe

que são coisas que simplesmente não paramos para conversar. Agora há a

oportunidade de todos estarem dentro do Espaço Conversacional, é muito

importante, porque são muitas coisas que podem ser resolvidas. O Espaço

Conversacional era o que precisava” (Aluna J).

As ações, de acordo com as falas dos participantes, já estão sendo

implementadas e afirmam eles que, tanto professores quanto alunos, estão num

crescente em seus relacionamentos. Este depoimento de uma das professoras mais

jovens mostra o quanto ela está preocupada com eles: “Tudo que eu faço, ao

preparar aula, é pensando neles, se eu proponho uma atividade, é porque isso eu

gostaria de estar fazendo se fosse aluna, por isso não quero perder isso nunca”

99

(Professor G.). Um aluno disse: “A minha relação com os professores está diferente,

pois lá no Espaço Conversacional os professores ouviram a minha opinião, eu ouvi a

deles, esclarecemos, colocamos o que pensamos” (Aluno LF).

Ao final das entrevistas, solicitamos aos participantes que deixassem

sugestões para a melhoria do Espaço Conversacional. Então construímos a tabela

14 e organizamos as repostas em três categorias: Diversificação de alunos

participantes, Começar pelos primeiros anos e Outros. O total de indicadores da

tabela 14 foi de 20, portanto o cálculo da porcentagem de incidência, para cada

categoria indicada na tabela, foi realizado sobre esse total.

100

Tabela 14 – Sugestões sobre o Espaço Conversacional

Categorias

Indicadores

%

1.Diversificação de alunos participantes

-Acho que deveria adicionar mais alunos no espaço, porque todo mundo quer saber o que aconteceu no espaço e quer ajudar (A). -Eu sugiro cuidar na escolha dos alunos, pois vejo que na sala que participou tem outros grupinhos que não foram representados. De repente colocar representantes de outros grupinhos, um de cada grupo. (P) -Poderíamos pegar gente de tribos diferentes para participar do espaço e pegar professores diferentes, uns três ou quatro. Com esse espaço só temos ganho. (P) (...)

11

55%

2.Começar pelos primeiros anos

-Só que eu acho que isso deveria começar desde o primeiro ano. (P) -Seria interessante começar com os primeiros anos e acompanhar essa evolução. (P) -Então se a gente pudesse começar com o primeiro ano, muita imaturidade e pendência que a gente tem no primeiro ano poderia melhorar. (P)

6

30%

3.Outros -O professor entenderia mais o que o aluno pensa, o aluno entenderia mais a responsabilidade que ele precisa ter... acho que juntos íamos montar estratégias para criar multiplicadores dessas ideias (P)

-Minha sugestão é que se pudesse fazer esse espaço em outro lugar com sofá, por exemplo, na sala dos professores do Ensino superior. A sala de aula é meu lugar, então pode ser que ele vá falar na posição de aluno e o professor de professor. Mas, se fizesse em um lugar neutro a gente vai ali para conversar. Então vamos começar no segundo semestre?(P)

-Eu não vejo nada para melhor, achei que tudo foi fluindo tão bem. (P)

3

15%

Obs. As palavras foram transcritas de acordo com as falas dos participantes. As porcentagens foram

calculadas a partir do total de respostas dadas e não a partir do número de participantes.

Observamos na tabela 14 que mais da metade dos indicadores, 55,5%,

apontaram para a categoria “Diversificação de participantes”, sugerindo

especialmente que fosse aumentado o número de alunos, colocando líderes dos

diversos grupinhos da sala para participar. Na categoria “Começar pelos primeiros

anos”, 30% dos indicadores apontou para que se começasse a realizar o Espaço

Conversacional a partir dos primeiros anos do Ensino Médio. Quanto à categoria

101

outros, 15% dos indicadores ficaram com sugestões menos faladas: formar

multiplicadores, ter um lugar diferenciado com sofá , mesinha e outros detalhes que

fugiria do ambiente físico de uma sala de aula. Quanto à categoria “Diversificação

dos participantes” relembramos que, a princípio, quem indicou a escolha dos nomes

dos alunos para o Espaço Conversacional foram os representantes da turma e em

seguida a orientadora e o diretor disciplinar completaram a lista, ou melhor, fizeram

pequenas alterações. Possivelmente, pelo fato de termos limitado o número de

participantes e alguns alunos terem faltado, pode ter influenciado nas sugestões de

melhoria neste item. Quanto ao número de participantes no SDP no Espaço

Conversacional, Vasconcellos (2010b) orienta que o número dependerá dos

envolvidos com o problema a ser discutido, mas que o mais importante é ter

diversidade de participantes para que o problema seja discutido sob vários ângulos.

No SDP desta pesquisa, foi tomado o cuidado para que outras áreas envolvidas

participassem e que os alunos selecionados também estivessem envolvidos no

problema, conforme foi descrito no item 4.2 “o contexto em que foi criado o Espaço

Conversacional”. Percebemos que ao trazermos conversações envolvendo alunos,

professores, diretor e orientadora, cada qual vindo de um sistema específico, foi

possível fazermos uma adequada distribuição de responsabilidades como orienta

Vasconcellos (2010b).

Nas entrevistas, foi possível perceber que a sugestão quanto a iniciar com os

primeiros anos partiu da fala dos professores, pois comentaram que ao se realizar

um espaço com os primeiros anos poderia evitar-se inúmeros problemas

disciplinares e relacionais nas turmas futuras de terceiros anos. Esta sugestão já

está sendo discutida pelo colégio para se estudar a viabilidade da implementação.

Quanto à categoria “Outros”, o local em que foi realizado o Espaço Conversacional

foi em uma sala de aula, porém tomamos o cuidado de modificá-la no sentido de

colocar as carteiras em círculo, colocar sobre cada carteira bloquinho de anotação,

caneta, água e bombom. Percebemos que não houve problemas com o local, todos

os participantes ficaram aparentemente tranquilos. Quanto à questão de criar

multiplicadores das ideias discutidas no espaço, já está acontecendo com os

participantes que aos poucos vão conversando com seus pares.

102

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desejo de descobrir novos horizontes para o sempre presente problema de

aprendizagem voltado aos relacionamentos entre professores e alunos, nos motivou

a realizar este trabalho e a fazer um estudo de caso usando a ferramenta Espaço

Conversacional. Tivemos como objetivo desta pesquisa investigar as contribuições

desta ferramenta na relação professor e aluno, bem como investigar se neste

espaço todos tiveram direito a voz e puderam dar suas contribuições para encontrar

caminhos para a solução do problema em pauta.

Quando iniciamos esta pesquisa tínhamos muitas expectativas e alguns

medos, pois num Espaço Conversacional estariam juntas pessoas que poderiam se

estranhar e causar maiores problemas. Porém, poder presenciar professores,

alunos, orientadora e diretor disciplinar numa teia de fenômenos, em um verdadeiro

complexo de elementos em interação, conversando sobre um problema que dizia

respeito a todos, foi gratificante. O respeito que surgiu ao longo das conversações

mostrou o quanto o sistema criado cumpriu seu papel que foi, a princípio, o de

aproximar e baixar barreiras nos relacionamentos entre os integrantes do SDP,

depois o de buscar caminhos para solucionar a problemática. Percebemos pelas

falas dos participantes que o Espaço Conversacional trouxe várias contribuições

para os alunos e professores, em especial a proximidade entre eles e vínculos que

ali foram criados. Uma das falas frequentes tanto de professores quanto de aluno foi

a mudança que aconteceu no olhar de ambos, passou de um olhar distante para um

olhar de carinho e de respeito com o outro. As diferenças que aconteceram antes do

Espaço Conversacional, principalmente entre o professor R e o aluno L, foram

resolvidas e agora, pelo depoimento do próprio professor, eles conversam mais e há

respeito no relacionamento deles. A professora Mr também tinha problemas com os

alunos e dificuldade para se aproximar deles; hoje ela já consegue se soltar um

pouco mais, afirma que com o tempo as mudanças serão mais acentuadas. E assim

aconteceu com todos os participantes do Espaço Conversacional. Um dos motivos

que os levou a se aproximarem mais, segundo palavras dos participantes, foi o fato

de todos terem tido oportunidade para falar o que pensavam e dar suas

contribuições.

Uma das preocupações ao longo dos encontros no Espaço Conversacional foi

dos professores participantes conseguirem sair do formato de pirâmide citado por

103

Aun (2010) no qual a hierarquia prevalecia, para o formato circular, no qual todos

são considerados igualmente importantes. Em pelo menos duas ocasiões

aconteceu de prevalecer a questão hierárquica, porém, a forma como os demais

participantes lidaram com a situação levou o grupo a crescer como sistema e a

informação e participação aconteceram de forma circular, privilegiando a interação e

a interdependência entre as partes.

No primeiro encontro havia dois grupos distintos, cada qual defendendo seus

interesses e algumas vezes acusando mutuamente. O sistema foi amadurecendo e

tentando compreender o lado um do outro, chegou ao ponto de propor caminhos nos

quais cada um assumiria sua responsabilidade para cumpri-los. De acordo com Aun

(2010), o que mantém os participantes do SDP unidos é a situação-problema, a

partir do momento em que são encontrados os caminhos, o sistema pode se

desfazer. E foi o que aconteceu. Após três encontros o sistema se dissolveu, porém

cada qual ficou com responsabilidades a serem cumpridas. Um dos alunos disse:

“hoje estamos começando um grupo de estudos, as outras salas já estavam

fazendo, a gente tem que correr atrás, enquanto uns estão na linha de frente, outras

na rabeira, então está na hora de correr atrás do prejuízo” (Aluno ).

Nas entrevistas os participantes deixaram seus depoimentos sobre o Espaço

Conversacional. Abaixo citamos um desses depoimentos:

“Com certeza o espaço conversacional ajudou a aproximar as pessoas e a

resolver problema. Vai mudar muito a relação entre o aluno e o professor. Na sala

de aula a relação é mais profissional, o professor dá aula e o aluno presta

atenção, mas no espaço conhecemos melhor um ao outro, houve aproximação. Ali

ninguém vai obrigado, mas vai por que quer estar ali e isso trás proximidade”

(Aluno G).

Um dos depoimentos que bem interessante foi do aluno L que entrou no

Espaço Conversacional, de acordo com a sua própria fala, para representar

bagunceiros, e no final da entrevista disse: “Professora, sabe o que eu estou

pensando? Sabe que de repente eu podia ser até professor? Esta experiência foi

muito interessante. Eu gostei, gostei mesmo de verdade desta experiência” (Aluno

L).

Um dos pontos importantes que notamos como resultado prático desta

pesquisa, é que a partir do Espaço Conversacional os alunos F e LF, que

104

apresentaram dificuldades financeiras e escolares, se sentiram incluídos e

respeitados pelos seus pares, e alguns se ofereceram para ajuda-los a estudar e a

superar seus medos.

No entanto, apesar de termos atingido os objetivos da pesquisa, percebemos

que houve alguns pontos que precisam ser repensados. Um deles diz respeito à

logística, pois tivemos um pouco de dificuldade para encontrar um lugar para

realizar os encontros. As salas estavam sendo usadas para aulas e plantões. O

primeiro encontro foi feito em um local, o segundo e o terceiro em outro local. Um

segundo ponto diz respeito a conciliar os horários de professores, alunos e demais

participantes, isto gerou desistência de três alunos e atrasos de outros participantes.

Um terceiro ponto diz respeito ao acompanhamento pós-encontros. Percebemos que

precisa ser eleito alguém para monitorar os envolvidos e incentivá-los a continuar

cumprindo o que foi acordado nos encontros. Quando as pessoas envolvidas voltam

às suas atividades de rotina, há possibilidade de acontecerem outros episódios

envolvendo relacionamentos entre as partes, daí a necessidade do envolvimento de

todos para fazer cumprir as responsabilidades.

A escola se apresenta ainda como uma das mais importantes instituições

sociais, pois media a transição do indivíduo para a sociedade. Entendemos que por

meio destas aprendizagens, principalmente a da conversação para resolver

problemas, o aluno levará lições para a vida. Nessas experiências que ali ocorreram

e nas relações sociais, obtiveram aprendizagens significativas que ajudarão alunos e

professores a criar outras formas de agir no seu espaço e nos sistemas aos quais

pertencem.

Com esta pesquisa esperamos ter colaborado para o crescimento da área

educacional, principalmente, na melhoria da relação professor-aluno e no

conhecimento de um instrumento que favoreça a busca de soluções para os

problemas. No entanto, assim como outras pesquisas na área de educação, esta

não para aqui, requer novos profissionais que se interessem por este assunto e

aprofundem pesquisas sobre o Espaço Conversacional no ambiente escolar e

contribuam para a melhoria constante desta instituição social tão importante para o

país e para o mundo: a escola.

105

REFERÊNCIAS

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atendimento sistêmico. Vol. III. Belo Horizonte: Ophicina de Arte & Prosa, 2010a, p. 15-24. VASCONCELLOS, Maria José Esteves de. Distinguindo a metodologia de atendimento sistêmico como uma prática novo-paradigmática, desenvolvida com um “sistema determinado pelo problema”. In: AUN, Juliana Gontjo et al. Atendimento sistêmico de famílias e redes sociais: desenvolvendo práticas com a metodologia de atendimento sistêmico. Vol. III. Belo Horizonte: Ophicina de Arte & Prosa, 2010b, p. 39-59. VYGOTSKY, L.S. (1931). Historia del desarrollo de las funciones psiquicas superiores. Ciudad de La Habana: Editorial Científico –Técnica, 1987.

VYGOTSKY, L.S. (1934). Obras escogidas II: pensamiento y lenguaje. Madrid:

Visor Distribuciones S.A., 1991a. VYGOTSKY, L.S. (1931). Obras escogidas III: Historia del desarrollo de las funciones psiquicas superiores. Madrid: Visor Distribuciones S.A., 1991b. VYGOTSKY, L.S. Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes,

1996. VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1998 WATZLAWICK, Paul et al. (1967) Pragmática da comunicação humana: um

estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 2007. 263 p. Título original: Pragmatics of human communication. ZANELLA, Andréia Vieira. As teorias de Vygotsky e Morin: algumas aproximações. Revista do departamento de Psicologia, UFF, V15, n.2, p.77-78, out. 2003.

108

APÊNDICE A

QUESTIONÁRIO DE IDENTIFICAÇÃO DO PARTICIPANTE (ALUNO)

1. Sexo:

( ) M ( )F

2. Idade:

( ) 16 anos ( )17 anos ( ) 18 anos ( ) outra: ____________

3. Estado civil:

( ) solteiro ( ) casado ( ) Outro_______________________

4. Quantos filhos tem sua família?

( ) 1-2 ( ) 3-4 ( ) 5 – 6

5. Posição na família:

( ) Filho mais velho ( ) Filho caçula

( ) Filho do meio ( ) Outro_____________

6. Mora com:

( ) pais e irmãos ( ) só pai ( ) só mãe

( ) avós e irmãos ( ) outros__________________

7. Quem trabalha em sua casa?

( ) Pai e Mãe ( ) Só mãe ( ) Só pai ( )Pais e irmãos

( ) Outros __________________

8. Renda familiar (salários mínimos):

( ) 1-2 salários ( ) 3-5 salários ( ) 6-9 salários

( ) mais de 10 salários mínimos

9. Possui algum tipo de bolsa (auxílio) na instituição em que estuda?

( ) sim: ( ) não

Em caso afirmativo, qual a porcentagem? ________________________

10. Tempo de estudo neste colégio: ________________________________

11. Série que cursa atualmente: ___________________________________

12. Um sonho: _________________________________________________

__________________________________________________________

Agradecemos pela sua participação e colaboração.

109

APÊNDICE B

QUESTIONÁRIO DE IDENTIFICAÇÃO DO PARTICIPANTE

(PROFESSOR)

1. Sexo:

( ) Masculino ( ) Feminino

2. Idade:

______________

3. Estado civil:

( ) solteiro ( ) casado ( ) Outro________________

4. Filhos:

( ) sem filhos ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Outros ______________

5. Renda familiar:

( ) 1-2 salários mínimos ( ) 3-5 salários mínimos

( ) 6-10 salários mínimos ( ) mais de 10 salários mínimos

6. Formação:

__________________________________________________________

7. Função atual:

__________________________________________________________

8. Tempo de trabalho na área:

__________________________________

9. Tempo de trabalho nesta instituição:

___________________________

10. É professor exclusivo desta instituição?

( ) Sim ( ) Não

Em caso negativo, em que outra instituição trabalha?

__________________________________________________________

Agradecemos pela sua participação e colaboração.

110

APÊNDICE C

ROTEIRO PARA ENTREVISTA

ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM O PARTICIPANTE

1- Como se sentiu quando foi convidado para participar do Espaço

Conversacional?

2- Você se lembra do primeiro encontro? Conta-me um pouco sobre ele.

3- Como foi sua participação no Espaço Conversacional?

4- Você sentiu que houve imposição de opinião por parte de alguém do

grupo? Dê exemplo.

5- O que pensa sobre a relação professor/aluno para o processo de ensinar e

aprender?

6- Após participar dos encontros, como está percebendo a sua sala de aula

em relação ao problema discutido?

7- Qual sua opinião sobre o Espaço Conversacional?

8- Gostaria de deixar alguma sugestão para a melhoria do Espaço

Conversacional?

111

APÊNDICE D

CONVITE ESPAÇO CONVERSACIONAL

ANEXO A

AUTORIZAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO

ANEXO B

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - ALUNO

ANEXO C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO -

PROFESSOR

ANEXO D

Transcrição da Entrevista com Professor M.

Entrevistador- Oi M. Tudo bem? Tudo tranquilo?

Professor M- Tudo bem. Estamos na correria do trabalho, como sempre.

Entrevistador- É verdade, escola não tem como ser diferente, é sempre muito

corrido. Conforme combinamos e de acordo com o horário que você agendou

faremos uma entrevista para conhecer sua opinião sobre o Espaço Conversacional.

Fique a vontade e responda aquilo que de fato você sentiu sobre este assunto.

Professor M- Ok. Vamos lá! Acho que vai ser bastante interessante.

Entrevistador- Também acho. Antes, você poderia preencher este questionário?

São apenas dez perguntas sobre você. Queria conhecê-lo um pouco melhor. Caso

não se sinta a vontade, não precisa responder. Tudo bem?

Professor M- Claro que responderei, mas se tiver dúvidas posso perguntar?

Entrevistador- Com certeza, no momento que quiser.

(Tempo)

Entrevistador- Vamos à entrevista? Pode ir respondendo conforme se sentir

confortável. Tendo dúvidas é só falar.

Professor M- Vamos lá, já estou ansiosa para falar, pois eu achei bárbaro o que

aconteceu lá!

Entrevistador- Como se sentiu quando foi convidado para participar do Espaço

Conversacional?

Professor M- Eu cheguei lá super da paz, só pensei: “meu Deus o que será que vai

acontecer ali”. Até fui pensando que eu teria que ser muito mais mediadora que

tudo. Mas quando eu cheguei lá foi tudo diferente do que eu havia pensado, foi

muito bacana.

Entrevistador- Você se lembra do primeiro encontro? Conta-me um pouco sobre

ele.

Professor M- Na primeira reunião eu me senti tão bem, eu me encaixei tão bem na

situação que eu sai muito feliz da reunião, eu achei muito bacana o clima, eu gostei

da maneira como as coisas estavam indo e me fez bem. Me fez muito bem ter

ouvido tudo aquilo, no nível que estava, ninguém se agrediu. Só teve uma horinha lá

que eu senti um pouco tenso, mas depois foi muito bacana, eu me senti muito bem,

muito segura do que estávamos fazendo, de como as coisas iam se desenvolver.

Depois daquilo (do momento tenso entre aluno e professor), eu consegui falar, mas

no primeiro encontro eu ouvi um pouquinho mais do que falei, até pra eu entender o

que estava acontecendo. Mas, sempre que eu quis eu tive a oportunidade de falar,

de ser ouvida e de ser aceito o que eu falei.

Eu nunca tinha participado de um grupo assim...eu achei que esta foi uma

reunião mais ampla, eu já participei de reunião disciplinar porém era mais tensa, o

diretor comandava tudo. Essa eu achei bacana porque a gente foi para resolver uma

situação de aprendizado aí entra em disciplina, ética e outros. Os alunos até foram

bem éticos ao falar de algumas situações e não colocaram nomes. Eu senti que

todos tiveram a oportunidade de falar. Eu gostei que foi escolhido um aluno que não

é o mais “bambam” na sala de aula, é um aluno simples de vivência, às vezes até

anônimo na sala de aula, mas ele falou muito bem, teve lugar de falar e foi muito

ouvido, com excelentes conceitos, respeitado.

Por isso acho que todo mundo teve oportunidade de falar, cada um a sua

maneira. Eu achei muito bacana quando alguém ia contra, ou então dizia “você

poderia me explicar melhor”, eles achavam maneiras de explicar diferente, achei

legal a postura deles. Achei interessante aquele garoto simples, o que ele falou foi

de forma tão simples e até com umas palavras meio erradas: “mas eu gosto disso,

na minha outra escola acontecia aquilo”. Ele sempre fazia comparações com as

vivências passadas, no que essa escola é melhor, no que é pior. Também gostei da

forma que alguns professores se colocaram, achei muito bacana como a professora

M, que tinha mais dificuldade com os alunos, administrava bem as coisas que eles

colocavam. As colocações dela também foram muito boas.

Entrevistador- Como foi sua participação no Espaço Conversacional?

Professor M- Eu acho que foi importante pra ouvir o que eles tinham para falar, por

que às vezes é importante ir desarmada, em nome da paz. Você tem que ouvir e

entender porque eles têm as verdades e as colocações bem deles. Eles têm uma

leitura certa das coisas, foi interessante ouvi-los.

Entrevistador- Você sentiu que houve imposição de opinião por parte de alguém do

grupo? Dê exemplo.

Professor M- Foi muito legal o que aconteceu lá, achei que 99% das pessoas

souberam se colocar, só achei tensa, a vez, quando o R (diretor disciplinar) não foi

feliz em algumas colocações ou eu não soube interpretar. Eu achei que foi um

momento tenso. Naquele momento quando ele alfinetou eu senti que podia ter

“quebrado” tudo o que havia sido conquistado até ali. Eu achei que foi por Deus que

não detonou tudo porque eles vinham num crescente, estavam aceitando bem,

depois acalmou. Em seguida a professora M disse que compreendia o que o aluno

falara. A maneira como ele colocou, todo mundo ficou “meio assim” (cara de

decepção), por causa da forma como ele falou: “vocês tem que assumir o erro de

vocês”, “vocês estão mais errados”. Eu achei que não era o momento de falar. Eles

(os alunos) ficaram sem jeito. Ali tinha tudo para dar errado: professor e aluno, gente

bocuda e gente não bocuda. Eu acho que quando você vai para resolver esse tipo

de problema, você tem que tirar tudo que é “arma”, tem que ir disposto para ouvir. A

gente tem que aceitar, porque algumas coisas que eles falaram ali, estavam certos.

Mas graças a Deus foi tudo bem, acabou bem.

Entrevistador- O que pensa sobre a relação professor/aluno para o processo de

ensinar e aprender?

Professor M- Eu acho que hoje o olhar do professor e o olhar do aluno está

diferente um para com o outro. A relação do professor e do aluno é fundamental

para o aprendizado. Eu estou até com algumas ideias para aplicar no 2º semestre

com os alunos. Eu não tenho dúvidas de que o Espaço Conversacional contribuiu

para a melhoria da relação professor-aluno. Nossa, achei que foi muito bom.

Entrevistador- Após participar dos encontros, como está percebendo a sua sala de

aula em relação ao problema discutido?

Professor M- A gente acha que está no caminho certo e não está, né. Ás vezes

você vai lá (referindo-se a sala de aula) e faz um tipo de coisa e não está certo. Foi

bom eu ouvi-los porque coisas que eu fazia nas outras salas e dava certo, na deles

não dava certo. Então no grupo eles disseram que queriam que eu fosse lá ajudá-los

a fazer grupos de estudos, pois sozinhos não dão conta. Hoje fui com a

representante de sala e os ajudei a organizar os grupos de estudos e já começou a

funcionar, sexta-feira já teve a primeiro grupo de estudos. Por isso, foi muito

importante eu estar participando do espaço para eu ouví-los, porque de repente o

caminho que a gente está não é o melhor caminho que eles precisam, esses alunos

pertencem a um grupo diferente.

Entrevistador- Qual sua opinião sobre o Espaço Conversacional?

Professor M- Nossa, se a gente pudesse fazer isso com todas as turmas, eu ia

adorar. Quebra tudo o que tem de professor carrancudo, de professor dono do

saber, aluno achando que é ele que manda na sala de aula, quebra tudo. Ali (no

espaço) entra todo mundo como igual: “a gente está aqui para resolver”.

Falei para meu marido: “que bárbaro, que bom se a gente pudesse fazer isso em

todas as turmas”. Eu senti assim, que todo mundo quebrou tudo que é paradigma de

“eu sou”, pois a gente estava ali para resolver coisas. E conseguimos encontrar

vários caminhos para a resolução do problema, cada um de nós saiu com

responsabilidades.

Entrevistador- Gostaria de deixar alguma sugestão para a melhoria do Espaço

Conversacional?

Professor M- Eu acho que poderíamos começar com o primeiro ano. Eu acho que o

grande detalhe é o professor e o aluno sintonizado, isso é para o bem do aluno e

para o bem do professor. Nesses encontros muitas picuinhas se acabam, quebram-

se vaidades. Ali (se referindo ao Espaço Conversacional) é um momento da gente

conversar, de abrir, então, se a gente pudesse começar com o primeiro ano, muita

imaturidade e pendência que a gente tem no primeiro ano poderia melhorar. O

professor entenderia mais o que o aluno pensa, o aluno entenderia mais a

responsabilidade que ele precisa ter. Acho que juntos íamos montar estratégias para

criar multiplicadores dessas ideias. Poderíamos pegar gente de tribos diferentes

para participar do espaço e pegar professores diferentes, uns três ou quatro. Com

esse espaço só temos ganho.

Minha sugestão é que se pudesse fazer esse espaço em outro lugar com

sofá, por exemplo, na sala dos professores do Ensino superior. A sala de aula é meu

lugar, então pode ser que ele vá falar na posição de aluno e o professor de

professor. Mas, se fizesse em um lugar neutro a gente vai ali para conversar. Então,

vamos começar no segundo semestre?

ANEXO E

Transcrição da Entrevista do aluno LB

Entrevistador- Olá LB. Tudo bem? Conforme combinamos e de acordo com o

horário que você agendou faremos uma entrevista com você. Fique tranquilo, pois

conversaremos para conhecermos sua opinião sobre o Espaço Conversacional. Ok?

Aluno LB- Sem problemas. Tranquilo. Gostei muito do que aconteceu lá, então acho

que vai ser de boa.

Entrevistador- Que bom. Antes da entrevista, você poderia preencher este

questionário? São apenas doze perguntas sobre você. Queria conhecê-lo um pouco

melhor. Caso não se sinta a vontade, não precisa responder. Tudo bem?

Aluno LB- Beleza, sem problemas.

(Tempo)

Entrevistador- vamos à entrevista? Pode ir respondendo conforme se sentir

confortável. Tendo dúvidas é só perguntar.

Aluno LB- Beleza.

Entrevistador- Como se sentiu quando foi convidado para participar do Espaço

Conversacional?

Aluno LB- Me senti honrado, né. Ia falar o que me incomoda. Acho que não me

senti constrangido por estar diante de professores, diretor, pois sempre frequentei a

sala dos professores e diretor, só que tipo, a gente já tem mais intimidade com os

professores que foram lá, então foi tranquilo. Toda vez que eu acho que alguma

coisa não foi legal eu vou conversar com o Diretor, e com os professores também,

sempre perguntei as coisas para eles, fiquei a vontade, estou acostumado a falar.

Entrevistador- Você se lembra do primeiro encontro? Conta-me um pouco sobre

ele.

Aluno LB- Eu achei legal no primeiro encontro, tipo, era coisa nova, eu admirei o

fato que a gente teve espaço para falar. Tinha várias coisas que os professores

poderiam apontar que a gente estava errando e tal, só que eles perceberam que a

conversa não ia fluir se ficasse em cima disso aí. Foi bem legal. Acho que abriu um

espaço legal para a gente colocar o que a gente sentia, foi bem legal, gostei

bastante. Não fiquei nem um pouco constrangido, fiquei a vontade.

Entrevistador- Como foi sua participação no Espaço Conversacional?

Aluno LB- A foi bem, eu já havia antes ido conversar com vários professores, tinha

pedido um espaço para os alunos falarem, porque sei que no fundo no fundo,

pensam como aluno. Nunca tinha tido um espaço assim tão claro para o aluno se

defender ou falar o que sentia, falar sobre o lado dele. Dessa vez fiquei até feliz, pois

abriu espaço para o aluno falar. Tinha um grupo de alunos representando a classe,

então fiquei feliz. As pessoas ouviram o que eu falava, e ficaram até admirados com

algumas coisas que falei, quem sabe pensaram que a gente não pensava assim.

Acho que foi porque eu coloquei algumas coisas, coloquei problemas que a classe

tinha mesmo. Quando os professores se colocaram eu achei que foi bom. A gente

fica falando mau, mau, mau, e não se toca que o erro é da gente, foi legal ouvir os

dois lados.

Entrevistador- Você sentiu que houve imposição de opinião por parte de alguém do

grupo? Dê exemplo.

Aluno LB- Eu acho que uma hora só, que um professor colocou que “o erro com

certeza era do aluno” Daí eu coloquei que eu não concordava, porque o professor

tem uma força importante, e ele disse que não, que o aluno é que tem que fazer isso

aí (ele se refere ao momento em que o diretor disciplinar ficou mais irritado e não

concordou com a colocação do aluno: o aluno disse que o professor precisava

colocar ordem na classe e colocar o aluno em seu lugar, por sua vez o diretor

disciplinar disse que não, que o aluno é que tem que se colocar em seu lugar). Eu

não fui de acordo com o que o professor falou, mas depois cada um se colocou em

seu lugar e então deu certo.

Entrevistador- O que pensa sobre a relação professor/aluno para o processo de

ensinar e aprender?

Aluno LB- Vai do indivíduo se relacionar bem para poder fluir e na sala de aula

onde o objetivo é o aprendizado, a educação, se não tiver uma ligação não dá certo.

É coisa mais importante se relacionar bem com o aluno.

Entrevistador- Após participar dos encontros, como está percebendo a sua sala de

aula em relação ao problema discutido?

Aluno LB- Teve mudança, mas não foi tanto assim, não foi tão notável, é só o

tempo. Na hora de conversar conversei um pouco, acho que é com o tempo que vai

modificando um pouco. Teve mudanças para melhor de leve, mas é o tempo.

Quando a gente debate, a nossa mente demora um pouco a se acostumar com

aquilo, demanda um certo tempo. Achei que estou mais na boa... Mas só não pode

tratar a gente igual a bebezinho se o aluno está errado, não ficar comparando a

criancinha... eu sou brincalhão, mas estou amadurecendo um pouco... são essas

brincadeiras que ficam, que marcam.

Encontramos caminhos, tudo que a gente falou foi útil, construtivo, importante, com

certeza, só que o grande problema é colocar isso em prática. Mas tudo vai do aluno

se conscientizar sobre o problema real existente, esse já foi o primeiro passo da

mudança, foi importante. A gente tem noção daquilo que atrapalha, inclusive eu que

estou representando os bagunceiros. Agora vai de o aluno tomar consciência disso e

o professor ter consciência que o aluno quer mudar.

Entrevistador- Qual sua opinião sobre o Espaço Conversacional?

Aluno LB- Nesse espaço eu falava sobre alguns problemas, quando alguém falava

a sua tese, eu concordava, achava aquilo real. Eu tentei apontar aquilo que eu

achava mesmo. Esse espaço foi importante. Dizem que a história tem sempre três

lados: o de cada um e a verdade. Eu acho que se pegar o lado de cada um vai ter

a verdade. Nunca havia ocorrido isso antes, nunca foi aberto um espaço para o

aluno falar, e o aluno tem que falar, entendeu?! Um dos maiores motivos de raiva,

contratempo e de briga que tem no colégio entre alunos e superiores, é a falta de

espaço que o aluno não tem. A gente fala: “Ah, mas o aluno não pode falar nada”,

esse espaço rompeu a barreira. Acho que agora o aluno fala e tem que ouvir

também. Agora ele não pode mais falar que não sabia e que não pode falar. Então

quebrou essa barreira e que poderá evitar vários problemas.

Entrevistador- Gostaria de deixar alguma sugestão para a melhoria do Espaço

Conversacional?

Aluno LB- Eu acho que poderia abrir esse espaço uma vez por mês, pois sempre

surgem questões novas, pois nesse espaço a gente fala, ouve e sai “limpo” de lá.

Achei bem legal a postura dos professores. Acho que poderia acontecer de colocar

um padrão de alunos que vocês gostariam que tivesse lá e a sala escolheria os

alunos. E também chamar professores para participar.

Acho que teve alguns que fugiram do assunto, poderia cuidar mais para que não

fugissem do assunto, apesar de que você precisou cortá-los. Gostaria de sugerir que

fosse dado agora um espaço em uma aula, para que nós que participamos do

espaço conversacional contássemos para a turma o que foi que aconteceu lá e que

decisões foram tomadas.

Queria dar os parabéns, pois gostei muito do espaço, era o que faltava no colégio,

pois o aluno nunca tinha voz, eles (se referindo ao diretor disciplinar e professores)

pegam o aluno e o problema, julgam, condenam e você nem sequer pode abrir a

boca. Nós estamos numa sociedade moderna e democracia é o rege por aí. Por

isso, gostei muito.