profª drª magali kleber -...

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ISBN: 978-85-7745-6116

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  • ISBN: 978-85-7745-6116

  • Universidade Federal de Gois UFG Reitor Edward Madureira Brasil Vice-Reitor Eriberto Francisco Bevilaqua Marin Pr-reitora de Graduao Sandramara Matias Chaves Pr-reitora de Pesquisa e Ps-Graduao Divina das Dores de Paula Cardoso Pr-reitor de Extenso e Cultura Anselmo Pessoa Neto Pr-reitor de Administrao e Finanas Orlando Afonso Valle do Amaral Pr-reitor de Desenvolvimento Institucional e Recursos Humanos Jeblin Antnio Abrao Pr-reitor de Assuntos da Comunidade Universitria Ernando Melo Filizzola Diretor da Escola de Msica e Artes Cnicas Eduardo Meirinhos

    Diretora em Exerccio da Escola de Msica e Artes Cnicas Ana Guiomar Rgo Souza Coordenador do Programa de Ps-Graduao Anselmo Guerra de Almeida Coordenadora do Curso de Msica Licenciatura Flavia Maria Cruvinel

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  • Diretoria da Associao Brasileira de Educao Musical (Gesto 2009-2011) PRESIDENTE Profa. Dra. Magali Oliveira Kleber UEL, PR VICE-PRESIDENTE Profa. Dra Jusamara Souza UFRGS, RS TESOURARIA Tesoureira Profa. Dra. Cristiane Almeida UFPE, PE Segunda Tesoureira Profa. Ms. Vnia Malagutti Fialho UEM, PR SECRETARIA Secretrio Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz UFPB, PB Segunda Secretria Profa. Ms. Flvia Narita UNB, DF CONSELHO EDITORIAL Presidente Profa. Dra. Luciane Wilke Freitas Garbosa UFSM, RS Editora Profa. Dra. Maria Ceclia Torres IPA, RS Membros Prof. Dr. Carlos Kater UFSCar, SP Profa. Dra. Cssia Virgnia Coelho de Souza UFMT, MT Profa. Dra. Lilia Neves UFU, MG DIRETORIA REGIONAL Norte Prof. Dr. Ruy Henderson Filho UEPA - PA Nordeste Prof. Ms. Vanildo Marinho UFPB, PB Centro-oeste Profa. Ms. Flavia Maria Cruvinel UFG, GO Sudeste Profa. Dra. Ilza Zenker Joly UFSCar, SP Sul Profa. Dra. Cludia Ribeiro Bellochio UFSM, RS

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  • CONSELHO FISCAL Presidente Profa. Dra. Luciana Del Ben UFRGS, RS Membros Profa. Dra. Heloisa Feichas UFMG MG Profa. Dra. Ana Lcia Louro UFSM, RS Profa. Dra. Leda Mafiolletti UFRGS, RS Suplentes Profa. Ms Juciane Araldi UEM, PR Prof. Ms. Manoel Rasslan UFMS, MS Profa. Ms. Cleusa Erilene Cacione UEL, PR Profa. Ms. Carolina Joly UFSCAR, SP

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  • Comisso Organizadora

    Presidncia da Comisso Organizadora Profa. Dra. Magali Oliveira Kleber - UEL Prof. Dr. Anselmo Guerra de Almeida - UFG Coordenao Geral Profa. Ms. Flavia Maria Cruvinel UFG Coordenao Cientfica Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz UFPB Coordenao Secretaria Profa. Ms. Thas Lobosque Aquino- UFG Profa. Ms. Silvana Rodrigues UFG Coordenao Infra-Estrutura Profa. Dra. Nilcia Protsio Campos - UFG Profa. Dra. Fernanda Albernaz do Nascimento- UFG Profa. Ms. Gilka Martins de Castro Campos UFG Coordenao de Apoio aos Congressistas Profa. Ms. Vanessa Carla Bertolini UFG Profa. Luz Marina de Alcntara SEDUC Coordenao Artstico-Cultural Prof. Dr. Carlos Henrique Coutinho Rodrigues Costa UFG Diagramao e formatao dos Anais: Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz UFPB Prof. Ms. Vanildo Mousinho Marinho UFPB Rodolfo Rangel de Lima UFPB Charles Michel Nunes Flix UFPB Equipes: Secretaria Profa. Dbora Marra Centro Livre de Artes Profa.Adriana Andraus Centro Livre de Artes Profa. Carla Emanuelle Souza da Rocha Centro Livre de Artes Profa. Jamildes Pires Borges Castro Centro Livre de Artes Profa. Maria Jos Capuzzo Centro Livre de Artes Profa. Dilma Yamada Centro Cultural Gustav Ritter Ayra Sam O. Sousa UFG Bruno de S Nunes - UFSCAR Felipe Eugenio Vinhal - UFG Helieber Ferreira Rodrigues - UFG Levi Azevedo Nogueira de Carvalho - UFG Mateus Andr Martins Pena - UFG Matheus Felipe de Oliveira Paglacci - UFSCAR

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  • Murilo Ferreira Velho de Arruda - UFSCAR Natlia Brigo de Severino - UFSCAR Philipe Raoni Queiroz Melo - UFG Sandra Gomes Ribeiro - UFG Wesley Romrio Lopes - UFG Infra-Estrutura Aldo Roque Ribeiro Filho - UFG Alessandra Nunes de Castro Silva - SME Alinne Cabral Tanns - UFG Andr Evangelista de Oliveira - UFSCAR Andr Gomes Felipe - UFSCAR Andr Ricardo Barros Marques - UFSCAR Brisa Broseghini Machado UFG Claudio Fernandes de Castro - UFG Davi Coutinho - UFG Detlef Lothar Matthias Melsbach - UFG Fabrcio de Oliveira Cardoso - UFG Felipe de Souza - UFSCAR Felipe Stival Harter - UFSCAR Gilmar dos Santos Loureno - UFG Hugo Cabral Tanns Joo Luis de Oliveira - UFG Jesiel Gonalves Fernandes - UFG Kaloni Scharnovski - UFG Karliene Arajo e Silva - UFG Katarine de Sousa Arajo - UFG Kemuel Kesley Ferreira dos Santos - UFG Larissa dos Santos Martins UFG Leandro Mouro Diamantino - UFG Lucas Dourado Freire UFG Lucas Manasss Barbosa - UFG Lucas Pereira de Almeida - UFSCAR Luiz Francisco de Paula Ipolito - UFSCAR Luna Borges Melo - UFG Marcos Vincius Galvo Pereira - UFG Marx Berdini Pereira Muniz - UFG Max Douglas Vieira - UFSCAR Ngila Lemos Batista - UFG Noel Carvalho - UFG Pedro Gabriel Picolo -UFSCAR Silas Tavares Escobar - UFG Thas Cristina Machado - UFSCAR Thiago Salas Gomes UFSCAR Washington Eduardo Martins Soares - UFG Apoio aos Congressistas Profa. Dra.Cludia Regina de Oliveira Zanini UFG Profa Ms. Consuelo Quireze Rosa UFG Profa Ms. Denise de Almeida Felipe UFG

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  • Profa Ms Dulce Regina de Oliveira UFG Prof. Ms. Fabiano da Silva Chagas UFG Profa Ms Joana Christina B. de Azevedo UFG Prof. Dr. Johnson Joanesburg Anchieta Machado UFG Profa. Dra. Magda de Miranda Clmaco UFG Profa Ms Maria Lcia Mascarenhas Roriz UFG Prof. Ms. Pedro Martelli UFG Prof. Ms. Robervaldo Linhares Rosa UFG Prof. Ms. Rodrigo Carvalho de Oliveira UFG Profa Ms. Sylmara Cintra Pereira SEDUC Profa Ana Rita Oliari Enrich SEDUC Profa Maria Jos Garcia Glria SEDUC Prof. Ms. liton Pereira SEDUC Lucas Dourado Coelho - UFG Caio Vincius Cerzsimo de Souza Dias - UFSCAR Mariana Barbosa Ament - UFSCAR Artstico-Cultural Prof. Dr. Antonio Marcos Souza Cardoso UFG Prof. Dr. Fbio Fonseca de Oliveira UFG Prof. Jarbas Cavendish - UFG Profa. Ms. Adriana Oliveira Aguiar - UFG Caue Barcelos - UFG Kalebe de Oliveira Pinheiro - UFG Rogrio Gonalves Pinheiro UFG Apoio Tcnico Aires Francisco de Oliveira UFG Ana Carolina Lamarque - UFG Anileide Silva Barros - UFG Deborah Moraes Pimentel - UFG Erick de Lira Lapa - UFG Euller Gontijo de Oliveira - UFG Fabricia Vilarinho de Menezes - UFG Gerda Arianna da Silva Gomes - UFG Juliana de Almeida Ferreira - UFG Leonardo Victtor de Carvalho UFG Luanna Anastacia Torres - UFG Marcus Vinicius Pantaleo Gomes UFG Ronaldo Caetano Mendona - UFG Srgio de Alencastro Veiga Filho - UFG Valdemar Soares Nogueira - UFG Comit Cientfico Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz UFPB (Presidente) Profa. Dra. Ana Cristina Tourinho - UFBA Profa. Dra. Fernanda Albernaz do Nascimento UFG Profa. Dra. Luciane Wilke Freitas Garbosa UFSM Profa. Dra. Jusamara Vieira Souza UFRGS Profa. Dra. Maura Penna UFPB

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  • Pareceristas: Profa. Dra. Ana Guiomar Rgo Souza - UFG Prof. Dr. Carlos Kater Profa. Dra. Cssia Virgnia Coelho de Souza - UFMT Profa. Dra. Cntia Thais Morato - UFU Profa. Dra. Claudia Bellochio UFSM Profa. Dra. Cristiane Almeida UFPE Profa. Dra. Cristina Grossi UNB Profa. Dra. Denise Alvares Campos - UFG Prof. Dr. Eduardo Luedy - UEFS Profa. Dra. Eliane Leo - UFG Profa. Dra. Ftima Carneiro dos Santos - UEL Profa. Dra. Fernanda Albernaz UFG Profa. Dra. Flavia Candusso - UFBA Profa. Dra. Heloisa Feichas UFMG Prof. Dr. Hugo Ribeiro - UNB Prof. Dr. Jean Joubert Freitas Mendes - UFRN Prof. Dr. Jose Nunes Fernandes UNIRIO Prof. Dr. Jos Ruy Henderson Filho UEPA Prof. Dr. Jos Soares de Deus - UDESC Profa. Dra. Jusamara Souza - UFRGS Profa. Dra. Leda Maffioletti UFRGS Profa. Dra. Lia Braga Vieira UFPA Profa. Dra. Lilia Neves Gonalves UFU Profa. Dra. Luciana Del Ben - UFRGS Profa. Dra. Luciane Wilke Garbosa UFSM Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz - UFPB Profa. Dra. Magali Kleber - UEL Profa. Dra. Magda Clmaco - UFG Profa. Dra. Margarete Arroyo UFU Profa. Dra. Maria Ceclia Cavalieri Frana - UFMG Profa. Dra. Maria Ceclia Torres UERGS Profa. Dra. Maria Cristina Cascelli UnB Profa. Dra. Maria Guiomar de Carvalho Ribas UFPB Profa. Dra. Maria Helena Borges - UFG Profa. Dra. Maria Isabel Montadon - UNB Profa. Dra. Maria Jos Subtil - UEPG Profa. Dra. Maria Teresa Alencar de Brito - USP Profa. Dra. Marisa Fonterrada UNESP Profa. Dra. Maura Penna UFPB Profa. Dra. Nilceia Protsio - UFG Profa. Dra. Patrcia Furst Santiago UFMG Profa. Dra. Patrcia Kebach Prof. Dr. Paulo Braga UFPE Profa. Dra. Regina Antunes Teixeira dos Santos UFRGS Profa. Dra. Rejane Harder - UFSE Profa. Dra. Rosane Cardoso de Arajo UFPR Profa. Dra. Srgio Figueiredo - UDESC Profa. Dra. Snia Albano Faculdade Carlos Gomes Profa. Dra. Sonia Ray - UFG

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  • Profa. Dra. Snia Ribeiro UFU Profa. Dra. Teresa Mateiro - UDESC Profa. Dra. Valria Carvalho - UFRN Profa. Dra. Vanda Freire UFRJ Profa. Dra. Viviane Beineke - UDESC Profa. Dra. Walnia Marlia Silva UFMG Profa. Dra. Zuraida Abud Bastio

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  • Apresentao A Universidade Federal de Gois, a Escola de Msica e Artes Cnicas e a cidade de Goinia

    sentem-se honradas em sediar, entre os dias 28 de setembro a 01 de outubro de 2010, o XIX

    Congresso Anual da Associao Brasileira de Educao Musical - ABEM em conjunto com o

    IV Encontro Nacional de Ensino Coletivo de Instrumento Musical - ENECIM e o III Encontro

    Goiano de Educao Musical - EGEM.

    A realizao deste evento est a cargo da Escola de Msica e Artes Cnicas da Universidade

    Federal de Gois, instituio que ao longo de sua atividade ocupa uma posio de

    fundamental importncia para o desenvolvimento do estado de Gois e da regio Centro-

    Oeste. A UFG e a EMAC passam por um momento especial em decorrncia da expanso

    universitria via REUNI, da reformulao da matriz curricular do Curso de Msica

    Licenciatura, alm de receber novos docentes, tcnicos administrativos e discentes.

    O tema geral do evento Polticas Pblicas em Educao Musical: dimenses

    culturais, educacionais e formativas e apresenta-se como uma valiosa oportunidade de

    refletir sobre temtica atual no cenrio poltico brasileiro. O contexto atual marcado por

    grande complexidade no quadro socioeconmico e cultural brasileiro que exige reflexes e

    aes concretas no campo da educao musical. Pensa-se que o evento venha contribuir para

    as reflexes acerca dos campos de atuaes e o papel do educador na sociedade, entendendo

    que a Educao Musical deve ser vista no apenas como mais um item na trama das

    dinmicas da cultura no fragmentado cenrio contemporneo, mas como um campo de

    conhecimento de fundamental para o desenvolvimento do ser humano e da sociedade.

    Em nome dos educadores musicais brasileiros registramos nossos agradecimentos a

    Presidente da ABEM, Profa. Dra. Magali Oliveira Kleber e toda Diretoria da ABEM; UFG

    representada pelo MM. Reitor Prof. Dr. Edward Madureira Brasil; a EMAC representada pelo

    Diretor Prof. Dr. Eduardo Meirinho e Diretora em Exerccio Profa. Dra. Ana Guiomar Rgo

    Souza; ao Coordenador do Programa de Ps-Graduao Prof. Dr. Anselmo Guerra de

    Almeida; ainda aos parceiros e apoiadores que de alguma forma colaboraram com a

    realizao deste evento: a Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal em Nvel Superior -

    CAPES; a Secretaria Estadual de Educao, representada pela secretria Profa. Dra. Milca

    Severino; a Pr-Reitoria de Extenso e Cultura da UFG, representada pelo Pr-Reitor Prof.

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  • Dr. Anselmo Pessoa Neto; a Pr-Reitoria de Graduao da UFG, representada pela Profa.

    Dra. Sandramara Matias Chaves; o SEBRAE; o Centro de Estudos e Pesquisas Ciranda da

    Arte; o Centro Livre de Artes, entre outros.

    Agradecemos ainda, ao conferencista, aos palestrantes, aos mediadores, aos ministrantes de

    cursos, aos artistas, aos coordenadores de grupos de trabalho, ao comit cientfico, aos

    pareceristas e em especial a toda Comisso Organizadora que no mediu esforos para a

    realizao deste evento.

    Damos boas vindas a todos os congressistas e desejamos que as atividades sejam de grande

    valia para o desenvolvimento pessoal e profissional de todos, e por conseqncia, para o

    desenvolvimento e fortalecimento da Educao Musical no Brasil.

    Goinia, 28 de setembro de 2010. ___________________________________________________________________________ Profa. Ms. Flavia Maria Cruvinel Coordenadora do Curso de Msica Licenciatura da UFG Coordenadora Geral do Evento

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  • Nota do Comit Cientfico

    O Congresso Nacional da Associao Brasileira de Educao Musical aborda em sua XIX

    Edio uma temtica de grande importncia para a insero da educao musical no cenrio

    poltico, educacional e cultural do Pas. Assim, discutindo Polticas Pblicas em Educao

    Musical: dimenses culturais, educacionais e formativas, a ABEM traz para o foco dos

    debates e reflexes dos professores, pesquisadores e estudantes da rea, e afins, um tem

    emergente e que pode oferecer alternativas relevantes para os caminhos da educao musical

    no Brasil. Abrangendo as distintas demandas de educao musical existentes, a programao

    do Congresso e a participao efetiva de educadores musicais de todos os estados brasileiros

    retratam um panorama de consolidao e o fortalecimento da rea. Os trabalhos apresentados

    nestes Anais demonstram a diversidade que caracterizam a educao musical no Brasil e

    evidenciam a amplitude das pesquisas e das experincias de ensino que vm sendo realizadas

    no territrio nacional e, inclusive, no exterior. Assim, as 255 comunicaes e os 18 psteres

    apresentados trazem reflexes e debates acerca de mltiplas realidades de ensino musical de

    diversos estados brasileiros, evidenciando aspectos fundamentais que caracterizam esse

    campo de abordagem e atuao. Os textos aqui publicados so sem dvidas importantes

    documentos da educao musical brasileira e podero promover o debate e a troca de

    experincias entre profissionais e estudantes de diferentes contextos educacionais,

    fortalecendo, ainda mais, as dimenses prticas e reflexivas relacionadas educao musical

    no cenrio nacional na contemporaneidade.

    _____________________________________________________

    Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz Presidente do Comit Cientfico do XIX Congresso Nacional da ABEM`

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  • Comunicaes

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  • Saudades do Nordeste: prticas musicais em um espetculo de coro infantil

    Alessandra Arajo da Silva [email protected]

    Resumo: O presente trabalho trata das principais prticas musicais desenvolvidas para formao de um espetculo de coro infantil do Coral Cantar Criana da empresa EIM Instalaes Industriais. Esta desempenha um papel importante junto comunidade investindo em projetos musicais para crianas carentes de suas imediaes. O objetivo descrever como aconteceu a montagem do espetculo Saudades do Nordeste atravs de atividades de musicalizao desenvolvidas ao longo dos ensaios. Estes aconteciam durantes trs dias na semana e foram registrados atravs de dirio de campo, vdeos e udios. Como apoio s atividades, baseou-se em aportes tericos prximos da temtica: Penna e Kerr, por exemplo. Assim, o relato contribui para reflexes sobre prticas musicais abordadas em coral atravs de atividades de musicalizao e propostas de espetculo como recurso pedaggico.

    Palavras-chave: Musicalizao, Coral infantil, Espetculo.

    Coro infantil da empresa EIM Instalaes Industriais

    A empresa EIM Instalaes Industriais surgiu em 1956 com o objetivo bsico

    de oferecer, s empresas privadas e estatais, servios especializados de instalaes e

    montagens industriais. Tendo em sua diretoria Francisco Baltazar Neto e Nivaldo

    Teixeira Filho, acredita na contribuio do ensino da msica no processo de

    aprendizagem, favorecendo o desenvolvimento cognitivo, psicomotor e socioafetivo da

    criana. A partir disso, com o intuito de proporcionar a prtica de uma atividade artstica

    s crianas das imediaes dos bairros Cambeba, Jos de Alencar e Messejana da cidade

    de Fortaleza-CE, foi criado o coral infantil Canta Criana, que desde ento faz parte do

    cotidiano da empresa j que os ensaios acontecem nas dependncias da mesma e em

    horrio de expediente e da comunidade, pblico alvo.

    A iniciativa em oferecer a tais comunidades carentes uma atividade musical

    possui grande importncia porque as crianas com baixo poder aquisitivo tiveram a

    oportunidade de ser musicalizadas que bem mais do que simplesmente adquirir

    conhecimento musical: liga-se esfera da criao, da inveno, da socializao, do

    prazer esttico, do encantamento. O aprendizado um processo ativo no qual os alunos,

    sejam crianas, jovens ou adultos, constroem novas ideias ou conceitos a partir do

    conhecimento que j trazem, e que foram adquiridos com base em diferentes situaes e

    experincias vividas por eles, como cita:

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  • [...] concebemos a musicalizao como um processo educacional orientado que, visando promover uma participao mais ampla na cultura socialmente produzida, efetua o desenvolvimento dos instrumentos de percepo, expresso e pensamento necessrios apreenso da linguagem musical, de modo que o indivduo se torne capaz de apropriar-se criticamente das vrias manifestaes musicais disponveis em seu ambiente [...] (PENNA, 2008, p. 47).

    A atividade coral nesta empresa iniciou suas atividades sob a regncia de outro

    profissional que esteve frente do mesmo de 2002 a 2007, ano em que tal

    responsabilidade foi passada para mim e um regente assistente/instrumentista. Por

    acreditar que funo do regente coral o papel de educador musical e o

    desenvolvimento artstico de seus coralistas, refletindo sobre minhas vivncias com o

    canto coral e experincias profissionais com a msica, acreditei ser possvel trabalhar

    novas possibilidades expressivas das crianas, que para alm da voz utilizariam

    elementos teatrais e coreogrficos, empregando abordagens de musicalizao para tal

    fim.

    Por ser uma atividade associada esttica europeia do canto em grupo que foi

    refletida no Brasil atravs do canto orfenico de outrora, a atividade coral rodeada de

    preconceitos, o que causa no s nas crianas, mas tambm nos jovens e adultos, em sua

    maioria, o desinteresse por tal prtica. Atravs da experincia com o Coral da

    Universidade Federal do Cear (UFC) entre 2002 e 2009, pude ter contato com outra

    concepo coral, voltada para um trabalho de pesquisa das possibilidades estticas em

    espetculos de msica coral realizados em espaos teatrais. A partir dessa nova

    tendncia, que implicou na mudana de abordagem na prtica coral que se deu ainda por

    volta dos anos 80, por influncia de regentes como Marcos Leite e Samuel Kerr, dentre

    outros, percebeu-se que tal preconceito poderia ser minimizado alimentando a constante

    sede de renovao das crianas, jovens e adultos da atualidade.

    Denunciando a necessidade de revermos o papel do canto coral na atualidade,

    diz KERR:

    Urge ouvirmos, vermos e experimentarmos o que est acontecendo ao nosso redor, na busca da conscincia das prprias modificaes perceptivas que estamos sofrendo em funo do ambiente e que nele estamos provocando. (Kerr, 2006, p. 237)

    Portanto, alm do objetivo de atingir metas educacionais atravs do canto

    coral, percebe-se que a expresso cnica pode ser um excelente recurso para gerar ou

    manter o entusiasmo dos cantores em geral e desenvolv-los artisticamente,

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  • aprofundando a investigao das possibilidades de expresso dos mesmos, de forma

    criativa e prazerosa.

    Montagem do espetculo

    A proposta de coro cnico ou simplesmente a ideia de valorizao cnica de

    corais exige um empenho diferente dos participantes. O ensaio apresenta-se como o

    momento de se exercitarem todos os parmetros musicais; uma vez estimulado, cada

    cantor ser capaz de demonstrar sua habilidade de expressar msica com compreenso,

    com tcnica, usufruindo, desta forma, do grande prazer de realiz-la artisticamente.

    O trabalho foi realizado com um grupo de 26 crianas abrangendo a faixa

    etria de 9 a 14 anos, e os ensaios aconteciam trs vezes por semana com durao de

    duas horas e meia. Os recursos utilizados foram: violo como instrumento harmnico de

    apoio e acompanhamento, aparelhos de som, televiso e DVD, para eventuais

    apreciaes de materiais musicais e outros. As principais prticas desenvolvidas foram trabalhos vocais, atividades

    corporais, oficinas de teatro, dana e apreciaes musicais. Os contedos foram

    trabalhados de forma gradual e em nvel crescente de dificuldade e interligados,

    baseando-se em Swanwick (2003, p.70) quanto ao processo de aprendizagem que deve

    integrar os contedos de forma que as fases sejam vivenciadas em um vnculo contnuo.

    No que diz respeito voz, trabalhou-se a relao da fala com o canto,

    atividades referentes ao apoio respiratrio, articulao e ressonncia, utilizando

    vocalizes, canes conhecidas, jogo cantado e tambm vocalizes criados a partir das

    dificuldades do repertrio.

    Baseando-se no mtodo proposto por Dalcroze, partiu-se do movimento

    corporal, da explorao do espao e do prprio corpo, buscando a comunicao e o

    contato com os outros corpos, atravs de exerccios e jogos teis para o

    desenvolvimento de tais fins como: a ateno, o olhar, o reflexo, a memorizao, o

    andar, a ampliao da coordenao motora. Traz-se a msica para a vivncia corporal, o

    que colore a interpretao com recursos que vo ampliar o sentido de comunicao

    coro-plateia de forma que podero atuar diretamente no fazer musical, como o

    aprimoramento artstico-vocal dos participantes.

    No incio do sculo, Jacques Dalcroze estabelece o princpio bsico da natureza fisiolgica do ritmo musical e, inspirado pela relao msica-movimento, cria seu mtodo de rtmica, propondo o uso do corpo

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  • como instrumento musical. Tendo por base a audio, inclui a representao corporal correspondente de todo e qualquer acontecimento sonoro (seja este de carter rtmico, meldico, harmnico ou formal), refinando o gesto e tornando-o preciso, flexvel expressivo. Mas o corpo o canal, o meio, e por meio dele o objetivo a ser alcanado a mobilizao interna do indivduo, a conquista do seu espao interior e sua compreenso da msica. (DALCROZE apud GRAMANI, 1996, p. 09)

    O recurso da percusso corporal que implica em uma proposta pedaggica

    baseada na utilizao do corpo como instrumento musical trouxe, alm da conscincia

    rtmica, o prazer e a admirao por parte da turma, visto que as atividades eram vistas

    como desafios empolgantes e tinham como consequncia um fazer sonoro musical das

    batidas no corpo.

    Atravs do recurso da percusso corporal que implica em uma proposta

    pedaggica baseada na utilizao do corpo como instrumento musical trabalhou-se a

    conscincia rtmica, a improvisao e a memria musical atravs de ecos,

    improvisaes rtmicas e meldicas, e dilogos musicais. Alm disso, alcanou-se

    tambm o prazer e admirao por parte da turma, visto que as atividades eram vistas

    como desafios empolgantes e tinham como consequncia um fazer sonoro musical das

    batidas no corpo.

    Para Carl Orff, a educao deve partir de experincias simples, antepondo-se a conceituaes tericas. [...] seu trabalho baseado em atividades ldicas, como: cantar, bater palmas, danar, percutir em qualquer objeto que esteja mo ou no prprio corpo. (ARTAXO, Ins; ASSIS, Gizele, 2008, p. 59)

    Foram tambm realizadas uma oficina de teatro e uma de danas nordestinas

    para concluir detalhes especficos de cada rea. A apreciao musical aconteceu atravs

    de audies durante o processo de seleo de repertrio que se deu por meio de peas

    com diferentes graus de dificuldade, em tonalidades maiores e menores, modais e

    cnone.

    Percebi ao longo do processo que dia aps dia crescia a musicalidade, a relao

    inter pessoal, disciplina, disposio e empolgao nos jovens coralistas. Cito como

    exemplo o depoimento de uma professora de um grupo de percusso que existe em

    frente empresa.

    Conheci o aluno no grupo de percusso, alm dele ter um bom desenvolvimento com a turma, chamou-me a ateno o fato de ser extremamente musical e reflexivo. Quando eu menos esperava ele

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  • sempre cantava as msicas do nosso repertrio e foi quando percebi que tinha ganho alm de um ritmista, um cantor tambm. (informao verbal) 1

    Espetculo SAUDADES DO NORDESTE

    O espetculo Saudades do Nordeste nasceu do desejo de fazer um trabalho

    de apreciao musical, objetivando despertar e incentivar o interesse e o gosto pela

    msica de modo que levasse a um conhecimento ldico e dinmico do universo cultural

    do Nordeste: suas msicas, ritmos, danas, brincadeiras de roda, a religiosidade, a

    festividade. A gente no conhece o que nosso. Ns no sabemos de onde viemos.

    Talvez fique bem difcil de saber para onde vamos. (informao verbal) 2

    Dessa forma as crianas tiveram a oportunidade de ter contato e, at mesmo,

    conhecer as tradies que fundamentam sua cultura, tradies estas hoje cada vez mais

    esquecidas em funo do apelo desenfreado das mdias de massa impulsionando-as a

    uma cultura descartvel e sem razes slidas. Assim, o repertrio selecionado para

    realizao do espetculo est descrito na tabela 1:

    Tabela 1: Repertrio do espetculo SAUDADES DO NORDESTE

    Nome da Msica Autoria SOBRADO Msica tradicional CAIADO DE TODA COR Autor desconhecido TEMPO DE CIRANDA ngela Linhares A VIDA TAVA TO BOA Ccero Gomes COCO VERDE Flvio Paiva e Tarcsio Sardinha BOI Carlos Gomide e Escurinho MENINA LUA Carlos Gomide MOO BONITO Autor desconhecido L VAI SO FRANCISCO Vincius de Moraes e Paulo Soledade CAJUNA Caetano Veloso ABC DO SERTO Z Dantas e Luiz Gonzaga NOITE AZUL Pingo de Fortaleza FORR DE CABO A RABO Luiz Gonzaga FORR NO ESCURO Luiz Gonzaga A VOLTA DA ASA BRANCA Luiz Gonzaga e Z Dantas SO JOO NA ROA Luiz Gonzaga e Z Dantas OLHA PRO CU Luiz Gonzaga e Jos Fernandes

    1 Depoimento de Catherine Furtado dos Santos, professora de percusso do Grupo de Msica Percussiva Acadmicos da Casa Caiada. 2 Izara Silvino, no programa Opinio (Rdio Universitria) que abordou a Preservao e Dinamizao da Cultura na rea Musical, veiculado dia 02 de maro de 1983.

    18

  • Para compor o espetculo, contamos com uma costureira para confeccionar o

    figurino utilizado pelas crianas e com um percussionista para acompanhar o coro

    juntamente com nosso instrumentista oficial.

    A apresentao do espetculo aconteceu em dezembro de 2009 no auditrio da

    empresa, totalmente estruturado com palco, cenrio e iluminao, para

    aproximadamente 250 pessoas, entre elas: diretoria, funcionrios, familiares das

    crianas e comunidade.

    O espetculo foi montado com o intuito de comear antes de as pessoas

    entrarem, ou seja, de cortinas abertas e com os msicos j tocando, as crianas j

    posicionadas em seus devidos lugares esperavam que as pessoas silenciosamente

    entrassem. Em discurso, falei:

    Sejam todos bem vindos! com muito prazer que aqui estamos para apresentar o espetculo Saudades do Nordeste, mas para que isso acontea preciso que as luzes continuem desligadas e que faamos silncio para que as crianas se concentrem e possam mostrar o que preparamos durante todo o ano. (informao verbal) 3

    Ento, finalmente pudemos d continuidade, e eu nunca vi aquelas crianas

    cantarem to afinadas e to empenhadas para que tudo sasse perfeito. Entretanto, o que

    percebemos, tanto ns, professores, quanto as crianas, que as pessoas, seja de alto ou

    baixo poder aquisitivo, em sua maioria, no souberam se comportar. Durante

    aproximadamente 15 minutos, as pessoas gritavam, conversavam, arrastavam cadeiras e

    acendiam luzes, o que, se continuasse acontecendo, comprometeria a iluminao do

    espetculo.

    Ao olhar para as crianas, vi que algumas estavam chorando, mas nem por isso

    saram de suas posies ou conversaram, deram um exemplo de maturidade e ali se

    mostraram artistas comprometidos com sua arte.

    No decorrer do espetculo, o que se notava que as crianas cantavam e se

    expressavam com felicidade e realizao para uma plateia que demonstrava e

    comentava no acreditar no que via.

    No que diz respeito a questes tcnicas, notou-se maturidade corporal e vocal

    quando, mesmo diante do cansao por conta das danas, as crianas mantiveram

    prontido, afinao e qualidade vocal.

    3 Discurso preliminar realizado no espetculo Saudades do Nordeste em 2009.

    19

  • No final do show, enquanto as pessoas aplaudiam, algumas crianas me

    abraaram chorando, o que me levou a perguntar o que havia acontecido: Professora, a

    gente t chorando de emoo porque foi muito lindo! Quando as pessoas no paravam

    de fazer barulho a gente achou que no ia dar para continuar, mas a deu certo e a gente

    mostrou o que sabe fazer.

    Diante de tanta maturidade, conclumos que estamos no caminho certo, e que

    esse trabalho de formao e musicalizao favorece um espetculo de

    desenvolvimentos.

    Consideraes finais

    Para a realizao desse espetculo foi necessria a parceria e a viso

    empreendedora e humanista do idealizador e diretor da empresa, Nivaldo Teixeira

    Filho, que abraou em todos os sentidos o trabalho deste coral. Diante do trabalho de

    pesquisa das possibilidades estticas em espetculos de coral infantil, a empresa, alm

    de investir pagando os dois profissionais da msica (regente e regente

    assistenteinstrumentista), tambm o fez no que se refere aquisio de instrumentos,

    preparao de cenrio, luz e palco e contratao de instrumentistas e facilitadores para

    as oficinas.

    Apesar de a direo da empresa acreditar na funo educativa desse projeto,

    investir e ter conscincia do quanto o mesmo requer dedicao por parte das pessoas

    diretamente envolvidas (crianas e regentes), existem alguns fatores internos e externos

    que interferem negativamente.

    Os internos so causados por certas atitudes tomadas por alguns funcionrios

    da empresa, como: no deixar as crianas entrarem na hora marcada, mesmo quando a

    direo estabelece que elas devam ter acesso livre; marcar duas apresentaes no dia em

    que j estava marcado ensaio geral para o espetculo, sem considerar o cansao das

    crianas que chegam a ensaiar quinze horas semanais quando se aproxima o

    espetculo.

    Os fatores externos, tambm causados pelas deficincias da educao

    brasileira, partem dos pais que, apesar da insistncia das crianas, no lhes do

    permisso para ir ao ensaio ou lhes tiram definitivamente do coral, seja porque estas no

    fizeram os afazeres domsticos ou tiraram notas insatisfatrias na escola, ou ainda

    porque aqueles se desentenderam com os pais de outras crianas e no querem que seus

    20

  • filhos sejam amigos. A no disponibilizao das sries nos dois turnos (manh e tarde)

    tambm a causa da sada de algumas crianas todo ano.

    Apesar das dificuldades, existe tambm muita fora de vontade para a

    realizao deste trabalho. Montar um espetculo de coro infantil uma proposta que

    envolve, alm das atividades tcnicas, uma atividade contnua e comprometida com a

    formao musical e o despertar das expresses subjetivas de cada estudante. Foi

    possvel perceber que atravs dos trabalhos ldicos para a realizao das atividades de

    tcnica vocal, pude ganhar a ateno e concentrao das crianas no momento da aula.

    Com isso, as aulas eram bem produtivas e, felizmente, foi perceptvel o prazer do fazer

    musical das crianas.

    A ideia da montagem do espetculo, de fato, incentivou a participao nas

    aulas, pois, alm da ideia geral da apresentao, o trabalho msico-corporal, as oficinas

    de teatro, dana e as atividades de percusso corporal sempre eram comentadas como

    aulas com novidades. importante ressaltar que a montagem de um espetculo no o

    nico e principal objetivo do coral, mas apenas um consequente estimulador dos

    trabalhos de musicalizao e desenvolvimento artstico atravs do canto coral.

    O espetculo visto como mais uma prtica pedaggica com o intuito de

    formao e educao musical. Alm disso, tambm um espao de formao de

    professores de msica, como minha experincia musical e dos profissionais que

    contriburam com o processo. Esta, com certeza, fora uma oportunidade capaz de unir

    vivncias pessoais ao conhecimento dos estudantes e do espao comunitrio da turma.

    Assim, mesmo com as dificuldades derivadas dos fatores externos e internos,

    pode-se relatar sobre essa experincia, at o momento, que a formao de um espetculo

    em coro infantil proporcionou desenvolvimentos inefveis que se iniciam no fazer

    musical e culminam no sentir-se artista em cima de um palco.

    21

  • Referncias

    ARTAXO, Ins; MONTEIRO, Gizele de Assis. Ritmo e movimento: teoria e prtica. 4. ed. So Paulo: Phorte, 2008. GRAMANI, Jos Eduardo. Rtmica Viva: a conscincia musical do ritmo. Campinas, So Paulo: UNICAMP, 1996. SILVINO, Izara. Preservao e Dinamizao da Cultura na rea Musical. Fortaleza, 02 mar. 1983. Entrevista concedida Rdio Universitria. KERR, Samuel et al. Carta canto coral. In: LACKSCHEVITZ, Eduardo (Org.). Ensaios: olhares sobre a msica coral brasileira. Rio de Janeiro: Centro de Estudos de Msica Coral, 2006, p.198-238. PENNA, Maura. Msica(s) e o seu ensino. Porto Alegre: Sulina, 2008. SOUZA, Jussamara (Org). Aprender e ensinar msica no cotidiano. Porto Alegre: Sulina, 2008. SWANWICK, Keith. Ensinando msica musicalmente. So Paulo: Moderna, 2003.

    22

  • A Aprendizagem da Bateria na Escola e a Profissionalizao do Baterista: um estudo de entrevistas

    Patrcio de Lavenre Bastos UnB

    [email protected]

    Resumo: Esta comunicao pretende apresentar dados preliminares de minha pesquisa de mestrado em andamento que trata da aprendizagem da bateria, com vistas profissionalizao, realizada dentro e fora da escola formal. Tradicionalmente, a aprendizagem deste instrumento ocorre fora da escola, por meio da imitao, da tentativa e erro, da insero em grupos musicais, e com o apoio da tecnologia (GREEN, 2002; MARQUES, 2006; PAIVA, 2004; GOHN, 2003; MEIRELLES, 2004). No entanto, a bateria passou por um processo de escolarizao a partir da dcada de 1980, processo este que comeou nos conservatrios de msica e escolas tcnicas, chegando, na virada do milnio, ao ensino superior, seja como uma disciplina em um curso ou como um bacharelado. O objetivo da presente pesquisa compreender porque bateristas procuram aulas de bateria, e como se articulam as aprendizagens dentro e fora da escola, considerando-se a abrangncia dos saberes profissionais necessrios aos diversos tipos de atuao de bateristas. Dados preliminares indicam a influncia e o apoio da famlia e dos amigos; a inteno de se profissionalizarem no apenas como bateristas, mas como msicos completos, o que, segundo eles, s possvel em escolas.

    Palavras-chave: aprendizagem da bateria, ensino de msica popular em escolas, profissionalizao do baterista.

    Introduo

    Foi nos bailes da vida ou num bar em troca de po / que muita gente boa ps o p na profisso / de tocar um instrumento e de cantar / no importando se quem pagou quis ouvir / foi assim. (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1981)

    Os versos de Nascimento e Brant (1981) registram uma situao comum no que diz

    respeito forma como o msico popular a includo o baterista1 aprende a tocar um

    instrumento musical e se profissionaliza: ele aprende atuando. Enquanto atua, aprende,

    enquanto aprende, se profissionaliza. Pesquisadores tm voltado sua ateno para os

    processos de aprendizagem dos msicos populares, com interesse nas suas caractersticas e

    peculiaridades, numa busca por entender as articulaes entre estes processos de

    aprendizagem e a aprendizagem escolar da msica. Mais do que isso, h um interesse em

    transpor para o ensino da msica que ocorre na escola formal, mecanismos e elementos

    1 Entendemos o baterista como msico popular, um msico inserido no universo da msica popular (PAIVA, 2004; TEIXEIRA, 2009; GOHN, 2001, 2009; MENEZES BASTOS, 1996).

    23

  • prprios destas aprendizagens no-escolares (GREEN, 2002; FEICHAS, 2006; MARQUES,

    2006; PAIVA, 2004).

    Com a virada do sculo XXI, a bateria chegou s Universidades Federais brasileiras,

    dentro do curso de Bacharelado em Msica Popular com Habilitao em Instrumento. Este

    acontecimento, juntamente com outros, como a abertura do mercado brasileiro s importaes

    ocorrida em 1990, o surgimento de concursos de bateristas e revistas especializadas neste

    instrumento, alm dos avanos tecnolgicos como a digitalizao do udio e a internet,

    provocaram uma ampliao da profisso do baterista, que tem se preocupado cada vez mais

    com a sua formao, inclusive em nvel superior (MEDEIROS e SEVERO, 2009).

    O objetivo de minha pesquisa compreender, a partir da perspectiva dos estudantes

    de bateria, o que os leva a procurar uma instituio escolar para aprender a tocar um

    instrumento, quais so suas perspectivas, o que aprendem dentro e fora da escola e como

    articulam esses saberes com vistas profissionalizao.

    No presente trabalho, de natureza exploratria GIL (2002, 2008), optou-se pela

    metodologia qualitativa, com uso de entrevistas semi-estruturadas para a coleta de dados

    (ROSA e ARNOLDI, 2006; LAVILLE e DIONNE, 1999). Foram selecionados trs bateristas

    alunos da Escola de Msica de Braslia que se encontram no Ciclo Tcnico2, e que j atuam

    profissionalmente. Essa escola foi escolhida por oferecer o curso de bateria desde 1985. Dessa

    maneira, o que se busca um maior entendimento do papel de um ambiente formal de

    aprendizagem da bateria como o CEP/EMB Centro de Educao Profissional Escola de

    Msica de Braslia no contexto desta cidade, na perspectiva daqueles que a procuram.

    Reviso de literatura

    Esta reviso de literatura abrange duas temticas: trabalhos sobre percusso e bateria

    e a aprendizagem na msica popular. Nos trabalhos encontrados sobre bateria e sobre a

    percusso, incluindo a bateria, h diferentes abordagens. PAIVA (2004), GOHN (2001,

    2009), TEIXEIRA (2009) e MEDEIROS e SEVERO (2009) investigaram a formao musical

    dos bateristas, inseridos no universo dos percussionistas, e suas relaes com locais e formas

    de aprendizagem dentro e fora da escola. Esses autores investigaram como os msicos

    populares aprendem a tocar. PAIVA (2004) afirma que a formao do baterista se d,

    geralmente, associada prtica em conjunto:

    2 O Ciclo Tcnico o programa profissionalizante da Escola de Msica de Braslia. Com durao de quatro anos, dividido em oito nveis, do T1 ao T8, sendo cada nvel realizado em um semestre. Para ingressar no Ciclo Tcnico, o baterista tem que ter passado pelo Ciclo Bsico, de dois anos de durao, tambm dividido em semestres. Dependendo das necessidades de cada aluno, o Ciclo Bsico pode ser estendido por dois semestres.

    24

  • Podemos verificar a ocorrncia dessa questo tanto no mbito da msica popular, quanto no da erudita. Grupos de tradio folclrica, tnica e religiosa, ou ainda, bandas, orquestras e grupos de percusso so exemplos de diferentes campos de atuao e de formao para o percussionista. (PAIVA, 2004, p. 9)

    TEIXEIRA (2009) aponta a lacuna que representa a no existncia de um curso de

    bacharelado em percusso popular e bateria na UFRJ. O autor discute a questo da formao

    do percussionista, ai includo o baterista. GOHN (2002) pesquisou sobre processos de auto-

    aprendizagem de estudantes de percusso que estudavam sem a orientao direta de um

    professor ou tutor. O autor investigou o uso e influncias dos meios tecnolgicos nos

    processos de auto-aprendizagem musical, que ele situa no mbito dos processos de educao

    no-formal. GOHN (2009) investigou a educao musical a distncia, com foco na formao

    de professores, a partir do contexto atual de msica e tecnologia e levando em considerao as

    caractersticas e possibilidades dos meios de comunicao de um mundo moderno e

    globalizado. MEDEIROS e SEVERO (2009) investigaram os perfis dos graduandos em

    msica do curso de Bacharelado em Msica da Universidade Federal da Paraba, com

    habilitao em percusso, com foco na formao inicial desses estudantes, nas suas reas de

    atuao, nos processos de aprendizagem do saber musical, e considerando os aspectos

    motivacionais que os levaram a ingressar no referido curso.

    Autores como QUEIRZ (2006) e SWART (2008), desenvolveram pesquisas na

    rea da performance. QUEIRZ (2006) props novos mecanismos para a prtica da bateria,

    com base em ritmos do folclore brasileiro e da msica popular brasileira, como o Tambor de

    Crioula, o Samba, o Maracatu e a Congada. SWART (2008) analisou improvisos do baterista

    Jack DeJohnette com o objetivo de identificar caractersticas e apontar possveis formas

    estruturais presentes no seu discurso musical.

    Com relao temtica da aprendizagem do msico popular, destacamos GREEN

    (2001, 2002, 2008), PICCOLO (2005), MOULIN (2006), FARIA (2006), MARQUES (2006),

    FEICHAS (2006) e LACORTE (2006). GREEN (2008, p. 10), sintetiza cinco princpios

    fundamentais, por ela identificados na forma como o msico popular aprende a tocar um

    instrumento musical. So eles: 1) o aprendizado informal comea com msicas que os alunos

    escolham, gostam e com quais se identificam; 2) aprender por escutar e tirar de ouvido as

    gravaes; 3) aprender sozinho e com os amigos; 4) aprendizagem pessoal, sem orientao

    estruturada ou planejada; e 5) a integrao entre escuta, apresentao, composio e

    improvisao. PICCOLO (2005) aborda a formao de cantores populares e a sistematizao

    do ensino do canto popular brasileiro no Brasil. A pesquisa aponta um crescimento da

    25

  • demanda pelo ensino do canto popular e, ao mesmo tempo, uma carncia de especialistas na

    rea: Como no h uma tradio em pesquisa da tcnica popular de canto e, mais ainda, de

    canto popular brasileiro, tambm no h especialistas nessa rea (Idem, p. 409). MOULIN

    (2006) desenvolveu pesquisa na Universidade Popular Brasileira da Universidade Federal do

    Estado do Rio de Janeiro, que analisa a relao entre o mercado de trabalho da msica de

    entretenimento, os msicos nele atuantes e o curso de Bacharelado nesta universidade. O

    autor concluiu que no h na UNIRIO um curso que realmente prepare o msico popular para

    o mercado de trabalho. FARIA (2006) analisa a entrada da msica popular nos currculos dos

    cursos superiores, identificando problemas, especialmente nas metodologias de ensino que,

    segundo ele, conservam a tradio de ensino da msica erudita, apenas transferindo-a para a

    msica popular. LACORTE (2006) investigou a aprendizagem musical de msicos populares,

    focando as suas experincias iniciais de aprendizagem, a experincia profissional e suas

    influncias nas aprendizagens, levantando aspectos como as motivaes e os processos dessa

    aprendizagem. A autora conclui que o msico popular aprende em contextos variados, que

    extrapolam a simples questo do talento nato ou dom, conceitos relacionados ao senso

    comum.

    MARQUES (2006) investigou os processos de aprendizagens musicais extra-classe

    vivenciadas por estudantes de instrumento musical, que buscam, por iniciativa prpria,

    conhecimentos alm daqueles desenvolvidos em suas aulas de msica. A autora conclui que

    mesmo estudando em uma escola de msica, os alunos entrevistados buscavam outras formas

    de aprendizagem, seja na internet, tocando em bandas, comprando material didtico,

    participando de festivais etc. FEICHAS (2006) pesquisou processos de aprendizagem e

    experincias dos alunos dentro e fora da universidade. A autora discute os desafios e o

    potencial da integrao dos processos de aprendizagem formal e informal, destacando que na

    aprendizagem informal em casa ou em grupo, os estudantes de msica popular adquirem o

    conhecimento musical por meio das habilidades aurais e da memria, tirando msica de

    ouvido, imitando gravaes (tocando e cantando junto).

    Pressupostos tericos

    Os processos de aprendizagem na msica popular tm um carter extremamente

    diversificado. Autores como GREEN (2002), FEICHAS (2006) e LACORTE (2006),

    destacam o tocar de ouvido ou tirar msica de ouvido, como importante elemento neste

    contexto. O tocar em grupo outra importante caracterstica destes processos, segundo

    26

  • diversos autores. PAIVA (2004, p. 9) destaca que (...) a formao musical de todo

    percussionista est ligada geralmente prtica em conjunto. Isto ocorre tanto no mbito da

    msica popular, quanto no da erudita. O aprender vendo, ou seja, a dimenso visual na

    aprendizagem do msico popular destacada por LACORTE (2006), PRASS (2004) e

    GREEN (2002). O apoio da famlia e dos amigos , tambm, abordado por GREEN (2002),

    FEICHAS (2006) e LACORTE (2006), como caracterstica da forma como o msico popular

    aprende a tocar um instrumento musical. O apoio da tecnologia na aprendizagem da msica

    citado por TEIXEIRA (2009), GOHN (2002, 2009), GREEN (2002).

    LIBNEO (1999, p. 7) entende a Escola como espao de integrao e sntese:

    integrao do pensamento cientfico dos problemas humanos aos princpios tico-valorativos;

    e sntese dos objetivos convencionais da escola e daqueles relacionados s realidades de um

    mundo globalizado e transacional. GADOTTI (2005, p. 10) considera a escola pblica como

    um dos ltimos basties da democracia. Para o autor, A educao no-formal pode dar uma

    grande contribuio educao pblica, mas no pode substitu-la (Idem). SAVIANI (2008,

    p. 14) entende a escola como instituio cujo papel consiste na socializao do saber

    sistematizado. O autor identifica uma questo de status, de privilgio, do saber sistematizado

    em relao ao saber do senso comum. ARAJO (2008) argumenta que no h como

    prescindir da instituio escolar: A Escola sempre um passado, um presente, ou um futuro

    e, independentemente da sua construo terica no imaginrio de algum, continua ainda a

    no ter um substituto acreditvel (Idem, p. 1). ACOSTA (2005) procurou explorar e

    compreender a escola, considerando as crenas, valores, expectativas e comportamentos de

    um grupo de estudantes. A autora aponta o fato de a escola ser, ao mesmo tempo, produtora e

    consumidora dos significados e crenas envolvidos nesta relao (Idem, p. 156). A Lei de

    Diretrizes e Bases, LDB (Lei N 9.394, de 20 de dezembro de 1996) diz, no segundo

    pargrafo do seu Artigo Primeiro, que A educao escolar dever vincular-se ao mundo do

    trabalho e prtica social. Dessa maneira, a escola tem a dupla finalidade de preparar o

    indivduo para o exerccio da cidadania e qualific-lo para o trabalho.

    DUBAR (2005), afirma que o termo profisso deriva da chamada profisso de

    f, cumprida, ainda na Idade Mdia, nas cerimnias de admisso em corporaes. A

    oposio original entre os termos ofcio e profisso apontada por DUBAR (2005, p. 164)

    com referncia ao binmio mos/cabea, sendo a profisso uma produo que (...) cabe mais

    ao esprito que mo, e o ofcio, como aquele em que as mos trabalham mais que a

    cabea. No campo da docncia, SACRISTN (1995, p. 65) define a profissionalidade

    docente como a afirmao do que especfico na ao docente, isto , o conjunto de

    27

  • comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes, e valores que constituem a

    especificidade de ser professor (p.65). Transpondo esta definio para o profissional da

    bateria, temos a afirmao do que especfico na sua atuao: a profissionalidade do baterista

    como um conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que

    constituem a especificidade de ser baterista profissional.

    Dados preliminares

    Dados preliminares indicam a influncia e o apoio da famlia e dos amigos; a

    inteno de profissionalizarem-se no apenas como bateristas, mas como msicos

    completos, o que, segundo eles, s possvel em escolas. Os entrevistados, em determinado

    momento de suas vidas decidiram se profissionalizar na bateria e, com base na perspectiva de

    que a escola pode acelerar esse processo, optaram por uma formao escolar no instrumento.

    Tal deciso se baseia na maneira como esses estudantes de bateria vem a escola: uma

    instituio de referncia e de qualidade, com bons professores, que forma bons bateristas, um

    lugar para se estudar da maneira correta. Esta maneira de ver a Escola de Msica fica

    evidente na fala de Felipe:

    Ah, porque falavam que [de] l j tinham sado muitos msicos bons, e tinha a referncia, tambm, do curso de vero, que o pessoal falava que tinha muita gente boa. E falavam, tambm, que a escola dava uma base, no s do instrumento em si, mas da msica em geral pro aluno. Ai, eu... Como eu gostava, eu achei que ia ser muito bom. E por ser uma escola pblica, tambm, ai eu aceitei ir pra l, consegui entrar. Consegui entrar. (Caderno de Entrevistas com o Felipe - p. 5)

    A perspectiva de Paulo sobre a Escola de Msica corrobora a fala de Felipe:

    Fui buscar uma formao profissional. Basicamente, fui buscar uma formao, mesmo, uma orientao da maneira correta, o que estudar, como estudar. (...) E existe uma maneira correta, um programa para ser seguido, que acredito que foi analisado por pessoas competentes, e tudo, que chegaram concluso de que aquela a melhor forma possvel de se estudar, pra voc chegar a um caminho. Ento, acho que a maneira correta assim, voc tem que ter uma orientao, vai. meio complicado estudar sem orientao, s vezes voc pode seguir por um caminho errado e, at descobrir, j foi tempo perdido. (Caderno de Entrevistas com o Paulo - p. 6)

    Nesse contexto, possvel perceber uma diferenciao entre os termos tocar e

    estudar, que desvaloriza o primeiro em relao ao segundo tocar hobbie, estudar srio

    reforando a idia de que o baterista que est na escola est estudando, e o que est fora da

    escola est s tocando. Rodrigo relata:

    28

  • Meu pai, ele tocou bateria. Ele nunca foi msico formado, assim. (...) ele morava em Manaus. E ele tocou l em, n, assim, com bandas na noite. Mas era uma coisa bem informal, digamos assim, bem... hobbie, mesmo, sabe. Ele nunca chegou a estudar, nunca... Era desleixado. Assim, no era uma coisa que ele levava a srio muito, no. Mas ele tocou bateria um tempo na vida dele. (Caderno de Entrevistas com o Rodrigo - p. 3)

    Paulo, falando sobre um baterista carioca chamado Rafael Barata, se diz

    impressionado pelo fato de Barata tocar bem e no ter uma formao escolar no instrumento.

    Note-se que Paulo utiliza a expresso msicos que nunca estudaram para se referir aos

    msicos que estudaram por conta prpria:

    (...) tem msicos que nunca estudaram e so bons. Mas, eu no gostaria de seguir essa... No to seguindo essa linha, eu to aqui na escola. Se eu quisesse no estudar, s estudar na noite, tocar s, no tava aqui. Mas, eu fico at meio impressionado, assim, por exemplo, o [Rafael] Barata, que eu conheci no curso de vero, o bicho falou que nunca estudou um mtodo de bateria. Isso me impressiona um pouco. Tipo, ele toca bem e tudo. Pra chegar num nvel que ele toca bem, sem nunca estudar um mtodo, pra mim, seria uma coisa, at, meio, sei l, pra mim seria impossvel, na minha viso. Mas, no . Eu no sei como, s na prtica, o cara consegue chegar num nvel assim, porque, sei l, falando bateristicamente, sei l, independncia, por exemplo, tem coisa que se voc no parar pra estudar... (Caderno de Entrevistas com o Paulo - p. 15)

    Outro aspecto que aparece nos resultados preliminares o fato de as aprendizagens

    vivenciadas pelos sujeitos da pesquisa serem direcionadas, de certa maneira, para as

    diferentes formas de atuao do baterista profissional, como: acompanhar cantores, tocar em

    bandas de pop-rock, tocar em grupos de msica brasileira ou de msica instrumental, ser

    professor e atuar como baterista de gravao. Desta maneira, diferentes saberes profissionais

    do baterista so apontados, como: ter tcnica de mo; ter tcnica de p; ter domnio do ritmo;

    ter sensibilidade para saber o que a msica pede; saber tirar um som bom no instrumento; ter

    musicalidade; ter um bom ouvido; saber escutar e tirar msica; saber analisar o que tocar em

    cada msica; saber trabalhar e interagir em grupo; saber observar aquilo que est acontecendo

    no palco; saber tocar uma gama de ritmos e estilos musicais diferentes; conhecer sobre os

    equipamentos e acessrios de uso dos bateristas; alm da prpria tcnica do instrumento.

    Consideraes finais

    Se por um lado, agentes da educao escolar e autores como GREEN (2002),

    FEICHAS (2006) e MARQUES (2006), entre outros, se empenham numa busca pelos

    elementos que caracterizam a aprendizagem informal da msica, por outro lado, h um

    29

  • interesse, da parte de msicos e instrumentistas de formao tradicionalmente informal, como

    os bateristas, pela educao formal da msica. O msico popular parece cada vez mais querer

    estar na escola, e os resultados da pesquisa no apontam para uma simples busca de

    certificados, de legitimao dos seus saberes, e sim, em busca do ambiente escolar, das

    experincias, dos saberes, da orientao de um professor e de um programa a seguir. Grande

    parte destes bateristas no chega a concluir o curso e pegar seu certificado, pelo fato de se

    inserirem profissionalmente em orquestras, bandas, escolas ou acompanhando msicos de

    renome, mas, apesar disto, reforam seus interesses na aprendizagem escolar como forma de

    complementarem e expandirem seus conhecimentos musicais, considerados relevantes para

    sua formao como msicos.

    30

  • Referncias

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    32

  • A aprendizagem musical na prtica coral e o conceito de comunidade de prtica

    Lucila Prestes de Souza Pires da Costa Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

    [email protected]

    Srgio Luiz Ferreira de Figueiredo Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

    [email protected]

    Resumo: Este artigo procura entender a aprendizagem musical dentro do coro a partir do conceito de comunidade de prtica proposto por Wenger (1998). Para tanto, utiliza trs conceitos-chave das comunidades de prtica: compromisso mtuo, empreendimento conjunto e repertrio compartilhado. Em seguida, estes conceitos so exemplificados no cotidiano do coro. Nas consideraes finais, so destacadas as possibilidades de entendimento da aprendizagem musical nos grupos corais atravs do conceito de comunidade de prtica.

    Palavras-chave: coral, comunidade de prtica, educao musical.

    Todos ns pertencemos a comunidades de prtica. Quando consideramos este

    conceito a partir das propostas de Etienne Wenger1: comunidades de prtica so grupos de

    pessoas que compartilham um interesse ou uma paixo por algo que eles fazem e aprendem

    como fazer isto melhor enquanto interagem regularmente (2006, traduo nossa). Desta

    forma, ao longo da vida fazemos parte de diversas comunidades de prtica, desde a famlia

    onde nascemos e temos nossos primeiros aprendizados at colegas de trabalho buscando

    melhorar um processo de produo.

    As comunidades de prtica apresentam caractersticas variadas. Algumas possuem

    um nome, regras para tornar-se parte dela e objetivos e propsitos definidos. Outras passam,

    muitas vezes, despercebidas por ns. Contudo, embora se caracterizem de formas distintas,

    todas elas so importantes, uma vez que nos proporcionam algum tipo de aprendizado.

    A variedade de tipos de comunidades de prtica leva-nos a tentar aplicar este

    conceito para a nossa rea de atuao. Existem comunidades de prtica cujo interesse ou

    paixo seja a msica? A resposta que imediatamente nos vem mente parece ser positiva.

    Prosseguimos ainda, questionando se este conceito poderia ser aplicado a grupos de execuo

    musical, mais especificamente ao coral. Deste modo, procuramos respostas para a seguinte

    1 O termo comunidades de prtica foi utilizado primeiramente por Lave e Wenger (1991) na obra onde os autores expem sua teoria de aprendizagem social. Aps esta publicao, Wenger (1998, 2000, 2006) deu continuidade utilizao do termo, desenvolvendo-o e colocando-o em prtica em diversas corporaes.

    33

  • pergunta: o conceito de comunidade de prtica pode contribuir para o entendimento da

    interao entre os membros do coro e a aprendizagem musical que acontece neste espao?

    Esta questo a motivao para este artigo e determina a escolha do referencial

    terico de uma pesquisa de mestrado em andamento, cujo principal objetivo compreender o

    papel das interaes sociais no processo de aprendizagem musical dentro de um coral de

    adolescentes. Para este artigo, utilizaremos os elementos centrais do conceito de comunidades

    de prtica que sero aplicados a situaes gerais da atividade coral, uma vez que a referida

    pesquisa encontra-se ainda na fase de coleta de dados.

    Comunidades de prtica na literatura de educao musical

    Considerar a aprendizagem musical a partir da perspectiva psicolgica social tem

    sido a temtica de um crescente nmero de trabalhos. Ao comentarem esta tendncia, North e

    Hargreaves (2008) apresentam as comunidades de prtica como um caminho para o

    entendimento dos processos de aprendizado que acontecem nas interaes entre msica e um

    determinado grupo social.

    O trabalho da educadora musical Joan Russel considerado altamente significativo

    no sentido de adequar os conceitos de comunidade de prtica ao contexto de aprendizagem de

    msica (NORTH; HARGREAVES, 2008; WAZLAWICK; MAHEIRIE, 2009). Em artigo

    publicado na Revista da ABEM, Russel (2006) utiliza o termo comunidade de prtica

    musical (p.12) para descrever o comportamento de trs grupos distintos: uma comunidade

    nas Ilhas Fiji onde o canto prtica comum a todos, professoras inuit no Canad e professores

    de msica em Cuba. A partir destas observaes feitas a respeitos das prticas musicais nestes

    contextos sociais, a autora salienta que estas perspectivas socioculturais da educao musical

    sugerem que significado, identidade e valores so criados em comunidades, juntamente com

    aqueles que compartilham (ou desejam compartilhar) valores e prticas comuns (RUSSEL,

    2006, p. 15).

    Westerlund (2006) revisa os estudos sobre o aprendizado musical em bandas pops e

    outros grupos musicais. Em seu trabalho, contrape as caractersticas do aprendizado

    tradicional de msica onde o professor o detentor do saber e ensina demonstrando como se

    faz isso certo (p.120) com as comunidades construtoras de conhecimento (p. 122) 2. Neste

    2 knowledge-building communities

    34

  • tipo de comunidade, a participao em questes da vida real se tornam a motivao para o

    aprendizado (WESTERLUND, 2006, p.122, traduo nossa).

    Koopman (2007) utiliza o termo msica comunitria (p. 151) 3 para designar

    prticas de fazer musical colaborativo, onde o foco o desenvolvimento da comunidade e

    tambm o crescimento pessoal. Aqui, como nos trabalhos de Russel (2006) e Westerlund

    (2006), o conceito de comunidade de prtica, mais uma vez utilizado para o entendimento

    da aprendizagem por meio de interaes sociais.

    Embora os termos adotados pelos trs autores sejam diferentes, todos enfatizam a

    existncia de um aprendizado de msica dentro da comunidade na qual estamos inseridos.

    Eles mostram tambm que esta perspectiva constitui um caminho possvel para o estudo dos

    processos de aprendizagem musical que acontecem em contexto social.

    Para que possamos utilizar o conceito de comunidades de prtica para o

    entendimento das relaes entre membros de um grupo e a msica, faz-se necessrio

    compreender elementos importantes nos quais a teoria est apoiada.

    Comunidades de prtica: principais caractersticas

    Pensar sobre aprendizagem em comunidades de prtica requer olhar para este fato

    sob um novo paradigma a partir do qual aprender parte da vida assim como comer ou

    dormir (WENGER, 1998 p. 3). Desta forma, intencionalmente ou no as interaes sociais

    presentes em nosso dia-a-dia fazem com que ensinemos e aprendamos. Contudo, importante

    lembrar que o termo no aplicvel a qualquer tipo de comunidade. De acordo com Wenger

    (2006), para que um grupo seja considerado comunidade de prtica ele deve apresentar trs

    caractersticas cruciais: domnio, comunidade e prtica.

    A primeira caracterstica diz respeito forma como o grupo identificado por ele

    mesmo e por outros. necessrio que ele tenha uma identidade e interesses compartilhados

    por seus membros. Em segundo lugar, necessrio que acontea uma interao entre os

    membros, de forma que estes se envolvam em atividades comuns, se ajudem e compartilhem

    informaes. Por ltimo, uma comunidade de prtica formada por pessoas que efetuem uma

    mesma atividade, e desta forma tenham experincias em comum.

    3 community music

    35

  • Wenger (1998, p. 73) tambm utiliza trs dimenses para associar prtica

    comunidade: compromisso mtuo; empreendimento conjunto e repertrio compartilhado4.

    1. Compromisso mtuo

    Uma comunidade de prtica sustenta relaes de compromisso mtuo sobre o que se

    faz (WENGER, 1998, p. 74). Contudo, importante lembrar que estas relaes no sugerem

    somente um clima harmonioso entre os participantes. Embora os mesmos tenham

    caractersticas em comum, os motivos, perspectivas e objetivos de participarem desta

    atividade podem ser extremamente diversos. Este fator leva a considerar o dualismo

    diversidade versus particularidade existente em uma comunidade de prtica. Ao mesmo

    tempo em que os membros daquela comunidade partilham de caractersticas comuns, e

    realizam uma mesma tarefa ou tm metas compartilhadas, seus dilemas e aspiraes fazem

    com que cada membro tenha um lugar nico e uma nica identidade dentro do grupo.

    2. Empreendimento conjunto

    Uma vez que, como mencionado anteriormente, as aspiraes e objetivos das pessoas

    que pertencem mesma comunidade de prtica no sejam as mesmas, o que permite que

    estes membros se agrupem a constante negociao de significados entre eles. O grupo

    precisa encontrar uma forma de, apesar das diferenas, conviver e cooperar.

    O empreendimento conjunto, desta forma, um elemento mantido e estabelecido por

    todo o grupo, e no determinado por um superior, uma srie de regras ou determinado

    participante. Ao longo da convivncia e interao entre os participantes, os significados, os

    cdigos de conduta, as formas de proceder so estabelecidas, ainda que no conscientemente

    ou estruturadamente.

    Dizer que comunidades de prtica produzem suas prticas no dizer que elas no podem ser influenciadas, manipuladas, enganadas, intimidadas, exploradas, debilitadas, pensadas ou coagidas submisso; nem dizer que elas no podem ser inspiradas, ajudadas, esclarecidas ou poderosas. Mas isto dizer que o poder - benevolente ou malevolente que instituies, prescries ou indivduos tm sobre a prtica da comunidade sempre mediado pela produo da prtica da comunidade. Foras externas no tm

    4 No original em ingls: mutual engagement, joint enterprise e shared repertoire, respectivamente.

    36

  • poder direto sobre esta produo porque, em ltima anlise, a comunidade que negocia o seu empreendimento (WENGER, 1998, p. 80 traduo nossa).

    3. Repertrio compartilhado

    O repertrio a que se refere o autor inclui a rotina, palavras, formas de se fazer,

    histrias, smbolos, gestos, aes e concepo partilhadas pela comunidade (WENGER, 1998,

    p. 83).

    Contudo, este repertrio sofre constante transformao de significados medida que

    novas interaes acontecem na comunidade. Wenger (2000, p. 229) acrescenta que ser

    competente [em uma comunidade de prtica] ter acesso a este repertrio e utiliz-lo

    apropriadamente.

    Coral no contexto das comunidades de prtica

    Ao refletir sobre a aprendizagem de msica no contexto do coral, os conceitos acima

    apresentados bem como os seus desdobramentos mostram-se de considervel utilidade. Em

    primeiro lugar, a atividade coral parece conter os trs requisitos necessrios a uma

    comunidade de prtica. Possui um domnio, uma vez que lhe chamamos coral um grupo de

    pessoas reunidas com o propsito de cantar. Quando estes cantores se unem em prol de um

    objetivo em comum, adquirem uma identidade. Deixam de ser um grupo de pessoas que

    cantam juntas para serem o coral da escola, da comunidade, da igreja, dos funcionrios da

    empresa, dentre outros.

    Esse grupo reunido sob o ttulo coral desempenha atividades em comum. Embora

    possa no ser formado por profissionais que se dedicam exclusivamente a esta prtica, as

    pessoas que se renem para participar de um coral passam a realizar atividades em comum.

    So ensaios, confraternizaes, reunies, encontros de naipe, viagens, apresentaes que

    unem os membros do coro em momentos de atividade em comum.

    A terceira caracterstica a prtica. Esta constitui no coro no somente um atributo

    da comunidade, mas tambm a razo da existncia desta. Seja nos momentos de ensaio, ou

    de apresentaes, a maior parte do tempo que despendemos no coral no para a prtica

    musical?

    Justificadas e relacionadas as caractersticas de uma comunidade de prtica

    realidade do coral, voltamo-nos s trs dimenses que compreendem a atividade de uma

    37

  • comunidade de prtica: compromisso mtuo, empreendimento conjunto e repertrio

    compartilhado.

    O que traz cada membro ao coral? As possibilidades parecem ser as mais diversas

    possveis. Alguns buscam aprender msica ou tcnica vocal, outros vem no coro uma

    possibilidade para o contato com novos lugares ou novos tipos de msica. Existem aqueles

    que vem na atividade uma oportunidade para relaxar, descansar, desestressar. Embora,

    cada corista possa ter um motivo diferente para pertencer ao grupo, este adquire um objetivo

    em comum, traduzido pela performance musical. Mesmo que na mente de cada um dos

    cantores idias completamente diferentes tomem lugar, a unio de suas vozes expressa um

    propsito em comum, a expresso musical atravs do canto.

    O empreendimento conjunto est relacionado a uma constante negociao de

    significados. Esta afirmao nos remete a pensar na relao dos membros antigos do coro

    com os novos. A cada etapa, onde novos cantores tornam-se parte do grupo, vises diferentes

    da atividade e da msica so compartilhadas. Novas idias misturam-se s idias j presentes

    no grupo, dando lugar reconstruo de conceitos, revendo o que importante para o grupo.

    O empreendimento conjunto relaciona-se tambm ao estabelecimento de regras e

    padres de conduta que acontecem no coro, o que nos direciona ao papel do regente na

    comunidade de prtica coral. Conforme citado anteriormente, o grupo soberano no que

    tange s escolhas e ao estabelecimento dos significados. A partir desta viso, o regente seria

    importante, porm no o principal responsvel por determinar o proceder do grupo. Embora

    sua funo de lder possa exercer influncia, as prticas da comunidade tm maior poder sobre

    o comportamento e o proceder do coral. Esta hiptese pode ajudar a explicar porque, apesar

    de um regente s vezes dirigir mais de um coro, cada grupo diferente e nico.

    Por fim, o repertrio compartilhado parece ser a caracterstica mais expressiva na

    comunidade de prtica coral. No somente o repertrio musical do coro propriamente dito,

    como outros tipos de repertrio so compartilhados. Embora alguns regentes no dem muita

    ateno aos aspectos tericos da msica, o conhecimento de termos, signos e expresses

    utilizadas na escrita musical acabam por ser aprendidos pelos membros do coro, ou pelo

    contato com a partitura, nos casos onde esta utilizada, ou pela meno que os prprios

    maestros fazem a acontecimentos musicais. O prprio gestual do maestro e a compreenso

    deste no deixa de ser algo entendido e compartilhado pelo grupo.

    A estes exemplos de repertrio compartilhado, inclumos tambm os eventos

    cotidianos, tais como exerccios de tcnica vocal que se repetem ensaio a ensaio e a dinmica

    de trabalho adotada pelo regente. Aos poucos, estes elementos tornam-se parte da rotina do

    38

  • grupo. Alm dos eventos cotidianos, os eventos extraordinrios tambm so parte do

    repertrio compartilhado. Histrias de viagens, apresentaes, momentos de interao social

    vividos pelo grupo tornam-se parte das conversas entre os membros mais experientes, que

    acabam por transmiti-las aos membros novos.

    Consideraes finais

    Atravs dos exemplos acima mencionados, de situaes que usualmente fazem parte

    da atividade coral, podemos perceber como o conceito de comunidade de prtica pode ser

    utilizado para a compreenso dos processos de aprendizagem na prtica coral. Embora

    tenhamos utilizado aqui somente trs elementos-chave, o conceito de comunidades de prtica

    possui outros aspectos que podem ser de grande auxlio para a compreenso do coral.

    importante salientar que cada coro uma comunidade de prtica nica, que

    apresenta caractersticas prprias, e que estas singularidades podem se relacionar aos tpicos

    apresentados de maneira diferente dos exemplos aqui expressos. Este fato, contudo, poderia

    constituir um incentivo pesquisa e aplicao do conceito a grupos distintos, apresentando

    uma maior riqueza de aspectos levantados.

    Concluindo, gostaramos de ressaltar as possibilidades que este conceito pode

    apresentar para o entendimento da aprendizagem musical em contexto social em pesquisas

    futuras. Compreender como aprendemos msica em diversos contextos pode contribuir para

    uma prtica pedaggica mais consciente e eficaz. Pode tambm sugerir novas possibilidades e

    espaos para a educao musical, em contextos to diversos como cada comunidade.

    39

  • Referncias

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    40

  • A aprendizagem musical via relao mestre-aprendiz na Oficina de Pfano da Universidade de Braslia

    Valria Levay Lehmann da Silva Universidade de Braslia

    [email protected]

    Resumo: Esse trabalho, parte da anlise de dados da minha pesquisa de mestrado em andamento, versa sobre a aprendizagem via relao mestre-aprendiz na Oficina de Pfano da Universidade de Braslia (OP), sendo essa uma das formas de aprendizagem presentes na OP. Atravs da observao participante, do dirio de campo, e de entrevistas semi-estruturadas, so traados apontamentos sobre como os alunos da OP aprendem com Z do Pife (artista brasiliense nascido em So Jos do Egito/PE). Observou-se ainda, transformaes no modo de ensinar de Z do Pife, ao longo das oficinas que ministrou na instituio (de 2007 a 2009), alm das semelhanas e diferenas entre a aprendizagem via relao mestre-aprendiz no contexto de origem e em um projeto/oficina. Sandroni, Barbosa e Vilar (2008), Green (2001, 2008) e Assis (2009) so autores que compem as reflexes aqui apresentadas.

    Palavras-chave: aprendizagem via relao mestre-aprendiz, Oficina de Pfano da UnB, aprendizagem musical na tradio oral.

    Introduo

    Esse trabalho, parte da anlise de dados da minha pesquisa de mestrado, versa sobre

    a aprendizagem via relao mestre-aprendiz na Oficina de Pfano da Universidade de Braslia

    (OP). Atravs da observao participante, do dirio de campo, e de entrevistas semi-

    estruturadas, so traados apontamentos sobre como os alunos da OP aprendem com Z do

    Pife (artista brasiliense nascido em So Jos do Egito/PE). Observou-se ainda, transformaes

    no modo de ensinar de Z do Pife, ao longo das oficinas que ministrou na instituio (de 2007

    a 2009), alm das semelhanas e diferenas entre a aprendizagem no contexto de origem e

    em um projeto/oficina. Sandroni, Barbosa e Vilar (2008), Green (2001, 2008) e Assis (2009)

    so autores que compem as reflexes aqui apresentadas, inclusive ao tratarem da

    aprendizagem via relao mestre-aprendiz em diferentes contextos de tradio oral e/ou em

    projeto/oficina.

    Aprendizagem via relao mestre-aprendiz no contexto de origem e em um projeto/oficina

    Green (2001) explica que o conceito de enculturao musical se refere aquisio de

    habilidades e conhecimento musical atravs da imerso na msica e nas prticas musicais

    dirias de um contexto social (GREEN, 2001, p. 22). Green (2008) prope que a maioria das

    41

  • msicas folclricas e tradicionais do mundo so aprendidas atravs da enculturao e da

    imerso nas prticas do ouvir, ver e imitar a msica e as prticas musicais das comunidades

    ao redor (GREEN, 2008, p. 6). A autora coloca que em alguns ambientes, msicos mais

    velhos podem prover uma direo especfica em uma relao mestre-aprendiz, dando o

    exemplo do jazz, do African drumming e tambm da relao guru-shishya (Ibid.). Esses

    msicos mais velhos, afirma Green, atuam como modelos musicais com quem os aprendizes

    podem conversar, ouvir, ver e imitar (Ibid.).

    Assis (2009) ao tratar da aprendizagem do canto em trs comunidades do norte1,

    props trs modos de aprender-ensinar: imitao; explicaes orais; e demonstraes prticas,

    explicando que cada um desses modos de aprender-ensinar diferencia-se pela presena e

    permanncia de intencionalidade (ASSIS, 2009, p. 80). Ela diz que na imitao o aprendiz

    assimila a prtica do cantar por meio da observao do outro (Ibid.). Para a autora, o outro

    no est preocupado em ensinar, mas est dedicado apenas a praticar o seu prprio ofcio, e

    que no existe qualquer intencionalidade de ensinar da parte de quem, sem querer, ensina

    (Ibid.). Ela fala sobre o papel do mestre no que diz respeito aos modos de ensinar e aprender

    canto popular nessas comunidades citadas, informando que a diferena das explicaes

    orais para as demonstraes prticas e para a imitao, que (na primeira) os mestres

    demonstram intencionalidade ao ensinar e mantm-se permanentemente abertos a essa

    tarefa (Ibid., p. 86). Assis ressalta o desejo de aprender manifestado pelo aluno ao pedir uma

    demonstrao prtica do mestre. Ela diz que a demonstrao prtica

    surge no momento em que o aprendiz manifesta a sua vontade e solicita do outro algum tipo de demonstrao prtica. Aqui, o aprender no s ouvindo e vendo o outro. O outro agente ativo e est aberto a compartilhar o seu saber por meio de demonstraes (Ibid., p. 84).

    Sandroni, Barbosa e Vilar (2008), em seus apontamentos a respeito do projeto

    Musicalizao com Mestres do Serto de Pernambuco, do qual eles prprios estavam frente,

    e, no qual, crianas da comunidade local aprendiam com msicos ligados tradio de

    reisados e bandas de pfanos, consideraram existir uma diferena entre o modo como msicos

    de tradio oral aprenderam o que sabiam e o modo como se propunha que ensinassem dentro

    do projeto (SANDRONI et al. 2008, p. 73). Como explicaram, a diferena consistia no que

    costuma ser descrito como a maior formalizao do ltimo (Ibid.).

    1 A comunidade de Monte Alegre do municpio de So Luiz Gonzaga, a comunidade de Filipa- Itapecuru Mirim (as duas so comunidades em que o tambor de crioula cultivado e passado de gerao a gerao) e o grupo das quebradeiras de coco babau, as Encantadeiras, de So Manoel e Ludovico (ASSIS, 2009).

    42

  • Do ponto de vista pedaggico, o interesse da experincia estava na diferena entre o modo como estes msicos populares aprenderam o que sabiam, e o modo como ns estvamos propondo que eles o transmitissem. Havia uma diferena de base entre os dois modos, consistindo no que costuma ser descrito como a maior formalizao do ltimo. Entendemos aqui por formalizao, num primeiro momento, o simples fato de que o ensino-aprendizagem se daria num quadro de tempo e espao demarcado como educacional. Assim, nossos colaboradores seriam tratados - tomando agora a expresso por outro ngulo - como professores de msica, e no apenas como msicos; deveriam, para fazer jus a este ttulo, comparecer uma ou duas vezes por semana a um local, e durante um perodo de tempo, consagrados especificamente ao ensino de msica, para trabalhar durante duas horas com crianas e jovens que seriam seus alunos (SANDRONI et al. 2008, p. 73).

    A formalizao, para os autores, estaria vinculada ento ao tempo e espao

    destinados ao ensino e aprendizagem musical. Diferentemente, na manifestao cultural, a

    aprendizagem musical ocorre simultaneamente a uma srie de outros aspectos, onde pode ou

    no haver a intencionalidade de ensino, e, entretanto, como foi visto em Assis (2009), a

    aprendizagem pode ocorre mesmo sem tal intencionalidade.

    A Oficina de Pfano da Universidade de Braslia (OP)

    A Oficina de Pfano da UnB (OP) um projeto oferecido e promovido pela Diretoria

    de Esporte, Arte e Cultura do Decanato de Assuntos Comunitrios da Universidade de

    Braslia (DEA/DAC), que vem sendo realizado desde segundo semestre de 2007 na

    instituio. A OP ministrada pelo pernambucano Francisco Gonalo da Silva, mais

    conhecido como Z do Pife, e coordenada por Max Mller, funcionrio do DEA. Como

    consta nos panfletos de divulgao, o projeto Oficina de Pfano consiste de uma iniciativa de

    transmitir adiante a arte de tocar e fabricar pfanos, sendo esses seus principais objetivos.

    De acordo com Max, cerca de duzentos e cinqenta alunos j participaram da OP. Os

    alunos da OP so em sua maioria alunos dos mais variados cursos da prpria UnB, mas

    participam tambm da OP, funcionrios, professores e pessoas externas instituio. Vale

    ainda colocar que no segundo semestre de 2009 foi aberta a turma intermedirio destinada

    alunos que j participaram de OPs anteriores.

    O oficineiro que, como descrito nos folders de divulgao da OP, instrumentista,

    poeta-cantador, fabricante de pfano2 e compositor, aprendeu a tocar o pfano quando criana

    2 Pequena flauta transversal, tradicionalmente feita de um tipo de bambu chamado de taboca ou taquara, mas que atualmente tambm fabricada com tubo de PVC (CAJAZEIRA, 2007, p. 28). Pode ser chamada de pfano, pfaro ou pife (ver estudos de PEDRASSE, 2002; VERSSIMO, 2002, p. 39; PIRES, 2005; CAJAZEIRA, 2001).

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  • em sua cidade natal - So Jos do Egito/PE. Chegou a Braslia em 1992, onde sempre

    costumou vender seus pfanos pela cidade (SILVA, 2009, a, b, c). Em 2007 foi convidado a

    ministrar a OP da UnB, que, at esse momento, teve quatro edies, ocorridas em diferentes

    espaos dentro da universidade: no Ncleo de Dana da UnB (2/2007); no Centro

    Comunitrio da UnB (2/2008); e no Departamento de Msica da UnB (1/2009 e 2/2009).

    Aprendizagem via relao MestreAprendiz na Oficina de Pfano da UnB

    De forma semelhante como ocorria nos estudos citados anteriormente, a

    aprendizagem na OP tambm ocorria atravs da observao e imitao do mestre; atravs dos

    pedidos de demonstraes prticas por parte dos alunos; atravs das explicaes orais de Z

    do Pife; e, inclusive, por meio das perguntas e pedidos de explicaes orais sobre como tocar

    o pfano, provindos dos prprios alunos da OP.

    Nenm, uma aluna da OP fala sobre como aprendia.

    copiando o que o Seu Z faz n (...). Eu acho melhor copiando exatamente a mo dele, do jeitinho que ele faz, e pra mim era o melhor jeito de aprender, era ficar atrs dele, copiando todos os movimentos do dedo, era assim que eu conseguia aprender (...). A eu saa pra onde era menos barulhento, pra repetir aquilo que eu tinha acabado de aprender, e memorizar, ouvir o que eu tava tocando. Porque l dentro era mais difcil ouvir, porque tinha muito barulho. Era mais pra ouvir o que eu tava tocando mesmo, assim, no silncio e tentar absorver aquilo ali. (Nenm)

    Pode-se notar em seu depoimento como a imitao ocorria a partir da observao de

    Z do Pife, onde o ver o e ouvir atuavam como prticas complementares, sendo a imitao

    que Nenm fazia do mestre, tanto gestual quanto auditiva. Bruno, outro aluno da OP, enfatiza

    o ouvir, e o aprender com um mestre de tradio oral.

    O legal que desenvolve sua capacidade mesmo de audio, porque ele te d o comeo assim, e no d pra voc pegar direitinho tecla por tecla ou cada buraquinho que voc vai enfiar o dedo ali, ento voc mesmo pega o tom e tem que ir atrs. uma coisa que assim, bom porque desenvolve a audio, mas pra quem tem essa dificuldade s vezes pode ser um pouco complicado, quem no tem uma audio boa mesmo. Mas o que eu gosto mesmo dessa tradio oral, exatamente isso que possibilita o aluno de se desenvolver melhor. (Bruno)

    Bruno explica que Z do Pife d o comeo e voc tem que ir atrs para

    aprender a msica. Seu depoimento referia ainda uma prtica bastante presente na OP: o

    tirar de ouvido uma msica. O aluno avalia que essa prtica possa ser um fator que

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  • incentiva, que desenvolve a capacidade de audio, mas que, ao mesmo tempo, realiz-la

    possa ser complicado para alguns alunos.

    Com relao questo das perguntas e solicitaes de explicaes orais dos alunos

    direcionadas Z do Pife, digo, a partir de minha observao participante, que muitos alunos

    faziam para Z do Pife perguntas do tipo: Como toca?; Como faz pra sair o som

    agudo/grave?. E at mesmo: Qual a sua didtica/metodologia?. De forma geral, Z do

    Pife respondia essas perguntas pedindo para o aluno ouvi-lo tocar e tentar tocar tambm.

    Sobre isso, emerge no depoimento da aluna Andria, no momento em que estava falando

    sobre sua aprendizagem na OP, uma reflexo. Ela diz: no incio eu perguntava mais, a

    depois eu fui observando mais o pessoal fazendo, a fui pegando tambm, vendo como

    fazia.... Em sua fala, Andria indica pare