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1 PARTE GERAL II Prof. Cristiano Colombo I. LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO 1.1. Aspectos Gerais A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), Decreto-Lei n° 4.657, de 4 de setembro de 1942, é conhecida como Lex Legum, por ser a “Lei das Leis”, reunindo em seu texto normas sobre as normas. A LINDB está em plena vigência no Direito Pátrio, não tendo sido revogada pelo Código Civil Brasileiro (Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002). Há que se ressaltar que a LINDB não é parte componente do Código Civil. Sua aplicação não se restringe tão somente ao Direito Civil, voltando-se aos mais variados ramos do Ordenamento Jurídico Brasileiro, como o próprio Direito Civil, o Direito Internacional Público e o Direito Internacional Privado, o Direito Penal, o Direito Empresarial, entre outros. A Lei de Introdução dispõe acerca da vigência das normas no tempo, uma vez que estabelece os prazos para que uma norma jurídica tenha seus efeitos (Direito Intertemporal), bem como resolve o conflito de normas no espaço (Direito Interespacial), pois indica qual a norma a ser seguida quando se trata de relações jurídicas havidas com pessoas estrangeiras ou realizadas fora do território brasileiro. A LINDB traz critérios de interpretação das normas, ou seja, trata de Hermenêutica Jurídica – que é a Ciência da Interpretação; e, ainda, critérios de Integração, nos casos em que não há norma jurídica. A LINDB autoriza ao juiz que julgue valendo-se da analogia, do costume e dos princípios gerais de Direito, na hipótese de omissão na lei (lacunas do Direito). 1.2. Da Vigência da Lei Em tendo sido cumpridos todos os trâmites legislativos (votação da lei, sua promulgação e sua publicação no Diário Oficial), há que se questionar, a partir de quando a norma passa a ter qualidade impositiva 1 , ou seja, produzir seus efeitos? Em regra, para que os cidadãos não sejam surpreendidos pela nova lei, faz-se necessário que transcorra lapso temporal razoável entre o dia da publicação no Diário Oficial e o momento em que a lei produza seus efeitos, para que todos tenham amplo conhecimento do conteúdo da norma e passem a observá-la. 1.2.1. Do Período de Vacatio de 45 dias para a Lei Vigorar no Brasil A LINDB trata desta matéria em seu artigo 1º, a saber: Art. 1 o Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.” Portanto, não havendo disposição contrária, a lei começa a vigorar, ou seja, a produzir seus efeitos, de forma simultânea (princípio do prazo simultâneo), em todo o território brasileiro, após quarenta e cinco dias contados de sua publicação no Diário Oficial. É também conhecido como sistema da obrigatoriedade simultânea. 1 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, v. 1, p. 115.

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PARTE GERAL II

Prof. Cristiano Colombo

I. LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO

1.1. Aspectos Gerais

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), Decreto-Lei n° 4.657, de 4 de setembro de 1942, é conhecida como Lex Legum, por ser a “Lei das Leis”, reunindo em seu texto normas sobre as normas.

A LINDB está em plena vigência no Direito Pátrio, não tendo sido revogada pelo Código Civil Brasileiro (Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002). Há que se ressaltar que a LINDB não é parte componente do Código Civil. Sua aplicação não se restringe tão somente ao Direito Civil, voltando-se aos mais variados ramos do Ordenamento Jurídico Brasileiro, como o próprio Direito Civil, o Direito Internacional Público e o Direito Internacional Privado, o Direito Penal, o Direito Empresarial, entre outros.

A Lei de Introdução dispõe acerca da vigência das normas no tempo, uma vez que estabelece os prazos para que uma norma jurídica tenha seus efeitos (Direito Intertemporal), bem como resolve o conflito de normas no espaço (Direito Interespacial), pois indica qual a norma a ser seguida quando se trata de relações jurídicas havidas com pessoas estrangeiras ou realizadas fora do território brasileiro.

A LINDB traz critérios de interpretação das normas, ou seja, trata de Hermenêutica Jurídica – que é a Ciência da Interpretação; e, ainda, critérios de Integração, nos casos em que não há norma jurídica. A LINDB autoriza ao juiz que julgue valendo-se da analogia, do costume e dos princípios gerais de Direito, na hipótese de omissão na lei (lacunas do Direito).

1.2. Da Vigência da Lei

Em tendo sido cumpridos todos os trâmites legislativos (votação da lei, sua promulgação e sua publicação no Diário Oficial), há que se questionar, a partir de quando a norma passa a ter qualidade impositiva1, ou seja, produzir seus efeitos? Em regra, para que os cidadãos não sejam surpreendidos pela nova lei, faz-se necessário que transcorra lapso temporal razoável entre o dia da publicação no Diário Oficial e o momento em que a lei produza seus efeitos, para que todos tenham amplo conhecimento do conteúdo da norma e passem a observá-la.

1.2.1. Do Período de Vacatio de 45 dias para a Lei Vigorar no Brasil

A LINDB trata desta matéria em seu artigo 1º, a saber: “Art. 1o Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.”

Portanto, não havendo disposição contrária, a lei começa a vigorar, ou seja, a produzir seus efeitos, de forma simultânea (princípio do prazo simultâneo), em todo o território brasileiro, após quarenta e cinco dias contados de sua publicação no Diário Oficial. É também conhecido como sistema da obrigatoriedade simultânea.

1 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, v. 1, p. 115.

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O prazo poderá ser maior ou menor, neste caso, dependendo de disposição expressa no texto da lei, como por exemplo: “esta lei entra em vigor após decorridos quinze dias de sua publicação oficial.”

É o que se depreende da disposição havida no artigo 8°, § 2º, da Lei Complementar n° 95, de 26 de fevereiro de 1998, a saber:

“§ 2o As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ‘esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial’.”

Logo, “vacatio legis” ou “vacância da lei”, trata-se do período de tempo havido entre a publicação oficial e o momento em que a lei passa a produzir os seus efeitos.

Haverá casos em que a lei, dispondo de forma contrária, determinará que a lei passe a produzir efeitos “no momento de sua publicação”, conforme dispõe o caput do artigo 8º da LC 95/98, a saber:

“Art. 8o A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula ‘entra em vigor na data de sua publicação’ para as leis de pequena repercussão.”

Neste caso, em havendo a expressão “entra em vigor na data de sua publicação”, não há “vacatio legis”, não havendo, portanto, período de vacância da lei.

1.2.2. Do Período de Vacatio de Três Meses para a Obrigatoriedade da Lei Brasileira nos Estados Estrangeiros

Na hipótese em que, nos Estados estrangeiros, é admitida a obrigatoriedade da lei brasileira, pelo princípio da extraterritorialidade, o período de vacância da lei, ou seja, a vacatio legis, é de três meses, a teor do artigo 1º, § 1º, da LINDB:

“§1o Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada.”

Aplica-se, neste caso, o período de vacância de três meses, pois, em que pese o pleno acesso à informação daqueles que residam no exterior, principalmente, em face da publicação eletrônica das leis, cumpre destacar que a LINDB buscou, desde o início, preservar o cidadão que não está no Brasil e, portanto, presumidamente, está afastado do contexto nacional, fazendo-se necessário período maior de vacância para assimilar as alterações legislativas.

Como observação importante, há que se salientar que o período de vacância é de três meses, não devendo ser computado em dias.

1.2.3. Das Incorreções da Lei

Em sendo publicada a lei no Diário Oficial, o texto legal passa a ser de conhecimento de todos os cidadãos brasileiros. Ocorre que, em alguns casos, a lei contém imperfeições, necessitando de correções. Nestas hipóteses há que ser observado:

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A uma, se a correção é feita dentro do período de vacatio legis, ou seja, dentro dos quarenta e cinco dias, ainda não tendo a lei produzido seus efeitos, começa-se a contar do zero o período de vacância da nova publicação, de todo o texto legal, não somente dos artigos que estão incorretos, nos termos do artigo 1º, § 3º, da LINDB:

“§ 3o Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.”

A duas, se a correção for feita após ter transcorrido o período de vacância da lei, portanto, estando a primeira lei em pleno vigor, a nova lei, que veio para corrigir – ora denominada de lei corretiva – terá de aguardar o seu próprio período de vacância, enquanto, neste período, as incorreções da primeira lei continuarão a vigorar. Assim, publicada a lei nova, os atos praticados durante a vacatio legis, conforme a lei antiga, terão validade, ainda que voltados a evitar os efeitos da lei nova. Quando cumprido o período de vacância da lei corretiva, cessa a vigência dos artigos incorretos da primeira lei, e a segunda lei corretiva tem plenos efeitos. É o que o artigo 1º, § 4º, da LINDB dispõe:

“§ 4o As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.”

Não há como ser corrigida a lei mediante mera interpretação judicial analógica; faz-se necessário a produção de lei corretiva.

1.2.4. Do Princípio da Continuidade das Leis

Segundo o artigo 2º da LINDB, caput:

“Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.”

Importa destacar que lei com vigência temporária é aquela norma que vem atender situação temporária, fixando prazo determinado de vigência. A doutrina aponta como exemplo a Lei nº 7.538, de 24.09.1986, que suspendeu as execuções de despejo até 1º de março de 1987, em face de grave crise econômica havida, na época.2 Logo, a própria lei, ao nascer, já refere o seu período de vigência.

Contudo, no tocante à maioria das leis, a doutrina identificou o “princípio da continuidade das leis”, ou seja, segundo Caio Mário da Silva Pereira: “Nos regimes jurídicos em que a teoria geral das fontes de direito assenta na supremacia da lei escrita, deve ter e tem efetivamente esta um começo certo e um fim precisamente caracterizado; nasce, vive e morre, somente cessando sua obrigatoriedade em razão de um fato que o legislador reconhece como hábil a este resultado, que é a revogação. Enquanto esta não ocorrer, a lei permanece em vigor, mesmo que decorra largo tempo sem que seja invocada e aplicada.”3

2 RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil: Lei n º 10.406, de 10.01.2002. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 75. 3 PEREIRA, 2007, p. 124.

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1.2.5. Espécies de Revogação

1.2.5.1. Quanto à Extensão: Ab-rogação e Derrogação

A Revogação, quanto à extensão, pode ser total ou parcial, dividindo-se em:

Ab-rogação (Revogação Total): A revogação atinge todo o texto da lei; a revogação é total, todos os dispositivos são atingidos.

Derrogação (Revogação Parcial): Parte da lei é revogada, apenas determinados dispositivos de lei são revogados, persistindo os demais comandos da lei.

1.2.5.2. Quanto à Forma: Revogação Expressa ou Tácita

Nos termos do artigo 2º, § 1º, da LINDB, assim refere:

“Artigo 2º, § 1o, da LINDB: A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,

quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei

anterior.”

Logo, verificam-se duas espécies de revogação:

Revogação Expressa: A lei nova, por declaração expressa, revoga a lei velha, declarando que todo o texto de lei está revogado, ou, ainda, enumerando dispositivos de uma determinada lei, revogando aqueles que estão revogados, declinando o número do artigo e da lei.

Revogação Tácita: É quando há incompatibilidade da lei nova com a lei velha, em que pese não haja expressa referência de revogação aos dispositivos anteriores. Segundo Caio Mário da Silva Pereira: “(...) quando a lei nova passa a regular inteiramente a matéria versada na lei anterior, todas as disposições desta deixam de existir, vindo a lei revogadora substituir inteiramente a antiga. (...) Incompatibilidade poderá surgir também no caso de disciplinar a lei nova, não toda, mas parte apenas da matéria, antes regulada por outra, apresentado o aspecto de uma contradição parcial. A lei nova, entre seus dispositivos, contém um ou mais, estatuindo diferentemente daquilo que era objeto da lei anterior.”4

A diferença entre revogação expressa e tácita é trazida pelo célebre jurista Carlos Maximiliano, em sua obra Hermenêutica e Aplicação do Direito: “A revogação é expressa, quando declarada na lei nova; tácita, quando resulta da incompatibilidade entre texto anterior e posterior. (...) Dá-se a revogação expressa em declarando a norma especificadamente quais as prescrições que inutiliza; e não pelo simples fato de se achar no último artigo a frase tradicional – revogam-se as disposições em contrário: uso inútil; superfetação, desperdício de palavras, desnecessário acréscimo!”5

1.2.6. Da Convivência da Lei Nova com a Lei Anterior

4 PEREIRA, 2007, p. 128-129. 5 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 292.

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Como analisado no ponto anterior, a lei nova por si só não revoga a lei anterior, podendo os diplomas legais conviverem harmonicamente, quando não há incompatibilidade ou, ainda, quando a nova lei não regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

É o caso da lei nova que estabelece disposições gerais ou especiais, nos termos do artigo 2º, “§ 2º, da LINDB:

“Artigo 2º, § 2o, da LINDB: A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já

existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.”

O Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial sob o n. 977980/PR, assim decidiu no tocante à relação da Lei de Execução Fiscal com a Lei de Liquidação Extrajudicial de Instituição Financeira:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE INSTITUIÇÃO

FINANCEIRA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. SUSPENSÃO DO PROCESSO

EXECUTIVO. ART. 18, “A”, DA LEI 6.024/74. INAPLICABILIDADE. ESPECIALI-DADE NA

NORMA CONTIDA NO ART. 29 DA LEF. JURISPRU-DÊNCIA PACÍFICA DA 1ª SEÇÃO DO STJ.

1. A Lei de Execução Fiscal é lex specialis em relação à Lei de Liquidação Extrajudicial das

Instituições Financeiras, aplicando-se ao tema a regra do § 2º do art. 2º da LICC, verbis: “A lei

nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga

nem modifica a lei anterior.”

2. A Lei de Execução Fiscal (6.830/90) é lei especial em relação à Lei de Liquidação

Extrajudicial das Instituições Financeiras (6.024/74), por isso que não há suspensão do

executivo fiscal em razão de liquidação legal dos bancos, nos termos do art. 18, a, desta lei

in foco, por força da prevalência do art. 29 da lei fiscal (lex specialis derogat generali).

Precedente: EREsp 757.576/PR, julgado em 26.11.08, DJ 09.12.08, da 1ª Seção desta C. Corte:

“EXECUÇÃO FISCAL – DEVEDORA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EM LIQUIDAÇÃO –

SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO – IMPOSSIBILIDADE. 1. É entendimento assente nesta Corte que

a Lei de Execução Fiscal constitui norma especial em relação à Lei n. 6.024/74, de maneira que a

execução fiscal não tem seu curso suspenso em razão de liquidação processual, ou seja, o art. 18,

a, da Lei n. 6.024/74 não tem aplicabilidade quando se está diante de executivo fiscal. 2. Deve

prevalecer o comando do artigo 29 da Lei de Execuções Fiscais no sentido da não

suspensão da execução fiscal contra instituição financeira em razão de procedimento de

liquidação extrajudicial. Embargos de divergência improvidos.”

3. A jurisprudência da Corte perfilha referido entendimento consoante se verifica dos seguintes

julgados: Ag 1.101.675-PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJ 27.05.2009; REsp 798.953–BA, Rel. Min.

DENISE ARRUDA, DJ 14.03.2008; REsp 903.401/PR, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 25.2.2008;

REsp 902771/RS, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ 18.9.2007; REsp 698951/BA, Rel. Min. ELIANA

CALMON, DJ 7.11.2005. 4. Recurso especial desprovido. (Grifou-se)

1.2.7. Da Repristinação no Direito Brasileiro

O instituto da “Repristinação” dá-se quando a lei revogada se restaura em face da lei revogadora ter perdido a vigência.

No Direito brasileiro, tem-se que:

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“Artigo 2º, § 3o, da LINDB: Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a

lei revogadora perdido a vigência.”

Logo, em regra, a repristinação não se aplica no Direito brasileiro. Assim, em havendo uma “LEI A”, e, sendo esta revogada pela “LEI B”, caso a “LEI B” (revogadora) venha a ser revogada, não retornam automaticamente os efeitos da “LEI A”, no Direito brasileiro.

No entanto, é incorreto afirmar que a repristinação jamais é admitida no ordenamento jurídico pátrio, pois, como refere o texto de lei: “salvo disposição em contrário”.

Importa colacionar decisão do Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial sob o n. 1120193 / PE, que trata acerca da questão:

PROCESSO CIVIL - TRIBUTÁRIO - CONSELHOS DE PROFISSÕES - ANUIDADE -

FUNDAMENTO NORMATIVO - LEI 6.994/82 - REVOGAÇÃO PELAS LEIS 8.906/94 E 9.649/98 -

AUSÊNCIA DE REPRISTINAÇÃO - ACÓRDÃO - CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – NÃO

OCORRÊNCIA.

1. Acórdão que explicita exaustivamente as razões de decidir não pode ser acoimado de carente

de fundamentos.

2. A Lei 6.994/82 foi expressamente revogada pelas Leis 8.906/94 e 9.649/98. Precedentes do

STJ.

3. Salvo disposição de lei em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei

revogadora perdido vigência.

4. Recurso especial não provido. (Grifou-se)

1.3. Da Alegação de Desconhecimento da Lei para Não Cumprimento

Nos termos do que dispõe o artigo 3º da LINDB: “Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.”

Se contrário fosse, ter-se-ia que analisar a mente de cada pessoa, buscando investigar o que cada um saberia acerca do Direito, tornando-se impraticável aplicar a lei a todos, dada a impossibilidade de notificar cada destinatário da norma individualmente. O Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial sob n. 404628/DF, assim decidiu, referindo importantes posicionamentos doutrinários:

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. LEI Nº 7.446/85. TRANSCURSO DO PRAZO PARA

REQUERER A RECLAS-SIFICAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO.

1. "A primeira composição das categorias funcionais do Grupo-Arquivo será efetivada mediante

reclassificação dos atuais ocupantes de cargos ou empregos permanentes da atual sistemática do

Plano de Classificação de Cargos com atividades que se identifiquem com as categorias funcionais

a que se refere este artigo (...)" (artigo 2º, caput, da Lei n. 7.446/85).

2. "Os servidores de que trata este artigo deverão manifestar, por escrito, no prazo de 60

(sessenta) dias contados da data da vigência desta lei, o desejo de serem reclassificados nas

novas categorias, sem alteração do respectivo regime jurídico." (artigo 2º, parágrafo único, da Lei

n. 7.446/85).

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3. "Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece." (artigo 3º da Lei de

Introdução ao Código Civil).

4. "A norma nasce com a promulgação, que consiste no ato com o qual se atesta a sua

existência, ordenando seu cumprimento, mas só começa a vigorar com sua publicação no

Diário Oficial. De forma que, em regra, a promulgação constituirá o marco de seu existir e a

publicação fixará o momento em que se reputará conhecida, visto ser impossível notificar

individualmente cada destinatário, surgindo, então, sua obrigatoriedade, visto que ninguém

poderá furtar-se a sua observância, alegando que não a conhece. É obrigatória para todos,

mesmo para os que a ignoram, porque assim o exige o interesse público." (in Maria Helena

Diniz, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, Editora Saraiva, 6ª edição, 2000,

São Paulo, página 84).

5. O dispositivo da Lei de Introdução ao Código Civil não comporta exceção, valendo

destacar, outrossim, que a lei, embora de caráter geral e abstrato, não exige, para que assim

seja qualificada, repercussão na esfera jurídica de toda coletividade, bastando, para tanto,

que vigore para todos os casos da mesma espécie.

6. "Toda a norma é um imperativo - ordena e proíbe. Ora um imperativo só tem sentido na boca

daquele que tem o poder de impor a sua vontade à vontade de outrem, e de traçar-lhe a sua linha

de conduta. O imperativo supõe uma dupla vontade; (...) O imperativo pode traçar um modo de

proceder em um caso determinado ou prescrever um tipo de ação para todos os casos de uma

mesma espécie. É o que nos faz distinguir os imperativos concretos e abstratos. Estes são

idênticos à norma. A norma é, pois, o imperativo abstrato das ações humanas." (in Rudolf von

Jhering, A Evolução do Direito - Zweck im Recht, Livraria Progresso Editora, 2ª Edição, 1956,

Salvador, páginas 263/264).

7. Não procede a justificativa do servidor em eximir-se do cumprimento do prazo legal sob a

alegação de que o desconhecia, nem há necessidade de se o divulgar no âmbito

administrativo.

8. Recurso não conhecido. (Grifou-se)

1.4. Da Integração

Quando o aplicador não encontra normas para solução de um caso concreto, diz-se haver lacunas jurídicas. Conforme leciona Francisco Amaral: “A lacuna é a ausência de norma jurídica ao caso concreto.”6

Neste caso, em havendo lacunas jurídicas, opera-se a Integração, nos termos do artigo 4º da LINDB: “Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”

Na integração, não se aplicarão métodos interpretativos, uma vez que não há lei, devendo as lacunas serem preenchidas com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

6 AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p 90.

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1.4.1. Da Analogia

A Analogia “trata-se de um processo de raciocínio lógico pelo qual o juiz estende um preceito legal a casos não diretamente compreendidos na descrição legal” 7. Ainda: “Na analogia legal, o aplicador busca uma norma que se aplique a casos semelhantes. (...) Não logrando o intérprete um texto semelhante para aplicar ao caso sob exame, ou então sendo os textos semelhantes insuficientes, recorre a um raciocínio mais profundo e complexo. Tenta extrair do pensamento dominante em um conjunto de normas uma conclusão particular para o caso em exame. Essa é a chamada analogia jurídica”8 (Grifou-se). A título exemplificativo, colaciona-se o Recurso Especial sob o n. 1026981/RJ, que trata de analogia, a saber:

Direito Civil. Previdência privada. Benefícios. complementação. Pensão post mortem. União entre

pessoas do mesmo sexo. Princípios fundamentais. Emprego de analogia para suprir lacuna

legislativa. Necessidade de demonstração inequívoca da presença dos elementos essenciais à

caracterização da união estável, com a evidente exceção da diversidade de sexos. Igualdade de

condições entre beneficiários. - Despida de normatividade, a união afetiva constituída entre

pessoas de mesmo sexo tem batido às portas do Poder Judiciário ante a necessidade de

tutela, circunstância que não pode ser ignorada, seja pelo legislador, seja pelo julgador, que

devem estar preparados para atender às demandas surgidas de uma sociedade com

estruturas de convívio cada vez mais complexas, a fim de albergar, na esfera de entidade

familiar, os mais diversos arranjos vivenciais. - Comprovada a existência de união afetiva entre

pessoas do mesmo sexo, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente de receber

benefícios previdenciários decorrentes do plano de previdência privada no qual o falecido era

participante, com os idênticos efeitos operados pela união estável. - Se por força do art. 16 da Lei

nº 8.213/91, a necessária dependência econômica para a concessão da pensão por morte

entre companheiros de união estável é presumida, também o é no caso de companheiros do

mesmo sexo, diante do emprego da analogia que se estabeleceu entre essas duas entidades

familiares. (...) - Mediante ponderada intervenção do Juiz, munido das balizas da integração da

norma lacunosa por meio da analogia, considerando-se a previdência privada em sua acepção de

coadjuvante da previdência geral e seguindo os princípios que dão forma à Direito Previdenciário

como um todo, dentre os quais se destaca o da solidariedade, são considerados beneficiários os

companheiros de mesmo sexo de participantes dos planos de previdência, sem preconceitos ou

restrições de qualquer ordem, notadamente aquelas amparadas em ausência de disposição legal. -

Registre-se, por fim, que o alcance deste voto abrange unicamente os planos de previdência

privada complementar, a cuja competência estão adstritas as Turmas que compõem a Segunda

Seção do STJ. Recurso especial provido. (Grifou-se)

1.4.2. Dos Costumes e sua Classificação

Os costumes são as práticas reiteradas de condutas, que se tornam obrigatórias. Segundo Caio Mário da Silva Pereira, no tocante ao costume9: “Sua análise acusa dois elementos constitutivos, um externo e outro interno. O primeiro, externo, é a constância da repetição dos mesmos atos, a observância de um mesmo comportamento, capaz de gerar convicção de que daí nasce uma norma jurídica. (...) O segundo, interno, é a convicção de que

7 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil.. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010, v. 1, p. 22. 8 VENOSA, 2010, v. 1, p. 23. 9 PEREIRA, 2007, v. 1, p. 69.

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a observância da prática costumeira corresponde a uma necessidade jurídica, opinio necessitatis.”

Sílvio de Salvo Venosa classifica os costumes em: secundum legem, praeter legem e contra legem: “O costume secundum legem já foi erigido em lei e, portanto, perdeu a característica de costume propriamente dito. O costume praeter legem é exatamente aquele referido no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, ou seja, que serve para preencher lacunas, é um dos recursos de que se serve o juiz para sentenciar quando a lei for omissa. O costume contra legem é o que se opõe ao dispositivo de uma lei, denominando-se costume ab-rogatório; quando torna uma lei não utilizada, denomina-se desuso.”10

1.4.3. Dos Princípios Gerais de Direito

Segundo Arnaldo Rizzardo, os princípios gerais de direito “correspondem à cultura jurídica, aos elementos de direito extraídos historicamente do pensamento filosóficos, das pesquisas científicas, e compreendem também as máximas supremas de valores como a verdade, a liberdade, a igualdade, a justiça, a democracia.”11 Por seu turno, Francisco Amaral refere: “Os princípios gerais de direito constituem-se em recurso último para o caso de o ordenamento jurídico ser incompleto, lacunoso, não dispondo da norma jurídica aplicável ao caso material surgido.”12

O Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial sob o n. 472533/MS, aplicou os princípios gerais de direito, com base no princípio do não enriquecimento sem causa, a saber:

CONTRATO DE INCORPORAÇÃO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. ADJUDICAÇÃO DO IMÓVEL DO

ADQUIRENTE PELO CONDOMÍNIO. SALDO DEVEDOR. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.

IMPOSSIBILIDADE. RESTITUIÇÃO AO CONDÔMINO INADIMPLENTE DAS PARCELAS

EFETIVAMENTE PAGAS. INCIDÊNCIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. LEI 4.591/64.

1. Afronta os princípios gerais de direito e a justiça contratual almejada pelo Código de

Defesa do Consumidor a não restituição, ao condômino inadimplente, das parcelas

efetivamente saldadas para a construção de empreendimento mediante contrato de

incorporação.

2. Cabível a restituição das parcelas adimplidas devidamente corrigidas, autorizada a retenção,

pelo condomínio, de 15% do valor referente à comissão e multa remuneratória, a que se refere o §

4º do artigo 63 da Lei 4.951/64.

3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (Grifou-se)

1.5. Dos Fins Sociais e as Exigências do Bem Comum

Nos termos do artigo 5º da LINDB, tem-se que: “Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”

10 VENOSA, 2010, v. 1, p. 17. 11 RIZZARDO, 2007, p. 66. 12 AMARAL, 2003, p 94.

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Zeno Veloso, de forma bastante objetiva, leciona que: “O art. 5º da LICC indica um caminho, um rumo para o juiz: ele deve atender os fins sociais a que a lei se dirige, às exigências do bem comum. A interpretação, portanto, deve ser axiológica, progressista, na busca daqueles valores para que a prestação jurisdicional seja democrática e justa, adaptando-se às contingências e mutações sociais.”13

Assim, além da LINDB voltar-se à integração, de igual forma estabelece critérios de interpretação. Convém salientar a diferença entre normas integrativas e normas interpretativas: “As normas interpretativas estabelecem os critérios a seguir na pesquisa do sentido da norma (CC, art. 112) ou fixa-lhe previamente o sentido. Normas integrativas são as que compõem com outras normas, preenchendo lacunas.”14

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial sob o n. 251024/SP, assim aplicou o artigo 5º da LINDB:

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. LIMITAÇÃO TEMPORAL DE

INTERNAÇÃO. CLÁUSULA ABUSIVA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, ART.51-IV.

UNIFORMIZAÇÃO INTERPRETATIVA. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. RECURSO

CONHECIDO E PROVIDO.

I - É abusiva, nos termos da lei (CDC, art. 51-IV), a cláusula prevista em contrato de seguro-saúde

que limita o tempo de internação do segurado.

II – Tem-se por abusiva a cláusula, no caso, notadamente em face da impossibilidade de

previsão do tempo da cura, da irrazoabilidade da suspensão do tratamento indispensável,

da vedação de restringir-se em contrato direitos fundamentais e da regra de sobredireito,

contida no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo a qual, na aplicação da lei,

o juiz deve atender aos fins sociais a que ela se dirige a às exigências do bem comum.

III – Desde que a tese jurídica tenha sido apreciada e decidida, a circunstância de não ter constado

do acórdão impugnado referência ao dispositivo legal não é obstáculo ao conhecimento do recurso

especial.” (Grifou-se)

Sendo assim, quando o magistrado, na aplicação da lei, busca atender aos fins e às exigências do bem comum, está-se tratando de normas interpretativas, não de normas integrativas, pois há lei para o caso concreto.

1.6. Do Ato Jurídico Perfeito, Direito Adquirido e da Coisa Julgada

Importa salientar que a Lei de Introdução trata de Direito Intertemporal – a aplicação do Direito no tempo, visando garantir a certeza, segurança e estabilidade, preservando as situações consolidadas.

É o que se depreende do próprio artigo 6º da LINDB, que conceitua o Ato Jurídico Perfeito, o Direito Adquirido e a Coisa Julgada:

“Art. 6º. A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito

adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei n. 3.238, de 1º.8.1957)

13 VELOSO, Zeno. Comentários à Lei de Introdução ao Código Civil. 2. ed. Belém: Umuama, 2006, p. 126. 14 AMARAL, 2003, p 74.

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§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se

efetuou. (Parágrafo incluído pela Lei n. 3.238, de 1º.8.1957)

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa

exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-

estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. (Parágrafo incluído pela Lei n. 3.238, de 1º.8.1957)

§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.

(Parágrafo incluído pela Lei n. 3.238, de 1º.8.1957)”

Caio Mário da Silva Pereira referiu: “O primeiro aspecto se apresenta como o ato jurídico perfeito, que é o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que efetuou. É ato plenamente constituído, cujos requisitos se cumpriram na pendência da lei sob cujo império se realizou, e que fica cavaleiro da lei nova.”15

É o que o Supremo Tribunal Federal decidiu em Agravo de Instrumento sob o n. 700254 ED-AgR / SP:

EMENTA: CIVIL. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. CADERNETA DE POUPANÇA. CORREÇÃO

MONETÁRIA. CONTRATOS FIRMADOS ANTES DA VIGÊNCIA DA MP 32/89. ATO JURÍDICO

PERFEITO. AGRAVO IMPROVIDO. I - Os critérios de atualização dos depósitos de caderneta de

poupança introduzidos pela Medida Provisória 32/89 são inaplicáveis aos contratos firmados antes

de sua vigência, sob pena de violação ao ato jurídico perfeito. Precedentes. II - Agravo regimental

improvido. (Grifou-se)

No tocante ao direito adquirido, referiu o insigne jurista: “São os direitos definitivamente incorporados ao patrimônio do seu titular, sejam os já realizados, sejam os que simplesmente dependem de um prazo para o exercício, sejam ainda os subordinados a uma condição inalterável ao arbítrio de outrem. A lei nova não pode atingi-los, sem retroatividade.”16

O Superior Tribunal de Justiça em Agravo de Instrumento sob n. 1284990/SP, assim decidiu acerca do direito adquirido:

AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO DE COBRANÇA - CORREÇÃO MONETÁRIA - CADERNETA DE

POUPANÇA - PRAZO PRESCRICIONAL VINTENÁRIO - PLANO VERÃO DIREITO ADQUIRIDO

AO IPC - RECONHECIMENTO - ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM O

ENTENDIMENTO DESTA CORTE - MULTA APLICADA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - REEXAME

DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO - IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS -

INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DESTA CORTE - RECURSO IMPROVIDO. (Grifou-se)

A coisa julgada, por sua vez, é a decisão judicial que já não caiba mais recurso. É o que leciona Sílvio de Salvo Venosa: “O art. 468 do Código de Processo Civil dispõe que a sentença de mérito que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas. Assim, à decisão judicial que não mais se sujeita a recurso denomina-se coisa julgada material. A imutabilidade da sentença é importante instrumento de

15 PEREIRA, 2007, v. 1, p. 159. 16 Ibid., p. 159.

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credibilidade do Estado em prol da segurança e da paz social.”17 O Superior Tribunal de Justiça manifestou-se acerca da matéria em Recurso Especial sob o n. 940309 / MT:

PROCESSUAL CIVIL. 1) EXECUÇAO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA COMINATÓRIA

DIÁRIA IMPOSTA NO DESPACHO INICIAL. VALIDADE. 2) "ASTREINTE", CONSISTENTE EM

ELEVADA MULTA, FIXADA LIMINARMENTE PARA A OUTORGA DE ESCRITURA. VALIDADE.

3) ALEGAÇÃO DE INSUBSISTÊNCIA DA MULTA, EM VIRTUDE DA SUSPENSÃO DO

PROCESSO DE EXECUÇÃO, AFASTADA; 4) EMBARGOS DO DEVEDOR REJEITADOS DIANTE

DE ANTERIOR JULGAMENTO; 5) VALOR DA MULTA COMINATÓRIA COM NATUREZA DE

“ASTREINTE”, TÍMIDA MODALIDADE BRASILEIRA DO "CONTEMPT OF COURT", DERIVA DE

SANÇÃO PROCESSUAL, QUE NÃO SOFRE A LIMITAÇÃO DA NORMA DE DIREITO CIVIL

PELA QUAL O VALOR DA MULTA NÃO PODE ULTRAPASSAR O DO PRINCIPAL. RECURSO

ESPECIAL IMPROVIDO. 1.- Na Execução de Obrigação de Fazer é admissível a fixação liminar de

multa cominatória diária, para o caso de não cumprimento imediato da obrigação, indo o risco do

não cumprimento à conta do executado que resiste em vez de cumprir o preceito, assumindo o

risco decorrente da opção pela resistência. 2.- Ofende a coisa julgada a repetição, em Embargos

do Devedor, de matéria já anteriormente julgada, com trânsito em julgado, em anterior processo,

consistente na alegação de inexistência de motivos para incidência de “astreinte” e de excessiva

onerosidade do valor fixado. 3.- Do fato de ter havido suspensão do processo de execução, devido

a Embargos do Devedor julgados improcedentes, não resulta a exoneração de pagamento de

multa fixada pelo Juízo a título de "astreinte", pois os Embargos suspendem apenas o processo

(CPC, arts. 739, § 1º, e 791, I, do Cód. de Proc. Civil), não interferindo na relação de direito

material trazida pela lide neles contida e em seus efeitos. (...) 6.- Recurso Especial improvido.

(Grifou-se)

1.7. Das Normas de Direito Internacional Privado

Estão contidas na Lei de Introdução, regras que tratam de Direito Internacional Privado. Este ramo do Direito volta-se para situações em que estão presentes elementos de estraneidade, ou seja, componentes internacionais, tais como: nacionalidade estrangeira, local do casamento em países diversos e domicílio conjugal diverso da nacionalidade dos cônjuges.18

Segundo Caio Mário da Silva Pereira: “Diante de uma situação jurídica disciplinada diversamente por mais de uma legislação e envolvendo efeitos diferentes em decorrência da existência de normas legais em conflito, cabe ao direito internacional privado indicar qual dos sistemas jurídicos fornecerá os princípios de aplicação à espécie.”19

Assim, aplicar-se-á o direito estrangeiro nos casos indicados em lei ou quando haja contrato entre as partes determinando a observância de diploma legal estrangeiro.20

1.7.1. Da Aplicação da Lei do Domicílio ao Estatuto Pessoal (Começo e Fim da Personalidade, Nome, Capacidade e Direitos de Família)

17 VENOSA, 2010 v. 1, p. 121. 18 AMARAL, Renata Campetti. Direito Internacional Público e Privado. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006, p. 119. 19 PEREIRA, 2007, v. 1, p. 170-171. 20 Sentença Estrangeira Contestada 646 /US, em 05/11/2008, da relatoria do, à época, Ministro do Superior Tribunal de Justiça Luiz Fux.

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Nos termos do artigo 7º da LINDB, tem-se que: “Art. 7o. A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.”

Portanto, é o domicílio da pessoa que determina as regras aplicáveis. O Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial sob o n. 512401/SP, assim decidiu:

DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DE

ESTRANGEIRO. REGISTRO EM SUA PÁTRIA DE ORIGEM. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO

BRASILEIRA.

O elemento de conexão, no conflito de leis no espaço, estipulado no ordenamento pátrio, é

o domicílio da pessoa. Ainda que a concepção, o nascimento e o registro da investigante

tenham ocorrido no exterior, estando ela domiciliada no Brasil, deve ser aplicado o

ordenamento nacional.

A demanda pela paternidade real, fundada na falsidade de registro, não tem prazo decadencial,

mesmo antes da promulgação da Carta Magna. Precedente da Segunda Seção.

A ação de investigação de paternidade não depende da prévia propositura da ação anulatória do

assento de nascimento do investigante, tendo o filho interesse de buscar a paternidade real, a

despeito de reconhecido como legítimo por terceiro com falsidade ideológica.

Recurso não conhecido.

1.7.1.1. Da Aplicação da Lei Brasileira aos Casamentos Realizados no Brasil quanto aos “Impedimentos Dirimentes” e Formalidades

Assim preceitua o artigo 7º, em seu parágrafo primeiro, da LINDB, a saber:

“Art. 7º § 1o Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos

impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.”

Importa destacar que, hodiernamente, não é mais aplicável a expressão “impedimentos dirimentes” no Código Civil de 2002 – nomenclatura redacional do vetusto Código Civil de 1916. No entanto, permanecem estas disposições, sob nova nomenclatura, como salienta Sílvio Rodrigues: “Veja-se, no geral, a identidade parcial do quadro de impedimentos então existente, com as restrições atualmente apresentadas pelo Código, de tal sorte, que se aproximam, quanto às causas e efeitos, os impedimentos dirimentes absolutos, como os atuais impedimentos; os impedimentos dirimentes relativos, com a atual capacidade para o casamento e com as causas para anulação do vínculo; (...)”21 (Grifou-se)

Neste sentido, dada a vigência do Novo Código Civil, quando realizado no Brasil, deverá ser observado o artigo 1.52122 do Código Civil Brasileiro, que trata dos impedimentos, assomados aos artigos 1.525 a 1.542 do mesmo diploma legal, que indicará as formalidades.

No tocante à capacidade para se casar, por se tratar de regra de Estatuto Pessoal, aplicar-se-á a lei do domicílio da pessoa, nos termos do artigo 7º, caput. Importa colacionar

21 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, Direito de Família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 6, p. 53. 22 Código Civil Brasileiro: “Art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.”

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entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que aplicou os impedimentos em Recurso Especial sob o n. 280197/RJ:

CIVIL. CASAMENTO REALIZADO NO ESTRANGEIRO. MATRIMÔNIO SUBSEQUENTE NO

PAÍS, SEM PRÉVIO DIVÓRCIO. ANULAÇÃO. O casamento realizado no estrangeiro é válido no

país, tenha ou não sido aqui registrado, e por isso impede novo matrimônio, salvo se desfeito o

anterior. Recurso especial não conhecido.

1.7.1.2. Do Casamento Consular

O parágrafo 2º do artigo 7º da LINDB assim dispõe:

“Art. 7º § 2o O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes.” (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1º.8.1957)

Trata-se do denominado casamento consular, que autoriza, por exemplo, aos nubentes brasileiros, que se encontrem no exterior, a possibilidade de se matrimoniarem perante as autoridades brasileiras.

É o que Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenwald lecionam: “Conferindo-lhe existência reza o artigo 1.544 da Codificação, repetindo disposição já incorporada ao sistema: ‘o casamento de brasileiro, celebrado no estrangeiro, perante as respectivas autoridades e cônsules brasileiros, deverá ser registrado em cento e oitenta dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio, ou, em sua falta, no 1º Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir’.” 23 (Grifou-se)

Importa destacar que “ambos” os cônjuges devem ser brasileiros, não sendo possível a realização do casamento consular na hipótese de um dos cônjuges ser estrangeiro.

1.7.1.3. Da Aplicação da Lei do Primeiro Domicílio Conjugal em Matéria de Invalidade de Matrimônio

Nos termos do artigo 7º, § 3o, da LINDB, tem-se que:

“Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal.”

Este parágrafo do artigo 7º da LINDB trata do plano da validade do casamento, diferentemente de apenas tocar no plano de sua existência. É o que lecionam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenwald: “Ao contrário do plano da existência, no qual são aferidos os pressupostos existenciais, aqui a análise diz respeito aos requisitos erigidos pelo sistema jurídico positivo como condições necessárias para sua adequação, a conformidade, daquele matrimônio. É dizer: no plano da validade, tem-se a conformação de um casamento com os requisitos expressos em lei, logo após o reconhecimento de sua existência.

23 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 195.

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Exemplificando, enquanto a ausência de vontade implica inexistência, a manifestação viciada de vontade (por erro ou coação, e.g.) provoca a invalidade por mandamento legal.” 24

1.7.1.4. Da Aplicação do Domicílio dos Nubentes ao Regime de Bens

O parágrafo 4º do artigo 7º da LINDB trata acerca da lei aplicável ao regime de bens:

“§ 4o O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.”

O Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial sob o n. 134246 / SP, assim decidiu:

Ação declaratória. Casamento no exterior. Ausência de pacto antenupcial. Regime de bens. Primeiro domicílio no Brasil. 1. Apesar do casamento ter sido realizado no exterior, no caso concreto, o primeiro domicílio do casal foi estabelecido no Brasil, devendo aplicar-se a legislação brasileira quanto ao regime legal de bens, nos termos do art. 7º, § 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil, já que os cônjuges, antes do matrimônio, tinham domicílios diversos. 2. Recurso especial conhecido e provido, por maioria.

1.7.1.5. Da Naturalização e da Adoção do Regime de Comunhão Parcial dos Bens

A Lei de Introdução, em face da redação dada pela Lei n. 6.515, de 26.12.1977, denominada Lei dos Registros Públicos (LRP), concede o direito ao estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, com expressa anuência do cônjuge, que, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile a adoção do regime de comunhão parcial de bens, como preceitua o artigo 7º, § 5º, da LINDB:

“§ 5º O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro. (Redação dada pela Lei n. 6.515, de 26.12.1977)”

1.7.1.6. Do Divórcio Realizado no Estrangeiro

Com o advento da Emenda Constitucional n. 66, de 13 de julho de 2010, com a supressão do requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos para fins de divórcio, compreende-se ter havido revogação tácita do parágrafo 6º do artigo 7º da LINDB, uma vez que este busca, em verdade, afastar situações em que brasileiros pudessem valer-se de ordenamento estrangeiro para burlar o cumprimento dos prazos exigidos anteriormente, no entanto, em face da ausência de manifestação jurisprudencial ou revogação expressa, dada a recente a alteração constitucional, colaciona-se:

“§ 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O

24 FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 169.

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Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais. (Redação dada pela Lei n. 12.036, de 2009).”

1.7.1.7. Da Extensão do Domicílio dos Representantes e Assistentes aos seus Representados e Assistidos

O artigo 7º, § 7º, da LINDB, traz a seguinte redação:

“§ 7o Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.”

Importa destacar que o dispositivo deve ser lido através das lentes da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem como do Código Civil, Lei n. 10.406, de 10.01.2002.

Neste sentido, restou superada a denominação “chefe de família”, revelada por uma evolução histórica25, desaparecendo as normas discriminatórias26, em face do artigo 226, § 5º, da Constituição Federal:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.”

Leciona Carlos Silveira Noronha acerca da evolução da família: “E nos dias atuais, sob o influxo do novo estágio pós-moderno, a autoridade paterna foi estendida a ambos os genitores, visando mais o interesse dos pais, mas dirigindo-se ao interesse dos filhos e da própria família, com enfoque na paternidade responsável, positivada no artigo 226, § 7º, da Constituição Federal.”27

Ainda, o Código Civil, em seu artigo 76, dispõe:

“Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso. Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença.”

25 “É induvidoso que a família moderna passa por uma profunda evolução e para isso vêm contribuindo inúmeros fatores que se acentuaram a partir da última grande guerra, quando um dos seus membros fundamentais – a mulher, esposa, mãe, partiu para trabalhar fora do lar, inicialmente para suprir a falta do marido presente nos campos de batalha e, terminado o conflito, para compensar no orçamento doméstico os influxos da economia dos países combalida pela guerra.” NORONHA, Carlos Silveira. Fundamentos e evolução histórica da família na Ordem Jurídica, Revista da Faculdade de Direito da PUCRS, v. 20, p. 65, dez. 1999. 26 “Desapareceram, assim, as normas discriminatórias dos direitos do chefe de família em relação aos demais membros, dando lugar à família igualitária-integrativa , na qual se verifica uma crescente personalização de todos os seus membros (...).” NORONHA, Carlos Silveira. Conceito e fundamentos de família e sua evolução. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 326, p. 25, dez. 1994. 27 NORONHA, Carlos Silveira. Da Instituição do Poder Familiar, em perspectiva histórica, moderna e pós-moderna. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, v. 26, p. 90, dez. 2006.

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1.7.1.8. Do Domicílio Ocasional

O domicílio ocasional é aplicado àqueles que não têm residência habitual, ou seja, são itinerantes, tais como o artista circense, o andarilho, bem como alguns povos que se comportam de forma nômade. Tal situação é contemplada pelo artigo 7º, § 8º, da LINDB:

“§ 8o Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre.”

Importa destacar que o Código Civil de 2002, de igual forma, contempla tal situação em seu artigo 73, a saber:

“Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada.”

1.7.1.9. Da Aplicação da Lei do País em que Estiverem Situados os Bens quanto à sua Qualificação e suas Relações

O caput do artigo 8º da Lei de Introdução dispõe que se aplicará para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes a lei do país em que estiverem situados, in verbis:

“Art. 8o. Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.”

De tal arte, aplica-se aos bens imóveis o lugar da situação da coisa, ou seja, forum rei sitae.

No tocante aos bens móveis, há regra específica, uma vez que se presume que estes acompanhem o seu proprietário:

“Art. 8º § 1o Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens móveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.”

A Lei de Introdução ao Código Civil dispõe, ainda, no artigo 8º, em seu parágrafo 2º, que a lei aplicável ao penhor é a do domicílio do possuidor direto, a saber:

“Art. 8º § 2o O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada.”

O penhor é direito real de garantia de bem móvel, e, em se tratando de penhor comum, o possuidor direto é o credor pignoratício, é o que dispõe o artigo 1.431 do Código Civil, caput, a saber:

“Art. 1.431. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação.”

Logo, no penhor comum, a Lei aplicável é a do domicílio do credor pignoratício.

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Ocorre que, em matéria de penhor rural, industrial, mercantil e de veículo, as coisas empenhadas continuam no poder do devedor, a saber:

“Art. 1.431 (...) Parágrafo único. No penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar.”

No caso destas modalidades de penhores especiais, aplicar-se-á a lei do domicílio do dono da coisa empenhada.

1.7.1.10. Da Aplicação da Lei do País em que se Constituírem as Obrigações

Para qualificar e reger as obrigações, aplica-se a lei do país em que se constituírem, ou seja, onde se concluiu o negócio jurídico, leia-se: em regra, onde for assinado ou perfectibilizado o contrato. É o que dispõe o artigo 9º, caput, da LINDB:

“Art. 9º. Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.”

O parágrafo primeiro do artigo 9º dispõe que, quando a obrigação for executada no Brasil, dependendo de forma especial, será esta observada28. É o que ocorre, por exemplo, quando para o adimplemento de um contrato ajusta-se a dação em pagamento de bem imóvel, situado no Brasil, avaliado em montante acima de trinta salários mínimos. Nos termos do artigo 108 do Código Civil Brasileiro29, exige-se que o instrumento seja público. Logo, deverá ser cumprida esta solenidade exigida no Brasil, ainda que o contrato tenha sido constituído no exterior.

Por último, o parágrafo 2º do artigo 9º dispõe que a obrigação resultante de contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.30 O proponente é quem apresenta a proposta, faz a oferta para contratar, também denominada de “policitação”. Portanto, policitante, proponente ou ofertante são expressões sinônimas.31

Ainda, neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial sob o n. 215988/PR, decidiu:

ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO. DISPOSIÇÕES DO ART. 28. O ANEXO "A" DO TRATADO DE ITAIPU. INAPLICABILIDADE À ESPÉCIE DOS AUTOS. APLICAÇÃO DA LEI BRASILEIRA (ART. XIX DO TRATADO E ART. 9º, § 2º, DA LICC). INCIDÊNCIA, IN CASU, DO DECRETO-LEI Nº 2.300/86. - ITAIPU Binacional, por ser empresa sediada em Brasília e Assunção, submete-se à Lei brasileira que regula as obrigações decorrentes dos contratos celebrados com pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas e residentes no Brasil, nos termos do art. XIX do Tratado que a instituiu e art. 9º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil. - Daí, a incidência das normas pertinentes ao procedimento da licitação e aos contratos administrativos, constantes do Decreto-lei n. 2.300/86, em vigor na época da prestação dos serviços objeto da presente lide.

28 Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 9º, § 1o: “Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.” 29 Código Civil Brasileiro, artigo 108: “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.” 30 Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 9º, § 2o: “A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.” 31GAGLIANO, Stolze Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 4, p. 86.

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1.7.1.11. Da Aplicação da Lei do Domicílio do Defunto ou Desaparecido na Sucessão por Morte ou Ausência

No rastro do que preceitua o artigo 10 da Lei de Introdução ao Código Civil, tem-se que:

“Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.”

É o que se depreende da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial sob o n. 275985/SP, a saber:

DIREITOS INTERNACIONAL PRIVADO E CIVIL. PARTILHA DE BENS. SEPARAÇÃO DE CASAL DOMICILIADO NO BRASIL. REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. APLICABILIDADE DO DIREITO BRASILEIRO VIGENTE NA DATA DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO. COMUNICABILIDADE DE TODOS OS BENS PRESENTES E FUTUROS COM EXCEÇÃO DOS GRAVADOS COM INCOMUNICABILIDADE. BENS LOCALIZADOS NO BRASIL E NO LIBANO. BENS NO ESTRANGEIRO HERDADOS PELA MULHER DE PESSOA DE NACIONALIDADE LIBANESA DOMICILIADA NO BRASIL. APLICABILIDADE DO DIREITO BRASILEIRO DAS SUCESSÕES. INEXISTÊNCIA DE GRAVAME FORMAL INSTITUÍDO PELO DE CUJUS. DIREITO DO VARÃO À MEAÇÃO DOS BENS HERDADOS PELA ESPOSA NO LIBANO. RECURSO DESACOLHIDO. I - Tratando-se de casal domiciliado no Brasil, há que aplicar-se o direito brasileiro vigente na data da celebração do casamento, 11.7.1970, quanto ao regime de bens, nos termos do art. 7º-§ 4º da Lei de Introdução. II - O regime de bens do casamento em questão é o da comunhão universal de bens, com os contornos dados à época pela legislação nacional aplicável, segundo a qual, nos termos do art. 262 do Código Civil, importava "a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas", excetuando-se dessa universalidade, segundo o art. 263-II e XI do mesmo Código "os bens doados ou legados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar", bem como "os bens da herança necessária, a que se impuser a cláusula de incomunicabilidade".

III - Tratando-se da sucessão de pessoa de nacionalidade libanesa domiciliada no Brasil, aplica-se à espécie o art. 10, caput, da Lei de Introdução, segundo o qual "a sucessão por morte ou por ausência obedece à lei em que era domiciliado o defunto ou desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens". IV - Não há incomunicabilidade dos bens da herança em tela, sendo certo que no Brasil os bens da herança somente comportam incomunicabilidade quando expressa e formalmente constituído esse gravame pelo de cujus, nos termos dos arts. 1.676, 1.677 e 1.723 do Código Civil, complementados por dispositivos constantes da Lei de Registros Públicos. V - Não há como afastar o direito do recorrido à meação incidente sobre os bens herdados de sua mãe pela recorrente, na constância do casamento sob o regime da comunhão universal de bens, os que se encontram no Brasil e os localizados no Líbano, não ocorrendo a ofensa ao art. 263, do Código Civil, apontada pela recorrente, uma vez inexistente a incomunicabilidade dos bens herdados pela recorrente no Líbano. VII - O art.89-II, CPC, contém disposição aplicável à competência para o processamento do inventário e partilha, quando existentes bens localizados no Brasil e no estrangeiro, não conduzindo, todavia, à supressão do direito material garantido ao cônjuge pelo regime de comunhão universal de bens do casamento, especialmente porque não atingido esse regime na espécie por qualquer obstáculo da legislação sucessória aplicável. VIII - Impõe-se a conclusão de que a partilha seja realizada sobre os bens do casal existentes no Brasil, sem desprezar, no entanto, o valor dos bens localizados no Líbano, de maneira a operar a equalização das cotas patrimoniais, em obediência à legislação que rege a espécie, que não exclui da comunhão os bens localizados no Líbano e herdados pela recorrente, segundo as regras brasileiras de sucessão hereditária.

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1.7.1.12. Da Aplicação da Lei Brasileira mais Benéfica à Sucessão de Bens de Estrangeiros Situados no País

A Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 10, parágrafo 1º, dispõe que:

“§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. (Redação dada pela Lei nº 9.047, de 18.5.1995)”

Em síntese: aplica-se a lei brasileira em matéria de sucessão de bens estrangeiros situados no Brasil em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que a lei estrangeira (do domicílio pessoal do de cujus) não lhe for mais benéfica. A LINDB, de tal arte, tem como vetor a proteção dos brasileiros, enfim, da família brasileira.

1.7.1.13. Da Aplicação da Lei do Domicílio do Herdeiro ou Legatário quanto à Capacidade de Suceder

O artigo 10, em seu parágrafo 2º, dispõe: “§ 2o A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.”

Segundo Sílvio de Salvo Venosa, tem-se que: “A capacidade para suceder é a aptidão para se tornar herdeiro ou legatário numa determinada herança. A vocação hereditária está na lei, norma abstrata que é. Daí por que a lei diz que são chamados os descendentes, em sua falta os ascendentes, cônjuges, colaterais até quarto grau e o Estado.”32

Há que se salientar que, em Recurso Especial sob o n. 61434/SP, o Superior Tribunal de Justiça voltou-se à aplicação deste dispositivo:

DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. ART. 10, PARAG. 2., DO CÓDIGO CIVIL. CONDIÇÃO DE HERDEIRO. CAPACIDADE DE SUCEDER. LEI APLICÁVEL. CAPACIDADE PARA SUCEDER NÃO SE CONFUNDE COM QUALIDADE DE HERDEIRO. ESTA TEM A VER COM A ORDEM DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA QUE CONSISTE NO FATO DE PERTENCER A PESSOA QUE SE APRESENTA COMO HERDEIRO A UMA DAS CATEGORIAS QUE, DE UM MODO GERAL, SÃO CHAMADAS PELA LEI A SUCESSÃO, POR ISSO HAVERÁ DE SER AFERIDA PELA MESMA LEI COMPETENTE PARA REGER A SUCESSÃO DO MORTO QUE, NO BRASIL, "OBEDECE A LEI DO PAÍS EM QUE ERA DOMICILIADO O DEFUNTO." (ART. 10, CAPUT, DA LICC). RESOLVIDA A QUESTÃO PREJUDICIAL DE QUE DETERMINADA PESSOA, SEGUNDO O DOMICÍLIO QUE TINHA O DE CUJUS, E HERDEIRA, CABE EXAMINAR SE A PESSOA INDICADA É CAPAZ OU INCAPAZ PARA RECEBER A HERANÇA, SOLUÇÃO QUE É FORNECIDA PELA LEI DO DOMICÍLIO DO HERDEIRO (ART. 10, PARAG. 2., DA LICC). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (Grifou-se)

1.8. Da Aplicação da Lei do Estado em que se Constituírem as Organizações, das Sociedades e Fundações

O artigo 11 da Lei de Introdução ao Código Civil assim preceitua:

“Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem.”

32 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009, v. 7, p. 49.

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É o que dispõe o artigo 1.126 do Código Civil Brasileiro:

‘“Art. 1.126. É nacional a sociedade organizada de conformidade com a lei brasileira e que tenha no País a sede de sua administração.”

1.9. Da Disposição de Prévia Aprovação dos Atos Constitutivos pelo Governo Brasileiro das Sociedades Estrangeiras

O artigo 11 da LINDB, em seu parágrafo 1º, preceitua:

“§ 1o Não poderão, entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.”

Neste mesmo sentido, é o que dispõe o artigo 1.134 do Código Civil Brasileiro, a saber:

“Art. 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira.”

1.10. Da Vedação de Aquisição de Bens Imóveis ou Susceptíveis de Desapropriação por Governos Estrangeiros

O artigo 11, parágrafo 2º, da LINDB, no sentido de preservar a soberania nacional, vedou a aquisição de bens imóveis ou sujeitos à desapropriação por Governos Estrangeiros, a saber:

“§ 2o Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituído, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou susceptíveis de desapropriação.”

1.10.1. Da Autorização para que Governos Estrangeiros Adquiram Prédios Necessários à Sede dos Representantes Diplomáticos e Agentes Consulares

A vedação para aquisição de prédios por Governos estrangeiros tem como exceção os prédios necessários para a instalação de embaixadas e consulados.33

1.11. Da Competência Internacional da Autoridade Judiciária Brasileira

A Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 12, dispõe acerca da competência internacional:

“Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação. § 1o Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações, relativas a imóveis situados no Brasil.”

33 Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 11, § 3o: Os Governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares.

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1.12. Do Exequatur para Cumprimento de Diligências Deprecadas por Autoridades Estrangeiras

Nos termos do que dispõe o artigo 12, parágrafo 2º, a autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur, as diligências deprecadas por autoridade competente estrangeira, fazendo transitar pelas vias diplomática as cartas rogatórias, a saber:

“§ 2o A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e segundo a forma estabelecida pele lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências.”

O exequatur é o “cumpra-se” para que se realize a citação, a oitiva de testemunhas, enfim, a produção de provas a serem utilizadas em processo judicial que tramita no estrangeiro. Tais pleitos são formulados via carta rogatória.

É o que se colhe da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em Agravo Regimental na Carta Rogatória 6/GB:

CARTA ROGATÓRIA. CITAÇÃO PARA RESPONDER A UMA AÇÃO PROPOSTA NO PAÍS ALIENÍGENA. INOCORRÊNCIA DE OFENSA À SOBERANIA OU A ORDEM PÚBLICA (RESOLUÇÃO Nº 9/05, ART. 6º). EXEQUATUR CONCEDIDO. AGRAVO REGIMENTAL. AUTENTICIDADE DE DOCUMENTOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. REQUISITOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ART. 202.

1. O trânsito pelas vias diplomáticas confere autenticidade às cartas rogatórias. 2. Não há falar em cerceamento de defesa quando a parte não for intimada da tradução de documento antes de concedido o exequatur. 3. Os requisitos do Código de Processo Civil, art. 202, são aplicáveis tão somente às cartas rogatórias ativas. 4. Agravo Regimental não provido.

1.13. Da Aplicação da Lei do Lugar dos Fatos em matéria de Ônus da Prova e Meios de Produção Probatórios

É a lei do lugar do país estrangeiro em que ocorrer o fato a que se pretende provar que será aplicável quanto ao ônus da prova e aos meios de produzi-la (lex loci). Contudo, não se admitirá provas ilícitas e desconhecidas pelo Direito brasileiro.34

1.14. Da Prova do Direito Estrangeiro

O juiz poderá exigir a quem invoca lei estrangeira que prove o texto da norma, bem como sua vigência. É o que dispõe o artigo 14 da Lei de Introdução ao Código Civil:

“Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência.”

1.15. Dos Requisitos para Homologação de Sentença Estrangeira

Com o advento da Emenda Constitucional n. 45 de 2004, nos termos do artigo 105 da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça:

“I - processar e julgar, originariamente: i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;”

34 Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 13: “A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.”

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O artigo 15 da Lei de Introdução ao Código Civil35 define cinco requisitos para a homologação de sentença estrangeira:

a) haver sido proferida por juiz competente;

A sentença deve ter sido prolatada por juiz competente no Ordenamento Jurídico do qual se originou.

b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;

Trata-se da aplicação do artigo 5º, LV, da Constituição da República Federativa do Brasil, sendo assegurados o contraditório e ampla defesa, a saber:

“LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida;

A decisão deve ser definitiva e, portanto, sob o manto da coisa julgada.

d) estar traduzida por intérprete autorizado;

Deve ser a decisão traduzida por tradutor público juramentado.

e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.

Como já referido, a sentença deve ter sido homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, em face do advento da Emenda Constitucional nº 45, nos termos do artigo 105 da CRFB/1988.

É o que se depreende da decisão do Superior Tribunal de Justiça, em Agravo Regimental em Sentença Estrangeira sob o n. 2598/US:

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA DE DIVÓRCIO. SENTENÇA NORTE-AMERICANA. CARIMBO DE ARQUIVA-MENTO. PROVA DO TRÂNSITO EM JULGADO. CONTESTAÇÃO. DESNECESSIDADE DE DISTRIBUIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

– O carimbo de arquivamento é suficiente à comprovação do trânsito em julgado da sentença norte-americana. Precedentes da Corte Especial: SE n. 756 e 1.397.

– Desnecessária a distribuição da sentença estrangeira contestada, quando a impugnação versa sobre questão já debatida e decidida pelo órgão especial deste Tribunal. Agravo regimental improvido.

1.16. Da Desconsideração da Remissão (Reenvio) Feita à Outra Lei

Há vedação no Ordenamento Jurídico à consideração de remissão/reenvio feita à outra lei, a saber:

35 Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 15: “Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos: a) haver sido proferida por juiz competente; b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que ,foi proferida; d) estar traduzida por intérprete autorizado; e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.”

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“Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.”

1.17. Da Ineficácia das Leis, Atos e Sentenças de outro País que Ofenderem a Soberania Nacional

O artigo 17 da LINDB assim dispõe:

“Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.”

É o que se depreende de decisão acerca de sentença estrangeira, SEC sob o n. 2259/CA:

SENTENÇA ESTRANGEIRA. DIVÓRCIO. HOMOLOGAÇÃO. 1. Homologa-se sentença estrangeira de divórcio que não viola a soberania nacional, os bons costumes e a ordem pública. 2. Alegação de ausência de citação que não tem procedência. O requerido compareceu à audiência de instrução e julgamento realizada pelo juízo estrangeiro e formulou reivindicações. 3. Preenchimento das condições legais para a homologação da sentença estrangeira que se reconhece. 4. O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, produzirá efeitos ao Brasil somente após um ano da sentença, ou mais de dois anos de separação de fato. 5. Sentença homologada para que produza os seus jurídicos e legais efeitos. (Grifou-se)

1.18. Da Competência das Autoridades Consulares Brasileiras para Celebrar Casamento, Nascimento e Óbito dos Filhos de Brasileiro ou Brasileira Nascido no País da Sede do Consulado e os mais Atos de Registro Civil

Nos termos do artigo 18 da Lei de Introdução ao Código Civil:

“Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país da sede do Consulado. (Redação dada pela Lei n. 3.238, de 1º.8.1957)”

Importa destacar, que, no tocante ao casamento, somente poderá ser realizado perante as autoridades consulares no caso de ambos os nubentes serem brasileiros, nos termos do artigo 7º, § 2º, da LINDB, tratando-se do denominado “Casamento Consular”.

1.19. Regra de Transição entre os Anos de 1945 e 1957

O artigo 19 da LINDB é uma regra de transição, aplicada entre os anos de 1942 e 1957.

“Art. 19. Reputam-se válidos todos os atos indicados no artigo anterior e celebrados pelos cônsules brasileiros na vigência do Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, desde que satisfaçam todos os requisitos legais. (Incluído pela Lei n. 3.238, de 1º.8.1957) Parágrafo único. No caso em que a celebração desses atos tiver sido recusada pelas autoridades consulares, com fundamento no artigo 18 do mesmo Decreto-lei, ao interessado é facultado renovar o pedido dentro em 90 (noventa) dias contados da data da publicação desta lei. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1º.8.1957)

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2.1. Do Conceito

Segundo leciona Sílvio de Salvo Venosa: “Os direitos de personalidade são os que resguardam a dignidade da pessoa humana. Desse modo, ninguém pode, por ato voluntário, dispor de sua privacidade, renunciar à liberdade, ceder seu nome de registro para utilização por outrem, renunciar ao direito de pedir alimentos no campo de família, por exemplo.”36 Caio Mário da Silva Pereira, por sua vez, referiu: “Em linhas gerais, os direitos de personalidade envolvem o direito à vida, à liberdade, ao próprio corpo, à incolumidade física, à proteção da intimidade, à integridade moral, à preservação da própria imagem, ao nome, às obras de criação do indivíduo e tudo mais que seja digno de proteção, amparo e defesa na ordem constitucional, administrativa, processual e civil.”37 Portanto, são intransmissíveis, irrenunciáveis, não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária, “com exceção dos casos previstos em lei”.

É o que dispõe o artigo 11 do Código Civil Brasileiro:

“Artigo 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.”

Portanto, a lei admite, por exemplo, como exceção, o contrato de uso de imagem da pessoa natural, em matérias publicitárias, sendo negócio jurídico não proibido no Ordenamento Jurídico Pátrio.

2.2. Da Cessação da Ameaça ou Lesão a Direito de Personalidade

O artigo 12 do Código Civil dispõe acerca do direito da vítima de fazer cessar a ameaça ou lesão a qualquer dos direito de personalidade, bem como de reclamar perdas e danos, a saber:

“Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”

Importa destacar que têm legitimidade para fazer cessar as ameaças e lesões, em se tratando a vítima de morto, as seguintes pessoas: o cônjuge sobrevivente, qualquer parente em linha reta (ascendentes e descendentes: bisavô (a), avô (a), pai, mãe, filho (a), neto (a), bisneto (a)), bem como colateral até quarto grau (irmãos, tios, até os primos-irmãos). É o que dispõe o parágrafo único do artigo 12, a saber:

“Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau

36 VENOSA, 2010, v. 1, p. 171-172. 37 PEREIRA, 2007, v. 1, p. 243.

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2.3. Da Vedação a Ato de Disposição do Próprio Corpo

No sentido de preservar a integridade física, é que o artigo 13 do Código Civil dispõe que, salvo por exigência médica, é proibido ato de disposição do próprio corpo, quando importe diminuição permanente da integridade física ou contrarie os bons costumes:

“Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.”

Ressalte-se, portanto, que o dispositivo se refere a ato de disposição de diminuição da integridade física que seja permanente, não abrangendo, por exemplo, o corte de cabelo, para fins de sua comercialização.38 Há que se destacar que a amputação de uma perna, por exigência médica, com a finalidade de buscar salvar o paciente, de igual forma, não se configura violação de direito de personalidade.

Ainda, saliente-se que é admitido o transplante no Brasil, como exigência médica, nos termos do que preceitua a Lei n. 9.434/1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. É o que preceitua o parágrafo único do artigo 13 do Código Civil Brasileiro:

“Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.”

É o que dispõe o artigo 9º da Lei n. 9.434/97, a saber:

“Art. 9º. É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4o deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea.”

O Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial sob o n. 1144720/DF, decidiu:

BIODIREITO – DIREITO À SAÚDE – ALVARÁ - TRANSPLANTE DE RIM – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC – AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – NECESSIDADE – OBJETOS SINDICÁVEIS PELO PODER JUDICIÁRIO: INEXISTÊNCIA DE LESÃO À INTEGRIDADE FÍSICA DO DOADOR, NÃO OCORRÊNCIA DE COMÉRCIO OU DE QUALQUER TIPO DE CONTRAPRESTAÇÃO E POTENCIAL EFICÁCIA DO TRANSPLANTE DE RIM – INEXISTÊNCIA DE REVOGAÇÃO DO § 3º DO ART. 15 DO DECRETO N. 2.268/97 PELA LEI N. 10.211/01 QUE ALTEROU A REDAÇÃO DO CAPUT DO ART. 9º DA LEI N. 9.434/97. 1. Inexiste violação do art. 535, II, do Código de Processo Civil quando o aresto recorrido adota fundamentação suficiente para dirimir a controvérsia, sendo desnecessária a manifestação expressa sobre todos os argumentos apresentados pelos litigantes. 2. A autorização judicial exigida no caput do artigo 9º da Lei n. 9.434/97 tem três objetivos: (I) impedir lesão à integridade física do doador; (II) impedir o comércio de órgãos ou qualquer tipo de contraprestação; e, (III) assegurar, na forma do § 3º do artigo 15 do Decreto n. 2.268/97, potencial eficácia ao transplante de rim. 3. Todas as exigências proporcionais e razoáveis colocadas pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo para evitar o

38 PEREIRA, 2007, v. 1, p. 252: “Nada impede a cessão, mesmo onerosa, de partes que se reconstituem naturalmente, como por exemplo, os cabelos, nem tampouco a disposição de outras partes não reconstituíveis, desde que gratuitamente e para fins terapêuticos ou para transplantes.”

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comércio de órgão ou qualquer tipo de contraprestação e assegurar a potencial eficácia do transplante de rim (direito à saúde) são ratificadas pelo ordenamento jurídico pátrio. 4. É legal a exigência, para a retirada de rins, de comprovação de, pelo menos, quatro compatibilidades em relação aos antígenos leucocitários humanos (HLA), salvo entre cônjuges e consanguíneos, na linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive. 5. A Lei n. 10.211/01, ao alterar o caput do art. 9º da Lei n. 9.434/97, não revogou ou retirou a eficácia do § 3º do artigo 15 do Decreto n. 2.268/97, portanto correto o Tribunal de origem na aplicação da Lei e do Decreto. Recurso especial improvido.

2.4. Da Disposição Gratuita do Corpo para depois da Morte com Objetivo Científico ou Altruístico

A disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte, é válida, desde que sem finalidade lucrativa, voltando-se para o objetivo científico (objeto de estudo nas faculdades de Ciências Médicas), bem como altruístico (voltada para o outro, para o ser humano, sem finalidade egoística).

É o que preceitua o artigo 14 do Código Civil Brasileiro: “Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.”

É o exemplo do caso de religiosas americanas que doaram seus cérebros para estudos voltados ao mal de Alzheimer.39

O parágrafo único do artigo 14 do Código Civil Brasileiro garante a possibilidade de revogação deste ato de disposição, podendo o doador, a qualquer momento, alterar sua vontade livremente: “Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.”

Em síntese, com o objetivo científico ou altruístico, pode-se dispor para depois da morte do próprio corpo, no todo ou em parte, desde que de forma gratuita, sendo revogável tal disposição. O ordenamento jurídico não admite disposição onerosa.

2.5. Do Consentimento do Paciente para Tratamento Médico ou Intervenção Cirúrgica com Risco de Vida

Em decorrência do direito à integridade física, nos termos do artigo 15 do Código Civil Brasileiro: “Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.”

Portanto, em caso de tratamento médico ou intervenção cirúrgica com risco de vida, é necessário colher o consentimento do paciente, facultado-lhe licitamente recusar-se a submeter-se a estes procedimentos. O jurista Arnaldo Rizzardo assim se refere ao dispositivo em tela: “A relevância da regra está nos casos de doença grave, quando remotas as possibilidades de cura, e grande o risco de desenlace fatal.”40

39 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 42 ed. rev. e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 1, p. 107. 40 RIZZARDO, 2007, p. 153.

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2.6. Do Direito ao Nome (Prenome e Sobrenome)

O direito ao nome confere o direito à identidade pessoal.41 Nesta linha, Pontes de Miranda afirmou: “Desde os tempos primitivos, o homem leva consigo o nome, que o designa e o distingue dos outros”.42 O artigo 16 do Código Civil Brasileiro dispõe:

“Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.”

Francisco Amaral bem classificou os elementos constitutivos do nome, in verbis: “O nome das pessoas naturais é formado pelo prenome e pelo sobrenome ou nome patronímico (CC, art. 16). O prenome é o nome individual, nome próprio, nome de batismo, que vem em primeiro lugar. Pode ser simples ou composto. (...) O nome patronímico é o nome de família, também chamado de sobrenome ou cognome. (...) Secundariamente, encontramos ainda os títulos (honoríficos, científicos, religiosos e militares), a partículas (de, do, das, e) e o agnome, elemento aposto em último lugar (filho, júnior, neto, bisneto, sobrinho, terceiro).”43

É possível a alteração do nome, devendo ser devidamente motivado o pedido, como ocorre em casos de exposição ao ridículo, nos termos da Lei 6.015/73, em seus artigos 55 e seguintes.

O Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial sob o n. 777088/RJ, apreciou a matéria em análise:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ART. 557 DO CPC. VIOLAÇÃO AFASTADA. REGISTRO PÚBLICO. NOME CIVIL. PRENOME. RETIFICAÇÃO. MENOR ASSISTIDA PELOS PAIS. POSSIBI-LIDADE. PRECEDENTES. RAZOABILIDADE DO PEDIDO. PRODU-ÇÃO DE PROVA. DEFERIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVI-DO. I - A alteração introduzida pela Lei n. 9.756/98, que deu nova redação ao art. 557 do CPC, conferiu ao relator a possibilidade de decidir monocraticamente, entre outras hipóteses, o recurso manifestamente inadmissível ou improcedente, tudo em respeito ao princípio da celeridade processual. Com a interposição do agravo interno, as questões levantadas na apelação foram apreciadas pelo órgão colegiado, considerando-se superada eventual violação do artigo 557 do CPC. Precedentes. II - A jurisprudência da Corte tem flexibilizado a regra temporal prevista no art. 56 da Lei n. 6.015/73, admitindo que menores, devidamente assistidos por seus pais, possam postular retificação no registro civil, desde que se verifique o justo motivo. III - O pleito, na espécie, longe de denotar mero capricho, afigura-se bastante razoável, tendo em vista que o registro original nem sequer será alterado de modo substancial, com o acréscimo do segundo nome, com o qual a requerente de fato se identifica e que a individualiza no meio em que vive. IV - Nesse contexto, há de lhe ser oportunizada a dilação probatória requerida. Recurso especial provido.

2.6.1. Da Proteção ao Nome da Pessoa quanto ao Desprezo Público

O Código Civil adotou, em seu artigo 17, dispositivo que objetiva a proteção do nome, no sentido de não expô-lo ao desprezo público, in verbis:

“Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.”

41 AMARAL, 2003, p. 270. 42 MIRANDA, 1999, Tomo I, p. 299. 43 AMARAL, 2003, p. 271.

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É o que se depreende da obra de Caio Mário da Silva Pereira: “Destaca-se no art. 17 do Código a hipótese de divulgação do nome da pessoa que a exponha ao desprezo público, por qualquer via publicitária, ainda que de boa-fé, como consequência lógica do direito de ação que já fiz referência. Esta disposição, por seu cunho protecionista, não pode receber interpretação estrita, para abranger qualquer finalidade. E a ela se ligará dupla sanção, civil e penal.”44

2.6.2. Do Uso do Nome em Propaganda Comercial, sem Autorização

O artigo 18 do Código Civil Brasileiro preceitua: “Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.”

O Superior Tribunal de Justiça, em Agravo Regimental em Agravo de Instrumento, AgRg no Ag 658134/RJ, apreciou a matéria, aduzindo seu conteúdo eminentemente fático:

CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ACÓRDÃO ESTADUAL. CAMPANHA PUBLICITÁRIA. DANO MORAL. USO INDEVIDO DO NOME E DANO À IMAGEM. RECONHECIMENTO COM BASE NOS ELEMENTOS INFORMATIVOS DO PROCESSO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7/STJ. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DA CAUSA E REAPRECIAÇÃO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS SOB A PERSPECTIVA DO EMBARGANTE. IMPROVIMENTO. I. Inexistente a ofensa ao art. 535, II, do CPC, vez que não se trata das hipóteses insertas na referida norma processual, mas tão só pretensão infringente consubstanciada em rediscussão da causa e verdadeiro reexame das provas sob o enfoque do embargante. II. A verificação acerca do uso do nome da recorrida em campanha publicitária e a constatação de dano à sua imagem em razão desse uso de forma indevida, fatos expres-samente reconhecidos pela instância ordinária, impedem a análise do mérito recursal sem que haja incontornável reexame das provas dos autos, o que é vedado nesta sede extraordinária, nos termos da Súmula 7/STJ. III. Agravo regimental desprovido. (Grifou-se)

2.6.3. Da Proteção do Pseudônimo para Atividades Lícitas

O artigo 19 do Código Civil Brasileiro dispõe que: “Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.”

Primeiramente, faz-se necessário conceituar o que seja “pseudônimo”, valendo-se da lição de Nestor Duarte: “‘Pseudônimo’, que etimologicamente significa falso nome, resultado do hibridismo de pseudos (do grego, mentira, falsidade) e nomen (do latim, nome), não significa um nome destinando a ocultar ilicitamente por inteiro a identidade de quem o ostenta, mas encobrir a identidade somente em certos aspectos correspondentes à atividade profissional ou intelectual da pessoa.”45 (Grifou-se) São os nomes utilizados pelos artistas e jogadores de futebol, que, em verdade, não correspondem àqueles nomes constantes de seu registro civil (Robinho, Tesourinha, Ronaldinho, Pato, entre outros)

44 PEREIRA, 2007, v. 1, p. 246. 45 DUARTE, 2010, p. 39.

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A partir deste conceito, o pseudônimo tem a mesma proteção do nome, e, portanto, não pode ser exposto ao desprezo público, tampouco utilizado comercialmente sem autorização, nos termos do disposto anteriormente.

2.6.4. Do Direito à Imagem e Da Liberdade de Imprensa

O artigo 20 do Código Civil Brasileiro estabelece os limites entre o Direito à Imagem da Pessoa Natural e a Liberdade de Imprensa, a saber:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”

Para a análise deste artigo, deve ser observado o Enunciado n. 279 do Conselho da Justiça Federal, na IV Jornada de Direito Civil: “A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e à liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.”46

A legitimidade para requerer esta proteção em caso de morto ou ausente é estendida ao cônjuge, ascendentes e descendentes, no parágrafo único deste artigo:

“Artigo 20. (...) Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.”

2.6.5. Da Inviolabilidade da Vida Privada da Pessoa Natural

Dispõe o artigo 21 do Código Civil Brasileiro acerca do Direito de Intimidade: “Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”

A pessoa natural poderá requerer ao juiz que impeça e faça cessar qualquer intromissão injustificada em sua vida privada. Washington de Barros Monteiro define o que é vida privada, de forma bastante objetiva: “O art. 21 encerra o capítulo dispondo sobre a intimidade: a vida privada da pessoa natural é inviolável (...). O gosto pessoal, a intimidade do lar, as amizades, as preferências artísticas, literárias, sociais, gastronômicas, sexuais, as doenças porventura existentes, medicamentos tomados, lugares frequentados, as pessoas com que conversa e sai, até o lixo produzido, interessam exclusivamente a cada indivíduo, podendo ficar fora da curiosidade, conhecimento, intromissão ou interferência de quem quer que seja.”47

46 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, v. 1. 47 MONTEIRO, 2009, p. 106-107.

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3. Da Classificação dos Fatos Jurídicos

Assim, os fatos que interessam para o mundo jurídico são denominados de fatos jurídicos em sentido amplo ou lato sensu. É o que se verifica da lição de Orlando Gomes: “No sentido lato, é todo acontecimento, dependente, ou não, da vontade humana, a que o direito atribui eficácia.”48 São fatos jurídicos, portanto, os acontecimentos que podem ocasionar efeitos jurídicos: aquisitivos, modificativos e extintivos de direito.49

Os fatos jurídicos em sentido lato dividem-se em: fatos jurídicos em sentido estrito (stricto sensu), atos jurídicos lícitos (atos meramente lícitos; negócios jurídicos e atos-fatos jurídicos) e atos ilícitos.

3.2.1. Dos Fatos Jurídicos em Sentido Estrito (Stricto Sensu)

Os fatos jurídicos em sentido estrito são aqueles que não dependem da vontade humana. Segundo Pontes de Miranda: “Fatos Jurídicos stricto sensu são os fatos que entram no mundo jurídico, sem que haja, na composição deles, o ato humano, (...) e.g., nascimento, morte, idade; adjunção, mistura, confusão, produção de frutos, aluvião, aparição de ilha.”50 Os fatos jurídicos em sentido estrito dividem-se em: a) acontecimentos ordinários: maioridade, nascimento, morte, avulsão, álveo abandonado; b) acontecimentos extraordinários: força maior, tais como: raio que provoca danos em veículo, inundação; caso fortuito: como greve, motim.51

3.2.2. Dos Atos Jurídicos Lícitos

Os fatos jurídicos lato sensu que são voluntários denominam-se “atos jurídicos”52. Os atos jurídicos lícitos dividem-se em: atos meramente lícitos, negócios jurídicos e ato-fato jurídico.

3.2.2.1. Dos Atos Meramente Lícitos

Os atos meramente lícitos são aqueles que ocorrem por simples declarações de vontade que produzem efeitos já estabelecidos na lei, como é o caso da fixação do domicílio e do reconhecimento de paternidade.53 Importa destacar que, por exemplo, uma vez reconhecida a paternidade, não pode o pai limitar os efeitos de tal ato lícito, não há um “querer especial” quanto a determinados efeitos, eis que decorrem da lei, como o dever de alimentos, de proteção do menor, entre outros.

3.2.2.2. Dos Negócios Jurídicos

Os negócios jurídicos são aqueles em que os efeitos jurídicos são ajustados pela vontade das partes. É o que se depreende da lição de Orlando Gomes: “Negócio jurídico é

48 GOMES, 2010, p.187. 49 VENOSA, 2010, v. 1, p. 324. 50 MIRANDA, 1999, Tomo II, p. 225. 51 DINIZ, 2010, p. 405. 52 AMARAL, 2003, p. 344. 53 Ibid., p. 344.

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toda a declaração de vontade destinada à produção de efeitos jurídicos correspondentes ao intento prático do declarante, se reconhecido e garantido a lei.”54 Sílvio de Salvo Venosa assim refere: “Quando existe por parte da pessoa a intenção específica de gerar efeitos jurídicos ao adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, estamos diante de um negócio jurídico.”55 Os negócios jurídicos podem ser unilaterais (testamento), como bilaterais (compra e venda, locação).

3.2.2.3. Do Ato-Fato Jurídico

O ato-fato jurídico decorre da vontade humana, no entanto, é irrelevante para o direito se a pessoa teve ou não a intenção de praticá-lo.56 É o clássico exemplo da criança de nove anos que adquire balas de goma em um bar, realizando típico contrato de compra e venda. A princípio, analisando com o rigor da lei, o contrato é nulo de pleno direito, todavia, o direito considera irrelevante para este caso a intenção de praticá-lo. É o que refere Sílvio de Salvo Venosa: “Nesse sentido, costuma chamar-se à exemplificação os atos praticados por uma criança, na compra e venda de pequenos confeitos. Não se nega, porém, que há um sentido de negócio jurídico do infante que compra confeitos em um botequim.”57 Este é o ato-fato jurídico.

3.2.3. Dos Atos Ilícitos

Conforme leciona Arnaldo Rizzardo: “O ato ilícito, pois, é toda ação ou omissão que não se mantém dentro da ordem jurídica, ou que o ordenamento condena e aplica sanções.”58 Importa destacar que o Código Civil Brasileiro traz em dois dispositivos legais o conceito de ato ilícito. O primeiro, na linha da teoria clássica: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” E, de acordo com a vedação do Abuso do Direito, a saber: “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

54 GOMES, 2010, p. 213. 55 VENOSA, 2010, v. 1, p. 325. 56 VENOSA, 2010, v. 1, p. 324-325. 57 Ibid., p. 325. 58 RIZZARDO, 2007, p. 560.

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QUESTÕES:

1. A prescrição:

a) suspensa em favor de um dos credores solidários aproveitará os outros, independentemente da natureza da obrigação.

b) da pretensão de ressarcimento por enriquecimento sem causa ocorre em dois anos.

c) correrá normalmente entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal.

d) iniciada contra uma pessoa, em regra, não continua a correr contra o seu sucessor.

e) pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita.

2. Com relação à prescrição é correto afirmar:

a) os prazos prescricionais fixados por lei podem ser alterados por convenção das partes.

b) a renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar.

c) a prescrição iniciada contra uma pessoa não continua a correr contra seu sucessor.

d) correrá a prescrição normalmente entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal.

e) a prescrição ocorre em vinte anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

3. É anulável o negócio jurídico:

a) por vício resultante de erro, dolo ou coação.

b) que não se revestir de forma prescrita em lei.

c) quando for ilícito, impossível ou indeterminável seu objeto.

d) que tiver por objeto fraudar lei imperativa.

e) quando o motivo determinante, comum a ambas as partes for ilícito.

4. Quanto à decadência é INCORRETO afirmar:

a) o prazo de decadência não corre contra os absolutamente incapazes.

b) o juiz deve, de ofício, reconhecer da decadência, quando estabelecida em lei.

c) a renúncia à decadência fixada em lei é nula.

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d) aplicam-se à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.

e) a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação, se a decadência for convencional. 5. Quanto à pessoa física, julgue as assertivas: I) A pessoa natural ou física começa sua existência com o nascimento com vida, mas a capacidade jurídica existe desde a concepção. II) Nascimento é o fato, natural ou artificial, da separação do feto do ventre materno. III) O Código Civil brasileiro nega a personalidade jurídica ao nascituro, mas lhe garante proteção para os direitos de que possa ser titular. IV) A jurisprudência brasileira nega o reconhecimento da capacidade processual ativa do nascituro. a) I, II e IV são verdadeiras; b) I, II e III são falsas; c) II e III são verdadeiras; d) I, III e IV são falsas. 6. A pretensão de reparação civil prescreve em: a) dez anos. b) cinco anos. c) três anos. d) Nenhuma das hipóteses acima. 7. A respeito da aplicabilidade da Lei de Introdução ao Código Civil, julgue os próximos itens. I) O sistema da obrigatoriedade simultânea regula a obrigatoriedade da lei no país, a qual entra em vigor, em todo o território nacional, quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada, se não haver disposição em contrário. II) O juiz não pode deixar de decidir quando a lei for omissa, devendo atentar para os fins sociais a que ela se dirige e julgar o caso de acordo com esses fins, a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito. III) Publicada uma lei, caso o juiz constate que houve erro na definição de determinado objeto, poderá corrigi-lo mediante interpretação analógica. IV) Publicada lei nova, os atos praticados durante a vacatio legis de conformidade com a lei antiga terão validade, ainda que destinados a evitar os efeitos da lei nova. Estão certos apenas os itens a) I e III. b) I e IV. c) II e III. d) I, II e IV. e) II, III e IV. 8. Simulação é: a) uma causa de nulidade do negócio jurídico; b) um vício de consentimento; c) um motivo para a rescisão do contrato; d) uma causa de anulabilidade do negócio jurídico.

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9. A lei nova que estabelecer disposições gerais: a) a par de leis especiais já existentes a estas não revoga; b) sempre revogará as leis especiais anteriores sobre a mesma matéria; c) somente pode revogar a lei geral anterior, continuando vigentes todas as leis especiais; d) apenas revoga as leis especiais às quais expressamente se referiu. 10. Com objetivo científico ou altruístico pode-se dispor para depois da morte: a) do próprio corpo no todo ou em parte, a título gratuito ou oneroso, sendo essa disposição revogável; b) apenas de partes do corpo, a título gratuito ou oneroso, sendo essa disposição irrevogável; c) apenas de partes do corpo, desde que gratuitamente e essa disposição é irrevogável; d) do próprio corpo, no todo ou em parte, gratuitamente, sendo essa disposição revogável.