produção analítico-comportamental sobre autismo

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3 a 6 de novembro de 2009 - Londrina Pr - ISSN 2175-960X 2456 PRODUÇÃO CIENTÍFICA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL SOBRE AUTISMO EM PROGRAMAS BRASILEIROS DE PÓS-GRADUAÇÃO Sílvia Cristiane MURARI 1 (orientadora) - Universidade Estadual de Londrina Fábio Henrique ARÉVALO 2 - Universidade Estadual de Londrina Marcelo Henrique Oliveira HENKLAIN 3 - Universidade Estadual de Londrina Patrícia Cossa BRANDÃO 4 - Universidade Estadual de Londrina Introdução Um breve levantamento histórico das pesquisas sobre o autismo deve mostrar que em 1911 a expressão (autismo) foi utilizada pela primeira vez por Bleuler, com o objetivo de designar a perda do contato com a realidade. O autismo é descrito como uma alteração cerebral, uma desordem que compromete o desenvolvimento psiconeurológico o que acarretava uma grande dificuldade ou impossibilidade de comunicação. No ano de 1943, Kanner usou o mesmo termo para descrever 11 crianças que tinham em comum um comportamento bastante original. Sugeriu que se tratava de uma inabilidade inata para estabelecer contato afetivo e interpessoal, para o autor essas crianças transmitem “isolamento extremo desde o início da vida e um desejo obsessivo pela preservação da rotina” (KANNER, 1943). Logo depois, em 1944, Asperger descreveu casos com algumas características semelhantes ao autismo em relação às dificuldades de comunicação social em crianças com inteligência normal. Os diversos modos de manifestação do autismo foram descritos por Asperger como espectro autista, indicando uma gama de possibilidades dos sintomas do autismo. Ainda hoje as causas biológicas exatas do autismo e das desordens do espectro autista são desconhecidas e são um grande desafio para a sociedade. Embora não haja uma malformação cerebral, estudos recentes têm observado mudanças bruscas em algumas áreas do cérebro de pacientes autistas, incluindo um aumento moderado, que parece acontecer durante o desenvolvimento do cérebro fetal ou na 1.ª infância. Fatores genéticos, ou a exposição do cérebro em desenvolvimento a alguma toxina ambiental ou infecção, pode ser a causa dessas anormalidades. Na falta desse marcador biológico, o diagnóstico é clínico e fundamentado em critérios estabelecidos pelo DSM-IV, os quais avaliam a presença de déficits qualitativos de interação social e comunicação, bem como padrões de comportamento restritos e estereotipados (ROTTA; TUCHMAN; GADIA, 2004). Por ainda não ter uma causa específica definida, é chamado de síndrome e como em qualquer síndrome o grau de comprometimento pode variar do mais severo ao mais brando e atinge todas as classes sociais, em todo o mundo. Considerando que em países como os Estados Unidos, onde a incidência da síndrome é muito alta (http://www.behavior.org/autism/), existe um volume considerável de trabalhos em análise do comportamento (AC) sobre o tema, fica a pergunta a respeito da realização de pesquisas desenvolvidas por analistas do comportamento brasileiros. 1 Mestre em psicologia experimental pela PUC-SP e docente da Universidade Estadual de Londrina. 2, 3,4 Discentes da Universidade Estadual de Londrina.

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Produção analítico-comportamental sobre autismo

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3 a 6 de novembro de 2009 - Londrina – Pr - ISSN 2175-960X

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PRODUÇÃO CIENTÍFICA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL SOBRE AUTISMO

EM PROGRAMAS BRASILEIROS DE PÓS-GRADUAÇÃO

Sílvia Cristiane MURARI1 (orientadora) - Universidade Estadual de Londrina

Fábio Henrique ARÉVALO2 - Universidade Estadual de Londrina

Marcelo Henrique Oliveira HENKLAIN3 - Universidade Estadual de Londrina

Patrícia Cossa BRANDÃO4 - Universidade Estadual de Londrina

Introdução

Um breve levantamento histórico das pesquisas sobre o autismo deve mostrar que em 1911 a

expressão (autismo) foi utilizada pela primeira vez por Bleuler, com o objetivo de designar a

perda do contato com a realidade. O autismo é descrito como uma alteração cerebral, uma

desordem que compromete o desenvolvimento psiconeurológico o que acarretava uma grande

dificuldade ou impossibilidade de comunicação.

No ano de 1943, Kanner usou o mesmo termo para descrever 11 crianças que tinham em

comum um comportamento bastante original. Sugeriu que se tratava de uma inabilidade inata

para estabelecer contato afetivo e interpessoal, para o autor essas crianças transmitem

“isolamento extremo desde o início da vida e um desejo obsessivo pela preservação da

rotina” (KANNER, 1943).

Logo depois, em 1944, Asperger descreveu casos com algumas características semelhantes ao

autismo em relação às dificuldades de comunicação social em crianças com inteligência

normal. Os diversos modos de manifestação do autismo foram descritos por Asperger como

espectro autista, indicando uma gama de possibilidades dos sintomas do autismo.

Ainda hoje as causas biológicas exatas do autismo e das desordens do espectro autista são

desconhecidas e são um grande desafio para a sociedade. Embora não haja uma malformação

cerebral, estudos recentes têm observado mudanças bruscas em algumas áreas do cérebro de

pacientes autistas, incluindo um aumento moderado, que parece acontecer durante o

desenvolvimento do cérebro fetal ou na 1.ª infância. Fatores genéticos, ou a exposição do

cérebro em desenvolvimento a alguma toxina ambiental ou infecção, pode ser a causa dessas

anormalidades. Na falta desse marcador biológico, o diagnóstico é clínico e fundamentado em

critérios estabelecidos pelo DSM-IV, os quais avaliam a presença de déficits qualitativos de

interação social e comunicação, bem como padrões de comportamento restritos e

estereotipados (ROTTA; TUCHMAN; GADIA, 2004). Por ainda não ter uma causa

específica definida, é chamado de síndrome e como em qualquer síndrome o grau de

comprometimento pode variar do mais severo ao mais brando e atinge todas as classes

sociais, em todo o mundo.

Considerando que em países como os Estados Unidos, onde a incidência da síndrome é muito

alta (http://www.behavior.org/autism/), existe um volume considerável de trabalhos em

análise do comportamento (AC) sobre o tema, fica a pergunta a respeito da realização de

pesquisas desenvolvidas por analistas do comportamento brasileiros.

1 Mestre em psicologia experimental pela PUC-SP e docente da Universidade Estadual de Londrina.

2, 3,4 Discentes da Universidade Estadual de Londrina.

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Objetivo

Neste sentido, o estudo tem o objetivo de verificar (1) o número de publicações por ano sobre

autismo em programas (mestrado e doutorado) relacionados à AC, (2) quais desses programas

publicaram mais trabalhos sobre autismo e (3) quais foram os analistas do comportamento

que mais orientaram dissertações e teses no país.

Método

A pesquisa foi realizada em três fases distintas: (1) levantamento de todos os programas

brasileiros de pós-graduação em psicologia, seguida da seleção apenas daqueles programas

relacionados com a análise do comportamento; (2) pesquisa no Banco de Teses da CAPES

das dissertações e teses sobre autismo produzidas (de 1987 a 2008) nos programas de pós-

graduação relacionados à análise do comportamento obtidos por meio da primeira fase da

pesquisa; e (3) pesquisa do número total de dissertações e teses sobre autismo produzidas no

Brasil.

Na primeira fase do estudo, foi acessado o site da CAPES (http://www.capes.gov.br/), onde o

seguinte itinerário foi percorrido por meio dos links disponíveis no site: (1) cursos

recomendados, (2) por área, (3) seleção da grande área “ciências humanas”, (4) seleção da

área “psicologia”, (5) consulta e seleção dos programas de psicologia com base nos seguintes

critérios: (1) O nome do programa deveria conter, pelo menos, um dos termos:

Comportamental, Análise do Comportamento ou Psicologia experimental; (2) Caso o

programa não contivesse nenhum dos termos pré-estabelecidos, era necessário acessar o link

do programa para averiguar se os descritores da sua área de concentração possuíam um dos

seguintes termos: Comportamental, Análise do Comportamento ou Psicologia experimental;

(3) Caso o critério anterior não fosse suficiente para definir a relação do programa com a

análise do comportamento, entrou-se no site do programa no intuito de verificar se havia

alguma linha de pesquisa com algum dos termos: Comportamental, Análise do

Comportamento ou Psicologia experimental.

Após a seleção dos programas, a segunda fase do estudo envolveu a pesquisa, por instituição,

no Banco de Teses da CAPES, das dissertações e teses sobre autismo relacionadas à análise

do comportamento. Para tanto, no Banco de Teses da CAPES

(http://servicos.capes.gov.br/capesdw/) foram realizadas uma série de buscas que

combinavam uma das palavras-chaves pré-definidas (autismo, autista, desenvolvimento

atípico [expressão exata], transtorno global [expressão exata]) e o nome de uma das

instituições das quais os programas de pós-graduação selecionados na primeira fase faziam

parte. Quando, por meio deste procedimento, os resumos foram identificados, foi feita a

leitura de cada um deles par verificar se os objetivos dos trabalhos adotavam o referencial

teórico da análise do comportamento. Também foi verificado, através da leitura dos resumos,

quem eram e a qual instituição faziam parte os professores que mais orientaram trabalhos

sobre o tema.

Na última fase deste estudo, foi realizada nova pesquisa no Banco de Teses da Capes para

levantar o número total de dissertações e teses produzidas no Brasil de 1987 a 2008

(independente do programa de pós-graduação). As palavras-chave foram as mesmas: autismo,

autista, desenvolvimento atípico (expressão exata), transtorno global (expressão exata).

Resultados

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Os resultados da primeira fase da pesquisa mostraram que, na área de Psicologia, há 65

programas de pós-graduação (incluindo, mestrado acadêmico e profissional e doutorado).

Destes 65, 8 programas apresentaram em alguma instância (nome do programa, área de

concentração ou linha de pesquisa) o critério de seleção, ou seja, a presença de algum dos

descritores pré-definidos (possivelmente, portanto, são programas de AC).

Nestes programas, foram encontrados 14 resumos, os quais foram lidos para verificar se

estavam de fato fundamentados na AC. Com esta seleção final, os resultados mostraram que,

de 1987 a 2008, apenas nove trabalhos de AC foram produzidos na área: oito dissertações e

uma tese (que não era sobre autismo, mas continha esta palavra-chave no resumo). O

resultado da segunda fase do estudo resultou na identificação de 14 trabalhos. Dos trabalhos

que não foram selecionados, três utilizavam referencial teórico psicanalítico e dois o

referencial sócio-interacionista.

A Figura 1 exibe a produção brasileira em análise do comportamento sobre autismo (1987-

2008) por programa de pós-graduação relacionada à Análise do Comportamento.

Figura 1. Produção sobre autismo, de 1987 a 2008, em programas brasileiros de pós-graduação

relacionados à Análise do Comportamento.

Dos nove trabalhos selecionados, conforme Figura 1, 45% eram do Programa Psicologia

Experimental: análise do comportamento da PUC, 33% do Programa Psicologia da UCGO,

11% do Programa Psicologia da UFSC e 11% do Programa Teoria e Pesquisa do

Comportamento da UFPA.

A Figura 2 exibe a produção, por orientador, de dissertações e teses da análise do

comportamento sobre autismo.

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Figura 2. Produção sobre autismo, de 1987 a 2008, por orientador, em programas brasileiros de pós-

graduação relacionados à Análise do Comportamento.

Verificou-se, de acordo com a Figura 2, que os principais orientadores na área de pesquisa

comportamental sobre autismo foram a Profa. Dra. Nilza Michelletto (PUC), responsável por

orientar três dissertações (34% dos trabalhos), e a Profa. Dra. Ângela Duarte (UCGO), que

orientou duas dissertações (22%). Cada um dos outros professores, [Prof. Sílvio Botomé

(UFSC), Profa. Ilma Brito (UCGO), Profa. Maria Andery (PUC) e Profa. Marilice Garotti

(UFPA)] como apontam os dados, foram responsáveis pela orientação de 11% dos trabalhos.

Na Figura 3, pode-se observar, ao longo dos anos, o crescimento da produção nacional na área

do autismo.

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Figura 3. Produção brasileira sobre autismo entre os anos de 1987 e 2008.

Na terceira fase pesquisa, portanto, foram identificadas 261 dissertações e 54 teses,

perfazendo o total de 315 trabalhos, bem como um crescimento significativo a partir de 2002.

Na Figura 4, observa-se, ao longo dos anos, o crescimento da produção brasileira de

dissertações e teses com referenciais analítico-comportamentais.

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Figura 4. Produção brasileira de dissertações e teses sobre autismo com referencial analítico-

comportamental.

Pode-se observar, portanto, que, embora a produção em Análise do Comportamento esteja

crescendo, sobretudo, nos anos de 2002, 2003, 2005 e 2008, ainda é pouco quando comprado

com a produção nacional.

Discussão

Os resultados sugerem uma pequena participação da Análise do Comportamento na produção

científica nacional sobre autismo, sobretudo, quando se compara a quantidade total de

trabalhos produzidos no Brasil e o total de trabalhos com referencial teórico analítico-

comportamental.

É preciso considerar, contudo, que muitos trabalhos brasileiros de análise do comportamento

na área do autismo, possivelmente, estão sendo produzidos nos programas de pós-graduação

em Educação Especial e não apenas nos programas de Psicologia. Essa hipótese aponta,

portanto, a importância de uma nova pesquisa que englobe também programas de Educação e

Educação Especial.

Conclusão

Ao finalizar esta pesquisa, fica evidenciada a importância de trabalhos na área para a

ampliação do conhecimento sobre esta população tão específica e tão diferenciada de

indivíduos que possuem esta síndrome ainda muito desconhecida. O autismo, como já foi

apresentado, é caracterizado por alterações que se manifestam, principalmente, na interação

social, na comunicação e no comportamento. As causas ainda não foram claramente

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identificadas e várias abordagens de tratamento têm sido desenvolvidas. Contudo, é preciso

levar em consideração que as pessoas com autismo têm um modo diferente de aprender,

organizar e processar as informações e para respeitar estas diferenças, elas precisam de

ambientes estruturados e organizados.

Espera-se que novas questões sejam suscitadas para que aconteçam buscas pelas respostas e,

possamos contribuir para uma melhor qualidade de vida, não só destes indivíduos, mas

também para todos aqueles que convivem com eles, principalmente a própria família, bem

como ampliar o espaço de capacitação de profissionais das mais diversas áreas.

Somente a partir de uma percepção global da síndrome e das peculiaridades que ela possui, o

profissional poderá desenvolver um plano de cuidados que, embasado em teorias científicas

claras, poderá contribuir para o progresso da abordagem terapêutica de cada paciente.

Referências

COSTA, M. I. F. da; NUNESMAIA, H. G. da S. Diagnóstico genético e clínico do autismo

infantil. Arq. Neuropsiquiatr, p. 24-31, 1998.

KANNER, L. Affective disturbances of affective contact. Nervous Child, 2,

217-250, 1943.

RIVIÉRE, Ange. O autismo e os transtornos globais do desenvolvimento. Em C Coll, J.

Palácios, & A. Marchesi (Orgs.), Desenvolvimento psicológico e educação: necessidades

educativas especiais e aprendizagem escola. Vol. 3, (pp. 274-297). Porto Alegre: Artes

médicas, 2004.

ROTTA, N. T.; TUCHMAN, R.; GADIA, C. A. Autismo e doenças invasivas de

desenvolvimento. Jornal de Pediatria, vol. 80, n. 2, 2004.

SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov, & R. Azzi, Trads.). São

Paulo: Martins Fontes, 1953/1981.