proclamação da república nas mãos do pintor benedito calixto … · república de 1889, parte...

4
32 PROFISSÃO MESTRE ® outubro 2010 SALA DE AULA Arte – Ensino Fundamental I T odo professor sabe como um bom planejamento é es- sencial para alcançar os objetivos educacionais que traçamos no início do ano. Para diversas áreas do co- nhecimento, como a Língua Portuguesa, a Matemática ou Ciências, é comum seguirmos as orientações curriculares de cada disciplina, o que geralmente tem relação com as pro- postas que estão nos livros didáticos. Já na área de Artes, é mais raro encontrarmos uma linha de orientação bem defi- nida e geralmente aproveitamos as datas comemorativas pa- ra escolher temas geradores para as nossas aulas. A Páscoa, o Dia da Árvore, o Dia do Índio, entre tantas outras datas, são motivo de expectativa por parte da equipe escolar e da comunidade para que algo seja produzido em Artes. Entretanto, esse tipo de escolha temática das aulas de Artes tem gerado resistências no meio acadêmico que discu- te a qualidade e relevância dos planejamentos em Artes. Isso ocorre porque em muitos casos é frequente encontrarmos o tema das datas oficiais tratado com superficialidade. A proposta pedagógica a seguir tem como intenção dar subsídios para, de um lado atender um desejo da cultu- ra escolar e das famílias e, de outro, proporcionar um pla- nejamento sólido que possibilite uma aprendizagem ar- tística significativa. O tema escolhido é a Proclamação da República de 1889, parte do calendário oficial (15 de novem- bro) e raramente explorado a partir dos referenciais que se- rão tratados nesta proposta de atividade. Neste artigo, se- rão privilegiadas referências de produção artística nas Artes Visuais e na Música. Como desenvolver O objetivo inicial é trabalhar a contextualização da arte no período da Proclamação da República. Na primeira au- la, procure explanar sobre a arte representativa à época em que foi proclamada a república, ao abordar Artes Visuais e Música. É importante mostrar como a arte era realizada na Europa e como foi importada para o Brasil como modelo es- COMEMORANDO A REPÚBLICA COM AS ARTES! Conheça proposta pedagógica sobre a Proclamação da República. Ela pode ser feita durante todo um semestre e envolver atividades em Artes Visuais e Música Reprodução Proclamação da República nas mãos do pintor Benedito Calixto (1893)

Upload: hoangkien

Post on 18-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

32 PROFISSÃO MESTRE® outubro 2010

SALA DE AULA Arte – Ensino Fundamental I

Todo professor sabe como um bom planejamento é es-sencial para alcançar os objetivos educacionais que traçamos no início do ano. Para diversas áreas do co-

nhecimento, como a Língua Portuguesa, a Matemática ou Ciências, é comum seguirmos as orientações curriculares de cada disciplina, o que geralmente tem relação com as pro-postas que estão nos livros didáticos. Já na área de Artes, é mais raro encontrarmos uma linha de orientação bem defi-nida e geralmente aproveitamos as datas comemorativas pa-ra escolher temas geradores para as nossas aulas.

A Páscoa, o Dia da Árvore, o Dia do Índio, entre tantas outras datas, são motivo de expectativa por parte da equipe escolar e da comunidade para que algo seja produzido em Artes. Entretanto, esse tipo de escolha temática das aulas de Artes tem gerado resistências no meio acadêmico que discu-te a qualidade e relevância dos planejamentos em Artes. Isso ocorre porque em muitos casos é frequente encontrarmos o tema das datas oficiais tratado com superficialidade.

A proposta pedagógica a seguir tem como intenção dar subsídios para, de um lado atender um desejo da cultu-ra escolar e das famílias e, de outro, proporcionar um pla-nejamento sólido que possibilite uma aprendizagem ar-tística significativa. O tema escolhido é a Proclamação da República de 1889, parte do calendário oficial (15 de novem-bro) e raramente explorado a partir dos referenciais que se-rão tratados nesta proposta de atividade. Neste artigo, se-rão privilegiadas referências de produção artística nas Artes Visuais e na Música.

Como desenvolver O objetivo inicial é trabalhar a contextualização da arte no período da Proclamação da República. Na primeira au-la, procure explanar sobre a arte representativa à época em que foi proclamada a república, ao abordar Artes Visuais e Música. É importante mostrar como a arte era realizada na Europa e como foi importada para o Brasil como modelo es-

COMEMORANDO A REPÚBLICA COM AS ARTES!Conheça proposta pedagógica sobre a Proclamação da República. Ela pode ser feita durante todo um semestre e envolver atividades em Artes Visuais e Música

Reprodução

Proclamação da República nas mãos do pintor Benedito Calixto (1893)

PROFISSÃO MESTRE® outubro 2010 33

SALA DE AULA

tético. Os períodos que precederam a Proclamação da República foram mar-cados pela vinda da corte portuguesa ao Brasil (1808) e a chegada da Missão Artística Francesa (1816). O modelo estético da academia francesa trazi-do pelos artistas possibilitou a criação da Escola de Belas Artes seguindo es-tes parâmetros neoclássicos. Conheça a seguir as atividades que podem fazer parte desta proposta pedagógica:

Artes visuais1) Pintura e esculturaOriente os alunos a pesquisarem no site do Itaú Cultural (http://www.itaucultural.org.br) e em enciclopé-dia de Artes Visuais sobre a biogra-fia e a produção artística dos artis-tas Henrique Bernardelli, Rodolfo Bernardelli e Marc Ferrez (sobre Ferrez, veja detalhes de outras atividades no item “Fotografia”). A partir desta pesquisa, discuta com os estudantes sobre o con-texto artístico e cultural da época.

Henrique Bernardelli (1858 - 1936) era pintor e cursou a Academia Imperial de Belas Artes. Ele também executou os painéis no interior do Theatro Municipal do Rio Janeiro.

A leitura desta reprodução artística pode destacar, por exemplo:•A forma de representação, as pin-

celadas que se aproximam das pro-postas acadêmicas de representação realista;

•Ao conhecer outras pinturas do ar-tista, é possível perceber como a for-ma de representação mudou muito com o tempo, sendo forte a influên-cia de outras formas de representa-ção, como do impressionismo fran-cês;

•A idealização da figura do Marechal Deodoro da Fonseca, a pose, a pos-tura e a aclamação coletiva consis-tem em uma construção artística distante dos fatos reais. Procure re-fletir com os alunos sobre a forma como a história pode ser transmiti-da e eternizada de forma ideológica em uma obra de arte.

Essa escultura pode ser lida com os alunos destacando-se:•Como a figura humana é integrada

ao bronze, representando a leveza de um corpo em um líquido?

•A escolha do nome da obra (“Moema”) demonstra o interesse por um referen-cial temático autenticamente brasilei-ro que é apresentado a partir de refe-renciais estéticos europeus.

Objetivo Compreender os elementos e as características das Artes Visuais e da Música na época da Proclamação da República.

Conteúdos •História da arte: referências estéticas do neoclassicismo e romantismo; •Artistas relevantes do período da Proclamação da República;•Linguagens das Artes Visuais;•O compositor brasileiro Leopoldo Miguez e suas características estéticas;•A marcha, o pulso e o ostinato.

Público-alvoAtividade indicada a alunos do 4º e 5º ano do ensino fundamental.

Materiais necessários•1 lata vazia de achocolatado ou leite em pó com a tampa de plástico;•1 prego e um martelo (para furar o fundo da lata);•1 vela;•Fósforos.

Atividade de Arte sobre Proclamação da República

Henrique Bernardelli, “Proclamação da República”, 1900.Técnica: Óleo sobre tela. Acervo Museu da República, Rio de Janeiro, RJ.Fonte da imagem: http://revistaescola.abril.com.br/histor ia/pratica-pedagogica/bastido-res-republica-497164.shtml

Rodolfo Bernardelli, “Moema”, 1894 – 1895.Técnica: escultura em bronze.Dimensões: 0,25 x 2,18 x 0,95 cm.Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, RJ.Curiosidade: Obras tridimensionais, como as esculturas, são descritas por sua altura, lar-gura e profundidade. Fonte da imagem: http://www.itaucultu-ral.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/in-dex.cfm?fuseaction=artistas_obras&cd_verbete=3198&cd_idioma=28555

Dica

Olhe atentamente a obra de Benedito Calixto (imagem que abre este artigo) e faça uma comparação com a obra de Henrique Bernardelli. As duas retratam o mesmo acontecimento, mas qual é a di-ferença entre ambas? Aproveite para ins-tigar os seus alunos a conhecerem mais sobre Benedito Calixto.

Rodolfo Bernardelli (1852 - 1931), irmão de Henrique Bernardelli, era es-cultor. Entre 1890 e 1915, foi o primei-ro diretor da recém instituída Escola Nacional de Belas Artes (Enba).

34 PROFISSÃO MESTRE® outubro 2010

2) FotografiaMarc Ferrez (1843-1923) era filho de Zepherin Ferrez e sobrinho de Marc Ferrez, ambos escultores que inte-graram a Missão Artística Francesa. Ele se interessou pela potencialida-de da fotografia para o registro et-nográfico. •Em aula, aborde alguns aspec-

tos relevantes da história da fo-tografia, desde sua invenção por Daguèrre, em 1839, sua chegada ao Brasil, em 1840, e as modifi-cações técnicas que culminaram na fotografia digital. O Arquivo Histórico Nacional (http://www.museuhistoriconacional.com.br/mh-g-22.htm) reúne importantes documentos manuscritos e icono-gráficos referentes a nossa histó-ria.

•Em seguida, pesquise com os alu-nos como a fotografia funciona, as bases físicas e químicas que per-mitem este processo de registro da imagem, lembrando que atual-mente o registro digital substitui uma das etapas da fixação da ima-gem: o filme fotográfico.

•••

A fotografia de Ferrez pode ser ampliada por alguns direcionamen-tos de olhar:

•O que significava, naquela época, as pessoas terem as suas imagens eternizadas por essa foto?

•O que torna uma fotografia um objeto de museu de arte?

•Em outra etapa, realize uma expe-riência com a técnica da fotogra-fia, inclusive em câmera escura. Também pergunte aos alunos: “De que forma vocês acreditam que a nova tecnologia, a fotografia, foi recebida?” e “Como os registros familiares e históricos eram fei-tos e imortalizados antes da foto-grafia?”

••

•••

3) ReflexãoApós a realização das pesquisas dos artis-tas e da experiência com a câmara escu-ra, promova um debate sobre os assuntos estudados e as reflexões suscitadas. •Solicite que os alunos façam uma com-

paração entre diferentes linguagens

das Artes Visuais (pintura, fotografia, escultura) à época da Proclamação da República e as possibilidades de hoje, analisando imagens atuais e dos períodos próximos ao ano de 1889.

•Crie uma reflexão sobre o registro dos momentos históricos naquele momento e hoje: o uso da pintura e da escultura para a imortalidade dos momentos, as poses, os enquadra-mentos, a forma como as pessoas eram retratadas (idealização dos persona-gens históricos) e a função cada vez maior assumida pela técnica da fo-tografia, quanto mais nos aproxi-mamos dos dias atuais.

Música1) Conhecendo o hino A Proclamação da República estimu-lou a construção de uma identidade nacional que atendesse aos anseios de diversas regiões do Brasil que so-nhavam com o modelo republica-no presente em quase todos os nos-sos vizinhos sul-americanos. Uma das produções que marca essa estéti-ca na música é o Hino à Proclamação à República, composto em 1890 por Leopoldo Miguez (1850 – 1902), cuja letra é de autoria de Medeiros e Albuquerque.

Leopoldo Miguez foi um com-positor brasileiro, de origem espa-nhola, por parte de pai, que estudou violino na infância. Sua vida profis-sional se iniciou no comércio, ativi-dade que abandonou por volta dos 30 anos de idade para se dedicar intei-ramente à música. Viajou diversas ve-zes à Europa, onde estudou música e desenvolveu grande admiração pelas obras do compositor Richard Wagner. Nestes aspectos, desenvolva as se-guintes atividades: •Proponha aos alunos pesquisas so-

bre Richard Wagner e sua impor-tância para a música ocidental.

•Ouça a gravação do Hino à Proclamação da República com os alunos (disponível em http://www.governo.rj.gov.br/brasaohinos.asp) e aborde o fato de se tratar de uma marcha, o que é muito comum em hinos.

SALA DE AULA

Marc Ferrez, “Túnel da Mantiqueira, na sua inauguração”.Técnica: fotografia.Curiosidade: Os primeiros negativos de fo-tografia eram impressos em placas de vidro.Fonte da imagem: http://www.beearte.com/fotos/nac/marcferrez/dpedro.jpg

A confecção de uma câmara escura é uma forma lúdica e interessante para se conhecer os princípios da óptica que se encontra em todas as câmeras fotográficas, desde as mais antigas até as atuais. Para realizar esse experimento, escolha um local o mais escuro possível. A lata deve ser preparada fazendo um pequeno orifício no centro da base circular (de alumínio). Depois, ao se colocar um objeto (uma ve-la acesa) em frente ao orifício, a luz emitida pelo objeto passará pelo orifício e atingirá a tampa plástica da lata. A imagem projetada apa-recerá de forma invertida, como na figura abaixo. Cabe ao professor e seus alunos descobrirem o motivo!

Fonte: Projeto Experimentos de Física com Materiais do Dia-a-Dia - UNESP/Bauru (http://www2.fc.unesp.br/experimentosdefisica/opt10.htm)

Dica

PROFISSÃO MESTRE® outubro 2010 35

3) MusicogramaJá que falamos em partituras, po-demos mostrar outra forma de ler uma música, mesmo sem conhecer a escrita musical tradicional. Trata-se do musicograma, uma proposta apresentada pelo educador musical Jos Wuytack que permite identificar visualmente uma obra musical, me-lhorando muito sua compreensão.

Apresentaremos a seguir o mu-sicograma da introdução do Hino à Proclamação da República que de-ve ser visualizado enquanto se ou-ve a gravação. Você verá que os alu-nos conseguem identificar cada uma das vozes presentes na música mes-mo sem ter conhecimentos prévios formais em música. Para saber mais, você pode consultar:

http://www.artes.ufpr.br/mes-trado/dissertacoes/2008/disserta-cao_bourscheidt_luis.pdf

No musicograma abaixo, a linha inferior, que vai da esquerda para a direita, indica o tempo transcor-rido da música, sendo cada casinha um compasso. Os ícones represen-tam os instrumentos que são ouvi-dos, acompanhados de um desenho da sua linha melódica. Você desco-brirá que o musicograma esconde vários segredos e indica de forma gráfica diversos aspectos musicais. Lance o desafio aos alunos e certa-mente eles identificarão as relações entre os símbolos e a música.

2) OstinatoTrata-se de uma célula que se repete constantemente durante uma músi-ca. Como prática que integre a ex-pressão vocal, o movimento e a mú-sica, desenvolva com os alunos uma experiência de execução do ostina-to rítmico que caracteriza o samba.

A seguir, apresentamos a par-titura com uma seleção de ostina-tos presentes no ritmo do samba, que podem ser interpretados com sons da boca – com som de “TCH” –, o som das palmas e, para o gra-ve, o som dos pés batendo no chão. Como atividade preparatória, vo-cê pode trabalhar de forma expres-siva com toda a turma a palavra “TAKATIKA”. Se você não for fami-liarizado com a escrita musical tra-dicional, propomos que peça ajuda a um músico da comunidade, que po-derá mostrar como cada uma dessas células rítmicas soa.

Mande um e-mail para [email protected] e conte o que achou da atividade. Irá colocá-la em prática? Já colocou? Conte pa-ra a gente como foi. Seu depoimento poderá ser divulgado na revista.

+ Fale com a redação

Autores: Berenice Marie Ballande Romanelli, professora do Instituto Federal do Paraná (IFPR), formada em Psicologia e Gravura e doutoranda em Educação, e Luís Bourscheid, professor do IFPR e mestre em Música – Cognição e Filosofia da Música. E-mails: [email protected] e [email protected]

Consultoria: Guilherme Gabriel Ballande Romanelli, músico, mestre e doutor em Edu-cação. É professor do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Pelo seu ritmo de fácil assimilação e execução, a marcha pode ser uma excelente estratégia para a apren-dizagem rítmica. Ela é o que cha-mamos de ritmo binário, ou seja, o compasso reorganiza os pulsos sempre em duplas. Outro gênero que também se organiza em com-passo binário é o Samba, que tem grande importância na identidade cultural brasileira. É fácil identificar o compasso binário, andando, ou melhor, marchando, combinando a música e o movimento.

Dica

O Ostinato pode ser rítmico, como por exemplo o acompanhamento do Bolero de Ravel. Proponha também uma pesquisa sobre quem foi Ravel e como é o seu famoso Bolero.

DicaIntrodução é uma parte da música que prepara o ouvinte e ocorre antes de tudo. Em músicas com canto, co-mo é o caso dos hinos, a introdução é geralmente um pequeno trecho ins-trumental.

Dica

4) Imperatriz LeopoldinenseFinalmente, para demonstrar aos alu-nos que o compasso binário é comum à marcha e ao samba, propomos co-nhecer a Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense e ouvir o seu samba--enredo de 1989 (disponível no site www.imperatrizleopoldinense.com.br, no canal “sambook”). Naquele ano, eles homenagearam o bicentená-rio da república, incluindo a utilização de parte da letra do hino. Proponha a seus alunos a possibilidade de desco-brirem qual é a estrofe em comum.

Sugestões para a avaliaçãoPergunte aos alunos sobre alguns momen-tos mais marcantes da história da fotogra-fia e sobre a forma de representação dos fa-tos históricos à época da Proclamação da República. Solicite também uma pesquisa aos alunos sobre o que é uma banda mili-tar ou uma fanfarra e qual o tipo de músi-ca que elas normalmente tocam.